Livro Parto Normal - Instituto Brasileiro Para Estudo e

Transcrição

Livro Parto Normal - Instituto Brasileiro Para Estudo e
Os 20 capítulos deste livro, no todo ou em partes, podem ser reproduzidos
para fins educacionais e de pesquisa, desde que sejam dados os devidos créditos aos autores. Porém, é vedada sua comercialização, nos termos da Lei
dos Direitos Autorais, Lei 9.610/98.
Ficha catalográfica
Seminário BH pelo Parto Normal
Coordenação
Sônia Lansky
Miriam Rego de Castro Leão
Apresentação
Seminário BH Pelo Parto Normal
Sumário
Paradoxo perinatal brasileiro: mudando paradigmaspara a redução da mortalidade materna e neonatal
Abertura
Entre os do
diasSeminário
19 e 23 de. .......................................................11
agosto de 2008 foi realizado, em Belo
Horizonte, o Seminário BH Pelo Parto Normal – Paradoxo perinatal bra1. Parto
e nascimento
no mundo
Confesileiro:
mudando
paradigmas para
a reduçãocontemporâneo:
da mortalidade materna
e neonatal.rência
O evento,
financiadodo
pelo
Departamento
de Ciência
Tecnologia
de abertura
Seminário
BH pelo
PartoeNormal
do Ministério
da
Saúde
/
Organização
Pan-americana
de
Saúde
(OPAS),
Michel Odent.............................................................................13
foi promovido pela Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de Saúde
de 2.
Belo
Horizonte
e contou com
o apoio das seguintes
instituições:
AgênOficina
I: Aumento
da prematuridade
no país:
melhoria
cia Nacional de Saúde Suplementar, Associação Brasileira de Enfermagem
de acesso à tecnologia ou prematuridade evitável?
Obstétrica; Associação Médica de Minas Gerais; Frente Parlamentar de
Saúde da Mulher da Assembléia Legislativa de Minas Gerais; Hospital
2.1. Aumento da prematuridade no país: melhoria de acesso à tecSofia Feldman; Instituto Brasileiro para o Estudo e o Desenvolvimento
nologia ou prematuridade evitável? Lacunas para a pesquisa e dido Setor de Saúde (IBEDESS); Rede FHEMIG; Rede Unidas; Secretaria
vulgação para a assistência
do Estado da Saúde de Minas Gerais; Sindicato dos Médicos; Socieda Maria do Carmo Leal................................................................23
de Mineira de Ginecologia e Obstetrícia; Sociedade Mineira de Pediatria,
Academia Mineira de Pediatria e demais parceiros do Movimento BH pelo
2.2. Aumento da prematuridade - prematuridade evitável?
Parto Normal.
Alicia Matijasevich.....................................................................29
O objetivo do Seminário BH Pelo Parto Normal foi socializar
informações e experiências por meio do debate entre os participantes e
2.3. Nascimento pré-termo: melhoria de acesso à tecnologia ou iaapontar estratégias e ações, orientando a produção do conhecimento e as
trogenia evitável?
políticas públicas nos temas em questão.
Antônio Augusto Moura da Silva4............................................31
Durante quatro dias, profissionais de saúde, pesquisadores e gestores de todo o país, mulheres, profissionais de comunicação e demais in 2.4. Nascimento pré-termo e baixo peso ao nascer em Ribeirão Preto
teressados discutiram o modelo e a qualidade da assistência obstétrica e
Marco Antônio Barbieri.............................................................33
neonatal. Além das exposições dos/as convidados/as, todos os participantes
contribuíram com reflexões e sugestões no sentido de contribuir para uma
3. Oficina
II: Evitabilidade
de óbitos
melhor
assistência
obstétrica em nosso
País e infantis
enfrentareaperinatais
grave situação
relativa aos índices alarmantes e crescentes de ceariana.
Classificação
das principais
causas de mortalidade
neonatal
3.1.
Esta
publicação reúne
tanto as exposições
do Seminário
BH Pelo
no
Brasil
Parto Normal quanto as considerações e recomendações - a “Carta de BH”
Elisabeth
França.
- elaboradas
a partir
das........................................................................35
discussões entre os participantes, e pretende con-
tribuir
3.2.
ao avanço
O quanto
necessário
a vigilância
e urgente
dos óbitos
rumo infantis
à qualificação
pode contribuir
da atençãona
obstétricamelhoria
e neonatal,
da qualidade
redução dadamorbi-mortalidade
informação e da assistência:
materna, fetal
a experiêne infantil
no Brasil
cia do
e aoRecife
parto autônomo e prazeroso.
