TERRITÓRIO VIVIDO, TERRITÓRIO EM MUTAÇÃO *
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TERRITÓRIO VIVIDO, TERRITÓRIO EM MUTAÇÃO *
Estratégias de organização da atenção à saúde. PDG-UFRGS- Editora DACASA – 2002 Capítulo VIl TERRITÓRIO VIVIDO, TERRITÓRIO EM MUTAÇÃO * Aldomar Rückert Maria Ceci A. Misoczky A tradicional geografia dos lugares desenvolveu a percepção do espaço como algo a ser descrito, 1 classificado e inter-relacionado em sistemas de objetos. Esta concepção - a do espaço banal gerou a localização cartográfica dos eventos e o sentido tradicional da espacialidade dos fenômenos. Com o aporte da tecnologia informacional esta concepção passa a se expressar nas técnicas de geoprocessamento. Estas, de caráter meramente descritivo, não passam de uma aparente inovação no conhecimento dos territórios, já que não fornecem os fundamentos explicativos da territorialidade. Ou seja, confunde-se o instrumento gerador de informação com as interações fundantes da territorialidade. Tais interações residem na capacidade histórica dos atores sociais de imprimirem novos usos políticos, econômicos e de gestão ao chão dos seres humanos. As clássicas divisões em regiões administrativas - por exemplo: as regiões homogéneas do IBGE, as regiões geoeconômicas, as regiões de secretarias de governo - também refletem esta concepção do espaço como banal, acrescida do pensamento do pós-guerra, segundo a qual o espaço se constitui em um sistema de objetos geometrizáveis em modelos. Estas concepções, presentes de modo marcante no referencial da saúde coletiva, representam uma simplificação da noção de território. Elas ignoram que há uma espacialidade contida na existência humana que está muito além do espaço banal e do gerenciamento das quadrículas do poder das organizações governamentais. Para (re) encontrar o lugar do território pode-se começar por reter que todos, indistintamente, habitam, produzem e consomem, de formas múltiplas e diversas, em algum lugar. Ou seja, pode-se dizer que o que não está em lugar algum não existe. Para avançar pode-se considerar que a espacialidade contida na existência humana reporta à concepção de que são possíveis diversos recortes territoriais, que corresponderão aos projetos gerados por atores múltiplos e não unicamente pelas organizações governamentais. Os projetos gerados pêlos diversos atores correspondem aos diversos temas aglutinadores a partir dos quais geram-se as ações públicas (no sentido ampliado) e suas inscrições estratégicas no território. Além, disto, na atualidade, os territórios, de forma muito distinta das épocas em que se formularam as formas de perceber o espaço geográfico (a era da revoluções industrial e do pósguerra), precisam ser compreendidos a partir dos desafios colocados pela Reforma do Estado e pela inserção (subordinada) na globalização. É preciso analisar os fenómenos para esclarecer o significado, o alcance e os limites das mudanças provocadas pela globalização enquanto fenómeno macro-econômico (a abertura para fora) e da descentralização enquanto fenómeno macro-político (a abertura para dentro). Diante desse novo contexto estratégico necessitam-se novas abordagens explicativas. Isto implica no desenvolvimento de um conjunto de conceitos, ainda que delimitados e circunscritos a realidades empíricas determinadas, utilizando-se as devidas intermediações. Relações Estado - território Raffestin (1982, p.167-171), comentando as concepções de Léfèbvre (1976) sobre a produção do espaço, afirma que o território não é um objeto no sentido do espaço, mas um processo em perpétua evolução e transformação segundo escalas temporais particulares. Os atores sociais "produzem o território, partindo da realidade inicial dada, que é o espaço. Há portanto um 'processo' do território quando se manifestam todas as espécies de relações de poder, que se traduzem por malhas, redes e centralidades" (Raffestin,1993, p. 7-8). * Estas reflexões teóricas fazem parte de um Projeto de Pesquisa, elaborado pêlos autores e apresentado à Agência Nacional de Vigilância Sanitária, em novembro de 2001, intitulado "Desenvolvimento de estratégias para a organização e gestão da rede descentralizada de Vigilância Sanitária no Rio Grande do Sul: uma proposta a ser construída a partir da compreensão das relações entre poder público, organizações da sociedade e território". 