4. Equaç˜oes diferenciais ordinárias
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4. Equaç˜oes diferenciais ordinárias
4. Equações diferenciais ordinárias Neste capı́tulo, em algumas ocasiões usaremos a notação simplificada y , y ,. . . para representar as derivadas de uma função y. Deverá ficar claro, dentro do contexto do problema, qual a variável em relação à que se deriva a função. Por exemplo, se y for uma função da variável x, y 0 e y 00 representam: 0 00 y0 = dy dx y 00 = d2 y dx2 (4.1) Uma equação diferencial ordinária —ou em forma curta, uma EDO— é uma equação que relaciona uma função y com as suas derivadas y 0 , y 00 , . . . e com a variável x. Por exemplo, 3y 00 − (x − 2)y = y 0 . As funções y(x) que verifiquem a EDO serão as soluções da equação. Em muitos problemas, quando andamos a procura de uma função que defina o valor de uma determinada grandeza fı́sica, as leis fı́sicas do sistema conduzem a equações diferenciais que deverão ser resolvidas para encontrar a função que procuramos. 4.1 Equações de primeira ordem A ordem de uma EDO é a ordem da derivada de ordem superior que apareça na equação. Se a única derivada da função y na equação é a sua primeira derivada y 0 , a equação é de primeira ordem. A forma geral das equações de primeira ordem é1 dy = f (x, y) dx (4.2) 1 O problema de escrever uma equação como (3y 0 )2 = x sin(y 0 ) na forma geral 4.2 é um problema algébrico que não vamos abordar aqui. Em alguns casos uma EDO pode conduzir a um sistema de várias equações com a forma geral 4.2. 35 Esta equação pode ser escrita numa outra forma equivalente, designada de equação inversa dx 1 = (4.3) dy f (x, y) Na equação inversa y passa a ser a variável independente e x a variável dependente; no entanto, as soluções implı́citas das duas equações são as mesmas. Por exemplo, a solução de uma equação pode ser y = x2 ; esta solução é uma função de x, na forma explı́cita y = f (x), mas se quisermos escrever x √ em função de y, a mesma solução conduz a duas soluções explı́citas x = y e √ x = − y. Para escrever uma EDO em Maxima pode usar-se o apóstrofo para que as derivadas fiquem indicadas, sem serem calculadas; por exemplo: (C1) (2*x^2)/(y^3)*’diff(y,x) = (3+y)*sin(x); (D1) 2x2 dy = sin x (y + 3) y 3 dx (C2) 2*x + 2*y*’diff(y,x) = 0; (D2) 2y dy + 2x = 0 dx Uma outra forma de escrever as equações diferenciais em Maxima consiste em usar o comando depends para declarar que y é uma variável dependente de x: (C3) depends(y, x); (D3) [y (x)] (C4) (2*y + exp(x)*cos(y))*diff(y, x) = -exp(x)*sin(y); (D4) (ex cos y + 2y) 36 Fı́sica dos Sistemas Dinâmicos dy = −ex sin y dx 4.2 Campo de direcções Na equação 4.2, a função f (x, y) define, em cada ponto do plano (x, y), o declı́ve que deverá ter uma curva y(x) que seja solução da EDO. O campo de direcções é um desenho do plano (x, y), onde em cada ponto aparece um vector com declı́ve igual a f (x, y). A figura 4.1 mostra o campo de direcções da equação diferencial y 0 = 2 x + 3y e algumas soluções da equação. As soluções são as curvas que em cada ponto seguem o sentido do campo de direcções. -2.5 0 2.5 2.5 2.5 1 1 0 0 -2.5 -2.5 -2.5 0 2.5 Figura 4.1: Campo de direcções de y 0 = x2 + 3y, e seis soluções