A psico-oncologia

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A psico-oncologia
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Rua Anseriz, 27, Campo Belo
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Comunicações médicas: Cristiana Bravo
Gerentes de negócios: Caio Ferraz, Daniela Lisbôa
Rocha, Luciene Cervantes e Philipp Santos
Coordenadora comercial: Andrea Figueiro
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e Patrizia Zagni
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Cód. da publicação: 15219.12.2013
O conteúdo desta obra é de inteira
responsabilidade de seu(s) autor(es).
Produzido por Segmento Farma Editores Ltda.,
sob encomenda de Sandoz, em dezembro de 2013.
Material de distribuição exclusiva à classe médica.
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sumário
Assumi o posto de editora-chefe da Chymion no início de
2008. Já se tratava de um projeto consolidado, publicado desde
2003. Ao longo desses anos a revista fora editada por competentes jornalistas que conferiram a ela sua experiência e conhecimento. Tinha um desafio pela frente: renovar a proposta
editorial e dar continuidade, com a mesma maestria, a um trabalho que vinha sendo tão bem feito.
Passado o temor inicial, o trabalho foi mais fácil do que
imaginei. Não em função da complexidade, que
Quanera grande, mas sim em virtude da equipe
do me formei na
que me cercava. Na Sandoz, a Mayra
Faculdade de Jornalismo,
Figueiredo, gerente de produtos em
minha mãe me perguntou: “Qual oncologia, sempre foi um ponto de apoio. Com sua gentileza e
atenção, me orienta, até hoje, sobre diversos aspectos. Na editora,
será sua contribuição para a socieda- a mesma coisa. Equipes de coordenação editorial, revisão, arte,
de como jornalista?”. Essa questão ficou diagramação, comercial, sempre a postos para garantir a excelência da revista. E na execução do projeto, tive a felicidade de
ressoando em meus pensamentos. Sem que- conhecer inúmero profissionais, como médicos, farmacêuticos
rer, apesar da especialização em jornalismo e outros colaboradores, que sempre se esmeraram em elaborar
social, acabei enveredando pelo jornalismo o conteúdo de mais alto nível. Alguns anos depois, recebemos
com boas-vindas Dr. Ricardo Caponero, como editor-científico,
médico. E agradeço ao destino por isso. com suas valorosas sugestões e comentários.
Os resultados são muito satisfatórios. Os representantes, que
Porque foi então que descobri como
visitam os serviços de oncologia e entregam a revista, sempre enpoderia colaborar: por meio da caminham
elogios e expressam o desejo dos leitores em participar
educação médica e dos
de uma edição. E assim surgem novas parcerias, que somente corroboram
para uma revista ainda melhor.
pacientes.
Nesta revista comemorativa de Chymion, por sua primeira década, quero agradecer a cada leitor e a cada colaborador com quem tive o prazer de trabalhar ao longo
desses anos. Assim como aos autores desta edição (Drs. Ricardo Caponero, Vicente Odoni,
Annemeri Livinalli, Luciana Holtz e Mônica Trovo) que nos brindam com textos elaborados especialmente para ela.
E que venha a próxima década!
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artigo
atualização
oncofarma
psico-oncologia
Um abraço,
Daniela Barros
Editora-chefe
enfermagem
história de sucesso
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Evolução do
tratamento oncológico
N
ão há dúvida nenhuma de que a mudança mais
importante foi conceitual. Até a virada do milênio ainda tratávamos as neoplasias por localização anatômica (câncer de mama, de pulmão, de cólon
etc.). Com as publicações de Perou et al.1 e Sorlie2, passou-se a entender a diversidade genética dentro das neoplasias, transformando o diagnóstico anatômico numa subclassificação de doenças distintas. Essa mesma tendência
aconteceu com os tumores de cólon, de pulmão, e está
estendendo-se para outras neoplasias.
Um diagnóstico mais preciso tem permitido subclassificar as doenças em grupos de prognóstico distinto e
resposta diferenciada à terapêutica, que deixa de ser unificada, baseada na melhor evidência para o grupo como
um todo (one size fits all), para tornar-se o embrião da
medicina personalizada.
Dr. Ricardo Caponero
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Um diagnóstico mais preciso tem permitido
subclassificar as doenças em grupos de prognóstico
distinto e resposta diferenciada à terapêutica, que
deixa de ser unificada, baseada na melhor evidência
para o grupo como um todo (one size fits all), para
tornar-se o embrião da medicina personalizada
nos últimos dez anos
Ao longo da primeira década deste século, intensificaram-se as pesquisas de biomarcadores e das alterações
das vias de transdução de sinal. O diagnóstico está novamente em transformação. É provável que nessa próxima
década o diagnóstico passe a ser molecular, ou seja, além
do órgão e além do subtipo fenotípico, o diagnóstico
passará a incluir as vias moleculares ativadas ou suprimidas. O exemplo, já presente, dessa situação é o uso
de trastuzumabe, um anticorpo anti-HER2, tanto em
neoplasias de mama quanto de estômago3; ou o uso do
everolimo, em tumores de células claras renais, neoplasia
neuroendócrina pancreática e neoplasia de mama refratária à terapia endócrina4,5. Muito diferentes fenotipicamente, essas neoplasias se assemelham na importância
da via da fosfoinositol-3-cinase (PI3K) e da mTOR
(mammalian Target Of Rapamycin).
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Com essas mudanças conceituais, a pesquisa de novas armas terapêuticas deixou de lado a quimioterapia antiblástica
tradicional. Nesse sentido, poucas drogas como a eribulina6
e a vinflunina7 foram incorporadas ao arsenal terapêutico.
A última década, no entanto, trouxe um grande número de
“nibs & mabs”, ou seja, moléculas pequenas inibidoras de
tirosinocinases e anticorpos monoclonais, incorporadas ao
tratamento de quase a totalidade das neoplasias.
