Água: O Mundo e Um Recurso Precioso
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Água: O Mundo e Um Recurso Precioso
Água: O Mundo e Um Recurso Precioso A Rádio ONU apresenta a partir desta semana o especial - Água: O Mundo e Um Recurso Precioso. Uma série de reportagens produzida pela nossa equipe que explora diversos ângulos à questão deste recurso que se torna cada vez mais escasso em certas regiões do nosso planeta. Neste primeiro capítulo, a Rádio ONU investiga a ligação da água e os direitos humanos, as desigualdade social, a saúde e os objetivos do milênio, além de problemas como poluição e qualidade do recurso. Daniela Gross e Eleutério Guevane, da Rádio ONU em Nova York * Água como Direito Humano água é um bem finito, indispensável para a vida. Um recurso natural, que Em 2010, a proposta foi aprovada na Assembléia Geral de acordo com as Nações por 122 votos a favor. UsUnidas, é essencial para a realização de “todos os direi- ando dados da Organização Mundial da Saúde, OMS, e tos humanos.” do Fundo das Nações Unidas Em julho do ano passado, a para a Infância, o Unicef, o Assembleia Geral da ONU embaixador boliviano chamou reconheceu formalmente a atenção para a relação direta água como um direito humano. Na época, o embaixa- entre a água e a saúde. “Todos os dias 24 mil cridor boliviano junto à ONU, anças morrem em países Pablo Solon, falou sobre o papel fundamental deste desenvolvidos devido a doenças preveníveis como a recurso natural. diarreia, causada por água “A perda de 20% da água do contaminada. Isso significa nosso corpo pode causar a que uma criança morre a morte. É possível sobreviver várias semanas sem comida, cada 3 segundos e meio. Um, dois, três. Como dizem mas é impossível sobreviver na minha vila, a hora é agomais que alguns dias sem Água é direito humano ra”, defendeu. água. A água, é sem dúvida, a vida”, disse. A Estresse Hídrico 72% da terra são cobertos por água, mas apenas cerca de 3% deste recurso é de água fresca. Estatísticas da agência ONU Água indicam ainda que 70% deste recurso estão em forma de neve ou gelo e 30% estão em fontes subterrâneas, o que ao todo, representa 97% do potencial de água disponível para o consumo humano. No último século, o uso da água aumentou mais que o dobro que o crescimento populacional. Para a ONU Água, vários fatores combinados colocam pressão sobre este recurso. Entre eles, mudanças climáticas, demandas energéticas, aspectos econômicos e sociais, como mudanças dos padrões de vida, e questões demográficas. A população mundial está crescendo num ritmo de 80 milhões de pessoas por ano, aumentando a demanda por água em 64 milhões de metros cúbicos anualmente. A previsão, é que até 2025, mais de dois terços da população do mundo viva em regiões com estresse hídrico. Crise da Água O diretor da ONU Água e também diretor do Instituto para a Água, Meio Ambiente e Saúde das Nações Unidas, Zafar Adeel, falou à Rádio ONU em Toronto. Ele explicou que um dos maiores impactos da chamada “crise da água” é relacionado à disputa pelo recurso no mundo, com a diminuição da quantidade da água e eventos extremos, muitos destes causados por mudanças climáticas. Zafar Adeel alertou que “isso tem consequências para a segurança alimentar e atividades industriais, e a maior parte dos países em desenvolvimento não está preparada para estas mudanças. No topo disso, você incliu o crescimento populacional e você tem um potencial enorme para uma crise substancial.” Poluição A poluição é um dos fatores que contribuem para a falta de qualidade da água disponível, e que está sendo analisada e focada pela ONU Água. Estimativas indicam que cerca de 2 milhões de dejetos humanos sejam depositados nos cursos de água todos os dias. Nos países em desenvolvimento, 70% do lixo industrial são despe jados sem tratamento em fontes de água, e em algumas partes de mundo, a poluição dos rios e aquíferos já ultrapassou o ponto de retorno. Esta transformação foi lembrada pelo SecretárioGeral da ONU, Ban Ki-moon, durante um discurso em Davos, em 2008. “No meu país, a República da Coreia, nós costumávamos beber água diretamente do rio, perto da minha casa. Hoje, eu ficaria doente ou pior”, lembrou Ban. De acordo com Zafar Adeel, diretor da ONU Água, quase todos rios e lagos recebem quantidades grandes de dejetos de atividades humanas e industriais. “Até mesmo quando você tem água disponível, se ela é de pouca qualidade, você não pode consumir e você não pode usar para a produção agrícola”, disse. Poluição no Brasil A especialista em infraestrutura da sede do Banco Mundial no Brasil, Juliana Garrido, disse à Rádio ONU de Brasília, que a poluição hídrica é um dos maiores desafios do setor no país, além da