a liberdade de expressão para uma efetiva defesa contra o estado

Transcrição

a liberdade de expressão para uma efetiva defesa contra o estado
A LIBERDADE DE EXPRESSÃO PARA UMA EFETIVA
DEFESA CONTRA O ESTADO PATERNALISTA: UMA
RELEITURA JURÍDICO DOGMÁTICA GERMÂNICA E A
QUESTÃO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS PARA O SETOR
DE COMUNICAÇÃO.
Tathiana de Melo Lessa Amorim1
RESUMO
A liberdade de expressão enquanto um direito inerente à
condição humana e um direito universal deve ser abordada em
face da autoridade do Estado. Sendo assim, essa mesma
liberdade deve estar pautada na relação do indivíduo com a
sociedade. A liberdade, portanto, decorre da relação horizontal
entre os indivíduos, mas também – e principalmente – do
relacionamento vertical dinâmico do indivíduo com o Estado.
Atualmente o país passa por um momento muito delicado
quanto ao combate na formação de monopólios e oligopólios no
âmbito da comunicação de massas. O presente trabalho procura
resolver essas questões com o direito pátrio e estrangeiro, bem
como a solução desta problemática através de um modelo
regulatório condizente no país.
Palavras-chave: Direitos Fundamentais,
Expressão, Política, Modelo Regulatório
1
Liberdade
de
Advogada. Especialista. Relatora e Membro do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do
Brasil – Distrito Federal
80
Tathiana de Melo Lessa AMORIM, A liberdade de expressão para uma efetiva...
p. 79-95
ABSTRACT
The freedom of expression as an inherent human right and a
universal right to be addressed in the face of state authority. So,
that freedom must be based on the individual's relationship with
society. Freedom, therefore, arises from the horizontal
relationship between individuals, but also - and especially – the
vertical relationship dynamic individual to the state. Currently
the country is going through a very delicate time in combat in
the formation of monopolies and oligopolies in the context of
mass communication. This paper seeks to address these issues
with the right parental and abroad as well as the solution to this
problem using a consistent regulatory model in the country.
Keywords: Fundamental Rights, Freedom of Expression,
Politics, Regulatory Model
SUMÁRIO
1 Origem, a Constituição de 1988 e os tratados internacionais; 2
Crise do governo Lula; 3 Autoritarismo e o papel do Estado:
Poder Legislativo e nova interpretação; 4 Democratização da
comunicação; 5 A questão germânica; 6 Colisão de direitos,
teoria da imanência e caso prático nacional; 7 A questão das
agências reguladoras e soluções para um modelo regulatório;
Conclusão; Referências Bibliográficas.
1 ORIGEM, A CONSTITUIÇÃO DE 1.988 E OS TRATADOS
INTERNACIONAIS
A liberdade de expressão deu-se no epicentro da Guerra Civil Inglesa entre
Parlamento e a Monarquia. O poeta John Milton em 1644 publicou “Areopagitica” com
argumentos racionais contra a censura, sendo um manifesto em favor da liberdade de
imprensa e contra a censura imposta pelo Parlamento.
Nos Estados Unidos sua primeira emenda proibia a edição de leis que limitassem
a liberdade de expressão e de imprensa ou do direito de reunião pacífica.
Karl Marx (1980, p. 65) em um artigo de maio de 1842, publicado na Gazeta
Revista de Direito PGE-GO, v. 27, 2012
81
Renana, está escrito que “documentos governamentais oficiais experimentaram perfeita
liberdade de imprensa”, seguida pelas definições complementares da crítica e da censura:
A verdadeira censura, baseada na essência mesma da liberdade de imprensa, é a
crítica. Esse é o tribunal que se desenvolve a partir da liberdade de imprensa.
Censura é crítica como monopólio do governo. Nenhum homem combate a
liberdade; no máximo, combate a liberdade dos outros. Portanto, todos os tipos de
liberdade sempre existiram, apenas que às vezes como privilégio especial, às vezes
como direito universal.
Na Constituição Federal de 1988 há preceitos protegendo a liberdade de
expressão. Temos, no artigo 5°: a liberdade de manifestação do pensamento (inciso IV), a
liberdade de expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (inciso
IX), e o direito ao acesso à informação e a garantia do sigilo da fonte (inciso XIV). Ainda
consagrou no capítulo específico intitulado “comunicação social”, a garantia da liberdade da
manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação (art. 220, caput),
proibiu a edição de leis contendo embaraço à liberdade de informação jornalística (art. 220, §
1º) e, vedou qualquer censura política, ideológica e artística (art. 220, § 2º).
