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FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE DIVINÓPOLIS FUNEDI/UEMG CENTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO - MESTRADO GERALDA MARIA MAIA CORDEIRO DE AZEVEDO LINGUAGEM LÍQUIDA? Impactos da Internet nas Práticas de Leitura e Escrita de Estudantes do Ensino Médio da Cidade de Formiga- MG DIVINÓPOLIS – MG, 2008. GERALDA MARIA MAIA CORDEIRO DE AZEVEDO LINGUAGEM LÍQUIDA? Impactos da Internet nas Práticas de Leitura e Escrita de Estudantes do Ensino Médio da Cidade de Formiga- MG Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação, Cultura e Organizações Sociais da FUNEDI/UEMG, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação. Área de concentração: Estudos Contemporâneos Linha de pesquisa: Cultura e Linguagem Orientador: Professor Doutor Mateus Henrique de Faria Pereira. CENTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO FUNEDI/UEMG DIVINÓPOLIS, MG – 2008. A994l Azevedo, Geralda Maria Maia Cordeiro de Linguagem líquida? Impactos da Internet nas práticas de leitura e escrita de estudantes do ensino médio da cidade de Formiga - MG [manuscrito] / Geralda Maria Maia Cordeiro de Azevedo. – 2008. 154 f., enc. il . Orientador : Mateus Henrique de Faria Pereira Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado de Minas Gerais, Fundação Educacional de Divinópolis. Bibliografia : f. 113 -118 1. Escrita. 2. Leitura – Estudantes ensino médio. 3. Leitura – Ciberespaços sites de relacionamento. 4. MSN e Orkut. I. Pereira, Mateus Henrique Faria. II. Universidade do Estado de Minas Gerais. Fundação Educacional de Divinópolis. III. Título. CDD: 469.8 Termo de Autorização Autorizo exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras e eletrônicos. Igualmente, autorizo sua exposição integral nas bibliotecas e no banco virtual de dissertações da FUNEDI/UEMG. ________________________________________________________________ Geralda Maria Maia Cordeiro de Azevedo. Formiga, 28 de Maio de 2008. À memória de minha avó Maria Pio da Silva, um exemplo nas suas práticas de leitura, apoio inestimável, fomentou minha infância de leituras. Aos meus eternos amores; Arizio, Diego, André, ... Aos meus Alunos e Alunas, razão de meu crescimento profissional. AGRADECIMENTOS Ao Dom da vida, pela força, coragem, lucidez, perseverança em cada momento de realizações e conquistas no meu existir. Ao Professor Doutor Mateus Henrique de Faria Pereira pela atenção, competência, supervisão, orientações, paciência e parceria na realização deste trabalho. Ao Coordenador do Curso de Mestrado, Professor Doutor Alexandre Simões Ribeiro, pelo magnífico trabalho e ousadia transdisciplinar no Curso de Mestrado. Agradeço-lhe também pelas preciosas contribuições na concretização deste trabalho e orientações na redação de artigos e apresentações em Seminários que muito contribuíram na minha formação profissional e acadêmica. Aos Professores do Curso de Mestrado, em especial os Professores Doutores: José Raimundo Batista Bechelaine, Helena Alvim Ameno e Pedro Pires Bessa, pelos exemplos e referênciais de dedicação e amor ao magistério. À Professora Doutora Batistina de Souza Corgozinho, pela dedicação, potencialidade e exemplo de coragem nos desafios de viver. Aos meus Colegas do Curso de Mestrado, aos Colegas Professores, Amigos, Alunos e Alunas pelas interlocuções e contribuições na realização deste trabalho de pesquisa e, acima de tudo, pela a amizade. Aos Diretores, Coordenadores Pedagógicos, Professores, Alunos e Funcionários das Escolas: Escola Dr. Abílio Machado e Colégio Losango, ambas da cidade de Formiga- MG, pelas contribuições na coleta de dados para a realização desta pesquisa. Aos Alunos, Alunas, Professores e Coordenadores Pedagógicos da Escola Estadual Professor Tonico Leite pelas interlocuções iniciais deste trabalho. Aos funcionários da Secretaria do Mestrado, em especial a Rosimeire de Freitas Santos Peixoto (Rose), Mônica Diniz e Graziela Oliveira Chagas Severo pelo atendimento, atenção e profissionalismo. À Professora Doutora Vilma Botrel Coutinho de Melo pelas orientações iniciais e ternura. Aos meus amigos internautas do MSN Messenger e Orkut que muito me ensinaram outras formas de ler e escrever, interagir e organizar, através de suas interlocuções, mensagens, scraps. Em especial ao Saulo Henrique de Faria, presença marcante em diversos momentos em que redigia este trabalho e a minha querida aluna Vanessa Cristina do Couto que, pacientemente, me apresentou e traduziu códigos, ícones, smiles, emoticons da escrita do MSN Messenger. Ao meu esposo, porto seguro, cumplicidade, apoio, carinho, compreensão e oportunidades, minha eterna gratidão. Aos meus filhos pelas colaborações e compreensão, principalmente nos momentos mais difíceis. Aos meus pais e familiares, pela compreensão, atenção e incentivo. À minha funcionária Lucimar de Fátima da Cunha pela atenção e auxílio nas tarefas cotidianas do lar. À Elvira Angheti Pereira Cardoso, pela atenção, dedicação e minuciosa revisão ortográfica deste trabalho. E a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização deste trabalho, meu reconhecimento, carinho e sinceros agradecimentos! Muito Obrigada!!! Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador. Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada. Clarice Lispector RESUMO Este estudo trata das práticas de leitura e escrita interativa do ciberespaço de estudantes do Ensino Médio da Cidade de Formiga- MG, cujas questões são: como as práticas de leitura e escrita do ciberespaço de sites de relacionamentos interferem nas práticas de leitura e escrita convencional e quais são as características próprias dessa linguagem em constituição. O primeiro capítulo apresenta considerações sobre a história da leitura e da escrita, os suportes de edição e difusão das mesmas, a invenção do livro - do códex ao texto eletrônico, virtual/digital e o mundo contemporâneo. O segundo capítulo aborda o ensino da língua portuguesa, refere-se às políticas pedagógicas, à escola, ao livro didático, à leitura e à escrita interativa no ciberespaço, com análises de práticas de leitura e escrita observadas no MSN Messenger e Orkut. O terceiro capítulo destaca a metodologia e as técnicas usadas para a realização da pesquisa de campo com uma análise dos resultados obtidos através dos questionários onde estudamos as práticas de leitura e escrita dos estudantes e educadores. Seria a cibercultura uma nova linguagem com um novo leitor/escritor mediante as características dessa escrita e leitura? Verificamos como a escola se posiciona frente a essa realidade e que implicações podem ser percebidas. Constatamos que as práticas de leitura/escrita no ciberespaço de sites de relacionamentos podem interferir nas práticas convencionais de leitura/escrita dos estudantes, pelo fato de fazerem uso de oralidade e trocas de letras. Apontamos essa realidade: um desafio para a escola na contemporaneidade. Palavras-chave: escrita, leitura, estudantes, práticas, ciberespaço ABSTRACT This study deals with reading practice and interactive writing of high school students in cyberspace in the city of Formiga – M.G. whose questions are as follows: how can their reading and writing practices in the cyberspace of relationship websites interfere in the traditional reading and writing practices and which are the own features of this language in formation? The first chapter presents considerations about the history of reading and writing, the support of editing and spreading of them, the invention of book – from codex to the electronic book, virtual/digital and the contemporary world. The second chapter is about the teaching of Portuguese language concerning with pedagogic policies, with the school, with the textbook, with the interactive reading and writing in the cyberspace, analyzing the reading and writing practices observed in MSN Messenger and Orkut. The third chapter highlights the methodology and the techniques used to perform this survey with an analysis of the findings collected from questionnaires where the reading and writing practices of students and educators were studied. Would it be a cyber culture a new language with a new reader/writer before the characteristics of this reading and writing? It was checked how a school faces this reality and what implications can be perceived. It was realized that the reading and writing practices in the cyberspace of relationship websites can interfere in the conventional practices of reading and writing used by students due to fact that they make use of the orality and misspelled words. It was appointed this orality as a challenge to the schools of the contemporary world. Key words: writing, reading, students, practices, cyberspace. LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 01 Onde você mais usa a escrita/leitura digital ............................................................. 90 Gráfico 02 De que forma você escreve nos espaços digitais...................................................... 91 Gráfico 03 Em que situação você mais usa a escrita/leitura digital ........................................... 93 Gráfico 04 Você escreve mais ou menos depois de fazer uso da escrita/leitura digital ............. 96 Gráfico 05 Melhorou ou piorou a qualidade da escrita e leitura ................................................ 97 Gráfico 06 Idade dos educadores ............................................................................................... 98 Gráfico 07 Freqüência que os educadores fazem uso da escrita/leitura digital .......................... 100 Gráfico 08 Como você percebe o uso da escrita/leitura dos seus alunos ................................... 102 Gráfico 09 Depois de fazer uso da escrita/leitura digital os alunos ........................................... 103 Gráfico 10 Melhorou ou piorou a qualidade de escrita/leitura ................................................... 105 Gráfico 11 Idade dos alunos ....................................................................................................... 134 Gráfico 12 Sexo dos alunos ........................................................................................................ 134 Gráfico 13 Renda familiar .......................................................................................................... 135 Gráfico 14 Atividade remunerada .............................................................................................. 135 Gráfico 15 Você tem PC em casa............................................................................................... 136 Gráfico 16 Principal fonte de informação dos alunos ................................................................ 136 Gráfico 17 Com que freqüência você lê livros ........................................................................... 137 Gráfico 18 Com que freqüência você vai a eventos culturais .................................................... 137 Gráfico 19 Com que freqüência você faz uso da escrita/leitura digital ...................................... 138 Gráfico 20 Onde você mais usa a escrita digital ........................................................................ 138 Gráfico 21 Onde você mais usa a leitura digital ........................................................................ 139 Gráfico 22 Onde a sua escrita é mais livre, criativa ................................................................... 139 Gráfico 23 Você lê todas as mensagens ..................................................................................... 140 Gráfico 24 Sexo dos educadores ................................................................................................ 146 Gráfico 25 Escolaridade dos educadores.................................................................................... 146 Gráfico 26 Qual a principal fonte de informação ....................................................................... 147 Gráfico 27 Com que freqüência você lê livros ........................................................................... 147 Gráfico 28 Onde você mais usa a escrita digital ........................................................................ 148 Gráfico 29 Onde você mais usa a leitura digital ........................................................................ 148 Gráfico 30 Ao navegar na Internet onde você mais usa escrita/leitura digital ........................... 149 Gráfico 31 De que forma você escreve nos espaços digitais...................................................... 149 LISTA DE TABELAS Tabela 01 Idade dos estudantes................................................................................................. 127 Tabela 02 Sexo dos estudantes ................................................................................................. 127 Tabela 03 Renda familiar .......................................................................................................... 127 Tabela 04 Atividade remunerada .............................................................................................. 128 Tabela 05 Você tem PC em casa... ............................................................................................ 128 Tabela 06 Qual a principal fonte de informação.. ..................................................................... 128 Tabela 07 Com que freqüência você lê livros ........................................................................... 129 Tabela 08 Com que freqüência você vai a eventos culturais .................................................... 129 Tabela 09 Com que freqüência você faz uso da escrita/leitura digital ...................................... 129 Tabela 10 Onde você mais usa a escrita digital ........................................................................ 130 Tabela 11 Onde você mais usa a leitura digital ........................................................................ 130 Tabela 12 E na Internet onde você usa a escrita/leitura digital ................................................. 130 Tabela 13 De que forma você escreve nos espaços digitais...................................................... 131 Tabela 14 Em que situação você mais usa a escrita digital....................................................... 131 Tabela 15 Onde a escrita é mais livre e criativa ....................................................................... 132 Tabela 16 Você lê todas as mensagens que recebe ................................................................... 132 Tabela17 Você escreve mais ou menos depois de fazer uso da escrita/leitura digital ............. 132 Tabela 18 Melhorou ou piorou a qualidade de sua escrita e leitura .......................................... 133 Tabela 19 Idade dos educadores ............................................................................................... 141 Tabela 20 Sexo dos educadores ................................................................................................ 141 Tabela 21 Escolaridade dos educadores.................................................................................... 141 Tabela 22 Qual sua principal fonte de informação ................................................................... 142 Tabela 23 Com que freqüência você lê livros ........................................................................... 142 Tabela 24 Com que freqüência você faz uso da escrita/leitura digital ...................................... 142 Tabela 25 Onde você mais usa a escrita digital ........................................................................ 143 Tabela 26 Onde você mais usa a leitura digital ........................................................................ 143 Tabela 27 Ao navegar na Internet onde você mais usa a escrita/leitura digital ........................ 143 Tabela 28 De que forma você escreve nos espaços digitais...................................................... 144 Tabela 29 Como você percebe o uso da escrita/leitura de seus alunos ..................................... 144 Tabela 30 Depois de fazer uso da escrita/leitura digital os alunos ........................................... 144 Tabela 31 Melhorou ou piorou a qualidade de escrita deles ..................................................... 145 LISTA DE FIGURAS Figura 01 Mensagem de um identificador de MSN ..................................................................... 67 Figura 02 Fragmento de uma conversa no MSN ......................................................................... 70 Figura0 3 Scrap de Orkut ............................................................................................................ 71 Figura 04 Scrap de Orkut ............................................................................................................ 72 Figura 05 Scrap de Orkut ............................................................................................................ 73 Figura 06 Scrap de Orkut ............................................................................................................ 73 Figura 07 Scrap de Orkut ............................................................................................................ 74 Figura 08 Scrap de Orkut ............................................................................................................ 74 Figura 09 Scrap de Orkut ............................................................................................................ 74 Figura 10 Fragmento de uma barra de ferramenta do Microsoft Word ....................................... 78 Figura 11 Tabela periódica de Química ...................................................................................... 79 Figura 12 Fragmento de uma partitura musical .......................................................................... 80 Figura 13 Tela com emoticons personalizados do MSN ............................................................. 81 Figura 14 Tela com emoticons padrão do MSN .......................................................................... 82 Figura 15A Mapa de localização da Cidade de Formiga- MG ...................................................... 150 Figura 15B Mapa de localização da Cidade de Formiga- MG ...................................................... 150 Figura 16 E. E. Dr. Abílio Machado da Cidade de Formiga- MG .............................................. 151 Figura 17 Colégio Losango da Cidade de Formiga- MG ............................................................ 152 LISTA DE BOXES Boxe 1 .................................................................................................................................. 68 Boxe 2 .................................................................................................................................. 68 Boxe 3 .................................................................................................................................. 69 Boxe 4 .................................................................................................................................. 69 Boxe 5 .................................................................................................................................. 70 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 15 CAPÍTULO I SENTIDOS DA ESCRITA E LEITURA FRENTE AO TEXTO ELETRÔNICO ............. 24 1.1 Considerações sobre a história da escrita e da leitura ................................................ 24 1.2 O livro: do códex ao texto eletrônico ......................................................................... 32 1.3 Virtual/digital e o mundo contemporâneo ................................................................. 35 CAPÍTULO II O ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA, A LEITURA E A ESCRITA ENTRE O VIRTUAL/DIGITAL ..........................................................................................................43 2.1 As políticas pedagógicas frente ao ensino da Língua Portuguesa no Ensino Médio. 43 2.1.1 Orientações curriculares .................................................................................... 46 2.1.2 O livro didático e a escola ................................................................................. 50 2.2 A leitura e a escrita interativa no ciberespaço............................................................ 54 2.3 Análise de práticas de escrita e leitura observadas no MSN e Orkut ......................... 65 CAPÍTULO III PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA DE ESTUDANTES E EDUCADORES DO ENSINO MÉDIO ................................................................................................................ 84 3.1 Procedimentos metodológicos e técnicos da pesquisa de campo .............................. 84 3.2 A escrita e a leitura dos estudantes: análise dos questionários dos estudantes .......... 87 3.3 A escrita e a leitura dos educadores: análise dos questionários dos educadores ....... 98 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 107 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 113 6. ANEXOS ........................................................................................................................ 119 ANEXO A Questionários de Pesquisa dos estudantes ........................................................119 ANEXO B Questionários de Pesquisa dos educadores ....................................................... 122 ANEXO C Ofício Nº 001/07 ...............................................................................................125 ANEXO D Ofício Nº 002/07 ...............................................................................................126 ANEXO E Tabelas de respostas dos estudantes..................................................................127 ANEXO F Gráficos de respostas dos estudantes................................................................. 134 ANEXO G Tabelas de respostas dos educadores ................................................................141 ANEXO H Gráficos de respostas dos educadores...............................................................146 ANEXO I Fotos ................................................................................................................... 150 ANEXO J Dicionário de abreviações de uso do MSN Messenger ...................................... 153 15 INTRODUÇÃO Mudanças significativas podem ser percebidas no atual avanço e disseminação das tecnologias de informação e comunicação. Roger Chartier afirma que o mundo mudou profundamente no final dos anos 1960. De acordo com esse autor, 1968 foi um marco da ruptura cultural e agora há uma fragmentação cultural infinita1, e essa fragmentação é vista como uma forma de liberdade e de diversificação. Não há apenas a possibilidade compartilhada, mas um universo de referência cultural mais ampliado que possibilita abordagens interdisciplinares. As estruturas e as fronteiras dos saberes apresentam-se abalados e já não se sustentam por si só, a transdisciplinaridade aposta na tentativa de estabelecer outro discurso nas ciências. Neste sentido, François Dosse diz que as ciências humanas, fortalecidas com sua própria tradição, podem abrir-se ao diálogo e à nova configuração que emerge das pesquisas em curso e não podem reduzir-se a uma única corrente de pensamento, de vocação totalizante. Afirma que elas são atravessadas por polaridades múltiplas 2. A partir dessa teoria, propomos um estudo sobre\ as práticas de leitura e escrita interativa do ciberespaço3, de estudantes do Ensino Médio, frente à escrita e leitura convencional4, à luz de teorias em diversas áreas dos saberes, isto é, um estudo com uma perspectiva de transdisciplinaridade. De acordo com Ivan Domingues, a transdisciplinaridade possibilita o cruzamento de especialidades, um olhar nas interfaces para superar fronteiras. Isso significa a migração de um conceito de um determinado campo do saber para outro5. Ao nos referirmos a mudanças contemporâneas, a estruturas dos saberes que se apresentam abaladas, tomamos a teoria de Zygmut Bauman, para fundamentar nosso estudo, quando ele afirma que a modernidade imediata é ‘leve’, ‘líquida’, ‘fluida’ e infinitamente 1 Entrevista no site: http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/2479,1.shl. Acessada em 20/03/07. DOSSE, François. O império do sentido: a humanização das ciências humanas. Bauru, SP: EDUSC, 2003, p.435. 3 Termo criado por William Gibson, em, 1984, que já previa um tipo de comunicação global, num espaço nãofísico entre os seres humanos. Neste trabalho de pesquisa os termos leitura e escrita interativa do ciberespaço serão usados para referir-se à escrita (que envolve leitura), que se usa nos sites e programas de relacionamento na Internet. Cabe ressaltar, também, que no universo do ciberespaço, abordaremos, a partir de um recorte, as práticas de leitura e escrita do programa de MSN Messenger e o site Orkut. 4 Escrita e leitura convencional neste trabalho serão usadas para referir - se a práticas de leitura e escrita que se ensina na escola, baseadas na gramática, a chamada linguagem culta ou a língua padrão. 5 DOMINGUES, Ivan (org.). Conhecimento e transdisciplinaridade. Belo Horizonte: Editora UFMG; IEAT, 2001, p. 18. 2 16 mais dinâmica que a modernidade ‘sólida’, e que a passagem de uma para outra acarretou profundas mudanças em todos os aspectos da vida humana6. Essa afirmativa, num primeiro momento, possibilita-nos pensar que a leveza tratada nessa modernidade líquida seja algo visto de forma positiva, bem resolvida, fluida. No entanto, não é bem assim: essa leveza possui densidade e complexidade. E sobre isso retomaremos a discussão no desenvolvimento desta pesquisa. O desenvolvimento de tecnologias cada vez mais sofisticadas nos aguça a pensar sobre se o que se vive hoje seria uma modernidade fluida, líquida onde o não ser e o ser se misturam nas suas interfaces. Cabe esclarecer que nesse trabalho, ao nos referirmos ao desenvolvimento tecnológico, nossa ênfase será dada ao desenvolvimento tecnológico nas comunicações. A linguagem7, frente ao desenvolvimento das tecnologias da comunicação, apresentase com múltiplas práticas de leitura e escrita, com rompimento e incorporação de normas, tanto na linguagem oral quanto na escrita. Percebemos também que, com o advento da Internet, mudanças profundas ocorreram em todos os segmentos da sociedade. Altera-se, de modo significativo, o fluxo de informação. As interações e as interlocuções entre os seres reconfiguram-se e modificam as organizações sociais. A rotina profissional e as áreas do conhecimento sofrem impacto. Confirmamos isso em Néstor Canclini quando afirma que “as redes virtuais alteram os modos de ver e ler, as formas de reunir-se, falar e escrever, de amar e saber-se amado à distância, ou talvez, imaginá-lo” 8. A escrita e a leitura ganham outras ferramentas de difusão, outros espaços de edição e gêneros lingüísticos eletrônicos com diferentes modalidades de escrita. Conseqüentemente, com práticas e representações de leitura que se perpetuam e se renovam através do computador conectado à Internet. Mediante essa realidade, Steven Johnson afirma que o uso de um processador de texto muda nossa maneira de escrever, não só porque estamos nos valendo de novas ferramentas, mas também porque o computador transforma fundamentalmente o modo como concebemos as frases e o pensamento que se desenrola paralelamente ao processo de escrever9. E isso pode ser percebido nos espaços escolares, através do comportamento, do discurso e da produção de texto dos estudantes que apresentam 6 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. De definição ampla, neste trabalho consideramos a capacidade de comunicar através de vocábulos orais e ou escritos, onde se usam sinais, símbolos, sons. Cf. também: HARRIS, Theodore L. & HODGES, Richard E. (orgs.). Dicionário de Alfabetização: Vocabulário de leitura e escrita. Porto Alegre, RS: Artmed, 1999, p. 169172. 8 CANCLINI, Néstor Garcia. Leitores, espectadores e internautas. São Paulo: Iluminuras, 2008, p. 54. 9 JOHNSON, Steven. Cultura da interface: como o computador transforma nossa maneira de criar e comunicar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001, p. 105. 7 17 formas diferentes de se organizar, relacionar, escrever, falar e interagir entre eles e com outras pessoas. Observamos, também, no discurso dos educadores, a percepção dessas mudanças, quando afirmam que o computador e a Internet, estão acabando com a língua portuguesa, que os alunos não lêem e não sabem escrever, assim como outras discussões que fazem parte do cotidiano das preocupações dos educadores. Ao perceber essa polêmica, como professora do Ensino Médio, convivendo com essa realidade, cursando um Curso de Mestrado, na Área de Estudos Contemporâneos, cuja linha de pesquisa é Cultura e Linguagem, decidimos verificar que linguagem é essa da qual se faz uso no ciberespaço. Como essas práticas de leitura e escrita estão sendo vistas pelos estudantes e educadores e o que pensam sobre isso. Seriam essas práticas de escrita e leitura responsáveis pela mudança da escrita convencional dos estudantes? E como a escola lida com essa realidade? A partir dessa reflexão prévia de nossa pesquisa, norteamos nosso estudo em Carla Coscarrelli e Ana Elisa Ribeiro quando afirmam que é preciso repensar a sala de aula, refletir sobre os ambientes de ensino/aprendizagem, reconfigurar conceitos e práticas e completam: emergiram formas de interação e até mesmo novos gêneros e formatos textuais. Então a escola foi atingida pela necessidade de incluir, ampliar, rever10. Com a criação da World Wide Web (WWW) Pierre Lévy afirma: “trata-se, provavelmente da maior revolução na história da escrita , desde a invenção da imprensa” 11. Observa-se que o ciberespaço da web possibilita a criação de páginas através de hipertextos12 que podem ou não passar por um filtro de censura ou correção. Além disso, há os espaços que permitem o anonimato. O mesmo ocorre com os torpedos nos telefones celulares. A informática oferece cada vez mais programas sofisticados para revisão de textos, porém não se faz obrigatório em determinados espaços. A apropriação da escrita e leitura sem o uso da norma culta de que fazem uso no ciberespaço, tem causado muitas controvérsias entre os educadores. Muitos deles alegam que essas práticas de escrita e leitura, como blogs13, flogs14, 10 COSCARELLI, Carla Viana e RIBEIRO, Ana Elisa (orgs.). Letramento digital: aspectos sociais e possibilidades pedagógicas. Belo Horizonte: Ceale; Autêntica, 2005, p. 8. 11 LÉVY, Pierre. A revolução contemporânea em matéria de comunicação. In MARTINS e SILVA (orgs). Para navegar no século XXI. 3ª Ed. Porto Alegre: Sulina/ Edipucrs, 2003, p. 196. 12 Cf. sobre definição de hipertexto: XAVIER, A. C. O hipertexto na sociedade da informação: a constituição do modo de enunciação digital. Tese (Doutorado em Lingüística). Campinas: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), 2002, e ______. Leitura, texto e hipertexto. In MARCUSCHI, L. A. (Orgs.) Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção de sentido. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004. 13 É um diário on-line no qual se publica comentários, idéias, histórias, textos, ou imagens. Permite comentários dos seus visitantes. 14 É formado por blogs de fotos, ou seja, sites que permitem que você coloque fotos na Internet com facilidade e rapidez, permitindo comentários dos visitantes. 18 e-mails15, chats16, Orkut17, MSN Messenger18 e outros, têm interferido na leitura e escrita convencional dos estudantes. Essa modalidade de escrita apresenta marcas do discurso oral, sinais de pressa, que facilita a digitação. À medida que omitem vogais, apresentam excesso de pontuação, troca de letras, substituição de acentos por letras, uso de estrangeirismos e outras características que vão surgindo a cada dia, com regras e códigos próprios e criativos. Muitos educadores temem que tais práticas possam resultar em vícios e comprometimento no aprendizado e nas práticas convencionais da escrita e leitura. Porém há que se avaliar possíveis danos e outras implicações. Dentre os diversos espaços virtuais que podemos destacar, os sites com programas de conversa instantânea e ou simultânea, são os que apresentam mais variações na escrita, pelo fato de a escrita não ser necessariamente formal. A oralidade na escrita é marcante para aproximar-se de uma conversa presencial e também, por se tratar de uma conversa onde se fala com mais de uma pessoa, de assuntos e lugares diferentes. Sem o uso da oralidade a conversa poderá tornar-se uma comunicação formal sem expressão de sentimentos. Isso pode justificar o uso de símbolos como os emoticons19 ou smileys20, tornando mais divertida e ágil a conversa. Essa modalidade de escrita no ciberespaço, em determinadas situações, apresenta características de usos da língua no passado, como abreviações, desenhos, porém, podem ser percebidas novidades e possibilidades proporcionadas pela tecnologia da comunicação e criatividade dos usuários. Em muitas situações, o uso dessa escrita não segue as normas já 15 Correio eletrônico. É um serviço disponível na Internet que tem a função de controlar o envio e o recebimento de mensagens entre usuários. As mensagens podem conter textos ou imagens que podem ser copiadas no arquivo do computador. 16 Salas de bate papo. Organizam-se por grupos de interesse, como idade, sexo, cidades, regiões, etc. Não é obrigatório revelar as verdadeiras identidades dos participantes, a título de segurança e privacidade. 17 É uma comunidade online que conecta pessoas através de uma rede de amigos. É um lugar de se fazer amizades com pessoas que têm os mesmos interesses. Cf. mais em: FERNANDES, Fábio. A construção do imaginário cyber: William Gibson, criador da cibercultura. São Paulo: Editora Anhembi Morumbi, 2006, p. 7172. 18 É um programa que possibilita, de forma popular e divertida, conversar on-line, através da escrita, fala, vídeo, foto, textos. Porém, usam-se mais a escrita com signos como smiles, emoticons. O usuário possui controle sobre os participantes de uma conversa através das diversas opções de status como: online, ocupado, volto logo, ausente, em ligação, em horário de almoço, aparecer offline e outros que o próprio usuário pode estabelecer. Esse espaço permite falar com até 15 contatos na mesma janela. Tem sido um dos recursos mais usados, principalmente entre os jovens e entre empresas. É o espaço onde mais se ousa modificar e criar um estilo próprio de comunicação. 