Bau de Ossos

Transcrição

Bau de Ossos
Baú de Ossos
Crônicas
Agosto 2014
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Índice
- A Criminalidade
- A débâcle da indústria
- A Vara de Marmelo
- O Carnaval do Cassino
- O Domingo da Pinhata
- Os paralelepípedos
- A Arborização das Ruas
- Pelotas, Minha Cidade
- Os alagados
- As Prostitutas de Pelotas
- Um Mundo Sujo
- Que Mal Fizeram os Bondes?
- A Água em Pelotas no séc.XIX
- A Estação de Trens
- A Formação Portuguesa de Pelotas
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Apresentação
Memórias são como ossos em um ossário; acumulam mas não acabam nunca.
Quando eu achei que havia esgotado as minhas lembranças sobre Pelotas, no
livro “A Pelotas que Eu Vivi”, eis que começam a vir mais lembranças.
Eu volto a dizer. Quando eu comecei a escrever sobre Pelotas foi com a intenção
de deixar material de pesquisa para os acadêmicos de Pelotas poder pesquisar
sobre o passado antigo da cidade.
A única condição que eu me impus: somente registrar aquilo que não estivesse
registrado na Internet. O que estivesse na Internet poderia ser pesquisado com
facilidade.
Por outro lado, o que eu não registrar sobre o passado antigo da cidade os
acadêmicos não terão onde pesquisar.
Quem perde é a memória histórica da Cidade.
Daqui há trinta ou quarenta anos as circunstâncias registradas nesses escritos
estarão completando cem anos. Eu já não estarei mais neste Mundo, mas algum
acadêmico, na época, certamente vai querer escrever sobre como era Pelotas há
cem anos atrás.
E eu terei atingido o meu objetivo, que é o de fornecer material para a pesquisa.
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A Criminalidade
Luiz Carlos Marques Pinheiro
Ano 1956. Acredite quem quiser. Nas décadas de ’40 e ’50 não se ouvia falar de
crime em Pelotas. Não havia. A cidade era absolutamente calma e tranqüila.
Pra iniciar, não havia o crime de assalto, que é o mais comum nas grandes
cidades. E não havendo assalto, não havia o roubo; somente o furto. O roubo é
classificado como aquele cuja desapropriação envolve violência. O furto é subreptício.
O pelotense podia circular de carro a qualquer hora do dia ou da noite por toda
a cidade, mesmo de madrugada, sem que lhe ocorresse a possibilidade de ser
assaltado à mão armada por algum bandido. Não passava pela cabeça de
ninguém uma idéia tão estapafúrdia. A tranqüilidade sempre foi total.
A gente saía dos bailes de madrugada e ia a pé pra casa, sem nenhuma
preocupação. Nunca passou pela cabeça a hipótese de perigo.
Assalto ao comércio, nunca se ouviu falar. Podia haver algum furto, noturno,
mas assalto não. Mas mesmo o furto, por estranho que pareça, não ocorria nas
lojas comerciais. Os preferidos eram os armazéns.
Se for feita uma pesquisa na imprensa da época vai se encontrar raríssimos
casos de uma loja comercial que tenha sido furtada à noite. E assaltada de dia,
nunca!
Agora, o ladrão que furta um armazém o que é que ele está querendo? Comida?
Mesmo para vender era difícil! Quem iria comprar cereais, ou latas de óleo, de
um miserável? Só aqueles poucos proprietários de vendinhas no extremo da
periferia e que não se importavam que a mercadoria fosse roubada.
A expressão “ladrão pé-de-chinelo” retrata com fidelidade esse ladrão de
Pelotas. É um pobre miserável, que nem sapato tinha pra usar, e que roubava
por sem-vergonhice. Na verdade, esse ladrão nada mais era do que um
marginal, criado à margem da Lei, sem família. Esse tipo de ladrão era tão
desmoralizado que também era chamado de “ladrão de galinha”. Adivinhem por
quê?
Tal era a despreocupação da população com o risco de furto que no alto verão as
casas dormiam com as janelas da frente escancaradas ... para ventilar.
Havia uma exceção: as bicicletas, que eram muito visadas. Porque era fácil. Era
só montar e sumir ... E, para vender também era muito fácil; nenhum
comprador iria pedir nota de compra.
A ingenuidade da época era de tal ordem, que os guarda-noturno apitavam
enquanto andavam pelas ruas, para avisar os ladrões que eles estavam por
perto.
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Pelotas era uma cidade muito ingênua e romântica, e não sabia ...
Os carros podiam dormir na rua, sem qualquer preocupação. Os ladrões
preferiam roubar as peças nas oficinas mecânicas, no meio da noite, que eram
mais fáceis de vender.
Enfim, Pelotas era uma cidade praticamente sem crime. Imaginem! Bater na
mulher não era crime. Ainda não havia a Lei Maria da Penha. As mulheres
apanhavam e ficavam caladas.
Os furtos eram tão insignificantes que em Pelotas não havia presídios. As penas
mais severas se resumiam a alguns meses e eles ficavam na cadeia mesmo, ou
no quartel da Brigada. Na hipótese de a Polícia se deparar com um bandido
mesmo, um homicida, que demonstrasse periculosidade, ele era encaminhado
imediatamente para a Casa de Detenção, em Porto Alegre.
Só para dar uma idéia do perfil desses ladrões - melhor chamados de meliantes
- , certa vez, por volta de 1954, a nossa casa foi assaltada, na madrugada. Nós
estávamos em férias na praia. Roubaram um rádio de cabeceira, um ventilador e
um relógio-cuco. Não é coisa de ladrão “pé-de-chinelo”?
Um tio meu tinha armazém na zona do Porto. Furtaram do armazém dele meio
saco de feijão, umas latas de óleo, três garrafas de vinho e uma churrasqueira
portátil.
Esse tipo de crime é de uma singeleza tal que eu me atreveria a aproximá-lo
muito mais da contravenção.
O crime de homicídio, havia, mas somente em briga de boteco de periferia,
depois de muitas “biritas”. E, um dado interessante, sempre por faca, nunca por
revolver. Me parece que a faca é a arma preferida dos gaúchos ... Mesmo assim,
em Pelotas eram raros os casos de homicídio.
Agora, briga de faca no RS é outra coisa, é a mais comum, embora Pelotas não
fosse das cidades mais violentas. Mas raramente terminava em morte.
Quando eu digo isso, eu falo em termos gerais, na média do comportamento do
povo. É claro que sempre vai haver um crime amoroso. Acontece em qualquer
cidade do mundo. Mas não é suficiente para caracterizar o comportamento de
uma população, nem para caracterizar uma época.
É uma pena que não existissem estatísticas para confirmar o que eu digo. Mas
uma pesquisa nos jornais da época, para quem se interessar, é suficiente.
Ainda hoje, se for procurada na Internet a manchete “O crime que abalou
Pelotas”, nas décadas de ’40 e ’50, nada será encontrado...
A falta de notícia era tanta que o roubo de uma vaca, na periferia, era matéria
para o Diário Popular.
Se eu tivesse que resumir em uma única palavra o perfil psicológico desse
marginal pé-de-chinelo eu diria: INGENUIDADE.
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Ingenuidade é aquela característica tipicamente infantil, de quem ainda não tem
idéia do que seja maldade, e que não compreende ainda o que seja “segundas
intenções”.
Era tal o grau de ingenuidade e de falta de ambição, que os ladrões chegavam a
arrombar os receptáculos coletores de esmolas das igrejas, para roubar. Esses
eram chamados “ratos de igreja”.
Eu tenho tentado entender porque Pelotas era uma cidade tão pacífica, em
contraste com a grande maioria delas.
Várias idéias me passam pela cabeça:
Para mim, o ponto mais relevante é a formação familiar da classe pobre. Eu
posso falar com alguma propriedade sobre isso porque a gente tinha
empregadas, que moravam nas vilas, e que nos contavam parte da vida delas na
comunidade.
Pelotas tinha várias periferias. Os bairros Fragata, Três Vendas, Areal e a Zona
do Porto. Em todos esses bairros os pobres moravam nas periferias. Eu prefiro
abordar a Zona do Porto que eu conheço melhor, porque morava na região. Era
chamada de “Zona da Várzea” e “Várzea do Porto”.
A periferia da Várzea do Porto começava abaixo da rua Álvaro Chaves. Uma
quadra abaixo já não havia calçamento de pedra nas ruas, eram ruas de terra. As
casas eram de material nas duas primeiras quadras. A partir daí já eram de
madeira, chamadas de chalés. E o padrão ia decaindo de nível à medida em que
se afastavam da Álvaro Chaves. Umas dez quadras pra baixo, o padrão já era
muito humilde.
O conjunto dessas ruas de terra e desses chalés era chamado de “vila”. A minha
empregada se referia “lá na vila ...”. A Várzea do Porto era composta por várias
dessas vilas.
O estádio do Brasil também ficava na Várzea do Porto. As emissoras faziam
referência ao “Clube da Várzea”.
Os terrenos mais próximos ao calçamento eram comprados. A partir de certo
ponto eram terrenos baldios, que eram invadidos.
Diferentemente do que ocorria nas favelas do Rio de Janeiro, os chalés
mantinham distância entre eles; não havia chalés grudados uns nos outros.
Havia sempre um terreno à volta do chalé, que era chamado de “pátio”. Nesses
pátios às vezes eram construídos dois chalés para a família, quando tinha mãe
ou sogra, geralmente com filhas.
As vizinhas mais próximas não se tratavam pelo nome, mas por “vizinha”. Era
vizinha pra cá,vizinha pra lá...
Essas vilas eram abastecidas por água corrente e luz elétrica, mas não pela rede
de esgoto. Cada um que tratasse de fazer um poço no seu pátio. Era chamado de
“poço negro”, muito profundo, para onde escorriam os dejetos por queda livre,
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através de canos. O chão de barro do fundo do poço que se encarregasse de
absorver os dejetos. Quando o “poço–negro” enchia, tinha que ser esvaziado à
mão, com baldes.
A água servida escorria através de canos para a rua, para uma valeta que corria a
céu aberto, paralela e na frente dos chalés. Era reservada uma pequena calçada
de terra, entre o chalé e a valeta.
Quando eu digo que a formação familiar foi fundamental na formação desses
pobres é porque nessas vilas moravam famílias bem constituídas, embora
pobres; marido, mulher e filhos (dois ou três); dificilmente as famílias tinham
muitos filhos.
O comportamento social dessas famílias em nada se diferenciava do
comportamento social da classe média. O marido era sério e trabalhava, ainda
que em funções muito humildes, como pedreiro, pintor, encanador,
metalúrgico, e até na estiva. Como a região era próxima do porto, muitos
trabalhavam no porto, na estiva; por ser perto, dava pra ir de bicicleta.
A mulher trabalhava como doméstica, em casas de família, ou lavadeira em
casa, ou cuidava da casa. Todos trabalhavam e isso era um exemplo para os
filhos, que já eram criados dentro desse espírito de responsabilidade. Brincavam
na rua, jogavam bola na rua, mas sempre guardando o respeito pelos pais.
Dificilmente uma criança criada nesse ambiente vai virar ladrão. Os pais já
tinham sido criados dentro desses mesmos princípios, e os reproduziam nos
filhos.
Os meninos, quando chegavam na idade de treze, quatorze anos e não queriam
mais estudar, se empregavam como caixeirinhos nos armazéns, para levar as
compras nas casas, de bicicleta. Já iam fortalecendo o senso de
responsabilidade. Isso até chegar na idade de servir ao Exército.
Olhando, hoje, essa conjuntura, eu não vejo ambiente para a proliferação do
crime. Eu vivenciei essa realidade. Nunca ouvi uma empregada comentar que
um vizinho tinha se transformado em bandido.
Eu, menino, freqüentava o ambiente da várzea, jogava no juvenil de time de
várzea, e nunca soube de alguém que tivesse virado bandido. Isso era Pelotas!
Uma outra forte razão que eu encontro é a religião.
Todos esses pobres eram muito católicos. Havia muito poucos umbandistas e
muito poucos espíritas. A gente podia medir a quantidade de católicos pobres
pelas procissões.
Uma procissão em Pelotas era um mar de gente humilde, seguindo a procissão e
cantando em voz alta. Não era só ação de presença. E todas as mulheres
carregavam os seus filhos/filhas menores pela mão, cantando junto. Na
verdade, a religião servia como um freio.
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Pra mim, o maior legado da Igreja foi a ênfase ao respeito. Respeito aos pais.
Respeito aos mais velhos. Respeito aos bens e direitos. Respeito à Vida.
Eu estou convencido que esses dois fatores foram fundamentais na formação
moral da classe mais humilde de Pelotas.
E o são até hoje. Uma pesquisa recente demonstrou que Pelotas é a 4ª cidade
menos violenta do Brasil, com 8,72 homicídios para cada 100.000 mil
habitantes. (mundoestranho.abril.com.br/.../qual-a-cidade-mais-violenta-do-brasil)
Os especialistas preferem fazer essas estatísticas em cidades com mais de
300.000 habitantes, para evitar distorções. A cidade mais violenta no Brasil,
segundo esse critério, é Serra (ES), com 97,62 em cada 100.000 habitantes.
Quando eu volto a Pelotas eu procuro prestar atenção nos comentários dos
amigos, no Aquário, no Bavária, no Clube Comercial, na Praia do Laranjal. Eu
nunca ouvi qualquer comentário deles sobre a existência de um crime que
tivesse chamado especialmente a atenção em Pelotas.
Que Deus conserve Pelotas assim!
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A débâcle da indústria
Luiz Carlos Marques Pinheiro
Ano 1956. Há muitos anos eu busco entender - apaixonado que sou por Pelotas
- as causas da débâcle da indústria em Pelotas.
Por mais de quarenta anos Pelotas foi a segunda maior economia do Estado.
Nós, pelotenses, tínhamos muito orgulho do que Pelotas representava no Brasil.
Para nós, pelotenses, no Brasil só havia o Rio de Janeiro e Pelotas. Não víamos
nenhuma cidade com possibilidade de nos fazer concorrência.
Pelotas era uma cidade culta, requintada. Companhias de teatro do Rio de
Janeiro vinham a Pelotas para se apresentar no Theatro Sete de Abril e no
Theatro Guarani, como a Companhia Teatral de Dulcina de Moraes, a grande
Dulcina, considerada a “primeira atriz do teatro brasileiro”, responsável pela
criação da Fundação Nacional de Teatro. O grande Procópio Ferreira, que esteve
em Pelotas em várias ocasiões, uma delas em 1947, e que, em 1969, foi
declarado Cidadão Pelotense pelo Prefeito Municipal. A nossa queridíssima
Carmem Silva, pelotense, que iniciou a sua carreira profissional na Rádio
Cultura, ao lado de Barbosa Lessa, um dos fundadores do movimento nativista
no Rio Grande do Sul. Os teatros sempre lotadíssimos.
Pelotas era requintada. Nos principais clubes sociais, Clube Comercial,
Diamantinos e Brilhantes, todos os principais bailes do ano eram com traje a
rigor, smoking e vestidos longos. Baile das Debutantes, Baile da Primavera,
Reveillon. No Carnaval, por ser verão, era aceito o summer para os homens, que
é um smoking com paletó branco, ou fantasia.
Família que se prezasse não deixava de comparecer a esses bailes. As filhas eram
apresentadas oficialmente à sociedade.
Os doces de Pelotas já eram famosos em todo o Brasil, embora ainda não tivesse
recebido o título de “A Capital Nacional do Doce”. Familiares do meu pai, que
moravam no Rio de Janeiro, vinham a Pelotas para comprar os doces de
confeitaria. Em 1959 eu vi numa vitrine da Confeitaria Colombo, em plena
Copacabana, um cartaz enorme na vitrine, escrito à mão, que dizia: “Recebemos
pessegada de Pelotas”.
O ensino colegial em Pelotas era da melhor qualidade. Colégios como o
Pelotense, o Gonzaga, o São José, o Assis Brasil, o Santa Margarida, disputavam
o título de o melhor da cidade. O Pelotense se orgulhava de seguir o modelo do
Colégio D.Pedro II, no Rio, considerado o melhor do Brasil.
O Carnaval de Pelotas era considerado o terceiro melhor do Brasil, atrás
somente do Rio de Janeiro e do Recife. O único Carnaval no mundo, de oito
dias. Vinham turistas da Argentina e do Uruguai para assistir ao nosso Carnaval.
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Nós, pelotenses, tínhamos carradas de razões para nos orgulharmos da cidade
em que vivíamos.
Passaram-se muitos anos, cerca de cinqüenta morando em São Paulo, quando
eu vou pesquisar na Internet sobre Pelotas. Qual não foi o meu choque ao
constar que Pelotas era a 9ª classificada no ranking das cidades do RGSul.
Para um pelotense, inadmissível e inaceitável. Comecei a pesquisar sobre as
razões dessa humilhação.
Entre os poucos trabalhos publicados na Internet sobre a Economia de Pelotas,
encontrei um, bastante detalhado, praticamente completo, dos Profs. César
Augusto Oviedo Tejada e Giovani Baggio, mas com um enfoque que não atendia
aos meus anseios. Todo o trabalho dos referidos professores foi calcado na
variável PIB. Nada sobre o desempenho da indústria de Pelotas,
especificamente.
Estes professores reconhecem que “são poucos os trabalhos sobre o
desempenho econômico de municípios específicos do interior do Rio Grande do
Sul. E que não se encontram trabalhos exclusivamente dedicados a analisar o
desempenho econômico e realizar projeções para os indicadores do município
de Pelotas numa perspectiva de médio prazo.”
Pessoalmente, eu tenho uma tese. Em 1956 vem Juscelino, com seu plano de
metas “Cinqüenta Anos em Cinco”, e muda o Brasil.
Conseguiu dar o pontapé inicial em um processo de rápida industrialização no
Brasil, tendo como carro-chefe a implantação da indústria automobilística, com
a vinda de fábricas estrangeiras de automóveis para o Brasil. As fábricas de
automóvel, como conseqüência, proporcionaram a implantação de uma
diversificada indústria de auto-peças, o que gerou milhares de novos empregos.
O Plano de Metas de Juscelino previa um acelerado crescimento econômico a
partir da expansão do setor industrial, com investimentos na produção de aço,
alumínio, metais não-ferrosos, cimento, álcalis, papel e celulose, borracha,
maquinaria pesada e equipamentos elétricos.
Promoveu a indústria naval e a siderurgia. Criou a Usiminas. Construiu grandes
usinas hidrelétricas, como Furnas, localizada em São João da Barra, e Três
Marias. Furnas formou um dos maiores lagos artificiais do mundo que banha 34
municípios mineiros e que ficou conhecido como o "Mar de Minas Gerais".
Juscelino revolucionou o Brasil. Juscelino cumpriu a sua promesa.
No seu governo o Brasil experimentou um forte desenvolvimento econômico. O
Brasil mudou de patamar - e as cabeças também - ... e Pelotas pouco proveito
tirou disso, pelo contrário.
Há um Brasil antes de Juscelino e um outro Brasil depois de Juscelino.
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O Plano de Metas teve tanto êxito que a economia brasileira registrou taxas de
crescimento da produção industrial (principalmente na área de bens de capital)
em torno de 80%.
É justamente na época pós-Juscelino que começa a derrocada da economia de
Pelotas, até agora, inexplicada e inaceitável (a despeito da tese de Mestrado em
Geografia “INDUSTRIALIZAÇÃO E DESINDUTRIALIZAÇÃO DO ESPAÇO
URBANO NA CIDADE DE PELOTAS (RS)”, da Profª. Natalia Daniela Britto - RI
FURG).
Segundo a Wikipédia: Houve um grande crescimento da indústria de bens de produção que
cresceu 370% contra 63% da de bens de consumo.
Percebe-se, por esses números, que na década de ‘50 alterou-se a orientação da industrialização
do Brasil. Contribuiu para isso a Instrução 113 da Superintendência da Moeda e do Crédito
(SUMOC), instituída em 1955, no governo Café Filho. Essa Instrução permitia a entrada de
máquinas e equipamentos sem cobertura cambial (sem depósito de dólares para a aquisição no
Banco do Brasil).
O crescimento da indústria de bens de produção refletiu-se principalmente nos seguintes
setores:
• siderúrgico e metalúrgico (automóveis);
• químico e farmacêutico;
• construção naval, implantado no Rio de Janeiro em 1958 com a criação do Grupo
Executivo da Indústria de Construção Naval (GEICON).
Essa composição desfavorecia fortemente os empreendedores pelotenses,
pela falta de matéria-prima e de mão-de-obra especializada. Não era o seu
perfil.
No entanto, o desenvolvimento industrial foi calcado, em grande parte, com capital estrangeiro,
atraído por incentivos cambiais, tarifários e fiscais oferecidos pelo governo.
Nesse período teve início em maior escala a internacionalização da economia brasileira, através
das multinacionais.
E com as multinacionais vieram as modernas técnicas de produção industrial,
desconhecidas no Brasil.
A introdução do sistema “just in time”, que determina que nada deve ser
produzido, transportado ou comprado antes da hora exata. Os produtos
somente são fabricados ou entregues a tempo de serem vendidos ou montados.
O just in time é o principal pilar atualmente do Sistema Toyota de Produção ou
produção enxuta.
No sistema just in time a indústria não tem necessidade de bancar grandes estoques,
conseqüentemente a necessidade de capital de giro é muito menor, com menores custos
financeiros. Se os custos financeiros são menores, é possível uma diminuição do preço
de venda, aumentando a competitividade.
Racionalização, Gestão de Projetos, Ergonomia de Sistemas de Produção,
Gestão de Processos e Serviços, Gestão Industrial, Qualidade de Produtividade,
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Terceirização e, acima de tudo, Capitalização da Empresa, tudo isso era grego
para os empreendedores pelotenses.
A concentração das multinacionais ocorreu principalmente em São Paulo.
Como conseqüência direta dessa concentração, hoje, a Indústria representa
46,3% do PIB de São Paulo, enquanto em Pelotas representa apenas 18% de um
PIB muito pequeno.
E aqui eu quero abrir um parênteses. Raramente um historiador aborda, na
análise de uma economia, o perfil do empreendedor.
Como eu não sou historiador, me sinto à vontade para comentar!
Eu tenho uma sensação muito forte que o perfil do empreendedor pelotense foi
uma componente muito relevante na derrocada da indústria local.
A grande maioria das empresas era de origem familiar. Os herdeiros que
estavam no comando já pertenciam à 3ª geração. Filhos de pais ricos, ficaram
mais ricos ainda, e se acomodaram ao tipo de produção. Viviam no “high
society” e na Europa, através dos filhos. Quando veio a revolução dos meios de
produção industrial, no período pós-Juscelino, eles não sabiam o que fazer.
Se entregaram ... Alguns por falta de capital; outros por falta de visão, de
entendimento do que estava ocorrendo.
Uma hipótese a ser considerada chama-se “custo de produção”. A indústria
perde competitividade.
A indústria brasileira é acusada hoje, de ter perdido a competitividade e a
modernidade. É acusada de ter se acomodado às condições favoráveis da
economia na década anterior. Essa tem sido a causa principal do recuo da
economia brasileira, que apresenta crescimento negativo, face à recuperação da
economia dos Estados Unidos e da Europa.
E quando eu analiso, hoje, a situação da economia mundial e da brasileira, a
mim fica muito claro aquilo que eu apenas suspeitava mas não tinha certeza: a
queda da indústria de Pelotas ocorreu por falta de competitividade.
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A Vara de Marmelo
Luiz Carlos Marques Pinheiro
Ano 1948. Quando os primeiros portugueses chegaram a Pelotas (o Brasil ainda
era terras da Coroa Portuguesa) constataram que aqui não havia marmeleiros.
Nem aqui, nem em lugar nenhum.
Mas os portugueses não conseguem viver sem a marmelada. O marmelo e a
marmelada são produtos de elevado consumo em Portugal, uma vez que a
marmelada é o produto mais importante da atividade de fabrico de doces de
frutos, compotas, geléias e marmeladas, e que o marmelo é o seu principal
ingrediente.
Trataram logo de escrever aos seus patrícios, em Portugal, pedindo que aqueles
que viajassem para Pelotas trouxessem em sua bagagem mudas de marmeleiro.
Mas eu sei que, no fundo, no fundo, havia um objetivo escuso nesse enorme
interesse pelo marmeleiro. As “varas de marmelo”. Eu volto a elas daqui a
pouco...
