Conhecete-te a ti mesmo

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Conhecete-te a ti mesmo
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Conhecete-te a ti mesmo
“Homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás o Universo e os Deuses.”
O conhecido aforismo Grego, inscrito na entrada do Oráculo de Delphos no Templo
de Apolo, o deus da luz e do sol, da verdade e da profecia, e arduamente defendido
por Sócrates (479-399 a.C), é uma referência quando o assunto é a busca do
autoconhecimento e de todos os seus desdobramentos, rumo a uma nova
consciência, com a descoberta do verdadeiro “eu”.
Essa necessidade de conhecimento interior visa a compreender as situações que
nos cercam e as atitudes que devem ser ou não tomadas para uma vida mais
equilibrada e feliz. E essa tarefa é umas das mais desafiadoras. Segundo escreveu
Benjamin Franklin, em 1750, na autobiografia “Almanaque do pobre Richard”, “há três
coisas extremamente duras: o aço, o diamante e conhecer a si mesmo”.
O convite a esse autoconhecimento é feito ao Iniciado da “Arte Real” no sentido
de refletir sobre as paixões mundanas, os vícios e virtudes, e pensar a respeito das
necessidades de ajustes pessoais para uma conduta ideal de busca permanente de
sabedoria e da Verdade, colocando em relevo a presença do Ser, prevalecendo o
Espírito (consciência) sobre a Matéria, liberado do seu aprisionamento na forma (ego).
O enfoque dos estudos tem caráter puramente filosófico, sem nenhuma interferência
da Ordem, por ferir princípio da liberdade de pensamento e do livre arbítrio.
O processo se inicia amparado em exaustivas leituras e com trabalho de
introspecção sobre a maneira de pensar, na percepção de seus valores e do caminho
ora trilhado, com foco na investigação, no discernimento, no conhecimento e na
maneira de se expressar e aonde se quer chegar. Essa reflexão leva ao
autoconhecimento, à essência do Ser efetivamente presente, sua forma de vida, suas
verdades, as fraquezas que precisam ser corrigidas e os pontos fortes a serem
explorados, que ensejam no simbolismo de uma nova vida mais integrada com a sua
real essência.
Não se pode afirmar que essa caminhada rumo ao autoconhecimento seja amena
e rápida. Muitos enfrentam uma viagem cercada de obstáculos e armadilhas e tempo
de chegada imprevisível, que não se limitam ao cumprimento dos três estágios dos
graus do simbolismo maçônico. Afinal, transitar pelos caminhos da mente e do espírito
exige, em muitos casos, aconselhamento ou ajuda profissional especializada, sob pena
de não se atingir os fins desejados.
A filosofia Socrática exerce grande influência nesta fase inicial com o convite
ao autoconhecimento e ao aprendizado do pensar. Porém, antes é necessário
aprender a ouvir e ouvir com atenção, com o objetivo de encontrar o sentido exato das
palavras, tanto de quem fala como daquelas que são produzidas pela nossa mente.
Aqui reside uma primeira dúvida: como funciona essa mente? Por onde começar?
Nesse sentido, o conhecimento de si é fruto de um disciplinado trabalho
de introspecção, observação crítica e interpretação, que demanda controle emocional,
tempo e desprendimento. A literatura sobre o assunto é ao mesmo tempo vasta e
conflitante e é objeto de fartos estudos e proposições, ocupando grande parte de
vários ramos da ciência. Entretanto, o termo “mente” tem um conceito genérico no
sentido de envolver as funções do cérebro ligadas ao comportamento e à cognição.
Trilhar o caminho rumo ao autoconhecimento ou ao processo de despertar para
a consciência autêntica, encontrar a verdadeira natureza por trás do nome e da forma,
que alguns denominam iluminação, implica percorrer e deslindar as turbulentas trilhas
da mente. Sabe-se aonde se quer chegar, porém o como fazê-lo demanda um plano
de ação que é específico para cada indivíduo, não podendo ser feito por outrem.
Abraham Lincoln dizia que a bússola nos diz onde está o norte, mas não nos mostra os
pântanos ou as montanhas do caminho.
Segundo ensina Eckhart Tolle em seu livro “O Poder do Agora: um guia para
iluminação espiritual”, a mente é um local de barulho intenso a que chamamos pensar.
Afirma que, para atingirmos a iluminação é preciso antes libertarmo-nos de nossa
mente (ego), pois esta encobre a verdadeira natureza do nosso Ser. Em outra obra
“Um Novo Mundo: o despertar de uma nova consciência”, onde mostra os aspectos
principais do ego e como eles se manifestam no plano individual e coletivo, alerta: “a
menos que conheça o mecanismo básico por trás do funcionamento do ego, você não
o detectará, e ele irá enganá-lo, impedindo que o reconheça todas as vezes que
tentar…o ato de reconhecimento é em si uma das maneiras pelas quais acontece o
despertar….o surgimento da consciência é o despertar…a luz da consciência é tudo o
que é necessário. Você é essa luz”.
A conexão interior com o Ser se realiza pelos estados de amor, alegria e paz,
que somente se manifestam à medida que nos livramos do domínio da mente. Por se
tratarem de estados profundos do Ser e surgirem por trás da mente, não possuem
opositores. Estes sentimentos não podem ser confundidos com emoções, pois estas
pertencem a uma parte da mente dualística, como uma resposta do corpo à
provocação de um pensamento, que é em si energia, podendo se constituir num
permanente círculo vicioso, que pode interferir no equilíbrio e funcionamento
harmonioso do corpo. Vale ressaltar que a emoção não é ruim em si, apenas aquela
associada a um acontecimento triste, que provoca infelicidade.
