A Personalidade daquele que Exercerá o Papel de Líder

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A Personalidade daquele que Exercerá o Papel de Líder
A Personalidade daquele que Exercerá o Papel de Líder
Ensaios
A Personalidade daquele que Exercerá
o Papel de Líder*
MÁRIO JOSÉ DE SOUZA NETO
Engenheiro Químico (USP). Mestre em Engenharia Química (USP). Pós-Graduado em Administração Industrial
(USP). Gerente de Suprimentos da Norske Skog.
[email protected]
FAUSTO ANTONIO DE AZEVEDO
Farmacêutico-Bioquímico (USP), Mestre em Toxicologia (USP), Especialista em Saúde Pública (USP), ex-Farm.Bioquímico Toxicólogo da Cetesb (SP), ex-Gerente Técnico do Centro de Recursos Ambientais (CRA -Bahia), ExPresidente do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento (CEPED – Bahia), ex-Subsecretário do Planejamento, Ciência
e Tecnologia (Seplantec – Bahia), ex-Diretor Geral do Centro de Recursos Ambientais (CRA -Bahia), exSuperintendente de Planejamento Estratégico (Seplan – Bahia), ex-Assessor Técnico da Comissão de Meio
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS – Câmara Federal – Brasília).
[email protected]
Entre ser eu o herói de minha própria vida ou essa posição ser
ocupada por outra pessoa, essas páginas devem mostrar. Para
começar minha vida pelo seu início, registro que eu nasci (como fui
informado e acredito) numa quinta-feira, à meia-noite. Foi observado
que o relógio começou a soar, e eu comecei a chorar,
simultaneamente.
"David Copperfield", cap. Eu nasci
Charles Dickens
* Trabalho apresentado para publicação em 11 abr. 2007
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Revista Baiana de Tecnologia
Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006
MÁRIO JOSÉ DE SOUZA NETO / FAUSTO ANTONIO DE AZEVEDO
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Tal é o parágrafo inicial do primeiro Capítulo:
Eu nasci , da memorável obra de Charles
Dickens David Copperfield1.
Acreditamos que é aí que tudo começa: quem
será o herói de minha própria vida? quem me
guiará? quem me liderará? com quem eu posso
contar? Essas são perguntas que, seguramente,
habitam a mente e as preocupações de todos
nós. Respondê-las é o primeiro passo possível
na caminhada para se atingir capacidade de
liderança. Mas para respondê-las necessário
se faz um passo atrás, em direção à procura
do ser, de quem nós somos, o que somos.
Indubitavelmente, muito, ou quase tudo, do
que se discute a respeito de liderança passa
pelo terreno da personalidade, portanto da
mente, da psicologia, e seu substrato rei – o
cérebro (a neurofisiologia). Nesse ensaio
intentamos passear mais pelos domínios da
filosofia e de sua possível relação com nossa
preocupação líder-liderança-liderado.
Procurando intensamente na literatura por
alguma base filosófica para se ousar a
estruturação teórica da personalidade de um
líder2, acabamos, dentre outros, encontrando
algo muito oportuno, tanto na obra de Sócrates
quanto no livro Crepúsculo dos Ídolos3, do
filósofo alemão Friedrich Nietzsche.
Dos reverenciáveis ensinamentos de Sócrates
(o homem que, no dizer de Cícero, ‘teria feito
a filosofia descer do céu à terra’, para estar
sempre às voltas com as questões de verdade,
justiça, bem, virtude, dever), logo um dos mais
célebres, o mais de todos talvez, extraído ao
frontispício do templo de Apolo (em Delfos,
sede de famoso oráculo), é o sempre citado e
tão pouco compreendido e exercitado “conhecete a ti mesmo”. Conhecer-se – conhecer a si – é
ter ciência verdadeira das próprias forças e
carências. Forças: potencialidades, qualidades,
virtudes, talentos, capacidades específicas.
Carências: insuficiências e impropriedades de
formação mais os medos e fantasmas próprios,
dentre estes: timidez (talvez decorrente de um
sentimento de inferioridade. Aliás, timidez ou
também seu oposto, o deboche, como se vê
muito hoje, principalmente em certas regiões
do país. Há quem diga que, em verdade, o
deboche não passa de uma timidez tentando
se defender), depressão, obsessão,
irascibilidade, rigidez, perfeccionismo e
detalhismo compulsivos, sofreguidão quanto
ao futuro, culto vaidoso e desmedido à imagem
social, ou mesmo patologias psicossomáticas.
Assim sendo, é preciso que cada um elabore
seu mapa interior e tal tarefa há de ter um ponto
de início. Como raciocina Eduardo Navarro4,
escrevendo a respeito de Sócrates:
[...] a verdadeira sabedoria consiste em
admitir a própria ignorância, em
eliminar as falsas opiniões e os
conceitos errôneos, em abrir o espírito
para chegar ao conhecimento
verdadeiro. A presunção do saber, sem
o possuir, origina os erros que nós
cometemos com a nossa inteligência.
Porém, como deixar o erro, a ignorância
e atingir a verdade? Como purificar as
almas? Como eliminar-lhes a falsa
opinião?
Entendido e aceito o grande princípio socrático
autoconhecimento, a pergunta que salta
do autoconhecimento
é: é possível haver um líder que não se conheça
(que não conheça a si mesmo)?
Nossa intuição e nosso bom senso (de qualquer
sorte dois balizadores às vezes muito sofríveis)
estão a postos para dar retumbante resposta
negativa a tal questão (tão natural e forte isto
parece à nossa intuição, que faz lembrar um
juízo a priori, ao estilo de Kant...).
Pactuado por todos então a impossibilidade
de existência de um verdadeiro líder se ele não
possuir a chave do autoconhecimento, a nova
pergunta a ser esclarecida é: e como se obtém
esse autoconhecimento? Qual o método?
Voltando a Sócrates, ele mesmo propõe (e
aplica) um método competentíssimo de busca
do saber, e muito mais vigoroso (purgativo)
quando administrado por ele próprio. Tal
método (que não deixava lugar nem para o
dogmatismo nem para a autoridade, nem era
retórico, o oposto do que se tem visto à
exaustão na prática do que batizam de
‘liderança’), pelo qual plasmava sua notável
filosofia, lançava mão do diálogo crítico (do
grego dia = através; logos = palavra), entre
ele e seu interlocutor. O diálogo era composto
de dois momentos únicos: a ironia (do grego
eironeia , perguntar fingindo ignorar),
momento de refutação, e a maiêutica (de
maieutiké, relativo ao parto), momento de
reconstrução.
A Personalidade daquele que Exercerá o Papel de Líder
No grego, ironia tem conotação de
interrogação . Sócrates interrogava seus
interlocutores sobre o que julgavam saber: o
que é o bem?, o que é a justiça?, são perguntas
formuladas por ele. Com mestria, num
raciocínio ao mesmo tempo cortante e digno,
ele expunha as contradições afirmadas e as
novas dúvidas que surgiam a cada resposta.
Seu intento era demolir o orgulho, a ignorância
e a presunção do saber, tornando os discípulos
aptos ao verdadeiro saber. Sócrates notara que
a sabedoria se inicia no reconhecimento da
própria ignorância. “Só sei que nada sei” é,
para ele, o começo da sabedoria, postura em
que se assume o mister filosófico de fato de
ultrapassar o capcioso saber fundado nas idéias
preconcebidas. A ironia socrática tinha um fito
depurador porque fazia com que os discípulos
(que antes criam só ter certezas e
clarividências) percebessem suas próprias
ambigüidades, inseguranças e ignorâncias.
Livres do improdutivo orgulho e da pretensão
anestesiante de que tudo sabiam, os discípulos
podiam, enfim, iniciar a reconstrução das
próprias idéias.
No segundo momento do diálogo, Sócrates se
propunha a auxiliar o discípulo a conceber
suas próprias idéias. Não poderia haver nome
mais apropriado a tal etapa dialogal do que o
de maiêutica, palavra grega que quer dizer a
arte de trazer à luz.
Talvez o antigo (quase 2.500 anos) e
atualíssimo método socrático de busca do saber
possa nos inspirar, a cada um de nós, a
estabelecer os próprios referenciais para um
autodiálogo (a conferência interna, como
voltaremos a destacar adiante). De fato, o que
cada qual precisa é de uma conversa consigo
e, acreditem, sabem todos, não há nada mais
difícil. Na maior parte do tempo (e pode ser
tão pouco o tempo cronológico da vida)
estamos sem tempo para o ‘confronto’
(autoconfronto). O ponto-chave, no fundo, é
que não há falta de tempo, tempo físico como
querem alguns, mas aquilo que registra
absoluta carência é nossa coragem para o
enfrentamento, isto sim.
Parar, estacionar o espírito em si, desligar
todo o barulho da vida externa (inclusive os
telefones, em todas as modalidades, os rádios,
as televisões, os aparelhos de som, os apelos
do prazer desqualificado...) e, num quarto
vazio, mirar-se diante do espelho, sem ser por
conta de alguma atividade vaidosa de
arrumação ou narcisística contemplação,
olhar e reolhar, e atravessar o vidro, a película
de prata, a pele do olhado , e numa
metamorfose mágica (antikafkiana, porque
saindo do besouro para ir ao encontro do
Homem 5 ), retornar no reflexo, o olhar
vasculhador transportado pelo reflexo, e agora
penetrar dentro de si, como um raio,
fulminante, e começar a dissecar cada parte
do próprio ser, virar-se do avesso, remexer
cada canto da alma, repetindo sem parar “esse
sou eu?” “quem sou eu?” “onde eu estou aqui?”
“onde há mais de mim?”. Ora, está aí a maior
demonstração de coragem que se pode dar:
matar o ‘mestre’ dentro de si, inocular-se o
germe da dúvida metódica, preparando-se
para a aprendizagem do reconhecimento de
si. Mas a cada dia temos perdido a nossa
capacidade e a nossa disposição de
introspecção. Introspecção e silêncio: eta
remedinho caseiro salutar e potente! A
introspecção é o sustentáculo para qualquer
método de busca de autoconhecimento.
Contudo, como sempre está provado que não
há mar-de-rosas, lá vem a própria filosofia,
ou melhor, não ela, mas seus filósofos, para
nos estabelecerem graus de dificuldades.
Assim é que o inglês David Hume (que não
bastassem seus próprios atributos foi o grande
‘despertador’ de Kant) entendia que não
podemos observar o ego, o próprio ego,
mediante introspecção, porque deparamos
com nossas emoções e percepções somente e
não com o dono delas. Nas palavras dele:
De minha parte, quando entro mais
intimamente no que chamo de mim
mesmo, sempre tropeço em alguma
percepção particular do outro, de calor
ou frio, luz ou sombra, amor ou ódio,
dor ou prazer. Nunca consigo apreender
a mim mesmo em momento algum sem
uma percepção, e nunca consigo
observar coisa alguma a não ser a
percepção.
Outra dificuldade, essa bem mais próxima
de nossos dias, vem com a tese dos
externalistas, conforme apresentado por
Hilary Puntnam6, porque se sua teoria estiver
correta, o autoconhecimento não pode ser
alcançado apenas por introspecção, porque
depende da causalidade com fatores
externos, embora isso contrarie a presunção
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iniciada por Descartes, de que o
autoconhecimento é um dom gratuito
(disponível para ser por nós realizado), pois
que ocupamos uma posição privilegiada em
relação a nós próprios e somos mais capazes
do que qualquer outra pessoa para entender
os conteúdos de nossa própria mente.
Ora, isso só faz, por certo, aumentar o
desafio. Umas barreiras a mais. Mesmo se
não houver uma tréplica de bom quilate aos
filósofos, o que vale para nós é que a natureza
do trabalho de autoconhecimento a ser
empreendido é complexa e até relativamente
desconhecida, o que só pode fazer crescer seu
encanto e sua provocação, e os humanos são
movidos exatamente por esse tipo de
combustível. E como o Hume fez falar o Kant,
encerremos essa seção exatamente com o
pensador alemão: “Todos os interesses de
minha razão, tanto especulativos quanto
práticos, combinam-se nas três seguintes
questões: 1) Que posso saber? 2) Que devo
fazer? 3) Que posso esperar?”