Na verdade já havia marmeleiros no Brasil, uma árvore frutífera trazida por
Martin Afonso de Souza em sua viagem ao Brasil em 1530, cujos frutos se
adaptaram plenamente na Serra da Mantiqueira (cadeia montanhosa que se
estende por três estados do Brasil: São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro).
Segundo a profª.Roberta Manica-Berto, o marmeleiro é uma espécie nativa da
região do Transcáucaso, que inclui Armênia, Azerbaijão, Irã, sudoeste da Rússia
e Turcomenistão.
O marmeleiro, embora originário do Médio Oriente, há muitos séculos está
aclimatado na Península Ibérica. Deu origem a uma palavra portuguesa que veio
a ser adotada por outras línguas: a nossa marmelada (necessariamente de
marmelo) deu “marmalade” em inglês (que é a compota de laranja amarga) e
“marmelade” em francês (nome de qualquer compota com a consistência do
puré, mas não da genuína marmelada - pois o mais parecido que existe por lá os
franceses chamam de cotignac d'Orléans).
Os marmelos de Portugal já foram considerados os melhores do mundo.
Atualmente, a Região Centro do País é a melhor da Europa para a produção de
marmelos por causa da acidez do solo e devido ao granito.
No Brasil, o marmeleiro deu origem a algumas variações com o uso da palavra:
marmelada, marmeladão, marmeleiro e marmelo...
- marmelada: carícias amorosas; mas também trapalhada, confusão; e na
Universidade de Coimbra o termo designava um indivíduo indolente,
paspalhão;
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- marmeleiro: para além da árvore designa também o cajado ou varapau feito de
um ramo de marmeleiro; a vara de marmelo;
(Entrar na vara de marmeleiro/ marmelo: ser castigado à paulada, com um pau
ou vara desta árvore);
- razões de marmeleiro: violência física, ameaças.
Mas voltando à vara de marmelo.
As mães portuguesas descobriram, desde há muitos séculos, que a vara do
marmeleiro é muito flexível, ótima para bater nas pernas dos filhos meninos
quando fazem “arte”.
Nas meninas, não, porque deixa marcas.
Era uma maneira didática de direcionar a vida futura dos filhos no bom
caminho. Longe de ser um castigo, era uma lição.
Ainda hoje, dizem alguns, educados à base da varinha de marmelo: “Para ser
sincero, tenho até saudades das varadas. Assim estivesse eu levando surras de
minha mãe até hoje, seria a certeza de sua presença por aqui. A benção minha
mãe! As suas varadas são saudosas!…”
A pedagogia baseada no castigo físico, segundo Gilberto Freyre, “...foi
fortemente utilizada nos colégios de padres e nas aulas dos mestres-régios, uma
vez que eram autorizados pelos próprios pais. Deste modo, os mestres e os
padres exerciam sobre os meninos o poder patriarcal de castigá-los com a vara
de marmelo e a palmatória”.
Pois as mães portuguesas acrescentaram a vara de marmelo à sua coleção de
castigos a serem infligidos aos filhos menores, na faixa de 6 a 10 anos. Eu os
conheço todos, porque a minha mãe, embora tenha nascido no Brasil, era filha
de portugueses vindos de Portugal.
A título de curiosidade, para os mais jovens de hoje, eu vou enumerá-los:
- o quarto escuro - era comum, nas casas antigas, que um dos quartos não
tivesse janela para a rua, o que o transformava em um quarto completamente
escuro, sem luz direta.
Um castigo costumeiro era deixar o menino que fizesse alguma travessura
maior (não havia critério; era o julgamento de cada mãe) deixar o filho
trancado no quarto escuro por umas duas horas; a gente chorava muito, com
medo do escuro;
- atrás da porta – quando a travessura era menor (ainda no julgamento de
cada mãe), ela deixava o filho atrás da porta, e encostava a porta para trás; a
criança ficava olhando para as dobradiças da porta, por uma hora;
- pimenta na língua – as mães costumavam curtir a pimenta malagueta em
vidros com óleo; ficava um caldo oleoso quase da cor da pimenta; quando o
filho dizia palavrões, a mãe pegava o menino pelo braço, o arrastava até perto
do vidro da pimenta e ameaçava passar pimenta na língua.
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A criança puxava o braço com força, várias vezes, na esperança de escapar;
sabiamente a mãe afrouxava a mão e deixava a criança escapar, que saía
correndo. A lição era a simples ameaça da pimenta na língua; era suficiente;
- ajoelhar no milho - a mãe fazia dois montinhos no chão com milho seco e
debulhado; o filho tinha que ficar ajoelhado em cima do milho, um joelho em
cada montinho, por uma meia hora.
Era um dos castigos que mais doíam, porque os grãos do milho cravavam as
suas pontas na carne do joelho; mas não chegava a sangrar,
e
- a vara de marmelo – que ficava sempre atrás da porta.
As mães portuguesas sabiam como usá-las. Como os filhos nessa idade - 6 a
10 anos – usavam calça curta, elas davam uma ou duas varadas nas pernas;
mas elas sabiam onde bater: era na barriga da perna, que é mais gorda.
Cada varada nas pernas era um lanho, um vergão, porque a vara é muito
flexível. Então, duas varadas, dois lanhos. Era preciso que a travessura fosse
muito grande para merecer três varadas.
Eu não escapei de levar algumas varadas, em algumas vezes. Mas nada que
tivesse deixado uma marca na alma.
De certo eu era um menino bastante ativo...
Quando eu lembro hoje dessa época, sinto saudades.
Como dizia o saudoso Ataulfo Alves:
Eu daria tudo que eu tivesse
Pra voltar ao tempo de criança
Eu não sei pra quê que a gente cresce
Se não sai da gente essa lembrança
...........................
Eu igual a toda meninada
Quanta travessura que eu fazia
Jogo de botões sobre a calçada
Eu era feliz e não sabia.
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O Carnaval do Cassino
(Dedico essa crônica ao meu primo Zuza)
Luiz Carlos Marques Pinheiro
Ano 2014. Eu estava de férias em Pelotas e o meu primo e a sua
mulher me convidaram para assistir o Carnaval do Cassino.
Eu fui, pela companhia. Não fazia fé nenhuma no Carnaval do Cassino.
Quando chegamos, qual não é a minha surpresa? Não havia um só lugar para
estacionar o carro! Todas as ruas, paralelas e transversais, estavam todas
tomadas de carro. Devia haver, pelo menos, uns trinta mil carros.
Depois de muito circular, encontramos um bico de calçada, numa perpendicular
à Avenida, na frente do primeiro carro, com metade do nosso carro invadindo a
avenida. Se multarem ... paciência!
A localização era excepcional: quase em frente ao Hotel Atlântico.
Naquele canteiro central que fica entre as faixas da avenida, e que é bem largo,
encontramos uma pequena elevação de terra, de onde podíamos assistir ao
Carnaval quase de camarote.
Que baita surpresa! Eu tinha visto há poucos dias atrás o Carnaval de Pelotas
que, cá pra nós, dá até dó.
Eu muito brinquei no Carnaval de Pelotas, quando era na Rua XV, e era o 3º
melhor carnaval do Brasil. Naquele tempo, a gente achava o Carnaval de Rio
Grande uma piada, de uma pobreza franciscana... Eram esparsos blocos de vila.
Pelotas, não! E a gente se orgulhava de ter um dos melhores carnavais do Brasil,
para onde acorriam milhares de turistas uruguaios e argentinos, que lotavam os
hotéis e hospedarias, e permaneciam pulando e dançando nos oito dias de
Carnaval.
Agora, mudaram o Carnaval pro Porto, que não é lugar de Carnaval. Carnaval é
no Centro da cidade.
Colocaram arquibancadas , porque agora o Carnaval de Pelotas é pra se assistir,
não pra participar.
Colocaram alambrados, pro povo não invadir, como se o Carnaval não fosse a
maior festa do povo.
Passava um pequeno bloco, havia um “buraco”, e depois aparecia um outro
bloco. Todos muito pobres, como era em Rio Grande. Só esquentou quando
apareceu “A Bruxa da Várzea!”.
Os foliões que passavam acompanhando um desses pequenos blocos, se
quisessem passar atrás do próximo, tinham que fazer uma volta por trás da rua,
de uns oitocentos metros, no escuro.
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Eu, como pelotense forasteiro, perguntava: mas onde estão as grandes escolas
de Pelotas? A Academia, a Gal.Osório, A Teles? Simplesmente não
participaram!!!
Tem mais. O órgão de Turismo de Pelotas reduziu o Carnaval pra 4 dias,
começando numa sexta-feira (que crime com Pelotas! De que cabeça saiu essa
idéia?). Acabaram com o desfile das Campeãs da 5ª feira, e acabaram
sumariamente com o Domingo da Pinhata, uma tradição de Pelotas desde 1909
(dizem alguns, até, que desde o século XIX).
Será que alguma autoridade tem o direito de jogar na lata do lixo da História
uma tradição de mais de cem anos? Numa cidade que tem orgulho das suas
tradições?
Eu saí da arquibancada com muita tristeza e uma revolta muito grande! As
tradições de Pelotas merecem mais respeito! Eu preferia não ter visto esta
Pelotas!
E aí eu vejo o Carnaval do Cassino.
É a cópia do Carnaval de rua de Pelotas da década de ’50. Não tem
arquibancada, porque o Carnaval é do povo; é pra participar.
Não tem alambrado. Quem quiser, é só entrar no meio da multidão e se
misturar com o povão; e sair na hora que quiser.
Até o sistema de cadeiras foi copiado. Com uma vantagem. No Carnaval de
Pelotas a gente alugava a calçada das lojas para colocar cadeira que a gente
levava de casa, e grudava um papel com o nome.
No Cassino, o pessoal leva cadeiras de praia de casa - que não se paga nada e assiste aos desfiles sentado, tanto nas calçadas como no canteiro central,
vibrando com o Carnaval.
O povo que não está sentado fica em pé, ao longo da avenida, na divisa com a
faixa, cantando e acompanhando com o corpo os movimentos do samba.
Ninguém consegue ficar parado.
O desfile de blocos emenda um no outro. É uma massa única de gente pulando e
cantando. Não se consegue saber nem qual é o bloco que está passando, tal é o
acúmulo de gente. Esse é o autêntico Carnaval de rua!
É a Pelotas da Rua XV, revivida!
Mas lá no fundinho eu sentia a falta de alguma coisa: o “cheiro de lança no ar”.
“Hoje não tem dança
Não tem mais menina de trança
Nem cheiro de lança no ar”
(No Cordão da Saideira / Edu Lobo)
E aí, intimamente, eu pedi perdão a Rio Grande, ao Cassino, pela grande
injustiça que tinha eu cometido.
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O Cassino, hoje, dá lição a Pelotas de como se faz Carnaval.
Um dado me chamou a atenção. Uma das faixas da avenida estava totalmente
tomada por barraquinhas e carrinhos vendendo comida. Dezenas de
barraquinhas. É um sinal dos tempos.
Nesse lado da avenida o vai-e-vem de gente é tão intenso que mais parece uma
continuação do Carnaval.
No Carnaval de Pelotas não se comia. Só nas lanchonetes. As barracas que
ficavam em volta da praça vendiam confete, serpentina e, principalmente, lançaperfume. Muitas delas faziam bingos, ou tinham roleta, cujo prêmio era um
lança-perfume. Nas barracas de melhor nível o lança-perfume era metálico,
“Rodouro”. Nas barracas mais simples, o lança-perfume era de vidro,
“Colombina”.
O Carnaval em Pelotas era levado tão a sério, que as prostitutas só não
“trabalhavam” em dois dias do ano: no Carnaval e na Semana Santa.
O Carnaval é a maior festa popular que o Brasil já conheceu. É um
congraçamento sem igual de raças e de cor, modelo para esse mundo desigual.
No Carnaval todos são iguais, brancos, negros e mulatos sarará, negras magras e
negras muito gordas, pobres e ricos, trabalhadores e desempregados, favelados
e moradores em mansões.
O Carnaval deveria ser considerado o “Dia da Confraternização Mundial”.
Na minha concepção, os pobres, os mais pobres, os humildes, tem tão poucas
oportunidade de soltar a alma, que não é justo que se tire deles essa rara
oportunidade de ser feliz. Eles merecem ter um verdadeiro Carnaval de rua,
como tem o povo de Olinda e Salvador.
Quando eles desfilam nas suas escolas de samba, eles deixam de ser pedreiros,
pintores, lixeiros, e atingem o grau máximo da glória: eles são “passistas”, em
defesa da sua escola.
A alma do sambista está expressa nesses versos:
“Como é que eu posso por ela trocar
A emoção de ver Vilma dançar
Com o seu estandarte na mão
E ouvir todo o povo Meu povo aplaudir
Minha escola a evoluir / Minha ala comigo passar
Bem melhor do que ela / É sair na Portela
E um samba de enredo no asfalto cantar
(“O Conde / Evaldo Gouveia)
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O Domingo da Pinhata
Luiz Carlos Marques Pinheiro
Ano 1948. O Domingo da Pinhata é uma tradição de Pelotas desde 1909.
Na Internet eu colhi a seguinte informação, sujeita a confirmação:
“A Biblioteca Pública Pelotense foi oficialmente instalada em 05 de março de 1876, um
domingo. Domingo da Pinhata.”
A Pinhata tem origem, ao que tudo indica, na Itália, no séc.XIV. Mas não tem
nada a ver com o nosso Domingo da Pinhata.
A pinhata originária era uma festa dançante que se realizava no primeiro
domingo da Quaresma: O baile da pinhata.
Na Itália a pinhata transformou-se em uma tradição religiosa popular nas
celebrações da quaresma. O primeiro domingo da quaresma tornou-se o
"domingo da pinhata", onde pinhatas em forma de jarros de barro de água eram
usadas.
Em alguns países consistia em uma panela, recheada de doces, totalmente
coberta por papel crepon, suspensa no ar a uma altura média de dois metros
onde o participante, vendado, tenta quebrá-la com um bastão e,
conseqüentemente, liberar os doces.
No Brasil, se restringe à Região Nordeste, mais precisamente nos estados da
Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e interior da Bahia, sob o nome de
quebra-panela ou quebra-pote, dentro do mesmo espírito.
Não encontrei nenhum registro que identificasse essa pinhata com o Domingo
da Pinhata de Pelotas.
Na Internet eu encontro: “HÁ UM SÉCULO NO CORREIO DO POVO - Pesquisa e
edição: DIRCEU CHIRIVINO | [email protected] - Correio do Povo
do dia 5 de março de 1909 noticiava: TELEGRAMMAS - DOMINGO DA
PINHATA - Rio Grande, 4 – Está definitivamente resolvido que a Pinhata será
festejada no próximo domingo, aqui, em Pelotas e em Bagé.
Eu acredito até que, com o nome de Domingo da Pinhata, seja uma criação
local, da região, e que hoje só exista em Pelotas.
O Domingo da Pinhata começou como um movimento de insatisfação da
população com o término do Carnaval, na terça-feira gorda.
No primeiro dia após o Carnaval acontece a quarta-feira de cinzas, quando
começa a Quaresma, período guardado com muito respeito pelos católicos.
Os católicos, especialmente os de Pelotas, não admitem que se faça Carnaval na
Quaresma. Mas o povão nunca ligou pra isso. Os católicos de Pelotas também
brincam no Domingo da Pinhata.
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A quarta-feira de cinzas é o primeiro dia da Quaresma no calendário cristão
ocidental. No Catolicismo Romano é um dia de jejum e abstinência. As cinzas
que os cristãos católicos recebem neste dia são um símbolo para a reflexão sobre
o dever da conversão, da mudança de vida, recordando a passageira, transitória,
efêmera fragilidade da vida humana, sujeita à morte.
A quarta-feira de cinzas ocorre quarenta dias antes da Páscoa. Seu
posicionamento no calendário varia a cada ano, dependendo da data da Páscoa.
A data pode variar do começo de fevereiro até à segunda semana de março.
No Recife a folia continua na quarta-feira de cinzas, com shows e blocos na rua.
Diz o “Diário de Pernambuco”: O Carnaval continua em Recife nesta Quartafeira de Cinzas com shows e blocos. A festa recomeça às 12h com o Bacalhau no
Mercado da Boa Vista.
Não é só no Recife. Os jornais de Salvador noticiam “Para encerrar a grande
festa com chave de ouro, na quarta feira de cinzas ainda rola o famoso
“Arrastão”, onde alguns artistas se concentram no trio realizam um show
aberto para todo o público. Normalmente, a musa Ivete Sangalo e a banda
Timbalada comandam o arrastão da quarta-feira de cinzas. Quando todos
pensam que o Carnaval acabou eles põem os seus trios elétricos na contra-mão
do circuito Osmar e fazem a festa de quem ainda tem energia. E o melhor, sem
cordas, pra todo mundo curtir.”
Mas não há uma só referência sobre a existência do “Domingo da Pinhata”, nem
no Recife, nem em Salvador.
O Carnaval em Pelotas tem oito dias. E o Domingo da Pinhata é o oitavo dia.
Para o pelotense, o Domingo da Pinhata é sagrado. É o último dia do Carnaval.
O povo na rua grita em uníssono: ...“É hoje só, amanhã não tem mais! ...É hoje
só, amanhã não tem mais!
20
Os paralelepípedos
Luiz Carlos Marques Pinheiro
Ano 1950. Eu não poderia deixar de registrar um dos grandes ícones do
patrimônio histórico de Pelotas, que são os paralelepípedos.
Infelizmente, os historiadores de Pelotas - e são tantos - estão devendo uma
abordagem histórica e um melhor registro sobre os paralelepípedos.
Me faltam dados históricos sobre o uso dos paralelepípedos no Brasil, mas, ao
que tudo indica, foi por volta de 1873, ligado à produção das primeiras
pedreiras.
Já partir da década de 1870 a entrada de trabalhadores europeus no Brasil
passou a ser oficialmente organizada pelo governo. Foram os trabalhadores
europeus que trouxeram para o Brasil a técnica de transformar o basalto
extraído das pedreiras em paralelepípedo.
Os calçamentos do tipo paralelepípedo são considerados pavimentos
ecologicamente corretos, permitindo a infiltração da água da chuva. A sua
colocação tem um termo específico, de origem portuguesa, “calceta”.
Centenários, um trabalho considerado duríssimo, que em certo tempo era
oferecido aos presidiários como forma de abreviar as penas de detenção,
simplesmente porque faltavam operários dispostos a trabalhar sob condições
tão adversas, confeccionados com muita arte e alta técnica.
O trabalho final de preparação é chamado de “cantaria” e exige, após o corte da
pedra na pedreira, pelo menos dois tipos de profissional: o que faz o
acabamento da pedra e o que faz a “cantaria”, a lavra e o polimento da pedra
como produto ornamental.
Os primeiros calçamentos de ruas com paralelepípedo, em Pelotas, dependeram
da mão-de-obra especializada dos europeus.
Num exame mais detido das centenas de fotografias de paralelepípedos que
existem em Pelotas pode se constatar que não foram colocados todos na mesma
época.
Os mais antigos têm a face externa levemente abaulada. Como na foto abaixo.
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Magníficos quando vistos em uma fotografia em preto e branco, ao anoitecer,
principalmente após a chuva.
Os que devem ter sido colocados posteriormente, têm a face externa
absolutamente reta, como na Gal.Osório ou na Benjamim Constant.
Provavelmente a cantaria da época já não tinha a mesma técnica dos antigos
europeus.
As pedras eram fornecidas pelas pedreiras do Capão do Leão.
São marcantes na cidade, objeto de inúmeros registros fotográficos, mas um
silêncio total na literatura sobre a sua origem e história.
No processo de colocação dos paralelepípedos, a boa técnica é deixar entre as
pedras um espaço de mais ou menos dois centímetros. Através dele, a água
penetra e é absorvida pelo subsolo, porque assentado sobre areia. Permite a
infiltração da chuva, recarregando os lençóis freáticos e diminuindo os riscos de
enchentes.
Nas enchentes provocadas pelo excesso de chuva, eles absorvem 50% da água.
Outro fator positivo é que o rejunte desse material é todo feito com pedrisco, o
que facilita o escoamento da água. Uma rua de paralelepípedos, por questões
geológicas, absorve menos calor. Os paralelepípedos têm a faculdade de refletir
a luz do sol, facilitando a dispersão do calor, o que ameniza as altas
temperaturas.
Analisados nos dias de hoje, os paralelepípedos oferecem a vantagem de forçar a
redução da velocidade dos carros, melhorando a segurança da população.
Aí, vem os eternos dirigentes municipais, querendo dar um ar de modernidade
na cidade, e recobrem os paralelepípedos com uma manta asfáltica,
impermeabilizando a rua.
Em sentido contrário, na Europa, em algumas cidades européias, o asfalto está
sendo retirado e substituído por pedras, que possuem durabilidade ilimitada,
são removíveis e reaproveitáveis. Um dos motivos da troca é exatamente a
diminuição dos acidentes automobilísticos.
Além disso, a cobertura com asfalto tem um custo de manutenção muito alto,
exigindo um permanente trabalho de manutenção, ao passo que os
paralelepípedos dispensam manutenção.
Historicamente, aliada ao surgimento dos automóveis, no início do século XX a
pavimentação das ruas na Europa recebeu melhorias por parte das
administrações, com novos calçamentos de paralelepípedos de granito nas
principais vias das cidades.
Na capital portuguesa, Lisboa, existem trechos com mais de quinhentos anos de
idade, que se apresentam totalmente perfeitos. Outro exemplo: calcula-se que a
pavimentação da Praça Vermelha, em Moscou, capital russa, tenha 1200 anos
de idade.
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Na Europa existem competições de bicicleta exclusivamente em
paralelepípedos. Há uma, em especial, Paris-Roubaix (França), cuja primeira
edição data de 1896. São 268 quilômetros pelo norte da França e é considerada
como a “rainha dos clássicos”.
Há ainda a Liège-Bastogne-Liège, na Bélgica, e o Tour of Flanders (Bélgica) que
surgiu em 1913.
Em Pelotas, ao invés de serem cobertos com piche, os paralelepípedos deveriam
estar sendo substituídos ... os irregulares por regulares, cortados com capricho e
boa técnica, embora eu não saiba se existem ainda hoje profissionais que saibam
cortar uma pedra com boa técnica.
Em má hora no passado, algum dirigente municipal em Pelotas resolveu fazer o
calçamento de algumas ruas, e até avenidas, como a Av.Duque de Caxias (na
época, Gal.Daltro Filho), no Fragata, com paralelepípedos irregulares, que
podem ser vistos até hoje em algumas ruas e avenidas. Na concepção desses
dirigentes - pobres ignorantes - tudo era pedra...
Kleiton e Kledir, talvez os maiores divulgadores de Pelotas que eu conheço,
eternizaram os paralelepípedos na música que dedicaram a Pelotas:
“Caminhando por Pelotas / Lembrei de quando eu nasci / Um quarto da Santa Casa /
O palco do Guarani // Contei paralelepípedos / A caminho da escola / Sonhei
ladrilhos hidráulicos / Paredes de escariola” / ... / Pelotas minha cidade / Lugar onde
eu nasci, / Ando nos braços do mundo / Mas sempre volto pra ti!
Esquinas de pedra
(Pelotas, Capital Cultural)
“Uma das semelhanças entre Pelotas e algumas cidades européias são as ruas calçadas
com paralelepípedos, um uso urbano comum no século XIX. Hoje em dia, quem admira
as modernidades globalizadas geralmente abomina o que é antigo e não quer nem saber
daquela época em que Pelotas reproduzia costumes franceses. Mas se trata de uma
reação fóbica ao conhecimento das raízes.
Foto 1: esquina de Montmartre, Paris
23
Foto 2: esquina do Café Aquários
Além de recordar o sabor de tempos passados, as ruas de pedra são seguras, estéticas e
ecológicas. Em Pelotas, elas combinam com a umidade do inverno e do verão, e trazem
à consciência outra parte da história, menos apresentável ao turista: esses
paralelepípedos foram confeccionados, transportados e colocados por escravos ou seus
descendentes.
Apesar da decadência pelotense, iniciada entre 1930 e 1945 e prolongada até hoje,
muito do que ficou parado no tempo está sendo valorizado e pesquisado, por turistas e
estudiosos.