19 São seqüências de caracteres tipográficos que transmitem estados psicológicos emotivos. O Nome "emoticon" deriva da contração do inglês emotion+icon. Ex.: *-) significa pensativo. Cf. site http://pt.wikipedia.org/wiki/Emoticon. 20 São as carinhas que correspondem aos emoticons. São elementos paralingüísticos usados na linguagem da Internet. São também chamados de emoticons. Ex.: ☺ que significa feliz. Cf. Site http://pt.wikipedia.org/wiki/Smiley. 19 estabelecidas pela gramática como, por exemplo, troca de letras sem se preocupar com a etimologia das palavras (jente ao invés de gente, ak ao invés de aqui). Tais práticas de leitura e escrita expressam uma forma de se organizar e interagir socialmente, caracterizando assim um gênero lingüístico do ciberespaço. Conforme Bakhtin, que mesmo não participando desta época virtual/digital, já previa isso ao tratar da questão dos gêneros lingüísticos, ao afirmar que cada época e cada grupo social têm seu repertório de formas de discurso na comunicação sócio-ideológica21. Isto é, em cada momento histórico podemos observar gêneros lingüísticos próprios, conforme os recursos e as tecnologias disponíveis de cada época e de acordo com o desenvolvimento cultural. As tecnologias poderiam ser uma das mediadoras da construção do discurso na sociedade, possibilitando outras formas para escrever e ler. Michel de Certeau ao tratar da questão de aprender a escrever nos últimos séculos afirma que: nos últimos três séculos aprender a escrever define a iniciação por excelência em uma sociedade capitalista e conquistadora [...] A ideologia dominante se muda em técnica, tendo por programa essencial fazer uma linguagem e não mais lê-la. A própria linguagem deve ser agora fabricada, ‘escrita’ [...] A escritura se torna um princípio de hierarquização social que privilegia, ontem 22 o burguês, hoje o tecnocrata. Observamos que há um chacoalhar nas estruturas rígidas das normas que regem todos os princípios e organizações da sociedade, uma característica da contemporaneidade que tem sido tratada nos campos da pesquisa em diversas áreas dos saberes. Na comunicação, por exemplo, emergem possibilidades de outras práticas de leitura e escrita. Surgem outros gêneros lingüísticos como também surgem os chamados analfabetos digitais. O letramento digital passa a incorporar as demandas do ensino, porém numa realidade em que a alfabetização e o letramento convencional ainda são considerados problemas sociais sérios que têm sido tratados na educação através das políticas educacionais. Com a invenção da Internet, novas demandas de aprendizado se perpetuam como afirma Marília Levacov: faz necessário reconhecer que somos todos parceiros, relutantes ou entusiasmados, necessitando adquirir novas habilidades (‘alfabetização’ digital) para alcançar as mesmas antigas metas (comunicação, informação e conhecimento) e precisando também reavaliar constantemente nossos conceitos sobre tais assuntos23. 21 BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.p. 43. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. 5ª ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes. 2000, p. 227-230. 23 LEVACOV, Marília. Bibliotecas virtuais. In MARTINS, Francisco Menezes & SILVA, Juremir Machado da. (orgs). Para navegar no século XXI. Porto Alegre: Sulina/Edipucrs, 2003, p. 269-270. 22 20 O reconhecimento de que há demandas de apropriação de práticas de leitura e escrita mediante a emergência do virtual/digital, instiga-nos a pensar que estamos frente a um duplo problema, numa realidade onde a alfabetização básica ainda é um problema social, um desafio para a educação. Nesse sentido, nosso trabalho pretende refletir sobre as práticas de leitura e escrita interativas dos estudantes no ciberespaço para verificar se elas alteram as práticas convencionais das mesmas e compreender que linguagem é essa que se usa no ciberespaço de sites de relacionamentos. Compreender e apropriar-se de novas práticas de leitura e escrita é desafiador, demanda pesquisa e compreensão, pois, de acordo com o desenvolvimento cultural e tecnológico, escrita e leitura passaram por diversas formas e suportes de edição e divulgação. No capítulo um desta pesquisa, apresentamos um estudo sobre isso. Bakhtin, ao tratar deste assunto, chama essas mudanças de fenômeno ideológico. Um produto ideológico faz parte de uma realidade, como todo corpo físico, instrumento de produção ou produto de consumo; mas ao contrário destes, ele é exterior, tudo que é ideológico é um signo24. Sem signos não existe ideologia 25 . O autor afirma que todo signo resulta de um consenso entre indivíduos socialmente organizados e que isso é a razão pela qual as formas do signo são condicionadas tanto pela organização social de tais indivíduos como pelas condições em que a interação acontece. Portanto, ao basearmos na teoria de Bakhtin, como referencial, compreendemos que as práticas de leitura e escrita que emergem no ciberespaço, com suas características, apresentam-se como um fenômeno ideológico. Essas manifestações implicam mudanças de atitudes, de organizações sociais e interações que comportam estudo, investigação e compreensão. A partir dessa reflexão, consideramos que nossa pesquisa assegura a sua relevância científica. Ao buscarmos compreender os fenômenos relacionados ao uso e apropriação de modalidades e gêneros discursivos diferentes da escrita/leitura convencional26, a partir da incorporação do computador e do uso da Internet no cotidiano das pessoas, e as implicações que envolvem essa realidade, acreditamos assegurar a relevância social desta pesquisa. 24 De acordo com SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. São Paulo: Ed. Brasiliense, 2005, p. 58, “o signo é uma coisa que representa uma outra coisa: seu objeto. Ele só pode funcionar como signo se carregar esse poder de representar, substituir uma outra coisa diferente dele”. 25 BAKHTIN, Mikhail. (Volochinov) Marxismo e filosofia da linguagem. 7 ed. São Paulo: Hucitec, 1995. Grifo do autor. 26 Consideramos nesta pesquisa como escrita/leitura convencional a modalidade da língua padrão, ou seja, a língua culta que se ensina na escola. 21 Nessa direção, este estudo pretende verificar as práticas de leitura e escrita num contexto histórico e suas representações e impactos que se estendem ao virtual/digital no ciberespaço. Verificamos que, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, PCNs 27 , o Ensino da Língua Portuguesa deve preparar o aluno para a vida, qualificando-o para o aprendizado permanente e para o exercício da cidadania, como podemos conferir também na LDB/96 28 citada nos PCNs: Art. 36. [...] I - destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania; [...] 29 E de acordo com a Proposta Curricular de Minas Gerais, Conteúdo Básico Comum, CBC30, sobre as diretrizes para o ensino da Disciplina Língua Portuguesa, verificamos que: [...] a linguagem é atitude interativa em que nos construímos como sujeitos sociais, autores e interlocutores capazes de usar a língua materna para expressar em variedades e registros de linguagem pertinentes e adequados a diferentes situações comunicativas. Tal propósito implica o acesso à diversidade de usos da língua, em especial às variedades cultas e aos gêneros de discurso do domínio público que as exigem, condição necessária ao aprendizado permanente e à inserção social.31 De acordo com os PCNs, com a LDB e com o CBC, compreendemos que a escola possui responsabilidades perante o Ensino da Língua Portuguesa, ou seja, a língua materna, a língua pátria, nos diversos aspectos da formação e preparação para a vida dos estudantes. A língua como constituidora dos sujeitos é um instrumento para o exercício da cidadania, media a compreensão das ciências e das artes, possibilita o acesso ao conhecimento. É um passaporte para a pessoa compreender e expressar-se nas diversas situações, registros e gêneros do discurso. São responsabilidades, atribuições e preocupações dos educadores que trabalham com a alfabetização e letramento32 dos estudantes. 27 Brasil, Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: MEC/SEM, 2000. 28 Lei de Diretrizes e Bases. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. 29 BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: MEC/SEM, 2000, p. 33. 30 SECRETARIA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DE MINAS GERAIS. Proposta curricular de português. Educação Básica. Ensino Médio, 2005. 31 SECRETARIA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DE MINAS GERAIS (SEE-MG). Proposta curricular de português. Educação Básica. Ensino Fundamental, 2005, p. 9. 32 Nesse trabalho consideramos que alfabetização é a capacidade de reconhecer letras, pronunciar e escrever em uma determinada língua. Letramento é mais que alfabetização; é a habilidade e a capacidade de reconhecer, 22 Sobre os objetivos específicos propomos verificar como as práticas de leitura e escrita do ciberespaço têm se relacionado com as práticas de leitura e escrita convencional, das quais professores e alunos fazem uso nos espaços escolares, cujo ensino é uma das atribuições da escola até então. Analisar se há algum tipo de impacto e como a escola se coloca frente à descontinuidade de gêneros lingüísticos e usos da linguagem na contemporaneidade, em função da emergência do mundo virtual/digital. Nesse estudo de pesquisa, buscamos compreender se essa modalidade de escrita e leitura do ciberespaço de sites de programas de relacionamentos seria uma linguagem líquida, híbrida, uma vez que a mesma apresenta elementos paralingüísticos, estrangeirismos, signos, símbolos, imagens e outros recursos. Trata-se de uma escrita que não segue as normas convencionais da escrita escolar. Por isso a escola, provavelmente, não é receptiva e não reconhece essa modalidade de escrita e leitura como um meio de comunicação possível para realização das atividades escolares. Isto porque teme que os alunos, ao fazerem uso desta modalidade, possam adquirir vícios de escrita e dúvidas quanto ao domínio da ortografia. Isto é, escrita e leitura praticadas pelos estudantes no ciberespaço dos sites e programas de relacionamentos poderiam modificar a escrita e a leitura convencional dos estudantes. Essa pesquisa apresenta caráter descritivo e exploratório. Utilizamos procedimentos técnicos da pesquisa bibliográfica e de levantamento de dados, isto é, qualitativa e quantitativa. As fontes para análise de dados foram adquiridas através da pesquisa de campo, com questionários em duas escolas da cidade de Formiga-MG33 e uma coletânea de textos produzidos por estudantes no ciberespaço, Orkut e MSN Messenger. Optamos fazer um recorte no universo do ciberespaço, pelos textos de sites e programas de relacionamentos, por tratarem de textos onde mais se usa a escrita sem a preocupação com as normas da escrita convencional. A escolha se deu pelo fato de estes sites serem os espaços onde os mesmos mais fazem uso de escrita livre das normas convencionais, que são ensinadas na escola. A partir deste estudo, realizamos uma análise dos questionários dos estudantes e dos educadores para verificar o que pensam e como estão lidando com essa realidade. pronunciar, escrever, compreender e fazer uso de códigos verbais adequadamente de acordo com as normas da língua de que se está fazendo uso. 33 O município de Formiga possui uma população de 64.585 (censo 2007) hab. Contagem da População 2007 – IBGE. Está situado na região Centro-Oeste de Minas Gerais, na Zona Campo das Vertentes, segundo a divisão geográfica do Estado. São limítrofes os municípios de Guapé, Pimenta, Córrego Fundo, Pains, Arcos, Santo Antonio do Monte, Pedra do Indaiá, Itapecerica, Candeias e Cristais. Formiga está sitiada a uma distância de 186 km da capital do Estado, à qual se liga pela rodovia MG-050. Mais informação cf. site: http://www.jimi.mg.gov.br/sistema/novo/sedes/2008/microrregional_a/formiga/historia.php e http://www.formiga.mg.gov.br/index.php. Cf. também fotos Anexo I. 23 As amostras foram coletadas em duas escolas34, sendo uma pública e outra particular, num universo de três escolas particulares e cinco estaduais que possuem Ensino Fundamental e Ensino Médio, todas situadas na cidade de Formiga - MG, e que envolveu alunos e educadores (professores das diversas áreas de ensino e pedagogos). Decidimos pesquisar em escola pública e particular para se ter uma amostra dos diversos perfis de alunos e educadores no universo do Ensino Médio. São escolas que possuem alunos de diversos pontos da cidade, isto é, alunos que representam padrões culturais e socioeconômicos diversificados, tentando desta forma, assegurar uma amostra que possa representar as diversidades da população pesquisada. A escola particular situa-se no centro da cidade e a escola pública em um bairro. Ambas atendem alunos, também de comunidades rurais e cidades vizinhas. A dissertação é composta de três capítulos, dividida da seguinte forma: o primeiro capítulo aborda os sentidos da escrita e leitura frente ao texto eletrônico. Através de uma pesquisa bibliográfica, apresenta considerações sobre a história da escrita e da leitura; o livro, do códex ao livro eletrônico; virtual/digital e o mundo contemporâneo. Para situar a pesquisa num contexto histórico, nos referimos a invenções tecnológicas e ideológicas, com enfoque na história da escrita e leitura, a história oral e as práticas das mesmas em cada momento. Para tal fim, foram usados livros, artigos, teses, dicionários e sites. No segundo capítulo focalizamos considerações sobre o ensino da Língua Portuguesa no Ensino Médio; as políticas pedagógicas através das orientações curriculares e os PCNs e CBC do Ensino Médio. Tratamos sobre o livro didático, a escola, a escrita e a leitura virtual/digital. Tudo isso para compreender e verificar quais são as políticas pedagógicas, os suportes que norteiam o Ensino da Língua Portuguesa, a realidade virtual/digital na escola. Apresentamos, também, uma análise de scraps do Orkut e fragmentos de conversa do MSN Messenger de estudantes do Ensino Médio. O terceiro capítulo apresenta os procedimentos metodológicos e técnicos, referentes à pesquisa de campo, através de uma abordagem descritiva e analítica da realidade constatada. Apresentamos o levantamento de dados, por meio de questionários entre educadores, estudantes e análises sobre os mesmos. E por fim as considerações finais, referências bibliográficas e anexos. 34 Cf. fotos Anexo I. Escola particular: Colégio Losango, situado à Rua Barão de Piunhi, Nº. 486, Centro. Formiga - MG e Escola Estadual: Escola Estadual Dr. Abílio Machado, situada à Rua Ramiro Correia S/ nº. Bairro Areias Brancas. Formiga – MG. 24 CAPÍTULO I SENTIDOS DA ESCRITA E LEITURA FRENTE AO TEXTO ELETRÔNICO Apresentamos, neste capítulo, um estudo sobre a escrita e leitura e o uso das mesmas na contemporaneidade. O capítulo está dividido em três tópicos. O primeiro tópico (1.1) trata de uma breve consideração sobre a história da escrita e da leitura, com o objetivo de situar no tempo as diversas etapas que as mesmas apresentaram. Destacamos os suportes de edição e difusão da escrita e leitura ao logo da história. No segundo tópico (1.2) apresentamos um estudo sobre o livro desde sua invenção, do códex ao texto eletrônico, com objetivo de destacar seu desenvolvimento através das tecnologias da comunicação para verificar sua importância e sua permanência. No terceiro tópico (1.3) apresentamos um estudo sobre virtual/digital e o mundo contemporâneo. 1.1 Considerações sobre a história da leitura e escrita A escrita atravessou três fases distintas, segundo Cagliari: a pictórica (desenho figurativo), a ideográfica (representação de idéias sem indicação dos sons das palavras) e a fonográfica, ou seja, a alfabética (representação dos sons das palavras). A escrita alfabética representa as palavras através de consoantes e vogais. A fase pictórica, que se distingue pela escrita de desenhos ou pictogramas, foi encontrada em inscrições antigas como na escrita asteca, nos cantos Ojibwa da América do Norte. Os pictogramas se associavam à imagem do que se queria representar, sendo uma representação simplificada dos objetos. A fase ideográfica, caracterizada pela escrita através de desenhos, chamados, ideogramas, com o tempo foi perdendo alguns traços da figura, tomando a forma de letras. Isso foi, uma evolução da escrita que deu origem ao nosso alfabeto. Sabe-se que as escritas ideográficas mais importantes são a egípcia, a mesopotâmica, as escritas da região do mar Egeu e a chinesa. Conforme Cagliari, antes que o alfabeto tomasse a forma atual, inúmeras transformações ocorreram, A fase alfabética se caracterizou pelo uso de letras originadas nos ideogramas, que 25 perderam seu valor enquanto ideográfico que por sua vez perdeu seu valor pictórico, assumindo uma nova função de escrita, uma representação fonética35. De acordo com estudiosos da história da escrita, os caracteres egípcios deram origem à escrita semítica e o nome da letra semítica coincide com o significado do hieróglifo egípcio. O alfabeto grego formou-se a partir do sistema de escrita fenício, isto é, uma ramificação da escrita semítica, que funcionou como modelo gráfico. Alguns caracteres fenícios passaram a representar vogais no alfabeto grego, perdendo-se assim o valor consonantal de origem, ou seja, as línguas semíticas grafavam apenas as consoantes das palavras. Os gregos, ao introduzirem as vogais no sistema de escrita, desenvolveram o primeiro alfabeto moderno. O abecedário romano que usamos hoje derivou do alfabeto grego. Obviamente, com a invenção da escrita, surge a leitura, as quais andam atreladas e demandam aprendizagem. Essa demanda é atribuição da escola, porque é na escola que os estudantes desenvolvem suas habilidades para a alfabetização e o letramento. Cagliari, ao referir-se à escrita, afirma: “a escrita, seja ela qual for, sempre foi uma maneira de representar a memória coletiva, religiosa, mágica, científica, política, artística e cultural” 36 . Portanto, reconhece a importância social que escrita e leitura exercem na vida cultural de um povo. O ato de escrever e ler sempre se apresentou de forma diferente, em cada momento da história, de acordo com as possibilidades de suporte que o desenvolvimento tecnológico e as transformações e permanências culturais propiciaram. Toda mudança demanda reconhecimento, tempo para adaptações, assimilações; surgem debates, negociações que, muitas vezes, apresentam-se de forma polêmica, com resistências e cautelas. Até que passe fazer uso na rotina da vida cultural das pessoas, ou seja, sem grandes polêmicas. Isso se dá através do intercâmbio de informações e interações. Essa realidade tem estado presente na sociedade, como verificamos em Thompson, quando afirma que, em todas as sociedades, os seres humanos se ocuparam da produção e do intercâmbio de informações e de conteúdos simbólicos. Desde as mais antigas formas de comunicação, seja gestual e de uso da linguagem, até os mais recentes desenvolvimentos na tecnologia computacional, a produção, o armazenamento e a circulação de informação e conteúdo simbólico têm sido aspectos centrais da vida humana37. 35 CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização & Lingüística: 9ª ed. São Paulo, SP. Editora Scipione, 1996, p. 109. Ibidem, p. 112. 37 THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia: 3ª Edição Petrópolis, RJ: Vozes, 2001, p.19. 36 26 A produção e o intercâmbio de informações e de conteúdos se transformam, sofrem mudanças ao longo da história. E, em cada momento histórico, observa-se que uma ferramenta se destacou na transmissão da cultura, das interações e evoluções culturais de um povo, registrando assim o contexto histórico de todas as gerações que interferiram, ou melhor, repercutiram nas relações e organizações sociais. Thompson afirma que o uso dos meios de comunicação transforma a organização espacial e temporal da vida social, cria novas formas de ação e interação e novas maneiras de exercer o poder que está mais ligado ao compartilhamento local comum38. A oralidade foi o primeiro suporte da escrita para os antepassados. E sobre isso verificamos em Jeanne Marie Gagnebin a relação entre oralidade e escrita, quando afirma que a memória dos homens constrói estes dois pólos: o da transmissão oral viva e efêmera e a conversa pela escrita, que talvez dure por mais tempo39. Roger Chartier afirma que as ‘revoluções da leitura’ são múltiplas e que não estão imediatamente ligadas à invenção ou às transformações da impressão. A primeira revolução consiste no processo crescente de leitores que passam de uma prática de leitura oral, para uma leitura visual, puramente silenciosa. Foi durante a Idade Média que a habilidade de ler em silêncio foi conquistada pelos leitores ocidentais. A segunda revolução na leitura ocorreu durante a era da impressão, mas antes da industrialização da produção do livro 40. O século XIX é marcado por uma nova categoria de leitores (mulheres, crianças, trabalhadores) que, até então, eram privados da leitura. Isso popularizou a leitura, diminuindo o analfabetismo, diversificando a produção impressa e permitindo novas práticas de leitura. Com o desenvolvimento das tecnologias, surgiram novas ferramentas para produzir o livro, difundir a leitura e ampliar a comunicação. Neste contexto, escrita e leitura passam por configurações significativas onde se podem observar mudanças nas interações e interlocuções sociais. A sociedade, por sua vez, reorganiza-se a partir destas mudanças. Como afirma Roger Chartier: “A nova relação com os textos obriga a uma profunda reorganização da ‘economia da escrita’” 41. Compreendemos aqui por ‘economia da escrita’ a regulamentação, a produção, a distribuição e o consumo da mesma. Surgem práticas sociais de leitura e escrita de forma diferente daquelas em uso até então. As demandas de práticas sociais de leitura e 38 , THOMPSON, John B.A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia: 3ª Edição Petrópolis, RJ: Vozes, 2001, p.14. 39 GAGNEBIN, Jeanne Marie. Lembrar escrever esquecer, 2006, p. 11. 40 CHARTIER, Roger. As revoluções da leitura no ocidente. In ABREU, Márcia (org.). Leitura, história e história da leitura. Campinas, SP: Mercado de letras: Associação de Leitura do Brasil; São Paulo: FAPESP, 2000, p. 23-24. 41 Ibidem, 2000, p. 27. 27 escrita digital através das novas tecnologias conduzem a um estado ou condição diferente das práticas de leitura e escrita tipográfica. Para Thompson, o desenvolvimento dos meios de comunicação cria novas formas de ação e de interação e novos tipos de relacionamentos sociais. Ele faz surgir uma complexa reorganização de padrões de interação humana através do espaço e do tempo. Com o desenvolvimento dos meios de comunicação, a interação se dissocia do ambiente físico, de tal maneira, que os indivíduos podem interagir uns com os outros, ainda que não partilhem do mesmo ambiente espaço-temporal42, a virtualidade evidencia. Antes da invenção da imprensa, a produção e reprodução manuscritas dos textos condicionavam sua difusão, seu uso e, conseqüentemente, as práticas de escrita e de leitura. Por um lado, os livros manuscritos da Idade Média eram objetos de luxo, a que poucos tinham acesso; por outro lado, os copistas, freqüentemente, alteravam o texto, ou por erro ou por intervenção consciente, de modo que as cópias do mesmo texto raramente eram idênticas. Além disso, o possuidor ou o leitor do manuscrito tinha a possibilidade de intervir no texto, acrescentando títulos, notas, observações pessoais, porque espaços em branco eram deixados para essa finalidade. De acordo com Roger Chartier, a invenção da imprensa não representou uma transformação tão absoluta como se costuma afirmar. Um livro manuscrito (sobretudo nos séculos, XIV e XV) e um livro pós Gutemberg baseiam-se nas mesmas estruturas fundamentais, as do códex 43. A revolução de Gutenberg alterou as formas de produção, de reprodução e de difusão da escrita e, conseqüentemente, modificou significativamente as práticas sociais e individuais de leitura e de escrita, modificando o letramento, isto é, o estado ou condição de quem participa de eventos em que tem papel fundamental a escrita. Thompson destaca três desenvolvimentos chaves no final do século XIX e XX que foram relevantes no sistema de comunicação: 1) O desenvolvimento dos sistemas de cabos submarinos pelas potências imperiais européias; 2) O estabelecimento de novas agências internacionais e a divisão do mundo em esferas de operação exclusivas; e 3) A formação de organizações internacionais, interessadas na distribuição do espectro eletromagnético. Desses três desenvolvimentos, destacam-se três elementos que marcaram de forma sucessiva cada época: 42 THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia: 3ª Edição Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.p.77. 43 CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2ª ed., 1998, p. 7. 28 1. O telégrafo foi o primeiro meio de comunicação que explorou com sucesso o potencial comunicativo da eletricidade. 2. Um segundo desenvolvimento do século XIX, que teve considerável importância para a formação das redes de comunicação global, foi o estabelecimento de agências internacionais de notícias. 3. Um terceiro desenvolvimento que exerceu um importante papel na globalização da comunicação provém também do final do século XIX. Diz respeito ao desenvolvimento de novos meios de transmitir informações através de ondas eletromagnéticas e a sucessão de tentativas para regular a distribuição do espectro eletromagnético44. Observamos que o desenvolvimento das tecnologias possibilitou mudanças no suporte físico da escrita, assim como na leitura. Roger Chartier afirma que tais mudanças forçam o leitor a ter novas atitudes e aprender novas práticas intelectuais. A passagem dos textos do livro impresso para a tela do computador é uma mudança tão grande quanto a passagem do rolo para o códex durante os primeiros séculos da Era Cristã. Isso desafia a ordem dos livros familiares aos leitores e dita novos caminhos de leitura que superam as limitações tradicionais impostas pelos objetos impressos45. Não é a primeira vez que as novas tecnologias intelectuais são acompanhadas por modificações do saber, 46 como afirma Pierre Lévy. Nesta mesma obra o autor, ao tratar sobre os três tempos do espírito, afirma que o ser humano, ao longo de sua história, conheceu três tempos distintos; a oralidade primária, a escrita, e a informática. O tempo da oralidade primária é baseado na memória, na narrativa e no rito. O tempo da escrita é estabelecido na interpretação, na teoria e na legislação, ao passo que o da informática se fixa na modernização operacional e simulação como forma de conhecimento. O referencial não se estabelece inscrito no papel que é suporte inerte, rígido, mas está no computador onde são corrigidos e aperfeiçoados continuamente. Dificilmente o modelo é definitivo. De acordo com Thompson, a prática de transmitir mensagens através de extensas faixas de espaço não é recente, porém foi no século XIX que as redes de comunicação foram organizadas sistematicamente em escala global, firmando assim a globalização. Isto se deveu 44 Cf. THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia: 3ª Edição Petrópolis, RJ: Vozes, 200,1 p.137 - 142. 45 CHARTIER, Roger. As revoluções da leitura no ocidente. In ABREU, Márcia (org.). Leitura, história e história da leitura. Campinas, SP: Mercado de letras: Associação de Leitura do Brasil; São Paulo: FAPESP, 2000, p. 28. 46 LÉVY, Pierre. As tecnologias da Inteligência: O futuro do pensamento na era da informática. 14ª ed. São Paulo - SP: Editora 34, 2006, p.19, 75-85. 29 em parte ao desenvolvimento de novas tecnologias destinadas a dissociar a comunicação do transporte físico das mensagens e as implicações econômicas, políticas e militares47. O ato de comunicar, transmitir mensagens e conhecimentos, apresenta de formas distintas em cada momento histórico do ser humano. Verificamos em Umberto Eco que nos mosteiros os cristãos constituíam fortalezas onde o conhecimento era preservado com imensas dificuldades. Dado à inexistência da imprensa, os livros tinham de ser copiados a mão por monges dedicados. Em conseqüência, os livros eram bastante raros e de difícil acesso. Essa falta de circulação do conhecimento persistiu até a revolução científica dos séculos XVII e XVIII48. Percebemos que sempre houve um esforço humano para que a circulação da informação se mantivesse com os recursos de cada época. A globalização também não é algo novo. Desde que os indivíduos começaram um intercâmbio de mercadorias, isso caracteriza-se como globalização. Porém teria ficado mais evidente através das novas tecnologias e velocidades como a Internet, onde tempo e espaço se reconfiguram. A criação da Internet revolucionou o final do século XX e seu impacto na vida da humanidade ainda é imprevisível, mediante as diversas perspectivas que ela possibilita. A Internet é mais que uma possível mídia publicitária, que vem sendo descoberta e explorada gradativamente. De acordo com Lévy trata-se, provavelmente, da maior revolução na história da escrita, desde a invenção da imprensa. E o mesmo afirma: a explosão da Web não foi prevista nem desejada pelas grandes multinacionais da informática, das telecomunicações ou da mídia, mas expandiu como um rastro de pólvora entre os cibernautas49. Com a invenção da Internet inaugura-se a era digital50. A escrita e a leitura configuraram-se em novas modalidades. Observam-se novos gêneros lingüísticos com características distintas da escrita normativa. A criação de uma linguagem rápida, abreviada, com expressões únicas até então inexistentes, cheias de ícones51, emoticons52, ou smiley53, animações, ausência de vogais, ausência de acentuação, às vezes com excesso ou falta de 47 THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia: 3ª Edição Petrópolis, RJ: Vozes, 2001, p.137. 48 ECO, Umberto. O nome da rosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. 49 LÉVY, Pierre. O que é virtual. 6ª ed. São Paulo - SP: Editora 34, 2003, p. 196. 50 Consideramos aqui como era digital o início de uma época notável que utiliza um conjunto de dígitos, em vez de ponteiros ou marcas numa escala, para mostrar informações numéricas. Em informática, o computador que opera com quantidades numéricas ou informações expressas por algarismos 51 Consideramos ícones, aqui, mensagens gráficas que funcionam como representação visual de um comando, e que permite ao utilizador fazer operar esse comando sem ter necessidade de fixá-lo e digitar. 52 São caracteres tipográficos que transmitem estados psicológicos emotivos, exemplos: :) = feliz, ): = triste, *-* = emocionado, *-) = pensativo. Cf. site http://pt.wikipedia.org/wiki/Emoticon 53 São as carinhas: referem-se aos emoticons. Cf. Site http://pt.wikipedia.org/wiki/Smiley 30 pontuação, uso de letras minúsculas no lugar de maiúsculas e abreviaturas ou alongamento de palavras que só são compreendidas por quem domina essa escrita e leitura. É uma linguagem que permite uma comunicação mais rápida, às vezes com menos caracteres. A oralidade e a pressa fazem com que os sujeitos desconsiderem regras básicas da gramática e da ortografia normativa. Os usuários da Internet formam uma nova comunidade lingüística com maneiras específicas de conversar, utilizando-se de outros recursos semióticos para substituir a conversa face a face, obtendo deste modo a construção de hipertextos. Neste contexto, os usuários se organizam e interagem de formas diferentes das convencionais. A noção de tempo e de espaço configuram novos conceitos, devido às velocidades e à evidência do virtual. A Internet apresenta-se como a possibilidade de outra forma de linguagem que pode incorporar elementos comunicativos de diversas mídias, operando com textos e imagens que são relacionados de forma simultânea na tela e segundo os movimentos do usuário. Este dispõe de um fluxo de informações que se alimenta de uma rede planetária e mutante, tendo em vista que esta pode ser atualizada, em tempo cada vez mais curto e em várias partes do mundo, ao mesmo tempo. Roger Chartier, ao afirmar sobre os desafios da atualidade, diz que enfrentamos duplos desafios atualmente. De um lado, a profunda transformação que está alterando todos os modos de publicação, comunicação e recepção da palavra escrita, e isso deve ser acompanhado por uma reflexão histórica, jurídica e filosófica. Mas, por outro lado, a representação eletrônica dos textos não deve, de modo algum, implicar no rebaixamento, no esquecimento ou, pior ainda, na destruição dos objetos que mantiveram e mantêm originalmente os trabalhos do passado ou do presente. Talvez isto seja uma das tarefas fundamentais das grandes bibliotecas hoje: é a de colecionar, proteger, inventariar e, finalmente, tornar acessível a herança da cultura escrita 54. Para Roger Chartier esse novo mundo eletrônico não significa a morte da impressão. Temos de lembrar que, somente preservando o entendimento da cultura impressa, poderemos saborear completamente a ‘felicidade extravagante’ prometida pelas inovações tecnológicas55. Roger Chartier discorre que a leitura é sempre apropriação, invenção, produção de significados56. O texto implica significações que cada leitor constrói a partir de seus próprios códigos de leitura, quando ele recebe ou se apropria do texto de forma determinada57. 54 CHARTIER, Roger. As revoluções da leitura no ocidente. In ABREU, Márcia (org.). Leitura, história e história da leitura. Campinas, SP: Mercado de letras: Associação de Leitura do Brasil; São Paulo: FAPESP, 2000, p. 30. 55 Ibidem, p. 31. 