enfermagem em revista
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ISSN 0872-8844 N.º116 . NOVEMBRO 2014 enfermagem em revista OPINIÃO CIÊNCIA E TÉCNICA MAUS-TRATOS A IDOSOS. RESPOSTA INTEGRADA DE CUIDADOS DE SAÚDE REABILITAR A PESSOA AMPUTADA SUMÁRIO SUMÁRIO P04 EDITORIAL P05 OPINIÃO O AVANÇO DA TECNOLOGIA NA SAÚDE COM CONSEQUENTE DÉFICE NA FORMAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR PORTUGUÊS P11 OPINIÃO MAUS-TRATOS A IDOSOS. RESPOSTA INTEGRADA DE CUIDADOS DE SAÚDE P15 CIÊNCIA & TÉCNICA GRAVIDEZ NÃO CONVENCIONAL. Contributos do enfermeiro especialista P21 CIÊNCIA & TÉCNICA GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA. Uma problemática social P25 CIÊNCIA & TÉCNICA A VIVÊNCIA DA IMAGEM CORPORAL NO PUERPÉRIO P31 CIÊNCIA & TÉCNICA INCLUSÃO DA TÉCNICA DA RELACTAÇÃO EM NEONATOLOGIA. P40 CIÊNCIA & TÉCNICA PROMOÇÃO DO SONO DA CRIANÇA: Estratégias de enfermagem para a capacitação parental P51 CIÊNCIA & TÉCNICA ENFERMAGEM DE REABILITAÇÃO E OLD P58 CIÊNCIA & TÉCNICA REABILITAR A PESSOA AMPUTADA P64 CIÊNCIA & TÉCNICA A INFLUÊNCIA DA ENFERMAGEM DE REABILITAÇÃO NA QUALIDADE DE VIDA DOS IDOSOS FICHA TÉCNICA PROPRIEDADE E ADMINISTRAÇÃO Formasau, Formação e Saúde, Lda. Parque Empresarial de Eiras, Lote 19, Eiras - 3020-265 Coimbra T 239 801 020 F 239 801 029 CONTRIBUINTE 503 231 533 CAPITAL SOCIAL 21.947,90 € DIRECTOR António Fernando Amaral DIRECTORES-ADJUNTOS Carlos Alberto Margato / Fernando Dias Henriques EDITORES Arménio Guardado Cruz / João Petetim Ferreira / José Carlos Santos / Paulo Pina Queirós / Rui Manuel Jarrô Margato ASSESSORIA CIENTÍFICA Ana Cristina Cardoso / Arlindo Reis Silva / Daniel Vicente Pico / Elsa Caravela Menoita / Fernando Alberto Soares Petronilho / João Manuel Pimentel Cainé / Luís Miguel Oliveira / Maria Esperança Jarró / Vitor Santos RECEPÇÃO DE ARTIGOS Célia Margarida Sousa Pratas CORRESPONDENTES PERMANENTES REGIÃO SUL Ana M. Loff Almeida / Maria José Almeida REGIÃO NORTE M. Céu Barbiéri Figueiredo MADEIRA Maria Mercês Gonçalves COLABORADORES PERMANENTES Maria Arminda Costa / Nélson César Fernandes / M. Conceição Bento / Manuel José Lopes / Marta Lima Basto / António Carlos INTERNET www.sinaisvitais.pt E-MAIL [email protected] ASSINATURAS Célia Margarida Sousa Pratas INCLUI Revista de Investigação em Enfermagem (versão online) ASSINATURA CONJUNTA (SV 6 números/ano + RIE 4 números/ano): €15.00 ASSINATURAS ANUAIS: pessoas colectivas (Instituições /Associações): Revista Sinais Vitais (6 números/ano): €20.00 / Revista de Investigação em Enfermagem (4números/ano): €20.00 / Assinatura conjunta (SV 6 números/ano + RIE 4 números/ano): €35.00. FOTOGRAFIA 123rf© NÚMERO DE REGISTO 118 368 DEPÓSITO LEGAL 88306/ 95 ISSN 0872-8844 3 EDITORIAL EDITORIAL ANTÓNIO FERNANDO S. AMARAL, Enfermeiro [email protected] A Revista Sinais Vitais celebra este mês o seu 20º aniversário. NOVEMBRO 2014 Agora online os enfermeiros podem mais facilmente aceder ao seu conteúdo em qualquer parte, até como ajuda à tomada de decisão, desde que se possa aceder a www. eformasau.pt e autenticar-se. 4 Nestes últimos 20 anos a profissão viveu momentos muito importantes, como ver consignada a necessidade de licenciatura para a o exercício profissional, a criação da Ordem dos Enfermeiros, entre outras. Pensávamos que estas duas conquistas nos levariam ao exercício de uma maior autonomia, a uma melhor valorização da nossa prática e a uma maior satisfação da nossa parte em trabalhar. O que tem acontecido, no entanto, é que isso não tem acontecido e, sobretudo, nos últimos 4 anos, temos assistido a uma constante desvalorização da nossa profissão, com prejuízo claro para as pessoas que cuidamos. A questão que gostaria de colocar aos meus colegas enfermeiros é o que temos feito? Será que, nos locais onde cada um de nós trabalha, temos defendido, pela nossa prática, os valores da profissão? Será que no nosso discurso temos colocado em primeiro lugar o que isso tem trazido de prejuízo para os doentes, ou alimentamos discussões vazias sobre funções, atribuições e outras coisas que só servem para nos colocarmos em posição de inferioridade na equipa de cuidados? Temos nós profissionais capitalizado em nosso benefício as discussões que impendem sobre o estado do SNS e de que forma ele poderia estar diferente com uma maior valorização do nosso contributo? A minha resposta a tudo isto, pelo que tenho lido e ouvido é nem sempre. Quando mais ou menos deliberadamente nos queixamos do regulador, dos sindicatos e de outras coisas do âmbito da organização da profissão, não estamos a focar a insatisfação onde deveríamos. Outros que connosco trabalham na equipa de saúde quando reivindicam fazem-no sempre em prol de um interesse maior que é o dos doentes. Nós, por outro lado, queixamo-nos de forma corporativa e colocamo-nos muitas vezes em confronto com outras corporações. Vamos mudar o foco. Vamos dar poder aos nossos doentes, vamos colocar o doente de facto no centro das nossas preocupações. Tudo o resto virá a seguir, pois serão eles a defenderem-nos. A Revista Sinais Vitais quer continuar a assumir-se como um fórum onde cada um pode expressar as suas opiniões. OPINIÃO ENTRADA DO ARTIGO ABRIL 2013 O AVANÇO DA TECNOLOGIA NA SAÚDE COM CONSEQUENTE DÉFICE NA FORMAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR PORTUGUÊS DIANA SOFIA PECHINCHA MORAIS Licenciatura em Enfermagem. Enfermeira Generalista RESUMO No mundo moderno a tecnologia está à nossa volta, somos bombardeados com a mais diversa e moderna tecnologia e, já somos incapazes, de viver sem as T.I.C.. Com isto, era inevitável a introdução das T.I.C. em saúde, quer para o auxílio dos cuidados quer para a redução de custos (facto cada vez mais crucial nos dias de hoje). A verdade é que, os enfermeiros, terão que se adaptar a uma nova realidade, adaptando os seus conhecimentos ao futuro que os espera. ABSTRACT Technology in the modern world is all around us. We are bombarded with the most diverse and modern technology, and now we are incapable to live without ICT (information and communication Technologies). Whit this, it was inevitable the introduction of ICT in health, either for assistance or care for the reduction of costs (certainly more and more crucial nowadays). The truth is that nurses will have to adapt to a new reality and adapt their knowledge to the future that awaits them. Palavras-Chave: T.I.C., Enfermagem, Formação Keywords: ITC, Nursing; Education As tecnologias avançaram de uma forma avassaladora nos últimos tempos, provocando a preocupação e a necessidade de a humanidade se preparar para acompanhar o salto na qualidade de vida que estas proporcionam, tendo que existir uma mudança de carácter emergente e obrigatório por parte do Homem, para que este possa viver consoante as novas regras agora impostas pela crescente evolução tecnológica. Segundo Évora et al., uma invasão crescente das novas tecnologias no nosso dia-a-dia podem causar mudanças dramáticas na quantidade, na qualidade e na velocidade de trocas de informação que lidamos diariamente. Esta informação veio demonstrar que se o indivíduo não estiver preparado para acom- panhar e lidar com inovações, nomeadamente as tecnológicas, pode-se deparar com problemas que podem afectar o sucesso do seu desempenho profissional. Há necessidade, então, de o indivíduo saber gerir estas mudanças de modo a que estas sejam utilizadas como ganhos profissionais. Caso o indivíduo não se consiga moldar a tais modificações ou se se mostrar relutante a adquirir novos termos e conhecimentos que destas mudanças advêm, poderá surgir aqui um entrave à inovação tecnológica, adquirindo esta um novo formato, isto é, torna-se nociva para a execução correcta e assertiva da actividade laboral. De acordo com Silva e Ferreira (2009), “a tecnologia pode influenciar e modificar o nosso modo de vida e determinar influências 5 NOVEMBRO 2014 OPINIÃO 6 em diversos campos tais como o social, o económico e o ambiental.” Com a revolução industrial, ocorreu o desenvolvimento de novas tecnologias em quase todas as áreas, nomeadamente na área da saúde. Deste modo, o desenvolvimento em massa das novas tecnologias veio desvalorizar a força humana como elemento principal na actividade profissional em detrimento das máquinas, causando modificações na esfera laboral. Constato assim que na saúde, todas as relações sociais que sustentavam grande parte da metodologia do funcionamento das organizações, são afectadas por esta inovação. Isto é, há uma quebra da socialização entre os demais constituintes das organizações, dado que se substitui a mão-de-obra por equipamentos tecnológicos. A sofisticação tecnológica cada vez mais notada nos serviços de saúde, veio quebrar relações sociais que anteriormente eram de extrema necessidade para a prestação de serviços, fazendo-as assumir menos relevância. A nível económico, as consequências da inovação tecnológica, adquirem um sentido positivo, uma vez que estas visam a minimização de custos, diminuindo os colaboradores, devido á sua substituição pelos equipamentos. Não menos importante, a quebra das relações ou mesmo a falta destas, leva a uma atmosfera laboral pouco susceptível à manutenção de um clima empático e de solidariedade entre os profissionais, sendo as tarefas e responsabilidades desempenhadas sob um método mecânico, que em saúde se repercute numa prestação de cuidados menos eficaz. No entanto, segundo Barra (2006), “a introdução da informática e o aparecimento de aparelhos modernos e sofisticados trou- xeram muitos benefícios na luta contra as doenças, fazendo as T.I.C. assumirem um papel de importância extrema quer na prevenção da doença quer na promoção de saúde.” Sem as T.I.C. o plano de cuidados, seria mais difícil de concretizar, assim como a execução de técnicas e procedimentos que visam o salvamento de vidas todos os dias. Esta tecnologia moderna, criada pelo Homem e a serviço do próprio, tem contribuído em larga escala para a solução de problemas antes inexequíveis e que pode reverter em melhores condições de vida e saúde para o indivíduo. De uma forma geral, as T.I.C. são dotadas de uma dualidade subjectiva a nível da sua importância, assumindo duas posições, positiva e negativa. É de realçar a sua multifuncionalidade e velocidade da propagação da informação, como das principais aplicações na área da saúde. Especificamente em enfermagem, considero que a aproximação das T.I.C. nesta área, contribui para novas técnicas de tratamento, novas áreas de conhecimento, tal como a solicitação de vários produtos, a facilitação de dados em tempo real acerca do historial do doente, o aumento da produtividade e a diminuição do processo burocrático. A inovação informática auxilia os enfermeiros nas suas actividades, quer sejam assistenciais, administrativas, de ensino ou de pesquisa, trazendo benefícios tanto para o cliente, como para o profissional. No entanto, os enfermeiros não estão a acompanhar estes novos desafios, causando desconforto e insegurança nesta classe profissional. Na prática hospitalar, o uso das tecnologias e a sua adjacente evolução tecnológica funciona “(...) como uma ferramenta auxiliar no cuidado de enfermagem, que supre as necessidades crescentes do aumento da complexidade do cui- OPINIÃO dado oferecido pelas enfermeiras e possibilita a prestação de um cuidado de qualidade, com obtenção de maior eficácia, minimizando o tempo gasto na realização dos procedimentos, por outro lado, é preciso pensar sobre os efeitos que o avanço tecnológico remete.” (Silva e Ferreira, 2009) Numa perspectiva psicossociológica, as T.I.C. influenciam o estilo de vida da sociedade, provocando no Ser Humano sentimentos e comportamentos de aproximação, receio e separação. A tecnologia em saúde cria crenças e sentimentos nos técnicos, que vão influenciar o seu comportamento e a transmissão de informação aos seus colegas profissionais, criando com isto as bases do seu modo de actuar. O enfermeiro tem ao seu dispor tecnologias para prestar cuidados com qualidade e com sucesso, porém não são utilizadas no seu maior potencial por falta de conhecimento teórico-prático. “ (…) Os grandes centros hospitalares oferecem uma gama de equipamentos para a assistência, principalmente dos enfermos mais graves. É fundamental a informação e a habilidade do profissional para tratar com esta realidade” (Campos, 2007) Com base na citação anterior, verifica-se que a oferta tecnológica nos serviços de saúde se pauta cada vez mais pela quantidade de equipamentos dotados de máxima actualização e que preconizam a maior eficiência no salvamento de vidas. No entanto, é fundamental e imperativo que a formação tecnológica actualizada dos enfermeiros se inicie nas instituições de ensino aquando da sua licenciatura, sendo de fulcral importância a incrementação da aprendizagem e do contacto com esta nova realidade nos planos curriculares. Deste modo, aquando da entrada no mercado de trabalho, esta não signifi- que um entrave à qualidade de serviços de saúde prestados. Para perceber a realidade existente em Portugal, é importante verificar em que patamar se encontra o ensino superior em relação à oferta formativa tecnológica no curso de licenciatura em enfermagem, e por isso, debrucei-me sobre a análise dos planos curriculares de quatro instituições do ensino português. A análise fora feita com o intuito de perceber e compreender se estas acompanham o crescente desenvolvimento tecnológico na área da saúde, assim como, se têm uma oferta formativa nas áreas das tecnologias, que preparem os seus discentes para o mercado de trabalho. As escolas alvo de análise foram: a Escola Superior de Saúde de Portalegre, a Escola Superior de Enfermagem da Cruz Vermelha Portuguesa de Oliveira de Azeméis, a Escola Superior de Enfermagem de Lisboa e a Escola Superior de Enfermagem do Porto. De um modo empírico e recorrendo à análise dos planos curriculares, foi-me possível perceber que nenhuma destas entidades de ensino disponibiliza e engloba nos planos de estudos, a formação suficiente na área das T.I.C. nos Cuidados de Enfermagem. Constata-se e percepciona-se então, que as instituições de ensino não adaptam os seus planos curriculares à inovação tecnológica presente actualmente nas instituições de saúde nacionais. Os discentes, enfermeiros recém-licenciados ou enfermeiros não são preparados previamente pelas instituições onde recebem / receberam formação para a realidade tecnológica que enfrentam no mercado de trabalho. Confrontam-se com a falta de competências e habilidades técnicas e de manipulação de equipamentos sofisticados que são de extrema necessidade para 7 NOVEMBRO 2014 OPINIÃO 8 que a prestação de cuidados seja de máxima qualidade e eficiência. De acordo Silva e Ferreira (2009), “os enfermeiros recém-licenciados transparecem sentimentos, frustrações e expectativas que interferem nas práticas de enfermagem, pois em cada caso é necessário discutir os limites e dificuldades, sentidos nos mesmos.” Sempre que um enfermeiro se deparara com uma nova unidade hospitalar tem que se adaptar às novas tecnologias, pois cada situação necessita de cuidados diferentes. Estes profissionais de saúde experienciam situações diferentes todos os dias, o que vai construir neles insegurança e medo do desconhecido. Estes sentimentos tomam mais ênfase quando a formação destes indivíduos não acompanha a realidade com que interagem. O sentir e perceber que a qualidade dos cuidados por eles prestados depende muitas vezes da manipulação de equipamentos, para a qual não têm conhecimento e formação suficiente, cria neles, o sentimento de incapacidade e de insegurança, influenciando a qualidade dos cuidados prestados. No entanto, o fascínio e a curiosidade que as T.I.C. representam, a persuasão do desconhecido, criam nos enfermeiros uma aptidão e um estímulo para a descoberta e aquisição de novos conhecimentos tecnológicos actualizados. Segundo Arco (2004), “a utilização das T.I.C. em Enfermagem passa pelo desenvolvimento e adequação de instrumentos e procedimentos informáticos, que apoiem os enfermeiros no aperfeiçoamento da sua prática profissional.” A tecnologia avançada tem uma importância fulcral na área da saúde, quer no salvamento de vidas quer no auxílio aos demais profissionais de saúde na prestação de cuidados. Há então uma necessidade urgente e imperativa de uma simbiose entre equipamentos técnicos e a formação / conhecimentos dos profissionais em áreas tecnológicas. A inovação tecnológica em saúde visa a melhoria das condições de vida dos seus utentes, mas perdem a sua importância se os seus utilizadores (profissionais de saúde) não souberem de forma correcta e eficaz, usufruírem das suas vantagens. Tem que haver então, uma preocupação perante a formação dos enfermeiros que os sensibilize e os prepare para estas realidades e que assim, possam usufruir livremente e sem receio de falhas e erros da utilização das novas tecnologias, proporcionando assim melhores cuidados aos utentes. Para contactar com o real, nomeadamente, para perceber que realidades tecnológicas os enfermeiros portugueses experienciam no quotidiano das suas actividades laborais, foram analisadas duas das muitas aplicações das T.I.C. na área da saúde, designadamente a Linha de Saúde 24 e o Mobile Clinic (utilizado no INEM). A linha de Saúde 24, é considerada uma ferramenta tecnológica de extrema importância no Serviço Nacional de Saúde, uma vez que visa responder às necessidades manifestadas pelos clientes em saúde, de modo a melhorar a acessibilidade aos serviços, através do encaminhamento dos utentes para as instituições adequadas. A linha de saúde 24 possibilita a diminuição do fluxo de afluência às instituições de prestação de cuidados de saúde, aumentando a qualidade destes cuidados, incrementando a relação custo/benefício e reduzindo a procura desnecessária dos serviços de Saúde, oferecendo respostas ajustadas às necessidades do utente. Permite igualmente que os recursos, ao nível dos profissionais de Saúde, foquem a atenção em casos mais urgen- OPINIÃO tes estipulando um sistema de prioridades. Assim, a qualidade dos serviços de saúde é aumentada pela utilização deste sistema uma vez que este proporciona um atendimento focado, preciso, cómodo e rápido. No entanto, aquando da saída para a actividade laboral os recém-formados em enfermagem sentem e experienciam sentimentos de insegurança e de ansiedade na prática de cuidados à distância. O ensino que lhes foi conferido não assegura a aprendizagem e a prática deste tipo de cuidados, o que dificulta a tarefa destes novos enfermeiros em contextos de prestação de cuidados por vias indirectas. O contacto físico, visual e real com o utente é ensinado / aprendido durante o curso de licenciatura em enfermagem, anulando toda a classe profissional que opta pela prática de enfermagem indirecta, isto é, pela prestação dos seus serviços através das vias telefónicas, como o caso de linha de saúde 24 ou o 112. A nível do INEM, Instituto Nacional de Emergência Medica este proporciona uma rapidez e qualidade na prestação de cuidados e transporte de emergência. O INEM é constituído por uma equipa de profissionais de saúde com o auxílio de equipamento específico e técnico, informático e de transporte, que visa o salvamento de vidas todos os dias. O “Mobile Clinic” é uma aplicação informática de registo clínico electrónico que consiste na formulação de um registo electrónico que possibilita aos tripulantes das ambulâncias de emergência médica receber num computador portátil, os dados referentes à emergência, enviados em tempo real pelo Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU). A dificuldade que os enfermeiros recém-formados encontram aquando do contacto com esta realidade tecnológica, prende-se com o facto de não terem usufruído de formação prévia para lidar com tais equipamentos e não possuírem conhecimentos e técnicas para dominar e interpretar todos os dados enviados e remetidos por estes equipamentos. O domínio técnico e informático destes aparelhos é de fulcral importância sendo que o máximo de conhecimento acerca destes, possibilita uma melhoria na qualidade dos serviços de saúde prestados, assim como o aumento da confiança e destreza dos profissionais que contactam com estes equipamentos. Segunda Silva e Ferreira (2009) “A introdução das tecnologias na assistência aos cuidados, visam melhorar a eficácia e a rapidez dos cuidados, no entanto, numa fase inicial torna-se uma desvantagem porque em vez de direccionar o nosso tempo para a prestação de cuidados, focam a sua atenção em perceber o seu funcionamento.” A estipulação de uma boa relação terapêutica é essencial no sucesso do tratamento / cuidado do utente com que os profissionais de saúde estão a lidar. É fundamental perceber que a falta de formação e acompanhamento dos enfermeiros no que concerne à inovação tecnológica, leva-os a cometerem erros inocentes na prática clínica. “Num mundo de espantosas mudanças tecnológicas, ninguém pode ter a certeza daquilo que o futuro reserva. O que é certo é que os desenvolvimentos nas tecnologias dos meios de comunicação social estão no centro dessas mudanças.” Arco, 2004 citando Giddens, 2000 Actualmente, um curriculum que não inclua formação na área das T.I.C. é deficiente, incompleto e diminuto, porém, esta é uma falha que abrange todo o ensino superior nacional. 9 NOVEMBRO 2014 OPINIÃO 10 Desta forma, o Ensino Superior deve colmatar esta falha, investindo na formação tecnológica dos alunos preparando-os para as adversidades que poderão vir a ocorrer ao longo da sua vida profissional. Segundo Paula (2004), “oferecer aos formados em enfermagem o conhecimento sobre como desempenhar as suas funções e qual a melhor forma de explorar os mecanismos tecnológicos em clínicas e hospitais é um objectivo para o futuro.” De um modo conclusivo num futuro próximo, as T.I.C serão um elemento cada vez mais activo na sociedade, interferindo directamente na vida dos profissionais de Enfermagem. É urgente a mentalização que a necessidade de conhecimento tecnológico não abrange só classes profissionais específicas, mas sim, todas as que envolvam instrumentos técnicos, independentemente do grau de dificuldade do seu uso. Torna-se fulcral que o ensino tecnológico esteja presente nos planos curriculares do ensino superior português para que todos os formandos se sintam capazes de desempenhar as suas funções e competências com a máxima qualidade e eficácia possível. A transmissão de conhecimentos em áreas que estes profissionais não dominem, vão criar em si, sentimentos de segurança e confiança para que o utente tenha o melhor dos cuidados. BIBLIOGRAFIA ARCO, A. (2004). Tecnologias de informação e comunicação na educação em saúde – o caso da formação em enfermagem – . Dissertação elaborada com vista à obtenção do grau de mestre em ciências da educação na especialidade de Educação para a Saúde, Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa. ALKMIM MB, CUNHA LR, FIGUEIRA RM. “Aplicação de tecnologias de informação e comunicação na Saúde: Experiência do centro de telessaude do hospital das clinicas da UFMG,”Ver informática pública ano 2008 CAMPOS MV. “Fundamentos do Uso de Tecnologias na Enfermagem.” 25 de Dezembro, 2007 ÉVORA YD, MELO MR, NAKAO JR. “O desenvolvimento da informática em enfermagem: um panorama histórico.” 1990 FONSECA RB. Plano Nacional de Saúde 2011-2016: “Tecnologias de informação e comunicação”. Março 2010. NOGUEIRA LP, FERREIRA BA. “A informática e sua aplicação na área de enfermagem” Rev Enferm UNISA 2000; PAULA FE. “Tecnologia na enfermagem: vantagens e desvantagens.” 2004 Plano curricular 1º Ano, Escola Superior de Enfermagem de Lisboa: http://www.esel.pt/ESEL/PT/Formacao/ Licenciatura/PlanoEstudos/1%C2%BA+ano+plano+de +estudos.htm Plano curricular 2º Ano, Escola Superior de Enfermagem de Lisboa: http://www.esel.pt/ESEL/PT/Formacao/ Licenciatura/PlanoEstudos/1%C2%BA+ano+plano+de +estudos.htm Plano curricular 3º Ano, Escola Superior de Enfermagem de Lisboa: http://www.esel.pt/ESEL/PT/Formacao/ Licenciatura/PlanoEstudos/1%C2%BA+ano+plano+de +estudos.htm Plano curricular 4º Ano, Escola Superior de Enfermagem de Lisboa: http://www.esel.pt/ESEL/PT/Formacao/ Licenciatura/PlanoEstudos/1%C2%BA+ano+plano+de +estudos.htm Plano curricular, Escola Cruz Vermelha de Lisboa: http:// www.cruzvermelha.pt/actividades/ensino-superior-saude/escola-sup-enfermagem.html Plano curricular, Escola Superior de Saúde de Portalegre: http://www.essp.pt/Cursos/Licenciatura/18%20-%20 8-10-2009%20-%20Altera%C3%A7%C3%A3o%20 Plano%20de%20Estudos%20de%20Licenciatura%20 em%20Enfermagem.pdf Plano curricular, Escola Superior de Enfermagem do Porto: http://newsletter.esenf.pt:8080/newsletter/ficheiros/43/dre1.pdf www.saude24.pt Artigocientifico.uol.com.br/uploads/ artc_1186531364_80.doc SILVA RC, FERREIRA MA. “A Tecnologia em saúde: uma perpectiva psicossociológica aplicada ao cuidado de enfermagem.” Esc Anna Nery Ver Enferm 2009 jan-mar. TELEHEALTH – Issues For Nursing. American Nurses Association, 1997. Publicado na Internet. http://www. ana.org/readroom/tele2.htm TURANSKY, June Shipley. Technology in Nursing. 