Uma das coisas por ser entendidas é como ainda conservamos tantas ruas de pedras, de
um modo que nos liga àquelas épocas de riqueza e de paraísos sonhados. Essa ponte
tão evitada pode nos levar a nossas raízes e depois permitir-nos avançar no tempo.”
Nada disso era do conhecimento dos dirigentes municipais de Pelotas - santa
ignorância - quando resolveram cobrir as ruas com asfalto. É imperdoável!
O novo Prefeito de Pelotas poderia baixar um decreto proibindo que, na gestão
dele, os paralelepípedos atuais não recebam qualquer tipo de cobertura, a
qualquer título. Eu tenho certeza que essa decisão seria reconhecida
publicamente pelo Kleiton e pelo Kledir, com uma nova música.
24
A Arborização das Ruas
Luiz Carlos Marques Pinheiro
Ano 2014. Existe um consenso generalizado entre a população de Pelotas de que
há necessidade de aumentar a cobertura vegetal da cidade, em especial, a
arborização das ruas.
O foco principal é a redução da poluição do ar que se respira. A carência de
árvores nas ruas de Pelotas é sobejamente conhecida, até pelo Prefeito.
A opinião mais otimista dos especialistas prevê o aumento da temperatura
global em 2ºC até 2050. Na hipótese mais pessimista, o planeta ficará entre
2,6ºC e 4,8°C mais quente, frente à média observada entre 1986 e 2005.
A arborização, entre outras vantagens, promove a diversificação da flora e da
fauna; produz liberação de oxigênio, absorção de gás carbônico, aumento da
umidade (fatores determinantes para melhoria da qualidade de ar); absorção de
ruídos, diminuindo a poluição sonora; oferta de abrigo e alimento aos animais
viventes na cidade; oferta de bem estar aos seres humanos, melhorando a saúde
física e mental. E sombreamento.
Deixa a cidade mais bonita, alegre ... e traz de volta os passarinhos.
Eu acho que posso dar um testemunho pessoal para os governantes de Pelotas
do que seja uma arborização.
Eu moro em São Paulo - Higienópolis - , e os dois bairros contíguos,
Higienópolis e Pacaembu, são totalmente arborizados com árvores de porte nas
duas calçadas, independentemente da largura destas, algo em torno de 20 mts.
de altura (algumas com mais de 70 anos); as árvores chegam a atingir o 4º
andar dos prédios, e até mais.
Em algumas noites, a gente chega a dormir ouvindo o canto dos passarinhos,
que cantam a noite inteira.
As avenidas principais dos dois bairros, Av.Angélica, Av.Higienópolis e
Av.Pacaembu, são totalmente arborizadas com árvores do mesmo porte e até
maiores.
Av.Higienópolis
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Os edifícios são quase todos de alto nível, para as classes alta e média-alta. Cada
edifício faz um tratamento pessoal na sua calçada, quer no desenho e tipo de
pavimentação, quer em paisagismo. A Prefeitura dá liberdade para isso.
Em cada quadra há sete ou oito árvores. Em torno de cada árvore alguns
edifícios constroem uma mureta de proteção das raízes, de tijolo e cimento, com
uns dez centímetros de altura, e a dimensão de 60 cm X 60 cm, afastada da guia
da calçada uns dez a vinte centímetros. Nesses pontos a calçada perde uns
oitenta centímetros, que não prejudica em nada o trânsito de pedestres.
Na minha rua, e nas próximas, a largura das calçadas tem em torno de 2,60 mts.
A única exigência da Prefeitura é de que as calçadas tenham uma faixa livre de
no mínimo 1,20 m de largura, e não apresentem nenhum desnível ou obstáculo
de qualquer natureza, ou vegetação. Essa é a faixa mais importante, pois é aqui
que garantiremos a circulação de todos os pedestres.
Alguns edifícios, em seqüência a essa mureta de proteção das árvores, e no
mesmo alinhamento, fazem uma faixa de uns sessenta centímetros de grama,
em toda a largura do seu terreno. Torna a visão geral muito agradável.
O bairro desmente a argumentação da Prefeitura de que as árvores prejudicam a
rede elétrica. Em Higienópolis, os fios da rede elétrica passam por entre os
galhos das árvores, em nada prejudicando a sua eficácia.
Uma outra qualidade do bairro: em todas as esquinas há faixas de pedestres.
Não há um carro sequer que desobedeça a faixa, priorizando sempre o pedestre.
A velocidade média dos carros que circulam pelo bairro gira em torno de 35
km/h.
Todas as ruas de Higienópolis têm o nome de Estados brasileiros: Bahia,
Sergipe, Rio de Janeiro ...
No centro geográfico de Higienópolis, há uma praça - Pça.Buenos Aires, com
100m X 100m - com árvores enormes (acima de 20m) e várias alamedas
internas, onde o pessoal costuma passear todos os dias e onde as mães levam as
crianças para brincar; os mais idosos sentam com os amigos nos bancos de
madeira com estilo antigo; os adultos fazem Cooper no entorno da praça.
Visão panorâmica da entrada do parque pela Av. Angélica
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A cem metros da Pça.Buenos Aires há um pequeno largo, Pça.Villaboim. Essa
praça, embora pequena, também tem árvores de porte de até 30 mts. O Largo é
totalmente cercado por restaurantes, talvez uns dez, um dos “points” do bairro.
Para aumentar o conforto dos seus moradores, foi inaugurado há pouco tempo
um Shopping Center, na Av.Higienópolis.
Higienópolis tem, ainda, o cemitério mais tradicional de São Paulo, o Cemitério
da Consolação, onde estão os jazigos de todos os tradicionais “barões do café”,
homens que fizeram a riqueza de São Paulo. Há jazigos, verdadeiras capelas,
construídas com mármore de Carrara (Itália), que apresentam esculturas de
anjos e santos, também esculpidos em mármore ou bronze.
O mausoléu da família Matarazzo, o maior da América Latina, que possui 25 m de
altura e área total de 150 m². As esculturas em bronze são do artista italiano Luigi
Brizzolara. Na época, a aristocracia cafeeira torcia o nariz para os imigrantes, que
eram considerados “novos ricos”. (ConhecendoSãoPaulo:porMinaYodono)
Os “barões do café” escolheram Higienópolis para morar, onde construíram
enormes mansões. Uma delas - a da família Silva Prado - , tombada hoje pelo
Patrimônio Histórico, está localizada no centro de um terreno de mais de meio
quarteirão, numa esquina da Av.Higienópolis.Chamada de Chácara Vila Maria
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na época, a casa de Dona Valéria Veridiana da Silva Prado era o ponto de
encontro da intelectualidade, nos salões literários promovidos por ela. O
palacete foi construído em 1884.
Dou-lhes uma visão panorâmica do Pacaembu
Pacaembu
Largo do Estádio
Para quem não sabe, Curitiba foi reconhecida como a cidade mais verde do
Brasil e a 3ª do mundo, indicada no site “Green571”.
Mas esse tipo de tratamento na cidade de São Paulo não foi dado só para
Higienópolis e Pacaembu. O mesmo conceito de arborização foi aplicado na
região dos Jardins, uma área nobre de São Paulo. Jardim Europa, Jardim
América, Jardim Paulista, Jardim Paulistano, são totalmente arborizados com
árvores de porte.
Para situar melhor o tema, no Jardim Europa, graças ao sucesso de vendas do
bairro vizinho Jardim América, o engenheiro-arquiteto carioca Hipólito Gustavo
Pujol Jr. desenvolveu, em 1922, um projeto para a área que seguia as mesmas
diretrizes de “cidade-jardim”: ruas curvilíneas com intensa arborização e
integradas a praças e a jardins internos.
O projeto inicial cobria uma área de 900 mil metros quadrados, dividida em 49
quadras. Suas praças conservam, ainda hoje, diversas espécies arbóreas, como
ipês, sibipirunas, flamboyants, jacarandás e palmeiras. Suas ruas foram
batizadas com os nomes de países e cidades do continente europeu: rua Rússia,
Turquia, Grécia etc.
O bairro é um dos mais valorizados da cidade, seu metro quadrado, para
imóveis usados, vale cerca de R$ 14.000. Nas ruas Tucumã, Professor Artur
Ramos , Fréderic Chopin, Seridó e Franz Schubert, que fazem divisa com o
Jardim Europa, o metro quadrado vale R$ 20.000.
Para se fazer uma idéia do que é São Paulo, dos dez bairros mais caros, oito
estão localizados na zona sul e dois na zona oeste. O bairro com o metro
quadrado mais caro é a Vila Nova Conceição (R$ 14.675), seguido pelo
Jardim Europa (R$ 14.145) e Jardim Paulistano (R$ 12.188). Os preços
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indicados são apenas para imóveis usados. O preço de imóveis novos é bem
mais caro.
Mas voltando a Pelotas.
A carência de árvores nas ruas de Pelotas é sobejamente conhecida, até pelo
Prefeito.
Luta pelo avanço da arborização
“O professor dos cursos de Ecologia, Biologia e Farmácia da Universidade Católica de Pelotas
(UCPel), Rogério Ferrer, avalia que a situação da arborização pública na cidade é complicada.
Isso se deve ao fato de a cidade possuir baixos índices de arborização em calçadas e áreas
verdes, bem abaixo do recomendado por órgãos internacionais. “Boa parte da área central foi
construída sem levar em conta a arborização das calçadas, isto é, em boa parte do centro não há
espaço para a arborização e, quando ela é feita, em geral é feita sem cuidado”, explica. Quando
uma árvore é plantada, deve-se conhecê-la e estimar o tamanho que vai atingir em uma ou duas
década, para que não cause problemas”. (Diário Popular, 28/10/2013).
Literatura há, e é extensa. Há um trabalho, completíssimo, denominado “Guia
para Planos Ambientais Municipais”, dos profs.Marcos Vinicius Godecke e
Giovanni Nachtigall Maurício: “Este livro é resultado de uma construção
coletiva envolvendo professores, alunos e egressos do curso Superior de
Tecnologia em Gestão Ambiental da Universidade Federal de Pelotas (UFPel)”.
A própria Prefeitura tem um trabalho denominado “PROGRAMA DE
DESENVOLVIMENTO MUNICIPAL INTEGRADO- PDMI - Instrumentos de
Gestão Ambiental - Anexo 12 - Guia de Arborização Urbana de Pelotas/RS”.
Mas não passa da demonstração de boa vontade.
A necessidade urgente de uma arborização das ruas de Pelotas não é tema para
controvérsia, porque está comprovado pela pesquisa desenvolvida na
Universidade Federal de Pelotas (UFPel), pela mestranda em Bioquímica e
Bioprospecção, Roberta Foerstnow Szczepaniak, publicada parcialmente pelo
Diário Popular.
Os níveis de poluição do ar, em Pelotas, estão muito acima dos níveis
recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Impõe-se, primeiramente, a aplicação efetiva da Lei que instituiu o Código do
Meio Ambiente do Município de Pelotas (ano 2000), descumprida e ignorada
totalmente pela própria Prefeitura.
É preciso, também, um documento específico para disciplinar a matéria: o
Estatuto da Planta.
O CENTRO DE ESTUDOS AMBIENTAIS – CEA, fundado em Rio Grande, com
um escritório Regional em Pelotas, há muitos anos vem reclamando da
derrubada de árvores nas calçadas do centro de Pelotas, principalmente os
jacarandás-mimosos.
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Recentemente o Centro registrou uma reclamação “contra o corte de árvores no
bosque do Seminário, que causou grande impacto ambiental e visual na
cidade. O Bosque do Seminário abrigava árvores exóticas e nativas, entre elas,
nove figueiras, espécies protegidas de corte. Seis delas deveriam ser
transplantadas, mas não suportaram os danos decorrentes do corte do bosque
e morreram, segundo informou a SQA, que também anunciou, como medida
compensatória, setenta e cinco mudas de figueiras, com 2m de altura”.
É um contra-senso inadmissível. A cidade clamando “pelo amor de Deus” para
aumentar a sua arborização, e as autoridades derrubando ...
É preciso surgir um Prefeito que se decida a encarar o problema de frente.
É preciso constituir uma equipe de engenheiros-agrônomos florestais e
arquitetos-paisagistas, com um coordenador disposto a realizar, e definir,
primeiramente, um plano de ação:
Com a assistência dessa equipe, é possível escolher variedades que enfeitem a
cidade sem sujar muito.
1 - Mapear todas as ruas da cidade que compõem o núcleo central, e as
principais avenidas, identificando as que comportam o plantio de árvores,
especialmente as de porte médio. Pelotas já teve uma parte das ruas do núcleo
central arborizadas.
2 –Devem ser distinguidas as ruas estreitas e as ruas mais largas.
O traçado das ruas de Pelotas, originalmente, estabeleceu a existência de
calçadas com apenas 1,20 m de largura, o que impede a plantação de árvores.
Outras, porém, têm 2,00/2,20 m de largura, como a Mal.Floriano, Gal.Osório,
Mal.Deodoro, Benjamin Constant, Barroso, XV de Novembro no sentido
Mercado Municipal / Porto.
A título de parâmetro, a Prefeitura de São Paulo exige a manutenção de uma
faixa livre de apenas 1,20 m para o trânsito de pedestres.
A Gal.Osório tinha, até, um canteiro central.
30
(PRIVATE “TYPE=PICT;ALT=Foto de Estevão Fontoura Ribeiro.”)
Os arquitetos-paisagistas sabem como escolher o tipo certo de árvore para cada
tipo de calçada.
3 – As avenidas centrais já devem ter um tratamento diferenciado, como a
av.Bento Gonçalves. Comporta tanto eucaliptos de grande porte, no seu canteiro
central, como árvores de porte, nas calçadas.
4 – As grandes avenidas, no Fragata e Areal, preocupam. Seus eucaliptos são
centenários. Muitos deles já devem estar mortos.
É preciso fazer um inventário de cada árvore, com muita paciência (e
consciência), para tomar uma decisão. De qualquer forma, essas avenidas
precisam de uma cobertura vegetal de porte em toda a sua extensão.
A decisão tem que ser taxativa, não comportando qualquer tipo de discussão.
“O problema também é grande na avenida Duque de Caxias, no Fragata. De acordo com a
Secretaria de Qualidade Ambiental (SQA), cerca de cem árvores precisam ser suprimidas da
região. Enquanto isso, a apreensão, principalmente nos dias ventosos, toma conta das pessoas
que trabalham diariamente na região. “Penso que é preciso mais fiscalização. É muita árvore
velha com galho seco”, diz o taxista Gilberto Borges, que trabalha há oito anos no ponto,
quase em frente à Cohab Duque.”(Diário Popular, 28/10/2013).
5 – O bairro das Três Vendas, a rigor, nunca teve uma caracterização precisa.
Ele só começa a se caracterizar a partir do Seminário e da Agrícola.
Os urbanistas precisam dar uma melhor caracterização a esse bairro.
6 – As novas avenidas, como a Dom Joaquim, merecem um tratamento especial,
não só arbóreo, como paisagístico, porque há muito espaço livre e podem
embelezar toda a região. Podem, ainda, se transformar em área de lazer da
comunidade, a exemplo do que ocorre na Europa.
Os arquitetos-paisagistas poderiam se inspirar no partido tomado no Jardim
Europa, em São Paulo.
7 – As praças, e em Pelotas as há muitas. Cada uma deve merecer uma análise
individual, e um projeto específico. Aqui entram os arquitetos-paisagistas.
Nas praças podem ser privilegiadas as árvores que dão flores. Mas deve haver
uma preocupação muito grande com a diversificação, com o paisagismo.
É uma oportunidade, inclusive, de dar uma amostra aos visitantes da variedade
da vegetação existente em Pelotas, adaptada à região.
A Pça.Cel.Pedro Osório pode se transformar numa vitrine-viva da flora
existente. Cada árvore da Pça.Cel.Pedro Osório, por ser esta um verdadeiro
cartão-postal da cidade, deve ter o seu nome identificado através de uma
plaqueta.
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O Prefeito poderia dar o primeiro passo e mandar replantar grama nas extensas
áreas de terra nua da Pça.Cel.Pedro Osório, uma visão entristecedora, fato que
eu tive oportunidade de constatar pessoalmente.
A lamentar-se o ocorrido com o Parque Sousa Soares. Ante a impassividade dos
governantes o parque foi loteado, desaparecendo um dos maiores patrimônios
histórico-culturais de Pelotas, uma relíquia datada de 1883.
Uma extensa área verde a menos para Pelotas.
O parque já havia se tornado um bem público desde o início do século XX,
quando se transformou no local de lazer da classe mais rica da cidade. O parque
já foi tão importante que os ricos exigiram, na época, que os trilhos do bonde
fossem desviados e passassem por dentro parque, para comodidade dos
usuários.
A sua desapropriação por “utilidade pública e interesse social” seria uma
decorrência natural, ainda mais porque representa um verdadeiro pulmão verde
na vida do Fragata.
A relevância dada pela mídia de Pelotas à arborização é tão pouco significativa
que a última notícia sobre o assunto foi dada pelo Diário Popular, em Novembro
de 2013.
Transcrevo matéria do Diário. A matéria alerta que o tema da poluição do ar em
Pelotas é um tema “atualmente obscuro”, o que só confirma o que eu já havia
constatado.
“Diário Popular>Geral>Dados pre...
De olho na qualidade do ar - 16 de Novembro de 2013 - 21h05
Por: Michele Ferreira
[email protected]
“Uma pesquisa desenvolvida na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) permitirá
conhecer parte de um cenário até atualmente obscuro: o da poluição do ar em Pelotas. Os
dados são preliminares, mas já preocupam. Em estações como o inverno, a quantidade de
partículas em suspensão na atmosfera - em função da larga frota de veículos, de processos
industriais e da poeira, por exemplo - fica acima do recomendado pela Organização
Mundial da Saúde (OMS).
O resultado se repetiu nos oito locais monitorados pelo estudo: Porto, Centro, Fragata,
Areal, Três Vendas, Laranjal, Simões Lopes (nas proximidades da linha férrea) e o trevo
de acesso ao Campus da UFPel, no Capão do Leão. Em um deles, não revelado, o
panorama negativo se mantém o ano todo.
À título de ilustração, a China plantou, na última década, 56 bilhões
de árvores. Com isso, criou a maior floresta formada pelo homem no
mundo.
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Pelotas, Minha Cidade
Luiz Carlos Marques Pinheiro
Pelotas minha cidade /
lugar onde eu nasci /
ando nos braços do mundo /
mas sempre volto pra ti!
(Kleiton e Kledir)
Ano 1947. Eu tenho escrito muitas crônicas sobre Pelotas. Sempre com o mesmo
objetivo: deixar material de pesquisa para os historiadores no futuro. Eu escolho
como temas apenas aqueles das décadas de ’40 e ’50, não-registrados na
Internet.
O que já está na Internet o pesquisador vai lá e copia. O meu objetivo é permitir
que daqui há vinte ou trinta anos um acadêmico em Pelotas - e os há tantos possa escrever sobre a Pelotas das décadas de ’40 e ’50, e encontre material para
pesquisar. Como era viver em Pelotas nessas duas décadas?
Para fechar o circuito, eu pedi a um primo em Pelotas que me criasse um site na
Internet, onde eu pudese deixar registradas as minhas crônicas. E foi o que fiz.
Agora já posso morrer em paz. O material está em aberto para quem quiser
pesquisar.
Eu já estou com setenta e três anos. Me considero um dos pelotenses mais
antigos, ainda vivos. Quando eu vou a Pelotas e pergunto pelos meus colegas de
colégio, e fico sabendo que já estão quase todos mortos, eu fico impressionado
como se morre cedo em Pelotas. O meu melhor amigo em Pelotas era o
Fernando Delanoy. Já morreram o velho Delanoy, a sua esposa e os três filhos
que moravam em Pelotas, inclusive o Fernando.
Como eu só escrevo sobre aquilo que não está registrado na Internet, se eu
morresse antes de fazer este registro Pelotas ficaria sem memória, e sem
material de pesquisa, principalmente da década de ’40.
Eu tenho um carinho muito grande com essas duas décadas porque foram as
décadas em que eu morei em Pelotas. No início de 1960 eu vim para São Paulo,
onde estou até hoje (...mas sempre volto pra ti...).
Eu quero ver se consigo transmitir aos pelotenses que hoje estão na faixa dos
quarenta anos ou menos, através desta crônica, como era difícil a vida em
Pelotas nessa época, principalmente na década de ’40. Uma Pelotas que eles
nem fazem idéia que existiu.
Quando eu nasci, em 1940, o meu pai era funcionário da Prefeitura, lotado no
Colégio Pelotense, onde era secretário do Diretor Vicente Rochedo, que, depois,
virou um grande amigo pessoal meu.
33
O salário era baixíssimo, não permitia nem que meu pai alugasse uma casa.
Morávamos, os três, meu pai, minha mãe e eu, em um quarto, em uma pensão
familiar na Andrade Neves, acho que esquina com Voluntários. Em 1943 nasceu
a minha irmã, e passamos a ser quatro num quarto.
A bem da verdade - e é preciso que os pelotenses de hoje saibam disso Pelotas nessa época era uma cidade que, embora com cem mil habitantes, eram
todos de uma classe média das mais baixas possível. É claro que havia uma meia
dúzia de ricos, mas já tinham sido mais de quarenta, empobrecidos que foram
pelas dificuldades de vida.
Já casado, e eu nascido, meu pai fez concurso para o Banco do Brasil, foi
aprovado, e nomeado para uma agência no Rio de Janeiro, no bairro da Tijuca.
Ficamos dois anos no Rio e meu pai conseguiu, através de velhos amigos de
família, ser transferido de volta para Pelotas.
A viagem de volta, uma tragédia. Nove dias de navio, do Rio até Rio Grande. À
noite, nenhuma luz podia ser acesa no navio, por medo da aviação alemã (era
1943, em plena II Guerra Mundial). De dia, dentro do navio, uma tensão
constante, pelo risco de ser atacado por um submarino alemão.
“En passant”. Em 1942 tinha sido afundado o paquete Baependi. Segundo a
Wikipédia:
“OpaqueteBaependi(Baependy)foiumnaviobrasileirodecargaedepassageiros,afundado,
nanoitedodia15deagostode1942,pelosubmarinoalemãoU-507,nolitoraldoestadode
Sergipe.Foiodécimo-sextonaviobrasileiroaseratacado(odécimo-quintonaqueleano),eo
seutorpedamentoconsistiu,atéentão,namaiortragédiabrasileiranaSegundaGuerra
Mundial,com270mortos,sendosuperadonessaestatísticaapenaspeloafundamentodo
cruzadorBahia,em1945,noqualmorreramcercade340homens”.
Voltamos para a mesma casa de pensão na Andrade Neves. A única lembrança
que eu tenho dessa casa eu já tinha quatro anos. É a de um aleijado, que
também morava ali, e que não tinha as duas pernas. Ele se locomovia através de
dois banquinhos de madeira, almofadados, passando de um pro outro,
sucessivamente.
A dor ensina a gemer ...
Mesmo como funcionário do Banco do Brasil, o meu pai só teve condições de
alugar uma casa, na Mal.Deodoro, perto da Capitão Cícero, em 1945, depois de
seis anos de casado, quando eu já tinha cinco anos. Nós pegamos todo o período
da II Guerra Mundial morando em pensão, em Pelotas e no Rio de Janeiro.
Como era difícil a vida nessa época! O dinheiro, menor que a necessidade. Havia
racionamento de tudo por causa da guerra. Filas enormes para se comprar
qualquer coisa, porque quase toda a produção de alimentos era encaminhada
para alimentar os exércitos aliados na Europa, no chamado “esforço de guerra”.
Tudo era feito com muito sacrifício...
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Estranhamente eu não encontro na Internet - e aqui fica um aviso aos
historiadores de Pelotas - nenhuma descrição sobre as conseqüências da II
Guerra Mundial em Pelotas. O único texto que faz alguma referência é meu
mesmo, chamado “A Carestia”, publicado pelo blog “Amigos de Pelotas”.
A minha alfabetização foi feita pela minha mãe, me ensinando a desenhar as
letras. Com cinco anos eu já conseguia escrever bilhetes para as minhas tias. A
minha mãe ia dizendo as letras, uma a uma, e eu as ia desenhando...
Ao lado da casa que o meu pai alugou na Mal.Deodoro morava um casal, com
um casal de filhos. A menina, que já estava no ginasial, se condoeu da minha
situação de semi-analfabeto e me alfabetizou.
