TABACO A Organização Mundial de Saúde definiu o

Transcrição

TABACO A Organização Mundial de Saúde definiu o
Escola Secundária de Emídio Navarro - Viseu
Dossiê: TABACO
A Organização Mundial
de Saúde definiu o Tabagismo
como uma luta prioritária.
"ÚNICA", 12 Nov. de 2005
5 milhões
de pessoas morrem
por ano no mundo
por causa do tabaco
Os ex-fumadores
Hugo Rosa, Sílvia
cabete e Renato
Silva no
«fumódromo»
da vangeste
fumadores que de um dia para o outro
se apresentam aos amigos na nova categoria de «ex». A sensação geral que temos de que se fuma menos é mais do
que um palpite. É um facto. Em Portugal a coluna de ex-fumadores está a engrossar de forma até surpreendente.
Somos o país da União Europeia com a
menor taxa de fumadores. Segundo o
último Inquérito Nacional de Saúde,
de 1999, apenas 19% da população portuguesa adulta fuma. Nos países da
União Europeia, no seu conjunto, os
fumadores são cerca de 39%, segundo
o Eurobarómetro de 2002.
Na empresa de moldes onde na sede
da zona Oeste trabalham 120 pessoas,
cuja média etária ronda os 30 anos, actualmente só 8, o equivalente a 9%, são
fumadores. Por causa desta reduzida taxa, a Vangeste pode bem ser apresenta-
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da como um caso exemplar. Tem uma
política fortemente antitabagista —
dentro do edifício ninguém pode fumar,
garantem — e, ao mesmo tempo, paradoxalmente, «amiga do fumador». «Aqui
os fumadores até são privilegiados», ironiza Hugo Rosa, de 29 anos, técnico de
informática, e um dos voluntários do
programa sujeito a um tratamento particularmente cruel. Durante a privação a
1 2 mil
portugueses morrem
anualmente com
doenças associadas
aos malefícios
do tabaco
que se submeteu, juntamente com o colega do lado, via mesmo à frente da sua
secretária, apenas separado por um vidro, o «fumódromo», um pequeno jardim interior que serve de sala de fumo.
Um luxo. Sílvia Cabete, de 28 anos,
que trabalha em acabamentos de moldes e também um dos 11 trabalhadores
que deixaram de fumar, sabe bem, por
experiências anteriores, que em muitas
empresas e fábricas ou não se pode fumar de todo durante o horário laboral
ou então fuma-se na semiclandestinidade em locais tão agradáveis como casas
de banho. Mas aqui, pelo contrário, o
pequeno jardim do «fumódromo» é um
local arejado e bonito e um dos mais exclusivos da empresa, onde só entra
quem tem no seu cartão de acesso a informação de que é fumador. Renato Silva, de 31 anos, ensaiador de moldes, pensou: «Era uma boa oportunidade. Já tinha
tentado pastilhas de nicotina e acupunctura e não resultara». Desde então, perdeu o direito a espairecer no jardim.
A porta principal envidraçada da
empresa tem colado o dístico de proibição de fumar, mas tão mínimo como
uma moeda de euro, e os visitantes recolhem à saída da empresa, como recordação humorada, um cinzeiro de plástico concebido pela equipa de «designers» da casa que serve para, por exemplo, não poluir as praias e, mais importante, não atirar beatas a arder para as
matas: «É o nosso contributo para diminuir os incêndios florestais», refere o administrador da Vangeste, Vítor Oliveira. A proibição firme mas discreta, aliada a uma política de estímulos positivos, está a dar resultados práticos na
micro-sociedade que é a empresa.
Mas o mundo continua a braços com
um problema de saúde pública muito gra-
1 em 2
fumadores morrem
devido ao vício,
sobretudo vítimas
de enfartes
e de cancros
ve que está todos os anos a matar mais do
que a sida. Em 2004, um estudo da Universidade de Harvard concluiu que o tabaco é
a causa de morte de 5 milhões de pessoas
por ano em todo o mundo — o que equivaleria ao desaparecimento da população
portuguesa em dois anos —, principalmente devido a doenças cardiovasculares. Um
número tanto mais impressionante
quando a sida mata anualmente 3 milhões de pessoas. O tabagismo já é a
principal causa evitável de doença e
mortes prematuras. Fumar mata em
todo o mundo um em cada dez adultos. Em 2030, ou antes, matará um
em cada seis se se mantiverem os actuais índices, ou 10 milhões de mortes por ano, segundo estimativas da
Organização Mundial de Saúde
(OMS).
