A Personalidade daquele que Exercerá o Papel de Líder
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A Personalidade daquele que Exercerá o Papel de Líder
A Personalidade daquele que Exercerá o Papel de Líder Ensaios A Personalidade daquele que Exercerá o Papel de Líder* MÁRIO JOSÉ DE SOUZA NETO Engenheiro Químico (USP). Mestre em Engenharia Química (USP). Pós-Graduado em Administração Industrial (USP). Gerente de Suprimentos da Norske Skog. [email protected] FAUSTO ANTONIO DE AZEVEDO Farmacêutico-Bioquímico (USP), Mestre em Toxicologia (USP), Especialista em Saúde Pública (USP), ex-Farm.Bioquímico Toxicólogo da Cetesb (SP), ex-Gerente Técnico do Centro de Recursos Ambientais (CRA -Bahia), ExPresidente do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento (CEPED – Bahia), ex-Subsecretário do Planejamento, Ciência e Tecnologia (Seplantec – Bahia), ex-Diretor Geral do Centro de Recursos Ambientais (CRA -Bahia), exSuperintendente de Planejamento Estratégico (Seplan – Bahia), ex-Assessor Técnico da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS – Câmara Federal – Brasília). [email protected] Entre ser eu o herói de minha própria vida ou essa posição ser ocupada por outra pessoa, essas páginas devem mostrar. Para começar minha vida pelo seu início, registro que eu nasci (como fui informado e acredito) numa quinta-feira, à meia-noite. Foi observado que o relógio começou a soar, e eu comecei a chorar, simultaneamente. "David Copperfield", cap. Eu nasci Charles Dickens * Trabalho apresentado para publicação em 11 abr. 2007 5 Revista Baiana de Tecnologia Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006 MÁRIO JOSÉ DE SOUZA NETO / FAUSTO ANTONIO DE AZEVEDO 6 Revista Baiana de Tecnologia Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006 Tal é o parágrafo inicial do primeiro Capítulo: Eu nasci , da memorável obra de Charles Dickens David Copperfield1. Acreditamos que é aí que tudo começa: quem será o herói de minha própria vida? quem me guiará? quem me liderará? com quem eu posso contar? Essas são perguntas que, seguramente, habitam a mente e as preocupações de todos nós. Respondê-las é o primeiro passo possível na caminhada para se atingir capacidade de liderança. Mas para respondê-las necessário se faz um passo atrás, em direção à procura do ser, de quem nós somos, o que somos. Indubitavelmente, muito, ou quase tudo, do que se discute a respeito de liderança passa pelo terreno da personalidade, portanto da mente, da psicologia, e seu substrato rei – o cérebro (a neurofisiologia). Nesse ensaio intentamos passear mais pelos domínios da filosofia e de sua possível relação com nossa preocupação líder-liderança-liderado. Procurando intensamente na literatura por alguma base filosófica para se ousar a estruturação teórica da personalidade de um líder2, acabamos, dentre outros, encontrando algo muito oportuno, tanto na obra de Sócrates quanto no livro Crepúsculo dos Ídolos3, do filósofo alemão Friedrich Nietzsche. Dos reverenciáveis ensinamentos de Sócrates (o homem que, no dizer de Cícero, ‘teria feito a filosofia descer do céu à terra’, para estar sempre às voltas com as questões de verdade, justiça, bem, virtude, dever), logo um dos mais célebres, o mais de todos talvez, extraído ao frontispício do templo de Apolo (em Delfos, sede de famoso oráculo), é o sempre citado e tão pouco compreendido e exercitado “conhecete a ti mesmo”. Conhecer-se – conhecer a si – é ter ciência verdadeira das próprias forças e carências. Forças: potencialidades, qualidades, virtudes, talentos, capacidades específicas. Carências: insuficiências e impropriedades de formação mais os medos e fantasmas próprios, dentre estes: timidez (talvez decorrente de um sentimento de inferioridade. Aliás, timidez ou também seu oposto, o deboche, como se vê muito hoje, principalmente em certas regiões do país. Há quem diga que, em verdade, o deboche não passa de uma timidez tentando se defender), depressão, obsessão, irascibilidade, rigidez, perfeccionismo e detalhismo compulsivos, sofreguidão quanto ao futuro, culto vaidoso e desmedido à imagem social, ou mesmo patologias psicossomáticas. Assim sendo, é preciso que cada um elabore seu mapa interior e tal tarefa há de ter um ponto de início. Como raciocina Eduardo Navarro4, escrevendo a respeito de Sócrates: [...] a verdadeira sabedoria consiste em admitir a própria ignorância, em eliminar as falsas opiniões e os conceitos errôneos, em abrir o espírito para chegar ao conhecimento verdadeiro. A presunção do saber, sem o possuir, origina os erros que nós cometemos com a nossa inteligência. Porém, como deixar o erro, a ignorância e atingir a verdade? Como purificar as almas? Como eliminar-lhes a falsa opinião? Entendido e aceito o grande princípio socrático autoconhecimento, a pergunta que salta do autoconhecimento é: é possível haver um líder que não se conheça (que não conheça a si mesmo)? Nossa intuição e nosso bom senso (de qualquer sorte dois balizadores às vezes muito sofríveis) estão a postos para dar retumbante resposta negativa a tal questão (tão natural e forte isto parece à nossa intuição, que faz lembrar um juízo a priori, ao estilo de Kant...). Pactuado por todos então a impossibilidade de existência de um verdadeiro líder se ele não possuir a chave do autoconhecimento, a nova pergunta a ser esclarecida é: e como se obtém esse autoconhecimento? Qual o método? Voltando a Sócrates, ele mesmo propõe (e aplica) um método competentíssimo de busca do saber, e muito mais vigoroso (purgativo) quando administrado por ele próprio. Tal método (que não deixava lugar nem para o dogmatismo nem para a autoridade, nem era retórico, o oposto do que se tem visto à exaustão na prática do que batizam de ‘liderança’), pelo qual plasmava sua notável filosofia, lançava mão do diálogo crítico (do grego dia = através; logos = palavra), entre ele e seu interlocutor. O diálogo era composto de dois momentos únicos: a ironia (do grego eironeia , perguntar fingindo ignorar), momento de refutação, e a maiêutica (de maieutiké, relativo ao parto), momento de reconstrução. A Personalidade daquele que Exercerá o Papel de Líder No grego, ironia tem conotação de interrogação . Sócrates interrogava seus interlocutores sobre o que julgavam saber: o que é o bem?, o que é a justiça?, são perguntas formuladas por ele. Com mestria, num raciocínio ao mesmo tempo cortante e digno, ele expunha as contradições afirmadas e as novas dúvidas que surgiam a cada resposta. Seu intento era demolir o orgulho, a ignorância e a presunção do saber, tornando os discípulos aptos ao verdadeiro saber. Sócrates notara que a sabedoria se inicia no reconhecimento da própria ignorância. “Só sei que nada sei” é, para ele, o começo da sabedoria, postura em que se assume o mister filosófico de fato de ultrapassar o capcioso saber fundado nas idéias preconcebidas. A ironia socrática tinha um fito depurador porque fazia com que os discípulos (que antes criam só ter certezas e clarividências) percebessem suas próprias ambigüidades, inseguranças e ignorâncias. Livres do improdutivo orgulho e da pretensão anestesiante de que tudo sabiam, os discípulos podiam, enfim, iniciar a reconstrução das próprias idéias. No segundo momento do diálogo, Sócrates se propunha a auxiliar o discípulo a conceber suas próprias idéias. Não poderia haver nome mais apropriado a tal etapa dialogal do que o de maiêutica, palavra grega que quer dizer a arte de trazer à luz. Talvez o antigo (quase 2.500 anos) e atualíssimo método socrático de busca do saber possa nos inspirar, a cada um de nós, a estabelecer os próprios referenciais para um autodiálogo (a conferência interna, como voltaremos a destacar adiante). De fato, o que cada qual precisa é de uma conversa consigo e, acreditem, sabem todos, não há nada mais difícil. Na maior parte do tempo (e pode ser tão pouco o tempo cronológico da vida) estamos sem tempo para o ‘confronto’ (autoconfronto). O ponto-chave, no fundo, é que não há falta de tempo, tempo físico como querem alguns, mas aquilo que registra absoluta carência é nossa coragem para o enfrentamento, isto sim. Parar, estacionar o espírito em si, desligar todo o barulho da vida externa (inclusive os telefones, em todas as modalidades, os rádios, as televisões, os aparelhos de som, os apelos do prazer desqualificado...) e, num quarto vazio, mirar-se diante do espelho, sem ser por conta de alguma atividade vaidosa de arrumação ou narcisística contemplação, olhar e reolhar, e atravessar o vidro, a película de prata, a pele do olhado , e numa metamorfose mágica (antikafkiana, porque saindo do besouro para ir ao encontro do Homem 5 ), retornar no reflexo, o olhar vasculhador transportado pelo reflexo, e agora penetrar dentro de si, como um raio, fulminante, e começar a dissecar cada parte do próprio ser, virar-se do avesso, remexer cada canto da alma, repetindo sem parar “esse sou eu?” “quem sou eu?” “onde eu estou aqui?” “onde há mais de mim?”. Ora, está aí a maior demonstração de coragem que se pode dar: matar o ‘mestre’ dentro de si, inocular-se o germe da dúvida metódica, preparando-se para a aprendizagem do reconhecimento de si. Mas a cada dia temos perdido a nossa capacidade e a nossa disposição de introspecção. Introspecção e silêncio: eta remedinho caseiro salutar e potente! A introspecção é o sustentáculo para qualquer método de busca de autoconhecimento. Contudo, como sempre está provado que não há mar-de-rosas, lá vem a própria filosofia, ou melhor, não ela, mas seus filósofos, para nos estabelecerem graus de dificuldades. Assim é que o inglês David Hume (que não bastassem seus próprios atributos foi o grande ‘despertador’ de Kant) entendia que não podemos observar o ego, o próprio ego, mediante introspecção, porque deparamos com nossas emoções e percepções somente e não com o dono delas. Nas palavras dele: De minha parte, quando entro mais intimamente no que chamo de mim mesmo, sempre tropeço em alguma percepção particular do outro, de calor ou frio, luz ou sombra, amor ou ódio, dor ou prazer. Nunca consigo apreender a mim mesmo em momento algum sem uma percepção, e nunca consigo observar coisa alguma a não ser a percepção. Outra dificuldade, essa bem mais próxima de nossos dias, vem com a tese dos externalistas, conforme apresentado por Hilary Puntnam6, porque se sua teoria estiver correta, o autoconhecimento não pode ser alcançado apenas por introspecção, porque depende da causalidade com fatores externos, embora isso contrarie a presunção 7 Revista Baiana de Tecnologia Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006 MÁRIO JOSÉ DE SOUZA NETO / FAUSTO ANTONIO DE AZEVEDO 8 Revista Baiana de Tecnologia Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006 iniciada por Descartes, de que o autoconhecimento é um dom gratuito (disponível para ser por nós realizado), pois que ocupamos uma posição privilegiada em relação a nós próprios e somos mais capazes do que qualquer outra pessoa para entender os conteúdos de nossa própria mente. Ora, isso só faz, por certo, aumentar o desafio. Umas barreiras a mais. Mesmo se não houver uma tréplica de bom quilate aos filósofos, o que vale para nós é que a natureza do trabalho de autoconhecimento a ser empreendido é complexa e até relativamente desconhecida, o que só pode fazer crescer seu encanto e sua provocação, e os humanos são movidos exatamente por esse tipo de combustível. E como o Hume fez falar o Kant, encerremos essa seção exatamente com o pensador alemão: “Todos os interesses de minha razão, tanto especulativos quanto práticos, combinam-se nas três seguintes questões: 1) Que posso saber? 