1997. Publicado na internet. http://home.dmv. com/~easycash/tech.htm OPINIÃO ENTRADA DO ARTIGO DEZEMBRO 2012 MAUS-TRATOS A IDOSOS RESPOSTA INTEGRADA DE CUIDADOS DE SAÚDE CARLA MENDES Enfermeira. Especialista em Saúde Infantil e Pediatria, no ACES II Lisboa Oriental/ USF Oriente PAULO ANES Enfermeiro no Centro Hospitalar de Torres Vedras/Serviço de Medicina B HELENA MOREIRA Enfermeira. Especialista em Saúde Infantil e Pediatria no Centro Hospitalar de Torres Vedras/Serviço de Pediatria RESUMO Os idosos, devido à sua fragilidade e dependência, são muitas vezes vítimas de maus-tratos por parte da sociedade, sofrendo, pacifica e silenciosamente, durante anos e anos, com a privação de cuidados básicos e de saúde, de autonomia, dignidade, respeito e afeto. Os enfermeiros possuem uma proximidade privilegiada com o idoso e seus cuidadores, o que lhes permite prevenir, identificar e denunciar este tipo de situações, o mais precocemente possível. ABSTRACT The elderly, due to their fragility and dependence, are often victims of mistreatment by society, suffering peacefully and quietly, for years and years, with the deprivation of basic and health care, autonomy, dignity, respect and affection. Nurses have a privileged proximity with the elderly and their careers, allowing them to prevent, identify and report that situations, as early as possible. Keywords: Maltreatment, Elderly and Nursing. Palavras-Chave: Maus-tratos, Idoso e Enfermagem A enfermagem, como profissão do cuidar, deve zelar pelo bem-estar da população a quem presta cuidados. Nas últimas décadas, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), têm-se assistido a um envelhecimento progressivo da população, sem contudo se verificar o suporte social necessário para garantir o seu cuidado. Consequentemente, muitos idosos são negligenciados e maltratados (INE, 2011). Os maus-tratos a idosos consistem na ocorrência de ato(s) que cause(m) dano, sofrimento ou angústia ao idoso, dentro de um relacionamento de confiança. Os maus-tratos podem ser de vários tipos: psicológicos, físicos, económicos, medicamentosos, sexuais, negligência (quer ativa, quer passiva) e violação dos direitos humanos (World Health Organization [WHO], 2011). Segundo a mesma fonte, em Portugal 11 NOVEMBRO 2014 OPINIÃO 12 39,4% da população idosa é vítima de maus-tratos, sendo que destes, 32,9% são vítimas de maus-tratos psicológicos, 16,5% de extorsão, 12,8% de violação dos seus direitos, 3,6% de abuso sexual e 2,8% de maus-tratos físicos. Os números são assustadores, senão mesmo aterradores, se a estes, juntarmos as incalculáveis situações que não chegam a ser denunciadas e por isso eternamente desconhecidas. Torna-se, assim, urgente, uma resposta integrada de cuidados de saúde ao idoso, que pode/deve ser precocemente iniciada se os profissionais estiverem atentos aos pedidos silenciosos de ajuda, como é exemplo o seguinte testemunho: Primeiro roubaram-me o direito à autonomia, depois o direito de expressão, aos poucos e poucos, o direito sobre o meu corpo e sobre a minha vida. O sorriso dissipou-se e, gradualmente, mergulhei numa amargurosa tristeza. A força e a esperança que me moviam outrora há muito me abandonaram! Agora somam-se as dores, os males e os dias – de mim resta apenas uma sombra, que pena, vazia e fria, na estrada da vida. Já não tenho qualquer valor – tornei-me, única e absolutamente, supérfluo! Não ouso pedir ajuda, pois as consequências do meu grito iriam repercutir-se, tortuosamente, na minha breve caminhada pelo mundo. Afinal, roubaram-me o ouro e o brilho dos olhos, roubam-me a dignidade e a saúde, roubar-me-ão dias de vida e um recordar honroso. Que me resta? Resignar-me silenciosamente… (Testemunho de H.M., 74 anos) É essencial que a enfermagem esteja sensibilizada para a importância de intervir em situações de risco ou ocorrência de maus- OPINIÃO -tratos a idosos, mesmo quando o idoso não sabe, não quer ou não pode pedir ajuda. Relativamente ao modelo de prevenção subjacente a esta problemática, a experiência profissional dos autores, quer ao nível dos cuidados de saúde primários, quer ao nível dos cuidados hospitalares, aponta para uma intervenção que deve incidir sobre quatro focos: a Enfermagem, a Comunidade, o Idoso e o Cuidador. A nível da equipa de enfermagem torna-se fundamental a formação e sensibilização para uma atuação de excelência. A intervenção deve ocorrer tanto a nível dos cuidados de saúde primários como a nível dos cuidados de saúde diferenciados. No âmbito de uma consulta, visitação domiciliária ou hospitalização é possível identificar sinais/sintomas sugestivos de maus-tratos ao idoso, entre os quais: desidratação, desnutrição, maus-cuidados de higiene, idosos multi-escariados, ferimentos sugestivos de maus- -tratos e comportamentos de medo perante os cuidadores. Também a comunidade deve ser alvo de sensibilização para uma maior valorização das pessoas idosas bem como para a importância de identificar e denunciar a ocorrência de maus-tratos a esta faixa etária. Os enfermeiros devem articular-se com os cuidadores e as instituições de apoio social, lares e residenciais de idosos existentes na comunidade de forma a garantir uma resposta mais abrangente e efectiva. Quando o idoso mora no seu próprio domicílio é importante garantir que tem acesso ao apoio social necessário, de forma a evitar-se a negligência por parte da sociedade/família. Esta situação merece especial atenção, quando o idoso mora sozinho! O envolvimento da comunidade torna-se muito precioso nesta situação, coresponsabilizando vizinhos, familiares mais próximos e mesmo os próprios agentes de segurança pública. 13 NOVEMBRO 2014 OPINIÃO 14 Relativamente à intervenção junto do idoso prende-se sobretudo com a prevenção de ocorrência de maus-tratos, através da promoção da participação ativa do idoso na sociedade e através da sinalização e acompanhamento de situações de risco, de forma a evitar a sua evolução. Tal como já referido anteriormente, muitas vezes o idoso aceita pacificamente ser maltratado devido à sua posição de dependência/fragilidade relativamente ao agressor, situação que poderá ser contrariada se o idoso sentir que tem apoio dos profissionais de saúde. De realçar que os cuidadores do idoso deverão ser alvos permanentes de formação e apoio, sobretudo a nível psicológico. Não é fácil cuidar, dia-após-dia, do idoso, muitas das vezes, doente, desorientado no tempo e espaço, não colaborante e totalmente dependente nas atividades de vida diárias - tal cuidado exige muitos sacrifícios e renúncias pessoais. A longo prazo, o cuidador pode sofrer de Síndrome de Burnout, o que pode propiciar comportamentos desajustados e até a ocorrência de maus-tratos àquele de quem cuida. Contudo, muitas vezes, o cuidador é negligente de forma passiva, ou seja, sem intenção de prejudicar o idoso - atualmente esta situação verifica-se sobretudo por carências económicas, o que torna também urgente, o suporte social e não só de cuidados de saúde. Quando o idoso está institucionalizado é importante supervisionar os cuidados prestados a este nível e formar a equipa responsável pela sua assistência. A distração e sentido de utilidade deverão ser promovidos ao máximo, de forma a evitar a depressão e sentimentos de inferioridade por parte do idoso. Quando a situação já evoluiu para a ocorrência de maus-tratos, a enfermagem deve estar apta a identificar precocemente os sin- tomas/sinais inerentes, a efetuar a sua denúncia às autoridades competentes e acompanhar o idoso, ao longo de todo o processo, sobretudo à posterior, de forma a evitar a continuidade dos maus-tratos. A implementação destas medidas refletir-se-á, certamente, na redução da hospitalização de idosos, bem como do número de casos de maus-tratos e no aumento do apoio social ao idoso/cuidadores, bem como da qualidade de vida do idoso/sociedade, ou seja, o reflexo será, nitidamente, um enorme ganho em saúde! Em suma, os enfermeiros têm um papel crucial na prevenção, identificação precoce e denúncia de situações de maus-tratos a idosos. Esta luta requer enfermeiros devidamente formados, ativos e ponderados, que trabalhem em parceria com o idoso, sua família/cuidadores e redes de apoio existentes na comunidade. O caminho é árduo, os obstáculos mais que muitos - a identificação deste tipo de situações não é fácil e além disso nem sempre a vítima tem a força, discernimento mental e/ou segurança para efetuar a denúncia. Estamos convictos que de forma integrada podemos ajudar a construir um mundo em que os idosos possam usufruir do máximo de qualidade de vida possível, no seio da sua comunidade. Para isso é fundamental discutir, analisar e refletir sobre esta problemática e não deixá-la cair no esquecimento. Este artigo representa o nosso pequeno contributo para que tal não aconteça. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS World Health Organization (WHO) (2011). European report on preventing elder maltreatment, Copenhagen. Instituto Nacional de Estatística (INE) (2011). Censos 2011 - Resultados Provisórios, Lisboa. CIÊNCIA & TÉCNICA ENTRADA DO ARTIGO MARÇO 2013 GRAVIDEZ NÃO CONVENCIONAL Contributos do enfermeiro especialista VÂNIA SOFIA AGOSTINHO DA SILVA Enfermeira no Estabelecimento Prisional de Alcoentre. A frequentar o curso de Pós-Licenciatura de Especialização em Enfermagem de Saúde Materna e Obstetrícia RESUMO As medidas não convencionais para alívio da dor, desconfortos e alterações decorrentes da gravidez, tais como o toque, o relaxamento e a massagem, são intervenções autónomas de enfermagem que promovem o conforto e relaxamento da parturiente, não devendo ser colocadas de parte pelo enfermeiro especialista em saúde materna e obstetrícia (EESMO). Estas técnicas são para os EESMO uma forma de comunicação não-verbal, permitindo-lhes perceber medos e ansiedades da grávida, além de ser um meio eficaz para os reduzir, transmitir carinho, respeito e segurança (SILVA, 2002). As técnicas de terapia não convencional, não só são úteis no alívio dos desconfortos da gravidez enquanto técnica por si só, mas também como forma de promover a excelência do cuidado de enfermagem holístico baseado no toque e na relação de ajuda. Palavras-Chave: , toque, massagem, relaxamento, cuidados obstétricos. ABSTRACT The unconventional measures for the relief of pain,discomforts and changes resulting from pregnancy,such as touch, relaxation and massage,are autonomous nursing interventionsthat promote comfort and relaxationon parturient and should not be put asideby nurse specialist in maternal healthand obstetrics (EESMO). These techniques are forEESMO a non-verbal form of communication,allowing them to realize pregnant fears and anxieties, besides being an efficient means forreduce it, transmit affection, respect and safety(Silva 2002).The unconventional therapy techniques, not onlyare useful in alleviating the discomfort of pregnancyas a technique in itself, but also asway to promote the excellence of careholistic nursing based on touch andhelping relationship. Keywords: touch, massage, relaxation,obstetric care 15 NOVEMBRO 2014 CIÊNCIA & TÉCNICA 16 INTRODUÇÃO O período pré-natal é um período de preparação, que envolve adaptações físicas e psicológicas, para receber um novo elemento na família. Sendo que aos cuidados de enfermagem está inerente a necessidade de cuidar da pessoa na sua globalidade, considerando as esferas física, mental e espiritual, necessitam de mobilizar uma vasta gama de conhecimentos científicos das diferentes áreas do saber médico, psicossocial e comportamental para a sua prática (WATSON, 2002). Desta forma, foi crescendo a visibilidade das terapias não convencionais como forma de dar resposta a uma prática de enfermagem que se quer humanista e holística. A recomendação e prática das técnicas não convencionais, no âmbito dos cuidados de enfermagem especializados em saúde materna e obstétrica, surge como meio de minimizar os desconfortos da gravidez, mas também como forma de melhorar a qualidade dos cuidados. Assim, no período pré-natal é importante familiarizar a gestante com as diferentes estratégias, para que possa optar pelo método a que melhor se adapte, uma vez que os resultados positivos da sua aplicação são intensificados quando estas são implementadas durante o acompanhamento pré-natal (SARTORI et al., 2011, http://scielo. isciii.es/pdf/eg/v10n21/pt_revision4.pdf) A escolha deste tema, prendeu-se com o interesse no toque terapêutico, massagem terapêutica e relaxamento como forma de minimizar as queixas dolorosas, principalmente durante o trabalho de parto, bem como os desconfortos vivenciados durante a gravidez. Assim, pretendo com esta pesquisa aprofundar conhecimentos acerca das temáticas, verificando, com base em estu- dos científicos, a eficácia que a aplicação destas técnicas não convencionais tem na prática. Para a elaboração deste artigo, procedeu-se à revisão bibliográfica através da pesquisa em diversas bases de dados on-line, nomeadamente a Scielo e a b-On. O TOQUE TERAPÊUTICO Durante toda a gravidez, mas principalmente durante o trabalho de parto, a mulher atravessa consideráveis transformações físicas que, por ação das contrações, provocam dor, que varia de mulher para mulher, de acordo com o limiar de dor de cada uma. Sendo a dor singular, por depender da influência de fatores piscossociais e culturais, é importante que o EESMO esteja sensibilizado para essa singularidade, e estabeleça uma relação de ajuda eficaz com a grávida, cuidando de forma holística (SARTORI et al., 2011, http://scielo.isciii.es/pdf/eg/v10n21/ pt_revision4.pdf). O Toque Terapêutico (TT) tem mostrado alguma efetividade na alteração dos sinais vitais e redução de sintomas de várias doenças como os distúrbios do humor e padrão de sono, agitação, fadiga, ansiedade e, sobretudo, dor (VASQUES; SANTOS; CARVALHO, 2011, http://www.scielo.br/pdf/ape/ v24n5/19v24n5.pdf). Sendo o toque terapêutico reconfortante e calmante, quando associado à massagem terapêutica ajuda a libertar o stress, a relaxar e a restabelecer o equilíbrio corporal, permitindo obter benefícios físicos (diminui o ritmo cardíaco e tensão arterial) e emocionais, constituindo-se como um tranquilizante natural (ALMEIDA, 2012). CIÊNCIA & TÉCNICA 17 A MASSAGEM TERAPÊUTICA A massagem terapêutica consiste na manipulação científica dos tecidos moles do corpo com a finalidade de normalizá-los, através de uma “série de técnicas manuais que incluem a aplicação de pressão fixa ou móvel, amassamento e produção de movimentos do corpo” (KRAPP; LONGE, 2003). Esta, quando utilizada durante a gravidez, permite estimular a circulação sanguínea e o retorno linfático, que podem estar comprometidos como resultado das alterações fisiológicas da gravidez, reduzindo desta forma a tensão muscular e a flacidez, proporcionando uma série de benefícios tais como: alívio dos espasmos musculares, maior flexibilidade e amplitude de movimento, alívio de stress, relaxamento e sensação de bem-estar, além da redução dos níveis de ansiedade (Idem). Para que a massagem terapêutica seja eficaz deverá ser realizada num ambiente agradável, acolhedor, com luz velada, silencioso e com um creme ou óleo (amêndoas doces, girassol, sementes de sésamo, entre outros), durante aproximadamente uma hora, podendo ser de 30 minutos se for concentrada apenas nas zonas de maior tensão. Sendo a massagem durante a gravidez uma técnica favorecedora do bem-estar fisiológico, estrutural e emocional, tanto da mãe como do feto, quando esta efetuada pelos companheiros durante o parto, está geralmente associada a partos mais breves e menos complicados. Contudo, a sua utilização está contraindicada em casos de hemorragia vaginal, dor abdominal ou diarreia, podendo também haver o risco de agravar contraturas musculares existentes (Idem). NOVEMBRO 2014 CIÊNCIA & TÉCNICA 18 Antes de iniciar a massagem e espalhar o óleo sobre a pele com passagens suaves durante alguns minutos é importante aquecer as mãos e o óleo que vamos utilizar. Durante a sua realização é necessário ter também o cuidado de não exercer demasiada pressão sobre áreas ósseas ou de órgãos, interrompendo de imediato um movimento que cause dor. Para que este seja um momento de conforto e relaxamento para a grávida não devemos falar a menos que ela o faça primeiro (ALMEIDA, 2012). “Depois do nascimento da criança, a terapia por massagem pode favorecer a recuperação do corpo até alcançar o seu estado prévio à gravidez, aliviar a dor, recuperar a sensação do próprio corpo e ajudar a manter a flexibilidade apesar do stress físico que pressupõe a atenção a uma criança pequena. Para as mães que tenham sido submetidas a uma cesariana existem técnicas terapêuticas específicas que também podem reduzir a formação de tecido cicatricial e facilitar a cura da incisão e das áreas de tecidos moles à volta” (KRAPP; LONGE, 2003). O RELAXAMENTO Por serem diversos os desconfortos que podem surgir no decorrer da gravidez é importante que a mulher saiba como neutralizá-los, de forma a não prejudicar o seu bem-estar durante o desenrolar da mesma. O relaxamento pode ser uma das técnicas utilizadas para minimizar os desconfortos da gravidez, pois como medida preventiva protege o corpo do desgaste desnecessário; ajuda a aliviar o stress e a acalmar a mente; e permite que o pensamento se torne mais claro e eficaz (ALMEIDA, 2012). Uma das formas práticas de promover o relaxamento é a respiração consciente, principalmente a respiração abdominal. Ao concentrar-se na respiração a mulher vai-se acalmando e recuperando o bem-estar físico (BJORN, 2009). Na prática clínica, tem-se verificado que o relaxamento permite a integração das diferentes dimensões da mulher, promovendo melhoria no estado de vigília e permitindo que o sono seja mais profundo e descansado. Verifica-se também o aumento da autoconfiança que se manifesta na diminuição das queixas álgicas, na diminuição de ansiedade, angústia e problemas digestivos, normalmente relacionados com estados emocionais que podem ser conscientes ou não. Com a utilização desta técnica tem-se verificado também na grávida uma melhoria nos estados de depressão, passando esta a encarar a vida com mais naturalidade, otimismo e confiança (Idem). Uma das técnicas de relaxamento mais utilizada é a desenvolvida por Schultz (1932), que tem por base o treino autógeno. Este treino é composto por 3 fases (Idem): • A utente é colocada na posição de sentada com os pés bem assentes no chão, coluna bem posicionada e braços colocados sobre a cadeira ou sobre as pernas, passando de seguida pela vivência de peso, que é induzida ao braço dominante; • Nesta fase passa por seis tempos (Repouso – peso; Sensação de calor; Vivência cardíaca; Repouso respiratório; Concentração de calor no baixo-ventre; Testa fria); • Ocorre o retrocesso do relaxamento, flexão e extensão dos braços e pernas, respiração profunda e abertura dos olhos. Para que a mulher consiga efetivamente CIÊNCIA & TÉCNICA relaxar é fundamental que esta técnica seja realizada num ambiente sossegado no qual a pessoa se sinta confortável. É importante dar a conhecer a técnica de relaxamento, fazendo uma breve introdução antes de a iniciar. É importante que o EESMO utilize um tom de voz sossegado e calmo, realizando pausas longas entre instruções. No final é importante permitir que a grávida retorne gradualmente ao estado de vigília, informando que vai terminar a sessão (ALMEIDA, 2012). Através desta técnica “está cientificamente provado que os hipertensos em estado de relaxamento diminuem a tensão arterial em cerca de 10 a 20%. Observa-se ainda uma diminuição do ritmo cardíaco, melhorando as situações de taquicardia. Os efeitos respiratórios, centram-se na capacidade de uma melhor oxigenação do organismo, pela ampliação da respiração abdominal e torácica” (BJORN, 2009). A técnica de relaxamento aplicada às mulheres no período da gravidez proporciona-lhes momentos de repouso, alegria e muita paz, sendo também esta uma forma de fortalecer o processo de vinculação biológico e psicológico pré e pós-natal. Tendo por base os estudos consultados foi possível verificar que os recém-nascidos de mães que realizam relaxamento durante a gravidez são mais calmos e dormem profundamente, apesar de chorarem como qualquer recém-nascido. Apesar da gravidez ser um período de grandes mudanças e adaptações, o puerpério também o é, sendo ambos os momentos vivenciados de formas distintas entre as mulheres. Assim, é normal que a mulher sinta medos, dúvidas e angústias quanto à capacidade de cuidar de um novo ser, o recém-nascido, e ainda de lidar com todas as atividades que já realizava antes da gravidez (PRIMO; AMORIM, 2008, http://www.scielo. br/pdf/rlae/v16n1/pt_05.pdf). Neste sentido, é importante que as intervenções do EESMO, como o relaxamento, façam parte do cotidiano do cuidado em enfermagem. Esta técnica, para além de ser benéfica para a mulher por tudo o que foi identificado acima, é também uma forma de aproximar utente e prestador de cuidados, contribuindo assim para a melhoraria na qualidade da assistência de enfermagem (Idem). CONCLUSÃO Nem todas as medidas não farmacológicas têm demonstrado eficácia no alívio da dor. Apesar disso, têm demonstrado bons resultados na promoção de bem-estar para a mulher, o que proporciona satisfação e diminui o stress no momento do parto. Para além disso, este tipo de terapias geralmente diminui o uso de drogas analgésicas e a administração de ocitocina nas parturientes (SARTORI et al., 2011, http://scielo.isciii.es/ pdf/eg/v10n21/pt_revision4.pdf). Segundo WATSON (2002), a enfermagem é uma profissão que assume a responsabilidade ética e social pelo cuidar de vanguarda ao indivíduo e comunidade no presente e no futuro. Deste modo, é importante que os enfermeiros comecem a pensar que podem encontrar nas terapias não convencionais, ferramentas para o desenvolver e aprofundar a Arte do Cuidar. “Métodos complementares de alívio da dor durante o trabalho de parto são amplamente difundidos em todo o mundo, e existe uma grande variedade de técnicas não-farmacológicas. Estas, de acordo com a OMS, devem ser privilegiadas durante a assistência ao trabalho de parto, considerando-se como 19 NOVEMBRO 2014 CIÊNCIA & TÉCNICA 20 práticas reconhecidamente úteis e que devem ser estimuladas” (PORTO; AMORIM; SOUZA, 2010 http://www.febrasgo.org.br/arquivos/femina/Femina2010/outubro/Femina_ v38n10_527-537.pdf). Em suma, as técnicas de terapia não convencional, não só são úteis no alívio dos desconfortos da gravidez enquanto técnica por si só, mas também como forma de promover a excelência do cuidado de enfermagem holístico baseado no toque e na relação de ajuda. Não obstante, mantém-se evidente a necessidade de desenvolver estudos científicos que fundamentem a utilização destas técnicas, com a finalidade de as dotar do rigor científico que apenas a investigação confere. Só dessa forma, estas podem ser reconhecidas e utilizadas no âmbito da saúde com a mesma legitimidade daquelas terapias que são já reconhecidas legalmente, como é o caso, por exemplo, da acupunctura. É importante que estas técnicas comecem a ser mais implementadas pelos EESMO, pois para além dos benefícios que trazem para a mulher/RN/casal, promovem o efetivo reconhecimento da nossa profissão. 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Escola Superior de Enfermagem do Porto. 21 RESUMO A gravidez na adolescência é uma problemática presente na nossa sociedade, associada, essencialmente, ao baixo nível socioeconómico, menarca e início da atividade sexual precoces. Por outro lado, os riscos que advêm são muito graves, quer para o feto/recém-nascido, quer para a mãe. Assim, é necessário intervir precocemente, para prevenir complicações a curto e a longo prazo. Este artigo é uma revisão da literatura, focando as principais causas, fatores de risco e intervenções que podem prevenir a gravidez na adolescência. ABSTRACT The adolescent pregnancy is a problem in our society, mainly associated to the low socioeconomic level, menarche and the beginning of early sexual activity. On the other hand, the risks that come are very serious, both for the fetus/newborn, either for the mother. Thus it is necessary to intervene early to prevent complications in the short and long term. This article is a review of the literature, focusing on the main causes, risk factors and interventions that can prevent pregnancy in adolescence. Palavras-Chave: gravidez; adolescência Keywords: pregnancy; adolescents NOVEMBRO 2014 CIÊNCIA & TÉCNICA 22 A gravidez na adolescência é considerada, desde o final da década de 40 do século XX, um problema de saúde pública, aumentando a partir da década de 60, contribuindo para mudanças socias e culturais na vida das mulheres (MELO & COELHO, 2011). Entre as conquistas femininas dessas décadas, a dissociação entre atividade sexual, casamento e reprodução deu oportunidade à mulher em aceder aos métodos contracetivos, permitindo e contribuindo para a construção da sua autonomia e liberdade reprodutiva. Estas conquistas não foram acompanhadas por políticas públicas educacionais e de saúde direcionadas às suas necessidades sexuais, o que contribuiu para o aumento da gravidez na adolescência nessas décadas (MELO & COELHO, 2011). Em Portugal, a prevalência da gravidez na adolescência ronda os 14%, estando associada a um aumento da atividade sexual na adolescência (SILVA et al, 2012). Relativamente aos restantes países da Europa Ocidental, Portugal é o segundo país a registar o maior número de grávidas adolescentes, estimando-se que cerca de doze adolescentes dão à luz, todos os dias(RODRIGUES, 2010). De acordo com o estudo HBS/OMS (HealthBehaviour in School-agedChildren), 2010, cerca de 21,8% dos adolescentes que frequentavam o 8.