56 CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador: São Paulo: Editora UNESP 1999, p. 77 31 O computador, através da Internet, vem proporcionado uma revolução nos meios de comunicação e difusão de leitura e escrita e nas organizações sociais. Nunca se escreveu tanto e nunca se leu tanto depois de sua invenção. Uma nova modalidade de escrita ou um novo gênero lingüístico se configura. A leitura e a escrita não se separam, sempre tiveram uma relação de dependência, são ações que funcionam juntas. No computador, isso se evidência ainda mais. Uma vez que se usa a escrita digital, faz-se uso da leitura e vice-versa. Isto é, ao ler na tela, digitar comandos e escrever, pratica-se o ato de leitura e de escrita. O leitor se depara com um novo suporte com o qual vai se adaptando, de acordo com suas demandas. Roger Chartier afirma que a revolução do nosso presente é mais importante do que a de Gutenberg58. Isto porque essa revolução modificou a técnica de reprodução do texto e as próprias formas de suporte do escrito, os modos de organização, de estruturação e de consulta dos leitores. A tela substituiu o códex. Ler um livro jamais será como ler na tela. Com essa realidade percebe-se que a cognição da leitura e escrita passa por um processo de adaptação, que não rompe com práticas já existentes, porém agrega novas formas de ler e escrever. Sabemos que, com o desenvolvimento dos sistemas de escrita e de meios técnicos como o pergaminho e o papel, aumentaram substancialmente a reprodutibilidade das formas simbólicas. A invenção da máquina impressora permitiu a reprodução de mensagens escritas em escala e rapidez que, até então, eram impossíveis. Da mesma forma que o desenvolvimento da litografia, do gramofone, do rádio gravador foram significativos, não somente porque permitiram a fixação de fenômenos visuais e acústicos nos meios técnicos duráveis e também por fenômenos que eram fixados em meios que lhes facilitavam, em princípio, a reprodução. O objetivo desse nosso estudo realizado até aqui foi verificar em linhas gerais a história da escrita e leitura para situá-las no tempo e verificar as práticas de leituras atuais no contexto virtual/digital do mundo contemporâneo. 57 Ibidem, 1999, p. 152. CHARTIER Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2ª ed., 1998, p. 97. 58 32 1.2 O livro: do códex59 ao texto eletrônico O livro é um produto intelectual que expressa conhecimentos individuais ou coletivos através de textos manuscritos e ou impressos, com ou sem imagens. Ele é um dos diversos suportes de transmissão e inscrição do texto, de fácil transporte, devido à facilidade de para manuseio pela leveza, tamanho e formato. Sua história é de inovações das técnicas que permitiram a melhora da conservação dos volumes e do acesso à informação, da facilidade em manuseá-lo e produzi-lo. Esta história está intimamente ligada a contingências políticas e econômicas e à história de idéias e religiões. Para Cagliari a invenção do livro e, sobretudo da imprensa, são grandes marcos da História da humanidade, após a invenção da escrita60. Para se chegar à invenção do livro, a escrita passou por uma trajetória de invenções de suportes: os primeiros, utilizados para a escrita, foram tabuletas de argila ou de pedra. A seguir, veio o cilindro de papiro, facilmente transportado. O texto era escrito em colunas na maioria das vezes. Algumas vezes um mesmo cilindro continha várias obras. No final do Império Romano e durante toda a Idade Média, a transmissão do saber humano era feito por meio de códices, livros manuscritos, geralmente em pergaminho, que constituíam autênticas obras de arte. Os códices vieram para substituir os rolos de papiros enrolados em um cilindro de madeira, comumente utilizados na Antiguidade. Tábulas retangulares de madeira, revestidas de cera e unidas por cordões ou anéis, foram utilizadas pelos gregos e romanos para receberem registros contábeis ou textos didáticos; são os antepassados imediatos dos códices. A substituição do papiro pelo pergaminho foi a partir do século IV, que difundiu o códice como suporte para a escrita. O códex apresentava diversas vantagens sobre o rolo. Esse era muito incômodo, pois para encontrar uma determinada passagem no meio de uma obra, era preciso desenrolá-lo até achar o trecho e depois enrolá-lo de novo. Já o livro podia ser facilmente aberto em qualquer página e, como se escreve dos dois lados de cada folha, permite economizar material e incluir mais informação. Num rolo de tamanho normal havia espaço apenas para um evangelho, como por exemplo, o evangelho de São Mateus, ao passo que a Bíblia inteira cabia num livro. Além disso, os códices mostravam-se mais fáceis de armazenar e proteger. 59 De acordo com CHARTIER, Roger. Os desafios da escrita. São Paulo: Editora UNESP, 2002, p. 106, “São objetos compostos de folhas dobradas um certo número de vezes, o que determina o formato do livro e a sucessão dos cadernos. Estes cadernos são montados, costurados uns aos outros e protegidos por uma encadernação.” 60 CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização & Lingüística: 9ª ed. São Paulo, SP. Editora Scipione, 1996, p. 112. 33 O códice surgiu na Antiguidade, no século I da era cristã, contendo textos escolares, relatos de viagens ou registros contábeis. Seu uso se multiplicou nos séculos II e III em conseqüência do incremento da demanda de livros e da adoção do pergaminho que, no século IV, substituiu o papiro. Nessa época, o códice substituiu definitivamente o rolo e adquiriu a forma característica de livro, isto é, formado por vários cadernos. Foi no Império Romano que se desenvolveu a indústria livreira. Os editores repartiam o papiro entre os librarii e copistas, e os textos eram ditados para eles. Depois de corrigidos por revisores, os textos eram encadernados. Tornou-se intenso o comércio de rolos e códices, nas chamadas tabernae librariae. Os primeiros mosteiros cristãos acolheram em sua estrutura frades encarregados de preparar as tintas e os pergaminhos, enquanto outros, chamados scriptores, copiavam os textos na sala conhecida com scriptorium. No século XI, passou-se a marcar a continuidade dos cadernos escrevendo, no fim da última página, a primeira palavra do caderno seguinte. No século XIII, quase todos os códices eram assinalados dessa forma, e no século XVI a prática se generalizou. A partir do século XII, quando surgiram as universidades e o pensamento ocidental experimentou uma completa renovação, a demanda de códices se multiplicou extraordinariamente e se desenvolveu uma nova indústria, que pouco devia à da época romana. As cidades universitárias acolhiam todos os que participavam da fabricação dos livros, desde copistas e encadernadores até comerciantes. Embora as técnicas empregadas no século XII não diferissem das antigas, os novos artesãos do livro, agora reunidos em grêmios, rivalizavam entre si na excelência de seus trabalhos e formavam escolas ligadas a alguma universidade ou país. As universidades, por sua vez, não permitiam a circulação de cópias de má qualidade em seus esforços para proteger a pureza e a exatidão dos textos. Nessa época, e antes da invenção da imprensa, os leitores podiam prover-se de livros comprando-os diretamente nos stationarii ou encomendando-os a um scriptor ou copista. Estes costumavam alugar os cadernos aos livreiros, com preços determinados pela universidade. O sistema de cadernos permitia que vários copistas trabalhassem na mesma obra simultaneamente. As universidades também se reservavam o direito de inspecionar os exemplares em poder dos livreiros. Além desses livros de texto, que tinham certa difusão, no fim da Idade Média as igrejas e os grandes magnatas costumavam encomendar a confecção de luxuosos códices de grande valor artístico. Esses livros já não eram realizados por copistas, mas por calígrafos e ilustradores muito especializados. 34 Foram também freqüentes as redações de códices sobre pergaminhos anteriormente escritos e depois raspados e apagados, os palimpsestos, que proliferaram, sobretudo nos séculos VII e VIII, devido à falta de pergaminhos virgens. Com a invenção da imprensa e o desenvolvimento do papel, como suporte para a escrita, multiplicaram-se as possibilidades da edição de livros que acarretaram a decadência dos códices. Durante o Renascimento, os estudiosos do classicismo puseram em moda os códices escritos com a chamada littera antiqua muito apreciado pelos colecionadores. O livro tornou-se um produto de consumo, um bem a partir de sua invenção. A tarefa de criar um conteúdo passível de ser transformado em livro é tarefa do autor. Já a produção dos livros, no que concerne a transformar os originais em um produto comercializável, é tarefa do editor, em geral, contratado por uma editora. Uma terceira função associada ao livro é a coleta, organização e indexação de coleções de livros, típica do bibliotecário. A permanência do livro impresso é um fato que se discute hoje, como se a Internet representasse uma ameaça à sua existência. As bibliotecas eletrônicas, sem muros já são uma realidade. Porém observamos que há uma dualidade entre o livro impresso e o livro eletrônico. Se há tal risco de extinção do livro impresso acreditamos que ainda é cedo para afirmar. Porém há considerações, como verificamos em Roger Chartier, ao citar Henri-Jean Martin, onde ele afirma que o livro não exerce mais o poder que já teve; ele não é mais o mestre de nossos raciocínios ou de nossos sentimentos, em face dos novos meios de informação e de comunicação dos quais, a partir de agora, dispomos 61. Não interpretamos a Internet como ameaça à existência do livro, apenas ressaltamos discussões que verificamos. De acordo com essa discussão Roger Chartier afirma que a revolução do livro eletrônico é uma revolução nas estruturas do suporte material do escrito assim como nas maneiras de ler 62 . Cada leitor constrói, a partir de seus próprios códigos de leitura, os significados 63. E isso ocorre de forma diferente em cada existência em que o texto se apresenta segundo Steven Johnson, o leitor, na tela, não lê como no papel64. A compreensão, ou seja, as construções acontecem de forma diferenciada. De acordo com Roger Chartier, vivemos hoje a pluralidade da existência do texto e a eletrônica é apenas uma dentre elas. É preciso preservar as próprias condições de sua inteligibilidade, conservando os objetos que os transmitiram. A biblioteca material, na sua 61 CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2ª ed., 1998, p. 95. 62 CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador: São Paulo: Editora UNESP, 1999, p.13 63 CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador: São Paulo: Editora UNESP, 1999, p. 152. 64 JOHNSON, Steven. Cultura da interface: como o computador transforma nossa maneira de criar e comunicar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001, p 105. 35 função de preservação das formas sucessivas da cultura escrita tem, também, um futuro necessário65. 1.3 Virtual/digital e o mundo contemporâneo No mundo contemporâneo, as palavras, virtual e digital estão em evidência. Digital é uma palavra usada geralmente em computador e em eletrônica, especialmente onde a informação real da palavra é convertida ao formulário numérico binário, como na fotografia e áudio. A palavra digital deriva de dígito, que por sua vez procede do latim digitus, significando dedo. É o sistema onde o sinal não tem a propriedade de variar. É a informação processada de forma binária através de bits (dígitos binários). Já a palavra virtual, de acordo com Pierre Lévy, vem do latim medieval virtualis, derivado por sua vez de vertus, força, potência. Na filosofia escolástica, é virtual o que existe em potência e não em ato. O virtual tende a atualizar-se, sem ter passado, no entanto à concretização efetiva ou formal66. Ao definir o que é virtual, há que se pisar em território desconhecido, desterritorizado67, isto é, sem fronteiras e sem proprietários únicos. É um território denso, porém invisível, que às vezes extrapola a capacidade de interpretação. Observamos que a palavra virtual hoje está na mídia, denotando uma terminologia contemporânea, como se pertencesse ao mundo da Internet, porém, de acordo com a definição, não é o que se denota, isto é, não é um neologismo e nem algo recente, que só faz parte do mundo digital e contemporâneo, ou algo que pertence à Internet. Verificamos, na afirmação de Pierre Lévy, que a virtualização não é um fenômeno recente. A espécie humana se constitui na e pela virtualização68. Aristóteles, nos estudos sobre a potência, o ato e o movimento, afirma que: ser não é apenas o que já existe, em ato; ser é, também, o que pode ser a virtualidade, a potência69. Ainda em Pierre Lévy, virtual em termos filosóficos, não se opõe ao real, mas ao atual. Virtualidade e atualidade são apenas duas maneiras de ser diferente70. O mesmo autor define que há quatro modos de ser: possível, real, atual e virtual 65 CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador: São Paulo: Editora UNESP, 1999, p. 153. LÉVY, Pierre. O que é virtual. 6ª ed. São Paulo - SP: Editora 34, 2003, p.15. 67 Cf. “O EFEITO MOEBIUS”. LÉVY, Pierre. O que é virtual. 6ª ed. São Paulo - SP: Editora 34, 2003, p. 2425. 68 LÉVY, Pierre. O que é virtual. 6ª ed. São Paulo - SP: Editora 34, 2003, p.135. 69 ARISTÓTELES, Vida e obra. São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda. Coleção os pensadores, 1999, p. 23-25. 70 LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo - SP: Editora 34, 1999, p. 47. 66 36 que são modos de ser diferentes, mas quase sempre operando juntos em cada fenômeno concreto que se pode analisar71. O que evidencia o virtual, hoje, é a invenção de novas velocidades, isto é, os modos de ser passam por um loop e o virtual se sobressai em relação aos outros modos. A Internet é uma ferramenta que possibilita isso, potencializa o real, tornando-o acessível em diversos lugares, até mesmo simultaneamente. Um objeto, uma foto, por exemplo, pode ser real em um determinado lugar e, ao mesmo tempo, ser virtual (em potência) em muitos lugares. No mundo virtual/digital, as maneiras de ser se alteram. Segundo Pierre Lévy, novas maneiras de pensar e de conviver estão sendo elaboradas no mundo das telecomunicações e da informática. As relações entre os homens, o trabalho, a inteligência dependem da metamorfose incessante de dispositivos informacionais. A escrita, a leitura, a visão, a audição, a criação, a aprendizagem são capturados por uma informática cada vez mais avançada72. A evolução tecnológica e a revolução sociológica ditam um novo tempo, um novo ritmo. E isso sempre pode ser observado, como por exemplo, a invenção do trem a vapor. O tempo e o espaço revolucionaram o mundo. A máquina passa a substituir a força física do homem. A aceleração causada pelas máquinas fez o homem se distanciar do ritmo da natureza. E hoje, isso não é diferente. A Internet revolucionou a concepção de tempo e espaço, possibilitando certa relatividade nas concepções. As categorias conceituais que compõem o universo da chamada comunicação contemporânea não têm características rígidas e guardam entre si uma estreita relação. Noções como interface, interatividade, hipertexto, hipermídia, virtual, ciberespaço, cibercultura73 e outras, parecem indicar não apenas uma redefinição do papel dos meios de comunicação no contexto histórico e cultural da humanidade, mas um novo direcionamento das relações do homem com tudo que ele cria. A hipertextualidade não é uma invenção nova e moderna. Registros históricos dessa estrutura narrativa em obras da Ciência, Literatura e Filosofia já foram encontrados. Apenas ganhou impulso com o avanço da crescente ação dialógica entre o homem e a técnica. A hipertextualidade, como ponto de convergência, revela a falência do discurso tradicional lógico, acabado, fechado em si mesmo. As possibilidades de conexões 71 Cf. LÉVY, Pierre. O que é virtual. 6ª ed. São Paulo - SP: Editora 34, 2003, p.136-145. LÉVY, Pierre. As tecnologias da Inteligência. 14ª ed. São Paulo - SP: Editora 34, 2006, p. 7. 73 William Gibson foi o primeiro estudioso a expor a idéia de cibercultura como uma flora aquática, sem raízes. No seu romance de ficção científica Neuromante, o termo designa o universo das redes digitais, descrito como campo de batalha entre as multinacionais, palco de conflitos mundiais, nova fronteira econômica e cultural. Cf. mais sobre esse assunto em: LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo - SP: Editora 34, 1999, p. 92-93 e FERNANDES, Fábio. A construção do imaginário cyber: William Gibson, criador da cibercultura. São Paulo: Editora Anhembi Morumbi, 2006. 72 37 entre trechos e totalidades de textos favorecem a flexibilização das fronteiras nas áreas do conhecimento. A contemporaneidade apresenta-se com o rompimento de estruturas rígidas, com erosões, fissuras, rizomas, rompimento de barreiras, de limites, de normas. Padrões que até então eram absolutos, reconfiguram-se com novos conceitos, com concepções de ser e não ser, do verso e do reverso e são possíveis nas suas interfaces. Seria a contemporaneidade a modernidade líquida? Conforme já mencionamos na introdução dessa pesquisa, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman afirma: o que está acontecendo hoje é por assim dizer, uma redistribuição e realocação dos ‘poderes de derretimento’ da modernidade 74 . A fluidez e a liquidez são metáforas adequadas para captar a natureza da presente fase de muitas maneiras, na história da modernidade. O autor retrata como a transição da modernidade ‘pesada’, ‘sólida’ passa para uma modernidade ‘leve’, ‘líquida’ e infinitamente mais dinâmica e como isso afetou os mais variados aspectos de nossa vida. O mesmo analisa cinco conceitos básicos que organizam a vida humana compartilhada que são: emancipação, individualidade, tempo/espaço, trabalho e comunidade. Ao discorrer sobre líquidos, afirma que os líquidos, diferentes dos sólidos, não mantêm dimensões espaciais claras, mas neutralizam o impacto e, portanto, diminuem a significação do tempo. Os fluidos, por sua vez, não se atêm muito a qualquer forma, estão constantemente prontos e propensos a mudá-la. O que conta é o tempo, mais do que o espaço que lhes toca ocupar. A mobilidade dos fluidos sugere idéia de leveza, porém, há líquidos que, centímetro cúbico por centímetro cúbico, são mais pesados que muitos sólidos75. Isso sugere complexidade e densidade. Nessa modernidade líquida, o que um dia foi considerado impossível, irreal, revela interfaces até então desconhecidas. Conforme Pierre Lévy: vivemos hoje em uma destas épocas limítrofes na qual toda a antiga ordem das representações e dos saberes oscila para dar lugar a imaginários, modos de conhecimento e estilos de regulação social ainda pouco estabilizado. Vivemos um destes raros momentos em que, a partir de uma nova configuração técnica, quer dizer, de uma nova relação com o cosmos, um novo estilo de humanidade é inventado 76. A rapidez e as facilidades que as novas tecnologias possibilitaram às comunicações interferiram em todas as organizações. De acordo com Pierre Lévy, à medida que a informatização avança, certas funções são eliminadas, novas habilidades aparecem, a ecologia 74 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001, p. 13. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001, p. 8. 76 LÉVY, Pierre. As tecnologias da Inteligência. 14ª ed. São Paulo - SP: Editora 34, 2006, p. 17. 75 38 cognitiva77 se transforma. Isto é, à medida que surgem novidades nas evoluções tecnológicas, automaticamente, se aprende a lidar com as relações das evoluções. Pierre Lévy, ao referir-se às grandes invenções, afirma que cada grande inovação em informática abriu a possibilidade de novas relações entre homens e computadores. Surgem códigos de programação cada vez mais intuitivos, a comunicação em tempo real, redes micro, novos princípios de interfaces78. Toda mudança causa espanto e incômodo, que demandam compreensão, assimilações, adaptações, perdas, ganhos etc.. Isso requer tempo para se reestruturar e ganhar sentido. Para Pierre Lévy, compreender o lugar fundamental das tecnologias da comunicação e da inteligência na história cultural nos leva a olhar de uma nova maneira a razão, a verdade, e a história, ameaçadas de perder sua preeminência na civilização da televisão e do computador 79 . O mundo mediado oferece muitas possibilidades que ameaçam a estabilidade das rotinas, de padrões, de conceitos, de normas. De acordo com Thompson, viver num mundo mediado significa responsabilidades que pesam gravemente sobre os ombros de alguns. O imediatismo da experiência vivida e as reivindicações morais, associadas à interação face a face, jogam constantemente contra as responsabilidades provenientes da experiência mediada80. Para Renato Ortiz, o mundo das últimas décadas transformou-se radicalmente. O planeta, que, no início, se anunciava tão longínquo, se encarna assim em nossa existência, modificando nossos hábitos, nossos comportamentos, nossos valores81. Indagamos se isso seria conseqüência da globalização acelerada. O mesmo autor aponta algumas metáforas referidas por estudiosos no livro de Alvin Toffler para descrever as transformações do final do século XX. Como por exemplo: aldeia global, de McLuhan; a primeira revolução mundial, de Alexander King; a terceira onda, de Alvin Toffler; sociedade informática, de Adam Shaff; sociedade amébica; de Kenichi Ohmae. Na verdade são várias formas para definir a contemporaneidade. Renato Ortiz afirma que entre os homens que se comunicam, nessa aldeia, existem tensões, interesses e disputas que os afastam de qualquer ideal comum, construído apenas pela razão preguiçosa. E o mesmo acrescenta: a globalização é um fenômeno emergente, um processo ainda em construção que se reconfigura. Não seria um 77 De acordo com Pierre Lévy, a ecologia cognitiva é o estudo das dimensões técnicas e coletivas da cognição que propõe estudar as coletividades cosmopolitas. Para mais informações, cf. LÉVY, Pierre. As tecnologias da Inteligência: O futuro do pensamento na era da informática. 14ª ed. São Paulo - SP: Editora 34, 2006, 135-149. 78 Ibidem, p. 54. 79 Ibidem, p. 87. 80 THOMPSON, John B.A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia: 3ª Edição Petrópolis, RJ: Vozes, 2001, p. 202. 81 ORTIZ, Renato. Mundialização e cultura. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994, p. 7- 8. 39 processo inacabado? O qual se re-configura a partir do desenvolvimento tecnológico e das evoluções culturais? Essas inquietações podem ser conferidas também em Renato Ortiz, quando afirma que o processo de mundialização é um fenômeno social total. Esse fenômeno permeia as manifestações culturais. Ele deve localizar enraizar nas práticas cotidianas dos homens. Com a emergência de uma sociedade globalizada, a totalidade cultural se remodela, portanto, sem a necessidade de raciocinarmos em termos sistêmicos, a ‘situação’ na qual se encontravam as múltiplas particularidades82. O mesmo autor aponta também que, no processo de formação da nacionalidade, a escola, a imprensa, os meios de transporte desempenham um papel fundamental, isto é, possibilitam um desenvolvimento de um sistema de comunicação. O desenvolvimento das tecnologias da velocidade reconfigura a organização social e suas interações. A rede comunicativa, a estrada de ferro, o telégrafo, os transportes, os jornais, etc., pela primeira vez, articulam esse emaranhado de pontos, interligando-os entre si. A nação rompe com o isolamento local das sociedades modernas, as relações sociais são deslocadas dos contextos territoriais de interação e se reestruturam por meio de extensões indefinidas de tempo-espaço. Os homens se desterritorializam, favorecendo uma organização racional de suas vidas. Neste contexto desterritorializado, o mundo contemporâneo dilata-se para atingir novas dimensões, novas possibilidades. Como afirma Thompson, o universo ético não pode mais ser pensado como um mundo de contemporâneos co-presentes. As condições de contemporaneidade e proximidade não se sustentam mais, e o universo ético se deve alargar para abranger outros distantes que, embora remotos no espaço e no tempo, podem fazer parte de uma seqüência interligada de ações e suas conseqüências83. Essa desterritorialização ocorre também na comunicação, altera o discurso oral e escrito. Conseqüentemente modificam as práticas que os envolvem inclusive as práticas de leitura. E é neste aspecto que retomamos a questão principal desse nosso trabalho de pesquisa, que é refletir sobre as práticas de leitura e escrita interativas dos estudantes nos de sites de relacionamentos, verificar se elas alteram as práticas convencionais das mesmas e compreender que linguagem é essa que se usa no ciberespaço de relacionamentos. Compreender os impactos que as novas tecnologias proporcionam aos meios culturais é condição para se tirar benefícios que elas podem proporcionar. Para isso, há que se desprender de preconceitos, nostalgias, como se fora ameaça à tradição. Segundo Thompson, 82 ORTIZ, Renato. Mundialização e cultura. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994, p. 30. THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia: 3ª Edição Petrópolis, RJ: Vozes, 2001, p. 226. 83 40 se quisermos entender o impacto cultural dos meios de comunicação no mundo moderno, devemos pôr de lado a visão de que a exposição à mídia conduzirá o indivíduo invariavelmente ao abandono das maneiras ‘tradicionais’ de viver e à adoção de ‘modernos’ estilos de vida. De acordo com esse autor, a exposição à mídia não implica, por si mesma, nenhuma particular posição frente à tradição. Os meios de comunicação podem ser usados não somente para desafiar e enfraquecer os valores e crenças tradicionais, mas também para expandir e consolidar tradições.84 As mudanças sempre ameaçam os mais pessimistas. Thompson afirma que uma das mais poderosas heranças do pensamento social clássico é a idéia de que, com o desenvolvimento das sociedades modernas, a tradição vá gradualmente perdendo importância e finalmente cesse de desempenhar algum papel significativo na vida cotidiana da maioria dos indivíduos. Sabemos que as conseqüências do desenraizamento só serão sentidas ao longo do tempo. Prever isso seria uma profecia muito arriscada, inconseqüente, segundo o autor. Compreendemos que o tempo se encarrega de mostrar isso. O desenraizamento ou ‘deslocamento’ da tradição tem conseqüências de longo alcance. Por outro lado, o mesmo autor ressalta que o desenraizamento foi condição para reimplantar as tradições em novos contextos e para a nova ancoragem das tradições a novos tipos de unidades territoriais que iam além dos limites das localidades compartilhadas. As tradições foram deslocadas, não perderam, porém, sua territorialidade: elas foram remodeladas para serem reimplantadas numa multiplicidade de lugares e religadas a unidades territoriais cujos limites ultrapassavam os da interação face a face 85. Neste contexto observamos, também em Thompson, que o desenvolvimento dos meios de comunicação abasteceu uma crescente conscientização da interconexão e interdependência que ele mesmo, entre outros, ajudou a criar. Ele alimentou o frágil sentido de responsabilidade pela humanidade e pelo mundo coletivamente habitado 86. Como já afirmamos, a contemporaneidade demanda uma emergência do digital e aponta uma evidência do virtual. Isso provocou uma alteração de paradigmas na relação do sujeito com a técnica, gerando um grande impacto nas formas tradicionais de práticas da escrita e leitura. Surgem os analfabetos digitais ou os não letrados digitais. Conseqüentemente, o letramento digital passa a ser uma demanda contemporânea. Para Carla 84 THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia: 3ª Edição Petrópolis, RJ: Vozes, 2001, p. 172. 85 THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia: 3ª Edição Petrópolis, RJ: Vozes, 2001, p. 172. 174. 86 THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia: 3ª Edição Petrópolis, RJ: Vozes, 2001, p. 228. 41 Coscarelli e Ana Elisa Ribeiro, o letramento digital é a ampliação do leque de possibilidades de contato com a escrita também em ambiente digital que pode ser para ler e escrever87. Nos dias de hoje, quem não domina a escrita e a leitura digital expõe-se ao risco de ser discriminado, excluído e privado do acesso à informação, à cultura e ao avanço das tecnologias do mundo globalizado. A era digital instiga os cidadãos que mantenham conectados e em muitas situações, até mesmo que tenham uma senha, ou seja, um password, um login, para conectar-se com esse mundo virtual/digital e fazer parte dele. É senha para Email, Orkut, MSN Messenger, banco, cartão de crédito, supermercado, e assim, muitas e muitas senhas para interagir com a máquina e realizar transações; comprar, vender, corresponder, interagir, namorar, divertir, etc.. Nessa realidade, podemos perceber uma dualidade lingüística e oscilações bilingüísticas, biculturais e binacionais de caráter multicultural que o acesso à mídia propicia. Por outro lado, há de se considerar também que o intercâmbio entre as sociedades que se evidencia com o acesso à mídia propicia a hibridação cultural através de processos de quebra e mescla das coleções organizadas pelos sistemas culturais, a desterritorialização dos processos simbólicos e a expansão dos gêneros impuros, cujo tema é tratado por Néstor Canclini. Esse autor afirma que as transformações culturais geradas pelas últimas tecnologias e por mudanças na produção e circulação simbólica não eram responsabilidade exclusiva dos meios comunicacionais88. Compreendemos aqui que muitos fatores contribuem para a hibridação cultural na pós-modernidade, não cabendo somente a responsabilidade aos meios de comunicação. Mas ressaltamos que a mudança do suporte físico da escrita e leitura alterou as práticas de leitura e escrita. E é sobre isso que propomos desenvolver ao logo desse estudo. O estudo que realizamos até aqui foi uma tentativa de obter uma visão sobre a escrita e leitura no aspecto histórico e seu uso nos diversos momentos, com seus suportes de edição e difusão. Observamos as práticas e sentidos que ocuparam e ocupam lugar na vida cultural do ser humano. O primeiro item ocupou-se de uma breve consideração sobre a história da escrita e leitura, com o objetivo de situarmos no tempo as diversas etapas que as mesmas apresentaram e apresentam. No segundo item apresentamos uma história do livro, desde sua invenção, enfatizando do códex ao livro eletrônico, com objetivo de se perceber seu desenvolvimento através das tecnologias, verificando sua importância e sua permanência. E, por último, um estudo sobre virtual/digital e o mundo contemporâneo. 87 COSCARELLI, Carla Viana e RIBEIRO, Ana Elisa (orgs.). Letramento digital: aspectos sociais e possibilidades pedagógicas. Belo Horizonte: Ceale; Autêntica, 2005, p. 9. 88 CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas híbridas. 4ª edição, 1ª reimpressão. São Paulo, SP: Edusp, 2006, p. 284285. 42 Retomamos a Zygmunt Bauman para finalizar nosso estudo nesse capítulo. Para este autor “o advento da instantaneidade conduz a uma cultura e a ética humanas, a um território não-mapeado e inexplorado, onde a maioria dos hábitos apreendidos para lidar com os afazeres da vida perdeu sua utilidade e sentido” 89 . A modernidade líquida, ou seja, a contemporaneidade ainda está por ser compreendida; a liquidez, ao configurar em leveza, possui sua densidade e complexidade. E isso pode ser percebido também na linguagem, seja ela na leitura, escrita e fala. Portanto, retornaremos a essa discussão nos próximos capítulos, para verificar como escrita e leitura interativa apresentam e implicações que podem ser percebidas em relação à escrita e à leitura convencional nos espaços escolares. 89 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001, p. 148. 43 CAPÍTULO II O ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA, A LEITURA E A ESCRITA ENTRE O VIRTUAL/DIGITAL Este capítulo está dividido em três tópicos. No primeiro (2.1), apresentamos um estudo sobre o ensino da Língua Portuguesa no Ensino Médio, mediante as políticas pedagógicas através das orientações curriculares, os PCNs e CBC do Ensino Médio na Língua Portuguesa. No segundo tópico (2.2), buscamos saber como as políticas pedagógicas norteiam o ensino da Língua Portuguesa. Abordamos sobre o livro didático e a escola. No terceiro tópico (2.3), apresentamos um estudo sobre a leitura/escrita interativa no ciberespaço. Além disso, apresentamos uma análise de práticas de leitura e escrita observadas no MSN Messenger e Orkut de alunos do Ensino Médio, para saber como essa escrita apresenta as características da mesma como: os elementos paralingüísticos e outros que são inerentes a essa escrita e leitura interativa do ciberespaço de sites de relacionamentos que envolvem escrita e leitura. Nosso objetivo é compreender as características próprias desse gênero lingüístico do ciberespaço, dos sites de relacionamentos. Verificar se estas práticas de leitura e escrita interferem nas práticas convencionais de leitura e escrita dos estudantes e que implicações podem ser percebidas. 2.1 As políticas pedagógicas frente ao ensino da Língua Portuguesa no Ensino Médio De acordo com a LDBEN/96, o Ensino Médio é a etapa final da Educação Básica. Essa fase de estudos pode ser compreendida como o período de consolidação e aprofundamento de muitos dos conhecimentos construídos ao longo do Ensino Fundamental. 90 De acordo com o documento Orientações Curriculares para o Ensino Médio91, esperase que o estudante no pleno desenvolvimento de suas capacidades, seja capaz de: 90 LDBEN (Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ). Cf. BRASI, Ministério da Educação e do Desporto. Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBs). Brasília: MEC, 1996. 91 SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Orientações curriculares para o ensino médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Vol.1, Brasília: Ministério da Educação Básica, 2006, p 17-39. 44 I. Avançarem níveis mais complexos de estudos: II. Integrar-se ao mundo do trabalho, com condições para prosseguir, com autonomia, no caminho de seu aprimoramento profissional; III. Atuar, de forma ética e responsável, na sociedade, tendo em vista as diferentes dimensões da prática social. O Ensino Médio deve atuar de forma que garanta ao estudante a preparação básica para o prosseguimento dos estudos, para inserção no mundo do trabalho e o exercício cotidiano da cidadania, em sintonia com as necessidades político-sociais de seu tempo. Segundo a LDBEN/96, as ações realizadas na disciplina Língua Portuguesa, no contexto do Ensino Médio, devem propiciar ao aluno o refinamento de habilidades de leitura e de escrita, de fala e de escuta. Implica tanto na ampliação contínua de saberes relativos à configuração, ao funcionamento e à circulação dos textos, quanto no desenvolvimento da capacidade de reflexão sistemática sobre a língua e a linguagem. É necessário lembrar que tais orientações92 não esgotam a questão das múltiplas faces, que envolvem aspectos políticos e ideológicos, históricos e sociais, globais e locais, acadêmicos e científicos. O documento LDBEN/96 propõe discutir, em linhas gerais, a relação entre os avanços de disciplinas científicas que se incubem do estudo da língua e da linguagem e seus efeitos para as disciplinas escolares envolvidas na formação oferecida pelo Ensino Médio. O documento estudado diz que é pela linguagem, só através dela é que o ser humano tem condições de refletir sobre si mesmo. As atividades humanas são mediadas simbolicamente pelas atividades de linguagem, o homem se constitui sujeito, só por intermédio delas é que se tem condição de refletir sobre si mesmo. Através das atividades de compreensão e produção de textos, o sujeito desenvolve uma relação íntima com a leitura, escrita, fala de si mesmo e do mundo que o rodeia, viabilizando significado para seus processos subjetivos. A partir desta abordagem, identificamos estudiosos93 que buscaram compreender os fundamentos biológicos da linguagem e os que focalizam os aspectos sociais implicados no funcionamento dos sistemas semióticos. Em seus estudos, consideram as relações entre os processos cognitivos, ou intrapsicológicos, e os processos sociais, ou interpsicológicos no processo de desenvolvimento e funcionamento da língua e da linguagem. 