PASTORAL DA FAMÍLIA-CUIDADO DA IGREJA PARA COM A

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PASTORAL DA FAMÍLIA-CUIDADO DA IGREJA PARA COM A
VIII. PASTORAL DA FAMÍLIA
Cuidado da Igreja para com a Família, Frei Guilherme da Costa
Gonçalves. Inhambane
O Sr. Pe Jesus Zubiria, Director deste Centro de
Formação de Nazaré, deu-me esta oportunidade, que para mim
é uma honra de proferir esta palestra sobre a Pastoral da
Família, o cuidado da Igreja pela família.
O tema proposto para esta XIIIa Semana Teológico da
Beira parece-nos ser uma resposta às contínuas e reconhecidas
recomendações de muitas conferências episcopais, da SECAM
e do magistério da Santa Sé (1).” Fazei todos os esforços a fim
de haver uma pastoral da família. Dedicai-vos a este sector tão
prioritário, com a certeza de que a evangelização, no futuro,
dependerá, em grande parte, da Igreja doméstica.” (João Paulo
II, Discurso em Puebla, 1979).
Para João Paulo II a família constitui um dos bens mais
preciosos da humanidade (Familiares Consortio n.1) que não
pode deixar nem a sociedade, nem o Estado nem a Igreja
alheios e indiferentes. Todos estão de acordo que é pelo
matrimónio e na família, instituições paradigmáticas do amor,
que se logra a realização e a felicidade da pessoa humana,
porque a família é o espaço onde se inicia o processo e o
desenvolvimento que conduzem à realização humana, porque a
família é também o espaço de convivência, personalização, de
educação e socialização do indivíduo. De facto como afirma
João Paulo II na mesma exortação apostólica “o futuro da
humanidade passa pela família”. “É, pois, indispensável e
urgente que cada homem de boa vontade se empenhe em salvar
e promover os valores e as exigências da família” (Familiaris
Consortio n.86).
A Igreja espera muito da família: Uma pastoral de
família que a princípio tem a família como o seu objecto,
pretende sempre, que este se transforme em sujeito de pastoral
1
de família. É esta consciência que o Vaticano II pretende
formar quando ao descrever a identidade da família afirma:
“Na família, como numa igreja doméstica, devem os pais, pela
palavra e pelo exemplo ser para os filhos os primeiros
pregadores da fé e favorecer a vocação própria de cada um,
especialmente a vocação sagrada,
(LG,11). (2)
Adrian Hastings uma vez sublinhou que o indício de
vitalidade de uma Igreja não estava no aumento do número de
baptismos realizados, mas no aumento do número e da
qualidade dos casamentos e das famílias cristãs. (3)
A família está na ordem do dia. Se por um lado falar da
Pastoral da família é aliciante, por outro, devido a
complexidade, a delicadeza e a irrepetível situação de cada
família, é temeridade da qual peço me desculpem.
Devido ao pouco tempo de que disponho, para tão
importante e vasto tema, gostaria de definir desde o início – in
limine Tractactionis – o alcance modesto desta palestra que
pensei centrar apenas sobre alguns aspectos de uma pastoral
familiar, seguindo de perto a quarta parte da exortação post
sinodal Familiares Consortio e depois apresentar algumas
urgências pastorais no âmbito da família e do património,
sugerindo possíveis soluções.
I
PARTE
O QUE VEM A SER A PASTORAL DA
FAMÍLIA?
1.1 Pastoral.
Quando falamos de pastoral, referimo-nos ao agir da
Igreja porque pastoral é uma acção; não um conjunto de
acções. Uma acção que obedece a um plano, a um desígnio e
que tem várias fases. Uma acção de Deus. Deus é o maior
interessado na acção pastoral. Uma acção do homem. Cristo
2
sacramento radical da Salvação enviado pelo Pai também envia
(Jo.20,21) a Igreja para ser no mundo, na história dos homens
luz e sacramento de Salvação (LG.1) isto é, a realidade
humana pela qual homens recebem a mensagem de paz e a
vida de Cristo.
“O Termo pastoral compreende todas aquelas acções
mediante as quais a Igreja expressa e exprime, ainda hoje, a
sua mediação em ordem a sua Salvação cristã e Mediação que
é de toda a Igreja através da vida e o exercício das unções com
os quais continua num espaço e no tempo a acção de Cristo
sacerdote, profeta e rei”. (4) Daí que no seu agir pastoral a
Igreja deve manifestar a sua íntima união a Cristo e que a
imitação de Cristo seja o critério de uma correcta acção
pastoral. Fazer a vontade do Pai, servindo os irmãos foi a vida
de Jesus. A sublime vocação da Igreja é também: fazer a
vontade do Pai que é Servir a humanidade.
Como a diaconia de Cristo, esse serviço da Igreja é um
serviço sacerdotal, serviço profético e serviço real.
- Um serviço que implica a renovação do sacrifício de
Cristo, fazendo da vida um oblação permanente e total ao Pai
servindo os irmãos, atravessando muitas vezes as fronteiras do
pecado, do mal e das trevas., descendo aos infernos das
situações humanas, com o sacrifício de muitas coisas, e até da
própria vida, para salvar, redimir, resgatar os irmãos.
- Um serviço profético exigência fundamental em todo
o cristão (1Cor 9,16) onde o anúncio do desígnio de Deus
sobre a pessoa humana e o seu mundo, o anúncio da palavra de
Deus se faz, oportuna e inoportunamente, com urgência
evangélica. Anúncio que devera ser feito nos três níveis (que
os Actos dos Apóstolos e a tradição pastoral da Igreja
sugerem): Evangelização, Catequese Pregação litúrgica
(Mistagogia).