escassez de água. Apesar dos problemas, ela acredita que o Brasil está fazendo avanços na área. “No estado de São Paulo, em que as soluções para o atendimento à população são cada vez mais distantes, o que está se tentando é melhorar a qualidade do que se tem hoje. Tanto na melhoria da qualidade da água que existe lá, com trabalhos na organização das favelas, quanto na melhoria da questão de perdas”, comentou. Questões Técnicas O Professor do Departamento de Engenharia Civil da Unesp, Tsunao Matsumoto, falando à Rádio ONU de São Paulo, fez um alerta para questões técnicas no Brasil que precisam de atenção. Ele também cita como exemplo o estado de São Paulo, que tem dificuldades no abastecimento de água. “O problema técnico que nós temos é a concentração de pessoas em locais onde a fonte para o abastecimento não é suficiente. Além disso, as nossas tecnologias de tratamento estão avançando aos poucos, mas ainda não conseguimos fazer com que as águas residuárias se tornem potáveis completamente, com um ciclo fechado e a custo acessível”, explicou. Contaminação dos Recursos Subterrâneos Já o antropólogo, sociólogo e professor da Unicamp, Mauricio Waldman, disse à Rádio ONU de São Paulo, que Em algumas partes de mundo, a poluição dos rios e aquíferos já ultrapassouoponto de retorno a poluição das águas no Brasil das. Quer dizer, fura o poço, estão num nível muito elevado, e chamou atenção para a não se dá a vazão esperada, deixa o poço aberto, e eles se contaminação dos recursos tornam um vetor de contamisubterrâneos. nação de água subterrânea”, “O Brasil concentra, de alertou. acordo com vários levantamentos, 10% dos poços que “No meu país, a República da fazem captação de água Coreia, nós costumávamos beber subterrânea no mundo. Mas água diretamente do rio, perto 90% destes poços são perda minha casa. Hoje, eu ficaria doente ou pior” Ban Ki-moon furados e operados sem as precauções técnicas adequa Aproximadamente 3,5 milhões de pessoas que morrem todos os anos com doenças relacionadas à água Política Brasileira de Recursos Hídricos grandes perdas na prática do uso, como por exemplo, em irrigação. Entretanto, nas bacias mais críticas, há um fortalecimento dos recursos hídricos para conseguir fazer com que esta água seja usada de forma mais adequada”, disse. No último relatório da Agência Nacional de Águas, ANA, sobre a situação e a gestão do recurso no Brasil, foram registradas melhorias na qualidade da água do país. O especialista em recursos Doenças Relacionadas hídricos da ANA, Alexandre à Água Lima, que falou à Rádio ONU de Brasília, concorda que o Brasil está “num estágio Um dos impactos da crise um pouco abaixo em termos da água é ligado à dimensão humana do problema. Dados de desenvolvimento”, mas da ONU Água indicam que acredita que o país também mostra proa diarreia é uma causa líder de mortes, com gressos na “Água, água, o área, e que nosso maior prob- 88% dos casos ligados através de à qualidade da água. lema é água.” uma política Em países com alto mulher na Etiópia índice de mortalidade inde recursos hídricos, o fantil, a diarreia chega a Brasil busca atingir um uso matar mais que a pneumonia, a malária e o HIV juntos. mais racional da água. “É claro que em muitas ba No mundo, mais de 850 milhões de pessoas, como relata cias ainda se utiliza a água esta mulher na Etiópia, não de forma inadequada. Há têm acesso à água suficiente para beber e satisfazer as necessidades básicas. “Água, água, o nosso maior problema é água.” Para o diretor da ONU Água, Zafar Adeel, é preciso trabalhar para lidar com a crise no setor. “Nós estimamos que existam aproximadamente 3,5 milhões de pessoas que morrem todos os anos com doenças relacionadas à água, e nós acreditamos que isso possa ser prevenido”, comentou. Escassez do Recurso na Europa A escassez d’água atinge inúmeras partes do mundo. Na Europa, por exemplo, dados da ONU Água indicam que em 60% das cidades com mais de 100 mil pessoas, as águas subterrâneas estão sendo utilizadas num ritmo maior que o de reabasteci- Objetivo do Milênio nas também são grandes. Para a relatora especial da O sétimo Objetivo do Milênio ONU para o direito a água da ONU, ODM, inclui a e o saneamento, Catarina diminuição pela metade da Albuquerque, que falou à Rádio ONU de Lisboa, estas população mundial sem acesso à água potável e evidências demonstram a ligação direta entre a questão serviços sanitários básicos. De acordo com a o Prograda água e a desigualdade ma das Nações Unidas para social. o Desenvolvimento, de 1990 “A água e a riqueza estão de mãos dadas. Quem tem a 2008, o acesso à água aumentou de 77% a 87%. dinheiro tem água não só o suficiente para satisfazer o Se a tendência continuar, os A