O alvo terapêutico deixou de ser exclusivamente o tumor. Alguns agentes foram desenvolvidos para atuar no
microambiente tumoral, principalmente os antiangiogênicos e os inibidores da osteólise.
A estratégia antiangiogênica revolucionou o tratamento dos tumores renais. Dispõem-se de anticorpos contra
fator de crescimento do endotélio vascular (VEGF) e de
inibidores da transdução do sinal na célula endotelial,
como o axitinibe8, entre diversas outras moléculas.
Os inibidores da osteólise, usados no controle dos
eventos relacionados ao esqueleto (fratura, necessidade de
radioterapia, cirurgia ortopédica ou incremento de analgesia), também permitem a manutenção da integridade
óssea durante tratamento com inibidores da aromatase
e possuem atividade antitumoral questionável9. Mais recentemente, um anticorpo monoclonal contra o ligante
do RANK, o denosumabe, tem-se mostrado superior ao
zolendronato em diferentes situações10.
O acesso às múltiplas linhas de tratamento, incorporando os novos agentes biológicos, prolongou a sobrevida
global de forma significativa. No adenocarcinoma de cólon com ausência de mutação do KRAS, o uso sequencial
de combinações entre fluoropirimidinas, oxaliplatina, irinotecano, bevacizumabe, cetuximabe, aflibercepte e regorafenibe11 fez que a sobrevida global mediana, que era de
seis meses na época em que só se dispunha de 5-fluorouracil e ácido folínico, ultrapassasse agora os 30 meses12.
Os resultados globais melhoraram em decorrência de
rastreamento mais efetivo, diagnóstico mais precoce, melhor compreensão da biologia da neoplasia, novos medicamentos dirigidos a alvos moleculares específicos, cirurgia
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auxiliada pela robótica e novos sistemas tridimensionais
para planejamento radioterápico. Mas a melhora do tempo de vida, com qualidade, decorre da incorporação de
cuidados paliativos desde o início do tratamento13.
A qualidade de vida durante o tratamento depende de um
rigoroso controle de sintomas14, mas também da interpretação realística das expectativas do tratamento e do suporte ao
paciente e a seus familiares. Isso reduz de forma significativa
a depressão e a ansiedade13, sintomas que afligem a maioria
dos pacientes portadores de neoplasias malignas15,16.
Os sintomas mais estressantes da quimioterapia são
náuseas e vômitos, alopecia e fadiga17. Para a alopecia, o
uso do resfriamento do couro cabeludo é de eficácia duvidosa, mas modernas próteses capilares, com bases mais
finas e flexíveis, coladas ao couro cabeludo, têm permitido
um resultado estético e funcional muito mais adequado.
Quanto a náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia, sólidas diretrizes (MASCC-ESMO; ASCO-NCCN; e diretrizes regionais) têm indicado o melhor
uso para novas drogas da classe dos inibidores do receptor
3 de hidroxitriptamina (5HT3), como a palonosetrona18,
para uma nova classe de inibidores na neurocinina 1,
como aprepitante19 e fosaprepitante20. Náuseas e vômitos
refratários podem ser resgatados pelo uso da olanzapina21.
A fadiga, muito mais intensa e frequente com o uso dos
novos inibidores de tirosinocinase, ainda tem seu tratamento com resultados insuficientes. Os melhores resultados são para a readequação das atividades e medidas
físicas. Do ponto de vista farmacológico, pouco auxílio
pode ser dado a não ser quanto à correção de comorbidades agravantes, como anemia, hipotireoidismo, hipogonadismo etc.22.
Em conclusão, os progressos na oncologia foram, em
todos os aspectos, de crescimento exponencial, e as mudanças significativas foram de maior monta na última
década do que em toda a metade do século passado. Se
as neoplasias ainda não se tornaram rotineiramente curáveis, a expectativa de vida, com qualidade, foi significativamente prolongada.
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Referências
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1;22(7):1209-14.
20;31(6):716-23.
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Do nada
ao tudo,
para todos
Dr. Vicente Odone Filho
Professor titular do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (FMUSP), Área de Onco-Hematologia Pediátrica
CRM-SP 19.898
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saga do tratamento do câncer pediátrico começou a ser escrita há relativamente muito pouco tempo. Marca seu início o também início
da moderna era do tratamento quimioterápico, com a
clássica publicação de Sidney Farber, em 1948, relatando as primeiras respostas, transitórias a bem da verdade,
mas respostas, em leucemias agudas pediátricas, com o
emprego do medicamento aminopterina, cujo derivado
metotrexato é, até hoje, ainda extremamente importante não apenas no contexto oncológico, mas também no
de outras situações médicas. Pouco mais de sessenta
anos, um período extremamente breve, foi suficiente para
transformar a oncologia pediátrica em uma das áreas de
maior desenvolvimento dentro da medicina ou mais, sem
medo de exagerar, do próprio conhecimento humano.
Basta lembrarmos o exemplo das leucemias linfocíticas
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agudas (LLA), o mais frequente dos cânceres pediátricos:
de uma moléstia inexoravelmente fatal que nos permite,
na atualidade, celebrar índices de cura de até 90% para as
variedades de apresentação biológica mais favorável. Com
a possibilidade inclusive de empregarmos o termo cura
sem o risco de confundi-lo com mera sobrevida prolongada. Isso porque as LLA são suficientemente frequentes para que determinadas análises estatísticas possam
ser realizadas de modo apropriado. E permite-nos saber
que alguém que sobreviva dez anos após seu diagnóstico,
sem nenhuma recorrência ou surgimento de um efeito
colateral grave e limitante, poderá ter expectativa de vida
análoga a todos da população da qual procede. Ausência
de interferência com a expectativa de vida de um ser humano, é, sem dúvida, o melhor entendimento de cura de
uma determinada moléstia que o aflija.