- Um serviço próprio de um povo de reis, que conforme
a sua vida com as características do reino. Que conforme a sua
vida com a de Jesus Cristo, descendente de David pastor
3
solícito sempre em busca da ovelha perdida (Ez.34; Mt.18,1214; Jo.10,1-6) porque viver como Servo Sofredor é reinar com
Cristo (Lc 22,25-30).
Toda esta acção pastoral que deve ser realizada no
mistério da comunhão e da corresponsabilidade e sempre numa
pastoral de conjunto, pressupõe uma reflexão contínua.
- No que se refere ao que Deus quer, à mensagem, ao
conhecimento da vontade de Deus.
- No que se refere ao campo da acção, melhor conhecimento da
sociedade, da cultura das várias inter – influências.
Uma ideia chave, deve constantemente, perpassar a
acção pastoral: a certeza de que pouco eficaz será um agir
eclesial isolando uma estrutura ou instituição de um todo e
descurando outra. De que todos, mas que precisa de redenção
devem ser postos em acção. De que todos os esforços tem que
ser conjugadas e não dispersos e jamais divergentes.
1.2 Pastoral Da Família
A Pastoral da família é o serviço qualificado com todas
as características anteriormente delineados, que a Igreja
oferece à família, para que esta realize a sua vocação e a
missão para a que foi chamada. ´´ Consciente de que o
matrimónio e a família constituem um dos bens mais preciosos
da humanidade a Igreja quer fazer chegar a sua voz e oferecer
a sua ajuda a quem, conhecendo já o valor do matrimónio e da
família, procura vivê-lo fielmente, a quem, incerto e ansioso,
ainda da verdade e a quem está impedido de viver livremente o
próprio projecto familiar. Sustentando os primeiros,
iluminando os segundos e ajudando os outros, a Igreja oferece
o seu Serviço a cada homem interessado nos caminhos do
matrimónio e de família, (Familiaris Consortio n.1).
Um serviço que nunca deveria esquecer que a
instituição – família e o matrimónio que está na sua origem
sofreu, mais do que outra as pressões e os impactos da
4
modernidade. E porque é uma realidade viva e dinâmica,
sempre em evolução afrontando diferentes situações; este
conjunto de mudanças deveria solicitar sempre uma
diversidade de meios e novas prospectivas pastorais segundo
os contextos sócio culturais e geográficos em que a família se
desenvolve.
1.3 Principais Objectivos De Uma Pastoral Da
Família
a) Proclamar o Evangelho do matrimónio e da família.
Apresentar o desígnio de Deus sobre o amor conjugal e sobre a
vida matrimonial e familiar. Ajudar a descobrir os sinais que
identificam uma verdadeira família cristã (Familiaris
Consortio 2ª e 3ª partes, nn 11-64).
b) Difundir e recordar o ensino da Igreja sobre o
matrimónio e a família.
c) Promover uma autêntica espiritualidade matrimonial
e familiar.
d) Tornar as famílias protagonistas na edificação da
Igreja e na transformação da sociedade (do ambiente
social).
e) Preparação remota ou próxima para o matrimónio e
para a vida familiar; para a celebração sacramental do
matrimónio.
f) Ajudar, acompanhar no caminho progressivo da
maturidade as famílias cristãs.
g) Enfrentar, procurar respostas cristãs para situações
matrimoniais e familiares difíceis ou irregulares.
1.4 Os Responsáveis Da Pastoral Da Família
A Igreja convida a todos os cristãos, bispos e
presbíteros, a todos os consagrados, aos fiéis leigos e a todos
os homens de boa vontade. Daí que, com maior razão, cada
5
cristão deva sentir-se responsabilizado, na protecção, defesa e
promoção deste importante bem da sociedade que é a família
(Familiaris Consortio n. 73-76).
1.5 As Etapas Da Pastoral Familiar.
Uma leitura atenta desse grande documento emanado
pelo magistério que a Familiaris Consortio nos seus números
65 a 69 apresentam os momentos e oportunidades mais
importantes do itinerário da vida espiritual e como a Igreja
poderia acompanhar as famílias no seu caminhar.
1.6 Orientações Operativas
Parece-nos que entre os problemas mais graves e mais
importantes tanto para a sociedade como para a Igreja figura o
matrimónio e a família. Esta instituição radical que é a família
constitui “um dos bens mais preciosos da humanidade” E ela
corre perigo.
Como reacção formada aos grandes ataques que são
lançadas contra a família e o matrimónio, a atitude
emblemática da história da Salvação que sempre conseguiu
vitória sobre a morte e o pecado e o fracasso permite-nos
sugerir três atitudes que tornarão eficaz qualquer acção
pastoral e por isso também uma pastoral da Família e do
Matrimónio que se quer eficaz. Uma atitude segundo os casos
de prevenção, de acompanhamento, e vontade permanente de
tentar resolver casos difíceis. Devera uma Pastoral da Família:
- PREVENIR com uma educação adequada – desde a
mais tenra idade e de modo mais intenso na juventude, isto é,
as novas gerações que são mais afectadas pelos sinais
negativos da modernidade – em ordem à vida conjugal ou
consagrada em 3 campos que especialmente são visados pela
mundi-vivência actual
- O sentido da vida, os valores tradicionais
6
- O Amor
- A sexualidade e o corpo
- ACOMPANHAR os casais que já existem como tais,
que já receberam ou não a educação adequada para enfrentar
este tempo, neste espaço sócio – cultural. Todos os meios
como a educação permanente, a partilha em comum, a
prevenção a equipas de casais, retiros, etc., meios que
estimulam a luta contra o individualismo reinante e inculque o
melhoramento das relações interpessoais entre os cônjuges e
ajuda a viver uma autêntica espiritualidade conjugal.