1 "O espaço geográfico é um espaço localizável, concreto, 'banal' segunda a expressão do economista François Perroux. Se cada um dos pontos do espaço é suscetível de ser localizado; o que importa é sua situação relativamente a um conjunto no qual se inscreve e as relações por ele mantidas com os diversos meios de que faz parte. Tal como o espaço dos matemáticos ou como o dos economistas, o espaço geográfico se faz e evolui" (Dollfus, 1972, p.7-8). Estratégias de organização da atenção à saúde. PDG-UFRGS- Editora DACASA – 2002 Capítulo VIl A apropriação de um espaço, a territorialização como resultado da ação conduzida por afores coletivos, resulta no fato de que o Estado, a empresa ou outras organizações organizam o território através da implantação de novos recortes e ligações (Raffestin, 1993). O território torna-se manifestação de poder de cada um sobre uma área precisa (Becker, 1983). Emerge, assim, uma redefinição do território para uma concepção mais abrangente, onde se distingue o Poder do Estado e o dos diversos poderes presentes na sociedade (Cox, 1991). As contribuições dos autores acima mencionados, embora diferenciadas entre si, apontam no sentido de que a concepção clássica da estrutura territorial do Estado deve ser redefinida. No entanto, à luz dos processos concretos em países periféricos como o Brasil, faz-se necessário adotar intermediações, tendo em vista suas disparidades regionais em que ora o Estado se encontra presente, ora convive com novos atores que passam a gerir núcleos estratégicos. Concepções em disputa sobre território, região e atividades econômicas: dos anos 30 aos 80 O processo de desenvolvimento capitalista evoluiu de maneira cíclica, com sucessivas alterações dos padrões produtivos, incluindo-se aí tanto as modificações nas relações de trabalho quanto nas formas de organização da produção. Do ponto de vista das implicações territoriais / regionais destas alterações, Lipietz e Legorgne (1988) apontam três tendências: áreas de produção especializada (mono-setoriais, mais comum em países em desenvolvimento); sistemas produtivos locais (elevada especialização intersetorial de firmas) e áreas sistemas (redes multi-setoriais e diversificadas de firmas, integradas territorialmente). Benko e Lipietz (1994) revisam as "ortodoxias" sobre o debate regional, sintetizadas a seguir. A primeira ortodoxia - a hierarquia urbana Os primeiros teóricos da economia espacial, os da Escola de lena (dentre os quais se destaca Chritaller) partiram, na década de 30, da busca de explicações para a hierarquia (de tamanho, leque de serviços oferecidos, de riqueza) que se estabelece entre aglomerações urbanas. No quadro da teoria microeconômica dominante, que parte de comportamentos de maximização do lucro e minimização dos custos, a resposta não poderia deixar de indicar a busca de um limiar ótimo de escala de produção ao qual corresponderia uma procura repartida pelo espaço homogéneo. As produções urbanas tenderiam, assim, a organizar-se em redes de lugares centrais, cujas áreas de influência cobririam o espaço, resultando em redes hexagonais. Constituir-se-ia, assim, "graças a uma mão otimizadora invisível", a hierarquia urbana (Benko e Lipietz, 1994, p.6). Este esquema apresenta pelo menos duas debilidades. Uma se refere a confundir descrição com capacidade explicativa. Foi primeiro a Igreja e depois os Estados autoritários que distribuíram escolas, hospitais, estruturas administrativas, consolidando intencionalmente a hierarquia urbana. A outra é ignorar o conceito de "atmosfera", de existência de comportamentos não regidos por transações comerciais isoladas. Por conseguinte, a teoria espacial mais estruturalista, inspiradora de gestões do território mais funcionalistas, "assenta em um princípio de organização não mensurável e não mercantil, específico da própria aglomeração e que pode, quando muito, ser desencadeado e estimulado por decisões administrativas superiores" (Benko e Lipietz, 1994, p.7). Este é o caso, por exemplo, da política de desenvolvimento urbano relativo às regiões metropolitanas, no Brasil do regime autoritário. Devido à influência desta abordagem sobre o planejamento governamental relativo ao urbano e ao regional por algumas décadas, não é possível ignorá-la, já que a mesma construiu partes do território, sendo indispensável para explicar certas configurações. As ortodoxias do pós-guerra - atraso ou dependência? Partindo da negação da existência de espaços homogéneos, central à ortodoxia anterior, surgem duas explicações para a heterogeneidade entre regiões. A primeira delas é a teoria das etapas do desenvolvimento, de Rostow; a segunda é uma teoria globalmente estruturalista, a da dependência, de Cardoso e Faletto. O desenvolvimento regional endógeno Rompendo com as abordagens anteriores, surge uma série de trabalhos, no fim dos anos 80, indicando que o crescimento das regiões