Essas poucas décadas não representam todo o universo da luta contra o câncer. Enquanto o câncer pediátrico carregava a aura de incurabilidade agora revertida, os
esforços se concentravam em técnicas que buscavam, de
alguma forma, extirpar de maneira física os vestígios de uma
doença neoplásica, principalmente com a direta abordagem cirúrgica e, também, com recursos radioterápicos.
Foi a época dos grandes e mutiladores procedimentos cirúrgicos que incluíam a proposição de técnicas cuja simples menção acarretava horror compatível com a agressão
que propugnavam, como a hemicorporectomia. Era a
época da cura a qualquer preço como se a sobrevida fosse
um prêmio que, alcançado, desobrigava qualquer um que
por ela lutasse de almejar um resultado qualitativamente
melhor. O câncer pediátrico, por sua natureza habitualmente sistêmica à apresentação, com algumas exceções,
não comportava filosofias terapêuticas dessa natureza.
Isso explica a coincidência entre o início das eras do
tratamento efetivo do câncer em crianças e da quimioterapia, anteriormente mencionada. Doenças sistêmicas,
para seu manuseio, exigem também um tratamento de
abrangência sistêmica. E a quimioterapia foi o primeiro
recurso a viabilizá-la.
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Dr. Vicente Odone Filho
Durante as décadas de 1960 e 1970, virtualmente todos
os esforços concentravam-se na utilização de combinações quimioterápicas que almejavam, com sua associação,
controlar as moléstias subjacentes e destruir até a última
das células neoplásicas existentes. Técnicas a partir dessa
época agregadas, como os transplantes de medula óssea,
eram, a princípio, recursos que visavam potencializar de
modo exponencial a eficácia da destruição neoplásica,
preservando a funcionalidade dos sistemas orgânicos, em
especial o hematopoético.
É claro que o sucesso foi incontestável. Séries de crianças com câncer que se curavam, cada vez mais representativas, substituíam os exemplos esporádicos de sucesso. E
mais: o reconhecimento de que a cura era alcançável obrigava tratamentos que visassem não apenas ao resultado
imediato, mas a preservação e preparo de quem estivesse
sendo tratado para a vida. A cura como prêmio suficiente
foi substituída pela necessária normalização biológica e,
também, psicológica e social. Multiplicavam-se as técnicas que permitiam às crianças, cada vez mais, serem submetidas a tratamentos intensos com limitações menores
em seu dia a dia, justamente atendendo a esse objetivo de
preservação integral futura. O tratamento de suporte, em
todos os níveis, especialmente na integração entre múltiplas especialidades profissionais, passou a ser essencial.
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Continuavam, todavia, os obstáculos. Muitos fenômenos tóxicos eram irremovíveis. A necessidade de adição de
novos tratamentos quimioterápicos com rapidez crescente
levava ao reconhecimento tardio de colateralidades proibitivas inicialmente insuspeitas. O entusiasmo pelas epipodofilotoxinas, por exemplo, no tratamento de leucemias
de elevada agressividade, foi substituído pelo perplexo
reconhecimento de seu enorme potencial de indução de
outras leucemias, limitando enormemente seu emprego.
Além disso, em muitas situações neoplásicas, identificava-se que o tratamento quimioterápico obedecia de modo
necessário à denominada cinética de primeira ordem.
Quer dizer, uma determinada medicação daria cabo, sempre que repetida, à destruição de um mesmo percentual de
células neoplásicas, não à destruição do número absoluto
residual. Dessa forma, seria impossível acabar com a última célula neoplásica existente.
Havia então que se buscarem novos recursos. De tímidas tentativas de tratamento imunoterápico, específico
e inespecífico, iniciadas à década de 1960, passou-se ao
aproveitamento regular das vantagens imunológicas conferidas em transplantes alogênicos de células-tronco, os
quais, sem explorar exclusivamente o conceito de ablação
medular, passaram a permitir seu emprego em pacientes
de condições clínicas muito mais desfavoráveis, e de maior
idade. Novas fontes de células-tronco, especialmente as
obtidas a partir do cordão umbilical, puderam beneficiar
especialmente a população pediátrica. Da associação entre
células neoplásicas e células apresentadoras de antígenos
foram desenvolvidas as denominadas vacinas antitumorais. Anticorpos dirigidos contra componentes quase que
exclusivos das células tumorais passaram a permitir, cada
vez mais, a abordagem bem-sucedida de células residuais
remanescentes do tratamento antineoplásico convencional, a um custo tóxico reduzido.
Em termos terapêuticos, vive-se agora a era da “terapia-alvo”. Não apenas com anticorpos dirigidos a antígenos neoplásicos próprios, como também com drogas
capazes de intervir em alterações genéticas de grande
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especificidade e funções definidas na replicação celular.
A primeira das quais, o imatinibe, ao atuar na translocação 9;22, presente em leucemias agudas e particularmente
em mielocíticas crônicas, mudou a história dessas últimas,
hoje muitíssimo menos dependentes do emprego de seu
tratamento mais clássico, envolvendo transplantes alogênicos de medula óssea. O tratamento do câncer caminha,
enfim, para a desejada individualização terapêutica.
O Brasil alinha-se com as nações de maior desenvolvimento técnico-científico no domínio de todas as etapas do
tratamento oncológico. O problema de nosso País não é
qualitativo, mas sim quantitativo, isto é, estender a toda a
nossa população os excelentes resultados que o moderno
tratamento oncológico pode oferecer. A oncologia pediátrica conta com o auxílio de um aliado poderosíssimo, qual
seja, a própria capacidade de organização da população em
grupos de apoio que suprem, com seu trabalho, necessidades regionais específicas e diminuem a distância existente entre os centros de excelência e o tratamento realizado
em maior escala. Mas as disparidades ainda são grandes.