Clélia Guedes, eu gostaria que você pudesse estar me lendo agora, para ver o
tamanho da minha gratidão.
Com cinco anos de idade, o meu sonho de consumo era ter uma bicicleta de três
rodas (o termo triciclo não existia). Nunca tive essa bicicleta...
Na quadra em que morávamos provavelmente nenhum guri teve uma bicicleta
de três rodas, porque, se tivesse, eu teria andado nela. A vida era difícil para
todos...
Mas hoje, quando eu recordo isso, eu lembro também que a gente tinha
empregada, e que dormia em casa. Ora, pra ter empregada, em 1945, com muito
pouco dinheiro, era necessário que as empregas domésticas ganhassem também
o mínimo dos mínimos. A vida era muito difícil para todos...
O raciocínio naquela época era que uma empregada em casa significava uma
boca a mais pra comer. E eu chego a lembrar da minha mãe, comentando com
as minhas tias quando iam lá em casa: ...E como comem!!!
Imaginem o nível de necessidade da classe média-baixa de Pelotas nessa
época ...
Essa situação não era só na minha casa. O meu pai era ”Funcionário do Banco
do Brasil”, o que era um baita atestado. Imaginem o resto ...
Não obstante as dificuldades financeiras do povo, Pelotas permaneceu, durante
toda a década de ’40, como a 2ª maior economia do Estado, somente atrás de
Porto Alegre, graças ao tamanho da sua população.
Brinquedos, ninguém tinha. Se brincava na rua, de pular corda ou de “pega”,
aquela brincadeira em que um esconde o rosto, conta até dez, e tem que pegar
algum dos outros, que saíam correndo.
Para ajudar a passar o tempo, a gente jogava bolinha de gude no quintal de casa,
que era de terra.
O refrigerador e o geleiro. Geladeira elétrica não existia; era refrigerador,
assim chamado porque não gelava, só refrigerava. Era um móvel de mais ou
menos 1,40 m por 0,60 m, de madeira muito grossa, forrada de zinco. Duas
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portas, uma em cima e uma em baixo. Na parte de cima se guardava o gelo, em
pedaços grandes, protegido por serragem, envolto em saco de estopa, e depois
em jornal, para conservar o gelo por mais tempo. A serragem era comprada em
sacos, nas serrarias.
Na parte de baixo se guardava, talvez, um ou dois litros de leite, uma garrafa de
água, um pote de manteiga e mais uma ou duas vasilhas.
Era preciso fazer uma combinação com o geleiro, que passava todos os dias em
uma carroça com cavalo. Combinava o preço, e se o gelo era fornecido todos os
dias, ou dia sim, dia não. O geleiro, ao passar, não avisava ninguém; deixava o
gelo na calçada e seguia em frente. Quem quisesse que retirasse o seu gelo da
calçada e levasse para dentro, antes que derretesse.
O ventilador e os fresteiros. No alto-verão era impossível viver sem um
ventilador. O meu pai comprou um, o único em casa. De mesa, metálico, bom
tamanho das pás (consideradas até grandes), giratório, marca GE. Esse
ventilador ele manteve pelo resto da vida.
Quando estavam na copa fazendo uma refeição, o ventilador estava lá. A minha
mãe gostava de dormir depois do almoço, e lá no quarto estava o ventilador. No
jantar, já estava na copa novamente. E à noite ia para o dormitório do meu pai e
da minha mãe. 9 hs.da noite e eles já estavam deitados. O meu pai escutando
rádio, luz apagada, e o ventilador ligado.
O meu quarto era o da frente, com janela para a rua. No alto verão o meu pai
abria uma fresta de uns vinte centímetros na janela que dava para a rua, para
sair o ar quente e melhorar a temperatura do quarto. Lembrem-se que só havia
um ventilador na casa. Estávamos em 1946.
Essa prática de deixar uma fresta na janela da rua era muito usada nessa época
por muitas casas. Algumas deixavam a janela completamente escancarada. Esse
fato gerou uma nova prática em Pelotas: os “fresteiros”.
Os fresteiros eram verdadeiros cafajestes, que saíam à rua na madrugada, a
olharem para dentro dos quartos, pelas frestas, na tentativa de ver alguma coisa.
Eram poucos e apontados na rua pelos meninos.
- Fogão a gás, nem pensar! embora houvesse fogão a gás no Brasil desde os
anos ’30, e Pelotas tivesse um gasômetro por 70 anos, implantado na zona do
Porto no Porto, desde 1875. A solução era o fogão a lenha, de ferro. Eu acredito
que o fogão a lenha era usado, nessa época, em todas as casas de Pelotas.
O fogão a lenha exigia uma “técnica” toda especial para ser pilotado. Mas as
mulheres da época não se apertavam.
Era constituído de uma chapa grande de ferro, com quatro bocas, cada uma
delas com uns quatro aros. As bocas eram administradas uma a uma. Tirando
todos os aros de uma determinada boca, o fogo ficava totalmente aberto naquela
boca. À medida em que os aros iam retornando, a boca ia se fechando,
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diminuindo a intensidade do fogo, até fechar totalmente com a colocação da
última, que era uma tampinha.
A lenha também tinha segredo. Úmida, não queima. Era comum colocar
algumas “achinhas” (esse era o nome que se dava à lenha) no forno, enquanto se
cozinhava, para secar totalmente. A colocação das achinhas para acender o
fogão também tinha segredo. Se mal colocadas custavam a pegar fogo e, quando
pegava, demorava muito para queimar. Com a técnica certa, pegava fogo logo, e
logo já estavam queimando.
À noite, o forno era usado para secar os sapatos úmidos da rua, mas somente
depois que ficava morno.
A chapa quente do fogão também era usada para manter quente a água de uma
chaleira; para passar um bife; para fazer uma torrada.
- O ferro elétrico já existia no Brasil desde o início do séc.XX, mas em Pelotas,
não. Em Pelotas o ferro era a carvão. Era uma outra atividade que exigia uma
boa técnica. Se não soubesse aquecer direito, ou ficava muito frio, e não passava
direito a roupa, ou ficava muito quente, e chamuscava a roupa.
As brasas eram feitas à parte, geralmente num fogareiro de carvão, e depois
passadas para o ferro.
- O fogareiro de carvão era um auxiliar do fogão. Era de ferro. Se colocava
carvão, um pouco de álcool e tocava fogo. O carvão ia queimando, até virar
brasa. Não compensava aquecer o fogão para fazer um chá para as visitas. Fazia
no fogareiro de carvão.
As donas de casa e as empregadas dominavam todas essas técnicas.
A lenha e o carvão era fácil de comprar, porque qualquer armazém vendia. Era
um grande negócio para eles, porque o consumo era muito grande, o ano
inteiro.
Em 1947, o meu pai comprou o seu 1º carro. Um Ford Modelo “A” americano,
preto, capota de lona, ano 1929. Só que o meu pai comprou o seu primeiro carro
já quando tinha 33 anos, casado e com dois filhos, e “Funcionário do Banco do
Brasil”...
A primeira vez que eu sentei em um banco de automóvel eu tinha sete anos de
idade. Rapazes de hoje, essa era a Pelotas da minha época...
Mas o meu pai, com 33 anos, não sabia dirigir. Foi aprender depois de ter
comprado o carro.
O carro só rodava, praticamente, nos domingos à tarde. Durante a semana o
meu pai trabalhava. Dirigir à noite ele tinha medo. Nos domingos de manhã ele
ia à missa na Catedral, a pé.
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Nessa época, o único passeio mais longo que se podia fazer de carro era passar a
tarde de sábado, ou domingo, na Cascata, para tomar um café alemão. Ou ir até
ao Fragata, no domingo à tarde, visitar os meus avós.
O outro passeio, apenas teórico, era ir até ao Laranjal. O Laranjal era, todo ele,
uma única propriedade privada, do velho Assumpção. Ao morrer, as terras
foram divididas entre os herdeiros, cabendo a cada um uma fazenda. Para se ir
até ao Laranjal era preciso conhecer o proprietário de uma das fazendas e pedir
um “passe” para passar pela porteira da sua fazenda.
A que nós íamos era a do Dr.Ferreirinha, médico, casado com uma Assumpção,
que o meu pai conhecia porque ele era médico do convênio com o Banco do
Brasil.
Só que até chegar à porteira da fazenda era preciso cruzar o São Gonçalo de
balsa (e suportar a fila!) e pegar uns oito quilômetros de estrada de areia solta,
fofa, com uma camada de uns trinta centímetros. Caminhão, passava. Mas,
automóvel, dava trabalho, e às vezes ficava preso na areia. A Prefeitura, para
ajudar, às vezes mandava passar a patrola na estrada, afastando a areia para as
laterais, deixando o leito da estrada na parte mais firme.
Dava tanto trabalho que quase ninguém queria ir...
Nessa época o meu pai não se atrevia a dirigir até o Cassino. Mas eu não tiro a
razão dele. Não só tinha que atravessar uma outra balsa (e suportar uma fila!!!),
como a estrada até Rio Grande também era um baita areião.
Em 1948, o meu pai alugou uma casa do meu avô na Gonçalves Chaves, perto do
cine Apolo.
Essa casa, no início, foi um problema para nós. Tinha sido uma pensão de
mulheres, que sairam para que nós entrássemos. Os marinheiros chegavam no
Porto e, na madrugada, queriam entrar na casa. Estavam acostumados... Como
não conseguiam, enfiavam o pé no portão de ferro de entrada do jardim e
gritavam nomes que a gente não entendia, mas adivinhava.
A vizinhança era toda de classe média-baixa, salvo raras exceções. Nosso vizinho
de frente era um tenente dos bombeiros. O vizinho à esquerda eram duas
famílias de portugueses, marceneiros, que moravam juntas. A marcenaria ficava
nos fundos da casa. No meio da quadra, tinha uma casa velha bem recuada, que
não dava para se ver por causa de uns caramanchões enormes na frente. Ali
moravam duas famílias de negros, que faziam sessões de macumba, pelo menos
duas vezes por mês. A gente só escutava os batuques.
Na esquina à direita tinha um bar, e nos fundos desse bar era a sede de um
clube de várzea, onde eu jogava futebol no Juvenil, e jogava ping-pong todas as
noites, até às 9 hs., quando o meu pai ia me chamar. Era a minha única
distração em Pelotas, até aos 16 anos, quando eu passei a freqüentar o Centro.
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A irmã mais nova da minha mãe, casada com um sujeito muito rico, de família
tradicional de Pelotas, me conseguiu uma matrícula no Colégio São Francisco,
que também era na Gonçalves Chaves, só que uns oitocentos metros adiante.
No São Francisco eu comecei em 1948, no 3º Ano, e fiz 3º e 4º. A alfabetização
feita pela Clélia tinha sido perfeita. Não tive nenhuma dificuldade em
acompanhar a classe.
Só então tomei conhecimento, pela primeira vez na vida, de uma outra realidade
de Pelotas, que eu desconhecia. Quase todos os meus colegas de classe, meninos
e meninas, cada um deles vinha de uma família tradicional. Muitos deles, ricos.
Um deles, a família tinha motorista particular, de uniforme e quepi. Num
Hudson preto, ia nos buscar no colégio. Fiz muito boas amizades.
A vida em casa tinha melhorado um pouquinho; provavelmente o salário tinha
melhorado. Em 1948 já não havia escassez em Pelotas. Mas o salário ainda era
contado. Muitas e muitas noites eu via o meu pai sentado na copa, anotando em
um papel branco pequeno as despesas do mês; depois, somava tudo e
comentava com a minha mãe. Ele sabia todas as despesas de cabeça. Isso era
facilitado porque a verba para a rubrica “despesas extraordinárias” era ZERO.
Eu acho que só comecei a ganhar mesada semanal depois dos 11 anos. Até então
a minha mesada era o dinheiro do cinema, uma vez por semana, na matinée de
domingo.
A casa era antiga, com todos os defeitos de uma casa antiga. Eram três quartos e
um banheiro. Não tinha chuveiro elétrico. A água era aquecida num cilindro
preso à parede do banheiro, em cima da banheira. Em sua parte superior era o
depósito de água a ser aquecida. Na parte inferior se enchia de jornal e tocava
fogo. Essa era a única água “quente” disponível para um banho. No inverno a
gente passava apertado.
Mas a gente tinha um truque. Colocava álcool em uma baciinha de alumínio e
tocava fogo. Havia uma pequena explosão, e o banheiro logo ficava quentinho.
O banheiro da empregada era dentro de casa, mas só tinha o vaso e um
chuveiro, que não era elétrico; o banheiro não tinha pia. A minha mãe dizia que
a empregada podia muito bem, de manhã, lavar o rosto no tanque, do lado de
fora da casa. Ah, minha mãe!
No quintal a minha mãe criava galinhas. Ela sabia que não tinha despesas com a
alimentação delas (porque aproveitava os restos da refeição) e ainda fazia
economia deixando de comprar ovos. Os ovos, a gente comia, ou eram postos
pra chocar. E de quebra ainda se comia um franguinho, de vez em quando. Mas
“frango”, porque as frangas viravam galinhas. Quem conheceu a minha mãe
sabe muito bem como era a sua cabeça!
Das galinhas e frangos que se matava durante o ano, as penas eram lavadas,
secadas ao sol e ensacadas. Iam virar coberta de pena e travesseiros.
39
Em 1950 eu me matriculei no Curso de Admissão do Colégio Pelotense, onde
fiquei até o 3º Científico. A década de ’50 foi um pouco mais leve. Já se podia
respirar...
40
Os alagados
Luiz Carlos Marques Pinheiro
Ano 1948. Desde guri eu ouço falar nas enchentes em Pelotas. Pessoalmente, eu
nunca vi uma. Eu morei nas ruas Mal.Deodoro e Gonçalves Chaves, e nenhuma
das duas alagava.
Mas a gente ouvia no rádio as notícias dos alagamentos. Nessa época não tinha
televisão. Jornal, o meu pai não comprava. As notícias vinham só pelo rádio ... e
pelos vizinhos. Como gostavam de contar uma novidade!... E as empregadas,
então???
Pra ser justo, eu prefiro fazer a distinção entre as inundações, as enchentes na
cidade, e as zonas alagadas da cidade.
A gente sabe que as inundações são provocadas pela impermeabilização do solo,
impedindo a absorção do excesso de água - agradeçam aos dignos Prefeitos
terem arrancado os paralelepípedos das ruas, por onde a água da chuva se
infiltrava no solo - e pelo acúmulo de lixo devido a falta de educação ambiental
da população (se chama “limpeza pública” e é atribuição da Prefeitura),
provocando a deterioração do sistema e, conseqüentemente, agravando os
alagamentos localizados.
Dizem os especialistas que Pelotas fica, constantemente, sujeita às inundações,
o que pessoalmente eu acho um exagero.
Segundo o relato desses especialistas “O município está situado às margens do
Canal São Gonçalo, que liga a Laguna dos Patos e Lagoa Mirim. As bacias
contribuintes da laguna e do Canal recebem 70% do volume de águas
fluviais de todo o Rio Grande do Sul (SANEP, 2013)”.
Pra mim, o SANEP está apenas se valorizando ...
Não há como negar que a cidade iniciou seu processo de urbanização de forma
equivocada, ou seja, às margens dos rios e arroios, locais que hoje seriam
denominados de áreas de preservação permanente.
Ainda para os especialistas, “o grande desenvolvimento urbano que ocorreu nos
últimos anos na cidade de Pelotas” gerou uma grande área de solo
impermeabilizado, diminuindo a infiltração no solo, e onde um maior volume
de água pluvial é escoado superficialmente.
Eles levam em conta, provavelmente, que as grandes enchentes em Pelotas
somente passaram a existir depois de 1941...
Exageros à parte, e se a memória não me trai, enquanto eu vivi em Pelotas, até
1960, houve enchentes, inundações, somente nos anos de 1941, 1956 e 1959.
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Para uma cidade baixa, como Pelotas, quase ao nível do mar, não se pode dizer
que a cidade seja propensa a alagamentos.
Na enchente de 1959 uma grande tragédia abalou o recém criado Município de
Pedro Osório, oportunidade na qual a ponte sobre o Rio Piratini ruiu, devido às
cheias, e inundou a cidade totalmente. Em Pelotas, O Arroio Pepino
transbordou, e o Canal São Gonçalo ultrapassou seu nível em 1,60m.
Mas do que eu me dispus a falar é dos alagados, as regiões baixas da cidade que
permanecem o ano inteiro semi-alagadas, alguns formando verdadeiros
banhados.
O visual da topografia de Pelotas engana ao observador, ainda que atento. Eu
morava na rua Gonçalves Chaves, quase esquina com Gomes Carneiro, e
estudava do Colégio São Francisco, isto em 1948/1949.
Pra ir à escola, eu ia a pé. Aliás, diga-se de passagem, nessa época se fazia tudo a
pé em Pelotas. Quase ninguém tinha automóvel, e ninguém ia pegar um
carro-de-praça (era assim que se chamava) para ir a algum lugar.
Como eu dizia, eu ia a pé pela Gonçalves Chaves, e quando eu chegava na rua
Tiradentes, na altura do colégio Pelotense, tinha que subir uma ladeirinha até
chegar no plano em que ficava o cinema Guarani e o São Francisco, na esquina
da rua Princesa Izabel. Se me perguntassem o quanto eu subi eu diria que subi
uns dois metros.
Na esquina do cinema Guarani, olhando para a direita, a rua descia em direção à
rua Barroso. Eu diria que não mais do que 2/3 metros.
O mesmo ocorria quando eu chegava no colégio. Na esquina da rua Princesa
Izabel, olhando para a direita, a rua também descia uns 2/3 metros.
No entanto, eu fiquei sabendo muitos anos depois que a pça.Cel.Pedro Osório
está a 9 metros acima do nível do mar, e que a altitude média da cidade é de 7
metros. Pra mim, uma baita surpresa, resultante de uma grande ilusão de ótica
provocada pela topografia da cidade.
Essas ruas que desciam para a direita se aplainavam a partir da rua Barroso e
dali em diante eram absolutamente planas. Pois os alagados que eu conheci se
formavam a algumas quadras depois da rua Barroso, e além da Álvaro Chaves,
quando as ruas passavam a ser todas de terra e quase não havia construções.
Esses declives das ruas até a Barroso provocavam um aumento tão grande na
velocidade da água que descia a rua nos dias de chuva forte - verdadeira água
de enxurrada - que não conseguiria escapar da boca maldita do povo, sempre
crítico. Se dizia, na época, aproveitando a imagem da velocidade da água:
“rápido que nem cagalhão na correnteza”; ou então: “aproveita e me manda um
bilhete rápido pelo próximo cagalhão”.
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Havia diversas outras regiões que se mostravam alagadas em Pelotas, umas
mais, outras menos, mas eu vou falar da que eu conheci pessoalmente.
Esse lado direito da cidade, o lado leste, era uma região reconhecidamente
baixa, tanto assim que o campo do G.E Brasil, que fica nessa região, era
chamado “o estádio da Baixada”, e os jogadores do Brasil eram chamados “os
negrinhos da Baixada”.
“En passant”, para quem não conhece a história do futebol em Pelotas,
anteriormente os jogadores do Brasil eram chamados de “Negrinhos da
Estação”, porque estavam localizados na região mais pobre da cidade, perto da
Estação Férrea. E, a despeito do que possam contar hoje os torcedores xavantes,
o G.E.Brasil somente passou a aceitar a entrada massiva dos negros a partir da
década de ’30.
Essas áreas que apresentavam terrenos alagados eram chamadas pelo povo, na
época, com absoluta propriedade, de “várzea”. Segundo a Wikipédia, a várzea,
ou “planície de inundação”, é aquela que inunda durante as chuvas ...
Os moradores da região eram chamados, conseqüentemente, e de forma
pejorativa, de “varzeanos”, porque moravam nas várzeas alagadas. Eles eram
considerados, por nós, gente de 2ª classe.
As várzeas são zonas que apresentam depressões no terreno, algumas leves
outras nem tanto, que ficam alagadas no período das chuvas, e as águas, não
tendo para onde escorrer, e o solo sem condições de absorvê-las, ficam
empoçadas. Nos campos gerais, onde os espaços são muito maiores, chegam a
formar enormes banhados.
Um parêntese. Os “banhados” são lagoas de água doce e salobra sem influência
marinha. São características a presença de água rasa ou solo saturado de água, o
acúmulo de material orgânico proveniente da vegetação e a presença de plantas
e animais adaptados à vida aquática.
São áreas alagadas permanente ou temporariamente, conhecidas na maior parte
do país como brejos; são também denominados de pântanos, pantanal, charcos,
varjões e alagados, entre outros.
Na rodovia que liga Pelotas a Porto Alegre, ainda no município de Pelotas,
vêem-se enormes banhados no meio do pasto, principalmente no lado direito de
quem vai, e cavalos se refestelando dentro do banhado, pastando.
Também na estrada do Laranjal há enormes banhados com cavalos pastando,
em ambos os lados da estrada.
O banhado é uma formação comum dos pampas gaúchos, caracterizada também
por ser área de transição entre ecossistemas aquáticos e terrestres, garantindo a
sobrevivência desses.
Esses banhados são característicos de Pelotas e região, e são permanentes.
43
Alguns chegam a ser muito famosos, como no Taim, o “Banhado do Taim”
(Estação Ecológica do Taim).
Nas décadas de ’40/ ’50 essa região de “baixada” em Pelotas era uma região de
terrenos desocupados, onde ninguém se dava ao trabalho de comprar um
terreno; simplesmente chegava e ocupava. As construções, muito humildes,
eram barracos, geralmente de madeira, quando não eram de zinco; aquilo que
se chama de “cortiço”.
Os barracos daqueles que tinham alguma condição financeira eram de tábuas,
com assoalho também de tábuas; os telhados, de telhas. Os pobres-coitados dos
proprietários desses barracos tinham que fazer abaixo-assinado para a
Prefeitura, implorando a ligação da eletricidade, o que costumava demorar
cinco anos ou mais.
Os miseráveis, esses construíam - se é que se possa chamar a isso de
“construir” - com tábuas de caixotes, e cobriam o barraco com lâminas de zinco
ou palha, os chamados “cortiços”. Estes cortiços eram condenados
unanimemente pelas autoridades e pela população pela sua completa
insalubridade.
Por terem sido construídos em uma região propensa a alagamentos na época
das chuvas, os barracos de melhor padrão eram construídos sobre tijolos, talvez
uns três tijolos empilhados em cada extremidade do barraco, o que elevava o
nível da residência e a deixava a salvo dos alagamentos. Para compensar a
diferença de altura com relação ao solo, faziam umas pontes de tábuas para o
acesso.
Era o suficiente para o povo, que sempre foi muito maldoso, usar uma expressão
pejorativa para designar os moradores desses barracos, e que nós usávamos
com freqüência: “ele atravessa em ponte para entrar em casa”. Era um
indicador de baixo nível social.
Na maior parte dessas áreas que costumavam alagar existiam terrenos enormes
de terra firme, alguns com pouca grama, que eram chamados de “raladão”; esses
terrenos desocupados, na verdade predominavam nessa região. Era onde os
clubes pequenos do futebol amador faziam seus campos de futebol.
Ninguém contava em encontrar um raladão com muita grama; a que tivesse já
estava bom demais. Não é à toa que se chamava “raladão”! O que a gente queria
era jogar...
Vejam que a várzea ajudava a identificar o nível dos clubes de futebol que
disputavam partidas nesses terrenos; o futebol praticado por eles era chamado
de “futebol de várzea”, e assim era chamado, também, pela imprensa.
Esse futebol de várzea, ainda incipiente, deu origem ao Campeonato de Futebol
de Várzea de Pelotas, e o nome “futebol de várzea” extrapolou, sendo aplicado a
todos os times da 2ª divisão (da época).
44
Em 1954/1955 eu jogava futebol no juvenil de um time de várzea - Cometa F.C.
- cuja sede era na esquina da minha casa, na Gonçalves Chaves, nos fundos de
um bar, o bar do Panaiotis, um grego. No time titular do Cometa jogavam
alguns jogadores profissionais famosos em Pelotas, na época, como o Wilsinho
Catalã, do Farroupilha; o Negrito, do Brasil; o Bedeuzinho, do Pelotas; e o Suli,
goleiro do Brasil.