92 SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Orientações curriculares para o ensino médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Vol.1, Brasília: Ministério da Educação Básica, 2006, p. 23-25. 93 Referimo-nos, aqui, à contribuição de estudos desenvolvidos no escopo da Lingüística; como Hymes na Antropologia; Bakthin, na Filosofia da Linguagem; Goffman, na Etnometodologia e Sociologia e no âmbito da Psicologia do Desenvolvimento, Vygotsky e seus seguidores. 45 As relações humanas entre mundo e linguagem são convencionais, nascem das demandas das sociedades e de seus grupos sociais, e das transformações pelas quais passam em razão de novos usos, que emergem de novas demandas. Os conhecimentos são elaborados por formas de linguagem. É na interação, em diferentes instituições sociais, que o sujeito aprende as formas de funcionamento da língua e os modos de manifestação da linguagem. O sujeito, ao fazer uso da linguagem, constrói seus conhecimentos relativos aos usos da língua e da linguagem em diferentes situações. A língua é uma das formas de manifestação da linguagem, é um sistema entre os sistemas semióticos94 construídos histórica e socialmente pelo homem. E o mesmo em suas práticas orais e escritas de interações, recorre ao sistema lingüístico com suas regras fonológicas, morfológicas, sintáticas, semânticas e com seu léxico. O papel do ensino da Língua Portuguesa é possibilitar o desenvolvimento das ações de produção de linguagem em diferentes situações de interações e abordagens interdisciplinares, nas práticas em aulas, através de procedimentos sistemáticos. A abordagem interdisciplinar oferece amplas possibilidades de recursos para trabalhar, como as narrativas de domínio literário, as narrativas dos grandes feitos históricos, as narrativas do universo oral (cultura popular), as narrativas do mundo midiático, etc. O trabalho com abordagens de múltiplas linguagens e com gêneros discursivos deve ser compreendido como uma tentativa de não fragmentar o processo de formação do aluno, nas diferentes dimensões implicadas na produção de sentidos. Para isso, concebe a leitura e a escrita como ferramentas de poder e inclusão social. Compreendemos que a abordagem do letramento deve considerar as práticas de linguagem que envolvem a palavra escrita e os diferentes sistemas semióticos, seja em contextos escolares, seja em contextos não escolares. Promover diferentes níveis e tipos de habilidades, bem como diferentes formas de interação, é atribuição da escola. Conseqüentemente, isso pressupõe implicações ideológicas. Esse aspecto trata de uma das razões de nossa pesquisa, quando deparamos com uma modalidade de escrita e leitura interativa, que surge fora dos espaços escolares, oportunamente propiciadas pelo ciberespaço, leitura essa que incorpora diversos elementos paralingüísticos como rompimento de normas e outros elementos que analisamos nesse trabalho. E, além disso, essa modalidade traz uma 94 Sistemas semióticos: Linguagem: verbal e não verbal , é o resultado do trabalho humano que foi sedimentado numa relação de convencionalidade. São vários os sistemas semióticos (línguas naturais, sistemas numéricos, sistemas de marcar o tempo, a temperatura, a escrita alfabética, os ideogramas, o braile, o código Morse, os sinais de trânsito e etc., constituídos pelos homens para responder a demandas da sociedade. 46 forma de organizar, divertir e interagir, principalmente entre os jovens, que nos aguça a compreender que linguagem é essa e sua relação com a escola e com a aprendizagem. De acordo com as orientações curriculares, a escola que pretende, efetivamente, ser inclusiva e aberta à diversidade não pode ater-se ao letramento da letra, e sim, se abrir para os múltiplos letramentos, que envolvem variação de mídias, que se constroem de forma multisemiótica e híbrida, como, por exemplo, o hipertexto na imprensa ou na Internet. Essa postura é condição para confrontar o aluno com práticas de linguagem que possibilitem formá-lo para o mundo do trabalho e para a cidadania com respeito pelas diferenças no modo de agir e de fazer sentido95. Na perspectiva da história de interações e de letramento, sabemos que o aluno do Ensino Médio traz consigo uma bagagem de conhecimentos, muitos dos quais foram adquiridos ao longo do Ensino Fundamental, através das experiências sistemáticas de aprendizagem como a escrita, a produção e compreensão de texto. Esses se constituíram nas esferas sociais de uso da linguagem, seja ela pública e/ou privada. Espera-se que o aluno do Ensino Médio ao longo de sua formação seja capaz de lidar com a diversidade de gêneros lingüísticos, de acordo com o espaço que cada um estabelece. 2.1.1 Orientações curriculares96 Nesse item de estudo, propomos verificar as orientações curriculares para o Ensino Médio, em consonância com os PCNs 97 e o CBC98, para que possamos nos inteirar das políticas de ensino e dialogar com o tema pesquisado. Asseguramos que dentre os impactos e implicações que as mudanças tecnológicas propiciam à linguagem na comunicação, há políticas pedagógicas que norteiam as questões do ensino da língua, assim como outros conteúdos. 95 SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Orientações curriculares para o ensino médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Vol.1, Brasília: Ministério da Educação Básica, 2006, p. 29. 96 SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Orientações curriculares para o ensino médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Vol.1, Brasília: Ministério da Educação Básica, 2006. 97 PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais). BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: MEC/SEM, 2000, ______. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: MEC/Semtec, 2002______. PCN+ Ensino Médio: orientações educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Vol. Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC/Semtec, 2002. 98 CBC (Currículo Básico Comum). SECRETARIA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DE MINAS GERAIS. Proposta curricular de português. Educação Básica. Ensino Médio, 2005. 47 As Orientações Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa para o Ensino Médio99 se realizam por meio da discussão e da defesa de uma concepção de ensino que orienta tanto da emergência de objetos de ensino/estudo, quanto das abordagens a serem adotadas nessa tarefa. Devem ser tomadas como referenciais. Uma vez discutidas, compreendidas e (re) significadas no contexto da ação docente, possam efetivamente orientar as abordagens a serem utilizadas nas práticas de ensino e de aprendizagem. De acordo com a Secretaria de Educação Básica, a qualidade da escola é condição essencial de inclusão e democratização das oportunidades no Brasil, e o desafio de oferecer uma educação básica de qualidade para a inserção do aluno, o desenvolvimento do país e a consolidação da cidadania é tarefa de todos. Ainda no mesmo documento refere-se que preparar o jovem para participar de uma sociedade complexa como a atual, requer aprendizagem autônoma e contínua ao longo da vida, é o desafio que temos pela frente. A Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (nº. 9394/96), representa um divisor na construção da identidade da terceira etapa da Educação Básica brasileira. Destacam-se dois aspectos: O primeiro é sobre as finalidades atribuídas ao Ensino Médio, isto é, o aprimoramento do educando como ser humano. Sua formação ética, desenvolvimento de sua autonomia intelectual e de seu pensamento crítico, sua preparação para o mundo do trabalho e o desenvolvimento de competências para continuar seu aprendizado. (Artigo. 35). E o segundo propõe a organização curricular. De acordo com o documento100 essas diretrizes consistem na possibilidade objetiva de pensar a escola a partir de sua própria realidade, privilegiando o trabalho coletivo. O CBC propõe a base para o estabelecimento de parâmetros de avaliação institucional das unidades escolares da rede pública estadual, para a avaliação de desempenho individual dos professores e para a proposição de metas que visem à melhoria do desempenho de cada escola, contribuindo para o desenvolvimento da qualidade da educação pública em Minas Gerais. O Ensino das Disciplinas Língua Portuguesa assim como Língua Estrangeira Moderna, Arte, Educação Física e Informática (área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias) tem como finalidade básica o desenvolvimento das competências gerais de 99 SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Orientações curriculares para o ensino médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Vol.1, Brasília: Ministério da Educação Básica, 2006. 100 Ibidem. 48 Representação e Comunicação, definidas, nos PCN+, como competências para “manejar sistemas simbólicos e decodificá-los” 101. O sentido do ensino e da aprendizagem da língua portuguesa impõe a ampliação de horizontes, de forma a reconhecer as dimensões estéticas e éticas da atividade humana de linguagem, só ela capaz de tornar desejada a leitura de poemas e narrativas ficcionais. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais102, o ensino de Língua Portuguesa deve preparar o aluno para a vida, qualificando-o para o aprendizado permanente e para o exercício da cidadania. Preparar para a vida significa formar locutores/autores e interlocutores capazes de usar a língua materna para se expressar em variedades e registros de linguagem pertinentes e adequados a diferentes situações comunicativas. Isso implica o acesso à diversidade de usos da língua, em especial às variedades cultas e aos gêneros de discurso do domínio público que as exigem. É condição necessária ao aprendizado permanente e à inserção social. Implica, também, compreender a dimensão ética e política da linguagem, ou seja, ser capaz de refletir criticamente sobre a língua como atividade social capaz de regular – incluir ou excluir – o acesso dos indivíduos ao patrimônio cultural e ao político. Os conteúdos e as práticas de ensino selecionado devem favorecer a formação de cidadãos capazes de participação social e política, funcionando, portanto, como caminho para a democratização e superação de desigualdades sociais e econômicas. Cabe à escola conduzir o aluno a expandir sua capacidade de uso da língua, estimulando o desenvolvimento das habilidades de se comunicar em diferentes gêneros de discursos, sobretudo naqueles do domínio público que exigem o uso do registro formal e da norma padrão. Isto é, o domínio das variedades cultas é fundamental ao exercício crítico frente aos discursos da ciência, da política, da religião, etc. Portanto, retomamos a questão principal desse nosso trabalho de pesquisa que é refletir sobre as práticas de leitura e escrita interativa dos estudantes no ciberespaço, para verificar se elas alteram as práticas convencionais das mesmas e compreender que linguagem é essa e como lidar com essa realidade nos espaços escolares. A partir das orientações curriculares, consideramos que a escola não é receptiva a essa modalidade de escrita e leitura interativa do ciberespaço porque prioriza a linguagem culta. Ressaltamos que essas práticas de leitura e escrita interativas no ciberespaço poderiam ser consideras como práticas sociais de leitura e escrita, uma vez que envolvem interação, 101 BRASIL. PCN+ Ensino Médio: orientações educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Vol. Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC/Semtec, 2002, p.24. 102 BRASI, Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: MEC/SEM, 2000. 49 entretenimento entre os membros e isso são demandas principalmente entre os jovens ao se organizarem em grupos ou bandos, como ouvimos informalmente. Nesse aspecto verificamos em Juarez Dayrell, quando afirma que os espaços que propiciam formas de agrupamento são raros, há um enorme vazio por parte do estado em oferecer políticas públicas, especialmente destinadas aos jovens, que propiciem formas de agrupamento. As relações mais significativas são gestadas fora da escola e da família, as tradicionais instituições socializadoras. Para este autor, as práticas que ocorrem fora da instituição escolar devem chamar a atenção dos educadores, não para trazer a rua para o interior da escola, mas é preciso perguntar sobre o tipo de experiência cultural que a escola oferece no âmbito da sociabilidade juvenil, se quisermos transformar a ação educativa da escola 103. Pontuamos essa questão porque consideramos que as práticas de leitura e escrita interativa no ciberespaço transcendem suas funções de simples práticas de leitura e escrita. Elas envolvem organização entre pessoas, grupos, num espaço virtual, de interatividade que poderiam contribuir com a sociabilidade e intercâmbio cultural e outros aspectos inerentes a essa realidade. Essas práticas de leitura e escrita, que acontecem fora dos espaços escolares podem ser elemento de atenção da escola em diversos aspectos, não só sobre a questão ortográfica, mas nas questões sócio-educativas, e culturais. De acordo com as orientações curriculares104, o currículo da disciplina deve ser composto dos conteúdos considerados essenciais à vida em sociedade, especialmente aqueles cuja aprendizagem exige intervenção e mediação sistemáticas da escola: a leitura e a escrita. Não basta que o aluno seja capaz de decodificar e codificar textos escritos. É preciso que ele reconheça a leitura e a escrita como atividades interativas de produção de sentido e que coloque em jogo diferentes fatores, como a situação comunicativa. O horizonte social dos interlocutores, o objetivo de interlocução, as imagens que os interlocutores fazem um do outro, os usos e práticas de linguagem. Que atinja, também, um nível de letramento que o capacite a compreender e produzir, com autonomia, diferentes gêneros de textos, com distintos objetivos e motivações e que tenha acesso aos usos literários da língua e a obras de autores representativos da literatura brasileira. Só se compreende as regras do jogo discursivo quando observamos a língua viva, em funcionamento na comunicação. E isso se dá por meio de discursos e de suas manifestações 103 DAYRELL, Juarez. Múltiplos olhares sobre educação e cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1996, p. 100102. 104 SECRETARIA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DE MINAS GERAIS. Proposta curricular de português. Educação Básica. Ensino Médio, 2005, p. 10. 50 de produções e leitura de textos. A compreensão e a produção de textos orais e escritos e a reflexão sobre os processos de textualização devem ser vistos como objeto de estudo central da disciplina, o que exige novos níveis de análise e novos procedimentos metodológicos, isto é, estudar uma língua é mais que analisar a gramática da forma ou o significado de palavras. A coerência e a coesão não são qualidades dos textos em si, mas se produzem no contexto, com base no trabalho lingüístico dos interlocutores e em seus conhecimentos compartilhados. Estudar um texto implica considerá-lo em sua materialidade lingüística, seu vocabulário e sua gramática. Significa analisar as inter-relações entre as condições de produção e a configuração semântica e formal dos diversos tipos de textos. As situações de ensino devem levar o aluno a rever o conceito de gramática, considerando as várias significações desse termo e o fato de existirem diferentes práticas discursivas orais e escritas, e variedades diversas de língua (dialetos e registros), cada qual com sua gramática e com suas situações de uso. Isto significa que, ao ensinar Língua Portuguesa, é preciso lembrar que ela não é uma só. Não se pode negar que é tarefa da escola ensinar o português padrão, já que esse é o uso que, geralmente, o aluno não domina. A Língua Portuguesa, segundo aos Parâmetros Curriculares Nacionais, deve ser aprendida não apenas para que o aluno saiba usá-la em diferentes situações ou contextos, mas, assim como outras linguagens, deve ser vista como ferramenta semiótica essencial para que o ser humano transcenda os limites de sua experiência imediata e possa pensar sobre seu próprio pensamento. 2.1.2 O livro didático e a escola O livro didático é um elemento que possibilita nortear o ensino nos diversos conteúdos do ensino escolar. No ensino da língua portuguesa ele é um importante contraponto entre a escrita/leitura convencional e escrita/leitura virtual/digital. De certa forma, o livro didático é um suporte didático do qual os professores lançam mão. De acordo com Marisa Lajolo: O livro didático é instrumento específico e importantíssimo de ensino e de aprendizagem formal. Muito embora não seja o único material de que professores e alunos vão valer-se no processo de ensino e aprendizagem, ele 51 pode ser decisivo para a qualidade do aprendizado resultante das atividades escolares105. Essa autora afirma que o livro didático tem sua importância principalmente aqui no Brasil onde uma precaríssima situação educacional faz com que acabe determinando conteúdo e condicionando estratégias de ensino, marcando, pois, de forma decisiva, o que se ensina e como se ensina. Marisa Lajolo ao relatar sobre a história do livro didático e da escola afirma que: A história do livro didático e da escola brasileira mostra que nem sempre a relação do professor com o livro didático é esta desejável relação de competência e autonomia. A história sugere que a precariedade das condições de exercício do magistério, para boa parte do professorado, é responsável direta por vários dos desacertos que circundam questões relativas ao livro didático na escola brasileira106. Nas salas de aulas ele apresenta mudanças ao logo de sua história, isto é, os mesmos vêm se sofisticando à medida que os recursos didáticos vêm se desenvolvendo, também, com o auxílio do desenvolvimento tecnológico. Sabe-se que até os anos 60 havia poucas opções de livro didático no mercado. E raramente se trocava de livro. Isso porque não havia muitas opções, devido ao custo dos mesmos. Portando, sua durabilidade era longa. Com o desenvolvimento da indústria gráfica, nas últimas décadas do século XX, surgiram muitas opções de edições no mercado, com variadas editoras. Conseqüentemente, a durabilidade do livro diminuiu. Os impressos didáticos como trataremos também aqui, têm sido objeto de pesquisa que vêm despertando interesse de muitos pesquisadores nas últimas décadas, devido à sua importância na formação e letramento dos estudantes e como suporte didático para os professores. Como produto cultural, o livro didático começou a ser analisado sob várias perspectivas, se destacando nos aspectos educativos o seu papel na configuração da escola contemporânea. O livro didático é um objeto cultural de certa forma contraditório, pois gera intensas polêmicas e críticas de muitos setores, mas tem sido sempre considerado como um instrumento fundamental no processo de escolarização. O mesmo tem possibilitado debates nas comunidades escolares, entre educadores, alunos e suas famílias, assim como em encontros acadêmicos, em artigos de jornais, envolvendo autores, editores, autoridades 105 LAJOLO, Marisa. Livro didático: um (quase) manual de usuário. Em Aberto, Brasília, ano 16, 69, jan./mar. 1996. (texto), p. 4. 106 Ibidem, p. 7. 52 políticas, intelectuais de diversas procedências. Essas discussões estão vinculadas também à sua importância econômica para um vasto setor ligado à produção de livros e também ao papel do Estado como agente de controle e consumidor dessa produção. As escolas públicas brasileiras contam com o Programa Nacional de Livro Didático (PNLD) 107 e com as políticas educacionais de cada estado. Constatamos que esse programa vem sendo ampliado nos últimos anos. Isso não é diferente nas escolas estaduais e municipais da cidade de Formiga – MG. Os balanços bibliográficos mostram que houve uma tendência, iniciada na década de 1960, de se analisar os conteúdos dos livros escolares privilegiando a denúncia do caráter ideológico108 dos textos. Tal abordagem ocupava, e ainda ocupa, um lugar de destaque nas pesquisas nacionais e de vários outros países, cujo enfoque sobre as ideologias subjacentes aos manuais permanece. Nos últimos anos, existem mudanças de abordagens que integram reflexões de caráter epistemológico, essenciais para a compreensão da constituição das disciplinas e saberes escolares. Paralelamente às análises sobre os conteúdos, foram acrescidas outras temáticas, notadamente as relações entre as políticas públicas e a produção didática, evidenciando o papel do Estado. A partir dos anos 1980, muitos dos problemas relacionados ao conteúdo ou ao processo de produção e uso do livro didático por professores e alunos passaram a ser analisados em uma perspectiva histórica, constituindo-se tais análises em uma das vertentes mais importantes desse campo de investigação. Os objetivos centrais de tais análises são o de situar o processo de mudanças e permanências do livro didático tanto como objeto cultural fabricado, quanto pelo seu conteúdo e práticas pedagógicas. Sua inserção hoje, quando se introduzem, em escala crescente, novas tecnologias educacionais, chegam a colocar em xeque a própria permanência do livro como suporte preferencial de comunicação de saberes escolares. A história do livro didático, ao se constituir em campo significativo da área, introduziu a preocupação de inventariar e preservar, ao máximo possível, a produção escolar. As escolas públicas, nos últimos anos, passaram a receber o livro bancado pelo Estado, isto é, Programa do Livro na Escola109. Isso tem sido visto de forma positiva, uma vez que todos os alunos passaram a ter acesso ao livro didático. Porém, esse programa não atende todas as disciplinas e por outro lado, o livro doado muitas vezes não atende às necessidades a 107 Para saber mais sobre esse assunto em http://www.fnde.gov.br/home/index.jsp?arquivo=livro_didatico.html Cf. revista Época Nº. 492 de 22 de outubro de 2007. 109 Cf. sobre Programa Livro na Escola 2005 no site: http://www.abrelivros.org.br/abrelivros/texto.asp?id=1109 108 53 às demandas das escolas. Há ponderações pelos professores no critério de escolha e até mesmo quanto à ideologia que tais livros didáticos passam. A qualidade é questionável, deixando a desejar em muitos aspectos e, nem sempre, a escola disponibiliza de recursos para superar esse problema Para Marisa Lajolo: nenhum livro didático, por melhor que seja, pode ser utilizado sem adaptações. Como todo e qualquer livro, o didático também propicia diferentes leituras para diferentes leitores, e é em função da liderança que tem na utilização coletiva do livro didático que o professor precisa preparar com cuidado os modos de utilização dele 110. Os livros didáticos têm como função a escolarização dos estudantes. Sem eles a escola compromete seu objetivo principal que é a escolarização. Portanto, os livros didáticos têm seu papel de relevância nas escolas. Porém, verificamos que não são eles os únicos que assumem papel de escolarização. Os livros que não são didáticos possuem papéis importantes na escolarização da leitura. Magda Soares, por exemplo, discute sobre o livro didático e a escolarização da leitura. Para essa autora, o livro que é usado em sala de aula, aquele que não foi feito para a escola, que é usado fora das paredes da escola, serve como prática social de leitura e tem seu papel de escolarização. Porém ela ressalta que é necessário que esses livros sejam trabalhados de maneira adequada. Que essa escolarização não mate as características básicas da prática social de leitura111. Acreditamos que o uso do livro de literatura poderia ilustrar essa realidade. A literatura tem seu papel de relevância nas práticas sociais de leitura e escrita. O uso incomum da linguagem, através da literatura, produz no leitor o prazer estético, porém, lamentavelmente, nem sempre é o que ocorre nos espaços escolares. É no livro didático que se encontra o saber sobre a língua e também é ele que se constitui em material de consulta e leitura para o professor e para o aluno no processo educacional do ensino. Já a leitura é construída pelo sujeito e, com isso, há diferentes gestos de interpretação com diferentes possibilidades de leitura dos textos, de acordo com os códigos de domínio de cada um. Nesse contexto, o lugar ocupado pela leitura nos livros didáticos de Língua Portuguesa sempre foi a inquietação dos professores. Portanto o livro didático112 é um importante contraponto entre a escrita/leitura convencional e a escrita/leitura digital, pois é através do livro didático que as atividades e práticas de aprendizagem da língua são norteadas. 110 LAJOLO, Marisa. Livro didático: um (quase) manual de usuário. Em Aberto, Brasília, ano 16, 69, jan./mar. 1996. (texto), p.8 111 Cf. http://www.tvebrasil.com.br/SALTO/entrevistas/magda_soares.htm . Acessado em 13/10/07. 112 Nesse trabalho nos referimos ao livro de Língua Portuguesa. 54 2.2 A leitura e a escrita interativa no ciberespaço Com já tratamos nesse trabalho sobre o desenvolvimento de tecnologias e velocidade na comunicação, percebemos que houve muitas mudanças em todos os setores da sociedade e isso repercutiu nas interações, interlocuções e organizações sociais. A maneira das pessoas pensarem, julgarem, agirem e de programarem suas vidas modificou-se. As organizações sociais e as interações se desconfiguram-se e se encontram em processos de reconfigurações. Estruturas sólidas da modernidade dissolvem-se e reconfiguram em outros modelos e possibilidades. Na área de comunicação, destaca-se a alfabetização e o letramento como um problema social nas diversas culturas, até mesmo em países mais desenvolvidos. Armando Petrucci afirma que nos Estados Unidos, país que produz mais livros e papel impresso no mundo e que possuem uma indústria editorial muito forte e organizada, os problemas mais sentidos são o analfabetismo crescente nas áreas urbanas e a progressiva queda do nível do desempenho escolar dos estudantes113. A partir desta informação o que podemos esperar da realidade brasileira? A essa realidade, incorpora-se, também, a emergência do digital, com uma vasta população de analfabetos digitais ou excluídos digitais. No âmbito político e social é considerado como um problema de caráter global que demanda vontade política. Surgem os projetos de inclusão digital. E para definirmos o que é a inclusão digital, baseamos na informação de João Thomaz Pereira quando afirma que a inclusão digital é um processo em que uma pessoa ou grupo passa a participar dos métodos de processamento, transferência e armazenamento de informações que já são do uso e do costume de outro grupo. Quando passam a ter os mesmos direitos e os mesmos deveres dos já participantes daquele grupo onde está se incluindo114. E o mesmo afirma que precisamos dominar a tecnologia da informação. A inclusão digital transcende uma simples alfabetização, é necessário dominar a tecnologia da informação. Mediante essa realidade, a educação tem seu papel de relevância na sociedade, precisa estar a serviço da humanização e emancipação da humanidade. Há que refletir sobre a interação homem/máquina para que possamos apropriar-se do largo leque de novas possibilidades que a técnica oferece. Como afirma Pierre Lévy, na 113 PETRUCCI, Armando. Ler Por ler: Um futuro para a leitura.. In CARVALHO, Guglielmo e CHARTIER, Roger (orgs.). História da leitura no mundo ocidental. São Paulo: Editora Ática, vol. 2, 1998, p. 210-211. 114 PEREIRA, João Thomaz. Educação e Sociedade da informação in COSCARELLI, Carla e RIBEIRO, Ana Elisa (ORGS). Letramento digital: aspectos sociais e possibilidades pedagógicas. Belo Horizonte: Ceale; Autêntica, 2005, p. 17. 55 atualidade, há uma dependência total do homem em relação à máquina e à tecnologia, para sobreviver 115 . E Otacílio J. Ribeiro afirma que, o mundo é marcado pela inteligência artificial, o homem cede espaço para a construção de um sujeito coletivo 116. A sociedade marcada pela emergência digital/virtual que apresenta com outras formas de práticas de leitura e escrita. O letramento digital passa a ser um problema social. Ao tratarrmos sobre letramento digital, cabe uma definição para o mesmo. De acordo com Magda Soares, letrar é mais que alfabetizar, é ensinar a ler e escrever dentro de um contexto no qual a escrita e a leitura tenham sentido e façam parte da vida das pessoas117. Emilia Ferreiro afirma que a alfabetização não é um estado, mas um processo. Ela tem início bem cedo e nunca termina. Nós não somos igualmente alfabetizados para qualquer situação de uso da língua escrita. Temos mais facilidade para ler determinados textos e evitamos outros. O conceito também muda de acordo com as épocas, as culturas e a chegada da tecnologia118. De acordo com Emilia Ferreiro, acreditamos que há sempre demandas de aprendizado no que tange a práticas de leitura e escrita, uma vez que a cultura e as tecnologias estão em constante mutação. Há uma grande preocupação entre os educadores com relação às práticas de leitura e escrita dos estudantes. Muitos chegam a afirmar que eles escrevem e lêem menos. Sobre essa realidade Roger Chartier discorda quando afirma que hoje se lê mais do que nos anos 1950, porque o computador não é apenas um novo veículo para imagens ou jogos. Ele é responsável também pela multiplicação da presença do escritor nas sociedades contemporâneas. No computador tanto se pode ler os clássicos como as publicações acadêmicas e revistas em geral. Podem não ser necessariamente leituras, enriquecedoras, mas são leituras119. Nesta perspectiva, ocorre-nos se seriam as práticas de leituras e escrita que acontecem nos espaços escolares, suficientes para o letramento dos alunos. De acordo com Roger Chartier, refletir sobre as revoluções do livro e, mais amplamente, sobre os usos da escrita, é 115 LÉVY, Pierre. O que é virtual. 6ª ed. São Paulo - SP: Editora 34, 2003. RIBEIRO, Otacílio José. Educação e Sociedade da informação in COSCARELLI, Carla e RIBEIRO, Ana Elisa (ORGS). Letramento digital: aspectos sociais e possibilidades pedagógicas. Belo Horizonte: Ceale; Autêntica, 2005, p. 85. 117 Ver mais sobre letramento em: SOARES, Magda Becker. O que é letramento, Diário na Escola, Diário Grande ABC, Santo André, 2003. 118 Ver FERREIRO, Emilia. Alfabetização e cultura da escrita no site: http://novaescola.abril.com.br/ed/162_mai03/html/falamestre.htm Acessado dia 17/011/07. 119 http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/2479,1.shl . Entrevista à Isabel Lustosa. Acessada 20/03/07. 116 56 examinar a tensão que atravessa o mundo contemporâneo, dilacerado entre a afirmação das particularidades e o desejo universal 120. Para Jean Hébrard a escola constrói seus próprios tipos de saberes ou habilidades conforme os modos de elaboração, cuja lógica pode ser encontrada dentro dos próprios sistemas educativos121. A escola tem seu papel fundamental na formação dos alunos. Porém o autor afirma que historicamente, a escola não pode ser considerada o único lugar onde se constroem e transmitem os equipamentos intelectuais de uma sociedade. Compreendemos que há outros espaços responsáveis e capazes para dar essas atribuições. Ao verificarmos o papel da escola, mediante a questão do letramento digital e sobre as práticas de leitura e escrita nos espaços escolares, constatamos que a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDBN/96), já previa a necessidade da ‘alfabetização digital’, isto é, uma das demandas contemporâneas proveniente ao desenvolvimento das tecnologias da comunicação. A contemporaneidade demanda uma emergência do digital. E isso provoca uma alteração de paradigmas na relação do sujeito com a técnica, gerando um grande impacto nas formas tradicionais da escrita e leitura. O fato de não saber ler, nem escrever hoje implicam, além de ser discriminado por isso, estar muito distante de um mundo globalizado, do avanço das tecnologias, do uso dos computares, entre outros. Saber ler e escrever é requisito para inserir no mundo virtual/digital. Thompson discorre que viver num mundo mediado significa uma carga de responsabilidade que pesa gravemente sobre os ombros de alguns. Isso provoca uma dinâmica na qual o imediatismo da experiência vivida e as reivindicações morais associadas à interação face a face jogam constantemente contra as responsabilidades provenientes da experiência mediada 122 . O mesmo afirma que o desenvolvimento dos meios de comunicação abasteceu uma crescente conscientização da interconexão e interdependência123. Nessa realidade virtual/digital, é necessário compreender o conceito de alfabetização e letramento, confrontar com as tecnologias tipográficas e digitais de leitura e de escrita. Avaliar os efeitos sociais, cognitivos e discursivos para compreender o presente, buscando um 120 CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador: São Paulo: Editora UNESP, 1999, p. 133. HÉBRARD, Jean. Três figuras de jovens leitores: Alfabetização e escolarização do ponto de vista da história cultural. In ABREU, Márcia (org.). Leitura, história e história da leitura. Campinas, SP: Mercado de letras: Associação de Leitura do Brasil; São Paulo: Fapesp, 2000, p. 35. 122 THOMPSON, John B.A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia: 3ª Edição Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. 123 THOMPSON, John B.A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia: 3ª Edição Petrópolis, RJ: Vozes, 2001, p. 228. 