Mas que excelente guia para nosso exercício...
Por certo, existem hoje métodos7 (de lastro
psicológico)
para
a
procura
do
autoconhecimento, bem como profissionais
capacitados para auxiliar e orientar, quando
necessário, em tal tipo de empreitada, não
constituindo esse, no momento, o escopo de
nosso trabalho. Basta lembrar, de passagem,
todo vasto território da psicoterapia (ou a
analítica ou a cognitiva, com suas
respectivas especificidades) em que se
persegue, por meios apropriados, o
autoconhecimento a fim de se poder trabalhar
o inconsciente. De qualquer sorte, o que
importa à pessoa é questionar a si mesma
(o que certos psicólogos chamam de duvidar,
e, puxando para outro lado, diríamos a
dúvida socrática, a dúvida cartesiana)
quanto a suas crenças habituais, sobretudo
questionar a voz de seus fantasmas, aqueles
que acenam com a negatividade (não no
sentido hegeliano de antítese, que aí até que
seria bom) dos fatos ou probabilidades, não
se deixar abater por seu mau augúrio (vemnos à mente a recordação, muito oportuna,
de um bem conhecido desenho de televisão
dos anos 1960, em que numa dupla formada
por um leão aventureiro e uma hiena
pessimista, sintomaticamente, o leão era
sempre destemido e a hiena vivia a se queixar
de que não daria certo... “oh dia” “ó azar”,
repetia ela... Eles eram, se não nos engana
a memória, Lippy e Hardy, respectivamente,
produção instigante da Hanna Barbera’s).
Atraente é notar que a palavra dúvida vem
do latim dubhos, retendo a acepção de “dois”
ou “em dois”; a dúvida revela uma correlação
negativa com o conhecimento que expressa
o saber que se não sabe, e questiona também
o não saber que se sabe e tem direta relação
com o saber hipotético.
Depois de questionar seus subterrâneos, a
pessoa precisa criticar aquilo que desencava.
Aliás, essas são funções de ocorrência quase
que simultâneas. Nós as separamos aqui
porque o ser humano ainda não tem o dom
de falar nem de entender duas coisas ao
mesmo tempo, mas às vezes é assim que tudo
se passa em nossos cérebros e mentes. Quando
estamos a nos questionar estamos criticando
ao mesmo tempo, ao menos assim deveria
ser. Fazer, em paralelo ao questionamento, a
crítica do que vamos respondendodescobrindo, para que nos peguemos no pulo
da mentira ou do disfarce: criticar a
veracidade e a autenticidade das respostas,
criticar os argumentos dos fantasmas, dos eus
traidores que se ocultam dentro do eu, e
mesmo que os não possamos anular, deixar,
ao menos, os novos argumentos arquivados
ao lado, para que os primeiros deixem de ser
unigênitos e únicos herdeiros de nosso
amanhã. O terceiro e quarto momentos nessa
seqüência, e que ficam lógicos, conseqüentes
e obrigatórios aos anteriores, são o da decisão,
da resolução (que os psicólogos podem
chamar de determinação, bem como gostam
demais de tal palavra também certos
evangélicos, que a empregam à exaustão em
suas pregações religiosas por mudança de
vida de seus fiéis, o que não deixa de ser muito
expressivo para aquilo que se está tratando
aqui) e o da avaliação
avaliação. Claro está que
depois que eu indaguei, pus em dúvida e
respondi, com bom grau de veracidade nas
respostas em virtude da crítica que eu próprio
estabeleci, só me resta partir para a ação,
senão eu teria operado um parto sem
nascimento: executar, fazer, realizar, dar
concretude ao meu processo analítico. E já
enquanto ajo preciso estar avaliando o
processo todo, para reti-ratificá-lo.
Um estratagema interessante que a pessoa pode
empregar conjuntamente com o que acabamos
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de relatar, isso do questionar-criticar-fazeravaliar, é o que chamaríamos de
autoconferência, pedindo atenção para a
sutileza do triplo sentido do neologismo a dedo
criado: conferência pode significar i) ato ou
efeito de conferir; ii) confronto, cotejo; iii)
conversa entre duas ou mais pessoas sobre
assunto de interesse comum. Pois urge que
recuperemos (se algum dia já o tivemos), ou
instauremos, o salutar hábito da
autoconferência de todos os nossos eus: termos
alguns momentos (por dia ou por semana)
para que nossos eus se sentem em torno da
mesma mesa e parolem uns com os outros, se
confiram e se cotejem!
Não resistimos nessa altura à vontade de
invocar o mago da língua portuguesa, o
inigualável Fernando Pessoa e sua
monumental criação dos heterônimos. Deunos ele, com Álvaro Ramos, com Alberto
Caeiro, com Ricardo Reis, com Bernardo
Soares (bastam esses, com escusas aos
demais), além de poesia da mais
primeiríssima qualidade, honra para a
humanidade e sobre-orgulho para os
lusófonos, deu-nos também, dizíamos, uma
magistral lição de psicologia, com a coragem
e a magnanimidade com que pariu suas outras
criaturas e as pôs a falar tão bem ou melhor
do que o Fernando Pessoa ele próprio... Todos
nós carregamos lá por dentro nossos outros
seres, ser-eu, nossos só irmãos ou xifópagos,
e pô-los a tagarelar entre si, enquanto, de
alguma maneira ficamos, só dessa vez, na
platéia, ou, melhor ainda talvez, ficamos na
taquigrafia, isso só poderá trazer benefícios
para o coletivo... E, quem sabe, até alguma
poesia para nosso consumo próprio, nossa
economia interna.
Mas vamos nos esforçar e sair desse outro
atalho, pois o que queremos sublinhar aqui é
a base filosófica de orientação e de estímulo
para que se cumpra a necessidade da busca
do autoconhecimento.
Não deixa de ser irônico (sentido presente da
palavra) que se recorra à ironia socrática para
o mergulho na própria essência. Pois que nos
perguntemos, uma a uma e bravamente, as
perguntas necessárias para a depuração – a
refutação – do castelo de alegorias que
normalmente temos a nosso respeito. E, se
como dito antes, existem algumas técnicas de
apoio, não parece haver um método universal
para estipulação dessas perguntas. Contudo, o
mais surpreendente é que todos sabemos quais
as perguntas que nos podem pôr a nu, ou pelo
menos sabemo-lhes o caminho.
Depois desse auto-reconhecimento, sem
pinturas, sem retoques, sem plásticas, sem
silicone, quando surge aquele ser que andava
por vezes quase esmagado, quase soterrado,
porém que é o mais belo e heróico que temos
(além de único...), podemos, quem sabe,
iniciar o processo de parto de um novo ser, o
qual, por muito mais verdadeiro, será
também
muito
mais
forte,
mais
despretensioso e por isso mais ousado; mais
seguro e por isso mais arrojado; mais simples
e por isso mais profundo; mais humilde e por
isso mais nobre; mais liderado de si e
por isso mais possivelmente líder de
si (e de outros).
Mas para encerramento dessa temática de
metodologias que permitem a busca do
autoconhecimento vamos utilizar o diagrama
da Figura 1, muito divulgado pelos que
estudam Epistemologia. Porquanto ele alerta
bem para o caso de que só uma parte daquilo
que acreditamos (e isso vale para a imagem
que temos de nós, aquilo que pensamos e
cremos ser) encontra respaldo na verdade. E
será essa porção assim identificada, será dessa
sobreposição, que precisa ser vista na
claridade e com crítica, que decorrerá a
precisa percepção do que somos. Melhor do
que nós falou Platão, talvez o pai da Teoria
do Conhecimento, que contrapôs a opinião
(ou crença), doxa em grego, ao conhecimento.
A crença é sempre um determinado ponto de
vista subjetivo, e o conhecimento real não pode
ser subjetivo, nesse sentido, mas precisa ser
crença verdadeira e justificada (ver FIGURA
1). Normalmente tudo o que julgamos a nosso
próprio respeito é um conjunto de opiniões,
podendo – e quase sempre é assim – não
coincidir com a verdade, principalmente da
‘opinião’ alheia. E já que trouxemos Platão a
essa cena, vamos buscar também Aristóteles,
o pai da lógica, para recordar que um dos
princípios centrais de sua lógica é a lei da
não-contradição que diz que nenhuma
afirmação pode ser verdadeira e falsa ao
mesmo tempo. Bem, todos nós, lá no nosso
íntimo, sabemos o quanto é difícil nos
livrarmos peremptoriamente das contradições.
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FIGURA 1
Permitam-nos agora um grande salto no tempo
(e os que desejarem venham conosco), saindo
do século de ouro da Atenas, para o século
XIX; de Sócrates para Friedrich Nietzsche; da
metafísica para o aqui-agora.
Vamos nos lembrar e reter em mente que, em
termos zoológicos, o ser humano recebe a
categorização de Homo sapiens , o que pode
ser entendido como o ser que sabe que sabe.
Saber que sei é ter consciência de mim e de
minha presença na vida, no mundo. O ser
humano tem consciência de si, ainda que não
queira (pensa, ainda que não queira: ninguém
consegue não pensar!). Noutras palavras, o ser
humano não dispõe da capacidade de não ter
consciência de si e, por extensão, não ter
consciência, percepção dos outros também.
Afinal, um cérebro de 100 bilhões de neurônios,
100 trilhões de sinapses, velocidade de 100
milhões a 100 bilhões de instruções por
segundo, memória de 100 milhões de gigabytes,
segundo a atual neuro-anatomia, há de ter sua
utilidade...
Nietzsche, em O Crepúsculo dos Ídolos, ou
Como Filosofar com o Martelo (1888), como
que destrói crenças e ídolos (ideais ou autores
do cânone filosófico), analisando a gênese da
culpa no ser humano. Ele estipula um processo
de quatro grupos de questões essenciais quanto
à nossa consciência de ser no mundo:
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1) A primeira questão fundamental é:
“ Você corre à frente? Como pastor ou
como exceção? Ou como fugitivo
(terceira possibilidade)? ”
O tempo não pára! Temos noção da brevidade
de nossas vidas e para que não nos
posicionemos a olhar permanente e
nostalgicamente para trás, ficando à mercê das
surpresas do tempo caminhante, é preciso que
busquemos estar à frente de nossas próprias
histórias, de nossa própria trajetória, fitandoa como ela exatamente é, com coragem.
Para poder manter tal conduta consciente será
preciso, medita Nietzsche, que o ser humano
perceba seu modo básico de ser no mundo,
dentre: o modo de ser como pastor, o modo de
ser como exceção, ou o modo de ser como
fugitivo:
• o modo de ser como pastor é de quem se
guia a si próprio (chama-se provisão), sabe
se conduzir, tem a capacidade de nortear a
elevada independência
sua vida (elevada
independência,
diríamos);
• o modo de ser como exceção é de quem se
coloca à margem da própria existência, de
quem sempre busca viver na dependência
do outrem (a história e o modo de ser do
outro são melhores sempre), de quem não
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consegue se ver como autor e ator do enredo
da sua vida, e por isso tende a se comportar
e a se ver como um excluído, bancando uma
cadeira cativa na platéia;
• o modo de ser como fugitivo é o de quem,
apesar de se conhecer e saber o que pode
fazer, escolhe assumir os medos e temores
que o invadem, passando, assim, a correr
não à frente da sua vida, mas correr dela,
buscando o que é rotulado de suicídio
(chama-se evasão).
2) A segunda questão fundamental é:
sincero
ou
“ És
Representas algo ou
representada? Por
apenas a imitação de
só
comediante?
és a própria coisa
fim, talvez sejas
um comediante... ”.
Presume-se que o filósofo alemão queira deixar
ainda mais nítida a percepção de si que cada
um pode ter. Isto é, se a pessoa é autêntica
consigo, se não se engana (ou tenta se enganar),
se não faz de si um teatro de representações
(por vezes cômico, por vezes trágico), se é capaz
de se ver com clareza honesta e de transitar
sem vergonhas em seu próprio interior. Um
tal indivíduo terá grande probabilidade de ter
boa consciência de como é o seu modo de ser
no mundo (pastor, exceção ou fugitivo) e,
destarte, poderá mudar e progredir (eterna
transformação e evolução positiva). Por outro
lado, como quase todos temos ciência, se a
opção da pessoa é fazer de si uma brincadeira,
imaginando com isso camuflar suas desilusões
e dificuldades, a probabilidade segura é de que
ela siga padecendo da cegueira e nunca
solucione suas pendências (crises) existenciais.
