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O PAPEL DO SENADO FEDERAL NO CONTROLE DIFUSO
DE CONSTITUCIONALIDADE
Luiz Filipe Fernandes Carneiro da Cunha¹
RESUMO
A Constituição Federal define, no bojo do art. 52, X, a competência privativa do Senado Federal para suspender a execução,
no todo ou em parte, de lei ou ato normativo declarado inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, em sede de
controle difuso de constitucionalidade. Parcela importante dos juristas pátrios tem sustentado uma nova perspectiva para a atribuição
senatorial, entendendo que a inserção dos institutos da súmula vinculante, da repercussão geral e da súmula impeditiva de recursos
no ordenamento jurídico brasileiro (resultado da tendência de jurisprudencialização do direito e do respeito ao precedente judicial), a
necessidade de salvaguarda dos princípios da força normativa e supremacia da Constituição e a inércia da Casa da Federação, quando
instada a desempenhar referido mandamento constitucional, ensejam a mutação do artigo 52, X, da Carta Magna, de forma a desencadear
a abstrativização dos efeitos do controle difuso de constitucionalidade. O presente artigo científico pretende analisar a citada mudança de
interpretação no âmbito do controle concreto, cuja finalidade é tornar o Senado Federal órgão apto tão somente a conferir publicidade
às decisões definitivas do Pretório Excelso, que, por sua vez, desde seus pronunciamentos, já possuiriam eficácia geral.
Palavras-chave: Senado Federal. controle difuso. mutação constitucional.
ABSTRACT
The Federal Constitution defines, in the midst of art. 52, X, the exclusive authority of the Federal Senate to suspend in whole or in
part the execution of any law or normative act declared unconstitutional by a final decision of the Supreme Court, when doing a
diffuse control of constitutionality. A significant portion of the national legal experts has sustained a new perspective to the senatorial
assignment, understanding that the inclusion of the institutes of the binding precedent, the general repercussion, the appeal-barring
summulas in the Brazilian legal system (as a result of the tendency to respect judicial precedent and the increased use of the jurisprudence
in our law system), the need to safeguard the principles of normative strength and supremacy of the Constitution and the inertia of
the House of Federation, when asked to play such constitutional law, causes the receivership mutation of the Article 52, X, of the
Constitution, in a manner that renders abstract the effects of diffuse control of constitutionality. This scientific article intend to analyze
the aforementioned change of interpretation regarding the concrete control of constitutionality, whose purpose is to make the Senate an
institutional body designed only to give publicity to the final decisions of the Supreme Court, which would possess overall effectiveness
since their pronouncements.
Keywords: Federal Senate. diffuse control. constitutional mutation.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo científico, intitulado “O papel do Senado Federal no controle difuso de constitucionalidade”, está inserido na
área do Direito Constitucional, surgindo com o desígnio de discutir os efeitos da declaração definitiva de inconstitucionalidade de lei ou
ato normativo pelo Supremo Tribunal Federal (STF), quando instado a se pronunciar pela via concreta ou difusa.
Com efeito, na Constituição Federal de 1988, o art. 52, X, define a competência do Senado para suspender a execução, no todo ou em
parte, de lei declarada inconstitucional, por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, quando em exercício do controle concreto
de constitucionalidade.
No que concerne à natureza constitucional da atribuição do Senado Federal de conferir eficácia geral às decisões em sede de
controle incidental, existe divergência doutrinária e jurisprudencial, notadamente se tal competência seria discricionária ou juridicamente
vinculada.
Os defensores da discricionariedade da capacidade suspensiva do Senado Federal afirmam que nem o art. 52, X da Lei
Fundamental nem muito menos o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal fazem alusão a qualquer prazo para o pronunciamento
da Casa da Federação.
¹Advogado. Graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB. Pós-graduando em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais - PUC/MG.
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Argumenta-se, ainda, que a intervenção do Senado Federal consiste em um mecanismo jurídico-político de atender à teoria
da separação dos poderes², posto que, na prática, suspender a execução de determinada norma consiste em revogá-la, competência tal
direcionada apenas a outra lei emanada do mesmo órgão legiferante, em privilégio ao princípio da simetria das formas jurídicas.
Contudo, restará demonstrado, na esteira do enunciado por respeitável parcela da doutrina pátria e em recentes entendimentos
de alguns Ministros do Supremo Tribunal Federal e de outros Tribunais superiores, a plausibilidade da mutação constitucional do art. 52,
X, da Lex Mater, como forma de tornar a competência do Senado juridicamente vinculada, necessária apenas para conferir publicidade ao
decisum do Pretório Excelso, que já possuiria, desde seu gênesis, eficácia erga omnes.
2. O PAPEL DO SENADO FEDERAL, CONFORME A LITERALIDADE DO ART. 52, X, DA CONSTITUIÇAÕ FEDERAL
No escopo precípuo de sanar a incongruência existente na aplicação da doutrina norte-americana do judicial review em sistemas
carentes de stare decisis, as Constituições brasileiras, a partir da Carta de 1934, positivaram a competência do Senado Federal para
suspender a execução da lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, como forma de atribuir efeito
erga omnes às decisões prolatadas no controle de constitucionalidade.
Com efeito, a Constituição Federal proclama, no inciso X do art. 52 que, afora as funções típicas , compete privativamente ao
Senado:
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
[...]
X – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva
do Supremo Tribunal Federal;
Com isso, o constituinte de 1988 considerou que o Senado Federal, por ser o representante dos interesses dos Estados
da federação e histórico mediador da estabilização constitucional, seria o legítimo órgão congressual para exercer a competência de
suspensão de execução de lei ou ato normativo no controle difuso de constitucionalidade.
Embora a Constituição Federal tenha se referido apenas à lei, o melhor entendimento é aquele que advoga no sentido de que a
expressão legislativa sintoniza com o ato normativo de qualquer categoria (lei formal ou material) declarado inconstitucional por decisão
definitiva do Supremo Tribunal Federal.
Aliás, esse entendimento vem desde a Constituição de 1934, que previa a competência do Senado Federal para suspender a
execução de lei, ato, deliberação ou regulamento declarado inconstitucional pelo Poder Judiciário .
A referida competência senatorial restringe-se às decisões proferidas pelo Pretório Excelso no âmbito do controle difuso de
constitucionalidade, não se aplicando, dessa forma, na sistemática de atribuição de efeitos do controle concentrado, conforme tese
inicialmente encampada pelo Ministro Thompson Flores.
Por outro lado, no que tange à natureza da atribuição senatorial de conferir eficácia geral às decisões em sede de controle
concreto, existe divergência doutrinária e jurisprudencial, notadamente se discricionária ou juridicamente vinculada.
Para a vertente da discricionariedade, cabe ao Senado Federal não apenas examinar o aspecto formal da decisão declaratória,
atestando se ela foi tomada por quorum suficiente e de forma definitiva, mas também analisar a conveniência da suspensão, em atinência
ao princípio republicano do checks and balances in government, insculpido no art. 2º da Constituição Federal.
Oportuno asseverar que o próprio Senado Federal já se recusou a conferir efeito erga omnes à decisão do Supremo Tribunal
Federal proferida no RE 150.764-1/PE, que declarou a inconstitucionalidade de dispositivos da contribuição para o Finsocial.
Entretanto, respeitável parcela da doutrina pátria, além de recentes entendimentos de alguns Ministros do Supremo Tribunal
Federal e Tribunais superiores, vêm admitindo uma nova interpretação da competência senatorial expressa no art. 52, X, da Constituição
Federal.
Pelo relevante lastro argumentativo, cogente a análise pontual da proposição de mutação constitucional do art. 52, X, da
Constituição Federal, cujo objeto incide na tendência de abstrativização dos efeitos do controle difuso de constitucionalidade.
²A terminologia “separação dos poderes”, usada, historicamente, pela doutrina, é equivocada, porque, em verdade, o poder que resvala da soberania é uno e indivisível. O que
se reparte são as funções realizadas por esses poderes, de acordo com o que fora estipulado pela Constituição de cada país.
A rigor, o Poder Legislativo é o único ao qual a Constituição Federal atribuiu duas funções típicas, de igual relevância, a saber: a função de elaborar atos normativos primários
e a função de fiscalizar o Poder Executivo, sobretudo quando em exercício da atividade administrativa.
As Constituições de 1946 e 1967, inclusive com a Emenda n. 01/69, referiam-se à “lei ou decreto”.
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2 . MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL DO ART. 52, X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A cláusula que atribui ao Senado Federal a competência para suspender a execução de qualquer lei ou ato normativo declarado
inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal faz parte da tradição constitucional brasileira, tendo sido consagrada desde a Constituição
de 1934.
Naquela oportunidade, o dispositivo que subordinava a eficácia geral das decisões do Supremo Tribunal Federal acerca da inconstitucionalidade das normas à resolução do Senado Federal foi alvo de diversas críticas.
Na Assembleia Constituinte que culminou com a promulgação da Constituição de 1934, o então Deputado Federal Godofredo Vianna
apresentou proposta de Emenda, no sentido de abstratizar os efeitos do controle difuso de constitucionalidade, quando o Supremo
Tribunal Federal se pronunciasse pela inconstitucionalidade de um mesmo dispositivo por duas vezes.
Não obstante a plausibilidade jurídica da tese exposta, a referida Emenda não foi acatada pela maioria dos parlamentares
constituintes, de modo que permanece até os dias atuais a competência senatorial de suspender a execução de lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
Variados são os fundamentos que ensejam a guinada interpretativa da natureza da competência da Casa da Federação insculpida
no art. 52, X, da Lex Mater, dividindo-se em três perspectivas, a saber: legislativa, doutrinária e jurisprudencial.
O primeiro ensejo para a mutação constitucional proposta encontra-se na repercussão jurídica representada pela criação do
instituto da súmula vinculante e consequente inserção de mecanismos de respeito ao precedente judicial na Constituição Federal e no
Código de Processo Civil, resultado da tendência de jurisprudencialização do direito brasileiro (case-law method).
O art. 103-A, caput, da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional n. 45/2004 , assim dispõe:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois
terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que,
a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do
Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal,
bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
O instituto da súmula vinculante surgiu com o desiderato de reforçar a necessidade de unificação da interpretação do texto
constitucional ou legal, de maneira a garantir a aplicabilidade prática dos princípios da segurança jurídica, unidade da Constituição e
igualdade das decisões.
Por meio da edição de verbete de súmula, o Supremo Tribunal Federal pode conferir eficácia vinculante ao entendimento
sedimentado nas reiteradas decisões proferidas ao longo da atividade jurisdicional, sem afetar, diretamente, a vigência de leis declaradas
inconstitucionais no controle incidental.
