Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da 6a. Vara
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Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da 6a. Vara
TESE APRESENTADA AO XXXVII CONGRESSO NACIONAL DE PROCURADORES DE ESTADO, PENDENTE DE APROVAÇÃO JUROS MORATÓRIOS NAS AÇÕES MOVIDAS POR SERVIDORES CONTRA A FAZENDA PÚBLICA DANILO BARTH PIRES PROCURADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO 1 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 2 DESENVOLVIMENTO .......................................................................................................... 3 Capítulo 1 - EVOLUÇÃO LEGISLATIVA .......................................................................... 3 Capítulo 2 - EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL ................................................................ 5 2.1 - Art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação dada pela MP nº 2.180-35/01 ....................... 5 2.2 - Art. 406 do Código Civil, Lei nº 10.406/02 .................................................................. 11 2.3 - Art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação da Lei nº 11.960/09 .................................... 13 Capítulo 3 - LEIS MAIS FAVORÁVEIS À FAZENDA PÚBLICA ................................. 17 Capítulo 4 - ARGUMENTOS A FAVOR DA IMEDIATA APLICAÇÃO DA LEI Nº 11.960/09 ................................................................................................................................. 19 4.1 - Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a respeito da aplicação imediata do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação dada pela Medida Provisória nº 2.180-35/01 .... 19 4.2 - O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 é norma de direito processual .................................... 20 4.3 - Fato gerador dos juros moratórios, da atualização monetária e da remuneração de capital ...................................................................................................................................... 23 CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 26 2 INTRODUÇÃO O tema proposto no presente trabalho – juros moratórios nas ações movidas por servidores contra a Fazenda Pública – tem grande relevo atual nas bancas de contencioso da advocacia pública brasileira. Isso em razão do advento da Lei nº 11.960, de 30 de junho de 2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997, introduzido pelo art. 4o da Medida Provisória no 2.180-35, de 24 de agosto de 2001. A referida lei é mais benéfica à Fazenda Pública, traz uma economia enorme aos cofres públicos e, assim, o ideal, é que a sua aplicação imediata seja defendida em todas as ações e em todas as instâncias. A maioria das decisões dos Tribunais tem sido desfavorável aos interesses da Fazenda Pública, não permitindo a aplicação do novel dispositivo às ações distribuídas antes da sua vigência. Via de regra, as decisões desfavoráveis são fundamentadas no Recurso Especial nº 1.086.944/SP, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça conforme o rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do Código de Processo Civil), que em tese teria apreciado a questão do direito intertemporal do art. 1º-F da Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997 em sua redação original. No decorrer do presente trabalho, pretende-se demonstrar a evolução legal e jurisprudencial a respeito do tema, assim como verificar a possibilidade de aplicação do novel dispositivo para todas as ações movidas por servidores contra a Fazenda Pública, independentemente da data da distribuição. 3 DESENVOLVIMENTO Capítulo 1 - EVOLUÇÃO LEGISLATIVA No que pertine ao presente trabalho, inicialmente, nas ações movidas por servidores públicos contra a Fazenda Pública, os juros moratórios eram fixados em 12% ao ano, aplicando-se o seguinte dispositivo do Decreto-Lei nº 2.322, de 26 de fevereiro de 1987: “Art. 3° Sobre a correção monetária dos créditos trabalhistas, de que trata o Decretolei n° 75, de 21 de novembro de 1966 e legislação posterior, incidirão juros, à taxa de 1% (um por cento) ao mês, capitalizados mensalmente.” A Medida Provisória nº 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, acrescentou o art. 1º-F à Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997, determinando que os juros moratórios nas condenações para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos fossem fixados em no máximo em 6% ao ano: "Art. 1o-F. Os juros de mora, nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos, não poderão ultrapassar o percentual de seis por cento ao ano." Com o advento do Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, alguns passaram a defender a fixação de juros moratórios em 12% ao ano também em matéria não tributária1, relativa a servidores públicos, aplicando-se o seguinte dispositivo: “Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.” 1 Código Tributário Nacional: Art. 161. ... § 1º Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês. ... Art. 167. ... Parágrafo único. A restituição vence juros não capitalizáveis, a partir do trânsito em julgado da decisão definitiva que a determinar. 4 A Lei nº 11.960, de 30 de junho de 2009, trouxe então nova redação ao já referido art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, disciplinando não só os juros de mora, mas também a remuneração do capital e a atualização monetária para toda e qualquer condenação contra a Fazenda Pública: “Art. 1º-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.” No capítulo seguinte será demonstrada a evolução jurisprudencial a respeito do tema, sempre buscando trazer à baila os acórdãos mais relevantes e favoráveis aos interesses da Fazenda Pública. 