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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 2ª Edição
Publicada em Fevereiro de 2005
Editorial
Combatendo as Causas dessa Inaceitável Infelicidade
Das Razões de Ser da Revista GIS
Roberto Bartholo
Apresentar uma revista é explicitar seu compromisso, seu pacto fundamental. E fazemos isso
mediante a referência a um "velho" testemunho de D. Helder Câmara (1987:128-129):
".... Lembro-me de certa vez que me convidaram para a inauguração de uma grande
empresa. Era um dia de intenso calor, mas os escritórios dos diretores tinham o
conforto dos aparelhos de ar condicionado. Os garçons passavam travessas e mais
travessas com garrafas de uísque. Uma, duas, muitas vezes. Eu tomava apenas
refrigerantes - não por virtude excessiva, pois até gosto de um pouco de vinho, o que
não me causa nenhum problema de ordem moral - e sim porque o álcool parece não
gostar de mim... Em dado momento um dos convidados se aproxima e,
grosseiramente, me diz: ´ora, ora Dom Hélder! Como é que vai sua demagogia? O
senhor ainda tem coragem de dizer que vivemos cercados de fome e miséria aqui em
Recife?´ Outras pessoas juntaram-se a nós encorajadas por aquela provocação e
querendo prossegui-la. Eu respondi a todos em alto e bom som: ´vejam só! Eu estava
tranqüilo no meu canto, mas vocês preferiram provocar-me... Pois eu lhes garanto que
se sairmos todos nos belos carros que vocês têm, em poucos minutos eu os
mergulharei num ambiente da mais terrível fome e miséria...
Para surpresa minha aceitaram o desafio. Em não mais que dez minutos chegamos a
uma sapucaia, um desses lugares onde os serviços públicos despejam e depois
incineram, o lixo da cidade. Eu conhecia bem o local... Chamei um conhecido, que é
funcionário da prefeitura e por ali trabalha. Ele tem, a propósito o apelido de Doutor
Lixeira... Longa experiência lhe ensinou a ver, no meio daquele lixo todo o que ainda
pode ser aproveitado como alimento. É ele quem estabelece a classificação: comida de
primeira classe, que funcionários da prefeitura reservam para si mesmos; comida de
segunda classe, boa ainda para as pessoas que nada têm do que viver e se alojam por
ali, disputando o refugo com os urubus que ciscam como galinhas pretas; comida de
terceira classe, que se coleta e guarda para vendê-la depois nas tendinhas de quarta ou
quinta classe, onde qualquer coisa serve para encher a barriga dos que vivem
encharcados de álcool...
O Doutor Lixeira explicou tudo isso muito direitinho às dezenas de chefes de empresa
que me haviam acompanhado até ali. Tive a impressão de que marcara profundamente
o meu ponto, ensinando-lhes uma dura lição... Mas qual! No dia seguinte, um deles me
chama ao telefone, e diz: ´Dom Hélder, que sujeito formidável aquele Doutor Lixeira!
Ele tem muita iniciativa! Bem que poderíamos empregá-lo...´
ii
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 2ª Edição
Publicada em Fevereiro de 2005
Nosso compromisso com a atualidade do testemunho de Dom Hélder pode encontrar abrigo
na afirmativa de um dos mais importantes economistas contemporâneos, A. O. Hirschman
(1996: 257): "... o progresso político e o econômico não estão ligados entre si de modo fácil,
direto, funcional". Essas conexões são construídas situacionalmente. E nesse sentido os
estudos de Amartya Sen (2000, 2001) são exemplares para apontar como a igualdade formal
de oportunidades deve necessariamente ser referida a um contexto situacional concreto.
A proposição fundamental da antropologia filosófica de Martin Buber (Bartholo, 2001) pode
vir a nosso auxílio ao confrontarmos essa questão. Ela nos afirma que antes de ser um ente
político ou econômico o ser humano é um ser relacional. As formas políticas e econômicas
correspondem a padrões historicamente construídos de institucionalização. Percebida desde
essa perspectiva, como bem aponta Hassan Zaoual (2003): "... a pobreza é irredutível a uma
simples insuficiência de renda. Todo o contexto da pessoa deve ser tomado em consideração,
em particular sua capacidade de ser livre de mudar, de agir sobre a situação, de participar da
vida social etc. Os espaços da desigualdade são, então, múltiplos e interativos; utilidades,
bens de primeira necessidade, renda, liberdade, entre outros. Todos esses espaços nem sempre
estão adequadamente relacionados uns com os outros. Ao se dar privilégio a um deles, podese produzir efeitos contrários sobre os outros".
Nos contextos situacionais concretos somos chamados a responder a apelos diversos. E a
dimensão ética da resposta é a responsabilidade. Responsabilidade situada, isto é, concreta,
pessoal e rigorosamente intransferível. Não apenas a retórica de uma responsabilização
formal. E nesse ponto podemos retomar o compromisso de Dom Hélder (Câmara, 1987: 129):
"... lutar por meios pacíficos, mas corajosos, contra as estruturas impiedosas que esmagam e
fazem sofrer a humanidade. Pois não basta socorrer as vítimas. É necessário atacar
vigorosamente, antes de mais nada, as causas dessa inaceitável infelicidade".
Para a Revista GIS, falar de iniciativas de interesse social é afirmar esse empenho e
compromisso.
Referências bibliográficas
Bartholo Jr., Roberto S. (2001) Você e eu: Martin Buber, Presença, Palavra. Rio de Janeiro,
Garamond.
Câmara, Hélder (1987). O Evangelho com Dom Hélder. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira.
Hirschman, Albert O. (1996). Autosubversão. São Paulo, Companhia das Letras.
Sen, Amartya (2000). Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo, Companhia das Letras.
Sen, Amartya (2001). Desigualdade Reexaminada. Rio de Janeiro, Record.
Zaoual, Hassan (2003). Globalização e Diversidade Cultural. São Paulo, Cortez.
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 2ª Edição
Publicada em Fevereiro de 2005
Expediente
Informações básicas
A Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais é uma publicação científica gratuita, de
periodicidade quadrimestral, do Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social
(Programa de Engenharia de Produção da COPPE/UFRJ), cujo número piloto foi lançado em
julho de 2003. Dedica-se a divulgar trabalhos voltados para a apresentação e análise de
propostas e experiências ligadas à gestão de iniciativas sociais. Pretende manter uma atitude
prospectiva, apontando possíveis tendências em temas ligados à gestão social.
O formato da Revista foi formulado para ter como meio de divulgação a Internet, explorando
as possibilidades do meio eletrônico para oferecer e trocar informações, em particular o
recurso do hipertexto.
Como seções fixas, a Revista inclui artigos, reportagens, entrevistas, apresentação de casos,
resenhas críticas.
O título abreviado da revista é Revista GIS, forma a ser utilizada em bibliografias, notas e
referências.
Copyright
Os conceitos emitidos em artigos são de exclusiva responsabilidade de seus autores, não
refletindo, necessariamente, a opinião da redação.
Permite-se a reprodução total ou parcial dos trabalhos, desde que seja indicada explicitamente
a sua fonte.
Financiador
A Revista recebe apoio do SESI.
CORPO EDITORIAL
Editor responsável
Roberto dos Santos Bartholo Jr. - Professor do Programa Engenharia de Produção COPPE/UFRJ e Coordenador do Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 2ª Edição
Publicada em Fevereiro de 2005
Comitê editorial
Carlos Renato Mota - professor do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do
Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social da COPPE/UFRJ
Arminda Eugenia Marques Campos - pesquisadora do Laboratório de Tecnologia e
Desenvolvimento Social da COPPE/UFRJ
Conselho Editorial
Geraldo de Souza Ferreira - DEGEO/UFOP, Ouro Preto, MG
Marcel Bursztyn - CDS/UnB, Brasília, DF
Maurício Cesar Delamaro - FEG/UNESP, Guaratinguetá, SP
Michel Thiollent - COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, RJ
Paulo Márcio Melo - UERJ, Rio de Janeiro, RJ
Equipe de redação
Cristina Maria Barros de Medeiros
Simone Saviolo Rocha
Secretaria
Maria Joselina de Barros
Revisão
José Henrique de Oliveira
Concepção do projeto gráfico, diagramação e webdesign
Ivan Bursztyn
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 2ª Edição
Publicada em Fevereiro de 2005
Apresentação
Este número da Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais tem como tema
Empreendedorismo de Interesse Social. Nossa principal preocupação, ao selecionar os
textos, foi buscar apresentar a maior diversidade possível de experiências e aspectos
associados a esse assunto.
A Revista GIS dedica-se a divulgar trabalhos voltados para a apresentação e a análise de
propostas e experiências ligadas à gestão social. Pretende manter uma atitude prospectiva,
apontando possíveis tendências nesse tema.
Como seções fixas, apresenta artigos, reportagens, entrevistas, apresentação de casos e
resenhas críticas. Procura utilizar ao máximo os recursos oferecidos pelo formato de periódico
on-line, oferecendo sempre que possível links para fontes de informação complementar.
O próximo número, a ser lançado em junho, terá como tema responsabilidade social
empresarial. Aguardamos suas contribuições, que serão analisadas pelo Comitê Editorial da
Revista. As informações necessárias para preparar os textos encontram-se na seção
“Instruções aos autores”.
Esperamos que aprecie nossa Revista. Navegue pelas seções e seus textos e depois nos envie
seus comentários e sugestões.
Boa leitura!
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 2ª Edição
Publicada em Fevereiro de 2005
Sumário
Espaço SESI
SESI Empreende: Desenvolvendo atitudes empreendedoras - Andréa Novo
Duarte, Carla Fichtner Patines, Mônica de Novais Latorre, Rita de Cássia
Madruga de Souza, Rita de Cássia Madruga de Souza e Tânia Regina Paz....................... 01
Reportagem
Empreendedorismo solidário na era da
reprodutibilidade - Glaucia Cruz e Rosa L. Peralta ............................................................ 08
Entrevista
João Joaquim de Melo Neto Segundo, coordenador do Banco Comunitário Palmas .......... 12
Estudos de Caso
ATA – Apoio ao Trabalhador Autônomo: Um modelo de política pública
de apoio aos trabalhadores autônomos da construção civil - Michelle Plubins Bulkool...... 18
Resenha Crítica
Bio(sócio)diversidade e Empreendedorismo
Ambiental na Amazônia de Joselito Santos Abrantes ......................................................... 22
Artigos
Economia de comunhão: Absurdo e graça
trabalhar é preciso - Heloisa Helena A. Borges Q. Gonçalves ............................................ 24
Participação dos cooperados no processo de gestão
das sociedades cooperativas - Nemizio Antônio de Souza.................................................... 36
Empreendedor coletivo e economia social:
Outra forma de empreender - Benoît Lévesque.................................................................... 44
Participação e processo decisório em uma
pequena indústria autogestionária - Suzana Hecksher Oliveira........................................... 65
Rede dinâmica em aglomerados
de empreendedores de base artesanal - Janio Caetano de Abreu ........................................ 77
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
Publicada em Outubro de 2004
Espaço SESI
SESI Empreende:
Desenvolvendo atitudes empreendedoras
Andréa Novo Duarte, Carla Fichtner Patines, Mônica de Novais Latorre,
Rita de Cássia Madruga de Souza e Tânia Regina Paz *
RESUMO
Esse artigo versa sobre o Curso SESI Empreende, uma ação educativa voltada para o
desenvolvimento de atitudes e comportamentos empreendedores dos jovens, convidando-os a
sonhar, planejar e realizar sonhos no âmbito da comunidade onde vivem. O mesmo foi
desenvolvido pelo SESI/ RS em consonância com as transformações sociais, políticas,
tecnológicas, econômicas e demográficas. Pretende-se no presente trabalho apresentar a
justificativa, os objetivos, a metodologia e alguns resultados a partir das experiências
vivenciadas no Estado.
Palavras-chave: ação educativa, desenvolvimento, jovem, SESI Empreende, empreendedor
ABSTRACT
That article turns on the Course SESI Undertakes, an educational action whose aim is the
development of young people entrepreneurial attitudes and behavior, inviting them to dream,
to drift and to accomplish dreams in the community where they live. The course was
developed by SESI / RS in consonance with the social, political, technological, economical
and demographic recent transformations. This text presents the course justification,
objectives, its methodology and some of results obtained.
Key-words: educational action, development, young, SESI Undertakes, entrepreneurship
Introdução
A Organização SESI vem buscando a
sustentabilidade política e financeira dos
serviços sociais de suas áreas de atuação, por
meio de mudanças estratégicas. Neste
sentido, a UER Educação, como Unidade
Estratégica de Resultados, propõe-se a
promover uma proposta de qualificação
continuada, a fim de atender às exigências
do mercado e às expectativas do SESI.
Assim, a atuação do SESI – Educação do
Rio Grande do Sul vem privilegiando
valores empreendedores nos jovens gaúchos,
visando promover a melhoria das condições
de vida dos envolvidos.
As mudanças tecnológicas, econômicas e
culturais apontam para a necessidade de a
educação transformar o modo de pensar e
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
aprender
o
mundo.
Conforme
o
Planejamento Estratégico do SESI 2000 –
2004, vivemos:
“em um ambiente marcado pela
crescente competição e por fortes
mudanças tecnológicas, o sucesso das
empresas está cada vez mais associado a
sua capacidade de implantar modelos de
gestão baseados na mobilização das
capacidades
humanas
de
seus
colaboradores, obtendo permanente
flexibilidade e inovação como condição
de competitividade”. (1999, p. 21).
Além das características já salientadas do
cenário atual, é freqüente a sinalização, por
parte dos empresários, quanto à necessidade
dos
profissionais
desenvolverem
características empreendedoras com visão de
negócio e prospecção de novas riquezas.
A sociedade contemporânea é marcada por
um ritmo acelerado de transformações
sociais,
políticas,
econômicas
e
demográficas. Uma tendência marcante de
nossa sociedade tem sido a valorização da
atividade empreendedora como uma opção
de carreira. Alterações estruturais no
mercado de trabalho têm tornado cada vez
mais difícil o processo de inserção
profissional, num mercado cada vez mais
competitivo.
A atividade empreendedora passa a ser vista,
por um número crescente de jovens, como
uma
possibilidade
de
aplicar
os
conhecimentos técnicos e científicos
adquiridos durante sua formação. Todavia,
estratégias para geração de riquezas
constituem uma tarefa arriscada que exige
atitudes,
valores,
habilidades
e
conhecimentos que pertencem ao domínio
da área que vem sendo denominada
Empreendedorismo.
O empreendedorismo tem uma longa
tradição em centros de ensino da Europa,
Publicada em Outubro de 2004
Estados Unidos e Canadá. No Brasil, o tema
vem disseminando-se com rapidez, bem
como ampliando os seus espaços entre o
governo, o meio empresarial e as instituições
representativas de classe e de ensino.
1. Justificativa e Objetivos
O conceito de empreendedorismo é amplo,
mas, de modo geral, destaca-se que o
empreendedor é aquele que é capaz de
pensar e agir por conta própria, utilizando
criatividade, habilidade pessoal, liderança e
visão de futuro para inovar e criar condições
para ocupar o seu espaço no mercado.
Especialistas concordam que a capacidade
de empreender não é apenas uma habilidade
pessoal inerente à personalidade de cada um
e acreditam que a maioria dos jovens, se
estimulados, podem desenvolver seu
potencial empreendedor.
Para Souza (2001), o desenvolvimento do
perfil empreendedor dos educandos está
intimamente ligado à criação, condução e
implementação do processo criativo na
elaboração de novos planos de vida, de
trabalho, de estudo e de negócios,
responsabilizando-os pelo seu próprio
desenvolvimento e pelo desenvolvimento da
organização.
O SESI – Educação / RS acredita na
necessidade de implantar projetos que
incentivem o desenvolvimento de atitudes e
de comportamentos empreendedores nos
jovens da comunidade gaúcha, com vistas a
proporcionar meios para que os mesmos
desenvolvam seu potencial criativo,
vislumbrando a possibilidade de garantir o
desenvolvimento de uma visão pró-ativa,
emancipatória que viabilize sua futura
inserção no mercado.
Neste sentido, faz-se necessário estimular a
cultura empreendedora, proporcionando o
desenvolvimento de competências e de
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
comportamentos
zacionais.
individuais
e
organi-
Frente a este cenário, o SESI Educação do
Rio Grande do Sul está empenhado em
fomentar a cultura empreendedora na
comunidade gaúcha, por meio de uma ação
educativa voltada para os jovens de forma
que os mesmos contribuam para a promoção
do desenvolvimento socioeconômico do
Estado.
O SESI Empreende é uma proposta que
consiste numa ação educativa direcionada
para jovens de 13 a 20 anos com
escolaridade mínima sexta série do ensino
fundamental que desejam desenvolver o
espírito empreendedor tanto no que se refere
a abrir seu próprio negócio, quanto a gerir
sua carreira de forma dinâmica, crítica e
consistente.
Como objetivo geral, o SESI Empreende
visa disseminar a cultura empreendedora e
potencializar as oportunidades de inserção
social do jovem. Para tanto, o curso
contempla
os
seguintes
objetivos
específicos: resgatar a auto-estima e a
perspectiva de futuro, munindo-os de
competências necessárias à prática plena da
cidadania e à inserção no mundo do
trabalho; desenvolver a habilidade de
planejamento pessoal e profissional,
fornecendo
subsídios
iniciais
para
elaboração de um Plano de negócios seja
referente à criação de um negócio, de uma
organização social (ONG, Sindicato,
Associação, etc.) ou de um Plano de
Desenvolvimento Pessoal (desenvolvimento
de carreira); promover a reflexão sobre o
que é ser empreendedor (características e
comportamentos); incentivar a cooperação
dos jovens junto às comunidades a qual
pertencem e ampliar redes de contatos.
2. Metodologia
Publicada em Outubro de 2004
O curso é desenvolvido por meio de
encontros
presenciais,
totalizando
6
Módulos independentes, abordando as
seguintes temáticas:
MÓDULO 0 - Eu, meus Sonhos, meu
Futuro
Temáticas: Conceito de Si, Levantamento de
expectativas, Apresentação do curso SESI
Empreende, Contrato de convivência, Quem
é o empreendedor, Mapa dos Sonhos
(Dolabela, 2003), Talentos e Valores.
MÓDULO I - Quem é o Empreendedor?
Quem sou Eu?
Temáticas: Auto-imagem, Levantamento de
expectativas, Apresentação do curso SESI
Empreende, Contrato de convivência,
Valores, Delineando Áreas de interesse,
Motivação,
Currículo
e
carta
de
apresentação, Metas pessoais e Entrevista de
seleção.
MÓDULO II - O Mundo do Empreendedor
Temáticas: Sonhos, Cidadania, Principais
características e comportamentos do
empreendedor, Percepção X Empreendedorismo, Criatividade X Empreendedorismo,
Idéia X Oportunidade, Tendências e
necessidades, Inovação e empreendedorismo, Identificação de oportunidades,
Iniciando um negócio, Erros fatais e
Depoimentos de empreendedores.
MÓDULO III - Desenhando meu
Caminho
Temáticas: Mapa de Vocação Pessoal
(baseado em Bolles, 1998), Aprenda a atuar
com planejamento, Iniciando o planejamento
da própria carreira e Plano de Desenvolvimento Pessoal.
MÓDULO IV - Planejando e fazendo
acontecer
Temáticas: Planejamento: conceito, elementos, Planejamento: detalhamento/etapas e
Realização
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
MÓDULO V - Transforme a sua Idéia em
Oportunidade
Temáticas: Iniciando seu próprio negócio,
Aprenda a atuar com planejamento, Plano de
negócios e Fatores que afetam a
oportunidade
Os encontros são desenvolvidos por meio de
aprendizagens vivenciais, dinâmicas de
grupos, pesquisa (Internet/livros/revistas),
jogos, estudos dirigidos, testes, estudos de
caso, palestras e entrevistas.
O curso aborda tanto questões teóricas
quanto atividades eminentemente práticas,
pois se acredita que a reunião desses
elementos é de fundamental importância
para uma das maiores contribuições do
presente curso: a familiarização dos
educandos no uso das ferramentas de
planejamento, abordando as dimensões de
carreira (Plano de Desenvolvimento
Pessoal), de empreendimento (Plano de
Negócios) ou de uma ação social. Ademais,
é sabido que a atividade empreendedora
deve estar diretamente associada à realidade
dos sujeitos que, ao desenvolverem um
conceito de si mais amplo, crítico e
autônomo, almejam transformar o meio onde
estão inseridos.
O SESI Empreende tem a intenção de gerar
melhorias no coletivo, pois prevê ações que
enfatizam a cidadania e busca desenvolver
valores que vão além das dimensões
individuais e econômicas. Ou seja, corrobora
com a noção de que a ação empreendedora
implica um sonho e que o mesmo, quando
realizado, deve também prever a geração de
valores para a comunidade (DOLABELA,
2003).
Dessa forma, os participantes são
convidados também a sonhar, planejar e
atuar tendo em vista a construção de um bem
coletivo. Isso porque os jovens escolhem
alguma situação a melhorar/resolver, no
Publicada em Outubro de 2004
âmbito da comunidade onde vivem,
elaboram planos e estratégias, bem como
implementam as respectivas ações.
Desenvolve-se, assim, a capacidade de
cooperação, sinergia e alinhamento de
esforços, o que fortalece e possibilita a
construção de laços de identidade e
solidariedade, elementos-chave para uma
efetiva prosperidade: o desenvolvimento
humano e social sustentável. Também podese perceber que o estabelecimento e a
melhoria da conectividade entre os diversos
setores da comunidade constitui-se um dos
maiores desafios nacionais a serem
trabalhados:
“em geral os sistemas políticos,
organizados verticalmente e atuando, em
grande parte, autocraticamente, só
conseguem se manter desativando o
empreendedorismo, o protagonismo e a
participação coletiva. Eles fazem isso
através de três práticas principais: a
centralização e o centralismo, o
assistencialismo e o clientelismo. Essas
três práticas se constituem como os
grandes exterminadores do capital
social” (FRANCO, 2004, p. 37).
Conforme destaca Dolabela: “a educação
empreendedora deve construir a capacidade
da vida em comum, uma aspiração
socialmente construída que não é
conseqüência
natural
da
ordem
socioeconômica em geral (...)”.(2003 p.82).
Nas palavras do autor: “no Brasil, o
empreendedorismo deve ser uma arma de
combate à exclusão social e a todas as
formas de desigualdades e diferenças”.(2003
p.82).
A construção do conhecimento pauta-se,
portanto, no envolvimento e na experiência
do
educando
sendo
impressos,
simultaneamente, um caráter pessoal e
socialmente responsável nas principais
atividades desenvolvidas no curso.
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
O SESI Empreende é desenvolvido nos
Centros de Atividades do SESI do Rio
Grande do Sul, em empresa ou outro local,
composto de uma carga horária que varia
entre 16h a 110 h. As turmas
são
constituídas de até 25 educandos.
Publicada em Outubro de 2004
do mesmo, que os participantes se sentiram
protagonistas no planejamento de suas
próprias histórias de vida.
O educador utiliza-se de estratégias
específicas para garantir a qualidade, no
desempenho da proposta, por meio de
cronogramas, planejamento, execução e
avaliação.
Uma vez concluídos os módulos de
Planejamento, é realizada uma exposição
dos planos elaborados, cuja preparação está
prevista durante o desenvolvimento dos
encontros. Tal evento é denominado expoempreende e ocorre em auditório da
comunidade
local.
Como
principais
objetivos essa exposição pretende divulgar
os projetos elaborados pelos educandos e
desenvolver sua rede de relacionamentos. A
realização
desse
evento
ocorre
semestralmente,
reunindo
turmas
constituídas durante o período.
Ao final das exposições dos projetos, cada
participante recebe o Certificado de
participação, no qual constam nome e autor
do projeto, além de data e local na qual foi
realizada a apresentação. Acredita-se que tal
prática evidencia um reconhecimento ao
trabalho dos educandos, bem como os
motiva a identificar estratégias para
concretização de seu empreendimento/projeto.
3. Resultados
Analisando a trajetória do SESI/RS, em
2004, na execução desta proposta educativa,
nos Centros de Atividades de Ijuí, Esteio e
Sapucaia do Sul, constatou-se que o curso
alcançou
à
proposição
prospectada
inicialmente, uma vez que se percebeu, tanto
durante, quanto no momento da conclusão
Destaca-se que esse aspecto fica evidente
que os educandos participaram dos
seminários desenvolvidos no decorrer do
curso, bem como da elaboração dos Planos
de Desenvolvimento Pessoal e de Plano de
Negócios, os quais foram apresentados na
expo-empreende e que podem ser percebidos
nos depoimentos a seguir:
Todas as dicas, conselhos, conversas e
debates que fizemos nessa sala, sei que
vão nos ajudar muito na hora de encarar
uma carreira profissional, de fazer
escolhas e tomar decisões. (Entrevistado
A)
Estou achando o curso SESI Empreende
ótimo,
pois
estou
conseguindo
desembaralhar todas as minhas idéias e
conseguindo definir a minha área de
trabalho. Enfim, o curso vai ser um
benefício ótimo que eu vou levar durante
o resto da minha vida. (Entrevistado B)
Eu estou gostando muito das aulas, pois
estão fazendo eu me conhecer melhor e
ter mais noção do que quero para meu
futuro profissional. Tenho a certeza que
a hora que eu for fazer um currículo ou
uma entrevista de trabalho, vou me
lembrar do que foi dito em sala de aula e
vou me sair melhor do que me sairia sem
os
conhecimentos
desse
curso
(Entrevistado C).
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
Publicada em Outubro de 2004
Diante de tais depoimentos, infere-se que o
SESI Empreende vai ao encontro de
pressupostos amplamente defendidos por
Dolabela, autor criador das metodologias
Oficina do Empreendedor e Pedagogia
Empreendedora:
“o autoconhecimento e a auto-estima
são elementos fundamentais na aprendizagem e na construção da pulsão
empreendedora, influenciando tanto o
processo cognitivo quanto às relações
do indivíduo com o outro e com o
mundo” (DOLABELA, 2003, p. 32).
“na Pedagogia Empreendedora, a
construção do conhecimento parte de
situações reais capazes de criar vínculos
naturais (e não artificiais) entre os
conhecimentos anteriores e os novos
conhecimentos do educando. Este
identifica as fontes do conhecimento com
a ajuda do professor, mas é de sua
responsabilidade o acesso e a
mobilização do conteúdo. (...) o
aprendizado essencial não é a
ferramenta ou o conteúdo, mas a
construção da capacidade individual de
agir
de
forma
transformadora”
(DOLABELA, p. 83).
Também, pode ser evidenciado o
reconhecimento do curso pelos pais dos
educandos que salientaram sobre a
importância da experiência vivida por seus
filhos com relação à perspectiva de atuação.
Da mesma forma, os pais salientaram:
Eu notei um crescimento muito grande
na minha filha. O curso foi muito válido,
porque fez com que eles deixassem as
inseguranças para trás. Quantos hoje de
30, 40 anos levam as inseguranças para
toda a vida por não ter tido essa
oportunidade. (Entrevistado D)
A importância de semear a cultura
empreendedora desde cedo com os jovens é
destacada por Dolabela: “Tudo indica que
quanto mais cedo o empreendedor decidir o
que deseja ser e fazer, melhores suas
chances de sucesso, pois mais tempo terá
para moldar as atitudes mentais adequadas
ao seu empreendimento”.(DOLABELA, p.
85).
Mesmo evidenciando esses retornos, o
SESI/RS, trabalhando num processo de
melhoria contínua, levou em consideração
todos os aspectos que necessitavam ser
revisados e melhorados, tornando o curso
ainda
mais
dinâmico,
atrativo
e
experimental. Cabe salientar que as
avaliações dos próprios educandos foram
significativas para a reestruturação do curso.
E, pensando em dar continuidade a essa
proposta, o SESI/RS, em 2005 estará
expandindo o curso no Estado.
Referências Bibliográficas
BOLLES, R. N. (1998), What color is your
Parachute? A Practical Manual for Jobhunters and Career-Changers. California,
Ten Speed Press.
DOLABELA,
F.
(2003),
Pedagogia
Empreendedora. São Paulo, Editora de
Cultura.
FRANCO, A. (2004), O lugar mais
desenvolvido do mundo: investindo no
capital
social
para
promover
o
desenvolvimento
comunitário.
Distrito
Pág. 6
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
Federal, Agência de Educação para o
desenvolvimento comunitário.
SESI.DN. Plano Estratégico do Sistema
SESI; 2000 – 2004. Brasília: 1999. 40p. Il.
SOUZA,
E.
C.
L.
(2001),
Empreendedorismo: competência essencial
para pequenas e médias empresas. Brasília,
Antropec.
------------------------* Andréa Novo Duarte - Pedagoga, formada pela
FURG/RS, possui Mestrado em Educação,
Especialização em Educação Brasileira pela
FURG/RS e Especialização em Formação de
Formadores em Educação de Jovens e Adultos pela
UnB. Atualmente desenvolve suas atividades
profissionais no Departamento Regional do SESI/RS,
na sede da FIERGS em Porto Alegre, exercendo a
função de Analista Técnico. Coordenadora Técnica
do Curso SESI Empreende. Tel.: 051. 33478525 / email: [email protected]
Carla Fichtner Patines - Pedagoga, formada pela
UFRGS, possui Especialização em Formação de
Formadores em Educação de Jovens e Adultos pela
UnB. Atualmente trabalha nos SESI, no município de
Esteio, exercendo a função de Coordenadora
Publicada em Outubro de 2004
Educacional. Executa o Curso SESI Empreende. Tel.:
51. 473-1338 / e-mail: [email protected]
Mônica de Novais Latorre - Psicóloga, formada pela
PUC/RS e Mestre em Educação na mesma
Universidade. Atualmente é docente do PósGraduação “Profissionais do Terceiro Setor” da
Fundação Irmão José Otão – PUC-RS, da Castelli Escola Superior de Hotelaria e da Faculdade São
Judas Tadeu em disciplinas que enfocam a formação
de empreendedores, equipes e recursos humanos.
Consultora Técnica do Curso SESI Empreende. Tel.:
51.3224-7920 / e-mail: [email protected]
Rita de Cássia Madruga de Souza - Pedagoga,
formada pela FURG, possui Especialização em
Formação de Formadores em Educação de Jovens e
Adultos, pela UnB. Atualmente desenvolve suas
atividades
profissionais
como
Coordenadora
Educacional do Serviço Social da Indústria de
Sapucaia do Sul. Executa o Curso SESI Empreende.
Tel.
51.4743127
/
e-mail:
[email protected]
Tânia Regina Paz - Licenciada em Geografia –
Licenciatura Plena pela Unijuí- Ijuí-RS e em Estudos
Sociais pela UNICRUZ, Cruz Alta/ RS, possui
Especialização em Formação de Formadores em
Educação de Jovens e Adultos pela UnB. Atualmente
trabalha no SESI de Ijuí, exercendo a função de
Coordenadora Educacional. Apoiou na elaboração e
execução do Curso SESI Empreende.
