a liberdade de expressão para uma efetiva defesa contra o estado
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a liberdade de expressão para uma efetiva defesa contra o estado
A LIBERDADE DE EXPRESSÃO PARA UMA EFETIVA DEFESA CONTRA O ESTADO PATERNALISTA: UMA RELEITURA JURÍDICO DOGMÁTICA GERMÂNICA E A QUESTÃO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS PARA O SETOR DE COMUNICAÇÃO. Tathiana de Melo Lessa Amorim1 RESUMO A liberdade de expressão enquanto um direito inerente à condição humana e um direito universal deve ser abordada em face da autoridade do Estado. Sendo assim, essa mesma liberdade deve estar pautada na relação do indivíduo com a sociedade. A liberdade, portanto, decorre da relação horizontal entre os indivíduos, mas também – e principalmente – do relacionamento vertical dinâmico do indivíduo com o Estado. Atualmente o país passa por um momento muito delicado quanto ao combate na formação de monopólios e oligopólios no âmbito da comunicação de massas. O presente trabalho procura resolver essas questões com o direito pátrio e estrangeiro, bem como a solução desta problemática através de um modelo regulatório condizente no país. Palavras-chave: Direitos Fundamentais, Expressão, Política, Modelo Regulatório 1 Liberdade de Advogada. Especialista. Relatora e Membro do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil – Distrito Federal 80 Tathiana de Melo Lessa AMORIM, A liberdade de expressão para uma efetiva... p. 79-95 ABSTRACT The freedom of expression as an inherent human right and a universal right to be addressed in the face of state authority. So, that freedom must be based on the individual's relationship with society. Freedom, therefore, arises from the horizontal relationship between individuals, but also - and especially – the vertical relationship dynamic individual to the state. Currently the country is going through a very delicate time in combat in the formation of monopolies and oligopolies in the context of mass communication. This paper seeks to address these issues with the right parental and abroad as well as the solution to this problem using a consistent regulatory model in the country. Keywords: Fundamental Rights, Freedom of Expression, Politics, Regulatory Model SUMÁRIO 1 Origem, a Constituição de 1988 e os tratados internacionais; 2 Crise do governo Lula; 3 Autoritarismo e o papel do Estado: Poder Legislativo e nova interpretação; 4 Democratização da comunicação; 5 A questão germânica; 6 Colisão de direitos, teoria da imanência e caso prático nacional; 7 A questão das agências reguladoras e soluções para um modelo regulatório; Conclusão; Referências Bibliográficas. 1 ORIGEM, A CONSTITUIÇÃO DE 1.988 E OS TRATADOS INTERNACIONAIS A liberdade de expressão deu-se no epicentro da Guerra Civil Inglesa entre Parlamento e a Monarquia. O poeta John Milton em 1644 publicou “Areopagitica” com argumentos racionais contra a censura, sendo um manifesto em favor da liberdade de imprensa e contra a censura imposta pelo Parlamento. Nos Estados Unidos sua primeira emenda proibia a edição de leis que limitassem a liberdade de expressão e de imprensa ou do direito de reunião pacífica. Karl Marx (1980, p. 65) em um artigo de maio de 1842, publicado na Gazeta Revista de Direito PGE-GO, v. 27, 2012 81 Renana, está escrito que “documentos governamentais oficiais experimentaram perfeita liberdade de imprensa”, seguida pelas definições complementares da crítica e da censura: A verdadeira censura, baseada na essência mesma da liberdade de imprensa, é a crítica. Esse é o tribunal que se desenvolve a partir da liberdade de imprensa. Censura é crítica como monopólio do governo. Nenhum homem combate a liberdade; no máximo, combate a liberdade dos outros. Portanto, todos os tipos de liberdade sempre existiram, apenas que às vezes como privilégio especial, às vezes como direito universal. Na Constituição Federal de 1988 há preceitos protegendo a liberdade de expressão. Temos, no artigo 5°: a liberdade de manifestação do pensamento (inciso IV), a liberdade de expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (inciso IX), e o direito ao acesso à informação e a garantia do sigilo da fonte (inciso XIV). Ainda consagrou no capítulo específico intitulado “comunicação social”, a garantia da liberdade da manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação (art. 220, caput), proibiu a edição de leis contendo