5 Capítulo 2 – EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL 2.1 - Art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação dada pela Medida Provisória nº 2.180-35/01 – juros de 6% ao ano para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos Em relação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação dada pela Medida Provisória nº 2.180-35/01, a questão normalmente debatida nos Tribunais é a respeito do direito intertemporal, ou seja, se tal dispositivo pode ou não ser aplicado nas ações distribuídas antes da sua vigência. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já está pacificada de forma favorável à Fazenda Pública, no sentido de que tal dispositivo é aplicável independentemente da data da distribuição da ação (in www.stf.jus.br, g.n.): AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. JUROS MORATÓRIOS. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1º-F DA LEI N. 9.494/1997. APLICAÇÃO IMEDIATA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no agravo de instrumento, nos termos do voto da Relatora. Unânime. Presidência da Ministra Cármen Lúcia. 1ª Turma, 15.2.2011. AI 828778 AgR/RS AG.REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA Julgamento: 15/02/2011 Órgão Julgador: Primeira Turma CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. JUROS DE MORA. ART. 1º-F DA LEI 9.494/97 COM REDAÇÃO DA MP 2.180-35. CONSTITUCIONALIDADE. EFICÁCIA IMEDIATA. AGRAVO IMPROVIDO. I – A não interposição de agravo de instrumento contra a 6 decisão que inadmitiu o recurso especial da agravada não gerou preclusão lógica, porquanto os recursos especial e extraordinário possuem campos de atuação diversos. Precedente. II - O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que a norma do art. 1º-F, da Lei 9.494/97, modificada pela Medida Provisória 2.180-35/2001, tem aplicação imediata. Precedentes. III – Agravo regimental improvido. Decisão: Por maioria de votos, a Turma negou provimento ao agravo regimental no agravo de instrumento, nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio. Ausente, justificadamente, a Ministra Cármen Lúcia. Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski. 1ª Turma, 19.10.2010. AI 771555 AgR/RS - RIO GRANDE DO SUL AG.REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI Julgamento: 19/10/2010 Órgão Julgador: Primeira Turma AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. 2. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. JUROS DE MORA. ART. 1º-F DA LEI 9.494/97, COM REDAÇÃO DADA PELA MP 2.180-35/2001. 3. ENTENDIMENTO PACÍFICO DESTA CORTE NO SENTIDO DE QUE A MP 2.180-35/2001 TEM NATUREZA PROCESSUAL. APLICAÇÃO IMEDIATA AOS PROCESSOS EM CURSO. 4. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. Decisão: Negado provimento ao agravo regimental. Decisão unânime. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, a Senhora Ministra Ellen Gracie e o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. 2ª Turma, 15.02.2011. AI 776497 AgR/DF - DISTRITO FEDERAL AG.REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO Relator(a): Min. GILMAR MENDES Julgamento: 15/02/2011 Órgão Julgador: Segunda Turma RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. JUROS DE MORA. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. ART. 1º-F DA LEI 9.494/97 COM REDAÇÃO DA MP 2.180-35. CONSTITUCIONALIDADE. EFICÁCIA IMEDIATA. 1. É CONSTITUCIONAL A LIMITAÇÃO DE 6% 7 (SEIS POR CENTO) AO ANO DOS JUROS DE MORA DEVIDOS EM DECORRÊNCIA DE CONDENAÇÃO JUDICIAL DA FAZENDA PÚBLICA PARA PAGAMENTO DE VERBAS REMUNERATÓRIAS DEVIDAS A SERVIDORES E EMPREGADOS PÚBLICOS. PRECEDENTES. 2. APLICAÇÃO IMEDIATA DA LEI PROCESSUAL AOS PROCESSOS EM CURSO. 3. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. Decisão: A Turma, à unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto da Relatora. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Celso de Mello. 2ª Turma, 26.05.2009. RE 559445 AgR/PR - PARANÁ AG. REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. ELLEN GRACIE Julgamento: 26/05/2009 Órgão Julgador: Segunda Turma A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal foi recentemente reafirmada no julgamento do Agravo de Instrumento nº 842063, em acórdão que ainda está pendente de publicação2. O julgamento do referido agravo deu-se em sede de repercussão geral, ou seja, não há mais como afastar aplicação do dispositivo em tela em toda e qualquer ação, independentemente da data da distribuição. O problema enfrentado perante os Juízos de primeira instância e Tribunais de Justiça é que estes normalmente utilizam como razão de decidir a jurisprudência firmada no Superior Tribunal de Justiça, desfavorável à Fazenda Pública, no sentido de que o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação dada pela Medida Provisória nº 2.180-35/01, somente se aplica aos processos iniciados após a sua vigência. O acórdão do Superior Tribunal de Justiça inúmeras vezes utilizado como precedente é o seguinte (in www.stj.gov.br): 2 Notícias STF – Sábado, 25 de junho de 2011. Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em 12 de julho de 2011. 8 RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ADMINISTRATIVO. JUROS MORATÓRIOS. FAZENDA PÚBLICA. DÉBITO EM RELAÇÃO À REMUNERAÇÃO DOS SERVIDORES PÚBLICOS. AÇÃO AJUIZADA APÓS À EDIÇÃO DA MP Nº 2.180/01. FIXAÇÃO NO PATAMAR DE 6% AO ANO. 1. O art. 1º-F, da Lei 9.494/97, que fixa os juros moratórios nas ações ajuizadas contra a Fazenda Pública no patamar de 6%, é de ser aplicado tão somente às demandas ajuizadas após a sua entrada em vigor. Inaplicabilidade do art. 406 do Código Civil de 2002. Precedentes. 2. Constitucionalidade do art. 1º-F, da Lei 9.494/97 declarada pelo Supremo Tribunal Federal. Ressalva do ponto de vista da relatora. 