Tel
55.33338489/e-mail: [email protected]
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
Publicada em Outubro de 2004
Reportagem
Empreendedorismo solidário na era da reprodutibilidade
Entidades governamentais e não-governamentais apostam em
tecnologias sociais como instrumentos para a geração de trabalho e
renda
Gláucia Cruz e Rosa L. Peralta
Atraso tecnológico e exclusão social
o Instituto de Tecnologia Social (ITS),
criado no mesmo ano, apresentou o
Há muito se discute sobre os fatores que
levantamento Terceiro Setor e Ciência,
mantêm uma ampla parcela da população
Tecnologia e Inovação, inserindo no
em condições indignas, longe das
debate a existência de inúmeras
oportunidades de trabalho e mercado, e a
experiências isoladas e bem-sucedidas,
idéia de que o atraso tecnológico encontradesenvolvidas
por
associações
se no cerne dessa problemática vem se
comunitárias, ONGs, centros de pesquisa e
consolidando no âmbito governamental
governos locais, que se caracterizam pelo
nos últimos anos. Em 1991, o Congresso
grande envolvimento das comunidades na
Nacional criou a Comissão Parlamentar
construção, não só de práticas, mas
Mista de Inquérito (CPMI)
também de conhecimento
intitulada
Causas
e
para a solução de seus
Dimensões do Atraso
problemas. São saberes
Tecnológico. Esse estudo
tradicionais, populares e
Origens do termo
Renato
Dagnino,
em
palestra
sobre
a
apontou
para
a
científicos e relativos ao
conceituação da tecnologia social, remete a
necessidade de se criar
campo
das
ciências
origem do termo à Índia, a partir do conceito de
tecnologia apropriada. Usada pela primeira vez
uma política estratégica na
humanas e sociais, ou das
no final do século XIX, a expressão
denominava as tecnologias tradicionais que
qual a produção científica
ciências exatas.
Mahatma Gandhi procurou reabilitar como
e tecnológica do país fosse
estratégia de luta contra o domínio britânico.
Desde então, muitas expressões já foram
pautada pelas demandas
Tecnologia social:
usadas: tecnologia alternativa, ecológica, limpa,
humana, libertária, todas tendo em comum a
sociais. A CPMI também
evitando reinventar a
contraposição à tecnologia convencional, mas
destacou
o
papel
roda
com o receio de que não remetesse a uma
tecnologia
de
baixa
qualidade,
muito
simples
e
fundamental da sociedade
não-avançado. Em 2000, pesquisadores
no debate sobre a relação
O que despertou ainda
brasileiros começaram a usar tecnologia social
para abreviar tecnologia para inclusão social.
entre atraso tecnológico e
mais interesse era o fato
Tecnologia social: um conceito sujeito a
exclusão social.
dessas ações desenvolcontrovérsias
verem processos passíveis
Apesar de toda a discussão em torno do
conceito, ainda não se chegou a um consenso.
Em 2001, na I Conferência
de replicação em escala,
Em um encontro promovido pela Fundação
Banco do Brasil, em janeiro deste ano,
Nacional de Ciência e
aumentando as chances
entidades de vários setores levantaram questões
Tecnologia,
diversos
dos
resultados
serem
que não podem deixar de serem levadas em
conta
quando
se
pensa
em
tecnologia
social:
as
atores da sociedade foram
multiplicados. Mas não se
especificidades de cada comunidade, a
convocados para elaborar
trata simplesmente de
capacitação dos gestores locais para a criação
de competências e a construção coletiva de
um projeto em longo
lançar mão de uma receita,
conhecimento. Para Luis Fumio, diretor do
Departamento
de
Ciência
e
Tecnologia
da
FBB,
prazo de desenvolvimento
sem levar em conta as
a pluralidade de visões enriquece o debate e
social, político, econômico
especificidades
locais.
ajuda a busca constante de novos caminhos
para a resolução dos problemas sociais.
e cultural. Nesse encontro,
Segundo Ladislau Dowbor,
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
professor da Unicamp, o que já funciona
em outros lugares em termos de
organização, tecnologias
e
processos
produtivos pode ser
adaptado de forma
criativa, “evitando-se
reinventar a roda”.
Essas ações é que o se
convencionou chamar
de tecnologias sociais.
Publicada em Outubro de 2004
sistematização das tecnologias, enquanto
que o Instituto Pólis publica, há anos, o
boletim
Dicas
Municipais, fazendo
circular informações
em
todas
a
prefeituras do país.
Empreendedorismo
solidário e
tecnologia social
As iniciativas, de
Segundo Jacqueline
Cerimônia
de
abertura
da
I
Conferência
comprovado impacto
Rutkowski e Sidney
Internacional de Tecnologia Social, em novembro
sobre a realidade
Lianza, em artigo
de 2004. (foto cedida pela Finep)
social, contemplam as
publicado no livro
mais variadas áreas como saneamento,
Tecnologia Social: uma estratégia para o
água, meio ambiente, educação, habitação
desenvolvimento, “a resposta dada às
e geração de trabalho e renda. O soro
imensas dificuldades de manter o nível de
caseiro e a multimistura são exemplos que
emprego decorreu primordialmente da
ganharam grande notoriedade, enquanto
sociedade civil, em forma de experiências
experiências como a estação de tratamento
auto-gestionárias, em geral denominadas
de esgoto de baixo custo, desenvolvida
empreendimentos da economia popular,
pela Universidade Federal do Espírito
social ou solidários”, organizadas como
Santo, permanece desconhecida por grande
cooperativas de trabalho, associações
parte da população, embora já tenha sido
comunitárias, ou pela apropriação da
reaplicada em 40 municípios brasileiros e
massa falida de empresas por seus antigos
dois no exterior, beneficiando cerca de 3
funcionários e atuando em diversas
milhões de pessoas.
atividades econômicas.
Para reverter esse quadro de dispersão e
falta de visibilidade, diversas entidades se
propuseram a identificar e facilitar o
acesso às tecnologias sociais desenvolvidas
pelo país. O Programa de Gestão Pública e
Cidadania da Fundação Getúlio Vargas de
São Paulo já cadastrou cerca de 7 mil
experiências. O Centro de Estudos e
Pesquisas de Administração Municipal
(Cepam) disponibiliza centenas de
inovações no quadro do programa Novas
Práticas Municipais. Em 2001, foi lançado
o Prêmio Fundação Banco do Brasil de
Tecnologia Social e hoje a FBB conta com
212 projetos em sua base de dados. O
Centro Avançado de Tecnologias Sociais
do Instituto Ayrton Senna atua também na
criação, implementação, avaliação e
Há muitos exemplos de empreendimentos
que alcançaram resultados positivos e
proporcionaram
uma
melhoria
da
qualidade de vida, podendo-se destacar a
atuação
de
várias
organizações
comunitárias: a Associação de Artesãos de
Riacho Fundo, na Paraíba, que encontrou
na venda de 300 a 500 bonecas de pano
por mês uma saída para o sustento de
dezenas de famílias; a Organização de
Catadores de Castanha no Amapá que, em
vez de comercializar a castanha bruta,
passou a extrair a essência e vendê-la
diretamente para perfumarias francesas,
eliminando os atravessadores; em Paracatu
(MG), formou-se uma associação de
catadores de lixo que obtém renda com a
fabricação de vassouras a partir da
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
Publicada em Outubro de 2004
utilização de garrafas
sociais. De acordo
PET; o município de
com um artigo do
Cabaceiras provou que
ITS, essa pluralidade
o turismo pode ser
permite
incorporar
desenvolvido mesmo
diferentes visões e
no agreste paraibano; e
garantir o processo de
a
Associação
em
construção coletivo de
Áreas de Assentaaprendizagem.
mento no Estado do
Maranhão (Assema),
Para isso, a Finanadministrada por traciadora de Estudos e
Rodrigo Fonseca, analista de projetos da Finep
balhadores rurais e
Projetos (Finep), a
pelas quebradeiras de coco babaçu, que
Fundação Banco do Brasil, a Petrobras, a
chega a exportar 10 mil toneladas de
Secretaria de Comunicação do Governo e
sabonetes para os Estados Unidos.
Gestão Estratégica da Presidência da
República (Secom-PR) e o Ministério de
Mesmo obtendo êxito, as iniciativas
Ciência e Tecnologia (MCT), juntamente
coletivas
devem
sempre
procurar
com outros parceiros, iniciaram a
aperfeiçoar seus processos por meio de
mobilização de recursos humanos e
capacitação, busca de parcerias e apoios
financeiros e definiram como foco de
que tragam aportes técnicos sobretudo nas
atuação a implementação de projetos
áreas contábil, jurídica, administrativa e de
voltados para a geração de trabalho e renda
captação e otimização de recursos. Dentro
nas regiões da Amazônia e do Semi-árido e
dessa lógica, Dowbor afirma: “Uma
bolsões de pobreza dos grandes centros
iniciativa que pode ser imediatamente
urbanos. Segundo Rodrigo Fonseca,
implementada é a disponibilização
analista de projetos da Finep, a escolha
integrada do conjunto dos subsistemas de
desse eixo se deve ao fato de que a RTS
informação, cadastros de experiências,
acredita que a criação de novos postos de
pesquisas acadêmicas e relatórios setoriais
trabalho e fontes de renda configura um
que existem dispersos e subutilizados nas
projeto estruturante, que levará a
diversas instituições. (...) qualquer pessoa
população, uma vez já organizada, a buscar
ou organização local tem de poder
soluções para outras demandas sociais.
identificar formas de organização,
tecnologias e processos produtivos capazes
Com previsão para iniciar os trabalhos em
de dinamizar os recursos (...) ”
abril, a RTS pretende lançar um edital e
criar um comitê técnico que irá selecionar
Criação de rede é vista como nova
os proponentes. A agricultura familiar e o
forma de articulação
cooperativismo são as duas atividades
escolhidas para nortear as ações que, num
Foi em julho de 2004, durante um encontro
primeiro
momento,
utilizarão
a
reunindo instituições governamentais e
metodologia do Projeto Mandalla, de
não-governamentais, que surgiu a idéia da
agricultura sustentável — cada família
criação da Rede de Tecnologia Social
divide sua terra em nove faixas circulares
(RTS), visando promover a participação
de plantação com um reservatório de água
efetiva de todos os atores da sociedade —
no centro, são as mandalas —, e do
governo, institutos, fundações, ONGs,
Programa Nacional de Incubadoras de
universidades e empresas — na
Cooperativas Populares (Proninc). Dessa
divulgação e reaplicação das tecnologias
forma, a Rede se configura não só como
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
um agente difusor, mas também como uma
linha de apoio à reaplicação e ao
desenvolvimento das TSs.
Publicada em Outubro de 2004
estratégias de desenvolvimento e inclusão
social, cairá no vazio.
Fontes:
Rede vê a participação do empresariado
como meta
Os objetivos da RTS indicam o caminho
que o Governo pretende seguir para pautar
os programas sociais na área de geração de
trabalho e renda. É uma aposta de que as
tecnologias sociais, ao apresentarem
resultados mensuráveis, se tornarão cada
vez mais atrativas aos investidores
privados. Resta agora aguardar para saber
se todo o entusiasmo em torno desse novo
tipo de tecnologia levará a avanços
concretos ou se, assim como outras
Redes de apoio ao empreendedorismo e
tecnologias sociais: artigo de Ladislau
Dowbor, 23/11/2004.
SINGER, Paul et alii. Tecnologia Social:
uma estratégia para o desenvolvimento.
Fundação Banco do Brasil, Rio de Janeiro:
2004.
Tecnologia Social no Brasil: direito à
ciência e ciência para a cidadania: Caderno
de Debate – Instituto de Tecnologia Social,
nov/2004.
Pág. 11
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
Publicada em Outubro de 2004
Entrevista
João Joaquim de Melo Neto Segundo,
coordenador do Banco Comunitário Palmas
Criado
pela
própria
comunidade,
motivada
pela pobreza e condições
precárias de habitação em
que vivem, mas com
potencial de produção e
capacidade criativa, o
Banco Palmas dá crédito
àqueles moradores do
Conjunto Palmeira que por uma série de
motivos seriam recusados pelo sistema
financeiro formal – sem comprovação de
renda, inscrito no SPC como devedor,
desempregado, ex-presidiário etc. Pretendem, a partir de um círculo virtuoso do
tipo crédito-consumo-produção, gerar, e
fortalecer, uma rede de socioeconomia
solidária alocada neste bairro na periferia
de Fortaleza. Os clientes deste banco
informal tem o crédito avalizado pelo
vizinho, utilizam o PalmaCard, uma
espécie de cartão de crédito, ou trocam
entre si o Palmas $, uma moeda social.
Outras iniciativas com a “marca” Palm-,
que vieram em decorrência, visam
promover a auto-estima da comunidade e
sua identidade. Entrevistamos João
Joaquim de Melo Neto Segundo –
coordenador do Banco Comunitário
Palmas, experiência que se classificou
entre as primeiras colocadas ao prêmio das
Melhores Práticas de Dubai nos anos de
1999 e 2000.
1) Fale sobre a experiência do Banco
Palmas, como começou, as dificuldades
passadas e as atuais, o que foi superado.
Explique como ele opera e qual é sua
missão.
JJ: O objetivo do Banco Palmas é
desenvolver um sistema local de economia
solidária, para isso atua estrategicamente
nos quatro pontos da cadeia produtiva do
ciclo econômico sustentável em áreas de
baixa renda, quais sejam: capital solidário,
produção sustentável, consumo ético,
comércio justo.
Criamos instrumentos para concessão de
micro-créditos, compatíveis com a
realidade da comunidade. São 4 as linhas
de crédito do Banco Palmas: uma linha de
micro-créditos para quem quer criar ou
ampliar um pequeno negócio, o cartão-decrédito PalmaCard, que financia quem
comprar nos produtores e comerciantes do
bairro, incentivando o consumo local; uma
linha de crédito específica para as
mulheres em situação de risco social
atendidas pelo Programa Incubadora
Feminina; e o PalmaCasa, que visa
melhorar as condições de moradia para
melhorar as condições de produção ou de
comercialização.
Adotamos uma política de créditos e juros
evolutivos, quem solicita o 2º crédito tem
um limite de financiamento maior do que
no 1º crédito, porém paga mais juros. A
lógica é quem tem mais paga mais juros
para subsidiar o empréstimo de quem tem
menos. Não há exigência de consultas
cadastrais, comprovação de renda ou
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
fiador. Quando um morador vem solicitar
um serviço, primeiro, é informado das
regras de funcionamento da rede de
solidariedade. Depois um analista de
crédito visita sua família e conversa com
os seus vizinhos. É o depoimento da
vizinhança que vai servir de aval para o
futuro cliente. A partir do momento que o
cliente é aceito no banco ele passa a ser
acompanhado por toda a rede de
solidariedade. Esse controle social fiscaliza
as ações do banco e dos seus
empreendedores, ajudando, inclusive a
inadimplência ficar na casa de 1 a 3%.
O Banco Palmas foi fundado em março de
1998, começou com apenas 10 clientes a
partir de um empréstimo de R$ 2.000,00
contraído junto a Ong CEARAH Periferia.
Alguns meses depois recebeu recurso a
fundo perdido da cooperação internacional,
através da Oxfam e da GTZ. O Sistema
Palmas envolve atualmente 1.400 famílias
atendidas por seus diversos produtos e uma
carteira de créditos estimada em R$
60.000,00. Hoje, além da ajuda de
cooperação internacional que recebe, o
Banco mantém algumas atividades
pontuais com apoio de recursos públicos
locais. Os recursos arrecadados com as
taxas de juros dos empréstimos, pequenas,
ajudam a custear despesas com o
funcionamento do banco.
Em sete anos de atuação no Conjunto
Palmeira, enfrentamos muitas dificuldades,
umas já superadas, outras estão nosso
horizonte como desafios. Logo no início
fomos processados pelo Banco Central,
porque realizávamos uma poupança
comunitária. Tivemos que convencer os
parceiros quanto à capacidade da
Associação dos Moradores do Conjunto
Palmeira para fazer a gestão do Banco e
superar a inexperiência da equipe em
gerenciar uma estrutura financeira.
Trabalha a dificuldade dos sócios em
conviver com uma proposta econômica
Publicada em Outubro de 2004
(créditos, juros, cobranças) dentro de um
espaço de ações comunitárias.
Buscamos ajuda de parceiros para
superação dos problemas. Os analistas de
crédito fizeram um treinamento promovido
pela
municipalidade.
Os
agentes
administrativos do banco realizaram
treinamento no CEARAH Periferia. A
coordenação buscou aperfeiçoamento em
planejamento e métodos de gestão
participativa no projeto Prorenda/GTZ.
Permanentemente são realizados ciclos de
estudos que ajudem nas atividades do
banco.
O banco ainda continua enfrentando
problemas com segurança; de organização
contábil e gerencial; e excesso de demanda
diante da capacidade financeira e
administrativa de atendimento.
2) Apresente as outras iniciativas que
integram as ações do Banco Palmas e
visam o desenvolvimento da comunidade
do Conjunto Palmeira.
JJ: A idéia fundamental era criar um
sistema no qual as pessoas pudessem
produzir e consumir localmente, formar
uma rede de “prossumidores”, um produz e
o outro compra. Com esta finalidade o
Banco Palmas criou vários produtos
complementares que articulados entre si
organizam no bairro uma rede solidária
entre produtores e consumidores.
Temos hoje em funcionamento 6
empreendimentos
coletivos
autogestionários: PalmaFashion (confecção);
PalmaLimpe (produz material de limpeza);
PalmArt
(artesanato
em
tecido);
PalmaCouros (bolsas e cintos); Palma
Limpeza de Ambientes (serviços de
limpeza); e PalmaNatus (produção de
sabonetes e remédios naturais). São
pequenas unidades produtivas, formais e
informais, financiadas pelo Banco,
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
direcionadas para
demandas locais.
o
atendimento
de
As ações de desenvolvimento local
sustentável do Banco estão aliadas ao
fortalecimento da auto-gestão comunitária.
A Escola Comunitária de Socioeconomia
Solidária (PalmaTech) oferece oficinas e
cursos variados na área de capacitação
profissional, gestão de empresas solidárias,
criação de redes e instrumentos de
Economia Solidária. A escola, que tem
como valor central o controle da sociedade
sobre a economia e o mercado como
espaço de cooperação, colaboração e
satisfação das necessidades humanas, é
responsável pela formação de instrutores e
técnicos
e
pela
capacitação
de
empreendedores,
produtores
e
consumidores. Já foram capacitados 1130
produtores.
È comum recebermos no Banco um
público feminino com perfil de risco
pessoal e social. São mães que têm de
cuidar
sozinhas
dos
filhos.
Desempregadas, sem profissão definida,
analfabetas ou com pouco estudo algumas vivem de esmolas. Mal
conseguem se alimentar e, em geral, têm
um histórico de dependência de droga e de
violência doméstica. Antes de ter acesso a
crédito, essas mulheres necessitam ser
reintegradas ao processo produtivo.
Durante os 6 meses que participam do
Programa Incubadora Feminina, elas
aprendem uma profissão, recebem
atendimento médico e psicológico e
alimentação balanceada, seus filhos são
encaminhados para as escolas e creches do
bairro. São realizados cursos especiais
sobre segurança alimentar, culinárias
alternativas e uso medicinal de plantas e
alimentos, para que elas apliquem esses
conhecimentos em seus quintais. São
auxiliadas na elaboração de uma estratégia
que
garanta
sua
sustentabilidade
Publicada em Outubro de 2004
econômica fora da incubadora e que será
financiada por uma linha de crédito
específica do Banco.
Cerca de 90 mulheres já foram atendidas
no Programa Incubadora Feminina, que
otimiza a utilização dos serviços públicos e
comunitários já existentes na própria
comunidade (posto de saúde, creches e
escolas, centros sociais e unidades
profissionalizantes).
Temos um Balcão de Empregos em
parceria com o Serviço Nacional de
Empregos (SINE), o Instituto de
Desenvolvimento do Trabalho (IDT) e o
CESE (Centro Ecumênico de Serviços). O
Banco Palmas também viabiliza uma rede
de Troca de Serviços sem qualquer tipo de
remuneração. Cada qual coloca à
disposição sua atividade profissional. Essa
estratégia é dirigida aos desempregados,
mas nada impede que outras pessoas que já
tenham empregos possam fazer parte da
rede.
Promovemos
alternativas
de
comercialização
como
as
feiras
comunitárias e a Loja Solidária, onde os
produtores que obtiveram crédito podem
colocar seus produtos para exposição e
venda. Organizamos também um Sistema
de Compras Coletivas, adquirida em
grande quantidade e diretamente dos
produtores, conseguimos reduzir em 20% o
valor da compra. Por outro lado, dá
oportunidade aos pequenos produtores.
A nossa moeda social Palmas $, que é um
instrumento de incentivo ao consumo e que
circula livre e diariamente por todo
comércio local, como se o bairro todo
fosse um grande clube de trocas.
Percebemos que o modelo padrão de um
clube de trocas não atendia nossa
perspectiva de desenvolvimento, no
máximo, garantia a subsistência das
famílias envolvidas, onde o pouco que um
Pág. 14
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
tinha era trocado com o pouco do outro.
Era preciso avançar em uma estratégia que
investisse no crescimento dos pequenos
empreendimentos que estavam no clube de
trocas, para que estes fossem aos poucos
gerando mais riqueza. Os produtores, os
comerciantes, os prestadores de serviço do
bairro em geral aceitam o pagamento em
Palmas, ampliando a circulação dessa
moeda social.
A Palmas $ tem lastro em Reais (R$), para
cada Palmas em circulação há um
correspondente em Reais depositado no
Banco Palmas. É possível converter
Palmas por Reais. O sistema de trocas com
Palmas relaciona-se diretamente com o
sistema de créditos do Banco Palmas, o
tomador de crédito pode optar por Palmas
ou Reais.
As pessoas que antes não tinham acesso a
Reais puderam, através de seu trabalho,
conseguir Palmas que se transformam em
Reais quando é necessário. Se a moeda
social circula restritamente sem a
possibilidade de se transformar em um
ativo monetário capaz de potencializar as
economias locais e garantir novos
investimentos externos, é impossível
gerarmos desenvolvimento local.
O grande desafio deste sistema é conseguir
o lastro para fazer aumentar a quantidade
de Palmas circulando. Como fazer o isso
sem carecer da cooperação internacional e
outros? Esta pergunta continua sem
resposta, haja vista que a Palmas está sob
controle de um banco popular com
reduzida capacidade de investimento.
Agora em 2005 iniciamos um novo
desafio:
vamos
construir
nossa
Cooperativa de Crédito Popular e
Solidária, a PalmaCOOP. Os bancos
comunitários, como o Palmas, tão
importantes para iniciar os processos de
inclusão e transformação social, têm em
Publicada em Outubro de 2004
seu formato institucional e legal um grande
fator limitante. Eles não conseguem prestar
os serviços financeiros na mesma medida
em que se dá o crescimento dos
empreendimentos,
nem
podem
acompanhá-los
até
sua
fase
de
sustentabilidade. Precisamos de uma
cooperativa de crédito para dar
continuidade às atividades iniciadas pelo
Banco Palmas. Acreditamos que esse
casamento do banco comunitário com a
cooperativa de crédito completa o circuito
financeiro necessário para impulsionar o
desenvolvimento sustentável de territórios
de baixa renda.
3) Como fomentar um empreendedorismo de interesse social?
JJ: Primeiramente acreditar nos pobres,
acreditar no investimento feito neles.
Valorizar sua história é um fator
fundamental, assim como saber revelar
suas demandas reais.
O Banco Palmas é parte da história desta
comunidade do Conjunto Palmeiras. Em
1997, a Associação dos Moradores
realizou um seminário de Planejamento
Estratégico onde identificou que boa parte
da população começava a vender suas
casas como fonte de renda e ia morar em
favelas mais longínquas, ou em barracos
na beira de rios. Era necessário oferecer
uma alternativa de renda localmente para
garantir a permanência das famílias. Foi
decidido então em assembléia, que a
grande prioridade para o bairro nos
próximos cinco anos seria um projeto de
combate à pobreza, com geração de renda
e desenvolvimento local. Durante todo ano
foram feitas dezenas de reuniões com
diversos segmentos, envolvendo várias
organizações
populares
do
bairro,
debatendo-se a natureza, estrutura,
instrumentos e filosofia do projeto.
Finalmente decidiu-se criar um banco
popular de inclusão social.
Pág. 15
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
Existe nas esferas governamentais e
empresariais uma espécie de “senso
comum” de que para os mais pobres só é
possível a inclusão social com políticas
compensatórias, de distribuição de renda,
ou no máximo, pequenos projetos
alternativos de geração de renda
complementar. Não acreditam que pessoas
que vivem por meio de programas
assistenciais,
normalmente,
com
baixíssimo grau de escolaridade e quase
nenhuma capacitação profissional, ou na
subsistência de pequenos biscates ou de
sua pequena produção artesanal podem,
com o apoio de um conjunto de ações tais
como as implementadas pelo Banco
Palmas (crédito subsidiado, mapa da
produção e do consumo local para
estimular a produção sob demanda de
consumo, plano local de investimento
estratégico, moedas circulantes locais
articuladas com as políticas públicas locais
e com o crédito, formas alternativas de
consumo e comércio solidário), estar a
frente de empreendimentos produtivos
capazes de alcançar um nível de
sustentabilidade, ou até, quem sabe, uma
produção em escala.
Outro equívoco é planejar uma intervenção
que busca levar os moradores locais a se
organizarem e já começarem a produzir
como se estivesse numa fase de
sustentabilidade. Nossa prática tem
demonstrado que esses empreendimentos
vivem um processo de formação que
evolui pelas fases de assistência,
subsistência,
para
então
a
de
sustentabilidade. Atravessam um processo
paulatino e contínuo de crescimento.
Entender a existência desses degraus é
fundamental. São etapas em que os
trabalhadores dos empreendimentos vão se
conhecendo, recuperaram a auto estima,
adquirem
experiência
profissional,
resgatam os valores da solidariedade,
readaptam-se às lógicas do mercado,
Publicada em Outubro de 2004
adquirem visão empreendedora e por aí em
diante.
Querer organizar uma cooperativa como
primeira ação para se tentar gerar renda
num local onde as pessoas estão
desorganizadas e sem motivação, pode ser
frustrante. É melhor organiza-las em um
pequeno grupo de produção, de maneira
informal capacita-las adequadamente e,
aos poucos, ir estruturando a referida
cooperativa. Ou seja, a cooperativa virá
somente com o processo.
E uma observação importante: não esperar
um momento ideal ou estar com tudo
“prontinho” para iniciar as ações, comece
agora, os ajustes necessários vão sendo
feitos ao longo do processo.
4) Qual orientação daria para quem
quiser replicar a experiência do Banco
Palmas?
JJ: A metodologia Palmas consiste em
criar um círculo virtuoso produçãoconsumo-produção no funcionamento de
uma rede de economia solidária. Para este
círculo poder existir e funcionar
adequadamente é necessário que na
comunidade
sejam
produzidas
as
mercadorias mais necessárias para a
população consumidora. Neste sentido o
Palmas apóia a criação de empresas
comunitárias que vão, se multiplicando
através de seus excedentes (na economia
solidária o lucro chama-se excedente),
aumentando a oferta de produtos
fabricados localmente, as oportunidades de
emprego e de renda.
O mapeamento da produção e do consumo
local é o primeiro passo para a criação da
rede de economia solidária do Banco
Palmas. Trata-se de um levantamento
realizado sobre tudo que a população está
consumindo e produzindo, incluindo os
insumos utilizados na produção. São
Pág. 16
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
identificados os locais onde os produtores
e consumidores estão realizando suas
compras, bem como a localização das
indústrias comércios e serviços existentes
no bairro.
Para a realização da pesquisa de
mapeamento
são
capacitados
pesquisadores locais. É fundamental que
todo o processo da pesquisa, (coleta de
dados, sistematização e análise) seja
compreendido pela comunidade, com
apoio de uma assessoria técnica, para que
ela se aproprie dos conhecimentos e seja
capaz de reaplicá-los quando necessários.
Apresentamos os resultados da pesquisa
em um grande evento que reuniu vários
segmentos locais (igrejas, associações,
escolas, creches, poder público e outros).
Na concessão de crédito, iniciamos com a
capacitação e empoderamento dos
moradores, despertando a sensibilidade
para a solidariedade e a colaboração
enquanto estratégia de um modelo de
desenvolvimento justo e sustentável.
Aprendemos algumas lições. A relação
com o poder público deve se dar de forma
permanente, buscando criar parcerias que
garantam o diálogo entre a municipalidade
e a comunidade. Essa relação deve sempre
estar oficializada através de contratos,
convênios, acordos e outros termos
contratuais para assegurar o cumprimento
de tudo que foi negociado mesmo com a
troca do gestor público.
Publicada em Outubro de 2004
O sistema de microcréditos de um banco
popular
precisa
ser
aperfeiçoado
permanentemente, criando instrumentos
complementares e adaptando-se às novas
necessidades. Por isso, a necessidade que
percebemos de criar a cooperativa de
crédito.
Os instrumentos utilizados pelo banco folhas de contrato, faturas, livros de
controle contábil, cadastros e outros precisam ser bastante simples. Os desafios
da gestão do banco aumentam à proporção
que o banco cresce isso implica constante
capacitação da equipe e rigorosidade na
parte contábil.
É necessário discutir bem com a
comunidade quais são os objetivos do
banco, a quem ele se destina, como vai ser
seu funcionamento e qual a estratégia de
desenvolvimento em longo prazo. Os
critérios para concessão de crédito devem
ser claros e amplamente divulgados, para
não
criar
falsas
expectativas.
É
fundamental na relação com a comunidade
ser transparente divulgando a situação
financeira do banco e principalmente as
dificuldades.
Participamos também nas experiências do
Banco Par e do Projeto Rede Cidadã.
Queremos estimular a criação de outros
bancos comunitários, e de cooperativas de
crédito urbanas por esse Brasil afora. É
nossa missão.
Pág. 17
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
Publicada em Outubro de 2004
Estudo de Caso
ATA – Apoio ao Trabalhador Autônomo:
Um modelo de política pública de apoio aos
trabalhadores autônomos da construção civil
Michelle Plubins Bulkool *
pode-se verificar que a parcela destinada à
metade mais pobre da população é de
aproximadamente 13%, apresentando
ligeira queda ao longo do tempo (IETS,
2001).
Introdução
O Brasil é o país das desigualda-des. Os
dados do IBGE mos-tram que nossa
desigualdade de renda é não apenas uma
das mais altas do mundo, como
Esse olhar que privilegia os grandes tem
permaneceu es-tável ao longo dos últimos
como uma de suas conseqüências um
30 anos (Instituto de Estudos do Trabalho
Brasil extremamente desigual. A flagrante
e Sociedade - IETS - 2002). Por outro lado,
injustiça desses dados já é suficiente para
o Brasil não é um país pobre: 78% da
justificar um redirecionamento do olhar
população mundial vive em países cuja
para os pequenos.
renda per capita é inferior à brasileira. A
principal causa
Gráfico 1 – Evolução da porcentagem da
da
pobreza,
renda apropriada pelos diversos segmentos sociais
aqui,
é
o
excesso
de
desigualdade em
1% mais rico
relação à norma
internacional
9% seguintes
para países com
grau de desen40 % seguintes
volvimento econômico semelhante.