embaraço à liberdade de informação jornalística (art. 220, § 1º) e, vedou qualquer censura política, ideológica e artística (art. 220, § 2º). A liberdade como direito universal consubstanciado na universalidade deve ser sempre pautada na relação indivíduo/indivíduo e indivíduo/sociedade (Estado). Logo, decorre de relação horizontal entre indivíduos e vertical dinâmico do indivíduo com o Estado. Esse direito é tutelado por instrumentos internacionais concebendo o indivíduo com subjetividade jurídico-internacional. Além de estar prevista em diversas constituições, a exemplo do artigo 5°, incisos VI a VII da Constituição brasileira e do artigo 41 da Constituição da República Portuguesa, a liberdade de consciência tem sede entre diplomas de proteção aos direitos fundamentais do homem desde a Declaração Universal de Direitos do Homem de 1948. Trata-se de um instrumento pré-jurídico (norma moral), pois não tem força normativa vinculante, de mera resolução declarativa de princípios, sendo considerada pela maioria da doutrina apenas uma recomendação com eficácia política para os Estados que a subscreveram. O direito à liberdade de consciência, de pensamento e de religião foram previstos expressamente no artigo 18 dessa Declaração. A Organização das Nações Unidas é dotado de vários órgãos técnicos que garantem a primazia dos direitos humanos no mundo. A Assembleia Geral é o principal órgão 82 Tathiana de Melo Lessa AMORIM, A liberdade de expressão para uma efetiva... p. 79-95 deliberativo. Em abril de 2006, a Assembleia Geral da ONU aprovou a criação do Conselho de Direitos Humanos com a função de tutelar e garantir a proteção universal dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. No âmbito do Sistema das Nações Unidas, a liberdade de consciência constam em diversos comentários, resoluções e protocolos internacionais, a exemplo das resoluções 42/2003, 42/2004 e 38/2005, da antiga Comissão de Direitos Humanos da ONU. A Convenção Europeia dos Direitos do Homem foi inspirada na Declaração Universal dos Direitos do Homem, firmada no âmbito do Conselho da Europa desde 1950, por consequência das gravíssimas atrocidades e violações dos direitos humanos ocorridas durante a II Guerra Mundial. Os países que firmaram obrigam-se a respeitar suas disposições, submetendo-se à jurisdição do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Essa Convenção assegura uma garantia jurisdicional efetiva, oferecendo às vítimas da violação um mecanismo de recurso contra os Estados. O Tribunal Europeu pode sancionar o Estado culpado, obrigando-o a reparar o dano. O artigo 9° da Convenção Europeia é expresso ao reconhecer a qualquer pessoa o direito à liberdade de consciência, englobando todas as convicções da pessoa humana, sejam elas de ordem filosófica, moral, política, social, econômica e científica. A liberdade de expressão é tutelada no artigo 10 que o considera abarcador da liberdade de opinião, e da liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem que se possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas. O titular desse direito é qualquer pessoa – singular ou coletiva – inclusive pessoa moral. A condição é de a que seja pessoa dependente da jurisdição do Estado, podendo invocá-lo tanto em face do Estado quanto de uma pessoa privada. As pessoas privadas devem respeitar e ao Estado cumpre garantir o respeito ao direito à liberdade de expressão, sob pena de ser responsabilizado. Nos termos do artigo 34 e seguintes da Convenção poderá o indivíduo recorrer individualmente por meio de petição para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem; ainda consoante o artigo 41, nos casos de constatação de violação da Convenção ou de seus protocolos anexos, o Tribunal pode reconhecer o direito a uma reparação razoável. Depreende-se que a liberdade de expressão é direito fundamental, sendo que as Revista de Direito PGE-GO, v. 27, 2012 83 violações aos direitos fundamentais muitas vezes não são produzidas apenas pela ação do Estado, mas decorrem muitas vezes da sua inércia. O Estado tem obrigações positivas frente aos direitos individuais clássicos, pois é dever do Estado não só se abster de violar estes direitos, como também agir positivamente, seja para protegê-los diante de ameaças representadas pela ação de terceiros, seja para assegurar as condições materiais mínimas necessárias à viabilização do seu exercício pelos indivíduos. Por