Há anos que os maços de cigarros têm em muitos países frases garrafais que advertem para os perigos
reais. Mas quem liga ao aviso «Fumar mata», ou «Fumar prejudica gravemente a sua saúde»? A muitos parece nada mais do que uma hipocrisia legal.
No passado mês de Julho morreu na
sequência de uma doença breve, com 92
anos, Sir Richard Doll, um homem cujo
trabalho acrescentou muitos anos de vida a milhões de pessoas em todo o mundo, incluindo, muito provavelmente, a
ele próprio. Em 1951, este médico inglês,
juntamente com o colega Austin Bradford-Hill, deram o pontapé de saída num
estudo que se destinava a determinar as
razões da dramática explosão de cancros
de pulmão ocorridas a partir do início do
século XX. Durante toda a primeira metade do século os riscos de fumar foram
desconhecidos. Mas, precisamente em
1950, alguns estudos publicados nos
EUA e na Europa Ocidental já indicavam o tabaco como um dos principais
causadores da doença. «As conclusões
não se fizeram esperar», terá dito Doll, de
acordo com uma elegia publicada no «site» da Tobacco Control Research Center (TCRC). Também não demorou a
que o médico, sugestionado pelas suas
descobertas, deixasse, ele próprio, de
AO DEIXAR
DE FUMAR
Efeitos
20 minutos
do tabaco
Normalização dos níveis
de pressão sanguínea
e da pulsação
no organismo
8 horas
O monóxido de carbono
dos vasos sanguíneos
desaparece quase
por completo
0 fumo dos cigarros é composto
por tabaco queimado e aditivos. Dos mais
de 4 mil q u í m i c o s que são adicionados
ao tabaco, cerca de 40 são c a n c e r í g e n o s
Ao fumar são libertadas substâncias como
cianeto, benzina, formaldeído, metanol,
acetaldeído e amoníaco
48 horas
Melhora o olfacto
e o gosto. Diminui o risco
de ataque cardíaco
2 semanas
A circulação sanguínea
começa a melhorar
AS DOENÇAS
1 a 9 meses
Desaparecimento da tosse,
congestões, fadiga
e dificuldades respiratórias
Cancro na laringe
Irritação das mucosas
Doença pulmonar obstrutiva
Bronquite crónica e asma
Cancro no pulmão
1 ano
O risco de cancro no pulmão,
laringe ou esófago baixa
para metade. A probabilidade de um ataque cardíaco
é idêntica à de quem
nunca fumou
Doenças
cardiovasculares
Malformação
congénita
Aborto espontâneo:
Cancro no colo
do útero
10 anos
O risco de cancro no pulmão,
boca, pâncreas e esófago
é idêntico ao dos não-fumadores. As células
pré-cancerosas são
substituídas. A esperança
de vida aumenta entre
três e cinco anos
Cancro na bexiga
fumar. Em 1952, Doll começou
então aquele que seria designado como «Doctor's Study» (Estudo do Médico), um dos mais prolongados estudos epidemiológicos alguma vez feitos e que ainda hoje está em curso e a produzir resultados. O estudo acompanha todos os médicos britânicos
inscritos na British Medicai Association (o equivalente à Ordem dos Médicos), registando os seus hábitos, doenças e causas de óbito. Logo em 1954
foram publicadas as primeiras conclusões provando que fumar era uma das
principais causas de cancro pulmonar.
Na altura, essas conclusões tiveram
pouco impacto. «Ninguém deu importância», recordou Richard Doll. Mas o
tempo acabaria por dar razão ao «Doc6 0 Ú I 1 I C A / 1 2 Norambto 2005
tor's Study», tornando-o uma das principais fontes científicas das políticas
antitabaco, cujas origens remontam
aos anos 60. Hoje, a afirmação de que
mais de 80% dos cancros do pulmão
são devidos ao fumo do tabaco é um
ponto assente. Não o era há 50 anos.
Politicamente, tudo começou nos Es-
26%
das raparigas fumavam,
em 2001. A prevalência
tabágica tem
aumentado nos jovens
e nas mulheres
tados Unidos. Em 1957, o Surgeon General, a principal autoridade médica norte-americana, emitiu uma declaração oficial: «O sistema de saúde público entende que o peso da evidência está a apontar
numa direcção: fumar excessivamente é
uma das causas do cancro do pulmão». E
em 1961, no ano em que o presidente
Kennedy anunciava a intenção de enviar
um homem à Lua, os presidentes de quatro grandes associações nacionais (de
Cancro, do Coração, Saúde Pública e Tuberculose) escreveram-lhe uma carta a pedir a criação de um comité que estudasse
«as várias implicações do problema do tabaco». Em 1964 foi publicado o relatório
dessa comissão consultiva do Surgeon General que constituiu uma viragem política. «É um documento histórico. Foi apresentado num sábado porque havia a noção
10
para ser levado a sério, uma vez que teve por base uma amostra impressionante de registos de saúde de 43 mil homens e mulheres que em 1970 foram
submetidos a despistagem de doenças
de coração. O estudo acompanhou as
suas fichas clínicas até 2002. E, importante, arrasa a teoria de que fumar pouco não faz diferença.