A liberdade como direito universal consubstanciado na universalidade deve ser
sempre pautada na relação indivíduo/indivíduo e indivíduo/sociedade (Estado). Logo, decorre
de relação horizontal entre indivíduos e vertical dinâmico do indivíduo com o Estado.
Esse direito é tutelado por instrumentos internacionais concebendo o indivíduo
com subjetividade jurídico-internacional. Além de estar prevista em diversas constituições, a
exemplo do artigo 5°, incisos VI a VII da Constituição brasileira e do artigo 41 da
Constituição da República Portuguesa, a liberdade de consciência tem sede entre diplomas de
proteção aos direitos fundamentais do homem desde a Declaração Universal de Direitos do
Homem de 1948. Trata-se de um instrumento pré-jurídico (norma moral), pois não tem força
normativa vinculante, de mera resolução declarativa de princípios, sendo considerada pela
maioria da doutrina apenas uma recomendação com eficácia política para os Estados que a
subscreveram. O direito à liberdade de consciência, de pensamento e de religião foram
previstos expressamente no artigo 18 dessa Declaração.
A Organização das Nações Unidas é dotado de vários órgãos técnicos que
garantem a primazia dos direitos humanos no mundo. A Assembleia Geral é o principal órgão
82
Tathiana de Melo Lessa AMORIM, A liberdade de expressão para uma efetiva...
p. 79-95
deliberativo. Em abril de 2006, a Assembleia Geral da ONU aprovou a criação do Conselho
de Direitos Humanos com a função de tutelar e garantir a proteção universal dos direitos
humanos e das liberdades fundamentais.
No âmbito do Sistema das Nações Unidas, a liberdade de consciência constam em
diversos comentários, resoluções e protocolos internacionais, a exemplo das resoluções
42/2003, 42/2004 e 38/2005, da antiga Comissão de Direitos Humanos da ONU.
A Convenção Europeia dos Direitos do Homem foi inspirada na Declaração
Universal dos Direitos do Homem, firmada no âmbito do Conselho da Europa desde 1950,
por consequência das gravíssimas atrocidades e violações dos direitos humanos ocorridas
durante a II Guerra Mundial. Os países que firmaram obrigam-se a respeitar suas disposições,
submetendo-se à jurisdição do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Essa Convenção assegura uma garantia jurisdicional efetiva, oferecendo às
vítimas da violação um mecanismo de recurso contra os Estados. O Tribunal Europeu pode
sancionar o Estado culpado, obrigando-o a reparar o dano.
O artigo 9° da Convenção Europeia é expresso ao reconhecer a qualquer pessoa o
direito à liberdade de consciência, englobando todas as convicções da pessoa humana, sejam
elas de ordem filosófica, moral, política, social, econômica e científica. A liberdade de
expressão é tutelada no artigo 10 que o considera abarcador da liberdade de opinião, e da
liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem que se possa haver ingerência
de quaisquer autoridades públicas. O titular desse direito é qualquer pessoa – singular ou
coletiva – inclusive pessoa moral. A condição é de a que seja pessoa dependente da jurisdição
do Estado, podendo invocá-lo tanto em face do Estado quanto de uma pessoa privada. As
pessoas privadas devem respeitar e ao Estado cumpre garantir o respeito ao direito à liberdade
de expressão, sob pena de ser responsabilizado. Nos termos do artigo 34 e seguintes da
Convenção poderá o indivíduo recorrer individualmente por meio de petição para o Tribunal
Europeu dos Direitos do Homem; ainda consoante o artigo 41, nos casos de constatação de
violação da Convenção ou de seus protocolos anexos, o Tribunal pode reconhecer o direito a
uma reparação razoável.
Depreende-se que a liberdade de expressão é direito fundamental, sendo que as
Revista de Direito PGE-GO, v. 27, 2012
83
violações aos direitos fundamentais muitas vezes não são produzidas apenas pela ação do
Estado, mas decorrem muitas vezes da sua inércia. O Estado tem obrigações positivas frente
aos direitos individuais clássicos, pois é dever do Estado não só se abster de violar estes
direitos, como também agir positivamente, seja para protegê-los diante de ameaças
representadas pela ação de terceiros, seja para assegurar as condições materiais mínimas
necessárias à viabilização do seu exercício pelos indivíduos.