essa razão o artigo 5 °, inciso XIV, consagra o instrumento de realização deste direito de liberdade na sociedade contemporânea, sendo a atividade da mídia que possui uma verdadeira missão constitucional de proporcionar à cidadania informações adequadas e verdadeiras sobre os temas de interesse público. Tal direito fundamental revela que a disciplina constitucional dos meios de comunicação no Brasil não se volta apenas à proteção dos emissores das manifestações, priorizando, ao contrário, os direitos dos receptores. Tratase do poder/dever do Estado de regular a atuação dos veículos de comunicação social, não como meio de censurar ideias que lhe desagradem, mas sim para assegurar o amplo acesso do cidadão à informações e pontos de vista diversificados sobre temas de interesse da coletividade. O exercício deste direito fundamental tem como pressuposto a constatação da ocorrência de cobertura manifestamente parcial pelo direito de resposta que funcionaria não como um meio de proteção de direitos da personalidade, mas como um instrumento de garantia do acesso à informação e do pluralismo interno dos meios de comunicação. O direito à informação, bem como o direito de resposta é uma liberdade democrática destinada a permitir uma autônoma e igualitária participação dos indivíduos na esfera pública. (LAFER, 1991). 2 CRISE DO GOVERNO LULA Cabe também realçar que o constituinte foi expresso ao proibir a existência de monopólios ou oligopólios entre os meios de comunicação social (art. 220, § 5º, CF). 84 Tathiana de Melo Lessa AMORIM, A liberdade de expressão para uma efetiva... p. 79-95 Contudo, não é o que presenciamos atualmente. Vimos que os proprietários dos jornais de maior circulação no país são, igualmente, os donos das principais emissoras de rádio e das transmissoras locais de televisão, o que lhes confere um monopólio quase absoluto, perpetuando, em pleno século XXI, o tradicional coronelismo, completamente incompatível com a Constituição de 1988. Em 1977 o jurista Goffredo da Silva Telles Júnior com sua “Carta aos Brasileiros” já dizia Uma vez reimplantado o Estado de Fato, a Força torna a governar, destronando o Poder. Então, bens supremos do espírito humano, somente alcançados após árdua caminhada da inteligência, em séculos de História, são simplesmente ignorados. Os valores mais altos da Justiça, os direitos mais sagrados dos homens, os processos mais elementares de defesa do que é de cada um, são vilipendiados, ridicularizados e até ignorados, como se nunca tivessem existido. O que os Estados de Fato, Estados Policiais, Estados de Exceção, Sistemas de Força apregoam é que há Direitos que devem ser suprimidos ou cerceados, para tornar possível a consecução dos ideais desses próprios Estados e Sistemas. (…) Com as tenebrosas experiências dos Estados Totalitários europeus, nos quais o lema é, e sempre foi, .Segurança e Desenvolvimento., aprendemos uma dura lição. Aprendemos que a Ditadura é o regime, por excelência, da Segurança Nacional e do Desenvolvimento Econômico. O Nazismo, por exemplo, tinha por meta o binômio Segurança e Desenvolvimento. Nele ainda se inspira a ditadura soviética. Aprendemos definitivamente que, fora do Estado de Direito, o referido binômio pode não passar de uma cilada. Fora do Estado de Direito, a Segurança, com seus órgãos de terror, é o caminho da tortura e do aviltamento humano; e o Desenvolvimento, com o malabarismo de seus cálculos, a preparação para o descalabro econômico, para a miséria e a ruína. Não nos deixaremos seduzir pelo canto das sereias de quaisquer Estados de Fato, que apregoam a necessidade de Segurança e Desenvolvimento, com o objetivo de conferir legitimidade a seus atos de Força, violadores frequentes da Ordem Constitucional. (…) Proclamamos que o Estado de Direito é sempre primeiro , porque primeiro estão os direitos e a segurança da pessoa humana. Nenhuma ideia de Segurança Nacional e de Desenvolvimento Econômico prepondera sobre a ideia de que o Estado existe para servir o homem .Estamos convictos de que a segurança dos direitos da pessoa humana é a primeira providência para garantir o verdadeiro desenvolvimento de uma Nação2. O Brasil foi marcado pela cultura política autoritária gerando o temor quanto à contestação à autoridade, trazendo, por fim a anomia e aceitação da ordem dada. Um ex operário e líder sindical chegou à Presidência da República em 2002. E é nesse ambiente que