Por dois anos eu joguei futebol de pés descalços, por esse clube, nos campos da
várzea de Pelotas.
Eu me criei jogando futebol de várzea, convivendo com toda essa gente da
várzea. É por isso que eu me sinto à vontade pra falar da várzea de Pelotas.
Descendo pela rua Gomes Carneiro até a região do Porto, em ambos os lados da
rua, após a Álvaro Chaves, se viam muito poucas construções, e muitas áreas
com cara de abandonadas. Essas áreas apresentavam “manchas” alagadas o ano
inteiro; eram os famosos “alagados”. Interessante é que o pasto crescia no meio
da água, e aflorava, do que se aproveitavam os cavalos para pastar, com as patas
mergulhadas na água.
Alguns vivaldinos drenavam essas manchas, transformavam em terreno seco, e
construíam para si.
Toda essa zona é chamada em Pelotas de “Zona do Porto”. Basta ver que a igreja
do Coração de Jesus, na esquina da Gomes Carneiro com Álvaro Chaves, é
chamada de Igreja do Porto, e o colégio dos padres, nos fundos da igreja, de
“Colégio do Porto”.
As enchentes
Nas épocas de trombas d’água, de temporais, quando ocorriam as enchentes,
uma das regiões de Pelotas mais afetadas por elas era a Vila Castilhos, além das
Zonas Marginais ao São Gonçalo e ao Santa Bárbara.
Segundo estudos dos técnicos, “contribuindo com seus 33% de incidência,
estavam a Vila Castilhos, Vila Farroupilha e Simões Lopes, 25% Areal e Porto, e
17% os demais bairros”.
Os bairros Fragata (Vila Farroupilha), Vila Castilhos, Simões Lopes e Guabiroba
estão situados às margens do canal Santa Bárbara, que normalmente em dias de
chuva forte e continuada extrapola sua cota e acaba causando inundações nessas
áreas.
O periódico “A Alvorada”, que circulou na cidade de Pelotas entre os anos 1907
e 1965, foi idealizado e editado por intelectuais negros residentes na cidade.
Dizia o jornal, por volta de 1942, que a vila Castilhos era uma das áreas mais
miseráveis da periferia de Pelotas, “um local esquecido pelas autoridades e pelo
próprio Deus, pois o local se constituía em um verdadeiro inferno durante a
estação invernosa”.
45
A Vila Castilhos, para quem não conhece Pelotas, fica logo acima do
entroncamento da av.Bento Gonçalves com av.João Goulart, acima do Parque
do SESI e do lado direito da Rodoviária.
Em todas as inundações na cidade a Vila Castilho aparecia sempre como a mais
castigada. Ela estava situada às margens do arroio Santa Bárbara, fazendo parte
de uma grande “baixada” para onde convergiam todas as águas nos dias de
chuva. A vila era constantemente inundada, o que aumentava enormemente o
estado de miserabilidade de seus habitantes. Como a maioria das casas era
edificada sobre um “banhado”, a umidade transformava a vila em um constante
foco de enfermidade.
A Vila Castilhos era inundada praticamente todos os anos, e até várias vezes
durante o ano.
Quando ocorriam as inundações, as famílias residentes eram obrigadas a se
retirarem de seus domicílios, carregando apressadamente, roupas, agasalhos e
utensílios de uso doméstico, para se instalarem, precariamente, em locais
destinados pelas autoridades do município.
No Carnaval, principalmente os das décadas de ’40 e ’50 - os melhores que
Pelotas já viu na sua história - , as enchentes eram um prato cheio, eram o
“motivo” para algumas fantasias. Fantasias individuais, como as de roupas de
mergulho e máscaras, bóias salva-vidas, e até para pequenos blocos de amigos,
como “Os Salvados das Enchentes”, ou “Os Sobreviventes da Vila Castilhos”.
Mas me chamava a atenção especialmente quando as notícias do rádio sobre as
enchentes envolviam a Vila dos Agachados, prolongamento da Av. Bento
Gonçalves, ao lado do Canal do Pepino. Eu achava o nome muito sugestivo e
ficava me perguntando o porquê do nome. Eu nunca fiquei sabendo. Talvez os
moradores tivessem que se agachar atrás da moita, à noite, pra “cagar”...
Até 1959, último ano em que eu vivi em Pelotas, na enchente deste ano, como
exemplo, os locais mais atingidos foram as Vilas Castilhos e Cerquinha, e atentem - o bairro do Fragata ficou isolado do município.
Segundo informações da imprensa “Diante dos constantes alagamentos e
enchentes, a prefeitura Municipal reconheceu a urgência de realizar obras de
drenagem urbana ... dentre elas podemos citar: a construção da Barragem
Santa Bárbara, do Canal Santa Bárbara”, além de algumas perfumarias...
Pelo que eu tenho lido na imprensa, pouca coisa mudou em Pelotas nos últimos
50 anos. Atentem, 50 anos!
Um exemplo gritante é o da Economia de Pelotas, que não cresceu
absolutamente nada (zero) nos últimos trinta e cinco anos, sem qualquer
explicação dos nove Prefeitos que passaram pela Prefeitura nesse período,
responsáveis por essa situação.
Dizia o Diário Popular, em 2013:
46
“A chuva constante desde o início da tarde de segunda-feira (23) provocou
alagamentos em diversos pontos da região sul. Segundo dados do Centro de
Pesquisas Meteorológicas (CPPMet), a precipitação já superou a metade da
média normal do mês de setembro. Até às 9hs, o registro foi de 67,8
milímetros.”
“Na Vila Princesa, em Pelotas, quadras inteiras estão alagadas e impedem a
transição de pedestres e ciclistas. Em algumas ruas, nem os carros conseguem
trafegar. A entrada de Monte Bonito está debaixo d’água, impossibilitando o
tráfego. Nas margens da BR-116, as casas estão ilhadas, devido às obras de
duplicação que impedem o fluxo.”
“No bairro do Porto, várias ruas estão alagadas, principalmente na Gomes
Carneiro. O acesso ao Campus Porto da Universidade Federal de Pelotas é
prejudicado. O canal da Avenida Juscelino Kubistchek está a centímetros de
transbordar.”
- Em 2014, rua Barroso, esq.Uruguai:
- Em 2015, rua Argolo:
Obs.: Na esquina, à direita, a mansão
dos Piegas.
Êh, Pelotas!!!
Quem não te conhece, que te compre!
47
As Prostitutas de Pelotas
(Alguns apanhados da Internet)
Luiz Carlos Marques Pinheiro
Ano 1954. A prostituição é considerada a profissão mais antiga do Mundo.
Existe desde que o Homem é Homem.
O móvel principal, o “lei motiv”, é o dinheiro.
A necessidade econômica ainda é o principal fator que leva a maioria das
profissionais do sexo a optar por esse tipo de ocupação e a se arriscar, às vezes
conscientemente.
Sendo Pelotas a cidade mais rica do RGSul desde a sua fundação até mais ou
menos 1920, não teria como segurar a prostituição.
“Atualmente, há aproximadamente 2,5 mil profissionais do sexo em
Pelotas. Essa é uma das conclusões do projeto que a ONG Vale a Vida
desenvolve há três anos. Os números e resultados foram apresentados ao
público durante o 2º Seminário Cidadania DST/Aids, promovido pela
instituição, que ocorreu de quarta a sexta-feira, no salão nobre da prefeitura.
A prostituição, ainda considerada crime previsto no Código Penal, é o objeto
do trabalho coordenado pela psicóloga Clarice Costa e pelo auxiliar de
enfermagem Maiquel Fochy. A pesquisa, além de ter proporcionado um mapa
da atividade no município, revelou diversas peculiaridades de um mundo
marginalizado no qual o convívio é um permanente risco.
Ao todo são 48 locais de prostituição na cidade e duas agências na
Internet. O projeto da Vale a Vida tenta reduzir a incidência de doenças
sexualmente transmissíveis (DST) entre os profissionais do sexo e para isso os
membros da ONG buscam desenvolver uma relação de confiança com homens
e mulheres que prestam serviços sexuais, através de oficinas e da pesquisa da
situação socioeconômica, cultural e do comportamento de risco dessa
população. "Eles afirmam que cada cliente é uma viagem em que se
desconhece se haverá volta", contou Fochy, que coordena as visitas aos pontos
de trabalho.
O levantamento possibilitou constatar que ainda há muita desinformação
entre os profissionais do sexo no município. Fochy contou alguns exemplos: em
uma ocasião uma menina disse que não conseguiria utilizar camisinha. "Se
não consigo engolir nem um comprimido como vou tomar esse troço”?
questionou uma prostituta, desinformada sobre a forma correta de utilização
do preservativo.” [1]
48
Embora não se comente - é um verdadeiro “tabu” social - as prostitutas têm
uma rígida disciplina de discriminação social entre elas - e se discriminam
ostensivamente, não escondem.
Basicamente há três categorias: as de baixo nível, a ralé; as de nível médio e as
de alto nível. Estas últimas são um caso à parte. É claro que existem nuances
entre estes três tipos, mas são irrelevantes, no caso.
As de baixo nível são mulheres geralmente muito pobres, de origem muito
humilde, ignorantes, o último degrau da escala social.
Trabalham nas ruas, tanto faz se é dia ou noite, em locais que elas denominam
de “ponto”. Os pontos são escolhidos com muito cuidado, porque devem atender
a alguns requisitos: não ter muita circulação de pessoas, de preferência ser
pouco iluminado, e de fácil acesso.
Nas décadas de 1930/1940, os pontos principais eram a praça Cipriano
Barcelos, também chamada de “praça dos Enforcados”; praça Piratinino de
Almeida, a praça da Caixa d’Água; e o Mercado Central.
As praças eram as preferidas porque as prostitutas podiam esperar pelo
“programa” sentadas.
As mulheres que trabalhavam nas ruas precisavam ter locais de referência,
previamente acertados, para onde levar os “fregueses”.
Pessoas de baixo nível moral alugavam casas próximas aos “pontos”, com o
único propósito de sub-locar os quartos para “programas” rápidos, chamados de
“michê”, embora essa palavra tenha duplo sentido, como se verá abaixo.
“Prostitutas e michês (homens que vendem o corpo) que trabalham em
praças ou ruas estão sujeitos, em tese, a um risco menor do de mulheres ou
homens agenciados. Isso porque quem trabalha na rua geralmente possui uma
espécie de "convênio" com algum pequeno hotel da cercania para onde leva o
cliente. O proprietário cobra R$ 3,00 pelo quarto, mas R$ 1,00 fica com a
prostituta como comissão. Quem trabalha em agência tem de ir ao encontro da
pessoa que contrata o serviço ou é levado de carro e em alguns casos podem
ser vítimas de violência.[1]
“Com o inicio do processo de verticalização várias habitações populares
(vilas, cortiços, pátios e corredores), que se localizavam junto ao centro da
cidade e que eram consideradas anti-higiênicas pelas autoridades locais,
foram algumas demolidas e outras fechadas como medida saneadora. [2]
O processo teve inicio com a eliminação das zonas de prostituição,
principalmente na Rua Dr. Cassiano, no famoso “Beco dos Sete Pecados”, onde
“mais de uma quadra era habitada por mulheres de vida fácil, que na noite,
transformavam aquela rua num verdadeiro lupanar” [3].
49
O mesmo aconteceu com as ruas Voluntários da Pátria e Três de
Fevereiro (Major Cícero). Segundo a imprensa local, “estes antros eram
habitados por messalinas e freqüentados por gente da mais ínfima classe;
onde o que mais se assistia eram espetáculos de embriaguês, desordens e
palavreado do mais baixo calão”. [4]
Essas mulheres referidas, cujo “trabalho” era feito no interior de casas, já eram
de um nível levemente superior ao daquelas párias sociais que trabalhavam nas
ruas, mas era nesse segmento que ocorriam as maiores variações sociais; desde
as de nível mais simples até as de melhor nível.
As “casas” eram chamadas de “pensão”. As pensões em que trabalhavam eram
geralmente dirigidas por uma mulher, a “cafetina”, assim chamada porque era
ela quem promovia os encontros românticos. Se chegasse um freguês sem
conhecer as mulheres, era a cafetina que escolhia qual mulher o atenderia.
A cafetina também era a responsável pela arrecadação de dinheiro na “pensão”;
a participação da casa na féria diária das prostitutas. Por trás de toda cafetina
havia, sempre, um “cafetão”, que ficava com todo o dinheiro da receita da casa
sem fazer nada. O cafetão nunca era visto; não se sabia quem ele era.
Eu conheci uma cafetina, chamada Chiquita, que dirigia uma pensão - a
“pensão da Chiquita” - perto da minha casa, na zona do Porto.
“Muitas possuem dois preços: um mais barato se o cliente aceitar utilizar
preservativo e outro mais caro para aqueles que rejeitam. Num universo de
400 entrevistados pela ONG, 43% ganham em média dois salários mínimos.[1]
Há casos raros, como uma prostituta da praça Coronel Pedro Osório, que
algumas vezes chega a receber R$ 4 mil por mês. Entretanto, a grande
maioria tem uma realidade bem diferente. O custo médio do "programa" fica
entre R$ 15,00 e R$ 20,00, mas pode custar apenas R$ 10,00 se o cliente
pechinchar. "A clientela de quem trabalha na praça é uma população
extremamente pobre", conclui Fochy, que também é o vice-presidente da ONG
Vale a Vida.”[1]
“A atual Doutor Cassiano - sabem-no os mais antigos - era a rua da
prostituição em Pelotas. Denominava-se, então, Rua 16. Ali se localizavam
bares, pensões de mulheres e outras casas afins. Bem no centro da cidade, era
um reduto que envergonhava a população, atentando contra a ordem pública.
Um dia, porém, um delegado de Polícia, Xavier de Castro, sensível aos
reclamos que chegavam à sua repartição, resolveu enfrentar o problema. Não
sem muita dificuldade, aos poucos desalojou aquelas infelizes mulheres - a
maioria delas exploradas pelas donas das pensões. [5]
50
A título informativo, a Organização Vale a Vida realiza atividades de orientação
através de ações de prevenção e encaminhamento para exames médicos,
distribuição de preservativos e materiais explicativos, além de assessoria
jurídica e incentivo à auto-estima dos profissionais do sexo. Apenas no 1º
semestre deste ano (2015) a ONG encaminhou 40 pessoas para cirurgia de HPV.
Também funciona no prédio uma micro cooperativa que fabrica produtos de
limpeza, como alternativa para geração de renda. A Presidente da entidade é
Clarice Costa.
As prostitutas de nível médio eram fixas nas casas em que trabalhavam; não
podiam freqüentar outras casas. Costumavam, porém, freqüentar os clubes
chamados “Bataclan”, aos sábados à noite, para dançar - e onde conquistavam
os seus “programas”. Bataclan era um nome genérico, que designava “cabaret”.
Eu não sei qual a associação de idéias que ocorreu na época, porque o nome
Bataclan também era usado pelos rapazes da minha época quando se referiam
ao salão de “snooker”, onde a gente jogava por uns trocados.
Voltando à prostituição de rua, as mulheres de rua trabalham muito pouco
durante o dia claro, mas a atividade aumenta consideravelmente com o luscofusco do início da noite, todos os dias, invariavelmente, faça chuva ou faça sol.
Infelizmente, até hoje.
“Em meio a prédios tombados e um fluxo intenso de pessoas, algumas
mulheres têm neste lugar (Pça.Cel.Pedro Osório) o seu negócio, onde a
mercadoria é seu próprio corpo. As prostitutas estão todos os dias neste
"ponto" turístico da cidade e convivem em harmonia com este contexto.” [6]
Mas aí vem a Semana Santa, e uma borracha é passada em todo esse modo de
vida, com a complacência da sociedade. A Semana Santa é um período de
abstinência absoluta entre as prostitutas.
Na Semana Santa, quando passa a procissão de Nosso Senhor Morto, ninguém
repara nelas, por estarem misturadas à multidão. Com seus rosários nas mãos,
véu na cabeça, recolhidas ao seu mais íntimo sentimento, contritas, entoam
cantos religiosos.
As prostitutas carecem de serem vistas não só como mulheres de vida fácil, mas
também como seres humanos. Na canção “Vida de Bailarina”, os autores
Chocolate e Américo Seixas dizem
“...no fundo do seu peito, se esconde um sonho desfeito, ou a desgraça de um
amor ...”,
e mais “...fingindo sempre que gosta, de ficar a noite exposta, sem escolher o
seu par, vive uma vida de louca, com um sorriso na boca e uma lágrima no
olhar”.
Mas eis que chega o Carnaval! Sem dúvida nenhuma, o grande momento das
prostitutas de Pelotas era a época do Carnaval.
51
“No Carnaval de Pelotas era tradicional os homens se vestirem de
mulher. As prostitutas (todas as da cidade) se vestiam de homem. 90% das
mulheres vestidas de homem no Carnaval eram prostitutas, e todos sabiam
disso.
Os homens não tinham a preocupação de esconder o rosto, pelo contrário.
Como todos se pintavam como mulher, e de forma exagerada, até faziam
questão de mostrar a cara (e exibiam as pernas cabeludas). As mulheres, pelo
contrário, faziam questão de esconder o rosto com máscaras (afinal, eram
prostitutas!); geralmente um saco de pano com uma abertura para a boca e
outra para os olhos.
É sabido que as prostitutas de Pelotas só não “trabalham” em duas ocasiões:
no Carnaval e na Sexta-Feira Santa.” [7]
Vivendo uma vida dupla, as prostitutas de baixo nível, a ralé, eram elas que
faziam o Carnaval do Redondo.
“No Carnaval, o Redondo fazia o seu próprio Carnaval, característico,
que não se confundia com o carnaval de rua da cidade. Incrivelmente, o
Redondo não tomava conhecimento do carnaval de rua de Pelotas. Era como
se não existisse. Como era um antro de prostitutas, no Carnaval atraía toda a
classe baixa de Pelotas. E aqui é interessante fazer uma reflexão.
Quem era essa classe baixa? Os rapazes de Pelotas não era; tinham os seus
amigos e, no Carnaval, era muito gostoso sair em grupo. Logo, não iam para o
Redondo. Quem era ligado a um bloco, ou a uma escola de samba, também
não ia para o Redondo, porque saía com a sua escola. As empregadas
domésticas detestavam as prostitutas. A classe média, mesmo a baixa, não
queria contato com as freqüentadoras do Redondo.
Quem sobrava? Sobravam aqueles que não eram da cidade, geralmente
colonos das redondezas que vinham para a cidade pela fama do Carnaval, os
solitários, os caixeiros-viajantes de passagem pela cidade, e a rafuagem da
cidade. Essa rafuagem eram verdadeiros párias sociais. Eram moradores
pobres das periferias mais distantes, sem vínculos com ninguém. Eram
chamados de varzeanos, porque moravam nas várzeas alagadas. Como se
dizia em Pelotas, “atravessavam em ponte para entrar em casa...” Era a ralé.
E todos se reuniam no Redondo. E então o Redondo se transformava num
grande salão de baile.” [8]
“Sem exagero, o carnaval do Redondo tinha mais características de
carnaval de salão do que propriamente de carnaval de rua. Qualquer lugar
servia para descansar, a começar pelos degraus da base da Fonte das
Nereidas, que ficavam completamente lotados. A sorte é que a praça dispunha
de um banheiro público... Jogavam confete e serpentina uns nos outros, mas
também era só. Ali muito poucos tinham dinheiro para comprar um lançaperfume. Mas o confete e a serpentina já eram suficientes para deixar forrado
52
o chão da praça. Quando aparecia um lança-perfume, chovia de lenços na
volta... para um cheirinho.” [8]
“Eu tenho dificuldade de entender como é que em Pelotas tinha tanta
prostituta. Eu acho que vinham mulheres de toda a redondeza, sabendo que o
Redondo era uma grande farra. Virava uma grande confraternização de
prostitutas. E provavelmente devia haver um grande revezamento... Quem
nunca viu, não imagina o que fosse o Carnaval do Redondo.”
“No meio dessa bagunça organizada, “conjuntinhos” musicais tocavam
marchinhas de Carnaval e sambas, em ritmo lento. O ritmo tinha que ser lento
porque os passos também eram lentos. Eu chego a desconfiar que os passos
eram lentos por causa do cansaço... Ficavam contornando o chafariz das
Nereidas, arrastando os pés e cantando, por horas a fio. Aliás, por dias a fio,
porque o Carnaval do Redondo não tinha interrupção. A não ser no período da
manhã até a metade da tarde, passava de um dia para o outro. Até o varredor
da praça entrava na dança, abraçado na vassoura. À noite, a grama dos
jardins servia de cama quando cansavam (“...e hoje nóis pega a páia nas
grama do jardim...”- Saudosa Maloca). Dormiam, acordavam e voltavam
para o Carnaval.” [8]
Eu sei que Pelotas hoje se preocupa com a prostituição, já dentro de conceitos
mais modernos, o da prevenção de doenças, como os trabalhos realizados pela
“ONG Vale a Vida”.
Mas há outros idealistas.
“Cerca de 50 profissionais do sexo e dez de saúde reuniram-se hoje (13)
no auditório do Programa DST/AIDS/Redução de Danos para discutir
prevenção e auto-organização e políticas públicas para as mulheres
profissionais do sexo.
De acordo com a integrante do NEP, prostituta e cientista social, Carmen
Lucia Paz, o objetivo é capacitar as profissionais para levar as informações
para as que não participam do processo e auxiliar as lideranças do
movimento. Ela afirma que dados estatísticos indicam que o menor aumento
de casos de HIV está entre as prostitutas, e que elas são orientadas a usar
preservativos não só com seus clientes, mas também com seus maridos e
namorados, e que quem de fato tenta mudar isso são os homens.” [9]
“Apesar de já termos evoluído muito em relação à universalização e
positivação destes direitos expressos em diversos documentos, a vida real
ainda traz muita violação de direitos básicos ao homem, principalmente no
que tange as mulheres e crianças, o que se agrava quando estas vivem no
mundo da prostituição. Uma análise do submundo em que vivem e trabalham
estas pessoas, mostra um retrato de miséria, drogas, estigmas e desigualdade
53
social. Um ciclo vicioso em que fazem parte a exploração sexual de mulheres e
crianças jogando-as num sistema de violação de direitos que repercutirão em
todo o seu ciclo de vida.”[10]
Todo esse quadro revelado acima pela professora Sandra Regina é fruto da
moderna sociedade em que vivemos.
Eu posso testemunhar, porque vivenciei a realidade da época - década de 1950
- que não havia violência contra as prostitutas, nem drogas, nem violação de
direitos humanos.
As prostitutas, mesmo as de rua, constituíam uma sociedade à parte da
sociedade normal, é verdade, mas apenas isso. Levavam uma vida normal, como
qualquer outra família. Não incomodavam ninguém, não agrediam os costumes,
apenas levavam a sua vida.
Eram chamadas, até, de “moças alegres”.
E - um dado nunca enfatizado - no fundo exerciam um papel social
importante para a sociedade, porque saciavam o apetite sexual dos jovens, que,
com isso, deixavam de molestar as meninas da própria sociedade organizada.
Ver http://garanhaodepelotas.blogspot.com.br/2010/04/lupanares-depelotas.html?m=1
Fontes:
[1]
Cidade: Projeto Vale a Vida apresenta o mapa da prostituição em
Pelotas
[2] [3] [4] A Alvorada. Coisas da Cidade. Pelotas: 23 de fevereiro de
1957
[5]Pelotas
[6]Diário
[7]
Popular, 05/01/2004
“O Carnaval da Rua XV”, Luiz Carlos Marques Pinheiro
[8] “O
[9]
Capital Cultural, 24/10/2009
Carnaval do Redondo” Luiz Carlos Marques Pinheiro
Profissionais do sexo reúnem-se em Pelotas (Prefeitura Municipal de
Pelotas, Data: 13/12/2011 Hora: 14:33 Redator: Alessandra Meirelles – 10052)
[10]Prostituição
e Direitos Humanos, trabalho apresentado à
disciplina de Direitos Humanos, no Curso de Direito da
Universidade Católica de Pelotas, requisito para aprovação na
disciplina, SANDRA REGINA BERGMANN SCHNEIDER. (2010)
54
Um Mundo Sujo
Luiz Carlos Marques Pinheiro
Ano 2014. Estudantes universitários americanos - principalmente os das
grandes Universidades, Harvard, Yale, M.I.T. - estão empenhados em uma
campanha de alcance mundial, denominada “desinvestimento”.