Por essa razão o artigo 5 °, inciso XIV, consagra o instrumento de realização deste
direito de liberdade na sociedade contemporânea, sendo a atividade da mídia que possui uma
verdadeira missão constitucional de proporcionar à cidadania informações adequadas e
verdadeiras sobre os temas de interesse público. Tal direito fundamental revela que a
disciplina constitucional dos meios de comunicação no Brasil não se volta apenas à proteção
dos emissores das manifestações, priorizando, ao contrário, os direitos dos receptores. Tratase
do poder/dever do Estado de regular a atuação dos veículos de comunicação social, não como
meio de censurar ideias que lhe desagradem, mas sim para assegurar o amplo acesso do
cidadão à informações e pontos de vista diversificados sobre temas de interesse da
coletividade.
O exercício deste direito fundamental tem como pressuposto a constatação da
ocorrência de cobertura manifestamente parcial pelo direito de resposta que funcionaria não
como um meio de proteção de direitos da personalidade, mas como um instrumento de
garantia do acesso à informação e do pluralismo interno dos meios de comunicação. O direito
à informação, bem como o direito de resposta é uma liberdade democrática destinada a
permitir uma autônoma e igualitária participação dos indivíduos na esfera pública. (LAFER,
1991).
2 CRISE DO GOVERNO LULA
Cabe também realçar que o constituinte foi expresso ao proibir a existência de
monopólios ou oligopólios entre os meios de comunicação social (art. 220, § 5º, CF).
84
Tathiana de Melo Lessa AMORIM, A liberdade de expressão para uma efetiva...
p. 79-95
Contudo, não é o que presenciamos atualmente. Vimos que os proprietários dos
jornais de maior circulação no país são, igualmente, os donos das principais emissoras de
rádio e das transmissoras locais de televisão, o que lhes confere um monopólio quase
absoluto, perpetuando, em pleno século XXI, o tradicional coronelismo, completamente
incompatível com a Constituição de 1988. Em 1977 o jurista Goffredo da Silva Telles Júnior
com sua “Carta aos Brasileiros” já dizia
Uma vez reimplantado o Estado de Fato, a Força torna a governar, destronando o
Poder. Então, bens supremos do espírito humano, somente alcançados após árdua
caminhada da inteligência, em séculos de História, são simplesmente ignorados. Os
valores mais altos da Justiça, os direitos mais sagrados dos homens, os processos
mais elementares de defesa do que é de cada um, são vilipendiados, ridicularizados e
até ignorados, como se nunca tivessem existido. O que os Estados de Fato, Estados
Policiais, Estados de Exceção, Sistemas de Força apregoam é que há Direitos que
devem ser suprimidos ou cerceados, para tornar possível a consecução dos ideais
desses próprios Estados e Sistemas. (…) Com as tenebrosas experiências dos
Estados Totalitários europeus, nos quais o lema é, e sempre foi, .Segurança e
Desenvolvimento., aprendemos uma dura lição. Aprendemos que a Ditadura é o
regime, por excelência, da Segurança Nacional e do Desenvolvimento Econômico.
O Nazismo, por exemplo, tinha por meta o binômio Segurança e Desenvolvimento.
Nele ainda se inspira a ditadura soviética. Aprendemos definitivamente que, fora do
Estado de Direito, o referido binômio pode não passar de uma cilada. Fora do Estado
de Direito, a Segurança, com seus órgãos de terror, é o caminho da tortura e do
aviltamento humano; e o Desenvolvimento, com o malabarismo de seus cálculos, a
preparação para o descalabro econômico, para a miséria e a ruína. Não nos
deixaremos seduzir pelo canto das sereias de quaisquer Estados de Fato, que
apregoam a necessidade de Segurança e Desenvolvimento, com o objetivo de
conferir legitimidade a seus atos de Força, violadores frequentes da Ordem
Constitucional. (…) Proclamamos que o Estado de Direito é sempre primeiro ,
porque primeiro estão os direitos e a segurança da pessoa humana. Nenhuma ideia
de Segurança Nacional e de Desenvolvimento Econômico prepondera sobre a ideia
de que o Estado existe para servir o homem .Estamos convictos de que a segurança
dos direitos da pessoa humana é a primeira providência para garantir o verdadeiro
desenvolvimento de uma Nação2.
O Brasil foi marcado pela cultura política autoritária gerando o temor quanto à
contestação à autoridade, trazendo, por fim a anomia e aceitação da ordem dada.