Paulo Germano de Frias.............................................................44
3.3. Resultados do Comitê BH-Vida: Comitê de Prevenção do
Óbito Infantil e Fetal de Belo Horizonte
Sônia Lansky
Isabel Triani................................................................................49
Mônica Maia
Miriam Rego de Castro Leão
3.4. Rede Norte-Nordeste de Saúde Perinatal
Álvaro Jorge Madeiro Leite........................................................51
3.5. Mortalidade infantil em São Luis, Maranhão
Antônio Augusto Moura da Silva..............................................53
3.6. Mortalidade infantil e perinatal evitável
Alicia Matijasevich.....................................................................54
4. Oficina III: Experiências de redução da mortalidade materna
4.1. Trajetória dos Comitês de Prevenção da Mortalidade Materna
do Paraná
Vânia Muniz Nequer Soares.......................................................59
4.2. A experiência do Comitê Estadual de Pernambuco no enfrentamento da mortalidade materna
Sandra Valongueiro....................................................................64
4.3. Morte Materna – Experiência do Comitê de Prevenção de
Óbitos BH Vida
Rosangela Durso Perillo.............................................................68
5. Oficina IV: Práticas baseadas em evidências científicas
no parto e nascimento: experiências no setor público e
privado
5.1. Parto Normal está no meu Plano: Movimento da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em favor do Parto Normal
Cláudia Soares Zouain...............................................................72
5.2. Experiência do Setor Privado
Stella Safar Campos...................................................................75
5.3. Maternidade do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina
Marcos Leite..............................................................................77
5.4. A experiência do Hospital Sofia Feldman
Ivo de Oliveira Lopes.................................................................81
5.5. Práticas baseadas em evidências científicas no parto e nascimento: a experiência da Maternidade Risoleta Tolentino Neves
Patrícia Pereira Rodrigues Magalhães........................................84
5.6. Experiência do Hospital Maternidade Leonor Mendes de
Barros
Corintio Mariani Neto...............................................................87
6. Mesa Redonda: Atenção Obstétrica e Neonatal
6.1. Pacto Nacional de Redução da Morte Materna e Neonatal
Regina Viola...............................................................................89
6.2. Políticas Públicas na Atenção ao Recém-Nascido
Elsa Regina Giugliani................................................................95
6.3. Parto Normal está no meu Plano: Movimento da Agência
Nacional de Saúde Suplementar em favor do Parto Natural
Alexia Luciana Ferreira............................................................100
7. Mesa Redonda: A cessariana desnecessária em questão:
evidências científicas e experiências das mulheres
7.1. Riscos da cesariana sem indicação precisa
Alicia Matijasevich...................................................................106
7.2. Estudo(s) sobre parto cesáreo indesejado
André Junqueira Caetano.........................................................109
8. Mesa Redonda: Assistência no parto e nascimento: modelo humanístico e as práticas baseadas em evidências
científicas
8.1. Cesarianas nas maternidades do Rio de Janeiro
Marcos Dias.............................................................................116
8.2. Experiência das mulheres em rede
Ana Cristina Duarte................................................................120
8.3. Direitos reprodutivos e sexuais e integridade corporal no parto
Simone Grilo Diniz.................................................................123
8.4. Atenção humanizada ao recém-nascido
Zeni Carvalho Lamy................................................................130
9. Oficina V: Roda de Conversa: Valorização do parto e
nascimento como evento fisiológico – o papel da mídia e
a experiência das mulheres................................................138
10. Considerações e Recomendações: Seminário BH pelo
parto normal – “Carta de BH”
10.1. Oficina I - Aumento da prematuridade no país: melhoria de
acesso à tecnologia ou prematuridade evitável?.........................140
10.2. Oficina II – Evitabilidade dos óbitos infantis e fetais......143
10.3. Oficina III – Experiência de Redução da Mortalidade
Materna....................................................................................146
10.4. Oficina IV- Práticas Baseadas em evidências científicas no
parto e nascimento: experiências no setor público e privado.....149
10.5. Oficina V – Roda de Conversa - Valorização do parto e nascimento como evento fisiológico: o papel da mídia e a experiência
das mulheres.............................................................................151
11. Mesa redonda
• Políticas públicas de atenção obstétrica e neonatal
• A Cesariana desnecessária em questão: evidências científicas e a experiência das mulheres.................................153
12. Mesa redonda - Assistência no parto e nascimento: modelo humanístico e as práticas baseadas em evidências
científicas ..............................................................................155
Seminário BH pelo Parto Normal
Abertura do Seminário
Abertura do Seminário
19 de agosto de 2008 – 19 horas
Associação Médica de Minas Gerais
Mesa de Abertura
Secretário Municipal de Saúde de Belo Horizonte
Dr. Helvécio Magalhães
Presidente da Associação Médica de Minas Gerais
Dr. José Carlos Vianna Colares Filho
Presidente do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais
Dr. Cristiano Gonzaga da Matta Machado
Presidente do Conselho Municipal de Saúde
Paulo Carvalho
Presidente do Conselho da Criança e do Adolescente
Lúcia Helena de Santos Junqueira
Presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher
Isabel Cristina de Lima
Coordenadoras do Seminário BH pelo Parto Normal
Sônia Lansky e Miriam Rego de Castro Leão
10
11
Seminário BH pelo Parto Normal
1. Parto e nascimento no mundo contemporâneo: Conferência de abertura do Seminário BH pelo Parto Normal
1. Parto e nascimento no mundo contemporâneo:
Conferência de abertura do Seminário BH pelo
Parto Normal
Michel Odent1
Não podemos começar essa Conferência sobre “Parto e nascimento no mundo contemporâneo” sem nos referirmos aos inúmeros avanços
técnicos e científicos que vão, sem dúvida, influenciar e acelerar a história
do parto e nascimento. Temos que mencionar como as técnicas de cesárea
foram, recentemente, simplificadas. Hoje, devido ao trabalho em especial
do professor Michael Stark, de Berlim, é possível fazer uma cesárea em
20 minutos. Quando eu fiz minha primeira cesárea, há meio século, nós
precisávamos de uma hora, e isso acelerado. A técnica foi dramaticamente
simplificada. Talvez, possivelmente, é mais seguro que já mais foi. A cesárea
é simples e rápida, mas é muito difícil avaliar a segurança da cesárea porque
precisamos levar em consideração a razão pela qual a cesárea foi feita. Por
exemplo, se o critério para avaliar a segurança da cesárea é o óbito materno,
você tem que levar em consideração o motivo pelo qual a cesárea foi feita
ao invés de avaliar a técnica por si só.
No caso de uma apresentação pélvica, a termo, uma nova doutrina
em praticamente todos os lugares do mundo é oferecer uma cesárea eletiva
programada na 39ª semana de gestação, antes do trabalho de parto. Temos
à nossa disposição hoje estudos de grandes séries temporais de cesáreas
todas realizadas pela mesma razão: apresentação pélvica a termo. Em um
estudo canadense publicado em 2007 que incluía 46 mil cesáreas a termo
em apresentação pélvica não houve nenhum óbito materno. Teria sido inacreditável isso, mesmo há 20 anos atrás.