industriais deve-se, essencialmente, a sua dinâmica interna. O conjunto de teorias e modelos de crescimento endógeno (Mattos, 1997, p. 9) têm como supostos Estratégias de organização da atenção à saúde. PDG-UFRGS- Editora DACASA – 2002 Capítulo VIl básicos a existência de rendimentos crescentes e a competição imperfeita. Consideram que o livre jogo das forças de mercado não assegura a convergência económica inter-regional e que a taxa de crescimento é endógena, já que depende das preferências e das expectativas de afores motivados pelo lucro. O tipo de regulação destas teorias aponta para uma regulação intermediária, orientada a gerar um ambiente favorável à inversão privada, de forma a estimular a acumulação endógena de capital físico e humano, a Pesquisa e o Desenvolvimento e o aumento da capacidade e competitividade empresarial. Os critérios para as políticas de caráter endógeno apontam para a gestão de externalidades, provisão de bens públicos, garantia dos direitos da propriedade intelectual e física, regulação do setor financeiro e das relações económicas externas, eliminação das distorções económicas e manutenção de um marco legal da ordem pública (Mattos, 1997). Debates contemporâneos sobre reestruturação territorial e econômica: uma abordagem inicial aos territórios em mutação Sob o movimento contemporâneo das reestrutu rações económicas, políticas e territoriais, na transição para uma nova forma de Estado, progressivamente conferem-se novos usos aos territórios, os quais vão adquirindo, parcial e progressivamente novas formas e conteúdos (Cox, 1991). Este processo dá-se sob o novo contexto estratégico da globalização, o qual redimensiona as sociedades nacionais e seus territórios (lanni, 1994; Baumann, 1996; Beluzzo, 1997). Em Léfèbvre (1976) a análise da sociedade e do espaço deve distinguir, mas não separar os momentos de um todo. O processo contemporâneo de reestrutu ração territorial corresponde às estratégias dos conjuntos de atores coletivos (Estado, empresas privadas, organizações civis), os quais procedem à repartição das superfícies através do desenho de novas tessituras, implantando nós estratégicos e construindo novas malhas territoriais (Raffestin, 1993). Na afirmação de Soja (1993), a reestruturação, em seu sentido mais amplo, transmite a noção de ruptura nas tendências seculares, e de uma mudança em direção a uma ordem e uma configuração significativamente diferentes da vida social, económica e política. O movimento de desestruturação-reestruturação dá-se com a emergência de novos usos que se faz do território já que é o seu uso, conforme Santos (1994), e não o território em si mesmo, que faz dele objeto de análise. Sob a globalização, a interdependência universal dos lugares confere novos sentidos para o território, que provêm de sua reconceituação como um dado básico do lugar, da região e das nações no contexto da competitividade, resguardadas as especificidades dos territórios dependentes das economias centrais. Para Restrepo (1994), em sentido estrito, o processo de reestruturação compreende o Estado e a sociedade, os processos de acumulação e as formas de organização político-jurídicas. As formas espaciais da reestruturação, aparentemente mais visíveis, seriam três: ► A abertura económica com sua dupla face de globalização e integração de blocos de países mediante acordos de livre comércio, unidade de tarifas de importação, projetos produtivos, negociação de mercados. A reestruturação produtiva e os processos de abertura estariam provocando, por sua vez, três importantes mudanças na configuração espacial de cada país: 1) o redesenho do circuito de infraestruturas viárias, férrea, fluvial e de portos; 2) a relocalização industrial e de serviços e a geração de parques e zonas francas; e 3) a tendência Estratégias de organização da atenção à saúde. PDG-UFRGS- Editora DACASA – 2002 Capítulo VIl à descentralização e multiplicação dos lugares de produção do valor tanto para ampliar o processo produtivo como para vincular diretamente estes mercados consolidados com os fluxos do mercado mundial; ► A descentralização territorial de competências, funções e recursos do governo nacional às autoridades regionais e locais, que causam quatro grandes impactos: 1) uma maior transferência de recursos nacionais para os territórios; 2) um deslocamento de instituições de ordem nacional e a transferência compensatória de muitas de suas funções pela estrutura reformada da administração territorial; 3) aumento das demandas e expectativas sobre os governos e a administração local; 4) boa parte das demandas sociais combinam sua lógica setorial sobre