2) Que devo fazer? 3) Que posso esperar?” Mas que excelente guia para nosso exercício... Por certo, existem hoje métodos7 (de lastro psicológico) para a procura do autoconhecimento, bem como profissionais capacitados para auxiliar e orientar, quando necessário, em tal tipo de empreitada, não constituindo esse, no momento, o escopo de nosso trabalho. Basta lembrar, de passagem, todo vasto território da psicoterapia (ou a analítica ou a cognitiva, com suas respectivas especificidades) em que se persegue, por meios apropriados, o autoconhecimento a fim de se poder trabalhar o inconsciente. De qualquer sorte, o que importa à pessoa é questionar a si mesma (o que certos psicólogos chamam de duvidar, e, puxando para outro lado, diríamos a dúvida socrática, a dúvida cartesiana) quanto a suas crenças habituais, sobretudo questionar a voz de seus fantasmas, aqueles que acenam com a negatividade (não no sentido hegeliano de antítese, que aí até que seria bom) dos fatos ou probabilidades, não se deixar abater por seu mau augúrio (vemnos à mente a recordação, muito oportuna, de um bem conhecido desenho de televisão dos anos 1960, em que numa dupla formada por um leão aventureiro e uma hiena pessimista, sintomaticamente, o leão era sempre destemido e a hiena vivia a se queixar de que não daria certo... “oh dia” “ó azar”, repetia ela... Eles eram, se não nos engana a memória, Lippy e Hardy, respectivamente, produção instigante da Hanna Barbera’s). Atraente é notar que a palavra dúvida vem do latim dubhos, retendo a acepção de “dois” ou “em dois”; a dúvida revela uma correlação negativa com o conhecimento que expressa o saber que se não sabe, e questiona também o não saber que se sabe e tem direta relação com o saber hipotético. Depois de questionar seus subterrâneos, a pessoa precisa criticar aquilo que desencava. Aliás, essas são funções de ocorrência quase que simultâneas. Nós as separamos aqui porque o ser humano ainda não tem o dom de falar nem de entender duas coisas ao mesmo tempo, mas às vezes é assim que tudo se passa em nossos cérebros e mentes. Quando estamos a nos questionar estamos criticando ao mesmo tempo, ao menos assim deveria ser. Fazer, em paralelo ao questionamento, a crítica do que vamos respondendodescobrindo, para que nos peguemos no pulo da mentira ou do disfarce: criticar a veracidade e a autenticidade das respostas, criticar os argumentos dos fantasmas, dos eus traidores que se ocultam dentro do eu, e mesmo que os não possamos anular, deixar, ao menos, os novos argumentos arquivados ao lado, para que os primeiros deixem de ser unigênitos e únicos herdeiros de nosso amanhã. O terceiro e quarto momentos nessa seqüência, e que ficam lógicos, conseqüentes e obrigatórios aos anteriores, são o da decisão, da resolução (que os psicólogos podem chamar de determinação, bem como gostam demais de tal palavra também certos evangélicos, que a empregam à exaustão em suas pregações religiosas por mudança de vida de seus fiéis, o que não deixa de ser muito expressivo para aquilo que se está tratando aqui) e o da avaliação avaliação. Claro está que depois que eu indaguei, pus em dúvida e respondi, com bom grau de veracidade nas respostas em virtude da crítica que eu próprio estabeleci, só me resta partir para a ação, senão eu teria operado um parto sem nascimento: executar, fazer, realizar, dar concretude ao meu processo analítico. E já enquanto ajo preciso estar avaliando o processo todo, para reti-ratificá-lo. Um estratagema interessante que a pessoa pode empregar conjuntamente com o que acabamos A Personalidade daquele que Exercerá o Papel de Líder de relatar, isso do questionar-criticar-fazeravaliar, é o que chamaríamos de autoconferência, pedindo atenção para a sutileza do triplo sentido do neologismo a dedo criado: conferência pode significar i) ato ou efeito de conferir; ii) confronto, cotejo; iii) conversa entre duas ou mais pessoas sobre assunto de interesse comum. Pois urge que recuperemos (se algum dia já o tivemos), ou instauremos, o salutar hábito da autoconferência de todos os nossos eus: termos alguns momentos (por dia ou por semana) para que nossos eus se sentem em torno da mesma mesa e parolem uns com os outros, se confiram e se cotejem! Não resistimos nessa altura à vontade de invocar o mago da língua portuguesa, o inigualável Fernando Pessoa e sua monumental criação dos heterônimos. Deunos ele, com Álvaro Ramos, com Alberto Caeiro, com Ricardo Reis, com Bernardo Soares (bastam esses, com escusas aos demais), além de poesia da mais primeiríssima qualidade, honra para a humanidade e sobre-orgulho para os lusófonos, deu-nos também, dizíamos, uma magistral lição de psicologia, com a coragem e a magnanimidade com que pariu suas outras criaturas e as pôs a falar tão bem ou melhor do que o Fernando Pessoa ele próprio... Todos nós carregamos lá por dentro nossos outros seres, ser-eu, nossos só irmãos ou xifópagos, e pô-los a tagarelar entre si, enquanto, de alguma maneira ficamos, só dessa vez, na platéia, ou, melhor ainda talvez, ficamos na taquigrafia, isso só poderá trazer benefícios para o coletivo... E, quem sabe, até alguma poesia para nosso consumo próprio, nossa economia interna. Mas vamos nos esforçar e sair desse outro atalho, pois o que queremos sublinhar aqui é a base filosófica de orientação e de estímulo para que se cumpra a necessidade da busca do autoconhecimento. Não deixa de ser irônico (sentido presente da palavra) que se recorra à ironia socrática para o mergulho na própria essência. Pois que nos perguntemos, uma a uma e bravamente, as perguntas necessárias para a depuração – a refutação – do castelo de alegorias que normalmente temos a nosso respeito. E, se como dito antes, existem algumas técnicas de apoio, não parece haver um método universal para estipulação dessas perguntas. Contudo, o mais surpreendente é que todos sabemos quais as perguntas que nos podem pôr a nu, ou pelo menos sabemo-lhes o caminho. Depois desse auto-reconhecimento, sem pinturas, sem retoques, sem plásticas, sem silicone, quando surge aquele ser que andava por vezes quase esmagado, quase soterrado, porém que é o mais belo e heróico que temos (além de único...), podemos, quem sabe, iniciar o processo de parto de um novo ser, o qual, por muito mais verdadeiro, será também muito mais forte, mais despretensioso e por isso mais ousado; mais seguro e por isso mais arrojado; mais simples e por isso mais profundo; mais humilde e por isso mais nobre; mais liderado de si e por isso mais possivelmente líder de si (e de outros). Mas para encerramento dessa temática de metodologias que permitem a busca do autoconhecimento vamos utilizar o diagrama da Figura 1, muito divulgado pelos que estudam Epistemologia. Porquanto ele alerta bem para o caso de que só uma parte daquilo que acreditamos (e isso vale para a imagem que temos de nós, aquilo que pensamos e cremos ser) encontra respaldo na verdade. E será essa porção assim identificada, será dessa sobreposição, que precisa ser vista na claridade e com crítica, que decorrerá a precisa percepção do que somos. Melhor do que nós falou Platão, talvez o pai da Teoria do Conhecimento, que contrapôs a opinião (ou crença), doxa em grego, ao conhecimento. A crença é sempre um determinado ponto de vista subjetivo, e o conhecimento real não pode ser subjetivo, nesse sentido, mas precisa ser crença verdadeira e justificada (ver FIGURA 1). Normalmente tudo o que julgamos a nosso próprio respeito é um conjunto de opiniões, podendo – e quase sempre é assim – não coincidir com a verdade, principalmente da ‘opinião’ alheia. E já que trouxemos Platão a essa cena, vamos buscar também Aristóteles, o pai da lógica, para recordar que um dos princípios centrais de sua lógica é a lei da não-contradição que diz que nenhuma afirmação pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo. Bem, todos nós, lá no nosso íntimo, sabemos o quanto é difícil nos livrarmos peremptoriamente das contradições. 9 Revista Baiana de Tecnologia Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006 MÁRIO JOSÉ DE SOUZA NETO / FAUSTO ANTONIO DE AZEVEDO FIGURA 1 Permitam-nos agora um grande salto no tempo (e os que desejarem venham conosco), saindo do século de ouro da Atenas, para o século XIX; de Sócrates para Friedrich Nietzsche; da metafísica para o aqui-agora. Vamos nos lembrar e reter em mente que, em termos zoológicos, o ser humano recebe a categorização de Homo sapiens , o que pode ser entendido como o ser que sabe que sabe. Saber que sei é ter consciência de mim e de minha presença na vida, no mundo. O ser humano tem consciência de si, ainda que não queira (pensa, ainda que não queira: ninguém consegue não pensar!). Noutras palavras, o ser humano não dispõe da capacidade de não ter consciência de si e, por extensão, não ter consciência, percepção dos outros também. Afinal, um cérebro de 100 bilhões de neurônios, 100 trilhões de sinapses, velocidade de 100 milhões a 100 bilhões de instruções por segundo, memória de 100 milhões de gigabytes, segundo a atual neuro-anatomia, há de ter sua utilidade... Nietzsche, em O Crepúsculo dos Ídolos, ou Como Filosofar com o Martelo (1888), como que destrói crenças e ídolos (ideais ou autores do cânone filosófico), analisando a gênese da culpa no ser humano. Ele estipula um processo de quatro grupos de questões essenciais quanto à nossa consciência de ser no mundo: 10 Revista Baiana de Tecnologia Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006 1) A primeira questão fundamental é: “ Você corre à frente? Como pastor ou como exceção? Ou como fugitivo (terceira possibilidade)? ” O tempo não pára! Temos noção da brevidade de nossas vidas e para que não nos posicionemos a olhar permanente e nostalgicamente para trás, ficando à mercê das surpresas do tempo caminhante, é preciso que busquemos estar à frente de nossas próprias histórias, de nossa própria trajetória, fitandoa como ela exatamente é, com coragem. Para poder manter tal conduta consciente será preciso, medita Nietzsche, que o ser humano perceba seu modo básico de ser no mundo, dentre: o modo de ser como pastor, o modo de ser como exceção, ou o modo de ser como fugitivo: • o modo de ser como pastor é de quem se guia a si próprio (chama-se provisão), sabe se conduzir, tem a capacidade de nortear a elevada independência sua vida (elevada independência, diríamos); • o modo de ser como exceção é de quem se coloca à margem da própria existência, de quem sempre busca viver na dependência do outrem (a história e o modo de ser do outro são melhores sempre), de quem não A Personalidade daquele que Exercerá o Papel de Líder consegue se ver como autor e ator do enredo da sua vida, e por isso tende a se comportar e a se ver como um excluído, bancando uma cadeira cativa na platéia; • o modo de ser como fugitivo é o de quem, apesar de se conhecer e saber o que pode fazer, escolhe assumir os medos e temores que o invadem, passando, assim, a correr não à frente da sua vida, mas correr dela, buscando o que é rotulado de suicídio (chama-se evasão). 