O que se observa atualmente, em virtude da inserção de diversos dispositivos constitucionais e legais que conferem importância
ao precedente judicial, é que a súmula vinculante passa a deter, também, eficácia erga omnes, o que acaba por esvaziar o significado da
Resolução suspensiva do Senado Federal no controle concreto de constitucionalidade.
O efeito erga omnes gera consequências genuinamente processuais, impossibilitando que a questão decidida pelo Supremo
Tribunal Federal seja rediscutida por outro interessado em nova demanda, sendo consequência imanente das decisões em sede de
controle abstrato (v.g., ADI e ADC).
Enquanto isso, o efeito vinculante impõe obediência, por parte dos demais órgãos do Poder Judiciário e da administração
pública (direta ou indireta), nas três esferas de governo (municipal, estadual e federal), para além da parte dispositiva do julgado do
Pretório Excelso, isto é, transcendendo seus motivos ou fundamentos determinantes.
Martins (2009, p. 337) assevera que o efeito vinculante circunscreve-se, igualmente, à ratio decidendi (fundamentos jurídicos
que embasam a decisão), projetando-se, por via de consequência, para além da parte dispositiva do julgamento, ante a possibilidade de
ser aplicada em outras situações análogas. Por isso, o entendimento de que o efeito vinculante seria um complemento à eficácia erga
omnes.
A eficácia erga omnes da súmula vinculante não advém de mandamento legal, mas sim da atual tendência de jurisprudencialização do direito e consequente consagração do precedente judicial como princípio, o que, de certa forma, aproxima o ordenamento jurídico
brasileiro, de índole eminentemente romano-germânica (civil law), ao sistema do common law anglo-saxão.
Importante destacar, todavia, que a mesma ratio que resultou na criação do instituto da súmula vinculante pela EC nº 45/04 é visualizada no art. 2º do Decreto n. 6.142/1876,
a partir do qual o Superior Tribunal de Justiça passou a deter a competência de editar assentos com força de lei, como forma de dirimir divergências sobre o alcance das normas
no âmbito do Poder Judiciário, ainda sob a vigência da vetusta Constituição de 1824.
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O método do case-law se encaixa perfeitamente no sistema do stare decisis, na medida em que, neste último, identificandose casos análogos já decididos no passado, torna-se possível extrair a regra de direito (ratio decidendi) que deverá ser utilizada como
parâmetro vinculante para a solução da situação em litígio (binding precedent).
É imanente ao case-law, e não haveria porque imaginar algo diverso com relação à valorização do precedente judicial, a
possibilidade de não aplicação da tese firmada na decisão anterior, com base na diversidade dos fatos no caso concreto (distinguising), ou
mesmo a superação do precedente diante de uma nova realidade jurídica ou fática (overruling).
Exemplo disso são as previsões para revisão e cancelamento das súmulas vinculantes, conforme o disposto no § 2.º do art.
103-A da Constituição Federal.
Aguilar (1998, p. 60), fulminando qualquer arguição de possível engessamento do Poder Judiciário, observa que, hodiernamente,
o Direito Constitucional já não é apenas o que prescreve o texto da Lei Maior, mas também, sobretudo, a bagagem de padrões
hermenêuticos desse bloco normativo, incorporado na jurisprudência da corte constitucional.
Portanto, não há que se falar em engessamento do Poder Judiciário, ou mesmo diminuição da liberdade do Magistrado para
proferir uma decisão judicial, uma vez que o próprio sistema de valorização do precedente prevê a possibilidade de superação, desde que
fundamentada, dos parâmetros da decisão paradigmática.
A comprovação prática de que a súmula vinculante define entendimento a ser seguido em diversos casos (espécie de eficácia
erga omnes), norteando a aplicação do texto constitucional ao sistema jurídico como um todo (treat like cases alike), é a previsão da súmula
impeditiva de recursos, cuja base teórica se encontra na transcendência dos motivos determinantes.
O art. 518, caput e § 1.º, e o art. 557, caput e § 1.º-A, ambos do Código de Processo Civil, assim prescrevem:
Art. 518. Interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vista ao
apelado para responder.
§ 1. o O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com
súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.
Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado
ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo
Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.
§ 1.o-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência
dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao
recurso.
A aplicação do art. 518, § 1.º e do art. 557, § 1.º-A, dispositivos do Código de Processo Civil, mesmo que de forma tímida, denota
que o sistema jurídico está estruturado para conferir eficácia geral ao verbete de súmula vinculante, uma vez que prevê, como requisito
intrínseco de admissibilidade recursal (cabimento), a compatibilidade com o entendimento sumulado do Supremo Tribunal Federal, sob
pena de não conhecimento do recurso manejado.
Igualmente, vislumbra-se a valorização do precedente judicial na possibilidade de o relator do agravo contra decisão denegatória
de recurso especial ou extraordinário conhecer do agravo, para dar provimento diretamente ao recurso cujo seguimento foi negado, se
a decisão recorrida conflitar com súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça,
conforme o disposto no caput do art. 544, § 4.º, alíneas “b” e “c”, do Código de Processo Civil:
Art. 518. Interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vista ao
apelado para responder.
§ 1. o O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com
súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.
Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado
ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo
Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.
§ 1.o-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência
dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao
recurso.