Um ex operário e líder sindical chegou à Presidência da República em 2002. E é
nesse ambiente que sua gestão vem sendo até hoje investigada pelas autoridades e denunciada
em diversos órgãos da imprensa. Tais denúncias atingiram o ápice durante o escândalo do
mensalão e, ao longo dos últimos anos, vitimaram ícones petistas como José Dirceu, Antonio
2
Disponível em < http://oglobo.globo.com/pais/mat/2009/06/28/confira-integra-da-carta-aos-brasileiros
756557959.asp > Acesso em 10 de fevereiro de 2011.
Revista de Direito PGE-GO, v. 27, 2012
85
Palocci e Erenice Guerra. Os mesmos órgãos que investigaram esses petistas também
publicaram denúncias contra tucanos ou democratas.
É cediço que a invocação do interesse público não deve servir de pretexto para
silenciar dissidentes, favorecer pontos de vista preferidos pelos governantes ou para impedir a
difusão de concepções outras sobre temas controvertidos. Ao contrário, o poder regulatório do
Estado o qual sustentamos deve ser exercido sempre para promover a diversidade e o
pluralismo de opiniões, tanto na seara pública, quanto privada.
No primeiro mandato tentou-se instituir um Conselho Federal de Jornalismo, que
seria responsável por punir “erros da imprensa” e que no fundo funcionaria como um
instrumento de censura prévia. Em dezembro de 2009 foi patrocinada a Conferência Nacional
de Comunicação (Confecom) que aprovou 633 propostas, entre elas a criação de um
“observatório de conteúdos midiáticos” - outro eufemismo para a censura. Trata-se de um
projeto de governo, dentro do espírito autoritário que predomina a política brasileira atual.
Ao Estado está o poder/dever, no tocante ao pluralismo externo, de combater a
formação de monopólios e oligopólios no âmbito da comunicação de massas, além de
desenvolver uma mídia pública. Quanto ao pluralismo interno, parece-nos necessário que o
Estado intervenha buscando assegurar que os meios de comunicação de massa se dediquem
efetivamente ao tratamento de temas de interesse público, e que proporcionem à sua audiência
uma cobertura adequada dos diversos pontos de vista existentes.
3 AUTORITARISMO E O PAPEL DO ESTADO: PODER LEGISLATIVO
E NOVA INTERPRETAÇÃO
STF (Supremo Federal Tribunal) julgou a Lei 5250/67 inconstitucional. A Lei de
Imprensa a qual era chamada assegurava o direito de resposta que deveria ser proporcional ao
agravo sofrido pelo ofendido.
Tal lei fora editada na ditadura em um contexto dos ideais cívicos da Segurança
Nacional, contendo vários excessos, almejando o ideal de ameaça e censura aos meios de
86
Tathiana de Melo Lessa AMORIM, A liberdade de expressão para uma efetiva...
p. 79-95
comunicação, inclusive com a pena de prisão de jornalistas.
O Ato Institucional nº 5 impôs a censura à imprensa, rádio e televisão. O Decretolei nº 477 de 1.969 definiu as infrações disciplinares cometidas por professores, alunos e
funcionários àquela época por emitirem suas convicções.
É bem certo que a Lei de Imprensa não se harmonizava com o novo perfil
democrático da Constituição Federal de 1988. Com isso a Constituição Federal, o Código
Civil e o Código Penal estão sendo aplicados pois, com a revogação total da referida lei
abrese a discussão ampla sobre o respeito de imagem e de resposta do agravado.
Representantes do Judiciário vêm discutindo a indispensabilidade de uma nova
regulação específica sobre o tema. As manifestações de setores do Governo e da própria
doutrina jurídica evocam a proteção aos direitos de personalidade, garantindo a
inviolabilidade do direito à honra, à privacidade, desencadeando processos judiciais para
apurar a responsabilidade civil e penal.
Depreende-se que o conceito jurídico de censura tem merecido um esforço
jurisprudencial dos tribunais, desde os acórdãos decididos pelos tribunais militares até sua
hermenêutica contemporânea.
O papel do debate público e político delineado por uma democracia deliberativa é
trivial ao equacionamento das divergências, pois uma democracia baseada mo diálogo
incorpora uma efetiva proteção à liberdade de expressão, sem o controle do Estado, do poder
econômico ou político privado.
O Estado deve assumir uma visão não paternalista, onde o povo possa avaliar com
plena autonomia o valor de determinadas manifestações o qual está inserido, como bem
explicita Paulo Bonavides (2000, p. 89)
O povo assim qualificado, titular da nova legitimidade, não somente encarna a
vontade dos governados, senão que a transmuta em vontade governante. Sujeito da
nova titularidade do poder, entrava ele a operar a grande estratégia libertadora do
ente humano ao longo dos tempos vindouros, mediante processo centralizador ainda
agora em curso e com o qual se familiariza cada geração política.