º e o 10.º anos de escolaridade são sexualmente ativos. No entanto, em Portugal, desde 2002, verifica-se uma ligeira diminuição do número de adolescentes que refere já ter tido relações sexuais (de 23,7% para 21,8%). Comparativamente às regiões, a atividade sexual na adolescência é mais notável no Centro (24,3%), seguida de Lisboa (24,1%), Algarve (23,2%), Alentejo e Norte. Segundo SILVA et al (2012), a idade média do início da atividade sexual é de 14,68 anos, sendo mais cedo no sexo masculino (14,2 ± 1,6 anos) relativamente ao sexo feminino (15,4 ± 1,2) e está associado a um menor aproveitamento escolar, grau de escolaridade e menor idade materna. O desenvolvimento da sexualidade faz parte do crescimento do adolescente para a sua identidade como adulto (HERCOWITZ, 2002) e parte-se do princípio de que o exercício sexual pleno é um dos direitos assegurados pelos jovens (ORLANDI & TONELI, 2005). A gravidez na adolescência é multicausal. As causas mais apontadas para a elevada prevalência são o início precoce da atividade sexual, negligência no uso da contraceção, múltiplos parceiros (variando entre um/ quatro ou mais) (SILVA et al, 2012) e menarca precoce (VITALLHE & AMANCIO, 2004). Segundo SANTOS & NOGUEIRA (2009), os adolescentes têm conhecimento sobre os métodos contracetivos, todavia não sabem usá-los corretamente. Relativamente aos fatores de risco são, essencialmente, condições social, pessoal e cultural diminutas, início precoce da atividade sexual, múltiplos parceiros, desresponsabilização e negligência no uso de contracetivos, associadas à falta de consultas de planeamento familiar (SILVA et al, 2012), abandono escolar, baixo nível de escolaridade, ausência de planos futuros, repetição do modelo familiar (segundo MONTEIRO et al, 1994, cit in SANTOS & NOGUEIRA, 2009, em 70% dos casos estudados, a mãe da adolescente também foi mãe na adolescência), baixa auto-estima, abuso de álcool e drogas (RODRIGUES, 2010). FIGUEIREDO, PACHECO & MAGARINHOS (2005) acrescentam a monoparentalidade, ausência do pai, institucionalização precoce, abuso físico ou sexual, instabilidade, inadequação ou falta de supervisão CIÊNCIA & TÉCNICA familiar. SANTOS & NOGUEIRA (2009) ainda apontam o pensamento mágico dos adolescentes de que não engravidarão ao iniciarem a vida sexual. Por sua vez, HERCOWITZ (2002) refere também caraterísticas definidoras da adolescência, como a sensação de invulnerabilidade e omnipotência, a impulsividade e a despreocupação com o futuro, relativamente ao atos feitos no presente. Face á imaturidade física, desenvolvimental e psíquica, a gravidez na adolescência acarreta maior número de dificuldades obstétricas e de problemas de saúde comparativamente a uma gravidez de mãe adulta (IRVINE et al, 1997, cit in FIGUEIREDO, PACHECO & MAGARINHOS, 2005). Na adolescência há maior probabilidade de morbilidade materna e fetal, associada a uma vigilância negligenciada; pré-eclâmpsia, anemia, infeções, parto pré-termo, complicações no parto (lesões no canal de parto e hemorragia - YAZLLE, 2006) e puerpério (endometrite, infeções, deiscência, dificuldade para amamentar – YAZLLE, 2006), perturbações emocionais (RODRIGUES, 2010); menor progressão escolar/profissional, desemprego, emprego mal remunerado ou instabilidade no emprego, problemas no relacionamento com o companheiro, separação ou divórcio, níveis elevados de psicopatologia, maior número de crianças com atraso no desenvolvimento cognitivo, baixo relacionamento escolar e problemas de comportamento (FIGUEIREDO, PACHECO & MAGARINHOS, 2005). YAZLLE (2006) aponta ainda abandono escolar, por pressão da família, colegas e professores, vergonha e por a adolescente pensar que “não é necessário estudar”. Por sua vez, os recém-nascidos nascem prematuros e com baixo peso à nascença (RODRIGUES, 2010); o APGAR é mais baixo, há maior frequência das infeções respiratórias, trauma obstétrico, doenças perinatais e mortalidade infantil (VITALLE & AMANCIO, 2004). Quanto ao pai, VITALLE & AMANCIO (2004) descrevem abandono dos estudos e ingresso em trabalhos que, muitas vezes, divergem das suas qualificações. No entanto, a experiência de gravidez na adolescência não é necessariamente um fator limitante em oportunidades de formação profissional e da procura de um futuro melhor (DIAS & TEIXEIRA, 2010). Num estudo realizado com adolescentes, PANTOJA (2003), citado por DIAS & TEIXEIRA (2010) constatou que a gravidez na adolescência fortaleceu a permanência das jovens na escola, uma vez que a escolaridade estava associada, na opinião dessas jovens, às noções de ser alguém na vida para oferecer melhores condições a um filho. Outro problema que se associa à gravidez na adolescência é o aborto. De acordo com dados da DGS (2012), em 2011, cerca de 11,1% das interrupções voluntárias das gravidezes foram realizadas por adolescentes (idades compreendidas entre 15 e 19 anos), sendo o pico de abordos (22,4%) realizados em mulheres com idades compreendidas entre os 20 e 24 anos. Em Portugal, de acordo com a Lei da Portaria n.º 741-A/2007 de 21 de Junho, a interrupção da gravidez pode ser realizada até às 10 semanas de gestação, em que a mulher pode escolher o estabelecimento de saúde oficial onde deseja efetuar a interrupção, dentro dos condicionamentos da rede de referenciação aplicável. Face a esta problemática, a prevenção da gravidez na adolescência torna-se fundamental e prioritário para a sociedade. Uma das estratégias implementadas em Portugal é a educação sexual em meio escolar (Lei n.º 60/2009, 6 de Agosto, regulamentada pela 23 NOVEMBRO 2014 CIÊNCIA & TÉCNICA 24 PORTARIA N.º 196-a/2010, de 9 de Abril), incentivando um atraso no início da atividade sexual e fornecendo informações relativas à contraceção. Esta deve ter como fundamento capacitar os jovens adolescentes para a tomada de decisão, resolução de problemas e pensamento crítico, de forma a terem autonomia para escolherem os comportamentos de saúde corretos (SILVA et al, 2012). A educação sexual em meio escolar deve ser realizada em parceria com os Cuidados de Saúde Primários e Pediatra, motivando para a vigilância da saúde sexual, divulgando as instituições e locais onde a podem fazer gratuitamente e confidencialmente. De acordo com RODRIGUES (2010), no futuro que começa agora, compete à Família, à escola e às Instituições de Saúde contribuir para a formação dos adolescentes. SANTOS & NOGUEIRA (2009) corroboram esta afirmação, advogando que é fundamental construir um espaço onde pais, familiares, escola, adolescentes, professores e profissionais de saúde possam dialogar, de modo a obter uma melhor resposta social e ganhos em saúde. Por outro lado, afirmam que é imprescindível o diálogo entre pais e filhos, visto que a família é o primeiro modelo e o referencial para que o adolescente enfrente o mundo e as experiências futuras. Em suma, e de acordo com CANAVARRO & PEREIRA (2006, cit in BRÁS & PEREIRA, 2011) a gravidez na adolescência em vez de ser uma experiência única e especial, passa por ser uma experiência inoportuna, por um conjunto de razões ligadas à falta de autonomia pessoal, financeira, e falta de apoio, as quais podem tornar a gravidez num problema emocional, de saúde e mesmo potenciador de exclusão. BIBLIOGRAFIA BRÁS, Cláudia; PEREIRA, Anabela - Promoção da saúde de grávidas adolescentes: Estudo prévio de identificação de necessidades. Millenium. 40 (2011) 69�81. BUCHER, Nobre Ferro; PANTOJA, Florinaldo Carreteiro; QUEIROZ, Cristiane Holanda; SURSIS. Júlia - Adolescentes grávidas: vivências de uma nova realidade. Psicologia Ciência e Profissão. 27:3 (2007) 510-21 COELHO, Edméia de Almeida Cardoso; MELO, Mônica Cecília Pimentel de - Integralidade e cuidado a grávidas adolescentes na Atenção Básica. Ciência & Saúde Coletiva. Rio de Janeiro. ISSN 1413-8123. 16:5 (2011) 2549-58 DIAS, Ana Cristina Garcia; TEIXEIRA, Marco Antônio Pereira - Gravidez na adolescência: um olhar sobre um fenômeno complexo. Paideia. Ribeirão Preto. ISSN 0103-863X. 20:45 (2010) 123-31 DIREÇÃO GERAL DE SAÚDE - Relatório dos registos das interrupções da gravidez ao abrigo de lei 16/2007 de 17 de abril: Dados referentes ao período de janeiro a dezembro de 2011. Divisão de Saúde Reprodutiva e Divisão de Estatística da Saúde. Lisboa: Ministério da Saúde, 2012 FIGUEIREDO, Bárbara; PACHECO, Alexandra; MAGARINHO, Rute - Grávidas adolescentes e grávidas adultas diferentes circunstâncias de risco?. Ata Médica Portuguesa. Ordem dos Médicos. 18 (2005) 97-105 MATOS, M.G. [et al] & Equipa do Projeto Aventura Social e Saúde - A saúde dos adolescentes portugueses: Relatório português do estudo HBSC 2010. 1.ª Edição. Lisboa: Centro de Malária e Outras Doenças Tropicais /IHMT/UNL; FMH/ Universidade Técnica de Lisboa, 2012. ISBN: 978-989-95849-5-2 Disponível em: http:// aventurasocial.com/publicacoes.php RODRIGUES, R. M.- Nascer e Crescer. Porto. XIX:3 (2010) SANTOS, C. A. C.; NOGUEIRA, K. T. - Gravidez na adolescência: falta de informação?. Adolescência & Saúde. 6:1(2009) 48-56 SILVA, H. M.; FERREIRA, S.; ÁGUEDA, S.; ALMEIDA, A. F.; LOPES, A.; PINTO, F. - Sexualidade e risco de gravidez na adolescência: desafios de uma nova realidade pediátrica. Ata Pediátrica Portuguesa. Sociedade Portuguesa de Pediatria. 43:1 (2012) 8-15 VITALLE, M.; AMANCIO, O. - Gravidez na Adolescência. (2004). Disponível na Internet: http://www.pjpp.sp.gov. br/2004/artigos/11.pdf YAZLLE, M. - Gravidez na Adolescência. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia. Rio de Janeiro. 28:8 (2006) 443-45 CIÊNCIA & TÉCNICA ENTRADA DO ARTIGO JULHO 2012 A VIVÊNCIA DA IMAGEM CORPORAL NO PUERPÉRIO BÁRBARA SOFIA DA SILVA CARDOSO FERNANDES Estudante do 4º ano do Curso de Licenciatura em Enfermagem, na Escola Superior de Enfermagem do Porto 25 RESUMO O nascimento de uma criança tem um grande impacto na vida de uma mulher, exigindo-lhe adaptações aos mais diversos níveis (biológico, físico, adaptação ao papel maternal, social, vida profissional, vida do casal, etc). Não obstante, o olhar abrangente pelos enfermeiros sobre as puérperas torna-se essencial, devendo considerar-se não só as suas dificuldades e experiências, mas também os aspetos mais particulares destas, de forma a conduzi-las para uma resolução do problema mais efetiva. ABSTRACT The birth of a child has a great impact on a woman’s life, requiring adaptations at different levels (biological, physical, adaptation to maternal role, social, professional life, married life, etc). Nevertheless, the comprehensive look of nurses at the postpartum woman is essential, and should consider not only their difficulties and experiences, but also their most private aspects on this matter in order to conduct them to a more effective resolution of the problem. Keywords: Self-image; Puerperium Palavras-Chave: Self-image; Puerpério. NOVEMBRO 2014 CIÊNCIA & TÉCNICA 26 INTRODUÇÃO O puerpério é uma fase que se inicia imediatamente após o parto, sendo sinónimo de mudanças na mulher, as quais visam preparar o seu corpo e sistemas para o restabelecimento dos seus estados anteriores à gravidez (SALIM, N. R.; ARAÚJO, N. M.; GUALDA, D. M. R., 2010). Aquando do nascimento de uma criança, a mulher vê-se perante novos papéis e novas responsabilidades às quais tem de dar resposta, a par das imensas alterações físicas que perceciona e sente e que simultaneamente dificultam a sua reorganização pessoal, relacional e social. Contudo, o acompanhamento das puérperas com este olhar holístico, atento e direcionado para si mesmas, muitas vezes é protelado em detrimento das necessidades emergentes do recém-nascido e sobre o qual recaem todas as atenções num período mais imediato. As mulheres são assim como que negligenciadas no acompanhamento da sua adaptação à imagem corporal, estando até sujeitas a juízos de valor ou ideias pré-concebidas por parte dos profissionais de saúde que adiam as suas preocupações com a recuperação física para mais tarde, salientando sempre a importância da amamentação e dos cuidados ao recém-nascido. Posto isto, torna-se importante alertar os profissionais de saúde, nomeadamente, os enfermeiros para a necessidade emergente de efetivar este acompanhamento às recentes puérperas, pelo que se torna fulcral identificar os principais entraves apresentados por estas mulheres durante a sua adaptação. ração da imagem corporal influencia o restabelecimento das rotinas anteriores à gravidez durante o puerpério, mais especificamente, identificar quais os fatores associados à parte física da mulher que influenciam a vivência do puerpério e identificar quais as estratégias utilizadas pelas puérperas para lidarem com as suas alterações físicas após o parto. Objetivo A finalidade desta revisão sistemática da literatura é compreender de que forma a alte- RESULTADOS Após a leitura e análise dos artigos selecionados, cujos dados constam no quadro I, METODOLOGIA Com o intuito de orientar esta revisão sistemática da literatura, de forma a atingir os objetivos estabelecidos para a mesma, formulou-se a seguinte questão: De que forma as puérperas lidam com a sua imagem corporal no pós-parto? De modo a responder a esta questão e com recurso à base de dados EBSCO Host, efetuou-se uma pesquisa utilizando os descritores “Image” e “Puerperium”, sendo os mesmos em inglês, a fim de abranger o maior número de artigos possível. Foram obtidos um total de 20 artigos, os quais foram selecionados com base nos seguintes critérios de inclusão: serem textos completos; serem datados entre 2000 e 2011; apresentarem temas/títulos pertinentes em relação ao tema em estudo. Aplicados estes critérios, restaram 5 artigos, que após a leitura dos respetivos resumos, foram submetidos ao critério de exclusão – abordarem a problemática incluída na questão orientadora -, tendo assim restado apenas 4 artigos, sobre os quais versa esta revisão. CIÊNCIA & TÉCNICA categorizaram-se os resultados obtidos nos mesmos em quatro áreas distintas: 1) Corpo/ imagem de si mesmas; 2) Vivência da sexualidade; 3) Bem-estar, que engloba a autoestima, autoconfiança e afirmação como mãe/ mulher; 4) Mudança de comportamentos/ adoção de estratégias. 1) Corpo/imagem de si mesmas: Relativamente à sua imagem corporal, as mulheres experienciam uma insatisfação em relação ao seu corpo no período pós-parto menor, comparativamente com 6 meses depois deste ocorrer, em parte devido ao fato de numa fase mais precoce verificarem mudanças corporais diárias, aliado à preocupação relativamente à sua recuperação perineal (SALIM, N. R.; ARAÚJO, N. M.; GUALDA, D. M. R., 2010; CARTER- EDWARDS, L.; [et al.], 2010; RALLIS, S.; [et al.], 2007). Transversal a todos os estudos, foi o fato de as mulheres categorizarem a imagem corporal em duas vertentes, isto é, em imagem corporal ideal, cujos corpos são mais esguios e magros, mais semelhantes à sua imagem pré-gravídica e, em imagem corporal materna, sendo aqui admitidos os formatos corporais mais “largos” e mais próximos da sua imagem atual. Deste modo, pode-se afirmar que as puérperas consideram a sua imagem como um indicador da sua capacidade e qualidade para desempenharem o papel maternal (CARTER- EDWARDS, L.; [et al.], 2010; RALLIS, S.; [et al.], 2007). 2) Vivência da sexualidade: Durante o puerpério, a vivência da sexualidade é um dos itens que sofre alterações. Uma das razões que está na base deste receio é o de as puérperas não estarem à vontade com as mudanças no seu corpo, sobretudo no que toca à produção de leite, ao aumento de peso e por terem efetuado episiotomias receando que a relação prejudicasse ou atrasasse a recuperação perineal (SALIM, N. R.; ARAÚJO, N. M.; GUALDA, D. M. R., 2010; RALLIS, S.; [et al.], 2007). Além disso o receio da retoma da vida sexual verificado em diversas puérperas (SALIM, N. R.; ARAÚJO, N. M.; GUALDA, D. M. R., 2010; RALLIS, S.; [et al.], 2007) deve-se sobretudo ao medo da insatisfação do parceiro, à baixa motivação para retomar a sexualidade e também por indesejarem uma nova gravidez (SALIM, N. R.; ARAÚJO, N. M.; GUALDA, D. M. R., 2010; RALLIS, S.; [et al.], 2007). 3) Bem-estar (inclui a autoestima, autoconfiança e afirmação como mãe/mulher): De acordo com a análise efetuada, no período pós-parto, as mulheres tendem a sentir-se menos atraentes, o que se reflete na sua autoestima e autoconfiança (SALIM, N. R.; ARAÚJO, N. M.; GUALDA, D. M. R., 2010; RALLIS, S.; [et al.], 2007), em parte devido ao facto de as puérperas compararem a sua imagem com a de outras mulheres que nem tinham vivenciado a experiência de serem mães (nomeadamente, com figuras públicas) (RALLIS, S.; [et al.], 2007). Um outro aspeto relevante é o de as mulheres afro-americanas apresentarem maiores níveis de autoestima e de bem-estar com a sua imagem após o parto do que as mulheres caucasianas, pois culturalmente associam corpos maiores a uma melhor capacidade para alimentarem e cuidarem dos seus bebés (CARTER- EDWARDS, L.; [et al.], 2010), o que influencia a forma como se adaptam a este novo papel, salientando mais uma vez a importância da cultura na adaptação a novas 27 NOVEMBRO 2014 CIÊNCIA & TÉCNICA 28 situações e condições de vida. Não obstante, os autores dos estudos consultados nesta revisão sistemática da literatura constataram que as puérperas não eram capazes de ver em si qualidades que pudessem continuar a satisfazer os companheiros, o que consequentemente gerava uma corrente de insegurança na mulher que afetava diretamente o reinício da atividade sexual, tendo repercussões para a relação entre o casal (SALIM, N. R.; ARAÚJO, N. M.; GUALDA, D. M. R., 2010; RALLIS, S.; [et al.], 2007). Além disso, as puérperas afirmaram ainda ter vergonha da sua imagem perante a sociedade, pois quanto mais tempo passava desde o parto, consideravam que mais difícil seria relacionar a sua nova imagem com uma gravidez recente, sendo que o esperado pela sociedade é que as mulheres recuperem o seu peso inicial rapidamente, surgindo este como um fator condicionador para a recuperação do seu bem-estar (SALIM, N. R.; ARAÚJO, N. M.; GUALDA, D. M. R., 2010; CARTER- EDWARDS, L.; [et al.], 2010; RALLIS, S.; [et al.], 2007). 4) Mudança de comportamentos/adoção de estratégias: No que respeita à mudança de comportamentos, um dos artigos analisados constatou que, algumas mulheres referiam estar mais calmas e menos egoístas após o parto comparativamente ao período anterior à gravidez (SALIM, N. R.; ARAÚJO, N. M.; GUALDA, D. M. R., 2010), pois colocavam as necessidades do bebé em primeiro lugar, em detrimento das suas, além de se sentirem mais à vontade para partilharem os carinhos e atenção dos companheiros com os seus filhos. Contudo, o facto de não se sentirem bem com a sua imagem corporal atual, leva- va a que as puérperas adotassem novas estratégias para lidarem com esta situação, nomeadamente, não ficarem despidas em frente aos companheiros; fugirem dos mesmos para evitar o contato e a exposição perante estes (SALIM, N. R.; ARAÚJO, N. M.; GUALDA, D. M. R., 2010; RALLIS, S.; [et al.], 2007); esconderem mais o corpo em roupas mais largas e menos ousadas, ficando desconfortáveis aquando da presença de outras mulheres (SALIM, N. R.; ARAÚJO, N. M.; GUALDA, D. M. R., 2010). Por este conjunto de fatores, uma parte significativa das mulheres, referia ainda adotar padrões de exercício e dietas promotoras da recuperação da forma anterior ao parto (KIMBERLEY, A. G.; GAMMAGE, K. L., 2010; RALLIS, S.; [et al.], 2007). DISCUSSÃO Imediatamente após o parto, a mulher sente a necessidade de reorganizar o seu dia-a-dia tanto a nível social, como profissional, íntimo e também a nível pessoal. Por todo este conjunto de fatores, devemos ter em consideração os aspetos influenciadores da forma como a mulher vive o puerpério, sendo a cultura e o suporte emocional adequado (companheiro, família, amigos, etc), os fatores mais decisivos para que a mulher se adapte tanto ao papel maternal, como seja capaz de solucionar e ultrapassar os seus medos, inseguranças e dúvidas. Assim, após a realização desta revisão sistemática da literatura, podemos perceber que a forma como uma mulher se perceciona e se sente influencia positiva ou negativamente a sua adaptação ao papel maternal e, consequentemente o seu restabelecimento anterior ao período da gravidez, emergindo assim a necessidade de intervirmos neste domínio. CIÊNCIA & TÉCNICA Quadro I – Desenho dos estudos selecionados Nome do Estudo • Body and sexuality: Puerperas’ experience • Body Image and Body Satisfaction Differ by Race in Overweight Postpartum Mothers • Health versus appearance messages, self-monitoring and pregnant women’s intentions to exercise postpartum Ano Autores Objetivos 2010 Natália Rejane Salim, Natalúcia Matos Araújo, Dulce Maria Rosa Gualda - Determinar como as mulheres lidam com a sexualidade e as alterações corporais durante o puerpério. 2010 Lori CarterEdwards, Lori A. Bastian, Jessica Revels, Holiday Durham, Yuliya Lokhnygina, M. Ahinee Amamoo, Truls Ostbye - Determinar se existem diferenças raciais entre a imagem corporal e a satisfação com o corpo entre obesas afro-americanas e mulheres caucasianas aos 6 meses após o parto. Anca Gaston, Kimberley L. Gammage - Comparar a eficiência de uma mensagem promotora da saúde versus promotora da aparência em mulheres durante o período do pós-parto. 2010 D. Predictors of Body Image During the First Year Postpartum: a Prospective Study Sofia Rallis, Helen Skouteris, Eleanor H. Wertheim, Susan J. Paxton 2007 - Explorar as mudanças na imagem corporal à medida que as mulheres vivenciam o primeiro ano após o parto; - Explorar os fatores que às 6 semanas e aos 6 meses de pós-parto predizem a insatisfação corporal no final do primeiro ano após o parto. Conclusões – Implicações para a prática Atualmente ainda se verifica que os cuidados de Enfermagem após o parto, ainda estão muito centralizados nos cuidados ao recém-nascido, havendo um acompanhamento insuficiente das puérperas nesta fase. Metodologia (Instrumentos utilizados) Conclusões Qualitativo (Entrevista e Observação) As conceções que as puérperas têm sobre os seus corpos relacionam-se com a ideologia do corpo biológico, pois sentem-se desconfortáveis nos seus corpos o que afeta a sua autoestima, autoimagem, sexualidade e o relacionamento com os seus companheiros. O puerpério envolve inúmeras transformações, sendo necessário a valorização por parte dos profissionais de saúde destes aspetos durante este período. Estudo qualitativo e quantitativo (Questionários) Existem diferenças raciais no puerpério relativamente ao peso, às imagens ideais e à satisfação com o seu corpo. Cabe aos profissionais de saúde emitir mensagens que tenham em consideração estas perceções e fatores racialmente distintos, aquando do desenho de programas de perda de peso para mães obesas. Quantitativo (Questionários) O conteúdo das mensagens que apelam ao exercício no puerpério é irrelevante, pois as mesmas podem ser entendidas de forma semelhante, podem não despertar o interesse para a sua leitura ou podem até ter ambas o resultado positivo de incentivo ao exercício. Quantitativo (Questionários) As puérperas experienciam maiores níveis de insatisfação com o seu corpo no pós-parto do que em relação ao período pré-gravídico e no final da gravidez, sendo o período mais crítico os 6 meses após o parto. As imagens corporais ideais, mantêm-se estáveis tanto às 6 semanas como aos 6 meses após o parto. A falta de informação sobre o processo de recuperação que decorrerá no puerpério, bem como a desvalorização daquilo que as mulheres sentem/verbalizam em relação à sua imagem corporal, tornam-se nos principais obstáculos à procura de ajuda junto dos 29 NOVEMBRO 2014 CIÊNCIA & TÉCNICA 30 profissionais de saúde, dificultando a vivência desta experiência. Neste sentido, é incontornável a necessidade de os enfermeiros que prestam cuidados às puérperas adotarem uma postura voltada para a identificação de aspetos práticos que sejam passíveis de influenciar a recuperação da imagem corporal anterior ao parto, sejam eles fatores sociais, económicos, educacionais, etc, para que possam precocemente auxiliar e orientar as puérperas para a adoção de estratégias que as ajudem a solucionar estes problemas. Não obstante, seria de extrema pertinência construir/organizar serviços de acompanhamento às puérperas após a alta hospitalar, para que assim se garantisse a continuidade de cuidados e o acompanhamento destas mulheres, criando-se assim mais oportunidades de intervenção e de promoção da saúde. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CARTER- EDWARDS, Lori; [et al.] – Body Image and Body Satisfaction Differ by Race in Overweight Postpartum Mothers. Journal of Women’s Health. Vol. 12, Nº 2. (2010), p. 305-311. [Consult. 26 Jun. 2012]. 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SALIM, Natália Rejane.; ARAÚJO, Natalúcia Matos; GUALDA, Dulce Maria Rosa – Body and Sexuality: Puerperas’ Experiences. Rev. Latino-Am. Enfermagem. (2010), p. 732, 739. [Consult. 