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Em outra oportunidade, o legislador infraconstitucional prevê, no caput do art. 285-A do Código de Processo Civil, a possibilidade
de prolação de decisão inaudita altera par em casos onde a petição inicial dispuser sobre matéria unicamente de direito e no Juízo já
houver sido proferida sentença de total improcedência em outras demandas idênticas, evidenciando, mais uma vez, a consagração do
princípio do precedente judicial e do método case-law de resolução de lides.
O caput do art. 285-A do Código de Processo Civil assim preleciona:
Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida
sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida
sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.
Ainda, o legislador infraconstitucional, ao positivar a inaplicabilidade do Reexame Necessário quando a sentença combatida
estiver em consonância com jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ou em súmula do Pretório Excelso ou mesmo de qualquer
Tribunal Superior, proclama, novamente, a importância do respeito ao precedente judicial no ordenamento jurídico brasileiro.
O art. 475, caput, § 3.º, do Código de Processo Civil, prevê:
Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada
pelo tribunal, a sentença:
[...]
§ 3.º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência
do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior
competente.
Os exemplos de jurisprudencialização do direito pátrio definem a obrigatoriedade de respeito ao enunciado de súmula
vinculante ou jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, de maneira a suprimir a necessidade de pronunciamento do Senado Federal
para suspender a execução de lei declarada inconstitucional pelo Pretório Excelso, no controle difuso de constitucionalidade.
Por oportuno, salutar a lição de Leonel (2001, p. 95):
O fortalecimento da jurisprudência sumulada tem trazido expansão da eficácia dos precedentes dos
tribunais superiores. São exemplos disso: (a) a possibilidade de o relator do agravo de instrumento negar
provimento a recurso que conflite com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal,
do STF, ou de tribunal superior; ou então dar provimento ao recurso se a decisão recorrida conflitar
com súmula ou jurisprudência dominante do STF, ou de tribunal superior (art. 557, caput, e respectivos
§1.º-A do CPC, redação dada pela Lei 9.756, de 17.12.1998); (b) a possibilidade de o relator do agravo
contra decisão denegatória de recurso especial ou extraordinário, no STF ou STJ, conhecer do agravo
para dar provimento diretamente ao recurso cujo seguimento foi negado, se a decisão recorrida conflitar
com súmula ou jurisprudência dominante do STF e do STJ (art. 544, § 4.º, II, “b” e “c”, do CPC, redação
dada pela Lei 12.322, de 09.09.2010); (c) dispensa do reexame necessário nos casos em que, mesmo
vencido o Poder Público, a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do STF ou em
súmula deste tribunal ou do tribunal superior competente (art. 475, § 3.º do CPC, acrescentado pela Lei
10.352, de 26.12.2011); (d) a possibilidade de o juiz negar seguimento a recurso de apelação quando
a sentença impugnada estiver amparada em súmula do STJ ou do STF (art. 518, § 1.º do CPC, redação
da Lei 11.276, de 07.02.2006.
Não só as decisões judiciais, mas também os atos emanados da administração pública, direta e indireta, das três esferas de
governo, devem se vincular ao mandamento sumulado pelo Supremo Tribunal Federal, tanto em virtude do caput do art. 103-A da
Constituição Federal, como pela possibilidade de interposição de Reclamação Constitucional ao Pretório Excelso.
Consoante o art. 7.º, § 1.º, da Lei n. 11.417/06, o ato administrativo, ou a omissão da administração pública, que contrarie súmula vinculante, só podem
ser alvo de Reclamação ao Supremo Tribunal Federal depois de esgotados os requerimento nas vias administrativas.
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O art. 103, caput e § 3.º, da Constituição Federal, assim disciplina:
Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:
[...]
§ 3.º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente
a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato
administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou
sem a aplicação da súmula, conforme o caso.
Como se vê, eventual entendimento acerca da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, se considerado reiteradas vezes
em sede de controle difuso no Supremo Tribunal Federal, pode vir a ser sumulado, o que teria o condão de conferir eficácia vinculante e
geral à inconstitucionalidade atinada, mesmo antes da publicação de qualquer Resolução suspensiva do Senado Federal, o que denota a
obsolescência da atribuição da Casa da Federação, disposta no art. 52, X, da Lex Mater.
Entendendo que a súmula vinculante possui, também, eficácia geral, expõe Mendes (2010, p. 1252):
Desde já, afigura-se inequívoco que a referida súmula conferirá eficácia geral e vinculante às decisões
proferidas pelo Supremo Tribunal Federal sem afetar diretamente a vigência de leis declaradas inconstitucionais no processo de controle incidental. E isso em função de não ter sido alterada a cláusula
clássica, constante do art. 52, X, da Constituição, que outorga ao Senado a atribuição para suspender a
execução de lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
E conclui:
Não resta dúvida de que a adoção de súmula vinculante em situação que envolva a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo enfraquecerá ainda mais o já debilitado instituto da suspensão
de execução pelo Senado. É que essa súmula conferirá interpretação vinculante à decisão que declara
a inconstitucionalidade sem que a lei declarada inconstitucional tenha sido eliminada formalmente do
ordenamento jurídico (falta de eficácia geral da decisão declaratória de inconstitucionalidade). Tem-se
efeito vinculante da súmula, que obrigará a Administração a não mais aplicar a lei objeto da declaração
de inconstitucionalidade (nem a orientação que dela se dessume), sem eficácia erga omnes da declaração
de inconstitucionalidade.