sua gestão vem sendo até hoje investigada pelas autoridades e denunciada em diversos órgãos da imprensa. Tais denúncias atingiram o ápice durante o escândalo do mensalão e, ao longo dos últimos anos, vitimaram ícones petistas como José Dirceu, Antonio 2 Disponível em < http://oglobo.globo.com/pais/mat/2009/06/28/confira-integra-da-carta-aos-brasileiros 756557959.asp > Acesso em 10 de fevereiro de 2011. Revista de Direito PGE-GO, v. 27, 2012 85 Palocci e Erenice Guerra. Os mesmos órgãos que investigaram esses petistas também publicaram denúncias contra tucanos ou democratas. É cediço que a invocação do interesse público não deve servir de pretexto para silenciar dissidentes, favorecer pontos de vista preferidos pelos governantes ou para impedir a difusão de concepções outras sobre temas controvertidos. Ao contrário, o poder regulatório do Estado o qual sustentamos deve ser exercido sempre para promover a diversidade e o pluralismo de opiniões, tanto na seara pública, quanto privada. No primeiro mandato tentou-se instituir um Conselho Federal de Jornalismo, que seria responsável por punir “erros da imprensa” e que no fundo funcionaria como um instrumento de censura prévia. Em dezembro de 2009 foi patrocinada a Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) que aprovou 633 propostas, entre elas a criação de um “observatório de conteúdos midiáticos” - outro eufemismo para a censura. Trata-se de um projeto de governo, dentro do espírito autoritário que predomina a política brasileira atual. Ao Estado está o poder/dever, no tocante ao pluralismo externo, de combater a formação de monopólios e oligopólios no âmbito da comunicação de massas, além de desenvolver uma mídia pública. Quanto ao pluralismo interno, parece-nos necessário que o Estado intervenha buscando assegurar que os meios de comunicação de massa se dediquem efetivamente ao tratamento de temas de interesse público, e que proporcionem à sua audiência uma cobertura adequada dos diversos pontos de vista existentes. 3 AUTORITARISMO E O PAPEL DO ESTADO: PODER LEGISLATIVO E NOVA INTERPRETAÇÃO STF (Supremo Federal Tribunal) julgou a Lei 5250/67 inconstitucional. A Lei de Imprensa a qual era chamada assegurava o direito de resposta que deveria ser proporcional ao agravo sofrido pelo ofendido. Tal lei fora editada na ditadura em um contexto dos ideais cívicos da Segurança Nacional, contendo vários excessos, almejando o ideal de ameaça e censura aos meios de 86 Tathiana de Melo Lessa AMORIM, A liberdade de expressão para uma efetiva... p. 79-95 comunicação, inclusive com a pena de prisão de jornalistas. O Ato Institucional nº 5 impôs a censura à imprensa, rádio e televisão. O Decretolei nº 477 de 1.969 definiu as infrações disciplinares cometidas por professores, alunos e funcionários àquela época por emitirem suas convicções. É bem certo que a Lei de Imprensa não se harmonizava com o novo perfil democrático da Constituição Federal de 1988. Com isso a Constituição Federal, o Código Civil e o Código Penal estão sendo aplicados pois, com a revogação total da referida lei abrese a discussão ampla sobre o respeito de imagem e de resposta do agravado. Representantes do Judiciário vêm discutindo a indispensabilidade de uma nova regulação específica sobre o tema. As manifestações de setores do Governo e da própria doutrina jurídica evocam a proteção aos direitos de personalidade, garantindo a inviolabilidade do direito à honra, à privacidade, desencadeando processos judiciais para apurar a responsabilidade civil e penal. Depreende-se que o conceito jurídico de censura tem merecido um esforço jurisprudencial dos tribunais, desde os acórdãos decididos pelos tribunais militares até sua hermenêutica contemporânea. O papel do debate público e político delineado por uma democracia deliberativa é trivial ao equacionamento das divergências, pois uma democracia baseada mo diálogo incorpora uma efetiva proteção à liberdade de expressão, sem o controle do Estado, do poder econômico ou político privado. O Estado deve assumir uma visão não paternalista, onde o povo possa avaliar com plena autonomia o valor de determinadas manifestações o qual está inserido, como bem explicita Paulo Bonavides (2000, p. 89) O povo assim qualificado, titular da nova legitimidade, não somente encarna a vontade dos governados, senão que a transmuta em vontade governante. Sujeito da nova titularidade do poder, entrava ele a