Se muitas de nossas instituições conseguem, isoladamente,
repetir feitos como os 90% de cura de LLA anteriormente mencionados, o resultado genérico desse tratamento no
Brasil como um todo é, ainda, muitíssimo inferior.
Universidades e centros isolados compartilham conhecimentos e experiências através de recursos como a telemedicina. Em termos assistenciais, experiências como a
iniciada pioneiramente pelo Departamento de Pediatria
da Faculdade de Medicina e o Laboratório de Sistemas
Integráveis da Escola Politécnica da Universidade de São
Paulo, iniciadas há mais de uma década, levaram a locais
distantes e de muito menos condições técnicas, como
Rondônia, a possibilidade de um tratamento oncológico
atualizado, sem a necessidade de mudanças de domicílio
perenes e altamente prejudiciais às famílias.
Em resumo, em sua ainda jovem história, o tratamento
oncológico pediátrico superou etapas sucessivas e comemora sucessos crescentes. Passou do nada ao tudo, ou quase tudo. E de uma maneira muito democrática, para todos.
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Os avanços na
farmácia oncológica
nos dez anos da
Annemeri Livinalli
Coordenadora de Farmácia do Grupo em Defesa da Criança com Câncer
(Grendacc), diretora de Comunicação da Sociedade Brasileira de Farmacêuticos
em Oncologia (Sobrafo), membro da International Society of Oncology Pharmacy
Practitioners (ISOPP) e da American Society Clinical of Oncology (ASCO)
CRF 25.690
farmácia oncológica no Brasil, embora exista em
alguns serviços há muito tempo, em muitos outros se fortaleceu exatamente nestes últimos dez
anos, coincidindo com a existência da revista Chymion.
Está regulamentada desde 1996 por meio da Resolução
288 do Conselho Federal de Farmácia1, porém a presença do farmacêutico nos serviços de oncologia somente se
fortaleceu a partir de 2004 com a publicação da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 220 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)2.
Tal resolução implicou formação da equipe multidisciplinar de terapia antineoplásica e estabeleceu a obrigatoriedade do farmacêutico como responsável técnico pelas
atividades da farmácia e membro dessa equipe2.
Indiscutivelmente a presença do farmacêutico no
serviço de oncologia é necessária. A confirmação dessa
importância vem-se demonstrando através da legislação que cada vez mais insere esse profissional em medidas de impacto público. São exemplos: a publicação
da Portaria 874, de 16 de maio de 20133, e a Portaria
529 publicada em abril de 20134. Em ambas o papel do
farmacêutico se faz presente.
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A Portaria 874 institui a política nacional para a prevenção e o controle do câncer na rede de atenção à saúde
das pessoas com doenças crônicas no âmbito do Sistema
Único de Saúde (SUS) e traz na Seção II o farmacêutico incluso nos componentes dos sistemas de apoio por
meio da assistência farmacêutica, considerada necessária
ao tratamento do câncer3.
O farmacêutico oncológico e
a atenção farmacêutica
Nesta última década o uso de medicamentos antineoplásicos
via oral aumentou de forma expressiva e inevitavelmente a
importância da adesão ao tratamento reaparece no cenário
farmacêutico e evidencia o papel do profissional no acompanhamento farmacoterapêutico, inserido na atenção farmacêutica. Em 2009, somente nos Estados Unidos, havia 20
medicamentos antineoplásicos de uso oral aprovados5.
A adesão ao tratamento depende de diversos fatores,
incluindo características sociodemográficas, aspectos específicos do tratamento (tipo, complexidade, efeitos ad-
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versos, duração), características da doença ou doença em
potencial (sintomas, duração, incapacidade, gravidade)6.
Algumas intervenções podem ser assumidas pelo farmacêutico ao identificar problemas relacionados à adesão
do tratamento, entre elas: intervenções educacional, comportamental, afetiva ou multidimensional5.
No estudo de Levine et al., a intervenção educacional
resultou em aumento na taxa de adesão (de 20% para
40%). Na revisão Cochrane de Beney et al. a respeito das
orientações do farmacêutico sobre medicamentos não
oncológicos de uso oral, houve um aumento na adesão
em três de seis estudos analisados5.
A não adesão ao tratamento tem consequências, entre
elas: mais visitas ao médico, mais internações com longa
permanência5. Em alguns casos, pode impedir, por exemplo, a eficácia do tratamento de uso oral. Se o médico não
está ciente de que o paciente não está administrando o tratamento oral prescrito, existe o risco de ele atribuir a progressão da doença à perda de atividade do medicamento,
optando pela troca de medicamento, quando, na realidade, o
paciente não estava administrando o medicamento e, muito
possivelmente, esta seria a razão da progressão da doença5.
Acompanhar e melhorar a adesão ao tratamento é tarefa do farmacêutico e está inserida na atividade da atenção farmacêutica. O conceito de atenção farmacêutica, já
amplamente difundido no Brasil, em diversas áreas, inclui
atualmente a oncologia.
A introdução desse conceito data da década de 1990, quando foi publicada por Hepler e Strand a definição em que se
considera o fornecimento do tratamento farmacológico com
responsabilidade e com o objetivo de alcançar resultados concretos que melhorem a qualidade de vida dos pacientes7,8.
Na oncologia, os pacientes em tratamento necessitam da
atenção farmacêutica em diferentes aspectos: monitorando o
tratamento, orientando sobre os efeitos adversos, avaliando as
interações medicamentosas, além das questões relacionadas à
manipulação dos antineoplásicos, entre outros9, sempre focando
na prevenção dos problemas relacionados aos medicamentos.
O grande marco nessa temática foi a proposta do Consenso Brasileiro de Atenção Farmacêutica publicado em
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200210, inspirado em ações pontuais que serviram para a
discussão e a implementação da atividade no Brasil em
diferentes áreas.
