Artigo 6 Nulidade Sentença Incongruente

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Artigo 6 Nulidade Sentença Incongruente
NULIDADE DA SENTENÇA INCONGRUENTE*
Vallisney de Souza Oliveira
INTRODUÇÃO
Sabe-se que a sentença precisa estar em harmonia com a demanda, sob pena de
decretação de nulidade pelo juízo recursal.
É a regra geral prevista no CPC vigente, que prestigia sobremodo o princípio da
congruência, conforme se pode assinalar: art. 128: “O juiz decidirá a lide nos limites em
que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a
lei exige a iniciativa da parte”; art. 293: “Os pedidos devem ser interpretados
restritivamente”; art. 459: “O juiz proferirá a sentença, acolhendo ou rejeitando, no todo ou
em parte, o pedido formulado pelo autor” e parágrafo único: “Quando o autor tiver
formulado pedido certo, é vedado ao juiz proferir sentença ilíquida”. Art. 460, caput: “É
defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como
condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado”.
Porém, o mesmo Código que impõe a regra geral acrescenta exceções, tais como nas
tutelas específicas da obrigação de fazer, nas ações possessórias, nas ações cautelares, na
jurisdição voluntária, entre outros casos.
De todo modo, ainda são válidos os aforismos de que a sentença deve ser exarada
conforme o libelo, vedando-se o julgamento citra, ultra ou extra petita, impondo-se ao
julgador o dever de enfrentar exata e suficientemente o pedido das partes.
1. PETIÇÃO INICIAL
A demanda, ato de incoação do processo, é de suma importância para a atuação
jurisdicional, pois com ela tanto se estabelece a relação entre as partes e o juiz, quanto se
delimita a atividade do julgador.
A petição inicial tem como conteúdo o pedido (ou pretensão), daí sua importância
para os advogados que devem formulá-la, expressando a vontade do jurisdicionado, seu real
escopo perante o Estado visando à resposta do juiz.
O pedido é a pretensão projetada para o processo e inserida na petição inicial e tem
a força de se ligar à parte conclusiva da sentença numa espécie de vínculo, que não pode ser
dasatado, sob pena de nulidade do julgamento.
Ao formular o pedido o demandante demonstra qual é a providência da justiça que
pretende ver realizada e, como não pode o órgão judicial omitir-se nem julgar acima ou fora
do que fora demandado, os limites dessa pretensão devem ser obedecidos.
2. CONTESTAÇÃO
No processo civil, a demanda proposta e veiculada na petição inicial enseja ao réu
defender-se por meio da chamada contestação e também da exceção processual.
Além disso, o demandado pode propor a reconvenção e pelo fato de se tratar de
ônus seu, não responder ou ainda reconhecer a postulação do autor.
A contestação, como atitude mais comum da defesa, implica na oposição à
demanda, mediante apresentação de argumentos fáticos e jurídicos, processuais e de mérito,
visando a obstar o pedido do autor.
Consoante a sistemática adotada no art. 300 do CPC, a defesa pode ser processual e
substancial, ou seja, ter conteúdo de ordem processual (preliminares) e referir-se ao mérito
(litígio).
Quanto ao mérito, permite-se ao réu fazer sua defesa direta, sob a alegação de não
reconhecer os fatos alegados pelo autor. Mas, mesmo que os reconheça, pode negar os
efeitos jurídicos apontados na inicial. E ainda conquanto reconheça os fatos e os efeitos
jurídicos, concomitantemente pode deduzir outros fatos aptos a extinguir, modificar ou a
impedir o direito do demandante, daí a relevância da contestação a ser feita pelos
advogados, que devem usar a técnica de bem resistir e levantar a controvérsia para ensejar
ao seu cliente com uma eficaz defesa.
3. PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA
Por princípio processual compreende-se um conjunto de preceitos criado pelo
próprio ordenamento jurídico, de fundamental importância e influência para a tomada de
rumos do direito, para ensejar o aprimoramento judicial, para solução de problemas
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jurídicos, bem como para servir de guia nos caminhos do processo, da jurisdição, da ação e
da defesa.
Segundo o princípio da congruência, o juiz não pode deixar de analisar a parte
objetiva da demanda. Ou seja, não é lícito ao magistrado conceder bem maior ou estranho
ao pedido, não lhe cabe omitir-se quanto às questões fáticas suscitadas no momento
apropriado nem se omitir de decidir com base na causa de pedir ou no pedido deduzido.