2) A segunda questão fundamental é: sincero ou “ És Representas algo ou representada? Por apenas a imitação de só comediante? és a própria coisa fim, talvez sejas um comediante... ”. Presume-se que o filósofo alemão queira deixar ainda mais nítida a percepção de si que cada um pode ter. Isto é, se a pessoa é autêntica consigo, se não se engana (ou tenta se enganar), se não faz de si um teatro de representações (por vezes cômico, por vezes trágico), se é capaz de se ver com clareza honesta e de transitar sem vergonhas em seu próprio interior. Um tal indivíduo terá grande probabilidade de ter boa consciência de como é o seu modo de ser no mundo (pastor, exceção ou fugitivo) e, destarte, poderá mudar e progredir (eterna transformação e evolução positiva). Por outro lado, como quase todos temos ciência, se a opção da pessoa é fazer de si uma brincadeira, imaginando com isso camuflar suas desilusões e dificuldades, a probabilidade segura é de que ela siga padecendo da cegueira e nunca solucione suas pendências (crises) existenciais. Quão melancólica e quanta pena causa a multidão dos imitadores de comediantes de si, categoria que, para nosso afligir, só faz crescer, sob o veemente fomento do consumismo desenfreado e de uma mídia maldosa. 3) como conseqüência da primeira e da segunda questão, Nietzsche prossegue no conjunto da terceira indagação: “ És alguém que olha? Ou estende a mão? Ou desvia o olhar e se afasta?... ”. Aqui está destacado que o ser consciente de si, que tem clareza de seu modo de ser na existência e, que procura, com virtuosidade, ver sua própria vida, este pode olhar e estender a mão, transformar seu entorno, estruturar novas relações, manter firmeza em seus propósitos e ser solidário nas suas ações. Por linha análoga de raciocínio, quem não consegue se ver, não pode ver o outro ou, se o vê, vê-o nublado, sem brilho, ou, pior ainda, caso veja, imediatamente desvia o olhar e se retira. Tal reposicionamento do olhar, essa atitude de afastar o que está à vista, de olhar não vendo, é uma reação de pavor. A pessoa que desvia seu olhar é porque estará a ver no alheio os fantasmas próprios que aterrorizam sua existência (passada, presente ou futura). Como se resolve essa perturbação? Pela consciência, pela claridade da consciência. A consciência verdadeira de si, sem máscaras, que o fará humano, mais humano e amigo de si, bonito e respeitável aos seus olhos: bom de ver... Com isso, é provável que a pessoa se torne ao mesmo tempo mais próxima de seu semelhante, mais comum a ele, mais empática. 4) Na quarta questão fundamental Nietzsche diz: “ Queres ir com os outros? Ou mais adiante? Ou caminhar só? ... Importa saber o que se quer e quê se quer . ” Ainda que para todos nós seja essencial a interação com outras pessoas (somos seres sociáveis, políticos, já se disse, e isolados tendemos a adoecer, física e psiquicamente), é crucial que nos lembremos sempre de que só nós próprios é que podemos, de fato, produzir mudanças em nosso interior e em nossa existência. Os estímulos para as mudanças podem ser gerados no meio externo, mas nós os apreendemos e depois disso começa um longo processo interior (às vezes uma batalha – e às vezes de características épicas) de digestão do que foi apreendido e síntese de uma nova matéria que será incorporada, então, a um já novo eu. Pode-se ir com os outros, pode-se ir além, mas só nós podemos, ninguém mais, tomar a resolução mais acertada para a nossa vida individual. A observação bem intencionada de um parente próximo é importante, um ‘empurrão’ de um bom amigo é interessante, todavia, apenas a própria pessoa pode saber que quer e aquilo que quer. Sem dúvida, o ganho marcante que se poderá auferir ao se transformar esse conjunto de indagações de Nietzsche numa espécie de 11 Revista Baiana de Tecnologia Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006 MÁRIO JOSÉ DE SOUZA NETO / FAUSTO ANTONIO DE AZEVEDO exercício individual permanente, adaptado a cada caso pela própria necessidade/ criatividade da pessoa, é o da ampla capacidade de visão, com uma perspectiva cada vez mais clara e precisa de como são as pessoas e as coisas ao nosso redor, o que tem boas possibilidades de resultar em enriquecimento de nossa experiência de vida. O que essas inteligentíssimas indagações estão a nos desafiar é até que ponto, tendo consciência de nós, do entorno, dos outros, de nosso passado e do que queremos (como nos enxergamos) do futuro, somos capazes de praticar a autoliderança, vale dizer, tão evidente mas necessário repetir, ser a criatura capaz de liderar a si próprio, albergando em sua alma, nela própria, o processo líderliderança-liderado, sendo a um só tempo: i) seu líder , ii) a substância do processo (intangível: espiritual, e tangível: hormonal, bioquímica), e, iii) o liderado . Noutras palavras ainda, assim como em Sócrates temos conhece-te a ti o ponto de partida no “conhece-te próprio próprio”, em Nietzsche temos o ponto de torna-te quem tu és és”. chegada com o “torna-te Temos feito comentários ácidos a essa miríade de livros de liderança que asfixiam as livrarias e as cabeças dos incautos. Como, depois, trouxemos à baila um dos pensamentos de Nietzsche a respeito do ser e de ser, ocorreu-nos mais uma ilação. Noutra obra8 de sua vasta e definitiva produção, o filósofo discute a tese (a partir das inesquecíveis invenções helênicas) do Apolíneo e do Dionisíaco. Diz Cristina Machado9: O apolíneo representa a produção de formas, a beleza, fazendo com que a vida se separe do sofrimento: Apolo é o deus do Sol, liga-se à arte plástica devido a sua afinidade com a visão, tornandose o deus da imagem, obtendo uma arte figurada. Ele reina nas belas aparências do mundo da fantasia fantasia, pois todo homem produz imagens através do sonho e da realidade. E assim como o sonho tem um efeito sanatório e reparador, o Apolíneo se contrapõe à realidade cotidiana. Há um prazer em produzir imagens, em sair do fundo, que é próprio do Apolíneo. Este é um afirmador da vida, sejam as imagens boas ou não. A experiência apolínea é cúmplice da produção da vida, esta experimentada esteticamente é o mundo superior. (negrito nosso) 12 Revista Baiana de Tecnologia Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006 Ora, preocupa-nos que, a se seguir aquelas receitas infalíveis de formação de líder , o sujeito, objeto do experimento – se atingida fosse a meta da dita receita (possibilidade remotíssima) – se transforme numa inumanidade, e, portanto, nada mais radicalmente distante daquilo que deveria ser um líder autêntico. Isto é afirmado porque, a se praticar ipsis litteris o que elas apregoam, estar-se-ia criando um ente infalível, perfeccionista, talvez sem a dimensão humana e trágica do ser (dionisíaca) e, assim sendo, amputado da capacidade de aprender. Bem, o primeiro exercício para a construção do líder é este até aqui discutido: a pessoa empreender a grande viagem do autoconhecimento, ou, ainda melhor, do autoreconhecimento. Enxergar-se, saber-se, inteirarse de si, limites e potencialidades, medos e expectativas, fantasias e senso crítico, compulsão e tolerância, dependências e maturidade, autonomia e retroalimentação, vôo e terra, passado e futuro, comunhão e solidão, e tudo isso sob a égide da mais verdadeira das verdades, da mais honesta das honestidades pessoais. Mas essa verdade, condição sine qua non para que o autoconhecimento, no grau que é possível ao ser humano, seja conquistado, não é de tão simples alcance. Afinal, 2.500 anos de filosofia ainda não resolveram a matéria. Como posso considerar verdadeira a imagem que tenho de mim? Quais os critérios que me são ferramentas confiáveis para crer que a maneira como me vejo, me explico e me qualifico é a real e não uma ilusão, ou mentira, ou ainda pior um sofisma (auto-sofisma?...). Kant, na Crítica da Razão Pura , tece comentários oportunos. Diz ele A velha e famosa pergunta que pretende pôr em apuro os lógicos, querendo levá-los a enredar-se em lamentável dialelo ou a reconhecer sua ignorância e, conseqüentemente, a vaidade de toda sua arte, é esta: “Que é a verdade?” A definição precisa da verdade consiste na concordância do conhecimento com o seu objetivo. Admitimo-la e pressupomo-la aqui. No entanto, quer-se saber qual seja o critério geral e seguro da verdade de todo o conhecimento.10 A Personalidade daquele que Exercerá o Papel de Líder Fazer concordar o conhecimento com o objeto. O conhecimento que percebo de mim próprio com o que de verdade sou. Sem dúvida que, como se tem exaustivamente afirmado, o primeiro passo é estar nu diante de si, é exporse a si. Depois do acurado exame do objeto nu, sem qualquer categoria de disfarce, inclusive os autodisfarces; depois do pleno esquadrinhamento dessa fotografia, o que se tem a fazer é então perguntar. Diz Kant: Saber o que se deve perguntar de modo racional já é demonstração de inteligência e perspicácia. Tendo em vista que se a pergunta é em si disparatada e exige respostas desnecessárias, traz o inconveniente de envergonhar quem a formula e por vezes ainda provocar no incauto ouvinte respostas absurdas, apresentando o ridículo espetáculo de duas pessoas – como diziam os mais velhos – em que uma ordenha o bode enquanto a outra apara com uma peneira.11 Percebe-se que Kant, além de denso e vigoroso, o que todos apontam, tinha também um humor penetrante e engraçado... Imaginemos que as duas pessoas que ele indica sejam eu e eu. Quem quererá ordenhar um bode e ao mesmo tempo amparar com a peneira? Mas o próprio filósofo deu a pista: saber o que perguntar (não fugir, não escamotear, não tergiversar) e de modo racional, vale dizer, com o uso de uma razão afiada e corajosa. Para terminar, voltemos a Kant: Consistindo a verdade na concordância de um conhecimento com o seu objeto, esse objeto deve, por isso, distinguir-se de outros. Ora, um conhecimento é falso quando não concorda com o objeto a que é referido, mesmo contendo algo que poderia valer para outros objetos.12 Então, o que penso de mim tem que coincidir com aquilo que falo e faço, com o modo como ajo, com minha conduta e reações e interações. Mas a construção do autoconhecimento, solitária construção, ainda que em alguns momentos possa haver algum tipo de ajuda externa, é escarpada e dolorosa, tanto quanto na parturiente o são as dores do parto. Nesse momento sentimo-nos compelidos a um certo desvio, para uma análise de cena que se nos afigura como obrigatória. Aquela gênese do autoconhecimento que já é em si inerentemente dura, em qualquer tempo, querse crer seja particularmente árdua na atualidade, tempos esses de massificação, de mentiras, de superficialidades, de mercantilização de tudo (da própria vida), tempo do rápido, do descartável, e de muita hipocrisia para que se possa atingir esses falsos valores. A hipocrisia, mais do que nunca talvez, vem agindo com enorme desenvoltura e dá, inequivocamente, o tom político e das relações no mundo e no Brasil. Continuamos crescentemente vítimas de idolatrias (e continuamos miseráveis em iconoclastia). Nesses nossos tempos surgiram novos profetas, que têm sutilezas refinadas, ardis tecnológicos, e mantêm, assim (como outros faziam antigamente, mas por métodos mais grosseiros), a dominação que lhes convém, ou a seus grupos. Infelizmente, não seria exagero apocalíptico percebermos o mundo de hoje como decadente, em desintegração moral, cada vez mais sob o império de uma ideologia individualista, debalde tantos e heróicos esforços em contrário, mas, como críticos, orientamos nosso raciocínio pelo que, aparentemente, é o dominante. E dominante parece-nos ser uma atualização da máxima de Protágoras (quem diria?): “o homem é a medida das coisas”. Nossas atitudes cotidianas, a mecânica psicossocial de hoje, fazem-nos acreditar, de fato, que ao homem tudo pode e tudo se tornou possível – esclareça-se: ao interesse humano, à vaidade humana, à cobiça humana... Assim como parece ter ficado fora de moda (a não ser coisa de uns poucos grupos de esquisitos) a busca pelo transcendente, ainda que não místico, e pelo bem coletivo. A necessidade de transcendência, como se nota atualmente, se