Mirante - Legalização das Drogas Leves
Transcrição
Mirante - Legalização das Drogas Leves
A Legalização das Drogas Leves A proposta que o Bloco de Esquerda levou à Assembleia da República, para criar "quiosques” de drogas leves geridas pelo Estado faz todo o sentido em termos económicos, tem mesmo condições de ser eficaz, mas no plano ético levanta interrogações, no mínimo, complicadas. A proposta do BE de legalizar o comércio de drogas leves tem uma fundamentação essencialmente económica, ou não fosse subscrito por um economista premiado internacionalmente (Francisco Louçã). Com base na teoria económica pretende esta proposta retirar o interesse económico ao tráfico de drogas, que é actualmente um negócio chorudo. Quão chorudo? Imagine o leitor um café onde a clientela habitual vai todos os dias, só que em vez de comprarem uma bica por 80$ ou uma cerveja por 150$, compram doses minúsculas de droga que custam dezenas de contos. Acresce que tal como nós vamos todos os dias ao café, porque estamos viciados na cafeína, também os drogados sentem necessidade de todos os dias tomarem a sua dose e passam muito mal se não a conseguirem. Com uma clientela tão fiel, preços tão altos e margens enormes, não admira que este seja um negócio tão rentável. Muito mais rentável (incomparavelmente) do que qualquer café de bairro. Tem mais riscos, por não ser legal, mas esse risco acrescido é mais do que compensado pela muito maior rentabilidade. Se a pessoa não tiver escrúpulos é perfeitamente possível que esteja disponível para correr esse risco e entrar neste negócio. Qual é então a lógica desta proposta do BE? Se a repressão policial não funciona (como a história já demonstra) como é que se desincentiva este tipo de negócio? A resposta que a teoria económica dá é simples: aumentar a concorrência para diminuir a rentabilidade do negócio. A resposta mais radical (e mais eficaz) reside em o Estado fazer concorrência aos distribuidores de droga. Abrindo lojas do Estado, onde as condições sejam melhores, a qualidade garantida e os preços mais baixos (porque o Estado naturalmente abdicaria da margem que os distribuidores ganham), rapidamente estes ficariam fora do negócio, por deixarem de ganhar dinheiro. Assim se acabaria com um certo nível de criminalidade que envolve a distribuição de droga. O exemplo da lei seca dos anos 30 nos Estados Unidos demonstrou que a ilegalização do tráfego de substâncias desejadas pelo mercado pode levar à criação rápida de verdadeiras máfias e ao seu acumular de poder. De tal forma isso se verificou que a certa altura já eram os mafiosos que mandavam no país: Al Capone em Chicago, Bugsy Siegel em Las Vegas e outros noutras cidades. Pretende esta proposta ajudar a combater essa criminalidade, retirando-lhe fontes de financiamento. No entanto, a criminalidade provocada pelos consumidores (os assaltos, os pequenos roubos, ...) e pelo grande tráfico não termina, da mesma forma que o fim da lei seca não acabou com a máfia. Na verdade as grandes organizações criminosas são como as grandes multinacionais: estão sempre a lançar novos negócios. Esta proposta em discussão só afectaria o peixe miúdo. Por outro lado, argumenta-se que a SIDA e outras doenças poderiam ter uma menor disseminação, graças às melhores condições desses “quiosques de droga do Estado”, o que permitiria poupar nos gastos de saúde a médio e longo prazo. Se em termos de teoria económica esta proposta do BE faz todo o sentido, já em termos éticos as coisas são menos claras. Então agora vamos permitir que o Estado venda substâncias viciantes que fazem mal à saúde? O Estado já não trata muito bem os cidadãos, mas daí até vender-lhes droga ainda vai uma distância. E onde é que o Estado vai buscar a droga para vender? Vai comprá-la aos traficantes que deveria prender? Em vez de os prender vai fazer negócio com eles? Vai cultivá-la? Quintas de marijuana na Lezíria do Estado exploradas pelo Estado? Vai vender só a droga que apreender aos traficantes? E quando esta não chegar vai vender o quê? Fecha a loja e manda os clientes de volta para a rua? Esta é uma boa demonstração de que a economia deixada à solta, sem ser governada por padrões éticos, não só não garante uma correcta afectação de recursos como pode até ser perigosa. Será curioso observar em que termos esta questão será discutida no Parlamento (se o chegar a ser), se com argumentos económicos ou com argumentos morais e éticos. Parece-me, no entanto, claro que esta é uma questão em cuja discussão a participação dos economistas será provavelmente indesejável. Mais, esta é uma questão que demonstra os limites da economia de mercado. Se deixarmos o mercado funcionar em situações onde os clientes não têm grandes hipóteses de escolha, isso é óptimo para quem está do lado da oferta (os produtores e os traficantes) mas está longe de ser positivo para a sociedade. Até para os próprios clientes o livre funcionamento do mercado vai ser negativo, pois vai permitir uma baixa nos preços o que levará a um aumento no consumo, que fará mal aos consumidores. Todo o raciocínio está viciado, deixem a economia de fora desta discussão. Fernando Gaspar Economista (Ordem dos Economistas n.º 2644)