26 Jun. 2012]. Disponível na internet: <URL:http://web.ebscohost.com/ehost/ pdfviewer/pdfviewer?sid=cf81c38b-240a-488f-b8209aa57b9e90d9%40sessionmgr11&vid=6&hid=122>. CIÊNCIA & TÉCNICA ENTRADA DO ARTIGO JULHO 2012 INCLUSÃO DA TÉCNICA DA RELACTAÇÃO EM NEONATOLOGIA Revisão sistemática da literatura BRUNO PINTO Enfermeiro. Centro Hospitalar do Alto Ave, EPE MÉLANIE MARTINS Enfermeira. Centro Hospitalar do Alto Ave, EPE FERNANDO FERREIRA Enfermeiro. Centro Hospitalar do Alto Ave, EPE SÍLVIA SALAZAR Enfermeira. Hospital Privado da Trofa MARIA LUZ Enfermeira RESUMO A técnica da relactação é um processo em que há um estímulo da glândula mamária para restabelecimento da produção de leite. O presente trabalho tem como objectivo identificar a evidência empírica produzida acerca da inclusão da técnica da relactação nas práticas clínicas dos Enfermeiros de Neonatologia. Foi realizada uma revisão sistemática da literatura, tendo por base a pesquisa em motores de busca, nomeadamente a Biblioteca do Conhecimento Online (b-on) e a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), onde resultou a análise de dez artigos. Os artigos analisados evidenciam que a técnica da relactação é promotora do sucesso no aleitamento materno e apesar dos entraves, tanto na amamentação como na relactação, o apoio dos profissionais de saúde e da família são fundamentais para que estas sejam bem sucedidas. Tal contribui para uma melhoria significativa da relação mãe/filho. Palavras-Chave: Enfermagem Neonatal. Aleitamento Materno. Transtornos da Lactação ABSTRACT Relactation technique is a process in which there is a stimulus of the mammary gland for the reinstatement of milk production. This work aims to identify the empirical evidence produced about the inclusion of relactation technique in clinical practice of Neonatal Nurses. There has been a systematic literature review, based on a research into search engines, such as Biblioteca do Conhecimento Online (b-on) and the Virtual Health Library (VHL), which led to the analysis of ten articles. The articles analyzed show that the relactation technique promotes the success in breastfeeding and despite the barriers in both breastfeeding and in relactation, support from health professionals and family are essential for them to be successful. That contributes to a significant improvement in the mother / son relationship. Keywords: Neonatalogy Nursing. Breastfeeding. Lactation Disorders 31 NOVEMBRO 2014 CIÊNCIA & TÉCNICA 32 INTRODUÇÃO Os recém-nascidos admitidos numa unidade de Neonatologia, pelas suas particularidades, têm necessidades específicas que requerem a intervenção de uma equipa multidisciplinar com formação e competências distintas. Situações como a prematuridade, o baixo peso, a infecção, entre outras, são problemáticas com as quais os enfermeiros de Neonatologia se deparam diariamente. A dificuldade em estabelecer ou manter o processo de aleitamento materno é um risco comum a todos os neonatos internados nestas unidades especializadas. Cabe à equipa de enfermagem, em particular, a promoção e o apoio ao aleitamento materno. O aleitamento materno num período inicial exclusivo, até aos seis meses de vida, traz inúmeras vantagens, tanto a curto como a longo prazo, reconhecidas pela própria OMS. Estima-se que a prática da amamentação poupa a vida a 6 milhões de crianças por ano, sendo responsável pela redução da incidência de infecções respiratórias agudas e distúrbios gastrointestinais (OMS, 1992). No entanto, no decurso da nossa prática clínica, são inúmeras as vezes com que nos deparamos com obstáculos à manutenção do aleitamento materno em recém-nascidos internados na Neonatologia, existindo mesmo casos em que essas dificuldades levam ao fim do mesmo. Face a esta realidade, tentamos em alguns casos recorrer à utilização da técnica da relactação para ultrapassar essa dificuldade. Esta técnica pode ser definida como “o processo pelo qual a glândula mamária é estimulada para produzir leite numa mulher que esteve grávida e que, por várias razões, não tem ou deixou de ter capacidade de produzir leite suficiente para amamentar o seu filho. Este processo não depende do facto da mulher ter tido uma gravidez de termo, nem de ter amamentado ou não filhos anteriores” (Bordalo, p.II, 2008). Enquanto Enfermeiros de Neonatologia, verificamos que a implementação desta técnica, bem como a sua manutenção, coloca alguns obstáculos vivenciados quer pelas mães, quer pelos enfermeiros das unidades. Perante este facto, consideramos pertinente realizar uma pesquisa sistemática e elaborada do tema em questão. Assim, o presente trabalho tem como principal objectivo identificar a evidência empírica produzida sobre a inclusão da técnica da relactação nas práticas clínicas dos Enfermeiros da Neonatologia. Para linha condutora da revisão questionamos: Os Enfermeiros da Neonatologia incluem, nas suas práticas clínicas, o treino da técnica da relactação aos pais do recém-nascido? METODOLOGIA No sentido de atingir o objectivo anteriormente citado, considera-se pertinente a revisão sistemática da literatura, uma vez que se pretende “aprofundar certos aspectos do tema de estudo e fazer o ponto da situação sobre o seu contributo para o avanço dos conhecimentos” (Fortin, p.109, 2009). Esta abordagem permite um acesso fácil e rápido ao conhecimento científico actual sobre o tema, de forma a sintetizar resultados de estudos realizados em diferentes contextos e espaços temporais. Proporciona também uma análise crítica e reflexiva sobre o tema em estudo, com o intuito de sugerir a realização de investigações posteriores (Mendes et al., 2008). Nesta revisão foram utilizados como motores de busca a Biblioteca do Conhecimento CIÊNCIA & TÉCNICA Online (b-on) e a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), entre 1 de Dezembro de 2010 e 31 de Março de 2011. Na pesquisa foram consultadas diferentes bases de dados disponibilizadas automaticamente, num total de quarenta e nove artigos, dos quais dois vão de encontro à problemática em análise e oito evidenciam os factores que facilitam ou dificultam o aleitamento materno. Os restantes artigos foram excluídos tendo por base os critérios de inclusão que serão evidenciados na quadro 1. Quadro 1 – Critérios de inclusão dos estudos a seleccionar Critérios de inclusão Data 2001 a 2011 Praticantes Enfermeiros de Neonatologia Intervenção Estudar a Inclusão da técnica da Relactação pelos Enfermeiros de Neonatologia Artigos Completos de resultados de investigação Contexto do estudo Estudos realizados em contexto de Enfermagem Neonatal Desenho do estudo Abordagem qualitativa ou quantitativa ou triangulação Após a exposição da metodologia na qual baseamos a nossa revisão bibliográfica procedemos de seguida à apresentação e análise crítica dos dados APRESENTAÇÃO E ANÁLISE CRÍTICA DOS DADOS No processo de selecção dos artigos, confrontamo-nos com um número reduzido de publicações recentes relacionadas com a temática em estudo. Consideramos assim pertinente a introdução de artigos que evi- denciam alguns factores positivos ou negativos no aleitamento materno, dado que a relactação está implicitamente associada à amamentação/aleitamento materno. Como tal, a amostra foi classificada em duas categorias: artigos relacionados com a relactação e artigos relacionados com o aleitamento materno. Deste modo, a análise foi realizada seguindo esta mesma orientação, demonstrada na quadro 2. Na primeira categoria – artigos relacionados com a relactação – Fuenmayor et al. (2004) avalia a resposta da aplicação da técnica da relactação em mães que abandonaram a amamentação. Segundo este autor, 40% das mães produziram leite ao sexto dia após iniciada a relactação, constatando ainda uma melhoria na relação psicoafectiva mãe/ filho (12% antes e 80,6% após o inicio da técnica da relactação). Por sua vez, verificou-se também um aumento significativo dos parâmetros antropométricos dos lactentes três meses após o início da relactação. No artigo de Su Jin Cho et al. (2010), que teve por base uma análise retrospectiva de 135 mães, das quais 84 foram incluídas na análise final, foram evidenciados como factores associados ao sucesso na relactação: o acompanhamento dos profissionais de saúde, o uso de galactogogos e um suporte familiar adequado. Da amostra final, 75% tiveram sucesso na transição para o aleitamento materno exclusivo com a relactação. Entre os factores apontados pelas mães como razão para o abandono desta prática (25% da amostra final), estavam os seguintes: frustração gerada pela produção insuficiente de leite (43%); fadiga psicológica por amamentar (14,3%); ganho ponderal insatisfatório (14,3%); lesões mamilares (14,3%); forte 33 CIÊNCIA & TÉCNICA Quadro 2 – Síntese das evidências encontradas Artigos relacionados com a Relactação NOVEMBRO 2014 Categorias Artigos relacionados com o Aleitamento Materno 34 Referência Bibliográfica Participantes/ Amostra FUENMAYOR, V. J. G. [et al.] – Relactancia metodo exitoso para reinducir el amamantamiento en madres que abandonaron la lactancia natural. Anales Venezuelanos de Nutrición, Caracas (Janeiro 2004). Vol.17, nº1, p.12-17. ISSN 07980752. 50 mães e filhos com idades 2-5 meses, hospitalizados no Serviço de emergência de Pediatria do Hospital universitário de Maracaibo desde Outubro 2001 até Agosto 2002. CHO, Su J. [et al.] – Factors Related to Success in Relactacion. Journal 84 mães, de Janeiro Korean Society Neona- de 2004 a Abril de tology, Seul (Novembro 2007. 2010). nº17, p. 232-238. ISSN 2093-7849. BICALHO-MANCINI, Paula G.; VELÁSQUEZ-MELÉNDEZ, Gustavo – Aleitamento materno exclusivo na alta de recém-nascidos internados em berçário de alto risco e os factores associados a essa prática. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro (2004). Vol.80, nº3, p.241-248. VIERA, Claudia S. – Risco para amamentação ineficaz: um diagnóstico de enfermagem. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília (Nov/ Dez 2004). Vol.57, nº6, p.712-714. 495 Crianças, 250 (50,5%) do período pré-HAC (Hospital Amigo da Criança) e 245 (49,5%) do período pós-HAC da Maternidade Odete Valadares, Minas Gerais, entre Maio de 1998 e Maio de 2000. Amostra 35 mães que tiveram os seus filhos prematuros hospitalizados na Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN). Metodologia Objectivos Resultados Major Estudo prospectivo, descritivo e transversal. Avaliar a resposta da aplicação da técnica da relactação como método favorecedor para induzir a produção de leite em mães que abandonaram a amamentação. A relactação favoreceu o estado nutricional e a relação psicoafectiva entre mãe/filho. Analise retrospectiva de registos médicos e inquérito telefónico a mães que visitaram a clínica de relactação. Avaliar os factores relacionados com o sucesso na relactação. O sucesso na relactação está associado ao acompanhamento de profissionais de saúde, uso de galactogogos e suporte familiar. A implementação HAC, os factores biológicos e maternos, além da prestação de serviços de saúde Avaliar a prevalênorientada para a promoção cia e o padrão de do aleitamento materno, aleitamento mapodem ser importantes terno num grupo para o sucesso do aleitade recém-nascidos mento materno em recéminternados em ber- -nascidos (RN) de alto Estudo çário de alto risco risco. quantitativo. no momento da A alimentação por sonda, sua alta hospitalar a relactação, o baixo peso e analisar os poten- ao nascimento, a idade ciais factores que gestacional menor que interferem na prá37 semanas e o índice de tica do aleitamento Apgar ao 1º minuto igual materno exclusivo. ou inferior a 7 pontos, mostraram ser factores que influenciaram negativamente o aleitamento materno exclusivo. Encontrou-se o diagApresentar o nóstico de risco para diagnóstico de amamentação ineficaz em enfermagem risco 100% da amostra, tendo para amamentação como factores de risco: Estudo de ineficaz em mães prematuridade, oportucaso com filho prematuro nidade insuficiente para Entrevistas e hospitalizados numa a amamentação ao seio, exames físi- UCIN, com aplicadevido ao recém-nascido cos durante ção do processo estar hospitalizado, défice 4 meses. de enfermagem da de conhecimento quanto North American à manutenção da lactação, Nursing Diagnoses medo materno, sucção à Association – NAN- mama inconstante devido DA (1999). à separação, alimentação artificial de RN. CIÊNCIA & TÉCNICA Artigos relacionados com o Aleitamento Materno JÚNIOR, Walter S.; MARTINEZ, Francisco E. - Impacto de uma intervenção pró-aleitamento nas 100 recém-nascidos taxas de amamentação pré-termo e suas de recém-nascidos de mães. muito baixo peso. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro (Nov. 2007). p. 541-546. SILVA, Rosangela V.; SILVA, Isília A. – A vivência de mães de recém-nascidos prematuros no processo de lactação e amamentação. Revista de Enfermagem, Rio de Janeiro, Escola Anna Nery (2009). Vol.13, nº1, p.108-115. MIKIEL-KOSTRYA, Krystyra; MAZUR, Joanna; WOJDAN-GODEK, Elzbieta – Factors affecting exclusive breastfeeding in Poland: cross-sectional survey of populationbased samples. Institute of Mother and Child, Varsóvia (2005). p. 52-59. 11 Mulheres, que deram à luz bebés prematuros no Hospital Universitário da Universidade de São Paulo. 1º Inquérito: 11973 pares Mãe – bebé de 427 maternidades em 1995 2º Inquérito: 898 crianças de 14115 escolhidas ao acaso em 1997. LAMONTAGNE, Caroline; HAMELIN, Anne-Marie; ST-PIERRE, Monik – The Breastfeeding experience of women with major difficulties who 86 mulheres no ano use the services of a de 2006. breastfeeding experience clinic: a descriptive study. International Breastfeeding Journal, Quebec (2008). Vol.3, nº17, p. 13. Estudo prospectivo e sequencial, por ordem de nascimento com divisão em grupo experimental e grupo controle. Avaliar o impacto de um modelo de incentivo ao aleitamento materno baseado no apoio e orientação de mães de recém-nascidos pré-termo nas taxas de aleitamento materno nos primeiros 6 meses após a alta hospitalar. Atitudes simples de apoio à mãe durante internamento e o seguimento no ambulatório influenciaram de forma muito positiva as taxas de aleitamento materno. Estudo qualitativo com entrevista semi-estruturada. Compreender a vivência da amamentação de mães de recém-nascidos prematuros durante o internamento dos seus filhos e descrever a performance de amamentação, condições das suas mamas e lactação, por ocasião da alta dos filhos. Estudo transversal. Os factores mais significativos nos cuidados hospitalares foram: cesariana, início da amamentação após as 2h, falta de conIdentificar os factacto pele a pele, uso de tores que afectam chupetas, separação mais o aleitamento made 1h/24h e problemas de terno exclusivo na saúde do RN. maternidade e duDepois da alta hospitalar: rante os primeiros 6 uso de chupetas, relutância meses de vida. das mães no aleitamento exclusivamente materno superior a 4 meses, baixo nível de escolaridade dos pais. A forma como as mães percepcionam o estado clínico dos seus filhos é determinante para o sucesso da amamentação. A alimentação por sonda, a separação física mãe/bebé durante o internamento, bem como, a falta de apoio no domicílio foram considerados factores que dificultam a amamentação. Dor no mamilo/seio, baixa produção de leite e dificulEstudo dades na técnica da amaDescrever a expedescritivo mentação foram os três riência de amamencom quesproblemas mais relevantes tação por parte das tionários por identificados. mulheres que recortelefone e O suporte da família, de rem a uma clínica entrevistas amigos e dos profissionais de amamentação no semi-estrude saúde foram os factores Quebec. turadas. que mais influenciaram positivamente o aleitamento materno. 35 CIÊNCIA & TÉCNICA NOVEMBRO 2014 As intervenções de enfermagem nas consultas SILVA, Andréa V. [et Pesquisa expré-natais e pós-parto al.] – Fatores de risco ploratória e são fundamentais para a para o desmame pre8 Puérperas acima de descritiva de Identificar e analisar promoção do aleitamento coce na perspectiva das 18 anos, atendidas abordagem factores de risco materno. Porém, muitos puérperas-resultados e pelo Sistema Único de qualitativa, para o desmame factores influenciam para discussão. Revista do Saúde (SUS), em São com recurso precoce na perspeco desmame precoce, tais Instituto de Ciências da Paulo. a entrevista tiva das puérperas. como: retorno ao trabaSaúde, São Paulo (2009). semi-estrulho, desinteresse, mitos, Vol.27, nº3, p. 220-225. turada. dor nas mamas e falta de orientação no pré-natal. 36 VIEIRA, Graciete O.[et al.] – Fatores preditivos da interrupção do aleitamento materno exclusivo no primeiro mês de lactação. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro (2010). Vol.86, nº5, p.441-444. 1.309 duplas mães-bebés, residentes no município de Feira de Estudo de Santana, coorte. ao longo de 12 meses, desde 2004. recusa do bebé (4,8%); engravidar (4,8%); e entraves familiares (4,8%). De entre outros estudos do final do século XX, um destacou-se pela relevância dos seus resultados em relação à categoria em análise. No estudo de Lakhkar et al. (1999), realizado com vinte mães lactantes de bebés com idades compreendidas entre um mês e um ano que deixaram de amamentar (num período de duas semanas a quatro meses) verificou-se que as causas deste fracasso foram: 40% das mães deixaram de produzir leite, 30% apresentavam lesões mamilares, 25% eram mães que já trabalhavam e 5% estavam relacionadas com a educação das mães. Constatou-se também que lactentes alimentados por biberão apresentavam maior dificuldade no processo de amamentação. No final da primeira semana de implementação do processo de relactação, 60% das mães começaram a produzir leite, resultados mais significativos quando comparados com os Avaliar a incidência e os factores de risco para mastite lactacional e outros desfechos em curto e médio prazo relacionados com a amamentação. No primeiro mês de vida do lactente, dentre todas as variáveis testadas, quatro mantiveram-se associadas à interrupção muito precoce do aleitamento materno exclusivo: estabelecimento de horários fixos para amamentar, ausência de experiência prévia com amamentação, uso de chupeta e presença de fissura mamilar. 40% do estudo de Fuenmayor et al. (2004). Também na revisão sistemática da literatura de Mariano (2011), tal como no estudo de Lakhkar et al. (1999), o acompanhamento por parte dos profissionais de saúde para a motivação e orientação das mães no processo de relactação é um factor determinante para o sucesso do mesmo, facto esse, que ficou evidenciado nos dois artigos que constituíram a primeira categoria de análise. Na segunda categoria – artigos relacionados com o aleitamento materno – os estudos de Bicalho-Mancini (2004), Cláudia Viera (2004), Júnior e Martinez (2007) e Rosangela Silva (2009) tiveram como população-alvo RN considerados de alto risco, que em algum momento estiveram internados numa unidade especializada. Aspectos biológicos (idade gestacional maior que trinta e sete semanas, peso ao nascer superior a dois mil e quinhentos gramas e RN com menos de três diagnósticos de doença durante o inter- CIÊNCIA & TÉCNICA namento) e maternos (número de consultas pré-natais igual ou superior a seis consultas), bem como, o início precoce (antes dez dias) de sucção à mama e a implementação do HAC são referenciados por Bicalho-Mancini (2004) como condicionantes positivas para o sucesso da amamentação. O apoio por parte dos profissionais de saúde (Bicalho-Mancini, 2004 e Júnior e Martinez, 2007) e a evolução clínica dos RN (Rosangela Silva, 2009) foram vistas como determinantes para alcançar o sucesso nesta prática. Por outro lado, a alimentação por sonda, a translactação, a prematuridade, a separação forçada mãe/filho, o défice de conhecimentos relativos à amamentação, a insegurança materna e a alimentação artificial do RN, foram descritos como entraves à amamentação dos RN de alto risco. Ainda inseridos na segunda categoria, nos demais artigos analisados relativos a RN sem factores de risco associados, verificamos que há factores negativos e positivos relacionados com uma boa prática do aleitamento materno e que vão de encontro aos artigos anteriormente explorados. Posto isto, Mikiel-Kostrya, et al. (2005) identificaram a separação mãe/filho, a cesariana, o início da amamentação após duas horas do nascimento, a relutância das mães no aleitamento exclusivamente materno superior a quatro meses e o baixo nível de escolaridade dos pais, como condicionantes negativas. A baixa produção de leite e as dificuldades na técnica da amamentação são referidos por Lamontagne, et al. (2008) também como agentes dificultadores. Silva, et al. (2009) identificaram o retorno ao trabalho, o desinteresse por parte das mães, os mitos e a falta de orientação no período pré-natal como condicionantes que influenciam o desmame precoce. Por sua vez, Vieira, et al. (2010) referenciaram que no primeiro mês de vida do lactente, a ausência de experiência prévia com a amamentação e o estabelecimento de horários fixos para amamentar são variáveis desfavorecedoras. Como factores negativos comuns destacaram-se: a dor nas mamas, referidos por Lamontagne, et al. (2008), Silva, et al. (2009) e Vieira, et al. (2010), e o uso de chupeta, evidenciados por Mikiel-Kostrya, et al. (2005) e Vieira, et al. (2010). Em contrapartida, destes quatro estudos relacionados com RN sem factores de risco associados, apenas dois, Lamontagne et al. (2008) e Silva et al. (2009), salientaram, como variáveis promotoras do sucesso na amamentação, o apoio e acompanhamento dos profissionais de saúde no período pré e pós-natal, bem como o suporte familiar adequado. Em algumas revisões bibliográficas encontradas, podemos destacar os trabalhos de Gaíva et al. (2006) e de Nascimento et al. (2004) já que reafirmam o papel preponderante dos enfermeiros no apoio às mães para o aleitamento materno. Para Nascimento et al. (p.163, 2004) “Amamentar prematuros ainda é um desafio, mas é factível desde que haja apoio e suporte apropriados, principalmente pelos profissionais de saúde. As mães de prematuros necessitam de mais informações sobre a importância da amamentação para que possam tomar decisões sobre a nutrição dos seus filhos”, tal como, foi referido por Bicalho-Mancini (2004) e Júnior e Martinez (2007). Gaíva et al. (p. 260, 2006) reforça que “o êxito da amamentação está na dependência do preparo técnico, das emoções da mãe, e do comportamento das pessoas que a cercam” e “é fundamental o treinamento adequado dos profissionais e agentes de saúde 37 NOVEMBRO 2014 CIÊNCIA & TÉCNICA 38 que darão apoio/suporte às mães que estão amamentando para o manejo apropriado do aleitamento materno”. No sentido de contrariar a tendência referida por Lawrence e Lawrence (2005), citado por Bordalo (p.79, 2008), em que os “organismos mundiais de vigilância de lactação afirmam que 95% das mães estão aptas a amamentar. Sendo assim, haveria uma pequena porção de cinco por cento em que a amamentação podia falhar. No entanto, é conhecido que nos países desenvolvidos a percentagem de fracasso é muito superior em mães que desejam amamentar”, a relactação assume um papel preponderante no restabelecimento do aleitamento materno. Tendo por base os pressupostos anteriores, é sugerida por vários autores a melhoria da actuação e do acompanhamento da equipa de enfermagem no período pré e pós-natal, uma vez que este parece ser fulcral para o sucesso, tanto da relactação, como da amamentação. A frustração provocada pela reduzida produção de leite e o cansaço físico e psicológico, assim como as dificuldades na implementação das técnicas (de relactação e de amamentação), são os principais entraves sentidos ao longo da nossa prática clínica, que vêm também de encontro ao que foi descrito pelos vários autores dos artigos que constituíram a nossa amostra. CONCLUSÃO Após uma análise global e sistematizada, quer dos artigos que constituíram a amostra, quer do material que auxiliou na discussão de dados, pudemos constatar que os enfermeiros/profissionais de saúde desempenham um papel fundamental para ultrapassar as dificuldades no processo de relactação e amamentação. Compete aos profissionais de saúde apoiar as mães que pretendem levar a cabo este processo durante o internamento hospitalar, no domicílio e nas consultas de seguimento de saúde infantil, munidos de todos os conhecimentos teórico-práticos associados a esta técnica. Não obstante, as dificuldades encontradas no processo de relactação, tanto pelas mães, como pelos profissionais de saúde, não diferem dos entraves apontadas pelos autores que se focaram na implementação da amamentação natural. Apesar do reduzido número de artigos directamente relacionados com a questão orientadora, concluímos que o processo de relactação melhora substancialmente a relação mãe/filho, com uma taxa de sucesso significativa no restabelecimento da amamentação. Como tal, as vantagens alcançadas com a implementação desta técnica são evidentes, não sendo tão claro nos artigos analisados, se os Enfermeiros de Neonatologia incluem nas suas práticas clínicas, o treino da técnica da relactação aos pais do recém-nascido. O desenvolvimento deste trabalho teve um forte impacto na nossa actuação como profissionais de enfermagem de Neonatologia. A consciencialização das dificuldades sentidas pelas mães de recém-nascidos contribuiu para a melhoria da nossa prestação de cuidados, visto que nos permitiu antecipar alguns desses obstáculos e atenuar o seu impacto. Por fim, dado o período de tempo limitado para pesquisa (quatro meses), o acesso a bases de dados gratuitas em quatro idiomas e a reduzida literatura actualizada disponível (inferiores a onze anos), parece pertinente a CIÊNCIA & TÉCNICA realização de investigação nesta área com critérios de inclusão mais abrangentes e que procure demonstrar se os Enfermeiros de Neonatologia incluem esta técnica nos seus cuidados. MENDES, Karina D. S. [et al..] – Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto & Contexto – Enfermagem, Florianópolis (Oct./Dec. 2008). Vol.17, nº4, p.758-764. ISSN 0104-0707. REFERÊNCIAS PETRONILHO, Fernando A. S. – A transição dos membros da família para o exercício do papel de cuidadores quando incorporam um membro dependente no auto cuidado: uma revisão da literatura. Revista investigação em enfermagem (Fev. 2010). p. 43-58. BORDALO, Joana D. - Aleitamento Materno: Relactação e Lactação Induzida. Covilhã: Universidade da Beira Interior, 2008. p.117 Tese de Mestrado. CLOHERTY, John P.; EICHENWALD, Eric C.; STARK, Ann R. – Manual de Neonatologia. 5ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. p.120-125. ISBN 85-2771030-7. FORTIN, Marie-Fabienne – Fundamentos e etapas do processo de investigação. Loures: Lusodidata, 2009. p.100-109. ISBN 978-989-8075-18-5. GAÍVA, Maria A. M.; MEDEIROS, Leodiana S. – Lactação insuficiente: uma proposta de atuação do enfermeiro. Ciência, Cuidado e Saúde, Maringá (Maio/Ago 2006). Vol.5, nº2, p.255-262. LAKHKAR, Bhavana B.; SHENOY, Vijaya D.; BHASKARANAND, Nalini – Relactation-Manipal experience. Indian Pediatrics, India (1999). Vol.36, nº7, p.700-703. LEVY, Leonor; BÉRTOLO, Helena – Manual de Aleitamento Materno. Lisboa: Comité Português para a UNICEF/Comissão Nacional, 2008. p.1-45. ISBN 96436. MARIANO, Grasielly J. S. – Relactação: Identificação de práticas bem sucedidas. Revista de Enfermagem Referência, Coimbra (Mar 2011). 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FARO Enfermeira no Serviço de Internamento de Medicina Materno Fetal do Hospital Santa Maria, CHLN, EPE NÁDIA CRISTINA SIMÕES CARDOSO Enfermeira no Serviço de Internamento de Medicina Materno Fetal do Hospital Santa Maria, EPE NOVEMBRO 2014 E. LOPES Enfermeira no Serviço de Reumatologia, Endocrinologia e Medicina E no Hospital Santa Maria, CHLN, EPE 40 RESUMO O sono é uma necessidade fundamental para o desenvolvimento da criança e para uma boa saúde física e mental. Os pais desempenham um papel central para a promoção de hábitos de sono adequados nos seus filhos, mas esta capacidade exige uma aprendizagem que nem sempre é valorizada no processo de prestação de cuidados de enfermagem e que se revela na escassez de investigação relacionada com esta área temática. O presente estudo tem como objectivo, reconhecer as estratégias de Enfermagem que ajudam os pais na promoção do sono do seu filho. Insere-se numa abordagem qualitativa. A amostra foi constituída por dezoito crianças hospitalizadas, com idades compreendidas entre os dois e os catorze anos, acompanhadas pelos seus pais. Como instrumentos de recolha de dados foram utilizadas: a entrevista semi-estruturada e a observação participante, integradas no âmbito da prestação de cuidados de Enfermagem. Os dados foram analisados através da técnica de análise de conteúdo. Foram identificados hábitos de sono desadequados nomeadamente, na ausência de horários de sono regulares, deitar a horas tardias e dormir em número de horas insuficientes O sono representa uma área de preocupação e dificuldade parental, ao nível emocional e cognitivo, sendo que os cuidados de enfermagem possuem potencial para responder a estas necessidades, com ganhos para o bem-estar e saúde das crianças e família. Palavras-Chave: Cuidados de Enfermagem, Sono, Criança, Pais ABSTRACT Sleep is a fundamental need for the development of the child and a good physical and mental health. Parents play a central role to promote proper sleep habits in children, but this requires a learning ability that is not always valued in the process of providing nursing care and that reveals a paucity of research related to this subject area. This study aims to recognize Nursing strategies to help parents in promoting their child's sleep. Part of a qualitative approach. The sample consisted of eighteen hospitalized children, aged from two to fourteen, accompanied by their parents. As instruments of data collection were used: a semi-structured interviews and participant observation, integrated in the provision of nursing care. Data analysis was performed using content analysis. Were identified inadequate sleep habits, such as: the absence of sleep schedules, going at late hours to bed and insufficient number of hours of sleep. Nursing strategies were simultaneously targeted to parents and children. The children sleep represents an area of concern and difficulty, parental emotional and cognitive level, where nursing care have the potential to meet these needs, with gains for the welfare and health of children and family Keywords: Nursing, Sleep, Child, Parents CIÊNCIA & TÉCNICA INTRODUÇÃO A necessidade de sono é um processo comum a todos os seres vivos e é imprescindível na manutenção da saúde, rendimento diário e qualidade de vida das pessoas (WHO, 2004). O estudo objectivo do sono é relativamente recente e remonta a meados dos anos 50 do século XX, sendo que o interesse sobre a temática foi aparentemente despoletado pela emergência de doenças e situações de desconforto com ela relacionadas (Soares, 2010). As perturbações do sono, tais como a dificuldade em adormecer e a interrupção frequente do sono, diminuem a capacidade de manter a atenção e de mobilizar os recursos intelectuais e processos cognitivos da criança (Montagner, 1998). Outro estudo, aponta para uma morbilidade neste grupo etário relacionada com a prevalência das taxas de lesões e ferimentos e uma maior propensão a comportamentos de risco em crianças que apresentam distúrbios de sono, sugerindo consequências significativas nas crianças a curto e longo prazo ao nível da função cognitiva, comportamental e social (Owens et al, 2005). O estudo desenvolvido por Lee e Ward (2005 p. 739), aponta como uma das principais razões para o aumento do défice de atenção nas crianças, o sono insuficiente, e vem ainda acrescentar neste contexto Montplaisir (2007), que a falta de sono nocturno, especialmente na primeira infância, pode afectar o desempenho cognitivo da criança na escola mesmo que esses padrões de sono se normalizem mais tarde, realçando a necessidade de uma criança dormir pelo menos dez horas por noite, especialmente até aos três anos e meio de idade, Os problemas de sono têm sido ainda associados a problemas ao nível do siste- ma familiar da criança, e nesta perspectiva, Eckerberg (2004) refere que “quando os pais percepcionam os frequentes despertares nocturnos na pequena infância como problemáticos, está associado um aumento do risco de problemas comportamentais vários anos depois, tais como o stress familiar e depressão materna” (p. 126). Destacamos neste enquadramento que cada criança possui os seus próprios ritmos biológicos associados a “um programa interno, fixado no código genético e que são influenciados por factores exteriores designados de «sincronizadores»” (Mendes, 2005, p.101). De facto, os hábitos de vida são adquiridos no ambiente familiar e social e repercutem-se nas condições de saúde dos indivíduos, e os hábitos de sono não são excepção. Importa ainda clarificar, que os hábitos de sono diferem dos padrões de sono, sendo que os primeiros constituem um conjunto de informações mensuráveis acerca da organização temporal, estrutural e fisiológica do ritmo sono-vigília, ao passo que os hábitos de sono podem ser definidos como os comportamentos culturalmente aprendidos e sistematicamente adoptados pelo indivíduo ou seu cuidador (Geib, 2007 p.564), incluindo a quantidade, a qualidade, período do dia e duração do evento (ICN, 2005). Entendemos assim, que os pais desempenham um papel central na promoção de hábitos1 de sono adequados nos seus filhos, mas esta capacidade exige uma aprendizagem que nem sempre é valorizada no processo de prestação de cuidados de enfermagem e que se revela na escassez de investigação relacionada com esta área temática. 1 Entendemos Hábito de sono, como o comportamento culturalmente aprendido e adaptado pelo individuo e ou seu cuidador com o propósito de favorecer o inicio ou manutenção do sono de acordo com a definição de Geib (2007). 41 CIÊNCIA & TÉCNICA NOVEMBRO 2014 Foram estas preocupações que estiveram na base deste estudo que tem como questão fundamental: Quais as estratégias de Enfermagem que ajudam os pais na promoção do sono do seu filho? Baseou-se numa metodologia qualitativa, usando como instrumentos de colheita de dados, o questionário, a análise documental e a realização e análise de diários de campo. 42 O SONO O sono caracteriza-se por uma redução da actividade corporal, e da consciência, em que a pessoa não sabe de si, o metabolismo está diminuído, a postura imóvel, e a sensibilidade diminuída, mas que é prontamente reversível a estímulos externos (ICN, 2005). O ciclo vigília-sono, ocorre num ritmo circadiano, sendo que a sua alternância pode ser influenciada por factores ambientais, tais como a alternância luz-escuridão, o ruído exterior, a actividade física, as refeições e a socialização (Pimentel e Rente, 2004, p.47). Sabe-se hoje que o hipotálamo é o centro dos mecanismos do sono, sendo o principal responsável pela acção dos neurotransmissores que controlam o estado de vigília ou de sono, ao actuarem sobre diferentes grupos de células nervosas no cérebro (Soares, 2010). O sono divide-se em dois tipos básicos: O sono REM e o sono não REM sendo que o ultimo se encontra dividido em quatro fases. As fases NREM e REM ocorrem repetidamente segundo um padrão específico, denominado por ciclo do sono (Dinarés et al , 2004). Sabe-se que o sono REM tem uma função estimulante das regiões cerebrais directamente responsáveis pela memória e aprendizagem é ainda durante os estádios de sono profundo que é segregada a hormona do crescimento e a prolactina que é responsável pela estimulação do sistema imunitário. Enquanto dormimos, o nosso cérebro está activo e desenrolam-se vários processos de reparação nomeadamente através da reorganização funcional do sistema nervoso. É ainda um passo para a autonomização da criança quando esta adquire a capacidade de adormecer sem ajuda. Quando estes estádios são suprimidos, facilmente se depreende uma probabilidade de ocorrência de consequências negativas não só ao nível do crescimento mas também ao nível da reparação de tecidos e células. A privação de sono induz efeitos negativos na criança como intolerância à dor, fadiga e diminuição da resposta do sistema imunitário. Hábitos de sono adequados para cada idade, promovendo rotinas, rituais e a autonomia da criança são essenciais para um desenvolvimento saudável de toda a família. OS PAIS NA PROMOÇÃO DO SONO DA CRIANÇA HOSPITALIZADA Os pais são os principais responsáveis no cuidado ao seu filho, desenvolvendo comportamentos para responder às necessidades da criança em desenvolvimento enquanto ser vulnerável e dependente, correspondendo às expectativas da sociedade (Collière,1999). A Linguagem Classificada para a Prática de Enfermagem Versão 1 (ICN, 2005) define Parentalidade como um foco de atenção de enfermagem, que se caracteriza por uma acção de tomar conta, assumindo “as responsabilidades de ser mãe e/ou pai; comportamento destinado a facilitar a incorporação de um recém-nascido na unidade familiar; comportamentos para optimizar o cresci- CIÊNCIA & TÉCNICA mento e desenvolvimento das crianças; interiorização das expectativas dos indivíduos, famílias, amigos e sociedade quanto aos comportamentos do papel” Neste estudo partimos do pressuposto que o desempenho da função parental exige a aprendizagem de novas competências, que tradicionalmente tem sido transmitidas de geração para geração, e que em virtude das actuais mudanças na nossa sociedade vieram impor profundas alterações à aprendizagem e desempenho deste papel, sendo que cada vez mais os pais se encontram sozinhos neste processo que é frequentemente acompanhado de dúvidas, necessidades e preocupações. É neste terreno que a intervenção de enfermagem possui potencialidades para facilitar as transições e os processos de aprendizagem com elas relacionadas (Meleis, 2000). Neste sentido Algarvio e Leal (2004), identificaram algumas áreas de preocupação parental relacionadas com a função ou exercício da parentalidade e identificaram algumas relacionadas com o sono e repouso da criança, tais como: a agitação durante o sono da criança, a dificuldade em adormecer ou a presença de pesadelos. Eckerberg (2004) acrescenta ainda que “ (…) nas sociedades ocidentais, um dos problemas mais comummente sentidos pelos pais é a gestão da hora de deitar e saber lidar com os despertares nocturnos” (p. 126). Também de acordo com os registos de pediatras, as perturbações do sono estão em quinto lugar no que respeita às preocupações dos pais; a seguir às doenças físicas, alimentação, problemas comportamentais e deficiências físicas (Mindell et al, 2004). Deste modo, a educação dos pais relacionada com o sono da criança, assume contor- nos bastante relevantes do ponto de vista da saúde, uma vez que está em causa o saudável desenvolvimento da criança. Estando a criança hospitalizada, este acontecimento “…pode ser ocasião de aprendizagem e desenvolvimento, na medida em que a criança possa beneficiar de relações positivas e apoiantes com elementos da equipa de saúde, e de uma relação mais próxima com os familiares” (Boilig et al; 1988 citado por Barros, 1998, p. 14). Por outro lado, estando os pais presentes durante a hospitalização da criança, o enfermeiro deverá desenvolver capacidades que lhes permitam trabalhar com a família aspectos relacionados com o desenvolvimento da criança (Mano, 2002). PERCURSO METODOLÓGICO O estudo foi desenvolvido num serviço de Pediatria de um hospital na sub-região de Lisboa e vale do Tejo, no qual são prestados cuidados de saúde diferenciados a crianças na faixa etária entre os 0 e os 15 anos de idade, nas áreas médicas, cirúrgicas, neurocirúrgicas e neurotraumatológicas. Tendo em conta uma compreensão abrangente do fenómeno em estudo, definimos como objectivos: -Identificar os hábitos e perturbações do sono das crianças; -Identificar as preocupações parentais relacionadas com o sono da criança; -Identificar as necessidades parentais para a promoção do sono da criança; -Identificar as práticas parentais relativamente ao sono da criança; -Analisar as estratégias de enfermagem que ajudam os pais a promover o sono da criança. O estudo seguiu uma abordagem quali- 43 NOVEMBRO 2014 CIÊNCIA & TÉCNICA 44 tativa, onde se pretendeu explorar e descrever a experiencia dos pais relacionada com o sono da criança hospitalizada. Tendo em conta a natureza e os objectivos do presente estudo, usamos o método de amostragem intencional de acordo com os seguintes critérios: Crianças com idades compreendidas entre os 2 e os 14 anos, acompanhadas pelos seus pais ou substitutos e estarem internadas nos Serviços de Pediatria independentemente da patologia. No total fizeram parte da nossa amostra dezoito crianças, das quais: oito estavam na faixa etária entre os dois e os seis anos e dez na faixa etária entre os sete e os catorze anos. Relativamente à dimensão da amostra, incluímos os participantes que nos foi possível durante o tempo que correspondeu ao período disponível para a realização do estágio e que correspondeu a um total de doze semanas. Usámos como instrumentos de colheita de dados, o questionário, a análise documental e observação participante com registo em diários de campo. Relativamente ao questionário a sua construção resultou da análise de duas escalas, o “Inventário dos Hábitos de Sono para Crianças Pré-Escolares” de Batista e Nunes (2006), validado para a língua portuguesa do questionário “Sleep habits inventory for preschool children” de Hayes et al. (2001) e o “Questionário sobre o Comportamento do Sono” de Batista e Nunes (2006), validado para a língua portuguesa do questionário “Sleep Behaviour Questionary” de Cortesy et al. (1999). Cujos itens foram a base da construção de um questionário único mais reduzido, passível de ser mobilizado no decorrer da interacção enfermeiro-cliente e na construção do processo de cuidados de enferma- gem à criança e família. Todos os dados recolhidos foram submetidos à técnica de análise de conteúdo de acordo com Bardin (2004). Optámos por definir as categorias a priori, de acordo com os aspectos que se destacaram na revisão da literatura, nomeadamente: -O sono da criança varia de acordo com o seu padrão e hábitos individuais, sendo que os segundos são um factor determinante para alterações identificadas nesta faixa etária não relacionadas com a patologia, constituindo a sua identificação um aspecto fundamental para a promoção do sono da criança. -Os pais são os principais responsáveis pela prestação dos cuidados à criança manifestam preocupações e práticas relacionadas com o sono, que influenciam a saúde e o sono da criança. Os cuidados de enfermagem possuem potencial para promover o sono da criança e os enfermeiros desenvolvem durante o processo de cuidados à criança hospitalizada e família estratégias para promover o sono da criança. Foram omissos nomes e qualquer informação passível de identificar os participantes. Caracterização do sono das crianças Na caracterização do sono da criança foram analisados os dados referentes à existência de hábitos relacionados com a manutenção de um horário regular de sono, número médio de horas de sono por noite, eventos durante o sono (despertares nocturnos, terrores nocturnos, ressonar, agitação durante o sono), autonomia para dormir, hábitos e rituais de adormecimento e sonolência diurna. No grupo das crianças com idades compreendidas entre os dois e os seis anos, CIÊNCIA & TÉCNICA identificámos que cinco das oito crianças possuíam hábitos de sono adequados e não manifestavam alterações relacionadas com a privação de sono. Sendo que as alterações encontradas se deveram a problemas relacionados com a separação dos pais e à distribuição das horas de sono nomeadamente na realização de sestas tardias. No grupo etário dos sete aos catorze anos, verificámos que cinco das dez crianças apresentavam um padrão de sono e hábitos adequados à idade. As alterações identificadas nesta faixa etária relacionaram-se com falta de autonomia para dormir, necessitando da presença dos pais para adormecer, ausência de horários regulares para dormir, deitar tardiamente, dormir um número insuficiente de horas, apresentavam eventos durante o sono tais como despertares nocturnos, ressonar e agitar-se durante o sono. Necessidades e Atitudes dos pais perante o sono da criança Da análise dos nossos dados emergem três categorias que ilustram a experiência dos pais relacionada com o sono da criança: as preocupações, necessidades e práticas dos pais. Relativamente às preocupações dos pais emergiram cinco tipos de preocupações nomeadamente: Lidar com os problemas de sono da criança; Gerir os horários de sono e Manter os hábitos da criança. Da análise do discurso dos pais, percepcionámos que o sono da criança se constituía em algumas situações como uma fonte de preocupação e de dificuldade sobretudo quando os pais se confrontavam, com situações como sono agitado, insónia, despertares nocturnos e recusa em ir para a cama. Estes resultados vão ao encontro do que é referido por Algarvio e Leal (2004), que indi- cam como preocupações relacionadas com a necessidade de sono da criança, o sono agitado, dificuldade em adormecer, pesadelos e o facto de a criança não querer ir para a cama. Também Eckerberg (2004, p.126) refere que “ (…) nas sociedades ocidentais, um dos problemas mais comummente sentidos pelos pais é (…) saber lidar com os despertares nocturnos”. Foi também presente no discurso dos pais, a preocupação em manter os hábitos da criança durante o período de hospitalização, preservando a rotina da criança e os horários de adormecer. Um dos pais, referiu ainda estar preocupado com a ineficácia das estratégias usadas na promoção do sono do seu filho, e com a dificuldade persistente em ultrapassar os problemas de sono da criança. Na análise considerámos o conceito de preocupação parental, mobilizado por Algarvio e Leal (2004), enquanto uma função parental que não se encontra necessariamente associada a sintomas indesejáveis, tal como os autores ressalvam. Da pesquisa realizada sobre o conceito, destacamos que apesar de pouco estudado entre nós, este parece estar relacionado com uma “…dimensão afectiva ou emocional, traduzida muitas vezes como um sentimento de mal-estar ou mesmo de medo, que conduz a uma queixa, e que podemos associar a uma dimensão cognitiva e consciente e, por último, à procura da solução, ligada à acção” (Algarvio e Leal, 2004, p.147). Através da análise do discurso dos participantes e da confrontação com outros estudos realizados sobre o fenómeno em questão, parece-nos que as preocupações referidas no nosso estudo encontram reflexo nos resultados de Algarvio e Leal (2004). No que diz respeito às suas necessidades relacionadas com o sono dos filhos, foram 45 NOVEMBRO 2014 CIÊNCIA & TÉCNICA 46 identificadas quatro sub-categorias: Aprender sobre o sono da criança; Ser apoiado no que se refere aos problemas/ acontecimentos vividos pelos mesmos quanto à promoção do sono do seu filho; Manter a Privacidade, na medida em que a prática de co-sleeping leva muitas vezes à alteração da vida íntima do casal; Manter os padrões individuais de de sono, uma vez que a necessidade de sono dos próprios pais está muitas vezes alterada. Ao longo da análise dos dados, verificámos que os pais manifestaram a necessidade de adquirir novos conhecimentos para promoverem o sono do seu filho, tal como é expresso através da seguinte unidade de registo: “Ai sim? Ela deveria dormir mais ou menos dez horas por noite?” (D.C.2.M.B.3) Deste modo Aprender surge como uma categoria importante nos dados apresentados no capítulo anterior e parece-nos ser decisiva no desempenho do papel parental, nomeadamente na promoção de hábitos/ padrão de sono adequados à necessidade da criança. De facto, tal como Jorge (2004) refere, os pais manifestam muitas vezes, necessidades relativamente a conhecimentos e informações sobre várias dimensões relativas ao cuidar da criança. A necessidade de apoio foi identificada pelos pais e parece-nos estar relacionada com as dificuldades que estes experimentam na resposta às necessidades de sono do seu filho e com a limitação das suas capacidades para lidarem com os problemas, tal foi expresso por uma mãe que chegou a referir “… Há noites em que desespero completamente...” (D.C. 1.G.2) Em relação à privacidade emergiu no discurso dos pais, que as práticas de co-slee- ping, se constituem num factor que prejudica a relação íntima do casal: “...ele ainda dorme connosco, no meio, entre mim e o pai...às vezes não dá muito jeito (risos)...” (D.C.1.J.L.10) Após procurarmos na literatura alguns dados que nos elucidassem sobre esta questão, constatámos que a maioria dos estudos realizados sobre co-sleeping se debruça sobre os aspectos relacionados com a segurança da criança, bem como a sua influência para o desenvolvimento da criança a longo prazo. Deste modo, são poucos os estudos que aprofundam o co-sleeping na vertente da privacidade do casal. Acerca da privacidade do casal, Leersnyder (1999, p.276) refere que “…a criança ocupa as tardes e as noites e não (...) deixa [os pais] estarem um com o outro. Muitas vezes os pais suprimem toda a vida social para se ocupar do filho (...) já não saem, já não recebem, e as perturbações justificam a ausência do desejo de uma vida a dois... ” Relativamente à necessidade de manter um padrão de sono individual, emerge no discurso dos pais que os problemas de sono da criança são referidos como um factor que prejudica a duração e qualidade do seu próprio sono, tal como é expresso na seguinte unidade de registo: “...estou sempre a acordar...também se não for não me sinto descansada...