particulares. Para desenhar um campo de direcções em Maxima, é preciso primeiro definir uma função que chamaremos plotdf. Entra-se numa sessão do Lisp, por exemplo carregando simultaneamente em Ctrl e g, ou seleccionando “Interrupt”, no menu “File” (deverá aparecer o prompt MAXIMA>>). A Equações diferenciais ordinárias 37 seguir, define-se a função assim2 : (defun $plotdf() (show-open-plot "{plotdf}")) Regressa-se à consola do Maxima (com :q na versão GCL do Maxima, ou com :rt seguido de 0, na versão Clisp) e executa-se a função que se acabou de definir: (C5) plotdf(); Aparecerá uma janela com um campo de direcções predefinido. Passando o cursor sobre os números no canto superior esquerdo, aparece o menu; a opção “Config” no menu permite escrever a EDO que se quer representar. Seleccionase “dy/dx” e escreve-se a função f (x, y) no campo dy/dx. Depois de seleccionar OK, será preciso usar a opção “Replot” no menu, para que seja desenhado o campo da função que acaba de ser escrita. Carregando com o rato sobre um ponto, aparece desenhada a solução y(x) que passa por esse ponto. 4.3 Problemas com condição inicial Uma EDO tem infinitas soluçãoes. Por exemplo, a figura 4.1 mostra seis possı́veis soluções da equação y 0 = x2 + 3y. Para determinar uma solução única de uma equação de primeira ordem dy = f (x, y) dx (4.4) é preciso impor uma condição inicial y = y0 em x = x0 (4.5) No desenho do campo de direcções, a condição inicial corresponde a um ponto (x0 , y0 ), e a solução do problema será a curva y(x) que passa por esse ponto e segue as direcções do campo de direcções. 2 Esta definição pode também ser copiada num ficheiro, em algum dos directorios onde o Maxima procura funções externas. Por exemplo, $home/.maxima/plotdf.lisp em GNU/Linux, e poderá ser recuperada em sessões posteriores com o comando load("plotdf") 38 Fı́sica dos Sistemas Dinâmicos 4.4 4.4.1 Resolução de equações de primeira ordem Um caso simples Se a função no lado direito da equação 4.2 depende unicamente de x, isto é, dy = f (x) (4.6) dx a equação representa simplesmente a definição da derivada de uma função y(x). A solução obtem-se facilmente por primitivação Z y = f (x) dx + C (4.7) onde C é poderá ser qualquer constante arbitrária. Cada possı́vel valor de C define uma solução particular; a famı́lia de funções definida por 4.7 é designada de solução geral. 4.4.2 Equações autonomas Se a função no lado direito da EDO depende unicamente de y, dy = f (y) dx (4.8) designamos a EDO de equação autónoma. Neste caso a equação inversa é do tipo da equação 4.6 na secção anterior e resolve-se facilmente por primitivação. Z 1 (4.9) x= dy + C f (y) 4.4.3 Outras equações No caso geral, pode usar-se o comando ode2 de Maxima para encontrar a solução geral duma equação diferencial, e para aplicar a condição inicial à solução geral obtida, usa-se o comando ic1 Exemplo 4.1 A partir dos dados demográficos para Portugal em Julho de 1993: população: 10 486 140 taxa de natalidade anual: 11,59 por mil hab. taxa de mortalidade anual: 9,77 por mil hab. taxa de migração anual: 1,8 por mil hab. Faça uma estimativa da população em 2010, admitindo taxas constantes (mo- Equações diferenciais ordinárias 39 delo de Malthus) e