Este
50 % mais pobres
excesso de desigualdade é fruto
de um processo histórico e político que
Além disso, dentre as famílias pobres,
promoveu um estilo de desenvolvimento
predominam chefes de família que são
peculiar, baseado na aliança entre um
trabalhadores autônomos ou empregados
estado centralizador e grandes empresas,
sem carteira assinada, em sua maioria que
sobretudo multinacionais. Mesmo com a
trabalham para as pequenas empresas.
democratização, o que na verdade continua
escondido, camuflado, é que no Brasil, só
A perversidade do sistema pode ser
se tem olhos para os grandes, os já
observada no gráfico 2. A proporção de
atendidos.
famílias chefiadas por trabalhadores
autônomos é hoje equivalente à de
O Gráfico 1 mostra que a proporção da
chefiadas por empregados com carteira
renda abocanhada pelos 10% mais ricos da
assinada,
empregadas
em
grandes
população se mantém estável em torno de
empresas. Não obstante, enquanto as
47% da renda total. No outro extremo,
famílias chefiadas por empregados formais
100%
90%
80%
70%
60%
Renda
50%
40%
30%
20%
10%
0%
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1992
1993
1995
1996
1997
1998
Pág. 18
1999
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
prevalecem, sobretudo, nas camadas
médias da população, aquelas que são
chefiadas por trabalha-dores autônomos
são sobre-representadas nas camadas mais
pobres. O mesmo ocorre, aliás, com os
empregados sem carteira assinada.1
Pensar no pequeno exige também que se
encontre condições de apoiar o seu
desenvolvimento.
Pesquisas mostram que o
apoio através de serviços
essenciais, serviços de
apoio
empresarial
potencializam, e muito, a
50
ação
dos
pequenos
empreendimentos. Com a
40
criação de um ambiente
(% ) 3 0
favorável, é possível se
pensar uma nova forma
20
de
desenvolvimento,
10
apostando-se
nos
pequenos,
garantindo
0
assim, a distribuição de
renda.
Crédito,
qualificação, acesso à
tecnologia, apoio ao associativismo, são
ações efetivas capazes de contribuir para o
surgimento de um novo ator, participativo,
Indige nte s
1
Neste gráfico, são adotadas as linhas de indigência
e de pobreza estabelecidas pelo IPEA. A camada
social “média baixa” é composta por famílias que
possuem renda per capita superior à linha de
pobreza mais inferior à mediana (131,67 Reais de
setembro de 1999). A “média média” é composta
por famílias com renda per capita superior à
mediana do terceiro quartil da distribuição (193,33
Reais de setembro de 1999). A “média alta” por
famílias com renda per capita superior ao terceiro
quartil, mas inferior ao nono decil da distribuição
(571 Reais de setembro de 1999). Os “ricos” por
famílias com renda superior ao nono decil, mas
inferior ao último percentil da distribuição (2183,60
Reais de setembro de 1999). Os “extremamente
ricos”, por fim, por famílias que pertencem ao 1%
mais rico da população. Por outro lado: CC
representa os empregados com carteira de trabalho
assinada; SC os sem carteira; FP os funcionários
públicos; DOM os empregados domésticos; CP os
trabalhadores autônomos (ou por conta-própria);
EMP os empregadores/; AC os que trabalham para
seu auto-consumo e NR os que não foram
registrados em nenhuma posição na ocupação
catalogada pelo IBGE.
Publicada em Outubro de 2004
capaz de chamar atenção para suas
necessidades.
Em um estudo realizado pelo IPEA,
destacou-se que é a escassez de serviços
financeiros e de políticas públicas são as
maiores dificuldades para alavancar as
atividades dos pequenos empreendedores.
Desta forma, este estudo, sinaliza para
Gráfico 2 - Composição das camadas sociais por
posição na ocupação do chefe de família
P o bre s
M é dia -ba ixa
M é dia -mé dia
M é dia a lta
R ic o s
E xtre ma me nte
ric o s
CC
FP
SC
DOM
CP
EMP
AC
NR
To ta l
C a m a d a s o c ia l
políticas públicas de microcrédito,
Insumos e tecnologia, regulamentação,
cooperativação, comercialização, Educação formal, Formação profissional e
capacitação técnica, Investimentos em
infra-estrutura pública e outros programas
de microfinanças, como forma de apoio
aos nano-empreendedores, criando assim
um
ambiente
favorável
ao
seu
desenvolvimento.
O ATA – Apoio ao Trabalhador
Autônomo
O Apoio ao Trabalhador Autônomo - ATA
é um associação civil sem fins lucrativos.
Uma instituição criada no âmbito da
ampliação do espaço público, inserida
numa proposta de política pública de
geração de trabalho e renda. Além disso, o
ATA está qualificado como uma
Organização da Sociedade Civil de
Interesse Público – OSCIP.
O objetivo principal do ATA é de
comercializar os serviços de trabalhadores
autônomos, conta própria na área da
Pág. 19
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
construção civil. O ATA possui um
cadastro de trabalhadores qualificados
como Mestre de Obras, Pedreiros, Pintores,
Ladrilheiros, Serralheiros, Marceneiros,
Eletricistas, Bombeiros Hidráulicos e
Bombeiros Gasistas, além de contar agora
também com arquitetos em seu banco de
dados. O ATA oferece uma gama de
serviços
empresariais
através
de
instituições parceiras, como o acesso ao
crédito, a qualificação profissional, a
certificação e o acesso a tecnologia da
informação. Foi desenvolvida uma
organização do trabalho participativa,
realizando-se encontros periódicos para
troca de informação, conhecimento e
discussão do andamento da instituição.
O ATA possui um Central de Atendimento
onde é realizada a intermediação da mão
de obra. Desta forma, o cliente demandante
por esses tipos de serviços entra em
contato com a Central através do telefone
(021) 2517-3264 ou pela internet
(www.ata.org.br) e faz a sua solicitação. O
atendimento do ATA identifica o
profissional da vez, que esteja disponível e
melhor se encaixe nas características do
serviço demandado. A Central encaminha
dois profissionais para o cliente,
informando apenas o nome e o telefone. Os
profissionais entram em contato com o
cliente, no prazo máximo de quatro horas,
e agendam a visita, para a elaboração de
orçamentos, sem custo para o cliente.
A Central de Atendimento acompanha o
pedido, desde sua entrada até o seu
fechamento, seja este uma obra realizada
ou mesmo uma desistência do serviço. No
final, o ATA faz a avaliação junto ao
cliente, um pós-venda.
O serviço é acordado diretamente entre o
cliente e o trabalhador. No entanto, é
obrigatório ao trabalhador confeccionar um
contrato junto ao atendimento do ATA.
Este contrato serve de garantia para o
cliente, para a central e para o trabalhador
da perfeita execução dos serviços
acordados.
Publicada em Outubro de 2004
Em cima do valor da mão de obra
contratada, o profissional paga 10% do
valor ao ATA. Todo trabalhador
cadastrado também contribui com uma
mensalidade para se permanecer ativo no
sistema. São esses recursos que mantém a
estrutura de funcionamento do ATA.
O processo de trabalho da Central de
Atendimento é dividido em três operações
básicas: o atendimento ao cliente; a
intermediação
do
serviço;
e
o
acompanhamento e avaliação da qualidade
do serviço.
Todo o trabalho da Central de
Atendimento é suportado por um sistema
informatizado especialmente desenvolvido
para atendê-lo. Este sistema é capaz de
avaliar constantemente os resultados do
ATA, reformulando estratégias e diretrizes
quando necessário.
O sistema de gerenciamento de
informações
permite
ainda
obter
informações específicas do percurso dos
profissionais no ATA. Assim, é possível
um acompanhamento detalhado do
desenvolvimento técnico e comportamental dos autônomos cadastrados.
Para ingressar no ATA, os profissionais
passam por um rigoroso processo de
seleção, incluindo entrevista psicossocial,
pesquisa junto ao IFP de antecedentes
criminais e por avaliações técnicas a fim
de identificar seu estágio profissional. A
seguir são oferecidos cursos de
qualificação técnica. Os aprendizes são
encaminhados para cursos de formação, os
profissionais médios para os de
aperfeiçoamento.
Os
profissionais
certificados, com excelência em suas
atividades, passam por avaliação rigorosa
em entidades de reconhecida capacidade
técnica, como o SENAI, por exemplo.
Paralelamente os profissionais passam por
cursos de gestão e empreendedorismo em
entidades como o SEBRAE.
O sistema informatizado identifica o nível
de desenvolvimento técnico e encaminha o
Pág. 20
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
profissional
adequado
ao
tipo de serviço
solicitado pelo
cliente.
Os
aprendizes são
encaminhados
somente como
ajudantes dos
profissionais
certificados.
Antes de cadastrar o profissional
em
seu banco de dados, o ATA trabalha a
divulgação dos serviços ofertados. Assim,
os profissionais atendidos recebem um
número mínimo de serviços capaz de gerar
uma renda minimamente adequada ao
sustento de sua família. É este equilíbrio
entre a oferta e a demanda de serviços que
dá condições aos profissionais de pagar
uma taxa de operação.
Para o cliente, o ATA oferece serviços de
qualidade, com segurança e a garantia da
perfeita execução dos serviços. O cliente
obtém todas as informações referente ao
profissional que está colocando dentro da
sua casa e tem a oportunidade de comparar
preços entre os orçamentos que recebe. Se
o cliente não ficar satisfeito, pode recorrer
novamente a central e solicitar novos
profissionais.
Através da comercialização dos serviços
de trabalhadores autônomos, o ATA
aglutina, através de parcerias, uma vasta
Publicada em Outubro de 2004
gama de serviços empresarias
como forma de
criar um ambiente favorável para o
desenvolvimento de seu público alvo. A
partir de políticas
públicas
integradas de
geração de trabalho e renda,
foram desenha-das ações de forma a
constituir um ambiente propício ao
desenvolvimento desses trabalhadores,
oferecendo uma gama de serviços como
aumento de escolaridade, micro-crédito,
qualificação profissional, acesso à
informação e a tecnologia.
Até hoje o ATA já atendeu já atendeu a
mais de 6.000 trabalhadores e a cerca de
10.000 clientes demandantes pelos
serviços disponíveis. Já foram qualificadas
mais de 4.000 pessoas, legalizadas 4
cooperativas de trabalho na construção
civil e concedidos cerca de 100 créditos. A
população carioca apóia o programa
dando-lhe 97% de aprovação.
------------------------* Engenheira
mestrado em
COPPE/UFRJ.
ocupando hoje
de Produção pela UFRJ, com
Engenharia de Produção, pela
Trabalha desde 1999 no ATA,
a função de diretora executiva.
Pág. 21
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
Publicada em Outubro de 2004
Resenha Crítica
Bio(sócio)diversidade e Empreendedorismo
Ambiental na Amazônia
Joselito Santos Abrantes
Editora Garamond, Rio de Janeiro, 2002, 148pp
por André Fernandes da Paz*
O livro de Joselito Abrantes1 representa
não apenas mais uma referência para a
reafirmação da possibilidade de uma nova
dinâmica à matriz econômica
da região amazônica – comdizente com as necessidades de
um desenvolvimento sustentavel em suas diversas dimensões-, como também uma
profícua contribuição para o
estudo e a realização do empreendedorismo ambiental na
região.
Em “Bio(sócio)diversidade e
Empreendedorismo Ambiental
na Amazônia”, o autor conseguiu
condensar seus estudos acadêmicos na área
de desenvolvimento sustentável com seu
conhecimento prático sobre a realidade
amazônica e a realização de projetos
técnico-econômicos sustentáveis na região.
O livro se caracteriza pela breve
contextualização histórica e o mapeamento
abrangente
das
diversas
questões
envolvidas com o empreendedorismo
ambiental: desde as políticas de ocupação e
desenvolvimento da Amazônia, os desafios
e
dilemas
dos
programas
de
desenvolvimento sustentável e a evolução
da política ambiental no Brasil às
potencialidades
da
biodiversidade
amazônica, sua oportunidade econômica e
os desafios presentes na implementação de
1
Formado em Economia pela Universidade da
Amazônia (UNAMA), mestre pelo Centro de
Desenvolvimento Sustentável da Universidade de
Brasília (CDS/UnB), coordenador de Estágio
Supervisionado e Pesquisa do Curso de Ciências
Econômicas do Centro de Ensino Superior do
Amapá e funcionário do SEBRAE/AP.
um novo paradigma de desenvolvimento
baseado no tripé ciência, tecnologia e
empreendedorismo ambiental.
Uma vez constatados os graves
impactos sociais e ambientais
da
exploração
puramente
extrativista dos megaprojetos
minero-metalúrgicos da década
de 70 - enclaves voltados exclusivamente para o mercado
externo-, o autor defende, em
contraposição, o novo ciclo de
desenvolvimento já relativamente em curso, apoiado na
exploração
equilibrada
da
biodiversidade e na inclusão da sociedade
civil no processo de desenvolvimento
local.
Com este fim, por um lado, é apontado o
potencial da região amazônica para os
bionegócios sustentáveis e reafirmada a
viabilidade
técnico-econômica
dos
produtos
naturais,
freqüentemente
desacreditada. Por outro, entretanto, são
apontados os grandes desafios que
precisam ser superados, como as
dificuldades históricas de transporte, a
instabilidade de demanda e produção, a
falta de recursos humanos, as más
condições sanitárias.
No entanto, é a transferência de tecnologia
e conhecimento a questão que recebe
maior atenção no estudo de Abrantes, visto
que esse fator tem uma importância central
para o segmento dos produtos naturais com
origem na biodiversidade e um papel
imprescindível na transformação das
vantagens comparativas da região em
Pág. 22
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
vantagens competitivas nos mercados
regional, nacional e internacional. O autor
deixa claro que, para o melhor
aproveitamento
em
benefício
da
comunidade, o ideal é agregar o máximo
de valor possível na origem do produto, o
que implica na necessidade de ações para
capacitar recursos humanos, fortalecer a
capacidade empreendedora e tecnológica
da população, e de investimentos em
capacidade inovativa.
Nesse sentido, são apontados os benefícios
trazidos pelo ambiente interinstitucional de
articulação, interação, cooperação e
aprendizagem,
típico
dos
arranjos
produtivos locais. As incubadoras são
destacadas como os agentes principais, em
função de seu papel imprescindível de
difusão de conhecimento e tecnologia para
as empresas e cooperativas. Tudo isso é
confirmado pelos resultados auspiciosos
encontrados na análise da trajetória de
empresas e cooperativas de base
tecnológica dos segmentos dos produtos
naturais, em regime de incubação direta ou
indireta pelo Centro de Incubação e
Desenvolvimento
Empresarial
da
Amazônia – CIDE, situado em ManausAM, pelo Parque de Incubação de
Empresas de Bases Tecnológicas da
Universidade Federal do Pará –
PIEBT/UFBA, e pela Incubadora de
Empresas de Bases Tecnológicas do IEPA,
em Macapá-AP.
Embora a biodiversidade seja vista pelo
autor como um fator estratégico para o
desenvolvimento da Amazônia, ainda
muito pouco está sendo feito para alterar a
matriz produtiva da região. Diante disso,
Abrantes recomenda alguns caminhos a
serem trilhados. Entre eles, é reforçada a
necessidade das instituições públicas e
privadas, em conjunto com a sociedade
civil, desenvolverem os arranjos centrados
nas inovações tecnológicas para os
produtos naturais.
O autor também defende um redirecionamento das políticas públicas para a
região, no sentido de funcionarem como
Publicada em Outubro de 2004
indutoras do processo de desenvolvimento.
São
necessárias
políticas
públicas
coerentes, consistentes e adequadas à
sociodiversidade, que sirvam de apoio não
apenas às incubadoras, mas também à
formação educacional e ao desenvolvimento de pequenas e micro empresas.
O autor destaca o Acre e Amapá como
estados onde estão sendo desenvolvidas
políticas públicas coerentes com esse
redirecionamento.
Como exemplo, o
estudo sobre o Programa de Desenvolvimento Sustentável do Amapá - PDSA
– o caracteriza como uma iniciativa que
conseguiu transformar o conceito de
desenvolvimento sustentável em matriz das
políticas públicas. Nesse sentido, cabe aqui
mencionar que, em alguns momentos,
Abrantes se precipita em atribuir a esse
programa
os
resultados
positivos
encontrados
nos
Indicadores
de
Desenvolvimento Sustentável (2002) do
Amapá apresentados pelo IBGE - nada,
porém, que comprometa o trabalho do
autor, nem muito menos coloque em
dúvida a eficiência do programa.
De fato, a principal contribuição do estudo
de Abrantes é sistematizar conhecimentos
acumulados
sobre
experiências
empreendedoras sustentáveis de base
tecnológica, passando por temas como a
viabilidade
técnico-econômica
dos
produtos naturais, o transporte e
comercialização desses produtos e,
sobretudo, a importância e a problemática
da tecnologia para o segmento dos
bionegócios sustentáveis. É dessa forma
que o autor consegue também realizar seu
declarado objetivo de sistematizar
informações dessa área “(...) que possam
orientar potenciais empreendedores da
região para a linha de negócios da
bioindústria como plantas medicinais,
óleos
naturais,
óleos
essenciais,
oleaginosas,
alimentos,
fitoterápicos,
fitocosméticos, perfumes e corantes
naturais.” (ABRANTES: p.19, 2002)
----------------------------* Mestre em Engenharia de Produção pela
COPPE/UFRJ.
Pág. 23
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
Publicada em Outubro de 2004
Artigo
Economia de comunhão: absurdo e graça
trabalhar é preciso
Heloisa Helena A. Borges Q. Gonçalves *
RESUMO
A existência de algo como a economia de comunhão na liberdade é uma abertura à
“hermenêutica do cetismo” e só faz sentido quando nos rendemos à exortação teológica
credere quia absurdum - acredite porque é Absurdo. O artigo contrapõe essa posição e anuncia
a emergência de outra economia enraizada na vida humana, no amor-recíproco e na partilha.
Palavras-chave: economia de comunhão, hermenêutica da emergência, trabalho humano.
ABSTRACT
The existence of something like economy of communion on liberty is an openning to
“hermeneutics of cepticismo” and makes sense only when we surrender to the theological
exhortation credere quia absurdum – believe because it’s an absurd. The article contraposes
this position and announces the emergency of another on human lime, mutual-love and
sharing economy rooted economy.
Key-words: Economy of Communion, hermeneutics of emergency, human work.
Fluidez e permanência do quê?
No mundo contemporâneo do cálculo
utilitário das conseqüências regido pela
sociabilidade que preserva o individualismo legitimado pela “mão invisível”,
aqui denominada de trinitária, detentora de
eira (dinheiro e riqueza material
acumulado nas mãos de poucos), beira
(poder para dominação do outro) e tribeira
(futuro só para descendentes dos
poderosos), a possibilidade de existência
da economia de comunhão é ex ante
Absurdo e Graça, exclamariam simultaneamente indivíduos que podem se
reconhecer nas categorias buberiana de
ininicus, adversárius e amicus (BUBER
1982, p.69).
Amicus argumentariam: - é Graça face a
face, atravessando o limiar - a vida humana
associada (RAMOS, 1989) - que
adversárius evitam, quando encobrem
admitir a possibilidade do que para eles
parece Absurdo: a sociabilidade regida
pela solidariedade, compaixão, ajuda
mútua, simpatia, amizade leal, entusiasmo
ativo, na realização de empreendimento
conjunto (noções estranhas ao pensamento
econômico e abominadas pela prática
econômica neoliberal); cujo sentido é
legitimado por outra mão (in)visível
trinitária, detentora de eira (dinheiro e
Pág. 24
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
riqueza material distribuídos às mãos de
muitos), beira (poder para serviço ao
outro) e tribeira (futuro para todos).
Livres do comprometimento pessoal de
conversação com o outro, adversarius
teceriam fantasias oportunistas sobre a
miséria e a pobreza estrutural, atribuindo a
elas dentre outras causas indolência,
preguiça, caráter de tara ou de vicio das
camadas da sociedade que, segundo eles,
não conseguem dominar a propensão
desenfreada a procriar. Obviamente, com
isso “encontram uma forma de sofismar o
problema” (AKTOUF, 1996, p.70). Outros
adversarius teceriam fantasias sobre uma
possível prevenção da pobreza e da miséria
por meio de discussão teórica. Os que têm
influência espiritual teceriam fantasias
sobre metáforas morais. Cada um em seu
lugar dentro da conhecida separação
natureza e sociedade (LATOUR,1994).
Enquanto isso, o sistema berço da fantasia
da “maré que sobe e eleva tudo” e
promotor de exclusão social, em face à
crítica artística e a crítica social
(BOLTANSKI E CHIAPELO, 1999)
admite brechas e continua a legitimar-se
por falta de provas de sua responsabilidade
no aumento exponencial da miséria em
diversas populações do planeta; ou não é
bem assim?
Mas, é possível provar que a (in)
responsabilidade do sistema é real? Isto é,
por face a face os excluídos da
socialização do individualismo com os
incluídos que a promovem. A relação não é
biunívoca tão pouco simétrica. Assim, não
há resposta, o sistema econômico
globalizado não reconhece o Rosto do
Outro (LEVINAS, 1997), quiçá o “Rosto
do Abandonado” como requer Chiara
Lubich (1991) para a economia de
comunhão.
As conseqüências provocadas pelas
economias desenraizadas da vida humana
Publicada em Outubro de 2004
associada comprovam que ainda não
sabemos fazer funcionar outra economia
baseada na generosidade Cohen (1994), na
cultura da partilha e no amor-recíproco
(LUBICH, 1991). Explicações, dentre
outras, estão postas por Boaventura de
Souza Santos em sua obra Produzir para
Viver (2002): vivemos numa época em que
a idéia de que não há alternativa sistêmica
viável ao capitalismo conseguiu aceitação
sem precedentes devido à contaminação do
sistema
dominante
resultando
na
denominada “hermenêutica do ceticismo”
que
rejeita
a
“hermenêutica
da
emergência”
de
todo
tipo
de
experimentação social.
Laville (2004) afirma que a origem destas
posições é o reducionismo que explica a
ação econômica apenas pelo interesse
material individual, contudo, segundo as
deduções de Karl Polanyi e Marcel Mauss
a realidade da economia é plural, mas é
fato mascarado pela análise utilitarista.
Deste lugar, algo como a economia de
comunhão só faz sentido quando nos
rendemos à exortação teológica credere
quia absurdum - acredite porque é absurdo
- outra economia emergir enraizada na vida
humana associada e em três princípios
fundamentais incompatíveis com o sistema
econômico capitalista: amar uns aos
outros, fazer-se um com o outro, daí e vos
será dado (LUBICH, 1991).
Bauman (2004) ao discorrer sobre as
dificuldades de “amar ao próximo”
mencionou que o próximo, se lhe convier,
não hesitará em injuriar, zombar, caluniar e
demonstrar o seu poder superior. Acima de
tudo é um competidor, tramando como
qualquer competidor, “cavando buracos,
preparando emboscadas, torcendo para que
o outro venha tropeçar e cair”. Num jogo
de sobrevivência, confiança, compaixão e
clemência são fatores suicidas. Por isso, é
lógico é ser mais duro e menos
escrupuloso do que os outros para não ser
Pág. 25
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
aniquilado por eles. Sendo assim,
relacionamentos
e
compromisso
incondicional com outras pessoas parece
cada vez mais uma armadilha que se deve
evitar a todo custo.
Então, “qual é o objetivo de um preceito
enunciado de modo tão solene se o seu
cumprimento não pode ser recomendado
como algo razoável?”, segundo Freud. Se o
“amor ao próximo” é um mandamento que
se justifica pelo fato de que nada mais
contraria tão fortemente a natureza original
do homem, conforme as conclusões
freudianas. Entretanto, para Bauman
aceitar o preceito do amor ao próximo é
ato de origem da humanidade e pode exigir
um salto de fé: passagem decisiva do
instinto de sobrevivência para a
moralidade condição sine qua non, da
sobrevivência. E, com esse ingrediente a
sobrevivência de um ser humano se torna a
sobrevivência da humanidade no humano e
o destino: a economia moral.
A economia moral - cuidado e auxílio
mútuos, viver para os outros, urdir o tecido
dos compromissos humanos, estreitar e
manter os vínculos inter-humanos, traduzir
direitos
em
obrigações,
compartir
responsabilidade pela sorte e o bem-estar
de
todos depende da imaginação e
inventividade e coragem humana de
quebrar a rotina e tentar caminhos não
experimentados (BAUMAN, 2004, p.94).
Mas, salvaguardados os caminhos dos
“socialistas utópicos”, os outros caminhos
experimentados incluem desobrigar-se da
necessidade de responder pelos resultados
adversos: desigualdade econômica e de
poder entre as classes sociais; separação
entre capital e trabalho; apropriação
privada dos bens públicos; acumulação de
renda que causa desigualdades sociais no
interior de cada país e entre países
(BOAVENTURA SANTOS, 2002, p.27).
Publicada em Outubro de 2004
Segundo Bauman, nesse processo os
valores intrínsecos dos outros como seres
humanos
singulares
estão
(quase)
desaparecendo. Há o esfacelamento das
habilidades de sociabilidade, sob as
instruções abertas ou subliminares do
sucesso da ofensiva do mercado que leva
ao “modo agêntico” - agir de maneira
heterônima - guiando-se pelo desejo de
seguir as instruções ao pé da letra e pelo
medo de se afastar dos modelos atualmente
em voga. Para Guerreiro Ramos (1989) é o
mesmo, o indivíduo tornou-se uma fluida
criatura calculista que se comporta de
acordo com regras objetivas de
conveniência e refém da “política
cognitiva, que consiste no uso consciente
ou inconsciente de uma linguagem
distorcida cuja finalidade é levar as
pessoas a interpretarem a realidade em
termos adequados aos interesses dos
agentes diretos e/ou indiretos de tal
distorção”(p.87).
Conseqüência: a solidariedade humana é a
primeira baixa causada pela tendência
inspirada no triunfo do estilo de vida
consumista dominante na qual trata-se os
outros seres humanos, como objetos de
consumo julgando-os segundo o volume de
prazer que oferecem em termos de seu
“valor monetário” (BAUMAN, 2002,
p.96). Mas, baixa não quer dizer
necessariamente fim. Há sempre espaço
para a inventividade espontânea dos seres
humanos e como apontou Michael
Bakunin tem apenas duas faculdades
humanas em que se basear: a habilidade de
pensar e a tendência (coragem) de se
rebelar.
As proposições de Whitehead (1967), não
há mudança sem conservação e
conservação sem mudança não pode
conservar, ajudam a compreender porque
Guerreiro Ramos (1989) afirmou que num
mundo ordenado de acordo com regras
contratuais de agregação social de
Pág. 26
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
interesses competitivos, o sentimento de
transitoriedade das coisas permanente e
sem propósito é uma conseqüência da
interiorização acrítica. Segundo Guerreiro,
quando o centro ordenador da vida não
está em parte alguma a identidade humana
é sua própria criação e acaba em
narcisismo, com isso o mundo social como
um todo se torna estranho ao indivíduo e aí
é inexorável a fluidez da individualidade
de Arnold Hauser (1965).
Inseridos nesses fios de experiências
conflituosas, é possível a aprender a “amar
ao próximo” e ser capaz de ultrapassar a
transitoriedade das coisas e a fluidez da
individualidade
para
responder
às
necessidades de sobrevivência básica de
todos? A exemplo do que ocorre com os
Milagres
é
pertinente
admitir
a
possibilidade
duma
reversão
no
pensamento empresarial no que se refere à
administração do lucro?
O Bem e não (só) os bens
Guerreiro Ramos (1989, p.52), afirmou
que os processos não regulados do
mercado jamais podem gerar uma boa
sociedade. O bom homem (e a boa
mulher), nunca é um ser inteiramente
socializado; é antes, um ator sob tensão,
cedendo ou resistindo aos estímulos sociais
com base em seu senso ético. A boa
sociedade, então, só pode resultar das
deliberações de seus membros em busca da
configuração ética, substantiva, de sua vida
associada. Isto é, passa pela encarnação de
valores virtuosos e pelo trabalho humano,
portanto, “trabalhar é preciso”.
Trabalhar é preciso convocou Miguel de
Simoni (1996), engenheiro de produção,
em sua reflexão teórica sobre o conceito de
trabalho humano e suas implicações para a
produção. Apontou para o trabalho
humano, dentro da visão tradicional como forma de autoconhecimento, como
Publicada em Outubro de 2004
forma de aproximação ao próximo e como
forma de buscar o caráter sagrado da vida uma ligação com os demais aspectos da
vida humana associada e finalmente um
encontro com Deus.
Para Simoni, o trabalho humano é algo não
separado da vida, não é algo que atende
apenas aos aspectos utilitários da
existência humana e passa a ser parte
inseparável da essência humana. Não é
apenas um meio de ganhar a vida, de
mantê-la, mas pode ser um caminho de
transcendência. Todavia, o mundo do
trabalho moderno produz a condição para o
surgimento da doença essencial da nossa
época: a perda da integridade do homem e
da mulher e lamentou Simoni,
“O processo de trabalho da época
atual afasta as pessoas de uma vida
mais singela, mais simples, mais
parcimoniosa. Seus valores são a
produção em massa, a busca do
melhor método (aquele método que
produz a mais em menor tempo), sem
levar em consideração o que o método
pode acarretar para as pessoas,
apenas considerado a necessidade
imperiosa do lucro. É uma base
excludente, que, a priori, já avisa que
haverá diferenciação entre as pessoas
na sua participação no processo de
trabalho. Diferenciação na sua
inserção na estrutura produtiva,
diferenciação na repartição do produto
gerado. E a maneira pela qual cada
pessoa poderá aumentar sua fatia de
participação é o espírito de
competição. Ganhar mais espaço
significa diminuir o espaço de outrem,
esse comportamento é, hoje, entendido
como natural, e ensinado nas escolas,
locais de trabalho, na família, e.por
incrível que pareça, até em algumas
instituições religiosas”. (SIMONI,
1996, p.32).
Pág. 27
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
Publicada em Outubro de 2004
Sendo assim, constatou que para se
trabalhar eficientemente, hoje, é necessário
despessoar-se, perder uma característica
humana básica: a possibilidade de se
encontrar na busca do outro. Mas “Epa”,
conforme Gonçalves (2003), exclamariam
os inimicus e adversarius, reconhecer o
rosto do outro não é preocupação para
engenheirar a produção, é questão relegada
ao campo ideológico e indignados
acrescentariam: - é questão relegada aos
campos filosófico e religioso, e encerrando
o monólogo com a liberdade da enfática
ironia, oriunda da ilusão da separatividade
nomeada por Pierre Weil (1990), diriam: é questão relegada ao campo poético, não é
da nossa conta e ponto.
Tal episódio, a faz anunciar a economia de
comunhão na liberdade.
É com essas plurais mentalidades céticas,
irônicas, cínicas dos adversarius e
inimicus, ora dialógica ora monológica,
que os empreendedores da economia de
comunhão na liberdade entram em tensão.
Com amicus, o silêncio diálogo autêntico
daqueles que já deram razão à Guerreiro
Ramos, que identificou o equívoco:
considerar que a produção é apenas
assunto técnico quando a produção é, ao
mesmo tempo, uma questão técnica e
moral (p.199), assim, reconhecem outro
caminho: a possibilidade da produção de
comunhão. Com adversarius e inimicus
convite à escuta de uma nova chave de
leitura emergente, pois o diálogo não se
impõe a ninguém (BUBER, 1982, p.71).