Quando falamos de parto e nascimento, hoje, precisamos olhar esse
ponto da virada da história da humanidade. Podemos dizer que hoje a cesárea é uma operação fácil, rápida e segura. Temos que aprender a formular
questões novas. No mês que vem um livro será publicado, uma coletânea
com vários autores, cujo organizador é Michael Sark, o pai da nova técnica
fácil, veloz e segura de cesárea. Ele me pediu para escrever os últimos dois
capítulos do livro. O objetivo do livro, publicado originalmente em alemão,
é discutir, formular novas questões dentro de um novo contexto. No novo
contexto em que estamos, se levarmos em consideração somente os critérios
Obstetra, Diretor do Primal Health Research Center, Londres
1
12
13
Seminário BH pelo Parto Normal
convencionais de avaliar a prática da obstetrícia – morbidade e mortalidade
perinatal e a relação custo e benefício – seria aceitável oferecer cesárea para
todas as mulheres grávidas. A questão do momento é que, ao mesmo tempo
em que existem tais avanços técnicos, existem outros avanços científicos
oferecidos por disciplinas fora do campo da medicina que sugerem novos
critérios para avaliar as práticas da obstetrícia e a arte de partejar.
Por exemplo, hoje, devido a um braço da epidemiologia, temos um
acúmulo de dados seguros sugerindo que a forma como nós nascemos tem
conseqüências duradouras por toda a vida. Na realidade essa é a razão para
a base de dados estabelecida no nosso centro de pesquisa em Londres, onde
nós coletamos na literatura científica e médica todos os estudos explorando
as conseqüências em longo prazo de como começamos nossa vida. Essa
perspectiva sugere que precisamos aprender a pensar no longo prazo, pois
até agora nós só pensamos no curto prazo. Os resultados nos fazem pensar,
por exemplo, que a forma como a mulher deu à luz pode influenciar a qualidade e a duração da amamentação. Também estamos aprendendo como
a flora intestinal é importante, e nossa saúde depende da interação entre a
flora intestinal e nosso sistema imunológico. A flora intestinal se estabelece
imediatamente após o nascimento, mas quais são os primeiros micróbios
que o bebê vai encontrar? Já que o recém-nascido tem os mesmos anticorpos IgG da mãe, faz uma grande diferença o bebê encontrar primeiro os
germes transmitidos e carregados pela mãe, germes já conhecidos e familiarizados pelo bebê, ou se ele vai ser colonizado imediatamente por germes
de fora, não conhecidos pela mãe. Temos que levar em consideração esse
critério, já que a nossa saúde depende muito de como nossa flora foi estabelecida desde o começo da nossa vida fora do útero.
Como seres humanos, diferentes de outros mamíferos, precisamos
incluir outras dimensões para pensar como os bebês nascem, considerando
a civilização. Quando você estuda o parto de outros mamíferos, você pensa
apenas no nível individual. Seja como for o parto, quando você prejudica
o processo de nascimento de um mamífero não-humano, o efeito é que a
mãe não cuida do recém-nascido. Por exemplo, no caso das ovelhas, se você
interrompe o parto, a mãe simplesmente não vai aceitar o bebê. No ser humano é mais complexo, tudo é diluído pelo meio cultural. Então, no futuro,
é possível pensar que todos os bebês pudessem nascer pela via abdominal.
Por outro lado, várias disciplinas científicas nos informam que temos boas
razões, mudando os critérios de avaliação, para tentar redescobrir as necessidades básicas da mulher em trabalho de parto e do bebê recém-nascido.
14
1. Parto e nascimento no mundo contemporâneo: Conferência de abertura do Seminário BH pelo Parto Normal
Eu uso a palavra “redescobrir” porque é uma tarefa difícil entender essas
necessidades depois de milhares de anos de controle cultural do processo
de nascimento, com rituais e com a interferência no processo de nascimento em todas as sociedades. Para redescobrir as necessidades básicas da
mulher em trabalho de parto e dos bebês recém-nascidos, não temos um
modelo cultural para isso. Precisamos perceber o que podemos aprender
no presente a partir de uma disciplina básica que é a fisiologia. Podemos
aprender muito quando pensamos como cientistas que estudamos a fisiologia.
Assim, vou tentar resumir como poderemos explicar, no contexto
científico atual, quais as necessidades básicas da mulher em trabalho de
parto e dos bebês recém-nascidos a partir de dados fornecidos por fisiólogos e influenciados por minha própria experiência de estar envolvido com
parto desde 1953, em maternidades, hospitais e parto domiciliar. Quando
falo como fisiologista, também me sinto influenciado pela minha experiência pessoal. Eu sugiro quatro pontos que facilmente explicam e nos ajudam
a redescobrir as necessidades básicas da mulher em trabalho de parto e do
bebê recém-nascido.
O primeiro ponto é lembrar que a ocitocina, principal hormônio do
parto, é especial quando nós consideramos as condições de sua liberação.
A ocitocina é necessária para a contração uterina e é o principal hormônio
do amor. A ocitocina é o hormônio-chave no processo de nascimento, mas
a ocitocina é especial quando consideramos a condição para sua liberação,
porque depende de fatores ambientais para sua liberação. Uma forma fácil
de resumir é dizer que a ocitocina é um hormônio tímido. Se entendermos
esse ponto, podemos explicar tudo. Podemos comparar a ocitocina com
uma pessoa tímida que não aceita se mostrar para estranhos e observadores,
evita se mostrar. Da mesma forma é a ocitocina, um hormônio tímido, e
isso é algo que nos esquecemos com relação ao parto? Nós até entendemos
o papel do ambiente na liberação da ocitocina em outras situações que não
o parto, como na relação sexual, e que você não tem como fazer amor em
qualquer ambiente. Em todas as sociedades que conhecemos as pessoas
precisam de privacidade para fazer amor, e isso já foi observado por antropólogos mesmo em culturas com sexualidade precoce ou livre. Há uma
regra universal na qual casais sempre se isolam para a relação sexual, como
se soubessem que a ocitocina é um hormônio tímido.
Com relação ao parto, podemos dizer que os mamíferos humanos
não conhecem essas regras em termos de explicá-las com palavras, mas
15
Seminário BH pelo Parto Normal
comportam-se de uma maneira tal que mostra que as pessoas entendem o
que é importante: que a ocitocina é um hormônio tímido. Todos os mamíferos têm uma estratégia de não serem observados no momento do parto.