Foram precisos quase trinta anos e
uma pilha gigantesca de evidências
científicas para que a afirmação políti
ca do Surgeon General, nos Estados
Unidos, passasse para uma política global. Em 2003, a OMS adoptou um tratado para o controlo do tabagismo.
Quarenta países assinaram o documento que entrou em vigor no passado mês
de Fevereiro. Portugal ratificou-o há
uma semana, no dia 4 de Novembro.
anos a menos
de vida. Esta é a média
para um fumador
de que se estava a oporá interesses muito poderosos», diz o psicólogo clínico
Paulo Vitória, técnico do Conselho de
Prevenção do Tabagismo, um organismo consultivo do Ministério da Saúde
português. Desde então o tabagismo foi
considerado nos EUA um problema de
saúde pública e o tabaco passou, oficialmente, a matar. As tabaqueiras vacilaram, mas sobreviveram. Levaria muitos
anos de lutas em tribunais para que fosse, por exemplo, provado
que tinham conhecimento dos riscos associados
ao tabaco e que esconderam esses dados dos consumidores.
Pouco antes de morrer, Richard
Doll disse que este tratado — o primeiro em mais de 50 anos de vida da OMS
— é uma «oportunidade sem paralelo para os governos lidarem com a epidemia
No ano passado, na
comemoração dos 50
anos do primeiro relatório do estudo de Doll,
novas conclusões deste megaprojecto
foram publicadas. E também nesta
frente as notícias não são nada boas.
Foi nova e formalmente confirmada a
relação entre o fumo e a ocorrência
de mais de 20 doenças fatais. E ainda
que, pelo menos metade dos grandes
fumadores irá morrer com uma doença provocada pelo tabaco, e 1/4 morrerá na meia-idade. Em média, os fumadores têm menos 10 anos de vida do
que o prazo estipulado pelo código genético para a sua luz se extinguir. Mas
também há esperança nesse estudo assustador. Deixar de fumar faz inverter o processo. Quem deixar de fumar
na casa dos 30 anos poderá, eventualmente, recuperar a esperança de vida
a que tem direito.
As evidências científicas contra o tabagismo são cada vez mais consistentes. Outro estudo, este feito pelo Instituto de Saúde Pública Norueguês e publicado no início de Outubro, mas que
não fez grandes manchetes — foi antes
atirado para as páginas de curiosidades
científicas em todo o mundo — revela
que mesmo fumar ligeiramente, menos
de cinco cigarros por dia, triplica, nos
homens, o risco de doença cardíaca ou
cancro do pulmão. Nas mulheres esse
risco aumenta cinco vezes. O estudo é
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5 cigarros por dia
quintuplica nas
mulheres o risco de
doença cardíaca, AVC
ou cancro de pulmão
do tabaco». Na verdade, assiste-se a
uma escalada sem precedentes na luta
contra o tabagismo, agora pela via legislativa. No último ano e meio vários países europeus adoptaram leis polémicas
que proíbem parcial ou totalmente o
fumo em espaços públicos. Em Março
de 2004, o mundo desconfiava que os
irlandeses se amotinariam nos «pubs»
por não poderem acender um cigarro
com uma «pint» de «lager». Em Junho
foi a vez de a Noruega proibir o fumo
em bares e restaurantes. E este ano começou com os italianos impedidos de
fumar nos restaurantes onde não existam «salas de fumo». A partir de 1 de
Junho foi a vez da Suécia.
Imagens aprovadas pela Comissão Europeia
que poderão futuramente ser incluídas
nos maços de cigarros, à semelhança
do que já acontece no Brasil e no Canadá
A partir de Janeiro de 2006, os
grandes fumadores que são os espanhóis (cerca de 28% da população) deixarão de poder acender um cigarro em
espaços públicos. Só se poderá fumar
em zonas para fumadores inseridas em
Escola Superior de Comunicação Social, de Lisboa, e investigadora do Observatório da Publicidade. «A mudança nos anúncios ao tabaco tem a ver com
a própria evolução social. A
publicidade não inventa nada. Funciona como espelho
da sociedade», sustenta a investigadora, referindo-se à mudança de discurso na publicidade a cigarros.