121 57 sentido para a alfabetização e letramento na cibercultura124 e o lugar que ocupam nos espaços educacionais. Através da escrita digital é possível criar textos e conectá-los através de links de uma forma prática. Isso acabou tornando-se a característica fundamental de um texto publicado na rede. Toda essa flexibilidade trouxe novas possibilidades. O escritor ou leitor pode recortar, copiar, editar, mover, inserir, exibir, deletar, formatar, configurar, desfazer, refazer, enfim, tudo o que antes era muito limitado no papel, transformou-se em muitas possibilidades para se editar um texto. Além do mais, a possibilidade de inserir imagens, sons, vídeo etc. Não somente podemos inserir links de uma página em outra, mas também podemos estabelecer conexões entre os mais diversos tipos de conteúdos audiovisuais. O hipertexto surgiu para tornar possível a navegação pelos websites como conhecemos hoje, pois, sem ele, não seria possível ter essa hipermediação. A escrita na tela possibilita a criação de um texto diferente do texto no papel, o chamado hipertexto que é, segundo Pierre Lévy, um texto móvel, caleidoscópio, que apresenta suas facetas, gira, dobra-se e desdobra-se à vontade frente ao leitor 125 . O texto escrito no papel é lido, em tese, linearmente, seqüencialmente, da esquerda para a direita, de cima para baixo, uma página após a outra. O texto na tela, ou seja, o hipertexto é escrito e lido de forma multilinear, multiseqüencial, acionando-se links ou nós que vão trazendo telas numa multiplicidade de possibilidades, sem que haja uma ordem pré-definida. A dimensão do texto no papel é materialmente definida. Identifica-se claramente seu começo e seu fim, as páginas são numeradas, o que lhes atribui uma determinada posição numa ordem consecutiva; a página é uma unidade estrutural. O hipertexto, ao contrário, tem a dimensão que o leitor lhe der. Seu começo é ali onde o leitor escolhe, com um clique, a primeira tela, termina quando o leitor fecha, com um clique, uma tela, ao dar-se por satisfeito ou considerar-se suficientemente informado. Enquanto a página é uma unidade estrutural, a tela é uma unidade temporal. Em outro aspecto, analisamos a escrita desvinculada de seu suporte de edição, (papel ou tela). Verificamos que construir um texto, significa ordenar caracteres de forma inteligível e esse produto demanda um leitor letrado, capacitado para interpretar os caracteres e construir sentido e significados sobre os caracteres ordenados. De acordo com Roger Chartier, a 124 Cibercultura é um termo criado por William Gibson, em 1984, que já previa um tipo de comunicação global, num espaço não-físico entre os seres humanos. Cf. mais sobre esse assunto em: FERNANDES, Fábio. A construção do imaginário cyber: William Gibson, criador da cibercultura. São Paulo: Editora Anhembi Morumbi, 2006. 125 LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo - SP: Editora 34, 1999, p. 56, 58 revolução do livro eletrônico é uma revolução nas estruturas do suporte material do escrito assim como nas maneiras de ler 126 . Compreendemos aqui que, ao mudar o suporte físico da escrita, mudam-se também as maneiras de ler. A leitura é uma prática histórica, que requer habilidades diferentes ao longo da história, porém, consideramos que o ato de ler, compreender um texto, ou seja, compreender e construir sentido e significados sobre um amontoado de caracteres ordenados perpassa o suporte da escrita. O domínio básico da leitura é condição para novas práticas da mesma. Segundo Roger Chartier, a comunicação à distância, livre e imediata, propiciada pelas redes eletrônicas, dá um novo alento a este sonho, em que toda a humanidade participaria do intercâmbio dos julgamentos127. A tela, como novo espaço de escrita, traz significativas mudanças nas formas de interação entre escritor e leitor, entre escritor e texto, entre leitor e texto e até mesmo, mais amplamente, entre o ser humano e o conhecimento. Embora estudos e pesquisas sobre os processos cognitivos envolvidos na escrita e na leitura de hipertextos sejam ainda poucos, a hipótese é de que essas mudanças tenham conseqüências sociais, cognitivas e discursivas. E isso esta se configurando em letramento digital128, isto é, certo estado ou condição que adquirem os que se apropriam da nova tecnologia digital e exercem práticas de leitura e de escrita na tela, diferente do estado ou condição, do letramento, dos que exercem práticas de leitura e de escrita no papel. Para alguns autores, os processos cognitivos inerentes a esse letramento digital reaproximam o ser humano de seus esquemas mentais. Como afirma Ramal, estamos chegando à forma de leitura e de escrita mais próximas do nosso próprio esquema mental. Assim como pensamos em hipertexto, sem limites para a imaginação a cada novo sentido dado a uma palavra, navegamos em múltiplas vias onde o novo texto se abre, não mais em páginas, mas em dimensões superpostas que se interpenetram e que podemos compor e recompor a cada leitura129. Para esse autor, o ciberespaço suporta tecnologias intelectuais que amplificam, exteriorizam e modificam numerosas funções cognitivas humanas, como a memória, que se encontra tão objetivada em dispositivos automáticos, tão separada do corpo 126 CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2ª ed., 1998, p. 13. 127 CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador: São Paulo: Editora UNESP, 1999, p. 133. 128 Cf. SOARES, Magda. Letramento: como definir, como avaliar, como medir. In SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998, p. 61-125. A autora define que letramento são as práticas sociais de leitura e escrita e os eventos em que essas práticas são postas em ação, bem como as conseqüências delas sobre a sociedade. 129 RAMAL, Andrea C. Educação na cibercultura: hipertextualidade, leitura, escrita e aprendizagem. Porto Alegre: ARTMED, 2002, p. 84. 59 dos indivíduos ou dos hábitos coletivos que nos perguntamos se a própria noção de memória ainda é pertinente. Roger Chartier indaga se a revolução do texto eletrônico será uma revolução da leitura. Ler sobre uma tela não é ler um códex. A representação eletrônica dos textos modifica totalmente a sua condição 130 . A tela, como espaço de escrita e de leitura, traz não apenas novas formas de acesso à informação, mas também novos processos cognitivos, novas formas de conhecimento, novas maneiras de ler e de escrever, enfim, um novo letramento, isto é, um novo estado ou condição para aqueles que exercem práticas de escrita e de leitura na tela. De acordo com Pierre Lévy, o ciberespaço é por excelência o meio em que os atos podem ser registrados e transformados em dados exploráveis131. É o espaço usado pelos cibernautas para navegar na Internet. De complexa caracterização, é um espaço virtualmente cheio de possibilidades de interações, negócios, informações, produções, divulgações, pesquisas, comunicações sonoras e de imagens, etc. O ciberespaço permite ao usuário estar presente em potência, ou seja, virtualmente, em mais de um lugar em tempo real. Observa-se que é, também, um espaço público e vasto, porém ainda não é previsível o estabelecimento do limite de possibilidades e espaços a serem explorados. Ao mesmo tempo em que se permite virtualizar, o virtual pode interferir no real desestabilizando-o e possibilitando um possível desconhecido. Pierre Lévy afirma que o ciberespaço é, hoje, o sistema com o desenvolvimento mais rápido de toda a história das técnicas de comunicação132. É um espaço que permite qualquer um publicar seus textos, sem passar por um filtro de censura, possibilitando assim que vozes minoritárias, opositoras ou divergentes possam ser escutadas133. O cibernauta possui muitos espaços para se comunicar, interagir, pesquisar, informar, vender, comprar, etc. A tecnologia de impressão formatou a escrita, muito mais do que fizeram o rolo e o códice, em algo estável, monumental e controlado. O texto tornou-se reproduzível em cópias sempre idênticas; monumental porque o texto impresso, muito mais que o manuscrito, sobrevive e persiste como um monumento ao seu autor e tempo, sempre controlado por instâncias que intervêm em sua produção e regulação. 130 CHARTIER, Roger. A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2ª Ed. 1998, p. 100. 131 LÉVY, Pierre. O que é virtual. 6ª ed. São Paulo - SP: Editora 34, 2003, p.63. 132 LÉVY, Pierre in MARTINS, Francisco Menezes & SILVA, Juremir Machado da. (orgs). Para navegar no século XXI. Porto Alegre: Sulina/Edipucrs, 2003, p. 194. 133 Ibidem, p. 198. 60 Os leitores e escritores da era digital possuem uma autonomia sobre o texto, isto é, podem modificá-los, reescrevê-los e reeditá-los a qualquer momento e, ao mesmo tempo, compartilhar imagens, sons, textos etc. Isso, até então, não era possível. Para Roger Chartier, o computador altera profundamente todo o relacionamento com a cultura escrita 134. São as tecnologias de impressão e difusão da escrita que determinam a propriedade sobre a obra, propriedade que se expressa concretamente no surgimento da figura do autor, em geral difuso e não identificado anteriormente, nos livros manuscritos, e institui, conseqüentemente, os direitos autorais, a criminalização da cópia e do plágio. Também são as tecnologias de impressão e difusão da escrita que criam várias instâncias de controle do texto, de sua escrita e de sua leitura. O texto é produto não só do autor, mas também do editor, do diagramador, do programador visual, do ilustrador, de todos aqueles que intervêm na produção, reprodução e difusão de textos impressos em diferentes portadores (jornais, revistas, livros, etc.). Altera-se, assim, fundamentalmente, o estado ou condição dos que escrevem e dos que lêem. O letramento na cultura do texto impresso diferencia-se substancialmente do letramento na cultura do texto manuscrito. A escrita no papel apresenta uma exigência de uma organização hierárquica e disciplinada das idéias, porém, na rede, isso não ocorre. A cultura do texto eletrônico traz uma nova mudança no conceito de letramento. Em certos aspectos essenciais, essa nova cultura do texto eletrônico traz, de volta, características da cultura do texto manuscrito. Como no texto manuscrito e ao contrário do texto impresso, o texto eletrônico não é estável, não é monumental e é pouco controlado. Não é estável porque, tal como os copistas e os leitores freqüentemente interferiam no texto, também os leitores de hipertextos podem interferir neles, acrescentar, alterar, definir seus próprios caminhos de leitura. Não é monumental porque, como conseqüência de sua não-estabilidade, o texto eletrônico é efêmero e mutável; pouco controlado porque é grande a liberdade de produção de textos na tela e é quase totalmente ausente o controle da qualidade e conveniência do que é produzido e difundido. O autor do texto impresso é permanente e o leitor é apenas um visitador. No texto eletrônico, a distância entre autor e leitor se reduz, porque o leitor se torna também, autor, tendo liberdade para construir, ativa e independentemente, a estrutura e o sentido do texto. O hipertexto é construído pelo leitor no ato mesmo da leitura. Optando entre várias alternativas 134 CHARTIER, Roger. As revoluções da leitura no ocidente. In ABREU, Márcia (org.). Leitura, história e história da leitura. Campinas, SP: Mercado de letras: Associação de Leitura do Brasil; São Paulo: FAPESP 2000, p.28. 61 propostas, é ele quem define o texto, sua estrutura e seu sentido. No texto impresso, cuja linearidade, por si só, já impõe uma estrutura e uma seqüência, o autor procura controlar o leitor, lançando mão de protocolos de leitura. No texto eletrônico, ao contrário, o autor será tanto mais competente, quanto mais alternativas de estruturação o texto possibilitar, quanto mais opções de interpretação ofereça ao leitor. Na verdade, o hipertexto não tem propriamente um autor. Em primeiro lugar, porque a intertextualidade, presente, no texto impresso, quase exclusivamente por alusão, no hipertexto se materializa, na medida em que esse se constrói pela articulação de textos diversos, de diferentes autorias. No hipertexto, não há uma autoria, mas muitas autorias. Assim, o texto eletrônico exige uma nova conceituação radical de autoria, de propriedade sobre a obra, de direitos autorais, o que tem, sem dúvida, efeitos nas práticas de leitura e de escrita. É o que verificamos em Roger Chartier: a mudança no suporte físico da escrita força o leitor a ter novas atitudes e aprender novas práticas intelectuais. A passagem dos textos do livro impresso para a tela do computador é uma mudança tão grande quanto a passagem do rolo para o códex durante os primeiros séculos da Era cristã. Isso desafia a ordem dos livros familiares aos leitores e dita novos caminhos de leitura que superam as limitações tradicionais impostas pelos objetos impressos135. Por outro lado, na cultura da tela, altera-se radicalmente o controle da publicação. Enquanto, na cultura impressa, editores, conselhos editoriais decidem o que vai ser impresso, determinam os critérios de qualidade, portanto, instituem autorias e definem o que será oferecido aos leitores, o computador pode publicar e distribuir no ciberespaço, textos que escapam da avaliação e do controle de qualidade. Porém, cabe ressaltar que há sites que mantêm esse controle de censura e qualidade. O que chama a atenção nesta reflexão são as possibilidades que o autor tem de fazer uso do legal, do reconhecível, do censurado, do irreconhecível, do que é público e do que é privado na rede do ciberespaço. O hipertexto permite novas formas de ler e escrever. Para Roland Barthes, citado por Casalegno, o hipertexto trata-se de um texto composto de blocos de palavras, ou de imagens, conectados eletronicamente, conforme múltiplos percursos, numa textualidade sempre aberta e infinita 136 . Segundo Pierre Lévy, o hipertexto retoma e transforma antigas interfaces da escrita137. Apresenta um conjunto de informações textuais combinando imagens (animadas ou 135 CHARTIER, Roger. As revoluções da leitura no ocidente. In ABREU, Márcia (org.). Leitura, história e história da leitura. Campinas, SP: Mercado de letras: Associação de Leitura do Brasil; São Paulo: FAPESP 2000, p.28. 136 CASALEGNO, Federico. Hiperliteratura, sociedades hipertextuais. In MARTINS, Francisco Menezes & SILVA, Juremir Machado da. (orgs). Para navegar no século XXI. Porto Alegre: Sulina/Edipucrs, 2003, p. 273. 137 LÉVY, Pierre. As tecnologias da Inteligência. 14ª ed. São Paulo - SP: Editora 34, 2006, p. 34. 62 fixas) e sons, que possibilitam uma leitura não necessariamente linear, à medida que existe a rolagem do texto (page up and page down), clique do mouse nos ícones. O mesmo põe em cheque as estruturas fixas, rompendo com a concepção de unidade de começo e fim. Seu objetivo não é só a escrita, mas também a interação. Para Lévy o hipertexto é um conjunto de nós ligados por conexões que podem ser palavras, páginas, imagens, gráficos, seqüências sonoras, documentos complexos que podem eles mesmos ser hipertexto138. Arlindo Machado discorre que a informática possibilita unir em um único meio todos os suportes do texto139, isto é, o texto escrito, o texto oral, a imagem fixa e em movimento, os sons ou ruídos, gestos, toques, construindo uma modalidade discursiva única. Casalegno, ao tratar sobre a leitura de um hipertexto, afirma que: ler, no caso do hipertexto, não significa ser consumidor passivo, mas produtor. O hipertexto exige e cria um leitor ativo. Além disso, um sistema hipertextual possibilita a quem escreve coletar informações, realizar percursos específicos em blocos de textos interligados, copiar e fazer anotações em textos consultados, fornecendo aos demais leitores informações complementares140. Compreendemos aqui que os leitores de hipertexto não são leitores passivos. Ao lerem ou produzirem seus hipertextos, assumem o papel de leitores, autores ativos e interativos. Pressupõe-se que o leitor de texto impresso seja um leitor passivo, porém não é isso que ocorre. Como podemos conferir em Michel de Certeau, o texto só tem sentido graças a seus leitores; muda com eles, ordena-se conforme códigos de percepção que lhe escapam141. Para esse autor, ler é peregrinar por um sistema imposto, o leitor é o produtor de jardins que miniaturizam e congregam um mundo142. O leitor se desterritorializa, é viajante que circula em terras alheias, nômade, sem lugar, desperta e habita textos adormecidos, misturando, associando, porém nunca sendo o seu proprietário. A circulação do texto hoje encontra um suporte poderoso no texto eletrônico, algo que até então só era permitido pela comunicação manuscrita afirma, Roger Chartier143. 138 LÉVY, Pierre. O que é virtual. 6ª ed. São Paulo - SP: Editora 34, 2003, p. 44. MACHADO, Arlindo. O quarto iconoclasmo: e outros ensaios hereges. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2001, p. 108. 140 CASALEGNO, Federico. Hiperliteratura, sociedades hipertextuais. In MARTINS, Francisco Menezes & SILVA, Juremir Machado da. (orgs). Para navegar no século XXI. Porto Alegre: Sulina/Edipucrs, 2003, p. 275. 141 CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. 5ª ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes. 2000, p. 266. 142 Ibidem, p. 269. 143 CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador: São Paulo: Editora UNESP, 1999, p. 134. 139 63 Seria então o leitor independente do tipo de texto, seja ele, oral, impresso, eletrônico, o criador de significados? A relação leitor e texto seria uma relação de criação e construção de significado independente dos suportes que as tecnologias possibilitam? Roger Chartier, ao ser interrogado se o computador modifica a forma de redação dos textos e, em certo sentido, a forma de pensar, responde que falta estudo144. Afirma que há muitos discursos, porém são discursos ideológicos. Aponta que temos um campo imenso para observações de tipo sócio-antropológico, e que somente isso seria a condição para que pudéssemos sair da repetição dos discursos globais. Constatamos que há um impacto dos meios de comunicação na relação entre o público e o privado e na mudança do vínculo entre a visibilidade e o poder. Os fenômenos que produzem questões difusas e incômodas na política hoje, como a freqüente ocorrência de escândalos de todos os tipos, estão enraizados numa série de transformações fundamentais que dizem respeito à visibilidade do poder exposto através da mídia. Como já verificamos, os seres humanos, nas mais antigas relações, sempre se ocupavam das produções e do intercâmbio de informações e de conteúdo simbólico em todas as sociedades. Desde as mais antigas formas de comunicação gestual e de uso da linguagem, até os mais recentes desenvolvimentos na tecnologia computacional, a produção, o armazenamento e a circulação de informação e conteúdo simbólico têm sido aspectos centrais da vida social. Confirmamos isso em Álvaro Pinto quando afirma que: a informação sempre existiu na convivência humana, que seria impossível sem ela. [...] Em todas as fases da existência pretérita a humanidade empregou os meios de comunicação de que precisava para efetuar e regular a produção social. As formas de correspondência entre os homens refletiam-se nos conceitos em que eram resignados; estes modificaram-se com o tempo e as condições sociais objetivas145. Os meios de comunicação têm dimensões simbólicas irredutíveis, isto é, os seres humanos, ao fazerem uso dos meios de comunicação, vão tecendo significados para si mesmos de acordo com seus códigos de domínio. A escrita e a leitura digital trazem uma ruptura com o convencional. Rompem-se com as fronteiras das regras, do fixo e da rigidez normativa. Apresentam-se, pois, livres dos dispositivos impostos pelas regras já estabelecidas. Possibilitam intervenções do leitor e incorporam regras próprias dos quais, até então, não se tinha conhecimento, ou melhor, não se tinha domínio. Em alguns momentos, apresentam retomada a um passado distante, como por 144 145 CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador: São Paulo: Editora UNESP, 1999. PINTO, Álvaro Vieira. O conceito de tecnologia. 2ª edição. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005, p.348. 64 exemplo, o uso de símbolos. A instantaneidade e a constante atualização do texto abolem a rasura da escrita. O texto fica pronto para ser editado ou reeditado. Isto é, o digital se apresenta como se anulasse a rasura, tão ligada à escrita convencional como processo inacabado. O texto pode ser atualizado quantas vezes necessárias, de acordo com o quanto se deseja atualizar. A modalidade que se utiliza hoje na Internet apresenta-se próxima do que já se utilizou na Antiguidade. Observamos isso em Casalegno, quando afirma que, na escrita interativa dos povos semíticos, é o homem que fornece o sentido das coisas e dos gestos através da atitude interpretativa adotada146. É neste sentido que podemos comparar a língua semítica com o hipertexto. Essa modalidade de escrita no ciberespaço seria uma modalidade nova de linguagem, que propicia um novo leitor/escritor. Não seria a ferramenta, ou seja, o computador, através da Internet, que consagra essa novidade. Sabemos que sempre houve recursos enigmáticos, sintéticos, na escrita, porém, agora apresentam-se de forma mais elaborada, possibilitada pelo desenvolvimento tecnológico. Observamos que os recursos utilizados na escrita digital, principalmente nos sites de relacionamentos e interações, são formas de aclimatar o virtual para aproximar do real. Percebemos que as mensagens escritas no ciberespaço permitem maior transparência daquilo que se quer fazer entender entre os interlocutores. Na escrita virtual/digital dos sites de relacionamentos, observamos características próprias dessa linguagem que supostamente seria uma linguagem líquida. A evidência da oralidade e elementos paralingüísticos, imagens, emoticons, smiles são marcantes. É uma escrita carregada de emoções, afetividade, em determinadas situações é considerada até mesmo como uma escrita sedutora. E sobre escrita sedutora, Leyla Perrone-Moisés, afirma que a forma mais tradicional da sedução é a oral. E a escrita sedutora é ainda mais perversa do que a fala sedutora, porque pretende agir sobre um interlocutor ausente, porque mexe com todos os desejos vagos, múltiplos que a linguagem é capaz de mobilizar e atingir por ela mesma147. E nos sites de relacionamentos, a escrita muitas vezes explora esse aspecto de sedutora, afetiva, persuasiva. Seria o desejo de sedução, ou o desejo de ser seduzido o motivo de tal evidência na escrita interativa do ciberespaço, ou seja, as carências, a solidão que implementam tal evidência, são hipóteses que nos ocorrem. 146 CASALEGNO, Federico. Hiperliteratura, sociedades hipertextuais. In MARTINS, Francisco Menezes & SILVA, Juremir Machado da. (orgs). Para navegar no século XXI. Porto Alegre: Sulina/Edipucrs, 2003, p.274. 147 PERRONE-MOISÉS, Leyla. Flores da escrivaninha: São Paulo, Companhia das Letras, 1990, p18-19. 65 De acordo com Thompson, quando os indivíduos usam os meios de comunicação, entram em formas de interação que diferem dos tipos de interação face a face que caracterizam a maioria dos nossos encontros quotidianos 148. Porém, na Internet, os indivíduos buscam essas interações reais virtualmente. Sobre isso Fernanda Freire cita Umberto Eco quando ele afirma que a Internet implementou a solidão: as pessoas passaram a trabalhar em casa e comunicar-se virtualmente. Há uma preocupação em transformar a solidão em ocasiões149. Com as múltiplas possibilidades e recursos que as tecnologias da comunicação possibilitam, percebemos que jamais se escreveu, comunicou e leu tanto. A comunicação e a interlocução entre os indivíduos acontecem mais virtual do que presencialmente. Com isso, as pessoas interagem, se conhecem primeiro através da palavra escrita. As relações e interlocuções acontecem muito mais virtualmente do que presencialmente. Essa realidade gera certo mal estar, certa nostalgia cujas conseqüências, a princípio, são imprevisíveis. Observamos que o mundo atual, em que vivemos é múltiplo, denso, fragmentado e marcado pela pluralidade de conhecimentos, informações, tecnologias, que se disseminam cada vez mais rapidamente. Há estudiosos que acreditam que o modelo hipertextual de simultaneidade e não linearidade apresenta uma forma de leitura e escrita mais próxima do nosso próprio esquema mental de pensamento, uma vez que esse não apresenta limites para atribuições de sentido às palavras. Sobre os gêneros discursivos do ciberespaço, sabemos que as práticas mais atraentes têm sido as que acontecem em tempo simultâneo, semelhante à conversa face a face, a conversa escrita, principalmente pelos jovens. Na opinião de alguns professores pesquisados, essas práticas de leitura e escrita, em certos momentos, apresentam controvérsias frente à prática de leitura e escrita convencional dos espaços escolares. Há os mais entusiasmados que afirmam que o uso do hipertexto na escola aperfeiçoaria a cognição, alterando o modo de pensar das pessoas. Por outro lado há os que vêem isso como euforia e ponderam-se diante dessa novidade. 2.3 Análises de práticas de escrita e leitura observadas no MSN Messenger e Orkut 148 THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia: 3ª Edição Petrópolis, RJ: Vozes, 2001, p.13-14. 149 FREIRE, Fernanda M. A palavra (re)escrita e (re)lida via Internet. In SILVA, Ezequiel Theodoro da (coord.). A leitura nos oceanos da Internet. São Paulo: Cortez, 2003, p. 21. 66 Neste tópico analisamos amostras de conversa do MSN Messenger e scraps do Orkut, escritos pelos estudantes do Ensino Médio que foram coletadas ao longo dessa pesquisa, com o objetivo de verificar as características da mesma, como essa escrita acontece, como se apresenta no ciberespaço da Internet, discutir alguns aspectos instigantes e analisá-los. As amostras analisadas exemplificam a modalidade de escrita da qual principalmente os jovens fazem uso no ciberespaço para interagirem com os amigos. Destacamos, também, que essa modalidade de escrita está intrinsecamente ligada à leitura. Essa escrita, que encontramos no ciberespaço de conversa interativa, nos sugere ser líquida, híbrida, pelo fato de incorporar elementos paralingüísticos, isto é, fazer uso de mais de um idioma, lançar recursos de imagens, de oralidade. Essa escrita ocupa um espaço antes reservado à linguagem oral, isto é, a de ser mais viva que a língua escrita. Seria o ciberespaço um facilitador para integrar o discurso oral no discurso escrito? Observamos que a união desses dois discursos pode ser identificada no passado, principalmente nas correspondências íntimas, como bilhetes, recados, nas comunicações que não exigem formalidades. Também na literatura podemos observar, como em Guimarães Rosa, o registro de oralidade na escrita. O ciberespaço permite uma relação com o texto que existe na literatura e nas correspondências íntimas, porém de forma mais sofisticada, devido aos recursos possibilitados pelas tecnologias. Celeste Zenha diz que, com a fusão da multimídia, dois discursos que haviam se separado com Platão, aparecem novamente reunidos. O discurso racional e escrito se junta à estética da imagem na produção de conhecimento150. No ciberespaço, o uso de elementos paralingüísticos, como imagens, sons, smiles, emoticons, signos, em determinadas situações, se assemelha à escrita pictográfica. Roger Chartier afirma que esse uso ilustra a busca de uma linguagem não verbal que permite a comunicação universal das emoções e o sentido do discurso151. Cabe ressaltar aqui que foram mantidos em sigilo os nomes dos internautas, autores das amostras colhidas no MSN Messenger e no Orkut, para preservar suas identidades. Ao observar a escrita dos estudantes, no ciberespaço, percebemos que a liberdade ao lidar com a ortografia, com a construção das palavras, das frases, vai além da criatividade, das simplificações e pressa. E, conseqüentemente, essa escrita implica leitura, como já citamos. 150 ZENHA, Celeste. Mídia e informação no cotidiano contemporâneo. In FILHO, Daniel Aarão Reis. O século XX: Tempo das dúvidas – do declínio das utopias as globalizações. 2ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. V. 3, p. 245. 151 CHARTIER, Roger. Os desafios da escrita. São Paulo: Editora UNESP, 2002, p. 17 67 Isso poderia ser um fato que preocupa os educadores ao considerar a memória da escrita que muitas vezes se apresenta diferente da escrita padrão. Veja o exemplo seguinte (FIG. 1), uma mensagem tirada de um identificador152 do MSN Messenger de um jovem de quinze anos, estudante do primeiro ano do Ensino Médio: FIGURA 1 Não se sabe até que ponto essa escrita pode ou não comprometer a escrita convencional dos estudantes, uma vez que, além da escrita fora dos padrões convencionais, é lida várias vezes por diversos usuários. A troca do g pelo j poderia implicar desconhecimento da grafia? Além da troca de letra, observa-se a marca de oralidade. Isso poderia ser caracterizado como uma ousadia ao quebrar regras? Surgem questionamentos em relação ao uso e a suas conseqüências entre os educadores. Retomamos a teoria de Michel de Certeau, quando ele afirma que a linguagem, agora, deve ser fabricada, escrita, que ontem privilegiava o burguês, hoje o tecnocrata153, isso seria um fato que relaciona com a ideologia dominante na contemporaneidade. Seria a modernidade líquida em evidência na linguagem, na comunicação, ou seja, o rompimento das estruturas rígidas também da escrita? Ou um desafio para os educadores, principalmente aqueles que trabalham diretamente com a língua padrão? O texto seguinte trata de uma conversa154 entre dois adolescentes no MSN Messenger . Apresentamos algumas observações dentre vários aspectos que podem ser destacados. 152 Nesse exemplo, retiramos o nome do usuário por se tratar de nome real e também pelo fato do MSN Messenger ser um programa do ciberespaço de uso público, porém de conversa particular, desta forma preservando a identidade do usuário. 153 CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. 5ª ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes. 2000, p. 227-230. 154 Conversa realizada em Dez/06 entre adolescentes de 14 e 15 anos de idade. 68 Douglas diz: o oio André diz: bom vei André diz: Observamos aqui a intimidade entre os interlocutores, veio, o uso de abreviação jp um código já estabelecido entre os usuários. ce vai na festa o 3 ano o anglo André diz: nem vo André diz: BOX 1 o jp vai Douglas diz: eu sei, vai ta oio Douglas diz: ve se aparece la na minha formatura André diz: hj Douglas diz: e, 7:30 la no clube centenário André diz: cara acho q nao vai da pra i nao tem q paga Douglas diz: naum, vai la soh um pouco, chama o jp i ceis vaom André diz: o jp vai mas ele vai na formatura e na festa André diz: a mas pra i so na formatura um trem mo formau vai se mo ruim ne nao Douglas diz: eu vou e calça jeans rsrsrsrs, vai o jento q queser André diz: mas oq q vai ser André diz: oq q vai te André diz: pq na festa eu nao vo nao nem comprei convite e nem tenho dinhero to quebrado Douglas diz: vai ser msm soh entrega e iploma, honimagens, e mto mas, vai la André diz: a nem rola Douglas diz: O uso da letra h para substituir ce amina vai la acento soh. André diz: vai ta mo ruim si fo olha pro meu lado BOX 2 Douglas diz: e msm André diz: no i seu irmao no centro hj sem camisa quaze bati nele Douglas diz: q o yego André diz: 69 e Douglas diz: amanha vamo ruma uma coisa feiiii André diz: cara vamo mas aonde Douglas diz: ce q sabe André diz: direpente agente come batata aq m casa dinovo Douglas diz: poe ce André diz: depois agente olha isso Douglas diz: ce fo ter ceis mi liga, naum esquece Douglas diz: tenho q conversa uns trem com Douglas diz: S André diz: bobre Douglas diz: q? André diz: sobre""" foi mau Douglas diz: ow epois ce mi liga Douglas diz: vo sai, tenho q arrumar André diz: t flw Fusão de palavras como: direpente, dinovo. Seria a economia da escrita, a pressa, uso da oralidade. São hipóteses que nos sugerem. BOX 3 Uso variado da mesma palavra nao e naum é outro aspecto curioso. Por que em um mesmo texto essa variante? Seria o desprendimento de padrões, ou seja, seriam flutuantes as próprias normas que se estabelecem nestes espaços? BOX 4 Essa escrita, além da marca de oralidade que caracteriza uma conversa íntima e presencial/ virtual, cria códigos próprios. Muitas vezes novo outras vezes fruto da abreviação ou economia da escrita como, por exemplo: hj, vc, ce, rsrsrsrs, q, flw, foram codificados para que haja compreensão, rapidez através da economia na escrita. São códigos dos quais nem todos possuem conhecimento e domínio. Apresentamos a seguir (FIG. 2) um fragmento de uma conversa 155 no MSN Messenger. São vários os recursos que se utilizam na escrita deste ciberespaço, porém propomos analisar um exemplo com objetivo de ilustrar esse tipo de conversa. 155 Conversa entre um jovem de 18 anos, estudante do Ensino Médio e um adulto (out./2007). 70 Apresentamos um fragmento de uma conversa no MSN para ilustrar o uso dessa escrita. Observamos o uso de emoticons para substituir palavras. Uma escrita que mistura letras com imagens, às quais substituem palavras. É uma realidade que requer conhecimento dos significados dos emoticons, caso contrário a compreensão do leitor fica prejudicada. Veja uma reescrita dessa conversa: Jovem: “e, mas você consegue com certeza” Adulto: “obrigada” Jovem: “de nada” Jovem: “o que você está fazendo?” Adulto: “agora estou organizando correspondências para”, “e você?” Jovem: “só estou na Internet”, “no Orkut”, “no MSN”, “e caçando umas fotos”, ou seja, “procurando umas fotos”. FIGURA 2 – Fragmento de uma conversa no MSN Messenger. BOX 5 A escrita que observamos acima (FIG. 2), em alguns momentos, apresenta elementos da escrita enigmática, uma escrita através de imagens. É uma escrita que usa recursos que nem sempre se associam a uma língua específica, isto é, os recursos lingüísticos utilizados podem ser compreendidos em outras línguas. Como, por exemplo, o emoticon da carinha apontando o dedo e com a língua de fora que foi traduzido pela palavra você, poderia ser traduzido por you em inglês ou usted, tu e vos em espanhol ou em outros idiomas. São imagens que podem ser lidas e compreendidas em outras línguas. Estes exemplos nos fazem reforçar a hipótese de que essa escrita não pode ser considerada como uma única língua156, mas uma escrita desprendida de um idioma. Uma escrita que usa os recursos de signos para comunicar-se. Outro aspecto que chama atenção é a troca de letras de que já tratamos neste trabalho e a junção de palavras 156 Cf. Anexo J Abreviações em inglês, que são usadas na em diversas línguas. 