esgota – e é suficiente (?) – na construção de um Deus individual à semelhança de si! Nenhuma religião no mundo ocidental conserva mais a capacidade de poder estabelecer uma força ordenadora e uma divindade comum. Seria agora ingenuidade querer vincular a uma só entidade, como de certa maneira já foi no passado, a responsabilidade toda por tais mazelas do mundo. O mal se aprimorou, se qualificou (mais)... Está mais astuto, 13 Revista Baiana de Tecnologia Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006 MÁRIO JOSÉ DE SOUZA NETO / FAUSTO ANTONIO DE AZEVEDO camuflado, e... onipresente! Mas qual a fisionomia desse mal. Ainda que ela não seja muito nítida, algo existe que poderemos apontar e, aí, estaremos abrindo nosso flanco e dando margem à ampla artilharia que, por certo, se nos direcionará. Contudo, é indubitável que a ‘opinião pública’ é uma massacrante força formadora de normas, destinos e fatos. E onde está o mal nisso? Acontece que a ‘opinião pública’ não constrói sua opinião a partir de raciocínio próprio, de forma reflexiva, sensata, e, muito menos (irônica ironia) com cuidados maiêuticos... Alguém forma e forja a ‘opinião pública’ e esse alguém é preponderantemente a mídia, a imprensa. Não sejamos levianos em acusar a ou b, isso ou aquilo, mas não sejamos ingênuos a ponto de dizer que a liberdade de imprensa é uma ‘fonte de verdades’ e um ‘baluarte das democracias’. Seria, houvesse de fato democracia e fosse de fato a imprensa livre de interesses. Para embasar, basta que nos lembremos de algo muito singelo: que num país de 170 milhões de habitantes, o que somos hoje, 170 milhões de seres diferentes, de visões, de opiniões, de credos, de realizações, de poesias, de imagens, de sincronias e idiossincrasias, 170 milhões de impulsos de diversidade, toda bendita noite, uma única emissora de televisão, a partir de desígnios de, seguramente, apenas um quem (ou dois ou três, se tanto) estipula qual será a pauta do dia seguinte da vida da totalidade desses seres. O próprio governo federal é pautado por tal pauta... Liberdade?! Isso sem contar que em todo o restante da programação (grade, como chamam em seu tecnicismo), eles é que decidem o que você deve ver e saber... E sua opinião – e de seu vizinho, de seu chefe, de seu irmão, de seu empregado, de sua namorada, de seu filho –, mesmo que todos vocês não queiram, terá sido induzida pela ação da imprensa. Repetimos: não temos nada em contrário por definição; o ar negativo fica por conta de ser só isso o que se possui, sem contraponto (e sem contraponto não há dialética...). Por fim, iremos mais além nessa ousadia provocativa e diremos que tem havido uma grande nostalgia do ‘ser rebanho’ dos tempos medievais, quando todas as almas eram comandadas pelo que queria a Santa Madre Igreja Católica. Há, inegavelmente, um poderoso apelo no ‘ser rebanho’, representado pela inconseqüência, pela comodidade do não- 14 Revista Baiana de Tecnologia Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006 ter-que-pensar, porque tudo está pensado por outrem: pessoas ou instituições. E quem é hoje, se não é mais a Igreja, o grande pastor do rebanho mundial? De novo acertou quem pensou a imprensa, a grande mídia (e toda a imensa cadeia produtiva que está nisso). Mas, saindo da armadilha dessa grande digressão (e agradecemos ao leitor pela gentileza de nos concedê-la), em que pontos ela se articula com o escopo de nosso texto? De uma dupla maneira. Primeiro, porque fornece elementos para tentarmos entender porque é tão difícil, exaustivo mesmo, para as pessoas, hoje em dia, principalmente os jovens, praticarem o pensamento – o seu real pensamento, se podemos dizer assim. Sobretudo os jovens, enfatizamos, porque a eles pertence o momento e o reconhecimento da contestação, a eles se credita, mais do que a outros, o direito de não concordar, de indagar, de contraargumentar, de exigir, de confrontar. Mas fica muito difícil quando todas as demais mentes estão formatadas por paradigmas de outros alinhamentos e intenções. Como eu posso mergulhar em mim, procurar o autoconhecimento desvestindo-me do tudo que aí fora está dito que eu sou e para eu ser ? Como eu posso, sozinho, lutar contra isso sem parecer estranho, sem ser rotulado de ‘chato’. Se o ‘modo de ser’, o dourado ‘modo de ser’ bombardeado pela mídia é um, e o rebanho o assume (e agora chegaram ao requinte de televisionar, 24 horas por dia, uma dúzia de moços e moças a viverem, enfadonhamente, numa casa fechada, esse ‘modo de ser’), como solitariamente eu poderei ser outro, sabendo que minha energia emocional tem que se nutrir nesse mundo além de mim? Essas perguntas, e tantas mais da mesma genética, poderiam ser feitas quase interminavelmente. Então, é hercúleo, sem dúvida, nos tempos presentes e para um ser humano comum (e comuns somos todos nós), remar contra a corrente, fazer a imersão, e tentar descobrir o que verdadeiramente se é, o que eu sou em minha essência, na alma, na fronteira última, e não aquilo que a agência de publicidade XY diz que eu sou (ou deveria ser), porque algum profissional ‘criativo’ assim concebeu, em atendimento à multinacional KW, que por sua vez, além de fabricar o imprescindível e vital rororo que ela quer vender, é também a acionista majoritária do Jornal YHYH (o A Personalidade daquele que Exercerá o Papel de Líder mesmo da TV YH e da potente rádio YH), o principal, mais influente e mais lido do meu país e que, num mise-en-scène diabólico, até mantém em suas fileiras alguns dos maiores articulistas da imprensa, nos quais eu sou incapaz (incapaz mesmo, isto é, não tenho por mim/em mim a capacidade crítica) de desacreditar... Todo esse intricado cenário só faz inibir o jovem, desorientando-o. Temos insistido em referir o jovem, i) porque é o Brasil um país de população jovem, de acordo com todas as estatísticas do IBGE13, ii) porque a maior parte das pessoas que constituem o suposto público-alvo dos cursos e livros de liderança são do sexo masculino e têm até 30 anos de idade (observação pessoal), iii) porque é exatamente esse o segmento da PEA (População Economicamente Ativa) destinado a comandar projetos e empresas no curto e no médio prazos. Uma força que atua potentemente durante essa idade jovem, e que teve seu epicentro na adolescência, é a da agregação, da formação de grupo. Quanto mais jovem se é (cronológica ou psicologicamente) maior a necessidade de turma e mais difícil a convivência com a solidão amadurecedora e com imersões em si, o que se dizer então da assunção de comportamentos não tribais. Eis a grande dificuldade que o exercício do autoconhecimento tem a encarar. Além do mais, é inegável a tendência dos mais jovens à veneração, o que via de regra resulta em cegueira. E como nossa atual lógica de mercado postula tudo isso: o consumo, a padronização, a aglutinação, a formação de torcidas (diferentes, muito bem, mas todas no mesmo paradigma: posso consumir tênis diferentes, mas todos consumem tênis; posso gostar de conjuntos diferentes, mas todos compram CD e ingressos para espetáculos...), a construção da personalidade individualizada e não-rebanho fica cada vez mais custosa e penosa. Vale a pena agora fazermos coro ao Augusto Cury, finalmente uma autoridade no assunto que levanta a voz para dizer14: Nossa espécie tem consciência da grandeza da inteligência de cada ser humano? Pouquíssima! Quando vejo os jovens correndo freneticamente atrás de alguns cantores ou atores sinto malestar. Eu me pergunto: que sociedade é essa em que alguns são colocados no placo e a maioria na platéia? Que sociedade é essa em que alguns são supervalorizados e a maioria é relegada ao rol dos anônimos? Essa, caro professor Cury, é a sociedade de consumo, do máximo consumo, do ganho incessante, da acumulação de poder, da exclusão, e isso tudo só funciona em escala, em linha de produção contínua, e promover a diversidade implode a linha de produção... Mais uma observação ácida: os que muito admiram a outros, os idolatram, estão – essa é a mecânica! – diminuindo a si, minimizando a grandiosidade do fenômeno que são, estão se inferiorizando, estão se trocando por algo de fora de si que, seguramente, nem de longe vale aquilo que são. Por outro lado, os que se regozijam com a admiração de terceiros, e disso se nutrem, e sem esse alimento não sobrevivem, na verdade são tão pequenos e limitados quanto seus fãs, senão dissequemos: se me admiram é porque julgam que tenho (ou sou) algo que eles julgam não ter (ou não ser) e cobiçam. Portanto, por esse critério, mostramse, assumem-se, inferiores a mim e, então, tal admirar não pode ser digno de minha admiração . Nada há que se me possa acrescentar, e, no entanto, se mesmo assim preciso disso é porque pertenço à mesma categoria taxonômica. Segundo, porque sugere que por sob a mesmice, por sob a vontade de rebanho, surge também, embora com algum grau de anestesia, a vontade da diferenciação, a busca-culto da individualidade, da necessidade de se apartar para se ver e ser, e essa individualização, de alguma maneira, termina por reforçar o senso de competitividade, que tão bem o próprio sistema coopta, para, servindo-se daquela mídia de que falávamos nos parágrafos anteriores, e dos consultores especialistas sempre de plantão e da moda, produzir a crença na necessidade e na existência de líderes. E tome-se de cursos de fim de semana para formar os tais! E o círculo vira... E a empresa que os não promove não pertence ao tempo, e os executivos que os não freqüentam não somam estrelas, e os desempregados que não os buscam continuarão desempregados, perdendo pontos em seus currículos. E, então, os templos ficam lotados e os milagres e testemunhos apoteóticos se dão aos borbotões... Mas falávamos (ou antes, escrevíamos) do supremo esforço que se faz indispensável hoje para que alguém se renasça mediante o 15 Revista Baiana de Tecnologia Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006 MÁRIO JOSÉ DE SOUZA NETO / FAUSTO ANTONIO DE AZEVEDO mergulho no fundo de suas águas. Não é simples nem é fácil, como se discutiu, por isso mesmo é tão pouco visto e praticado. Platão doutrinava que a obtenção do autoconhecimento é um caminho árduo e metódico. Eis um ponto terminante: a construção do método para buscar o autoconhecimento autoconhecimento. Ainda consoante os ensinamentos de Platão, para que se realize a sabedoria (e buscar o autoconhecimento é uma forma de instituir e praticar a sabedoria), a contemplação, a filosofia, a virtude suma, a única virtude verdadeiramente humana e racional, é necessário que a alma racional domine, antes de tudo, a alma concupiscível, derivando daí a virtude da temperança , e domine também a alma irascível, donde a virtude da fortaleza. Eis, nesse ponto, uma boa ocasião para que se teçam algumas considerações a respeito de virtude e o seus significados para o projeto liderança. A palavra virtude é latina, vem de virtute, e coleciona entre os seus sentidos os de vontade permanente e firme de praticar o bem, qualidade moral, força moral, e, ainda, qualidade inerente para que se produzam certos efeitos. Optamos por nos alinhar aos que entendem que virtude nada mais é do que aquilo que nos garante e facilita a sobrevivência, portanto, é o que faz bem à vida (por isto mesmo pode acomodar-se a cada tempo e lugar). Da palavra virtude duas outras derivam: virtuoso (do latim tardio virtuosu), que é aquele que tem virtudes (e o líder deverá apresentar algumas delas), mas também é, interessantemente, aquilo ou aquele que produz efeito efeito; que é eficaz (claro está que não pode haver um líder não