Por cá, o anúncio do Português Suave (fotografias em cima, à esquerda) marcou uma
época. No início dos anos 80,
a imagem do caçador a fumar
um cigarro após um tiro certei-
Entre os míticos Marlboro Man e Português Suave...
ro seria das últimas a aparecer
no pequeno ecrã, por força da
proibição legal. «Este anúncio
seria impensável hoje. Caçar
e fumar têm uma imagem desactualizada», considera Carla Medeiros.
Estilo de vida ou problema
de saúde pública, a história da
publicidade ao tabaco não podia ser mais irónica. Depois de
anos a fumar e a ajudar a vender cigarros, dois dos acto
que encarnaram o personagem Marlboro Man acabaram
por falecer. Vítimas de cancro
de pulmão.
CATARINA NUNES
Da glorificação à vergonha
Poucos produtos podem exibir
um ciclo de vida que os tenha
levado até aos antípodas. Fumar, na figura do Marlboro
Man, foi sinónimo de liberdade
e de aventura. Hoje, o espaço
outrora ocupado pelo símbolo
do estilo de vida norte-americano foi substituído por anúncios
que não se cansam de repetir
os malefícios do tabaco.
Numa campanha para a Fundação Portuguesa de Cardiologia, a agência Central Models de-
cidiu mudar de argumento. Pegou nos modelos que representa e colocou-os em situações
que vão contra o que é socialmente aceite (fotografia à direita). Seja urinar em público, ter axilas por depilar ou borbulhas na
cara. Porque, agora, o que é feio
é fumar. «São aspectos relacionados com rebeldia. A campanha chama mais a atenção do
que se os modelos aparecessem bem comportados», analisa Carla Medeiros, docente na
. e as recentes imagens que alertam para os malefícios do tabaco
i
espaços com mais de 100 metros quadrados, o que implica que na maioria
das «mésons» seja de facto impossível
fumar. O Reino Unido, depois de um
debate exaltadíssimo nas últimas semanas, acabou de aprovar uma lei
meias-tintas, que proíbe fumar onde se
sirva comida, o que já levou a que um
quinto dos donos de «pubs» tenham
anunciado que prescindem de vender
«pies» para poder oferecer aos seus clientes a oportunidade de fumar em paz.
Em Portugal, o
Dia Nacional do Fumador, no próximo
dia 17, será um momento eventualmente determinante, já
que será apresentada
aos especialistas a proposta do Conselho de
A secção de não fumadores
Prevenção do Tabano restaurante é como
gismo, que aponta pauma secção para não urinar
numa piscina
ra soluções semelhantes às adoptadas em
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28%
dos espanhóis fumam.
A partir de 2006
deixarão de o fazer
em espaços públicos
vários países. E também aqui o assunto
vai ser escaldante nos próximos tempos. Pais Clemente, presidente do Conselho de Prevenção do Tabagismo, refere que há uma conjuntura particularmente favorável para que no próximo
ano seja aprovada uma lei que revogue
a actual, de 1983, e onde se limite ou
proíba o fumo de tabaco em todos os
sítios públicos. «As pessoas que poderão tomar a decisão são particularmente
sensíveis a esta importantíssima questão de Saúde Pública. A começar pelo
próprio ministro Correia de Campos», salientou. O ministro da Saúde confirmou ao EXPRESSO que «já existe uma
proposta que necessita de ser discutida
com os diferentes sectores interessados». Outra das recomendações da
OMS é a de aumentar os impostos sobre o tabaco, uma medida considerada
eficaz para diminuir o consumo nas camadas jovens e nas classes menos abonadas. E a proposta de Orçamento de
Estado para 2006 prevê o aumento do
imposto sobre o tabaco em 13%.
Mas a grande questão é saber se é
pela via do proibicionismo que o mundo poderá reduzir o actual número de
fumadores, estimado em mais de mil
milhões de pessoas. No final de um ano
sem tabaco nos restaurantes, as autoridades de saúde norueguesas concluíram que a medida foi bem aceite por
clientes, os empregados ficaram felizes
por respirar um ar melhor e um em cada dez acabou mesmo por deixar de fumar. A justificação oficial para proibir
o fumo em sítios públicos tem sido o
de defender o direito dos não-fumadores a um ar respirável, conhecendo-se
15%
dos gastos em saúde
nos países desenvolvidos
devem-se a doenças
provocadas pelo tabaco
O charme do vício
Em 1989, a indústria tabaquei-
pós-1989 tiveram referências
agora classificam os filmes co-
ra americana decidiu cortar o
explícitas ou implícitas a cigar-
mo «perigoso» ou «livre de ta-
pagamento de publicidade a
ros, independentemente do pú-
baco»,
Hollywood. Percebe-se por-
blico-alvo a que se dirigiam. Afi-
da sua qualidade artística.