71 como podemos conferir no texto (FIG. 2), ex.: conserteza = com certeza, dinada = de nada. A junção de palavras poderia ser economia da escrita. Observamos neste texto que o uso de emoticons é feito em geral pelo jovem. Seria o jovem mais propenso a fazer uso dessa modalidade de escrita ou seria ele mais ousado do que o adulto? Um jovem, por exemplo, que escreve no espaço do MSN Messenger e faz troca de letras e junção de palavras como conserteza ao invés de com certeza, teria o domínio da escrita padrão? São dúvidas e preocupações dos educadores que têm como responsabilidade alfabetizar e letrar os alunos para fazerem uso da escrita padrão. Até que ponto poderia ser caracterizado como pressa, desconhecimento da ortografia, ousadia, quebra de estruturas rígidas? Como já mencionamos em nosso estudo, a LDBEM157 diz que o Ensino Médio é a etapa final da Educação Básica, é o período de consolidação e aprofundamento de muitos conhecimentos construídos ao longo do Ensino Fundamental. Desta forma, consideramos que os estudantes do Ensino Médio deveriam possuir o domínio da linguagem nas diversas formas e gêneros discursivos. Porém, questionamos se este aluno possui realmente o domínio da ortografia. Será que essas práticas de escrita e leitura que acontecem no ciberespaço, principalmente as dos sites de relacionamentos, que acontecem fora do espaço escolar, estariam desafiando ou interferindo no ensino e nas práticas de escrita e leitura convencionais? A seguir, apresentamos algumas amostras de scraps158 do Orkut, onde registramos algumas observações e análise da escrita. O Scrap (FIG.3) foi escrito por estudante do segundo ano do Ensino Médio. FIGURA 3 – Scrap de Orkut. 157 LDBEM (Lei de Diretrizes e Bases do Ensino Médio). De acordo com o dicionário Oxford Escolar, scrap (como o chamam na linguagem da Internet) significa fragmento de escrita. Os scraps analisados neste trabalho de pesquisa foram acessados no dia 13/11/07 da página de recados do Orkut da autora desta pesquisa, cujo profile é: http://www.orkut.com/Home.aspx. Para acessar este e/ou outros profiles é necessário que tenham ou criem uma conta no Orkut. 158 72 Verificamos (FIG. 3), a marca de oralidade na escrita como, por exemplo: ham, uma interjeição, a palavra olhano ao invés de olhando, o uso de kkkk, para expressar riso ou ironia, ou seja, o uso de onomatopéia, uma figura de linguagem que através de um vocábulo expressa o som ou ruído da palavra com alongamento de vogais e ou consoantes. O texto apresenta falta de pontuação, troca de letras, falta de coesão e de acentuação. Até que ponto poderia ser caracterizado como pressa, erro, descuido com a língua ou liberdade para expressar-se? Outro aspecto que observamos aqui é o registro do pensamento, da opinião, de forma escrita. Algo de que antes não se fazia registro e cujo esse espaço propicia isso. Scrap escrito por um ex-aluno do Ensino Médio: FIGURA 4 – Scrap de Orkut. Observe (FIG. 4). A forma sintética ou econômica que se usou para escrever a palavra beleza blz, no scrap acima, é uma característica dessa escrita, onde se omitem as vogais, as quais têm a função de dar sustentação aos sons das consoantes. Outro fato observado é o excesso de pontuação que sugere ênfase ao que se quer expressar. O uso da oralidade e a intimidade ou liberdade para se expressar. São freqüentes, como por exemplo, a troca de letras, (z por s) em dezejar. Essa troca seria uma troca que insinua desconhecimento da ortografia e ou apenas uma brincadeira ou ousadia? Scrap escrito por um aluno do terceiro ano do Ensino Médio após a realização de uma feira cultural da escola: 73 FIGURA 5 – Scrap de Orkut. O verbo achar com x (FIG. 5), também registra a troca de letra em axei. Outro fato que percebemos é o uso de letras maiúsculas, na linguagem da Internet, principalmente nos sites de relacionamentos e nos programas de conversa simultânea. Isso significa falar alto, gritar ou enfatizar o que se quer expressar. Além disso, o uso de onomatopéias159, como KKKKKKKKKK. Scrap escrito por um aluno na ocasião do aniversário de sua professora: FIGURA 6 – Scrap de Orkut. Na (FIG. 6), encontramos o uso do sinal + no lugar da palavra, que é também uma característica dessa escrita, a troca de palavras por sinais e ou símbolos. Observamos a liberdade para expressar-se, de forma coloquial, com a professora. Nesse scrap (FIG. 7) verificamos o uso de estrangeirismo: 159 Figura de linguagem que reproduz os sons e ruídos de uma língua com alongamento de vogais e ou consoantes. 74 FIGURA 7 – Scrap de Orkut. Dentre os diversos aspectos observados, destacamos a hibridização160 das línguas, fato ao qual já nos referimos nesse trabalho, que é o uso de estrangeirismos, (FIG. 5 e FIG.7). Esse uso tem sido freqüente nesse tipo de escrita, principalmente o uso da língua inglesa. Seria o imperialismo da língua inglesa, principalmente na informática ou até mesmo a liberdade para expressar-se em mais de um idioma? Ou seria uma característica contemporânea, o rompimento de estruturas rígidas, estabelecidas? Poderia ser a modernidade líquida na linguagem, a mistura de línguas? São questões dos quais buscamos compreensão. Os scraps seguintes (FIG.8 e FIG.9) apresentam variação da escrita de uma mesma palavra, assim como na (FIG 6). FIGURA 8 – Scrap de Orkut. FIGURA 9 – Scrap de Orkut. 160 Usamos esse termo, neste trabalho de pesquisa, para designar a mistura de línguas, porém, Lúcia Santaella o utiliza para designar fusão de mídias. E Canclini usa o termo hibridação para expressar mistura de culturas. São observações que registramos ao longo dessa pesquisa. Nesse trabalho de pesquisa, buscamos suporte nos dois conceitos para compreender o uso de mais de um idioma e recursos paralingüísticos identificados na escrita do ciberespaço os quais propomos analisar. 75 Um outro aspecto que observamos nessa escrita são as variantes de uma mesma palavra como beijo, ver exemplos (FIG. 6: bjoo), (FIG. 8: BjuXxXX), (FIG. 9) bjussssssssssssssssss) e outros como: bj, bjs, bjokas, bsitos, bijimm, kisssss, ksssss, kissessssss, bjuu161. O uso de apelidos (nicknames) ou códigos são aspectos que também chamam a nossa atenção. São estratégias que podem ser observado nessa escrita. Não exemplificamos aqui, pelo fato de manter preservada a identidade dos autores dos scraps.. Porém, podem ser conferidos nas diversas páginas de recados do Orkut e MSN Messenger. Em determinadas situações, esse uso poderia caracterizar o anonimato, preservar a identidade dos usuários, ou é apenas como uma brincadeira, uma diversão. O ciberespaço permite ao usuário novas formas para gerenciar as informações, suprir carências, interagir, produzir e expor a criatividade e conhecimento, desconstruções e reconstruções de saberes. Tudo isso através da escrita virtual/digital do ciberespaço, principalmente nos sites de relacionamentos e programas de conversa simultânea. O indivíduo perante a tela, na condição de leitor e autor depara com infinitas possibilidades de recursos para escrever, ou seja, diversos recursos para elaborar seu texto e até mesmo reeditar e reelaborar textos que nem sempre são de sua autoria. Recursos como configurar, formatar, exibir, adicionar, alterar, inserir, deletar, recortar, colar, selecionar, editar e outros são utilizados na elaboração de textos que se editam nas páginas interativas da Internet. Estes recursos são como tintas, pincéis e tela na mão do artista que apresenta sua criatividade, que é muitas vezes, marcada pelos desejos, anseios, carências, muitas vezes carregada de solidariedade, persuasão sedução. A palavra, composta de texto gráfico, transforma-se em imagens, enigmas, sons, signos, símbolos. Os usuários da Internet criam uma comunidade lingüística com maneiras específicas para conversar, interagir, organizar e produzir uma literatura que apresenta marca de oralidade na escrita. As abreviaturas, os emoticons, os smileys, recursos gráficos, ocuparam o lugar de palavras. Assim como as gírias, sinais de pontuação decorados com desenhos, onomatopéias, letras estilizadas com formas gráficas definidas e palavras de línguas estrangeiras, ganham sentido no texto que é minuciosamente escrito em cores diversas. Consagra-se assim um gênero lingüístico, que se utiliza de vários recursos semióticos para substituir a conversa face a face, obtendo-se, desse modo, a construção de hipertextos, 161 Exemplos que podem ser cf. também nas páginas de recados do profile: http://www.orkut.com/Home.aspx . 76 resultado de um trabalho coletivo e mutante que revelam as experiências culturais de uma época. Bakhtin, ao tratar da questão dos gêneros lingüísticos, afirma que cada época e cada grupo social têm seu repertório de formas de discurso na comunicação sócio-ideológica162. Para Ângela Belmiro, A linguagem oral, a escrita e o ciberespaço convivem na sociedade e na cultura, ao lado de outras linguagens não verbais constituidoras do sujeito, e precisam conviver também na escola, que se propõe formadora de sujeitos 163 capazes de conhecer o mundo em múltiplas dimensões . Compreendemos aqui que a escola precisa dialogar com o ciberespaço uma vez que as linguagens são constituidoras do sujeito, de acordo com as Orientações Curriculares. O ciberespaço é um espaço de criação de linguagem. O objetivo da escola é buscar a “emancipação de sujeitos históricos capazes de construir seu próprio projeto de vida segundo Maria Cândida Moraes164. Qual seria então a pedagogia que a contemporaneidade propõe para se lidar com as demandas provocadas pelas tecnologias da comunicação? Para isso Renato Rocha Souza afirma que não é necessária uma nova pedagogia para trabalharmos o aprendizado em ambientes de comunicação mediada por computador, uma vez que podemos contar com grande parte das orientações presentes nas linhas existentes165. O leitor/escritor tem à sua disposição infinitas orientações para aprender a lidar com o computador e a Internet. O que implica é a compreensão como essa modalidade que envolve gêneros lingüísticos mediáticos que até então não existiam e que passam a fazer parte do discurso contemporâneo. Esse é o desafio da escola, ou seja, dos educadores. Percebemos que a escola passa a preocupar-se muito mais com necessidade de se investir nas práticas convencionais da escrita e leitura. A escrita cursiva e linguagem culta passam a ser alvo de atenção dos educadores. Como pode ser verificado na Escola Estadual Dr. Abílio Machado166: depois de serem analisados os aspectos frágeis dos resultados da 162 BAKHTIN, M. (Volochinov) Marxismo e filosofia da linguagem. 7 ed. São Paulo: Hucitec, 1995, p. 43. BELMIRO, Ângela. Fala, escritura e navegação: caminhos da cognição. In COSCARELLI, Carla Viana (org.). Novas tecnologias, novos textos, novas formas de pensar. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003, p.19. 164 MORAES, M. Cândida. O paradigma educacional emergente. Campinas: Papirus, 1997, p. 132. 165 SOUZA, Renato Rocha. Contribuição das teorias pedagógicas de aprendizagem na transição do presencial para o virtual. In COSCARELLI, Carla Viana & RIBEIRO, Ana Elisa (orgs.). Letramento digital: aspectos sociais e possibilidades pedagógicas. Belo Horizonte: Ceale; Autêntica, 2005, p. 120 166 Uma das escolas onde realizamos a pesquisa de campo. 163 77 avaliação SIMAVE167, mesmo obtendo um bom resultado na cidade e no estado, decidiu-se, dentre várias medidas, organiza-se um projeto de normatização dos trabalhos de pesquisa, atividades em classe e deveres de casa. Tal projeto contou com educadores de diversas áreas, inclusive com a participação desta pesquisadora. As normas estabelecidas no Projeto foram baseadas na ABNT. Para finalizar nosso estudo, nesse capítulo retomamos uma das questões principais desse nosso trabalho de pesquisa, quando refletimos se as práticas de leitura e escrita interativas dos estudantes no ciberespaço alteram a escrita e leitura convencionais. Constatamos que a liberdade de lidar com a ortografia, incorporar elementos paralingüísticos e usar recursos de abreviar palavras, ou seja, o uso da economia da escrita, tudo isso são fatos que preocupam e chamam a atenção dos educadores. Além disso, esses recursos, nem sempre são do domínio de todos. A troca de letras e o uso da oralidade na escrita são outros aspectos preocupantes. Sugere que fazer usos desses recursos pode caracterizar desconhecimento da língua. Talvez sejam esses aspectos os mais preocupantes entre os educadores ou os mais sérios. Com relação aos signos, símbolos, imagens, ícones, podemos levantar uma questão: o que seria da comunicação se não fossem os recursos das imagens, dos signos, dos símbolos? Muitos destes recursos são antigos. As novidades são relativas, muito são apenas aperfeiçoamentos que as técnicas possibilitam. Para ilustrar isso, apresentamos a seguir algumas figuras, através de fragmentos que ilustram o uso de signos, símbolos e imagens na informática, na química, na música, no ciberespaço de programas de relacionamentos. Poderíamos citar até mesmo os símbolos na linguagem da matemática, os símbolos na linguagem do telégrafo, ou seja, o Código Morse, assim como outros, porém vamos nos ater somente a alguns, como exemplos para ilustrar nosso trabalho. A seguir, apresentamos um fragmento (FIG.10) em forma de figura de uma barra de ferramenta do Microsoft Word para ilustrar o uso de símbolos168, imagens169, ícones170, 167 Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Pública. O SIMAVE possui três diferentes programas de avaliação que se articulam: O PROALFA, o PROEB e o PAAE. São programas de Avaliação que permitem conhecer como o sistema funciona e tornam possível a identificação de problemas e dificuldades de cada escola. Esse tipo de avaliação torna possível intervenções planejadas pedagogicamente com base em diagnósticos contextualizados. Os resultados das avaliações realizadas para investigar todo o sistema podem ser direcionados também para a resolução dos problemas de cada escola, a superação de dificuldades e o fortalecimento de ações positivas. 168 A palavra símbolo vem do Latim symbol. Substantivo masculino que significa figura, marca, sinal, que representa ou substitui outra coisa; aquilo que possui um poder evocativo; emblema; divisa; sinal, signo. 169 A palavra imagem vem do Latim imagine. Substantivo feminino que significa representação, reprodução ou imitação da forma de uma pessoa ou objeto; figura, estampa, cópia, reprodução, retrato, e outros. 170 A palavra ícone vem do Grego "eikon" e significa imagem, já na informática ícone é um pequeno símbolo gráfico, usado geralmente para representar um software ou um atalho para um arquivo específico, aplicação (software) ou diretório (pasta). 78 signos171 na informática. É apenas um exemplo dentre vários que poderíamos citar dos programas de computadores e da comunicação na Internet. FIGURA 10 (Fragmento de uma barra de ferramenta do Microsoft Word) O que seria da informática, dos programas de software sem os recursos das imagens, símbolos, ícones e signos? Quantas informações são possíveis de se obter neste pequeno fragmento da barra de ferramenta do Microsoft Word. O usuário, através dessas informações, é capaz de executar uma série de comandos na tela apenas lendo, interpretando todo esse conjunto de signos, imagens, símbolos e ícones. Na figura seguinte (FIG. 11) apresentamos uma Tabela Periódica de Química, onde podemos observar os diversos símbolos das substâncias químicas. 171 Nesse trabalho, ao nos referirmos aos signos, consideramos como definição: uma unidade principal constitutiva da linguagem humana, representada pela associação entre um significado e um significante, ou seja, entre um conceito e uma imagem acústica. 79 FIGURA 11 (Tabela periódica de Química) Observe na (FIG. 11) a forma sintética, ou seja, econômica para escrever as substâncias químicas. Em um único quadro a Tabela Periódica exibe todos os elementos químicos em ordem de número atômico, agrupa metais, não metais e gases nobres, cada qual em um bloco próprio, e ainda classificam todos eles por famílias, nas quais os elementos constituintes possuem propriedades químicas semelhantes. Se não fosse o recurso da economia da escrita, o que seria do discurso da química? Na (FIG.12) apresentamos um fragmento em forma de figura de uma partitura172 musical da Sonata de Wolfgang Amadeus Mozart, chamada Rondo Alla Turca173. 172 A palavra partitura vem do Latim partitura. Substantivo feminino que significa conjunto das partes que constitui uma obra musical, ou seja, vozes e instrumentos. 173 Em português Marcha Turca. 80 FIGURA 12 (Fragmento de uma partitura musical) Nesta (FIG. 12), ilustramos o uso de notas musicais numa partitura. O recurso das notas musicais através de símbolos sintetiza a escrita dos sons dos instrumentos e vozes com respectivos tempo e variações dos mesmos, isto é, ritmo, melodia e harmonia, um recurso que facilita a composição musical e execução da mesma. Essa escrita existe há milhares de anos. Há registros em que foram encontradas evidências arqueológicas dessa escrita musical praticada no Egito e Mesopotâmia por volta do terceiro milênio a.C.174. Portanto compreendemos que se trata de um recurso da escrita bastante antigo. Saímos de um exemplo de escrita antiga e apresentamos um exemplo de escrita animada, que é mutante e está em constituição, a qual é usada no MSN Messenger (FIG. 13). 174 Cf. http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20070408173232AA3OTxn . Acessado dia 03/20/08. 81 FIGURA 13 (Amostra de uma tela com emoticons personalizados, tirado da página de um usuário do MSN Messenger) Nessa figura (FIG.13), exemplificamos a escrita através de emoticons personalizados que cada usuário elabora, cria, copia e mantém na sua página como recurso para comunicar-se com os amigos virtualmente. São recursos, criativos, que às vezes podem sofisticar-se e tornar a escrita divertida. Porém o uso excessivo pode tornar a conversa insuportável e às vezes impossível, pelo fato de usar imagens e códigos que nem sempre é de conhecimentos de todos os interlocutores. Outro aspecto é o uso de animações e cores, podem desviar a atenção dos interlocutores pelo estímulo excessivo das animações e cores. Na (FIG. 14) apresentamos ainda exemplos de emoticons, porém padronizados, isto é, os que o programa de MSN Messenger disponibiliza para os usuários. 82 FIGURA 14 (Amostra de tela com emoticons padrão, tirado da página do MSN Messenger) Com esse recurso (FIG. 14), basta que o usuário digite letras ou símbolos gráficos de acordo com a legenda, que está abaixo dos desenhos, e as carinhas ou desenhos aparecerão na tela, ou utilize o recurso selecionar e clicar ok. Muitos desses emoticons sugerem que foram baseados em símbolos já existentes como, por exemplo, da religião: (6) igual à figura do diabo e (A) igual à figura de anjo175. Com esses recursos o usuário expressa sentimentos, emoções, desejos, etc. Muitos desses signos, símbolos, imagens, são tão antigos quanto à linguagem. Outros foram criados, reinventados como já citamos nesse trabalho, através do desenvolvimento cultural e tecnológico. Os símbolos sempre estiveram presentes na vida das pessoas. Em cada época, com criatividade, foram elaborados, criados e reinventados de acordo com as demandas da comunicação e tecnologias. A partir desse estudo, verificamos que o uso de recursos paralingüísticos pode altera as práticas convencionais da escrita e leitura. Pois de acordo com Lúcia Santaella o receptor de 175 Cf. na FIG. 14. 83 uma hipermídia ou usuário, coloca em ação mecanismos, habilidades de leitura muito distintas daquelas que são empregadas pelo leitor de um texto impresso como o livro176. Porém não vemos isso como um problema. Acreditamos que há outras implicações que devem ser verificadas. Para isso propomos continuar essa discussão no capítulo seguinte, onde analisaremos sobre a escrita/leitura dos estudantes e educadores. E quanto à linguagem líquida? Quando levantamos a hipótese se seria a linguagem do ciberespaço de sites de relacionamento, uma linguagem líquida há que considerar que nem todos os líquidos se misturam, assim como, nem todos os líquidos são leves, nem toda mistura resulta em resultados satisfatórios. A linguagem do ciberespaço, aparentemente, apresenta certa liquidez, certa leveza, como se fosse algo fluido, possível para se fazer misturas. Essa liquidez pode denotar também imediatismo, porém há que considerar que essa liquidez contém densidade, complexidade e implicações que comporta estudos, investigações. Um desafio para a escola, em especial para os educadores na contemporaneidade. Essa liquidez possibilita um desdobramento, uma subversão dos gêneros lingüísticos. O estudo apresentado nesse capítulo tratou sobre o ensino da língua portuguesa, sobre as políticas pedagógicas, sobre o ensino que envolve práticas de leitura e escrita convencionais na Língua Portuguesa. Analisamos algumas implicações do uso de práticas de leitura/escrita do ciberespaço na escrita/leitura convencional. Para isso, buscamos um estudo sobre as Orientações Curriculares, os PCNs, o CBC e considerações sobre o livro didático, para saber como se estabelecem as políticas de ensino da Língua Portuguesa. Além destes tópicos, realizamos uma análise sobre as práticas de leitura e escrita observadas no MSN Messenger e Orkut, que acontecem fora dos espaços escolares, como já nos referimos nesse trabalho. Essas poderiam apresentar uma ameaça à escrita convencional dos estudantes. No próximo capítulo abordaremos sobre as práticas de leitura e escrita dos estudantes e educadores do Ensino Médio, para saber como os mesmos se relacionam com a escrita/leitura, sejam elas, convencional e/ou as do ciberespaço, e que impactos se pode perceber nessa relação entre escola e aprendizagem. 176 SANTAELLA, Lúcia. Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo. São Paulo: Paulus, 2004. 84 CAPÍTULO III PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA DE ESTUDANTES E EDUCADORES DO ENSINO MÉDIO Esse capítulo está dividido em três tópicos. No primeiro tópico (3.1), apresentamos os procedimentos metodológicos e técnicos utilizados para o desenvolvimento dessa pesquisa de campo, a descrição dos processos, as justificativas e decisões tomadas no desenvolvimento da mesma. Como por exemplo: o porquê da pesquisa e também o porquê no Ensino Médio, como foi feita a escolha das amostras analisadas, como estruturamos os questionários (dos estudantes e dos educadores). Cabe registrar, aqui, que os procedimentos metodológicos e técnicos não estavam inteiramente definidos no projeto, por se tratar de uma pesquisa de “metodologia e epistemologia experimental” 177 . Os mesmos foram constituindo-se após a aplicação e análise preliminar dos questionários. No segundo tópico (3.2) apresentamos sobre a escrita e a leitura dos estudantes através da análise dos questionários. Analisamos as respostas, os comentários, estabelecemos comparações, hipóteses e cruzamento de dados. E no terceiro tópico (3.3), analisamos os questionários dos educadores. Seguimos os mesmos procedimentos anteriores, porém ressaltamos que nos questionários dos educadores apresentam itens diferentes em alguns tópicos. Tanto o segundo tópico, quanto o terceiro, desse capítulo, têm como objetivo aprofundar as discussões que iniciamos nos capítulos anteriores, que são: compreender as características próprias desse gênero lingüístico do ciberespaço e verificar se essas práticas de leituras e de escrita dos estudantes interferem nas práticas convencionais das mesmas e se há implicações. 3.1 Procedimentos metodológicos e técnicos da pesquisa de campo A pesquisa quantitativa e qualitativa foi realizada através de uma coleta de dados onde utilizamos questionários178 escritos, com opções de respostas para marcar; em alguns itens foi solicitada a opção ‘se possível, justifique sua resposta’ e a opção de marcar ‘outros’ quando 177 Cf. DOSSE, François. Império dos sentidos: a humanização das ciências humanas. São Carlos: EDUSC, 2003, p. 415-421. 178 Cf. Anexos A e B, modelos dos questionários dos pesquisados. 85 apresentávamos opções de respostas. Tais questionários foram aplicados entre alunos e educadores do Ensino Médio em duas escolas179 da cidade de Formiga- MG. Dessa forma, buscamos responder questões como: que mudanças podem ser percebidas na escrita dos estudantes ao fazerem uso de escrita e leitura a partir de gêneros do ciberespaço, principalmente os de sites de relacionamento, onde a escrita se apresenta com recursos próprios, sem compromisso com a escrita convencional180? Os alunos estão fazendo uso de gêneros textuais mediados pelo computador nas atividades escolares, ou seja, há apropriação destes gêneros nos discursos escolares? Essa modalidade de leitura/escrita virtual/digital tem interferido na escrita e leitura convencional dos estudantes? O que se percebe nas práticas de leitura e escrita, a partir das tecnologias de comunicação? Como os profissionais da educação e estudantes estão lidando com essa modalidade de escrita/leitura virtual/digital? A escolha de se pesquisar no Ensino Médio foi baseada na teoria de Anne-Marie Chartier quando afirma que, durante o ciclo das aprendizagens fundamentais, os professores não podem considerar a leitura e a escrita como adquiridas. Elas ainda não são instrumentos comuns, manejados sem pensar pelos estudantes para resolver outras tarefas181. Portanto, delimitamos pesquisar estudantes do Ensino Médio, levando em conta que os mesmos ao fazerem uso das modalidades de escrita própria dos sites de relacionamentos e programas de conversa simultânea, que são diferentes da modalidade padrão, estão conscientes, possuem conhecimento e o domínio da língua. Portanto, foram pesquisados alunos das três séries do Ensino Médio, isto é, as últimas séries da Educação Básica. Acreditamos que os mesmos tenham adquirido o conhecimento básico da língua materna182 como instrumentos comuns, usando-a de forma consciente para resolver suas tarefas e para se comunicar nas diversas situações de discursos. O questionário dos estudantes183 foi composto por quatro tópicos de abordagens. Cada tópico apresentou um grupo de perguntas184 com opções para marcar as resposta. Em algumas 179 Escola Estadual Dr. Abílio Machado, situada à Rua Ramiro Correia S/ nº. Bairro Areias Brancas. FormigaMG (local em que a pesquisadora trabalha, atuando como professora de Inglês) e Colégio Losango, situado à Rua Barão de Piumhi, Nº. 486, Centro. Formiga- MG. Cf. fotos anexos J e L. 180 Consideramos nesse trabalho de pesquisa como escrita e leitura convencional a escrita e a leitura que segue as normas gramaticais de que a escola faz uso no ensino. 181 CHARTIER, Anne-Marie et al. Ler e escrever: entrando no mundo da escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996, p. 113. 182 Consideramos como língua materna, a língua pátria, a língua que se ensina na escola, para se fazer uso nas diversas modalidades de discursos. 183 Cf. Anexo A. 184 Tópico 1: Dados pessoais (idade e sexo); identificar a faixa etária e o sexo do pesquisado. 86 situações o pesquisado tinha a opção de marcar ‘outros’ e a opção ‘se possível, justifique a resposta’. O questionário dos educadores185 foi composto por três tópicos de abordagens. Cada tópico apresentou um grupo de perguntas186 com opções para marcar as respostas. Em algumas situações o pesquisado tinha a opção de marcar ‘outros’ e a opção ‘se possível, justifique a resposta’. Para a computação das respostas dos questionários para análise, fizemos uma tabulação dos dados colhidos através do programa SPSS187, utilizamos gráficos188 e tabelas189. A escolha de se utilizar esse programa foi pelos recursos que ele oferece para pesquisas que precisam de análise de dados. As amostras analisadas foram coletadas entre estudantes e educadores de uma escola pública e uma particular do Ensino Médio da cidade de Formiga-MG. Os estudantes, quando pesquisados, estavam na faixa etária de 14 a 18 anos, das séries do 1º, 2º e 3º ano, ou seja, as últimas séries da Educação Básica. Os educadores pesquisados foram das respectivas séries dos estudantes pesquisados, os quais pertencem às diversas áreas de estudo do Ensino Médio. Professores de Física, Biologia, Educação Artística, Inglês, Português, Literatura, Química, História e coordenadores pedagógicos. A escolha de pesquisarmos em uma escola pública e uma particular foi pelo desejo de se obter uma amostra de um público que representasse os mais variados perfis e aspectos como sócio econômico, cultural, de local de moradia e a questão de tipo de escola: pública e particular (privada). A Escola Pública pesquisada possuía, na época da pesquisa, sete turmas Tópico 2: Informações culturais: saber o lugar e a freqüência com que os alunos pesquisados têm acesso às informações culturais. Tópico 3: A relação dos alunos pesquisados com a escrita e leitura digital, tópico chave para as discussões desta pesquisa: saber a freqüência, o lugar, a forma e a situação em que os pesquisados fazem uso da escrita/leitura digital e que implicações podem ser percebidas. Tópico 4: Análise socioeconômica: verificar a abrangência do nível socioeconômico dos pesquisados, se possuem renda própria ou mesada, o meio pelo qual eles têm acesso à Internet. 185 Cf. Anexo B. 186 Tópico 1: Dados pessoais: identificar a faixa etária, o sexo e a escolaridade do pesquisado. Tópico 2: Informações culturais: saber o lugar e a freqüência que os docentes pesquisados têm acesso às informações culturais. Tópico 3: A relação do pesquisado com a escrita e leitura digital e como vêem esta realidade em seus alunos e as expectativas sobre essa realidade, tópico chave para as discussões desta pesquisa assim como tópico semelhante no questionário dos alunos. 187 Para a computação das respostas dos questionários para análise, fizemos uma tabulação dos dados colhidos através do programa SPSS (Statistical Package for Social Sciences) versão 13.0 for Windows. A escolha de se utilizar este programa foi pelos recursos que ele oferece para pesquisas que precisam de análise de dados. 188 O uso de gráficos nesse trabalho teve como objetivo ilustrar as informações apresentadas nas tabelas. 189 As tabelas, nesse trabalho, apresentam a freqüência que ocorreu cada item da resposta, o percentual que corresponde à porcentagem da freqüência, o percentual acumulado que é a soma de cada percentual de acordo com cada resposta e a soma total de cada item. 87 de primeiro ano, seis de segundo ano e quatro de terceiro, compondo os turnos: matutino e noturno. Sendo que o noturno possuía uma turma de cada série. No Ensino Médio, esta escola conta com trinta e seis professores. A Escola Particular possui três turmas de Ensino Médio as quais correspondem a uma turma por série no turno matutino e um professor para cada conteúdo. As escolas pesquisadas atendem um público bem diversificado em termos sociocultural e socioeconômico, são estudantes de diversos bairros da cidade, de comunidades rurais e de cidades vizinhas. Asseguramos que em todo o processo dessa pesquisa, a identidade dos pesquisados foi inteiramente mantida em sigilo, isto é, em nenhum momento foi solicitados a identificação dos mesmos. 3.2 A escrita e a leitura dos estudantes: análise dos questionários dos estudantes190 Para realizarmos esse estudo, através do questionário, primeiro buscamos informações sobre os dados pessoais, perfil socioeconômico e informações socioculturais para então adentrarmos no tema da pesquisa. Buscamos saber a freqüência com que os estudantes fazem uso da escrita/leitura digital. Onde os estudantes mais usam a escrita e leitura digital, e outros aspectos que analisamos a seguir. Nessa análise, não seguimos a mesma ordem do questionário onde o perfil socioeconômico foi o último tópico. Quanto aos dados pessoais, buscamos identificar a idade191 dos pesquisados e o sexo192. Com relação à idade dos estudantes pesquisados, os dados apurados não apresentaram surpresas significativas. A faixa etária dos estudantes deste nível de estudo é de quinze a dezoito anos. Registramos duas freqüências com mais de dezenove anos. Isso poderia ser justificado pelo fato de haver repetência ou desistência temporária dos estudos. Sobre o sexo (masculino e feminino), percebemos que o público feminino, 57,33%, foi maior em relação ao masculino, 42,6%, em ambas as escolas. Apresentamos esses dados apenas para constar as características de nossos pesquisados. 190 Optamos por apresentar a análise dos questionários com todos os tópicos do questionário, porém, apresentamos apenas gráficos de alguns tópicos para ilustrar os resultados. Os gráficos e tabela da pesquisa que não foram apresentados aqui poderão ser visualizados nos anexos E, F, G e H. 191 Cf. Anexo E e Anexo F 192 Cf. Anexo E e Anexo F 88 Sobre o perfil socioeconômico dos estudantes, buscamos saber sobre a renda familiar193, atividade remunerada194 e se têm computador (PC) em casa com Internet195. Com relação à renda familiar, há certa diferença entre os pesquisados da escola pública e particular, porém, não foi um dado relevante para essa pesquisa, portanto registramos apenas no anexo196 para constar. Sobre atividade remunerada, observamos que 18,7% trabalham, 19,3% trabalham eventualmente, 16,7% afirmaram que recebem mesada e 44,7% alegaram que não possuem atividade remunerada. A maioria dos pesquisados, 70,67% afirmaram que possuem PC com Internet em casa. Os que não têm, 14,0%, usam Lan House ou 2,67% fazem uso de outros e 12,7% afirmaram não ter. Esses dados mostram que o computador e a Internet são uma realidade na vida dos estudantes ao considerarmos que 86,0% dos pesquisados têm acesso à Internet. Sobre as informações culturais dos estudantes pesquisados, buscamos saber qual é a principal fonte de informação de acontecimentos atuais197, a freqüência com que lêem livros198 e a freqüência com que vão a eventos culturais199. Observamos que a principal fonte de informação é o telejornal 55,33%, seguida da Internet com 32,0%. O jornal escrito e a revista empataram 4,0%, apresentando uma porcentagem baixa em relação às outras opções. Poderia ser a preferência pelo texto eletrônico, ou pela informação falada ou pela falta de acesso ao jornal ou revista devido ao custo ou até mesmo pelo desinteresse da leitura no papel. São hipóteses que levantamos. No item sobre a freqüência com que os estudantes lêem livros, buscamos saber a relação dos pesquisados com a leitura no papel e insinuamos a finalidade para a qual acontece essa leitura, quando apresentamos a opção ‘somente para fazer trabalhos escolares’. Verificamos que a leitura no papel apresenta uma porcentagem significativa com 22,67%, quando se trata de um livro ao mês e 18,67%, mais de um livro ao mês, onde se pode computar que 41,4%, afirmam que lêem um livro ou mais ao mês. Isso contradiz o discurso dos professores quando afirmam que os alunos não lêem ou não têm hábito de leitura. A freqüência com que os estudantes pesquisados vão a eventos culturais como teatros, shows musicais, exposições de artes, museus etc., apresentou resultado surpreendente, com 193 Cf. Anexo E e Anexo F Cf. Anexo E e Anexo F 195 Cf. Anexo E e Anexo F 196 Cf. Anexo E e Anexo F 197 Cf. Anexo E e Anexo F. Nesse item, foi necessário anular sete respostas, as quais correspondem a (4,67%) das cento e cinqüenta respondidas, pelo fato de os pesquisados terem marcado mais de uma alternativa. O enunciado estava no singular e a palavra principal em negrito, mesmo assim, ocorreram equívocos. 