Erros de medicação
em oncologia
A prevalência de erros de medicação associada com medicamentos antineoplásicos não se sabe exatamente. Dada a
característica de esses medicamentos terem estreita margem de segurança, o uso incorreto desses agentes pode
ocasionar eventos adversos graves nos pacientes. Por essa
razão, precauções extras são necessárias para prevenir os
erros de medicação relacionados aos antineoplásicos11.
Alguns erros que podem ocorrer com antineoplásicos
incluem: administração no paciente errado, sobredose ou
subdose, via de administração, taxa de infusão e tempo de
infusão errado12.
A American Society of Health-System Pharmacists recomenda algumas ações como forma de prevenção11:
• educação e treinamento dos profissionais;
• acesso fácil à informação;
• padronização da prescrição de medicamentos;
• utilizar sistemas de prescrição eletrônica;
• não permitir prescrição verbal de medicamentos antineoplásicos;
• estabelecer as doses-limite (quando aplicável) e as vias
de administração permitidas para os medicamentos
antineoplásicos.
Para prevenir os erros de medicação em oncologia, devem-se considerar os antineoplásicos como medicamentos “potencialmente perigosos”. Desse modo torna-se importante
estabelecer políticas e procedimentos em todas as etapas que
envolvam esses medicamentos: prescrição, transcrição, dispensação, transporte, administração e monitoramento12.
A Portaria 529 publicada pelo Ministério da Saúde em
abril de 2013 instituindo o Programa Nacional de Segu-
29/11/13 11:28
rança do Paciente (PNSP) e estabelecendo o Comitê de
Implementação desse programa propõe que se criem e
validem protocolos, guias e manuais voltados à segurança
do paciente em diferentes áreas, às quais se inclui a área de
medicamentos4. Assim, surge mais uma importante área
de atuação do farmacêutico, em especial na oncologia.
Neste breve histórico, é possível perceber que ações que deveriam existir há mais de dez anos são ainda bem recentes e estão
sendo gradativamente construídas no Brasil. Aos farmacêuticos que ainda estão em busca de oportunidades de crescimento
profissional, é o momento de tentar participar dessa construção,
dando sua contribuição através de seu conhecimento.
Contribuição da Sobrafo desde sua criação
2001 – Criação formal da Sobrafo.
2002 – I Congresso da Sobrafo em parceria com a Sociedade Brasileira
de Farmácia Hospitalar e Serviços de Saúde (SBRAFH).
2003 – Publicação do Guia para o Preparo Seguro de Agentes
Antineoplásicos.
Participação da elaboração da RDC 220 publicada em 2004.
2004 – II Congresso da Sobrafo.
II Simpósio de Farmacêuticos em Oncologia
em parceria com a SBOC.
2010 – V Congresso da Sobrafo.
2011 – Dez anos de Sobrafo — Segundo ciclo de seminários regionais.
Segunda edição do Guia para notificação de
reações adversas em oncologia.
III Simpósio de Farmacêuticos em Oncologia em parceria com a SBOC.
2005 – 10o ciclo de seminários regionais.
2012 – Assinatura dos termos de cooperação com o Institute For Safe
Medication Practices (ISMP) e SBRAFH.
2006 – III Congresso da Sobrafo.
VI Congresso da Sobrafo.
2007 – Publicação do Guia para notificação de reações adversas em
oncologia em parceria com a Anvisa.
I Simpósio de Farmacêuticos em Oncologia em parceria com a
Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC).
Presença no Congresso Brasileiro de Cancerologia (Concan).
Representação nos grupos de trabalho de farmácia hospitalar do
Conselho Federal de Farmácia (CFF) e do Ministério da Saúde (MS).
2013 – Consulta Pública: I Consenso Brasileiro para Boas Práticas de
Preparo da Terapia Antineoplásica
2008 –IV Congresso da Sobrafo.
Terceiro ciclo de seminários regionais.
2009 – Curso de Farmacologia Clínica em Oncologia a distância.
IV Simpósio de Farmacêuticos em Oncologia em parceria com a SBOC.
Referências
1. Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC 220, de 21 de
setembro de 2004.
2. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria 874, de 16 de maio de 2013.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria 529, de 10 de abril de 2013.
4. Ruddy K, Mayer E, Partridge Ann. Patient adherence and persistence with
oral anticancer treatment. J Clin Cancer. 2009;59:56-66.
5. Partridge A, Avorn J, Wang PS, Winer EP. Adherence to Therapy With Oral
Antineoplastic Agents. J Natl Cancer Inst. 2002;94(9):652-61.
6. Dader MJF, Romero FM. La atencion farmacêutica em farmácia
comunitária: evolución de conceptos, necessidades de formación,
7. Hepler CD, Strand LM. Oportunidades y responsabilidades em La
atención farmacéutcia. Pharm Care Esp. 1999;1:35-47.
8. Hockel M. Ambulatory chemotherapy: pharmaceutical care as a part of
oncology service. J Oncol Pharm Practice. 2004;10:135-40.
9. Ivama AM, Noblat N, Castro MS, Oliveira NVBV, Jaramillo NM, Rech
N. Consenso Brasileiro de atenção farmacêutica: proposta. Brasília:
Organização Pan-Americana da Saúde, 2002.
10. American Society of Health-System Pharmacists. ASHP guidelines
on prevent-ing medication errors with antineoplastic agents. Am J
Health-Syst Pharm. 2002;59:1648-68.
modalidades y estratégias para su puesta em marcha. Pharm Care
11. Schulmeister L. Preventing Chemotherapy Errors. Oncologist. 2006;11:463-8.
Esp. 1999;1:52-61.