- RESOLVER – descer aos infernos do fracasso de
tantos casais e ai cheio de benignidade e misericórdia, ajudar
na reparação vidas esfaceladas ou na recuperação de relações
interrompidas
ou
na
solução
de
matrimónios
irremediavelmente destroçados e em situações e
excepcionalmente difíceis de resolver.
2. FAMÍLIA E MATRIMÓNIO: DIVERSOS MODELOS
Não se pode falar de uma Pastoral da família sem
descer ao terreno e sem nos perguntarmos que tipos de
matrimónios e modelos de famílias encontramos em
Moçambique.
A compreensão do matrimónio não foi sempre a
mesma, nem os modelos de famílias foram como hoje se
apresentam.
A família medieval era totalmente diferente da romana
devido à forte influência da cristandade.
Nos tempos da Revolução francesa com o sem laicismo
surge o casamento civil obrigatório e a família burguesa.
Nos tempos actuais é o que vemos.
Também a definição do matrimónio que funda a família sofreu
profundas alterações e na Igreja a elaboração de uma teologia
sofre o matrimónio dependeu de influências filosóficas.
7
Até meados da década de 50, a concepção da pessoa
humana, elemento base para a existência do matrimónio era
dominada, pela alma racional de Aristóteles, a rationalis
naturae de Boécio e de A. Tomás de Aquino, o cogito ergo
sum de Descartes, o sujeito racional de Kant. A pessoa humana
nesses séculos passados era definida a partir da sua função
cognoscitiva do mundo circundante e de si memo. Reduzia-se
a riqueza do ser humano em mera capacidade especulativa. E
toda a riqueza existencial e humana de amor era esquecida. Tal
antropologia só poderia prejudicar uma teologia do matrimónio
(Cf. Ferrater Mora) (5).
Foi necessário o surgimento do existencialismo
personalista para se elaborar uma nova teologia do
matrimónio.
O personalismo de Mounier “amo ergo sum” de Buber,
Ne´doncelle, e outros influenciam os teólogos da década de 50
e inspiraram o primeiro documento da Igreja que apresenta o
matrimónio em toda a sua riqueza e profundidade: a
Constituição Pastoral Gaudium et Spes.
Mons. Haubtman, um dos que trabalharam na comissão
da redacção deste grande documento afirmou que
influenciaram na elaboração da primeira parte deste
documento os filósofos Lacroix e Mounier e na segunda parte
Ne´doncelle e Mouroux.
Se isso aconteceu na Europa, na África a família africana e o
matrimónio em África sofrem os embates da modernidade.
2.1 O Conceito De Família
“ A família é o núcleo social primário mais importante
que integra a estrutura do Estado. Como sociedade natural,
correspondente a uma profunda e transcendente exigência do
ser humano, a família antecede nas suas origens o próprio
Estado. Antes de se organizar politicamente através do Estado,
os povos mais antigos viveram socialmente em famílias.
8
O elemento determinante de aglutinação das pessoas
em famílias é de carácter biológico..., muito diferente do facto
(político) subjacente à constituição do Estado ou do vínculo
(identidade profissional sobre o qual assenta a formação dos
modernos sindicatos ou das antigas corporações medievais de
artes e ofícios). (6)
Esta é uma tentativa de definição da família que nunca
pode ser considerada única. Estudos e debates apresentam-nos
um desfilar de concepções diferentes sobre a família. A família
para além de ser uma realidade social, o primeiro berço da
pessoa humana, e uma instituição natural, é fundamentalmente
uma realidade cultural uma realidade que modela e se deixa
modelar pela cultura que é própria de cada povo. A origem de
família, os modelos familiares e a sua evolução históricas não
são por isso idênticos.
Num dicionário de direito encontramos esta outra
definição de família: “ uma instituição jurídica que agrupa o
conjunto de pessoas unidas pelos laços do casamento ou de
adopção. (7)
Esta definição permite-nos conceber diversos tipos de
organização familiar. Do estudo comparativo de uma amostra
representativa de 250 sociedades humanas históricas e
contemporâneas, o antropólogo americano Murdock (8)
apresentou-nos os tipos seguintes de organização familiar:
- A família nuclear (nuclear or conjugal family) grupo
constituído essencialmente por um homem, sua mulher e seus
filhos reconhecidos legal ou sociologicamente. O tipo de
família mais elementar, praticamente o tipo conhecido hoje nas
sociedades europeias e americanas.
- A grande família ou a família patriarcal (joint family)
constituída por duas ou mais famílias nucleares, com relações
parentais directas entre pais e filhos que formam uma
agremiação familiar única e moram sub o mesmo tecto ou num
conjunto de moradias adjacentes, dentro do mesmo território,
mas sujeitos a uma só autoridade.
9
- A família extensa poligâmica – o tipo de casamento
plural – um casamento com mais de uma pessoa.
2.2 A Família Africana
“ Para a compreensão de qualquer aspecto da vida
social de uma etnia africana – aspecto económico, político ou
religioso – é fundamental possuir um conhecimento profundo
da sua organização familiar e matrimonial. (9)
A família negro – africana.