Moraes (2002, p. 715), defensor da discricionariedade, arremata, admitindo que o exercício da competência extraída do art. 52,
X, da Constituição Federal não será mais necessária, tendo em vista a inserção da súmula vinculante pela EC nº 45/04 e a consequente
formalização da sistemática de respeito ao precedente judicial:
Não será mais necessária a aplicação do art. 52, X, da Constituição Federal – cuja efetividade, até
hoje, sempre foi reduzidíssima –, pois, declarando incidentalmente a inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo do Poder Público, o próprio Supremo Tribunal Federal poderá editar Súmula sobre a validade,
a interpretação e a eficácia dessas normas, evitando que a questão controvertida continue a acarretar
insegurança jurídica e multiplicidade de processos sobre questão idêntica.
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Assim, os verbetes com efeito vinculante e eficácia geral não podem ser considerados meras fontes secundárias do direito,
mas, sobretudo, devem ser visualizadas como fontes principais, uma vez que alteram diretamente nosso ordenamento jurídico positivo,
estabelecendo condutas de observância obrigatória para toda a administração pública e para o próprio Poder Judiciário.
A Emenda Constitucional n. 45/04 originou outro azo legislativo que, conjuntamente com a súmula vinculante, tenciona
modificar a interpretação ortodoxa atribuída ao art. 52, X, da Constituição Federal, qual seja: o instituto da repercussão geral.
O art. 102, § 3.º da Lei Fundamental positiva um dos requisitos intrínsecos de admissibilidade recursal , tornando obrigatória a
demonstração da repercussão geral das questões constitucionalmente discutidas no recurso extraordinário.
Embora tenha sido introduzida no ordenamento jurídico pátrio pela Emenda Constitucional n. 45/04, foi apenas a Lei n.
11.418/06 que a regulamentou, inserindo os artigos 543-A e 543-B no Código de Processo Civil.
No próprio Supremo Tribunal Federal, a repercussão geral é prevista no art. 322 do Regimento Interno, com redação dada pela
Emenda Regimental n. 21, de 30.04.2007.
A repercussão geral possui significado amplo, consubstanciando-se na exigência de que o recorrente demonstre a relevância
da questão constitucional veiculada no recurso extraordinário, sob o prisma econômico, político, social ou jurídico, a fim de ensejar o
conhecimento do recurso pelo Supremo Tribunal Federal, em razão do superior interesse da preservação do direito objetivo.
Nesse sentido, assim prescreve o art. 543-A, caput e § 3.º do Código de Processo Civil:
Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário,
quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.
[...]
§ 3º Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou
jurisprudência dominante do Tribunal.
Por sua vez, o caput do art. 543-B do Código de Processo Civil define a forma de resolução de idênticas controvérsias:
Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário,
quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.
[...]
§ 3º Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou
jurisprudência dominante do Tribunal.
A exegese de tal dispositivo consiste em permitir que os recursos extraordinários selecionados pelo juízo de origem sirvam de
paradigma a respeito da existência, ou não, de repercussão geral acerca da questão constitucional discutida nos recursos repetitivos,
devidamente sobrestados.
Com efeito, apregoa o § 2.º do art. 543-B:
§ 2.º Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos.
Por outro lado, reputada existente a repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal poderá negar provimento ao recurso
extraordinário ou dar-lhe provimento.
No primeiro cenário, o § 3.º do art. 543-B dispõe:
§ 3.º Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos
Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou
retratar-se.
Os outros requisitos intrínsecos para a interposição do recurso extraordinário são: cabimento, legitimidade recursal, interesse recursal e inexistência de
fato extintivo ou impeditivo do direito.
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Assim, os recursos extraordinários que se encontram sobrestados no Juízo de origem poderão ser considerados prejudicados,
uma vez que, em se tratando de recursos similares e havendo pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto, não se
justifica a remessa dos autos àquela Corte, para que seja proferida decisão de idêntico teor.
Na segunda hipótese, pode o órgão de origem retratar-se da decisão proferida em sentido contrário a do Supremo Tribunal
Federal (art. 543-B, § 3.º). Não o fazendo, os recursos extraordinários sobrestados deverão ser remetidos ao Pretório Excelso, que poderá
cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada nos recursos extraordinários paradigmas.
Nessa toada, percebe-se que o recurso extraordinário passou de uma via recursal de ponderação de interesses subjetivos para
assumir um papel de defesa da ordem constitucional objetiva, podendo repercutir na esfera jurídica de diversos jurisdicionados.
A objetivação do recurso extraordinário condiz com o papel constitucionalmente atribuído ao Supremo Tribunal Federal, qual
seja: preservar e interpretar as normas da Constituição Federal, uniformizando os entendimentos contrários.
Com efeito, as decisões do Supremo Tribunal Federal, mesmo no âmbito do controle difuso de constitucionalidade, despontam
como paradigmáticas, devendo ser seguidas pelos demais tribunais da federação.
Cabe ao Pretório Excelso, assim, a última palavra sobre a controvérsia constitucional, sendo incoerente e desnecessária a espera
da manifestação política do Senado Federal para que, só então, a decisão, no controle concreto de constitucionalidade, possua eficácia
erga omnes.
Portanto, o Supremo Tribunal Federal possui, além da já aclamada súmula vinculante, o mecanismo da repercussão geral para
definir as balizas de determinada questão constitucional relevante, independentemente de qualquer manifestação do Senado Federal, o
que torna obsoleta a ratio da competência estampada no art. 52, X, da Constituição Federal.