Portanto, pelo princípio da correlação, concede-se liberdade ao julgador apenas
dentro dos contornos da lide, cabendo-lhe, destarte, apreciar as questões argüidas e,
também, se sua análise na sentença chegar até tal estágio, examinar o pedido veiculado na
demanda.
O julgador, mesmo dotado de amplos poderes processuais, nem pode omitir-se de
apreciar, na sua inteireza, o que foi pedido, nem julgar acima ou diferente do bem
demandado, porque, mesmo dentro do processo, à parte incumbe indicar a matéria a ser
julgada e exigir o enfrentamento judicial sobre a questão controvertida.
Alerte-se, porém, que apesar de o julgamento limitar-se ao pedido e às questões
fáticas suscitadas, não está o juiz vinculado necessariamente à fonte legal invocada pelas
partes, nem mesmo às questões meramente jurídicas levantadas por elas.
Em síntese, por princípio da congruência entenda-se aquele ditame delimitador da
atividade do órgão judiciário em relação ao pedido, compreendido este também como
mérito, já que a sentença não pode descarrilar nem parar no caminho e nem ir além da via
traçada pela vontade do jurisdicionado.
4. SENTENÇA NULA
A sentença é ato do juiz unipessoal que encerra uma etapa de primeiro grau, com
julgamento do processo ou da lide propriamente dita. Tal provimento jurisdicional
conclusivo da primeira fase de primeiro grau se faz em atenção aos fatos e ao direito
produzidos anteriormente.
Na elaboração desse importante ato jurisdicional, mediante a análise das questões
fáticas e jurídicas suscitadas, o julgador volta-se tanto para o pedido introduzido na petição
inicial, quanto para a causa de pedir apresentada pelo autor e contraposta pelo réu, bem
como para os óbices processuais, levantados pela parte interessada ou verificados
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diretamente pelo órgão julgador. Daí a necessidade da inafastável fundamentação da
sentença e um comando de dispositivo preciso.
Se o magistrado não der atenção ao pedido alojado na inicial e às questões
levantadas pelo réu na contestação, a sentença poderá sofrer a sanção de nulidade pelo
órgão revisor, por violar a relação entre a sentença e o pedido da parte, imposta pela
legislação processual.
Na sua sentença, então, o juiz deve analisar toda a lide com o cuidado necessário para
não julgar ultra, extra ou citra petita.
A sentença, por ser ato primordial para a prestação da jurisdição, se viciada pode
gerar incerteza, insegurança e injustiça, com o inevitável descrédito para os cidadãos do
serviço jurisdicional.
A decisão em desconformidade com o pedido se enquadra na categoria de nulidade
(por ultra, extra ou citra petita), porque, além de violar princípios processuais, malfere os
importantes preceitos constantes dos arts. 128, 459 e 460, do CPC, antes descritos.
A sentença ultra petita arranha o princípio constitucional do contraditório e o direito
ao devido processo legal, a passo que a decisão citra petita é incongruente por violar a
regra, também de esteio constitucional, de que nenhuma lesão poderá deixar de ser
apreciada pelo Judiciário (princípio da indeclinabilidade do julgamento). Por fim, a sentença
extra petita infringe simultaneamente todos esses princípios citados, sobretudo o do
contraditório.
5. JULGAMENTO ULTRA PETITA
Na incongruência ultra petita o órgão jurisdicional concede mais do que o
reclamado. Decide o pedido, mas vai além para julgar o que não foi pedido.
Segundo o art. 461 do CPC, o órgão julgador fica proibido de condenar o réu em
quantidade superior ao que foi demandado. A sentença ultra petita desrespeita essa regra,
porquanto o juiz resolve por conta própria, seja por equívoco, seja intencionalmente, conceder
mais do que foi postulado.
Por exemplo, se o autor pediu a condenação do réu em mil reais, não é lícito ao juiz
condená-lo
em
soma
superior.
Também, se o magistrado deferir o pedido imediato além do efeito postulado, como na
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hipótese de pedido de mera declaração de inexistência da dívida e a sentença, acolhendo tal
pretensão, ainda determinar a repetição do indébito em favor do autor, naturalmente advirá o
vício do decisum ultra petita.