“…A família negro – africana? Não é uma organização
de tipo europeu, composto unicamente de pais e filhos,
responde Leopold Senghor. É o conjunto de todas as pessoas
vivas ou defuntas que se reconhecem num antepassado
comum. Este é o elo que une a realidade de Deus à realidade
dos homens, um semelhante a Deus”. (10)
Família patriarcal ou matriarcal a família africana é
uma comunidade de indivíduos que dizem ter o mesmo
antepassado comum, unidos entre si por laços parentesco, não
necessariamente fundadas na consanguinidade, seguindo os
mesmos usos e costumes sob a autoridade de um chefe que
também administra o património comum. Mas o que
caracteriza este tipo de família é a sua ligação com o mundo
invisível. (11) Na família africana perpassa permanente, como
disse o Bispo M´sanda Tsinda Hata na sua intervenção no
sínodo dos Bispos em 1980, as “ dimensões do visível e do
Invisível,, (12)
A família africana é a família extensa, alargada
[extended (leneal family)] no tempo e no espaço. Mesmo
quando não moram no mesmo território os membros entre si
são sempre solidários e corresponsáveis.
Para que não se destrua esse bem tão precioso para a
sociedade africana, esta possui instituições que o protegem dos
seus inimigos como são: as famílias de cada um dos cônjuges
que tem sempre algo a ganharem com o novo casal; a aliança
10
de duas famílias potencialmente desconhecidas e talvez hostis;
o lobolo (dowry, bride-wealth or bridal insurance) a própria
dinâmica por etapas do processo da celebração do matrimónio,
o acompanhamento dos casais pelos mais velhos do casal.
Encontramos para alem deste tipo de família casais
casados apenas civilmente, e casais em situações difíceis e
irregulares será precisamente sobre casamentos que desafiam a
pastoral que nós havemos de debruçar nesta palestra.
II PARTE
SITUAÇÕES DIFÍCEIS OU IRREGULARES
A Pastoral da família deve ser integral e abrangente. De
chegar a todos os membros da família, sem discriminar idades
(crianças, adolescentes, jovens, adultos, idosos), meio sóciocultural; deve abranger as famílias de meios urbanos, semiurbanos ou rurais; as mães solteiras, as viúvas e viúvos; os
separados, os divorciados e que voltaram a casar-se civilmente,
as uniões de facto; matrimónio à experiência, católicos unidos
só em matrimónio civil, separados e divorciados em segunda
união, os polígamos (poligamia simultânea ou sucessiva)
enfim as situações de vivência familiar qualificados de
´´problematizados”, (cf. Familiaris Consortio nn 79 – 89.)
´´ A Igreja enviada por Deus a todas as gentes para ser
sacramento universal de Salvação (AG.I) de todas as culturas e
lugares encontrou sempre muitas dificuldades para inculturar a
mensagem evangélica, para harmonizar a sua doutrina e a sua
disciplina com a cultura dos povos que iam encontrando ao
longo dos tempos. Mas como comunidade histórica, o Espírito
Santo tem ajudado esta Igreja missionária a descobrir
caminhos novos para realizar o objectivo supremo da Igreja,
isto é, a ´´ Salus animarum´´ (a Salvação das almas). Em
Africa como em Moçambique a Igreja é interpelada por
11
situações matrimoniais que constituem graves problemas
pastorais tais como:
1. Uniões De Facto
A união de facto define a lei moçambicana nº
10/2004 de 2 de Agosto) ´´ é a
ligação singular existente entre um homem e uma mulher com
carácter estável e duradouro, que sendo legalmente aptos para
contrair casamento não tenha celebrado, (art 202 n.11). Tratase daqueles casais que se unem sem um casamento civil,
religioso ou tradicional. Casais que praticam como que um
“matrimónio clandestino”: como pessoas que rejeitam a
instituição matrimonial porque vivem essa união como um
assunto privado. Convivem como marido e mulher a margem
da lei do Estado, da Religião e das normas e costumes da
tradição.
O número de uniões deste tipo vem aumentando e o
número de casamentos na Igreja vai diminuindo. Para
Ayliward Shorter, a principal razão porque eles não casam na
Igreja parece ser a “mudança (change) as mudanças que se vão
operando no modus vivendi, o modo de organizar a vida social,
as próprias relações interpessoais entre pais e filhos e outras
como o modo de comprometer-se para sempre (se falhar? se
não houver filhos?); o novo espírito de liberdade económica,
moral (a modernidade, a fuga para a cidade). Os jovens
arranjam os seus parceiros sem falar com os pais, sem seguir
os costumes tradicionais. (13)
Diante desse facto social, normalmente os pais e os
anciões desaprovam. Os jovens casais, quando as tensões e
desavenças ameaçam a união, não encontram apoio dos
parentes mais velhos...
A lei e a jurisprudência moçambicana, não equipara
estas uniões de facto às famílias que surgem de um casamento
12
civil, religioso ou tradicional, mas reconhece efeitos jurídicos
derivados dessas uniões.
Também o Direito canónico (can. 1071,1) reconhece
que dessas uniões não matrimoniais derivam “obrigações
naturais, que proíbem casamento com pessoa distinta com
quem se viveu a união se não está garantido o comprimento
das obrigações morais para com os filhos nascidos dessa união
e até com a ou o parceiro.
1.1 Atitudes
João Paulo II refere-se explicitamente a este fenómeno
social na Familiaris consortio (n.81) e recomenda:
- Reflectir sobre a realidade da perda do sentido
religioso do matrimónio e a destruição do conceito de família.
- Os pastores devem examinar as situações, caso por
caso, aproximar-se desses casais com descrição e respeito e
iniciar com eles um caminho de esclarecimento e correcção
paciente e caridosa a fim de levá-los a regularizar a situação.