E quanto ao parto em seres humanos? Parece que houve uma fase, na história da humanidade, nas culturas pré-alfabetizadas e não literárias, em que
as mulheres se separavam do grupo e iam para o mato na hora do parto,
comportando-se como outros mamíferos, como se soubessem que a ocitocina é um hormônio tímido. Em sociedades mais sofisticadas, as mulheres
se separavam do grupo, mas iam para uma cabana especial ou uma área
separada do grupo. Parece, entretanto, que em todas as sociedades em que
as mulheres se separavam do grupo para dar à luz, elas não ficavam muito
longe de suas mães ou de uma mulher com experiência que as protegiam
contra a presença de animais ou de algum homem. Essa, provavelmente, é
a origem da parteira. Nós não temos timidez com relação à nossa mãe e o
hormônio aceita aparecer na sua presença. É importante perceber que uma
parteira é sempre, ou normalmente, uma figura materna.
Depois disso tivemos uma socialização cada vez maior do parto.
O papel das parteiras mudou e em muitas sociedades ela deixou de ser a
mãe protegendo a mulher em trabalho de parto e gradualmente se tornou
uma agente do meio cultural, transmitindo crenças e rituais, funcionando
como uma guia e dizendo à mulher o que precisava ser feito. Às vezes um
guia invasivo, apertando o abdômen ou realizando outras atividades. E em
uma outra fase da socialização do parto as mulheres passaram a dar à luz
no local onde viviam, ou seja, o parto domiciliar é recente na história da
humanidade, e é um novo passo na socialização do parto e na nossa falta de
compreensão da ocitocina como um hormônio tímido.
Depois chegou o século XX e a história nesse período passa muito
rápido. Na maior parte das sociedades, até então, o controle do processo
de nascimento se dava via o meio cultural e era feito, principalmente, por
crenças e rituais. Em meados do século XX surgiu algo novo: teorias consideradas científicas – mas que representaram um passo para amplificar a
nossa falta de compreensão da ocitocina como um hormônio tímido – e
que direta ou indiretamente influenciaram a maior parte das escolas de
parto natural, como a teoria de reflexos condicionais e da psico-profilaxia.
A idéia na origem dessas teorias é de que a dor no parto não era fisiológica
e sim cultural, um reflexo condicionado. Desta forma, as mulheres precisavam ser recondicionadas e ensinadas a como dar à luz, como respirar, como
apertar, o que levou à introdução de pessoas adicionais na cena do nasci-
16
1. Parto e nascimento no mundo contemporâneo: Conferência de abertura do Seminário BH pelo Parto Normal
mento. Tais teorias abriram o espaço para a idéia de que, durante o parto, a
mulher precisa de um guia, de alguém que lhe diga como respirar ou como
fazer força. Em inglês, usa-se inclusive o termo “coach”, ou seja, um treinador para ajudar no parto. Isso faz parte da nossa história da incompreensão
da ocitocina como um hormônio tímido.
Até recentemente era compreendido que a ocitocina seria menos
tímida no ambiente feminino comparado ao masculino e, embora o parto
já venha sendo socializado há milhares de anos, os homens quase sempre estavam excluídos da cena. Mas houve um passo novo na metade do
século XX, que foi a masculinização da cena do parto. Além de cada vez
mais médicos se especializaram em obstetrícia, subitamente, na década de
1970, havia uma nova doutrina do pai participando do processo de parto.
Também foi o momento em que as máquinas eletrônicas e a alta tecnologia
foram introduzidas na cena do parto. Ou seja, o ambiente do nascimento
se tornou altamente masculino, o que foi um outro passo nesse processo de
socialização do parto.
Recentemente há ainda uma nova fase: uma epidemia de vídeo.
Hoje é fácil fazer um vídeo e no movimento do parto natural ficou comum filmar o nascimento. Quando olhamos esses vídeos é quase sempre a
mesma história: você vê uma mulher dando à luz cercada de três ou quatro
pessoas, observando, além da câmera. E isso tem sido chamado de parto
natural porque a mulher está na banheira, ou está de cócoras ou está de
quatro, mas o ambiente é tão não natural quanto possível. Quem olha acha
que parto natural significa parto domiciliar ou na banheira, e deixam de
perceber o que era importante: a ocitocina é um hormônio tímido. Isto é
algo que precisamos redescobrir em todas as fases do parto, mas particularmente na fase logo após o nascimento do bebê. Este é o momento quando
a mãe tem a capacidade de liberar os níveis mais altos de ocitocina, mais
do que durante o parto, mais do que durante o orgasmo, mais do que em
qualquer outra situação. Esse pico de ocitocina é vital e necessário para
que haja um pós-parto sem sangramento. Além disso, por ser a ocitocina o
hormônio do amor, é importante saber que o maior pico de sua liberação
ocorre imediatamente após o nascimento do bebê. Uma vez que a ocitocina
é um hormônio tímido, é preciso pensar: o que torna possível esse pico de
ocitocina? Hoje esse pico é praticamente impossível de acontecer porque
a condição para ele ocorrer é o contato pele-a-pele com o bebê, que a mãe
pudesse olhar nos seus olhos, sentir seu cheiro, sem qualquer distração. Mas
os cientistas tornaram isso impossível com as crenças e práticas de separar
17
Seminário BH pelo Parto Normal
o bebê da mãe após o parto. Isso é prejudicial. Da mesma forma, o colostro,
que o bebê busca quase imediatamente após o parto, mas que para achá-lo
precisa estar nos braços da mãe.
O segundo ponto a ser lembrado é bastante simples quando consideramos as ncessidades da mulher em trabalho de parto. Quando nós,
os mamíferos, liberamos adrenalina, não conseguimos liberar ocitocina. A
adrenalina é o hormônio da emergência, e os mamíferos a liberam em certas situações: quando estão assustados, ou com frio, ou com medo. Ou seja,
para o parto a mulher precisa se sentir segura sem se sentir observada; e
há o antagonismo adrenalina-ocitocina. Existem vários dados científicos
que não estão digeridos ou integrados à prática obstétrica, e esse é um bom
exemplo. Há livros sobre parto natural que comparam dar à luz com correr
uma maratona, e o conselho para a mulher em trabalho de parto é uma
alimentação rica em carbohidratos. Entretanto, esse tipo de recomendação
é inaceitável no contexto científico atual, uma vez que o pré-requisito para
que o parto ocorra adequadamente é um baixo nível de adrenalina para
garantir que os músculos voluntários estejam em repouso, relaxados, ou
seja, não necessitem de glicose, é o oposto de correr uma maratona. Esse
tipo de recomendação além de ser contraproducente, pode ser até perigoso.