Outro argumento para a mutação constitucional encontra-se no controle de constitucionalidade das ações coletivas (v.g.
mandado de segurança coletivo, ação coletiva ou ação civil pública), em que a decisão do Supremo Tribunal Federal, mesmo proferida
incidentalmente, repercute na esfera jurídica de vários indivíduos, sendo difícil justificar a necessidade de comunicação ao Senado Federal
da decisão proferida, a não ser para apenas dar-se publicidade à mesma.
Desse modo, certo que o Supremo Tribunal Federal vem se firmando, paulatinamente, como o legítimo guardião da Constituição,
cabendo a ele, e tão somente a ele, decidir o sentido e a interpretação das questões constitucionais, por razões que tendem a modificar
a interpretação do art. 52, X, da Constituição Federal.
A polêmica acerca do papel do Senado Federal na atual configuração do controle de constitucionalidade no Brasil vem sendo
travada, também, pelo Supremo Tribunal Federal, principalmente a partir da Reclamação Constitucional 4335-5/AC, cujo relator é o
Ministro Gilmar Ferreira Mendes.
No julgamento do Habeas Corpus 82.959/SP, conhecido como “Caso Oséas”, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Melo, o
Supremo Tribunal Federal, aparentemente, conferiu efeito erga omnes à decisão proferida em um processo constitucional subjetivo,
deixando consolidada a inconstitucionalidade, com eficácia geral, do § 1.º, do art. 2.º, da Lei n. 8.072/90, que proibia a progressão de
regime aos condenados por crime hediondo, por estar em dissonância com o art. 5.º, XLVI, da Constituição Federal.
Na verdade, o Pretório Excelso não estava decidindo o caso concreto, mas a constitucionalidade do dispositivo que impunha o
cumprimento da pena, no caso da prática de crimes hediondos, em regime integralmente fechado.
Todavia, ainda vigora no Brasil o ortodoxo e incongruente entendimento de que a decisão prolatada pelo Supremo Tribunal
Federal, em sede de controle difuso de constitucionalidade, possui apenas eficácia inter partes, carecendo de pronunciamento discricionário
do Senado Federal para alcançar a eficácia erga omnes.
3 . MANUTENÇÃO DO EQUILÍBRIO DO SISTEMA DE CHECKS AND BALANCES
A mutação constitucional nada mais é do que a alteração semântica de determinado preceito da Constituição sem operar-se a
adulteração do corpo do dispositivo, em decorrência de modificações no prisma hitórico-social ou fático-axiológico em que se concretiza
a aplicação.
Em lição preciosa, Hesse (2009, p. 151) assim define o fenômeno da mutação constitucional:
Tanto o Tribunal Constitucional Federal como a doutrina atual entendem que uma mutação constitucional
modifica, de que maneira for, o conteúdo das normas constitucionais de modo que a norma, conservando
o mesmo texto, recebe um significado diferente.
Portanto, em alguns casos, os vocábulos da norma conservam-se imutáveis ao longo dos tempos, mas a sua acepção sofre um
processo de corrosão, ou, melhor dizendo, enriquecimento, através da interferência de fatores diversos que vêm amoldar a letra da lei a
um novo espírito, inovando a direção dos enunciados jurídicos.
Os princípios da certeza e segurança jurídica estariam comprometidos se os aplicadores do direito, em nome da abertura e da
riqueza semântica dos enunciados normativos, pudessem atribuir-lhes qualquer significado, à revelia dos cânones hermenêuticos e do
comum sentimento de justiça.
Nesse ínterim, sob pena de instauração de espécie de “ditadura do Poder Judiciário”, é imprescindível o estabelecimento de
parâmetros objetivos de controle e racionalização da interpretação constitucional.
Entrementes, uma teoria jurídica sobre os limites da mutação constitucional só é possível com o sacrifício dos pressupostos
metódicos básicos do positivismo, sustentado na estrita separação entre Direito e realidade, assim como na rejeição de qualquer
consideração histórica e filosófica do processo de argumentação jurídica.
Destarte, quando a guinada interpretativa impossibilitar a compreensão lógica do texto constitucional ou quando aparecer em
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clara contradição com a literalidade do dispositivo, impossível e ilegítima a mutação constitucional intencionada.
Nesse sentido, Hesse (2009, p. 151) afirma que o limite da mutação constitucional é a própria força normativa da Constituição.
Qualquer coisa além disso representará quebra da ordem constitucional ao invés de modificar a interpretação do texto:
Tudo o que se situe mais além dessas possibilidades já não será mutação constitucional, e sim quebra
constitucional ou anulação da Constituição. Pode ser que de fato se imponham ‘os acontecimentos
históricos que transformaram os fundamentos do Estado fora do Direito’, as usurpações, e as revoluções.
Isto nenhuma teoria dos limites da reforma constitucional ou da mutação constitucional poderá impedir.
Porém, dentro do estrito âmbito aqui demarcado, assegura-se melhor a defesa da Constituição diante
de perigos de ‘mutações constitucionais’ ilimitadas do que pela renúncia prévia, explícita ou implícita à
elaboração de limites que possam ser respeitados na prática. Disso é que se trata, e não de uma – talvez
não intencional – legitimação dos fatos consumados.