taxa de mortalidade directamente proporcional à população (modelo logı́stico). Se t for o tempo, em anos, e p(t) o número de habitantes num determinado instante, p0 será a taxa de aumento anual da população. A taxa de aumento da população será igual a p vezes a taxa de aumento por cada habitante. Com os dados do problema, a taxa de aumento por um habitante é (C6) r: (11.59 - 9.77 + 1.8)/1000$ A taxa de aumento da população é, por um lado, rp, e por outro lado, a derivada p0 . Assim, obtemos a equação diferencial (C7) (D7) eq1: ’diff(p,t) = r*p; dp = 0.00362p dt a solução geral obtém-se com o comando ode2 (C8) (D8) sol1: ode2(eq1, p, t); 181t p = %Ce 50000 Se o tempo t for medido a partir de 1993, a condição inicial escreve-se (C9) (D9) malthus: ic1(sol1, t=0, p=10486140); 181t p = 10486140e 50000 A população em 2100 será, (C10) (D10) malthus, t=17, numer; p = 1.1151727127034325 · 107 Segundo este modelo, a população cresce indefinidamente 40 Fı́sica dos Sistemas Dinâmicos (C11) (D11) limit(malthus, t, inf); p=∞ Um modelo mais realista, designado de modelo logı́stico, admite que a taxa de mortalidade, por cada habitante, aumenta em forma directamente proporcional ao número de habitantes. Isto é, taxa mortalidade = k × p onde k é uma constante; usando os dados do problema, (C12) k: (9.77/1000)/10486140$ As taxas de nascimento e migração, por habitante, admitem-se constantes: (C13) a: (11.59 + 1.8)/1000$ Assim, a equação diferencial para o aumento da população é (C14) (D14) eq2: ’diff(p, t) = (a - k*p)*p; dp = 0.01339 − 9.3170604245222741 · 10−10 p p dt e a resolução do problema é: (C15) (C16) (D16) sol2: ode2(eq2, p, t)$ logistic: ic1(sol2, t=0, p=10486140); − 39059 log (39059p − 561335846131) − 39059 log p = 523 523t + 39059 log 10486140 − 39059 log (−151757703871) 523 Equações diferenciais ordinárias 41 População, em milhões 0 25 50 75 20 20 10 10 5 10 0 0 50 50 25 75 0 Tempo, em anos a partir de 1993 Figura 4.2: Aumento da população, no modelo logı́stico. Aqui vamos dar alguma ajuda ao Maxima para resolver a equação para p: (C17) plogistic: solve(p/(39059*p-561335846131)= exp(rhs(logistic*523/39059)),p); (D17) " 523t p= (C18) (D18) 5886246269548124340e 39059 523t 409578142260e 39059 + 151757703871 plogistic[1], t=17, numer; p = 1.1096894862054735 · 107 42 Fı́sica dos Sistemas Dinâmicos # Neste caso a população não cresce indefinidamente, mas alcança um limite de aproximadamente 14 milhões de habitantes: (C19) (D19) limit(plogistic[1], t, inf), numer; p = 1.4371485346040605 · 107 A figura 4.2 mostra o mapa de direcções e a solução particular. 4.5 Classificação das equações de primeira ordem O comando ode2 do Maxima classifica a EDO dada e se estiver dentro de alguma classe conhecida, será resolvida usando o método conhecido para resolver esse tipo de equação. Para saber o tipo de método utilizado (e assim o tipo de equação), pede-se o valor da variável method, logo a seguir ao resultado de ode2. A continuação vamos ver alguns tipos de equações de primeira ordem. 