Nós aprendemos com os estudos da década de 1980 que glicose e açucares
durante o parto é perigoso, soro com glicose na veia é um fator de risco
para icterícia e hipoglicemia no recém-nascido, pois o bebê é inundado
com glicose, mas a insulina materna não atravessa a placenta. Esse é só um
exemplo para mostrar como dados científicos simples, como o antagonismo ocitocina-adrenalina, não são bem divulgados e disseminados.
O terceiro ponto necessário para redescobrir as necessidades básicas de mulheres em trabalho de parto é aquele que faz os seres humanos
especiais. Os seres humanos têm mais propensão para partos difíceis, em
comparação com outros mamíferos e outros primatas. Uma das razões da
dificuldade humana no período do trabalho de parto advém do nosso grande neo-córtex, o cérebro novo, o cérebro do intelecto. Nós humanos somos
chipanzés com grandes neo-córtex. Mas por que o grande neocórtex é uma
deficiência durante o processo de parto? Porque durante o processo de parto, ou de uma experiência sexual, as inibições vêem do neo-córtex.
Se olharmos uma mulher em trabalho de parto do ponto de vista
do fisiólogo, nós vamos ver que a parte primitiva do cérebro, uma estrutura
arcaica chamada hipotálamo, é a mais ativa durante o trabalho de parto. O
fluxo de hormônios que a mulher tem que liberar para o trabalho de parto
18
1. Parto e nascimento no mundo contemporâneo: Conferência de abertura do Seminário BH pelo Parto Normal
vem dessa parte profunda e primitiva do cérebro. Ao mesmo tempo, vamos
conseguir visualizar as inibições vindo do neo-córtex. Mas a natureza achou
uma solução para superar essa deficiência: durante o parto o neo-córtex
deve parar de funcionar. O nascimento é um processo primitivo e durante
esse processo o neo-córtex deve estar desligado. Quando a mulher está em
trabalho de parto sozinha, ela se desconecta do nosso mundo e esquece
o que está acontecendo à sua volta. Seu comportamento pode, inclusive,
ser considerado inaceitável para uma mulher “civilizada”: ela grita, xinga, é
pouco polida, assume diferentes posições. Ela fica em outro planeta. Isso
significa que o neo-córtex reduziu sua atividade, o que é essencial na fisiologia do parto. Uma mulher em trabalho de parto precisa, em primeiro
lugar, de ser protegida contra qualquer estímulo do neo-córtex. Na prática
isso significa que temos que lembrar quais são os estimulantes do neo-córtex para evitá-los. Um desses estimulantes é a linguagem, que é processada
no neo-córtex. Se utilizarmos a perspectiva fisiológica vamos reconhecer
que é preciso cautela para usar a linguagem durante o trabalho de parto e
vamos redescobrir o silêncio. Vamos demorar muito a aceitar o silêncio na
sala de parto depois de séculos de socialização. Recentemente, assistindo a
um desses vídeos de parto natural, assim chamado porque era domiciliar
e a mulher estava de quatro, pudemos observar que a parteira não parava
de falar. Precisamos redescobrir que a linguagem estimula o neo-córtex e
interfere na liberação da ocitocina e a importância da privacidade.
O neo-córtex também é estimulado pela luz, é muito sensível ao
estímulo visual em geral. É interessante observar como uma mulher em
trabalho de parto que não é guiada, não é observada e não é orientada
por nenhum plano pré-concebido, geralmente encontra, por conta própria,
uma posição tal, na qual ela elimina os estímulos visuais. Ela se acocora,
se inclina para frente, deixa os cabelos caírem sobre o rosto e assim não
enxerga nada e pode esquecer o resto do mundo.
O quarto ponto para podermos redescobrir e atender as necessidades da mulher em trabalho de parto e do bebê recém-nascido é seguir
uma regra simples: aprender a eliminar, no período perinatal, tudo que é
especificamente humano. O que isso significa? Que devemos eliminar todas as crenças e rituais que interferem com o processo de nascimento, como
alguns que eu mencionei. Nós constantemente reproduzimos tais rituais.
Por exemplo, em algumas sociedades a mãe não está autorizada a pegar o
bebê se não tiver recebido a permissão para tal de outra pessoa. Entre os
Arapesch, da Nova Guiné, a condição para a mãe ser autorizada a tocar o
19
Seminário BH pelo Parto Normal
bebê é que o pai receba a notícia do sexo do bebê e decida se ele vai viver
ou não e se a mãe está autorizada a cuidar do bebê, sendo que essa ordem
é transmitida da parteira para o pai. Essa situação se reproduz em todas as
sociedades.
No Brasil podemos mencionar um grupo étnico indígena do Mato Grosso,
entre os quais a mães não está autorizada a pegar no bebê enquanto o líder
espiritual, o Xamã, não decidir se o bebê deve viver. Entre um grupo étnico
da Amazônia a permissão tem que ser dada pelo padrinho, que tem que
chegar com a roupa cerimonial, decidir se o bebê vai viver para a mãe poder
cuidar dele. Sempre reproduzimos o mesmo ritual. Recentemente eu visitei
uma maternidade no Rio de Janeiro e na sala de parto tinha uma janela de
vidro. Mas por que a janela? Porque assim que a criança nasce, a atendente
corta o cordão umbilical e passa o bebê por essa janela, sendo que do outro
lado está o pediatra. A mãe não pode cuidar do seu bebê até que o pediatra
permita. É o mesmo ritual. Nós sempre encontramos desculpas para separar a mãe do bebê recém-nascido.