12. Brasil. Conselho Federal de Farmácia. Resolução 288, de 21 de março de 1996.
15219 ChymiOn_miolo.indd 15
15
29/11/13 11:28
Luciana Holtz de
Camargo Barros
Psicóloga, psico-oncologista,
especialista em Bioética,
presidente do Instituto
Oncoguia
CRP-SP 06/54462
O
16
A psico-oncologia
na abordagem multidisciplinar
de tratamento do câncer
termo “tratamento multidisciplinar”, abordagem cunhada nos Estados Unidos no início do
século XX, que determina a interlocução entre
diversas áreas da saúde para a composição do “arsenal”
terapêutico de uma doença, tem especial e fundamental
importância na oncologia.
A razão é clara. O câncer, uma das doenças crônicas de
maior mortalidade no mundo, atrás das cardiovasculares,
e que em razão de uma confluência de fatores (como o
15219 ChymiOn_miolo.indd 16
envelhecimento populacional e os hábitos de vida atuais)
vem assumindo a dianteira na atenção mundial à saúde, é
uma enfermidade de etiologia multifatorial que exige uma
cadeia global de cuidados para que o resultado terapêutico
seja efetivo — tanto à cura quanto ao controle da doença.
Nesse contexto, a atuação do médico oncologista e a
medicalização articulam-se horizontalmente com uma
rede composta de farmacêuticos, nutricionistas, enfermeiros, fonoaudiólogos, fisioterapeutas e psico-oncologistas,
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além, em menor escala, dos profissionais responsáveis por
terapias complementares.
Embora o tratamento multidisciplinar do câncer seja
fato comum em países como Estados Unidos e Canadá, no Brasil a abordagem ainda é muito sensível e sua
aplicação real, restrita a poucos centros de tratamento de
ponta. No entanto, há no País sinais de abertura ao diálogo entre as áreas, nos centros de referência em tratamento
e também em congressos médicos e academia.
Exemplo do amadurecimento das relações multidisciplinares na oncologia brasileira e do olhar exclusivo às
questões inerentes ao câncer foi o aporte da psico-oncologia no País, que passou a ser estudada na década de
1990 [com a fundação da Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia (SBPO) em 1994] e vem ganhando progressivamente o olhar da oncologia clínica.
O cerne dessa teoria está presente desde a criação da
medicina ocidental, de Hipócrates e Galeno, e adveio da
percepção de que corpo e mente são partes igualmente
importantes na completude de um organismo e que a
saúde é fruto do equilíbrio entre estes e o meio ambiente.
E a ciência, não é de hoje, lança olhares à saúde emocional do paciente enquanto um pressuposto para o tratamento bem-sucedido do câncer. A exemplo, um estudo
conduzido pela Universidade de British Columbia (Canadá), que reuniu e revisou 26 estudos separados envolvendo mais de 9,4 mil pacientes oncológicos, e descobriu
que o número de mortes é 25% maior naqueles que apresentavam sintomas de depressão. Isso porque pacientes
fragilizados emocionalmente apresentam taxas de resposta a tratamentos muito menores que os sadios.
A psico-oncologia destina-se, então, no contexto multidisciplinar da saúde, a olhar para os fatores psicológicos
inerentes ao diagnóstico, ao tratamento e à reabilitação
da pessoa com câncer e, através de intervenção psicológica específica, auxiliar no processo de enfrentamento da
doença, de forma a torná-lo menos doloroso.
A própria notícia de um câncer, palavra tão imbuída em
estigma, é já um fator que para muitos pacientes decorre
em questão psicológica a se trabalhar. Para esses pacien-
15219 ChymiOn_miolo.indd 17
a psico-oncologia,
assim como cada saber
multidisciplinar relativo ao
câncer, é imprescindível
em um tratamento que
tem por intenção a saúde
integral de um indivíduo
tes, a notícia é sinônimo de dor, solidão, terminalidade
da vida e pode levá-los a iniciar o processo terapêutico
já com a perspectiva de “derrota” de forma mais negativa.
Para além do momento do diagnóstico, a psico-oncologia é fundamental dentro do espaço de tratamento, as
clínicas de oncologia, onde o paciente enfrenta a jornada
terapêutica: as horas e horas de infusão de quimioterapia
e sessões de radioterapia, os exames muitas vezes dolorosos, as consultas com o oncologista que podem trazer
notícias difíceis de assimilar, como uma metástase e uma
medicação que não surtiu efeito. Nesse espaço, de situações potencialmente estressantes ao paciente (e também a
seus familiares e cuidadores), um psico-oncologista pode
auxiliá-lo na interpretação de seus sentimentos e na identificação de uma possível patologia, como a depressão.
Além da atuação específica às demandas do paciente
oncológico, um psico-oncologista é um importante vetor na equipe multidisciplinar de tratamento de um câncer. Desenvolvendo uma relação de confiabilidade com o
paciente, esse profissional pode desempenhar o papel de
“escuta” e ser o interlocutor de suas vontades e angústias,
para o qual o paciente poderá revelar seu desejo de cessar
um tratamento, por exemplo, ou sua insegurança com determinada abordagem clínica.
Enfim, a psico-oncologia, assim como cada saber
multidisciplinar relativo ao câncer, é imprescindível em
um tratamento que tem por intenção a saúde integral
de um indivíduo.
17
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A evolução dos
cuidados paliativos:
de onde viemos e para onde queremos ir?
Monica M. Trovo
de Araújo
Enfermeira, mestre em
Enfermagem e doutora
em Ciências pela
Universidade de São Paulo
(USP), especialista em
Cuidados Paliativos pela
Pallium Latinoamerica —
Universidad del Salvador,
atuou como enfermeira
no Hospital Universitário
da USP e atualmente é
docente de graduação
e pós-graduação no
Centro Universitário
São Camilo, desenvolve
pesquisas em Comunicação
Interpessoal em Cuidados
Paliativos, validou o
Programa de Capacitação
em Comunicação
que desenvolveu
para profissionais de
18
saúde paliativistas.