A congruência, como já se assinalou, compreende toda a demanda. Por conseguinte
será ultra petita a sentença que acrescentar fatos essenciais não alegados pelas partes aos
deduzidos por elas e julgar com base naqueles.
6. JULGAMENTO EXTRA-PETITA
Sentença extra petita é aquela concessiva de bem diverso do pedido, sem que o juiz
tenha apreciado a pretensão do demandante. Nessa espécie de incongruência o juiz outorga
algo que não foi pedido pelas partes. O juiz abstém-se de decidir quanto ao pedido e no
lugar deste decide acerca de coisa diversa, não pretendida.
Segundo o art. 460 do CPC, é vedado ao juiz proferir sentença de natureza diversa da
pedida ou em objeto diverso do que foi demandado.
Como regra, a decisão final do juiz de primeiro grau precisa ter a mesma natureza do
pedido, de modo que, v.g., se o pedido imediato é constitutivo, não pode o efeito da sentença
ser condenatório. O objeto deve também ser o mesmo, pois se o autor pede a condenação em
a, não pode o juiz conceder b.
A nulidade por extra petição decorre da sentença incongruente por haver desprezado e
até mesmo alterado o pedido, mediato ou imediato.
Além disso, se o juiz considerar outra causa de pedir (fatos essenciais), com desprezo e
omissão dos fatos suscitados pelas partes, advirá o mesmo fenômeno, partindo-se do
pressuposto de que o termo pedido, agora empregado, abrange também a causa de pedir.
O acréscimo de fundamento fático decisório, com desprezo à lide, apesar da simetria
com o pedido, causará tanto a infringência ao preceito da correlação (com a causa de pedir,
mais especificamente), como a violação ao princípio do contraditório, bem assim com o da
indeclinabilidade do julgamento (do qual decorre a necessidade de plenitude da decisão).
Por conseguinte, se o juiz apreciar outros fatos que não os cogitados nos autos,
considerando que tais fatos não constavam do processo e se ao mesmo tempo desprezar
aqueles essenciais, invocados na inicial e/ou na defesa, a conseqüência é idêntica:
incongruência por desvio de julgamento e por infração ao contraditório e à plenitude.
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Se o acréscimo dos fatos gerar a modificação do pedido (pretensão) haverá defeito por
resposta diversa da pedida e por desvio de atenção (exame de questões fáticas essenciais de
outra lide). Por conseguinte, e com muito mais razão, deve ser declarada nula a sentença por
incongruência extra petita.
Inexistirá julgamento fora do pedido se não ocorreu mudança ou consideração de fatos,
mas apenas decisão com base em fundamento jurídico diverso do apresentado pelas partes,
porque neste caso nada se inovou, tão-somente o juiz usou de sua liberdade de convicção na
aplicação do direito, mesmo porque iura novit curia.
7. JULGAMENTO CITRA PETITA
A sentença citra petita é aquela que não aprecia toda a demanda objetiva, violando
também o poder-dever de julgar. Na incongruência citra petita o juízo abstém-se de apreciar
acerca de algum ou alguns dos pedidos e, portanto, concede menos do que postulado. Tal
decisão se sujeita à declaração de nulidade, especialmente pelo fato de, em princípio, não
poder o órgão recursal analisar aquilo que não foi objeto de apreciação pelo juiz singular, sob
pena de supressão de instância.
O julgamento aquém ou abaixo do pedido malfere o art. 128 do CPC, também
enunciado da congruência.
Se a omissão for total existirá na verdade transgressão ao princípio da
indeclinabilidade da jurisdição, pelo fato de que nenhum pronunciamento foi exarado, ao
passo que na omissão decisória parcial há jurisdição deficiente e negação parcial do poder
judicial de decidir.
Na sentença citra petita, que também pode derivar de total ou de parcial omissão, o
juiz se abstém de examinar pedido fixo, ou alternativo ou um ou mais dos pedidos cumulados,
ou deixa sem exame fato constitutivo ou extintivo de direito (mais precisamente, decisão citra
causa petendi), advindo então a incongruência omissiva da parte dispositiva em face da lide.
Da mesma maneira, ocorrerá o aludido vício de julgamento na falta de pronunciamento
quanto à denunciação da lide, à reconvenção, à ação declaratória incidental, etc., bem como
quando se remete à fase de liquidação a sentença que deveria ser líquida.