O autor avisa que a mente não consegue funcionar e permanecer no controle sem
que esteja associada ao tempo, tanto passado quanto futuro, e vê o “agora” como
uma ameaça, por isso procura sempre dele negar e escapar. Ressalta, “em outras
palavras, jamais permanecemos aqui porque estamos sempre ocupados tentando
chegar a algum lugar… e a vida é sempre Agora”. Caso paire alguma dúvida sobre esse
exato momento, “sempre que nos tornamos conscientes da respiração, estamos
absolutamente no presente”.
Barreiras mentais e psicológicas que impedem uma visão mais ampla da realidade
se fortalecem em experiências de sofrimentos passados os quais, através de diálogos
interiores intensos, dominam a mente, escravizam o pensamento, afetam as emoções
e agridem o corpo físico, transformando-se num fardo, permanecendo sempre
presentes e identificando-se com ele. Por sua vez, quando a mente está no futuro, é
criado um espaço de angústia, pois não podemos lidar com algo que é apenas uma
projeção mental. “O passado nos dá uma identidade e o futuro contém uma promessa
de salvação e realização. Ambos são ilusões”. O que aconteceu no passado é um traço
do passado, de um “agora” anterior. O futuro é um “agora” imaginado, uma projeção
da mente. Quando esse futuro acontece, acontece como sendo “agora”. Na visão de
Tolle, “a essência dessas afirmações não pode ser compreendida pela mente”.
Tolle afirma que a dualidade existe ao nível da mente: passado e futuro, o bem e o mal,
amor e ódio, igual e diferente, positivo e negativo. No sentido simbólico, Adão e
Eva quando comeram do fruto do conhecimento do bem e do mal, ou seja, ao nível da
mente (ego), tiveram que abandonar o Paraíso. No estágio que estavam anteriormente,
do bem supremo, da unidade do Ser, da prevalência do Espírito sobre a Matéria, o mal
era apenas uma perspectiva. Conclui-se que o ego é surdo à voz da consciência e
quanto mais identificado com a mente mais ele rege nossas vidas. E quanto mais forte
o ego mais distante da nossa verdadeira natureza, de sentirmo-nos à vontade, em paz
ou completos.
Segundo Tolle, “o ego precisa de alimento e proteção o tempo todo. Tem
necessidade de se identificar com coisas externas, como propriedade, status social,
trabalho, educação, aparência física, habilidades especiais, relacionamentos, história
pessoal e familiar, ideais políticos e crenças religiosas. Só que nada disso é você”.
Segundo o autor, as necessidades do ego são intermináveis e é difícil acreditar que a
nossa identidade não está em nenhuma dessas coisas e a maioria descobre isso
quando passa por situações-limite, traumáticas ou lá pelo fim da vida, quando
pressentir a dissolução da forma e a chegada da morte, pois esta “significa um
despojar-se de tudo que não é você”.
Para desativar essa armadilha da mente torna-se necessário desenvolver
uma profunda consciência de que o momento presente é tudo que temos, restando ao
passado e ao futuro servir como subsídio para lidarmos com os aspectos práticos da
vida, passando esta a atuar em nosso favor. Este estar presente observando o que se
passa dentro de nós, monitorando o estado mental e emocional, é uma poderosa
ferramenta de autoconhecimento. As nossas reações a pessoas e circunstâncias
desafiadoras permitem-nos aquilatar até que ponto de fato nos conhecemos.
O pulo do gato é reconhecer que a raiz da inconsciência vem de uma identificação
com a mente, permitindo que ela seja como é, sem nos deixar enredar por ela e não
nos confundirmos com quem realmente somos, ou seja ficarmos presentes ou
“sempre alerta”, como dizem os escoteiros. Impende aceitar que o “agora” é a coisa
mais importante que existe e o que realmente temos, deixando o tempo psicológico de
lado e usando efetivamente o tempo do relógio, este sim, tomado como ponto de
partida para uma mudança verdadeira e como referência de um objetivo estabelecido
e o trabalho necessário para alcançá-lo.
Conscientes desse mecanismo de funcionamento da mente, no contexto do
convite Socrático relativo à jornada interior rumo ao autoconhecimento, à essência e à
verdadeira natureza do funcionamento do pensar, o sentido das palavras ganham
diferentes contornos e não representam em si a Verdade, apenas apontam para ela.
Por seu turno, outras atitudes e habilidades, em especial o “aprender a ouvir, a falar e
o quando falar” despontam como novas prioridades, na busca permanente para uma
vida equilibrada e, por consequência, mais autêntica e feliz, como o objetivo primordial
citado no início desta Prancha.
Como dito acima, o tema relativo ao conhecimento interior é vasto e complexo,
mas vale pensar a respeito, mas não com a nossa mente analítica e o falso ego e sim
com a nossa consciência pura e desperta, a verdadeira Inteligência, quem realmente
somos e o que deve efetivamente conduzir nossa vida.
No ensejo, merece destaque um conselho de Tolle: “ao partir numa jornada, é
claro que ajuda muito sabermos para onde vamos ou, ao menos, a direção geral que
estamos tomando. Entretanto, não podemos esquecer de que a única coisa real sobre
a nossa jornada é o passo que estamos dando neste exato momento. Isso é tudo que
existe”.
Autor: Márcio dos Santos Gomes
Márcio é Mestre Maçom da Loja Maçônica Águia das Alterosas – 197 – GLMMG,
Oriente de Belo Horizonte. Membro da Escola Maçônica Mestre Antônio Augusto Alves
D’Almeida e da Academia Mineira Maçônica de Letras.

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