198 Cf. Anexo E e Anexo F. 199 Cf. Anexo E e Anexo F. 194 89 51,3%, uma vez que a cidade de Formiga-MG não oferece eventos culturais com freqüência e muito menos diversidade. Com relação à freqüência com que os pesquisados fazem uso da escrita/leitura digital, verificamos que 72,67% afirmaram que sempre fazem uso. Ao depararmos com esse resultado, concluímos que a escrita/leitura digital faz parte da vida cotidiana dos estudantes uma vez que mais de 50,0% fazem uso dessa escrita/leitura. Esclarecemos também que, nesse item, foram apresentadas três opções de respostas: ‘sempre’, ‘às vezes’ e ‘nunca’. No entanto, não houve nenhuma opção marcada em nunca. No item sobre onde mais os estudantes usam a escrita/leitura digital, foram apresentadas as opções: Internet, Celular, Outros. A Internet aparece com o lugar de maior uso da escrita digital com 80,0% e 86,67% de uso da leitura. Nos diversos espaços onde praticam a escrita/leitura digital, constatamos que a Internet é o principal espaço de uso da escrita/leitura digital. Em seguida vem o celular, mas com menos relevância. Esses dados sugerem que a Internet é uma realidade na vida dos estudantes. Na Internet, os espaços onde mais fazem uso da escrita/leitura digital, os estudantes pesquisados tinham as opções: MSN Messenger, Orkut, E-mail e outros200. Constatamos que o MSN Messenger é o espaço onde que mais usam para exercerem suas práticas de escrita/leitura digital. Veja (GRAF.1)201. 200 Nesse item foi necessário anular vinte respostas pelo fato de terem marcado mais de uma opção de resposta. Porém, foi possível obter a informação pesquisada, ou seja, verificar onde os estudantes mais usam a escrita/leitura digital na Internet. 201 Cf. também Anexo E 90 E na Internet onde você mais usa a escrita/leitura digital? MSN 0,67% 13,33% Orkut E-mail Outros Nula Sem resposta 8,0% 6,0% 50,67% 21,33% GRÁFICO 1 Como podemos observar, os estudantes usam mais o MSN Messenger com 50,67% em relação às outras opções apresentadas. Seria pela necessidade de se organizarem em grupos, característica comum entre adolescentes? Poderia ser pelo fato desse tipo de conversa/escrita atender as demandas dos jovens nas suas formas de organizar e conviver em grupo. Poderia ser pela informalidade que esse espaço permite na escrita? Outras hipóteses poderiam ser levantadas. De certa forma chamam nossa atenção os resultados apresentados. Em segundo lugar vem o Orkut com 21,33%, que parece com menos relevância. Tanto o MSN Messenger quanto o Orkut são espaços onde se usa a escrita sem seguir as normas convencionais da linguagem culta. O E-mail apresenta 6,0%, uma porcentagem baixa. Ele é um recurso de comunicação que não demanda necessariamente formalidade. É um recurso de comunicação que substitui as correspondências via correio tradicional, nas diversas finalidades dessas correspondências, como a carta comercial, a carta pessoal, etc.. Há que se considerar, também, que no MSN Messenger, há possibilidades de se fazer o uso de envio de correspondência semelhante ao que se faz também no E-mail, como enviar anexos, documentos, fotos, músicas e outros. Neste item foi apresentada a opção: ‘se possível, justifique sua resposta’. O que mais chamou a atenção nas justificativas foi o fato de referirem 91 que: é o lugar onde falam com muitos amigos, meio fácil e rápido para conversar, é também o lugar em que ficam mais tempo na Internet 202. A forma que os pesquisados escrevem nos espaços digitais, a maioria dos estudantes pesquisados afirmam que não seguem a norma culta, como pode ser observado no (GRAF. 2). De que forma você escreve nos espaços digitais? 0,67% 12,0% 12,67% Sigo a norma culta da língua Não me preocupo com normas, escrevo do jeito que falo Escrevo de acordo com cada espaço que estou fazendo uso 11,33% Escrevo de forma mista 63,33% Nula GRÁFICO 2 Buscamos verificar nesse item (GRAF.2) como os estudantes escrevem nos espaços digitais para saber de que tipo de escrita fazem uso neste espaço (norma culta, livre de normas ou do jeito que falam, de acordo com cada espaço, de forma mista). Observamos que 63,33% não se preocupam com normas, escrevem do jeito que falam. Neste aspecto é que surgem os questionamentos e preocupações dos educadores, como de que jeito falam / e como escrevem, uma vez que a escrita nem sempre é como se fala, envolvem conhecimento gramatical como, por exemplo, da ortografia, da etimologia. As vantagens que essa modalidade de escrita digital oferece foi um item de resposta aberta. Destacamos algumas respostas203 como: agilidade, com suas variantes, quando se 202 Transcrição da fala dos alunos. 92 referem à rapidez / rápida / encurtar o tempo / gasto menos tempo escrevendo / menor tempo gasto / velocidade. Outro aspecto que chama a atenção é quando se referem à economia de tempo / economia de letras / simplificar a escrita / praticidade / liberdade de expressão. Todas são terminologias presentes no discurso e na realidade contemporânea que evidenciam o relacionamento do homem com a máquina, e a mudança de comportamento e suas demandas em função de seu relacionamento com a máquina e as tecnologias de velocidade. Ilustramos esta reflexão com uma epígrafe de McLuhan, os homens criam as ferramentas, as ferramentas recriam os homens. Steven Johnson, ao discorrer sobre os meios de comunicação como extensões do homem, afirma que assim podemos entender bem o que o mesmo quer dizer com slogan; o meio é a mensagem204. Os meios de comunicação moldam nossos hábitos e pensamento e isso pode ser verificado nas respostas dos estudantes. Moldam, também, a relação desses estudantes com a máquina, que interfere nos seus relacionamentos, nas suas organizações e a influência da velocidade na sociedade capitalista, onde a economia, a pressa, determinam as maneiras de ser, de se relacionar e se organizar entre as pessoas. A situação em que os pesquisados mais usam a escrita/leitura digital é para interagir com os amigos, como pode ser conferido no (GRAF. 3). 203 Transcrição na íntegra, como os estudantes escreveram no questionário. JOHNSON, Steven. Cultura da interface: como o computador transforma nossa maneira de criar e comunicar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001, p. 9. 204 93 Em que situação você mais usa a escrita/leitura digital? 0,67% 10,0% 3,33% 11,33% Fazer atividades escolares Interagir com os amigos Passa tempo Fazer pesquisa Outras 10,67% Sem resposta Nula 14,67% 49,33% GRÁFICO 3 Nesse item (GRAF. 3) buscamos verificar em que situação os estudantes mais usam a escrita/leitura digital. Verificamos que 49,33% a usam para interagir com os amigos. Retomamos aqui a questão das carências, a implementação da solidão física que se estabeleceu a partir da implementação dos relacionamentos virtuais em detrimentos dos presenciais. Porém, a necessidade de viver e se organizarem em bando, característica comum entre os jovens, se mantêm. Destacamos o baixo uso da leitura e escrita como instrumento e fonte de pesquisa. Por isso, o computador, conectado na Internet, poderia ser uma fonte inesgotável de informação, elaboração, estruturação e construção do conhecimento. E isso pode ser confirmado em Carla Coscarelli, quando aponta que o computador pode ser um forte aliado da escola, pois os recursos da informática são muito sedutores, além de imprevisíveis para a formação de um cidadão letrado205. Onde a escrita dos estudantes pesquisados é mais livre, criativa 206 Verificamos que o MSN Messenger é o espaço onde mais usam a escrita livre, criativa, com 62,0% em seguida vem o Orkut com 24,0%. Nesse item foi apresentada a opção ‘se possível justifique sua resposta’. O MSN Messenger é o espaço que em os estudantes se sentem mais livres para 205 COSCARELLI, Carla Viana e RIBEIRO, Ana Elisa (orgs.). Letramento digital: aspectos sociais e possibilidades pedagógicas. Belo Horizonte: Ceale; Autêntica, 2005, p. 39. 206 Cf. Anexo E Gráfico e Tabela anexo F. 94 expressar, com criatividade e ousadia, a sua escrita, é o lugar onde quebram a norma padrão da escrita, usam ícones, emoticons, smiles, elementos paralingüísticos, oralidade, etc.. Destacamos algumas respostas dos estudantes como: é onde eu entro na internet com mais freqüência / escrevo do jeito que falo não me preocupo / pois são amigos / lá é onde posso escrever como quiser / todos vão me entender / me sinto mais à vontade e é mais rápido, lá posso me expressar de várias formas, posso escrever do meu modo / que meus colegas entenderão / porque com amigos a criatividade se solta mais / porque é instantâneo daí tenho que ser rápido, por isso nem ligo com a forma da escrita / porque eu converso com meus colegas e ao mesmo tempo escrevo. Depois da invenção do MSN Messenger, os Chats perderam um pouco do prestígio. O MSN Messenger é também o espaço que mais apresenta discussões e preocupações quanto à modalidade de escrita que poderia modificar ou interferir no uso da escrita convencional. Conforme Else Martins é aonde, com mais evidência, as tecnologias das comunicações vêm instaurando novas formas de comunicação e o aperfeiçoamento das já existentes. Os elementos paralingüísticos servem de pretexto para acusar a escrita on-line de vilã da falência da escrita da Língua Portuguesa207. Porém há que se considerar que esse fenômeno na escrita não ocorre somente na Língua Portuguesa. Portando, se isso for considerado como ameaça à língua portuguesa poderia ser também uma ameaça a outras línguas que, também, no ciberespaço, lançam mão de recursos semelhantes aos usados na Língua Portuguesa. Se os estudantes pesquisados lêem todas as mensagens que recebem do início ao 208 fim . Buscamos saber como eles lidam com os textos que recebem no ciberespaço da Internet, uma vez que observamos que as trocas de informação são intensas e se apresentam com muita diversidade de apresentação de textos. Verificamos que 50,0% afirmaram que lêem e em seguida 38,0% alegaram que superficialmente. Portanto não sabemos se há qualidade nesse tipo de leitura e se há aquisição de conhecimento a partir dessas leituras. Sobre o que mudou na escrita dos estudantes pesquisados ao fazerem uso da leitura/escrita digital209, verificamos que existem controvérsias, pois, há os que alegam que houve mudanças para pior, outros alegam que as mudanças foram para melhor e os que alegam, não houve mudanças. E sobre isso Else Martins, afirma que percebemos poucas características da linguagem dos chats nos textos escritos de seus alunos. Ela acredita que as 207 SANTOS, Else Martins dos. In COSCARELLI, Carla Viana e RIBEIRO, Ana Elisa (orgs.). Letramento digital: aspectos sociais e possibilidades pedagógicas. Belo Horizonte: Ceale; Autêntica, 2005, p. 152. 208 Cf. Anexo E Gráfico e Tabela Anexo F. 209 Cf. Anexo E Gráfico e Tabela Anexo F 95 críticas a esse respeito é de quem pensa a língua como forma, não enxergando coerência, integração e eficiência pragmática 210 . Destacamos respostas que se referem a mudanças para pior como: às vezes tenho dificuldades para escrever algumas palavras / às vezes uso sem perceber em textos formais / às vezes você escreve no caderno igual no computador / comecei a pegar as manias de escrever errado ou com palavras reduzidas / erro de ortografias / eu escrevo as palavras do jeito que pronuncio / muitas vezes piorou, pois, uso muita gíria assim gera muitos erros ortográficos / passei errar mais / tenho mais erros de português, escrevo as palavras abreviadas. Respostas que se referem a mudanças para melhor: passei a interpretar melhor / passei a reparar mais os erros graves que cometia /aprendi novas palavras com significados que nem imaginava que existisse aumentando assim a minha linguagem cultural / ganhei habilidade na digitação / ganhei mais conhecimento / melhorou a ortografia / melhorou a leitura / melhorou o jeito de falar / melhorou os meus conhecimentos gerais e facilitou os meus estudos / passei a reparar mais os erros graves que antes cometia. Em contrapartida as mudanças que verificamos, tanto para pior, quanto para melhor, registramos respostas que asseguram que não mudou nada como: nada que tenha notado / nada, diferencio a hora de usar a escrita digital e a hora de usar a escrita mais culta / nenhuma mudança significativa / não mudou nada porque quando uso a escrita digital é para a conversa ficar mais rápida / não mudou nada, sei diferenciar / nada, eu me policio para não escrever errado, ou abreviado / nada, diferencio sempre uma coisa da outra e não misturo. Registramos também a repetição intensa das palavras: rapidez / simplificações e abreviar (com suas variantes, abreviaturas, abreviação, abreviações, abreviado, abreviada), que associamos com a economia da escrita e a pressa. Esse aspecto já foi discutido nessa pesquisa e que reforça nossa hipótese de que é demanda contemporânea, a pressa. Mediante as tecnologias da velocidade, estamos fadados a ser como o coelho, personagem do livro Alice no país das maravilhas: estou atrasado, muito atrasado. Concluímos, nesse item, que mudanças podem ser percebidas sim, porém, não sabemos a extensão dessas mudanças e se os prejuízos ou os ganhos são tão significativos, mas asseguramos que há implicações e que estas devem ser elementos de atenção, intervenção e discussão nos espaços escolares. Não para trazer essa escrita do ciberespaço para os 210 SANTOS, Else Martins dos. In COSCARELLI, Carla Viana e RIBEIRO, Ana Elisa (orgs.). Letramento digital: aspectos sociais e possibilidades pedagógicas. Belo Horizonte: Ceale; Autêntica, 2005, p. 153. 96 espaços escolares como opção de uso nas tarefas escolares, mas como elemento de análise e estudo, para objetivar melhorias no aprendizado da língua padrão. E, também, sobre os benefícios que a língua possibilita como recuso de socialização, benefícios do intercâmbio cultural e compreensão das diferenças nas relações humanas. Se os estudantes escrevem mais ou menos, depois de fazerem uso da escrita/leitura digital, percebemos que é relativo de acordo com nossa pesquisa. Conferir (GRAF. 4). Você escreve mais ou menos depois de fazer uso da escrita/leitura digital? Escrevo e leio mais Escrevo e leio menos 1,33% Não mudou nada Sem resposta 37,33% 49,33% 12,0% GRÁFICO 4 O objetivo, nesse item, foi saber se os estudantes pesquisados, ao fazerem uso da escrita e leitura digital, escrevem mais ou menos. Observamos que um número até significativo de 49,33% dos pesquisados, afirmam que não mudou nada. Em seguida, 37,33% afirmam que lêem e escrevem mais. Muitos relatam que passaram a abreviar mais as palavras, isto é, uso da economia da escrita, outros afirmam que pegaram as manias de como escrevem no computador. O que percebemos é que são diversificadas as respostas. Quanto a essa polêmica, Else Marins afirma em sua pesquisa que, com freqüência, dizem que ‘o adolescente não lê!’. Mas na realidade é que ele não lê a literatura de prestígio. Afirma ainda que o 97 adolescente está em permanente contato com a leitura, tendo acesso, diariamente, a inúmeros gêneros de textos211. E, conseqüentemente, ele faz uso da escrita. Nesse aspecto, vemos que cabe à escola uma reflexão sobre isso e até mesmo intervenções para saber lidar com essa situação. Se a escrita dos estudantes pesquisados melhorou ou piorou veja a seguir (GRAF. 5). Melhorou ou piorou a qualidade de sua escrita e leitura? Melhorou 0,67% Piorou Não Mudou Sem resposta 28,67% 56,0% 14,67% GRÁFICO 5 Constatamos que 56,0% dos estudantes pesquisados alegaram que não mudou a qualidade de leitura/escrita. Outros 28,67% afirmam que melhorou. No entanto, 14,%67% afirmam que piorou. Retomamos essa discussão na análise das respostas dos educadores, onde confrontaremos os resultados. 211 SANTOS, Else Martins dos. In COSCARELLI, Carla Viana e RIBEIRO, Ana Elisa (orgs.). Letramento digital: aspectos sociais e possibilidades pedagógicas. Belo Horizonte: Ceale; Autêntica, 2005, p. 152. 98 3.3 A escrita e a leitura dos educadores: análise dos questionários dos educadores Para analisarmos sobre a leitura e escrita dos educadores, traçamos primeiro, o perfil dos mesmos com dados sobre idade, sexo e escolaridade. Depois informações culturais e, por último, dados, sobre a escrita/leitura digital. Nesse item buscamos verificar a relação dos educadores com a escrita e leitura digital e como percebem essa realidade nos estudantes. Sobre a idade (GRAF. 6), verificamos que a maioria está acima de trinta e cinco anos, fato relevante para nosso estudo. Idade: De 26 a 30 anos De 31 a 35 anos Mais de 35 15,79% 10,53% 73,68% GRÁFICO 6 A maioria dos educadores pesquisados estão acima de trinta e cinco anos: 73,68%. Esse fato mostra que os educares pesquisados fazem parte de uma geração que está se socializando com a informática, que também envolve a Internet, mais tarde do que seus alunos. Seriam os educadores híbridos em relação realidade virtual/digital, isto é, aprenderam ou ainda estão aprendendo a lidar com a realidade mais tarde do que seus alunos, que nasceram no final do século XX. De acordo com essa realidade, Else Martins afirma que a comunicação eletrônica está presente na vida de nossos jovens já há bastante tempo. Para esses jovens, nascidos no final do século XX, ligar um computador, desenvolver sites, 99 conversar na rede através de blogs, fotoblogs, MSN Messenger, enviar e-mails ou participar de fóruns é algo absolutamente corriqueiro212. Ao passo que, para muitos educadores, é uma realidade totalmente nova. E nem sempre possuem habilidades desenvolvidas para tal. Esses educadores que estão acima de trinta e cinco anos, trabalham com estudantes que vivenciam uma realidade no ciberespaço, que muitas vezes está distante de suas atividades diárias. Como por exemplo, o uso de modalidades e gêneros lingüísticos que não fazem parte do discurso dos educadores. É um fato que nos instiga saber, como isso se estabelece nas suas relações diárias em sala de aula. Haveria algum impacto, ou algum malestar em relação a isso? São interrogações que buscamos responder através dessa pesquisa. Dos educadores pesquisados213, a população masculina apresenta-se um pouco maior em relação à feminina. Dos pesquisados, 63,2% é masculino. Esse resultado poderia justificar que os homens atuam mais nas últimas séries do Ensino Médio e Ensino Universitário. Certificamos que 52,6% dos educadores pesquisados214 possuem curso de pósgraduação e 10,5% possuem curso de mestrado. Esse resultado sugere que os educadores estão investindo em atualizações. E isso é uma das demandas do mercado de trabalho. Sobre as informações culturais 215 dos educadores, constatamos que a principal fonte de informação é o telejornal com 21,1%, seguido pelo jornal escrito e, depois, a Internet. No item sobre a freqüência com que os educadores lêem livros216, observamos que os hábitos de leitura dos pesquisados são significativos. Os dados mostram que 63,16% afirmaram que lêem um livro por mês, seguido de 15.79% que lêem mais de um livro por mês. Para saber a relação que os educadores têm com a escrita/leitura digital verificamos a freqüência com que eles fazem uso da escrita/leitura digital (GRAF. 7). 212 SANTOS, Else Martins dos. In COSCARELLI, Carla Viana e RIBEIRO, Ana Elisa (orgs.). Letramento digital: aspectos sociais e possibilidades pedagógicas. Belo Horizonte: Ceale; Autêntica, 2005, p. 151. 213 Cf. Gráfico Anexo G e tabela Anexo H 214 Cf. Gráfico Anexo G e tabela Anexo H 215 Cf. Anexo G Gráfico e Anexo H Tabela. Nesse item anulamos dez respostas porque os pesquisados marcaram mais de uma alternativa. O enunciado estava no singular e a palavra principal estava em negrito, mesmo assim, ocorreram equívocos. Isso sugere que o resultado pode te ficado prejudicado. 216 Cf. Anexo G Gráfico e tabela Anexo H 100 Com que freqüência você faz uso da escrita/leitura digital? Sempre Ás vezes 21,05% 78,95% GRÁFICO 7 Nesse item, foram apresentadas três opções de respostas (sempre, às vezes e nunca). No entanto, não houve nenhuma opção marcada em nunca. A freqüência com que os educadores pesquisados fazem uso da leitura/escrita digital: 78,9% afirmaram que sempre e 21,05%, às vezes. A partir desse resultado levantamos a hipótese de que seria a escrita/leitura digital uma realidade também na vida dos educadores, assim como na dos estudantes pesquisados. Com relação ao lugar em que os educadores mais fazem uso da escrita digital217, entre as opções Internet, celular e outros, a Internet é o lugar de maior uso da escrita digital com 84,2%. Esse resultado mostra que a Internet faz parte da vida dos educadores assim como da vida dos estudantes pesquisados, conforme já observamos na análise do questionário dos estudantes. E o lugar onde os pesquisados mais acessam a leitura digital218 é também a Internet, com 89,5%. Poderia ser pelo fato de ser o mesmo espaço onde os pesquisados fazem uso da escrita. Dessa maneira observamos que a Internet está presente na vida dos pesquisados. 217 218 Cf. Gráfico Anexo G e tabela Anexo H Cf. Gráfico Anexo G e tabela Anexo H 101 Perguntamos onde, na Internet, mais usam a leitura/escrita digital219. Foram dadas as seguintes opções de respostas: MSN Messenger, Orkut, E-mail e outros. Dos educadores pesquisados, 52,6 % afirmaram que é o E-mail, 15,8% afirmaram outros, e 5,3% usam o MSN Messenger. Observamos, nesse item, que os resultados são bastante diferentes, se comparados com o dos estudantes que usam mais o MSN Messenger e Orkut. Os educadores nem mencionam o Orkut. Isso nos sugere que ambos fazem uso da Internet, porém em espaços diferentes. Sobre de que forma escrevem nos espaços digitais220, 42,11% dos educadores pesquisados afirmaram que seguem a norma culta para escrever, 31,6% escrevem de acordo com o espaço de que estão fazendo uso e 21,1% escrevem de forma mista. A soma dos que escrevem de forma mista e os que escrevem de acordo com o espaço de que fazem uso resulta no total 52,7%, resultado superior aos que somente seguem a norma culta. A partir desse resultado, levantamos a hipótese se seria a modalidade de escrita dos espaços digitais uma realidade aceitável pelos educadores. Buscamos saber dos educadores sobre as vantagens ou desvantagens que a modalidade de escrita/leitura digital oferece. Foi um item de resposta aberta221. De acordo com as respostas dos educadores, destacamos como vantagens: agilidade, rapidez, comunicação mais ágil, fluxo de informação, interesse pela leitura aumentou, a comunicação acontece de forma mais rápida, foram as respostas que mais se repetiram. A repetição da palavra agilidade ou os sinônimos correspondentes expressam preocupação com o tempo, com a economia de tempo, um fato relevante para os educadores, que foi também apresentado pelos estudantes pesquisados. Seriam preocupações comuns entre os pesquisados ou seria uma preocupação própria da contemporaneidade? Como desvantagens destacamos as seguintes respostas: acaba com a língua culta, banalidade da língua, o uso inadequado da língua escrita, disseminação da forma coloquial na escrita. A partir desse resultado, concluímos que há vantagens e desvantagens significativas. Sugere um desafio para os educadores administrarem. Para saber como os educadores percebem a escrita/leitura dos estudantes, propusemos três opções de respostas: ‘como problema’, ‘naturalmente’ e ‘não me preocupo’222 (GRAF. 8). 219 Cf. Gráfico Anexo G e tabela anexo H Cabe esclarecer que nesse item da pesquisa foram anuladas 26,3% das respostas pelo fato de terem marcado mais de uma resposta. 220 Cf. Gráfico Anexo G e tabela A nexo H. 221 Essa opção não constou no (GRF. 8) porque nenhum dos pesquisados a marcaram. 102 Como você percebe o uso da escrita/leitura digital em seus alunos? Como problema Naturalmente 42,11% 57,89% GRÁFICO 8 A escrita e a leitura digital dos alunos são vistas, naturalmente, por 57,9% dos educadores pesquisados e, como problema por 42,11%%. Nenhum dos pesquisados marcou a opção ‘não preocupo’. Também foi apresentada a opção ‘se possível, justifique sua resposta’. Dentre as respostas dadas, destacamos as seguintes: o uso incorreto de escrever a forma culta da linguagem, a leitura digital está afastando-os da leitura impressa, erros graves de português, Orkut e MSN Messenger atrapalham muito o aluno, o mundo exige praticidade e agilidade, vejo como um processo de comunicação e evolução da escrita/leitura, essa forma de comunicação veio para ficar, não temos como lutar contra. Observamos que a preocupação dos pesquisados com o tempo é retomada neste item. Sobre o que mudou na escrita/leitura dos alunos depois que eles passaram a fazer uso da escrita/leitura digital, foi um item de resposta aberta. De acordo com as respostas dos educadores pesquisados, destacamos algumas respostas como: passaram a escrever mais errado e ler menos (livros), os erros gramaticais se tornaram mais freqüentes, usam muito abreviações, palavras sem acento, frases com omissões, estão mais ‘econômicos’ com as palavras e o vocabulário, piorou... e muito, muitas abreviações inadequadas e um simbolismo que às vezes não entendo, a maioria dos alunos escrevem da maneira que falam, usando siglas etc. Verificamos, a partir dessas respostas que muitos dos educadores afirmam que houve mudanças na escrita/leitura dos seus alunos. 103 E na escrita/leitura dos educadores pesquisados o que mudou, foi também um item de resposta aberta. A maioria dos pesquisados afirmaram que não mudou ou que não perceberam mudanças. Porém há os que afirmam: leio e escrevo com mais freqüência, melhorou; preocupo-me com aquilo que escrevi, tenho aprendido mais, agilidade no fluxo de informações. As respostas sugerem que para alguns houve mudanças e essas, provavelmente, estão associadas com a relação que os educadores mantêm com a escrita/leitura digital. Como os educadores percebem a escrita dos estudantes223, após fazer uso da escrita e leitura digital (GRAF. 9). Depois de fazer uso da escrita/leitura digital os alunos? Escrevem e lêem mais 5,26% 5,26% 5,26% Escrevem e lêem menos Não mudou nada Sem resposta 84,21% GRÁFICO 9 Nesse item, de acordo com as respostas dos educadores, 84,2% afirmam que os estudantes escrevem e lêem menos. De certa forma concordamos com esse resultado. Os estudantes, na maioria das vezes, só lêem e escrevem, quando obrigados a resolver tarefas escolares muito importantes, onde o professor propõe distribuição de pontos. É o que os educadores afirmaram em conversa informal durante o desenvolvimento dessa pesquisa. Seria uma controvérsia se afirmássemos o contrário, mas isso é uma realidade, quando se trata de 223 Cf. Tabela Anexo H 104 leitura/escrita impressa. Quando se trata do uso da informática aliada à Internet, consideramos que os estudantes lêem e escrevem muito mais. Em outro aspecto, há que considerar também, quando Else Martins afirma que o adolescente está em permanente contato com a leitura, com inúmeros gêneros de textos como panfletos, revistas, outdoors, faixas, jornais em ônibus, cartazes em supermercados e lojas em geral, músicas que escutam, cantam e copiam com avidez, e ainda blogs, sites, chats entre outros224. Ao considerar esses aspectos, compreendemos que os estudantes se apresentam com menos disposição para ler e escrever sobre atividades gerais do seu cotidiano escolar, mas se ocupam com outras formas de leitura/escrita do ciberespaço e desse mundo cada vez mais imagético. De acordo com as respostas dos educadores, na opção ‘se possível, justifique sua resposta’, destacamos algumas respostas como: os jovens em sua maioria não sentem prazer em ler e como conseqüência escreve menos, há um empobrecimento da leitura e escrita, simplesmente não escrevem, se comunicam com códigos ou gírias, as informações são rápidas, mas os alunos não aprendem nada, eles esquecem tudo, a forma tradicional de leitura e escrita é muito lenta para eles! A partir destas informações destacamos que a escrita/leitura convencional apresentam problemas no olhar dos educadores. De certa forma percebemos que há mudanças de atitudes dos estudantes, ao lidarem com a escrita/leitura convencional, depois de fazerem uso da escrita/leitura digital. Outro aspecto que percebemos nesse item, baseados nas respostas dos educadores, é a forma que os estudantes lidam com o aprendizado que envolve a memória. Observamos que eles não se sentem obrigados a memorizar conteúdos, como afirmam os educadores: eles esquecem tudo. Percebemos que as formas que os estudantes lidam com a memória e assimilação dos conteúdos acontece de forma diferente após o uso de computador e da Internet. Como os educadores vêem a qualidade da escrita/leitura de seus alunos (GRAF. 10). 224 SANTOS, Else Martins dos. In COSCARELLI, Carla Viana e RIBEIRO, Ana Elisa (orgs.). Letramento digital: aspectos sociais e possibilidades pedagógicas. Belo Horizonte: Ceale; Autêntica, 2005 p. 152. 105 Melhorou ou piorou a qualidade de escrita/leitura deles? 5,26% 5,26% Melhorou Piorou Não mudou 89,47% GRÁFICO 10 Na opinião dos educadores, 89,5% alegam que a escrita/leitura piorou. Somente 5,3% alegam que melhorou e 5,3% afirma que não mudou nada. Seria a escrita/leitura digital uma ameaça à escrita/leitura convencional? É uma hipótese. Ainda nesse mesmo item ‘se possível, justifique sua resposta’, destacamos as seguintes respostas: escrevem da mesma forma que a escrita digital / os jovens, de um modo geral, têm preguiça de ler e escrever / não sabem interpretar, relatar um fato nem uma simples narrativa / um empobrecimento geral, muito simbolismo, que para a idade deles, ou melhor, para a geração deles faz sentido, mas não para minha geração / parece que piorou, é muito sério afirmar com toda convicção que piorou / as palavras são abreviadas, que horror!. Certificamos que há um conflito entre os educadores e estudantes que poderíamos caracterizar como conflito de gerações e problemas com o ensino e aprendizagem da língua materna. Um desafio para a escola e educadores, como já citamos nessa pesquisa. Esse resultado permite, previamente, concluir que há mudanças sim, porém não se sabe bem onde se percebem melhoras, pioras e as implicações que envolvem. Demanda mais estudo sobre essa questão e até mesmo porque é uma realidade que se apresenta em mutação. Consideramos cedo para medir as conseqüências e os rumos que possa tomar essa questão. Asseguramos que o mercado da informática, junto à Internet, está em constante mutação e oferece novidades cada vez mais sofisticadas para edição de textos, programas de revisão ortográfica e dicionário eletrônico. 106 Que as expectativas os educadores têm sobre o futuro da escrita/leitura digital foi um item de resposta aberta, com opção de, ‘se possível, justifique sua resposta’. Nas diversas respostas destacamos: a língua portuguesa, já é complexa por natureza, deverá sofrer modificações / acho que essa modalidade veio para ficar, porém é preciso saber, e bem, a norma culta da língua, e mais, saber quando usar uma e outra / de forma preocupante, hoje, a informática faz parte de nossas vidas / os alunos não se preocupam em aprender / Torre de Babel Digital / A língua é viva e está sujeita a mudanças! / Há dois caminhos: a acomodação ou a valorização da linguagem culta! / Assim como o aluno não sabe fazer contas, não vão saber escrever na linha. Percebemos que as expectativas dos educadores são preocupantes e demandam atitudes e intervenção da escola para lidar com essa realidade. Mediante esses dados apurados, desconhecemos as dimensões dos problemas e as implicações que essa modalidade de escrita possa trazer para a formação dos alunos no que tange ao domínio de escrita e leitura padrão. Porém, estamos certos de que há necessidade de intervenções nas práticas de leitura e escrita dos estudantes. 107 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com o desenvolvimento das tecnologias e velocidades, a difusão e edição da escrita e a leitura ganham novos suportes de edição e divulgação. Conseqüentemente, novas práticas de leitura e escrita são constituídas. No ciberespaço, emergem gêneros lingüísticos que se perpetuam e apontam mudanças nas práticas educacionais, nas organizações sociais e na construção do discurso na sociedade. Ao realizar essa pesquisa, observamos que há uma grande preocupação dos educadores com a qualidade de escrita e leitura dos alunos nas escolas pesquisadas. Percebemos que os alunos mostram menos interesse e motivação pela leitura e escrita convencionais. A preocupação com o tempo é evidente nas atitudes e na forma com que lidam com a escrita e a leitura. Pautam-se por atitudes que possibilitam economia de tempo. Essa pesquisa possibilitou-nos levantar muitas questões. Algumas apresentam respostas, outras comportam mais estudo e outras, sugerem e, até mesmo, possibilitam outras pesquisas. Nosso trabalho apresentou um esforço para compreender sobre as práticas de leitura/escrita que acontecem no ciberespaço de sites de relacionamentos, enfatizando o MSN Messenger e o Orkut. Compreender que língua é essa e quais os impactos, ou seja, as implicações que podem ser percebidas na escrita/leitura convencional dos alunos, nos espaços escolares, foi um dos nossos objetivos. Seria a hibridização das línguas, onde os discursos se misturam e incorporam a outros elementos paralingüísticos na escrita? Como afirma Lúcia Santaella, a hibridização já está incorporada na essência da própria linguagem hipermidiática225. Buscamos aguçar e potencializar reflexões sobre essas implicações que atingem o uso e a aprendizagem da escrita convencional. Apontamos as mudanças que se estabelecem e são percebidas na contemporaneidade através das tecnologias e velocidades, principalmente nos meios de comunicação e que podem interferir nas práticas de leitura e escrita convencional, que envolvem também o virtual/digital; o uso da oralidade na escrita convencional, quando se faz necessário o uso da língua padrão. As trocas de letras nos parecem como o maior problema. Há também, a questão da memorização visual e auditiva que podem interferir no uso da escrita padrão. 225 SANTAELLA, Lúcia. Culturas e artes do pós – humano: da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2ª edição, 2004, p. 147. 