Observe-se, porém, que, se o juiz rejeita um pedido principal, naturalmente não
ocorrerá julgamento citra petita se deixar de apreciar pedido sucessivo, uma vez que fica
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implícita a improcedência do último, até por aplicação dos princípios processuais da economia
e da finalidade.
Não ocorrerá a invalidade por citra petita na circunstância em que, tratando-se de
pedidos alternativos, o juiz acolher um deles e deixar de apreciar o outro, já que a
alternatividade implica caber ao juiz a escolha de uma ou outra pretensão, com razoável
aumento de sucesso em razão da ampliação da demanda.
Ocorrerá incongruência omissiva se, em pedidos contrapostos, o juiz deixar de
examinar o pedido do réu. Em se tratando de ações dúplices a situação é diversa, em razão de
já está implícito o pedido do réu. Nas demandas com tais características, a rejeição do pedido
do autor acarreta a concessão automática e natural, mesmo sem pedido, do bem jurídico ao
demandado.
Segundo o parágrafo único do art. 459, o juiz fica proibido de proferir sentença
ilíquida quando o autor tiver formulado pedido certo. Assim, na hipótese de pedido
determinado, incidirá em julgamento citra petita o juiz que profere sentença genérica e
determina a apuração do quantum em liquidação de sentença, uma vez que deveria ter
esgotado a prestação jurisdicional, de acordo com a vontade do demandante sobre bem
específico.
8. RECURSOS
O vício da falta de correspondência deve ser reconhecido e reparado pelo órgão
recursal, seja invalidando totalmente a sentença, seja aproveitando parte dela, em atenção a
princípios processuais, especialmente os que envolvem todo o sistema processual de
nulidade.
A sentença incongruente é passível de ser atacada pelos embargos de declaração e
pela apelação e ainda pelos demais recursos cabíveis nos tribunais, como o próprio recurso
especial para o Superior Tribunal de Justiça.
Mesmo em remessa obrigatória, a nulidade da decisão viciada por incongruência pode
ser decretada de ofício.
Quanto ao tratamento dado à sentença ultra petita, em regra o tribunal, por economia
processual, evita declarar a nulidade da sentença. Sendo possível, como se dá quase sempre,
apenas adequa a decisão aos limites reputados exatos. Reduz-se o excesso para conformar a
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sentença à real pretensão do interessado, aproveitando-se, por força dos princípios da
instrumentalidade e da economia, a parte não eivada de vício.
O referido posicionamento é unânime na doutrina e nos tribunais, inclusive quanto à
incongruência do acórdão em relação ao recurso. Destarte, a correção da sentença ultra
petita é feita pelo próprio tribunal recorrido, que não a declara inválida; tão-somente corta o
excesso.
Esse mesmo aproveitamento não se dá, em regra, na hipótese de sentença inquinada
dos outros dois vícios de incongruência antes referidos.
Quanto à sentença citra petita, o efeito devolutivo do recurso, no qual o tribunal pode
apreciar todas as questões, mesmo não decididas, possibilita ao órgão ad quem preencher,
apenas em situações excepcionais, a lacuna e decidir questões omitidas pelo julgador, ou seja,
em caso de apreciação deficiente da matéria por este. Mas geralmente, aplica-se o comando da
nulidade.
Observe-se, porém, que, quando a omissão ocorreu quanto a um dos pedidos
cumulados, o tribunal não precisa anular toda a sentença. Cabe-lhe remeter os autos de
volta ao juízo de origem apenas para se proceder à apreciação do pedido não examinado.
Quanto à parte da sentença em que o juiz decidiu o outro pedido, não há o que anular,
porque continua válido.
No caso da sentença extra petita, o tribunal geralmente anula todo o decisório. Nesse
caso, simplesmente o juiz se omite quanto ao pedido, para julgar outro, por isso a nulidade do
julgamento é inafastável.
Os embargos declaração, para o mesmo órgão prolator da sentença, servem para
sanar irregularidades formais no julgamento, sendo a medida recursal correta, pois atende
ao princípio da economia processual, para reparar julgamento citra, extra e ultra petita,
com a extração da omissão, da contradição ou da obscuridade.
A apelação é o recurso próprio para atacar qualquer espécie de incongruência no
tribunal recorrido. O pedido do recorrente será o de declaração de nulidade da sentença por
vício formal de julgamento, com os fundamentos expostos em um capítulo recursal próprio.