3. Recurso especial provido. RECURSO ESPECIAL Nº 1.086.944 - SP (2008/0208077-0) RELATORA: MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA Em uma apressada primeira leitura da ementa do v. acórdão é possível entender que o Superior Tribunal de Justiça já teria decidido de forma contrária aos interesses da Fazenda Pública, definitivamente, para todos os casos, consoante o rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do Código de Processo Civil). Mas tal interpretação, que infelizmente tem prevalecido nos Tribunais de Justiça e no próprio Superior Tribunal de Justiça, não pode prosperar. Isso porque o que estava sendo decidido era, simplesmente, se os juros moratórios deveriam ser fixados em 6% ou 12% ao ano, e não se o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação dada pela Medida Provisória nº 2.18035/01, poderia ser aplicado para as ações iniciadas antes da sua vigência. O Recurso Especial nº 1.086.944/SP foi interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, oriundo de ação ajuizada em 04/01/20063, portanto, já na vigência do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação dada pela Medida Provisória nº 2.18035/01. 3 Ação de rito ordinário, autos nº 0130226-27.2006.8.26.0053, em curso perante a 13ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo (Disponível em www.tj.sp.gov.br. Acesso em 12 de julho de 2011). 9 Vejamos a esclarecedora ementa do v. acórdão proferido no julgamento dos embargos de declaração no mesmo processo (in www.stj.gov.br, g.n.): EMBARGOS DECLARATÓRIOS. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. JUROS DE MORA. APLICAÇÃO NO PATAMAR DE 6% AO ANO. DATA DA ENTRADA EM VIGOR DO ART. 1º F DA LEI 9.494/97. CISÃO DOS JUROS QUANTO ÀS AÇÕES AJUIZADAS ANTERIORMENTE À EDIÇÃO DO REFERIDO ARTIGO. MATÉRIA NÃO DEBATIDA. RECURSO ESPECIAL QUE NÃO TRATAVA DE TAL TEMA. PRETENSÃO DE REEXAME DA MATÉRIA. IMPOSSIBILIDADE. 1. O debate sobre a cisão dos juros moratórios, quando a ação tiver sido ajuizada em data anterior à entrada em vigor do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 não foi objeto do recurso especial, porquanto, no presente caso, a ação foi ajuizada em 2006, após a edição da MP 2.180 em 2001, que incluiu o referido no artigo na Lei nº 9.494/97. 2. De acordo com o artigo 535 do Código de Processo Civil, os embargos declaratórios são cabíveis nas hipóteses de haver omissão, contradição ou obscuridade na decisão prolatada. Não pode tal meio de impugnação ser utilizado como forma de se insurgir quanto à matéria de fundo, quando esta foi devidamente debatida no acórdão embargado. 3. Embargos de declaração de ambas embargantes rejeitados. EDcl no RECURSO ESPECIAL Nº 1.086.944 - SP (2008/0208077-0) RELATORA: MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA Em suma, o Superior Tribunal de Justiça ainda não decidiu, na forma do procedimento previsto no art. 543-C do Código de Processo Civil, que o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação dada pela Medida Provisória nº 2.180-35/01, somente se aplica aos processos iniciados após a sua vigência4. 4 No Estado de São Paulo, o então Excelentíssimo Senhor Procurador Geral do Estado Adjunto, Dr. Marcelo de Aquino, alertou os Procuradores do Estado a respeito da correta interpretação do Recurso Especial nº 1.086.944/SP, conforme trabalho intitulado “Breves considerações relativas à incidência do art. 1º-F da Lei nº 9.494, de 10.9.1997” (Disponível em www.pge.sp.gov.br, área restrita, Contencioso Geral, Defesa Lei 9.494/97, Texto 2. Acesso em 12 de julho de 2011). 10 Ainda que assim não seja, apenas por argumentar, diante da pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que agora mais recentemente decidiu inclusive com repercussão geral, o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação dada pela Medida Provisória nº 2.180-35/01, deve mesmo ser aplicado em toda e qualquer ação, independentemente da sua vigência. 11 2.2 - Art. 406 do Código Civil, Lei nº 10.406/02 O Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, possibilitou o desenvolvimento da tese de que nas as ações movidas por servidores públicos contra a Fazenda Pública os juros de mora deveriam ser novamente fixados em 12% ao ano. O fundamento então utilizado foi a aplicação do art. 406 do referido código, combinado com os artigos 161, §1º e 167, parágrafo único do Código Tributário Nacional5. Alguns ainda defenderam que a combinação desses artigos permitiria até mesmo a aplicação da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, pois a Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, efetivamente “dispõe de modo diverso” ao Código Tributário Nacional 6. Tal tese é desfavorável à Fazenda Pública, pois afasta a aplicação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação dada pela Medida Provisória nº 2.180-35/01, não foi albergada pelos Tribunais nas ações movidas por servidores públicos e não apresenta maiores dificuldades. O princípio da especialidade afasta por completo o conflito aparente com o Código Civil. Não há dúvida de que o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, que trata dos juros de mora nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos, é especial em relação ao Código Civil, que deve ter sua aplicação apenas subsidiária e supletiva. 5 Código Civil: Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional. Código Tributário Nacional: Art. 161. ... § 1º Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês. ... Art. 167. ... Parágrafo único. A restituição vence juros não capitalizáveis, a partir do trânsito em julgado da decisão definitiva que a determinar. 