efetivo, ineficaz, pois essas seriam dimensões mutuamente excludentes, a da liderança e a da ineficiência); e virtuose, sinônimo de virtuoso, passando pelo francês, que entre outras acepções tem a de pessoa que domina em alto grau a técnica de uma arte (e liderar deve ser pensado como a prática de uma arte, tendo, portanto, o líder, que dominá-la em alto grau). Vamos agora arriscar algo herético: promover a reunião de oito virtudes convenientes à sobrevivência do líder e de 16 Revista Baiana de Tecnologia Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006 sua liderança . O que há de risco? É a leviandade de fundir quatro virtudes platônicas, as virtudes naturais (ou cardeais) – temperança fortaleza prudência temperança, fortaleza, prudência, justiça – com as quatro virtudes mencionadas por Nietzsche (aforismo 284 de Para Além do Bem e do Mal ) – coragem perspicácia, coragem, perspicácia simpatia e solidão . Não iremos abordá-las uma a uma. Confiamos na inteligência do leitor e em sua determinação de aprofundar seu conhecimento de cada uma delas, salientando que os dois pensadores citados também se encontravam, de certa maneira, preocupados com a formação de verdadeiros líderes, fosse o rei filósofo, fosse o filósofo do futuro. Patente está que nosso mister é muito mais limitado e humilde. Contudo, das oito, que nos detenhamos numa delas: a solidão. Esta porque, talvez, de algum modo amalgame todas as demais. Solidão (do latim solitudine) é a virtude que mais desapareceu de nossos tempos atuais. E mais: por uma série de motivos, e até de interesses, ela passou a ser associada a algo ruim, indesejável, discriminável, mesmo patológico. O dicionário a entende como estado do que se encontra ou vive só, isolamento, e também, situação ou sensação de quem vive isolado numa comunidade. Chame-se atenção para que o dicionário descreveu um estado e não emitiu qualquer juízo de bom ou mau a respeito. Mas o ser humano atual, em sua ânsia fremente e contínua de se referir pelos outros, de se espelhar nos outros, e de ter medo de si, passou a equivaler solidão a castigo, dando-lhe status de situação nefasta e deplorável. É fácil de ver que a sociedade de consumo e seus líderes e títeres fomentam a não solidão, isto porque a vida sempre em conjunto, em grupo, em turma (independentemente da já tendência humana ao gregário) anima, excita e faz buscar o consumo (do necessário e da miríade de supérfluos que há), na medida em que não deixa tempo e espaço para a busca da reflexão crítica. E esse mecanismo vai-se tornando de tal modo preponderante e poderoso, como bem quer a megamáquina, que nem ao chegar em casa, na brevíssima parte do dia em que fica só, o indivíduo sabe mais experimentar tal situação, tendo perdido por completo a percepção desse prazer, e, ao entrar, imediatamente liga aparelho de som, liga A Personalidade daquele que Exercerá o Papel de Líder televisão, aciona a secretária eletrônica para saber os recados, revista no celular as ligações não atendidas, em resumo: foge de si, foge do seu pensar, desperdiçando o bálsamo curativo que só a solidão por escolha fornece, que é o da limpeza, a depuração de todo o lixo absorvido nas atividades externas. E a cruenta ironia, da qual atualmente poucos se dão conta, é que a pessoa que assim age, conforme esse modelito, está por meio muito competente construindo os sólidos alicerces para uma solidão esta sim doentia, porque é a solidão decorrente do divórcio consigo, da separação entre o eu afazeres e o eu profundo, o eu agenda e o eu essência (restando este cada vez mais remoto, desconhecido, estranho – e, primeira reação do humano: o estranho sempre causa medo!). O eu práxis, esse eu mundano que todos nós também temos que ter, porque faz parte do dia a dia, vive em nosso eu maior, mas não pode se igualar a nós no todo, não se confunde conosco. No nosso entender, solidão, em hipótese alguma, é ser só ou estar só. Solidão é não ter vida interior interior, e é exatamente isso o que a maioria das pessoas está fazendo consigo ao não ficar só: está covardemente matando sua vida interior. O Big Brother, satisfeito, agradece... Para enriquecer o quadro e alargar a discussão, socorramo-nos da tradição cristã, que na Idade Média estipulou os sete vícios ou pecados capitais, anotados pela primeira vez por Egrávio do Ponto (345-399), um monge grego, e revistos por Tomás de Aquino, no século XIII. Eles nos servem como uma utilidade para que seja construído o edifício das possibilidades opostas, essas, virtudes libertadoras, ou potenciais libertadoras, do ser. Os binômios pecado-virtude contraposta são: i) avarezagenerosidade, ii) gula-comedimento, iii) invejadesapego, iv) ira-serenidade, v) luxúria-pureza, vi) orgulho (ou soberba)-humildade, e vii) preguiça-diligência. Ser generoso é não ser avaro. E aqui não vamos nos prender apenas ao aspecto material, do dinheiro, por exemplo. Talvez a pior forma de avareza seja aquela da mesquinhez do tempo, isto é, a agonia de só ter tempo para si e jamais para os que estão próximos ou mesmo para o mundo, porque, a todo rigor, quem sai perdendo é o próprio avaro. Nesse sentido, o oposto da avareza é a solidariedade, a qual, como escreve o filósofo materialista, ateu, André Comte-Sponville, em seu Pequeno Tratado das Grandes Virtudes , “só é verdadeiramente generosa desde que vá além do interesse”. À armadilha da gula anteponha-se o comedimento – óbvio que aqui o que se está a referir é mesmo o hábito de comer. Mas queremos extrapolar e registrar que hoje em dia as pessoas têm muitas gulas de diferentes qualidades além daquela do desejo de se alimentar. É importante que se estabeleça uma capacidade mínima de controle sobre todas essas gulas. Em sua obra Os Sete Pecados Capitais, Fernando Savater, filósofo espanhol, apregoa que a gula, “é uma forma rápida de apropriar-se de algo, é a metáfora da possessão absoluta”. Por esse ver, satisfazer tal gula é estar tentando preencher outros vazios que não o do estômago e, se assim for, isso carece de investigação honesta. O oposto da inveja é o desapego. Estar desapegado o suficiente para não ser ver vítima da tirania das invejas é altamente saudável. Quanto maior o desapego (não confundir com indiferença, ou mesmo com raiva dissimulada), maior a sensação de independência (aliás, independência própria e também dos/para os outros que nos cercam, vez que ficamos menos exigentes e cobradores). Ira neutraliza-se com serenidade. A ‘fachada’ externa de serenidade é, sem dúvida, uma medida da paz interior. Ira permanente, ou relativamente permanente, difusa e elevada está mais para o caso de um livro de psiquiatria ou de psicanálise que para um artigo tentativo sobre liderança. Os psicólogos e psicanalistas sabem como aconselhar uma pessoa portadora dessa manifestação. Fiquemos nós no caldo da filosofia e pensemos juntos com Sêneca: “a ira está presente somente nos seres humanos, pois a raiva animal é destituída de qualquer componente conceitual, e a verdadeira ira é sempre a emoção objetivando uma destruição específica”. Compete ao irado ocasional (não patológico) buscar descobrir o que ele quer destruir e por conta de que emoção negativa, para neutralizála pela mecânica da serenidade. A pureza é a virtude com a qual se pode luxúria. Um bom combater o pecado da luxúria dicionário dará para a palavra luxúria pelo 17 Revista Baiana de Tecnologia Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006 MÁRIO JOSÉ DE SOUZA NETO / FAUSTO ANTONIO DE AZEVEDO menos os seguintes significados: incontinência, lascívia; sensualidade; dissolução, corrupção, libertinagem. Está muito nítido para todos a correlação entre luxúria e o sexo. Mas não é só isso e isso não é tudo. Luxuriante é tudo aquilo que causa prazer, o prazer sensual, isto é ligado aos sentidos, e, de certa maneira, a relação do ser humano com os sentidos é uma grande batalha até agora não solucionada, desde os epicuristas, desde os hedonistas, e, principalmente, muito menos nos tempos atuais, de culto a todas as formas de prazer sensório. Ser puro não significa ser santo ou celibatário ou faquir. Permitam os leitores que façamos uso aqui de nossa formação básica em Toxicologia para construir uma comparação. A inteligência da estratégia em procurar manter-se puro tem a ver com a não intoxicação de nossos próprios sentidos e emoções e, por esse mecanismo bioquímico, estarmos com a sensibilidade sempre elevada para percebermos os estímulos externos em seu matiz diferenciado de intensidade e qualidade. O não intoxicado é mais sensível e percebe melhor, com mais acurácia. o mundo dos prazeres sadios à sua volta. A humildade digna, não servil, é o antídoto ao orgulho, à soberba. Aliás, saber ser humilde tem muito a ver com saber amar a verdade, isso desde Sócrates... E, por esse caminho, vamos descobrir a importância de ser humilde para a própria visão de si, ou seja, o reconhecimento e a aceitação natural das limitações e imperfeições. O maior prejuízo que a soberba causa à pessoa é a cegueira, isto é, ela perde capacidade de perceber em si mesma ou no exterior aquilo que pode ajudá-la a se aprimorar como ser. É inspirador invocar Santo Agostinho, que reflete da seguinte maneira: "Quando eu considero a mim mesmo, não sou nada; quando me comparo, valho bastante." A contraposição à preguiça é a diligência diligência. Porém, com inteligência e moderação (como tudo na vida), para que ela não se torne compulsão, obsessão. No objetivo mundo contemporâneo das grandes empresas e dos grandes empreendimentos, os que lideram os chamados negócios corporativos necessitam de mais uma virtude especial, de acordo com John Quelch15, especialista em administração de negócios globalizados: “saber ajustar negócios e estilo de administrar à cultura do país em que se está”. Diz ele16: 18 Revista Baiana de Tecnologia Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006 A habilidade de ouvir, observar e ter a mente aberta sem tirar conclusões rápidas. E adaptar, não necessariamente os próprios valores – não se deve abrir mão dos valores pessoais só porque se está num lugar diferente –, mas o estilo ou a maneira pela qual se interage com as pessoas, para uma forma mais humilde, adequada a um ambiente de negócios ao qual você não está familiarizado. E quanto à maneira de desenvolver as capacidades necessárias para um líder global (além de ir à escola para assegurar um conhecimento específico), ele reflete17: Quando um estudante vem para um curso de MBA, sempre surge essa questão: será que podemos moldar seus valores ou estes já estão arraigados desde a infância, forjados pelas experiências escolares, de forma que tudo que podemos fazer é selecionar pessoas que vão ser não apenas líderes excepcionais, mas também donos de uma poderosa bússola moral? A experiência no programa de MBA pode reforçar e aprofundar os valores que o aluno já tem quando chega aqui. No programa, os cerca de 900 alunos admitidos por ano são divididos em grupos de 85 pessoas, que ficam juntas o ano todo. Tudo o que fazem, fazem como grupo. Embora Harvard seja uma escola muito grande, cada pessoa é desafiada a desenvolver individualmente uma reputação e a ganhar a confiança de outras 84. Isso é um jeito importante de desenvolver os valores e o caráter das pessoas que vêem aqui. Mais uma vez retomando o fio condutor, e se é tão dificultoso, por que a insistência em se buscar o autoconhecimento? Quando não por outras questões (essas, de sabedoria, de virtude, de felicidade, de ética, etc., que não serão invocadas porque não é propósito ingressarmos, nesse artigo, em tal terreno filosófico), pela