No movimento do parto natural, uma nova teoria surgiu há um
tempo atrás, uma idéia de que seria possível, imediatamente após o parto,
induzir uma ligação entre o pai e o recém-nascido semelhante à ligação
entre a mãe e o bebê. Isso é irrealista. A razão pela qual este é um período
crítico para a mãe e o bebê está no equilíbrio hormonal especial que nunca
mais vai acontecer. E esse período crítico não pode ser o mesmo para o
pai. O efeito foi de introduzir outra pessoa que distrai a mãe no momento
exato que ela deve liberar um alto pico de ocitocina. É a reprodução do
mesmo ritual. Estamos, sempre, introduzindo rituais e crenças com o efeito
de separar a mãe do bebê, e temos que redescobrir na ciência que o bebê
recém-nascido precisa, em primeiro lugar, da sua mãe, e a mãe precisa do
bebê recém-nascido. Vai levar tempo redescobrir esta verdade.
Por isso, devemos eliminar o que é especificamente humano, as
crenças e os rituais do parto. Eliminar o que é especificamente humano
significa que durante o processo do nascimento o neo-córtex deve parar de
funcionar. Ao mesmo tempo, temos que redescobrir, atender e satisfazer as
necessidades universais que todos os mamíferos em trabalho de parto têm,
que é se sentir seguro – se existe um predador em volta, a fêmea libera adrenalina para ter energia para lutar ou fugir, e vai adiar o parto até se sentir
segura – e ter privacidade – todos as fêmeas de mamíferos têm estratégias
para não se sentirem observadas quando dão a luz. Essas são as regras simples que devemos seguir.
20
1. Parto e nascimento no mundo contemporâneo: Conferência de abertura do Seminário BH pelo Parto Normal
No contexto científico atual pode-se dizer que a mulher foi programada para liberar um coquetel de hormônios do amor quando está em
trabalho de parto. Mas hoje, a maioria das mulheres tem seus bebês sem
depender da liberação desse coquetel de hormônios, muitas por fazerem
cesárea e, entre as que dão a luz por parto vaginal, por não poderem facilmente liberar os hormônios em ambientes inapropriados. E como não conseguem liberar facilmente os hormônios naturais, precisam de medicamentos que os substituem: precisam de ocitocina sintética no soro, precisam da
analgesia peridural para substituir as endorfinas, precisam de medicamentos para eliminar a placenta. Tudo isso bloqueia a liberação dos hormônios
naturais.
Estamos em um momento hoje em que o número de mulheres que
dão a luz e que eliminam os hormônios naturais do amor está tendendo a
zero. Isso é uma situação sem precedentes. Os seres humanos são tão inteligentes e tão espertos, devido ao seu neo-córtex, que conseguiram tornar os
hormônios do amor em hormônios inúteis. Precisamos levantar questões
sobre isso em termos da nossa civilização, não agora, não para esse bebê ou
essa mulher, mas o que vai acontecer daqui a três ou quatro gerações se continuarmos nessa direção? Se fizermos a pergunta dessa forma e percebendo
que precisamos redescobrir as necessidades básicas da mulher em trabalho
de parto e do bebê recém-nascido e atender às regras básicas e simples, podemos dizer que a prioridade hoje não é humanizar o parto. A prioridade
hoje é mamiferizar o parto.
21
Seminário BH pelo Parto Normal
2. Oficina I: Aumento da prematuridade no país: melhoria de acesso à tecnologia ou prematuridade evitável?
2. Oficina I: Aumento da prematuridade no país: melhoria de acesso à tecnologia ou prematuridade
evitável?
2.1. Aumento da prematuridade no país: melhoria de acesso à tecnologia ou prematuridade evitável? Lacunas
para a pesquisa e divulgação para a assistência
Maria do Carmo Leal2
Data e hora:
20 de agosto, das 8h às 12h
Coordenação:
Fábio Augusto Guerra (Sociedade Mineira de Pediatria)
Expositora:
Maria do Carmo Leal (Fiocruz)
Debatedores externos:
Alicia Matijasevich (UFPel)
Antônio Augusto Moura da Silva (UFMA)
Marco Antônio Barbieri (USP Ribeirão Preto)
Participantes do debate:
Andréa Chaimowicz; Daphne Rattner (Ministério da Saúde); Ellen; Esther Vilella (Ministério da Saúde); João Batista Lima (Hospital Sofia Feldman); José Orleans da Costa (Hospital Mater Dei);
Marcos Dias (Escola Nacional de Saúde Pública - Fiocruz); Maria Albertina S. Rego (Sociedade Mineira de Pediatria e UFMG);
Maria Helena (Universidade de São Paulo); Navantino Alves Filho (Academia Mineira de Pediatria); Simone Diniz (Faculdade
de Saúde Pública - Universidade de São Paulo); Sônia Lansky
(Coordenadora da Comissão Perinatal de Belo Horizonte); Zeni
Carvalho Lamy (Universidade Federal do Maranhão).
O Brasil vive, no momento atual, um grande processo de inclusão
social por meio do Sistema Único de Saúde, o que resulta em aumento da
cobertura da assistência pré-natal e do parto hospitalar, da cobertura de
vacinal e de procedimentos de maior complexidade, como UTI Neonatal.
Entretanto, o SUS mantém e reproduz iniqüidades, que devem ser vistas
como pano de fundo na abordagem sobre a prematuridade.
A prematuridade é o maior determinante da morbidade e da mortalidade do recém-nascido e vem aumentando no mundo contemporâneo.
As causas desse aumento não são totalmente conhecidas, mas podem estar
relacionadas, também, com o fato das mulheres estarem tendo filhos mais
velhas, com as condições da vida urbana, com o padrão de alimentação,
com o ideal estético da magreza, entre outros.
O principal componente da prematuridade é a prematuridade tardia, onde o recém-nascido tem entre 34 e 36 semanas de gestação. Mas,
apesar de compor quase 70% de toda a prematuridade, nada sabemos sobre
ela, ao contrário da prematuridade precoce, que tem seus prejuízos mais
bem documentados. Estudos recentes apontam para o risco de efeitos adversos em qualquer nível de prematuridade, e as intervenções obstétricas
têm sido responsabilizadas por uma parte do crescimento da prematuridade no mundo.