operar a grande estratégia libertadora do ente humano ao longo dos tempos vindouros, mediante processo centralizador ainda agora em curso e com o qual se familiariza cada geração política. Revista de Direito PGE-GO, v. 27, 2012 87 4 DEMOCRATIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO A democracia exige, para seu funcionamento, um minimum de cultura política, que é precisamente o que falta nos países apenas formalmente democráticos. (Mello, 2004, p. 100). Com efeito, sem a consciência de cidadania, o povo será presa fácil das articulações, mobilizações e aliciamento da opinião pública, quando necessária sua adesão ou pronunciamento, graças ao controle que os setores dominantes detêm sobre a mídia, que não é senão um dos seus braços. Mills (1968, p. 355) indica a diferença proporcional entre os que formam a opinião e os que recebem a opinião já formada, dentre as quais: a possibilidade de responder ou de revidar – direito de resposta – uma opinião sem que tal ato provoque represálias; o monopólio dos meios de comunicação, por um determinado grupo, que não permite uma reação, nem sequer “particular” a outras pessoas; a correlação entre a formação da opinião e a possibilidade de a mesma se concretizar em ato social, e a facilidade de participação efetiva nas decisões; a posição que o indivíduo ocupa na estrutura de poder e as próprias características do sistema de autoridade podem limitar, permitir e até estimular essa correlação; o grau de penetração da autoridade institucional, no público, através de sanções do controle social, e o grau de autonomia real do público em relação a essa autoridade. O tipo de comunicação que predomina, em uma sociedade de massa, é o veículo formal, e as pessoas, expostas ao conteúdo desse veículo de comunicação de massa, tornamse receptáculos mais ou menos passivos de opiniões já formadas. Só existe opinião pública quando os indivíduos de uma sociedade têm acesso livre e total às informações da atualidade e, em contrapartida, podem formular opiniões autoconscientes. É preciso entender que o processo de formação de opinião pública pressupõe o acesso potencial de todos os cidadãos às informações estereotipadas que os meios de comunicação divulgam. Diante dessas informações, que cada indivíduo recebeu (ou pode receber) livremente, em igualdade de condições com os demais, afigura-se a etapa de tomada de posição: pessoal, grupal, coletiva, através da livre discussão. 88 Tathiana de Melo Lessa AMORIM, A liberdade de expressão para uma efetiva... p. 79-95 A opinião pública abarca as opiniões sobre assuntos de interesse da nação, livre e publicamente expressas por homens que não participam do governo e reivindicam para suas opiniões o direito de influenciarem ou determinarem as ações, o pessoal ou a estrutura de governo. Berger (apud Augras, 1974, p. 16) nos aclara que a opinião pública é consciente, ou seja, tende a afirmar-se e exprime um juízo; carrega em si uma intenção de racionalidade, pois procura a objetividade e deseja justificar-se; tem um aspecto apaixonante, já que se situa sempre no plano emocional e no das crenças; consiste em um fenômeno social, ou seja, existe apenas em relação a um grupo, é um dos modos de expressão desse grupo e difunde-se utilizando as redes de comunicação do grupo. Cultura de massa é a divulgação, sem que se possa contestá-las ou debatê-las, de mensagens pré fabricadas, cuja mediocridade prevê sua aceitação por pessoas de qualquer nível de conhecimento e idade mental, nivelando “por baixo” as informações, uniformizando o uniforme e sintetizando os lugares-comuns, com a finalidade de tornar a cultura um conjunto semelhante, constante e não questionado. Define-se cultura de massa justamente pela sedimentação das formas de saber, que induzem condutas, ideologias e motivações, depositadas sem contestação na consciência do homem-massa. Para além, cultura de massa pode ser decodificada como uma fossilização progressiva para engrossar a região estática cultural, como um eufemismo para designar um retrocesso na história da civilização. Paschoali (1972, p. 77) entende que Se o discurso massifica pela sua mediocridade adaptável a qualquer idade mental, nível de conhecimento etc., e se uma sociedade de massas se caracteriza pela utilização de bens de consumo standard (tanto materiais quando culturais), um cultura de massas, que é a sedimentação de mensagens pré-fabricadas sob medida