própria estratégia da formação de um líder, posto que sem autodomínio, o domínio de si, ninguém poderá exercer uma liderança, e só se pode atingir a condição de autodomínio pelo pleno (maior possível) autoconhecimento. Ainda recorrendo a Sócrates, mas agora pelo relato de Aristóteles, tem-se [em Ética a Nicômaco (VI, XIII), negrito nosso]: A Personalidade daquele que Exercerá o Papel de Líder Sócrates acreditava que as virtudes identificavam-se com a razão, considerando que todas eram ciências, e até chegava a afirmar, recorrendo à razão, que onde há ciência não pode faltar o domínio de si mesmo mesmo, pois ninguém que tenha inteligência age contra o melhor ou, se por acaso o faz, é por ignorância. A busca honesta e competente de autoconhecimento deverá levar a pessoa a conhecer-se, o que é atingir sabedoria, e a sabedoria leva, de volta, ao autoconhecimento, o processo sendo mutuamente retroalimentador e propulsor. Tal processo de três elementos pilares é o sólido alicerce para qualquer vislumbre ou veleidade de liderança. De forma pictórica na teríamos: FIGURA 2 Destaquemos que esse raciocínio de Sócrates, a nós trazido por Aristóteles, evolui ainda mais, do negrito “onde há ciência não pode faltar o domínio de si mesmo” para “pois ninguém que tenha inteligência age contra o melhor ou, se por acaso o faz, é por ignorância.” Complementaríamos, invocando o conhecimento científico e médico que hoje o homem dispõe: ‘por ignorância’ ou por algum distúrbio francamente psiquiátrico. Contudo, o que vale da frase, seu coração, é que quem tem ciência (saber) não age contra o melhor. Quem tem conhecimento real de si, e, portanto de seu entorno, age na melhor direção e na direção do que é melhor para si e para seu grupo, age na direção do certo (atitude obrigatória para o líder). Quem tem conhecimento do melhor e quer o melhor sabe amar. E onde entra nisso o amor? E qual o porquê? De trás para frente, o porquê é que nada na vida humana que se faça sem amor tem proveito ou sustentação (e, é claro, isto é um valor). Vivemos tanto hoje a moda das sustentabilidades: empresa sustentável, desenvolvimento sustentável, relação sustentável. É uma só e única a energia provedora das sustentabilidades seja no que for, e essa energia, eterna e contínua, é e precisa ser o amor. Qual amor, que tipo de amor? Um só, porque, em essência, só há um tipo de amor, e daquela qualidade como a que é apregoada por Paulo de Tarso, na epístola 1 Coríntios, capítulo 13, versículos 1 a 7: 1 Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. 2 E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria. 3 E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria. 4 O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece. 5 Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; 6 Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade; 19 Revista Baiana de Tecnologia Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006 MÁRIO JOSÉ DE SOUZA NETO / FAUSTO ANTONIO DE AZEVEDO 7 Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. E nesse amor ao próximo (equipe), nesse amor à causa (projeto), existe um interesse oculto, uma segunda intenção sadia: é que o “estado de amor” é uma condição pessoal de alta energia e, por isso, excelente fonte para realimentação permanente do espírito e para resistência a deformações. Poderíamos mesmo afirmar que, nas relações humanas, tudo que é feito desprovido de amor é imoral, porque pode se tornar relação de uso, apenas. Como imoral se tornou nas sociedades ocidentalizadas a mercantilização e a coisificação do humano. Fechamos com o entender de Platão, O amor é a causa do movimento que disse: “O da natureza. natureza.” Além do mais, amor é emoção – e emoção da melhor qualidade, e para que se dê o perfeito conhecimento de si, ainda mais em se tratando desse de si, há de haver a atuação conjunta, nas doses estequiometricamente corretas, de razão e de emoção. Peçamos ajuda a Wilhelm Dilthey18, para quem a explicação (razão) é própria das ciências naturais, e a compreensão é própria das ciências do espírito ou ciências humanas. Ele diz: “Esclarecemos por meio de processos intelectuais, mas compreendemos pela cooperação de todas as forças sentimentais na apreensão, pelo mergulhar das forças sentimentais no objeto.” Na matéria do humano, o grande impacto estabelecido pela revolução industrial, impacto que perdura até nossos dias e se agrava abissal, é que, consoante o provado por Max Scheler19, o aprimoramento tecnológico, que permitiu o FIGURA 3 20 Revista Baiana de Tecnologia Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006 avanço na capacidade de produção, terminou por equivaler, ou mesmo igualar, o ser humano a dinheiro. A grande equação da revolução industrial foi: homem = produção = dinheiro. Ora, matematicamente se A é igual a B e B é igual a C, então A é igual a C. Portanto, o homem fica igualado ao dinheiro. Fica mercantilizado, fica coisificado. Tanto pode ser trocado por um rolls-royce quanto por uma banana, dependendo do homem... Cremos que só mesmo o insano poderia enxergar em nossas relações humanas atuais a não falta de amor. E a verdadeira liderança, em si e para atingir seus resultados, só pode ser um ato de amor. A liderança verdadeira deriva de uma causa, que se sustenta numa visão que só se realiza num ato de amor – E NÃO EXISTE TÉCNICA PARA QUE SE ENSINE AMOR! E é assim que entra o amor no tema da liderança, como uma capacidade do ser prévia à liderança e agudamente necessária. Uma capacidade potencialmente sempre existente. Nascemos já providos dessa capacidade, mas que só pode ser despertada e praticada em toda sua grandiosidade e poder quando nos conhecemos. E, surpresa, o eterno retorno à necessidade de real autoconhecimento! Sem um profundo autoconhecimento não se sabe amar (e, tristemente, é isso o que abunda na praça, na grande bolsa dos relacionamentos, no mercado das trocas superficiais...). Sem amor não há largueza de visão, não há trato, não há percepção, muito menos empatia, não há nada que nem muito remotamente lembre algo de liderança. O diagrama da Figura 3 oferece alguma dinâmica à idéia apresentada. A Personalidade daquele que Exercerá o Papel de Líder Para investir ainda mais nessa nossa reflexão, sugerimos aos que puderem que conheçam um pouco da obra de Martin Buber20, pois somos levados a pensar que o verdadeiro líder (se isso pode existir) só será aquele que em relação a todos os que o cercam houver desenvolvido o diálogo “eu-tu eterno”, e um tal líder é aquele que jamais se separa dos seus ou da causa. A visão política de Buber associa inseparavelmente paz e justiça, tanto nas relações interiores como nas exteriores às comunidades humanas. Para ele, ser um nós é reconhecer que a responsabilidade constitui a face ética do diálogo, o cordão umbilical da Criação. E entender que somente os que são capazes de dizer um ao outro: tu, podem dizer um com o outro: nós. Em filosofia deu ênfase à opinião de que não há existência sem comunicação e diálogo e que objetos não existem sem a interação. As palavras-princípio, Eu-Tu (relação), Eu-Isso (experiência), demonstram as duas dimensões da filosofia do diálogo que, segundo Buber, abarcam a existência. Mas existe ainda mais um elemento amplamente favorável a essa nossa tese da importância do amor no processo de liderança (seja a externa, seja a interna): a dita resiliência. Parece ser mais uma novidade no ar e bastante atraente para esse nosso campo da liderança e da auto-ajuda: um tipo de atributo descrito não faz muito tempo pelos psicólogos, os quais, por serem americanos, o batizaram com uma palavra do léxico inglês e que foi imediatamente assumida pelos atualizados brasileiros. Trata-se da já muito discutida resiliência. Isso vem de resilience, que é um termo do domínio da física, da matéria, significando a propriedade pela qual a energia armazenada em um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão causadora duma deformação elástica, ou, trocando em miúdos, é a capacidade de resistência de um corpo ao choque, o quanto consegue resistir, deformando-se, antes que se quebre (algo ótimo para existir cada vez em grau maior em nossos automóveis). Por derivação, resiliente (do inglês resilient) é aquele (corpo) que possui resiliência, ou seja, que é elástico (indeformável até certo limite). Bem, dissecando a metáfora (o que seguramente o leitor atento já fez), uma pessoa ‘resiliente’ seria aquela com capacidade (adquirida? desenvolvida? inata?) de resistir a e de superar choques ou situações de grande ameaça (superar verdadeiramente, sem que restem seqüelas), evidenciando assim um agudo talento de adaptação. Parece que a tal capacidade de resiliência tanto tem um componente inato, quanto pode ser aprimorada pelas experiências de cada qual e por sua atitude diante dos fatos e da vida. Haveria como que uma ‘energia’ interna que a alimenta e, depois, os sucessivos sedimentos decorrentes de aprendizados de situações reais. E essa energia interna é, para nós, produzida a partir do amor: o amor da pessoa por si ou pelo outro ou pela causa, que a faz enxergar o futuro, o projeto maior, o todo, e lhe aumenta a crença ao tempo em que lhe faculta vergar ao máximo ante o baque sem que haja a ruptura. A seção brasileira do International Stress Management Association (ISMA-Br) realizou uma pesquisa que forneceu algumas interessantes informações: i) 97% dos ‘resilientes’ teriam elevada auto-estima (são capazes de enxergar os obstáculos como desafios a serem superados); ii) 86% deles são bastantes flexíveis, o que equivale a ampla capacidade adaptativa (residindo aí uma boa criatividade para a superação dos obstáculos); iii) 78% dessa seleta comunidade mantêm objetivos de vida definidos e têm clareza quanto à sua existência. Alguns retoques, contudo, cabem. Primeiro, é que a transposição do mundo físico para o psíquico não pode ser tão literal, porque no segundo universo a elasticidade não deve ser absoluta, pois se o fosse significaria que sempre absorveríamos os choques e voltaríamos exatamente ao mesmo ponto de antes, portanto não teríamos aprendido, muito menos crescido (e seríamos eternamente presa para o mesmo predador...). Quando desalestecemos após um impacto, voltamos a algo diferente, necessariamente um novo ser. Caso contrário, não haveria jamais ganho humano algum com nossas tragédias, e, está provado, a humanidade tem evoluído exatamente por conta desse interminável processo de deformação e ‘retorno’ a um elemento outro, pós-deformação (algo muito semelhante, no campo do biológico, ao mecanismo antígeno-anticorpo: podemos ficar doentes outra vez logo depois de vencida uma dada moléstia infecciosa, mas se for doença de mesma natureza terá sido provocada não pela mesma causa, porém uma mutante dela – e nos defenderemos plasticamente outra vez 21 Revista Baiana de Tecnologia Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006 MÁRIO JOSÉ DE SOUZA NETO / FAUSTO ANTONIO DE AZEVEDO ainda, até que chegue a morte. Quanto à primeira doença, meu sistema imunológico a absorveu, analisou e sintetizou antígenos competentes, passando a manter tudo isso na memória. Portanto, ele, o sistema imunológico, amadureceu e já não é mais o mesmo). Segundo, essa capacidade de absorver choques, não é definitiva, perpétua, infalível. Às vezes, mesmo num caso tolo, ela pode não aparecer. E volta-se à necessidade do autoconhecimento para tentar saber o porquê. Terceiro, decididamente, ela não é genética: não pode ser passada de pai para filho – tem que ser construída e conquistada. Quarto, ela não é coisa