E, para a concretude da economia de
comunhão convocou empreendedores com
disposição voluntária (Aristóteles, Ética a
Nicômaco) a responderem ancorados em
valores ético-espirituais nos negócios:
subsidiariedade,
solidariedade,
bem
comum, primazia do trabalho sobre o
capital, destinação universal dos bens e
dignidade humana; empreendedores cuja
compreensão é a empresa na sociedade
com inclusividade humana e ambiental;
empreendedores dispostos a destinarem o
lucro das empresas para três finalidades:
reinvestimento na empresa, partilha com
necessitados que são parte essencial da
economia de comunhão e para a formação
de pessoas capazes de afirmarem a
racionalidade de comunhão (BRUNI,
2002) nos processos organizacionais.
“Responder não é um dever é um
poder”
Em 1991, Chiara Lubich, italiana,
fundadora do Movimento dos Focolares
(1947), movimento social que possui cinco
milhões de integrantes leigos, religiosos,
não religiosos, e sem credo religioso, em
182 países do mundo, vem ao Brasil e se
surpreende com o visível contraste da
exclusão social nas favelas e a opulência
dos arranha-céus da cidade de São Paulo.
“Ao contrário da economia consumista
baseada na cultura do ter, a economia
de comunhão é a economia do dar. Isto
pode parecer difícil, árduo, heróico.
Mas, não é assim, porque o homem
(mulher), feito a imagem de Deus, que
é Amor, encontra a própria realização
justamente no amor, na doação. Esta
exigência está no mais profundo do seu
ser, tenha ele fé em Deus ou não. É
justamente
nesta
constatação,
comprovada pela nossa experiência
que está a esperança de uma difusão
universal da economia de comunhão”.
No Quadro A, pode-se visualizar os
fundamentos da economia clássica e da
economia de comunhão. O quadro não tem
caráter comparativo tendo em vista o
estatuto de ciência que detêm a primeira.
Segundo Chiara Lubich (2003), a empresa
da economia de comunhão nasceu para
partilhar seus lucros com os necessitados,
se não faz isso está longe do projeto.
Pág. 28
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
Porém, não se trata de serem
empreendedores filantrópicos, pois
vínculos relacionais são mantidos.
Atualmente, são 900 empresas entre
aquelas constituídas a partir da
anunciação da economia de comunhão,
em 1991, e aquelas que já existiam e
aderiram a ela, instaladas em cinco
continentes. No Brasil, há 89 micro,
pequenas e médias empresas que atuam
nos setores da indústria, comércio,
prestação de serviço e agroindústira, nos
estados de São Paulo, Paraná, Ceará,
Alagoas, Rio Grande do Sul, Minas
Gerais, Santa Catarina, Pernambuco,
Amazonas, Pará, Sergipe, Brasília. E,
dois pólos empresariais o Pólo Spartaco
em Vargem Grande Paulista com seis
empresas inseridas dentre elas a ESPRI
S/A (1992) – Empreendimentos,
Serviços e Projetos Industriais – empresa
de capital fechado, que possui 3500
acionistas por meio da qual os
interessados(as) em participar do projeto
subscreveriam ações, ainda que com
capital bem modesto. O Pólo Ginetta
Calliari (2003) em Recife está em
construção. No mundo estão em
construção, o Pólo Lionello na Itália, o
Pólo Solidariedad na Argentina e o
Guilio Marchesi na França.
Para realizar a economia de comunhão, o
sentido de responsabilidade para o
empreendedor(a) se constitui numa
aprendizagem organizacional capaz de:
•
•
Encarnar o princípio de comunhão,
de solidariedade na organização do
trabalho;
Apreender competências para além
da técnica, porque o empresário(a) e
o
trabalhador(a)
aderem
voluntariamente a um modo de
gestão no qual o trabalho humano
tem sentido para além de fonte
financeira;
Publicada em Outubro de 2004
Quadro A.
Economia Clássica
Economia de Comunhão
Adam Smith fundador da economia política Chiara Lubich fundadora da economia de
clássica. Um homem.
comunhão. Uma mulher.
Modo de produção capitalista
Modo de produção de economia de
comunhão
A linha original de continuidade entre
ética e economia é interrompida.
A linha de originalidade entre ética e
economia é incluída e mantida.
O individualismo na base das relações
econômicas.
A solidariedade na base das relações
econômicas.
Cultura do ter.
Cultura do dar.
A racionalidade consiste na utilidade, na
acumulação e em elevar ao máximo o lucro
privado.
A racionalidade consiste na doação e
partilha do lucro e pressupõe a
personalização do relacionamento e a
felicidade humana.
Homo Economicus, Homo Consumérico.
Homo material, individualista, hedonista,
egoísta.
Homo doador. Solidário. Homo
espiritual
Oposição entre bem individual e bem
social.
Não oposição entre o bem individual e o
bem social.
O capital tem primazia em relação ao
homem.
O homem tem primazia em relação ao
capital.
A relacionalidade incorpora sempre o
elemento de condicionalidade.
A relacionalidade incorpora sempre o
elemento de gratuidade.
Prevalência da racionalidade instrumental.
Racionalidade do Eu.
Prevalência da racionalidade substantiva,
da razoabilidade que segundo Aristóteles
contém elementos de sabedoria.
Racionalidade do Eu com Todos.
Os indivíduos não estão ligados uns aos
outros por nexos indivisíveis antes de
iniciar a troca.
Os indivíduos estão ligados uns aos outros
por nexos indivisíveis antes de iniciar a
troca.
A cultura do ser para si.
A cultura do ser com o outro.
Apropriação privada do excedente.
Apropriação do excedente privada e
partilhada com dois atores beneficiários
fora do processo produtivo.
Foco na avaliação dos resultados
econômicos de mercado.
Foco nos atores sociais.
Esquecimento da premissa antropológica.
Afirmação da premissa antropológica.
Empresa e sociedade
Empresa na sociedade
Isenção de valores religiosos
Inclusão de valores religiosos
•
•
Conceber o espaço organizacional
como um lugar de encontro, de
espiritualidade, aonde pessoas se
auxiliam, mas através da ajuda mútua
e do amor- recíproco, e, não apenas
aprendendo juntas a manufatura dos
produtos;
Afirmar os valores greco-judaicocristãos como norteadores nas
relações internas e externas da
empresa;
Pág. 29
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
•
•
•
•
•
Construir relações fraternais entre
empresário(a),
trabalhador(a),
fornecedor, cliente e concorrente, que
geram a instituição de outros fins que
não o simples êxito de ordem
material;
Destinar
o
lucro
para
a
sustentabilidade
dos
sóciosproprietários, dos acionistas, dos
trabalhadores, sobretudo para a
cultura da partilha com os
beneficiários(as) da economia de
comunhão que não participam do
processo produtivo: os necessitados;
Pagar os impostos devidos ao Estado;
Planejar um ritmo humanizado na
execução das atividades produtivas,
sobretudo
no
respeito
ao
ecossistema;
Ter sensibilidade para produzir o
bom, o belo, o útil e necessário;
No encontro do Bureau Internacional de
Economia e Trabalho, realizado em 1999,
em Grottaferrata Roma, Itália, foi definido
os princípios para a gestão de uma empresa
da economia de comunhão, que podem ser
aplicados a qualquer empresa, desde que
os que a constroem sejam empreendedores
com disposição voluntária para a lógica da
comunhão (Boletim de Economia de
Comunhão, 1997, n. 2, p. 7-8). São sete
tópicos que compõem a carta de princípios.
1. Empresários, trabalhadores e
empresa
•
•
•
•
Formular estratégias, objetivos e
planos econômicos considerando os
critérios típicos de uma correta
gestão.
Investir com prudência e particular
atenção na criação de novas
atividades geradoras de empregos.
Lembrar que, no centro da empresa,
está a pessoa humana, e não o capital.
Utilizar o talento dos funcionários do
melhor modo possível, favorecendo a
Publicada em Outubro de 2004
•
•
criatividade, a responsabilidade e a
participação nas decisões.
Adotar medidas para ajudar os
funcionários
que
passam
dificuldades.
Administrar a empresa com a
finalidade de produzir lucros.
2. Relacionamento com os clientes, com
os fornecedores, com a sociedade civil e
com terceiros:
•
•
•
Esforçar-se para oferecer bens e
serviços úteis, de qualidade e a
preços justos.
Trabalhar com profissionalismo para
construir e reforçar boas e sinceras
relações com os clientes, os
fornecedores e a comunidade.
Estabelecer relacionamento leal com
os concorrentes e observando a
qualidade dos próprios produtos
privando-se de ressaltar os defeitos
dos produtos e serviços dos outros.
3. Ética:
•
•
•
•
Promover, através do trabalho, o
crescimento espiritual de todos os
membros da empresa.
Respeitar as leis e manter um
comportamento eticamente correto
perante as autoridades fiscais, os
sindicatos
e
as
organizações
institucionais.
Agir da mesma forma com os
funcionários, dos quais a empresa
espera semelhante comportamento.
Esforçar-se não só para respeitar os
próprios deveres contratuais, mas
também para avaliar os reflexos
objetivos da produção da empresa no
bem-estar dos consumidores, no que
se refere à qualidade de seus
produtos e serviços.
Pág. 30
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
4. Qualidade de vida e de produção:
•
•
•
•
•
•
•
•
Transformar a empresa numa
verdadeira comunidade, o que
constitui um dos principais objetivos
dos empresários de EdC.
Reunir-se
periodicamente
com
diretores e gerentes para avaliar a
qualidade dos relacionamentos.
Empenhar-se para resolver situações
difíceis, com a consciência de que
esse esforço pode ter efeitos positivos
nos
membros
da
empresa,
estimulando
inovações
e
incrementando a maturidade e
produtividade.
Considerar a saúde e bem-estar de
cada funcionário.
Propiciar adequadas condições de
trabalho – respeito às normas de
segurança, ventilação, iluminação
apropriada e outras.
Evitar carga horária excedente, de
modo
que
ninguém
fique
sobrecarregado.
Construir
relacionamentos
de
amizade no ambiente de trabalho, no
qual deve reinar o respeito, a
confiança e a estima recíproca.
Produzir bens e serviços garantidos,
tomar as devidas providências para
não danificar o meio-ambiente e
procurar economizar energia e
reservas naturais, não só durante a
produção, mas durante todo o ciclo
de vida do produto.
5. Harmonia no local de trabalho:
•
•
Adotar sistemas de gerência e
estruturas organizacionais capazes de
promover tanto o trabalho em grupo
quanto o crescimento individual.
Manter os locais de trabalho
organizados, limpos e agradáveis,
deixando o ambiente harmonioso.
Publicada em Outubro de 2004
6. Formação e instrução:
•
•
•
•
Favorecer a criação de uma
atmosfera de ajuda recíproca, de
respeito e de confiança.
Colocar à disposição, livremente, os
talentos, idéias e capacidades de cada
um, em benefício do crescimento
profissional de todos.
Estabelecer critérios de seleção do
pessoal e de programação de
desenvolvimento profissional para os
funcionários.
Promover freqüentemente cursos de
reciclagem e aprendizado.
7. Comunicação:
•
•
•
•
Estabelecer uma comunicação aberta
e sincera que favoreça o intercâmbio
entre diretores e funcionários.
Estender essa comunicação a todas as
pessoas que contribuem com o
desenvolvimento da EdC.
Utilizar os meios mais modernos de
comunicação, com a finalidade de
desenvolver
relacionamentos
econômicos, úteis e produtivos.
Alegrar-se com o sucesso e valorizar
as dificuldades, as provações ou o
insucesso dos outros, num espírito de
colaboração e solidariedade.
Cabe destacar que a carta de princípios ex
ante não é um código de ética estático, é
um experenciar, uma aprendizagem de
comunhão de bens há sessenta anos na
cultura do Movimento dos Focolares.
Assim, o sentido de responsabilidade para
os empreendedores da economia de
comunhão é assumir as características de
sacralidade,
transcendência,
de
aproximação com o próximo, e de
confiança
na
Providência
nas
circunstâncias de cada dia. A novidade
parece estranha ao leitor ou a leitora? De
qual lugar estão fazendo a leitura?
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
No Quadro B, pode-se
apreciar características que
diferenciam a economia de
comunhão dos empreendimentos das economias
capitalista e solidária.
Publicada em Outubro de 2004
Quadro B.
EdCs
Capitalistas
Solidárias
Finalidade básica é maximizar o
lucro considerando os meios para
adquiri-los para depois partilhar
com beneficiários da EdC, além
dos acionistas as ESPRI S/A e dos
proprietários (as) dos meios de
produção e os trabalhadores (as).
Finalidade básica é
maximizar o lucro sem
considerar os meios para
depois ser apropriado pelos
investidores, acionistas e
aqueles proprietários dos
meios de produção.
Finalidade básica não é
maximizar o lucro, mas a
quantidade e a qualidade
do trabalho.
Numa rápida leitura no
Acumulação do capital
Distribuição das sobras
Quadro B, seguindo as Partilha do capital financeiro
financeiro
formulações de Laville Autoridade e o controle pertence Autoridade e o controle
Autoridade e o controle
pertencem aos investidores, pertencem aos
(2004, p.52) de que as aos empresários(as), ou aos
trabalhadores(as) quando são
aos acionistas.
trabalhadores (as).
finalidades
de
um cooperativas.
HETEROGESTÃO
AUTOGESTÃO
empreendimento dependem HETEROGESTÃO/AUTOGESTÃ
da
configuração
dos O
entre trabalho e a posse Separação entre trabalho e a Não há separação entre
direitos de propriedade, ou Separação
dos meios de produção é mediada
posse dos meios de
trabalho e a posse dos
produção é mediada pela
meios de produção.
seja, das partes envolvidas pela racionalidade capaz de
comunhão.
racionalidade instrumental.
que detêm estes direitos
Tem lucro que é apropriado pelo
Tem lucro que é apropriado Não tem lucro porque
uma vez que determinam empresário(a),pelos beneficiários pelo capitalista e pelos
nenhuma parte de sua
da
EdC
e
pelos
acionistas,
ou
investidores.
receita é distribuída em
seus objetivos, pode-se reserva quando de trata de
proporção as cotas de
capital
perceber que ao contrário cooperativa.
dos
empreendimentos Poder de mando está concentrado Poder de mando está
Poder de mando está
nas mãos dos empresários (as) ou
concentrado nas mãos dos
concentrado nas mãos
capitalistas
algumas nas mãos dos cooperativados.
capitalistas.
dos trabalhadores (as).
empresas
não
são Inserção de valores religiosos
Isenção
de
valores Isenção
de
valores
religiosos
religiosos
controladas
por
investidores, e sim por
empreendedor para admitir que a partilha
outros tipos de partes recebedoras,
na dimensão econômica pode ser justa e
conseqüentemente, seus objetivos se
lucrativa.
diferenciam da acumulação do capital,
como sublinhou Benedetto Gui (2002).
“Alter-economias” abrindo o campo do
possível
Estudo recente comprovou que existem
organizações produtivas nas quais seus
empreendedores estão em processo de
aprendizagem de consolidação de valores
como a comunhão, amor-recíproco e
espiritualidade da unidade traduzindo nos
processos organizacionais intensidades
mais acentuadas de dádiva/afetividade na
dimensão social. Outras em que há
evidências
mais
acentuadas
de
poder/participação traduzindo valores de
solidariedade, cooperação, participação,
autonomia, comunicação, liberdade, da
dimensão política; e no que se refere à
organização da produção os valores cogestão, autogestão e heterogestão vai
depender da configuração dos direitos da
propriedade
e
da
abertura
do
“Alter-economias”,
segundo
a
interpretação de Laville, expressão
decorrente de sua análise sobre a
abordagem plural da economia esboçada
por Mauss e Polanyi, retrata com primor a
“hermenêutica
da
emergência”
da
economia de comunhão na liberdade.
Nela, o trabalho da implantação dos seus
princípios na gestão da produção é um
meio de vida e um meio de dar vida à
concepção de Chiara Lubich: dar vida à
própria pessoa, dar vida aos companheiros
de trabalho, dar vida aos que utilizarão os
produtos fabricados. Numa aproximação
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
radical dar a própria vida aos outros,
sacrificar-se. Amar.
Embora haja polêmica sobre o preceito de
amar ao próximo, é esta a base para a
existência da economia de comunhão,
nascida dentro do sistema capitalista. É
uma inovação para o mundo do negócio,
mas, não é nenhuma novidade em face às
experiências das comunidades dos
primeiros cristãos, dos anarquistas, e do
socialismo utópico. O que há de comum
entre essas experiências é que são
evidências de que o conceito de
responsabilidade precisa ser recambiado,
do campo da ética especializada, de um
dever que flutua livremente no ar, para o
domínio da vida humana associada.
Todavia,
sabe-se
que
poucos
compreendem que é preciso aprender a
amar
(FROMM,
1966)
para
a
sustentabilidade dos vínculos interhumanos. Para tanto “trabalhar é preciso”.
Amar, responsabilidade genuína só existe
onde existe o responder verdadeiro
(BUBER,1982, p.49). Responder a quê?
Ao rosto do outro. Aos efeitos que nos
acontece, que nos é dado ver, ouvir e
sentir, gerado pela sociabilidade do
individualismo e do auto-interesse
exacerbado, apreendido também nas
escolas e imposto pelo modelo econômico
hegemônico como a única saída para a
sobrevivência. Para tanto “trabalhar é
preciso”.
À economia que o discurso neoliberal
constitui como modelo a ser globalizado,
interpõem-se agentes e instituições
impregnados de pressupostos herdados do
incrustamento em um mundo econômico
particular,
de
características,
pretensamente universais, incrustada numa
sociedade particular, enraizada em um
sistema de crenças e valores e numa visão
moral do mundo ligado a uma ordem
social particular (BOURDIEU, 2001,
Publicada em Outubro de 2004
p.29). Por isso, adversarius e inimicus
céticos que vivem num mundo de
espelhos, qualificam as iniciativas
solidárias como absurdas, utópicas,
irracionais, irreais e até imorais. O que
diriam então duma engenharia de produção
com características da economia de
comunhão? Para tanto “trabalhar é
preciso”.
Obviamente, a economia de comunhão está
na contramão do sistema econômico
hegemônico, é inteligente, e, sobretudo é
necessária porque a vida humana e Deus
nela estão associados. Estranho? Não, para
aqueles que “jamais foram modernos”. As
empresas da economia de comunhão estão
em processo de tradução (Callon,1989;
Latour 1992; Bernoux, 1989) e
aprendizagem
organizacional
por
tentativas
e
erros,
marchas
e
contramarchas,
buscando
limites,
regulativos éticos em função de objetivos
determinados, em relação aos efeitos que
podem causar. Deste lugar, podem afirmar
valores que são fundados não apenas em
função de critérios instrumentais e de
eficiência. Mas, comprometidos por um
determinado empenho de valores como o
justo, o bem e o belo. Para tanto “trabalhar
é preciso”, pois necessita de engenheiros
com E maiúsculo com condições de
construírem um projeto civilizatório
diferente deste em que nos encontramos
palco de exclusão humana, violência,
injustiça social e degradação do
ecossistema. Ou será que o atual projeto
civilizatório é bom?
Pode-se tomar emprestado as afirmativas
de Bartholo(2002) sobre ética para
compreender as empresas de economia de
comunhão. Empresas de economia de
comunhão, não se define pelo êxito, pelo
resultado, pelo sucesso, estão para além do
utilitarismo do mercado. Não é apenas algo
que funciona, não é um comprometimento
com o operar de algo. É o
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comprometimento com os valores desse
operar. Para tanto “trabalhar é preciso”. É
assim para os engenheiros que hoje se
ocupam com a administração da produção
coexistindo com os vínculos antecedentes
da economia de comunhão. Também será
para aqueles que venham a ocupar postos
de trabalho numa dessas empresas. Estarão
preparados? “Trabalhar é preciso”.
Diferente da sociabilidade individualista, a
sociabilidade amorosa - comunitária que
deve estar presente nas empresas de EdC é
aquela fruto da disposição das pessoas que
a conduzem e que nelas trabalham com
responsabilidade com o rosto do outro,
iguais e desiguais, por meio de
Benevolência, Paz e Caridade. Absurdo?
Graça? A paciência histórica responderá?
Ou será um novo trabalho de engenheirar a
produção?
Enfim, a economia de comunhão é uma
economia emergente e necessária, todavia,
por estar enraizada no âmbito micro do
Movimento dos Focolares que a concentra
e a redistribui é prematuro considerá-la
universal ou como um novo modo de
produção que substitua o capitalismo. Mas,
pode dar a este um novo sentido,
sobretudo, no que diz respeito a como são
apropriados os lucros decorrentes da
atividade produtiva
“Trabalhar é preciso”.
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
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Publicada em Outubro de 2004
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---------------------------* Doutoranda em Engenharia de Produção,
COPPE/UFRJ - [email protected]
Pág. 35
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
Publicada em Outubro de 2004
Artigo
Participação dos cooperados no processo de gestão
das sociedades cooperativas
Nemizio Antônio de Souza *
RESUMO
Diante de um mercado competitivo e excludente, as sociedades cooperativas destacam-se
como alternativa aos problemas socioeconômicos, onde os cooperados representam o ponto
central de um empreendimento coletivo que busca satisfazer as necessidades econômicas e
sociais de seus cooperados. Diferencia-se das demais sociedades por ter suas bases
sustentadas nos valores e princípios cooperativistas, com uma gestão democrática, devendo
prevalecer a liberdade e a participação, num processo que propicie o desenvolvimento
humano, sendo o grande desafio dos dirigentes conciliar o econômico e o social.
Palavras-chave: cooperativas, quadro social, gestão, participação, econômico-social.
ABSTRACT
In face of a competitive and excluding market, the cooperative societies stand out as an
alternative to the socioeconomic problems, in which the cooperates represent the central point
of a collective enterprise that aims at satisfying the economic and social necessities of the
cooperates. They differ from the other societies for having their bases supported on
cooperative values and principles, with a democratic management. The liberty and
participation must prevail in a process that affords the human development, being the biggest
challenges of the managers to conciliate the economic and the social.
Key words: Cooperatives, membership, Management, Participation, Social-economic issues
Introdução
De acordo com a Lei 5.764/71 “as
cooperativas são sociedades de pessoas,
com forma e natureza jurídica próprias, de
natureza civil, não sujeitas a falência,
constituídas para prestar serviços aos
associados”.
A sociedade cooperativa se fundamenta
nos valores humanos e dignidade pessoal.
É um instrumento que busca solução de
problemas que, de maneira individual,
apresentam dificuldades em serem
resolvidos. Constitui, ainda, uma forma de
viabilizar economicamente o cooperado,
através da produção e prestação de
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
Publicada em Outubro de 2004
serviços, apoiado no desenvolvimento
cultural e profissional de seus associados.
formação e informação; intercooperação e
interesse pela comunidade.
Sendo a cooperativa uma sociedade que
presta serviços a seus associados, é
extremamente importante que estes
compreendam o empreendimento do qual
são donos. Portanto é importante que os
negócios da cooperativa sejam conduzidos
de forma transparente, oportunizando aos
cooperados a definição e aprovação de
estratégias que atendam os seus interesses
e favoreçam na solidificação da
cooperativa. A capacidade de gerar bons
resultados garante a sobrevivência da
empresa, além de propiciar retorno para os
cooperados.
Alguns autores criticam a forma de atuação
das cooperativas com base na doutrina
herdada dos pioneiros de Rochdale, como
Laidlaw (1980), em seu estudo sobre as
tendências de desenvolvimento do
cooperativismo mundial, onde critica o
cooperativismo rochdaleano afirmando
que: “a visão rochdaleana tornou-se uma
imagem confusa e longínqua de uma idade
terminada, sem grande significação atual.
Raros são aqueles que participam ainda
da crença de que o mundo moderno possa
ser reformado ou mudado por um sistema
limitado de comércio varejista. Quase
ninguém está verdadeiramente satisfeito
com a maneira pela qual os princípios
cooperativos
são
presentemente
formulados”.
No entanto, há de se levar em conta que os
resultados de uma cooperativa estão
condicionados à participação, fidelização,
responsabilidade e profissionalismo de
seus cooperados, pois são eles os legítimos
donos da cooperativa. Aliado ao caráter
social,
este
empreendimento
deve
apresentar capacidade competitiva num
mercado globalizado.
1. Aplicação dos Princípios
Cooperativistas
Embora as sociedades cooperativas
estejam inseridas num mercado capitalista,
devendo atuar de forma competitiva, é
importante ressaltar que o que realmente as
diferencia das empresas capitalistas é a
forma como deverão ser geridas, bem
como o seu objetivo principal, que é
traduzir, através dos seus valores e
princípios a liberdade, a democracia, a
solidariedade e o desenvolvimento das
pessoas que compõem o seu quadro social.
A gestão das sociedades cooperativas
deverá estar norteada pelos princípios
cooperativistas que são: adesão voluntária
e livre; gestão democrática pelos membros;
participação econômica dos membros;
autonomia e independência; educação,
Apesar dessa observação sobre a visão
rochdaleana, as cooperativas são encaradas
como soluções de vários problemas
sociais, passam a ser a alternativa para
várias pessoas que foram esquecidas pelo
perverso modelo capitalista. Como afirma
Thenório Filho (2002):
“a doutrina cooperativista, na
ideologia econômica, tem o capital
como meio e o homem como fim, ao
contrário do mercantilismo capitalista
que coloca o homem a serviço do
capital”.
Dessa forma, podemos questionar algumas
técnicas da moderna administração nas
cooperativas, a fim de que possam ser
competitivas e gerar melhores resultados.
Do ponto de vista da lógica das empresas
capitalistas, estas técnicas parecem
perfeitas, pois atuando com boas
estratégias e transformando as cooperativas
em instrumentos de competitividade os
resultados irão aparecer. Em alguns casos,
devido à incapacidade técnica dos
Pág. 37
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
dirigentes, são contratados administradores
que têm toda experiência do mercado
capitalista, mas nenhum conhecimento
sobre a doutrina cooperativista. Mas será
interessante adaptar as cooperativas a esse
modelo capitalista, desprezando seus
princípios e valores? Como ficam os
cooperados?
Exemplos nos revelam que as
cooperativas que focaram apenas nos
resultados, acabaram esquecendo do seu
quadro social, passaram a tratar os seus
cooperados
como
empregados
ou
estabeleceram uma relação de negócio que
colocava dirigentes e cooperados de lados
opostos da negociação. É bom lembrar,
que implantar nas cooperativas o mesmo
modelo de gestão que diariamente expurga
milhares de profissionais de seus postos de
trabalho, colocando-os a margem de um
processo do qual não conseguimos mais
avaliar o que é bom ou o que é ruim, o que
é certo ou o que errado, foge ao propósito
do movimento cooperativista. Pois o
cooperativismo
é
justamente
uma
alternativa de desenvolvimento humano,
sem exploração e exclusão social.
O abandono dos propósitos sociais
de uma cooperativa contribui para o
aparecimento de conflitos, conforme
estudos de SCHNEIDER (1999):
“a) Conflitos com os associados: estes,
não podendo compreender as razões
da evolução de sua cooperativa,
distanciavam-se dela, abdicando de
sua condição de “donos” e passando a
assumir com ela uma relação de
“meros clientes”, diminuindo sua
participação
ou
afastando-se
totalmente, por não identificarem mais
nela a “sua”organização.
b) Conflitos de atribuições entre
dirigentes eleitos e quadro executivoadministrativo, os últimos como
Publicada em Outubro de 2004
especialistas
e
com
elevada
qualificação:
- os dirigentes eleitos nem sempre
tinham a mesma qualificação que os
executivos,
podendo
então
ser
manipulados ou cooptados pelo quadro
executivo-administrativo;
- os dirigentes eleitos dispunham da
mesma qualificação dos executivos,
assumindo funções executivas, ou,
quando sem funções executivas,
interferiam na parte administrativa;
- ou então, os dirigentes eleitos
também
exerciam
funções
administrativas, quando às vezes
careciam de preparação técnica para
administração.
A conseqüência dos conflitos não
superados foi que as cooperativas
eram cada vez mais conduzidas pela
tecnoburocracia, em busca de mais
racionalidade
e
eficiência
da
“empresa”, como resposta necessária
diante da concorrência.”
A prática dos Princípios Cooperativistas
dentro das cooperativas faz com que essa
organização de pessoas tenha suas bases
fundamentadas em seu quadro social.
Afinal, é justamente o conjunto de seus
cooperados
que
resultará
no
desenvolvimento e força nos negócios da
cooperativa. Não existe cooperativa forte
sem
cooperados
conscientes
e
participativos. São eles a mola mestra, o
alicerce da organização cooperativa. Para
isso, há de se trabalhar a educação
cooperativista, que é um dos seus
princípios, para que tenhamos cooperados
que conheçam verdadeiramente o seu valor
dentro do cooperativismo.
É possível, então, praticar os Princípios
Cooperativistas
e
ter
eficiência
empresarial, sendo a cooperativa uma
associação de pessoas?
Pág. 38
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
NAVES (1999) complementa esta
indagação
afirmando
que
se
a
“cooperação” passa a ser uma palavra
importante
nas
atuais
estratégias
capitalistas, muitas cooperativas, ao
mudarem seu estilo de gestão em busca de
maior eficiência administrativa, assumem
formas
empresariais
rígidas,
centralizadoras, hierárquicas e tradicionais,
muitas vezes, ultrapassadas e voltadas
para o resultado econômico imediato, que
não é o seu objetivo. A direção e o controle
da sociedade acabam ficando, em muitos
casos, nas mãos dos dirigentes e gerentes,
bloqueando a participação de seus
associados e centralizando as decisões a
um pequeno grupo. As sociedades
cooperativas que incorporam essas
características caminham na contramão de
seus princípios e objetivos sociais.
Dessa forma, deixam de se caracterizar
como
uma
autêntica
cooperativa.
Praticamente não se consegue mais
distingui-las
das
sociedades
não
cooperativas. A cooperativa passa a ser
uma entidade compromissada, unicamente,
com o mercado e com os resultados
financeiros que possam atender uma lógica
capitalista, transformando seus associados
em espectadores. As operações de mercado
jamais deveriam ser fixadas como
prioridade, em detrimento dos interesses
dos associados. Quando acontece, há uma
inversão dos objetivos da sociedade,
substituindo os interesses e necessidades
dos cooperados pela eficiência econômicofinanceira. Embora todos nós saibamos que
as sociedades cooperativas atuam num
mercado capitalista, logo, deverão dispor
de ferramentas e estratégias para o alcance
de seus resultados, há de se preocupar de
não esquecer o seu lado social, uma vez
que sociedades de economia social.
Portanto, preservar os interesses dos
cooperados, atuando de forma eficiente e
transparente é o grande desafio para os
Publicada em Outubro de 2004
dirigentes e gestores das cooperativas. Não
podemos deixar que a mentalidade
capitalista,
enraizada
em
nossas
experiências, seja uma viseira que nos
impeça de enxergar um caminho novo,
onde a cooperação seja o fio condutor para
obter resultados coletivos, onde não haja
tanta injustiça e exclusão social.
2. A participação dos cooperados no
processo decisório
A participação através do voto é um
princípio que desde os inícios do
cooperativismo de Rochdale está presente
e é claramente explicitado nos estatutos
das cooperativas.
A participação pelo voto, que permite a
escolha dos dirigentes da organização,
expressa de fato quem é o dono efetivo da
organização. Através da escolha dos
dirigentes, que sempre devem prestar
contas aos que os escolheram, os
associados influem na definição dos
objetivos e das políticas da organização.