4.5.1 Equações de variáveis separáveis São equações que podem ser escritas na forma dy f (x) = dx g(y) (4.10) a solução geral é Z Z g(y) dy = f (x) dx + C (4.11) Exemplo 4.2 Encontre a solução geral da equação y 0 sin(x) = 4y 3 (C20) (D20) ode2(’diff(y,x)*sin(x) = 4*y^3, y, x); − 1 log (cos x + 1) − log (cos x − 1) = %C − 8y 2 2 Equações diferenciais ordinárias 43 (C21) (D21) solve(%, y); " 1 , y=− p 2 log (cos x + 1) − log (cos x − 1) − 2%C # 1 y= p 2 log (cos x + 1) − log (cos x − 1) − 2%C (C22) (D22) method; SEPARABLE 4.5.2 Equações exactas Uma EDO de primeira ordem pode sempre ser escrita na forma M (x, y) + N (x, y) dy =0 dx (4.12) que é semelhante à expressão obtida para a derivada de uma função F (x, y), de duas variáveis (x, y), com y dependente de x: dF ∂F ∂F dy = + dx ∂x ∂y dx (4.13) se conseguirmos encontrar uma função F (x, y) com derivadas parciais ∂F = M (x, y) ∂x ∂F = N (x, y) ∂y (4.14) então a equação diferencial 4.12 diz simplesmente que F (x, y) é uma função constante, nomeadamente, a solução geral de 4.12 será: F (x, y) = C (4.15) A condição necessária e suficiente para que exista a função F que verifica as equações 4.14 é ∂M ∂N = (4.16) ∂y ∂x 44 Fı́sica dos Sistemas Dinâmicos se esta condição for válida, diz-se que a EDO 4.12 é uma equação exacta. A equação pode ser resolvida encontrando a função F e substituindo em 4.15. Obviamente que existem várias formas de escrever uma equação na forma 4.12. Se multiplicarmos a equação toda por uma expressão qualquer, as funções M e N serão modificadas. Se uma equação não for exacta, por vezes é possı́vel descobrir uma função (factor integrante) que quando multiplicar à equação torna-la-á numa equação exacta. Exemplo 4.3 Resolva a seguinte equação dy 9x2 + y − 1 = dx 4y − x (C23) (D23) (4.17) ode2(’diff(y, x) = (9*x^2 + y - 1)/(4*y - x), y, x); 2y 2 − xy − 3x3 + x = %C (C24) (D24) method; EXACT 4.5.3 Equações lineares São equações que podem ser escritas na forma dy + p(x)y = f (x) dx (4.18) o importante é que o único termo com a variável dependente y seja uma função só de x a multiplicar a y. Por exemplo, não poderão aparecer termos da forma yy 0 , y 2 ou sin(y). Pode ser demonstrado que exp(P (x)), onde P (x) é uma primitiva3 de p(x), é um factor integrante. Nomeadamente, é fácil ver que eP dy + eP (yp − f ) = 0 dx (4.19) é uma equação exacta e pode ser resolvida pelo método para equações exactas. 3 Isto é, P 0 = p. Equações diferenciais ordinárias 45 Exemplo 4.4 Encontre a solução geral da equação dy x3 − 2y = dx x (C25) (D25) ode2(’diff(y,x) = (x^3 - 2*y)/x, y, x); (C26) (D26) method; x5 + %C y= 5 2 x LINEAR 4.5.4 Equações homogéneas Uma equação de primeira ordem diz-se homogénea se tiver a seguinte forma geral y dy (4.20) =f dx x para resolver este tipo de equação usa-se a substituição v= y x −→ dy dv =v+x dx dx que transforma a equação numa equação de variáveis separáveis. Exemplo 4.5 Encontre a solução geral da equação dy y 2 − xy = dx x2 (C27) (D27) ode2(’diff(y, x)=(y^2 - x*y)/x^2, y, x); log %Cx = e (C28) 46 %, radcan; Fı́sica dos Sistemas Dinâmicos ( y−2x )−log( xy ) x 2 (4.21) (D28) √ %Cx = (C29) (D29) solve(%^2, y); y=− (C30) (D30) y − 2x √ y 2x 2 %C x2 − 1 method; HOMOGENEOUS O comando radcan foi usado para simplificar a expressão com logaritmos e exponenciais. 