O propósito é convencer as grandes universidades americanas a desinvestir os
enormes volumes de dólares investidos nas empresas de energia “suja”, carvão,
petróleo, gás. São bilhões e bilhões de dólares investidos.
É uma tradição antiga das universidades americanas, aquilo que é conhecido
como “endowment”, que são fundos geridos pelas grandes fundações privadas e
universidades americanas, constituídos com os recursos das mensalidades e,
principalmente, das doações de ex-alunos ao longo da história e que são
investidos em áreas distintas para gerar mais receita.
Os "endowments" foram os grandes líderes de performance, obtendo um
retorno de 20,5% ao ano no período, 14% ao ano acima da média de todos
institucionais. Os "endowments" se destacaram especialmente em capital de
risco. E não existe no mundo aplicação mais rentável do que aquelas feitas na
energia suja.
Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos mostra que 68% dos poluentes do
ar, no mundo, são oriundos dos carros. E que o percentual de poluentes gerados
pelos automóveis sobe se consideradas apenas as áreas urbanas. Nesse caso,
alcança 90%.
A Universidade de Stanford foi pioneira na iniciativa do desinvestimento em
fundos sujos. Parou de investir na indústria petrolífera.
Estudantes da Universidade de Harvard entraram com uma ação na Justiça
contra a Universidade, com a qual pretendem pressionar a universidade a
deixar de investir em empresas de gás e petróleo, sob a alegação de que Harvard
estaria contribuindo para mudanças climáticas.
Harvard tem um fundo estimado em US$ 36,4 bilhões. Se fosse um país, seria a
90ª economia do mundo.
Por enquanto são poucos, mas fazem barulho: por meio das redes sociais,
convocaram o corpo universitário para eventos de protesto e "desobediência
civil", incluindo uma ocupação da reitoria de Harvard.
Com a alegria própria da juventude, os alunos fazem concentrações nos
gramados das universidades, empunhando cartazes e cantando; e fazem greve, a
favor do desinvestimento.
Mais de 200 professores já se juntaram à causa por meio de uma carta aberta
em que cobram da universidade uma "responsabilidade ética".
55
Argumentam os estudantes que "Harvard está dando respaldo a um modelo de
indústria que está extraindo e queimando combustíveis fósseis em níveis que
ameaçam o futuro do planeta e as pessoas que nele vivem".
Harvard, porém, reconhece que o aquecimento global é um dos "problemas
mais urgentes e sérios do mundo", mas explica que prefere combatê-lo com a
investigação científica, a educação e a redução de sua "pegada de carbono".
Uma pesquisa da Universidade de Oxford afirma que o lobby contra
combustíveis fósseis está avançando de maneira mais rápida que campanhas
contra o tabaco, as armas de fogo e a pornografia, por exemplo.
A Universidade de Glasgow (Escócia), fundada em 1451, se tornou pioneira no
Reino Unido em apoiar o “desinvestimento” em combustíveis fósseis. Em uma
decisão histórica, impulsionada por 1.300 alunos da Sociedade da Ação
Climática da Universidade de Glasgow (Guca), aprovou romper seus laços com
empresas como BP, Chevron e Shell e “desinvestir” em 10 anos, o equivalente a
23 milhões de euros em combustíveis fósseis.
Com essa decisão, Glasgow se alinha ao movimento que já conta com a
participação de 13 universidades americanas (lideradas por Stanford), e que está
cada vez mais enraizado na Grã-Bretanha. Atualmente, estima-se que as
universidades britânicas têm investimentos de mais de 6 bilhões de euros na
indústria petroleira.
O anúncio da Universidade de Glasgow é considerado mais um sinal do
“movimento de ação climática que está se espalhando ao redor do mundo”, e
que provocou há algumas semanas atrás uma série de manifestações de massa
em Nova York e Londres.
A família Rockefeller decidiu aderir à campanha mundial “Divesinvest” - o
desinvestimento com a conseqüente aplicação diversificada - que engloba mais
de 800 empresas, fundações, grupos religiosos e governos locais, que se
comprometeram a “desinvestir” 36 bilhões de euros nos próximos cinco anos
em energias fósseis e desviá-los para as fontes renováveis. Declara a Fundação
Rockefeller: “É hora de dar um passo adiante.”
Também o Vaticano se envolveu na campanha, após ter recebido uma petição
expressa dirigida ao Papa Francisco e inspirada nas palavras do arcebispo
anglicano Desmond Tutu: “se é ruim devastar o planeta, é ruim obter benefícios
dessa devastação.” A mensagem é muito clara: já é hora dos políticos se
conscientizarem. “Não podemos queimar mais carbono do que a nossa
atmosfera é capaz de absorver.”
A encíclica ecológica do papa Francisco – cujo título “Laudato Si’” (“Louvado
sejas”) faz referência ao Cântico das Criaturas, poema em que São Francisco de
Assis chama o Sol, a Lua, a Água e a Terra de irmãos e irmãs – diz que o
combate ao aquecimento global e à degradação do meio ambiente é um
imperativo moral para todos os católicos. Em vez de dominar e explorar de
56
forma predatória a natureza o ser humano deveria superar a “cultura do
consumo e do descarte” e cuidar do meio ambiente
A encíclica é um chamado à ação e veio em boa hora, podendo contribuir com
toda a luta ambientalista, com o engajamento dos cristãos na defesa dos
ecossistemas, da biodiversidade e para que a Conferência das Partes (COP21)
que vai reunir cerca de 200 países, em Paris, em dezembro de 2015, possa
deliberar sobre um novo tratado do clima que substitua o limitado Protocolo de
Kyoto, de 1997.
Na página 5 da encíclica o Papa clama por uma ação solidária universal: “Lanço
um convite urgente a renovar o diálogo sobre a maneira como estamos a
construir o futuro do planeta. O movimento ecológico mundial já percorreu
um longo e rico caminho, tendo gerado numerosas agregações de cidadãos
que ajudaram na conscientização. Infelizmente, muitos esforços na busca de
soluções concretas para a crise ambiental acabam, com freqüência, frustrados
não só pela recusa dos poderosos, mas também pelo desinteresse dos outros.
As atitudes que dificultam os caminhos de solução, mesmo entre os crentes,
vão da negação do problema à indiferença, à resignação acomodada ou à
confiança cega nas soluções técnicas. Precisamos de nova solidariedade
universal”.
Um dos mais respeitados e influentes jornais da Inglaterra, o “The Guardian”,
lançou em seu site, uma petição online para pedir que a Fundação Bill e
Melinda Gates e o Wellcome Trust, duas das maiores organizações
filantrópicas e de apoio à ciência e inovação do mundo, parem de investir em
combustíveis fósseis.
A petição do The Guardian tem até este momento 140 mil assinaturas e pede à
Fundação Gates e o Wellcome Trust que retirem seus investimentos das 200
maiores companhias de combustíveis fósseis nos próximos cinco anos e
redirecionem estes recursos para empresas de energias renováveis.
Até agora, mais de 200 empresas, instituições e governos locais já se
comprometeram a encerrar seus investimentos nesse tipo de combustível. Entre
elas estão as cidades de São Francisco, Seattle e Oslo, o Fundo Global de Pensão
da Noruega e diversas entidades religiosas.
Noam Chomsky, Professor Emérito em Linguística no Instituto de Tecnologia
de Massachusetts, Prêmio Kyoto (1988) e Prêmio Sydney da Paz (2011), também
se envolveu com a causa da poluição no mundo. Pergunta Chomsky: Estamos à
beira da total autodestruição? “Tanto do ponto de vista ambiental como do
ponto de vista do risco de uma guerra nuclear a perspectiva de uma catástrofe
global existe e agudiza-se. Mas o imperialismo é indiferente a tais riscos, e
parece incapaz de arrepiar caminho”.
O movimento também tem o aval da ONU. “Apoiamos o desinvestimento
porque ele sinaliza para as empresas, especialmente aquelas do setor de
carvão, que a era do ‘queime o quanto quiser, quando quiser’ não pode mais
57
continuar”, afirmou Nick Nuttal, porta-voz da Convenção de Mudanças
Climáticas da ONU.
A mensagem muito clara, divulgada a partir de 2012 pela rede 350.org, está a
ter um enorme eco nas Universidades dos EUA e mais recentemente em
algumas Universidades da Europa. “Há uma quantidade limite de CO2 que
podemos emitir para a atmosfera até 2050 mantendo uma probabilidade
elevada de não ultrapassar 2oC de aumento da temperatura, a que se dá o
nome de “orçamento de carbono”.
Em resumo, se utilizarmos todas as reservas de combustíveis fósseis que, na
atualidade, são conhecidas e economicamente viáveis, o aumento da
temperatura média global da atmosfera será superior a 2oC até 2050, e após
atingirá 3oC a 4oC.
Ao utilizar o total dos recursos fósseis conhecidos, o aumento da temperatura
será superior a 4oC. Se o atual crescimento das emissões globais antropogénicas
de todos os gases com efeito de estufa (CO2, metano, óxido nitroso e outros)
persistir nas próximas décadas, encaminhamo-nos inexoravelmente para
aumentos da temperatura de 5oC a 6oC.
Na China as reações não foram diferentes. Jinnan Wang, Vice-presidente da
Academia Chinesa para o Planejamento Ambiental, diz quanto o governo
pretende gastar: US$ 300 bilhões contra a poluição do ar; US$ 340 bilhões até
2020 na limpeza da água. E ainda mais: nas três regiões mais afetadas (Hebel,
Tianjin e Pequim).
A China ultrapassou os Estados Unidos como o maior emissor mundial de
dióxido de carbono e de outros gases de efeito estufa.
O uso de carvão na produção de energia ajudou a China a tornar-se a segunda
economia do planeta, mas está cobrando um custo pesado do país, sobretudo
na saúde pública. Sobre as grandes cidades chinesas, céus carregados de
fumaça poluente já viraram rotina. O país é o principal consumidor e produtor
de carvão do mundo, respondendo por 50% do consumo mundial e por 49% da
produção, em 2011.
A Terra vista pelo pioneiro do espaço, o astronauta russo Yuri Gagarin, já não é
mais a mesma. Em 1961, ao se tornar o primeiro homem a ver o planeta do
espaço, Yuri proferiu a famosa frase: "A Terra é azul". Infelizmente, para a nova
geração, como Frank Culbertson, comandante da Estação Espacial
Internacional (ISS), o nosso planeta está hoje mais para o cinza, devido à
inexorável ação humana. Daqui de cima, vemos áreas desmatadas, sem
nenhuma vegetação, nuvens de poluentes do ar e poeiras em áreas antes limpas.
Isso nos mostra que temos de cuidar melhor da Terra daqui para a frente", diz
Culbertson.
É neste contexto que se vai realizar este ano em Paris a 21.ª Conferência das
Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas,
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de 30 de novembro a 11 de dezembro. Um dos principais objetivos é estabelecer
um acordo global de mitigação que permita não ultrapassar o limiar de 2oC.
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Que mal fizeram os bondes?
Publicadopor:[email protected]
Sábado,26deAbrilde201415:47
Luiz Carlos Marques Pinheiro
Artigos do leitor
Os bondes são o meio de transporte de massa mais barato. Embora a classe média
também os usasse, foram projetados para servir a população mais pobre. As linhas
visavam o atendimento dos bairros mais distantes, como Areal, Três Vendas e Fragata.
Pelotas é plana e reta, ideal para trilhos, mas infelizmente saíram de cena
BondedePortoAlegre
Ano 1955. O que será que passa na cabeça de um Governante que decreta o fim
dos bondes?
Que mal faziam os bondes?
Os bondes são o meio de transporte de massa mais barato que existe. Faz
diferença no bolso do pobre. Embora a classe média também os usasse, no
passado, eles foram projetados para servir a população mais pobre, das
periferias. Tanto assim que as linhas visavam o atendimento dos bairros mais
distantes, como Areal, Três Vendas e Fragata.
Pelotas é uma cidade absolutamente plana e reta. Ideal para a instalação de
trilhos.
Os trilhos não concorrem com o leito carroçável das avenidas. Eles têm espaços
próprios, por onde correm os trilhos, afastados das avenidas.
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Os bondes são lentos! Mas Pelotas é uma cidade tranqüila, sossegada, sem
pressa. Pelotas não tem a correria das grandes cidades. Querem fazer um teste?
Vão ao Café Aquário na parte da manhã!
Os bondes são um transporte limpo, não poluem o ar atmosférico, como os
ônibus e os automóveis, deixando Pelotas mais limpa.
Mas a classe média não quer saber de andar de bonde! Eles querem usar o
automóvel, uma conquista! Pois está muito certo. Os pobres das periferias mais
distantes agradecem, porque assim os bondes não andam lotados.
Os bondes não quebram, e não furam pneu, atrapalhando o trânsito. Enquanto
o trânsito está parado o bonde está andando.
Os bondes não sofrem batidas, como os ônibus, atrapalhando o trânsito.
Na sua fase mais romântica, os bondes transportavam os noivos, depois do
casamento, com todos os convidados.
O fascínio exercido pelos bondes sobre as crianças era tal, que os meninos
corriam atrás deles, para se pendurarem na traseira. Como era bom ser criança
em Pelotas! Eu era feliz e não sabia!
Os bondes no Rio de Janeiro tinham uma característica muito especial: eram
abertos e tinham estribos. O bonde lotado, o pessoal viajava nos estribos para
não pagar. O cobrador fazia uma ginástica para cobrar a passagem, andando
também no estribo, se segurando nas hastes metálicas laterais, externas,
fazendo a volta com o corpo, no ar, por fora dos corpos dos passageiros.
Os cariocas tinham um carinho tão grande pelos bondes que Alvarenga e
Ranchinho, e Herivelton Martins, compuseram uma marchinha em seu louvor:
Seu condutor, dim, dim
Seu condutor, dim, dim
Pare o bonde pra descer o meu amor
E o bonde da Lapa é cheio de chapa
E o bonde uruguaio duzentos que vai
E o bonde Tijuca me deixa em sinuca
E o praça Tiradentes não serve pra gente...
Crônicas eram escritas pelos melhores cronistas sobre os bondes.
Os bondes têm uma aura toda especial. Eu não conheço ninguém (repito,
ninguém!) que não tenha saudade dos bondes.
Então, eu fico me perguntando: Que mal fizeram os bondes?
Enquanto isso, eles continuaram rodando na Europa.
Por que não fizemos como Lisboa, Amsterdam, Berna, Bruxelas, Paris, Berlin e
tantas outras cidades européias que ainda conservam esse civilizadíssimo e
econômico transporte urbano?
61
Por arrependimento, os bondes vão voltar a circular no centro de Londres após
50 anos, numa tentativa de diminuir os congestionamentos na área, segundo o
prefeito da capital britânica, Ken Livingstone.
Hoje, andar com o bondinho pelas ruas de New Orleans, é como fazer uma
viagem ao início do século passado. À medida que vamos andando pelos pouco
mais de 12 km de extensão da linha, dezenas de casas, ou melhor, palacetes em
estilo colonial vitoriano e de “arquitetura antebellum” vão surgindo pelo
caminho.
Uma das principais atrações turísticas de São Francisco, ainda hoje, é a sua rede
de bondes, centenária, com 17 km de extensão, que circula a 15 km/h e que, em
respeito à sua tradição, pode ser vista no “Museu do Bonde de São Francisco”.
O Rio de Janeiro, num lamento nostálgico, mas digno de ser lembrado, ainda
mantém o “Bondinho de Santa Teresa”, rodando sobre os Arcos da Lapa
boêmia, uma tradição de mais de cem anos.
Então, eu fico me perguntando: Que mal fizeram os bondes?
De:[email protected]
Enviada:Sábado,26deAbrilde201415:47
Para:[email protected]
Assunto:Umpedidomuitoespecial
Olá Luiz Carlos
Obrigado pela sua crônica, veio a calhar inclusive temporalmente, pois a prefeitura começa a
preparar, enfim, a licitação para o transporte coletivo. Realmente, é uma dessas coisas
absurdas o fim dos bondes, sobretudo em cidades com a topografia de Pelotas.
Meu abraço, um ótimo domingo.
Abaixo, o link para a postagem no Amigos.
Escreva sempre que quiser.
http://www.amigosdepelotas.com.br/blog/que_mal_fizeram_os_bondes
9 Comentários
- Magnum Cardoso - 01/10/2014 - 17h12
Mesmo convivendo com a modernidade, fico perplexo que não sobrou
um exemplar se quer para que fosse usado como uma atração turística e
como meio de transporte no centro histórico da cidade, mais uma parte
da herança que ficou num passado esquecido.
- Bruno Wienke Timm - 15/05/2014 - 18h37
Caro Luiz Carlos, sou teu contemporâneo, morei na na Guabiroba. Sou de 1939; Estudei
no Colégio Pelotense de 1953 a 1959. Fiz Engenharia em Rio Grande. Trabalhei e
aposentei me na Ind. automobilística BWTimm
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- paulo silva - 11/05/2014 - 22h30
Quando pequeno ainda andei em bondes na nossa cidade. Pouco tempo é verdade.
Foram eliminados em prol da dita modernidade. Grandes cidades ainda usam esse meio
de transporte. Brilhante comentário e cumprimentos ao autor.
- Giancarlo - 27/04/2014 - 14h02
Transporte público nunca foi prioridade !!!! vamos comprar carros, pagar a gasolina (
caríssima, IPVA e lotar as ruas ...)
- Tereza - 27/04/2014 - 14h01
É verdade.
- HEBER - 27/04/2014 - 08h22
Fizeram isso com os bondes. Depois com os trens, as lotações. Com a facilidade de
comprar carro, não demora vão ser os táxi.
- David - 26/04/2014 - 20h23
Taí uma boa pergunta?
- Gilma - 26/04/2014 - 20h22
Exatamente isso (o que disse Fátima)!
- Fátima Moreira - 26/04/2014 - 20h21
Mal nenhum, o mal é a corrupção que comprou esses políticos e o lobby da indústria
automobilística e do petróleo.
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A Água em Pelotas,
no séc.XIX
(Uma leitura pessoal)
Luiz Carlos Marques Pinheiro
Ano 1952. Até 1871 não havia água encanada em Pelotas. Cada um tinha que se
virar da forma que pudesse.
A cidade era muito nova. A população pequena.
Segundo a Profª Beatriz Loner: “De acordo com o censo de 1872, Pelotas possuía
21.756 habitantes em seu núcleo e mais 2.747 na paróquia de Santo Antonio da Boa
Vista, não se computando dados de duas outras paróquias, o que somaria 24.503
habitantes, incluídos nesse número os escravos. Pelotas era a cidade do Rio Grande do
Sul com o maior número de cativos, ou seja, às vésperas da campanha de emancipação
de 1884 possuía 6.526 escravizados...
A razão dessa concentração de escravos eram as charqueadas.
Os negros de Pelotas, de hoje, são todos descendentes desses escravos, que
representavam algo em torno de 30% da população. Talvez não tenham
consciência dessa ancestralidade.
Na verdade, depois do “ciclo do charque” não aconteceu nenhum fato novo em
Pelotas que provocasse a vinda de negros. Hoje, a economia de Pelotas é
fundada basicamente no Comércio. E esse ramo de atividade não tem apelo
suficiente para atrair novos negros de fora.
Bem feitas as contas, os negros de Pelotas de hoje, são a 8ª ou 9ª geração desses
negros escravos ... ainda que não queiram.
Pelotas tem o maior número de negros do Rio Grande do Sul, afora a capital.
São 31.172 pessoas. Somados aos que se identificaram como pardos (mulatos)
aos recenseadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o
total ultrapassa os 51 mil, equivalente a 16% da população. (Diário Popular)
A água
Na Europa, a maior parte das vilas se instalava próximo a riachos, nascentes e
ribeirões, de onde podiam extrair a água.
Neste cenário surgiam os carregadores de água, escravos responsáveis pelo
transporte do líquido em barris e latões.
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Algum tempo depois apareceram os aguadeiros, homens livres que
freqüentavam as vilas e cidades mais populosas, munidos de burrinhos e
carroças, vendendo água de porta em porta. Esse personagem sobreviveu até o
início do século XX.
Em Pelotas, os registros históricos relatam que o abastecimento de água era
feito através de poços, cacimbas e algibes para o consumo humano, e do Arroio
Santa Bárbara para a lavagem de roupas e outras atividades domésticas. Mas
também havia a ação dos aguadeiros, esses oportunistas infelizmente
necessários ...
As Cacimbas
As cacimbas vieram solucionar um grande problema da população. Segundo
relato de um viajante “a água de que aí se faz uso é da chuva, conduzida dos
telhados e das sotéias ... há umas cisternas feitas de tijolo e terra romana a
que dão o nome de algibes. (“De fontes e aguadeiros à penas d' água: reflexões sobre o
sistema de abastecimento de água ...” - Tese de Doutorado de Aline Montagna da Silveira).
Aqui eu tenho que fazer uma reflexão. Se o relato do viajante for tomado ao pé
da letra, corre-se o risco de um entendimento errôneo. Não chovia o ano todo,
nem todos os dias. A população não podia ficar à mercê do bom humor do
65
tempo. Provavelmente a água da chuva armazenada em algibes era um
“reforço”, economizando uma ida às cacimbas.
As primeiras cacimbas, onde o povo podia se abastecer de água gratuitamente
para o consumo caseiro, se localizaram na antiga Rua de Baixo (Almirante
Barroso), também chamada “rua das Fontes”, onde uma cacimba com água
potável de excelente qualidade abasteceu por longos anos a população.
Existia uma outra, na atual rua Sete de Setembro, entre a rua Andrade Neves e a
rua Marechal Osório.
Havia também um poço, e por isso a rua foi chamada de Rua do Poço (Sete de
Setembro). No terreno onde se encontra atualmente a Biblioteca Pública havia
um outro poço público.
A água proveniente desses poços também era distribuída nas casas, através de
pipas, pelos aguadeiros, com um custo de vinte réis, vinte cinco litros. Algumas
famílias abriam poços nos próprios quintais e, a partir da segunda metade do
século XIX, por influência dos imigrantes platinos, passou-se a construir algibes
nas residências para acumular a água das chuvas.
Quem não possuísse poço ou algibe próprio, podia recorrer gratuitamente a
uma profunda cisterna que foi construída no Mercado Público (1851), com
capacidade para armazenar 500 pipas de água ... ou comprar a água dos
aguadeiros.
Em todas as casas havia pelo menos um cântaro para buscar água na cisterna do
Mercado.
Estranhamente, não encontrei registros de cacimbas no bairro do Fragata, um
dos bairros mais importantes da cidade e, talvez, o de maior crescimento, assim
como no bairro das Três Vendas. Certamente havia, mas os historiadores
deixaram de registrar.
O subsolo de Pelotas deve ser fartamente irrigado por riachos e minas d’água,
mas eu não encontrei nenhum registro sobre a qualidade do subsolo.
As inúmeras cacimbas e poços distribuídos pela cidade foram instalados
exatamente nos locais indicados pela Intendência, e onde furaram encontraram
água...
A simples observação revela o propósito da Intendência de que as cacimbas e
poços fossem instalados nos locais de maior concentração da população.
A Cacimba da Nação
Entre as várias cacimbas públicas que forneciam água à população, uma das
principais estava na zona do Porto: a Cacimba da Mata, perto do antigo Moinho
Riograndense.
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Na medida em que a rede de água foi sendo implantada, as cacimbas foram
desaparecendo.
A “Cacimba da Nação” foi a única que permaneceu, graças à reação popular
contra a sua demolição.
A Cacimba da Nação foi construída no tempo da implantação das primeiras
charqueadas, provavelmente no início do século XIX, no largo de encontro da
Av. Domingos José de Almeida com a Av. Barão de Correntes e Rua Cap.
Nelson Pereira, na área mais antiga do Bairro Areal.
No antigo largo, a cacimba dominava o logradouro, pois era o ponto de
abastecimento essencial para a vida da localidade. Era apenas um descampado,
em chão batido, que facilitava o acesso de pipas roladas ou montadas em carros
de tração animal.
É uma das poucas obras públicas remanescentes construídas pela mão-de-obra
escrava. O nome da cacimba deve ter origem na referência à nação africana de
seus obreiros.