Porém, como em qualquer outra
organização que se rege pelo princípio
democrático, também sua prática pode ser
manipulada, distorcida, escapando ao
controle dos sócios. Entre outros, são
indicadores de baixa participação em nível
de voto: a apresentação sucessiva de chapa
única para as eleições, elaborada
exclusivamente pelos que estão na direção
da cooperativa, a repetição alternada das
mesmas pessoas nos cargos de direção
durante anos seguidos, bem como a própria
baixa freqüência dos sócios às assembléias
gerais.
A participação no processo de elaboração
das decisões e no controle sobre a
execução das mesmas passa a ser uma
exigência cada vez maior por parte do
quadro Social. Dessa forma é importante
que os dirigentes estejam aptos a
Pág. 39
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
proporcionar o processo de democratização
nas cooperativas, propiciando a autogestão.
Todavia,
não
podemos
entender
participação apenas pelas assembléias
gerais, é extremamente importante que o
associado tenha uma atuação mais ativa
junto a sua cooperativa, conforme destaca
Schneider:
Como viabilizar a participação em
ambas as etapas? Tem se verificado em
épocas recentes, nos casos de
cooperativas grandes e das estruturas
integradas, que a escassa assembléia
geral anual geralmente exigida por lei,
embora necessária, não é mais uma
forma suficiente de participação e de
controle
do
quadro
social
(SCHNEIDER, 1999).
Dessa forma, é necessário que as
cooperativas criem novas formas de
participação dos seus associados e, para
isso,
seus
dirigentes
devem
ser
estimuladores dessa participação. No
entanto, os dirigentes devem estar
preparados para trabalharem o processo de
democratização dentro das cooperativas,
que poderá ser feito através dos comitês
educativos.
A eficiência de uma cooperativa está
amparada no seu capital humano e não
pelo capital formado por dinheiro,
máquinas e prédios. Sãos os cooperados os
elementos mais importantes de todo o
processo. Daí a importância dos dirigentes
em estimular a participação e apoiar
projetos que possam contribuir no
desenvolvimento do quadro social. É
preciso que se crie um ambiente que
favoreça o desenvolvimento humano, que
estimule o aprendizado e favoreça a
formação
de
uma
conscientização
cooperativista.
Publicada em Outubro de 2004
Sabemos que a construção de um ambiente
que estimule a participação e o
comprometimento não é tarefa fácil.
Principalmente quando o quadro social
cultua a velha relação de poder, trazida de
organizações não cooperativas, onde
prevaleciam
estruturas
hierárquicas
verticalizadas e rígidas.
No entanto esse é o grande desafio dos
dirigentes
das
cooperativas.
Suas
atribuições vão além dos processos
econômicos da organização, é preciso
percorrer a seara da satisfação humana, é
estar atento aos anseios de um quadro
social que necessita mais do que resultados
financeiros. Precisam encontrar dignidade
no que fazem e mais ainda, compreender
que o outro é importante e faz parte de sua
realização.
Outro aspecto desafiador para as lideranças
cooperativas, é que as ações devem estar
baseadas nos valores e nos princípios
cooperativistas, a fim de que possa criar
laços de afinidade entre todo o quadro
social.
O processo decisório de uma cooperativa
implica muito mais do que atribuir essa
tarefa aos dirigentes. Há de se considerar
que existe interesse de vários donos em
torno de cada decisão tomada. O fato dos
cooperados
serem
donos
do
empreendimento exige que os mesmos
participem do processo decisório.
Considerando que os dirigentes das
cooperativas são eleitos, atendendo um
processo eleitoral que está explicito num
estatuto social, deve-se levar em conta que
suas atitudes devem estar pautadas sob os
interesses e expectativas de todo o quadro
social. Compreendendo que ele é
representante dos cooperados nos negócios
da cooperativa.
Pág. 40
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
As sociedades cooperativas defrontam-se,
portanto, com uma situação em que têm
que conciliar sua atividade econômica
empresarial com a concretização de formas
mais participativas e controladoras da parte
de seus cooperados. Esta é a contradição
fundamental da ação cooperativa numa
economia de mercado, expressa nos
conflitos de um negócio coletivo.
No entanto há de se lembrar que as
cooperativas são sociedades de economia
social que buscam ser uma resposta ao
atual modelo econômico, uma alternativa
para as contradições sócio-econômicas.
Dessa forma, os dirigentes devem buscar
sincronizar os interesses dos cooperados a
um sistema de livre comércio, a fim de
viabilizar a inserção econômica dos
cooperados no mercado e a sua
participação no processo de controle e
decisão empresarial.
A qualificação dos dirigentes é
importantíssima, para que possam lidar
com toda adversidade nos negócios e no
quadro social. Observa-se freqüentemente
que cooperados e cooperativa buscam o
benefício próprio e imediato. O cooperado
usa os benefícios oferecidos pela
cooperativa, mas não estabelece com a
empresa uma relação de exclusividade e
fidelidade na sua atividade produtiva e na
demanda por serviços, motivo da
cooperação. Dessa forma, caso os
dirigentes não estejam preparados para
desenvolver estratégias que possam
preservar o interesse da maioria, educando
os imediatistas, acabarão por tentar
satisfazer a vontade de um pequeno grupo
em detrimento da coletividade, o que se
qualifica como ingerência.
Portanto, a autogestão é o caminho para se
conquistar a libertação do controle do
capital sobre o trabalho. Nessa forma de
gestão, todos os associados têm iguais
direitos e deveres junto aos processos
Publicada em Outubro de 2004
administrativos adotados, bem como os
resultados alcançados. Assim, todos
constroem a organização, seus valores e
compartilham
sua
própria
gestão,
comprometendo-se fortemente.
Não
devem existir hierarquias rígidas e
verticalizadas, pois isto significa alienação
e dominação. Há de se ousar em
flexibilizar no processo de gestão, cortando
as amarras de um modelo de poder e
dominação que contraria a liberdade e o
sonho. Há de se buscar uma nova proposta
de gestão onde todas as decisões têm de ser
tomadas pelo coletivo. Para isso, a
formação dos comitês educativos tem
papel importantíssimo, a fim de que todos
os cooperados tenham acesso às
informações
necessárias,
e
igual
responsabilidade para com a cooperativa.
Considerações finais
Apesar da influência dos valores
tecnocráticos
sobre
o
pensamento
cooperativista e de todas as mudanças
socioeconômicas atuais, o conceito de uma
administração libertária da vida e da
sociedade,
pode
ser
utilizado
conjuntamente a uma estratégia de gestão
eficaz e rentável em uma empresa
cooperativa. Mesmo sofrendo todas as
pressões de um mercado capitalista, com
predomínio da acumulação voraz de
capital, deve prevalecer a autonomia e a
autogestão, a fim de propiciar a resolução
de problemas econômicos e técnicos, bem
como morais e sociais.
O sucesso do movimento cooperativista
está condicionado às pessoas que o
integram. Existem vantagens do agir
coletivo a partir do cooperativismo, tendo
em vista seus princípios norteadores que
estimulam
a
democracia
e
o
comprometimento pessoal uma vez que, ao
aderir ao sistema cooperativo os
associados tornam-se responsáveis diretos
pelos processos decisórios da organização.
Pág. 41
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
Por
isso
compreendemos
como
fundamental a identificação dos interesses
e necessidades tanto individual quanto
coletivamente. O desafio está em construir
a idéia de bem comum numa sociedade
que estimula a individualidade e o desejo
de posse. Com isso podemos destacar que
não
se
edifica
facilmente
um
empreendimento cooperativo sem trabalhar
a educação cooperativista.
É inegável que as cooperativas também
atuam num ambiente competitivo do
mercado, tendo de alcançar retorno
financeiro para distribuir a seus associados,
sendo este seu objetivo principal. Por isso,
mesmo neste tipo de empreendimento
deve-se ter a preocupação com a
eficiência, deve ser uma das metas a ser
alcançada, para que se garanta o retorno
econômico e a conseqüente estabilidade
financeira da cooperativa. Por outro lado,
não deve ser abandonado o seu caráter
social, lembrando que a força do
empreendimento reside justamente no seu
quadro social. Esse é o grande desafio para
os gestores das organizações cooperativas,
uma vez que não basta repetir ou maquiar
modelos administrativos aplicados em
organizações não cooperativas.
Dessa forma, a melhor maneira de autogerir uma empresa cooperativa é através de
um funcionamento adequado e permanente
dos organismos de base, comitês, núcleos,
assembléias etc. Procurar estabelecer
diferentes fóruns deliberativos em que
todos os membros da organização tenham
o direito de participar, elaborando,
intervindo e deliberando. Assim, a empresa
passa a desfrutar da possibilidade de ter
quase todos os associados pensando e
repensando continuamente os rumos, os
processos organizacionais e sociais do
empreendimento.
Publicada em Outubro de 2004
sociedade de caráter social, que se difere
das outras empresas não cooperativas.
Temos de olhar a cooperativa como uma
ponte que liga o sonho à realização, onde
as expectativas das pessoas comuns
possam vir a ser o alicerce de várias
conquistas.
Contudo, precisamos praticar mais o
cooperativismo. Precisamos trabalhar o
coletivo e deixar bem claro, para todos
aqueles que participam do movimento
cooperativista, que o ser humano é muito
mais importante do que o capital.
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* Especialista em Gestão de Cooperativismo e em
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do Núcleo de Estudos do Cooperativismo e
Associativismo da Fundação Pedro Leopoldo,
Consultor do SEBRAE-MG e da OCEMG/
SESCOOP-MG.- [email protected]
Pág. 43
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
Publicada em Outubro de 2004
Artigo
Empreendedor coletivo e economia social:
Outra forma de empreender *
Benoît Lévesque **
RESUMO
Verificamos o estabelecimento de empreendimentos coletivos de economia social que tentam
responder a urgências devidas a grandes transformações sócio-econômicas e à incapacidade
dos setores público e privado de responder a elas. Outras iniciativas resultam também de
aspirações e novos valores relativos à organização do trabalho e a modos de vida.
Em comparação com os empreendimentos privados, os empreendimentos coletivos são em
geral mais complexos e têm características específicas que demandam uma atenção especial
pelos que se interessam em buscar formas adequadas de apoiá-los.
Palavras-chave: empreendedorismo, economia social, economia solidária
ABSTRACT
We witness the establishment of collective enterprises of social economy aimed at meeting
urgent needs caused by wide socio-economic transformations and to the incapacity of the
private and public sectors to deal with those needs. There are also other initiatives which
result of aspirations for new forms of work organization and for new ways of life. Compared
to the private enterprises, the collective endeavors are in general more complex and have very
specific characteristics. This makes it necessary to pay close attention to their needs,
especially by those who are interested in providing adequate forms of supporting them.
Key words: entrepreneurship, social economy, solidary economy
Introdução
A ciência econômica, em particular a
micro-economia, põe o empreendedor
individual no centro da produção da
riqueza enquanto a casa é o seu
equivalente no plano do consumo. Se o
empreendedor individual representava no
século XIX a base da economia capitalista,
isso já era bem menos verdadeiro no fim
desse século, com a emergência dos
monopólios, e menos ainda no século XX,
com as tecnoestruturas dirigindo a
produção em massa nas grandes
corporações, como mostrou o economista
americano de origem canadense Galbraith
(1968). Ainda que esse foco no
empreendedor individual possa ser
questionado de várias maneiras, ele tem de
qualquer forma favorecido uma reflexão
em profundidade sobre a natureza e o
papel do empreendedor na economia. Em
contrapartida,
o
empreendedorismo
coletivo que encontramos nas iniciativas
da economia social ainda não recebeu uma
sistematização comparável.
Pág. 44
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
Dispomos de um certo número de teorias
sobre empreendimentos cooperativos e
sociais (Craig, 1993, Desroche; 1976,
Fauquet, 1965; Pichette, 1971 e 1972;
Vienney, 1980 e 1994), que propiciam
elementos
para
caracterizar
o
empreendedor coletivo, mas a questão do
empreendedorismo só costuma ser
examinada indiretamente. A história das
iniciativas da economia social permite
identificar
também
nesse
domínio
verdadeiros empreendedores, mas a
atenção se orienta em geral mais para o
movimento ou para a associação que para a
função
do
empreendedor
coletivo
(MacPherson, 1979; Cole, 1944). Os
empreendedores
sociais
e
o
empreendedorismo coletivo vêm sendo
postos em questão há no máximo dez anos.
Em suma, os conhecimentos sobre o
empreendorismo coletivo não têm sido
sistematizados por pesquisas que o
tivessem definido como prioridade. A
renovação
dessa
forma
de
empreendedorismo torna essa tarefa mais e
mais urgente. Dito isso, nossa contribuição
constitui apenas um convite a um
engajamento urgente nesse caminho, ao
propor algumas indicações para a reflexão.
Antes de entrar no tema propriamente dito,
começarei por um testemunho que permita
ver como a situação do empreendedorismo
coletivo evoluiu rapidamente no curso dos
últimos anos e sugerirei em seguida uma
constatação que deixe perceber a
especificidade do Quebec nesse assunto.
Em 1979, quando era professor na
Universidade do Quebec em Rimourski,
organizei um colóquio internacional no
âmbito da Universidade cooperativa
internacional, presidida então por Henri
Desroche, famoso sociólogo francês, já
falecido, que relançou a idéia de economia
social na França na metade dos anos 1970.
Esse colóquio visava a tratar de
experiências de animação social, desde o
Publicada em Outubro de 2004
período do BAEQ (Bureau d’aménagement
de l’Est du Québec) àquilo que podíamos
então observar no campo nas pegadas das
Operações Dignité, da Sociedade de
exploração de recursos em comum do Vale
de Matapédia, a serraria comunitária da
vila do Espírito Santo, o JAL (iniciativas
das vilas de St-Juste, Auclair e Lejeune), o
Teatro dos oprimidos e a Reunião dos
organismos culturais de Rimourski. Como
temática para o programa e para a
publicação de anais desse colóquio, eu
propus:
Animação
social
e
empreendimentos
comunitários
e
cooperativos (Lévesque, 1979). Hoje,
posso lhes dizer que isso não ocorreria. O
termo empreendimento coletivo não teria
suscitado forte reação, mas o de
empreendimento comunitário teria feito
reagir
boa
parte
dos
militantes
comunitários como “o diabo diante da
cruz!”. Se a temática proposta por este
evento “o empreendedorismo na economia
social” parece se impor naturalmente, é
necessário admitir que a reflexão está em
atraso em relação à prática.
Isso me leva à constatação que também
desejo partilhar. No Quebec temos a
Fundação para o Empreendedorismo1, que
realiza há um bom tempo um excelente
trabalho de promoção e de apoio do
empreendedorismo. Não desejo que minha
constatação seja entendida como uma
crítica a essa Fundação, pois, para mim, se
ela não existisse, seria necessário inventála. Além dos mais, há alguns anos ela
encoraja igualmente o empreendedor
coletivo e faz esforços louváveis para
promovê-lo (Conselho da Cooperação do
Quebec, 1999). No entanto, o que se pode
notar é que os principais parceiros que
mantêm
essa
Fundação,
dedicada
principalmente ao empreendedorismo
privado,
são
majoritariamente
empreendimentos públicos e coletivos,
1
http://www.entrepreneurship.qc.ca/fr/accueil/default.asp
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
como
Hydro-Quebec,
Movimento
Desjardins, o Fundo de solidariedade dos
trabalhadores etc. A única conclusão é que
no Quebec o empreendedorismo coletivo é
essencial e que temos a tendência
espontânea de esquecê-lo e, sobretudo, de
não enxergá-lo.
O empreendedorismo coletivo está
presente em numerosas iniciativas
emergentes, mas também em algumas
grandes
empresas
do
Quebec,
principalmente no mundo financeiro e o
dos recursos naturais (agricultura, energia
e florestas). Dessa perspectiva, o Quebec
se caracteriza por uma economia plural em
que os principais pilares são sem dúvida as
iniciativas privadas, mas também as
iniciativas públicas e da economia social.
Para os pesquisadores, como para os
envolvidos com a intervenção, interessados
em inovações e experimentos, o Quebec
representa uma espécie de laboratório.
Jaroslav Vanek, conhecido economista
americano, reconhecia isso ao dizer que o
Quebec era “o paraíso das iniciativas
coletivas”.
Em minha exposição, me fixarei
principalmente nas iniciativas coletivas
emergentes. Na primeira parte, me
esforçarei por caracterizar em grandes
traços as iniciativas da economia social.
No segundo momento, tentarei mostrar
como o empreendedorismo coletivo se
distingue
substancialmente
do
empreendedorismo capitalista, ainda que
partilhe formalmente a maior parte das
características gerais. As diferenças são,
não obstante, potencialmente plenas de
conseqüências para a manutenção e o
desenvolvimento
de
iniciativas
de
economia social.
1. Economia social: iniciativas para
responder a necessidades e a aspirações
Publicada em Outubro de 2004
A economia social é a parte da economia
que reconhece explicitamente a dimensão
social, primeiro, pelos valores que lhe
correspondem, mas, sobretudo, pelas
regras darem prioridade às pessoas mais
que aos capitais, no que diz respeito às
decisões (o poder) e aos resultados
(organismos
sem
fins
lucrativos,
cooperativas, mutualidades, convenções de
acionistas). Diversamente das iniciativas
capitalistas, para as quais o poder e os
lucros pertencem exclusivamente aos
acionistas, as iniciativas da economia
social se baseiam na associação de pessoas
e na capacidade de mobilizar uma grande
diversidade de recursos, originados desde a
filantropia à redistribuição do Estado,
passando em muitos casos pelo mercado.
Desse ponto de vista, as iniciativas de
economia social permitem realizar em
grupos ou coletivamente o que não se pode
fazer isoladamente. Esse grande potencial
para responder a necessidades novas a
partir de uma grande diversidade de
recursos significa que o empreendimento
da economia social é mais complexo e
mais “rico” que o tradicional, o que não
deixa de ter conseqüências para as
condições de desenvolvimento desse tipo
de iniciativa. De mais a mais, cada uma
das gerações de empresas de economia
social apresenta certas especificidades que
nos parece importante levar em
consideração.
1.1 Quatro tipos de iniciativas2
No contexto atual, pode-se identificar
quatro grandes tipos de iniciativas no
âmbito da economia social emergente.
Esses quatro tipos de iniciativas resultam
da combinação de duas séries de
dimensões:
2
Esta seção sobre os quatro tipos de iniciativas do
âmbito da economia social retoma no geral algo
apresentado anteriormente em outro artigo. Ver
Benoît Lévesque (2001).
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
1. as razões que dão sentido ao projeto
da iniciativa;
2. a predominância de formas de
atividade desenvolvidas (ex: forma
mercantil ou forma não mercantil).
As razões que inspiram a maioria dos
novos projetos de economia social extraem
uma boa parte de seu significado do
contexto de “grande transformação” que é
o nosso, seja aquele de questionamento do
modelo de desenvolvimento estabelecido
no período após a segunda guerra mundial,
seja o das propostas ditas neoliberais, que
dizem respeito à abertura das fronteiras, à
liberalização e a reestruturação da
economia, sem esquecer a financeirização
e a concorrência exacerbada (Orléan, 1999;
Cohen, 2001). Essas transformações
provocaram
o
crescimento
das
desigualdades entre sociedades do Norte e
do Sul, assim como no seio de todas as
sociedades, inclusive as do Norte. Mais
precisamente, observa-se um crescimento
do desemprego, uma nova pobreza,
exclusão social e geográfica, redução dos
serviços coletivos e um conjunto de danos
que constituem tantas situações de
urgência (Boyer, 1997; Gélinas, 2000). Em
suma, um novo contexto de necessidade
dando lugar a uma multiplicidade de
iniciativas da parte da sociedade civil já
que nem o Estado nem as empresas
oferecem soluções a essas novas
necessidades, pelo menos em médio prazo.
Entre as iniciativas que buscam responder
a essas situações de urgência podemos
mencionar como exemplos os centros de
acolhida, os abrigos, os bancos de
alimentos, os restaurantes populares, as
lojas de roupas usadas, os círculos de
empréstimos, as iniciativas de inclusão
social etc.
A nova economia social de hoje, como a
do passado, não se limita a responder a
situações de urgência. De fato, como as
associações que lhes dão origem (aí
Publicada em Outubro de 2004
incluídas as de situação de urgência) são
mantidas por novos movimentos sociais
(ex: movimentos feministas, ecologistas,
culturais, regionalistas), as experiências e
as iniciativas são alimentadas também por
aspirações por uma outra sociedade ou
ainda por viver e trabalhar de outra
forma. Desse ângulo, o novo contexto
oferece igualmente oportunidades para
repensar o desenvolvimento a partir de
iniciativas em geral locais. Esse contexto
não deixa de ser percebido pelos
promotores da nova economia social,
motivados principalmente pelo desejo por
mais democracia, por uma sociedade que
reconheça o lugar das mulheres, por uma
sociedade mais igualitária, por um
desenvolvimento sustentável etc. Como
exemplos de iniciativas aparentemente
inspiradas por aspirações desse gênero,
destaquemos as experiências no domínio
da educação e da saúde alternativas, o
comércio justo, as iniciativas de
reciclagem e de reutilização (como alguns
brechós...), ou, ainda, uma agricultura
biológica, o turismo social e alternativo, as
empresas de auto-gestão, a poupança e o
investimento solidários etc.
A economia social e solidária, que emerge
sob o impulso da necessidade ou de
aspirações como as expostas acima,
pertence ao domínio da economia plural,
na medida em que tem êxito em mobilizar
recursos oriundos do mercado, de uma
redistribuição alimentada pelo Estado, da
reciprocidade, ou mesmo de doação por
parte de indivíduos ou coletividades do
âmbito da sociedade civil (formas
mercantis, não mercantis e formas nãomonetárias) (Laville, 1992). Mas, como
indica a tabela 1, a forma dominante das
atividades pode ser algumas vezes
mercantil, outras vezes, não mercantil.
Desse ponto de vista, as iniciativas da
economia social e solidária podem se
inscrever principalmente:
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
a) no desenvolvimento social, como
resposta à crise do Estado-previdência
(ou sua ausência, nos países do Sul);
b) no desenvolvimento econômico,
como solução à crise de empregos ou
mesmo de trabalho (Comeau et alii,
2001).
Essas diferenças devem ser levadas em
conta, pois, do ponto de vista do
empreendedorismo e da democracia, os
desafios variam segundo a forma
dominante das atividades:
a) no caso do desenvolvimento social
com predominância não mercantil, a
autonomia pode ser ameaçada pelo
controle estatal ou pelo risco de
insensibilidade;
b) no caso do desenvolvimento
econômico
com
predominância
mercantil, o risco é a invasão do
mercado, havendo ainda o risco de
ocorrer sub-contratação.
Mas, em todos os casos, as iniciativas
devem apostar numa economia plural
segundo dosagens variáveis entre o
mercantil, o não mercantil e o não
monetário. Segundo as etapas de
desenvolvimento das organizações e das
iniciativas, a parcela das diversas
contribuições poderá variar igualmente em
grau considerável.
Essa distinção de quatro tipos de
organizações da economia social não deve
ser rígida ou utilizada para hierarquizar as
iniciativas e experiências, pois
1. por um lado, as situações podem
evoluir, ainda mais que existem
experiências
híbridas
em
que
necessidades e aspirações encontramse intimamente ligadas;
2. por outro lado, o desenvolvimento
econômico e o social são cada vez
menos realidades separadas na
Publicada em Outubro de 2004
perspectiva do desenvolvimento local
(Levésque, 2001)
Além disso, essa distinção de quatro tipos
de organizações da economia social
permite destacar o lugar e o papel distintos
que uma sociedade pode atribuir à
economia social (Vaillancourt e Laville,
1998; Lévesque e Mendell, 1999).
2. O empreendedor coletivo e social, um
empreendedor como os outros?
Um exame da teoria econômica clássica do
empreendedor capitalista permite ver com
clareza que o empreendedor coletivo não
se distingue formalmente do empreendedor
capitalista mas se diferencia dele
substantivamente. Como o empreendedor
capitalista, o empreendedor coletivo tem
que correr riscos calculados, inovar e
dispor de um projeto de empreendimento
(do ponto de vista formal), mas dele se
distingue pela natureza dos riscos, dos
meios de que dispõe e do projeto de
empreendimento que o anima (do ponto de
vista substantivo).
2.1 O empreendedor capitalista
Quando falamos de empreendimento,
pensamos em sobretudo no empreendimento capitalista. Devemos reconhecer de imediato que a noção de
empreendimento é recente, pois o sentido
que lhe damos hoje só apareceu no século
XVIII (Vérin, 1982). As palavras
“empreendimento e empreendedor” já
existiam antes, mas tinham outros
significados, alguns dos quais se
relacionavam à aventura e ao risco, como
os cavaleiros ou, ainda, as conquistas.
Três contribuições teóricas sobre o
empreendedor parecem-me de particular
interesse,
pois
serão
retomadas
posteriormente:
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
•
•
A primeira, elaborada no século
XVIII pelo economista Richard
Cantillon, definia o empreendedor
capitalista como um homem racional
capaz de enfrentar o desafio do risco,
e em particular o da economia de
mercado.
As outras duas, elaboradas no século
XX por Max Weber e Joseph A.
Schumpeter, afirmam entre outras
coisas
que
o
empreendedor
capitalista é um homem mais ou
menos racional cujas ações não
derivam apenas da lógica da
racionalidade formal ou instrumental,
mas também de valores e crenças (e,
portanto, de um mundo irracional).
Desse ponto de vista, os elementos
determinantes não serão nem a
racionalidade nem o risco, mas os
valores e a inovação.
No Ensaio sobre a natureza do comércio
em geral (1735), Richard Cantillon mostra
bem como o empreendedor pertence à
classe “dos que vivem na incerteza, ou
seja, que devem o tempo todo refletir, usar
a razão”. Para esse economista francês, “o
empreendedor é o homem racional por
excelência, porque ele opera numa
sociedade mercantil em que tudo se regula
pela concorrência do mercado, em que se
deve saber avaliar o provável, em que só se
pode decidir após ter deliberado, julgado.
O empreendedor, um homem que se
encontra então, a exemplo do filósofo,
como que obrigado de ele mesmo se
conduzir.” (Vérin, 1982). Em resumo, já
que o mercado só avisa posteriormente
sobre a pertinência ou utilidade da
produção realizada, o empreendedor deve
ser racional para calcular os riscos.
Desse ponto de vista, o empreendedor
individual contrasta com as associações de
produtores (ex: corporações de ofícios),
pois essas últimas, por se limitarem ao
mercado local e à proximidade, não correm
Publicada em Outubro de 2004
riscos. Mantendo-se nas relações de
proximidade,
os
“empreendedores
associados” podem com facilidade fixar
sua produção à demanda local, limitando,
por outro lado, as possibilidades de
crescimento de seus empreendimentos. Em
vários
países,
a
escalada
dos
empreendedores
capitalistas
foi
acompanhada da proibição de manter-se
associações outras que não fossem as de
auxílio mútuo. Em busca do lucro
individual, o empreendedor subverte a
ordem estabelecida, com destaque para a
do antigo regime a que estava submetida a
ordem mercantil.
Sem contestar por completo a parcela de
cálculo e de racionalidade que se supõe no
empreendedor capitalista, Max Weber
mostra que o empreendedor capitalista está
longe de ser racional. Na medida em que
seu empreendimento se baseia numa
acumulação de excedentes acima de suas
próprias necessidades e na medida em que
igualmente se recusa a gozar a vida para
se dedicar de corpo e alma a esse projeto, o
empreendedor do capitalismo nascente
obedecia a uma lógica cujo sentido era
dado por crenças religiosas (e, portanto,
por uma forma de irracionalidade): “ele
não tira nada de sua riqueza para si
mesmo, para além do sentimento irracional
de haver realizado bem sua labuta”
(Weber, 1964: 73). Além do mais, como
seu comportamento é inovador em relação
à tradição, o empreendedor dessa época
“enfrentou com freqüência o desprezo,
talvez o ódio e, sobretudo, a indignação
moral” (ibid: 71).
Ainda que não argumente nos mesmos
termos que Weber (e, portanto, usando sua
referência explícita às crenças religiosas),
Schumpeter mostra igualmente que o
empreendedor não é um ser puramente
utilitarista e racional. Para o economista de
origem austro-húngara:
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1. O empreendedor é um líder que
busca ir além das limitações usuais.
Caracteriza-se,
pois,
por
sua
capacidade de conceber o novo, de
apreender o essencial, de agir
rapidamente e de compreender por
intuição. Deve ser capaz de ir além das
críticas que necessariamente recebe o
que é novo e inovador. As pessoas em
torno dele o vêem como um desviante
e, mesmo, como ameaçador. Ele ocupa
portanto uma posição precária na
sociedade. Ainda que partilhe algumas
características com os líderes do
passado (religiosos ou militares), é
menos heróico, pois faz parte de uma
civilização racional e materialista.
Desse ponto de vista, a psicologia do
empreendedor se constitui de uma
mistura de elementos racionais e
emocionais. De um lado, estão os
elementos racionais, como a previsão e
a inserção num ambiente racional em
que encontramos o dinheiro, a ciência,
o direito etc. De outro lado, os
elementos irracionais, como a emoção
e a paixão que suscita o sonho de
estabelecer uma dinastia, uma grande
família, um império. Desse ponto de
vista, o empreendedor é desviante em
relação a uma cultura que define a
racionalidade de um ponto de vista
estreito e limitado ao curto prazo.
2. De forma positiva, o empreendedor se caracteriza principalmente
pela inovação. Ele não é um inventor,
mas um indivíduo capaz de introduzir a
invenção na indústria e, assim,
produzir inovação, seja a fabricação de
um novo bem, a introdução de um
método de produção (procedimento), a
abertura de um novo negócio (entrar
num mercado onde antes não estava
presente), a conquista de uma nova
fonte de matéria-prima ou de produtos
semi-acabados, o estabelecimento de
uma nova organização (ex: novos
métodos de gestão) (Schumpeter,
Publicada em Outubro de 2004
1939). Essa nova dimensão do
empreendedor permite distingui-lo com
clareza da função de gerente: o
primeiro inova, enquanto o segundo
gere sem necessariamente inovar. Em
seguida, compreendemos que a função
empreendedora é uma função que se
exerce em momentos bem precisos,
pois a inovação tem mais chance de se
produzir no momento da criação de um
empreendimento ou, ainda, no início de
uma fase de expansão, do que numa
fase de crescimento regular. Dito de
outra forma, ninguém pode ser
empreendedor a vida inteira e em todas
as suas decisões.
3. Outro elemento que Schumpeter
aporta à teoria do empreendedor é o
fato de que as inovações ocorrem
usualmente em grupos. A um período
de crise sucede um período de
expansão em que as inovações se
generalizam e se difundem. Em
conseqüência, haveria períodos mais
propícios que outros para inovar e se
tornar empreendedor, períodos em que
existem mais oportunidades que outros.
Nessa perspectiva, pode-se formular a
hipótese de que entramos num período
mais favorável à inovação, tendo como
corolário a turbulência característica
dos momentos de transformação social.