para todos, consistirá numa ulterior uniformização do uniforme ou síntese dos lugares-comuns de uma coletividade. A relação comunicativa dá-se por uma interação bilateral, ou seja, quando transmissor e receptor apresentam relação de ambivalência, podendo o transmissor passar ao receptor e vice-versa. Os meios de comunicação são os canais artificiais utilizados para veicular entre seres racionais – transmissores-receptores – essas linguagens. Quando a Revista de Direito PGE-GO, v. 27, 2012 89 bilateralidade da autêntica intercomunicação é atrofiada pela enorme desproporção entre os agentes transmissores e os receptores e, quando o primeiro se assenhora e monopoliza o papel de informador, reduzindo os segundos a um papel de pessoas passivamente informadas, de modo irreversível a força expansiva e auto criadora do saber diminui, ficando reduzida sua função a uma relação unilateral entre dois polos: uma oligarquia informadora, convertida em elite, e uma pluralidade indiferenciada de receptores, transformada em massa. No âmbito federal, somente o Conselho de Comunicação Social do Congresso e alguns espaços institucionais sob controle do Estado, geralmente hegemonizados pela presença expressiva de representantes do Poder Executivo, permitem a inserção da sociedade civil organizada no debate de políticas públicas. Atualmente, funcionam no Brasil as seguintes instâncias de participação ou representação social: Conselho Superior de Cinema (vinculado ao Ministério da Cultura, Comitê Consultivo do Sistema Brasileiro de TV Digital (vinculado ao Ministério das Comunicações), Comitê de Defesa dos Usuários de Serviços de Telecomunicações, Comitê de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (ambos vinculados à Anatel) Conselho de Acompanhamento da Programação (vinculado à Campanha Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados), Comitê Gestor de Internet (organismo não governamental), Câmara Setorial de Música e Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (ambas vinculadas ao Ministério da Cultura). Todos são compostos, em maior ou menor grau, por pessoas físicas de notório saber ou representantes de entidades da sociedade civil. 5 A QUESTÃO GERMÂNICA A doutrina alemã ao tratar da liberdade de expressão corrobora que essa mesma liberdade é um direito subjetivo individual atrelado ao valor irradiante da dignidade da pessoa humana, sendo também desenvolvida como instrumento de formação da opinião pública e ao intercâmbio de ideias entre os cidadãos. (SARMENTO, 2006, p. 270). Logo, na Alemanha, a liberdade de expressão é, igualmente, um direito fundamental de defesa contra o Estado. O 90 Tathiana de Melo Lessa AMORIM, A liberdade de expressão para uma efetiva... p. 79-95 ponto principal da doutrina alemã foi reconhecer a dimensão objetiva desse direito, trazendo à baila obrigações positivas para os poderes públicos. Essa idéia de dimensão objetiva foi desenvolvida a partir do caso Luth, que na apreciação de Alexy (2003, p. 136) trouxe três principais ideias, a saber: a) os direitos constitucionais incorporam uma ordem objetiva de valores, sendo que os valores ou princípios dos direitos constitucionais não se aplica somente na relação entre cidadão eu Estado, mas sim a todas as áreas do direito; b) exerce, portanto, um efeito irradiante e, todo o sistema jurídico, tornando-se onipresentes; c) nessa ideia de valores e princípios há a colisão desses princípios resolvendo-se através do “balanceamento de interesses”. Na seara dos poderes públicos, o caso Luth trouxe a preocupação destes absteremse de violar esses direitos, além da obrigação de promovê-los em sua concretude e garanti-los perante toda e quaisquer ameaças advindas. A Corte Constitucional alemã tem proferido diversas decisões enfatizando o dever do Estado de agir no sentido de assegurar o pluralismo comunicativo no campo da mídia eletrônica, que não pode depender exclusivamente das forças do mercado. No sistema germânico, cada Estado mantém uma agência reguladora independente para zelar pelo pluralismo na mídia eletrônica, com responsabilidade pela emissão e renovação das licenças e pela fiscalização da programação das emissoras. 