6 Lei nº 9.250/95: Art. 39. ... § 4º A partir de 1º de janeiro de 1996, a compensação ou restituição será acrescida de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a partir da data do pagamento indevido ou a maior até o mês anterior ao da compensação ou restituição e de 1% relativamente ao mês em que estiver sendo efetuada. 12 Vejamos o seguinte dispositivo do Decreto-lei nº 4.657, de setembro de 1942, Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro7: “Art. 2º ... § 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.” O seguinte acórdão do Superior Tribunal de Justiça bem sintetiza os argumentos favoráveis à Fazenda Pública para afastar a aplicação do Código Civil (in www.stj.gov.br, g.n.): AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL CIVIL. JUROS DE MORA. SERVIDOR PÚBLICO. VERBAS REMUNERATÓRIAS. ART. 1º-F DA LEI N.º 9.494/97. AÇÃO AJUIZADA APÓS SEU ADVENTO. APLICABILIDADE. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DESTA CORTE. 1. A utilização da taxa Selic somente é legítima para débitos de natureza tributária, hipótese diversa da dos autos. Precedentes. 2. Deve ser afastada a aplicação do art. 406 do Novo Código Civil, em face da especialidade da norma inserta no art. 1º-F da Lei n.º 9.494/97, que, especificamente, regula a incidência dos juros de mora nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias. 3. Nas ações ajuizadas após o advento da Medida Provisória n.º 2.180-35, de 24/08/2001, que acrescentou o art. 1º-F à Lei n.º 9.494/97, os juros de mora devem ser fixados em 0,5% ao mês. Precedentes. 4. Agravo regimental desprovido. AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 773.275 - RS (2005/0133311-4) RELATORA: MINISTRA LAURITA VAZ 7 A ementa do Decreto-lei nº 4.657/42 foi alterada pela Lei nº 12.376, de 30 de dezembro de 2010. 13 2.3 - Art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação da Lei nº 11.960, de 30 de junho de 2009 índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança Em relação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação dada pela Lei nº 11.960/09, a questão que também está sendo debatida nos Tribunais é a respeito do direito intertemporal, ou seja, se tal dispositivo pode ou não ser aplicado nas ações distribuídas antes da sua vigência. Aqui o problema novamente enfrentado é em relação ao já referido Recurso Especial nº 1.086.944/SP, que também tem sido utilizado como fundamento para afastar a aplicação art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação dada pela Lei nº 11.960/09, às ações ajuizadas antes do início de sua vigência. Assim, nas ações movidas por servidores contra a Fazenda Pública, os Tribunais de Justiça e o próprio Superior Tribunal de Justiça têm majoritariamente aplicado tão somente o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação da Medida Provisória nº 2.180-35/01. Mas já se encontram alguns poucos acórdãos nos Tribunais de Justiça seguindo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal antes referida, aptos ao menos para viabilizar a interposição de Recursos Especiais com fundamento na divergência jurisprudencial: ADMINISTRATIVO. MUNICIPAL. AÇÃO VERBAS DE COBRANÇA. REMUNERATÓRIAS. SERVIDOR ALEGAÇÃO PÚBLICO DE FATO EXTINTIVO, MODIFICATIVO OU IMPEDITIVO DO DIREITO INVOCADO PELA PARTE AUTORA. ÔNUS DA PROVA. RÉU. AUSÊNCIA DE PROVA. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. ENCARGOS MORATÓRIOS. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. NOVA SISTEMÁTICA IMPLANTADA PELA LEI N. 11.960/2009. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CUSTAS PROCESSUAIS. O Município deve ser compelido a pagar as verbas remuneratórias em atraso reclamadas por servidores públicos, especialmente quando inexiste prova do fato extintivo, modificativo ou impeditivo do direito invocado pelos autores. - A correção monetária deve ser plena, sob pena de se caracterizar o enriquecimento ilícito do ente público. A incidência superveniente da Lei n. 11.960, de 29.6.2009, e que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, deve ser considerada nos 14 termos do art. 462, CPC, de modo que seja observada a nova forma de atualização da condenação a ser paga pela Fazenda Pública. - Os honorários advocatícios podem ser reduzidos, dentro da perspectiva do art. 20, § 4º, CPC, para 5% do valor da condenação quando a causa não foi complexa e sua duração foi razoável. - O art. 10, I, da Lei Estadual n. 14.939/2003 é expresso ao conferir aos entes federados a isenção tributária em relação ao pagamento de custas no Estado de Minas Gerais. Processo n° 1.0414.03.004474-0/001 Relator: Desembargador Alberto Vilas Boas Data do julgamento: 29/09/2009 Data da publicação: 09/10/2009 (in www.tjmg.jus.br, g.n.) EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. REEXAME NECESSÁRIO. Não há omissão quanto a não realização de reexame necessário. A alteração da orientação jurisprudencial dos Tribunais Superiores não é vinculativa, ainda mais quando manifestada depois de julgado, pelo Colegiado deste Tribunal de Justiça, o caso que supostamente dela diverge. LEGISLAÇÃO SUPERVENIENTE. Lei n° 11.960, de 29.06.2009, que entrou em vigor na data de sua publicação, em 30.06.2009, alterou a redação no artigo 1°-F da Lei n° 9.494/97. Tratando-se de prestações continuadas e dada a vigência imediata e o caráter público da nova norma, cabe destacar que, a contar de sua vigência, em 30.06.2009, a incidência de juros e de correção monetária se dará conforme os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança. Em que pese o reconhecimento da aplicação imediata da nova legislação, não há falar em omissão do acórdão, uma vez que o ponto não foi objeto de recurso, não se tratando de matéria conhecível de ofício. PREQUESTIONAMENTO. Dentre as hipóteses legais de pertinência dos embargos de declaração não se encontra a possibilidade de promoção de prequestionamento explícito de dispositivo de lei com o propósito de manejo de recurso de natureza extrema. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. UNÂNIME. Embargos de Declaração nº 70032875684, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 25/11/2009 (in www.tjrs.jus.br, g.n.) APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME NECESSÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. RIOPREVIDÊNCIA. VIÚVA PENSIONISTA DE MAGISTRADO. REAJUSTE. 15 OBSERVÂNCIA INTEGRANTE DO DA PERCENTUAL BASE DE DE 100%. CÁLCULO DIREITO DA PESSOAL PENSÃO. TETO REMUNERATÓRIOO valor pago a título de pensão por morte de servidor público deve corresponder à totalidade dos vencimentos ou proventos que percebia ou perceberia o segurado, se vivo estivesse. De acordo com a orientação do Supremo Tribunal Federal, é assegurada a irredutibilidade dos vencimentos em relação aos magistrados, na forma do art. 95, III da Constituição Federal. As vantagens pessoais percebidas pelo ex- magistrado não devem ser somadas aos vencimentos básicos para efeito de submissão ao teto remuneratório, devendo, contudo, ser absorvidas ao longo do tempo pelos subsequentes reajustes sofridos pelo subsídio, admitindo-se, portanto, a coexistência, ainda que temporária, deste último com as vantagens pessoais. Tratando-se de Fazenda Pública, até 29 de junho de 2009, aplicam-se os juros de 0,5% (meio por cento) ao mês, conforme dispõe a antiga redação do art. 1ºF da lei nº 9.494/97, a contar da citação válida, nos termos da Súmula 204, do STJ, com correção monetária incidindo a partir do momento em que cada parcela deveria ser paga e a partir de 30 de junho de 2009, os juros e a correção monetária serão regidos pela nova redação do art. 1ºF da Lei nº 9494/97, alterado pela Lei nº 11.960/2009, incidindo os índices oficiais da remuneração básica e os juros aplicados à caderneta de poupança. Os honorários advocatícios, fixados em 10% do valor equivalente às parcelas vencidas, o que se revela elevado, razão pela qual merece ser minorado para 5% das parcelas vencidas, na forma do verbete sumular nº 111 do Superior Tribunal de Justiça, em atendimento aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Recursos parcialmente providos Apelação cível nº 0025146-26.2009.8.19.0001, Relatora Desembargadora Elisabete Filizzola, Julgamento em 08/06/2011, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (in www.tjrj.jus.br, g.n.) EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - Acórdão combatido que não tratou da alteração legislativa quanto a correção monetária e juros de mora incidentes nas condenações da Fazenda Pública - Controvérsia pretoriana atualmente existente sobre a aplicação imediata da alteração trazida à Lei 9494/97 pela Lei 11.960/2009, que justifica o conhecimento excepcional dos embargos - Aplicação da regra do art. 2o da LICC - Reconhecimento da aplicação imediata da lei nova desde o início de sua vigência - Embargos de Declaração conhecidos e acolhidos. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO nº 994.09.243786-5/50000, Relator Desembargador Leonel Costa, Julgamento em 20/07/2010, Terceira Câmara de 16 Direito Público, Tribunal de Justiça de São Paulo (in www.tj.sp.gov.br, g.n.) O Superior Tribunal de Justiça já determinou o julgamento de um recurso especial representativo de controvérsia de acordo com o procedimento previsto no art. 543-C do Código de Processo Civil (in www.stj.gov.br): Trata-se de recurso especial interposto pela Fazenda do Estado de São Paulo contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em que se discute a possibilidade de aplicação imediata da Lei 11.960/09, que veio alterar o critério de cálculo dos juros moratórios devidos pela Fazenda Pública previsto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, às ações ajuizadas antes de sua vigência. Dessarte, tendo em vista a multiplicidade de recursos a respeito da questão posta nestes autos, e a decisão tomada pela Corte Especial em sessão de 01.06.2011, admito o processamento do presente recurso como repetitivo, nos termos dos arts. 543-C do CPC e 2º da Resolução/STJ n. 8/2008, a fim de que a controvérsia seja dirimida no âmbito da Corte Especial e, para tanto, determino a adoção das seguintes providências: a) comunique-se, com cópia da presente decisão, aos Ministros do STJ e aos Presidentes dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais, nos termos e para os fins previstos no art. 2º, § 2º, da Resolução n. 8/2008; b) dê-se vista, desde logo, ao Ministério Público para parecer em quinze dias (art. 3º, II); e c) suspenda-se o julgamento dos demais recursos sobre a matéria versada no presente apelo nobre, consoante preceitua o § 2.º do art. 2.º da Resolução/STJ n. 8/2008. Publique-se. Intime-se. Oficie-se. Brasília, 1º de junho de 2011. MINISTRO BENEDITO GONÇALVES - Relator RECURSO ESPECIAL Nº 1.205.946 - SP (2010/0136655-6) A jurisprudência consolidada pelo Supremo Tribunal Federal a respeito da aplicação do 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação dada pela Medida Provisória nº 2.180-35/01, independente da data da distribuição da ação, agora inclusive com repercussão geral, deve também nortear os julgamentos da questão de direito intertemporal do novel dispositivo. 