quê: as grandes produtoras
nal, a indústria tabaqueira nun-
Pierce
de cigarros começavam a fi-
ca precisara de gastar um dó-
Bond, garantiu que a persona-
car cercadas por leis de defe-
lar para ter cigarros nos filmes!
gem do agente secreto não fu-
sa antitabaco, e o cinema foi
Um cigarro no cinema não
maria no último episódio da sé-
considerado, por esmagado-
é, nunca foi, um mero adere-
rie e cumpriu a promessa (pa-
ra maioria, o mais activo agen-
ço. Funcionou antes como um
ra «raiva» dos fãs mais fiéis ao
te de promoção dessa indús-
efeito de pontuação, de ritmo.
007). Neste contexto, uma obra
tria. Sondagens efectuadas
Definiu personagens. É impos-
recente revela-se, na nossa opi-
calcularam que um adolescen-
sível, por exemplo, esquecer a
nião, muito mais eficaz na expo-
te não-fumador tem 16 vezes
frase «got a match?» da perso-
sição dos malefícios do tabaco
(!) mais hipóteses de experi-
nagem de Cary Grant em Pa-
mentar um cigarro depois de
raíso
ver o seu ídolo, actor ou actriz,
obras-primas de Hawks (nes-
Infernal,
uma
a fumar na tela. A mesma son-
se filme, Cary Grant nunca ti-
dagem concluiu que 52% dos
nha lume). Ou o modo como
independentemente
Brosnan,
ex-James
das
adolescentes fumavam... por
Jean-Paul Belmondo, em O
causa do cinema. Este sem-
Acossado, de Jean-Luc Go-
pre usou e abusou dos cigar-
dard (outro grande fumador,
ros. Será possível imaginar os
hoje convertido ao charuto),
«cowboys» do «western», ou
acendia um cigarro com a bea-
as mulheres fatais do «film
ta de outro. Os cigarros foram
noir», sem um cigarro nos lá-
mesmo a questão central de
bios (tal como um Churchill
algumas obras, como o recen-
Filmar o vício: no recente
sem o seu charuto)? Não fo-
te Coffee and Cigarettes, de
«Coffee and Cigarettes»,
ram grandes estrelas de cine-
Jim Jarmusch, onde muitas ve-
de Jarmusch, ou nos míticos
ma, como Clark Gable ou
detas do cinema e da música
encontros entre Bogart e Bacall
Humphrey Bogart, alguns dos
popular, de Roberto Benigni a
maiores fumadores do século
Tom Waits, se sentavam à me-
do que certas campanhas de
XX? Ninguém estava prepara-
sa de um bar e falavam dos
saúde pública próximas do fun-
do, contudo, para os factos
temas do título. Nos últimos
damentalismo. Trata-se de O
que
de
anos, a batalha contra os efei-
Informador, realizado em 1995
1989. O que se verificou nas
tos do tabaco aumentou. Reti-
por Michael Mann, com Al Paci-
ocorreram
depois
dos
raram o cigarro ao Lucky Luke
no e Russell Crowe. Nesse fil-
anos 90, para espanto de to-
e, em França, uma célebre fo-
me, baseado em factos reais,
dos, é que, não só a quantida-
tografia de André Malraux foi
um ex-conselheiro científico de
de de referências a marcas de
digitalmente tratada para reti-
uma empresa tabaqueira acu-
tabaco se manteve inalterável,
rar o cigarro dos lábios do es-
sa-a em tribunal de ter aumenta-
como aumentou o número de
critor, provocando escândalo.
do o vício dos consumidores
aparições de
nos
Também se multiplicam os «si-
pelo incremento ilegal de com-
filmes
tes», sobretudo nos EUA, que
ponentes químicos. M
produções americanas
ecrãs!
85%
cigarros
dos
FRANCISCO FERREIRA
66 uniCA 1.
2005 EXPRESSO
actualmente os importantes riscos a
que são também sujeitos os fumadores
passivos, mas no fundo o que está em
causa é a urgente necessidade de quebrar um ciclo de mortalidade e doença
tão impressionante que nos países desenvolvidos chega a consumir 15% de
todos os gastos com cuidados de saúde.