é angustiante ouvir os gritos dele e não fazer nada...” (D.C.2.G.2) Na categoria que nomeamos de práticas dos pais relativas ao sono da criança, foram identificadas as subcategorias: Manter rotinas; promover a autonomia da criança, dormir com a criança, impor limites. CIÊNCIA & TÉCNICA Da análise do corpus identificamos práticas parentais relacionadas com a manutenção das rotinas relacionadas com o sono da criança mesmo em meio hospitalar, nomeadamente na gestão hora de ir para a cama. De facto, cabe aos pais criar rituais associados ao deitar para facilitar a transição da actividade e da excitação para um estado de calma e descanso, em que a criança possa desenvolver o seu próprio padrão de adormecimento (Brazelton e Sparrow; 2004). Da análise ressalta uma possível relação entre as preocupações e as práticas levadas a cabo pelos pais, sendo que o brincar, contar a história e beber o leite são muitas vezes as rotinas/rituais mantidos pelos pais à criança hospitalizada. Dormir com a criança foi uma prática parental, observada durante a hospitalização da criança com o intuito de transmitir segurança e afecto à criança. Sobre esta prática importa analisar as vantagens e desvantagens sobre o sono da criança e até mesmo sobre o seu desenvolvimento. Na literatura consultada a maior parte dos autores parecem ser consensuais sobre os efeitos negativos destas práticas. Para Brazelton e Sparrow (2004), o facto de a criança dormir com os pais, pode contribuir para gerar problemas de autonomia quando os pais quiserem que a criança faça a transição para a sua própria cama. Para Geib (2007) as crianças que dormem em co-sleeping tendem a apresentar mais distúrbios de sono, menor probabilidade de manterem um horário regular para dormir, adormecer sozinho ou utilizar iluminação nocturna. Como já referimos anteriormente, parece-nos que o co-sleeping poderá influenciar também negativamente a privacidade do casal. No entanto são também evidenciadas algumas vantagens desta prática por autores como, Mckenna (2000) citada por Geib (2007) referindo que as crianças que dormiram na cama dos pais até aos cinco anos, apresentavam na idade adulta maiores níveis de auto-estima, menos sentimentos de culpa e ansiedade e revelaram maior frequência de relações sexuais. Relativamente a promover a autonomia da criança, observámos que alguns pais consideram importante que os filhos adormeçam sozinhos na sua própria cama usando diferentes estratégias, entre elas deixar a criança sozinha para adormecer. No que diz respeito à imposição de limites à criança, foram observadas dificuldades em lidar com o facto de a criança não querer ir para a cama à noite. Tal dificuldade foi expressa por alguns pais ao afirmarem que muitas vezes tinham de recorrer a medidas mais autoritárias para conseguirem que a criança fosse para a cama. Uma mãe referiu mesmo “(…)Às vezes zango-me mesmo com ela e chego a ter que lhe bater para ela dormir” (D.C.1L.11). Esta dificuldade sugere-nos que possa ter alguma influência no tipo de interacção que se estabelece entre pais e filhos, uma vez que os pais parecem adoptar um estilo parental mais autoritário perante a desobediência da criança, impondo uma série de limites e exigindo uma estrita obediência. Ainda segundo Hoffman (1975), a disciplina coerciva caracteriza-se por práticas que utilizam a aplicação directa da força e do poder dos pais, levando a criança a adequar o seu comportamento às reacções punitivas dos mesmos. Ainda segundo o mesmo autor, estas práticas podem provocar emoções intensas, como hostilidade, medo e ansiedade, interferindo na capacidade da criança para ajustar o seu comportamento à situação (Hoffman, 1975). Deste modo, questionamos a implicação destas medidas no desenvol- 47 CIÊNCIA & TÉCNICA NOVEMBRO 2014 vimento harmonioso da criança, pelo que consideramos importante que o enfermeiro possa ajudar os pais a lidar com o comportamento negativo da criança. 48 Estratégias de Enfermagem para promover o sono da criança Relativamente às estratégias de Enfermagem que ajudam os pais na promoção do sono das crianças emergiram a partir da análise do corpus em três categorias: Proporcionar conforto / segurança para dormir; Educar e Orientar e Apoiar. Pudemos constatar que ao longo do internamento da criança, os pais experimentam vários sentimentos e emoções, desgastando-se ao nível psicológico, mas também ao nível físico, pois muitas vezes já não dormem há algumas noites para cuidar do filho que está doente. De facto, a diminuição da qualidade do sono e em alguns casos até mesmo a privação do sono foi referido pelos pais como uma das necessidades que apresentam muitas vezes ao longo da hospitalização. Por estes motivos, pareceu-nos bastante importante proporcionar aos pais, algumas medidas de conforto para que também eles pudessem descansar. Uma das estratégias usadas para ajudar os pais foi transmitir que o enfermeiro está disponível para está presente para supervisionar a criança enquanto os pais descansam, o que se constituiu como elemento facilitador da relação enfermeiro cliente e como recurso para os pais. Sem dúvida que os pais “…são o principal sistema de apoio e segurança para a criança, pelo que devem ser encorajados a permanecer com o filho durante a estadia da criança doente” (Barros, 1998, p. 21). Relativamente à categoria Educar/Orientar, salientamos o facto de esta nos remeter para a necessidade de capacitar os pais para lidar com os problemas de sono do seu filho. Benner (2005) refere a educação e orientação como uma importante função do enfermeiro e de facto, verificámos que esta foi a intervenção com mais registos na análise realizada, tal como sugere a seguinte unidade de registo “…perto da hora de ir para a cama, esteja com atenção para ela não brincar a coisas que a estimulem fisicamente, não sei se já experimentou uma massagem nas costas que por vezes ajuda, ouvir música mais relaxante, ler-lhe uma história…”(D.C.1D.P.3). De um modo geral emergiu falta de conhecimentos dos pais em áreas como o desenvolvimento/autonomia da criança, importância do sono, quantidade e qualidade do sono, precisando de ajuda para compreender as necessidades de sono da criança e de ajustar as suas práticas de modo a responder de forma adequada à criança, concordamos com Coutinho (2004) quando refere que a capacitação dos pais passa por um processo de transmissão de conhecimentos específicos e estratégias para ajudar a promover o desenvolvimento da criança. Ainda neste contexto Jorge (2004), salienta que as necessidades cognitivas dos pais assumem uma especial importância em situações de crise ou stress, permitindo que estes adquiram algum controle sobre a situação e diminuindo os sentimentos de ansiedade. No que diz respeito à categoria ajuda/ suporte, os enfermeiros actuam em relação aos pais, apoiando os pais emocionalmente sobretudo através de uma atitude de escuta e empatia, informando e fazendo por eles algumas actividades, para atender às suas necessidades de descanso. CIÊNCIA & TÉCNICA CONCLUSÃO O estudo procurou explorar a experiência dos pais relacionada com o sono da criança hospitalizada, neste sentido identificamos alterações do sono relacionadas com a quantidade e qualidade do sono da criança. Algumas crianças da nossa amostra revelavam hábitos de sono inconsistentes, nomeadamente na manutenção de hábitos regulares de sono e na capacidade para adormecer de forma autónoma. Os pais apresentam dúvidas e receios relacionados com o sono dos seus filhos, sugerindo os resultados que estas são mais frequentes em pais de crianças pequenas e ou primíparos, sendo também nestas condições que estes se mostram mais receptivos a serem ajudados e a aderirem às estratégias sugeridas, pelo que nos parece necessário que os enfermeiros invistam na identificação das suas necessidades em relação à informação e desenvolvimento de estratégias educativas. Porque se uma criança for orientada desde cedo para os bons hábitos de sono, dificilmente desenvolverá um problema nesta área. Efectivamente o sono constitui uma preocupação para os pais, que demonstraram um deficit de conhecimentos relacionados com o sono e desenvolvimento da criança assim como de estratégias para lidar com os problemas com os quais se confrontam. As alterações de sono da criança parecem preocupar os pais mais, pelo impacto directo que estas têm na sua própria vida do que pelas consequências para a saúde e desenvolvimento da criança, pelo que consideramos que é necessário continuar a investir na educação dos pais no sentido da sua capacitação para responder de forma adequada às necessidades de saúde e desenvolvimento da criança. Na hospitalização da criança os enfermeiros desenvolvem estratégias para lidar com as necessidades imediatas dos pais para lidar com a criança, dando apoio, ajudando na manutenção das rotinas, informando e substituindo-os em algumas situações de modo a favorecer as suas próprias necessidades de sono e repouso. Parece ainda importante realçar que o sono é um problema comum entre as crianças com menos de um ano de idade, sendo que, mais de um terço das crianças com esta idade têm problemas de sono, o que representa uma dose extra de stress e de gasto de energia para os pais. Uma vez que este estudo se debruça sobre a promoção da capacitação parental, seria interessante a sua continuidade no contexto domiciliar. Relativamente às limitações do estudo apontamos para o facto de ter sido realizado em contexto hospitalar, enquanto factor passível de influenciar os padrão e os hábitos de sono da criança que não se encontrava no seu ambiente natural. Outra limitação, sentida em relação ao contexto do estudo, diz respeito ao facto de termos sentido que os pais, estavam mais preocupados com a patologia do seu filho e respectivo tratamento, sendo que o sono é remetido para segundo plano. BIBLIOGRAFIA ALGARVIO, Susana; LEAL, Isabel - Preocupações Parentais: validação de um instrumento de medida. In Psicologia, Saúde & Doenças. Lisboa. Vol.5, nº 1 (2004). p. 145-158. BARROS, Luísa - As consequências psicológicas da Hospitalização Infantil: Prevenção e Controlo. In Análise Psicológica. Lisboa. ISSN: 0870-8231. vol 1 nº XVI (1998). p.11-28 BATISTA, Bianca H. 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Serviço 2.3 Medicina/ Dermatologia, HSAC– CHLC PAULO GONÇALVES Enfermeiro. Especialista em Enfermagem de Reabilitação. Unidade de Cuidados Intensivos Respiratórios, HPV– CHLN VÍTOR VAZ PINTO Enfermeiro. Especialista em Enfermagem de Reabilitação. Unidade de Cuidados Intensivos Respiratórios, HPV– CHLN SANDRA CARRILHO Enfermeira. Especialista em Enfermagem de Reabilitação. Bloco de Exames de Gastroenterologia, HPV – CHLN 51 RESUMO Este artigo como objetivo abordar os critérios de prescrição, fontes e dispositivos de administração de oxigenoterapia, em doentes submetidos a OLD, bem como salientar a importância e eficácia desta terapêutica quando associada a programas de reabilitação respiratória e ao acompanhamento por uma equipa multidisciplinar. ABSTRACT This article aims to address the criteria of prescription, sources and oxygen administration devices in patients submitted to an Long Term Oxygentherapy, as well as highlight the importance and effectiveness of this therapy when associated with respiratory rehabilitation programs and follow-up by a multidisciplinary team. Palavras-Chave: Enfermagem; oxigenoterapia Keywords: Nursing, Long Term Oxygen-therapy NOVEMBRO 2014 CIÊNCIA & TÉCNICA 52 INTRODUÇÃO Oxigenoterapia de longa duração (OLD) é a administração de oxigénio (O2) contínua em ambiente não hospitalar, em concentração mais elevada do que a que existe no ar ambiente, com o objectivo de prevenir ou tratar os sintomas e manifestações de hipoxémia (AARC, 2007). Em Portugal, mais de 25 mil doentes dependem de OLD (Barbara, 2009), como consequência do crescente número doenças respiratórias, que constituem actualmente a 3º causa de internamento e de morte, sobretudo devido à poluição atmosférica e ao crescente consumo de tabaco (ONDR, 2007). Este artigo tem por isso, como objectivo abordar os critérios de prescrição, fontes e dispositivos de administração de oxigenoterapia, em doentes a realizar OLD, bem como salientar a importância e eficácia desta terapêutica quando associada a programas de reabilitação respiratória e ao acompanhamento por uma equipa multidisciplinar. Desta forma iremos inicialmente enumerar as evidências da eficácia e principais indicações da OLD, os seus critérios de prescrição, fontes e dispositivos de administração. Em seguida será dado relevo à necessidade de um programa de reabilitação respiratória, acompanhado por uma equipa multidisciplinar na qual se insere o enfermeiro de reabilitação. OXIGENOTERAPIA DE LONGA DURAÇÃO A prescrição de OLD tornou-se consensual na década de 80, com a publicação de dois estudos, o Nocturnal Oxygen Therapy Trial Group e o Medical Research Council Working Party (Drummond et al., 2001). Estes estudos estabeleceram a evidência clínica relativamente à eficácia da OLD na doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), quando utilizada no mínimo durante 15h/dia, verificando-se o aumento da sobrevida, redução das situações de cor pulmonale, benefícios neuropsicológicos, melhoria da qualidade de sono, prevenção de arritmias e redução da policitémia secundária, com a consequente redução da incidência de complicações e de hospitalizações (Nunes, 2003). Actualmente, além da DPOC são também aceites os benefícios terapêuticos da OLD em situações de fibrose quistica, doença pulmonar intersticial, bronquectasias, doenças neuro-musculo/esqueléticas, hipertensão pulmonar e como paliativo do cancro do pulmão (Crockett et al, 2001; Winck, 2008). A OLD apesar de ser uma terapêutica indispensável, é também dispendiosa tendo em conta a fraca adesão por parte dos doentes (Verduri et al, 2009). De acordo com dados da Direcção Geral de Saúde (DGS, 2005), os custos com OLD em Portugal em 2002 foram de 47,1milhões de euros e actualmente estimam-se em 60 milhões de euros (Barbara, 2009). A prescrição de OLD, segundo Manresa, Sena e Caballol (2001), implica o cumprimento de 3 variáveis: a indicação adequada, um bom cumprimento e uma adequada correcção da hipoxémia. PRESCRIÇÃO DE OLD As normas de actuação para a prescrição de OLD pressupõem a existência de insuficiência respiratória crónica diagnosticada mediante realização de gasometria arterial, em período estável, após recurso à reabilitação respiratória, à cessação tabágica e sob terapêutica optimizada. Haverá indicação, quando a gasometria arterial, em repouso e em ar ambiente, apresentar: PaO2 ≤ 55 CIÊNCIA & TÉCNICA mmHg ou PaO2 ≥ 56 <60 mmHg, com cor pulmonale e/ou poliglobulia com hematócrito> 55 %. A administração deverá ser ainda considerada nas condições particulares de: PaO2 ≤ 55 mmHg, no esforço e no sono não corrigida por ventilação por pressão positiva e em situações de insuficiência respiratória transitória conforme referido em AARC (2007) e DGS (2006). De acordo com a DGS (2006), não é aceitável a prescrição empírica de O2, em regime de SOS ou por curtos períodos, excepto se for paliativa. Drummond et al (2001) referem que, apesar dos critérios se encontrarem estabelecidos, sua prescrição é frequentemente feita de forma incorrecta, havendo também a falta de um seguimento adequado destes doentes. Os mesmos autores salientam que, 80% dos doentes a fazer OLD não têm indicação e que apenas 10,7% dos doentes a realizar OLD cumprem a prescrição de pelo menos 15h/dia, quando a administração deverá ser contínua nas 24 horas, excepto em situações específicas (AARC, 2007). A prescrição de OLD deve incluir a fonte de O2, o dispositivo de interface e o débito em repouso, durante o exercício e durante o sono. FONTE DE OXIGÉNIO No domicílio o O2 pode ser fornecido, através de um cilindro de O2 gasoso, de uma unidade de O2 líquido ou através de um concentrador. A escolha deverá ter em conta diversos factores, nomeadamente o critério médico, o estado clínico, o conforto e o estilo de vida do doente, as características do domicílio e os custos para o próprio e para o sistema de saúde (Nunes, 2003). O oxigénio gasoso é a fonte mais habitual de administração de O2 no domicílio. Permite débitos até 15l/min, não evapora quando armazenado e é de simples manutenção. É indicado para doentes com mobilidade reduzida e dentro do domicílio. Os cilindros pequenos podem ser deslocados com dispositivos específicos e de acordo com a capacidade do doente. Tem como desvantagens, ter um volume limitado, o que implica realizar ensino sobre a troca do regulador de pressão quando um cilindro termina, o que nem sempre fácil para alguns doentes e proceder a trocas frequentes dos cilindros pelo fornecedor. O oxigénio líquido é O2 gasoso a baixas temperaturas, razão pela qual ocupa menos espaço (1l de O2 líquido = 850l de O2 gasoso). O dispositivo é composto por duas unidades, uma fixa com capacidade de reserva até 32 l utilizada no domicílio e uma portátil com capacidade até 1l, e que possibilita aos doentes desenvolver uma actividade profissional e social com maior independência e autonomia fora do domicílio. Como desvantagens, apresenta uma evaporação espontânea e contínua quando armazenado e o seu custo é mais elevado quando comparado com as outras fontes de administração, facto que implica uma avaliação rigorosa do estilo de vida e mobilidade do doente. O peso da unidade portátil (1,6kg a 3,6kg) poderá ser um inconveniente para o seu transporte tendo alguns doentes que colocar adaptações para o facilitar. Outra desvantagem poderá ser a complexidade das manobras de enchimento das unidades fixas. Em Portugal, os doentes enfrentam ainda outro problema que é o acesso ao O2 líquido, devido a este não se encontra disponível em todas as regiões do País e pelo facto de nem sempre Administração Regional de Saúde conceder a devida autorização para o seu fornecimento após a prescrição, haven- 53 NOVEMBRO 2014 CIÊNCIA & TÉCNICA 54 do necessidade de uma avaliação individual (RESPIRA, 2009). O concentrador de oxigénio é um aparelho que separa as moléculas de O2 do ar da atmosfera, produzindo O2 concentrado. Actualmente estes aparelhos são mais leves, pequenos e fácies de transportar, ideais colocar em residências de difícil acesso, porque não têm problemas de fornecimento, nem complicações de segurança. Em caso de falha de electricidade ou se a concentração de O2 é insuficiente, emite um alarme sonoro, para se proceder a troca da fonte de oxigénio. Tem como desvantagens, a necessidade de utilizar electricidade para o seu funcionamento, precisa de uma manutenção regular, tem alguns problemas de ruído e a maioria dos equipamentos não permite débitos> 5L/ min. Idealmente a solução para a adesão a OLD encontra-se na combinação de mais de uma fonte de abastecimento, conferindo desta forma uma solução personalizada, económica e eficiente conforme refere Nasilowski et al (2008). Os economizadores de Oxigénio têm a capacidade de aumentar 2 a 7 vezes a autonomia das fontes de O2 portáteis de acordo com Castillo (2007), fornecendo O2 apenas quando é detectado esforço inspiratório, por oposição ao fluxo contínuo dos dispositivos convencionais. Ter que detectar estímulo inspiratório é uma das suas limitações, pois limita o seu uso quando o estímulo é menos intenso. Outras limitações surgem por estes equipamentos perante frequência respiratória alta não conseguirem manter o débito programado, por necessitarem por vezes de bateria e não permitirem o uso de humidificadores. Em Portugal são pouco utilizados devido ao seu custo, encontrando-se sobre- tudo disponíveis sistemas portáteis de O2 líquido com economizador, garantindo um conjunto leve e com maior autonomia. DISPOSITIVOS DE ADMINISTRAÇÃO O O2 é usualmente administrado por máscara, sonda ou óculos nasais. Os óculos nasais são o interface de eleição já que permite ao doente comer, comunicar e colocá-los facilmente (Drummond et al., 2001). O uso de sondas nasais apesar de mais estáveis e eficazes que os óculos nasais são desagradáveis de colocar, implicam fixação à face e podem obstruir (Nunes, 2003). A máscara possibilita débitos superiores mas, apesar de muito utilizada nos doentes agudos, para OLD não fará sentido dado o seu carácter limitador (Winck, 2008). De acordo com a DGS (2006) poderá ainda assegurar-se o fornecimento de O2 por ventilação não invasiva, quando perante OLD bem conduzida, houver situações de PaCO2> 55 mmHg ou PaCO2 entre 50 e 54 mmHg associada a dessaturação nocturna, não corrigida pelo O2 ou com mais de dois episódios por ano de insuficiência respiratória aguda com internamento. REABILITAÇÃO Segundo os estudos de Crockett et al. (2002) e Janssens (1997) o declínio dos doentes hipoxémicos sob OLD ocorre devido ao facto de apresentarem uma marcada redução da saúde relacionada com a diminuição da qualidade de vida, á medida que a pessoa se vai tornando mais dependente, pelo que apresentam morbilidade e mortalidade elevadas. Esse declínio apresenta também influência a nível da mobilidade, do padrão de sono, bem como a nível psicológico, apresentando quadros de depressão, ansiedade e de não satisfação com a vida. CIÊNCIA & TÉCNICA Janssens (1997) e Pecham et al (1998) sugerem que para alcançar os benefícios da OLD em termos da qualidade de vida ou bem-estar geral, deverá ser dado ênfase aos programas de reabilitação respiratória, ao uso de unidades portáteis como forma de manter e/ou aumentar a mobilidade física e ao apropriado suporte e tratamento dos distúrbios emocionais. Rous et al (2008) referem ainda que a reabilitação respiratória deve ser incluída no tratamento personalizado do doente, com o objectivo de reduzir os sintomas, optimizar a capacidade funcional, incentivar a participação e reduzir os custos de saúde através da estabilização ou regressão das manifestações sistémicas da doença. Para Senjyu et al (1999) só a reabilitação respiratória e a adesão a OLD é eficaz na redução da velocidade do ciclo vicioso experienciado por estes doentes. Para aumentar o grau de adesão é essencial, de acordo com Esmond e Mikelsons (2005) que os profissionais de saúde tenham os conhecimentos adequados, a capacidade para motivar os doentes e realizar ensinos de qualidade, uma vez que a OLD implica uma adaptação considerável na vida do doente/família e quanto mais informados estiverem, maior é a probabilidade de adesão e a capacidade para lidar eficazmente com as alterações. Neste processo de transição, é importante envolver uma equipa multidisciplinar onde se inclui o enfermeiro de reabilitação. Este terá um papel preponderante junto do doente/ família no sentido de avaliar o grau de conhecimentos/compreensão relativos á OLD, bem como quais as expectativas face a esta terapêutica. Este profissional deve colaborar na realização da avaliação física, da avaliação funcional, do grau de dispneia e da qualidade de vida do doente, para auxiliar a seleccionar a fonte de O2 e a forma de administração mais adequada, e esclarecer sobre o procedimento para aceder aos equipamentos e materiais. É necessário educar o doente/família sobre: oxigenoterapia, cuidados específicos a ter com o material (como calcular a duração da fonte com base no consumo, como trocar os reguladores de pressão, como encher o reservatório portátil do O2 líquido, como proceder à manutenção do concentrador e dos copos de humidificação), quais as precauções de segurança relativas ao uso do O2 no que diz respeito ao fogo e á alteração da configuração da fonte de O2, quais as implicações e efeitos prováveis do aumento do débito do O2, e quais os recursos existentes na comunidade. Deverá ser proporcionado tempo aos doentes/familiares para exporem as preocupações, assegurando maior segurança e eficácia da oxigenoterapia. Deve ainda ser realizado ensino sobre a evolução da doença onde se inclua a consciencialização dos sintomas e sinais de agravamento. Outro aspecto relevante do papel do enfermeiro, é segundo Heslop e Shannon (1996), que citam Williams (1993) auxiliar o doente a repensar as rotinas diárias e a equilibrar o tempo de acordo com a energia disponível, para maximizar a capacidade funcional enquanto usa o O2. Este aspecto tem grande influência no contexto pessoal e social do indivíduo. É ainda fundamental, a aposta em estilos de vida saudáveis que fomentem a alimentação adequada e a actividade física regular, conforme refere Crisafulli et al. (2007), visto que a imobilidade e a desnutrição, leva a uma diminuição da força dos músculos respiratórios, da tolerância ao exercício e da qualidade de vida, além de predispor a infecções, que frequentemente são causa de hospitalização e de morte. 