Quão melancólica e quanta pena causa a
multidão dos imitadores de comediantes de si,
categoria que, para nosso afligir, só faz crescer,
sob o veemente fomento do consumismo
desenfreado e de uma mídia maldosa.
3) como conseqüência da primeira e da
segunda questão, Nietzsche prossegue no
conjunto da terceira indagação:
“ És alguém que olha? Ou estende a
mão? Ou desvia o olhar e se afasta?... ”.
Aqui está destacado que o ser consciente de si,
que tem clareza de seu modo de ser na
existência e, que procura, com virtuosidade,
ver sua própria vida, este pode olhar e estender
a mão, transformar seu entorno, estruturar
novas relações, manter firmeza em seus
propósitos e ser solidário nas suas ações.
Por linha análoga de raciocínio, quem não
consegue se ver, não pode ver o outro ou, se o
vê, vê-o nublado, sem brilho, ou, pior ainda,
caso veja, imediatamente desvia o olhar e se
retira. Tal reposicionamento do olhar, essa
atitude de afastar o que está à vista, de olhar
não vendo, é uma reação de pavor. A pessoa
que desvia seu olhar é porque estará a ver no
alheio os fantasmas próprios que aterrorizam
sua existência (passada, presente ou futura).
Como se resolve essa perturbação? Pela
consciência, pela claridade da consciência. A
consciência verdadeira de si, sem máscaras,
que o fará humano, mais humano e amigo de
si, bonito e respeitável aos seus olhos: bom de
ver... Com isso, é provável que a pessoa se torne
ao mesmo tempo mais próxima de seu
semelhante, mais comum a ele, mais empática.
4) Na quarta questão fundamental Nietzsche
diz:
“ Queres ir com os outros? Ou mais
adiante? Ou caminhar só? ... Importa
saber o que se quer e quê se quer . ”
Ainda que para todos nós seja essencial a
interação com outras pessoas (somos seres
sociáveis, políticos, já se disse, e isolados
tendemos a adoecer, física e psiquicamente), é
crucial que nos lembremos sempre de que só
nós próprios é que podemos, de fato, produzir
mudanças em nosso interior e em nossa
existência. Os estímulos para as mudanças
podem ser gerados no meio externo, mas nós
os apreendemos e depois disso começa um
longo processo interior (às vezes uma batalha
– e às vezes de características épicas) de
digestão do que foi apreendido e síntese de uma
nova matéria que será incorporada, então, a
um já novo eu.
Pode-se ir com os outros, pode-se ir além, mas
só nós podemos, ninguém mais, tomar a
resolução mais acertada para a nossa vida
individual. A observação bem intencionada de
um parente próximo é importante, um
‘empurrão’ de um bom amigo é interessante,
todavia, apenas a própria pessoa pode saber
que quer e aquilo que quer.
Sem dúvida, o ganho marcante que se poderá
auferir ao se transformar esse conjunto de
indagações de Nietzsche numa espécie de
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exercício individual permanente, adaptado a
cada caso pela própria necessidade/
criatividade da pessoa, é o da ampla
capacidade de visão, com uma perspectiva cada
vez mais clara e precisa de como são as pessoas
e as coisas ao nosso redor, o que tem boas
possibilidades de resultar em enriquecimento
de nossa experiência de vida.
O que essas inteligentíssimas indagações estão
a nos desafiar é até que ponto, tendo
consciência de nós, do entorno, dos outros, de
nosso passado e do que queremos (como nos
enxergamos) do futuro, somos capazes de
praticar a autoliderança, vale dizer, tão
evidente mas necessário repetir, ser a criatura
capaz de liderar a si próprio, albergando em
sua alma, nela própria, o processo líderliderança-liderado, sendo a um só tempo: i)
seu líder , ii) a substância do processo
(intangível: espiritual, e tangível: hormonal,
bioquímica), e, iii) o liderado . Noutras
palavras ainda, assim como em Sócrates temos
conhece-te a ti
o ponto de partida no “conhece-te
próprio
próprio”, em Nietzsche temos o ponto de
torna-te quem tu és
és”.
chegada com o “torna-te
Temos feito comentários ácidos a essa miríade
de livros de liderança que asfixiam as livrarias
e as cabeças dos incautos. Como, depois,
trouxemos à baila um dos pensamentos de
Nietzsche a respeito do ser e de ser, ocorreu-nos
mais uma ilação. Noutra obra8 de sua vasta e
definitiva produção, o filósofo discute a tese (a
partir das inesquecíveis invenções helênicas) do
Apolíneo e do Dionisíaco. Diz Cristina Machado9:
O apolíneo representa a produção de
formas, a beleza, fazendo com que a
vida se separe do sofrimento: Apolo é o
deus do Sol, liga-se à arte plástica devido
a sua afinidade com a visão, tornandose o deus da imagem, obtendo uma arte
figurada. Ele reina nas belas
aparências do mundo da fantasia
fantasia,
pois todo homem produz imagens
através do sonho e da realidade. E assim
como o sonho tem um efeito sanatório e
reparador, o Apolíneo se contrapõe à
realidade cotidiana. Há um prazer em
produzir imagens, em sair do fundo, que
é próprio do Apolíneo. Este é um
afirmador da vida, sejam as imagens
boas ou não. A experiência apolínea é
cúmplice da produção da vida, esta
experimentada esteticamente é o
mundo superior. (negrito nosso)
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Revista Baiana de Tecnologia
Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006
Ora, preocupa-nos que, a se seguir aquelas
receitas infalíveis de formação de líder , o
sujeito, objeto do experimento – se atingida
fosse a meta da dita receita (possibilidade
remotíssima) – se transforme numa
inumanidade, e, portanto, nada mais
radicalmente distante daquilo que deveria ser
um líder autêntico. Isto é afirmado porque,
a se praticar ipsis litteris o que elas
apregoam, estar-se-ia criando um ente
infalível, perfeccionista, talvez sem a
dimensão humana e trágica do ser
(dionisíaca) e, assim sendo, amputado da
capacidade de aprender.
Bem, o primeiro exercício para a construção
do líder é este até aqui discutido: a pessoa
empreender a grande viagem do
autoconhecimento, ou, ainda melhor, do autoreconhecimento. Enxergar-se, saber-se, inteirarse de si, limites e potencialidades, medos e
expectativas, fantasias e senso crítico,
compulsão e tolerância, dependências e
maturidade, autonomia e retroalimentação,
vôo e terra, passado e futuro, comunhão e
solidão, e tudo isso sob a égide da mais
verdadeira das verdades, da mais honesta das
honestidades pessoais.
Mas essa verdade, condição sine qua non para
que o autoconhecimento, no grau que é possível
ao ser humano, seja conquistado, não é de tão
simples alcance. Afinal, 2.500 anos de filosofia
ainda não resolveram a matéria. Como posso
considerar verdadeira a imagem que tenho de
mim? Quais os critérios que me são
ferramentas confiáveis para crer que a maneira
como me vejo, me explico e me qualifico é a
real e não uma ilusão, ou mentira, ou ainda
pior um sofisma (auto-sofisma?...).
Kant, na Crítica da Razão Pura , tece
comentários oportunos. Diz ele
A velha e famosa pergunta que
pretende pôr em apuro os lógicos,
querendo levá-los a enredar-se em
lamentável dialelo ou a reconhecer sua
ignorância e, conseqüentemente, a
vaidade de toda sua arte, é esta: “Que é
a verdade?” A definição precisa da
verdade consiste na concordância do
conhecimento com o seu objetivo.
Admitimo-la e pressupomo-la aqui. No
entanto, quer-se saber qual seja o
critério geral e seguro da verdade de
todo o conhecimento.10
A Personalidade daquele que Exercerá o Papel de Líder
Fazer concordar o conhecimento com o objeto.
O conhecimento que percebo de mim próprio
com o que de verdade sou. Sem dúvida que,
como se tem exaustivamente afirmado, o
primeiro passo é estar nu diante de si, é exporse a si. Depois do acurado exame do objeto
nu, sem qualquer categoria de disfarce,
inclusive os autodisfarces; depois do pleno
esquadrinhamento dessa fotografia, o que se
tem a fazer é então perguntar. Diz Kant:
Saber o que se deve perguntar de modo
racional já é demonstração de
inteligência e perspicácia. Tendo em
vista que se a pergunta é em si
disparatada e exige respostas
desnecessárias, traz o inconveniente de
envergonhar quem a formula e por
vezes ainda provocar no incauto ouvinte
respostas absurdas, apresentando o
ridículo espetáculo de duas pessoas –
como diziam os mais velhos – em que
uma ordenha o bode enquanto a outra
apara com uma peneira.11
Percebe-se que Kant, além de denso e vigoroso,
o que todos apontam, tinha também um humor
penetrante e engraçado... Imaginemos que as
duas pessoas que ele indica sejam eu e eu. Quem
quererá ordenhar um bode e ao mesmo tempo
amparar com a peneira? Mas o próprio filósofo
deu a pista: saber o que perguntar (não fugir,
não escamotear, não tergiversar) e de modo
racional, vale dizer, com o uso de uma razão
afiada e corajosa. Para terminar, voltemos a Kant:
Consistindo a verdade na concordância
de um conhecimento com o seu objeto,
esse objeto deve, por isso, distinguir-se
de outros. Ora, um conhecimento é falso
quando não concorda com o objeto a que
é referido, mesmo contendo algo que
poderia valer para outros objetos.12
Então, o que penso de mim tem que coincidir
com aquilo que falo e faço, com o modo como
ajo, com minha conduta e reações e interações.
Mas a construção do autoconhecimento,
solitária construção, ainda que em alguns
momentos possa haver algum tipo de ajuda
externa, é escarpada e dolorosa, tanto quanto
na parturiente o são as dores do parto.
Nesse momento sentimo-nos compelidos a um
certo desvio, para uma análise de cena que se
nos afigura como obrigatória. Aquela gênese
do autoconhecimento que já é em si
inerentemente dura, em qualquer tempo, querse crer seja particularmente árdua na
atualidade, tempos esses de massificação, de
mentiras,
de
superficialidades,
de
mercantilização de tudo (da própria vida),
tempo do rápido, do descartável, e de muita
hipocrisia para que se possa atingir esses falsos
valores.
A hipocrisia, mais do que nunca talvez, vem
agindo com enorme desenvoltura e dá,
inequivocamente, o tom político e das relações
no mundo e no Brasil.
Continuamos crescentemente vítimas de
idolatrias (e continuamos miseráveis em
iconoclastia). Nesses nossos tempos surgiram
novos profetas, que têm sutilezas refinadas,
ardis tecnológicos, e mantêm, assim (como
outros faziam antigamente, mas por métodos
mais grosseiros), a dominação que lhes
convém, ou a seus grupos.
Infelizmente, não seria exagero apocalíptico
percebermos o mundo de hoje como decadente,
em desintegração moral, cada vez mais sob o
império de uma ideologia individualista,
debalde tantos e heróicos esforços em
contrário, mas, como críticos, orientamos
nosso raciocínio pelo que, aparentemente, é o
dominante. E dominante parece-nos ser uma
atualização da máxima de Protágoras (quem
diria?): “o homem é a medida das coisas”.
Nossas atitudes cotidianas, a mecânica
psicossocial de hoje, fazem-nos acreditar, de
fato, que ao homem tudo pode e tudo se tornou
possível – esclareça-se: ao interesse humano,
à vaidade humana, à cobiça humana... Assim
como parece ter ficado fora de moda (a não
ser coisa de uns poucos grupos de esquisitos) a
busca pelo transcendente, ainda que não
místico, e pelo bem coletivo. A necessidade de
transcendência, como se nota atualmente, se
esgota – e é suficiente (?) – na construção de
um Deus individual à semelhança de si!
Nenhuma religião no mundo ocidental
conserva mais a capacidade de poder
estabelecer uma força ordenadora e uma
divindade comum.