a nação e o governo central com um interesse de articulação sócio-política nos territórios; ► As políticas internas abandonam a característica nacional para ajustar-se às condições da competição e do mercado mundial. Internamente se articulam as políticas públicas e privadas nos mercados regionais, a fim de gerar processos produtivos específicos que podem ligar-se diretamente com o mercado mundial, além de maximizar a eficiência e eficácia das inversões públicas e privadas. Ciccolella (1997) refere-se à década de 70 como sendo um período de reestrutu ração passiva na América Latina, com os graves efeitos da dívida externa e da inflação. Nos anos 90 processa-se a constituição do cenário de um acelerado processo de reestruturação ativa com as reformas económicas, ao qual corresponderia a conceituação de uma reterritorialização pós-reestruturação. O fator tecnológico, especialmente a informática, transporte e telecomunicações, os recursos da produção flexível, etc., confluíram para o surgimento de um novo modelo sócioeconômico e de novos cenários multiescalares viabilizados pelo processo de globalização e mundialização. "(...) sobre o território estão atuando de forma imbricada, superposta, interfuncional e solidária os processos de integração, mundialização e modernização sob condições de aceleração, flexibilidade e adaptabilidade local-regional, determinando uma nova organização do espaço em diferentes escalas (global, supranacional, nacional, regional e local)" (C iço rei Ia, 1997, p. 55). Esta nova organização do espaço em diferentes escalas - global, supranacional, nacional, regional e local - a que se refere Ciccolella significa, para Dowbor (1995), a ocorrência de uma nova hierarquização dos espaços, a qual se dá segundo as diferentes atividades, envolvendo tanto a globalização como a formação de blocos, a fragilização do Estado-Nação, o surgimento de espaços sub-nacionais fracionados de diversas formas, a transformação do papel das metrópoles, o reforço do papel das cidades e uma gradual reconstituição dos espaços comunitários. A reestruturação territorial compreende mudanças das estruturas sócio-econômico-territoriais que os territórios (regiões, cidade e campo) apresentam ao longo de sua formação com suas diferenças internas, produtivas e políticas e sua inserção no mercado nacional e internacional. A reestruturação corresponde, igualmente, a passagem do modelo de substituição de importações para o modelo de inserção competitiva internacional. Este quadro macro corresponderia, em seu rebatimento interno, respeitadas as devidas especificidades da unidade territorial, à reestruturação territorial em suas instâncias económicas e políticas. Boisier (1996) adota o conceito de estrutura territorial a partir de três ângulos: o contextuai - a abertura externa e interna; o estratégico - as novas configurações territoriais e a gestão local/regional; o político, que envolve o Estado Nacional, assim como os diversos poderes exercidos em escalas diversas por diversos atores. Os novos cenários territoriais estão, assim, inseridos no novo cenário contextuai, tanto pela abertura externa como pela abertura interna. Este novo cenário é o resultado da interação de dois grandes processos presentes em todos os países. "Trata-se do processo de abertura externa, impelido pela força da globalização, e do processo de abertura interna, por sua vez impulsionado pela força da descentralização. O primeiro é um processo essencialmente económico, enquanto o segundo é um processo político" (Boisier, 1996, p.114). O ângulo estratégico das novas configurações territoriais implica no retorno da questão regional à Estratégias de organização da atenção à saúde. PDG-UFRGS- Editora DACASA – 2002 Capítulo VIl agenda pública nacional, tanto pelo advento do novo cenário estratégico da globalização, com as interfaces das regiões enquanto escalas intermediárias entre o local e o global, como pelo resgate da sociedade civil na vida pública. Este resgate corresponde ao que Raffestin (1993) conceitua como o vivido territorial, a aspiração a uma vida regional pelas comunidades, a recuperação de uma malha territorial que possa permitir o exercício desse poder. O sentido da defesa da região corresponde, em uma retomada do conceito, a uma concepção segundo a qual esta é uma mediação entre o universal (processos gerais advindos da globalização) e o singular (a especificação máxima do universal). "Com a globalização diversas possibilidades de se recortar o espaço terrestre tornaram-se possíveis, colocando com mais evidência a importância da categoria da particularidade" (Correia, 