55 NOVEMBRO 2014 CIÊNCIA & TÉCNICA 56 Monitorização O grau de adesão e os benefícios para os doentes sob OLD são maiores perante uma monitorização adequada (Verduri et al., 2009). Esta deve incluir um controlo clínico e funcional nos primeiros 3 meses após a prescrição e posteriormente trimestralmente e/ou de acordo com a necessidade sentida pela equipa multidisciplinar. Rizzi et al (2009) refere no entanto, que se além desse controlo, houver um acompanhamento por uma equipa multidisciplinar através de um programa domiciliário específico, para monitorizar os doentes e o tratamento, verificar o equipamento, além de avaliar a própria situação clínica, e promover um ensino mais personalizado ao doente/família, o grau de adesão a OLD será maior, garantindo o aumento da sobrevida e um melhor status funcional. É no entanto relevante salientar que uma avaliação esporádica da SaO2 em repouso ou uma prova de marcha periódica, pode não reflectir as necessidades de O2 do doente, devido a oxigenação modificar-se ao longo das 24h. Para colmatar esta falha, encontram-se em desenvolvimento programas de monitorização contínua da oximetria no domicílio, com a finalidade de adequar os débitos de O2 às necessidades do doente na sua vida diária (Zhu et al., 2005). Um destes programas em avaliação em Portugal é o TELEMOLD, uma parceria Hospital Pulido Valente/Centro Hospitalar Lisboa Norte com uma empresa de telecomunicações, em que além da avaliação da oximetria no domicílio, avalia simultaneamente a actividade do doente e cruza ambos os dados. Essa informação é enviada automaticamente para uma base de dados, para ser consultados pela equipa multidisciplinar, monitorizando de forma mais fidedig- namente, permitindo aferir o grau de adesão de cada doente e ajustar com maior precisão a prescrição de O2, visto que a avaliação é feita durante actividades habitualmente desenvolvidas pelo doente no seu ambiente CONCLUSÃO Neste artigo pretendeu-se abordar a OLD relativamente a aspectos relacionados com a sua prescrição, escolha da fonte e dispositivos de administração, mas sobretudo focar os cuidados á pessoa/família com necessidade de OLD. Desta forma, foi realçada a importância desta terapêutica para o doente com patologia respiratória crónica, bem como da reabilitação respiratória e de estilos de vida saudáveis. É ainda referenciado o enfermeiro de reabilitação, como facilitador no seio da equipa multidisciplinar para melhorar o grau de adesão e como educador do doente/família com OLD. Foi ainda enfatizada a importância de um programa domiciliário que permita não só uma monitorização contínua para ajuste do débito de O2, mas sobretudo um acompanhamento personalizado de cada doente/família. BIBLIOGRAFIA AMERICAN ASSOCIATION FOR RESPIRATORY CARE – Oxygen therapy in the home or alternate side health care facility 2007 & update. [em linha]. In: Respiratory care. vol 52. nº1. p. 1063-1068. Acedido em 3/2/2010. Disponível em: http://www.RCJournal.com BARBARA, Cristina – Projecto TELEMOLD® no Hospital Pulido Valente. In: Respira. nº7. (2009). p.4. CASTILLO, Diego. ROSA, Guell. CASAN, Pere – Sistemas de ahorro de oxígeno. Una realidad olvidada [em linha]. In: Arch Bronconeumol. nº 43(1). (2007). p.40-45. Acedido em 7/2/2010. Disponível em: http://www.archbronconeumol.org. CIRCULAR NORMATIVA DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE Nº 4/DGCG. Programa nacional de prevenção e controlo da doença pulmonar obstrutiva crónica de 17/03/2005. 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A utilização dos diversos recursos disponíveis devem resultar numa melhor qualidade de vida para o indivíduo, tornando-o o mais independente possível no desempenho das suas actividades diárias e profissionais. ABSTRACT The amputation of a lower limb on the individual produces a permanent physical disability. Therefore, becomes necessary to implement a rehabilitation program that has as its purpose the autonomy with the recovery of locomotion by ambulation. The use of different resources available should result in a better quality of life for the individual, making it as independent as possible, in carrying out their professional and daily activities. NOVEMBRO 2014 MARIA DEOLINDA TEIXEIRA PINTO Enfermeira com Especialidade de Enfermagem de Reabilitação, CHLN - Hospital de Santa Maria 58 Palavras-Chave: Reabilitação; Amputação; Membro Inferior. Keywords: Rehabilitation; Amputation; lower limb CIÊNCIA & TÉCNICA REABILITAR A PESSOA AMPUTADA AO MEMBRO INFERIOR A perda de um membro inferior por amputação altera a função da extremidade afectada tornando a locomoção difícil, senão mesmo impossível. No entanto a amputação, embora radical e traumática para o indivíduo, pode proporcionar-lhe o alívio da dor crónica, permitindo que volte a mobilizar-se com uma prótese, melhorando a sua qualidade de vida. Neste sentido, a reabilitação tem como objetivos: - Recuperar a função do membro com controlo total do uso da prótese, - Adquirir independência nas atividades da vida diária, - Apoiar a reintegração do indivíduo no seu ambiente familiar, social e profissional Etiologia Segundo Carvalho (2003), as amputações podem ser eletivas (neoplasias, patologia vascular, sepsis…) ou de urgência (queimaduras, trauma…) São vários os níveis a que a amputação pode ser realizada. Serão referenciados os que, segundo Carvalho (2003) apresentam maior possibilidade de cicatrização, com capacidade para fazer descarga do peso do corpo e melhores condições de protetização, facilitando a recuperação funcional. Amputação de Syme: permite a descarga distal sobre o coto, possibilitando a protetização com pé mecânico. É possível a marcha sem prótese, mas neste caso há claudicação; Amputação transtibial é realizada entre a articulação tibiotársica e a do joelho. A articulação do joelho é preservada. Esta é de importância capital na reabilitação funcional, porque é a que se substitui com menos eficiência; Desarticulação do joelho - este nível, está indicado para a descarga distal, proporcionando uma maior propriocepção ao indivíduo, em virtude de o comprimento total do fémur apresentar uma boa alavanca de movimento, resultando num bom controlo da prótese. Amputação transfemoral é efectuada entre a desarticulação do joelho e a da anca e podemos dividi-la em três níveis, terço proximal, médio e distal. Desarticulação da anca – efectua-se a desarticulação de todo o membro inferior, inclusive a cabeça do fémur. REABILITAR É UM PROCESSO PRECOCE Pré-operatório Este período é fundamental porque permite que o indivíduo/família se sinta parte integrante da equipa que o vai acompanhar e logo membro pró activo no seu processo de reabilitação. Entender o que o espera no pós-operatório, permite acelerar o processo de recuperação. Quando a amputação já é uma realidade, a mudança radical da imagem corporal, pode desencadear sentimentos de perda, raiva, medo, choque e recusa (Marek, 2003). O luto pela perda de parte do seu corpo e da funcionalidade é equiparado à perda de um ente querido (Chin, 1998 p.367). A família deve ser implicada no processo até ao ponto que seja agradável para o indivíduo (Marek, 2003). Segundo Chin(1998) nesta fase o indivíduo deve ser capaz de: • Verbalizar os sentimentos sobre a amputação; 59 CIÊNCIA & TÉCNICA • • • NOVEMBRO 2014 • 60 Definir a sensação de membro fantasma, como uma sensação normal; Descrever os tratamentos que devem ser efectuados; Descrever o controlo da dor. Há medicação que pode ser disponibilizada; Identificar as metas da reabilitação. Preparação física: Deve ser construído um programa de reabilitação com o objectivo de : o Melhorar a capacidade respiratória; o Promover um coto bem cicatrizado e com boa textura da pele; o Prevenir problemas circulatórios; o Prevenir e corrigir atitudes viciosas; o Desenvolver um bom equilíbrio de marcha com canadianas; o Fortalecer os músculos do membro são e os remanescentes do membro operado; assim como braços, tronco e abdómen; o Integrar o indivíduo na vida diária. Para Cruz (1994, p.35), a anestesia e a agressão cirúrgica associadas à imobilidade no pós-operatório podem originar retenção de secreções e complicações respiratórias, bem como circulatórias e atrofia muscular, pelo que devem ser feitos ensinos sobre Exercícios respiratórios globais e seletivos com mobilização da articulação escapulo-umeral e com ênfase na fase expiratória Posicionamentos que facilitem a mobilização de secreções; Reforçar a importância da hidratação (oral se possível); Ensino da tosse e tosse dirigida. Contrações isométricas e isotónicas para as articulações residuais do membro a operar e dos restantes membros; Exercícios de força muscular dos membros superiores e abdómen com maior incidência nos extensores dos braços e depressores do ombro porque são muito importantes na marcha com andarilho, canadianas e cadeira de rodas; Exercícios de fortalecimento dos músculos abdominais e do tronco. Estes músculos são muito importantes para o equilíbrio; Exercícios para o membro são, com o objetivo de o preparar para a sobrecarga a que vai ficar sujeito após a amputação. • Adotar padrões de marcha e posturas correctas em pé e em deambulação no pós-operatório como: Equilibrar-se na perna boa, primeiro segurando-se a uma cadeira e depois sem apoio. Treinar o subir/descer escadas com canadianas; Levantar-se de uma cadeira sem apoio e ficar de pé; Treinar marcha pendular com canadianas ou nas barras paralelas com flexão do joelho do membro a amputar (para amputações abaixo do joelho). Estes exercícios de equilíbrio devem ser realizados em frente a um espelho quadriculado. Pós-operatório É importante a monitorização do doente para despistar possíveis complicações imediatas e prevenir uma incapacidade prolongada. Deve ser incentivado a fazer respirações profundas e a tossir para desobstruir as vias aéreas. Assim que estiver vigil, é feito o controlo da dor, visto que a dor severa pode afectar os sinais vitais e diminuir a capacidade inspiratória profunda comprometendo a desobstrução da via aérea e a capacidade de CIÊNCIA & TÉCNICA participar no auto cuidado (Marek, 2003). indivíduo no leito: Amputações abaixo do joelho - Em decúbito dorsal, com o membro amputado em extensão ao longo do leito e com um saco de areia sobre o joelho, para evitar a flexão deste por contractura dos músculos isquiotibiais; - Colocar um rolo de lençol ao longo da coxa para evitar a rotação externa do membro, prevenindo as contracturas a nível dos músculos rotadores externos; - Os pés da cama devem estar elevados para facilitar a circulação venosa e prevenir o edema, devendo também, fazer-se alternância de decúbitos mantendo o joelho sempre em extensão. Amputações acima do joelho - Membro em extensão e adução ao longo do leito, com saco de areia na face anterior da coxa para evitar a flexão e na face externa para evitar a abdução, prevenindo assim as contracturas dos músculos flexores e abdutores respectivamente. - Logo que possível o decúbito ventral deve ser incentivado para permitir a hiperextensão do membro residual e alongar os músculos flexores da coxa. - Os pés da cama também devem ser elevados Rodrigues (2009, p.301). Após a cicatrização, o indivíduo deve ser ensinado a cuidar do coto tendo em vista uma adaptação eficaz à prótese. - Lavar diariamente o coto com água e sabão neutro, secando-o com uma toalha fina e envolvendo-o em ligaduras. O objectivo é prevenir o edema, reduzir e moldar o coto cónicamente, dar firmeza aos tecidos moles, facilitar um bom retorno venoso, aliviar a dor e habituar o coto a permanecer tapado; - Massajar o coto com movimentos suaves e no sentido do retorno venoso para facilitar a micro circulação, diminuir o edema e deslocar aderências; - Na superfície do coto não devem ser aplicados óleos ou cremes. O objectivo é conseguir um coto bem cicatrizado, com a pele suficientemente dura para suportar o peso do corpo com a prótese; - A inspecção do aspecto da pele deve ser efectuada pelo menos duas vezes por dia, para despistar eritemas, flictenas e escoriações. Deve ser usado um espelho para observar melhor a parte posterior do coto; - A aplicação da ligadura elástica é essencial. É necessário ser resistente, com dimensões que variam conforme o nível de amputação. Acima do joelho, 6 a 7 metros de cumprimento e 15cm de largura. Abaixo do joelho, 6 metros de cumprimento e 10cm de largura. O coto deve estar em extensão e a ligadura é aplicada com firmeza, diminuindo o gradiente de pressão da parte distal para a proximal sem fazer circulares. O seu uso é permanente e é essencial incentivar o individuo à auto execução. Nesta fase é fundamental a sensibilização e motivação do indivíduo na participação do programa de reeducação. Se não houver adesão do mesmo ao programa, dificilmente conseguirá uma locomoção eficiente que lhe permita uma vida independente Para além dos exercícios já descritos, Cruz (1994) sugere ainda: Mobilizações activas e activas assistidas (com amplitude total) das várias articula- 61 NOVEMBRO 2014 CIÊNCIA & TÉCNICA 62 ções residuais do coto e dos restantes membros, para manter a mobilidade de todas as articulações, Manter e melhorar a força muscular, com exercícios isométricos e isotónicos para todos os grupos musculares, dando ênfase aos extensores do joelho (quadricípedes) ou da coxa (glúteos), abdutores e adutores. Fazer a ponte; Fortalecimento dos membros superiores (depressores do ombro e extensores do cotovelo); Fortalecimento dos músculos do tronco e abdominais, Melhorar o equilíbrio e as posturas, incentivando a execução de exercícios ensinados no pré operatório; Efectuar o levante precoce; Treino de equilíbrio sentado – corrigindo posturas; Levantar-se da cadeira sozinho e sem apoio; Treino de equilíbrio de pé com cadeiras de rodas e barras. Os vários métodos utilizados, como exercícios isométricos, dinâmicos, resistência progressiva e facilitação neuromuscular proprioceptiva, devem ser ensinados de forma que o indivíduo entenda o objectivo funcional de cada um. Ultrapassada a fase aguda, inicia-se a fase pré protésica. A prótese A colocação de uma prótese visa a substituição funcional e estética do membro, assim como diminuir o gasto de energia e minimizar o trauma do coto, pelo que apresentar características tais como, conforto, ajustamento, alinhamento e boa aparência é um fator de extrema importância. Nem todos os indivíduos reúnem condições para o uso de prótese devido a vários fatores tais como, infeção ou alterações estruturais do coto, idade avançada, doenças neurológicas graves, doença mental e senil, desorientação, doenças cardíacas graves, obesidade, problemas visuais e recusa do próprio doente (Fale et. al.,2003) Alta – AVD´s/Familia/Sociedade/Trabalho O programa de reabilitação contínuo deve permitir elaborar um plano de alta que facilite a passagem do indivíduo, agora portador de uma deficiência, a uma família/sociedade de onde veio e para onde deve regressar, não como incapacitado, mas como verdadeiramente integrado. Hoeman (2000) sugere, um modelo de planeamento da alta para o domicílio que inclua: o Dar ao indivíduo e ao cuidador a capacidade de exercer as suas competências em casa; o Permitir validar a percepção que o indivíduo e cuidador têm da capacidade deste para se desembaraçar no seu ambiente; o Levantar a moral do indivíduo/cuidador (recorrer a grupos de ajuda promove a oportunidade de se relacionarem de par para par possibilitando informação e educação) o Identificar problemas reais e possíveis que deveram ser enfrentados antes da alta; o Ajudar o profissional de reabilitação a avaliar as reais capacidades do indivíduo/ cuidador; o Elucidar a equipa de reabilitação sobre a disposição e motivação do individuo no CIÊNCIA & TÉCNICA regresso a casa, (Henderson &Pentland, 1991). Cruz, Arménio Guardado, (1994). Reabilitação do Amputado do Membro Inferior. Sinais Vitais, Nº1. CONCLUSÃO A amputação de um membro inferior produz no indivíduo uma incapacidade física permanente. Sendo assim, a utilização dos diversos recursos disponíveis devem resultar numa melhor qualidade de vida para este, tornando-o o mais autónomo possível no desempenho das suas actividades diárias e profissionais. A intenção não é só dar mais anos á vida, mas mais vida aos anos (OMS). A reabilitação será um meio de tornar possível a realização desse sonho. Diogo, Maria José D’Elboux, (Janeiro-Fevereiro, 2003). Avaliação Funcional de Idosos com Amputação de membros Inferiores. BIBLIOGRAFIA Berke, Gary, (2004), Journal of Prosthetics and Orthotics, Vol 16, Num 3S, p6. URL:http://www.oandp.org. Acedido em 27-02-2009. Chin, Patricia A., et.al. (1998), Rehabilitation Nursing Pratice. McGraw-Hill Companies. U.S.A. Carvalho, José André, (2003). Amputações de membros inferiores: em busca da plena reabilitação. (2ª Ed.). Manole. São Paulo. Rev. Latino-am Enfermagem. www.eerp.usp.br/rlaenf. Acedido em 13/11/2009. Direcção Geral de Saúde, (2001). Guia para as Pessoas Idosas. Viver com Amputação dos Membros inferiores. Falé, et al. (2003). O doente amputado do membro inferior. Sinais Vitais, 47. Figueiredo, et al. (1995), Cuidados de enfermagem ao doente amputado. Enfermagem em foco. Nº 17. Hoeman, Shirley P. (2000). Enfermagem de Reabilitação – Processo e Aplicação. Loures: Lusociência. Lawrence, W. Way, MD et. Al. . (2004). Cirurgia - Diagnóstico e tratamento. IIª Edição. Guanabara Koogan S.A. Marek, Phipps Sands. (2003). Enfermagem médico-cirúrgica, conceitos e prática clínica. Volume II, (6ª Ed.), (Capitulo 23 a 25). Loures: Lusociência. Rodrigues, Afonso Duarte, et. al. (2009). Enfermagem em ortotraumatologia. 1ª Edição. Formasau – Formação e Saúde Lda. Coimbra. Stoner, Emery K. (1986). Krusen: Tratado de Medicina Física e Reabilitação. Tratamento do Amputado da Extremidade Inferior. Terceira Edição. Editora Manole Ldª. Portal do Cidadão com Deficiência www.pcd.pt. Biblioteca. Acedido em 16/11/2009. 63 CIÊNCIA & TÉCNICA ENTRADA DO ARTIGO DEZEMBRO 2012 A INFLUÊNCIA DA ENFERMAGEM DE REABILITAÇÃO NA QUALIDADE DE VIDA DOS IDOSOS ANTÓNIO JOSÉ PINTO DE MORAIS Professor Doutor em Novos Contextos de Intervenção Psicológica em Educação, Saúde e Qualidade de Vida. Professor Coordenador na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (Orientador do trabalho) NOVEMBRO 2014 JACINTA ROSA MORAIS Enfermeira. Especialista em Enfermagem de Reabilitação, no Centro Hospitalar do Médio Tejo. 64 RESUMO Na actual conjuntura de aumento da esperança média de vida, a Enfermagem de Reabilitação constitui uma mais-valia, garantindo cuidados especializados que propiciem a autonomia e a qualidade de vida dos idosos. O interesse em conhecer a influência de Enfermagem de Reabilitação, na qualidade de vida dos idosos, em contexto comunitário, deu origem ao estudo que tem como objectivos: caracterizar a população idosa, identificar a qualidade de vida dos idosos, verificar as relações entre as variáveis sócio-demográficas, de contexto clínico e a qualidade de vida dos idosos que recorrem à Unidade de Reabilitação de Medicina Familiar, no Centro de Saúde Norton de Matos. É um estudo quantitativo, descritivo-correlacional, a amostra consiste em 45 idosos a realizar programa de reabilitação, entre 1 de Julho e 18 de Dezembro de 2009, e a colheita de dados teve por base o Questionário do Estado de Saúde SF36. No que respeita à qualidade de vida dos idosos verificou-se que após a realização do programa de reabilitação houve melhoria em praticamente todas as dimensões da qualidade de vida JOSÉ MANUEL JORGE GOMES Enfermeiro. Especialista em Enfermagem de Reabilitação, no Centro de Saúde da Madalena. MÓNICA ROSÁRIO PEREIRA Enfermeira. Especialista em Enfermagem de Reabilitação, no Centro Hospitalar do Médio Tejo. estudadas, sendo a Dor Corporal o domínio em que se constou um maior aumento do percentil de referência desde o momento da admissão até à alta. Palavras-Chave: reabilitação, idoso, qualidade de vida ABSTRACT In the current conjecture of increased life expectancy Nursing Rehabilitation is an asset, providing specialized care that foster independence and quality of life for seniors. The interest in knowing the influence of Rehabilitation Nursing, quality of life of elderly people in a community context, gave rise to the study aims to characterize the elderly population, identify the quality of life for seniors, to examine relationships between variables socio-demographic, clinical context and quality of life of elderly people who resort to the Rehabilitation Unit of Family Medicine at the Health Center Norton de Matos. It is a quantitative, descriptive, correlational, the sample consists of 45 seniors to carry out rehabili- CIÊNCIA & TÉCNICA tation program, between July 1 and December 18, 2009, and data collection was based on the Health Status Questionnaire SF-36. With regard to the quality of life for seniors found that after the completion of the rehabilitation program has improved in virtually all dimen- sions of quality of life study, and the Bodily Pain domain in which consisted a greater increase in the percentile of reference from admission to discharge. INTRODUÇÃO O envelhecimento da população é um fenómeno com tendência a aumentar com o declínio da natalidade, mas também com o aumento da esperança média de vida. Na opinião de Neves citado por Figueiredo, Araújo e Figueiredo (2006), a importância da doença, associada ao estilo de vida e ao envelhecimento da população tem tornado visível que os cuidados de saúde podem prolongar o tempo de vida e aumentar a qualidade da mesma. Para o idoso, a qualidade de vida está muito relacionada com a saúde, pois esta emerge como um conjunto de atributos associados ao bem-estar, satisfação e manutenção de condições que possibilitam manter a sua função física e mental nas actividades de vida diária, recreativas, profissionais e sociais (Henriques e Sá, 2007). Reabilitar o idoso abrange duas áreas distintas mas que se relacionam, o estimular capacidades e o recuperar habilidades perdidas, pelo estabelecimento de um programa de Reabilitação num processo dinâmico com vista o atingir uma aceitável qualidade de vida com dignidade, auto-estima e independência. Para a Direcção Geral de Saúde (2003, p. 10), “… os Centros de Saúde são, por excelência, os responsáveis pela prevenção da incapacidade e pela orientação adequada do doente”. De acordo com Hoeman (2005, p. 127), “… o exercício da Enfermagem de Reabilitação na comunidade é uma arena de eleição para prestar serviços de Reabilitação complexos aos utentes e suas famílias”. Pudemos verificar ao longo da nossa pesquisa bibliográfica, que o envelhecimento crescente, o aumento progressivo de incapacidades e a consequente diminuição da qualidade de vida das pessoas idosas leva a que os Enfermeiros desenvolvam cada vez mais a sua actividade com as mesmas. A Enfermagem de Reabilitação poderá constituir uma mais-valia nos serviços de saúde, nomeadamente em contexto comunitário, no sentido do idoso recuperar ou manter a sua autonomia. Na presente investigação pretendemos conhecer a influência de Enfermagem de Reabilitação, na qualidade de vida dos idosos, em contexto comunitário, tendo os seguintes objectivos: � Caracterizar a população idosa que recorre à Unidade de Reabilitação de Medicina Familiar, no CSNM. � Identificar a qualidade de vida dos idosos que recorrem à Unidade de Reabilitação de Medicina Familiar, no CSNM. � Verificar as relações entre as variáveis sócio-demográficas, de contexto clínico e a Keywords: rehabilitation, elderly, quality of life. 65 CIÊNCIA & TÉCNICA NOVEMBRO 2014 qualidade de vida dos idosos que recorrem à Unidade de Reabilitação de Medicina Familiar, no CSNM. Tendo as em conta o supra-referido, foram elaboradas seguintes hipóteses: � Existe uma associação significativa entre as variáveis sócio-demográficas e a qualidade de vida dos idosos constituintes da amostra; � Existe uma associação significativa entre as variáveis sócio-demográficas e a patologia incapacitante dos idosos constituintes da amostra; � Existe uma melhoria significativa positiva entre as variáveis de contexto clínico (patologia incapacitante e programa de reabilitação) e a qualidade de vida dos idosos constituintes da amostra; 66 METODOLOGIA Com a finalidade de estudar a relação entre variáveis, para conhecer a influência da Enfermagem de Reabilitação na qualidade de vida dos idosos, desenvolvemos um estudo de carácter quantitativo, descritivo-correlacional. A população correspondeu a todos os utentes com idade igual ou superior a 65 anos, que recorreram à Unidade de Reabilitação de Medicina Familiar do CSNM, no período de tempo compreendido entre 1 Julho e 18 de Dezembro de 2009. A colheita de dados realizou-se, então, nesse período de tempo, ficando a amostra constituída por 45 utentes. O instrumento de colheita de dados, composto por um Questionário de caracterização da população, pelo Questionário do Estado de Saúde SF-36 e pelo Questionário do pro- grama de Enfermagem de Reabilitação, foi utilizado em dois momentos. Num primeiro momento foi aplicado o questionário de caracterização da população e o Questionário do Estado de Saúde SF-36 (preenchido pelo utente, aquando da admissão na Unidade de Reabilitação de Medicina Familiar). No segundo momento, ou seja, aquando da alta, foi aplicado o Questionário do Estado de Saúde SF-36 e o Questionário do programa de Enfermagem de Reabilitação (preenchido pela Enfermeira de Reabilitação). As considerações ético-legais foram preocupação neste estudo pelo que incluímos, no instrumento de colheita de dados, uma folha de rosto, na qual se identificam os autores, o objectivo do estudo e se agradece a colaboração dos inquiridos. Para assegurarmos o preenchimento do instrumento, pelo mesmo utente, de forma confidencial e anónima elaborámos uma grelha de registo, através da qual se associou o nome do utente a um número, garantindo a confidencialidade dos dados e a validade dos mesmos. O estudo estatístico das variáveis foi efectuado através da utilização do programa de estatística SPSS (Statistical Package for Social Sciences), Versão 15. No tratamento de dados aplicámos as técnicas e procedimentos de estatística descritiva analítica e inferencial. Em relação à estatística descritiva calculámos frequências absolutas e percentuais, medidas de tendência central – média (M) e medidas de dispersão - desvio padrão (Dp). Relativamente à estatística inferencial utilizámos testes paramétricos (coeficiente de Pearson, teste de t de Student, para amostras emparelhadas e ANOVA) e os seus correspondentes não paramétricos (Correlação de Spearman, teste U CIÊNCIA & TÉCNICA de Mann-Whitney, teste T de Wilcoxon, teste de Kruskal-Wallis), sempre que as distribuições dos dados não asseguravam o pressuposto da normalidade (teste de Kolmogorov-Smirnov p < 0.05). Utilizámos, ainda, o teste do Qui-Quadrado para relacionar variáveis nominais e a sua alternativa, o teste de Fisher (quando os seus pressupostos não são cumpridos). Os testes foram aplicados ao nível de significância 5% (p < 0,05). Quanto à realização do programa de reabilitação confirmou-se que as técnicas mais utilizadas consistem na massagem terapêutica e no ultra-som, que são referidas em mais de 80% dos casos (Tabela 1). As mobilizações, fortalecimento muscular, calor húmido e correcção postural, também se mostraram muito frequentes, referidas por 67%, 64%, 60% e 47% dos planos de tratamento analisados. Tabela 1 - Intervenções de Enfermagem de Reabilitação APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS Caracterização sócio-demográfica da amostra A amostra recolhida é constituída por 45 utentes da Unidade de Reabilitação de Medicina Familiar com idades compreendidas entre 65 e 88 anos, perfazendo uma média de 73.22 anos de idade. Prevalece o sexo feminino representando 78% da amostra. Ao nível do estado civil, os utentes tendem a ser casados (60%) ou viúvos (31%). No que se prende com as habilitações literárias a situação mais comum consiste no nível do 1.