Tratava-se de um poço revestido com tijolos, medindo aproximadamente 4,5
metros de profundidade e 1,75 metros de diâmetro interno, encimado com uma
mureta de alvenaria rebocada com 35 centímetros, mais ou menos, de altura e
2,30 metros de diâmetro externo. Era fechado por um tampo de madeira
provido de uma janela de visita. Mais tarde foi instalada uma bomba manual de
aspiração.
A cacimba pública servia a todos, principalmente aqueles que não possuíam em
suas propriedades fontes de água na quantidade ou qualidades necessárias.
Foi a principal fonte de água doce do Areal até a chegada da água encanada, no
início da década de 50, no século XX.
Não encontrei referências dos autores sobre a qualidade da água dessas
cacimbas. Não existia a técnica de análise da água.
Como não havia poluição e nem o uso de agrotóxicos, presume-se que era
razoavelmente boa. Mas há registros de que as famílias mais esclarecidas, se não
possuíssem filtro de barro, ferviam a água antes de beber. O filtro de barro era
uma solução para a água de cacimbas. Os filtros já existiam desde 1827.
O saneamento básico não estava entre as prioridades do governo (até hoje, mais
de 100 mil pessoas em Pelotas não são servidas por rede de esgoto!!!).
Diante deste descaso por parte da Intendência, a questão da saúde era precária
e a população se obrigava a criar uma medicina doméstica, com ervas e
sementes. A semente de abóbora combatia as lombrigas. A carqueja era boa
para o estômago. A erva-mate ajudava na digestão. E o chá de marcela clareava
os cabelos das louras. A incipiente indústria farmacêutica fabricava ungüentos e
elixires.
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Em Pelotas, o Laboratório Leivas Leite, no início do século XX, fabricava o
Peitoral de Mel, Guaco e Agrião, um dos mais antigos do país.
As bicas
Eram a forma mais rudimentar de disponibilizar água à população. Bastava um
cano de ferro, que furava a terra até encontrar uma mina d’água, e uma torneira
de boca larga. Foi a primeira iniciativa governamental para disponibilizar água à
população.
Não se tem referência de quantas bicas havia em Pelotas, nem onde estavam
localizadas. Eu acho que, em Pelotas, qualquer lugar servia.
No tempo dos chafarizes
Entre os anos de 1871 e 1908, a Cia. Hidráulica Pelotense, uma empresa privada,
foi autorizada a se constituir para a instalação da rede de água na cidade.
A Intendência contratou com a Cia.Hidráulica a colocação de 4 chafarizes mais conhecidos na época pela expressão original francesa "fontes d'água" - na
Praça da Matriz, no Porto, na Praça da Constituição e na praça localizada em
frente à Catedral; e de uma caixa d’água, toda em estrutura de ferro importada
da França, localizada na Pça. Piratinino de Almeida (em frente ao prédio da
Santa Casa, cujo o 1º pavimento foi construído em 1872).
Como compensação, a companhia podia cobrar pela água fornecida pelos
chafarizes.
Pelotas sempre teve a França como modelo. O que Paris fazia, Pelotas ia atrás ...
No chafariz da Pça.Cel.Pedro Osório passou a existir uma guarita onde um
guarda era responsável pela venda de água.
Segundo a Wikipédia, o chafariz "As Três Meninas", originalmente instalado na
praça Domingos Rodrigues, e que hoje se encontra no calçadão da cidade, na
rua Andrades Neves, não foi trazido da França como se supunha, mas foi
importado da Escócia: “Um exemplo de monumento do acervo do município é o
Chafariz "As Três Meninas", vindo de Escócia em 1873, e localizado no centro
do município. Até o ano de 2007 acreditava-se que ele era proveniente da
França”(Wikipedia).
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Cronologicamente, o segundo chafariz a ser instalado (1873), se encontrava até
1916 defronte à Catedral, mas não se sabe seu destino.
Relatórios da época da instalação dos chafarizes atestavam que a qualidade da
água “... era límpida, antes de entrar no encanamento...”
A Caixa d´Água
O maior monumento de Pelotas é a Caixa d'água de ferro, que se localiza na
Praça Piratinino de Almeida. Única no gênero na América Latina.
Foi construída em Pelotas em 1875. Apóia-se em 45 colunas, e todas as peças
são de ferro. O seu mirante tem formas que lembram a arquitetura oriental.
Todo o material usado na construção foi importado da França em 1870, e até
2009 ainda fornecia água para a área central da cidade.
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A Estação de Trens
Luiz Carlos Marques Pinheiro
AestaçãodePelotasnoiníciodoséculoXX
EstadoAtual(2014)
Southern Brazilian R. G. do Sul Ry. Co. Ltd. (1884-1905)
Cie. Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil (1905-1920)
V. F. Rio Grande do Sul (1920-1975)
RFFSA (1975-1996)
Linha Cacequi-Maritima - km 1.062,905 (1960)
Altitude: 3 m
Uso atual: abandonada
Inauguração: 02.12.1884
Data de construção do prédio atual: 1884
Ano 1948. A Estação de Pelotas, localizada no Largo de Portugal, foi
construída e inaugurada em 2 de dezembro de 1884, para servir à linha
ferroviária Rio Grande – Pelotas – Bagé (tripé porto-charque-gado). Foi
implantada graças ao empenho do conselheiro Gaspar Silveira Martins.
Um ano antes, em 1883, a ligação entre Rio e São Paulo já era feita por trens.
Foi uma importante estação de trem do município de Pelotas, construída por
um consórcio francês.
Este prédio fazia parte da Linha Cacequi-Marítima que eram compostas pelas
Cidades de Bagé(Gado),Pelotas(Charque) e Rio Grande(Porto) e formavam o
tripé econômico dessa região do estado.
Entretanto, a estação já nasceu com um estigma muito forte: não era origem
nem destino de passageiros. Era uma parada rápida para o embarque de
charque para o Porto de Rio Grande.
Quando chegaram os trens de passageiros a Pelotas, os ricos acharam ótimo.
Era um indicador de modernidade.
A foto do início do séc.XX mostra o pátio de estacionamento da estação de trens
de Pelotas lotado de automóveis, em dia de grande festividade, para receber o
diplomata e político Joaquim Francisco de Assis Brasil que lá chegava no
70
chuvoso dia 13 de novembro de 1923. (“A Estação Férrea de Pelotas em Duas
Épocas - PORTO ...”). E ele viajava de trem ...
A quantidade de automóveis no pátio de estacionamento em frente à estação
revela o sucesso absoluto da novidade dos trens, entre os ricos, no início do
século XX.
Os trens eram um “luxo”, embora os bancos fossem de madeira. Agora os ricos
já podiam viajar para Rio Grande de trem, onde tomariam o navio (em Pelotas se
chama “vapor”, pela fumaça expelida pelas chaminés das caldeiras) para Porto Alegre.
No trem, os “cavalheiros” copiavam os costumes da Europa e costumavam vestir
um “guarda-pó” (que em Pelotas se chama “tapa-pó), para não sujarem os ternos,
com a fuligem expelida pelo trem.
Naquela época a viagem entre Pelotas e Porto Alegre era por navio, via Lagoa
dos Patos, ou, por trem. A alternativa de viagem por carro constituía uma
aventura, pois inexistiam estradas, só caminhos para carretas.
A viagem por navio entre Rio Grande e o Rio de Janeiro, que era o grande
destino dos pelotenses ricos, podia durar de quatro a oito dias, dependendo do
modelo do navio.
A título de curiosidade, uma viagem entre Gênova (Itália) e o Rio de Janeiro, em
1919, durava 18 dias.
Contava a minha mãe que a nossa viagem para o Rio de Janeiro (eu tinha dois
anos) , em 1942, quando o meu pai foi tomar posse como funcionário do Banco
do Brasil, durou oito dias, numa época de Guerra Mundial, em que as luzes do
navio não podiam ser acesas à noite por medo dos submarinos alemães.
A viagem de navio ao Rio de Janeiro, para os pelotenses, era um grande
acontecimento social. Os homens e mulheres mandavam refazer o guardaroupa, que era transportada em baús de viagem.
Os baús eram de madeira leve, papel e lata; possuíam um revestimento de
tecido grosso por cima da madeira e travessas; tinham duas cintas de couro para
prender a tampa e alças laterais metálicas, para carregar.
Mas os ricos utilizavam os baús de origem francesa, em couro, com guarnições
de metal.
71
Nós tínhamos em casa um desses baús, recordação da nossa volta do Rio de
Janeiro, em 1943, mas era totalmente de madeira, com a tampa abaulada e alças
laterais de metal.
Na década de ’30 (1931/1932), Santos era o ponto final de grandes
transatlânticos, como o “Conte Grande”, que faziam a rota Gênova, Villefranche,
Barcelona, Las Palmas e Rio de Janeiro, percurso feito em 13 dias.
Para que se tenha uma idéia do luxo desses transatlânticos, eu transcrevo um
trecho de uma matéria sobre o “Conte Grande”:
“Com oito conveses, dos quais os espaços reservados à primeira classe
ocuparam quatro, o Conte Grande havia sido desenhado para transportar um
total de 1.600 passageiros em quatro classes.
Os 212 passageiros que podiam viajar em primeira classe dispunham de
alojamento na Ponte B, com várias cabinas do tipo apartamento (sala,
banheiro e dormitório em espaços separados) e 23 destas em variação de luxo,
com pias e banheiras em mármore de Carrara, lustres de alabastros,
revestimento de poltronas e sofás em seda chinesa, tapetes persas e outros
detalhes refinados.
O salão de jantar da primeira classe dispunha de lugar para 330 pessoas,
dispostas em mesas retangulares distribuídas com intervalos regulares por
todo o espaço. Todo o salão era ladeado por dois andares de galerias com
balcões, onde no primeiro também havia mesas, e o segundo andar fazia
apenas parte da decoração”
(http://www.novomilenio.inf.br/rossini/contegra.htm)
Nós viemos do Rio para Pelotas, em plena II Guerra Mundial, mas os navios que
faziam essa rota não tinham esse luxo; tinham apenas um nível superior de
conforto. O porto de Rio Grande era o nosso destino. O resto era feito de trem.
Monte Rosa
72
No convés eram colocadas cadeiras espriguiçadeiras (em Pelotas se chama cadeira
“preguiçosa”) para que os viajantes pudessem tomar banho de sol
confortavelmente.
A 1ª Classe tinha um salão de bailes e uma orquestra contratada; às vezes,
internacional. O restaurante da 1ª Classe servia cozinha internacional.
O grande risco que se corria, era à noite, por causa da aviação e dos submarinos
alemães. O capitão do navio recebia um aviso de terra, e todas as luzes do navio
eram apagadas.
Mas, voltando aos trens.
Ao que tudo indica, os ingleses e franceses, habituados ao uso sistemático de
trens na Europa, calcularam mal a potencialidade comercial da linha.
Tanto assim, que em 1905 a linha passou da Southern Brazilian R. G. do Sul Ry.
Co. Ltd. para a empresa francesa Cie. Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil;
em 1920 para a V. F. Rio Grande do Sul; e em 1975 para a Rede Ferroviária
Federal (RFFSA), empresa que administrava todas as linhas do estado.
Segundo a Profª.Lidiane Silva - Bacharelanda em Conservação e Restauro
UFPel - “No período da inauguração este era o assunto mais comentado nas
crônicas locais, tendo lugar de destaque, já que a chegada deste serviço na cidade,
para aquela época, representava um grande avanço tecnológico.
Com a chegada da estrada de ferro na cidade de Pelotas, podem-se perceber algumas
mudanças urbanísticas, tal como a linha de bondes e estradas estendidas até a
Estação Férrea, ligando-a ao restante da cidade, o que incentivou o crescimento de
Pelotas no entorno da Estação, originando o bairro Simões Lopes, com casas
comerciais e hotéis aptos a suprir as necessidades dos operários e passageiros que por
ali passavam.”
No final do séc.XIX, era baixo o movimento na linha, por causa, já dos altos
preços do frete, maus serviços e da interrupção do serviço de trens pela
Revolução Federalista.
Os trens de passageiros partiam de Livramento, em outra linha, chegavam a
Cacequi e dali até Bagé. Em Bagé, havia que se trocar de trem para chegar a Rio
Grande.
Uma série de variantes entregues entre 1968 e os anos ’80 - Pedras Altas,
Pedro Osório, Pelotas - encurtaram e melhoraram seu traçado, eliminando
diversas das estações originais.
A RFFSA (Rede Ferroviária Federal Sociedade Anonima), a administrou até
1996, quando a mesma foi desativada para o transporte de passageiros.
As pessoas mais ricas, que eram quem sustentava os trens de passageiros,
rapidamente largaram os trens de passageiro e começaram a andar de avião, de
carros, que já chegavam cada vez mais baratos. Então começou a cair a
manutenção dos trens, das vias, das estações.
73
Hoje, a estação não é nem “uma parada rápida”. Não passa de um ponto de
passagem, de trânsito de carga para o porto de Rio Grande.
A Rede Ferroviária Federal está devendo resposta a uma pergunta que não quer
calar: porque os trens continuaram economicamente viáveis na Europa e, no
Brasil, são considerados inviáveis?
O imóvel da estação foi abandonado, depredado e até incendiado. Hoje
permanece assim, à espera de algum tipo de investimento que o recupere.
Até 2013, a estação continuava no mais completo abandono, com portas
lacradas, pixações, depredações, etc.
Atualmente o prédio está sendo reformado pela Prefeitura Municipal que o
utilizará como sede do Procon, o Cerest (Centro de Referencia em Saúde do
Trabalhador), além de um Museu Ferroviário.
Uma idéia que podia ter passado pela cabeça do Prefeito JOSÉ ANSELMO
RODRIGUES, quando decidiu pelo fechamento da estação férrea, em 1989.
“Vamos ver como fica a coisa daqui para a frente”, diz o povo.
O Prefeito Anselmo, ao decidir, não só pelo fechamento, mas pelo abandono do
prédio da estação à deterioração, um prédio do séc.XIX, um esforço do
conselheiro Gaspar Silveira Martins, revelou uma faceta irresponsável, além de
um completo desprezo pelo patrimônio cultural de Pelotas.
A estação está em pé, mas abandonada. Ainda é o mesmo prédio original,
totalmente abandonado e depredado. As janelas foram lacradas com tijolos. O
lixo se espalha pelo seu interior. "Fotografei a estação antes que ela acabe. A
linha é utilizada por trens que vão até Rio Grande. A situação do prédio gera
incomodação, indignação e outros sentimentos em boa parte da população
local. Uma parte foi incendiada como de costume" (Rodrigo Cabredo,
07/2003).
NA MIRA DO RESTAURO: Estação férrea de Pelotas/RS
O prédio possui um salão principal onde temos a bilheteria e o acesso ao pátio dos
trens. À esquerda funcionava a administração e, à direita, o setor de saúde ocupacional.
O prédio possui 15 cômodos e no andar superior se encontra a residência do agente. Foi
construída com três portas centrais, marquise de vidro, mansardas com oito janelas
água-furtada, platibanda com balaústres de cimento, frontão central trabalhado, pinhas
nas esquinas do telhado e das platibandas do andar superior.
Foi inaugurada em 02 de dezembro de 1884, segundo jornal da época, "de forma fria e
constrangedora", pois estava marcada apenas uma rápida parada dos trens na estação
de Pelotas, o que foi reprovado pela comunidade que achou melhor não prestigiar os
atos de inauguração. Mas, ao longo da ferrovia, houve muitas comemorações. A
implantação da ferrovia e construção da estação repercutiu fortemente no
desenvolvimento e no crescimento urbano de Pelotas. Logo se tratou da criação de uma
rede viária capaz de ligar a estação ao resto da cidade, o que induziu o crescimento em
direção ao "largo da estação".
74
Por volta de 1930, foram construídas duas laterais com porta e janelas, iguais para cada
lado, mas sem mansardas, das quais foram retiradas as janelas, assim como as pinhas.
A plataforma de embarque e desembarque é protegida por longa cobertura, estruturada
a partir de "mãos-francesas" de ferro. O velho sino e o relógio, com duas faces, uma
para dentro do saguão e outra para a plataforma de embarque, são originais no saguão
de entrada (hoje foram retirados
Nota:
"O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) oficializou a cessão
da estação férrea ao município de Pelotas, durante cerimônia realizada no salão nobre
da prefeitura. Na mesma data, o prefeito Adolfo Antonio Fetter e o procurador da
República Mauro Cichowiski dos Santos assinaram o Termo de Destinação de Verbas
Judiciais para a Restauração e Instalação do PROCON e do Centro de Referência em
Saúde do Trabalhador no prédio. O prédio da Estação Férrea de Pelotas é tombado pela
lei municipal nº 4.315 de 22 de Setembro de 1998 e inventariado pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphe).
Atualmente há um projeto que visa a requalificação do prédio e do seu entorno, em
busca de abrigar o Centro de Referências em Saúde do Trabalho Macrorregião Sul
(Cerest) e o PROCOM. O projeto propõe a revitalização completa do prédio.
(“Rethalhos Culturais”)
75
A Formação Portuguesa
de Pelotas
Luiz Carlos Marques Pinheiro
Ano 1950. A formação portuguesa de Pelotas, origem em Aveiro, deixou marcas
profundas no caráter do povo pelotense.
Sólida formação cristã. Intensa religiosidade. Forte sentimento familiar.
Desenvolvido espírito público. Extrema consciência social e de solidariedade
humana. Generosidade.
Nenhum prédio público de Pelotas foi construído às expensas do governo.
Foram todos patrocinados pela elite mais rica, que se sentia responsável,
civicamente, pelo desenvolvimento da cidade, sentimento esse destituído de
qualquer vinculação ideológica-partidária.
Com essa visão, não é surpreendente que Pelotas tenha se tornado, em pouco
tempo, um rico centro cultural e político, sendo conhecida como a Atenas RioGrandense. Tanto assim, que o Theatro Sete de Abril, erguido em 1834, foi a
primeira casa de espetáculos a abrir suas portas às artes cênicas na província de
São Pedro do Rio Grande do Sul e a quarta no Brasil.
Nos idos de 1875, nova manifestação de valorização da cultura: a criação da
“Bibliotheca Pública Pelotense”. Idealizada por Fernando Luís Osório, filho do
general Osório, em princípios de 1871, a idéia é entusiasticamente patrocinada
por Antônio Joaquim Dias, diretor do jornal Correio Mercantil, que, em 12 de
novembro, publica em seu jornal um convite “dirigido aos obreiros do progresso
público para reunirem-se em 14 do mesmo mês, nos salões da Sociedade
Terpsychore, para a fundação da nova instituição cultural”.
A novel entidade é instalada na parte térrea de um sobrado cedido por João
Simões Lopes, Visconde da Graça - uma reafirmação da generosidade, do
desprendimento da elite pelotense - , situado na rua General Victorino, esquina
General Neto, onde hoje se instala a Secretaria Municipal da Educação.
Essa elite, se por um lado soube ganhar muito dinheiro no século XIX com o
charque e com a importação de bens da Europa (grandes atacadistas), também
tinha consciência que o dinheiro só faz sentido se usado para aliviar a dor dos
infelizes.
A elite tinha uma forte consciência social. Todas as entidades de assistência
social de Pelotas, da época, foram iniciativas dessa elite de homens, e também
das mulheres, da alta sociedade. Fato marcante a presença da mulher, em pleno
século XIX, na assunção de certas responsabilidades sociais na comunidade.
Herança da formação liberal portuguesa.
76
Mal acabara de ter sido elevada de vila à categoria de cidade, já as senhoras da
elite se mobilizavam para criar em Pelotas um hospital voltado à assistência dos
mais pobres. Para tanto, copiaram o modelo português das Misericórdias, cujo
modelo original era a irmandade organizada em Lisboa, em 1498.

Santa Casa de Misericórdia
É a mais antiga instituição assistencial e hospitalar de Pelotas. Fundada em
20 de junho de 1846. Tratava-se de uma instituição destinada a atender
especialmente aos indigentes, um atendimento ao espírito cristão.
(Desenho de 1883)
A instituição foi a principal responsável pelo auxílio aos pobres por meio da
caridade e da filantropia pública e privada na cidade.
Associações típicas do mundo português, as Misericórdias foram organizadas
em diversos lugares de colonização portuguesa, tendo como modelo a
irmandade organizada em Lisboa, em 1498.
Para realizar atividades assistenciais, a Misericórdia de Pelotas mantinha esse
hospital, desde 1848, onde eram recebidos os expostos (crianças abandonadas)
e enfermos.
A Santa Casa de Misericórdia de Pelotas foi a primeira instituição a se
responsabilizar por crianças recém-nascidas e sem condições financeiras, em
Pelotas. A partir de 1849, ao assinar uma norma tradicional das Santas Casas,
passa a receber crianças abandonadas para serem atendidas pela “Roda dos
Expostos”.
O sistema da Roda propiciava o anonimato de quem deixava a criança sob
responsabilidade da instituição. Este mecanismo talvez tenha motivado pessoas
que não tinham condições de sustentar seus filhos, ou não desejavam a
maternidade, ao invés de sacrificá-los a entregá-los à Roda, pois o número de
crianças abandonadas aumentava na cidade.
A Santa Casa também monopolizava enterros e transporte para o cemitério
(fundado em 1855). Mantinha ainda duas capelas para rezar missas pelas almas
dos irmãos e benfeitores.
77
A receita da Irmandade provinha principalmente dos doadores, dos
rendimentos do cemitério e de subvenções e privilégios concedidos pelo Estado.
Campanhas solicitando doações era algo comum no período. “Na Pelotas do
século XIX, desenvolviam-se políticas com forte caráter assistencialista. As
ações desse tipo eram extremamente valorizadas na sociedade, e retribuídas
com status social positivo aos sujeitos que realizassem tal prática.”
Em 1921, foi construído o Pavilhão dos Tuberculosos, a doença de maior
índice de mortalidade no Brasil na segunda metade do século XIX e início do
século XX, devido às moradias insalubres.

Asilo de Órfãs Nossa Senhora da Conceição
Fundado em convênio com a Santa Casa de Misericórdia, em 1855, o “Asylo de
Orphans” Nossa Senhora da Conceição se responsabilizaria por acolher as
meninas deixadas na Roda e que já tivessem completado três anos.
Aos poucos, a Santa Casa deixava de ser a alternativa para cuidar das crianças
abandonadas e surgem novas possibilidades.
Cabe salientar que o fim da Roda é um marco na concepção de infância que
estava se consolidando, pois havia preocupação em propiciar à criança
tratamento adequado para que, futuramente, se tornasse um sujeito produtivo.
O início do século XX marca a história da infância em Pelotas pelo caráter
assistencialista e religioso, anunciado nas instituições destinadas a abrigar e/ou
cuidar de crianças abandonadas ou de camadas populares.
Em 1933, a Sociedade Auxílio Fraternal de Senhoras Espíritas funda o orfanato
espírita Dona Conceição, que abrigava crianças e possuía vínculo direto com a
doutrina cristã espírita.
Em 1936, é fundada a primeira creche do município em regime de externato,
creche São Francisco de Paula, com vínculo direto com a religião católica. A
finalidade era criar uma instituição “destinada a amparar, zelar e proteger
crianças, cujos pais, por suas atividades, não pudessem atender seus filhos” (Ata
nº 1- 11/06/1936).
Uma iniciativa da Liga das Damas Católicas de Pelotas, com o propósito de
solucionar um importante problema social cristão. O nome escolhido foi uma
homenagem ao padroeiro da cidade.
A Igreja Católica tinha a preocupação de manter e preservar o grau de influência
conquistado em Pelotas.

Beneficência Portuguesa
Algumas das personalidades de maior destaque da colônia portuguesa de
78
Pelotas, tendo à sua frente o Vice-cônsul Francisco Luiz Ribeiro, secundado por
Manuel Fernandes Lima e o insigne José Vieira Pimenta, tomaram a iniciativa
de criar uma casa de Beneficência, nos moldes da de Porto Alegre.
Em 21/06/1857, reunidos na casa do vice-cônsul, determinaram pedir ajuda aos
negociantes para, em ação conjunta, conseguir o maior número de sócios, já
começando com 254 sócios.
Em 16/09/1857, data de aniversário do Rei de Portugal, foi decidida a instalação
da Sociedade Portuguesa de Beneficência de Pelotas, que ficou com certa
dependência da Beneficência de Porto Alegre. Na mesma reunião é nomeada
uma comissão para tratar da localização e instalação do hospital, que foi
instalado na Rua da Igreja, esquina da rua S. Domingos, depois Gal. Vitorino e
hoje Padre Anchieta.