108 Buscamos saber também como os educadores percebem os problemas das práticas de escrita e leitura e como isso ganha sentido nos espaços escolares. E que demandas podem ser percebidas nos espaços escolares com relação à escrita/leitura convencional. Através dos questionários, observamos e confirmamos nossa hipótese de que a escola não é receptiva e não reconhece a modalidade de escrita e leitura do ciberespaço de site de relacionamentos, como um meio de comunicação possível para as atividades escolares. Os educadores temem que, os alunos, ao fazerem uso dessa modalidade, possam adquirir vícios de escrita e dúvidas quanto ao domínio da ortografia, das estruturas formais do texto, dos gêneros discursivos e outras implicações que envolvem o ensino e a aprendizagem da língua. Os educadores alegam que, ao fazerem uso dessa modalidade de escrita e leitura, os alunos escrevem e lêem menos. Demonstram pioras na qualidade de suas atividades de escrita e leitura. Alegam também que o uso repetitivo da escrita e leitura incorreta são preocupantes, de modo geral. Isso foi certificado através dos relatórios de respostas dos questionários dos educadores. Observamos através da pesquisa que as escolas pesquisadas fazem uso de leitura e escrita convencional nas situações de aprendizagem. A escrita e a leitura do ciberespaço de sites de relacionamentos são usadas somente para interagirem com amigos no ciberespaço, fora dos ambientes escolares. Isso foi o que percebemos ao conferir os conteúdos dos livros didáticos e ao analisar os questionários. Cabe ressaltar, também, que o livro didático de Língua Portuguesa, adotado na Escola Dr. Abílio Machado226 faz parte do Programa Nacional de Livro Didático (PNLD). No Colégio Losango227 utilizam-se apostilas, próprias do Sistema de Ensino. Em debates com os educadores, verificamos que há abordagens feitas por eles, em classe, sobre esse assunto, onde destacam que o uso da escrita deve ser de acordo com cada interlocutor e com os espaços dos quais fazem uso. Para tal é estudado as variantes do discurso. 226 O livro adotado nessa escola faz parte do Programa Livro na Escola 2005, do Governo do Estado de Minas Gerais. É um livro de volume único, utilizado nas três séries, cuja autoria é: AMARAL, Emília, et al. Novas Palavras: Português – Ensino Médio. 2ed. São Paulo: FTD, 2003. Está dividido em três partes: literatura, gramática, redação/ leitura. Observamos que mais de 50% do livro é dedicado à literatura com 315 p. (51,47%), redação e leitura 110 p. (17,97%), gramática com 187 p. (30,56%) num montante de páginas 612 páginas. Para mais informação sobre o livro didático na escola cf. no site: http://www.educacao.mg.gov.br/index.asp?ID_PROJETO=28&ID_OBJETO=25726&ID_PAI=24437&tipo=Obj eto 227 As apostilas são organizadas em forma de cadernos, um caderno por bimestre que compõe todas as disciplinas do curso, distribuído em quatro bimestres por ano. O conteúdo de Língua Portuguesa está dividido entre gramática/texto e literatura. A referência é; Anglo: ensino médio: apostila caderno. São Paulo: 2002, Gráfica e Editora Anglo Ltda. 109 Ao verificarmos a relação das práticas de leitura e escrita do ciberespaço de sites de relacionamentos com as convencionais, das quais professores e alunos fazem uso, verificamos que essa questão perpassa por múltiplas preocupações. Como por exemplo, o hábito de leitura dos estudantes nos livros impressos deixa a desejar e, conseqüentemente a escrita é um problema sério nas escolas. O índice de estudantes que apresenta dificuldades com a leitura e escrita convencional é significativo e deixa preocupado o corpo docente das escolas. Os estudantes apresentam dificuldades ao ler, escrever, interpretar as tarefas escolares corriqueiras. Conseqüentemente, apresentam resultados baixos nas atividades avaliativas. As queixas dos professores são generalizadas neste aspecto, é o que confirmamos em debates no decorrer da realização desta pesquisa. O uso da oralidade na escrita é preocupante. Por outro lado, os estudantes possuem o domínio da escrita/leitura virtual/digital com as variantes que as envolvem. Muitos apresentam competência, domínio e fluência e as praticam no ciberespaço sem resistências, com criatividade, por prazer e entretenimento. Sabemos que as escolas, para administrarem seus objetivos, conflitos, demandas e nortear o ensino, contam com as políticas pedagógicas que zelam pelas questões do ensino. Essas políticas pedagógicas contam, na sua elaboração, com intelectuais brasileiros e até mesmo estrangeiros de diversas áreas dos saberes. As que se referem ao ensino da Língua Portuguesa determinam que a escola deve preparar o aluno para a vida, qualificando-o para o aprendizado permanente e para o exercício da cidadania. Nesta mesma direção, retomamos o discurso que está implícito no CBC quando diz que a linguagem é atitude interativa em que nos construímos como sujeitos sociais, autores e interlocutores capazes de usar a língua materna para expressar em variedades e registros de linguagem pertinentes e adequados às diferentes situações comunicativas. Tal propósito implica o acesso à diversidade de usos da língua, em especial às variedades cultas e aos gêneros de discurso do domínio público que as exigem, condição necessária ao aprendizado permanente e à inserção social. A aprendizagem, no universo dos conteúdos disciplinares, é um processo de construção contínuo. Compete aos educadores mediar processos para o desenvolvimento dos estudantes. É através da escrita e leitura que os cidadãos adquirem, assimilam e apropriam dos bens culturais e se constituem sujeitos. Os educadores devem possuir conhecimentos, competências e responsabilidade de formar e informar seus alunos, preparando-os para o trabalho e para a vida e isso está previsto na legislação e nos direitos da criança e adolescente. 110 Cabe à escola reconhecer que um dia ela foi a detentora228 do conhecimento. Hoje com as estruturas dos saberes abalados, uma característica contemporânea, novas demandas são atribuídas à escola e a escrita e a leitura são um desses desafios. Com relação ao uso da informática, na educação, linguagem e cognição, Carla Coscarelli afirma que a informática, fruto das evoluções tecnológicas, pode ser um recurso considerável para se trabalhar o desenvolvimento da aprendizagem dos estudantes. A informática propicia múltiplas possibilidades e opções de sites que oferecem informação e entretenimento que podem ser explorados nas tarefas escolares229. Portanto, nada impede o uso da informática nas salas de aulas como uma ferramenta para a construção dos saberes. Depois de realizarmos esse estudo sobre as práticas de leitura/escrita ao longo da história e as atuais que envolvem virtual/digital no ciberespaço e sobre as práticas de leitura/escrita nas escolas de Ensino Médio da cidade de Formiga-MG, concluímos que a escola deve estar atenta às mudanças de cada época e compreendê-las. Porém faz-se necessário uma postura firme e consciente de sua atribuição. Nessa direção concordamos com a afirmativa de Jean Hébrard quando afirma que, na escola, é preciso haver um objeto fixo, que não mude demais. O grande desafio de hoje é reinventar uma escola que seja capaz de assumir uma posição adulta. O mesmo, cita que concorda com a posição de Hannah Arendt, quando ela afirma que na crise da cultura, a função da escola é assumir a posição do passado, não a posição do futuro, porque o futuro é a invenção da nova geração. Não pode ser a invenção da geração precedente. Para que a nova geração possa inventar o futuro é preciso que a antiga geração, nós, os professores assumamos a posição de passado230. Entendemos que a escola deve ser um referencial, um porto seguro, na qual os estudantes possam se espelhar. Jean Hébrard discorre que a ação humana não pode esperar o modelo. É preciso haver uma ação antes de se estar seguro de que um bom modelo existe231. Nessa direção, verificamos que a linguagem líquida, do ciberespaço está em constituição, não é normatizada, apenas convenções entre grupos. Ela possui certa plasticidade, liquidez, leveza, porém com sua densidade, complexidade e implicações. Suas características não estão normatizadas. Nesta direção ressaltamos a importância da escola estar atenta ao que acontece fora de seu espaço, não para trazer a rua para dentro da escola, como citamos em Juarez 228 Considera-se que a escola até aqui era a detentora do conhecimento. O fim do século XX, com as novas tecnologias, configura-se com o rompimento de fronteiras e estruturas rígidas onde o ser já não mais o é. O conhecimento se desloca de seu trânsito, de seu lugar. 229 Ver COSCARELLI, Carla e RIBEIRO, Ana Elisa (orgs). Letramento Digital: aspectos sociais e possibilidades pedagógicas. Belo Horizonte: Ceale; Autêntica, 2005, p. 25-40. 230 HÉBRAD, Jean (2000). “O objetivo da escola é a cultura, não a vida mesma (em entrevista)”, Presença Pedagógica, vol. 6, nº 33. Belo Horizonte, Dimensão. 231 Ibidem. 111 Dayrell, mas para compreender e saber lidar com as experiências culturais de interação e sociabilidade, interatividade e entretenimento que envolve os jovens. Nosso trabalho procurou refletir sobre os conflitos, resistências e adaptações efetuadas por estudantes e educadores frente às transformações pelas quais as práticas de leitura e escrita estão passando em função da emergência do mundo virtual/digital. Ao concluir esse estudo de pesquisa, acreditamos que, no universo e na complexidade que o tema demanda, é possível perceber que problemas existem nas práticas de leituras e escrita convencionais. E reconhecemos que isso se acentuou com as práticas de leitura e escrita do ciberespaço de sites de relacionamentos que envolvem virtual/digital, principalmente nos espaços onde os estudantes fazem uso da escrita e leitura livre de normas convencionais. Essa realidade implica na alfabetização e no letramento dos estudantes. A escrita e a leitura virtual/digital podem trazer benefícios ao ensino, porém a escola deve estar atenta e há que fazer intervenções, conforme constatamos. Segundo Lucia Santaella as mudanças cognitivas emergentes anunciam um novo tipo de sensibilidade perceptiva sintética e uma dinâmica mental distribuída que essas mudanças já colocaram em curso e que deverão sedimentar-se cada vez mais no futuro232. Desejamos que essa pesquisa tenha contribuído aos interessados nesse tema: práticas de leitura e escrita, enquanto constituidoras dos sujeitos Que o diálogo e a compreensão de uma possível ecologia cognitiva233 entre as práticas de leitura/escrita convencional e a virtual /digital sejam um incentivo para possíveis trabalhos de pesquisa em função de melhor capacitação do aprendizado e domínio da linguagem nas suas diversas variantes discursivas. Que escrita e leitura virtual/digital possam ser identificadas e compreendidas como mais uma possível forma de comunicação, interações, interlocuções, sociabilidade e entretenimento dos sujeitos nos diversos gêneros dos discursos que se estabelecem na sociedade, a partir do desenvolvimento das tecnologias da comunicação. Porém, sem perder de vista a sua originalidade, sua normatização, importância e formalidade. Saber o lugar que ela ocupa na identidade cultural de um povo, como ferramenta de apropriação da cultura, aquisição de conhecimento e de intercâmbio cultural e científico. Retomamos a questão principal deste nosso trabalho de pesquisa para finalizar nossa reflexão sobre as práticas de leitura e escrita interativas dos estudantes no ciberespaço de sites de relacionamentos. As mesmas alteram as práticas convencionais? Concluímos que podem 232 SANTAELLA, Lúcia. Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo. São Paulo: Paulus, 2004, p. 184. 233 Cf. nota de rodapé nº 76. 112 alterar sim, porque essas práticas possibilitam um novo leitor/escritor, que faz uso de recursos paralingüísticos, de oralidade, de trocas de letras para se comunicarem. Portanto, trata-se de uma situação que aponta necessidade de atenção e intervenção dos educadores, principalmente quando os gêneros são usados nos espaços que o uso da língua demanda uso da língua padrão. Cabe como um dos desafios contemporâneo, a escola mediar essa realidade, enfrentar as incertezas e ensinar a compreensão como afirma Edgar Morin234 para compreender que linguagem é essa e saber como lidar com essa realidade nos espaços escolares. 234 MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 6ª ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2002. 113 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, Márcia (org.). Leitura, história e história da leitura. Campinas, SP: Mercado de letras: Associação de Leitura do Brasil; São Paulo: Fapesp, 2000. ARAÚJO, Júlio César (org.). Interação na Internet: novas formas de usar a linguagem. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. ARISTÓTELES. Vida e obra. São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda. Coleção os pensadores, 1999. ARROYO, Miguel G.. Ofício de mestre: imagens e auto-imagens. 6ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. BAKHTIN, M. (Volochinov) Marxismo e filosofia da linguagem. 7 ed. São Paulo: Hucitec, 1995. ______. The dialogical principle. 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Copyright (c) SPSS Inc., 1989 - 2004. 119 ANEXOS Anexo A Questionário de pesquisa dos estudantes QUESTIONÁRIO DE PESQUISA – ALUNOS Mestranda: Geralda Maria Maia Cordeiro de Azevedo FUNEDI - UEMG 1. Dados pessoais: A. Idade: a) menos de 14 anos b) de 14 a 16 anos c) de 17 a 19 anos d) mais de 19 B. Sexo: a) feminino b) masculino c) outro 2. Informações Culturais: A. Qual é sua principal fonte de informação de acontecimentos atuais? a) Jornal escrito b) Telejornal c) Jornal falado (rádio) d) Revista e) Internet B. Com que freqüência você lê livros? a) raramente b) um livro ao mês c) mais de um livro ao mês d) somente para fazer trabalhos escolares e) nunca C. Com que freqüência você vai a eventos culturais como: teatros, shows musicais, exposições de artes, museus e etc. a) raramente b) às vezes c) sempre d) nunca Para responder as próximas questões, leia a seguinte informação: 120 Considera-se aqui como escrita/leitura digital todo sistema eletrônico de escrita e leitura que processa através de um teclado ou de qualquer sistema digital eletrônico para uma tela. Os quais podem ser: um computador, um notebook, um palmtop, um laptop, um caixa eletrônico, um telefone celular ou algo semelhante. 3. Com relação à escrita/leitura digital: A. Com que freqüência você faz uso da escrita/leitura digital? a) sempre b) às vezes c) nunca B. Onde você mais usa a escrita digital? a) Internet b) celular c) outros; ___________________________________________________________________ C. Onde você mais usa a leitura digital? a) Internet b) celular c) outros; ___________________________________________________________________ D. E na Internet onde você mais usa a escrita/leitura digital? a) MSN b) Orkut c) e-mail d) outros; ___________________________________________________________________ Se possível justifique sua resposta:_______________________________________________ ___________________________________________________________________________ E. De que forma você escreve nos espaços digitais? a) sigo a norma culta da língua b) não me preocupo com normas, escrevo do jeito que falo c) escrevo de acordo com cada espaço de que estou fazendo uso. d) escrevo de forma mista. F. Que vantagens essa modalidade de escrita digital lhe oferece? _______________________ ___________________________________________________________________________ G. Em que situação você mais usa a escrita/leitura digital? a) fazer atividades escolares b) interagir com os amigos c) Passatempo d) Fazer pesquisa e) Outras ___________________________________________________________________ 121 H. Onde a sua escrita é mais livre, criativa? a) e-mail b) Orkut c) MSN Messenger d) outros; ___________________________________________________________________ Se possível justifique sua resposta; _______________________________________________ ___________________________________________________________________________ I. Você lê todas as mensagens que recebe do início ao fim? a) sempre b) às vezes c) superficialmente d) nunca J. O que mudou na sua escrita ao fazer uso da leitura/escrita digital? ____________________ ___________________________________________________________________________ L. Você escreve mais ou menos depois de fazer uso da escrita/leitura digital? a) escrevo e leio mais b) escrevo e leio menos c) não mudou nada M. Melhorou ou piorou a qualidade de sua escrita e leitura? a) melhorou b) piorou c) não mudou 4. Análise socioeconômica: A. De acordo com o salário mínimo atual, qual é a renda mensal familiar de onde você vive? a) até 1 salário mínimo b) de 1 a 2 s/m c) de 2 a 3 s/m d) de 3 a 5 s/m e) mais de 5 B. Você tem atividade remunerada? a) sim, trabalho b) eventualmente c) mesada d) não C. Você tem computador (PC) com Internet em casa? a) sim b) não c) não, mas uso LAN House d) outros ______________________________________________________________________ FIM DO QUESTIONÁRIO OBRIGADA PELA PARTICIPAÇÃO E COLABORAÇÃO!!! 122 Anexo B Questionário de pesquisa dos educadores QUESTIONÁRIO DE PESQUISA PARA DOCENTES Mestranda: Geralda Maria Maia Cordeiro de Azevedo FUNEDI UEMG 4. Dados pessoais: A. Idade: a) de 26 a 30 anos b) de 31 a 35 anos c) mais de 35 B. Sexo: a) feminino b) masculino C. Escolaridade: a) superior incompleto b) superior c) pós-graduado d) mestrado e) doutorado f) pós-doutorado 5. Informações Culturais: A. Qual é sua principal fonte de informações? a) Jornal escrito b) Telejornal c) Jornal falado (rádio) d) Revista e) Internet f) Outros ______________________________________________________________________ B. Com que freqüência você lê livros? a) raramente b) um livro ao mês c) mais de um livro ao mês d) nunca Para responder as próximas questões, leia a seguinte informação: Considera-se aqui como escrita/leitura digital todo sistema eletrônico de escrita e leitura que processa através de um teclado ou de qualquer sistema digital eletrônico para uma tela. Os quais podem ser: um computador, um notebook, um palmtop, um laptop, um caixa eletrônico, um telefone celular ou algo semelhante. 123 6. Com relação à escrita/leitura digital: A. Com que freqüência você faz uso da escrita/leitura digital? a) sempre b) às vezes c) nunca B. Onde você mais usa a escrita digital? a) Internet b) Celular c) Outros; quais? _____________________________________________________________ C. Onde você mais usa a leitura digital? a) Internet b) Celular c) Outros; quais? _____________________________________________________________ D. Ao navegar na Internet onde você mais usa a escrita/leitura digital? a) MSN Messenger b) Orkut c) E-mail d) Outros; quais? _____________________________________________________________ E. De que forma você escreve nos espaços digitais? a) sigo a norma culta da língua b) não me preocupo com normas, escrevo do jeito que falo c) escrevo de acordo com cada espaço que estou fazendo uso. d) escrevo de forma mista. F. Em sua opinião que vantagens ou desvantagens essa modalidade de escrita/leitura digital oferece? ____________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ G. Como você percebe o uso da escrita/leitura digital em seus alunos? a) como problema b) naturalmente c) não me preocupo Se possível justifique sua resposta: ______________________________________________ H. O que mudou na escrita/leitura de seus alunos depois que eles passaram fazer uso da escrita/leitura digital? _________________________________________________________ I. E na sua escrita/leitura o que mudou? ___________________________________________ J. Depois de fazer uso da escrita/leitura digital os alunos? a) escrevem e lêem mais b) escrevem e lêem menos c) não mudou nada Se possível justifique sua resposta: _______________________________________________ ___________________________________________________________________________ 124 L. Melhorou ou piorou a qualidade de escrita/leitura deles? a) melhorou b) piorou c) não mudou Se possível justifique sua resposta: _______________________________________________ M. Que expectativas você tem sobre o futuro da escrita/leitura digital? Se possível faça uma breve reflexão sobre como a escola deve lidar com essa realidade:______________________ ___________________________________________________________________________ FIM DO QUESTIONÁRIO OBRIGADA PELA PARTICIPAÇÃO E COLABORAÇÃO!!! 125 Anexo C Ofício 001/07 Formiga, Setembro de 2007. Ofício Nº 001/07 Ilmº Sr. Leonard de Paula Faria DD Diretor Escola Estadual Dr. Abílio Machado. Formiga – MG Prezado Senhor, Por meio deste instrumento, solicito de vossa Senhoria autorização para desenvolver minha pesquisa de dissertação de Mestrado. A temática pesquisada é: “Práticas de Escrita e Leitura na Era Digital”. Constam como prováveis atividades: questionário, entrevistas, coleta de textos escritos pelos alunos, debates e etc. A qual envolverá alunos de 13 a 18 anos (últimas séries do ensino fundamental e as três séries do ensino médio), professores, especialistas, funcionários, pais, etc. Posteriormente encaminharei a documentação do parecer do Conselho de Ética da instituição - FUNEDI/UEMG. No aguardo de sua especial atenção, aproveito a oportunidade para reiterar estima e consideração. Atenciosamente, ________________________________________ Mestranda Geralda Mª Maia Cordeiro de Azevedo. E-mail: [email protected] 126 Anexo D Ofício 002/07 Formiga, Setembro de 2007. Ofício Nº 002/07 Ilmº Sr. Marcelo Alves DD Diretor Escola Ângulo – Sistema de Ensino - Formiga - MG Prezado Senhor, Por meio deste instrumento, solicito de vossa Senhoria autorização para desenvolver minha pesquisa de dissertação de Mestrado. A temática pesquisa é: “Práticas de Escrita e Leitura na Era Digital”. Constam como prováveis atividades: questionário, entrevistas, coleta de textos escritos pelos alunos, debates e etc. A qual envolverá alunos de 13 a 18 anos (últimas séries do ensino fundamental e as três séries do ensino médio), professores, especialistas, funcionários, pais, etc. Posteriormente encaminharei a documentação do parecer do Conselho de Ética da instituição – FUNEDI/UEMG. No aguardo de sua especial atenção, aproveito a oportunidade para reiterar estima e consideração. Atenciosamente, ________________________________________ Mestranda Geralda Mª Maia Cordeiro de Azevedo. E-mail: [email protected] 127 Anexo E Tabelas – Questionário dos estudantes TABELA 1 Idade dos estudantes pesquisados De 14 a 16 anos Freqüência 67 Percentual 44,7 Percentual Acumulado 44,7 De 17 a 19 anos 81 54,0 98,7 Mais de 19 anos 2 1,3 100,0 150 100,0 Total TABELA 2 Sexo: Feminino Freqüência 86 Percentual 57,3 Percentual Acumulado 57,3 Masculino 64 42,7 100,0 Total 150 100,0 TABELA 3 De acordo com o salário mínimo atual, qual é a renda mensal familiar de onde você vive? Freqüência 7 Percentual 4,7 Percentual Acumulado 4,7 De 1 a 2 salários mínimos 19 12,7 17,3 De 2 a 3 salários mínimos 41 27,3 44,7 De 3 a 5 salários mínimos 45 30,0 74,7 Mais de 5 salários mínimos 38 25,3 100,0 Total 150 100,0 Até 1 salário mínimo 128 TABELA 4 Você tem atividade remunerada? Freqüência 28 Percentual 18,7 Percentual Acumulado 18,7 Eventualmente 29 19,3 38,0 Mesada 25 16,7 54,7 Não 68 44,7 99,3 Total 150 100,0 Sim, trabalho TABELA 5 Você tem computador (PC) com Internet em casa? Sim Freqüência 106 Percentual 70,7 Percentual Acumulado 70,7 Não 19 12,7 83,3 Não, mas uso Lan House 21 14,0 97,3 Outros 4 2,7 100,0 Total 150 100,0 TABELA 6 Qual é sua principal fonte de informação de acontecimentos atuais? Freqüência 6 Percentual 4,0 Percentual Acumulado 4,0 Telejornal 83 55,3 59,3 Revista 6 4,0 63,3 Internet 48 32,0 95,3 Nula 7 4,7 100,0 Total 150 100,0 Jornal escrito 129 TABELA 7 Com que freqüência você lê livros? Freqüência 45 Percentual 30,0 Percentual Acumulado 30,0 Um livro ao mês 34 22,7 52,7 Mais de um livro ao mês 28 18,7 71,3 Somente para fazer trabalhos 41 27,3 98,7 Nunca 2 1,3 100,0 Total 150 100,0 Raramente TABELA 8 Com que freqüência você vai a eventos culturais como: teatros, shows musicais, exposições de artes, museus e etc. Freqüência 49 Percentual 32,7 Percentual Acumulado 32,7 Ás vezes 77 51,3 84,0 Sempre 20 13,3 97,3 Nunca 4 2,7 100,0 Total 150 100,0 Raramente TABELA 9 Com que freqüência você faz uso da escrita/leitura digital? Às vezes Freqüência 41 Percentual 27,3 Percentual Acumulado 27,3 Sempre 109 72,7 72,7 Total 150 100,0 100 130 TABELA 10 Onde você mais usa a escrita digital? Internet Freqüência 120 Percentual 80,0 Percentual Acumulado 80,0 Celular 23 15,3 95,3 Outros 2 1,3 96,7 Sem resposta 1 ,7 97,3 Nula 4 2,7 100,0 Total 150 100,0 TABELA 11 Onde você mais usa a leitura digital? Internet Freqüência 130 Percentual 86,7 Percentual Acumulado 86,7 Celular 13 8,7 95,3 Outros 2 1,3 96,7 Nula 4 2,7 99,3 Sem resposta 1 ,7 100,0 150 100,0 Total TABELA 12 E na Internet onde você mais usa a escrita/leitura digital? MSN Freqüência 76 Percentual 50,7 Percentual Acumulado 50,7 Orkut 32 21,3 72,0 E-mail 9 6,0 78,0 Outros 12 8,0 86,0 Nula 20 13,3 99,3 Sem resposta 1 ,7 100,0 150 100,0 Total 131 TABELA 13 De que forma você escreve nos espaços digitais? Freqüência Percentual 19 12,7 Sigo a norma culta da língua Percentual Acumulado 12,7 Não me preocupo com normas, escrevo do jeito que falo 95 63,3 76,0 Escrevo de acordo com cada espaço que estou fazendo uso 17 11,3 87,3 Escrevo de forma mista 18 12,0 99,3 Nula 1 ,7 100,0 Total 150 100,0 TABELA 14 Em que situação você mais usa a escrita/leitura digital? Freqüência 17 Percentual 11,3 Percentual Acumulado 11,3 Interagir com os amigos 74 49,3 60,7 Passa tempo 22 14,7 75,3 Fazer pesquisa 16 10,7 86,0 Outras 5 3,3 89,3 Sem resposta 15 10,0 99,3 Nula 1 ,7 100,0 Total 150 100,0 Fazer atividades escolares 132 TABELA 15 Onde a sua escrita é mais livre, criativa? E-mail Freqüência 5 Percentual 3,3 Percentual Acumulado 3,3 Orkut 36 24,0 27,3 MSN 93 62,0 89,3 Outros 10 6,7 96,0 Nula 6 4,0 100,0 Total 150 100,0 TABELA 16 Você lê todas as mensagens que recebe do início ao fim? Sempre Freqüência 75 Percentual 50,0 Percentual Acumulado 50,0 Ás vezes 57 38,0 88,0 Superficialmente 16 10,7 98,7 Nunca 2 1,3 100,0 Total 150 100,0 TABELA 17 Você escreve mais ou menos depois de fazer uso da escrita/leitura digital? Freqüência 56 Percentual 37,3 Percentual Acumulado 37,3 Escrevo e leio menos 18 12,0 49,3 Não mudou nada 74 49,3 98,7 Sem resposta 2 56 37,3 150 18 12,0 Escrevo e leio mais Total 133 TABELA 18 Melhorou ou piorou a qualidade de sua escrita e leitura? Freqüência 43 Percentual 28,7 Percentual Acumulado 28,7 Piorou 22 14,7 43,3 Não Mudou 84 56,0 99,3 Sem resposta 1 ,7 100,0 Total 43 28,7 28,7 Melhorou 134 Anexo F Gráficos - Questionário dos estudantes Idade Mais de 19 anos 1,3% De 14 a 16 anos 44,7% De 17 a 19 anos 54,0% GRÁFICO 11 Sexo: Feminino Masculino 42,67% 57,33% GRÁFICO 12 135 De acordo com o salário mínimo atual, qual é a renda mensal familiar de onde você vive? Até 1 salário mínimo De 1 a 2 salários mínimos 4,67% 25,33% 12,67% De 2 a 3 salários mínimos De 3 a 5 salários mínimos Mais de 5 salários mínimos 27,33% 30,0% GRÁFICO 13 Voce tem atividade remunerada? Você tem atividade remunerada? Sim, trabalho 18,67% Eventualmente Mesada Não 45,33% 19,33% 16,67% GRÁFICO 14 136 Você tem computador (PC) com Internet em casa? Sim 2,67% Não Não, mas uso Lan House 14,0% Outros 12,67% 70,67% GRÁFICO 15 Qual é sua principal fonte de informação de acontecimentos atuais? 4,67% 4,0% Jornal escrito Telejornal Revista Internet Nula 32,0% 55,33% 4,0% GRÁFICO 16 137 Com que freqüência você lê livros? Raramente 1,33% Um livro ao mês Mais de um livro ao mês 27,33% 18,67% 30,0% Somente para fazer trabalhos Nunca 22,67% GRÁFICO 17 Com que freqüência você vai a eventos culturais como: teatros, shows musicais, exposições de artes, museus e etc. Raramente 2,67% Ás vezes Sempre Nunca 13,33% 32,67% 51,33% GRÁFICO 18 138 Com que freqüência você faz uso da escrita/leitura digital? Sempre Ás vezes 27,33% 72,67% GRÁFICO 19 Onde você mais usa a escrita digital? 2,67% 0,67% 1,33% Internet Celular Outros Sem resposta Nula 15,33% 80,0% GRÁFICO 20 139 Onde você mais usa a leitura digital? Internet 2,67% 1,33% Celular 0,67% Outros Nula Sem resposta 8,67% 86,67% GRÁFICO 21 Onde a sua escrita é mais livre, criativa? 4,0% 3,33% E-mail Orkut MSN 6,67% Outros Nula 24,0% 62,0% GRÁFICO 22 140 Você lê todas as mensagens que recebe do início ao fim? 1,33% Sempre Ás vezes Superficialmente 10,67% Nunca 50,0% 38,0% GRÁFICO 23 141 Anexo G Tabelas - Questionário dos educadores TABELA 19 Idade: De 26 a 30 anos Freqüência 3 Percentual 15,8 Percentual Acumulado 15,8 De 31 a 35 anos 2 10,5 26,3 Mais de 35 14 73,7 100,0 Total 19 100,0 TABELA 20 Sexo: Freqüência Feminino 7 Percentual 36,8 Masculino 12 63,2 Total 19 100,0 Percentual Acumulado 36,8 100,0 TABELA 21 Escolaridade: Freqüência 7 Percentual 36,8 Percentual Acumulado 36,8 Pós-graduado 10 52,6 89,5 Mestrado 2 10,5 100,0 Total 19 100,0 Superior 142 TABELA 22 Qual é sua principal fonte de informações? Freqüência 2 Percentual 10,5 Percentual Acumulado 10,5 Telejornal 4 21,1 31,6 Revista 1 5,3 36,8 Internet 2 10,5 47,4 Nulo 10 52,6 100,0 Total 19 100,0 Jornal escrito TABELA 23 Com que freqüência você lê livros? Freqüência 4 Percentual 21,1 Percentual Acumulado 21,1 Um livro ao mês 12 63,2 84,2 Mais de um livro ao mês 3 15,8 100,0 Total 19 100,0 Raramente TABELA 24 Com que freqüência você faz uso da escrita/leitura digital? Sempre Freqüência 15 Percentual 78,9 Percentual Acumulado 78,9 Ás vezes 4 21,1 100,0 Total 19 100,0 143 TABELA 25 Onde você mais usa a escrita digital? Internet Freqüência 16 Percentual 84,2 Percentual Acumulado 84,2 Outros 2 10,5 94,7 Nula 1 5,3 100,0 Total 19 100,0 TABELA 26 Onde você mais usa a leitura digital? Internet Freqüência 17 Percentual 89,5 Percentual Acumulado 89,5 Outros 1 5,3 94,7 Nula 1 5,3 100,0 Total 19 100,0 TABELA 27 Ao navegar na Internet onde você mais usa a escrita/leitura digital? MSN Freqüência 1 Percentual 5,3 Percentual Acumulado 5,3 E-mail 10 52,6 57,9 Outros 3 15,8 73,7 Nula 5 26,3 100,0 Total 19 100,0 144 TABELA 28 De que forma você escreve nos espaços digitais? Freqüência 8 Sigo a norma culta da língua. Percentual Percentual Acumulado 42,1 42,1 Não me preocupo com normas, escrevo do jeito que leio 1 5,3 47,4 Escrevo de acordo com cada espaço que estou fazendo u 6 31,6 78,9 Escrevo de forma mista. 4 21,1 100,0 Total 19 100,0 TABELA 29 Como você percebe o uso da escrita/leitura digital em seus alunos? Freqüência 8 Percentual 42,1 Percentual Acumulado 42,1 Naturalmente 8 57,9 100,0 Total 19 100,0 Como problema TABELA 30 Depois de fazer uso da escrita/leitura digital os alunos? Freqüência 1 Percentual 5,3 Percentual Acumulado 5,3 Escrevem e lêem menos 16 84,2 89,5 Não mudou nada 1 5,3 94,7 Sem resposta 1 5,3 100,0 Total 19 100,0 Escrevem e lêem mais 145 TABELA 31 Melhorou ou piorou a qualidade de escrita/leitura deles? Freqüência 1 Percentual 5,3 Percentual Acumulado 5,3 Piorou 17 89,5 94,7 Não mudou 1 5,3 100,0 Total 19 100,0 Melhorou 146 Anexo H Gráficos - Questionário dos educadores Sexo: Feminino Masculino 36,84% 63,16% GRÁFICO 24 Escolaridade: Superior Pós-graduado Mestrado 10,53% 36,84% 52,63% GRÁFICO 25 147 Qual é sua principal fonte de informações? Jornal escrito Telejornal Revista 10,53% Internet Nulo 21,05% 52,63% 5,26% 10,53% GRÁFICO 26 Com que freqüência você lê livros? Raramente Um livro ao mês Mais de um livro ao mês 15,79% 21,05% 63,16% GRÁFICO 27 148 Onde você mais usa a escrita digital? Internet Outros 5,26% Nula 10,53% 84,21% GRÁFICO 28 Onde você mais usa a leitura digital? Internet Outros 5,26% 5,26% 89,47% GRÁFICO 29 Nula 149 Ao navegar na Internet onde você mais usa a escrita/leitura digital? MSN E-mail Outros 5,26% Nula 26,32% 52,63% 15,79% GRÁFICO 30 De que forma você escreve nos espaços digitais? Sigo a norma culta da língua. Não me preocupo com normas, escrevo do jeito que leio. 21,05% 42,11% Escrevo de acordo com cada espaço que estou fazendo uso. Escrevo de forma mista. 31,58% 5,26% GRÁFICO 31 150 Anexo I Fotos Figura 15 A - Localização da Cidade de Formiga- MG. Figura 15 B - Localização da Cidade de Formiga-MG. 151 Figura 16 - Escola Estadual Dr. Abílio Machado da Cidade de Formiga- MG. 152 Figura 17 - Colégio Losango da Cidade de Formiga- MG. 153 ANEXO J Dicionário de Abreviações de uso do MSN Messenger LOL = Lots os laughs / Laughing out loud= Muitas risadas / Rindo muito alto [gargalhando] H8 = hate= odeio gf = girl friend= namorada WTF = What the fuck= Que porra é essa BRB = Be right back= Volto Já G2G = Gotta go / go to go= Tenho que ir ROFL = Rolling on the floor laughing= Rolando no chão de tanto rir FTW = For the win= Para a vitória TYVM = Thank you very much= Muito obrigada[o] TY = Thank you= Obrigada[o] NVM = Nevermind= Esquece GL = Good luck= Boa sorte GF = Good fight= Boa luta OMG = Oh My God= Oh meu Deus OMFG = Oh my fucking God / Oh my freaking God= Oh meu Deus maldito / Oh meu Deus louco BTW = By The Way= Aliás STFU = Shut The Fuck Up= Cala a porra da boca SU = Shut Up= Cala a boca WTH = What The Hell= Mas que inferno / Mas que diabos GLHF = Good Luck, Have Fun= Boa sorte, Divirta-se CYA = See You Around / See you= Te vejo por aí [Explicando o C: C, em inglês pronunciase 'ci', assim como a palavra see / explicando o ya: gíria] LMAO = Laughing My Ass Off= Me cagando de rir ROFLMAO = Rolling On the Floor Laughing My Ass Off= Rolando no chão e me cagando de rir NFS = Not for sale= Não está a venda NP = No problem= Sem problema, usado como DE NADA, também YW = Your welcome= De nada NTY = No, thank you= Não, obrigada[o] IRL = In real Life= Na vida real 154 WB = Welcome back= Bem vindo[a] de volta EA = each= cada NFS = Not for sell= Não está a venda IDK = I don't know= Eu não sei IDC = I don't care= Eu não ligo / eu não me importo GRATZ = Congratulations= Parabéns PLOX / PLZ / PLX = Please= Por favor WP = Wrong person= Pessoa errada FFS = For fucking sack= aff W8 = wait= Espere M8 = mate= Amigo, companheiro Algumas abreviações em português: Com torna-se c ou c/ Flw que simboliza "Falou" T+ que simboliza "Até Mais" Vlw que simboliza "Valeu" Eh que simboliza "É" blz que simboliza "Beleza" xau que substitui "Tchau" aff é outra forma para "Afe!" tou, to ou tow que substitui "Estou" obv que simboliza "Óbvio" teclar torna-se tc imagem torna-se img firmeza torna-se fmz Mensagem torna-se msg comigo torna-se cmg quando torna-se kdo, qdo ou qd ou qnd também torna-se tbm; tb ou "tmb";