Seria agora ingenuidade querer vincular a uma
só entidade, como de certa maneira já foi no
passado, a responsabilidade toda por tais
mazelas do mundo. O mal se aprimorou, se
qualificou (mais)... Está mais astuto,
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MÁRIO JOSÉ DE SOUZA NETO / FAUSTO ANTONIO DE AZEVEDO
camuflado, e... onipresente! Mas qual a
fisionomia desse mal. Ainda que ela não seja
muito nítida, algo existe que poderemos
apontar e, aí, estaremos abrindo nosso flanco
e dando margem à ampla artilharia que, por
certo, se nos direcionará. Contudo, é
indubitável que a ‘opinião pública’ é uma
massacrante força formadora de normas,
destinos e fatos. E onde está o mal nisso?
Acontece que a ‘opinião pública’ não constrói
sua opinião a partir de raciocínio próprio, de
forma reflexiva, sensata, e, muito menos
(irônica ironia) com cuidados maiêuticos...
Alguém forma e forja a ‘opinião pública’ e esse
alguém é preponderantemente a mídia, a
imprensa. Não sejamos levianos em acusar a
ou b, isso ou aquilo, mas não sejamos ingênuos
a ponto de dizer que a liberdade de imprensa
é uma ‘fonte de verdades’ e um ‘baluarte das
democracias’. Seria, houvesse de fato
democracia e fosse de fato a imprensa livre de
interesses. Para embasar, basta que nos
lembremos de algo muito singelo: que num
país de 170 milhões de habitantes, o que somos
hoje, 170 milhões de seres diferentes, de visões,
de opiniões, de credos, de realizações, de
poesias, de imagens, de sincronias e
idiossincrasias, 170 milhões de impulsos de
diversidade, toda bendita noite, uma única
emissora de televisão, a partir de desígnios de,
seguramente, apenas um quem (ou dois ou três,
se tanto) estipula qual será a pauta do dia
seguinte da vida da totalidade desses seres.
O próprio governo federal é pautado por tal
pauta... Liberdade?! Isso sem contar que em
todo o restante da programação (grade, como
chamam em seu tecnicismo), eles é que
decidem o que você deve ver e saber... E sua
opinião – e de seu vizinho, de seu chefe, de seu
irmão, de seu empregado, de sua namorada,
de seu filho –, mesmo que todos vocês não
queiram, terá sido induzida pela ação da
imprensa. Repetimos: não temos nada em
contrário por definição; o ar negativo fica por
conta de ser só isso o que se possui, sem
contraponto (e sem contraponto não há
dialética...).
Por fim, iremos mais além nessa ousadia
provocativa e diremos que tem havido uma
grande nostalgia do ‘ser rebanho’ dos tempos
medievais, quando todas as almas eram
comandadas pelo que queria a Santa Madre
Igreja Católica. Há, inegavelmente, um
poderoso apelo no ‘ser rebanho’, representado
pela inconseqüência, pela comodidade do não-
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ter-que-pensar, porque tudo está pensado por
outrem: pessoas ou instituições. E quem é hoje,
se não é mais a Igreja, o grande pastor do
rebanho mundial? De novo acertou quem
pensou a imprensa, a grande mídia (e toda a
imensa cadeia produtiva que está nisso).
Mas, saindo da armadilha dessa grande
digressão (e agradecemos ao leitor pela
gentileza de nos concedê-la), em que pontos
ela se articula com o escopo de nosso texto?
De uma dupla maneira.
Primeiro, porque fornece elementos para
tentarmos entender porque é tão difícil,
exaustivo mesmo, para as pessoas, hoje em
dia, principalmente os jovens, praticarem o
pensamento – o seu real pensamento, se
podemos dizer assim. Sobretudo os jovens,
enfatizamos, porque a eles pertence o
momento e o reconhecimento da contestação,
a eles se credita, mais do que a outros, o direito
de não concordar, de indagar, de contraargumentar, de exigir, de confrontar. Mas fica
muito difícil quando todas as demais mentes
estão formatadas por paradigmas de outros
alinhamentos e intenções. Como eu posso
mergulhar
em
mim,
procurar
o
autoconhecimento desvestindo-me do tudo que
aí fora está dito que eu sou e para eu ser ?
Como eu posso, sozinho, lutar contra isso sem
parecer estranho, sem ser rotulado de ‘chato’.
Se o ‘modo de ser’, o dourado ‘modo de ser’
bombardeado pela mídia é um, e o rebanho o
assume (e agora chegaram ao requinte de
televisionar, 24 horas por dia, uma dúzia de
moços e moças a viverem, enfadonhamente,
numa casa fechada, esse ‘modo de ser’), como
solitariamente eu poderei ser outro, sabendo
que minha energia emocional tem que se nutrir
nesse mundo além de mim? Essas perguntas, e
tantas mais da mesma genética, poderiam ser
feitas quase interminavelmente. Então, é
hercúleo, sem dúvida, nos tempos presentes e
para um ser humano comum (e comuns somos
todos nós), remar contra a corrente, fazer a
imersão, e tentar descobrir o que
verdadeiramente se é, o que eu sou em minha
essência, na alma, na fronteira última, e não
aquilo que a agência de publicidade XY diz
que eu sou (ou deveria ser), porque algum
profissional ‘criativo’ assim concebeu, em
atendimento à multinacional KW, que por sua
vez, além de fabricar o imprescindível e vital
rororo que ela quer vender, é também a
acionista majoritária do Jornal YHYH (o
A Personalidade daquele que Exercerá o Papel de Líder
mesmo da TV YH e da potente rádio YH), o
principal, mais influente e mais lido do meu
país e que, num mise-en-scène diabólico, até
mantém em suas fileiras alguns dos maiores
articulistas da imprensa, nos quais eu sou
incapaz (incapaz mesmo, isto é, não tenho por
mim/em mim a capacidade crítica) de
desacreditar... Todo esse intricado cenário só
faz inibir o jovem, desorientando-o. Temos
insistido em referir o jovem, i) porque é o Brasil
um país de população jovem, de acordo com
todas as estatísticas do IBGE13, ii) porque a
maior parte das pessoas que constituem o
suposto público-alvo dos cursos e livros de
liderança são do sexo masculino e têm até 30
anos de idade (observação pessoal), iii) porque
é exatamente esse o segmento da PEA
(População Economicamente Ativa) destinado
a comandar projetos e empresas no curto e no
médio prazos. Uma força que atua
potentemente durante essa idade jovem, e que
teve seu epicentro na adolescência, é a da
agregação, da formação de grupo. Quanto
mais jovem se é (cronológica ou
psicologicamente) maior a necessidade de
turma e mais difícil a convivência com a
solidão amadurecedora e com imersões em si,
o que se dizer então da assunção de
comportamentos não tribais. Eis a grande
dificuldade
que
o
exercício
do
autoconhecimento tem a encarar. Além do
mais, é inegável a tendência dos mais jovens à
veneração, o que via de regra resulta em
cegueira. E como nossa atual lógica de
mercado postula tudo isso: o consumo, a
padronização, a aglutinação, a formação de
torcidas (diferentes, muito bem, mas todas no
mesmo paradigma: posso consumir tênis
diferentes, mas todos consumem tênis; posso
gostar de conjuntos diferentes, mas todos
compram CD e ingressos para espetáculos...),
a construção da personalidade individualizada
e não-rebanho fica cada vez mais custosa e
penosa. Vale a pena agora fazermos coro ao
Augusto Cury, finalmente uma autoridade no
assunto que levanta a voz para dizer14:
Nossa espécie tem consciência da
grandeza da inteligência de cada ser
humano? Pouquíssima! Quando vejo os
jovens correndo freneticamente atrás de
alguns cantores ou atores sinto malestar. Eu me pergunto: que sociedade é
essa em que alguns são colocados no
placo e a maioria na platéia? Que
sociedade é essa em que alguns são
supervalorizados e a maioria é relegada
ao rol dos anônimos?
Essa, caro professor Cury, é a sociedade de
consumo, do máximo consumo, do ganho
incessante, da acumulação de poder, da
exclusão, e isso tudo só funciona em escala,
em linha de produção contínua, e promover a
diversidade implode a linha de produção...
Mais uma observação ácida: os que muito
admiram a outros, os idolatram, estão – essa
é a mecânica! – diminuindo a si, minimizando
a grandiosidade do fenômeno que são, estão
se inferiorizando, estão se trocando por algo
de fora de si que, seguramente, nem de longe
vale aquilo que são. Por outro lado, os que se
regozijam com a admiração de terceiros, e disso
se nutrem, e sem esse alimento não sobrevivem,
na verdade são tão pequenos e limitados
quanto seus fãs, senão dissequemos: se me
admiram é porque julgam que tenho (ou sou)
algo que eles julgam não ter (ou não ser) e
cobiçam. Portanto, por esse critério, mostramse, assumem-se, inferiores a mim e, então, tal
admirar não pode ser digno de minha
admiração . Nada há que se me possa
acrescentar, e, no entanto, se mesmo assim
preciso disso é porque pertenço à mesma
categoria taxonômica.
Segundo, porque sugere que por sob a mesmice,
por sob a vontade de rebanho, surge também,
embora com algum grau de anestesia, a
vontade da diferenciação, a busca-culto da
individualidade, da necessidade de se apartar
para se ver e ser, e essa individualização, de
alguma maneira, termina por reforçar o senso
de competitividade, que tão bem o próprio
sistema coopta, para, servindo-se daquela
mídia de que falávamos nos parágrafos
anteriores, e dos consultores especialistas
sempre de plantão e da moda, produzir a
crença na necessidade e na existência de
líderes. E tome-se de cursos de fim de semana
para formar os tais! E o círculo vira... E a
empresa que os não promove não pertence ao
tempo, e os executivos que os não freqüentam
não somam estrelas, e os desempregados que
não os buscam continuarão desempregados,
perdendo pontos em seus currículos. E, então,
os templos ficam lotados e os milagres e
testemunhos apoteóticos se dão aos borbotões...
Mas falávamos (ou antes, escrevíamos) do
supremo esforço que se faz indispensável hoje
para que alguém se renasça mediante o
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mergulho no fundo de suas águas. Não é
simples nem é fácil, como se discutiu, por isso
mesmo é tão pouco visto e praticado.
Platão doutrinava que a obtenção do
autoconhecimento é um caminho árduo e
metódico. Eis um ponto terminante: a
construção do método para buscar o
autoconhecimento
autoconhecimento. Ainda consoante os
ensinamentos de Platão, para que se realize a
sabedoria (e buscar o autoconhecimento é uma
forma de instituir e praticar a sabedoria), a
contemplação, a filosofia, a virtude suma, a
única virtude verdadeiramente humana e
racional, é necessário que a alma racional
domine, antes de tudo, a alma concupiscível,
derivando daí a virtude da temperança , e
domine também a alma irascível, donde a
virtude da fortaleza.
Eis, nesse ponto, uma boa ocasião para que se
teçam algumas considerações a respeito de
virtude e o seus significados para o projeto
liderança.
A palavra virtude é latina, vem de virtute, e
coleciona entre os seus sentidos os de vontade
permanente e firme de praticar o bem,
qualidade moral, força moral, e, ainda,
qualidade inerente para que se produzam certos
efeitos. Optamos por nos alinhar aos que
entendem que virtude nada mais é do que
aquilo que nos garante e facilita a
sobrevivência, portanto, é o que faz bem à vida
(por isto mesmo pode acomodar-se a cada
tempo e lugar).
Da palavra virtude duas outras derivam:
virtuoso (do latim tardio virtuosu), que é aquele
que tem virtudes (e o líder deverá apresentar
algumas
delas),
mas
também
é,
interessantemente, aquilo ou aquele que
produz efeito
efeito; que é eficaz (claro está
que não pode haver um líder não efetivo,
ineficaz, pois essas seriam dimensões
mutuamente excludentes, a da liderança e a
da ineficiência); e virtuose, sinônimo de
virtuoso, passando pelo francês, que entre
outras acepções tem a de pessoa que domina
em alto grau a técnica de uma arte (e liderar
deve ser pensado como a prática de uma arte,
tendo, portanto, o líder, que dominá-la em alto
grau).