Revista de Direito PGE-GO, v. 27, 2012
87
4 DEMOCRATIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO
A democracia exige, para seu funcionamento, um minimum de cultura política,
que é precisamente o que falta nos países apenas formalmente democráticos. (Mello, 2004, p.
100). Com efeito, sem a consciência de cidadania, o povo será presa fácil das articulações,
mobilizações e aliciamento da opinião pública, quando necessária sua adesão ou
pronunciamento, graças ao controle que os setores dominantes detêm sobre a mídia, que não é
senão um dos seus braços.
Mills (1968, p. 355) indica a diferença proporcional entre os que formam a
opinião e os que recebem a opinião já formada, dentre as quais: a possibilidade de responder
ou de revidar – direito de resposta – uma opinião sem que tal ato provoque represálias; o
monopólio dos meios de comunicação, por um determinado grupo, que não permite uma
reação, nem sequer “particular” a outras pessoas; a correlação entre a formação da opinião e a
possibilidade de a mesma se concretizar em ato social, e a facilidade de participação efetiva
nas decisões; a posição que o indivíduo ocupa na estrutura de poder e as próprias
características do sistema de autoridade podem limitar, permitir e até estimular essa
correlação; o grau de penetração da autoridade institucional, no público, através de sanções do
controle social, e o grau de autonomia real do público em relação a essa autoridade.
O tipo de comunicação que predomina, em uma sociedade de massa, é o veículo
formal, e as pessoas, expostas ao conteúdo desse veículo de comunicação de massa, tornamse
receptáculos mais ou menos passivos de opiniões já formadas.
Só existe opinião pública quando os indivíduos de uma sociedade têm acesso livre
e total às informações da atualidade e, em contrapartida, podem formular opiniões
autoconscientes. É preciso entender que o processo de formação de opinião pública pressupõe
o acesso potencial de todos os cidadãos às informações estereotipadas que os meios de
comunicação divulgam. Diante dessas informações, que cada indivíduo recebeu (ou pode
receber) livremente, em igualdade de condições com os demais, afigura-se a etapa de tomada
de posição: pessoal, grupal, coletiva, através da livre discussão.
88
Tathiana de Melo Lessa AMORIM, A liberdade de expressão para uma efetiva...
p. 79-95
A opinião pública abarca as opiniões sobre assuntos de interesse da nação, livre e
publicamente expressas por homens que não participam do governo e reivindicam para suas
opiniões o direito de influenciarem ou determinarem as ações, o pessoal ou a estrutura de
governo.
Berger (apud Augras, 1974, p. 16) nos aclara que
a opinião pública é consciente, ou seja, tende a afirmar-se e exprime um juízo;
carrega em si uma intenção de racionalidade, pois procura a objetividade e deseja
justificar-se; tem um aspecto apaixonante, já que se situa sempre no plano emocional
e no das crenças; consiste em um fenômeno social, ou seja, existe apenas em relação
a um grupo, é um dos modos de expressão desse grupo e difunde-se utilizando as
redes de comunicação do grupo.
Cultura de massa é a divulgação, sem que se possa contestá-las ou debatê-las, de
mensagens pré fabricadas, cuja mediocridade prevê sua aceitação por pessoas de qualquer
nível de conhecimento e idade mental, nivelando “por baixo” as informações, uniformizando
o uniforme e sintetizando os lugares-comuns, com a finalidade de tornar a cultura um
conjunto semelhante, constante e não questionado. Define-se cultura de massa justamente pela
sedimentação das formas de saber, que induzem condutas, ideologias e motivações,
depositadas sem contestação na consciência do homem-massa.
Para além, cultura de massa pode ser decodificada como uma fossilização
progressiva para engrossar a região estática cultural, como um eufemismo para designar um
retrocesso na história da civilização.
Paschoali (1972, p. 77) entende que
Se o discurso massifica pela sua mediocridade adaptável a qualquer idade mental,
nível de conhecimento etc., e se uma sociedade de massas se caracteriza pela
utilização de bens de consumo standard (tanto materiais quando culturais), um
cultura de massas, que é a sedimentação de mensagens pré-fabricadas sob medida
para todos, consistirá numa ulterior uniformização do uniforme ou síntese dos
lugares-comuns de uma coletividade.