O sociólogo de saúde Luís Saboga
Nunes, responsável pela pós-graduação
em tabagismo da Escola Nacional de
Saúde Pública, tem muitas dúvidas. «A
longo termo é uma batalha ganha ou um
compasso de espera?» Saboga Nunes
encontra nas estatísticas provas de que
proibir apenas não chega. «Nos Estados
Unidos, onde começaram a vigorar as
leis de proibição ao consumo de tabaco
em sítios públicos, a prevalência de fumadores até está a subir ligeiramente. A
lógica proibicionista é a do gueto e tem,
como se sabe, efeitos perversos. Em vez de dificultarmos a vida aos fumadores devíamos apostar
em facilitar a vida aos
que querem deixar de fumar». Nos Estados Unidos, que conduziram a
imposição da lei de forma particularmente histérica, e onde os trabalhadores vão para os telhados ou para a rua dar uma passa às
escondidas, o balanço não tem sido proporcional ao esforço investido. Estima-se que 25% da população fume, quase tanto quanto os 26% do liberal Reino Unido. E estima-se ainda que entre
os jovens o consumo esteja a aumentar.
«começar a fumar é um acto sociológico. Começa-se na adolescência, normalmente em grupo e como uma forma de
afirmação. Deixar de fumar tem também
que envolver a sociedade», refere Saboga Nunes. Talvez por isso, a Vangeste,
que reuniu um grupo de trabalhadores
num compromisso comum associado a
uma festa de Natal, num ambiente entre o proibicionista e o «smoker
friendly», tenha conseguido uma taxa
de sucesso inesperada. M
Para
apagar
o cigarro
de vez
Textos de Filipa Moroso
Ao fumar um cigarro ingerem-se 4.700 químicos, 40
dos quais sáo cancerígenos, e só a nicotina vicia mais
do que a heroína. Por isso é tão difícil largar o vício,
embora haja cada vez mais ajudas
A
enfermeira Filomena Garcez
nem queria acreditar quando
leu o veredicto, debitado em
numeração digital, na «mini smokerlyzer», a máquina que analisa os níveis
de monóxido de carbono no ar expirado. Vítor Alexandre tinha acabado de
bater o recorde da escala. Foi-lhe pedido um segundo sopro, mas o gráfico
teimava em não sair da linha vermelha, revelando o número assustador de
96 mil ppm (partículas por milhão,
sendo este número superior ao da descarga de monóxido de carbono de um
automóvel). «Ao fim de mais de quatro
anos de consultas, nunca tinha visto um
número assim, o máximo que tinha registado era de sessenta e tal mil ppm», refere a ainda incrédula enfermeira Garcez, um dos 12 elementos da equipa
do Hospital Pulido Valente, em Lisboa, que administra as consultas de
cessação tabágica.
«Um doente — leia-se fumador —
com este valor apresenta certamente alterações neurológicas (intoxicação). Um
valor à volta dos 50 mil já corresponde a
um grande fumador — a partir dos 6 mil
já indica que se fuma», explica a médica
30%
dos cancros
devem-se
ao tabaco
pneumologísta Berta Mendes. A «mini smokerlyzer» permite avaliar aproximadamente o número de cigarros
que se consome por dia e o padrão de
consumo do fumador: se inala o fumo, a profundidade da inalação, o número de inalações e a carboxihemoglobina. «Ou seja, o monóxido de carbono que se junta à hemoglobina, tirando
assim lugar ao oxigénio», explica Carvalheira Santos, director do serviço de
pneumologia daquele hospital.
Vítor Alexandre, um paciente recorrente das consultas de cessação tabági-
ca no Pulido Valente, já passou a froneira dos 40. Fuma desde os 16 anos e
ioje consome quase três maços de cigarros por dia. Já esteve oito meses sem
[umar, mas em Janeiro deste ano vol:ou à carga, «devido ao stresse», com
mais fome de cigarros do que nunca. E
3 chamado efeito «craving», um dos sintomas da privação de nicotina, que se
revela num desejo compulsivo de fumar, após um período de abstinência.
O monóxido de carbono, em abundância no sangue de Vítor, é apenas
um dos 4700 químicos que compõem
o fumo do cigarro. Acetaldeído, acroleína, arsénico, alcatrão, polónio 210,
amoníaco, formaldeído, metanol, cloreto de vinilo, fenóis ou uretano são
apenas algumas das substâncias cancerígenas — contam-se ao todo perto
de 40 — que o fumador ingere sempre que acende um cigarro.