Segundo dados americanos, a prematuridade aumentou em 30%
entre 1981 e 2004. Os precursores obstétricos da prematuidade nos EUA
estão assim distribuídos: 45% resulta de trabalho de parto espontâneo com
membranas intactas (mantém-se inalterado ao longo do tempo); 25% resulta de trabalho de parto espontâneo com rutura de membranas (que vem
diminuindo com o tempo); e 30% decorrem da decisão médica de intervir
e adiantar o parto com o objetivo de diminuir riscos maternos e/ou infantis
– este é o componente que vem aumentando ao longo do tempo (Goldenberg et al., 2008). Os resultados indicam que um componente importante
no aumento da prematuridade está relacionado com a forma como a medicina e o sistema de saúde vem assistindo ao risco obstétrico, ou seja, uma
Médica, doutora em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz. Pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz, integrante do Comitê editorial da Revista Materno Infantil de
Pernambuco, editor associado da Revista Brasileira de Epidemiologia (ABRASCO) e
diretora da Editora Fiocruz.
2
22
23
Seminário BH pelo Parto Normal
assistência voltada para as intervenções, tanto por indução do trabalho de
parto quanto por cesárea.
No Brasil não existem informações nacionais acerca do componente da prematuridade que resulta da intervenção médica e essa é uma questão para a qual urge o desenvolvimento de pesquisas: qual a intensidade
da prematuridade, no Brasil, pode ser atribuída à intervenções médicas no
trabalho de parto ou mesmo à cesárea eletiva?
Segundo os dados do SINASC de 2005, o Brasil teria uma taxa
de prematuridade de 6,6% (Andrade, Szwarcwald e Castilho, 2008), o que
é baixo. É sabido que o SINASC apresenta problemas na conformação
das informações, principalmente sobre peso ao nascer e idade gestacional.
Identifica-se que a sub-notificação desses dados é maior nas regiões Norte
e Nordeste, e nas cidades pequenas. Os dados também apresentam um importante paradoxo: onde os indicadores de saúde são melhores (maior nº
de consultas pré-natal pe.), a prematuridade é maior. Além disso, a forma
como os dados são agrupados pelo SINASC não permite um olhar sobre a
prematuridade limítrofe, entre 34 e 36 semanas de gestação.
Analisando os dados do SINASC do município do Rio de Janeiro
– cujo SINASC já foi validado em estudo prévio – tem-se um aumento de
30% na prematuridade entre 1996 e 2006. Quando se considera o tipo de
parto, há diminuição de 2,4% da prematuridade no parto vaginal e aumento de 70,6% na prematuridade em mulheres que realizaram cesárea. Considerando o tipo de parto por estabelecimento de saúde, tem-se que, no SUS,
a prematuridade no grupo que fez parto vaginal cai 7,1% e a prematuridade
no grupo que fez cesárea aumenta 55,3%. Já nos estabelecimentos privados,
a prematuridade no grupo do parto via vaginal aumenta 51% e por cesárea,
98%, apesar de se tratar de um grupo social com melhores condições de
saúde. Analisando as características das mães, por estabelecimento de saúde (público e privado) e por tipo de parto, no período entre 1996 e 2006,
observa-se que apesar da melhora de alguns indicadores de condição de
vida e de acesso aos serviços de saúde na área obstétrica – aumento do nível
de instrução das mães, queda na taxa de gravidez na adolescência e melhoria do acesso ao pré-natal – vem ocorrendo aumento da prematuridade, aumento do baixo peso ao nascer e melhoria do Apgar no 7º minuto de vida
do recém-nascido. É provável que estejamos provocando uma epidemia de
prematuridade iatrogênica, no município do Rio de Janeiro, principalmente entre as mulheres que são clientes do Sistema de Saúde Suplementar.
Outro dado disponível é o das três coortes da cidade de Pelotas/
24
2. Oficina I: Aumento da prematuridade no país: melhoria de acesso à tecnologia ou prematuridade evitável?
RS (1982, 1993 e 2004), nas quais se observa diminuição do número de
nascidos vivos, aumento de cesáreas e aumento da prematuridade tardia
(Barros et al., 2005). Os resultados apontam para uma provável intervenção
no padrão de nascimento das crianças.
Buscando evidências sobre os prejuízos da prematuridade, Tomashek et al. (2007) estudaram as diferenças entre as taxas de mortalidade
infantil entre bebês nascidos a termo (37 a 41 semanas de gestação) e bebês
pré-termo tardio (34 a 36 semanas de gestação). Os autores identificaram
que a mortalidade é sempre maior entre os pré-termos tardios: a taxa de
mortalidade do pré-termo, entre 0 e 6 dias de vida, é o dobro do que no
nascido a termo e a taxa de mortalidade entre 28 e 364 dias de vida chega
a ser 5 vezes maior no pré-termo do que no nascido a termo. Os estudos
atuais estão mostrando que a prematuridade tardia é um fator de risco para
a mortalidade infantil, apesar de o senso comum ainda acreditar que ela
não seja um problema.
Swamy et al. (2008), em estudo sobre a mortalidade a curto e longo
prazo entre nascidos vivos das coortes de nascimento de 1967 a 1988, na
Noruega, identificaram que o risco de morrer, entre os pré-termos, é sempre maior do que entre os nascidos a termo, risco esse que se mantém maior
até a adolescência. O estudo indica que a prematuridade é uma marca que
interfere no padrão futuro de saúde e doença do indivíduo. O mesmo estudo observou as características reprodutivas e educacionais das mulheres
dessas coortes de nascimento e identificou que o nascimento pré-termo
impacta, de maneira negativa, a escolaridade de mulher, que tem um risco
maior de ter uma escolaridade menor. A prematuridade também impacta
a vida reprodutiva da mulher, que tem menos filhos e maior risco de ter
história de morte fetal e infantil na sua prole.