COREN 107325/SP.
15219 ChymiOn_miolo.indd 18
C
uidar é um dos verbos mais antigos da história da humanidade
— desde os mais remotos tempos o homem nasce, cresce, se reproduz,
adoece e perece, necessitando da atenção
e do auxílio de outro ser humano em cada
uma dessas etapas. Contudo, nas últimas
décadas, com o desenvolvimento do tecnicismo nas ciências da saúde, houve uma
grande mudança paradigmática nos objetivos da assistência à saúde: do cuidar
para o curar. E, por mais que a ciência caminhe a passos largos, ainda há situações
em que a cura da doença não é possível e
que o cuidado para o alívio da dor e do
sofrimento em suas múltiplas dimensões é
mais do que desejado, é necessário.
Felizmente tem crescido exponencialmente o interesse de profissionais de saúde
e pacientes acerca de alternativas de cuidado que aliviem sintomas e promovam
maior conforto, quando a doença não mais
29/11/13 11:28
responde a tratamentos curativos.
Nesse sentido, os cuidados paliativos
surgem como esperança para a mudança necessária no foco de atenção
a esses pacientes: do curar para o cuidado humano que suporta e conforta.
O termo paliativo deriva do vocábulo latino pallium, que significa manta
ou coberta. Traz em seu significado a
ideia principal dessa filosofia: proteger, amparar, abrigar, ou seja, cuidar.
É muito mais do que apenas controle de sintomas; implica o cuidado do
indivíduo, considerando não apenas
sua doença, mas sim o que lhe causa
sofrimento, seja na dimensão física,
em suas preocupações psicológicas e
sociais e necessidades espirituais.
A filosofia dos cuidados paliativos
é disseminada na Europa e nos Estados Unidos, por meio dos hospices, locais que desde o século V combinam
as habilidades de um hospital com a
hospitalidade e calor de uma pousada.
Mas foi apenas em 1967, com a fundação do St. Christopher Hospice pela
enfermeira, assistente social e médica
Cicely Saunders que os hospices passaram a ser sinônimo de assistência
paliativa. Ao final da década de 1980,
foi reconhecida e recomendada como
modalidade assistencial pela Organização Mundial da Saúde.
Em 2002, o conceito de cuidados
paliativos foi revisto diante da demanda por atenção aos portadores de
doenças crônicas: são cuidados ativos
e totais aos pacientes cuja doença não
responde mais ao tratamento curativo. Trata-se de uma abordagem de
15219 ChymiOn_miolo.indd 19
cuidado diferenciada cuja essência
afirma a vida ao ser contrária à eutanásia e reconhece a morte como um
processo natural, busca o alívio precoce da dor e demais sintomas angustiantes, integrando aspectos emocionais, sociais e espirituais ao cuidado
do paciente em seu núcleo familiar1.
Os cuidados paliativos orientam-se
para o alívio do sofrimento por meio
da atenção às suas múltiplas causas, focando a pessoa doente e não
a doença da pessoa. São embasados
na tríade de controle de sintomas,
apoio psicoemocional e espiritual e
trabalho em equipe interdisciplinar,
resgatando e revalorizando a comunicação e as relações interpessoais,
utilizando como elementos essenciais o exímio conhecimento técnico
científico dos profissionais de saúde,
a compaixão, a empatia, a humildade
e a honestidade.
No Brasil, a abordagem paliativista
é relativamente recente e ainda marcada pela disparidade: faz pouco mais
de 20 anos que esse tipo de atenção
tem sido oferecida em centros isolados no País, em sua maioria localizados na Região Sudeste. Na atualidade, há pouco mais de 60 unidades
que oferecem cuidados paliativos no
Brasil, cerca de 20 delas localizadas
na cidade de São Paulo, totalizando
em torno de 300 leitos. Trata-se de
um número irrisório ao considerar-se
a demanda nacional, que deveria envolver o trabalho de 12 mil enfermeiros e 1.500 médicos especializados,
em cerca de dez mil leitos2.
O termo
paliativo deriva
do vocábulo
latino pallium,
que significa
manta ou
coberta
Esse é um reflexo da heterogeneidade na disseminação dos cuidados
paliativos no mundo. O International
Observatory on End of Life Care, da
Universidade de Lancaster, no Reino
Unido, realizou um estudo visando
delinear um mapa mundial da presença e do estado de desenvolvimento de serviços de cuidados paliativos
nos diferentes países, evidenciando
que esse modelo de cuidado encontra-se presente de modo estruturado
em apenas 115 (49%) das 234 nações
que compõem a Organização das
Nações Unidas3.
Embora no Brasil sejam mais conhecidos e difundidos na atenção
ao paciente com câncer, os cuidados
paliativos não constituem apenas
uma modalidade de tratamento oncológico, e tampouco se restringem a
pacientes em iminência de morte. É
possível conciliar o tratamento curativo com a atenção paliativa, podendo
ser aplicada em pacientes com doenças crônicas diversas. Também não se
trata de cuidados de segunda linha ou
19
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Os cuidados
paliativos são
prestados
com base em
atendimento e
suporte oferecido
por uma equipe
interdisciplinar
de menor qualidade, ou ainda da abdicação de recursos terapêuticos. São
ações ativas que partem de uma abordagem altamente especializada, que
alia o uso adequado da tecnologia ao
cuidado humano, exigindo considerável conhecimento científico e habilidade da equipe interdisciplinar, além
de muita energia e dedicação.
Outra crença comum é a de que é
preciso um local específico e um especialista determinado para a aplicação dos cuidados paliativos. Os princípios e práticas dessa modalidade
de cuidado podem ser realizados por
qualquer profissional de saúde, desde
que devidamente capacitado. E po-
dem ser utilizados em qualquer local:
da atenção domiciliária às unidades
críticas e de alta complexidade.