- Os pais ou parentes mais velhos devem desaprovar
este tipo de uniões; manifestar descontentamento. Porém
devem respeitar as decisões dos filhos e nunca fechar-lhes as
portas
- Aproveitar em que esses casais pedem o baptismo
para os filhos (todos os pais tutelam os direitos e deveres dos
filhos) para uma possível recuperação da fé e de valores
culturais.
- Casais como estes não são admitidos aos sacramentos.
2. Católicos Casados Apenas Civil Ou Tradicionalmente
Trata-se agora de autênticos casamentos. Católicos que
estando obrigados a casar canonicamente só celebraram o seu
casamento segundo a lei civil ou a tradição. Para Igreja
Católica, estes casamentos são nulos. Contudo o direito
13
canónico vigente, a teor do can 1071, 1, 2º estabelece que o
católico que está casado civilmente com uma pessoa, não pode
contrair matrimónio canónico com pessoa distinta, sem que
esse vinculo meramente civil, “Fora do caso de necessidade,
sem licença do Ordinário do lugar, ninguém assista:
2.º ao matrimónio que não puder ser reconhecido ou celebrado
civilmente”.
2.1. Diante destes casais o seguimento das orientações da
familiaris consortio n.82 é de recomendar.
3. Evangelização Das Famílias Poligâmicas
A Igreja em África encontrou sempre, no seu campo
missionário, dois graves problemas, como são a poligamia do
tipo simultâneo – tradicional e a bigamia de católicos que por
razões várias entre as quais, a esterilidade, embora
canonicamente casados, sem outra mulher.
Estas situações familiares interpelaram desde o início
da evangelização em Africa a Igreja Católica. A história
missionária reporta-nos praxis pastorais diversas de
missionários que tiveram de confrontar-se com estes
problemas.
3.1 Famílias poligâmicas
Na sua intervenção sobre casamento e família em
África, durante o 1º congresso dos teólogos africanos e
europeus realizado em Yaoundé (Camarões) entre 4 e 11 de
Abril de 1984, o Cardeal Malula, arcebispo de Kinshasa
começou por afirmar: Se nós quisermos salvaguardar o
cristianismo em Africa, nós devemos ter como objectivos não
só cristianizar as pessoas individualmente, mas também
totalidade da família africana. (14)
14
Os Bispos africanos estão conscientes que esta
categoria de família constitui um grande desafio a
evangelização da Africa e por isso sobre ela em várias ocasiões
dedicaram a sua reflexão.
“Em relação aos polígamos e aos divorciados que
voltaram a casar-se, a atitude pastoral deve evitar tudo quanto
possa dar a impressão de que a Igreja reconhece a poligamia e
o divórcio. Mas por outro lado a Igreja não pode abandonar
os cristãos ou os catecúmenos que se encontrem nessas
situações. É preciso convidá-los a participarem na vida da
Igreja, por exemplo, nas reuniões, nas celebrações, nas
actividades de serviço, tudo isto os ajudará a saírem da sua
situação. (3.2.3) (15)
1) Os polígamos e suas esposas podem ser admitidos
ao catecumenato?
A resposta a esta pergunta deve ser positiva, isto é, deve ser
um sim. Seguindo pelas perspectivas eclesiológicas do
Vaticano II, a Sagrada Congregação para a doutrina da fé,
recomenda explicitamente aos missionários que recebam os
polígamos que por razões serias não “devem” ou não
conseguem cumprir a solução tradicional da Igreja, no
catecumenato: Eis o texto:
“Se as pessoas em questão não podem ainda submeterse a essa solução algumas vezes difíceis e de graves
consequências sociais, pode-se admiti-los ao catecumenato,
onde os missionários devem educá-los sobre a vida e a moral
cristãs. Nesta perspectiva estão também as confrarias de
amigos cristãos, que se organizaram para os polígamos de boa
vontade…” (Resposta de 18 de Novembro de 1971). (16)
Assim, os homens e as mulheres que vivem numa
união poligâmica são admitidos ao catecumenato e como os
outros já incorporados na Igreja, onde a Igreja começa a
envolvê-los com o seu amor de mãe e a cuidar deles.
Assumindo as propostas e recomendações dos padres
15
conciliares (A.G, 14), o código de Direito Canónico estabelece
no seu cân. 206ξ1: “Estão ligados à Igreja, de modo especial os
catecúmenos, isto é aqueles que, por moção do Espírito Santo,
com vontade explícita anseiam por ser nela incorporados, e
graças a esse desejo, assim como pela vida de fé, esperança e
caridade que levam, se unem à Igreja, que já os trata como
seus…
Se existe, da parte dos missionários em Moçambique
uma praxis segundo esta linha do pensamento da Igreja, só
temos que louvar, se não é preciso que o desafio da
evangelização das pessoas que vivem em união poligâmica
seja objecto de estado e reflexão pastoral.
Deve, em consequência, a Igreja manifestar esforços de
uma maior integração na vida eclesial dos polígamos não
possíveis de serem baptizados. Segundo as disposições do can.
206 ξ 2: a “A Igreja tem especial solicitude para com os
catecúmenos, pois ao convidá-los a viver segundo o Evangelho
e ao introduzi-los na celebração dos ritos sagrados, concedelhes várias prerrogativas que são próprias dos cristãos”.
Esses catecúmenos são titulares de deveres e de direitos
(participar activamente na vida e nas actividades da Igreja
excepto nos sacramentos) que devem ser definidos pela
conferência Episcopal. Mas entre as prerrogativas gostaria de
citar três, melhor duas:
- O baptismo dos polígamos e de suas esposas em caso
de doença grave.
- Funerais: “No que respeita as exéquias, os
catecúmenos devem ser equiparados aos fiéis” (can.