Vamos agora arriscar algo herético:
promover a reunião de oito virtudes
convenientes à sobrevivência do líder e de
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sua liderança . O que há de risco? É a
leviandade de fundir quatro virtudes platônicas,
as virtudes naturais (ou cardeais) –
temperança
fortaleza
prudência
temperança,
fortaleza,
prudência,
justiça – com as quatro virtudes mencionadas
por Nietzsche (aforismo 284 de Para Além do
Bem e do Mal ) – coragem
perspicácia,
coragem, perspicácia
simpatia e solidão .
Não iremos abordá-las uma a uma. Confiamos
na inteligência do leitor e em sua determinação
de aprofundar seu conhecimento de cada uma
delas, salientando que os dois pensadores
citados também se encontravam, de certa
maneira, preocupados com a formação de
verdadeiros líderes, fosse o rei filósofo, fosse o
filósofo do futuro. Patente está que nosso mister
é muito mais limitado e humilde.
Contudo, das oito, que nos detenhamos numa
delas: a solidão. Esta porque, talvez, de algum
modo amalgame todas as demais.
Solidão (do latim solitudine) é a virtude que
mais desapareceu de nossos tempos atuais. E
mais: por uma série de motivos, e até de
interesses, ela passou a ser associada a algo
ruim, indesejável, discriminável, mesmo
patológico. O dicionário a entende como
estado do que se encontra ou vive só,
isolamento, e também, situação ou sensação
de quem vive isolado numa comunidade.
Chame-se atenção para que o dicionário
descreveu um estado e não emitiu qualquer
juízo de bom ou mau a respeito. Mas o ser
humano atual, em sua ânsia fremente e
contínua de se referir pelos outros, de se
espelhar nos outros, e de ter medo de si, passou
a equivaler solidão a castigo, dando-lhe status
de situação nefasta e deplorável. É fácil de ver
que a sociedade de consumo e seus líderes e
títeres fomentam a não solidão, isto porque a
vida sempre em conjunto, em grupo, em turma
(independentemente da já tendência humana
ao gregário) anima, excita e faz buscar o
consumo (do necessário e da miríade de
supérfluos que há), na medida em que não
deixa tempo e espaço para a busca da reflexão
crítica. E esse mecanismo vai-se tornando de
tal modo preponderante e poderoso, como bem
quer a megamáquina, que nem ao chegar em
casa, na brevíssima parte do dia em que fica
só, o indivíduo sabe mais experimentar tal
situação, tendo perdido por completo a
percepção desse prazer, e, ao entrar,
imediatamente liga aparelho de som, liga
A Personalidade daquele que Exercerá o Papel de Líder
televisão, aciona a secretária eletrônica para
saber os recados, revista no celular as ligações
não atendidas, em resumo: foge de si, foge do
seu pensar, desperdiçando o bálsamo curativo
que só a solidão por escolha fornece, que é o
da limpeza, a depuração de todo o lixo
absorvido nas atividades externas. E a cruenta
ironia, da qual atualmente poucos se dão
conta, é que a pessoa que assim age, conforme
esse modelito, está por meio muito competente
construindo os sólidos alicerces para uma
solidão esta sim doentia, porque é a solidão
decorrente do divórcio consigo, da separação
entre o eu afazeres e o eu profundo, o eu
agenda e o eu essência (restando este cada vez
mais remoto, desconhecido, estranho – e,
primeira reação do humano: o estranho sempre
causa medo!). O eu práxis, esse eu mundano
que todos nós também temos que ter, porque
faz parte do dia a dia, vive em nosso eu maior,
mas não pode se igualar a nós no todo, não se
confunde conosco. No nosso entender, solidão,
em hipótese alguma, é ser só ou estar só.
Solidão é não ter vida interior
interior, e é
exatamente isso o que a maioria das pessoas
está fazendo consigo ao não ficar só: está
covardemente matando sua vida interior. O Big
Brother, satisfeito, agradece...
Para enriquecer o quadro e alargar a discussão,
socorramo-nos da tradição cristã, que na Idade
Média estipulou os sete vícios ou pecados
capitais, anotados pela primeira vez por
Egrávio do Ponto (345-399), um monge grego,
e revistos por Tomás de Aquino, no século XIII.
Eles nos servem como uma utilidade para que
seja construído o edifício das possibilidades
opostas, essas, virtudes libertadoras, ou
potenciais libertadoras, do ser. Os binômios
pecado-virtude contraposta são: i) avarezagenerosidade, ii) gula-comedimento, iii) invejadesapego, iv) ira-serenidade, v) luxúria-pureza,
vi) orgulho (ou soberba)-humildade, e vii)
preguiça-diligência.
Ser generoso é não ser avaro. E aqui não
vamos nos prender apenas ao aspecto material,
do dinheiro, por exemplo. Talvez a pior forma
de avareza seja aquela da mesquinhez do
tempo, isto é, a agonia de só ter tempo para si
e jamais para os que estão próximos ou mesmo
para o mundo, porque, a todo rigor, quem sai
perdendo é o próprio avaro. Nesse sentido, o
oposto da avareza é a solidariedade, a qual,
como escreve o filósofo materialista, ateu,
André Comte-Sponville, em seu Pequeno
Tratado das Grandes Virtudes , “só é
verdadeiramente generosa desde que vá além
do interesse”.
À armadilha da gula anteponha-se o
comedimento – óbvio que aqui o que se está
a referir é mesmo o hábito de comer. Mas
queremos extrapolar e registrar que hoje em
dia as pessoas têm muitas gulas de diferentes
qualidades além daquela do desejo de se
alimentar. É importante que se estabeleça uma
capacidade mínima de controle sobre todas
essas gulas. Em sua obra Os Sete Pecados
Capitais, Fernando Savater, filósofo espanhol,
apregoa que a gula, “é uma forma rápida de
apropriar-se de algo, é a metáfora da possessão
absoluta”.
Por esse ver, satisfazer tal gula é estar tentando
preencher outros vazios que não o do estômago
e, se assim for, isso carece de investigação
honesta.
O oposto da inveja é o desapego. Estar
desapegado o suficiente para não ser ver vítima
da tirania das invejas é altamente saudável.
Quanto maior o desapego (não confundir com
indiferença, ou mesmo com raiva
dissimulada), maior a sensação de
independência (aliás, independência própria
e também dos/para os outros que nos cercam,
vez que ficamos menos exigentes e cobradores).
Ira neutraliza-se com serenidade. A
‘fachada’ externa de serenidade é, sem dúvida,
uma medida da paz interior. Ira permanente,
ou relativamente permanente, difusa e elevada
está mais para o caso de um livro de psiquiatria
ou de psicanálise que para um artigo tentativo
sobre liderança. Os psicólogos e psicanalistas
sabem como aconselhar uma pessoa portadora
dessa manifestação. Fiquemos nós no caldo da
filosofia e pensemos juntos com Sêneca: “a ira
está presente somente nos seres humanos, pois
a raiva animal é destituída de qualquer
componente conceitual, e a verdadeira ira é
sempre a emoção objetivando uma destruição
específica”.
Compete ao irado ocasional (não patológico)
buscar descobrir o que ele quer destruir e por
conta de que emoção negativa, para neutralizála pela mecânica da serenidade.
A pureza é a virtude com a qual se pode
luxúria. Um bom
combater o pecado da luxúria
dicionário dará para a palavra luxúria pelo
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menos os seguintes significados: incontinência,
lascívia; sensualidade; dissolução, corrupção,
libertinagem. Está muito nítido para todos a
correlação entre luxúria e o sexo. Mas não é
só isso e isso não é tudo. Luxuriante é tudo
aquilo que causa prazer, o prazer sensual, isto
é ligado aos sentidos, e, de certa maneira, a
relação do ser humano com os sentidos é uma
grande batalha até agora não solucionada,
desde os epicuristas, desde os hedonistas, e,
principalmente, muito menos nos tempos
atuais, de culto a todas as formas de prazer
sensório. Ser puro não significa ser santo ou
celibatário ou faquir. Permitam os leitores que
façamos uso aqui de nossa formação básica
em Toxicologia para construir uma
comparação. A inteligência da estratégia em
procurar manter-se puro tem a ver com a não
intoxicação de nossos próprios sentidos e
emoções e, por esse mecanismo bioquímico,
estarmos com a sensibilidade sempre elevada
para percebermos os estímulos externos em seu
matiz diferenciado de intensidade e qualidade.
O não intoxicado é mais sensível e percebe
melhor, com mais acurácia. o mundo dos
prazeres sadios à sua volta.
A humildade digna, não servil, é o
antídoto ao orgulho, à soberba. Aliás, saber
ser humilde tem muito a ver com saber amar a
verdade, isso desde Sócrates... E, por esse
caminho, vamos descobrir a importância de ser
humilde para a própria visão de si, ou seja, o
reconhecimento e a aceitação natural das
limitações e imperfeições. O maior prejuízo que
a soberba causa à pessoa é a cegueira, isto é, ela
perde capacidade de perceber em si mesma ou
no exterior aquilo que pode ajudá-la a se
aprimorar como ser. É inspirador invocar Santo
Agostinho, que reflete da seguinte maneira:
"Quando eu considero a mim mesmo, não sou
nada; quando me comparo, valho bastante."
A contraposição à preguiça é a
diligência
diligência. Porém, com inteligência e
moderação (como tudo na vida), para que ela
não se torne compulsão, obsessão.
No objetivo mundo contemporâneo das grandes
empresas e dos grandes empreendimentos, os
que lideram os chamados negócios corporativos
necessitam de mais uma virtude especial, de
acordo com John Quelch15, especialista em
administração de negócios globalizados: “saber
ajustar negócios e estilo de administrar à
cultura do país em que se está”. Diz ele16:
18
Revista Baiana de Tecnologia
Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006
A habilidade de ouvir, observar e ter a
mente aberta sem tirar conclusões
rápidas. E adaptar, não necessariamente
os próprios valores – não se deve abrir
mão dos valores pessoais só porque se
está num lugar diferente –, mas o estilo
ou a maneira pela qual se interage com
as pessoas, para uma forma mais
humilde, adequada a um ambiente de
negócios ao qual você não está
familiarizado.
E quanto à maneira de desenvolver as
capacidades necessárias para um líder global
(além de ir à escola para assegurar um
conhecimento específico), ele reflete17:
Quando um estudante vem para um
curso de MBA, sempre surge essa questão:
será que podemos moldar seus valores
ou estes já estão arraigados desde a
infância, forjados pelas experiências
escolares, de forma que tudo que podemos
fazer é selecionar pessoas que vão ser não
apenas líderes excepcionais, mas também
donos de uma poderosa bússola moral? A
experiência no programa de MBA pode
reforçar e aprofundar os valores que o
aluno já tem quando chega aqui. No
programa, os cerca de 900 alunos
admitidos por ano são divididos em grupos
de 85 pessoas, que ficam juntas o ano todo.
Tudo o que fazem, fazem como grupo.
Embora Harvard seja uma escola muito
grande, cada pessoa é desafiada a
desenvolver individualmente uma
reputação e a ganhar a confiança de
outras 84. Isso é um jeito importante de
desenvolver os valores e o caráter das
pessoas que vêem aqui.
Mais uma vez retomando o fio condutor, e se é
tão dificultoso, por que a insistência em se buscar
o autoconhecimento? Quando não por outras
questões (essas, de sabedoria, de virtude, de
felicidade, de ética, etc., que não serão
invocadas porque não é propósito ingressarmos,
nesse artigo, em tal terreno filosófico), pela
própria estratégia da formação de um líder,
posto que sem autodomínio, o domínio de si,
ninguém poderá exercer uma liderança, e só se
pode atingir a condição de autodomínio pelo
pleno (maior possível) autoconhecimento.
Ainda recorrendo a Sócrates, mas agora pelo
relato de Aristóteles, tem-se [em Ética a
Nicômaco (VI, XIII), negrito nosso]:
A Personalidade daquele que Exercerá o Papel de Líder
Sócrates acreditava que as virtudes
identificavam-se com a razão,
considerando que todas eram ciências,
e até chegava a afirmar, recorrendo à
razão, que onde há ciência não
pode faltar o domínio de si
mesmo
mesmo, pois ninguém que tenha
inteligência age contra o melhor ou, se
por acaso o faz, é por ignorância.