Diante dessas premissas, certo é que a mutação constitucional do art. 52, X, da Constituição Federal não impede sua compreensão
lógica, em razão de permanecer a atribuição do Senado Federal de suspender a execução de lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
O que há, de concreto, é apenas e tão somente a mudança da natureza da competência do Senado Federal, que passará de
essencialmente política e discricionária para juridicamente vinculada, necessária para conferir publicidade à decisão do Supremo Tribunal
Federal no controle difuso de constitucionalidade.
De outro lado, a mutação constitucional indicada não representa contradição ao texto da norma objeto da guinada interpretativa,
uma vez que o art. 52, X, da Constituição Federal não nos remete, em nenhum momento, à discricionariedade da competência do Senado,
se omitindo em relação a tal questionamento.
Em verdade, os defensores do caráter discricionário da competência do Senado Federal se baseiam em uma leitura histórica da
Constituição, embasada no respeito à teoria da separação dos Poderes (em sua conotação rígida) e consequente preservação do equilíbrio
do sistema de checks and balances, positivado como cláusula pétrea no art. 60, § 4.º, III, da Constituição Federal.
Lastreiam-se, ainda, na infiel percepção sobre o real significado do ativismo judicial, vislumbrando-o, erroneamente, como
mecanismo de usurpação da competência do Senado Federal, em virtude da suposta hipertrofia do Supremo Tribunal Federal e
consequente atrofia do Poder Legislativo.
O ativismo judicial, no entanto, é fenômeno amplo, inserido dentro da perspectiva do neoconstitucionalismo e do pós-positivismo por encontrar vínculo com a força normativa da Constituição, com a expansão da jurisdição constitucional e com o desenvolvimento
de uma nova dogmática da interpretação constitucional.
Decerto que o ativismo judicial encontra respaldo na flexibilização da teoria da separação dos Poderes, ao passo que permite
que o Supremo Tribunal Federal exerça a guarda da Constituição, sem, com isso, deturpar as competências constitucionais direcionados
ao Poder Legislativo.
Não se está consagrando, com isso, a desnecessidade de existência do Senado Federal, órgão que, ao longo de quase duzentos
anos, posicionou-se como mediador da estabilização constitucional brasileira, representando a voz dos Estados da federação nas questões
de relevo nacional. O que ocorre, de fato, é que a competência haurida do art. 52, X, da Constituição Federal precisa ser reinterpretada,
face às modificações legislativas e jurisprudenciais ocorridas recentemente no Brasil.
Aliás, insta ressaltar que o art. 60, § 4.º, III, da Constituição Federal proíbe qualquer mudança “tendente a abolir” a separação
dos poderes, o que não impede a variação de interpretação sobre a natureza de dada competência do Senado Federal.
Assim, não se pode falar que a mutação constitucional do art. 52, X, da Lei Fundamental tende a abolir a cláusula pétrea
estampada no art. 60, § 4.º, III, da Constituição Federal, em razão de apenas alterar a natureza da competência do Senado Federal, o que,
obviamente, não viola, de forma alguma, a independência entre os Poderes Judiciário e Legislativo.
Apesar da legalidade e possibilidade jurídica da mutação constitucional do art. 52, X, da Constituição Federal, não se sabe, ao
certo, se o Senado Federal entenderá tal mudança como uma intromissão do Supremo Tribunal Federal, o que poderia desaguar em uma
crise institucional entre os Poderes da República, ou se a Casa da Federação aceitará a modificação da natureza de sua competência no
âmbito do controle difuso de constitucionalidade.
A análise da possível reação do Senado Federal à mutação do art. 52, X, da Carta Magna não pode ser realizada ao arrepio do
contexto em que se inseriu o Supremo Tribunal Federal hodiernamente, qual seja, ator secundário do processo legislativo, ante a ausência
de produção legiferante do Congresso Nacional como um todo.
O que se observa, há de se ressaltar, é que o Supremo Tribunal Federal vem assumindo posições originariamente conferidas pelo
legislador constituinte ao Senado Federal, seja pela desídia do órgão legislativo em exercer suas competências legais, seja pelas mudanças
fáticas e jurídicas ligadas a mutações constitucionais.
Além da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54, observa-se a atuação positiva do Supremo Tribunal
Federal no julgamento do Mandado de Injunção n. 670, onde restou consolidado o direito de greve dos servidores públicos civis, em que
pese a inexistência de lei regulamentadora.
Na ocasião, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que o direito fundamental de greve, constitucionalmente
garantido no art. 9º, §1.º, da Constituição Federal, não poderia deixar de ser respeitado em virtude, unicamente, da mora legislativa em
regulamentar o dispositivo de eficácia contida, cabendo ao Supremo Tribunal Federal “legislar” sobre o tema, o que seria, teoricamente,
função típica do omisso e inerte Poder Legislativo.
Não obstante a ausência de debate, entre os senadores, sobre a abstrativização dos efeitos do controle difuso de constitu52
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cionalidade, a reação do Senado Federal à mutação constitucional do art. 52. X, da Lex Mater poderá desencadear uma crise entre os
Poderes Judiciário e Legislativo, diante da recente tendência de atuação positiva do Supremo Tribunal Federal em matérias de cunho
eminentemente congressual (v.g., APDF n. 54 e MI n. 670), como também pode, ao revés, significar a ratificação e consolidação dessa
tendência.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No desiderato primevo de sanar a incongruência existente na aplicação da doutrina norte-americana do judicial review of
legislation em ordenamentos carentes de stare decisis, as Constituições brasileiras, a partir da Carta de 1934, positivaram a competência
do Senado Federal para suspender a execução da lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, como
forma de atribuir eficácia geral às decisões prolatadas no controle difuso de constitucionalidade, o que está previsto no inciso X do art.