4.6 Equação de Bernoulli Um tipo de equação diferencial que pode ser reduzida a equação linear, é a chamada equação de Bernoulli: dy + p(x)y n = f (x)y dx (4.22) onde o ı́ndice n é um número racional, diferente de 0 e de 1. A substituição v = y 1−n −→ v 0 = (1 − n)y −n y 0 (4.23) transforma a equação de Bernoulli numa equação linear. Exemplo 4.6 Encontre a solução geral da equação dy y 2 − xy = dx x2 (C31) ode2(’diff(y, x)=(y^2 - x*y)/x^3, y, x); Equações diferenciais ordinárias 47 (D31) 1 ex Z y= %C − (C32) (D32) 1 ex dx x3 method; BERNOULLI (C33) (D33) odeindex; 2 Neste caso, a resposta foi dada em função de um integral que não pode ser calculado analı́ticamente e que define alguma função especial, que não pode ser escrita em termos das funções elementares. O comando odeindex dá o valor do ı́ndice n na equação 4.22. 4.7 Equações de segunda ordem Nesta secção vamos usar t para a variável independente e x para a variável dependente. As derivadas de x(t) serão escritas em forma abreviada como ẋ, ẍ, . . .. Esta notação será útil para fazer analogias com os sistemas mecânicos, onde t será o tempo e x a posição. Uma EDO de segunda ordem é uma equação com a forma geral ẍ = f (t, x, ẋ) (4.24) onde f é uma função dada que depende da variável independente t, da função x e da sua primeira derivada ẋ. 4.7.1 Equações autónomas Se a função f , na forma geral 4.24, não depende da variável independente t, diz-se que a equação é autónoma: ẍ = f (x, ẋ) 48 Fı́sica dos Sistemas Dinâmicos (4.25) se designarmos de v(x) à função ẋ(t), a equação assume uma forma mais simples v dv = f (x, v) dx (4.26) que é uma EDO de primeira ordem. Cada solução dessa EDO será uma (ou mais) função g(x) que representa a v em função da variável x. Para calcular x(t) resolve-se a seguir dx = g(x) (4.27) dt que é também uma equação autónoma, mas de primeira ordem. O problema é que em alguns casos não é fácil escrever v na forma explı́cita g(x). Na analogia mecânica, v é a velocidade e a função f na equação 4.25 é a força resultante, por unidade de massa. Exemplo 4.7 A aceleração de uma partı́cula, em função do tempo é ẍ = −3x − 5ẋ. No instante t = 0, a partı́cula parte do repouso no ponto x = 1. Calcule a posição e a velocidade da partı́cula em função do tempo, para t > 0. Em função da velocidade v = ẋ, a equação da aceleração é v v̇ = −3x − 5v A condição inicial é v = 0 em x = 1. A solução obtida com Maxima é: (C34) (D34) eq3: v*’diff(v,x) = -3*x - 5*v; v dv = −3x − 5v dx (C35) sol3: ode2(eq3, v, x)$ (C36) (D36) ic1(sol3, x=1, v=0), radcan; 5 √ 13 22 x √ = 13−5 √ √5 √ 5 13 + 19 2 13 3 2 13 √ √5 13 x + 2v 2 13 √ √5 √ 13 + 5 x + 2v 2 13 3x2 + 5vx + v 2 x 5− Equações diferenciais ordinárias 49 Nessa expressão não é fácil obter v(x) em forma explı́cita. Para calcular x(t) neste caso será mais fácil resolver directamente a equação inicial (C37) (D37) eq4: ’diff(x, t, 2) = -3*x -5*’diff(x, t); (C38) sol4: ode2(eq4, x, t)$ (C38) (D39) ic2(sol4, t=0, x=1, diff(x,t)=0); d2 x dx = −5 − 3x dt2 dt √ √ (√13−5)t (−√13−5)t 2 5 13 − 13 e 5 13 + 13 e 2 − x= 26 26 Repare no uso da função ic2 para especificar as condições iniciais de uma equação de segunda ordem. São precisos quatro, argumentos: a solução geral, o valor da variável onde são conhecidas as condições iniciais, e os valores da função e da sua derivada nesse ponto. Para dar