1994, p.226). Lencioni (1997) aponta que a noção de região é fundamental na análise espacial. Ao contrário das previsões sobre o fim da região, como foi aventado na crise dos anos 80, e com o fim do Estado Desenvolvimentista no Brasil, devido ao processo de globalização, a região se recompõe como um nível decisivo de análise. Para Gomes (1995, p.73), se a região é um conceito que funda uma reflexão política de base territorial, se ela coloca em jogo comunidades de interesse identificadas com uma certa área e, finalmente, se ela é sempre uma discussão entre os limites da autonomia face a um poder central, "parece que estes elementos devem fazer parte desta nova definição em lugar de assumirmos de imediato uma solidariedade total com o senso comum que, neste caso da região, pode obscurecer um dado essencial: o fundamento político de controle e gestão de um território". À escala regional-local - o vivido territorial (Raffestin, 1993) - associa-se o desenvolvimento regional endógeno . A literatura sobre políticas públicas, que tem documentado a decrescente influência do Estado-Nação, tem discutido o papel da iniciativa local no desenvolvimento económico. O desenvolvimento endógeno (Wilson, 1995; Martin, 1996; Boisier, 1996 e 1997; Mattos, 1997; Braga, 1999) -que enfatiza os fatores do meio ambiente territorial no qual ocorrem as atividades, ao mesmo tempo em que reconhece sua incorporação em estruturas mais amplas, chama a atenção para o território onde se dá o agrupamento das relações sociais, o lugar onde se encontram as forças endógenas e exógenas. A literatura recente reconhece a necessária ação recíproca com as forças da globalização e a crescente natureza aberta da economia local (Guimarães Neto, 1995; Boisier, 1996; Ferrão, 1995 e 1996). As escalas como recurso metodológico de abordagem das realidades territoriais Diante do novo contexto estratégico se necessitam novos conceitos explicativos. Para tanto, é preciso analisar os novos fenómenos para esclarecer o significado, o alcance e os limites das mudanças provocadas pela globalização. Isto implica desenvolver conjuntos de conceitos, ainda que delimitados e circunscritos a realidades empíricas determinadas, utilizando-se as devidas intermediaçôes. A adoção das escalas, como recurso metodológico de abordagem aos territórios, se justifica por conta dos diversos determinantes que se localizam ora no âmbito da globalização / regionalização, ora nas especificidades locais e regionais. O método de escalas geográficas é um procedimento essencial para a compreensão do sentido e da visibilidade dos fenómenos numa perspectiva espacial. A escala, como uma estratégia de representação e apreensão da realidade, define o campo empírico da pesquisa de investigação e de análise (Castro, 1995), facilita o uso de construções teóricas quando se quer chegar a uma interpretação sobre tendências contemporâneas dos territórios em mutação, e cenários tendenciais desta reestrutu ração. A adoção das escalas como estratégia de apreensão da realidade e escolha de diferentes espaços de conceituação, implica não privilegiar apenas um nível de análise. No entanto, cada nível é, por sua vez, uma abstração na qual se explicita um determinado aspecto, previamente escolhido, considerado relevante para a temática da investigação. A escala, quando introduzida explicitamente como uma das variáveis fundamentais condiciona tanto a natureza das observações quanto a imagem que delas se terá, quer no nível descritivo, quer no nível explicativo (Rache, Raffestin e Ruffy, 1983). Estratégias de organização da atenção à saúde. PDG-UFRGS- Editora DACASA – 2002 Capítulo VIl A partir da concepção da gestão do território e dos rebatimentos espaciais específicos das ações dos atores públicos e privados, o recorte das escalas geográficas, como campo empírico da pesquisa, é feito a partir do critério da existência de tendências de reestrutu ração econômicoterritorial, em consonância com as tendências contemporâneas acerca das relações entre o processo de reforma do Estado e de reestrutu ração territorial. Referências Bibliográficas BAUMANN, Renato. Uma visão económica da globalização In: BAUMANN, Renato (Org). O Brasil e a economia global. Rio de Janeiro: Campus-SOBEET, 1996. BELUZZO, Luiz G. Globalização, Estado e capital financeiro In: CARRION, Raul K.; VIZENTINI, Paulo G.F. (Orgs). Globalização, Neoliberalismo, Privatizaçôes. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1997. BENKO, Georges; LIPIETZ, Alain. O Novo Debate Regional: posições em confronto. In. BENKO, Georges; LIPIETZ, Alain. (Orgs.) 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