6 COLISÃO DE DIREITOS, TEORIA DA IMANÊNCIA E CASO PRÁTICO NACIONAL Para Dworkin (2002, pp. 42-3) a questão dos pesos entre princípios, na hipótese de colisão, prevalece o de maior peso sem excluir o outro completamente, pois os princípios possuem uma dimensão que as regras não têm, qual seja, a dimensão de peso ou importância. Quando os princípios se intercruzam, aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um. Esta não pode ser, por certo, uma mensuração exata e o julgamento que determina que um princípio ou uma política particular é mais importante que Revista de Direito PGE-GO, v. 27, 2012 91 outra frequentemente será objeto de controvérsia. Não obstante, essa dimensão é uma parte integrante do conceito de um princípio, de modo que faz sentido perguntar que peso ele tem ou quão importante ele é. As considerações históricas dos direitos fundamentais, bem como as características hodiernas desses direitos serão primordiais para o entendimento e conclusão da análise do HC 82424-2, RS – D.J. 19/03/2004. O acórdão versa sobre um caso em que tenha ocorrido o crime de racismo, no qual o escritor de origem germânica fazia menções desabonadoras à comunidade judaica, assim como todos aqueles que tenham alguma afinidade por essa cultura ou religião. Para atribuir constitucionalidade àquela norma, invocou-se como fundamento constitucional o mandamento configurado no art. 5º, XLII, da Constituição Federal, que aplica a cláusula de imprescritibilidade e inafiançabilidade ao crime de racismo. Adentra-se na discussão jurídica acerca da proteção do direito referente à liberdade de expressão ou à dignidade da pessoa humana e suas consequências. O método hermenêutico concretizador da norma parte dessa para o caso concreto, levando em consideração as implicações da norma constitucional mediante construção jurídica. O direito à liberdade de expressão deve ser interpretado na prática fática, pois encontra restrições nas hipóteses constitucionalmente estabelecidas. Esse direito não consagra a possibilidade de incitar a prática discriminatória. Sendo assim, o direito fundamental à liberdade de expressão pode ser restringido quando estiver sob ameaça de lesão interesses dignos de proteção de outro indivíduo, interesses cujo nível hierárquico jurídico fosse superior. Por essa razão o princípio da ponderação possui duas vertentes, a saber: a) abstrata – que consiste na comparação “virtual” entre os bens jurídicos do mesmo nível hierárquico protegidos constitucionalmente com o fito de adotar uma decisão de preferência entre ambos, que pode estar explícita na Constituição ou decorrer dela; b) concreta – que consiste na aplicação do princípio da proporcionalidade, ocorrendo o sopesamento quando da colisão entre princípios com vistas à aplicação do mais adequado. 92 Tathiana de Melo Lessa AMORIM, A liberdade de expressão para uma efetiva... p. 79-95 Nesse diapasão, apresentamos os sub-princípios da proporcionalidade de modo a informar seu conteúdo e aplicação: a) adequação (Geeignetheit) significando que a medida a ser adaptada para a realização do interesse público deve ser apropriada para a prossecução do fim ou fins a ele subjacentes; b) necessidade ou exigibilidade (Erforderlichkeit), correspondendo à medida que não pode exceder os limites indisponíveis à conservação do fim legítimo que se pretenda alcançar; c) proporcionalidade em sentido estrito (Verhältnismässigkeit) que é a constatação de que o resultado pretendido com o ato estatal é proporcional à carga coativa. É a correspondência meio e fim com o sopesamento (Abwägung), colocando de um lado o bem da coletividade e, de outro, as garantias dis indivíduos (CANOTILHO, 1993, pp. 380-5). A teoria dos limites imanentes tem sido aceita, sendo esses limites não expressos no texto constitucional, mas que decorrem do próprio Direito. Essa doutrina defende que não é possível resolver um conflito aceitando incondicionalmente a superioridade desse ou daquele direito, pois não há uma ordem hierarquicamente de bens constitucionalmente protegidos. O que se procura é a concordância prática dos direitos e bens juridicamente protegidos. 