o valor da derivada não faz falta usar apóstrofo. No exemplo anterior, a substituição de ẋ por uma função v(x) complicou o problema. A equação 4.26 será muito útil nos casos em que a aceleração ẍ não depende da velocidade ẋ, isto é, forças que não dependem da velocidade. Veremos um exemplo. Exemplo 4.8 A aceleração de uma partı́cula, em função do tempo é ẍ = −3x. No instante t = 0, a partı́cula parte do repouso no ponto x = 1. Calcule a posição e a velocidade da partı́cula em função do tempo, para t > 0. (C40) (D40) eq5: v*’diff(v,x) = -3*x; v (C41) 50 dv = −3x dx sol5: ode2(eq5, v, x)$ Fı́sica dos Sistemas Dinâmicos (C42) (D42) ic1(sol5, x=1, v=0); − (C43) (D43) v2 x2 − 1 = 6 2 vel: solve(%,v); h √ p v = − 3 1 − x2 , v= i √ p 3 1 − x2 obtivemos duas soluções para a velocidade. A equação D47 é a lei da conservação da energia mecânica. A equação diferencial para a posição em função da velocidade é: (C44) (D44) eq6: ’diff(x,t) = v; dx =v dt podemos substituir uma das expressões obtidas para a velocidade, e resolver a equação com as condição incial dada (C45) sol6: ode2(ev(eq6, vel[1]), x, t)$ (C46) (D46) solve(ic1(sol6, t=0, x=1), x); h x = cos √ i 3t se usarmos a segunda expressão obtida para a velocidade, obtem-se a mesma resposta para x em função de t. 4.7.2 Equações lineares A forma geral de uma EDO linear de segunda ordem é ẍ + p(t)ẋ + q(t)x = f (t) (4.28) onde p(t), q(t) e f (t) são três funções que dependem de t. Se a função f for nula, diz-se que a equação é linear homogénea. Equações diferenciais ordinárias 51 A solução geral de uma EDO linear de segunda ordem depende de duas constantes independentes. As soluções particulares definem um espaço vectorial de funções, com dimensão igual a 2. Para fixar os valores das duas constantes arbitrárias podemos impor condições iniciais, isto é, fixar o valor da função e da sua derivada num mesmo ponto t0 x(t0 ) = t0 ẋ(t0 ) = v0 (4.29) se as três funções p, q e f estiverem bem definidas, existirá sempre uma solução única com essas condições iniciais. Para substituir as condições iniciais em Maxima usa-se a função ic2, como já vimos no exemplo 4.7. Uma outra forma de obter uma solução particular é impor condições fronteira, que consiste em fixar o valor da função x(t) em dois pontos diferentes. (4.30) x(t1 ) = x1 x(t2 ) = x2 nesse caso, usa-se em Maxima a função bc2, como veremos no exemplo que se segue. Exemplo 4.9 A corrente I, no circuito LCR representado no diagrama, verifica a equação diferencial (t em milisegundos e I em miliamperes) I¨ + 4I˙ + 4I = cos(2t) Os valores medidos da corrente, em t = 0 e t = π, são 0 e 5 respectivamente. Encontre uma expressão para a corrente em função do tempo 4 kΩ 250 nF 1H 0.5 sin(2t) V (C47) (D47) 52 eq7: ’diff(I,t,2) + 4*’diff(I,t) + 4*I = cos(2*t); Fı́sica dos Sistemas Dinâmicos d2 I dI +4 + 4I = cos (2t) dt2 dt (C48) (D48) sol7: ode2(eq7, I, t); I= (C49) (D49) sin (2t) + (%K2t + %K1) e−2t 8 bc2(sol7, t=0, I=0, t=%pi, I=5); I= 4.8 sin (2t) 5te2π−2t + 8 π Espaço de fase As equações lineares de ordem superior a dois podem ser resolvidas por métodos analı́ticos semelhantes aos métodos usados para o caso de ordem 2. As equações não-lineares de ordem 2 ou superior geralmente