A relação comunicativa dá-se por uma interação bilateral, ou seja, quando
transmissor e receptor apresentam relação de ambivalência, podendo o transmissor passar ao
receptor e vice-versa. Os meios de comunicação são os canais artificiais utilizados para
veicular entre seres racionais – transmissores-receptores – essas linguagens. Quando a
Revista de Direito PGE-GO, v. 27, 2012
89
bilateralidade da autêntica intercomunicação é atrofiada pela enorme desproporção entre os
agentes transmissores e os receptores e, quando o primeiro se assenhora e monopoliza o papel
de informador, reduzindo os segundos a um papel de pessoas passivamente informadas, de
modo irreversível a força expansiva e auto criadora do saber diminui, ficando reduzida sua
função a uma relação unilateral entre dois polos: uma oligarquia informadora, convertida em
elite, e uma pluralidade indiferenciada de receptores, transformada em massa.
No âmbito federal, somente o Conselho de Comunicação Social do Congresso e
alguns espaços institucionais sob controle do Estado, geralmente hegemonizados pela
presença expressiva de representantes do Poder Executivo, permitem a inserção da sociedade
civil organizada no debate de políticas públicas. Atualmente, funcionam no Brasil as seguintes
instâncias de participação ou representação social: Conselho Superior de Cinema (vinculado
ao Ministério da Cultura, Comitê Consultivo do Sistema Brasileiro de TV Digital (vinculado
ao Ministério das Comunicações), Comitê de Defesa dos Usuários de Serviços de
Telecomunicações, Comitê de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (ambos
vinculados à Anatel) Conselho de Acompanhamento da Programação (vinculado à Campanha
Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania da Comissão de Direitos Humanos da
Câmara dos Deputados), Comitê Gestor de Internet (organismo não governamental), Câmara
Setorial de Música e Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (ambas vinculadas ao
Ministério da Cultura). Todos são compostos, em maior ou menor grau, por pessoas físicas de
notório saber ou representantes de entidades da sociedade civil.
5 A QUESTÃO GERMÂNICA
A doutrina alemã ao tratar da liberdade de expressão corrobora que essa mesma
liberdade é um direito subjetivo individual atrelado ao valor irradiante da dignidade da pessoa
humana, sendo também desenvolvida como instrumento de formação da opinião pública e ao
intercâmbio de ideias entre os cidadãos. (SARMENTO, 2006, p. 270). Logo, na Alemanha, a
liberdade de expressão é, igualmente, um direito fundamental de defesa contra o Estado. O
90
Tathiana de Melo Lessa AMORIM, A liberdade de expressão para uma efetiva...
p. 79-95
ponto principal da doutrina alemã foi reconhecer a dimensão objetiva desse direito, trazendo à
baila obrigações positivas para os poderes públicos.
Essa idéia de dimensão objetiva foi desenvolvida a partir do caso Luth, que na
apreciação de Alexy (2003, p. 136) trouxe três principais ideias, a saber: a) os direitos
constitucionais incorporam uma ordem objetiva de valores, sendo que os valores ou princípios
dos direitos constitucionais não se aplica somente na relação entre cidadão eu Estado, mas sim
a todas as áreas do direito; b) exerce, portanto, um efeito irradiante e, todo o sistema jurídico,
tornando-se onipresentes; c) nessa ideia de valores e princípios há a colisão desses princípios
resolvendo-se através do “balanceamento de interesses”.
Na seara dos poderes públicos, o caso Luth trouxe a preocupação destes
absteremse de violar esses direitos, além da obrigação de promovê-los em sua concretude e
garanti-los perante toda e quaisquer ameaças advindas.
A Corte Constitucional alemã tem proferido diversas decisões enfatizando o dever
do Estado de agir no sentido de assegurar o pluralismo comunicativo no campo da mídia
eletrônica, que não pode depender exclusivamente das forças do mercado.
No sistema germânico, cada Estado mantém uma agência reguladora
independente para zelar pelo pluralismo na mídia eletrônica, com responsabilidade pela
emissão e renovação das licenças e pela fiscalização da programação das emissoras.
6 COLISÃO DE DIREITOS, TEORIA DA IMANÊNCIA E CASO
PRÁTICO NACIONAL
Para Dworkin (2002, pp. 42-3) a questão dos pesos entre princípios, na hipótese
de colisão, prevalece o de maior peso sem excluir o outro completamente, pois os princípios
possuem uma dimensão que as regras não têm, qual seja, a dimensão de peso ou importância.
Quando os princípios se intercruzam, aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta
a força relativa de cada um. Esta não pode ser, por certo, uma mensuração exata e o
julgamento que determina que um princípio ou uma política particular é mais importante que
Revista de Direito PGE-GO, v. 27, 2012
91
outra frequentemente será objeto de controvérsia. Não obstante, essa dimensão é uma parte
integrante do conceito de um princípio, de modo que faz sentido perguntar que peso ele tem
ou quão importante ele é.