Por fim, uma melhor compreensão do
empreendimento e das organizações levou
alguns economistas a propor uma visão do
empreendedor que foca menos a
personalidade do empreendedor que os
mecanismos que tornam possível seu
projeto. Ao definir a ação de empreender
como a de mobilizar meios e pessoas “a
fim de constituir uma estrutura de
produção, ou fazer evoluir uma estrutura,
por meio da inovação”, Gómez chega à
conclusão de que a ação de empreender
consiste “em convencer os atores
necessários à realização de um objetivo
comum” (Gómez, 1996: 224). Ao fazer
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isso, o fato de empreender pode ser
internalizado no próprio empreendimento.
Ao mesmo tempo, “se o empreendedor tem
êxito, é porque contribuiu para constituir
(ou modificar) um sistema de informação
com o objetivo comum da eficiência, que
se revela mais coerente que o sistema
alternativo” (Ibidem: 228). Continuando, o
empreendedor pode ser definido como
“um
artesão
do
sistema
de
convencimento”, ou, ainda, como alguém
que tem êxito criar sentido a partir de um
projeto. Desse ponto de vista, a natureza da
iniciativa e da organização deve ser levada
em consideração.
As quatro contribuições teóricas que
acabamos de examinar nos permitem fixar
um certo número de dimensões que
caracterizam a função de empreendedor:
em primeiro lugar, a do risco calculado e,
portanto, da racionalidade que ela supõe
(Cantillon); em segundo lugar, a da paixão
que suscita o projeto do empreendimento
(Weber e Schumpeter); em terceiro lugar, a
da inovação, que permite diferenciar o
empreendedor
do
administrador
(Schumpeter); em quarto, a capacidade de
convencer e de criar sentido a partir de um
projeto (Gómez). Ainda que essas
dimensões possam estar presentes tanto no
indivíduo como numa coletividade,
permanece igualmente que não existiria
“perfil de personalidade bem definido”
para identificar o empreendedor (Fillion,
1996: 217). Como lembra o título do livro
de Patrícia Pitcher, o dirigente de um
empreendimento, seja empreendedor ou
administrador, pode corresponder a
configurações tão diversas como as de
artista, artesão ou tecnocrata (Pitcher,
1997). Em períodos de turbulência ou de
crise, a figura do tecnocrata parece a
menos apropriada e conseqüentemente
menos valorizada que as demais. 3
3
Como bem demonstraram Luc Bernier e JeanPierre Fortin, pode-se encontrar verdadeiros
empreendedores nas iniciativas públicas. Ver Luc
Publicada em Outubro de 2004
2.2 O empreendedor social
De alguns anos para cá, o termo
empreendedor social é cada vez mais
usado
num
sentido
que
não
necessariamente coincide com o de
empreendedor coletivo, na medida em que
o empreendedor social pode ser um
empreendedor individual atento aos
interesses
coletivos
sem
estar
juridicamente
submetido
a
uma
organização associativa (organismos sem
fins lucrativos, cooperativas, convenções
de acionistas), como é o caso do
empreendedor coletivo. Seja com for, o
empreendedor
social,
como
o
empreendedor coletivo, apóia em geral
uma iniciativa fortemente enraizada na
coletividade local ou numa organização
comunitária. Mesmo que a organização
não seja uma empresa no sentido jurídico e
mesmo que não pratique a distribuição de
lucros, como é o caso de uma OBNL,
sempre há a produção de um bem ou de
um serviço e, portanto, a mobilização de
recursos materiais e humanos (Lorendahl,
1997). Por outro lado, essas organizações
podem distribuir excedentes de forma
indireta, ao melhorar serviços ou as
condições de trabalho ou, ainda, reduzindo
os custos de inscrição. Como essas
organizações se multiplicaram em todos os
países no curso dos últimos anos, devemos
formular a hipótese da emergência de uma
nova classe de empreendedor que não
saberíamos denominar senão como
empreendedor social.
Num relatório sobre o empreendedor
social, os britânicos Stephen Thake e
Simom Zadek definem esse conceito e
mostram sua pertinência. De um lado,
Bernier e Jean-Pierre Fortin, “Le entrepreneurship
public dans las societés d’État au Québec”, in
Reveu Organisation. Réflexion et action sur la
gestion de las organizations, vol 6, n. 1 (Hiver
1997), pp. 13-24.
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dizem eles, “os indivíduos que trabalham
pela melhoria social das comunidades
encontram com freqüência soluções
inovadoras para os problemas que
enfrentam as comunidades”, de outro lado,
partilham “diversas características com os
empreendedores comerciais” (Thake e
Zadek, 1996). Os empreendedores sociais
têm o mesmo desejo de pesquisar
oportunidades que os empreendedores
capitalistas, a mesma preocupação com a
inovação, a mesma capacidade de
mobilizar recursos para transformar um
sonho em realidade. Por outro lado, se
distinguiriam claramente por seu interesse
pela justiça social. Além disso,
combinariam habitualmente três conjuntos
de aptidões que são com freqüência
independentes:
•
•
•
ativismo militante com competências
profissionais;
capacidade de ser visionário sendo
ao mesmo tempo pragmático;
um sentimento ético (convicção) com
uma confiança tática (senso de
responsabilidade).
Diante de fábricas desativadas, diante de
recursos sem uso, diante de pessoas
desempregadas, eles vêem oportunidades
que os outros não enxergam.
Em compensação, o relatório britânico
conclui que os poderes públicos e certos
atores sociais não vêem com clareza a
contribuição social e econômica que
propiciam esses empreendedores, embora
suas
intervenções
possam
ser
determinantes numa sociedade ameaçada
de ruptura (Lipietz, 1996). Por outro lado,
mais que o empreendedor tradicional, o
empreendedor social necessita apoiado,
por sua proveniência de meios em que
existem barreiras significativas para ter
acesso a capitais e a redes de negócios (cf.
a pesquisa de D. Côté que mostra que os
empreendedores cooperativos oriundos de
Publicada em Outubro de 2004
meios modestos e as mulheres estão mais
presentes nas OBNL que em outras formas
de iniciativas da economia social). Em
conseqüência, os empreendedores sociais
carecem de reconhecimento tanto nos
meios de que são oriundos quanto nos
meios em que devem buscar apoio
financeiro e orientação.
O empreendedor social não se insere nem
na busca exclusiva do lucro (não há
excedentes a distribuir) nem na
racionalidade instrumental, apenas. Em
compensação, é um líder que mobiliza
recursos a partir de uma visão e de um
projeto. Desse ponto de vista, é um
visionário e um inovador capaz de
transformar ameaças em oportunidades,
problemas sociais em soluções, lançando
mão
da
forma
empreendimento.
Resumindo, qualquer um que seja capaz de
refazer um mundo novo a partir de um
mundo que se desfaz. Dessa forma, o
empreendedor social estabelecerá uma
organização
(organismo
sem
fins
lucrativos) ou uma empresa que
responderá a necessidades coletivas não
satisfeitas nem pela empresa capitalista
nem pelo Estado, ou, ainda, satisfeitas de
forma imperfeita por um ou por outro. Ao
fazer isso, o empreendedor social consegue
transformar necessidades individuais em
necessidades coletivas, uma demanda sem
solução em demanda solucionável. O
empreendedor social pode alcançar esse
ponto na medida em que sua empresa ou
organização mobiliza não apenas recursos
mercantis, mas também recursos de
reciprocidade ou de doação, sem excluir o
apoio estatal. Por essas duas razões, seu
empreendimento não pode se por em
marcha e, posteriormente, se desenvolver,
sem um forte envolvimento da comunidade
em questão (Laville, 1995). Dessa
perspectiva, “os empreendedores sociais
não criam riqueza para si mesmos mas
riqueza coletiva para a comunidade em seu
conjunto” (Thake e Zadek, 1996). Ao fazêPág. 52
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lo, participam do empowerment
coletividades
e,
portanto,
democratização da sociedade civil.
das
da
2.3 O empreendedor coletivo
O empreendedor coletivo, principalmente
aquele do tipo cooperativista ou mutualista
é mais tio-avô que primo do
empreendedorismo social, pois sua origem
remonta ao século XIX (Petitclerc, 2001;
Desroche, 1976). O empreendedor coletivo
partilha diversas características com o
empreendedor social, mas distingue-se
dele por dois aspectos: em primeiro lugar,
o empreendimento coletivo supõe um
funcionamento democrático para realizar
plenamente seu potencial; em segundo
lugar, a criação de uma iniciativa coletiva
supõe em geral a constituição prévia de um
grupo de pessoas. Vejamos rapidamente
essas duas especificidades.
O primeiro aspecto destaca o fato de que as
vantagens4 da economia social não se
podem concretizar sem um funcionamento
democrático, que se torna assim uma
condição sine qua non para o êxito da
iniciativa. De fato, o funcionamento
democrático é indispensável para que as
outras características da economia social
possam alcançar pleno resultado. Assim, a
participação ativa das pessoas associadas
4
Essas forças são relativamente bem conhecidas.
Trata-se de :
a) sua familiaridade com as novas necessidades e
aspirações, o que lhe permite buscar com rapidez
soluções, freqüentemente inéditas;
b) sua capacidade de mobilização de recursos
diversos (hibridação: mercantil, não mercantil, não
monetário), capacidade fundada na aliança de
atores oriundos de diferentes meios e aderindo a um
projeto mais amplo;
c) sua consideração, na produção de bens ou de
serviços, do social, das externalidades e do longo
prazo (contra a volatilidade e a versatilidade do
mercado) e de uma capacidade de cálculo mais
justo da viabilidade de um projeto;
d) suas regras, que permitem entre outras coisas a
participação das pessoas nas decisões e uma
equidade na divisão dos resultados.
Publicada em Outubro de 2004
nessa
iniciativa
aparece
como
indispensável para identificar bem as
necessidades não-satisfeitas, necessidades
em geral pouco visíveis, como as
necessidades sociais. Da mesma forma, “a
construção conjunta da oferta e da
demanda pelos usuários e os profissionais”
que caracteriza os serviços de proximidade
fornecidos pela economia social, supõe um
espaço público que permita o debate, a
deliberação (aquilo que chamávamos
antigamente de assembléias de cozinha)
para verificar bem como algo que parecia a
soma de problemas individuais constitui na
realidade um problema social (Laville,
1994). Desse ponto de vista, a mobilização
e a hibridação de recursos mercantis, não
mercantis e não monetários não se podem
realizar, e, sobretudo, não se podem
manter, sem o reconhecimento de todas as
pessoas envolvidas na experiência. Enfim,
na medida em que a economia social visa a
reconhecer o social na economia e a
economia no social, ela não pode se referir
apenas ao mercado, ou, se preferirmos, ao
balanço contábil da iniciativa, nem pode se
referir apenas ao Estado e seus mandatos,
diretrizes e programas para identificar o
social.
O segundo aspecto remete à própria
estrutura do empreendimento coletivo, que
se distingue de todas as outras formas pelo
fato de que se constitui da “combinação de
um empreendimento e de um agrupamento
de pessoas reunidas pelo duplo vínculo de
associação e de atividades” (Vienney, 1980
e 1994). Ora, isso supõe, de um lado, que a
reunião das pessoas deva habitualmente se
constituir
antes
que
o
próprio
empreendimento apareça e, de outro lado,
que os empreendedores sejam capazes de
mobilizar recursos durante um intervalo de
tempo importante, antes que o próprio
empreendimento entre em operação. Numa
imagem rápida, diríamos que o
empreendedor coletivo deve ser capaz de
mobilizar de início capital social, mas que
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
esse capital social não adquire valor no
projeto de empreendimento sem o capital
financeiro. Dessa perspectiva, o projeto
cooperativo pode ser proposto por um
indivíduo (segundo a pesquisa recente de
Côté e Robitaille, um terço de todos os
empreendedores
cooperativos
são
indivíduos e os grupos representam a
metade dos casos dos empreendedores
cooperativos), mas, quando é esse o caso,
esse último deve ser capaz de partilhar
rapidamente seu projeto com uma rede de
membros fundadores para que eles dele se
apropriem e o tornem coletivo. Muito
freqüentemente,
o
projeto
de
empreendimento coletivo é conduzido
desde o início por um grupo de pessoas
relacionadas entre si a partir da
proximidade geográfica ou profissional.
Enfim, sendo ao início um indivíduo ou
um grupo, o empreendedor coletivo deve
demonstrar paixão, imaginação e razão,
para definir concretamente o projeto e para
mobilizar os recursos humanos e
financeiros necessários. O período de
gestação de um empreendimento coletivo é
freqüentemente mais longo e mais difícil
que o da empresa capitalista. Os pontos
fortes
da
iniciativa
coletiva
(funcionamento democrático e combinação
de uma associação e de uma empresa)
podem representar ao mesmo tempo
oportunidades de fracasso, principalmente
no nível de partida do projeto. A respeito
desse ponto, Jaroslav Vanek sugere dar
muita atenção à preparação do plano de
negócios, que deve se justificar não apenas
no plano financeiro mas também no plano
da mobilização dos atores envolvidos. Para
evitar conseqüências financeiras e sociais
que seriam lamentáveis, Vanek sugere até
mesmo realizar uma simulação. “Essa
forma de proceder, escreve, faz pensar na
decolagem de um avião (que exige a
verificação e o funcionamento de um
grande
número
de
instrumentos
diferentes); mas a simulação é muito mais
Publicada em Outubro de 2004
complexa no caso de uma cooperativa,
pois o vôo está previsto para uma duração
de tempo incomensurável e convoca à
coordenação” de diversos departamentos,
como o de administração e coordenação, o
financeiro, o de marketing, o jurídico, o da
produção e da tecnologia, o de relações
humanas etc (Vanek, 1989: 241).
Se a fase de experimentação de um dado
projeto de empreendimento coletivo pode
durar até dois anos (ver, novamente, a
pesquisa de Côté e Robitaille), a difusão da
iniciativa cooperativa num dado setor pode
se alongar por uma década como
testemunham tanto os casos da caixas
populares no início do século como o das
cooperativas de pesca nos anos 1940. Esse
período que vai da experimentação à
constituição de um setor pode ser
encurtado se os aprendizados e as
expertises são partilhados e se são
concedidos apoios adequados, o que
explica o interesse por agrupamentos
setoriais e locais, por recursos técnicos e
por financiamento específico. Tudo isso
permite entrever a complexidade do
empreendedorismo coletivo e a grande
mobilização que exige ao início.
Em contrapartida, a iniciativa coletiva
apresenta um grande potencial para a
inovação. Sua estrutura oferece a
possibilidade de ser inteligente e
apaixonado a muitos (parafraseando
Claude Béland). A partir de cinco, dez
pessoas ou mais, torna-se possível
demarcar bem as necessidades não
satisfeitas e inovar ao propor bens e
serviços não oferecidos ou oferecidos a um
custo muito elevado. Além da inovação em
forma de novos bens ou a criação de novos
mercados, pode-se igualmente encontrar
inovações nos procedimentos e, mesmo, na
organização (ex. o trabalho em equipe ou
polivalente, que as cooperativas de
trabalho experimentaram antes das
empresas capitalistas e japonesas). Em
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
suma, as iniciativas coletivas que surgem
são obrigadas a ser inovadoras, o desafio
que encontram é o de como permanecer
inovadoras.
Publicada em Outubro de 2004
participação no capital.
Se compararmos os diversos tipos de
empreendedores, que são o empreendedor
capitalista, o empreendedor social e o
empreendedor coletivo, fica nítido que
partilham
formalmente
certas
características no plano do cálculo, da
inovação e do risco, mas substantivamente
(do ponto de vista do conteúdo e do
significado) existem enormes diferenças.
Em primeiro lugar, no nível da
racionalidade e do projeto, o empreendedor
coletivo e o empreendedor social orientamse para a comunidade ou o coletivo. Os
riscos, que são antes de tudo financeiros
para o empreendedor capitalista, são não
apenas financeiros, mas sociais, para o
empreendedor social e o cooperativo. Tudo
isso faz com que a tentação ir à falência
seja menos vantajosa para esses últimos, se
as coisas não ocorrerem como estava
previsto. Além disso, nesse caso, podem
mais facilmente apoiar-se em redes
comunitárias ou coletivas. Por fim, o
empreendedor social e o empreendedor
cooperativo são constrangidos a inovar,
pois seu projeto surge em geral para
responder a necessidades não satisfeitas
nem pela empresa privada nem pelo
Estado.
Adicionalmente, o empreendimento coletivo corre usualmente menos riscos que o
empreendimento capitalista, por ser capaz
de mobilizar recursos de um coletivo ou de
uma comunidade, por se basear num
projeto que dá sentido a investimentos com
origem na reciprocidade ou mesmo em
doações. Assim, a taxa de sobrevivência de
cooperativas é bem impressionante: “45%
das cooperativas constituídas após 1960
ainda existiam em 1997” (dados do Setor
de Cooperativas, Ministério da Indústria e
do Comércio, Ensemble, janeiro de 1999,
vol 2, n. 1). O bom desempenho da Caixa
de economia dos trabalhadores e
trabalhadoras do Quebec, que se
especializou
em
financiamento
de
cooperativas
e
empreendimentos
comunitários, testemunha de forma
eloqüente os baixos riscos que representam
esses
empreendimentos
(Lebossé,
1998:100). Dito isso, deve-se reconhecer
que o empreendimento coletivo não
favorece a capitalização extrema, em razão
da não remuneração do capital e da
impossibilidade de aquisição de direitos de
Tabela 1. Tipologia das formas de empreendedorismo
Dimensão/
Tipo
Indivíduo
Coletivo
Comunidade
Racionalidade
Risco
Capitalista
Sobretudo
indivíduo
Sobretudo
Financeiro
formal (cálculo
contábil)
Social
Indivíduo
Sobretudo em
valor para a
comunidade
(proximidade)
Comunidade
Coletiva
Indivíduo
Coletivo
Sobretudo em
valor para o
coletivo (os
membros)
Financeiro e
social (reputação
diante da
comunidade) +
Riscos menores
Financeiro e
social (reputação
diante dos
membros) +
Riscos menores
Projeto
Sobretudo
individual
(realização
própria e da
família)
Sobretudo
engajamento
social
Sobretudo
empreendedor,
mas coletivo
Inovação
Sentido
schumpeteriano
Desenvolvimento
local (interesse geral),
Necessidades não
satisfeitas + Formas
de organização
Necessidades não
satisfeitas
+ Formas de
organização
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
Outras tipologias são igualmente possíveis,
como a que propõe Roger Spear e Allan
Thomas (1997), que fixam duas séries de
variáveis: a primeira se fundamentando na
presença mais ou menos forte do social e
da economia nos projetos; a segunda, sobre
a natureza dos empreendedores e
promotores que são indivíduos ou
organizações ou instituições (segundo seu
caráter mais ou menos formal). Desse
ponto de vista, o empreendedor
cooperativo tem projeto mais para o
econômico que para o social (ex: gráfica
cooperativa), enquanto o empreendedor
social se orienta mais para o social que
para o econômico. Pode haver fórmulas
híbridas, como demonstram as ACEF
(Association Coopérative d’Économie
Familiale). Da mesma forma, um
empreendimento cooperativo pode ser
realizado por um coletivo, mais que por
um
indivíduo.
Considerando
essa
perspectiva, os grupos de apoio ao
empreendedorismo podem ser, eles
mesmos, mais ou menos atentos ao
econômico e ao social, mais ou mentos
atentos à dimensão individual ou coletiva.
Publicada em Outubro de 2004
Por fim, os grupos de apoio são em geral
mais formais e institucionalizados que os
projetos que eles apóiam e que algumas
fórmulas, como as incubadoras de
empresas. Antes de prosseguir, parece-nos
necessário demarcar um pouco melhor a
especificidade
do
empreendimento
cooperativo.
Conclusão
Estamos assistindo a uma nova onda (ou
grupos) de empreendimentos de economia
social que tentam responder a urgências
advindas de uma grande transformação
sócio-econômica e da incapacidade do
setor público e privado de a elas responder
rapidamente. Esses empreendimentos não
devem ser dissociados de iniciativas que
respondem menos a necessidades que a
aspirações e novos valores relativos tanto à
organização do trabalho quanto a modos de
vida. Num caso como no outro, esses
empreendimentos que surgem no âmbito
do desenvolvimento social como no do
desenvolvimento econômico, se inserem
espontaneamente
no
âmbito
do
desenvolvimento local.
Tabela 2. Os modelos de empreendedorismo
Fonte: Spear et Thomas, 1997
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
Em comparação aos empreendimentos
privados, os empreendimentos coletivos
são em geral mais complexos, pois
resultam da combinação de uma empresa e
de uma reunião de pessoas. Ao fazer isso,
internalizam
o
que
os
outros
empreendimentos
consideram
como
externalidades, mas não conseguem
realizá-lo senão na medida em que
apostam
em
seu
funcionamento
democrático, o que lhes permite
igualmente mobilizar recursos não apenas
de mercado, mas também extra-mercado e,
até mesmo, não monetários. Essa
complexidade,
combinada
com
as
dificuldades específicas a sua estrutura de
propriedade, fazem com que não possam
se desenvolver sem um apoio apropriado
tanto do ponto de vista financeiro quanto
do ponto de vista da orientação e de
recursos técnicos. Em contrapartida, uma
vez em marcha, esses empreendimentos
parecem poder se manter em operação
mais que o conseguem as empresas
privadas. Enfim, seus baques sócioeconômicos cobrem um espectro que vai
além da mera viabilidade financeira, de
sorte que sua rentabilidade social se impõe
em razão mesmo de sua missão.
Examinamos
os
empreendimentos
coletivos principalmente sob o ângulo de
sua forma institucional dada em grande
parte pelo estatuto jurídico desses
empreendimentos (organismos sem fins
lucrativos, cooperativas, mutualidades,
convenções de acionistas). Essas regras são
sem dúvida mais rígidas para as
cooperativas que para as OBNL
(Bouchard, Carré, Côté e Lévesque, 1995),
mas, num caso como no outro, os
empreendimentos coletivos se diferenciam
nitidamente
dos
empreendimentos
capitalistas. Assim, essas regras dão aos
empreendimentos
coletivos
uma
superioridade evidente, com destaque para
seu funcionamento democrático e a
Publicada em Outubro de 2004
atenção que dispensam por princípio a seus
membros. Assim, as regras asseguram a
divisão do poder e de excedentes entre
seus membros, definindo um campo de
atividades ligado às necessidades dos
membros da cooperativa. Permitem
também às instâncias democráticas realizar
arbitragens desempenhadas pelo mercado
no caso dos empreendimentos capitalistas.
É o caso do salário de trabalhadores de
uma cooperativa de trabalho, os quais são
concretamente determinados não apenas
pelo mercado mas pelo conselho de
administração,
arbitrado
entre
os
excedentes destacados ou acumulados.
Em
conseqüência
disso,
se
o
funcionamento
democrático
dos
empreendimentos coletivos for imperfeito,
as conseqüências poderão ser bem mais
graves que para uma empresa capitalista
aberta à participação. A forma institucional
da iniciativa coletiva deixará então de ser
uma vantagem, para tornar-se um
handicap. Será esse também o caso quando
a iniciativa coletiva se burocratiza, como
se pode observar na maior parte das
cooperativas. Nesse caso, opera-se então
uma reviravolta das regras, em virtude da
qual submetem-se à tecnoestrutura a
associação e as escolhas dos membros. Daí
a importância de uma gestão adaptada
(forma organizacional) já que o
funcionamento
do
empreendimento
coletivo não pode ser ótimo sem a
participação
dos
membros,
sem
investimento em democratização e
formação (Belley e Mevellec, 1993: 69).
Se
passarmos
a
examinar
os
empreendimentos coletivos em suas
modalidades
concretas
de
gestão,
descobrimos efetivamente que as formas
organizacionais não são necessariamente
adequadas a sua forma institucional (ou
suas regras). Numa pesquisa sobre as
cooperativas de trabalho, mostramos que
ainda que certas cooperativas de trabalho
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
tivessem adotado formas de gestão de
vanguarda, com origem na parceria e na
concertação,
outras
remontam
ao
taylorismo e a formas autoritárias de
gestão sem uma autêntica preocupação
com formação (Comeau e Lévesque,
1994). Esses casos de gestão tradicional
nas cooperativas surpreendem ainda mais
se considerarmos que as empresas
capitalistas se engajam cada vez mais em
formas organizacionais inovadoras de
participação dos trabalhadores (Bélanger e
Lévesque, 1994; Grant, Bélanger e
Lévesque, 1997).
À luz dos diversos tipos de configuração5
propostos por Mintzberg (1990), nós
sugeriríamos a hipótese de que a
configuração empreendedora não é sem
dúvida a mais coerente com a forma
institucional da iniciativa coletiva. De fato,
se na configuração empreendedora “as
decisões relativas à estratégia e às
operações tendem a se concentrar na
escrivaninha do dirigente”, a conseqüência
é uma concentração evidente das decisões.
Como escreve Mintzberg, “a expansão das
idéias democráticas” nas organizações
acabou por fazer sair de moda a
organização empreendedora em muitos
ambientes da sociedade contemporânea”
(Mintzberg, 1990: 194-195). Seríamos
igualmente levados a considerar como
5
Desse ponto de vista, pode-se igualmente
caracterizar as cooperativas a partir de formas
organizacionais identificadas por Henry Mintzberg
(1990), ou seja, as sete formas, que são: 1organização empreendedora; 2- organização
mecanicista; 3- organização compartimentada; 4organização profisisonal; 5- organização inovadora,
6- organização missionária e 7- organização
politizada. Concretamente é sem dúvida possível
encontrar iniciativas cooperativas em cada uma
dessas formas organizacionais, ainda mais que
essas configurações são simplificações (tipos
ideais). Se certos fatores de contingência e de
situação devem ser levados em conta para
compreender a pertinência de uma configuração
mais que de outra, não é menos verdade que a
coerência organizacional e institucional constitui
uma vantagem.
Publicada em Outubro de 2004
pouco coerentes com a forma institucional
do
empreendimento
coletivo
a
configuração compartimentada (mais
adequada à grande empresa que à pequena)
e a configuração mecanicista, que se
fundamenta numa forte divisão entre
concepção e execução, pouco propícia à
participação. Do mesmo modo, a
configuração política parece menos
conveniente à forma organizacional de
uma empresa, mesmo que as questões
políticas
nunca
estejam
jamais
completamente ausentes das empresas.
Por outro lado, certas configurações
poderiam apresentar uma certa coerência
com a forma institucional das iniciativas
coletivas; tal seria o caso das
configurações a seguir:
a) a configuração profissional, que
convém aos serviços a pessoas, mas
que apresenta o inconveniente de
tender à burocratização, mesmo sendo
potencialmente descentralizada;
b) a configuração inovadora, mais
adaptada a um setor de alta tecnologia,
pois
demanda
um
nível
de
especialização elevado, favorecendo
entretanto as equipes de projetos de
pequeno porte, e encorajando a
adaptação uns aos outros;
c) a
configuração
missionária,
definida a partir dos casos das
empresas japonesas, em que a
ideologia é utilizada como instrumento
de gestão: “as normas e as crenças
tomam o lugar de padrões e
procedimentos” (Mintzberg, 1990:
320).
Na configuração missionária, as formas de
gestão se definem a partir da ideologia e do
projeto, talvez da missão. “No meu
entender”, escreve Mintzberg, “a chave do
desenvolvimento
da
ideologia
organizacional numa nova organização ou
numa organização já existente é uma
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
liderança apoiada em uma crença precisa
em uma missão e participando de um
devotamento honesto em relação àqueles
que deverão apoiar a revelação dessa
missão” (1990: 324). No modelo japonês e
no modelo da cultura de empresa, a
identificação com a empresa se baseia com
freqüência em um engajamento individual
cujas bases materiais são às vezes bem
limitadas. Os empreendimentos coletivos,
em razão de sua forma institucional,
propiciam uma base sólida para tal
identificação.
No entanto, como escreve Peter M. Senge
(1997), “no campo do conhecimento,
desmontamos facilmente o mito dos líderes
como heróis isolados, comandando suas
organizações a partir do alto”. A
organização baseada na parceria e na
concertação lança luz sobre dois problemas
da grande empresa capitalista: a
insuficiência de lideranças hierárquicas e
sua dificuldade de aproveitar a inteligência
das pessoas que se encontram em todos os
níveis da organização. A partir dessa
constatação, Peter M. Senge acrescenta,
falando apenas da empresa capitalista:
“Nossas respostas podem ironicamente nos
conduzir a um futuro que se inspiraria num
modo de organização mais antigo e mais
natural: comunidades de diversos líderes
que fortalecem sua organização para
aprender com sua cabeça, com seu coração
e com sua mão”6. Em suma, as formas de
gestão mais inovadoras nas empresas
capitalistas poderiam se inspirar nos
empreendimentos coletivos, se quisessem
dar um fundamento mais verossímil a seu
convite à concertação e à parceria.
6
"Our responses may lead us, ironically, to a future
based on more ancient and more natural - ways of
organizing: communities of diverse and effective
leaders who empower their organizations to learn
with head, heart, and hand" (Peter M. Senge, 1997),
« Communities of Leaders and Learners », in
Harvard Business Review, vol. 75, no 5, p. 32.
Publicada em Outubro de 2004
Sobre o empreendimento coletivo como
tal, mostramos que ele partilha algumas
características com o empreendedorismo
individual (cálculo de risco, capacidade de
sonhar e de inovar), mas que se distingue
não só por uma visão diferente (valores
diferentes e um projeto coletivo), mas
igualmente por regras de partilha do poder
e de divisão do excedente. Isso supõe
igualmente uma forma organizacional mais
complexa e mais inovadora. Em seguida,
verificou-se que o empreendedorismo
coletivo é mais complexo e difícil (não
necessariamente mais arriscado) para o
início
de
funcionamento
que
o
empreendimento capitalista, de forma que
a passagem do projeto ao empreendimento
é mais laboriosa; o empreender coletivo
(na situação de emergência das iniciativas)
é bem mais rico (mais possibilidades de
mobilização dos parceiros/integrantes) e
potencialmente mais inovador que o
capitalista (tanto micro-organizacional
quanto macro-institucional); que a fórmula
cooperativa não é utilizada em seu pleno
potencial, entre outros motivos, porque o
empreendedorismo coletivo não saberia
desabrochar
sem
condições
bem
especificas e sem um apoio externo (que
não é necessariamente estático).
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---------------------------* O artigo original, em francês, de fevereiro de
2002, foi apresentado no Forum “L’entrepreneuship
en économie sociale: oser l’entrepreneuriat
différemment”. Pode ser lido na íntegra em
www.aruc-es.uqam.ca/aruces/publications/I-022002.PDF.
Publicada em Outubro de 2004
Esta tradução reduziu o artigo para ficar mais
compatível com as diretrizes da Revista GIS. A
autorização para traduzir parcialmente o artigo foi
dada pelo autor em janeiro de 2005. Traduzido por
Arminda Campos (equipe da Revista GIS). (N. da
Tr.)
** Professor associado do departamento de
sociologia da Universidade do Quebec em Montreal
(UQAM), fundador do Centro de Pesquisas sobre
as Inovações Sociais (CRISES) da UQAM
(www.crises.uqam.ca). (N. da Tr.)