O novo hospital é instalado sob a proteção de S. M. Fidelíssima D. Pedro V,
então rei de Portugal, a quem foi comunicada a fundação, e, convidado, aceitou
ser seu protetor.
Em 29/06/1858, em assembléia geral, por unanimidade de votos, ficou
estabelecido que a Beneficência de Pelotas se separasse da de Porto Alegre.
Separada, sem dever obediência à de Porto Alegre, a sua Diretoria lançou-se à
grande obra de construir, em lugar apropriado e em terreno próprio, o seu
hospital definitivo. É quando surge, então, a figura tutelar e patriótica de José
Antônio de Oliveira Leitão, que, secundado por sua virtuosa esposa, dona Isabel
de Fontoura Leitão, doou todo o terreno, ou seja, toda a quadra, em que se
encontra a Beneficência. Graças ao valioso donativo foi possível o largo
desenvolvimento do hospital e possibilitada à construção da grandiosa obra.
Para construir o novo hospital, donativos importantes em dinheiro foram
recebidos e ações emitidas. Para aumentar o pecúlio, necessário para as obras,
realizaram-se espetáculos, organizaram-se quermesses, fizeram-se empréstimos
bancários; os sócios e amigos da Beneficência organizaram listas de donativos.
Não houve, enfim, o que não se fizesse para levar adiante o grande
empreendimento, para a honra do nome português em Pelotas. Hoje, a
Beneficência dispõe de uma área construída de cerca de 17.000 m2.
Durante todo o tempo de construção foi necessário promover diversas ações
beneficentes. Um exemplo foi a peça teatral “O beijo de Judas”, apresentada no
79
dia 25 de abril de 1894, pelo grupo Beijos de Thalia, com todo o lucro revertido
para a obra. Outras doações pessoais contribuíram para a realização da mesma.
Em 1916, entraram para este hospital as irmãs da Congregação da Divina
Providência, que deram a ele a austeridade e o respeito que devem ser
impressos a casas desta ordem.
Se por um lado é bem verdade que a Beneficência foi fundada por portugueses,
por outro não é menos verdade que, ao longo de sua história, tem sido valiosa a
contribuição, auxílio e apoio dos pelotenses, muitos dos quais pertencem hoje
ao seu quadro associativo e diretivo.

Escola São Francisco de Assis
Ela nasceu com as primeiras seis alunas, no dia 06 de fevereiro de 1889.
Seis meses depois, as meninas matriculadas já eram em número de cem. A
escola é administrada pela Congregação das Irmãs Franciscanas da Penitência e
Caridade Cristã.
Essa Congregação surgiu na Holanda em 1835. Em Pelotas, as primeiras irmãs
chegaram em 1888, para tomar conta do “Asylo de Orphãs”.
Paralelamente ao trabalho educativo, e recorrendo à ajuda de professoras leigas,
as irmãs deram início aos cursos de piano, trabalhos manuais e pintura.
Antes somente para meninas, a escola passou a admitir também meninos em
1903.
Em 1948 e 49 eu estudei nessa escola, na época considerada a melhor escola
primária de Pelotas, e as classes já eram mistas. O que mais me chamava a
atenção era a presença de alunas órfãs, na minha classe, que moravam na
escola, com as freiras.
A par dos ensinamentos religiosos, ministrados pelas freiras nas aulas de
Catecismo, os alunos e alunas, aos oito anos, faziam a primeira comunhão no
São Francisco. Uma festa muito bonita. Igreja totalmente enfeitada com flores.
O capelão paramentado de branco, símbolo da pureza daquelas crianças.
Na época em que eu estudei lá, era uma escola elitista, para filhos de ricos, e eu
só consegui uma vaga graças a um tio, bastante rico. Em compensação, fiz
amizade com a melhor sociedade de Pelotas, meus amigos até hoje.

Pão dos Pobres
A Fundação Pão dos Pobres de Santo Antônio é uma fundação benemerente dos
irmãos Lasallistas. Foi criada em Porto Alegre, em 1895, pelo cônego José
Marcelino de Souza Bittencourt, e tinha o objetivo de amparar as viúvas e os
filhos das vítimas da Revolução Federalista.
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Em 1916, a instituição passou a ser regida pela Congregação Lassalista e voltouse ao atendimento a crianças e adolescentes carentes. Neste ano, o Pão dos
Pobres também passou a contar com dois abrigos de acolhimento institucional
em parceria com a Fasc.
A Fundação Pão dos Pobres de Santo Antonio, é uma instituição voltada ao
abrigo e preparo profissional de menores carentes. A instituição oferece escola
de ensino básico, um centro de educação profissional de nível básico e técnico, e
um programa de educação através do trabalho assistido.
Em 1926, o irmãos lassalistas assumiram o Colégio Gonzaga em Pelotas, criado
em 1895 pelos padres jesuítas.
O início das atividades do Colégio Gonzaga na cidade de Pelotas, data de 04 de
março de 1895, quando o sacerdote jesuíta baiano José Anselmo de Souza
fundou o educandário, na época sob a denominação de Escola São Luiz
Gonzaga. A instituição foi dirigida pelos jesuítas até 1925, tendo o auxílio dos
irmãos Maristas de 1910 a 1925, quando os lassalistas assumiram o Colégio.
Quando os lassalistas assumiram o Colégio Gonzaga, em 1926, já encontraram
aqui o “Pão dos Pobres”. Por isso é difícil dizer quando a entidade se instalou em
Pelotas.

Asilo de Mendigos
Na década de 1880, o jornalista Antônio Joaquim Dias fundava em Pelotas o
Asilo de Mendigos de Pelotas, com a finalidade de fornecer abrigo e alimento
aos mendigos da cidade. O projeto contou com o investimento de João Augusto
de Freitas, que ofereceu uma quantia de $ 825.147 réis, para o auxílio à
construção do prédio.
Promulgada a idéia para a fundação de um asilo, ficou estabelecida em 1885 a
Sociedade Beneficente Asilo de Mendicidade. Mudando o nome em junho de
1894, se chamando Asilo de Mendigos de Pelotas.
No dia 1º de julho de 1917 um mendigo vestindo o uniforme do Asilo saiu pelas
ruas da cidade com uma carroça, com a finalidade de recolher donativos para a
entidade. A carroça foi feita na Fábrica de Carruagens de Luiz Schröder, e era
muito conhecida pelos pelotenses, sendo este trabalho realizado até a década de
1940.
Antonio Joaquim Dias chegou ao Brasil, como imigrante pobre. Nascido em
Portugal, chega ao Rio Grande do Sul com 13 anos. Inicia como empregado do
Diário do Rio Grande, onde aprende a arte da tipografia.
Em 1869, radicou-se em Pelotas, onde viria a casar com Cezaria Dias, fundando,
nessa cidade, o Jornal do Comércio, em 1870, que viria a vender, mais adiante.
Em janeiro de 1875, fundou o jornal o Correio Mercantil, sob o lema “não
aceitamos responsabilidade de testas de ferro”, iniciando um jornalismo
independente e aberto, assegurando estável renda publicitária.
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Dias exerceu papéis representativos na cidade, foi sócio benemérito da
Biblioteca Pública Pelotense, sócio efetivo da Associação Emancipadora Clube
Abolicionista, além de ser o Idealizador e fundador do Asilo de Mendigos de
Pelotas.

Instituto São Benedito
Esta bela Obra de Assistência Social começou pela determinação e coragem de
uma jovem chamada Luciana Lealdina de Araújo. Ela era negra, filha de
mãe escrava e dotada de grande sensibilidade para com os pobres. Luciana
nasceu em Porto Alegre, no dia 13 de junho de 1870 e ainda jovem veio com sua
família para Pelotas. Aqui ela se deparou com a triste realidade de muitas
meninas negras e órfãs desamparadas.
Em nossa cidade não havia nenhuma instituição que acolhesse essas meninas, e
Luciana vendo isso, se compadeceu. Naquela época a tuberculose era uma
doença comum entre a população e Luciana era acometida desse mal que a
deixou muito doente. Porém, a fé e a coragem, não deixaram Luciana se abater,
clamando ela aos céus, fez uma promessa a São Benedito (*). A jovem adoentada
pediu então pela sua cura, e se caso fosse atendida fundaria uma casa para
acolher as meninas carentes que tanto lhe comovia. Tais meninas seriam
acolhidas sem nenhuma distinção de cor.
(*) São Benedito é um santo católico, negro; ex-escravo. Pelos seus inúmeros
milagres a Igreja Católica foi levada a santificá-lo.
Contam em Pelotas uma lenda de que, numa procissão, uma beata que não
conhecia São Benedito, ao ver a imagem do santo exclamou “Mas ele é negro!” e
que, nesse instante, o manto escorregou dos ombros de São Benedito. Depois
disso não conseguiram mais colocar o manto nos ombros de São Benedito, nessa
procissão, por mais que insistissem.
Por sua tamanha fé, e nobre propósito, Luciana teve sua saúde milagrosamente
restabelecida. Ela então cumpriu sua promessa, mesmo sabendo que seria
muito árdua essa tarefa. Iluminada por Deus, Luciana de Araújo (“Mãe Preta”)
começou sua peregrinação benemérita que idealizou, a qual recebeu o nome de
Asilo de Órfãs São Benedito.
No dia 06 de fevereiro de 1901 numa reunião pública foi fundado o Asilo de
Órfãs São Benedito e, em 13 de maio, foi oficialmente inaugurado. O mesmo se
mantinha através de donativos que Luciana recolhia em sua peregrinação pelas
ruas.
De 1901 a 1912, um grupo de senhoras da cidade de Pelotas ministravam,
voluntariamente, educação (ensino Primário) e ensinamentos domésticos às
meninas carentes dessa Instituição. Após esse período a Congregação das Irmãs
do Imaculado Coração de Maria assumiu essas tarefas. Em 1951, o Asilo passou
a denominar-se Instituto São Benedito.
(institutosaobenedito.blogspot.com/.../instituto-sao-benedito)
82

Sociedade Espírita Assistencial Dona Conceição
Há muitos anos, um grupo de senhoras da sociedade pelotense, imbuídas dos
mais elevados sentimentos de amor e fraternidade, decidiu criar uma sociedade
espírita, proposta por Dona Virgínia Taveira Fróes, e que tinha como bandeira o
auxílio aos necessitados e a divulgação da doutrina espírita.
Impulsionada pelo espírito fraterno de uma parcela representativa da
comunidade, esta Sociedade foi ganhando novos membros, os quais se
sucederam em sua presidência, irmanados pelo sentimento vivo de
solidariedade humana.
Nascia, assim, no ano de 1911, a Sociedade Auxílio Fraternal de Senhoras
Espíritas.
Naquele grupo de senhoras, destacou-se a figura suave, prudente e amorosa de
Dona Maria da Conceição Barbosa Dias, esposa do Cel. Domingos Jacintho
Dias, conceituada dama da sociedade daquela época. Dona Maria da Conceição
passou a se dedicar à prática constante de atos caridosos.
Dotada de um coração generoso e sensível, sempre voltada para os mais
necessitados, demonstrava especial simpatia pela infância desprotegida. Tanto
assim que, durante sua longa existência, amparou e criou em seu próprio lar,
com o carinho especial de uma mulher que não teve a ventura de ser mãe, vinte
e cinco crianças, as quais foram chegando uma a uma e de lá não mais saíram. A
todas amou como se seus filhos fossem, dedicando-lhes o amor materno que a
vida lhes negara.
Sua casa era uma casa de portas abertas para quem a ela recorresse. Sempre que
o alimento material era ali procurado, era encontrado; ninguém lhe batia à
porta sem ser atendido. O alimento espiritual – a palavra, o carinho, o conforto,
o consolo – também era sempre ali encontrado. A todos atendia com a mesma
bondade, carinho e afeto de quem nasceu para amar.
Em 1927, quando de seu falecimento, por meio de seu testamento, legou tudo o
que tinha à coletividade pelotense, na sua parte menos favorecida, a criança
desamparada. Contudo, não deixou de proteger os que lhe eram caros, por meio
do usufruto dos próprios bens que doara aos desafortunados. Assim, deixou em
doação à Sociedade até mesmo a sua casa de moradia, com a obrigatoriedade de
nela ser estabelecido um orfanato para meninas pobres.
Com o passar do tempo, por contingências legais, a denominação da Sociedade
passou a ser Sociedade Espírita Assistencial Dona Conceição, mantenedora do
Lar da Criança Dona Conceição e da Escola Assistencial Jeremias Fróes.
Devido a circunstâncias sociais e econômicas, o Orfanato passou a funcionar em
regime de semi-internato, oportunizando atendimento a um maior número de
crianças, da mesma forma que as portas da escola foram abertas às demais
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crianças carentes da cidade, dando, assim, continuidade à filosofia da
Instituição: assistir aos menos privilegiados.
Para sua manutenção, a Sociedade conta, desde a fundação, com a mensalidade
dos sócios, os donativos de colaboradores e uma pequena renda provinda de
aluguéis. Conta, também, com verbas governamentais repassadas através de
projetos elaborados pela própria Instituição.
No entanto, a ajuda de cada pessoa, membro participante de uma comunidade
edificante, é fator fundamental e indispensável para a continuidade dos serviços
que vêm sendo prestados. Desses estudos surgiu não só o modelo do Círculo
Operário Pelotense-COP como também de todo movimento circulista, com suas
propostas, organização e métodos.
 Escola Técnica da Pelotas (ETP
Em 7 de julho de 1917, data do aniversário de Pelotas, foi criada a Escola de
Artes e Officios por iniciativa da diretoria da Biblioteca Pública Pelotense. O
objetivo era capacitar alunos pobres para o exercício de algumas profissões, em
que pudessem, no futuro, ter um salário digno.
Mais uma vez, em Pelotas, a responsabilidade social falava mais alto.
A escola teve seu prédio construído através de doações da comunidade, e o
terreno foi doado pela Intendência Municipal, localizando-se na Praça Vinte de
Setembro.
Em 8 de Março de 1930 o município assume a Escola de Artes e Officios e
institui a “Escola Technico Profissional”, que depois passa a denominar-se
Instituto Profissional Técnico.
Os cursos compreendiam grupos de ofícios divididos em seções: Madeira,
Metal, Artes Construtivas e Decorativas, Trabalho de couro e Eletro-Chimica.
O objetivo principal era a formação de mão-de-obra especializada para a novel
indústria pelotense.
Um exemplo da generosidade do povo de Pelotas:
João Py Crespo, intendente Municipal que viabilizou o funcionamento da
Escola, doou seus vencimentos para esse fim, exemplo que foi seguido pelo
primeiro diretor, Sílvio Barbedo e pelo primeiro grupo de professores.
Infelizmente, esse espírito de grandeza não existe mais no mundo de hoje.
O Instituto Profissional Técnico funcionou por uma década, sendo extinto em
25 de maio de 1940. O prédio foi demolido para a construção da Escola Técnica
de Pelotas.
Em 1942, foi criada a Escola Técnica de Pelotas, única instituição do gênero no
estado do Rio Grande do Sul. O engenheiro pelotense Luís Simões Lopes foi o
responsável pela vinda da Escola para o município, sendo que além da
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intercessão pessoal junto ao Ministério da Educação e ao Presidente da
República para a criação da Escola, acompanhou toda a obra de construção do
prédio, que foi inaugurado em 11 de outubro de 1943, com a presença do
Presidente Getúlio Vargas. Luís Simões Lopes presidiu a sessão de abertura das
aulas em 20 de fevereiro de 1945.
O primeiro curso técnico da ETP foi Construção de Máquinas e Motores, do qual
é originário o atual curso de Mecânica Industrial. Ele foi implantado em 1953
graças à mobilização dos alunos e ao apoio do influente político pelotense Ari
Rodrigues Alcântara, paraninfo da primeira turma de formandos. A formatura
ocorreu em 20 de dezembro de 1956, com sete alunos formandos, tendo como
orador Jader Andara Rodrigues.
Em 1959, a ETP passa a ser autarquia Federal e, em 1965, passa a ser
denominada Escola Técnica Federal de Pelotas – ETFPEL

Círculo Operário Pelotense
“O COP foi fundado em 15 de março de 1932 como concretização de um
movimento gestado pela igreja católica da cidade, visando organizar, controlar e
auxiliar o operário. Por isso, dois eixos eram primordiais: assistência social e
formação de lideranças.
A história do COP se inicia antes de sua formação.A organização surgiu a partir
de 1930 por iniciativa do padre jesuíta Leopoldo Brentano e de sua preocupação
com o relacionamento entre igreja e os operários, projetado na Congregação
Mariana de Moços, dirigida pelo Pe.Brentano.
Reunindo representantes do Colégio Gonzaga, o COP teve como embrião uma
escola para adultos que funcionava na própria Congregação. Após essa
experiência, Brentano realizou diversas sessões de estudo para criar uma
entidade operária de inspiração católica, que redundasse em uma organização
forte, objetivando promover a formação de líderes operários segundo a doutrina
social da Igreja.
Nesses estudos, Pe.Brentano tomou ciência principalmente das encíclicas
sociais "Rerum Novarum" e "Quadragésimo Anno", das idéias de Alceu
Amoroso Lima, da organização da Legião Cearense do Trabalho, Cooperativa
dos Ferroviários de Santa Maria, além do corporativismo.
Desses estudos surgiu não só o modelo do Círculo Operário Pelotense-COP
como também de todo movimento circulista, com suas propostas, organização e
métodos.
“Após apresentar tais idéias á cúpula da igreja da cidade (início de 1932), foi
convocada uma reunião com os trabalhadores (oito de janeiro), na qual ficou
definida a fundação dessa entidade para 15 de março.” (Blog do Círculo
Operário Pelotense).
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
Creche São Francisco de Paula
Fundada em 1936. Escola particular atuante na cidade de Pelotas e vinculada à
Igreja Católica. Uma iniciativa da Liga das Damas Católicas de Pelotas.
“Idealizada para propiciar uma educação cristã àqueles que dela necessitavam, a
creche São Francisco de Paula agregou pessoas que estavam de acordo com os
princípios católicos e se propunham a ampliar esta orientação religiosa.”
“A diretoria da instituição, em meio a dificuldades financeiras, apela muitas
vezes à caridade para manter a instituição, o que faz com êxito, e revela uma
forte identificação da sociedade pelotense com a doutrina católica, mesmo que,
no período, a cidade já possuísse outras influências no campo religioso.”
“É fundamental destacar que a Creche São Francisco de Paula possibilitava à
Igreja Católica adentrar nas classes populares, considerando que as crianças
atendidas tinham baixo poder aquisitivo, provavelmente de famílias pobres ou
trabalhadores com baixa remuneração. Esta característica pode ter sido
determinante no interesse da Igreja em manter a instituição.”
“Por fim, cabe destacar que a Creche São Francisco de Paula surgiu no
município como um espaço que ampliava a atuação da Igreja Católica. A creche
também atendia a uma demanda de pais trabalhadores, ajudava a sanar uma
necessidade social de creches e atendia a uma política do Estado de promover
iniciativas assistenciais que ajudassem a amenizar possíveis descontentamentos
das classes populares.”
(Creche São Francisco de Paula: “Uma contribuição para história da infância de
Pelotas” / Adriana Duarte Leon)

Instituto de Menores
O atual Instituto de Menores de Pelotas, anteriormente denominado “Abrigo de
Menores”, foi inaugurado em 26 de março de 1944, numa casa adquirida no
bairro Areal. No início eram 18 meninos - apenas meninos - que antes
vagavam pelas ruas de Pelotas. Nessa época, o regime era de internato.
A filosofia do Abrigo estava representada em um retângulo enorme na parede
lateral do imóvel, com azulejos pintados, com a figura de um menino que
carrega um outro nas costas. E a frase “ELE NÃO PESA; É MEU IRMÃO”.
A fraternidade e a solidariedade, institutos cristãos, eram os princípios básicos
da Instituição.
Aqueles meninos que antes vagavam pelas ruas, lá dentro eram todos irmãos. E
tinham roupas e sapato, tinham uma cama para dormir e se alimentavam; e
estudavam. Enfim, eram seres humanos novamente. Foram resgatados para a
vida.
Na época, era o caminho obrigatório para o Laranjal, e quem ia para a praia não
deixava de ver a imagem do menino com um outro nas costas e lia
necessariamente essa frase.
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Em 1944, época da inauguração, o Mundo estava em guerra. A II Guerra
Mundial. O Brasil também participava da guerra com as forças aliadas.
Foi um período em que a vida no Brasil era extremamente difícil. E também em
Pelotas. A palavra mais usada era “Carestia”. Carestia de tudo. Faltava tudo,
principalmente alimento. Todos os alimentos produzidos no Brasil eram
encaminhados para os exércitos na Europa, no chamado “esforço de guerra”. Eu
vivi essa época em Pelotas e posso dizer.
No café da manhã, o pão era feito com farinha de macarrão, ou de milho, porque
não havia farinha de trigo. No lugar da manteiga, banha de porco. O leite, era o
condensado de lata, com água fervendo.
Não havia carne. Nós aprendemos a comer as partes menos nobres do boi: a
língua, o fígado, o bucho, o rabo.
As famílias mais miseráveis (e quem não era nessa época?) soltavam os filhos no
mundo, porque era uma boca a menos para comer em casa. Os meninos
vagavam pelas ruas ... e eram recolhidas pelo Abrigo de Menores.
Muitos anos depois, Dom Antonio Zattera, bispo de Pelotas, construiu um
prédio com dimensões maiores, abrigando 212 meninos e meninas, na faixa
etária dos sete aos 17 anos.
Hoje, o Instituto tem 244 alunos em regime de semi-internato. A maior
preocupação da Diretoria é com os alunos acima de 17 anos. "Quando eles
completam 18 anos têm de sair da instituição e arrumar um emprego",
comentam com preocupação.
Para minimizar essa situação o diretor quer a ajuda dos empresários locais para
que os ex-alunos arrumem empregos ou estágios. Os empresários e a elite
sempre foram a alma salvadora do assistencialismo em Pelotas.
Os internos do Instituto de Menores têm aulas, além do Ensino Fundamental,
na Escola Estadual de Ensino Fundamental Padre Anchieta, de malharia,
padaria, marcenaria, artesanato e costura. Há ainda uma extensão no Retiro,
propriedade com 230 hectares que produz leite e frango para a Cosulati.
"Os frangos são em parceria com a Cosulati. A cooperativa nos fornece os pintos
e a alimentação e depois compra o frango adulto".
Mas a nova diretoria tem planos mais ambiciosos. "Queremos transformar o
aviário que é de frango de corte, para aviário de postura. Além do consumo
poderíamos vender os ovos".
A instituição está tentando fazer parceria com a Emater, o Senar, a UFPel, para
que sejam dadas aulas práticas de hortifrutigranjeiros aos alunos. "Seria um
trabalho voluntário". Atualmente a instituição conta com 54 voluntários em
diversas áreas.
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Os internos recebem três refeições (café-da-manhã, almoço e lanche da tarde).
Eles entram às 8h e saem às 17h. "Quem estuda pela manhã, tem os cursos
profissionalizantes à tarde, o inverso acontece com quem estuda pela tarde”.
Nas décadas de 1950 e 60, no pós-guerra, muita coisa havia por fazer em
Pelotas, muito a reconstruir. E Pelotas soube responder ao chamamento.
Nesse período foram instaladas as seguintes entidades assistenciais, instituições
de apoio aos mais necessitados, sem qualquer auxílio público:
- Sociedade Pelotense de Assistência à Maternidade, à Infância e Auxílio aos
Necessitados; Centro Espírita Francisco de Jesus Vernetti; Associação dos
Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE DE PELOTAS; Casa da Criança São
Francisco de Paula; Centro de Reabilitação de Pelotas – CERENEPE; Centro
Paroquial Nossa Senhora da Luz; Centro Social e Cultural Evangélico Betel;
Escola Especial Professor Alfredo Dub; Escola Luís Braille; Hospital Espírita
de Pelotas; Instituto Espírita Lar de Jesus; Sociedade Educacional de Pelotas;
Sociedade Pelotense de Assistência e Cultura.
Bem-Aventurada a terra que abriga
um povo com essa índole!
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