7 A QUESTÃO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS E SOLUÇÕES PARA UM MODELO REGULATÓRIO Agências reguladoras são autarquias sob regime especial, ultimamente criadas com a finalidade de disciplinar e controlar certas atividades, dentre as quais estão: a) serviços públicos propriamente ditos – é o caso da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), criada pela Lei 9427/96 e da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), criada pela Lei 9472/97; b) atividades de fomento e fiscalização de atividade privada – é o caso da Agência Nacional do Cinema (ANCINE), criada pela Medida Provisória 2.281-1/01; c) atividades exercitáveis para promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo – é o caso da Agência Nacional do Revista de Direito PGE-GO, v. 27, 2012 93 Petróleo (ANP), criada pela Lei 9.478/97; d) atividades que o Estado também protagoniza, mas são facultadas aos particulares – é o caso da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVS), criada pela Lei 9.782/99; e) as agências reguladoras do uso de bem público – é o caso da Agência Nacional de Águas(ANA), criada pela Lei 9.984/00. Agências independentes estão vinculadas hierarquicamente aos respectivos ministérios com controle interno e externo exercidos por esses. A criação das agências reguladoras tem como principal ênfase a limitação do papel do Estado na economia (reforma de desastização) e a flexibilização da gestão pública. Alguns dos problemas com as agências reguladoras está em se saber o que e até onde podem regular algo sem estar invadindo competência legislativa. O princípio da legalidade e a vedação a que os atos inferiores inovem inicialmente na ordem jurídica nos explicita que determinações normativas advindas das agências hão de se pautar por aspectos estritamente técnicos, cabendo-lhes expedir normas que se encontrem abrangidas pelo campo da “supremacia especial” (MELLO, 2004, p. 159). Assim, certas providências, além de serem amparadas em fundamento legal, não podem estar em contradição ao que esteja estabelecido em alguma lei ou até mesmo distorcelhe o sentido para agravar a posição jurídica dos destinatários ou de terceiros, nem tampouco violar princípios constitucionalmente já consagrados. O mesmo se propõe quanto ao fato de agência exorbitar em seus poderes e as disposições atinentes à investidura e fixidez do mandato. A garantia dos mandatos não pode estender-se além de um mesmo período governamental, pois isso engessaria a liberdade administrativa do futuro governo. Dessa forma abre-se ao povo a plena autonomia para que possa eleger outros governantes com orientações políticas, ideológicas e administrativas diversas do governo precedente. Um dos principais motivos do modelo regulatório no Brasil é a equidistância do órgão regulador com os polos de interesse de regulação: o poder concedente (governo), concessionárias e usuários de serviços públicos. Por essa razão, posicionamo-nos pela participação popular no processo decisório de regulação e no efetivo fortalecimento de mecanismos de participação e defesa dos 94 Tathiana de Melo Lessa AMORIM, A liberdade de expressão para uma efetiva... p. 79-95 interesses consumeristas junto às agências. Dessa forma, permitindo-se um maior acesso e participação aos usuários está-se concretizando as garantias fundamentais por meio de uma gestão mais democrática destes entes reguladores. Poder-se-ia, igualmente, exigir uma consulta a comitê consultivo formado por experts, pesquisadores e membros da sociedade civil, previamente à publicação inicial de projeto de norma regulamentar, além de permitir que todas as decisões e reuniões deliberativas das agências sejam abertas ao público. 8 CONCLUSÃO O povo, titular da nova legitimidade, não somente encarna a vontade dos governados, senão que a transmuta em vontade governante. Sujeito da nova titularidade do poder, entrava ele a operar a grande estratégia libertadora do ente humano ao longo dos tempos vindouros, mediante processo centralizador ainda agora em curso e com o qual se familiariza cada geração política. Os agentes estatais encarregados da fiscalização quanto aos mecanismos da mídia devem ter independência em relação ao Estado. A agência reguladora composta por representantes de vários setores da sociedade (pluralismo interno e externo) é o modelo mais apreciativo, sem a indicação de seus componentes pelo Chefe do Executivo, para o combate da violação da liberdade de expressão tão disseminada nos dias atuais, como forma de implantar um constitucionalismo concretizador de direitos fundamentais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALEXY, Robert. Direitos fundamentais, balanceamento e racionalidade. In: Ratio Juris, v. 16, nº 2. Trad. Menelick de Carvalho Netto, 2003. AUGRAS, Monique. Opinião pública: teoria e pesquisa. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1974. 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