52 da ordem constitucional atual.
Como visto, no que tange à natureza da atribuição senatorial de conferir eficácia geral às decisões em sede de controle concreto,
existe divergência doutrinária e jurisprudencial, notadamente se tal atribuição deve ser exercida de forma discricionária ou vinculada.
Os defensores da discricionariedade da competência suspensiva da Casa da Federação asseveram que nem o art. 52, X, da Lei
Fundamental, nem muito menos o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal fazem alusão a qualquer prazo para o pronunciamento
senatorial.
Tal vertente sustenta que a intervenção do Senado Federal consiste em um mecanismo jurídico-político de atender à teoria
da separação dos poderes, posto que, na prática, suspender a execução de determinada norma consiste em revogá-la, competência tal
direcionada apenas a outra lei emanada do mesmo órgão legiferante, em privilégio ao princípio da simetria das formas jurídicas.
Contudo, respeitável parcela da doutrina pátria, além de recentes julgados do Supremo Tribunal Federal e Tribunais superiores
vêm admitindo uma nova interpretação da competência senatorial expressa no art. 52, X, da Lex Mater.
Pela mutação constitucional proposta, se o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle incidental, chegar à conclusão
definitiva de que a lei ou ato normativo é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação ao Senado Federal,
para que, tão somente, haja a publicação do teor do decisum no Diário do Congresso.
O que se observa atualmente, em virtude da inserção de diversos dispositivos constitucionais (arts. 103-A e 103, caput, § 3.º,
da Constituição Federal) e legais (arts. 285-A, 475, caput, § 3.º, 518, caput, § 1.º, 544, § 4.º, “a” e “b” e 557, caput, § 1.º-A, do Código de
Processo Civil) que conferem importância ao precedente judicial (processo de jurisprudencialização do direito nacional), é que a súmula
vinculante passa a deter, também, eficácia erga omnes, o que acaba por esvaziar o significado da Resolução suspensiva do Senado Federal
no controle concreto de constitucionalidade.
Isso porque eventual entendimento acerca da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, se considerado reiteradas vezes
em sede de controle difuso no Supremo Tribunal Federal, pode vir a ser sumulado, o que teria o condão de conferir eficácia vinculante e
geral à inconstitucionalidade atinada, mesmo antes da publicação de qualquer Resolução suspensiva do Senado Federal, o que denota a
obsolescência da atribuição da Casa da Federação, disposta no art. 52, X, da Carta Magna.
Ainda, percebe-se que o recurso extraordinário passou de uma via recursal de ponderação de interesses subjetivos para assumir
um papel de defesa da ordem constitucional objetiva (objetivação do recurso extraordinário), podendo repercutir na esfera jurídica de
diversos jurisdicionados (arts. 543-A e; 543-B, do Código de Processo Civil), fato que contribui para o firmamento da posição do Supremo
Tribunal Federal como legítimo guardião e intérprete da Constituição Federal.
Ademais, no caso do art. 52, X, da Constituição Federal, plausível a atuação positiva do Supremo Tribunal Federal no afã de
garantir a aplicabilidade dos direitos e garantias fundamentais constitucionalmente assegurados (força normativa da Constituição), que
não podem esperar eternamente pela publicação de Resolução suspensiva no Diário do Congresso.
Com efeito, a mutação constitucional indicada não representa contradição ao texto da norma objeto da guinada interpretativa,
uma vez que o art. 52, X, da Constituição Federal não nos remete, em nenhum momento, à discricionariedade da competência do Senado,
omitindo-se em relação a tal ponto.
O que há, de fato, é apenas a mudança da natureza da competência do Senado Federal, que passará de essencialmente política
e discricionária para juridicamente vinculada, necessária para conferir publicidade à decisão do Supremo Tribunal Federal no controle
difuso de constitucionalidade.
Não se está consagrando, com a mutação constitucional e consequente abstrativização dos efeitos do controle difuso de constitucionalidade, a desnecessidade de existência do Senado Federal, órgão que, ao longo de quase duzentos anos, posicionou-se como
mediador da estabilização constitucional brasileira, representando a voz dos Estados da federação nas questões de relevo nacional. O que
ocorre, em verdade, é que a competência insculpida do art. 52, X, da Constituição Federal precisa ser reinterpretada, face às modificações
legislativas e jurisprudenciais ocorridas recentemente no Brasil.
Por outro lado, a possível reação do Senado Federal à mutação do art. 52, X, da Carta Magna deve ser vislumbrada no contexto
em que o Supremo Tribunal Federal está inserido hodiernamente, qual seja, ator secundário do processo legislativo, ante a ausência de
produção legiferante do Congresso Nacional como um todo.
Os entendimentos apontados e os ensejos da mutação constitucional estudada permitem concluir que o art. 52, X, da
Constituição Federal merece ser reinterpretado, de maneira a tornar a competência do Senado Federal vinculada, necessária para conferir
publicidade à decisão do Supremo Tribunal Federal no controle difuso de constitucionalidade, o que, de maneira alguma, apequena a
valiosa contribuição da Casa da Federação na sistemática de estabilização e mediação constitucional brasileira.
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