1183).
- Quanto ao baptismo dos filhos dessas famílias
apresentarei a posição da Igreja no fim da reflexão
sobre a pastoral das famílias poligâmicas.
3.2 Pastoral de acompanhamento
16
João Paulo II, na sua exortação apostólica Familiaris
Consortio urge-nos a continuar a ajuda a membros de família
em situações difíceis e irregulares: “A solicitude pastoral da
Igreja não se limita somente às famílias cristãs mais próximas,
mas alargando os próprios horizontes à medida do coração de
Cristo, mostrar-se-á ainda mais viva para o conjunto das
famílias em geral e para aqueles em particular, que se
encontram em situações difíceis ou irregulares. Para todos a
Igreja terá uma palavra de verdade, de bondade, de
compreensão, de esperança, de participação viva nas suas
dificuldades por vezes dramáticas…” (n.65)
Em Moçambique nós podemos distinguir duas
categorias de polígamos: os polígamos segundo os usos e
costumes, tradicionais, ainda não baptizados ou não
baptizáveis e os católicos que seguiram a poligamia.
3.3 A doutrina:
- A Igreja pede clareza e firmeza na proclamação do
ensino da Igreja sobre o matrimónio canónico. A
indissolubilidade (contra o divórcio) e a unidade (contra a
poligamia) são os pilares da instituição que é o casamento
cristão. A SCEAM, fiel a essa visão do matrimónio, quer em
Nairobi em 1978, quer em Yaounde em 1981, como vimos,
manifestaram-se contra toda a forma de desenvolvimento da
poligamia em Africa e para ela tanto os polígamos como os
católicos divorciados que voltaram a casar não podem ser
admitidos aos sacramentos. (17)
- Mas a firmeza ou a verdade evangélica não suprime
nem a misericórdia nem a confiança na acção invisível do
Espírito Santo, a acção da graça. A Igreja deve testemunhar a
misericórdia do Senhor.
 Deve a Igreja após a admissão ao catecumenato
comunicar-lhes os bens espirituais que a Mãe 17



Igreja lhes pode oferecer: a Palavra de Deus e
as graças dos sacramentais; as suas
prerrogativas.
Ajudar a entrar em associações próprias para o
apoio mútuo e partilhar a convivência espiritual.
Convidá-los às celebrações penitenciais durante
o Advento e a Quaresma para as estimular a
viver aquilo que pede a vida cristã.
Fazê-los participar na missão da Igreja.
Convidá-los a trabalhar nas iniciativas a favor
da justiça e da promoção humana e nos serviços
da caridade; urgi-los a educar os seus filhos na
fé cristã.
3.4 Cuidado pastoral com os membros em situações
dramáticas.
Faz, em fim parte do serviço que a Igreja deve oferecer
a sociedade e da sua missão, a participar viva, a ajuda
desinteressada concedida às viúvas, às mães solteiras que
quando carenciadas de apoio e orientação poderão terminar por
cair em situações matrimoniais irregulares. Uma atenção muito
especial dever ser dado aos casais sem filhos. A dimensão
pastoral e comunitária, a celebração por etapas (fases), o
lobolo (dowry) como símbolo da ratificação e a fecundidade
(os filhos) como ´´ consumação ´´ são elementos fundamentais
do casamento africano. A não existência de filhos leva muitas
vezes a separação ou divórcio dos esposos ou à aceitação de
um matrimónio plural.
3.5 O fracasso na vida matrimonial e familiar.
Salta-nos a vista o facto social de uma quantidade de
fracassos de casais. Basta considerar o aumento do número de
18
divorciados, de separações, de casais que vivendo no mesmo
tecto vivem “em camas separadas”.
Se nos perguntarmos pelas causas da tal situação
encontraremos muitas e diversas: a crise da própria instituição
casamento canónico, casamento civil, casamento tradicional
que salvaguardavam compromisso matrimonial e aliança
conjugal. Por outro lado o homem do nosso tempo tem medo
de compromissos definitivos e a mulher percebe muitas vezes
mal o processo da liberação da mulher que se está operando
nestes últimos anos.
A jurisprudência canónica poderia reduzir estas e
outras causas às seguintes:
a) Falta de conhecimento mútuo daqueles que
contraem o matrimónio.
b) Falta de maturidade psicológico e humano.
c) Falta de uma autêntica consciência do
compromisso feito, o quando chegam as dificuldades,
o egoísmo prevalece sobre o amor e o fracasso é a
realidade.
d) A falta de uma autêntica liberdade na decisão de
contrair o matrimónio. Casar-se, porque houve uma
gravidez indesejada, forçar um matrimónio por várias
razões.
e) O não conhecimento da dimensão religiosa e
espiritual do casamento cristão.
Como ajudar – “Resolver” estes casos?
1)
2)
A primeira atitude que nós devemos ter para
com estes casos é de uma aproximação
humilde, respeitosa e de partilha da situação
dramática.
Tentar a reconciliação. É bom que haja
pessoas preparadas par ao aconselhamento
conjugal. O SECAM exorta as conferências
19
a criarem serviço de consulta conjugal
(3.2.5)
3)
Estudar e aplicar segundo os casos os
remédios canónicos que se reduzem
subitamente a dois:
 A declaração de nulidade canónica e
 A separação dos cônjuges com a
permanência do vínculo matrimonial (can.
1153; - 1692-1696).
Para a aplicação destes remédios é insistir que os
Bispos diocesanos, as províncias eclesiásticas, a própria
conferência de Moçambique tome a sério a obrigação de criar,
dotar de meios, os tribunais diocesanos, ou inter-diocesanos
para ajudar as famílias em aflição.