Água e a Desigualdade direito humano, mas também objetivos devem ser atingiágua para esbanjar. Quando dos até 2015, com 90% da Social população tendo acesso à examinamos o extremo uma fonte de oposto das Dados da ONU Água indipopulações, água melhoracam que quase duas a cada Quase duas a cada da. Para Catatrês pessoas que sofrem com das pessoas três pessoas que sofmais pobres, a falta d’água vivem com rem com a falta d’água rina Albuquerque, os ODMs menos de US$ 2 por dia. normalmente vivem com menos de são positivos, Uma ducha de 5 minutos em são sempre esUS$ 2 por dia porque chamam um país rico, pode equivaler tas que não têm atenção para acesso a água, ao consumo de uma pessoa questões importantes. Mas durante um dia inteiro em um e quando têm acesso, têm ao mesmo tempo, devem a um custo muito elevado”, país em desenvolvimento. ser revistos após 2015, para explicou. Diferenças de cobertura estabelecer um alcance unientre as áreas rurais e urbamento. De acordo com a Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa, Unece, 140 milhões de pessoas no continente não tem acesso à água potável e ao saneamento básico, sendo que as maiores desigualdades estão relacionadas ao local onde as pessoas vivem, diferenças sociais, culturais e o status econômico. versal à água, que também inclua o monitoramento da qualidade do recurso. “Eu estive em casas de pessoas com torneiras que quando se abriam tinham água preta, e que mesmo assim, esta água está contribuindo para que este país se torne um heroi dos ODMs. Para as Metas do Milênio, uma pessoa que tenha uma torneira de agua a um preço exorbitante não interessa. Aquela torneira d’água que eu não posso pagar, também contribui para que este país atinja os ODMs”, criticou. A Água e a Desigualdade entre os Gêneros O problema da água também tem relação direta com a desigualdade entre os gêneros, com efeitos econômicos e educacionais. A Organização Mundial da Saúde, OMS, recomenda um uso diário pessoal mínimo de 20 litros de água por dia, e que o recurso não esteja a uma distância maior que 1 km. Tradicionalmente, são as mulheres e meninas as Em regiões como a África, mulheres chegam a gastar 40% do tempo delas em busca da água responsáveis pela tarefa. No mundo, cerca de 72% da água é coletada por elas, que em regiões como a África, chegam a gastar 40% do tempo delas em busca da água. A média da distância percorrida em cada coleta de água na África e na Ásia chega a ser de 6 km. A menina Tilalen, de 13 anos, tem que faltar a aula pelos menos três vezes por semana para buscar o recurso. “Se eu não tivesse que carregar água eu seria umas das melhores alunas da classes”, disse a adolescente. Ataques Sexuais No caminho pela busca da água, mulheres e meninas também estão sujeitas a ataques sexuais. Catarina Albuquerque, disse a Rádio ONU que em uma missão no Egito, conversou com uma mulher que quase tinha sido violentada no dia anterior. “Ela todos os dias tem que buscar água e passar por um túnel onde quase foi estuprada. E este caso não é inédito. Em todos os locais onde vou, ouço histórias comuns de meninas e mulheres que sofrem agressões físicas, incluindo agressões sexuais, porque têm de que percorrer longas distâncias, muitas vezes sozinhas, à procura d’água”, contou. Moçambique Em Moçambique, segundo dados do Pnud, o consumo médio de água nas zonas rurais é de 10 litros por pessoa No caminho pela busca da água, mulheres e meninas também estão sujeitas a ataques sexuais e mulheres chegam a caminhar entre 15 e 17 horas semanais durante os períodos de seca para encontrar água. De acordo com a chefe do Departamento de Atendimento à Mulher e à Criança da Polícia de Moçambique, Lurdes Mabunda, que falou à Rádio ONU de Nova York, casos de ataque sexual também ocorrem no país africano de língua portuguesa. “Nós sabemos que as meninas percorrem longas distâncias em busca de água e muita coisa pode acontecer no caminho. Ela pode ser violada, assassinada, traficada, raptada. A redução do percurso entre a comunidade ou a mulher e a fonte de água pode prevenir não só a violência e o abuso sexual, mas também outros problemas que ainda afetam a mulher moçambicana”, defendeu. Sonhos em Risco No próximo capítulo: O Para o Unicef, que apóia drama da seca e do degovernos de diversos países serto que toma os camem projetos relacionados à pos que um dia foram água, a falta de estruturas verdes. hídricas colocam em risco sonhos como o da menina Tilella, da Etiópia. “Eu gostaria que a tubulação de água fosse trazida para cá, assim, eu poderia ir para à escola e me tornar uma médica”, Mulher coleta água no Timor Leste contou. * Edição: Mônica Villela Grayley. * Assistência de Produção: Leda Letra e Luisa Leme.