17 Capítulo 3 - LEIS MAIS FAVORÁVEIS À FAZENDA PÚBLICA A comprovação de que o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação dada pela Medida Provisória nº 2.180-35/01, é mais favorável do que o art. 3º do Decreto-Lei nº 2.322, de 26 de fevereiro de 1987, é simples, apenas aritmética. Enquanto o primeiro dispositivo fixa juros de no máximo 6% ao ano, o segundo determina juros de 12% ao ano. A discrepância é evidente e dispensa maiores reflexões. Quanto ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação dada pela Lei nº 11.960/09, este dispositivo tem se mostrado na prática extremamente interessante para a Fazenda Pública, o que sem dúvida alimenta ainda mais a real necessidade de defender a sua aplicação em toda e qualquer ação, independentemente da data da distribuição. Partindo então para os exemplos, nos autos do processo nº 002697595.2003.8.26.0053, em curso perante a 13ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo/SP, a Caixa Beneficente da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Autarquia Estadual, foi citada nos termos do art. 730 do Código de Processo Civil para pagar a quantia de R$ 521.901,82. Utilizando-se dos critérios determinados pela nova redação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, a referida Autarquia ajuizou embargos à execução defendendo a redução do valor da execução para R$ 480.066,81. Outrossim, nos autos do processo nº 0006467-31.2003.8.26.0053, em curso perante a 8ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo/SP, a mesma Autarquia foi citada nos termos do art. 730 do Código de Processo Civil para pagar a quantia de R$ 544.544,04. Utilizando-se dos critérios determinados pela nova redação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, a referida Autarquia ajuizou embargos à execução defendendo a redução do valor da execução para R$ 521.124,42. 18 Fácil perceber a grande economia de dinheiro público no curto período de vigência do novel dispositivo. Levando-se em conta as inúmeras ações em curso e ainda o tempo para o efetivo pagamento dos respectivos precatórios, o benefício para a Fazenda Pública tende a ser cada vez maior. Não há dúvidas de que a imediata aplicação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação dada pela Lei nº 11.960/09, deve ser defendida em todas as instâncias e até mesmo no Supremo Tribunal Federal, se preciso for. 19 Capítulo 4 - ARGUMENTOS A FAVOR DA IMEDIATA APLICAÇÃO DA LEI Nº 11.960/09 4.1 - Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a respeito da aplicação imediata do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação dada pela Medida Provisória nº 2.180-35/01 Conforme já asseverado linhas atrás, o Supremo Tribunal Federal já consolidou o entendimento, agora inclusive em sede de repercussão geral (AI 842063), de que o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação dada pela Medida Provisória nº 2.180-35/01, deve ter aplicação imediata independentemente da data da distribuição da ação. Se assim o Supremo Tribunal Federal decidiu e a Lei nº 11.960/09 apenas cuidou de aperfeiçoar e uniformizar o tratamento dos juros de mora nas condenações contra a Fazenda Pública, ou seja, o dispositivo original e o alterado possuem exatamente a mesma natureza jurídica, claro está que a solução do direito intertemporal para o novel dispositivo deve ser exatamente a mesma. A aplicação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação dada pela Lei nº 11.960/09, para toda e qualquer ação independentemente da data do ajuizamento decorre logicamente da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a respeito da redação original do referido dispositivo. O que se tem visto, infelizmente, é que os Juízos de primeira instância, os Tribunais de Justiça e até o próprio Superior Tribunal de Justiça têm feito esse mesmo raciocínio a partir da equivocada interpretação do antes mencionado Recurso Especial nº 1.086.944/SP. Assim, para os defensores dessa tese, se o dispositivo em tela em sua redação original não se aplica às ações distribuídas antes da sua vigência, o mesmo deve acontecer com a redação atual dada pela Lei nº 11.960/09. À Fazenda Pública cabe fazer prevalecer o entendimento mais favorável, a partir da jurisprudência já consolidada do Supremo Tribunal Federal, apresentando recursos até o referido tribunal, caso seja necessário. 20 4.2 - O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 é norma de direito processual O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, tanto na redação dada pela Medida Provisória nº 2.180-35/01 quanto na atual redação da Lei nº 11.960/09, é norma de direito processual. A Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997, “Disciplina a aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública, altera a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, e dá outras providências”. A referida lei, como se vê, tratou da tutela antecipada contra a Fazenda Pública e alterou o regime jurídico da coisa julgada na ação civil pública, temas inequivocamente de direito instrumental. A Medida Provisória nº 2.180-35/01 então disciplinou diversas questões de direito processual, tais como concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público, ação civil pública e o próprio Código de Processo Civil. Especificamente em relação à Lei nº 9.494/97, a Medida Provisória nº 2.180-35/01 acrescentou outros dispositivos também de direito processual, tais como dispensa de depósito prévio para interposição de recurso para as pessoas jurídicas de direito público, aumento do prazo para interposição de embargos à execução pela Fazenda Pública e não cabimento de honorários advocatícios pela Fazenda Pública em execuções não embargadas. Todas essas normas editadas em conjunto nada mais são do que prerrogativas processuais das Fazendas Públicas, para que possam bem defender o Interesse Público perante o Poder Judiciário. A respeito das prerrogativas processuais das Fazendas Públicas, o Procurador do Estado Dr. Leonardo José Carneiro da Cunha ensina o seguinte8: 8 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 5. ed., rev., ampl. e atual. São Paulo: Dialética, 2007. p. 34. 