Já a nicotina, também no rol das
cancerígenas, é o alcalóide responsável
pela dependência do tabaco, actuando
sobre o cérebro, dez segundos após cada inalação, de forma semelhante à cocaína, à heroína ou ao álcool. Também
ela produz um efeito de euforia e de
relaxamento e é por isso que se torna
tão difícil largar o vício.
motivação e força de vontade — para
conseguir apagar de vez o cigarro. E se
está na altura de o fazer continue a ler
este texto. Enumeramos-lhe aqui alguns dos métodos para a sua cura, que
Quem nunca fez nenhuma tentati- pode começar já hoje.
va para o largar costuma dizer: «Ê quanA nível estatal existem hoje, de
do eu quiser». Mas quase nunca é as- Norte a Sul do país, cem unidades
sim. As recaídas são constantes e o que de saúde e um portal na Internet,
à partida parecia fácil torna-se um ver- com apoio na cessação tabágica. O
dadeiro tormento, quando desenvolvi- tempo de espera por uma consulta
da a síndrome de abstinência à nicoti- pública pode chegar a um ano nos
na — ansiedade, insónias, depressão, grandes centros urbanos, como é o
dificuldade de concentração, irritabili- caso do Hospital Pulido Valente.
dade, fome e forte desejo de fumar. Co- «Não é de estranhar por isso que a iniciamo já dizia o escritor Mark Twain, um tiva privada, desdobrando-se nos mais
fumador compulsivo: «É muito fácil dei- variados métodos alternativos, tenha
xar de fumar, eu já o fiz cem vezes».
Vítor Alexandre é paciente recorrente
das consultas de cessação tabágica do
Pulido valente. Fuma três maços por dia
e quando soprou no «mini smokerlyzer»
(à esquerda), que analisa os níveis de
monóxido de carbono no ar expirado,
registou um número nunca visto e que
surpreendeu a enfermeira
ocupado o terreno vago deixado pelos
profissionais de saúde», avança o sociólogo Luís Saboga Nunes, professor
da Escola Nacional de Saúde e autor
do sítio www.parar.net
E a verdade é que os centros privados de terapia antitabagista têm-se
multiplicado como cogumelos, principalmente nas grandes urbes. A Linha
SOS Deixar de Fumar, criada pelo Instituto Nacional de Cardiologia Preventiva, refere uma grande variedade na
oferta de centros de ajuda, sem, contudo, a quantificar. «Não podemos falar
em números, porque não há registo de todos os centros de ajuda ao fumador que
existem. Baseamo-nos nos oficiais ou
Um ano à espera de consulta
Claro que também depende do grau de
dependência do fumador (ver tabela
nesta página) — um bom indicador para determinar a dependência é o tempo que se leva desde o momento em
que se acorda até fumar o primeiro cigarro do dia, já que o organismo esteve
em privação de nicotina durante as horas de sono. A partida, nem são precisos dez cigarros por dia para se sentir
os efeitos de uma boa «ressaca». Daí
que, muitas vezes, o fumador tenha
que recorrer a ajudas — fora a grande
1 / unicA 69
3.100
portugueses mortos
em 2003 de cancro
de pulmão, traqueia
e brônquios
Consulta num centro «NãoFumoMais», onde
é utilizada a auriculoterapia a laser
ser; mais de três dezenas de consultórios de apoio psicológico; um de hipnoterapia e outro onde se combate o vício fumando até à saturação. Com preços que rondam, em média, os 300 euros, estes têm publicitado uma maior
taxa de sucesso — entre os 70 e os
80% — do que as unidades de saúde
estatais, onde a eficácia ronda os 30%.
Mas pode haver explicação para isso.
Primeiro, porque às consultas dos centros de saúde vai, normalmente, quem é
recomendado pelo médico de família.
Logo a motivação não é a mesma de
quem vai, por iniciativa própria, a uma
sessão de acupunctura, por exemplo, já
mentalizado com o fim do vício. Mais importante ainda é capaz de ser o compromisso monetário. É mais fácil deitar 2,70
euros à rua, o custo da taxa moderadora
hospitalar, do que 300...
Depois, há ainda os fármacos recomendados pelos profissionais de saúde.
Sob a forma de pastilhas, adesivos transdérmicos, ou o ansiolítico que combate
a ansiedade e a depressão causada pela
abstinência da nicotina, já venderam,
nestes últimos 12 meses, mais de 164
mil unidades, o que
corresponde a um investimento, por parte
de potenciais ex-fumadores, de mais de
2.800 euros/ano. Todos eles medicamentos de venda livre.
«Não é possível
reduzir a cessação
tabágica a um único
Como se pode largaro VICIO?