O princípio da congruência impõe ainda a proibição da reformatio in pejus, pois o
tribunal não pode dar mais do que se solicitou ou ir além do âmbito da devolução.
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Em recurso especial, nos termos do art. 105, inc. III, da CF, o Superior Tribunal de
Justiça pode apreciar as decisões acerca da matéria julgada em grau de recurso pelos
Tribunais Regionais Federais, Tribunais de Justiça, e do Tribunal do Distrito Federal e
Territórios. As hipóteses mais comuns que dão ensejo ao recurso especial são a de
contrariedade decisória à lei federal (art. 105, III, a, da CF) e também divergência
jurisprudencial (art. 105, II, c, CF), especialmente no que se refere aos dispositivos
constantes dos arts. 128 e 460 do CPC.
Ao anular o acórdão, o STJ devolve a matéria para que se faça novo julgamento; se
essa declaração de nulidade atingir a sentença, o órgão de primeiro grau deverá prolatar
outra, dessa vez sem incorrer no vício da incongruência. Aquele tribunal superior
examinará ainda a incongruência do acórdão dos tribunais acima citados para verificar se
ocorreu descompasso entre a vontade recursal e a decisão da autoridade redecisória,
podendo nesse caso manter, por via oblíqua, a sentença anulada.
Para que se possibilite a interposição do recurso especial, porém, é necessário que o
recorrente faça o devido prequestionamento do assunto nas vias ordinárias (geralmente
embargos de declaração e apelação).
Por fim, como o princípio da congruência está assentada em lei ordinária (CPC),
não existe, em princípio, questão constitucional a ser ventilada, razão pela qual não se
inclui nas hipóteses de recurso extraordinário para o STF.
9. EXCEÇÕES
O princípio da congruência, bem como os demais, não tem incidência absoluta. O
sistema processual brasileiro admite expressamente algumas exceções, nas quais em regra a
incongruência está autorizada por lei e, portanto, o órgão não incorrerá no vício decisório
ultra, extra ou citra petita.
Em face de recentes inovações, os arts. 461 e 461-A autorizam ao juiz adotar
providências
assecuratórias
do
resultado
prático
equivalente
ao
adimplemento,
liminarmente ou na sentença, em caso de impossibilidade da concessão daquelas tutelas
específicas da obrigação ou de necessidade de dar mais eficácia para a entrega do bem da
vida ao vencedor.
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Adotando o que se pode denominar de tutela alternativa, sem que tenha sido pedida,
naturalmente o juiz estará desviando-se do princípio da congruência, embora com o uso de
medida equivalente à tutela inicialmente buscada.
Se depois de decorrido o procedimento, ficar difícil, inadequada ou impossível a
concessão da tutela específica, da forma como foi demandada, ao julgar o mérito em favor
do autor, o juiz pode afastar a correlação entre a sentença e o pedido mediato para deferirlhe outro bem jurídico.
Por conseguinte, se a parte pede que o réu faça m ou entregue a coisa p, é lícito ao
julgador, sem incidir em violação ao princípio da congruência, determinar que o réu faça n
ou entregue a coisa q, ou seja, tutela diferente da pleiteada.
Aliás, se o juiz pode impor, segundo a exegese desses dispositivos, tutela
equivalente à específica mesmo na oportunidade do cumprimento (execução) da sentença,
com muito mais razão pode concedê-la no momento de sua prolação.
Outra exceção reside no art. 7o da Lei n. 8.560, de 29 de dezembro de 1992:
“Sempre que na sentença de primeiro grau se reconhecer a paternidade, nela se fixarão os
alimentos provisionais ou definitivos do reconhecido que deles necessite”.
Portanto, mesmo diante da omissão do autor em demanda de investigação de
paternidade, o juiz, ao julgar procedente o pedido, sem agir indevidamente com ultra
petição, pode conceder os alimentos definitivos na sentença.
Mais uma excepcionalidade se encontra no art. 920 do CPC, do seguinte teor: “A
propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do
pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela, cujos requisitos estejam
provados".
Assim, tratando-se de demandas possessórias há a possibilidade de o juiz receber
uma em lugar de outra, apreciando, por exemplo, o pedido de manutenção como sendo de
reintegração e vice-versa.