21 “Para que a Fazenda Pública possa, contudo, atuar da melhor e mais ampla maneira possível, é preciso que se lhe confiram condições necessárias e suficientes a tanto. ... As “vantagens” processuais conferidas à Fazenda Pública revestem o matiz de prerrogativas, eis que contêm fundamento razoável, atendendo, efetivamente, ao princípio da igualdade, no sentido aristotélico de tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual.” Assim, o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 é e está inserto em norma de direito processual, devendo ser aplicado a todos os processos pendentes segundo o princípio tempus regit actum, albergado pela doutrina, jurisprudência e também pelo Código de Processo Civil: “Art. 1.211. Este Código regerá o processo civil em todo o território brasileiro. Ao entrar em vigor, suas disposições aplicar-se-ão desde logo aos processos pendentes.” A expressão “norma de direito instrumental material” cunhada pelo Superior Tribunal de Justiça, de forma a delimitar a questão do direito intertemporal, com todo o respeito, não pode prevalecer (v.g., AgRg no REsp 1233288/SP, REsp 1221133/SC e AgRg nos EmbExeMS 7411/DF). Cumpre salientar ainda que não se está defendendo a retroatividade da Lei nº 11.960/09, mas a simples aplicação da lei nova que regulou inteiramente a matéria - juros de mora - nas ações movidas contra a Fazenda Pública. Diferente seria a situação se a Fazenda Pública pretendesse a aplicação da lei nova em precatórios já pagos, com montantes já calculados conforme a legislação anterior. Aí sim estar-se-ia diante da retroatividade da lei, em regra vedada pelo ordenamento jurídico9. Vejamos o seguinte dispositivo do Decreto-lei nº 4.657/42, Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro: 9 Constituição Federal: “art. 5º ... XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; ...” Dec-lei nº 4.657/42: “Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.” 22 “Art. 2º ... § 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.” Deve prevalecer, uma vez mais, as lições dos Excelentíssimos Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal (in www.stf.jus.br): “Quanto à alegada retroatividade de MP 2.180-35, melhor sorte não socorre à parte agravante, pois de retroatividade não se trata mas sim de incidência de lei processual sob a tutela do princípio tempus regit actum, de forma a não atingir situações jurídico-processuais consolidadas sob o regime anterior, mas alcançando os processos pendentes que se regem pela lei nova.” AgR 559445, Ministra Ellen Grace “Aplica-se a MP 2.180-35/2001 aos processos em curso, porquanto lei de natureza processual, regida pelo princípio do tempus regit actum, de forma a alcançar os processos pendentes.” AI-AgR 767094, Ministro Ricardo Lewandowski “No que concerne à alegada impossibilidade de aplicação da MP n. 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, por ser ela posterior à propositura da execução, razão assiste ao agravante. Esta Corte firmou entendimento de que as normas de natureza processual possuem aplicação imediata, a partir de sua publicação ...”. AI 776497, Ministro Gilmar Mendes 23 4.3 - Fato gerador dos juros moratórios, da atualização monetária e da remuneração de capital O direito aos juros moratórios, assim como à atualização monetária e remuneração de capital, tem como fato gerador o inadimplemento da obrigação de pagar. Esse direito não nasce com a distribuição da ação ou mesmo com a sentença condenatória, mas tão somente com o inadimplemento da Fazenda Pública, que possui regramento próprio e específico para cumprir suas obrigações de pagar. O fato gerador desse direito - o inadimplemento da obrigação - não é estanque, ao contrário, prolonga-se no tempo, mês a mês, por vezes ano a ano, sucessivas vezes, renovando-se indefinidamente até o pagamento. Deverá então ser aplicada a norma que estiver em vigor no momento do cumprimento da obrigação, ou seja, na ocasião do pagamento. Enfim, deve prevalecer a última norma que disciplinou a questão dos juros, pois o inadimplemento somente deixa de existir com o pagamento. É até curioso notar que essa linha de raciocínio sempre foi acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça, hoje francamente contrário às teses da Fazenda Pública no tema em tela, quando analisou a questão do direito intertemporal dos juros de mora no Código Civil de 2002 nas relações privadas. São inúmeros os julgados do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido, aplicando-se em uma mesma ação inicialmente juros moratórios de 6% ano, em razão do art. 1.062 do Código Civil de 1916, e depois juros moratórios de 12% ao ano, a partir da vigência do art. 406 do Código Civil de 2002. Se o Superior Tribunal de Justiça assim decide nas relações privadas, não há como permitir que esse entendimento seja alterado quando a Fazenda Pública está em Juízo, ainda mais quando se tem em vista o Interesse Público que ela representa. Nesse particular não se 24 trata de prerrogativa processual, mas de mera atenção ao princípio da isonomia em seu mais singelo significado. Vejamos os seguintes acórdãos, apenas a título de exemplos (in www.stj.gov.br, g.n.): RECURSO ESPECIAL. ART. 105, INCISO III, ALÍNEA "C", DA CF. COTEJO ANALÍTICO. CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS. INEXISTÊNCIA. JUROS MORATÓRIOS. DIREITO INTERTEMPORAL. ARTIGO 1.062 DO CC/1916. ARTIGO 406 DO CC/2002. 1. Não se conhece do recurso especial, interposto com base no art. 105, inciso III, alínea "c", da CF, quando o recorrente limita-se a transcrever ementas de julgados, enfatizando trechos e argumentos que se alinham ao pleito recursal, sem providenciar, porém, o necessário cotejo analítico a fim de demonstrar a similitude fática entre os casos decididos, na forma dos artigos 541, parágrafo único, do CPC, e 255 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. Precedentes. 