A busca honesta e competente de
autoconhecimento deverá levar a pessoa a
conhecer-se, o que é atingir sabedoria, e a
sabedoria leva, de volta, ao autoconhecimento,
o processo sendo mutuamente retroalimentador
e propulsor. Tal processo de três elementos
pilares é o sólido alicerce para qualquer
vislumbre ou veleidade de liderança. De forma
pictórica na teríamos:
FIGURA 2
Destaquemos que esse raciocínio de Sócrates, a
nós trazido por Aristóteles, evolui ainda mais,
do negrito “onde há ciência não pode
faltar o domínio de si mesmo” para “pois
ninguém que tenha inteligência age contra o
melhor ou, se por acaso o faz, é por ignorância.”
Complementaríamos, invocando o conhecimento
científico e médico que hoje o homem dispõe:
‘por ignorância’ ou por algum distúrbio
francamente psiquiátrico. Contudo, o que vale
da frase, seu coração, é que quem tem ciência
(saber) não age contra o melhor. Quem tem
conhecimento real de si, e, portanto de seu
entorno, age na melhor direção e na direção do
que é melhor para si e para seu grupo, age na
direção do certo (atitude obrigatória para o
líder). Quem tem conhecimento do melhor e
quer o melhor sabe amar.
E onde entra nisso o amor? E qual o porquê?
De trás para frente, o porquê é que nada na vida
humana que se faça sem amor tem proveito ou
sustentação (e, é claro, isto é um valor). Vivemos
tanto hoje a moda das sustentabilidades: empresa
sustentável, desenvolvimento sustentável, relação
sustentável. É uma só e única a energia provedora
das sustentabilidades seja no que for, e essa
energia, eterna e contínua, é e precisa ser o amor.
Qual amor, que tipo de amor? Um só, porque,
em essência, só há um tipo de amor, e daquela
qualidade como a que é apregoada por Paulo de
Tarso, na epístola 1 Coríntios, capítulo 13,
versículos 1 a 7:
1 Ainda que eu falasse as línguas dos
homens e dos anjos, e não tivesse amor,
seria como o metal que soa ou como o
sino que tine.
2 E ainda que tivesse o dom de profecia,
e conhecesse todos os mistérios e toda a
ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de
maneira tal que transportasse os
montes, e não tivesse amor, nada seria.
3 E ainda que distribuísse toda a minha
fortuna para sustento dos pobres, e
ainda que entregasse o meu corpo para
ser queimado, e não tivesse amor, nada
disso me aproveitaria.
4 O amor é sofredor, é benigno; o amor
não é invejoso; o amor não trata com
leviandade, não se ensoberbece.
5 Não se porta com indecência, não
busca os seus interesses, não se irrita,
não suspeita mal;
6 Não folga com a injustiça, mas folga
com a verdade;
19
Revista Baiana de Tecnologia
Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006
MÁRIO JOSÉ DE SOUZA NETO / FAUSTO ANTONIO DE AZEVEDO
7 Tudo sofre, tudo crê, tudo espera,
tudo suporta.
E nesse amor ao próximo (equipe), nesse amor
à causa (projeto), existe um interesse oculto,
uma segunda intenção sadia: é que o “estado
de amor” é uma condição pessoal de alta energia
e, por isso, excelente fonte para realimentação
permanente do espírito e para resistência a
deformações.
Poderíamos mesmo afirmar que, nas relações
humanas, tudo que é feito desprovido de amor é
imoral, porque pode se tornar relação de uso,
apenas. Como imoral se tornou nas sociedades
ocidentalizadas a mercantilização e a coisificação
do humano. Fechamos com o entender de Platão,
O amor é a causa do movimento
que disse: “O
da natureza.
natureza.” Além do mais, amor é emoção
– e emoção da melhor qualidade, e para que se
dê o perfeito conhecimento de si, ainda mais em
se tratando desse de si, há de haver a atuação
conjunta, nas doses estequiometricamente
corretas, de razão e de emoção. Peçamos ajuda
a Wilhelm Dilthey18, para quem a explicação
(razão) é própria das ciências naturais, e a
compreensão é própria das ciências do espírito
ou ciências humanas. Ele diz: “Esclarecemos por
meio de processos intelectuais, mas
compreendemos pela cooperação de todas as
forças sentimentais na apreensão, pelo mergulhar
das forças sentimentais no objeto.”
Na matéria do humano, o grande impacto
estabelecido pela revolução industrial, impacto
que perdura até nossos dias e se agrava abissal,
é que, consoante o provado por Max Scheler19,
o aprimoramento tecnológico, que permitiu o
FIGURA 3
20
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Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006
avanço na capacidade de produção, terminou
por equivaler, ou mesmo igualar, o ser humano
a dinheiro. A grande equação da revolução
industrial foi: homem = produção = dinheiro.
Ora, matematicamente se A é igual a B e B é
igual a C, então A é igual a C. Portanto, o
homem fica igualado ao dinheiro. Fica
mercantilizado, fica coisificado. Tanto pode ser
trocado por um rolls-royce quanto por uma
banana, dependendo do homem... Cremos que
só mesmo o insano poderia enxergar em nossas
relações humanas atuais a não falta de amor.
E a verdadeira liderança, em si e para atingir
seus resultados, só pode ser um ato de amor. A
liderança verdadeira deriva de uma causa, que
se sustenta numa visão que só se realiza num
ato de amor – E NÃO EXISTE TÉCNICA PARA
QUE SE ENSINE AMOR!
E é assim que entra o amor no tema da
liderança, como uma capacidade do ser prévia
à liderança e agudamente necessária. Uma
capacidade potencialmente sempre existente.
Nascemos já providos dessa capacidade, mas
que só pode ser despertada e praticada em toda
sua grandiosidade e poder quando nos
conhecemos. E, surpresa, o eterno retorno à
necessidade de real autoconhecimento! Sem
um profundo autoconhecimento não se sabe
amar (e, tristemente, é isso o que abunda na
praça, na grande bolsa dos relacionamentos,
no mercado das trocas superficiais...). Sem
amor não há largueza de visão, não há trato,
não há percepção, muito menos empatia, não
há nada que nem muito remotamente lembre
algo de liderança. O diagrama da Figura 3
oferece alguma dinâmica à idéia apresentada.
A Personalidade daquele que Exercerá o Papel de Líder
Para investir ainda mais nessa nossa reflexão,
sugerimos aos que puderem que conheçam um
pouco da obra de Martin Buber20, pois somos
levados a pensar que o verdadeiro líder (se
isso pode existir) só será aquele que em relação
a todos os que o cercam houver desenvolvido
o diálogo “eu-tu eterno”, e um tal líder é aquele
que jamais se separa dos seus ou da causa. A
visão
política
de
Buber
associa
inseparavelmente paz e justiça, tanto nas
relações interiores como nas exteriores às
comunidades humanas. Para ele, ser um nós é
reconhecer que a responsabilidade constitui a
face ética do diálogo, o cordão umbilical da
Criação. E entender que somente os que são
capazes de dizer um ao outro: tu, podem dizer
um com o outro: nós. Em filosofia deu ênfase
à opinião de que não há existência sem
comunicação e diálogo e que objetos não
existem sem a interação. As palavras-princípio,
Eu-Tu (relação), Eu-Isso (experiência),
demonstram as duas dimensões da filosofia do
diálogo que, segundo Buber, abarcam a
existência.
Mas existe ainda mais um elemento
amplamente favorável a essa nossa tese da
importância do amor no processo de liderança
(seja a externa, seja a interna): a dita
resiliência.
Parece ser mais uma novidade no ar e bastante
atraente para esse nosso campo da liderança e
da auto-ajuda: um tipo de atributo descrito não
faz muito tempo pelos psicólogos, os quais,
por serem americanos, o batizaram com uma
palavra do léxico inglês e que foi
imediatamente assumida pelos atualizados
brasileiros. Trata-se da já muito discutida
resiliência. Isso vem de resilience, que é um
termo do domínio da física, da matéria,
significando a propriedade pela qual a energia
armazenada em um corpo deformado é
devolvida quando cessa a tensão causadora
duma deformação elástica, ou, trocando em
miúdos, é a capacidade de resistência de um
corpo ao choque, o quanto consegue resistir,
deformando-se, antes que se quebre (algo
ótimo para existir cada vez em grau maior
em nossos automóveis). Por derivação,
resiliente (do inglês resilient) é aquele (corpo)
que possui resiliência, ou seja, que é elástico
(indeformável até certo limite). Bem,
dissecando a metáfora (o que seguramente o
leitor atento já fez), uma pessoa ‘resiliente’ seria
aquela com capacidade (adquirida?
desenvolvida? inata?) de resistir a e de superar
choques ou situações de grande ameaça
(superar verdadeiramente, sem que restem
seqüelas), evidenciando assim um agudo
talento de adaptação. Parece que a tal
capacidade de resiliência tanto tem um
componente inato, quanto pode ser aprimorada
pelas experiências de cada qual e por sua
atitude diante dos fatos e da vida. Haveria como
que uma ‘energia’ interna que a alimenta e,
depois, os sucessivos sedimentos decorrentes
de aprendizados de situações reais. E essa
energia interna é, para nós, produzida a partir
do amor: o amor da pessoa por si ou pelo outro
ou pela causa, que a faz enxergar o futuro, o
projeto maior, o todo, e lhe aumenta a crença
ao tempo em que lhe faculta vergar ao máximo
ante o baque sem que haja a ruptura.
A seção brasileira do International Stress
Management Association (ISMA-Br) realizou
uma pesquisa que forneceu algumas
interessantes informações: i) 97% dos
‘resilientes’ teriam elevada auto-estima (são
capazes de enxergar os obstáculos como
desafios a serem superados); ii) 86% deles são
bastantes flexíveis, o que equivale a ampla
capacidade adaptativa (residindo aí uma boa
criatividade para a superação dos obstáculos);
iii) 78% dessa seleta comunidade mantêm
objetivos de vida definidos e têm clareza quanto
à sua existência. Alguns retoques, contudo,
cabem. Primeiro, é que a transposição do
mundo físico para o psíquico não pode ser tão
literal, porque no segundo universo a
elasticidade não deve ser absoluta, pois se o
fosse significaria que sempre absorveríamos os
choques e voltaríamos exatamente ao mesmo
ponto de antes, portanto não teríamos
aprendido, muito menos crescido (e seríamos
eternamente presa para o mesmo predador...).
Quando desalestecemos após um impacto,
voltamos a algo diferente, necessariamente um
novo ser. Caso contrário, não haveria jamais
ganho humano algum com nossas tragédias,
e, está provado, a humanidade tem evoluído
exatamente por conta desse interminável
processo de deformação e ‘retorno’ a um
elemento outro, pós-deformação (algo muito
semelhante, no campo do biológico, ao
mecanismo antígeno-anticorpo: podemos ficar
doentes outra vez logo depois de vencida uma
dada moléstia infecciosa, mas se for doença
de mesma natureza terá sido provocada não
pela mesma causa, porém uma mutante dela
– e nos defenderemos plasticamente outra vez
21
Revista Baiana de Tecnologia
Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006
MÁRIO JOSÉ DE SOUZA NETO / FAUSTO ANTONIO DE AZEVEDO
ainda, até que chegue a morte. Quanto à
primeira doença, meu sistema imunológico a
absorveu, analisou e sintetizou antígenos
competentes, passando a manter tudo isso na
memória. Portanto, ele, o sistema imunológico,
amadureceu e já não é mais o mesmo).
Segundo, essa capacidade de absorver choques,
não é definitiva, perpétua, infalível. Às vezes,
mesmo num caso tolo, ela pode não aparecer.
E volta-se à necessidade do autoconhecimento
para tentar saber o porquê. Terceiro,
decididamente, ela não é genética: não pode
ser passada de pai para filho – tem que ser
construída e conquistada. Quarto, ela não é
coisa de super-herói: é apenas mais uma
manifestação do imenso, múltiplo e sempre
surpreendente instinto de sobrevivência. De
qualquer sorte, por que toda essa discussão?