Ainda no CPC, nas ações cautelares existe a possibilidade de serem tomadas
medidas adequadas para assegurar o direito em perigo, no âmbito do poder de cautela
previsto no art. 798 do CPC. Medida mais adequada não implica necessariamente entregar
outro bem jurídico, ou coisa em quantidade maior ou menor, do que a pretendida, razão
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pela qual a mudança ocorrerá mais em relação ao pedido imediato do que propriamente ao
mediato.
Por isso, a exceção ao princípio da congruência residirá no deferimento pelo juiz de
outro bem jurídico necessário para garantir a efetividade do processo principal, dentro do
escopo de instrumentalidade e de acessoriedade do processo cautelar.
Consoante o art. 293 do CPC os pedidos devem ser interpretados restritivamente,
com exceção dos juros legais, com o que se estende a ressalva dessa norma também para a
correção monetária dos débitos judiciais, que não constituem um plus, mas simples
atualização da moeda.
Ademais, mais uma exceção ao princípio da congruência encontra-se ainda no CPC.
O seu art. 290 dispõe que, “quando a obrigação consistir em prestações periódicas,
considerar-se-ão elas incluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do
autor; se o devedor, no curso do processo, deixar de pagá-las ou de consigná-las, a sentença
as incluirá na condenação, enquanto durar a obrigação”.
Outra exceção relacionada com o direito material ocorre nas obrigações alternativas
(art. 288 e seu parágrafo único do CPC). Havendo pedido formulado quando a natureza da
obrigação determinar o cumprimento da prestação de mais de um modo e ficar estipulado
que essa escolha é do devedor, o juiz poderá afastar o princípio da congruência entre a
sentença e o pedido feito na inicial. Irá dispor na sentença que julga procedente o pedido,
acrescentando a tutela obediente à obrigação alternativa.
A regra da congruência entre a sentença e o pedido não precisa ser aplicada na
chamada jurisdição voluntária, que admite solução judicial mais adequada aos fatos
expostos, sem necessidade de o juiz ter de seguir, rigorosamente, nem a simetria entre a
sentença e o pedido nem a convenção dos interessados, ex vi dos preceitos da eqüidade e do
livre convencimento motivado, admitidos, neste caso, pelo sistema.
Destarte, segundo o art. 1.109 do CPC, “o juiz decidirá o pedido no prazo de 10
(dez) dias; não é, porém, obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar
em cada caso a solução que reputar mais conveniente ou oportuna".
Finalmente, no caso de colusão, ou melhor, na hipótese de falsidade na contenda
para obtenção de fim ilegítimo, dispõe o art. 129 do CPC: “Convencendo-se, pelas
circunstâncias da causa, de que o autor e o réu se serviram do processo para praticar ato
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simulado ou conseguir fim proibido por lei, o juiz proferirá sentença que obste aos
objetivos das partes”.
Diante dessa hipótese, ao magistrado incumbe não deferir aquilo que se pediu, nem
dar atenção àquilo que foi objeto de defesa. Pode deixar de solucionar a lide em
conformidade com as pretensões das partes, para julgar de acordo com o direito e com os
escopos do processo, entre os quais, a pacificação social, a segurança jurídica e a justiça,
bens jurídicos de que as partes coludentes, de fato, não necessitam.
Em suma essas são as principais exceções ao princípio da congruência entre a
sentença e o pedido no sistema processual brasileiro.
CONCLUSÃO
É importante que o Judiciário preste a efetiva e a devida tutela de direitos, razão
pela qual o princípio da congruência se assenta na vontade do jurisdicionado.
Por isso que á assente que a falta de congruência entre a sentença e o pedido
contrapõe-se à devida solução da lide e ao mesmo tempo viola os princípios do contraditório,
da indeclinabilidade do julgamento, entre outros.
No entanto, diante de um volume de desigualdades econômicas, políticas e sociais
de toda a ordem, ao juiz é deferido o importante papel de balancear a forma legal com os
anseios de justiça.
De qualquer modo, uma sentença congruente realiza direitos com segurança. Porém,
apesar da necessidade de se evitar os vícios de julgamento ultra, extra e citra petita,
conforme estabelece rigidamente o CPC, as exceções cumprem o importante papel de
equilíbrio entre os princípios processuais referentes ao processo e à jurisdição.
* Publicado no site www.saraivajur.com.br/doutrina/artigos, 15.03.2004. OLIVEIRA,
Vallisney de Souza.
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