têm que ser resolvidas em forma numérica. A resolução numérica de equações diferenciais é o tema do próximo capı́tulo; mas antes de prosseguir, vamos definir alguns conceitos importantes. Todas as equações de ordem 1 ou superior que temos estudado neste capı́tulo podem ser escritas na forma de um sistema de EDOs autónomas de primeira ordem: ẋ1 = f1 (x1 , . . . , xn ) (4.31) ẋ2 = f2 (x1 , . . . , xn ) .. . (4.32) ẋn = fn (x1 , . . . , xn ) As variáveis do problema, (x1 , x2 , . . . , xn ), designam-se de variáveis de estado, e definem um espaço de n dimensões, chamado espaço de fase. Vejamos alguns exemplos. Para escrever a equação y 0 = x2 + 3y como um sistema autónomo, basta substituir x = t na EDO; a definição x = t pode ser escrita como equação diferencial, derivando os dois lados em ordem a t, e Equações diferenciais ordinárias 53 obtemos o sistema autónomo: ẏ = x2 + 3y ẋ = (4.33) 1 As variáveis de estado são x e y; o espaço de fase já foi representado na figura 4.1. A equação de segunda ordem ẍ = −3x − 5ẋ, do exemplo 4.7, escrevese facilmente como um sistema autónomo se substituirmos a aceleração pela derivada da velocidade: v̇ = −3x − 5v (4.34) ẋ = v O espaço de fase é um espaço a duas dimensões e as variáveis de estado são a posição x e a velocidade v. Finalmente, para escrever a equação do circuito do exemplo 4.9 como um sistema autónomo de primeira ordem, para além de definir I˙ como uma outra variável de estado J, será também preciso considerar o tempo t como variável de estado, por exemplo, s = t. Assim, a equação é equivalente ao sistema: J˙ I˙ = cos(2s) − 4J − 4I (4.35) = J ṡ = 1 o espaço de fase, neste caso, é um espaço com 3 dimensões. 4.9 1. Problemas Demonstre em cada caso que a função y(x), na coluna direita, é solução da equação diferencial, na coluna esquerda (a e c são constantes). p dy x (a) =√ (a 6= 0) y = x2 + a2 2 2 dx x +a 2 2 1 d y dy (b) −x + y = 1 − x2 y = x2 4 dx2 dx (c) yy 0 = e2x 54 Fı́sica dos Sistemas Dinâmicos y 2 = e2x (d) y 0 = y2 xy − x2 y = c ey/x Sugestão: quando for dada a função y = f (x) explicitamente, pode substituir directamente na equação e mostrar que se chega a uma identidade. Se não tiver y = f (x), derive a equação que define y e simplifique até obter a equação diferencial dada. 2. Encontre a solução geral das seguintes equações diferenciais ordinárias e em cada caso diga a que classe pertence a equação. (a) (b) (c) (d) (e) (f) (g) (h) 3. dy y 2 − 2ty = dt y2 x (2y + e cos y)y 0 = −ex sin y dy x2 − 1 = 2 dx y +1 dy √ + 2ty = 2t3 y dt dy x3 − 2y = dx x dy x = 2 dx x y + y3 dy x(2y + 1) = dx y − x2 y − x2 dy = 2 dx y −x Faça o desenho do campo de direcções de cada uma das equações que se seguem, e desenhe a solução que verifica a condição inicial dada (encontre um domı́nio que mostre bem o comportamento do campo) dy + y = 1 + t2 dt dy x+y (b) =− dx x + 2y dy t sin y (c) cos y = − dt 1 + t2 (a) 4. y(1) = 2 y(2) = 3 y(1) = π 2 Encontre a solução das seguintes equações de segunda ordem, com as condições iniciais, ou de fronteira, dadas (a) y 00 + y 0 − 2y = 3 − 6x (b) y 00 − y = 0 2 00 0 2 4 (c) x y + xy − 4y = x + x y(1) = 2 y 0 (1) = 1 y(0) = 2 y(1) = 3 y(−1) = 0 y 0 (−1) = −2 Equações diferenciais ordinárias 55