Pág. 64
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
Publicada em Outubro de 2004
Artigo
Participação e processo decisório em uma
pequena indústria autogestionária
Suzana Hecksher Oliveira*
Francisco Duarte**
RESUMO
Este artigo, resumo da dissertação de mestrado (OLIVEIRA, 2002), primeiramente traz uma
breve exposição sobre os objetivos da gestão participativa e o modo como ela vem sendo
aplicada nas empresas capitalistas, discutindo as características que limitam a cooperação e a
ampliação da participação.Em seguida, são vistas as condições que favorecem ou dificultam a
participação eficiente nas indústrias autogestionárias. O trabalho segue com a apresentação do
estudo de caso realizado em uma cooperativa industrial de pequeno porte. A partir da
confrontação entre o que foi visto na revisão bibliográfica e o que foi vivenciado durante a
pesquisa de campo, são estabelecidos os principais obstáculos que as cooperativas devem
transpor para realizar uma gestão participativa eficiente.
Palavras chave: autogestão, cooperativa, participação.
ABSTRACT
This article starts by briefly presenting the objectives of participative management and how it
has being applied in capitalist enterprises, emphasizing the characteristics that restrict the
cooperation possibilities and the widening of participation. It examines then the conditions
that may favor or hinder the efficient participation in the self-management system industries.
The work also contains a case study, about a small size industrial cooperative. The references
found in the bibliography about the theme and the field research made possible to characterize
some of the main obstacles cooperatives must face to attain effective participative
management.
Key words: self management system, cooperatives, participation.
1. Introdução
A abertura dos mercados aos capitais e
produtos estrangeiros, a reestruturação
produtiva, o surgimento de novas
tecnologias intensivas em capital e
poupadoras de mão-de-obra, têm gerado
uma redução brusca do número de postos
de trabalho. Surgem índices inéditos de
desemprego no Brasil. Mas além dos altos
índices, é a duração do desemprego que
desenha um quadro extremamente trágico
(SINGER, 1998).
Apesar
das
dificuldades,
mais
recentemente, é crescente o número de
trabalhadores que, na tentativa de manter
seus postos de trabalho, começam a se
organizar na formação de associações ou
cooperativas
autogestionárias.
A
Pág. 65
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
constituição da maioria das empresas
autogestionárias, principalmente no setor
produtivo, vem ocorrendo em caráter de
urgência, de forma pouco estruturada, a
partir de indústrias que vão à falência. Dáse a mudança repentina de função dos
trabalhadores que passam também a ser
donos e gestores da empresa.
O grupo de trabalhadores assume a difícil
tarefa de reverter o processo de falência
para garantir a continuidade de seus
empregos. É preciso inovar, flexibilizar a
produção e conquistar novos mercados. As
dificuldades encontradas são enormes e
muitos são os casos de fracasso. Esta
dificuldade de realizar uma gestão eficaz,
adaptando-se às necessidades de mercado e
utilizando-se das especificidades de uma
indústria autogestionária, tem sido
constatada em diversas pesquisas sobre a
autogestão no Brasil (GONÇALVES,
2000).
Apesar do histórico de fracasso de muitas
indústrias autogestionárias, o modo de
produção cooperativo apresenta algumas
características que surgem como indícios
de viabilidade e fazem crer que as
cooperativas podem ser capazes de
competir no mercado capitalista. Em
qualquer negócio, a viabilidade se dá em
determinadas condições financeiras, de
mercado e de trabalho. As restrições
financeiras
ou
de
mercado
são
determinantes no sucesso de qualquer
empreendimento e pouco diferem pelo fato
da indústria ser autogerida. Dificuldades
financeiras e mercadológicas justificaram
grande parte dos fracassos de iniciativas
autogestionárias de empresas industriais no
Brasil, uma vez que a maioria surgiu a
partir de indústrias convencionais falidas
ou em processo falimentar, com parques
industriais obsoletos, sem capital para
investimento e giro. Portanto o fracasso foi
do negócio e precedeu o modelo de
autogestão.
O estudo de viabilidade em indústrias de
autogestão deverá ser principalmente
diferenciado na investigação das condições
Publicada em Outubro de 2004
relativas ao trabalho, tais como: a
organização do trabalho e a qualificação da
mão-de-obra.
Devido a concorrência de classe mundial
que as empresas vêm enfrentando, a
administração científica do trabalho,
marcada pela cisão entre planejamento e
execução
e baseada na prescrição
externalizada da tarefa e no controle
acirrado, já não consegue dar conta dos
patamares de excelência exigidos. Na
busca de atingir o aproveitamento máximo
do
potencial
da
mão-de-obra,
progressivamente, o capital começa a
considerar e ter interesse na subjetividade
do trabalhador. Nesta nova abordagem,
reduzem-se os níveis hierárquicos, passa a
ser demandado que o trabalhador não se
limite mais a cumprir as tarefas, mas
também as melhore. As atividades de
trabalho são ampliadas (integrando
atividades de produção, qualidade e
manutenção) e o melhor desempenho da
empresa passa a ser conseguido com
aproximação entre as funções de gestão e o
chão de fábrica, ampliação da participação,
maior autonomia dos trabalhadores e com
o trabalho em equipe. Surgem os grupos de
melhoria, grupos semi-autônomos, grupos
multifuncionais de projeto, etc.
Contudo, é preciso motivar o trabalhador
para que ele mobilize toda sua capacidade
(física e cognitiva) em favor do melhor
desempenho da empresa. As modernas
empresas vêm investindo em técnicas de
incentivo à participação dos trabalhadores,
geralmente avaliando o seu desempenho e
associando recompensas à performance
que atenda às expectativas da empresa. A
maioria destas técnicas que funcionam
como apelo à colaboração, por outro lado,
incentivam a competitividade e o
comportamento individualista, o que limita
os benefícios do trabalho em grupo. Os
limites à expansão da gestão participativa
nas empresas capitalistas também são
dados pela incompatibilidade entre as
idéias de eliminar a divisão planejamentoexecução e manter a separação capitaltrabalho. Mesmo nos mais avançados
Pág. 66
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
sistemas de remuneração, os lucros não são
repassados aos trabalhadores na mesma
proporção em que cresceram por conta do
trabalho participativo e do maior
envolvimento e dedicação dos mesmos
(MARTINS, 1995). Lima (1995) aponta as
contradições existentes em relação às
características de personalidade que estas
empresas buscam em seus trabalhadores:
altamente competitivo e altamente
cooperativo; muito individualista e capaz
de trabalhar em equipe; capaz de tomar
iniciativa e de se conformar perfeitamente
às regras ditadas pela organização; etc.
Nas cooperativas a motivação inicial para a
participação
e
colaboração
surge
naturalmente já que, de fato, todos são
donos, dependem diretamente do sucesso
do negócio e entendem que o êxito do
empreendimento será fruto da sua ação
coletiva. Extinta a dicotomia capitaltrabalho, os trabalhadores, motivados pelas
oportunidades de crescimento pessoal e de
apropriação do capital (produto do trabalho
coletivo que retornará para a coletividade),
passam a colaborar como podem e a
desenvolver
novas
habilidades
e
conhecimentos para melhor participar da
gestão da empresa. Segundo Holzmann
(2001), o desafio assumido é motivação
suficiente para que assumam novas
funções e se interessem em ampliar o
repertório de conhecimento técnico e de
gestão para dar provas à comunidade
externa à fábrica (fornecedores, clientes e
familiares) em dúvida quanto à viabilidade
da iniciativa.
“A percepção em maior ou menor
grau, de que agora “trabalha-se para
si mesmo e não para o patrão”, parece
ser, de fato, a pedra de toque das
mudanças de comportamento. (...)
Ademais, o aumento do compromisso
com o desempenho da empresa indica
que agora o trabalhador enxerga seu
futuro diretamente relacionado ao da
empresa.” (Lopes et al., 2002, p.61 e
62)
Publicada em Outubro de 2004
Apesar dos indicativos de que a gestão
participativa incrementa a competitividade
e de que a cooperativa seria um ambiente
favorável para a implantação ampla da
gestão participativa, no Brasil, não se pode
negar a dificuldade de realizar uma gestão
eficaz, adaptando-se às necessidades de
mercado
e
utilizando-se
das
especificidades
da
indústria
autogestionária. Para Peixoto e Lopes (1999) a
dificuldade de alcançar um grau mais
elevado de cooperativismo/associativismo
esta associada a comportamentos e atitudes
herdados da cultura anterior. Isto é
verificado principalmente pela dificuldade
de redução das barreiras de comunicação
entre a administração e o chão-de-fábrica/
campo.
Sabendo da ineficiência da gestão na
maioria das cooperativas, coloco como
hipótese que um dos principais problemas
é que estas empresas são formadas a partir
de um sistema herdado do modelo
hierárquico de onde são extraídos
instrumentos de controle e enxertados
espaços de participação, sem que de fato a
organização do trabalho seja adequada a
um modo de produção participativo nem o
desenvolvimento dos trabalhadores seja
suficiente para que se sintam aptos a
contribuir e se responsabilizar pelas
decisões tomadas.
O objetivo deste estudo é inicialmente
entender porque a gestão participativa,
consagrada pela velocidade que imprime
nos processos de inovações e melhorias,
não é a arma fundamental das indústrias
autogestionárias para se diferenciar dos
concorrentes na disputa pelo mercado. Ao
contrário, a morosidade do processo
decisório acaba sendo um dos fatores que
inviabiliza a competitividade destas
empresas. O estudo pretende ainda
concluir sobre as condições necessárias
para desenvolvimento de uma gestão
participativa eficaz nas cooperativas.
A pesquisa justifica-se na medida em que a
grande maioria dos estudos organizacionais a cerca dos benefícios e limites
Pág. 67
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
da autonomia, da gestão participativa e do
trabalho em grupo foi baseado em grandes
empresas capitalistas. Há pouco estudo
realizado em pequenas ou médias
empresas nacionais e menos ainda em
empreendimentos industriais autogestionários. As grandes referências nacionais
sobre autogestão e cooperativismo, em
geral, tem caráter político e social e não se
aprofundam na questão do impacto que a
forma de organização do trabalho tem no
desempenho da empresa. Tratam de forma
cada vez mais consistente a análise
comportamental, as implicações institucionais da autogestão no desenvolvimento
e comportamento do indivíduo e do grupo
ou trazem excelentes discussões sobre as
possibilidades de crescimento da economia
solidária. Estas pesquisas geralmente
destacam os efeitos positivos que a
liberdade de participação e a apropriação
do lucro pelos próprios trabalhadores têm
na disposição para colaboração, no
interesse em desenvolver-se (aprendendo
outras funções e tendo uma melhor noção
dos negócios da empresa) e no
comprometimento com os resultados. Por
outro lado, apontam problemas como a
necessidade de qualificação, de acesso a
crédito, de formação de redes de negócio
entre cooperativas, de apoio do governo e
de mudanças na legislação. Mas
normalmente não se aprofundam na
questão da organização do trabalho nem
na, sempre citada, necessidade de
capacitação gerencial da mão-de-obra. Esta
pesquisa pretende justamente investigar
estas dificuldades em situações reais de
trabalho, considerando que isto é
necessário para melhor compreender o que
falta para que as cooperativas industriais
efetivamente se utilizem da gestão
participativa como diferencial competitivo.
2. O Estudo de caso
Esta pesquisa está centrada sobre o caso da
COOPARJ (Cooperativa de Produção de
Parafusos do Rio de Janeiro LTDA.). O
poder de generalização dos resultados da
pesquisa
está
relacionado
à
representatividade do caso escolhido uma
Publicada em Outubro de 2004
vez que nele são encontrados os principais
aspectos típicos dos empreendimentos
autogestionários no Brasil, definidos por
Gonçalves (2000): histórico de formação a
partir da falência de uma empresa; quadro
de pessoal forte na área de produção e
deficiente nas demais áreas; eqüidade de
remuneração; obsolescência tecnológica
dos parques industriais; capital de giro
insuficiente; dificuldades de acesso a
crédito; falta de controle adequado de
custos; conflitos internos; dificuldades em
gestão e controle; grande quantidade de
concorrentes e competição principalmente
baseada em preço.
A pesquisa de campo teve como base
metodológica a pesquisa-ação, que
consiste em acoplar pesquisa e ação em um
processo no qual pesquisadores e
pesquisados interagem procurando elucidar
a situação em que estão inseridos,
identificando problemas, buscando e
experimentando soluções em situação real.
Simultaneamente, há produção e uso de
conhecimento (THIOLLENT, 1997).
A pesquisa-ação prevê que as prioridades
sejam ditadas pela situação através da
interação, em situações reais de trabalho,
entre pesquisador e atores do processo.
Sendo assim, durante os 6 meses de
pesquisa e mais de 40 visitas à empresa, a
interação ocorreu em diversas reuniões
gerais e reuniões do conselho diretor e na
atuação conjunta com diversos cooperados
em atividades como: levantamento do
custo dos produtos, histórico de vendas
para previsão de demanda, elaboração de
planilha para cálculo de necessidades de
matéria-prima, planejamento e controle de
produção, visita a clientes e pesquisa de
mercado, análise de oportunidade de
produto, avaliação estratégica, entre outras.
A COOPARJ, como outras tantas
cooperativas industriais, surgiu a partir da
falência de uma empresa privada. O início
da formação da cooperativa foi em 10 de
janeiro de 1996. Na composição inicial
eram 44, dos 290 ex-funcionários da
extinta Parafusos Águia S.A..
Pág. 68
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
A retirada (remuneração) de todos os
cooperados é igual, independente da
função ou do desempenho. A equidade de
remuneração, que deveria favorecer a
participação igualitária, acaba gerando
insatisfação do grupo que é mais
empenhado e que afirma não ser justa uma
remuneração igual para níveis de
dedicação e envolvimento diferentes.
Devido à dificuldade financeira, o valor da
retirada está congelado há anos e bastante
defasado da média de mercado, para a
maioria dos cargos. Por isso, eles preferem
adiar a discussão da diferenciação de
remuneração
para quando houver
possibilidades de elevar os valores.
As máquinas, apesar de obsoletas, em um
só turno, geram uma capacidade produtiva
que ainda supera a demanda atual.
A estrutura conta agora com 28 cooperados
e 6 não cooperados na área de vendas e
contabilidade. A estrutura organizacional é
muito informal. Não há definição clara das
responsabilidades de cada cargo. Há
ineficiência e falta de controle em áreas
como: financeira/custos, PCP, marketing e
vendas. Isto era esperado, devido a falta de
experiência nestas áreas. Mas para agravar
o quadro, são freqüentes as mudanças dos
responsáveis por estas funções e não é
prevista a capacitação para executar as
novas funções assumidas.
A origem e formação dos cooperados
justifica em grande parte as carências de
capacitação diagnosticadas durante o
processo de pesquisa. Dos 44 cooperados
referidos, 02 vieram do departamento de
pessoal (as duas únicas mulheres) e os
outros 42 eram oriundos da área de
produção. Não faziam (nem fazem) parte
da COOPARJ nenhum cooperado com
experiência prévia em áreas como:
finanças, contabilidade, fiscal, vendas,
marketing, compras ou PCP. Além disso, a
experiência de gestão da Parafusos Águia
(empresa de origem) não foi incorporada,
porque a cooperativa se formou sem
nenhum representante do poder (diretores
ou gerentes).
Publicada em Outubro de 2004
A Parafusos Águia era uma indústria com
estrutura bastante hierarquizada e sem
nenhum incentivo à participação dos
operadores nas tomadas de decisão e nem
mesmo nos processos de melhoria. Sendo
assim, a ausência dos antigos gestores na
estrutura da cooperativa poderia facilitar o
processo de rompimento com os padrões
de trabalho anteriores, facilitando a
democratização das relações de trabalho e
favorecendo a participação efetiva dos
cooperados. Por outro lado, o tempo de
exposição a este sistema de trabalho e a
própria idade dos cooperados (média 45
anos), dificultam a mudança de postura no
trabalho.
A idéia de que o sistema hierárquico, com
fiscalização severa, é o caminho para a
eficiência não estava somente na cabeça
dos gestores. Parte dos cooperados trazem
consigo este pensamento: “Se não tiver
ninguém pra mandar e regular, a gente
relaxa mesmo. Eu mesmo, aqui, não
trabalho tanto, não faço tanta coisa,
quanto eu fazia lá na Águia.”
(Depoimento de um cooperado, durante
uma reunião geral)
Esta mentalidade não é exclusividade da
COOPARJ, a maioria das empresas de
autogestão passa pela mesma dificuldade:
reverter a mentalidade habitual de
funcionários cumpridores de ordens para
uma nova mentalidade de sócios e coresponsáveis pelas decisões e resultados
(LIMA et al., 2000). No entanto, existe na
COOPARJ um grupo consciente e
dedicado, que não se cansa de lutar pelo
sucesso da cooperativa.
A diretoria atual conduz uma gestão
transparente e democrática. Alguns
chegam a reclamar da falta de autoridade.
A humildade da diretoria para realizar
qualquer tarefa que considerem necessária
é impressionante e impensável em uma
estrutura hierarquizada. Quando preciso, a
presidente da cooperativa faz e serve o
almoço, o diretor comercial faz entregas, o
diretor financeiro faz todos os pagamentos
Pág. 69
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
em banco, o diretor administrativo não
deixou de ser o responsável pela
ferramentaria e o diretor industrial faz
manutenção nos equipamentos.
Ainda no segundo semestre de 2001 a
situação financeira era bastante crítica
devido à queda de 35% no volume de
vendas em relação ao ano 2000. O
endividamento crescente (contas e
retiradas atrasadas) vinha ocorrendo em
função do baixo faturamento que, ao longo
do ano, não estava sendo suficiente para
cobrir as despesas. O capital de giro, que
sempre foi escasso, tornou-se inexistente.
A empresa não possuía estrutura de custo
dos produtos e os preços eram definidos a
partir da opinião dos cooperados e
representantes
de
vendas.
Após
montarmos, juntos, o custo e o preço
mínimo para determinado ponto de
equilíbrio, foi fácil identificar que, no
patamar de vendas da época, o custo total
dos parafuso da COOPARJ era alto e boa
parte das vendas vinha sendo realizada
com prejuízo.
3. A participação e o processo decisório
na COOPARJ
As características da cooperativa (ausência
de hierarquia, história de luta conjunta e
alinhamento de objetivos) motivam o
envolvimento, a participação ampla e a
contribuição para a solução de problemas.
“Na empresa anterior, eu já não dava
mais idéias. Porque o encarregado
ignorava minhas idéias ou passava
para o gerente como se fossem idéias
dele. Puxa! Desde de que montamos a
COOPARJ nós já fizemos uma porção
de melhorias nestes equipamentos.”
(Declaração de um cooperado)
Na COOPARJ a gestão participativa não é
bem estruturada. Em média 2 vezes por
mês são feitas longas reuniões com a
presença de quase todos os cooperados
para a discussão de temas recorrentes
como: a queda no faturamento, o atraso nas
Publicada em Outubro de 2004
entregas,
a
insatisfação
com
a
remuneração, a falta de empenho dos
cooperados, etc. A motivação para a
participação e a liberdade de expor
opiniões e propor soluções é percebida no
dia-a-dia e nas freqüentes reuniões. Os
cooperados demonstram ter clareza dos
principais problemas da cooperativa. As
reuniões são férteis em proposições, no
entanto, não são conclusivas.
Além
disso,
o
processo
de
desenvolvimento das idéias não é
sistematizado e tem pouca capacidade de
implementação. “Levamos quatro anos até
decidir e começar a fabricar o parafuso
fenda cruzada (Philips) e mesmo agora,
que estamos produzindo e vendendo, ainda
não sabemos se é um bom negócio.”
(Presidente da COOPARJ)
A falta de conhecimento e informações é
uma marca destas reuniões. Todas as
discussões estratégicas na COOPARJ
(novos produtos, novos mercados,
parcerias, definição de preços, etc.) são
fortemente marcadas pelo “achismo”, pela
falta de dados concretos. Dados que
deveriam embasar as propostas, facilitar os
acordos coletivos, sustentar as decisões e
reduzir os riscos. Sendo assim, as decisões
acabam não sendo tomadas por uma
insegurança geral e o clima de conflito se
agrava.
Um exemplo das conseqüências da falta de
controles e informações está no resultado
das atividades de programação e controle
da produção (PCP). A ineficiência destes
processos é evidenciada pela recorrência
mensal de problemas como: falta de
matéria-prima, produção para estoque
enquanto há pedidos em atraso, sobrecarga
e ociosidade simultâneas de máquinas e
pessoas. Apesar da relação conflituosa
entre as áreas de vendas, produção e PCP,
todos são cientes de que a ausência de
programação e controle prejudica os
resultados da empresa. Tive oportunidade
de presenciar mais de uma reunião geral
em que todos debateram e decidiram pela
introdução de controles formais na
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
produção. No momento da implantação a
proposta era criticada e abandonada. Era
como um medo de que os controles fossem
ressuscitar a relação de hierarquia entre a
administração
e
a
produção.
A
administração daria as ordens de produção,
os trabalhadores teriam de cumprí-las e a
diretoria cobraria o cumprimento das
metas. Esta idéia eles rejeitavam, pois
viam a ausência de hierarquia e a liberdade
de expressão como as principais vantagens
concretas de serem cooperados, ao invés
de assalariados (uma vez que a expectativa
de melhoria da remuneração ainda não
havia sido alcançada).
A cooperativa vivia o dilema: a ausência
de controles (mais confortável, porém
reconhecidamente ineficiente) ou a
introdução de controles que deveriam
elevar a produtividade, mas destruir o
relacionamento de igualdade que vinha
sendo construído. Estava claro que eles
desconheciam os mecanismos e as
possibilidades de um planejamento
participativo. Quando pensavam em
controles, remontavam ao que existia na
Parafusos Águia, reproduzindo a forma e
adotando inclusive termos impróprios à
cooperativa como a O.P. (ordem de
produção).
Por outro lado, o episódio relatado a
seguir, sobre a avaliação de uma
oportunidade de desenvolvimento de
produto, ilustra a capacidade de realizar
um processo decisório participativo e
eficiente. A reflexão sobre a experiência
serviu ao grupo para enxergar o
conhecimento instalado, ver que a
integração deste conhecimento os torna
mais competentes como empresa e também
valorizar a disponibilidade de informações
que, em parte, substituíram o “achismo”,
suportando as discussões e acelerando o
processo decisório.
Durante reunião com o conselho diretor,
analisávamos a queda de faturamento e a
impossibilidade
de
oferecer
preço
competitivo para os parafusos de linha em
vista do alto custo. Concluíamos, com base
Publicada em Outubro de 2004
na avaliação estratégica, a necessidade de
desenvolver novos produtos (fixações
especiais)
que
pudessem
ser
comercializados com uma margem melhor,
preferencialmente através de venda para
pequenas indústrias. Neste momento, o
diretor comercial (que também é
entregador), lembrou ao grupo que havia
um produto em vias de desenvolvimento
que tinha sido deixado de lado, apesar do
interesse do cliente. A história era a
seguinte. Enquanto realizava entregas em
um cliente regular (fabricante de
fechaduras), o entregador percebeu que
eles fabricavam pinos para as fechaduras
com um processo manual e lento.
Identificou então a possibilidade de
produzir aqueles pinos nas prensas
automáticas da COOPARJ. Vale destacar a
vantagem
de
contar
com
um
entregador/vendedor que entende do
processo produtivo e está motivado a
buscar soluções para sua empresa.
No mesmo momento, verificou o interesse
do cliente e o consumo mensal médio.
Feita a identificação da oportunidade, a
idéia então foi levada para a cooperativa. O
diretor comercial discutiu a possibilidade
com o diretor administrativo (que também
é o ferramenteiro) e juntos, fizeram a
verificação da viabilidade técnica. O
processo é bem mais simples que a
produção de parafuso, podendo ser
realizado em uma única etapa, em
maquinário ocioso. A matéria-prima é
disponível (mesmo arame de alguns
parafusos de linha) e nenhum investimento
seria preciso. Mais uma vez eles chegaram
a conclusão de que era possível produzir,
mas não sabiam se valia a pena e a história
tinha parado por aí.
Neste
momento,
decidiu-se
dar
prosseguimento
a
avaliação
da
oportunidade naquela reunião. A reunião
durou pouco mais de uma hora e contou
apenas com a participação das pessoas
chaves: entregador (diretor comercial, que
identificou a oportunidade e previu a
demanda), o ferramenteiro (diretor
administrativo, que havia feito o estudo de
Pág. 71
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
viabilidade técnica), o diretor financeiro
(que ajudou na estimativa do custo e
formação do preço), o vendedor (que ficou
responsável por fazer contato com o
cliente). Eu estive presente somente para
motivar a uma discussão que fosse
sustentada por dados (mesmo que
aproximados) e fosse conclusiva.
A
conclusão
foi
favorável
ao
desenvolvimento do produto já que estava
claro o benefício básico para o cliente:
preço abaixo do atual custo dele e prazo
muito reduzido. O interesse para a
COOPARJ também estava claro: aumentar
o faturamento através da utilização de
equipamento ocioso e gerar lucro através
da venda com uma margem muito superior
a média praticada para os produtos de
linha.
É nesta dinâmica, agilidade e ausência de
burocracia dos processos e também na
motivação e na versatilidade das pessoas
que está o diferencial competitivo da
cooperativa. As idéias chegam diretamente
a quem pode levá-las adiante.
É claro que o desenvolvimento do pino
para fechaduras não é a solução única e
definitiva para os problemas de
faturamento da COOPARJ, no entanto este
teve um papel crucial de provar, para eles
próprios, que são capazes de ser eficientes
no processo de desenvolvimento de
produtos. Mais do que isso, são capazes de
criar e encontrar alternativas de
sobrevivência para a COOPARJ. A
expectativa não é tornar-se líder de
mercado, mas garantir a sobrevivência do
negócio e a manutenção dos empregos,
através da criatividade e busca constante
do seu espaço no mercado.
Apesar do interesse, um mês depois,
envolvidos nos problemas de rotina e nas
tantas atividades que a diretoria acumula,
eles ainda não haviam contactado o cliente
para propor o preço e tentar fechar o
negócio. Isto chama a atenção para o
seguinte problema: as atividades que visam
a transformação da situação, como o
Publicada em Outubro de 2004
desenvolvimento de produtos, não estão
previstas como funções dos cooperados,
isto dificulta a condução de processos de
mudança até a implementação.
4. Conclusão
Sobre a organização do trabalho, pode-se
observar que, no mundo inteiro, a gestão
participativa (GP) vem sendo adotada
como estratégia patronal para obter
redução de conflitos e maior envolvimento
e dedicação dos trabalhadores, o que
resulta em ganhos de produtividade.
Salerno (1999) propõe a “gestão
democrática”, visando sistemas de
produção ao mesmo tempo mais eficientes
e menos predatórios da força de trabalho.
A “gestão democrática” seria um
diferencial competitivo de rapidez e
acertividade tanto para inovações de
produto e melhoria do processo, quanto
para fazer face a eventos cotidianos que
prejudicam a produtividade.
Esta proposta de participação, ousada para
empresas capitalistas, é a característica
primeira de legitimidade da autogestão.
Este é um facilitador para uma gestão
moderna e competitiva. No entanto, na
maioria dos casos de indústrias autogeridas
brasileiras, o modelo de gestão implantado
não propicia uma participação eficiente
dos trabalhadores, nem sequer o
desenvolvimento dos mesmos para que se
sintam capacitados a contribuir e se
responsabilizar pelas decisões tomadas.
Nesses casos, como o da COOPARJ, o
processo decisório torna-se moroso e
desgastante.
No caso estudado, o interesse e a abertura
para participação de todos podem ser
vistos nas freqüentes reuniões, sempre
lotadas, ou no exercício do direito de
entrar, quando querem, nas salas da
diretoria, administração ou vendas e
colocar suas inquietações ou proposições.
Foi percebida na Cooparj a influência das
características
que
favorecem
a
participação, tais como: igualdade de voto
em questões decisivas para o negócio,
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
possibilidade de eleger seus dirigentes,
ausência de hierarquia e redução das
diferenças de remuneração, além da
postura humilde e aberta da 2ª e atual
diretoria (os cooperados afirmam que na 1ª
gestão a abertura e igualdade não eram as
mesmas). Cabe ressaltar que as condições
aqui expostas realmente favorecem a
participação ampla, mas nem sempre a
participação eficiente.
Para que a atuação integrada e eficiente
passe a fazer parte da estratégia
permanente de atuação da Cooparj,
elevando a competitividade do negócio, o
coletivo dos trabalhadores precisa transpor
alguns
obstáculos.
A
experiência
acumulada durante a realização do estudo
de caso permite indicar possíveis respostas
para os seguintes questionamentos: “Quais
os obstáculos para a transformação em um
ambiente onde tudo sugere a cooperação e
a participação? Que adequações as
cooperativas devem realizar para utilizar a
participação ampla como vantagem
competitiva?”
Os principais obstáculos que a cooperativa
deve transpor para tornar eficiente a gestão
participativa são os seguintes: acúmulo de
funções e indefinição de responsabilidades
(gera ineficiência dos processos rotineiros
e reduz a capacidade de implementação de
melhorias), falta de visão global de gestão
(o conhecimento instalado não é suficiente
e está disperso), carência de informações e
controles (dificulta a construção dos
acordos coletivos, retardando a tomada de
decisões) e ausência de canais de
participação adequados (dificulta o
tratamento de conflitos, a integração e
difusão do conhecimento).
Acúmulo de funções e indefinição de
responsabilidades
Não existe uma definição clara das funções
e responsabilidades de cada cooperado, o
que prejudica o andamento das atividades
de rotina. Além disso, as atividades ligadas
à transformação da situação (busca de
oportunidades, projeto de produtos, projeto
Publicada em Outubro de 2004
de melhorias no processo etc.) não estão
previstas nas funções e responsabilidades
dos cooperados e portanto, não fazem parte
da estratégia permanente de atuação da
Cooparj.
Etapas
destes
processos
acontecem de forma esporádica e são
geralmente preteridas em função de
atividades de rotina.
Existe um baixo entendimento da
necessidade e dos objetivos das atividades
de planejamento e projeto. Portanto, estas
atividades não são bem aceitas, nem
valorizadas pelo grupo. Por exemplo,
quando o supervisor de vendas decidiu
passar alguns dias recalculando os preços
mínimos para acabar com as discussões,
quase diárias, a respeito da lucratividade
ou não das vendas realizadas pelos
representantes, o comentário de um dos
cooperados representou bem a percepção
do grupo: “A gente não entende o que é
que ele tanto escreve. Não é supervisor de
vendas? Devia estar na rua vendendo. O
que a gente precisa é faturar mais.”
Isto acaba, de certa forma, forçando o
grupo de dirigentes a envolver-se em
atividades paralelas, dedicando-se menos a
reverter a difícil situação da cooperativa.
Muitas vezes, eles próprios preferem estar
envolvidos em atividades de resultado
imediato, nas quais seja visível a
contribuição da sua força de trabalho para
a cooperativa, do que dedicarem-se a
atividades de mais longo prazo que
envolvam algum risco de insucesso. Esta
consumição em atividades de rotina por
um lado quebra barreiras e estimula a
cooperação, por outro reduz o tempo
disponível para dedicação à gestão da
empresa e a projetos de melhoria.
Falta de visão global de gestão
Apesar da notada ampliação do repertório
de conhecimento técnico e de gestão dos
cooperados, evidenciado em vários
momentos da pesquisa e desenvolvido com
ajuda de alguns cursos, mas principalmente
pela experiência prática ao longo de seis
anos de trabalho cooperativo, os
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
trabalhadores ainda não têm uma visão
global de como e quando este
conhecimento deve ser integrado e
utilizado.