º ciclo do Ensino Básico (68%). Ao nível da acessibilidade à Unidade, importa apontar que todos os inquiridos residiam em zona de habitação urbana. Maioritariamente, os sujeitos chegam ao serviço através de transportes públicos (49%). Caracterização do contexto clínico Verificamos que 44% dos sujeitos apresentam uma patologia incapacitante ao nível da coluna e dos membros inferiores, sendo que 38% dos casos indicaram uma patologia ao nível dos membros superiores. Importa ainda referir, que oito dos utentes que responderam ao questionário mostram mais do que uma patologia incapacitante. Percentagens Percentagens de respostas de casos Intervenções N Massagem Terapêutica 44 19,3 97,8 Ultra som 37 16,2 82,2 Mobilizações 30 13,2 66,7 Fortalecimento Muscular 29 12,7 64,4 Calor húmido 27 11,8 60,0 Correcção Postural 21 9,2 46,7 Cinesiterapia Respiratória 12 5,3 26,7 Parafina 11 4,8 24,4 Treino Marcha 8 3,5 17,8 Treino Equilíbrio 5 2,2 11,1 Reeducação Funcional 3 1,3 6,7 Actividades de Vida Diária 1 0,4 2,2 228 100,0 506,7 Total Caracterização da Qualidade de Vida As pontuações dos inquiridos, nas diferentes dimensões do instrumento foram calculadas de acordo com os procedimentos indicados no estudo elaborado por Ribeiro (2005) sobre a utilização do questionário do estado de saúde SF-36. Com base nestas referências, foi possível constatar que os idosos na admissão apresentam pontuações muito 67 NOVEMBRO 2014 CIÊNCIA & TÉCNICA baixas, relativamente à amostra padrão referida no estudo de Ribeiro (2005), ao nível do funcionamento físico (M = 58.22, Dp = 27.12), desempenho físico (M = 51.11, Dp = 47.96), dor corporal (M = 43.22, Dp = 24.17) e saúde geral (M = 47.09, Dp = 17.15), na medida que as suas pontuações localizam-se nos percentis 20 e 30. Também mostram-se em desvantagem ao nível da vitalidade (M = 55.33, Dp = 23.92) e da saúde mental (M = 62.04, Dp = 23.90), mas de forma menos severa, com as pontuações situadas no percentil 40. Importa ainda referir que a amostra mostrou-se acima da média ao nível do funcionamento social (M = 76.11, Dp = 30.01) e no desempenho emocional (M = 73.33, Dp = 41.19), em que os valores podem ser situados nos percentis 60 e 100, respectivamente (Tabela 2). Tabela 2 – Qualidade de vida no momento de admissão 68 Mínimo Máximo Média Desvio padrão Percentil de referência1 Funcionamento físico 5 100 58,22 27,12 20 Desempenho físico 0 100 51,11 47,96 30 Dor corporal 0 84 43,22 24,17 20 Saúde geral 15 82 47,09 17,15 30 Vitalidade 10 100 55,33 23,92 40 Funcionamento social 0 100 76,11 30,01 60 Desempenho emocional 0 100 73,33 41,19 100 Saúde mental 12 100 62,04 23,90 40 Dimensão Percentil de referência de acordo com o estudo de adaptação do SF-36, (Ribeiro, 2005), valores normativos para a totalidade dos participantes 1 Analisando as pontuações dos utentes no momento da alta da unidade de reabilitação, com base nos valores de referência indicados no estudo de adaptação do instrumento utilizado à população portuguesa, é possível verificar uma clara evolução nos resultados. Tal como no momento anterior, as pontuações dos inquiridos situam-se acima da média ao nível das dimensões funcionamento social (M = 85.28, Dp = 20.86) e desempenho emocional (M = 86.67, Dp = 26.27), no percentil 80, especificamente, mas é depois da intervenção da Unidade de Reabilitação que os utentes passam a pontuar acima da média também ao nível da dor corporal (M = 76.24, Dp = 21.69) e vitalidade (M = 68.64, Dp = 15.90). No mesmo sentido, verifica-se que os utentes passam a ter pontuações medianas quando comparadas com a população geral ao nível da saúde mental (M = 57.16, Dp = 15. 05). Variáveis sócio-demográficas e a Qualidade de Vida Com o objectivo de testar a associação entre a idade e a qualidade de vida utilizámos o coeficiente de Pearson, que tem como objectivo testar e descrever a força e o sentido da relação entre duas variáveis contínuas (Fortin, 1999). No momento da admissão apenas foi identificada uma relação pertinente entre a idade e as dimensões da SF-36. A idade encontra-se moderadamente correlacionada com as pontuações ao nível do funcionamento físico (r = -.32, p < 0.05) e do funcionamento social (r = -.30, p <0 .05). No que diz respeito ao funcionamento físico, este integra 10 itens (3a ao 3j da escala SF-36), definindo-se como baixo quando o utente se avalia como muito limitado na realização de todas as actividades físicas (correr, andar, levantar pesos, ajoelhar-se, abaixar-se, aspirar a casa, tomar banho ou vestir-se). Esta dimensão encontra-se elevada quando o utente realiza todos os tipos de CIÊNCIA & TÉCNICA Tabela 3 – Coeficientes de correlação de Pearson entre idade e as dimensões do SF-36 no momento de admissão Funcionamento físico Desempenho físico Dor corporal Saúde geral Vitalidade Funcionamento social Desempenho emocional Saúde mental R -,324* -,078 -,279 -,250 -,193 -,303(*) -,010 -,109 P ,030 ,612 ,064 ,098 ,204 ,043 ,947 ,475 N 45 45 45 45 45 45 45 45 Idade actividade física, incluindo os mais exigentes. Relativamente ao funcionamento social, esta dimensão comporta 2 itens (6 e 10 da escala SF-36), em que níveis baixos se associam a problemas físicos e emocionais, que interferem de forma extrema e frequente com as actividades sociais normais (relacionamento com família, vizinhos, entre outros). Em níveis elevados, o utente realiza as actividades sociais normais sem que problemas físicos ou emocionais interfiram. Ambos os coeficientes mostram-se negativos (Tabela 3), indicando que idades mais elevadas se associam a piores índices de qualidade de vida ao nível das duas dimensões. Pode-se assim concluir que existe uma correlação negativa estatisticamente significativa entre a idade e a qualidade de vida, nas dimensões funcionamento físico, funcionamento social no momento da admissão. Variáveis sócio-demográficas e a patologia incapacitante Para analisar a associação entre algumas variáveis sócio-demográficas e a patologia incapacitante, utilizámos o teste do Qui-Quadrado e o Teste de Fisher. Os resultados parecem indicar que a manifestação da patologia na coluna, nos membros inferiores e nos membros superiores não dependem do sexo, estado civil, habilitações literárias ou do tipo de transporte utilizado dos utentes. A média de idade dos utentes com patologia incapacitante na coluna ou nos membros superiores não é significativamente diferente dos utentes sem patologia incapacitante na coluna ou nos membros superiores, respectivamente. Em contrapartida, os utentes com patologia nos membros inferiores tendem a ser mais velhos (M = 75.05, Dp = 4.42; t(43) = -2.106, p < .05) do que os utentes sem patologia desse tipo (M = 71.76, Dp = 5.75). Constatámos assim, que se verifica apenas uma relação estatisticamente significativa entre uma variável sócio-demográfica e a patologia incapacitante. Variáveis de contexto clínico e a Qualidade de Vida Um outro objectivo por nós delineado consiste no estudo da relação entre as variáveis clínicas e os resultados do questionário SF-36. Neste sentido, procurou-se perceber o impacto da patologia incapacitante nas várias dimensões que integram a qualidade de vida. Tínhamos pois, a intenção de individualmente compreender de que forma as várias dimensões que constituem a escala SF-36 influenciava os utentes com determinada patologia incapacitante em estudo. 69 CIÊNCIA & TÉCNICA Tabela 4 – Comparação entre as dimensões de SF-36, entre o momento de admissão e o momento de alta médica *teste T de Wilcoxon Dimensão Funcionamento físico Desempenho físico Dor corporal NOVEMBRO 2014 Saúde geral 70 Vitalidade Funcionamento social Desempenho emocional Saúde mental Média Desvio padrão Teste p Antes 58,22 27,12 -3,571 0,001 Depois 68,00 22,40 Antes 51,70 48,34 -3,749* 0,000 Depois 78,41 32,17 Antes 43,22 24,17 -11,976 0,000 Depois 76,24 21,69 Antes 47,09 17,15 -4,399 0,000 Depois 57,16 15,05 Antes 55,00 24,09 -4,923 0,00 Depois 68,64 15,90 Antes 76,11 30,01 -2,564* 0,010 Depois 85,28 20,86 Antes 73,33 41,19 -2,518* 0,012 Depois 86,67 26,97 Antes 62,82 23,60 -4,385 0,000 Depois 73,18 18,25 Porém , não se verificou nenhuma relação estatisticamente significativa entre a patologia incapacitante em particular e as respectivas dimensões da escala SF-36. Os resultados parecem assim sugerir que a patologia incapacitante, não distingue o nível qualidade de vida entre os utentes da Unidade. No prosseguimento da presente análise, procurou-se perceber se o programa de reabilitação teria impacto na qualidade de vida dos inquiridos. Nesse sentido, compararam-se as dimensões da escala SF-36 entre o momento da admissão na Unidade de Reabilitação e o momento da alta. De acordo com os resultados encontra- dos, foram encontradas diferenças significativas entre os dois momentos. Em todas as dimensões verifica-se que as pontuações dos idosos no momento da alta são sempre superiores às do momento da admissão. A sua análise demonstra que p < 0.05 para todas as dimensões de escala SF-36, ou seja, existem diferenças significativas após a realização do programa de reabilitação. Conclui-se que existe uma relação estatisticamente significativa entre o programa de reabilitação e a qualidade de vida. Constatámos que embora em todas as dimensões haja um aumento das médias, realça-se o facto de na dimensão dor corporal se veri- CIÊNCIA & TÉCNICA ficar uma maior diferença entre as médias (antes do programa de reabilitação = 43,2 e depois = 76,24). Efectivamente o programa de reabilitação realizado na Unidade de Reabilitação parece melhorar o estado de saúde, e consequentemente, o nível de qualidade de vida dos utentes (Tabela 4). DISCUSSÃO DOS RESULTADOS A primeira hipótese formulada – “Existe associação significativa entre as variáveis sócio-demográficas (idade; sexo; estado civil; habilitações literárias e meio de transporte utilizado até ao Centro de Saúde) e a qualidade de vida dos idosos constituintes da amostra” Entre todos os procedimentos aplicados, apenas foi identificada uma relação estatisticamente significativa entre a idade e algumas dimensões da qualidade de vida. Verificámos assim, uma correlação negativa estatisticamente significativa entre a idade e as dimensões funcionamento físico e funcionamento social no momento da admissão à Unidade de Reabilitação, indicando que os utentes com idade superior a 74 anos possuíam níveis mais baixos de qualidade de vida. Assim os nossos resultados corroboram a bibliografia consultada (Pereira e Santos, 2008), que referem o crescente envelhecimento da população acarreta o aumento de situações incapacitantes, com problemas de dependência e/ou défice funcional, o que requer suporte tanto a nível social, familiar como a nível da saúde. Tendo em conta que a capacidade funcional do indivíduo diminui com a idade, Ferreira (2007) realça a necessidade de estabelecer programas de reabilitação que visem melhorar as capacidades na pessoa idosa e consequente melhoria da qualidade de vida. A bibliografia consultada aponta que o envelhecimento da população torna evidente que os cuidados de saúde podem não salvar vidas, mas prolongam o tempo de vida e/ou aumentam a qualidade de vida da mesma (Neves citado por Figueiredo, Araújo e Figueiredo, 2006). Tal como refere Spirduso (2005) o envelhecimento da população pode ter como consequência o aumento da incidência e da prevalência de doenças degenerativas, que predispõe o idoso a uma qualidade de vida muito baixa. Quanto à segunda hipótese – “Existe associação significativa entre as variáveis sócio-demográficas e a patologia incapacitante dos idosos constituintes da amostra” É de salientar que ao analisar a relação entre as variáveis sócio-demográficas e a patologia incapacitante, esta não se revelou significativa, excepto no que concerne à idade. Os resultados parecem assim, indicar que a manifestação da patologia na coluna, nos membros inferiores e nos membros superiores não dependem do sexo, estado civil, habilitações literárias ou do tipo de transporte utilizado dos utentes. No caso da idade, os utentes com patologia nos membros inferiores tendem a ser mais velhos. O envelhecimento leva a um aumento gradual de determinadas doenças crónico-degenerativas que podem conduzir à incapacidade. Lopes (2007) refere que as doenças crónicas afectam cerca de dois terços das pessoas com mais de 65 anos. Ao longo do processo de envelhecimento, são maioritariamente acometidas as articulações que sofreram mais trabalho e carga, 71 NOVEMBRO 2014 CIÊNCIA & TÉCNICA 72 como sejam as articulações do joelho e coxo-femural. No que respeita à terceira hipótese – “Existe uma melhoria significativa positiva entre as variáveis de contexto clínico (patologia incapacitante e programa de reabilitação) e a Qualidade de vida dos idosos constituintes da amostra” Constata-se que a patologia incapacitante especificamente não influência a qualidade de vida entre os utentes que recorrem à Unidade de Reabilitação, uma vez que os resultados não têm significado estatístico. De acordo com a bibliografia consultada (Spirduso, 2005), o alargamento da esperança média de vida levou a um aumento da incidência e a prevalência de doenças crónicas e degenerativas o que predispõe os idosos a um baixo nível de qualidade de vida. Pode-se afirmar que existem diferenças significativas da qualidade de vida, entre os dois momentos (admissão e alta). Em todas as dimensões avaliadas, as pontuações dos sujeitos aquando da alta são sempre superiores às pontuações no momento da admissão o que nos leva a acreditar que a intervenção da Unidade de Reabilitação melhora o estado de saúde, e consequentemente o nível de qualidade de vida dos utentes que recorrem à referida unidade. De realçar ainda, que a dimensão dor corporal foi a que apresentou maior destaque com o programa de reabilitação, entre o momento da admissão e alta. Este resultado é extremamente positivo, na medida em que, consensualmente, qualidade de vida e dor admitem interpretações combinadas com múltiplas variáveis biopsicossociais. Respostas individuais à dor revelam que ela não pode ser considerada como um simples fenómeno de estimulo-resposta. Mais do que isso, a sua compreensão na doença crónica deve ser sempre considerada. Segundo Silva e Pazos (2005), a dor crónica é a segunda causa de procura pela assistência médica que aliada à dor do aparelho locomotor são as mais rebeldes ao tratamento, portanto, as estratégias terapêuticas devem adaptar-se às situações dos utentes, aos seus receios e conceitos, considerando os desapontamentos com resultados insatisfatórios anteriores. O sofrimento crónico modifica o inter-relacionamento familiar e social e favorece a instalação de depressão, ansiedade e desespero, agravando o estado geral e a qualidade de vida. As autoras supracitadas, referem ainda que um melhor conhecimento da influência da dor na qualidade de vida permitirá” incorporar na avaliação integral do indivíduo critérios de direccionamento terapêutico. Conhecer e tratar a dor devem ser uma preocupação daquele que se propõe a cuidar do paciente crónico” (Silva e Pazos, 2005, p. 375). De encontro a este resultado, podemos aferir que no caso da reabilitação geriátrica atendendo a que as alterações relacionadas com a idade são muitas vezes progressivas, é exigida aos enfermeiros especialistas, uma atenção especial no que diz respeito ao planeamento dos cuidados. Este deve fornecer intervenções precoces e rápidas, de maneira a promover a maior independência possível ao longo do continuum dos cuidados. Desta forma, muitas das ameaças às capacidades funcionais e à qualidade de vida podem ser evitadas ou minimizadas. Efectivamente, o programa de reabilitação realizado na Unidade de Reabilitação parece melhorar o estado de saúde, e consequentemente, o nível de qualidade de vida dos utentes. CIÊNCIA & TÉCNICA Fundamentando esta análise, os autores como Costa (2005) e Loureiro et al. (2007) referem a importância de diferentes intervenções específicas de Enfermagem de Reabilitação junto dos idosos, no sentido de promover condições favoráveis ao equilíbrio físico e cognitivo do idoso. Neste sentido, é prevenido um envelhecimento patológico, maximizando as capacidades funcionais e consequentemente a autonomia da população idosa. CONCLUSÃO Atendendo aos resultados obtidos e à sua discussão, podemos retirar algumas conclusões e deixar algumas sugestões, as quais julgamos pertinentes para um apoio mais eficaz, tendo em vista a melhoria da qualidade de vida dos idosos. Desta reflexão de índole prática identificámos as seguintes conclusões: Relativamente à caracterização da população: A população estudada é maioritariamente do sexo feminino (77,8%); Quanto à idade da população estudada 62,2 % situa-se entre os 65 e os 74 anos; No que respeita ao estado civil, constatamos que 60 % estão casados sendo que 31,1 % já se encontram viúvos; Já no que se refere à zona de habitação identificámos que a grande maioria dos sujeitos (97,8 %) reside em meio urbano e a distâncias menores a 5 Km do Centro de Saúde; Relativamente à acessibilidade constatámos que a maioria dos idosos utiliza o transporte público (48,9 %) para se deslocar até ao Centro de Saúde, sendo que (33,3 %) da população desloca-se a pé. • No que respeita à situação do contexto clínico é de referir que: Verificámos que 44% dos sujeitos apresentam uma patologia incapacitante ao nível da coluna e dos membros inferiores, 38% dos casos uma patologia ao nível dos membros superiores. Oito dos utentes mostram mais do que uma patologia incapacitante; Das Intervenções utilizadas no Programa de Reabilitação concluímos que a massagem terapêutica foi utilizada em 44 dos 45 idosos incluídos no estudo. Outras intervenções com considerável percentagem de utilização foram o ultra - som (82,2%), mobilizações (66,7%), fortalecimento muscular (64,4 %) e aplicação de calor húmido (60%). No que se refere à qualidade de vida relacionada com o contexto clínico: Um dado verificado é que após a realização do Programa de Reabilitação houve melhoria em praticamente todas as dimensões da qualidade de vida estudadas, sendo que o domínio em que se constou um maior aumento do percentil de referência desde o momento da admissão até à alta terá sido na dor corporal que no final do tratamento apresenta um percentil de 100. Cruzando as variáveis sócio-demográficas e a patologia incapacitante: Constatou-se ausência de significado estatístico, à excepção da idade. Os utentes com patologia nos membros inferiores tendem a ser mais velhos. Depois de reflectirmos sobre os resultados obtidos, julgamos que o nosso trabalho ficaria enriquecido se a amostra fosse maior. No entanto importa referir que a aplicação da escala SF-36 em dois momentos, não per- 73 NOVEMBRO 2014 CIÊNCIA & TÉCNICA 74 mitiu abranger mais utentes para o tempo estabelecido para a colheita de dados. Contudo, reconhecemos que o papel do enfermeiro especialista em reabilitação poderá ser preponderante na dinâmica dos serviços de saúde, tendo por consequência uma melhoria de cuidados de saúde na comunidade (Mendes e Ribeiro, 2007). Assim, numa tentativa de encontrar formas de melhorar a saúde e a qualidade de vida dos idosos, através da Enfermagem de Reabilitação, sugerimos que: • Seria importante que os enfermeiros de reabilitação explorassem a visita domiciliária, como estratégia de intervenção e apoio junto dos idosos; • Deveria ser coordenado o horário de trabalho dos cuidadores informais, com o horário do programa de reabilitação no sentido de maximizar o envolvimento destes no processo adaptativo dos utentes. Por outro lado, como a procura de novos saberes constitui não só relevância para o desenvolvimento da profissão, mas também e essencialmente, beneficio para aqueles que recebem os cuidados, pensamos que seria vantajoso futuramente: • Testar a influência de determinada intervenção de Enfermagem de Reabilitação na independência funcional e qualidade de vida dos idosos; • Realizar um estudo de abordagem qualitativa pelo método fenomenológico analisando vivências dos idosos durante o programa de reabilitação efectuado pelo enfermeiro especialista. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COSTA, Maria Arminda (2005) – Cuidados de enfermagem aos idosos: percursos de formação e de investigação. IN: PAÚL, Constança; FONSECA, António M. – Envelhecer em Portugal. Lisboa: Climepsi Editores, p. 255-279. DIRECÇÃO GERAL DA SAÚDE (2003) – Rede de referenciação hospitalar de medicina física e de reabilitação. Lisboa: Direcção de Serviços de Planeamento, 68 p. ISBN 972-675-093-8. FERREIRA, Tânia P. 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PUB NORMAS DE PUBLICAÇÃO A Revista Sinais Vitais publica artigos sobre a área disciplinar de enfermagem, de gestão, educação, e outras disciplinas afins. Publica também cartas ao director, artigos de opinião, sínteses de investigação, desde que originais, estejam de acordo com as normas de publicação e cuja pertinência e rigor técnico e científico sejam reconhecidas pelo Conselho Científico. A Revista Sinais Vitais publica ainda entrevistas, reportagem, notícias sobre a saúde e a educação em geral. A Publicação de artigos na Revista SINAIS VITAIS dependerá das seguintes condições: 1. Serem originais e versarem temas de saúde no seu mais variado âmbito; 2. Ter título e identificação do (s) autor (es) com referência à categoria profissional, instituição onde trabalha, formação académica e profissional, eventualmente pequeno esboço curricular e forma de contacto; 2.1. Os autores deverão apresentar uma declaração assumindo a cedência de direitos à Revista Sinais Vitais; 3. Ocupar no máximo 6 a 8 páginas A4, em coluna única, tipo de letra Arial 11, versão Microsoft Word 2003, ou OpenDocument Format (ODF). 4. Serem acompanhadas de fotografia do (s) autor (es), podendo ser do tipo passe ou mesmo outra; 5. Terão prioridade os trabalhos gravados em CD ou submetidos por e-mail acompanhados de fotografias, ilustrações e expressões a destacar do texto adequadas à temática. As fotografias de pessoas e instituições são da responsabilidade do autor do artigo. Os quadros, tabelas, figuras, fotografias e esquemas devem ser numerados e a sua legenda deve ser escrita numa folha e de fácil identificação; 6. Os trabalhos podem ou não ser estruturados em capítulos, sessões, introdução, etc.; preferindo formas adequadas mas originais. 6.1. Devem obrigatoriamente ter lista bibliográfica utilizando normas aceites pela comunidade científica nomeadamente a Norma Portuguesa, NP4051(1994); 6.2. Todos os trabalhos deverão ter resumo com o máximo de 80 palavras e palavra-chave, que permitam a caracterização do texto; 6.3. Os artigos devem ter título, resumo e palavras-chaves em língua inglesa. 7. São ainda aceites cartas enviadas à direcção, artigos de opinião, sugestões para entrevistas e para artigos de vivências, notícias, assuntos de agenda e propostas para a folha técnica, que serão atendidas conforme decisão da Direcção da Revista. 8. A Direcção da revista poderá propor modificações, nomeadamente ao nível do tamanho de artigos; 9. As opiniões veiculadas nos artigos são da inteira responsabilidade dos autores e não do Conselho Editorial e da Formasau, Formação e Saúde Lda, editora da Revista Sinais Vitais, entidades que declinam qualquer responsabilidade sobre o referido material. 9.1. Os artigos publicados ficarão propriedade da revista e só poderão ser reproduzidos com autorização desta; 10. A selecção dos artigos a publicar por número depende de critérios da exclusiva responsabilidade da Revista Sinais Vitais e bem assim, a decisão de inclusão do artigo em diferentes locais da revista; 11. Somente se um autor pedir a não publicação do seu artigo antes de este estar já no processo de maquetização, é que fica suspensa a sua publicação, não sendo este devolvido; 12. Terão prioridade na publicação os artigos provenientes de autores assinantes da Revista Sinais Vitais. 13. Os trabalhos não publicados não serão devolvidos, podendo ser levantados na sede da Revista. 14. Os trabalhos devem ser enviados para [email protected]