Os cuidados paliativos são prestados com base em atendimento e suporte oferecido por uma equipe interdisciplinar. A base dessa equipe é
constituída por médico, enfermeiro e
assistente social; contudo, psicólogos,
nutricionistas, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e um conselheiro
espiritual ou capelão também podem
agregar seus conhecimentos e fortalecer a equipe.
No que tange ao crescimento de
sua prática paliativista e ao estabelecimento de legislação favorável, houve importante desenvolvimento no
Brasil na última década. Contudo, os
desafios ainda em curso para a disseminação dessa modalidade de atenção são principalmente a escassez de
recursos e a incipiência de conhecimentos dos próprios profissionais de
saúde sobre o tema.
A disseminação exponencial da
filosofia paliativista na prática assistencial nos últimos anos não tem sido
deflagrada e tampouco acompanhada
pela academia. Compreende-se que
haja deficiência no conhecimento em
cuidados paliativos entre profissionais
de saúde no Brasil, à medida que o
tema não faz parte da grade curricular
de graduação das diferentes especialidades da área da saúde. Com o crescimento da demanda e a estruturação
de serviços de cuidados paliativos, sabe-se que o assunto tem sido abordado em algumas escolas, porém não de
maneira obrigatória e contínua, mas
diluído em aulas e cursos ligados a
oncologia, dor e morte. Também são
poucos os serviços de cuidados paliativos que oferecem treinamento a
seus colaboradores e, assim, a maioria
dos profissionais que busca aprimoramento no assunto é autodidata ou
procura especialização fora do País4.
Assim, mostra-se urgente a educação dos profissionais em cuidados
paliativos, tanto daqueles em formação quanto dos já atuantes. Nesse
sentido, a educação permanente ou
continuada desses profissionais em
suas instituições de trabalho parece ser um caminho para a mudança
desse cenário. Sem a educação dos
profissionais no que tange à prática
paliativista, dificilmente poderá ser
atingida a meta de cuidado digno e
de excelência ao final da vida.
sintomas. São Paulo: Atheneu; 2011.
4. Araújo M. Comunicação em cuidados
Referências
1. World Health Organization (WHO).
WHO Definition of Palliative Care [on
line]. Disponível em: www.who.int/
cancer/palliative/definition/en.
20
2.Santos
F.
Cuidados
paliativos:
diretrizes, humanização e alívio de
15219 ChymiOn_miolo.indd 20
pp. 3-15.
paliativos: proposta educacional para
3. Wright M, Wood J, Lynch T, Clark
educação em saúde. 2011. 260 f. Tese
D. Mapping levels of palliative care
(Doutorado) – Escola de Enfermagem
development: a global view. J Pain Symp
da USP, São Paulo, 2011. Disponível em:
Manag. 2008;35(5):469-89.
www.teses.usp.br.
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Importância das ONGs
na prevenção e no
combate ao câncer
Por Daniela Barros – Jornalista (MTB–SP 39.311)
É
notório o importante papel desempenhado pelo
terceiro setor no Brasil. As organizações não governamentais (ONGs) atuam nas carências da
sociedade. Na medicina, elas ganharam importante papel
auxiliando pacientes e familiares, desde o apoio moral até
o custeio dos tratamentos.
São inúmeras as ONGs voltadas à oncologia. A maioria
das neoplasias possui, ao menos, uma organização dedicada
a ela. O trabalho voluntário nessas organizações envolve
pessoas comuns que se dedicam a causas que podem não
conhecer profundamente. Ou, ainda, são indivíduos que se
solidarizam com outras pessoas que estão vivendo o mesmo problema que eles já passaram, portanto, oferecem seu
conhecimento e vontade de ajudar. Nesse contexto, são
envolvidos também os familiares e amigos, formando-se,
assim, uma corrente de voluntários por todo o País.
Na área da saúde, percebe-se que todas as entidades trabalham com afinco na prevenção das doenças, afinal, o velho ditado “é melhor prevenir que remediar” aplica-se com
justiça nesse caso. O autoexame de mama e a consciência
de que a própria mulher é responsável por seu corpo são as
maiores contribuições que os médicos podem detectar no
trabalho voluntário voltado à saúde da mulher. Campanhas
sobre esse tema e outros, inclusive para os homens, como a
campanha da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) sobre o câncer de pênis, são fundamentais.
O apoio psicológico e, muitas vezes, a ajuda material são
complementos da ação dos voluntários. Um exemplo é a
15219 ChymiOn_miolo.indd 21
Associação Helena Piccardi de Andrade Silva (AHPAS),
que proporciona o transporte terrestre e o aéreo para que os
pacientes cheguem aos centros de tratamento oncológico.
Com esses exemplos, dentre centenas de outros que
vemos no Brasil, a edição especial de dez anos da revista Chymion homenageia a cada um dos voluntários das
ONGs que fazem toda a diferença em nosso País.
O QUE É UMA ONG?
As organizações não governamentais (ONGs) são entidades
do terceiro setor, ou seja, são da sociedade civil e de caráter
privado, cuja função é desenvolver trabalhos sem fins lucrativos. A área de atuação das ONGs é bem diversificada:
social, saúde, ambiental, grupos de proteção à mulher, tratamentos de dependentes químicos etc.
O termo ONG foi utilizado pela primeira vez em 1950,
pelo Conselho Econômico e Social da ONU. No Brasil, ganhou projeção na metade da década de 1980.
Todas as organizações sem fins lucrativos, fundações ou
sociedades civis podem ser consideradas ONGs. Mesmo sem
visar a lucros, elas têm estrutura formal e legal e atuam social e politicamente na comunidade ou na sociedade, sempre com atos de solidariedade.
Fonte
Brasil Escola. Disponível em: www.brasilescola.com/geografia/organizacao-nao-governamental-ong.htm.
Revista Chymion, no 2, 2003.
21
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