A visão global é especialmente importante
nas atividades que visam transformar a
situação, tais como: projeto de produtos,
melhorias de processo etc. Para realizar
mudanças de forma eficiente é preciso ter
noção do processo como um todo. Deve-se
envolver aqueles que podem contribuir de
fato, planejar as atividades, definir
responsabilidades, reunir as informações
necessárias em cada etapa do processo e
acompanhar o andamento dos trabalhos até
a implementação das soluções encontradas
ou decisão de abandono. Era esperado e,
de fato, é uma dificuldade, que eles não
possuíssem todo este embasamento, devido
à sua formação e às limitadas
oportunidades de acesso a novos
conhecimentos.
Na Cooparj estas atividades ainda não são
previstas e sistematizadas, mas depois de
interagir em situações reais de trabalho,
como exemplificado pela avaliação de
oportunidades de produto, ficou claro que
eles têm pleno potencial para desenvolver
esta capacitação. A partir da sistematização
das informações e de discussão em grupo,
eles realizaram boa parte dos processos e
ao final puderam compreender a
importância e complementaridade das
etapas que tinham sido realizadas. Como
eles definiram no caso do pino de
fechaduras: “Eu já sabia que o cliente
estava interessado.” (levantamento da
oportunidade) “Passei para o Willian e ele
viu que dava para fazer.” (estudo de
viabilidade técnica) “Mas a gente não sabia
se valia a pena” (estudo de viabilidade
econômica). Foi esta última etapa que
fizemos em grupo e eles puderam perceber
o processo global, a necessidade e interrelação entre as diferentes etapas
realizadas.
Carência de informações e controles
Publicada em Outubro de 2004
Outra importante deficiência do sistema
participativo ali encontrado é a carência de
informações. Fator que torna moroso e
desgastante o processo decisório. Pôde ser
percebido nas freqüentes, longas e pouco
conclusivas reuniões, onde devido à falta
de
informações que suportassem as
propostas colocadas, surgiam impasses
infindáveis e os acordos coletivos ficavam
inviabilizados. Por outro lado, pôde ser
valorizada no momento da avaliação
estratégica quando as informações
levantadas ajudaram a confirmar ou
descartar a viabilidade de antigas idéias
sobre quais seriam as boas oportunidades
de negócio para a empresa.
Mesmo reconhecendo a importância das
informações e a deficiência dos controles
que as geravam eles não conseguiam
reverter este quadro. Uma análise que
ajudou a esclarecer o cerne desta questão
foi a da relação programação-produção,
exposta no item 3.
Na Cooparj, o fim da separação
planejamento-execução não havia sido
conseguido através do planejamento
participativo, mas da desvalorização e
quase total desconsideração das atividades
de
planejamento/programação.
Sem
conhecer outras referências de gestão, eles
importaram o sistema hierárquico da antiga
instituição e extraíram ou minimizaram a
importância de tudo aquilo que os
incomodava (por exemplo, as metas e
controles de produção).
Então, quando pensavam na introdução de
controles,
acreditavam
que
isto
ressuscitaria a divisão planejamentoexecução e toda a idéia de hierarquia que
está por trás desta dicotomia. Dicotomia
que o planejamento participativo procura
amenizar e que, no caso de cooperativas,
onde não existem limites para a
participação e acesso a todo tipo de
informação, pode não fazer mais sentido.
No entendimento dos cooperados, a
escolha seria entre manter a liberdade e
igualdade pagas com a ausência de
informações e ineficiência ou optar pela
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
implantação de controles que traria o
reaparecimento da relação hierárquica
entre administração e produção, mas seria
recompensada com possível elevação da
eficiência. Estava claro que eles
desconheciam as possibilidades de um
planejamento participativo. Tinham como
única referência o sistema hierárquico, no
qual faziam remendos tentando adequá-lo
à realidade da cooperativa.
Ausência de canais de participação
adequados
O que inicialmente parecia barreira de
comunicação entre administrativo e
produção, foi melhor definido com o
andamento da pesquisa como ausência de
canais adequados para interação entre
setores. A primeira impressão de que eram
“arraigados ao sistema de gestão anterior”
foi completamente descartada. Na verdade,
eles o rejeitam e tentam afastar-se o quanto
podem dele, só não o fazem de forma mais
eficaz por não terem referência (teórica,
nem prática) de outro sistema que possa
substituí-lo,
adequando-se
ao
cooperativismo.
Na Cooparj, a relação PCP-produção deixa
clara a necessidade de criar espaços
formais para interação entre saberes e
articulação das diferentes lógicas. É um
exemplo de que, quando isto não ocorre, a
liberdade e a autonomia acabam sendo
usadas para criticar e desconsiderar o
trabalho alheio ao invés de servir para a
construção coletiva de soluções.
Nestes espaços formais de interação, a
ausência de limites à autonomia e a
possibilidade de acesso irrestrito a todo
tipo de informação poderiam ser
diferenciais
das
cooperativas
para
realização eficiente da explicitação e
mediação entre lógicas conflitantes
(produção, PCP, vendas, estoque, finanças
etc). Para estes grupos, seria mais fácil
compreender a complementaridade destas
lógicas, facilitando o estabelecimento de
prioridades em alinhamento com o
interesse final da empresa (que é de todos).
Publicada em Outubro de 2004
Se conhecessem os mecanismos e as
possibilidades de um planejamento
participativo,
poderiam
adequá-lo,
implantando um sistema que o superasse
em autonomia e eficiência.
Para que estas empresas sejam capazes de
competir no mercado capitalista com
outras pequenas e médias empresas
(PMEs) tradicionalmente organizadas,
entre outras coisas, será preciso apoiá-las
no desenvolvimento de uma gestão
participativa própria e eficiente. A
Engenharia de Produção e as universidades
podem vir a ter uma contribuição
significativa e fazer com que mais
empreendimentos autogestionários possam
se viabilizar como uma alternativa, uma
forma mais solidária de organização do
trabalho, deixando de ser apenas um
paliativo temporário de combate à crise do
emprego.
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
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Publicada em Outubro de 2004
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empresas.
** Professor do Programa de Engenharia de
Produção da COPPE/UFRJ.
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
Publicada em Outubro de 2004
Artigo
Rede dinâmica em aglomerados de
empreendedores de base artesanal
Janio Caetano de Abreu *
RESUMO
O presente estudo refere-se a proposta de rede dinâmica em aglomerados (APL’s) para
empreendedores de base artesanal. Foram estudados quatro APL’s de municípios da
Microrregião de São João Del Rei, em Minas Gerais. São utilizadas quatro categorias de
análise e de ação, tendo como suporte a orientação dos estilos participantes de pesquisa, em
especial, da pesquisa-ação. É constatada a importância de fatores contemporâneos e também
históricos no incremento desses APL’s. Observa-se uma função complementar na atividade de
base artesanal e tem-se que, aplicando a metodologia utilizada neste esforço, são verificadas
condições para as respostas em ambientes aglomerados. As ações em rede intra e intercluster,
apoiadas por mecanismos de integração propiciam um encadeamento multiplicador de
esforços que disparam os ganhos, criando perspectivas de fortalecimento dos atores
envolvidos.
Palavras chave: Aglomerados de empreendimentos, rede dinâmica.
ABSTRACT
The study verifies the importance of contemporary and historical factors in the inprovement
of those productive agglomerates. It observes a complemental function in the activity of
handmade base. The research verifies that, by applying the methodology used in this effort
certain conditions for answers in environment of those clusters were provided, such as
regarding earnings in scale through coordinated exchanges, in the form of alliances and
partnerships because of the construction of a dynamic and flexible net. The intra and
intercluster networked actions based on integration mechanisms propitiate a linkage multiplier
of efforts that favors the earnings, creating perspectives of the involved actors' invigoration.
Key words: productive agglomerates, dynamic network.
Introdução
Este artigo se refere aos Empreendedores
de base artesanal (EBA’s), que compõem
um cenário aglomerado de produção no
âmbito de quatro cidades da Microrregião
de São João Del Rei – Minas Gerais.
Mobilizam a maior parte da população
trabalhadora, dos quatro municípios, nas
atividades respectivas de produção de
artigos de couro (Dores de Campos e
Prados), tecelagem artesanal (Resende
Costa) e de biscoitos (São Tiago), tornando
cada atividade como socioeconômicamente
predominante. E, à feição dos pequenos e
micros
empreendimentos
(PME’s)
brasileiros, têm problemas, seja no campo
da ação política, seja na mobilização e
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
organização para aproveitamento de
oportunidades
geradas
pela
ação
aglomerada, o que impacta diretamente as
cidades.
O presente texto se alicerça sobre uma
sinopse do referencial teórico, da
metodologia e dos resultados formulados
em ABREU (2002). Porém, atualizações
foram necessárias. É que trabalhamos com
o conceito de rede dinâmica e o processo
de enredamento impõe ajustes. Mais, o
estudo original é sustentado pelos estilos
participantes de pesquisa em que os atores,
ao invés de serem objeto, são sujeitos e,
assim, se beneficiam de forma imediata e
cumulativa.
Rede e Aglomerados Produtivos Locais
(APL’S)
A rede estratégica é formada por “um
grupo de empresas independentes, unidas
por meio de alianças múltiplas para
alcançar um objetivo comum”. (LEWIS,
1992). São várias tipologias: redes
verticais ou de adição de valor; redes de
divisão de tecnologia e redes de
participação acionária (LEWIS, 1992).
LYNCH
(1994)
propõe
pequenas
diferenças nessas abordagens. Ele chama
de teia as redes estratégicas, mas considera
as mesmas tipologias. RANGAN et al
(1996) falam das redes internas extensivas
de subsidiárias e das redes externas;
KOTLER (2000) destaca a rede de
marketing e TEIXEIRA et al. (2002)
propõem redes de firmas verticais e
horizontais. Já CASAROTO FILHO et al.
(1998) sugerem as redes topdown, ou seja,
as redes em que as PME’s estão vinculadas
e dependentes de uma empresa-mãe, como
terceirizados, subcontratados, ou como
faccionistas, satelitizadas (MONTAÑO,
1999), além de outras formas de repasse de
produção. A outra rede é chamada rede
flexível de PME’s, com criação alternativa
de organização, como os consórcios que
substituiriam uma grande empresa (GE).
GRANDORI et al (1995) propõem
critérios, tais como: tipo de mecanismos de
coordenação
utilizados,
grau
de
Publicada em Outubro de 2004
centralização da rede e grau de
formalização. São três tipos: as redes
sociais, burocráticas e proprietárias. Podem
ser simétricas ou assimétricas. A simetria é
a inexistência de um poder centralizado,
onde todos possuem a mesma capacidade
de fluência. Nas assimétricas há o agente
coordenador central. Nas burocráticas há
um contrato formal regulador das
especificações de fornecimento de
produtos e serviços e a organização da
rede.
Já o Aglomerado Produtivo Local - APL
(cluster), a partir do que se depreende em
ABREU (2002 e 2004) é quase sempre
relacionado à atividade industrial ou, como
estudado aqui, à atividade de base
artesanal, ou ainda artesanal. O APL
estaria em um estágio emergente, após précluster, considerando o processo de
evolução de um cluster. O último estágio
seria
um
aglomerado
produtivo
independente, o que podemos chamar de
arranjo produtivo.
O arranjo produtivo também é chamado de
APL e, não raro, vê-se confusões entre as
terminologias
arranjo
produtivo
e
aglomerado produtivo. Os APL’s são
empreendimentos produtivos em mesma
base
territorial,
há
especialização
produtiva, e vínculos de cooperação
inerentes,
como
processos
de
aprendizagem entre os atores que
compõem a cena aglomerada. A diferença
do arranjo para o aglomerado é que, no
primeiro, há uma articulação planejada,
está se operando uma estruturação setorial
e local autocoordenada e há presença de
atores complementares, com funções bem
definidas. Uma estratégia é a organização
de coletivos (associações, cooperativas de
empreendimentos). Um outro passo é a
formação de consórcio. CASAROTO
FILHO et al. (1998) asseguram que os
consórcios não são capazes, sozinhos, de
promover o desenvolvimento das PME’s
de um determinado local. Há que se
estruturar o segmento e constituir
mecanismos de integração. Os autores têm
se referido à constituição de agências de
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Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
desenvolvimento ou de fórum local de
desenvolvimento, ou, ainda, de qualquer
mecanismo de integração regional como
um complemento
Metodologia
No estudo original (ABREU, 2002),
partiu-se de uma questão: “é possível
fortalecer artesãos autônomos, micros e
PME’s, produtores de artigos de couro, de
tecelagem artesanal, e da produção de
biscoitos, usando etodologia cooperativa
na forma de rede intra e inter
aglomerados?”. A partir dessa questão
formulou-se algumas dela decorrentes e,
dessas, foram selecionadas algumas para
esse artigo:
- Os EBA’s em aglomerado podem ser
mobilizados, apreender aspectos acerca de
ações de cooperação em rede e, assim,
envidar esforços que disparem um
processo integrador de um enredamento
dinâmico
e
uma
estruturação
microrregional.
- Há uma constelação de empreendimentos
e atores de apoio setorial em ações
compartilhadas, que ganham eficiência
quando
implementados
esforços
metodológicos do tipo rede dinâmica
proposta neste trabalho.
- Os EBA’s são originados de relações
históricas de produção e o produto
artesanal
conserva
características
centenárias na atividade produtiva, mas
sofreu transformações no processo de
produção.
- É possível se verificar traços de
cooperação histórica e manifestações
sociais coletivas, o que favorece a
consolidação da rede.
Da referência sobre redes estratégicas,
propôs-se uma estratégia metodológica
tendo como seqüência a caracterização, a
mobilização e a gestão. Orientada pelos
estilos participantes de pesquisa, cujo
centro é estudar as coisas mudando-as,
como ensina GAJARDO (1986). Fez-se a
coleta de dados em seminários; nas
entrevistas, utilizando o Roteiro de
Publicada em Outubro de 2004
Entrevista – RE (158 entrevistados,
divididos nas categorias de empregados,
artesãos e proprietários em Resende Costa,
Prados e Dores de Campos, em São Tiago,
apenas os proprietários foram abordados);
observações – participação em reuniões
das associações e em eventos ocorridos nas
cidades e pesquisa em fonte eletrônica e de
papel e pesquisa bibliográfica (pesquisa
documental).
A pesquisa-ação se deu em três estágios: a
pré-mobilização (os contatos preliminares,
as primeiras reuniões, observação não
participante); a mobilização intensiva
(realização de seminários, aplicação de
questionários, reuniões para busca de
soluções ante a questões levantadas pelos
EBA’s); e a mobilização mantenedora. As
demais ações são relacionadas à
organização da estrutura da rede e setorial,
além do aprendizado e experiência de
gestão autodeterminada.
Caracterização e aspectos da
organização produtiva
A população apresenta especificidades,
como adaptar-se a um desenvolvimento
tecnológico, incorporar sobras da indústria,
adaptar rudimentos tecnológicos da
indústria à atividade artesanal, e conviver
em nichos, ou verdadeiros vácuos do
mercado industrial oligopolista e cumprir o
papel de absorver uma massa crescente em
circunstâncias sociais de exclusão.1
Na junção destas pré-condições tem-se
EBA’s, não capacitados para acompanhar a
corrida tecnológica e impactados pela
reestruturação produtiva. Inscrevem-se em
fragmentos diversos, por exemplo, se
verificados sob a ótica do que DANTAS
(2002)
classifica:
categorias
de
“empregados das empresas de ponta; os
empregados das terceiras; trabalhadores do
mercado informal e os excluídos”. Assim,
os EBA’s são
1
Ver a esse respeito ABREU, 2003.
Pág. 79
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
“ artesãos, empreendedores de
produtos artesanais, tradicionais,
PME’s, que empregam a expertise do
artesão, mesmo que utilizando
ferramental, equipamentos, acessórios
e matéria-prima, relacionados à
indústria.
São
também
EBA’s,
empreendedores que trabalham nas
funções de interdependência, como
fornecedores diretos de matéria-prima,
executores de processos em atividade
desverticalizada, vendedores lojistas,
ambulantes,
distribuidores
dos
produtos dos aglomerados; profissionais construtores de ferramentas,
equipamentos,
acessórios
ou
confeccionadores de produtos que
serão empregados na atividade fim de
origem artesanal” (ABREU, 2002).
Aspectos Formadores dos APL’s
A tecelagem artesanal é uma atividade
milenar. Utiliza os chamados teares de pau,
ou de madeira. Nas imediações de onde
está a circunscrição microrregional, essa
atividade, durante todo o século XIX, fazia
parte da longa cadeia produtiva,
principalmente, de subsistência das
fazendas, mas também constituía em
significativa atividade de populações dos
núcleos urbanos em formação, os artífices
de ofício. Em 1940 há registro
(MORETTI, et alii, 1998) que tecelagem
artesanal não somente serve como
subsistência, mas também inaugura uma
fase de produção e comércio mais intensa.
A industrialização que inibiu a atividade
fornece matéria-prima para o tecelão
artesão. O novo ciclo, fortalecido a partir
da década de 1940, utiliza refugos, no
início conseguidos gratuitamente. Após a
expansão da atividade por volta dos anos
1970, o tecelão irá comprar retalhos, sobra
da indústria têxtil. O processo de produção
tem a cadeia encurtada. Já não se produz
fio, mas trabalha-se o retalho, para então
constituir o novelo que substitui a
lançadeira. Nos últimos anos o retalho tem
minguado, há dificuldades para sua
obtenção. A indústria ainda é fornecedora
da matéria-prima, agora, não em forma de
Publicada em Outubro de 2004
refugos, ou apenas de sobras da sua
operação, mas da linha, um produto
acabado. Isso cria um híbrido processo de
produção têxtil.
A produção coureira data de 1835, como
apurado nas entrevistas e em autores
(PEREIRA, 1996). Essas fontes falam da
vocação centenária ao afirmarem que
Dores de Campos e Prados eram passagem
de tropas e boiadas vindas principalmente
do Rio de Janeiro em direção à capital de
Minas Gerais, Ouro Preto.
A produção de biscoitos tem início no final
do século XVIII e grande parte do século
XIX, segundo historiadores, “... era um
ponto de parada de viajantes, no chamado
‘Caminho Novo’ ou ‘Caminho do Sertão’,
por onde transitavam comboios, manadas
de gados, caravanas, tropas vindas do Rio
de Janeiro rumo ao Triângulo Mineiro,
Goiás e vice-versa”. (Tribuna de Lavras,
2/10/1999:12)
Ainda que apenas na última década do
século XX a atividade tenha ganhado
proporções, os chamados quitandeiros
sempre estiveram presentes no município.2
A atividade é típica de um fenômeno
iniciante. Até dez anos antes do ano 2000 a
produção se restringia a uma ou outra
padaria local para atender a população da
cidade. A partir de 1990 é que a procura
local foi aumentando, combinando com um
movimento de visitantes ao município que
incitou a produção em maior escala.
Alguns entrevistados nos afirmam em seus
depoimentos que o número de produtores
estabelecidos chegou a ser o dobro do que
se registra hoje. Depois veio o período de
“quebradeira”. Agora se pode dizer que se
está vivendo “... um terceiro momento de
crescimento, só que agora estruturado”.
(Jornal Farol, Outubro, 1999:4).
A População Empreendedora
2
Ver a matéria da Gazeta de São João Del Rei, de
24 de Setembro de 1999.
Pág. 80
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
As cidades possuem população de cerca de
8 mil habitantes (Prados e Dores de
Campos) e pouco mais de 9 mil (Resende
Costa e São Tiago). Na atividade coureira
o maior contingente de trabalhadores é do
sexo masculino (89%). Em Resende Costa
pode-se afirmar que não há uma
predominância e, na atividade de biscoito
de São Tiago, predominam em torno de
10% a mais as trabalhadoras.
Cerca de 50% não terminaram o ensino
fundamental. Cerca de 40% afirmaram ter
iniciado o ensino médio. A renda é variada
e se situa entre os artesãos (Dores de
Campos e Prados), na faixa compreendida
entre 1 a 3 salários mínimos. Os
empregados percebem em todos os três
APL’s entre 1 a 2 salários mínimos e,
como, sobretudo em Dores de Campos os
EBA’s têm portes variados, a renda dos
proprietários varia entre 2 a até 20 salários
mínimos, segundo pudemos apurar. Isso na
média, porque a atividade coureira
apresenta uma melhor remuneração,
seguida da produção de biscoitos. O
contraponto disso são os cortadores de
retalho de Resende Costa que percebem,
em média, setenta reais mensalmente.
Em Resende Costa prevalecem os
domicílios de trabalho (tecelões, urdidores,
cortadores de retalho e enroladores de
linha).
A
tecelagem artesanal
é
eminentemente informal. Cerca de 90%
dos trabalhadores não possuem vínculo
empregatício
ou
empreendimentos
formalizados. Em Dores de Campos e
Prados esse número cai para cerca de 40%
e, em São Tiago, não chega a 10% o grau
de informalidade.
Os EBA’s são constituídos por unidades
produtivas que se organizam de diversos
modos. Vê-se desde o artesão autônomo
em seu domicílio, sendo este o local de
habitação e de trabalho, até o
empreendimento formal. Esse, tanto pode
ser uma oficina de trabalho, uma pequena
manufatura, um estabelecimento comercial
de produção e venda e distribuição, um
local somente de venda e distribuição ou,
Publicada em Outubro de 2004
ainda, uma pequena indústria. Os
empreendimentos formais constituem o
ponto de venda e de produção, são uma
extensão do domicílio, no duplo sentido,
lugar de residência ou segundo a lei, sede
dos seus interesses. São comuns as lojas
ocuparem o primeiro andar, a residência, o
segundo, e a manufatura ou oficina, os
fundos. As cortadeiras e, basicamente, toda
a população tecelã utilizam varandas,
coberturas, subsolos ou qualquer cômodo
para operar.
Os curtumes necessitam de lugares
especiais. Eram construídos em beira de
córregos onde eram jogados os resíduos.
As leis ambientais de agora têm mudado
esse procedimento e, as exigências legais
impõem outro processo de organização. As
estações de tratamento são uma imposição.
O velho curtume tem sido readaptado para
atender as determinações da lei.
Na produção de biscoitos tem-se
fabriquetas construídas em anexo às
residências ou nas proximidades. Por ser
uma unidade produtora de alimentos, devese também cumprir exigências sanitárias.
Exigem por isso mesmo uma construção
específica.
Grande parte da população de EBA’s
desempenha o papel de homem-cadeia3
que acumula as atribuições de produção,
venda, distribuição. Quanto à tecnologia,
tem-se desde atividades manuais, passando
pelo nível da tecnologia adaptada até o
terceiro nível - empreendimentos que
utilizam equipamentos mais próximos do
industrial. Um EBA pode estar em
qualquer nível. Pode estar em dois ou três
níveis de tecnologia propostos como
tipologia.
O Produto dos EBA’s
Classificamos os produtos da atividade
coureira estudada em três classes: a) o
curtume - o produto do seu processo é a
sola e a vaqueta; b) selaria - acessórios e
3
Ver COUTINHO (2001).
Pág. 81
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
outros componentes de montaria e de
tração animal (esta pode ser chamada de
atividade principal); c) outros artigos
derivados do couro e produtos da
interdependência (são artigos diversos de
couro, derivados do couro ou compostos
também por couro). Nos produtos de
interdependência estão as manufaturas
produtoras de armações de ferro que
compõem o casco da sela ou arreio e partes
do estribo.
Já a produção da tecelagem artesanal se
assemelha ao que ALBUQUERQUE et al.
(2002) chamam de clusters horizontais na
industria
e
em
que
há
um
compartilhamento de recursos locais. Um
produtor produz para dinamizar o processo
produtivo. São as bolinhas de retalho ou de
linha produzida pelos domicílios, em geral,
a serviço de distribuidores intermediários,
a teia (o plano da tecelagem
confeccionado), e o produto tecido (forros,
colchas, caminhos, tapetes, etc.).
A produção de biscoitos em São Tiago
possui duas categorias simples de
biscoitos: doces e salgados; o que varia é a
criatividade das receitas.4 A base é o
polvilho, seguido do fubá e, em menor
escala, a farinha de trigo. Os condimentos
são os mais variados. Queijos, canela,
cravo, cebola, alho, dentre outros,
estabelecendo uma variedade de textura e
sabor. É a rosquinha, a broa de queijo, o
pão de queijo, a torradinha, o biscoito
neném, a broa de queijo, a broa de trigo, o
biscoito de fubá, a rosca caseira, o biscoito
farinha, o biscoito de quatro pedaços, o
biscoito barbacena, a pamonha, dentre
outras.
A relação de produção em São Tiago
muito pouco se assemelha ao que
ALBUQUERQUE
et
al.
(2002)
denominam de clusters horizontais para o
caso da indústria. Nesses clusters há um
compartilhamento de recursos locais, em
que um produtor produz para dinamizar o
processo produtivo. Seu produto integra,
4
Ver MATTA(2002).
Publicada em Outubro de 2004
horizontalmente, a cadeia de produção,
configurando
como
atividade
complementar. Em São Tiago pouco existe
a confecção de produtos intermediários
que cumpram o papel de dinamizarem a
produção.
A mobilização e a gestão
compartilhadas, atual e projetadas
A pesquisa-ação aplicada na estrutura das
categorias, caracterização, mobilização,
organização e gestão como se fossem
fases, quase sempre interdependentes e
intervenientes, encontrou no ambiente
aglomerado as condições (mobilização préexistente) para a edificação de uma
atividade compartilhada, seja intra e inter
aglomerado. Iniciada ainda em etapa de
caracterização do ambiente aglomerado, a
mobilização intensiva implicou em
reuniões em cada cidade e que foram
preparatórias
para
os
Seminários
Interaglomerado. Foram cerca de 18
reuniões nas cidades dos EBA’s e 6
seminários. Nesses eventos foram feitas
palestras, foram promovidos debates
acerca de estratégias compartilhadas
(alianças, redes) existentes e potenciais.
Preocupações e interesses dos EBA’s
foram discutidos, com os coletivos (através
dos associados) e até com não-associados,
pessoas interessadas em participar. Eram
convidados outros parceiros institucionais,
tais como, entidades públicas, cooperativas
de crédito, centros catalisadores de
tecnologia,
agências
regionais
de
desenvolvimento e outros.
Um dos instrumentos gerados, além de
outras ações, foi um Plano de Ação para a
Rede de EBA’s e a elaboração da Projeto
Rede de EBA’s, que focalizavam o reforço
à atividade mobilizadora e a busca de
novos parceiros para fortalecimento da
Rede. No âmbito local buscou-se criar
entidades representativas dos EBA’s, como
em São Tiago, Prados e Dores de Campos
e, para Resende Costa, fixou-se como
objetivo principal o fortalecimento da
Associação dos Artesãos (ASARC). A fase
de organização é constante, como são a
Pág. 82
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
mobilização (mantenedora) e a gestão, em
busca de procedimentos autogestionários.
A estruturação de um Centro de Pesquisa
de Tecnologia Artesanal/CPTA (apoiado
pela Fundação de Apoio de Ciência e
Tecnologia de Minas Gerais/ FAPEMIG) a
partir de dezembro de 2004, com a
participação de diversas entidades
estaduais é o exemplo de organização da
rede e estruturação regional. Atualmente, o
Projeto Rede de EBA’s, mais o Grupo de
Pesquisa interinstitucional – GBARTE
(formado por pesquisadores da UFMG,
UEMG e UFSJ), têm se reunido com
gestores estaduais e municipais para o
fortalecimento dos EBA’s. Ressalte-se que
os coletivos integrantes da Rede de EBA’s
são
incubados
pela
Incubadora
Tecnológica de Cooperativas Populares –
ITCP/UFSJ e têm apoio da FINEP através
do programa PRONINC.
Como resultado, destacam-se ainda dois
capítulos de livros, duas dissertações de
mestrado em andamento e um projeto de
doutorado relacionado com o trabalho da
Rede de EBA’s. Além disso, são duas
monografias de especialização, diversas
publicações em eventos, revistas e jornais.
Conclusão
Pode-se concluir que é possível fortalecer
os
EBA’s
do
âmbito
estudado,
incrementando
uma
metodologia
participativa e que integre os potenciais e
as oportunidades desses APL’s em
relações intra e inter aglomerados. E isso é
necessário porque, em que pese haver o
crescimento do número de integrantes
produtores nos APL’s, e praticamente
ausência de falta de trabalho e
oportunidades geradoras de renda, existem
aspectos nefastos na estrutura produtiva:
exploração, condições precárias (ABREU,
2003), morte de empreendimentos, baixa
remuneração, dentre outros. Nas condições
que se apresentam aos EBA’s, cumprindo
os referenciais propostos neste estudo, ou
seja, a utilização de uma metodologia para
constituição da Rede Dinâmica que leve
Publicada em Outubro de 2004
em conta as referências das categorias
propostas, é possível que a população
aprenda, implemente ações e dispare um
compartilhamento estruturado. A resposta
positiva é demonstrada na participação nos
nossos trabalhos de campo. São
deslocamentos, reuniões feitas por eles, às
vezes sem a nossa participação. Como
ocorre principalmente em Resende Costa
que tem trabalhado no fortalecimento da
participação dos associados na ASARC e
em Dores de Campos, em que o esforço
está centrado na constituição de uma
entidade coletiva, em cooperação com a
cidade de Prados, a propósito, já iniciada,
com o apoio do Projeto Rede de EBA’s.
Também em Prados e Dores, com apoio da
Gestão Municipal das duas cidades, buscase em conjunto solução para o problema de
resíduos da atividade coureira.
Pode se afirmar ainda que os APL’s
estudados ganham eficiência quando
implementados esforços metodológicos do
tipo rede dinâmica proposta neste trabalho,
na forma de estratégias planejadas. Porque
há uma mobilização em cada APL e isto
facilita o trabalho dos estágios de
mobilização subseqüentes. A mobilização
da rede é favorecida se pré-existe uma
mobilização. Pode-se dizer ainda que se
encaminham de uma condição aglomerada
em cluster emergente para um arranjo
produtivo local.
Quanto a serem originados de relações
históricas de produção e o produto
artesanal
conservar
características
centenárias na atividade produtiva, que
sofreu transformações no processo de
produção, isso pode ser confirmado em
parte. Houve uma atualização tecnológica,
o tradicional encontra-se presente na
confecção do produto de base artesanal.
Somente não se pode falar de produtos
tradicionais, de forma purista, como a
velha economia classifica. Pode-se falar
que há inserção em processo tradicional
atualizado
em
bases
industriais
contemporâneas. Isto é o que os
diferenciam de artesãos no sentido estrito.
Pág. 83
Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais – 1ª Edição
Tampouco
são
empreendimentos
eminentemente industriais.
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----------------------------* Doutor em Engenharia da Produção
(COPPE/UFRJ),
Professor
Adjunto
da
Universidade Federal de São João del Rei/UFSJ,
Coordenador da Incubadora Tecnológica de
Cooperativas Populares – ITCP/UFSJ, líder do
Grupo de Pesquisa GBARTE (CNPQ) e Pró-reitor
de Planejamento e Desenvolvimento da UFSJ.
Endereço: Campus Santo Antônio – Praça Frei
Orlando, 170 – Centro. São João del-Rei/MG.
CEP.: 36.307-352. Fone: (32)3379-2330 e-mail:
[email protected]
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