As considerações históricas dos direitos fundamentais, bem como as
características hodiernas desses direitos serão primordiais para o entendimento e conclusão da
análise do HC 82424-2, RS – D.J. 19/03/2004. O acórdão versa sobre um caso em que tenha
ocorrido o crime de racismo, no qual o escritor de origem germânica fazia menções
desabonadoras à comunidade judaica, assim como todos aqueles que tenham alguma
afinidade por essa cultura ou religião.
Para atribuir constitucionalidade àquela norma, invocou-se como fundamento
constitucional o mandamento configurado no art. 5º, XLII, da Constituição Federal, que
aplica a cláusula de imprescritibilidade e inafiançabilidade ao crime de racismo. Adentra-se na
discussão jurídica acerca da proteção do direito referente à liberdade de expressão ou à
dignidade da pessoa humana e suas consequências.
O método hermenêutico concretizador da norma parte dessa para o caso concreto,
levando em consideração as implicações da norma constitucional mediante construção
jurídica.
O direito à liberdade de expressão deve ser interpretado na prática fática, pois
encontra restrições nas hipóteses constitucionalmente estabelecidas. Esse direito não consagra
a possibilidade de incitar a prática discriminatória.
Sendo assim, o direito fundamental à liberdade de expressão pode ser restringido
quando estiver sob ameaça de lesão interesses dignos de proteção de outro indivíduo,
interesses cujo nível hierárquico jurídico fosse superior.
Por essa razão o princípio da ponderação possui duas vertentes, a saber: a)
abstrata – que consiste na comparação “virtual” entre os bens jurídicos do mesmo nível
hierárquico protegidos constitucionalmente com o fito de adotar uma decisão de preferência
entre ambos, que pode estar explícita na Constituição ou decorrer dela; b) concreta – que
consiste na aplicação do princípio da proporcionalidade, ocorrendo o sopesamento quando da
colisão entre princípios com vistas à aplicação do mais adequado.
92
Tathiana de Melo Lessa AMORIM, A liberdade de expressão para uma efetiva...
p. 79-95
Nesse diapasão, apresentamos os sub-princípios da proporcionalidade de modo a
informar seu conteúdo e aplicação: a) adequação (Geeignetheit) significando que a medida a
ser adaptada para a realização do interesse público deve ser apropriada para a prossecução do
fim ou fins a ele subjacentes; b) necessidade ou exigibilidade (Erforderlichkeit),
correspondendo à medida que não pode exceder os limites indisponíveis à conservação do fim
legítimo
que
se
pretenda
alcançar;
c)
proporcionalidade
em
sentido
estrito
(Verhältnismässigkeit) que é a constatação de que o resultado pretendido com o ato estatal é
proporcional à carga coativa. É a correspondência meio e fim com o sopesamento
(Abwägung), colocando de um lado o bem da coletividade e, de outro, as garantias dis
indivíduos (CANOTILHO, 1993, pp. 380-5).
A teoria dos limites imanentes tem sido aceita, sendo esses limites não expressos
no texto constitucional, mas que decorrem do próprio Direito.
Essa doutrina defende que não é possível resolver um conflito aceitando
incondicionalmente a superioridade desse ou daquele direito, pois não há uma ordem
hierarquicamente de bens constitucionalmente protegidos. O que se procura é a concordância
prática dos direitos e bens juridicamente protegidos.
7 A QUESTÃO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS E SOLUÇÕES PARA
UM MODELO REGULATÓRIO
Agências reguladoras são autarquias sob regime especial, ultimamente criadas
com a finalidade de disciplinar e controlar certas atividades, dentre as quais estão: a) serviços
públicos propriamente ditos – é o caso da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL),
criada pela Lei 9427/96 e da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), criada pela
Lei 9472/97; b) atividades de fomento e fiscalização de atividade privada – é o caso da
Agência Nacional do Cinema (ANCINE), criada pela Medida Provisória 2.281-1/01; c)
atividades exercitáveis para promover a regulação, a contratação e a fiscalização das
atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo – é o caso da Agência Nacional do
Revista de Direito PGE-GO, v. 27, 2012
93
Petróleo (ANP), criada pela Lei 9.478/97; d) atividades que o Estado também protagoniza,
mas são facultadas aos particulares – é o caso da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVS), criada pela Lei 9.782/99; e) as agências reguladoras do uso de bem público – é o
caso da Agência Nacional de Águas(ANA), criada pela Lei 9.984/00.