de super-herói: é apenas mais uma manifestação do imenso, múltiplo e sempre surpreendente instinto de sobrevivência. De qualquer sorte, por que toda essa discussão? Apenas para nos lembrarmos de que um líder (ou alguém que queira sê-lo numa determinada situação e para uma dada finalidade) certamente enfrentará obstáculos, adversidades, contrariedades (muitas vezes poderosas) e precisará ultrapassar todos esses fatores contrários, precisará saber lançar pontes. Afinal, a tal resiliência, muito mais do que ser uma forma de desentortar-se deve ser uma maneira de se atingir a outra margem, aquela onde já se previra chegar... E assim é para tudo na vida. O motivo de nosso radicalismo e abnegado enfrentamento a todos esses livros e cursos de tangenciais e maldosas receitas de como se fazer líderes é que, por não serem sérios e objetivarem apenas a realização de seus próprios lucros, não descem à questão fundamental que é a da formação não do líder (que, como se discutirá adiante, não existe), mas do ser. Ora, fazer o que insinuam, ou mesmo explicitamente mandam tais ‘livros’ e ‘cursos’, é tentar aplicar uma cantilena de técnicas postulares sobre uma matéria quase sempre amorfa e sem vida. O resultado, à parte o ganho desonesto de um, é o soçobrar ruidoso do outro, o pobre aluno, a vítima, o iludido sonhador. Interporão muitos, com pertinência: “mas a formação do ser é função dos pais, da sociedade e do Estado”. Tudo isso, no entanto, tem falhado escandalosamente e, justamente por tal motivo, proliferem talvez tantos cursicos e livrecos de auto-ajuda e de liderança. Toda vez que a verdadeira educação, a ontológica, aquela da gênese do ser, não se dá, encontra- 22 Revista Baiana de Tecnologia Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006 se moribunda, surgem as muitas educações especializadas para isso e para aquilo: educação para o trânsito, educação sexual, educação ambiental, educação para a liderança, e outras tentativas natimortas, num fenômeno de miopia, segundo o qual se passa a olhar a parte e não o todo, o galho e não a árvore. Mas de fato, se o assunto é educação, o que se dá é que desde longa data (se é que algum dia já o fomos) não somos treinados, não somos educados, no sentido do fazer-se ser , do autoconhecimento. Não temos nem o hábito nem a técnica finalizada para isso. Daí, repetimos, tanta dificuldade. Ademais, nesses nossos tempos, não da globalização, mas de sua mutação mais perniciosa, tempos da homogeneização, buscar a essência de si e a essência de ser implica, comprovadamente, em desgarrar do ‘rebanho’, em marchar contra o passo, e acabou se tornando tarefa de herói, quase de super-homem (desculpem-nos que recorramos ao mito, mas é bem essa a envergadura do desafio). E apenas para terminar a crítica a nosso processo educacional, registre-se, só de passagem, que nosso sistema universitário há décadas e décadas vem-se especializando com afinco em formar bons profissionais empregados – ‘ter um bom emprego é tudo que se almeja’ – e, não, formar empreendedores. O líder é um empreendedor; o empreendedor precisa ser líder; e o maior empreendimento que há é a própria vida. E, para mostrar que não há mar de rosas, vamos admitir que algum candidato talentoso e abnegado tenha conseguido suplantar a barreira do autoconhecimento e todas as demais dessa corrida de obstáculos e haja, finalmente, atingido o status de líder de um acontecimento. Só então é que ele se verá frente a frente com o maior de todos os desafios: o de mandar. Sim, porque por mais que técnicas de relacionamento queiram dissimular (e há grande risco nisso, por exemplo, a virulência do fingimento), o líder terá que mandar, inclusive, e eis a maior de todas as dificuldades, mandar em si próprio. O filósofo a quem já recorremos antes, Nietzsche, quando se volta a discutir moral do nobre e moral do escravo, e genealogia da moral, faz o seguinte interessantíssimo comentário21: Mandar é mais difícil do que obedecer; e não apenas porque aquele que manda A Personalidade daquele que Exercerá o Papel de Líder suporta o peso de todos os que obedecem, e essa carga facilmente o derruba. Mandar parece-me um perigo e um risco. E quando manda, o vivo sempre se arrisca. E quando manda a si próprio também tem de expiar a sua autoridade, tem de ser juiz, vingador e vítima das suas próprias leis. Para comandar uma tarefa, seja ela solitária ou compartilhada com outros, o primeiro passo e fator limitante do processo, é a vontade vontade. Mas o que é vontade? Muitos filósofos de alto quilate a têm especulado, Arthur Schopenhauer, por exemplo, em boa parte de sua obra, mas não queremos esmiuçar o tema aqui. Basta lembrarmos que por trás dessa leve e simpática palavrinha se oculta um complexo mundo de sensações, suposições, desejos, expectativas, afetos e gratificações. Um indivíduo pode, num dado momento de sua vida, arregimentar em si todos os pré-requisitos para liderar um desafio qualquer, sobretudo, como foi dito antes, pode mesmo ter obtido um excelente nível de conhecimento próprio, porém se ele não tiver a vontade para tanto, mais ainda, conhecimento e consciência dessa sua vontade, de suas artimanhas, do que ela disfarça de prazer pela realização e pelo comando, ele não será um líder, mas um ditador de ordens de comando. É absolutamente necessário que o caminho do autoconhecimento tenha conferido ao sujeito uma noção tão honesta e tão exata de si quanto possível, de suas forças, de suas fraquezas, de seus propósitos, de sua capacidade de diligência, do grau de sua independência nas decisões e encaminhamentos, para que a partir disso ele avalie (e a vida é sempre avaliação) a força de sua vontade e o quanto dessa poupança há depositado no banco da ação, porque saques acontecerão, e muitos. Voltando, ainda uma vez ao Nietzsche, ele bem diz a respeito dessa vontade de comando, no Para além do Bem e do Mal, Capítulo 1, aforismo 19: [...] a vontade não é somente um complexo de sensações e reflexões, mas também um afeto: precisamente o do comando. Aquilo que se denomina “livre arbítrio” é essencialmente o afeto de superioridade em relação àquele que deve obedecer. “Eu sou livre, ‘ele’ deve obedecer.” Essa consciência é inerente a toda a vontade, tal como aquela tensão da atenção, esse olhar direto que fixa exclusivamente um objeto, essa valorização absoluta da “necessidade de fazer isso e não aquilo”, essa certeza íntima de que se será obedecido, e tudo mais que pertence ao estado próprio do que comanda. Um homem que quer ordena a algo dentro de si, que obedece, ou que ele julga que obedece [...]. Mas talvez a vontade só não seja suficiente. Se lermos a obra de Émile Coué22 descobriremos que, segundo o autor, o que nos impulsiona mesmo adiante, para o bem ou para o mal, é a auto-sugestão consciente, que vem do poder da imaginação. Imaginação, outro grande aliado que podermos ter. Uma forte capacidade de imaginação se confunde com a visão, indispensável ao exercício de liderança. Autoconhecimento e vontade e consciência da vontade. Está pronto o arsenal? Ainda não. Infeliz ou felizmente outro item (bem/valor?) lapidar também precisa estar em cena e ser discutido, que de relance já foi tocado antes no texto: a independência. Independência é essencial à liderança. E só pode ter independência, o máximo possível (máximo possível porque não queremos entrar na venerável questão de independência ser a ausência de causas), quem de fato se autoconhece e domina e lidera, também ao máximo, a fisiologia de suas vontades. Permitindo-nos a redundância óbvia, independência é não depender: não depender materialmente, não depender emocionalmente, não depender psicologicamente, não depender historicamente, não depender intelectualmente, não depender politicamente, tudo isso na medida dos limites de suas possibilidades. E, mais importante, a sutil armadilha sempre à espreita: não depender de si, isto é, de seus fantasmas (sobretudo os do passado, da infância e adolescência), de seus demônios, das vozes do inferno próprio que querem auferir alguma forma de vantagem ou benefício egoísta daquilo que se está a fazer. É muito comum percebermos na ação de líderes (pseudolíderes) interesses velados, escusos. Ora, o que se passa é que se o líder ao liderar tem de fato algum outro intento em mente que não a consecução do próprio mister da liderança para um aquilo, se, secretamente, ele vislumbra um ganho pessoal, só dele (ou ainda que para um outro grupo seu), além de estar traindo o processo, maculando-o de falsidade, ele estará realmente construindo uma não-liderança na proporção em que a 23 Revista Baiana de Tecnologia Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006 MÁRIO JOSÉ DE SOUZA NETO / FAUSTO ANTONIO DE AZEVEDO verdadeira liderança só existe em estado de franca independência do espírito do líder. A liderança real não se subordina a interesses que não o resultado antevisto para aquele processo – e só ele – e pactuado entre todos. E convém registrar o grau de dificuldade intrínseco a ser independente. Dificuldade e riscos. Independência é atributo de poucos. O diagrama da Figura 4 pode auxiliar na visualização dos temas. Convém, nesse ponto, invocarmos alguma calma e algum bom senso. O autoconhecimento, em nosso entender, é, em si, também um processo. Ninguém deve se iludir imaginando que após estudar o assunto, arquitetar a técnica que lhe seja mais condizente e aplicá-la, culminará por atingir uma verdadeira percepção tomografada de si. Isso não existe. Então, com raiva e razão poderão nos interpelar: e para que tanta conversa se é assim? Pois aí está o fulcro: autoconhecer-se deve ser tomado como meta permanente, algo que tem começo e não tem fim (senão com a morte), mas que a cada ciclo completado nos catapulta a um patamar mais profundo e melhor da incrível capacidade de percepção de si. Lancemos mesmo à discussão a referência das permanentes transformações da vida, da fluidez dos fatos, das contínuas alterações dos marcos e das perspectivas, tanto ao modo heraclitiano quanto ao aprofundamento nietzschiano, para que possamos postular que tão rápido quanto nos conhecemos mediante um exercício sério de autoconhecimento já precisamos nos investigar novamente, posto que o próprio fato de atingir um nível mais elevado de autoconhecimento já FIGURA 4 24 Revista Baiana de Tecnologia Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006 nos modificou. Por isso, não cremos que haja o risco, a cilada, de tornarmo-nos desinteressantes para nós por melhor nos conhecermos. Explicase: advogam alguns psicólogos e outras autoridades que o ser humano perde o interesse por aquilo que passa a conhecer, como se nossa curiosidade e nosso interesse fossem sempre dependentes do mistério. Por outro lado, há quem reivindique também que temos uma inata tendência de afeição àquilo que conhecemos... Seja como for, sublinhe-se que o processo de autoconhecimento não fornece um produto acabado, pronto (há mesmo autores de peso que desacreditam da possibilidade de haver um autoconhecimento). Ele, tão somente pode melhorar o conhecimento que de nós temos (nos aspectos qualitativo e quantitativo) e precisa estar sendo constantemente refeito e avaliado e... validado! Cumpre notar que o processo de autoconhecimento, a busca do conhecimento do próprio, do eu, do interno, poderá trazer em si temperos especiais. Por exemplo, o despertar ou o salientar do cuidado, do zelo por si. Quando e quanto melhor me focalizo, aí necessariamente incluindo o inventário dos pontos fracos e reais carências, mais posso, talvez, adotar mediadas cuidadosas para proteção