Apenas para nos lembrarmos de que um líder
(ou alguém que queira sê-lo numa determinada
situação e para uma dada finalidade)
certamente
enfrentará
obstáculos,
adversidades, contrariedades (muitas vezes
poderosas) e precisará ultrapassar todos esses
fatores contrários, precisará saber lançar
pontes. Afinal, a tal resiliência, muito mais do
que ser uma forma de desentortar-se deve ser
uma maneira de se atingir a outra margem,
aquela onde já se previra chegar... E assim é
para tudo na vida.
O motivo de nosso radicalismo e abnegado
enfrentamento a todos esses livros e cursos de
tangenciais e maldosas receitas de como se
fazer líderes é que, por não serem sérios e
objetivarem apenas a realização de seus
próprios lucros, não descem à questão
fundamental que é a da formação não do líder
(que, como se discutirá adiante, não existe),
mas do ser. Ora, fazer o que insinuam, ou
mesmo explicitamente mandam tais ‘livros’ e
‘cursos’, é tentar aplicar uma cantilena de
técnicas postulares sobre uma matéria quase
sempre amorfa e sem vida. O resultado, à parte
o ganho desonesto de um, é o soçobrar ruidoso
do outro, o pobre aluno, a vítima, o iludido
sonhador.
Interporão muitos, com pertinência: “mas a
formação do ser é função dos pais, da
sociedade e do Estado”. Tudo isso, no entanto,
tem falhado escandalosamente e, justamente
por tal motivo, proliferem talvez tantos cursicos
e livrecos de auto-ajuda e de liderança. Toda
vez que a verdadeira educação, a ontológica,
aquela da gênese do ser, não se dá, encontra-
22
Revista Baiana de Tecnologia
Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006
se moribunda, surgem as muitas educações
especializadas para isso e para aquilo:
educação para o trânsito, educação sexual,
educação ambiental, educação para a
liderança, e outras tentativas natimortas, num
fenômeno de miopia, segundo o qual se passa
a olhar a parte e não o todo, o galho e não a
árvore.
Mas de fato, se o assunto é educação, o que se
dá é que desde longa data (se é que algum dia
já o fomos) não somos treinados, não somos
educados, no sentido do fazer-se ser , do
autoconhecimento. Não temos nem o hábito
nem a técnica finalizada para isso. Daí,
repetimos, tanta dificuldade. Ademais, nesses
nossos tempos, não da globalização, mas de
sua mutação mais perniciosa, tempos da
homogeneização, buscar a essência de si e a
essência de ser implica, comprovadamente, em
desgarrar do ‘rebanho’, em marchar contra o
passo, e acabou se tornando tarefa de herói,
quase de super-homem (desculpem-nos que
recorramos ao mito, mas é bem essa a
envergadura do desafio). E apenas para
terminar a crítica a nosso processo educacional,
registre-se, só de passagem, que nosso sistema
universitário há décadas e décadas vem-se
especializando com afinco em formar bons
profissionais empregados – ‘ter um bom
emprego é tudo que se almeja’ – e, não, formar
empreendedores. O líder é um empreendedor;
o empreendedor precisa ser líder; e o maior
empreendimento que há é a própria vida.
E, para mostrar que não há mar de rosas,
vamos admitir que algum candidato talentoso
e abnegado tenha conseguido suplantar a
barreira do autoconhecimento e todas as
demais dessa corrida de obstáculos e haja,
finalmente, atingido o status de líder de um
acontecimento. Só então é que ele se verá frente
a frente com o maior de todos os desafios: o
de mandar. Sim, porque por mais que técnicas
de relacionamento queiram dissimular (e há
grande risco nisso, por exemplo, a virulência
do fingimento), o líder terá que mandar,
inclusive, e eis a maior de todas as dificuldades,
mandar em si próprio. O filósofo a quem já
recorremos antes, Nietzsche, quando se volta
a discutir moral do nobre e moral do escravo,
e genealogia da moral, faz o seguinte
interessantíssimo comentário21:
Mandar é mais difícil do que obedecer;
e não apenas porque aquele que manda
A Personalidade daquele que Exercerá o Papel de Líder
suporta o peso de todos os que
obedecem, e essa carga facilmente o
derruba. Mandar parece-me um perigo
e um risco. E quando manda, o vivo
sempre se arrisca. E quando manda a si
próprio também tem de expiar a sua
autoridade, tem de ser juiz, vingador e
vítima das suas próprias leis.
Para comandar uma tarefa, seja ela solitária
ou compartilhada com outros, o primeiro passo
e fator limitante do processo, é a vontade
vontade.
Mas o que é vontade? Muitos filósofos de alto
quilate a têm especulado, Arthur Schopenhauer,
por exemplo, em boa parte de sua obra, mas
não queremos esmiuçar o tema aqui. Basta
lembrarmos que por trás dessa leve e simpática
palavrinha se oculta um complexo mundo de
sensações, suposições, desejos, expectativas,
afetos e gratificações. Um indivíduo pode, num
dado momento de sua vida, arregimentar em si
todos os pré-requisitos para liderar um desafio
qualquer, sobretudo, como foi dito antes, pode
mesmo ter obtido um excelente nível de
conhecimento próprio, porém se ele não tiver a
vontade para tanto, mais ainda, conhecimento
e consciência dessa sua vontade, de suas
artimanhas, do que ela disfarça de prazer pela
realização e pelo comando, ele não será um
líder, mas um ditador de ordens de comando. É
absolutamente necessário que o caminho do
autoconhecimento tenha conferido ao sujeito
uma noção tão honesta e tão exata de si quanto
possível, de suas forças, de suas fraquezas, de
seus propósitos, de sua capacidade de diligência,
do grau de sua independência nas decisões e
encaminhamentos, para que a partir disso ele
avalie (e a vida é sempre avaliação) a força de
sua vontade e o quanto dessa poupança há
depositado no banco da ação, porque saques
acontecerão, e muitos. Voltando, ainda uma vez
ao Nietzsche, ele bem diz a respeito dessa
vontade de comando, no Para além do Bem e
do Mal, Capítulo 1, aforismo 19:
[...] a vontade não é somente um
complexo de sensações e reflexões, mas
também um afeto: precisamente o do
comando. Aquilo que se denomina “livre
arbítrio” é essencialmente o afeto de
superioridade em relação àquele que
deve obedecer. “Eu sou livre, ‘ele’ deve
obedecer.” Essa consciência é inerente
a toda a vontade, tal como aquela tensão
da atenção, esse olhar direto que fixa
exclusivamente um objeto, essa
valorização absoluta da “necessidade de
fazer isso e não aquilo”, essa certeza
íntima de que se será obedecido, e tudo
mais que pertence ao estado próprio do
que comanda. Um homem que quer
ordena a algo dentro de si, que obedece,
ou que ele julga que obedece [...].
Mas talvez a vontade só não seja suficiente. Se
lermos a obra de Émile Coué22 descobriremos
que, segundo o autor, o que nos impulsiona
mesmo adiante, para o bem ou para o mal, é
a auto-sugestão consciente, que vem do poder
da imaginação. Imaginação, outro grande
aliado que podermos ter. Uma forte capacidade
de imaginação se confunde com a visão,
indispensável ao exercício de liderança.
Autoconhecimento e vontade e consciência da
vontade. Está pronto o arsenal? Ainda não.
Infeliz ou felizmente outro item (bem/valor?)
lapidar também precisa estar em cena e ser
discutido, que de relance já foi tocado antes
no texto: a independência. Independência é
essencial à liderança. E só pode ter
independência, o máximo possível (máximo
possível porque não queremos entrar na
venerável questão de independência ser a
ausência de causas), quem de fato se
autoconhece e domina e lidera, também ao
máximo, a fisiologia de suas vontades.
Permitindo-nos a redundância óbvia,
independência é não depender: não depender
materialmente, não depender emocionalmente,
não depender psicologicamente, não depender
historicamente, não depender intelectualmente,
não depender politicamente, tudo isso na
medida dos limites de suas possibilidades. E,
mais importante, a sutil armadilha sempre à
espreita: não depender de si, isto é, de seus
fantasmas (sobretudo os do passado, da
infância e adolescência), de seus demônios, das
vozes do inferno próprio que querem auferir
alguma forma de vantagem ou benefício
egoísta daquilo que se está a fazer. É muito
comum percebermos na ação de líderes
(pseudolíderes) interesses velados, escusos.
Ora, o que se passa é que se o líder ao liderar
tem de fato algum outro intento em mente que
não a consecução do próprio mister da
liderança para um aquilo, se, secretamente,
ele vislumbra um ganho pessoal, só dele (ou
ainda que para um outro grupo seu), além de
estar traindo o processo, maculando-o de
falsidade, ele estará realmente construindo uma
não-liderança na proporção em que a
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Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006
MÁRIO JOSÉ DE SOUZA NETO / FAUSTO ANTONIO DE AZEVEDO
verdadeira liderança só existe em estado de
franca independência do espírito do líder. A
liderança real não se subordina a interesses
que não o resultado antevisto para aquele
processo – e só ele – e pactuado entre todos. E
convém registrar o grau de dificuldade
intrínseco a ser independente. Dificuldade e
riscos. Independência é atributo de poucos. O
diagrama da Figura 4 pode auxiliar na
visualização dos temas.
Convém, nesse ponto, invocarmos alguma calma
e algum bom senso. O autoconhecimento, em
nosso entender, é, em si, também um processo.
Ninguém deve se iludir imaginando que após
estudar o assunto, arquitetar a técnica que lhe
seja mais condizente e aplicá-la, culminará por
atingir uma verdadeira percepção tomografada
de si. Isso não existe. Então, com raiva e razão
poderão nos interpelar: e para que tanta
conversa se é assim? Pois aí está o fulcro:
autoconhecer-se deve ser tomado como meta
permanente, algo que tem começo e não tem
fim (senão com a morte), mas que a cada ciclo
completado nos catapulta a um patamar mais
profundo e melhor da incrível capacidade de
percepção de si. Lancemos mesmo à discussão
a referência das permanentes transformações
da vida, da fluidez dos fatos, das contínuas
alterações dos marcos e das perspectivas, tanto
ao
modo
heraclitiano
quanto
ao
aprofundamento nietzschiano, para que
possamos postular que tão rápido quanto nos
conhecemos mediante um exercício sério de
autoconhecimento já precisamos nos investigar
novamente, posto que o próprio fato de atingir
um nível mais elevado de autoconhecimento já
FIGURA 4
24
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Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006
nos modificou. Por isso, não cremos que haja o
risco, a cilada, de tornarmo-nos desinteressantes
para nós por melhor nos conhecermos. Explicase: advogam alguns psicólogos e outras
autoridades que o ser humano perde o interesse
por aquilo que passa a conhecer, como se nossa
curiosidade e nosso interesse fossem sempre
dependentes do mistério. Por outro lado, há
quem reivindique também que temos uma inata
tendência de afeição àquilo que conhecemos...
Seja como for, sublinhe-se que o processo de
autoconhecimento não fornece um produto
acabado, pronto (há mesmo autores de peso
que desacreditam da possibilidade de haver um
autoconhecimento). Ele, tão somente pode
melhorar o conhecimento que de nós temos (nos
aspectos qualitativo e quantitativo) e precisa
estar sendo constantemente refeito e avaliado
e... validado!
Cumpre notar que o processo de
autoconhecimento, a busca do conhecimento
do próprio, do eu, do interno, poderá trazer em
si temperos especiais. Por exemplo, o despertar
ou o salientar do cuidado, do zelo por si.
Quando e quanto melhor me focalizo, aí
necessariamente incluindo o inventário dos
pontos fracos e reais carências, mais posso,
talvez, adotar mediadas cuidadosas para
proteção adequada, superação e crescimento
interior. O cuidado é um atributo, uma
faculdade bastante importante. É curiosíssimo
constatar que tal palavra deriva do latim
cogitatu , com o significado de pensado,
pensamento, reflexão (Cogito ergo sum, penso
logo existo, Descartes). Para nós, em seu
A Personalidade daquele que Exercerá o Papel de Líder
conteúdo semântico atual sobressaem, dentre
outros, os de: atenção, precaução, cautela,
desvelo, zelo, inquietação de espírito. Assim,
cuidar de si seria pensar em si com competência
suficiente para saber ter precaução por si e
acautelar-se. Cuidar de si seria inquietar o
próprio espírito na busca do eu mais verdadeiro.