Agências independentes estão vinculadas hierarquicamente aos respectivos
ministérios com controle interno e externo exercidos por esses. A criação das agências
reguladoras tem como principal ênfase a limitação do papel do Estado na economia (reforma
de desastização) e a flexibilização da gestão pública.
Alguns dos problemas com as agências reguladoras está em se saber o que e até
onde podem regular algo sem estar invadindo competência legislativa.
O princípio da legalidade e a vedação a que os atos inferiores inovem inicialmente
na ordem jurídica nos explicita que determinações normativas advindas das agências hão de
se pautar por aspectos estritamente técnicos, cabendo-lhes expedir normas que se encontrem
abrangidas pelo campo da “supremacia especial” (MELLO, 2004, p. 159).
Assim, certas providências, além de serem amparadas em fundamento legal, não
podem estar em contradição ao que esteja estabelecido em alguma lei ou até mesmo
distorcelhe o sentido para agravar a posição jurídica dos destinatários ou de terceiros, nem
tampouco violar princípios constitucionalmente já consagrados.
O mesmo se propõe quanto ao fato de agência exorbitar em seus poderes e as
disposições atinentes à investidura e fixidez do mandato.
A garantia dos mandatos não pode estender-se além de um mesmo período
governamental, pois isso engessaria a liberdade administrativa do futuro governo. Dessa
forma abre-se ao povo a plena autonomia para que possa eleger outros governantes com
orientações políticas, ideológicas e administrativas diversas do governo precedente.
Um dos principais motivos do modelo regulatório no Brasil é a equidistância do
órgão regulador com os polos de interesse de regulação: o poder concedente (governo),
concessionárias e usuários de serviços públicos.
Por essa razão, posicionamo-nos pela participação popular no processo decisório
de regulação e no efetivo fortalecimento de mecanismos de participação e defesa dos
94
Tathiana de Melo Lessa AMORIM, A liberdade de expressão para uma efetiva...
p. 79-95
interesses consumeristas junto às agências.
Dessa forma, permitindo-se um maior acesso e participação aos usuários está-se
concretizando as garantias fundamentais por meio de uma gestão mais democrática destes
entes reguladores.
Poder-se-ia, igualmente, exigir uma consulta a comitê consultivo formado por
experts, pesquisadores e membros da sociedade civil, previamente à publicação inicial de
projeto de norma regulamentar, além de permitir que todas as decisões e reuniões
deliberativas das agências sejam abertas ao público.
8 CONCLUSÃO
O povo, titular da nova legitimidade, não somente encarna a vontade dos
governados, senão que a transmuta em vontade governante. Sujeito da nova titularidade do
poder, entrava ele a operar a grande estratégia libertadora do ente humano ao longo dos
tempos vindouros, mediante processo centralizador ainda agora em curso e com o qual se
familiariza cada geração política.
Os agentes estatais encarregados da fiscalização quanto aos mecanismos da mídia
devem ter independência em relação ao Estado. A agência reguladora composta por
representantes de vários setores da sociedade (pluralismo interno e externo) é o modelo mais
apreciativo, sem a indicação de seus componentes pelo Chefe do Executivo, para o combate
da violação da liberdade de expressão tão disseminada nos dias atuais, como forma de
implantar um constitucionalismo concretizador de direitos fundamentais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALEXY, Robert. Direitos fundamentais, balanceamento e racionalidade. In: Ratio Juris, v.
16, nº 2. Trad. Menelick de Carvalho Netto, 2003.
AUGRAS, Monique. Opinião pública: teoria e pesquisa. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1974.
Revista de Direito PGE-GO, v. 27, 2012
95
BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa. São Paulo:
Malheiros, 2000.
CANOTILHO, J.J Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4 ed. Coimbra:
Almedina, 1993.
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. de Nelson Boeira. São Paulo:
Martins Fontes, 2002.
LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos. Rio de Janeiro: Cia das Letras, 1991.
MARX, Karl. A liberdade de imprensa. Tradução Brasileira de Claúdia Schilling e José
Fonseca. Porto Alegre: L&PM, 1980.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo:
Malheiros, 2004.
______________. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2004.
MILLS, Wright. A elite do poder. 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1968.
PASCHOALI, Antonio. Comunicación y cultura de massa. 2 ed. Caracas: Monte Avila,
1972
SARMENTO, Daniel. Livres e iguais: Estudos de Direito Constitucional. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2006