adequada, superação e crescimento interior. O cuidado é um atributo, uma faculdade bastante importante. É curiosíssimo constatar que tal palavra deriva do latim cogitatu , com o significado de pensado, pensamento, reflexão (Cogito ergo sum, penso logo existo, Descartes). Para nós, em seu A Personalidade daquele que Exercerá o Papel de Líder conteúdo semântico atual sobressaem, dentre outros, os de: atenção, precaução, cautela, desvelo, zelo, inquietação de espírito. Assim, cuidar de si seria pensar em si com competência suficiente para saber ter precaução por si e acautelar-se. Cuidar de si seria inquietar o próprio espírito na busca do eu mais verdadeiro. Estamos a nos referir não a cuidados de corpo, que esses todos os têm, vez que derivam automaticamente do instinto de sobrevivência e sua força avassaladora (a ausência desse tipo de cuidado numa pessoa denota patologia psicológica). O que queremos de fato enfatizar é o capítulo do sutil cuidado com a mente, com o ser, com a experiência de ser e a experiência de vida. Nosso ser será sempre nosso maior patrimônio, nunca rivalizado por qualquer tipo de riqueza ou poder. Conhecer e cuidar desse patrimônio implica em: i) manter elevada a auto-estima positiva, ii) melhor perceber aos outros e não ter vergonha de evidenciar cuidados, no cabível, por eles também, iii) por extensão, cuidar do que é externo ao ser, destacadamente da natureza, mãe e fonte da própria vida que me disponho a cuidar. A essa altura cremos que o leitor já estará cansado dessa apologia da importância do autoconhecimento, e, ou ele se convenceu absolutamente de nossos argumentos, dispensando outros, ou ele se fortaleceu inabalavelmente na posição contrária e mais argumentos seria algo enjoativo para ambas as partes. Se for assim, para finalizar então, sinalizaríamos que as prováveis conseqüências da não busca permanente do autoconhecimento são: não acumular as ferramentas apropriadas para a autoliderança e muito menos a liderança de outros ou de projetos; por esse motivo não ser capaz de se guiar no mundo interno e no externo, ficando a mercê das armadilhas múltiplas que nos dois existem; e, então, ser arrastado pela vida afora por causas interiores (a ação dos fantasmas), por causas exteriores ou por vontades alheias. Nada mais melancólico, principalmente quando lembramos a indescritível riqueza do fenômeno da vida e, mais ainda, que a vida de cada um dá-se uma só e única vez. Não tem replay... E, terminando de vez, devemos ainda registrar um tremendo benefício colateral para quem persegue o autoconhecimento (atividade que deve ser encetada durante toda a vida pensante reflexiva): a prática de se conhecer, por meio da técnica mais ajustada e da disciplina para tanto, fatalmente ajudará muito a pessoa a compreender o mundo que a cerca, a melhor compreendê-lo. Ocorrem-nos aqui os ensinamentos de Paul Ricoeur23, que, falando a respeito da hermenêutica, nos diz que compreender um texto é encadear um novo discurso no discurso do texto (vamos supor que o texto seja nosso próprio eu, nosso livro interior, o registro do que temos sido e temos feito). Isto supõe que o texto seja aberto. Ler é apropriar-se do sentido do texto. Dum lado não há reflexão sem meditação sobre os signos; doutro lado, não há explicação sem a compreensão do mundo e de si mesmo. Além do mais, servindo-nos da lógica filosófica, como o pensamento é a manifestação do conhecimento, e o conhecimento é a busca da verdade, quem não conhece e quem não se conhece não sabe pensar. NOT AS NOTAS 1 David Copperfield (The Personal History, Adventures, Experience and Observation of David Copperfield the Younger of Blunderstone Rookery) é uma novela do escritor inglês Charles Dickens (1812-1870), publicada pela primeira vez em 1850. Muitos críticos detetaram no personagem Copperfield traços de uma autobiografia do escritor. Seu pai, um escriturário, ganhava bem, mas gastava com extravagância. Acabou preso. Dickens saiu do colégio com 12 anos, indo trabalhar numa fábrica. A história do personagem é similar: o pai de Copperfield também morreu forçando-o a amadurecer mais depressa. Ele deixa as brincadeiras de criança e parte para uma carreira que o transformará em escritor vitorioso. 2 Processo que já tentávamos em artigo anterior: SOUZA NETO, M. J.; AZEVEDO, F. A. de. O trinômio líder-liderança-liderado como realização positiva. TECBAHIA R. Baiana T ecnol. Tecnol. ecnol., Camaçari, v. 20, n. 1, p. 6-19, jan./abr. 2005. 3 Friedrich Wilhelm Nietzsche. O Crepúsculo dos Ídolos, ou Como Filosofar com o Martelo (no original alemão Götzen-Dämmerung, oder Wie man mit dem Hammer philosophiert), escrito em 1888. 25 Revista Baiana de Tecnologia Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006 MÁRIO JOSÉ DE SOUZA NETO / FAUSTO ANTONIO DE AZEVEDO 4 NAVARRO, Eduardo de Almeida. Sócrates Sócrates. São Paulo: Martin Claret, 2005. p. 23. (Coleção pensamento vivo). 5 Referência à obra de Franz Kafka, A Metamorfose (1916), que narra o caso de um homem que acorda transformado num gigantesco inseto. 6 Hilary Whitehall Putnam é um filósofo norteamericano que nasceu em 1926 e é figura proeminente da filosofia ocidental desde os anos 1960, particularmente em filosofia da mente, da linguagem e da ciência. 7 Para quem deseja mais a respeito de técnicas de autoconhecimento, ler: Augusto Cury, Inteligência Multifocal, Cultrix, São Paulo, 1998 e, do mesmo autor, Seja líder de você mesmo, Sextante, Rio de Janeiro, 2004. 8 NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. O nascimento pessimismo. da tragédia, ou helenismo e pessimismo São Paulo: Cia. das Letras, 1996. (No original alemão Die Geburt der Tragödie, Oder: Griechentum und Pessimismus. 1886). 9 MACHADO, Cristina G. Nietzsche Nietzsche: uma perspectiva além da moral. Rio de Janeiro: UERJ, 2000. (Monografia – Especialização em Filosofia Contemporânea). 10 KANT, Immanuel. Crítica da razão pura pura. São Paulo: Martin Claret, 2005. p. 93. (III – Divisão da Lógica Geral em analítica e dialética). 11 Idem. 12 Idem. 13 [IBGE] INSTITUTO BRASILEIRO DE Dados GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. estratificados da população brasileira, censo 2000 2000. Disponível em: <http:// www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/ censo2000/populacao/pop_Censo2000.pdf>. 14 CURY, Augusto Cury. Seja líder de si mesmo. Rio de Janeiro: Sextante, 2004. p. 13. mesmo 15 John Anthony Quelch é um acadêmico, administrador, servidor público, diretor corporativo e consultor. Desde 2001 é reitor associado da Harvad Business School. Entre 1998 e 2001 foi vice-chanceler da London Business School. As pesquisas de Quelch se concentram na estratégia de negócios globais. Seus últimos livros (em coautoria) são: Business Solutions For The Global Poor (Jossey Bass, 2007); The New Global Brands: Managing Non-Governmental Organizations in the 21st Century (Thomson, 2006); The Global Market 26 Revista Baiana de Tecnologia Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006 (Jossey Bass, 2005) e Global Marketing Management (5a edição, Thomson, 2005). Seu próximo livro, Marketing and Democracy, será publicado pela editora da Business School, no fim de 2007. 16 Entrevista a Executivo de Valor, Março de 2007, Ano 7, Número 7, páginas 18 a 20. 17 Idem. 18 Wilhelm Dilthey nasceu em Briebrich, Renânia, em 19 de novembro de 1883, e faleceu em 1º de outubro de 1911. Formado pela Universidade de Berlim, concentrou-se em pesquisas psicológicas e estudos históricos e literários. Em 1883, surge o primeiro volume de sua Introdução ao estudo das ciências humanas, obra em que procura assegurar uma independência de método às ciências do homem ou ciências do espírito. Tal distinção entre ciências da natureza e ciências do espírito teria forte repercussão, suscitando polêmicas que chegam até hoje no pensamento filosófico. As ciências do espírito teriam como objeto o homem e o comportamento humano. Suas principais obras: Estudos sobre os Fundamentos das Ciências do Espírito; Teoria das Concepções do Mundo; A Essência da Filosofia (1907); A Análise do Homem; A História da Juventude de Hegel; Estudo sobre a História do Espírito Alemão. 19 Max Scheler nasceu em 22 de agosto de 1874, em Munique, e faleceu em 19 de maio de 1928, em Frankfurt am Main. Tornou-se conhecido por seus trabalhos em fenomenologia, ética e antropologia filosófica. Desenvolveu o método filosófico do fundador da fenomenologia Edmund Husserl e foi chamado por Jose Ortega y Gasset “o primeiro homem do paraíso filosófico”. Em 1954, Karol Wojtyla, mais tarde o papa João Paulo II, defendeu a tese de doutorado Uma avaliação da possibilidade de construir uma Ética Cristã com base no sistema de Max Scheller. O centro do pensamento de Scheler é sua Teoria do Valor, segundo a qual o “valor-ser” de um objeto é anterior à percepção. A realidade axiológica dos valores é anterior ao conhecimento. Valores e seus correspondentes ‘desvalores’ existem em um ordenamento objetivo de categorias. Outras de suas importantes idéias foram: categorização de valores, intuição emocional, valores baseados em ética, ressentimento. De sua vasta obra pode-se destacar: On the Eternal in Man; Man’s Place in Nature (A posicção do Homem no Cosmos); Ressentiment; Formalism in Ethics and Non-Formal Ethics of Values: a New Attempt toward the Foundation of an Ethical Personalism (publicação alemã original 1913-16); Person and Self-value: Three Essays; On Feeling, Knowing, and Valuing. Selected Writings. A Personalidade daquele que Exercerá o Papel de Líder 20 Martin Buber nasceu em Viena, a 8 de fevereiro de 1878, e faleceu em Jerusalém, a 13 de junho de 1965. Sua formação universitária foi em Viena. Tinha educação poliglota: em casa aprendeu ídiche e alemão; na escola, hebraico, francês e polonês. Buber era filósofo, escritor e pedagogo, de inspiração sionista. Vale citar: BARTHOLO JÚNIOR, Roberto. Você e eu eu: Martin Buber, presença palavra. 1. ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2001. 120 p. (Coleção idéias sustentáveis). ISBN 85-86435-51-1. 21 Friedrich Nietzsche. Assim Falou Zaratustra, um livro para todos e para ninguém. Parte II. D vitória sobre si mesmo. 22 Émile Coué, farmacêutico e psicoterapeuta, nasceu em Troyes, França, em 26 de fevereiro de 1857. Tornou-se célebre por desenvolver um método de terapia baseado na auto-sugestão. A respeito consultar: COUÉ, Émile. O domínio de si mesmo pela auto-sugestão consciente consciente. São Paulo: Martin Claret, 2003. 144 p. (Coleção a obra-prima de cada autor, 113). 23 Paul Ricoeur nasceu em Valence, França, em 27 de fevereiro de 1913, e morreu em Chatenay Malabry, próximo a Paris, em 20 de maio de 2005. Foi um dos grandes nomes do pensamento francês no pós-Segunda Guerra e se tornou conhecido por combinar a descrição fenomenológica e a interpretação hermenêutica. Por isso ele se liga a dois outros grandes fenomenologistas hermenêuticos: Martin Heidegger e Hans-Gerog Gadamer. Na Universidade de Yale, EUA, Ricoeur produziu uma importante obra de filosofia política. Ele também pesquisou linguística, psicanálise, estruturalismo e hermenêutica, com um interesse particular pelos textos do cristianismo. Cristão e antitotalitarista, notabilizou-se pela oposição à guerra da Argélia (1954-1962) e à da Bósnia, em 1992. Entre as suas obras contam-se Histoire et Verité (1955), Soi-même comme un Autre (1990), La Memoire, l’Histoire, l’Oubli (2000) e L’Hermenéutique Biblique (2001). Página oficial na Internet: <http://ricoeur.iaf.ac.at>. 27 Revista Baiana de Tecnologia Camaçari, v. 21, n. 2-3, maio/d ez. 2006