Estamos a nos referir não a cuidados de corpo,
que esses todos os têm, vez que derivam
automaticamente do instinto de sobrevivência
e sua força avassaladora (a ausência desse tipo
de cuidado numa pessoa denota patologia
psicológica). O que queremos de fato enfatizar
é o capítulo do sutil cuidado com a mente, com
o ser, com a experiência de ser e a experiência
de vida. Nosso ser será sempre nosso maior
patrimônio, nunca rivalizado por qualquer tipo
de riqueza ou poder. Conhecer e cuidar desse
patrimônio implica em: i) manter elevada a
auto-estima positiva, ii) melhor perceber aos
outros e não ter vergonha de evidenciar
cuidados, no cabível, por eles também, iii) por
extensão, cuidar do que é externo ao ser,
destacadamente da natureza, mãe e fonte da
própria vida que me disponho a cuidar.
A essa altura cremos que o leitor já estará
cansado dessa apologia da importância do
autoconhecimento, e, ou ele se convenceu
absolutamente de nossos argumentos,
dispensando outros, ou ele se fortaleceu
inabalavelmente na posição contrária e mais
argumentos seria algo enjoativo para ambas as
partes.
Se for assim, para finalizar então, sinalizaríamos
que as prováveis conseqüências da não busca
permanente do autoconhecimento são: não
acumular as ferramentas apropriadas para a
autoliderança e muito menos a liderança de
outros ou de projetos; por esse motivo não ser
capaz de se guiar no mundo interno e no externo,
ficando a mercê das armadilhas múltiplas que
nos dois existem; e, então, ser arrastado pela
vida afora por causas interiores (a ação dos
fantasmas), por causas exteriores ou por vontades
alheias. Nada mais melancólico, principalmente
quando lembramos a indescritível riqueza do
fenômeno da vida e, mais ainda, que a vida de
cada um dá-se uma só e única vez. Não tem
replay...
E, terminando de vez, devemos ainda registrar
um tremendo benefício colateral para quem
persegue o autoconhecimento (atividade que
deve ser encetada durante toda a vida pensante
reflexiva): a prática de se conhecer, por meio
da técnica mais ajustada e da disciplina para
tanto, fatalmente ajudará muito a pessoa a
compreender o mundo que a cerca, a melhor
compreendê-lo. Ocorrem-nos aqui os
ensinamentos de Paul Ricoeur23, que, falando
a respeito da hermenêutica, nos diz que
compreender um texto é encadear um novo
discurso no discurso do texto (vamos supor que
o texto seja nosso próprio eu, nosso livro
interior, o registro do que temos sido e temos
feito). Isto supõe que o texto seja aberto. Ler é
apropriar-se do sentido do texto. Dum lado não
há reflexão sem meditação sobre os signos;
doutro lado, não há explicação sem a
compreensão do mundo e de si mesmo.
Além do mais, servindo-nos da lógica filosófica,
como o pensamento é a manifestação do
conhecimento, e o conhecimento é a busca da
verdade, quem não conhece e quem não se
conhece não sabe pensar.
NOT
AS
NOTAS
1 David Copperfield (The Personal History,
Adventures, Experience and Observation of David
Copperfield the Younger of Blunderstone Rookery)
é uma novela do escritor inglês Charles Dickens
(1812-1870), publicada pela primeira vez em
1850. Muitos críticos detetaram no personagem
Copperfield traços de uma autobiografia do
escritor. Seu pai, um escriturário, ganhava bem,
mas gastava com extravagância. Acabou preso.
Dickens saiu do colégio com 12 anos, indo trabalhar
numa fábrica. A história do personagem é similar:
o pai de Copperfield também morreu forçando-o
a amadurecer mais depressa. Ele deixa as
brincadeiras de criança e parte para uma carreira
que o transformará em escritor vitorioso.
2 Processo que já tentávamos em artigo anterior:
SOUZA NETO, M. J.; AZEVEDO, F. A. de. O trinômio
líder-liderança-liderado como realização positiva.
TECBAHIA R. Baiana T
ecnol.
Tecnol.
ecnol., Camaçari, v. 20,
n. 1, p. 6-19, jan./abr. 2005.
3 Friedrich Wilhelm Nietzsche. O Crepúsculo dos
Ídolos, ou Como Filosofar com o Martelo (no original
alemão Götzen-Dämmerung, oder Wie man mit dem
Hammer philosophiert), escrito em 1888.
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Revista Baiana de Tecnologia
Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006
MÁRIO JOSÉ DE SOUZA NETO / FAUSTO ANTONIO DE AZEVEDO
4 NAVARRO, Eduardo de Almeida. Sócrates
Sócrates.
São Paulo: Martin Claret, 2005. p. 23. (Coleção
pensamento vivo).
5 Referência à obra de Franz Kafka, A Metamorfose
(1916), que narra o caso de um homem que acorda
transformado num gigantesco inseto.
6 Hilary Whitehall Putnam é um filósofo norteamericano que nasceu em 1926 e é figura
proeminente da filosofia ocidental desde os anos
1960, particularmente em filosofia da mente, da
linguagem e da ciência.
7 Para quem deseja mais a respeito de técnicas de
autoconhecimento, ler: Augusto Cury, Inteligência
Multifocal, Cultrix, São Paulo, 1998 e, do mesmo
autor, Seja líder de você mesmo, Sextante, Rio de
Janeiro, 2004.
8 NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. O nascimento
pessimismo.
da tragédia, ou helenismo e pessimismo
São Paulo: Cia. das Letras, 1996. (No original
alemão Die Geburt der Tragödie, Oder: Griechentum
und Pessimismus. 1886).
9 MACHADO, Cristina G. Nietzsche
Nietzsche: uma
perspectiva além da moral. Rio de Janeiro: UERJ,
2000. (Monografia – Especialização em Filosofia
Contemporânea).
10 KANT, Immanuel. Crítica da razão pura
pura.
São Paulo: Martin Claret, 2005. p. 93. (III – Divisão
da Lógica Geral em analítica e dialética).
11 Idem.
12 Idem.
13 [IBGE] INSTITUTO BRASILEIRO DE
Dados
GEOGRAFIA
E
ESTATÍSTICA.
estratificados da população brasileira,
censo 2000
2000. Disponível em: <http://
www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/
censo2000/populacao/pop_Censo2000.pdf>.
14 CURY, Augusto Cury. Seja líder de si
mesmo. Rio de Janeiro: Sextante, 2004. p. 13.
mesmo
15 John Anthony Quelch é um acadêmico,
administrador, servidor público, diretor corporativo
e consultor. Desde 2001 é reitor associado da
Harvad Business School. Entre 1998 e 2001 foi
vice-chanceler da London Business School. As
pesquisas de Quelch se concentram na estratégia
de negócios globais. Seus últimos livros (em coautoria) são: Business Solutions For The Global Poor
(Jossey Bass, 2007); The New Global Brands:
Managing Non-Governmental Organizations in the
21st Century (Thomson, 2006); The Global Market
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Revista Baiana de Tecnologia
Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006
(Jossey Bass, 2005) e Global Marketing
Management (5a edição, Thomson, 2005). Seu
próximo livro, Marketing and Democracy, será
publicado pela editora da Business School, no fim
de 2007.
16 Entrevista a Executivo de Valor, Março de 2007,
Ano 7, Número 7, páginas 18 a 20.
17 Idem.
18 Wilhelm Dilthey nasceu em Briebrich, Renânia,
em 19 de novembro de 1883, e faleceu em 1º de
outubro de 1911. Formado pela Universidade de
Berlim, concentrou-se em pesquisas psicológicas e
estudos históricos e literários. Em 1883, surge o
primeiro volume de sua Introdução ao estudo das
ciências humanas, obra em que procura assegurar
uma independência de método às ciências do
homem ou ciências do espírito. Tal distinção entre
ciências da natureza e ciências do espírito teria
forte repercussão, suscitando polêmicas que
chegam até hoje no pensamento filosófico. As
ciências do espírito teriam como objeto o homem e
o comportamento humano. Suas principais obras:
Estudos sobre os Fundamentos das Ciências do
Espírito; Teoria das Concepções do Mundo; A Essência
da Filosofia (1907); A Análise do Homem; A História
da Juventude de Hegel; Estudo sobre a História do
Espírito Alemão.
19 Max Scheler nasceu em 22 de agosto de 1874,
em Munique, e faleceu em 19 de maio de 1928,
em Frankfurt am Main. Tornou-se conhecido por
seus trabalhos em fenomenologia, ética e
antropologia filosófica. Desenvolveu o método
filosófico do fundador da fenomenologia Edmund
Husserl e foi chamado por Jose Ortega y Gasset “o
primeiro homem do paraíso filosófico”. Em 1954,
Karol Wojtyla, mais tarde o papa João Paulo II,
defendeu a tese de doutorado Uma avaliação da
possibilidade de construir uma Ética Cristã com base
no sistema de Max Scheller. O centro do pensamento
de Scheler é sua Teoria do Valor, segundo a qual o
“valor-ser” de um objeto é anterior à percepção. A
realidade axiológica dos valores é anterior ao
conhecimento. Valores e seus correspondentes
‘desvalores’ existem em um ordenamento objetivo
de categorias. Outras de suas importantes idéias
foram: categorização de valores, intuição
emocional, valores baseados em ética,
ressentimento. De sua vasta obra pode-se destacar:
On the Eternal in Man; Man’s Place in Nature (A
posicção do Homem no Cosmos); Ressentiment;
Formalism in Ethics and Non-Formal Ethics of
Values: a New Attempt toward the Foundation of an
Ethical Personalism (publicação alemã original
1913-16); Person and Self-value: Three Essays; On
Feeling, Knowing, and Valuing. Selected Writings.
A Personalidade daquele que Exercerá o Papel de Líder
20 Martin Buber nasceu em Viena, a 8 de fevereiro
de 1878, e faleceu em Jerusalém, a 13 de junho de
1965. Sua formação universitária foi em Viena.
Tinha educação poliglota: em casa aprendeu ídiche
e alemão; na escola, hebraico, francês e polonês.
Buber era filósofo, escritor e pedagogo, de inspiração
sionista. Vale citar: BARTHOLO JÚNIOR, Roberto.
Você e eu
eu: Martin Buber, presença palavra. 1. ed.
Rio de Janeiro: Garamond, 2001. 120 p. (Coleção
idéias sustentáveis). ISBN 85-86435-51-1.
21 Friedrich Nietzsche. Assim Falou Zaratustra,
um livro para todos e para ninguém. Parte II. D
vitória sobre si mesmo.
22 Émile Coué, farmacêutico e psicoterapeuta,
nasceu em Troyes, França, em 26 de fevereiro de
1857. Tornou-se célebre por desenvolver um
método de terapia baseado na auto-sugestão. A
respeito consultar: COUÉ, Émile. O domínio de
si mesmo pela auto-sugestão consciente
consciente.
São Paulo: Martin Claret, 2003. 144 p. (Coleção a
obra-prima de cada autor, 113).
23 Paul Ricoeur nasceu em Valence, França, em
27 de fevereiro de 1913, e morreu em Chatenay
Malabry, próximo a Paris, em 20 de maio de 2005.
Foi um dos grandes nomes do pensamento francês
no pós-Segunda Guerra e se tornou conhecido
por combinar a descrição fenomenológica e a
interpretação hermenêutica. Por isso ele se liga a
dois outros grandes fenomenologistas
hermenêuticos: Martin Heidegger e Hans-Gerog
Gadamer. Na Universidade de Yale, EUA, Ricoeur
produziu uma importante obra de filosofia
política. Ele também pesquisou linguística,
psicanálise, estruturalismo e hermenêutica, com
um interesse particular pelos textos do
cristianismo. Cristão e antitotalitarista,
notabilizou-se pela oposição à guerra da Argélia
(1954-1962) e à da Bósnia, em 1992. Entre as
suas obras contam-se Histoire et Verité (1955),
Soi-même comme un Autre (1990), La Memoire,
l’Histoire, l’Oubli (2000) e L’Hermenéutique
Biblique (2001). Página oficial na Internet:
<http://ricoeur.iaf.ac.at>.
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