2. Os juros relativos ao período da mora anterior à entrada em vigor do Código Civil de 2002 têm índice de 6% ao ano (art. 1.062, CC/1916), a contar da data do evento lesivo (Súmula 54/STJ) até a entrada em vigor do Código Civil de 2002 (11.01.2003), a partir do qual passou a vigorar a taxa aplicável para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (art. 406 do CC/2002). Precedentes. 3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, não provido. REsp 1189969/RS Ministro CASTRO MEIRA EXECUÇÃO DE SENTENÇA. TAXA DE JUROS. NOVO CÓDIGO CIVIL. VIOLAÇÃO À COISA JULGADA. INEXISTÊNCIA. ART. 406 DO NOVO CÓDIGO CIVIL. TAXA SELIC. 1. Não há violação à coisa julgada e à norma do art. 406 do novo Código Civil, quando o título judicial exequendo, exarado em momento anterior ao CC/2002, fixa os juros de mora em 0,5% ao mês e, na execução do julgado, determina-se a incidência de juros previstos nos termos da lei nova. 2. Atualmente, a taxa dos juros moratórios a que se refere o referido dispositivo art. 406 do CC/2002 é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia SELIC, por ser ela a que incide como juros moratórios dos tributos federais (arts. 13 da Lei 9.065/95, 84 da Lei 8.981/95, 39, § 4º, da Lei 9.250/95, 61, § 3º, da Lei 25 9.430/96 e 30 da Lei 10.522/02)' (EREsp 727.842, DJ de 20/11/08)" (REsp 1.102.552/CE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, sujeito ao regime do art. 543-C do CPC, pendente de publicação). Todavia, não houve recurso da parte interessada para prevalecer tal entendimento. 3. Recurso Especial não provido. REsp 1111117/PR Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO AGRAVO REGIMENTAL INADIMPLEMENTO DA - INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA INCORPORADORA/CONSTRUTORA - - NÃO ENTREGA DO IMÓVEL NO PRAZO CONTRATUAL - REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO – IMPOSSIBILIDADE - SÚMULA 7/STJ JUROS MORATÓRIOS - ARTS. 1.062 DO CÓDIGO CIVIL ANTERIOR E 406 DO ATUAL CÓDIGO CIVIL - DANOS MORAIS – RAZOABILIDADE DECISÃO AGRAVADA MANTIDA - IMPROVIMENTO. I. A convicção a que chegou o Acórdão recorrido decorreu da análise do conjunto fático-probatório, e o acolhimento da pretensão recursal demandaria o reexame do referido suporte, obstando a admissibilidade do especial à luz da Súmula 7/STJ. II. Os juros moratórios devem ser calculados na forma do art. 1.062 do Código Civil anterior até a vigência do atual, a partir de quando deve ser observado o art. 406. III. Quanto ao valor arbitrado a título de danos morais, está o mesmo razoável, sendo desnecessária a intervenção desta Corte a respeito. Agravo improvido. AgRg no Ag 915165/RJ Ministro SIDNEI BENETI O fato gerador do direito aos juros moratórios e a outros consectários ser protraído no tempo, aliado à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a respeito do direito intertemporal dos juros de mora no Código Civil de 2002, é mais um bom argumento para defender a aplicabilidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação da Lei nº 11.960/09, para toda e qualquer ação, independentemente da data da distribuição. 26 CONCLUSÃO 1. A única lei aplicável a respeito dos juros moratórios nas ações movidas por servidores contra a Fazenda Pública é o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, antes na redação da Medida Provisória nº 2.180-35/01 e atualmente na redação da Lei nº 11.960/09. 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já está pacificada, de forma favorável à Fazenda Pública, tendo decidido inclusive em sede de repercussão geral, no sentido de que o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação dada pela Medida Provisória nº 2.180-35/01, é aplicável independentemente da data da distribuição da ação. 3. O Superior Tribunal de Justiça ainda não decidiu, na forma do procedimento previsto no art. 543-C do Código de Processo Civil, que o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação dada pela Medida Provisória nº 2.180-35/01, somente se aplica aos processos iniciados após a sua vigência, estando equivocada a interpretação que normalmente se faz do Recurso Especial nº 1.086.944/SP. 4. O princípio da especialidade é suficiente para afastar a aplicação do art. 406 do Código Civil nas ações movidas por servidores contra a Fazenda Pública, em vista do regramento específico previsto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97. 5. O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação dada pela Lei nº 11.960/09, deve receber o mesmo tratamento dado à redação original em relação ao direito intertemporal, em vista da igualdade de natureza jurídica e da jurisprudência consolidada no Supremo Tribunal Federal. 6. O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 na redação dada pela Medida Provisória nº 2.18035/01 e também na redação da Lei nº 11.960/09 é mais favorável à Fazenda Pública e assim deve ser defendido em todas as instâncias. 7. Os argumentos favoráveis a respeito da imediata aplicação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação da Lei nº 11.960/09, podem ser resumidos em três: 27 a) o fato gerador do direito aos juros moratórios e consectários é protraído no tempo, por isso deve ser aplicada a lei vigente ao tempo do cumprimento da obrigação; b) o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 é norma de direito processual e deve ser aplicada a todos os processos pendentes segundo o princípio tempus regit actum; c) o Supremo Tribunal Federal já consolidou o entendimento, inclusive em sede de repercussão geral (AI 842063), de que 1º-F da Lei nº 9.494/97, na redação dada pela Medida Provisória nº 2.180-35/01, deve ter aplicação imediata independentemente da data da distribuição da ação, sendo que o mesmo deve acontecer com a redação dada pela Lei nº 11.960/09. 28
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