Unidades de Saúde Existem 100, de norte a sul do
país, onde a média de tempo
de espera por uma primeira
consulta é de 123 dias (mas
há 62 unidades sem qualquer
tempo de espera). No Hospital Pulido Valente, em Lisboa,
a equipa de seis médicos, três
enfermeiras, duas psicólogas
e uma nutricionista, coordenada pela pneumologista Berta
Mendes, faz uma primeira consulta de informação/aconselhamento, questionários, parâmetros vitais, análise de monóxido de carbono, seguindo-se
a avaliação dos exames e terapêutica. Nas consultas subsequentes, ajusta-se a terapêutica, observam-se os resultados — privação, reacções adversas, barreiras —, e reforça-se a motivação.
www.parar.net O portal
em português na Internet é
um projecto feito pela Escola
Nacional de Saúde, liderado
pelo sociólogo de saúde
Luís Saboga Nunes, em que
trabalham quatro dezenas
de profissionais, entre médicos, psicólogos e enfermeiros. É um programa de dez
passos, com o nome Renascer, baseado na experiência
científica, com técnicas validadas pela OMS.
SOS Deixar de Fumar É
uma linha telefónica (808 20
88 88) criada pelo Instituto Nacional de Cardiologia Preventiva com o intuito de fornecer
aconselhamento e informação útil ao fumador que pretenda largar o vício. Entre
Abril de 2002 e Abril de 2005,
os técnicos de saúde que ali
trabalham receberam 3.705
chamadas telefónicas, 86%
das quais por iniciativa própria e outras para ajudar terceiros, sendo que 1,4% são filhos que telefonam no sentido de ajudar os pais na luta
contra o tabaco. «Hoje há
mais campanhas de informação nas escolas sobre
os malefícios do tabaco»,
garante Carlota Simões Raposo, da coordenação da linha.
Centros de
auriculoterapia a laser
«NãoFumoMais» (808 100
500) — Existem 28 centros
espalhados pelo país, sob a
forma de «franchising». Há
uma primeira consulta de
avaliação do fumador com
um psicólogo. A sessão única de tratamento dura cerca
de uma hora, com estimulação de 21 pontos reflexos do
pavilhão auricular do paciente através da electropunctura. «Cerca de 76% dos casos requerem apenas um
único tratamento. Nos casos de recaída, um segundo tratamento é administrado gratuitamente e, aos pacientes que ao fim de seis
meses não tiverem sucesso, é devolvido o valor do
tratamento», diz Pedro Fernandes, responsável pelo
«franchising» em Portugal. O
preço é de 320 euros e pode
ser pago em três vezes.
«Amo-te Vida» (707 252 627)
— O tratamento antitabágico
consiste na estimulação eléctrica e por laser frio de diferen-
convencionais e nos alternativos que conhecemos», afirma Carlota Simões Raposo, da coordenação daquela linha.
Sabe-se, no entanto, que são muitas
as clínicas de acupunctura especializadas na cessação tabágica, sendo as
mais conhecidas as de Pedro Choy; há
28 centros franchisados do «NãoFumoMais», que recorre à auriculoterapia la-
tes pontos de corpo, que vão
ajudar a eliminar os níveis de
abstinência de nicotina. Há
ainda apoio psicológico e posterior desintoxicação, com
produtos fitoterapêuticos. O
custo total é de 330 euros,
com possibilidade de crédito.
Medicina
tradicional chinesa
Centros de Acupunctura Pedro Choy — Há mais de uma
dezena deles a funcionar em
todo o país. (21 359 04 74 —
Lisboa; 22 606 35 77 — Porto). O tratamento, que consiste na aplicação de agulhas finas em alguns pontos
do corpo, para equilibrar os
fenómenos de irritabilidade
e reforçar a vontade de deixar de fumar, tanto pode decorrer numa sessão única,
como entre três a cinco sessões (30 euros cada).
Clube VII — Parque Eduardo
Sétimo, Lisboa (808 277 288).
Licenciado em medicina tradicional chinesa e medicina ocidental, Clark Wang «trabalha
a energia» do paciente de forma a que este enjoe, sinta tonturas e tenha vómitos ao fumar. Nas primeiras sessões,
pede ao fumador que fume
dois a três cigarros de seguida para que haja uma primeira saturação da nicotina. Utiliza também a acupunctura e a
maxobustão como terapia antitabágica. A primeira consulta custa 70 euros e as seguintes, se individuais, 60. Um módulo de seis sessões custa
295 euros, «com uma taxa
de sucesso de 80 a 90%»,
garante Wang. H
método, como por exemplo aos adesivos. A associação tabágica passa por
uma estruturação sociológica, psicológica e comportamental que exige validação científica. E o que se passa actualmente com os vários métodos alternativos da nossa praça é que não
têm um único estudo científico que os
valide», afirma Luís Saboga Nunes.
Selecção
e recolha:
JCosta

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