3.6 O Baptismo das crianças de pais em situações
irregulares.
- Quanto ao Baptismo dos filhos, nascidos de todas essas
situações difíceis, problemáticas, irregulares gostaria de
esclarecer o seguinte:
1. Este assunto, não deveria ocupar o tempo dos
agentes da pastoral, nem ser motivo de discussões, porque esta
questão antes da década de 70 for colocada à Santa Sé. E esta
depois de um acurado estudo, pela Sagrada Congregação da
Doutrina da Fé deu a resposta. Para quê perder o tempo. Há
outras questões de maior relevância para a pastoral.
2. É inadmissível, ilícito, utilizar as crianças que são os
sujeitos do baptismo para urgir, “obrigar” os pais a regularizar
a sua situação matrimonial. Aproveitar a ocasião da petição do
baptismo das crianças para que os pais revejam a sua situação
familiar irregular e outra coisa.
3. As crianças são as que tem o direito, porque não
estão baptizadas, de gratuitamente se tornarem filhos de Deus
porque Deus gratuitamente concede a filiação adoptiva. Os
20
pais apenas tutelam esse direito diante da Igreja, porque elas
são menores:
 “Tem capacidade para receber o baptismo
todo e só o homem ainda não baptizado”.
(can.864)
 “ Os pais têm obrigação de procurar que as
crianças sejam baptizadas dentro das
primeiras semanas”. (cân 867 ξ 1)
Dado que as crianças, por si não podem exigir esse
direito de ser baptizado reconhecido pelo Direito
Constitucional da Igreja, cabe aos pais, por direito natural,
fazer baptizar os filhos quanto antes. Por isso seria injusto,
ilegal negar a administração do Baptismo ou adiá-la
arbitrariamente. Porque não cumprem outros deveres, como o
de estar casados canonicamente ou serem mães solteiras não
deixam de ter a obrigação e o direito de cumprir o que
prescreve o cân 867 ξ1.
A. Este assunto, foi estudado e regulamentado pela
Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé já em
13 de Julho em 1970 (SC. Doctrinae Fidei,
Responsum, Part., De administracione baptismais
filiis parentum non catholicorum)
 Crianças de pais não cristãos ou cristãos
“irregulares”
A própria congregação da explicação do que
entende por esta categoria de
pessoas: passo a citar: “Por cristãos irregulares é preciso
compreender aqui os cristãos polígamos concubinários,
esposos legítimos que abandonaram toda a prática regular da
sua fé, ou aqueles que pedem o baptismo das crianças por
razões meramente de convivência social.
a) É necessário fazer tomar consciência das suas
responsabilidades
21
b) Além disso, é necessário ajuizar sobre as
suficiências das garantias
dadas quanto a educação católica das crianças –
garantias dadas por qualquer membro da família ou
pelo padrinho ou madrinha ou pelo apoio da
comunidade dos fiéis. (Por garantias nós entendemos
que haja uma esperança fundada de educação católica).
c) Se as condições forem suficientes para os pastores, a
Igreja pode proceder ao baptismo, porque as crianças
são baptizadas na fé da Igreja”. Fim da citação.
B. Este mesmo problema mereceu de novo a atenção
do mesmo dicastério romano na Instrução
Pastoralis Actio sobre o baptismo das crianças, de
20 de Outubro de 1980, que reenvia nesse ponto as
considerações tecidas na resposta da Sagrada
Congregação para a Doutrina de fé em 1970. Esse
dicastério não se contradiz facilmente.
O código vigente na Igreja Católica, respeitando a
doutrina da Igreja determina o seguinte:
Cân.868 ξ 1. Para que a criança seja baptizada,
requerem-se que:
1º os pais, ou ao menos um deles, ou quem
legitimamente fizer as vezes
Consintam;
2º haja esperança fundada de que irá ser educada na
religião católica;
se tal esperança faltar totalmente, difira-se o baptismo,
segundo as prescrições do direito particular, avisando-se os
pais do motivo.
Como se pode ver a lei que nos rege, na Igreja Católica,
em momento nenhum se refere ao estado civil dos pais, (se
são solteiros ou casados canonicamente ou não). Alias o que se
entende por “pais” foi explicitamente definido pela Sagrada
Congregação para fé e quanto aos critérios com os quais se
22
deve avaliar a suficiência das garantias de uma educação
católica da mesma congregação não podia ser mais clara.
João Paulo II no discurso aos bispos americanos em
visita “ad limina” em 1997 advertiu-os que havia dioceses e
até paróquias que sobre o baptismo das crianças exaravam
leis, normas que não estavam de acordo com as leis por ele
promulgados como legislador Supremo da Igreja. Normas e
condições que não tinham em conta a realidade do mistério do
Baptismo. O Sacramento que manifesta a magnanimidade e a
gratuidade de Deus. Quem merece ou mereceu o Baptismo?
Porventura aqueles que o negam às crianças?
Em Moçambique, excepto na Arquidiocese da Beira,
coloca-se como condição principal o estado matrimonial
canónico regular dos pais, para baptizar crianças. Nalgumas
Paróquias de Tanzânia, colocam como condição o pagamento
do dízimo da parte dos pais. Que outras condições e exigências
se apresentarão para impedir o baptismo das crianças?
A legislação em vigor sobre administração do
Baptismo tutela, devidamente, este dever dos pais de pedir o
Baptismo para os seus filhos.
Este direito fundamental não poderia ficar ao arbítrio
de dioceses isoladas, ou conferências episcopais longe do
sentir da Igreja Universal e muito menos de paróquias que se
arrogariam assim o poder ilegítimo e injustificado de
acrescentar condições ao direito comum eclesiástico, alias
neste assunto o legislador supremo não delega o seu poder
legislativo nem para as conferências episcopais nem para os
Bispos diocesanos.
CONCLUSÃO
Como conclusão gostaria de sublinhar esquematicamente o
seguinte:
23
Em Moçambique é necessário ou continuar ou renovar
a Pastoral do matrimónio e da família. Uma exigência da qual
dependerá a Evangelização deste nosso país.
O encontro do povo moçambicano com outras culturas
exige que a prospectiva desta pastoral não seja monolítica e
uniforme. Cada família é única e irrepetível e o mesmo se pode
dizer de cada uma das pessoas que desejam contrair o
matrimónio. O acolhimento destas pessoas ou dos casais deve
ser, como se diz, respeitoso e personalizado.
A prevenção deveria ser uma arma contra os ataques a
esta secular instituição em Africa e na Igreja: o matrimónio e a
família. Uma educação sobre a sexualidade, o sentido da vida,
o casamento cristão, os valores da tradição.
Favorecer desde a tenra idade uma educação que ajuda
a pessoa humana a viver a vida conjugal ou consagrada (por
ex. na catequese falar sobre os impedimentos matrimoniais,
que afinal tem, primeiro uma função formativa, dissuasora,
preventiva).
Descobrir formas novas de acompanhar os casais, criar
ou apoiar os vários movimentos de famílias que ajudam as
famílias a viver o seu Evangelho e a seguir a espiritualidade
conjugal. Estimular e urgir que as famílias entre si discutam os
seus problemas, se entre ajudem e orem em comum.
Para que haja uma harmonização, não uma
uniformização já é tempo de em Moçambique, segundo
também as recomendações do SECAM VI Assembleia-geral
de Yaounde de 1981, de possuir um directório pastoral sobre
o matrimónio e a família.
Antes de terminar, gostaria de mais uma vez agradecer
a este Centro Catequético de Nazaré, na pessoa do seu director
por nos ter trazido para a reflexão este tema da Família
prioritária para o desenvolvimento da Sociedade e da Igreja.
24
CITAÇÕES
(1) João Paulo II, Familiaris Consortio, 22 de
Novembro de 1981; CEM, Carta Pastoral, A Família
Cristã na Igreja em Moçambique, Beira 21 de
Novembro de 1981, SCEAM VI, Assembleia Geral,
Recomendações e conclusões sobre o Matrimónio e
vida familiar em Àfrica, hoje.
(2) Muitos outros textos do magistério continuaram a
desenvolver e a explicar essa imagem de “igreja
doméstica” aplicada à família: Sínodo dos Bispos de
1980 e João Paulo II, Carta às famílias.
(3) BENEZERI KISEMBO, LAURENTI MAGESA,
ALYWARD SHORTE, African Christian marriage
London 1977 p. XV.
(4) VALENTINO GROLLA, L´agire della Chiesa 2 ed.
Pádua 1999, p. 6.
(5) cf. FERRATER MORA, art “persona” in Id.
Diccionario de Filosofia, 3, 2550 ss.
GEVART, El problema del Hombre, Salamanca 1983,
pp. 33,35-40.
(6) ANTUNES VARELA, Direito da Família, Lisboa
1993 pp 40-41.
(7) AA.VV. Dictionnaire de Droit 2;.., Paris 1966 T.I
art., “Famillé p. 799.
(8) cf. MURDOCK G.P, Social Structure, New York,
1949, p.8.,
25
cf. BELTRÃO PIERTRO C., Sociologia della famiglia
contemporânea 2 ed Roma 1977, p.17 ss.
(9) cf. ALYWARD SHORTER, Christian Family
Power in Africa, Edorest, Kenia 1977, pp. 2-4.
(10)
SENGHOR L.S., “La familla negro-africaine”
IN REVUE JURIDIQUE ET POLITIQUE n.1, JanMrs 1967.;
VAN DEN WIELE, “Le Systemes familiaux et
matrimoniaux aux sein dês Societés negro,
africaines”,
in
REVUE
JURIDIQUE
ET
POLITIQUE d´OUTRE – MERE., XVII Paris, 1963,
p. 429.
(11)
cf. OUASSIGAN A.G. Quelle est ma loi?
Tradition et modernisme dans le droit prive de la
famille en Afrique noire francophone, Paris 1974 p.
221.
cf. FILESI T. L´istituto della famiglia nelle
constituzioni degli Stati africani, Milano, 1964, p. 4.
(12) MSANDA TSINDA HATA, African marriage is
personal and
communinitarian, in African Eccleisal
Review 23, 181, p. 3.
(13) cf. ALYWARD SHORTER, Christian and African
Marriage and family life – some further considerations,
in ALYWARD SHORTER, The African Contribution to
World Chruch and other essays, Kampale 1972 pp. 45-55.
(14) PETER M. KANIADAGO, Evangelizin Poligamous
Families, canonical and African Approach, Eldoret 1991,
p. XVII.
26
(15) JOSEPH MALULA, Mariage et famille en Afrique,
in Documentation catholique, 1880 p. 870.
(16) S.C. Doctrina Fidei, Responsum Prot. N. 196/7, 18
nov. 1971: Modus agendi pastorale cum polygamis
cathecumenis qui alias uxores, praeter legitimam deserere
non possunto absque gravi incomodo.
(17) SCEAM V, Assembleia Plenária, A Pastoral do
matrimónio na Africa Negra, Nairobi, Kenya 24 – 3º de
Julho 1978.
27