Barros e Velez-Gomez (2006), estudando a prevalência de nascimentos prematuros por subgrupos de causas, entre 1985 a 2003, na América Latina (Sistema de Informação Perinatal), identificaram que diminui
a prematuridade por causas espontâneas sem complicações maternas e por
rutura de membranas, ao passo que aumenta a prematuridade por indução
e cesárea eletiva. Desta forma, a cesárea está relacionada com o aumento da
prematuridade.
No Brasil, são cerca de 3 milhões de nascimentos por ano, 43% por
cesárea. No SUS, a taxa de cesárea é de 29%, enquanto na saúde suplementar ela é de 80%. Quanto maior a população inserida no sistema de saúde
suplementar, maior será o índice de cesárea. Mas muitos são os fatores
25
Seminário BH pelo Parto Normal
que influenciam as taxas de cesárea, no Brasil: a localização geográfica de
residência da mãe, as condições socioeconômicas da clientela, as fontes de
financiamento dos serviços de saúde e o modelo vigente de atenção médica.
Por outro lado, a explicação do aumento das cesáreas por “demanda” das mulheres não encontra respaldo nos estudos realizados, tanto nos
serviços públicos quanto nos privados. Em estudo recente realizado pela
Fiocruz e financiado pela ANS, foram entrevistadas mais de 430 mulheres,
após o parto, em duas unidades de saúde do Sistema Suplementar, localizadas na cidade do Rio e na Região Metropolitana do Rio (Leal et al., 2007).
As mulheres foram inquiridas sobre o seu desejo quanto ao tipo de parto.
Os resultados mostraram que, no início da gestação, 70% das multíparas e
80% das primíparas queriam ter um parto normal. Ao chegarem à maternidade, no momento do parto, apenas 30% delas ainda queriam ter parto normal. Ao saírem da maternidade, apenas 10% tiveram parto normal.
Uma parte dos motivos referidos pelas mulheres para a realização da cesárea não coincidiam com o que estava escrito no prontuário (1/3 deles sem
anotações) nem com os resultados perinatais observados (ex: desproporção
céfalo-pélvica, hipertensão arterial materna, etc.). Resultados semelhantes
foram obtidos por Maluf, para a cidade de São Paulo, em sua tese de doutoramento (Maluf, 2008).
Hansen et al. (2007), estudando a coorte de Aarhus – que contém dados de 34.458 nascimentos sem malformação congênita entre 1998
a 2006, na Dinamarca –, avaliaram a morbidade respiratória (taquipnéia
respiratória, síndrome de insuficiência respiratória, hipertensão pulmonar
persistente), a necessidade de oxigênio por mais de dois dias, a ventilação
mecânica e o uso de oxigênio nasal por pressão positiva nos recém-natos de
cesáreas eletivas. Os resultados indicaram que os nascidos de cesárea eletiva,
quando comparados com os nascidos de parto vaginal, apresentaram risco
mais elevado de morbidade respiratória. O risco aumentava à medida que
diminuía a idade gestacional: com 37 semanas, o risco era 3,9 vezes maior;
com 38 semanas o risco era 3 vezes maior; com 39 semanas, o risco era 1,9
vezes maior. O mesmo padrão foi encontrado para morbidade respiratória
grave, sendo que o risco foi 5 vezes maior para os recém-nascidos de 37
semanas de gestação. Os resultados sugerem que o trabalho de parto tem
uma função na maturação pulmonar da criança. Ou seja, o bebê que não
passa pelo trabalho de parto não termina o seu amadurecimento pulmonar
e, mesmo que nasça a termo, apresenta chance maior de ter problemas res-
26
2. Oficina I: Aumento da prematuridade no país: melhoria de acesso à tecnologia ou prematuridade evitável?
piratórios.
Estudo de Kennare et al. (2007) com coorte retrospectiva de nascimentos únicos de secundíparas, entre 1998 a 2003, na Austrália, comparou
as conseqüências de um segundo parto normal em mulheres com cesárea
prévia e em mulheres com parto vaginal prévio. Os resultados mostraram
que as mulheres que fizeram um parto normal após uma cesárea prévia
apresentaram risco mais elevado de: mal-apresentação (1,8); placenta prévia (1,7); hemorragia anteparto (1,2); trabalho de parto prolongado (5,9);
cesárea de emergência (9,4); ruptura uterina (84,4); óbito materno (7,6);
baixo peso ao nascer (1,3); nascimento morto inexplicável (2,3). Ou seja, a
cesárea prévia resulta em prejuízo posterior para a história reprodutiva da
mulher.
Por fim, estudo transversal acerca da admissão de recém-nascidos
a termo em UTI Neonatais de nascidos únicos de mulheres de baixo risco
gestacional, entre 1999 a 2002, na Austrália (Tracy et al., 2007), identificou
que a taxa de admissão em UTI foi de 8,9% para primíparas e de 6,3%
para multíparas. Para as mulheres que fizeram uma cesárea eletiva, sem
entrar em trabalho de parto, as taxas de internação do bebê na UTI foram
de 15,4% para 37 semanas de gestação, 12,1% para 38 semanas de gestação e 5,1% para 39 semanas de gestação. Não houve diferença importante
para a idade gestacional de 40 semanas e mais. Nos Estados Unidos se
determinou que a cesárea eletiva só deve ser realizada após 39 semanas de
gestação.
Para conhecer melhor a situação brasileira é preciso: documentar as
evidências dos prejuízos da prematuridade para os recém-nascidos e para
as mulheres; realizar, urgentemente, investigações de abrangência nacional,
em parceria com a Agência Nacional de Saúde e o Ministério da Saúde; e
estabelecer estratégias para redução das cesáreas eletivas, em parceria com
as sociedades médicas.
27
Seminário BH pelo Parto Normal
2. Oficina I: Aumento da prematuridade no país: melhoria de acesso à tecnologia ou prematuridade evitável?
Referências bibliográficas
Andrade CLT, Szwarcwald CL, Castilho EA. Baixo peso ao nascer no Brasil de acordo com as informações sobre nascidos vivos do Ministério da
Saúde, 2005. Cadernos de Saúde Pública, 2008 (no prelo).
Barros FC, Velez-Gomez MP. Temporal trends of preterm birth subtypes
and neonatal outcomes. Obstet Gynecol. 107(5): 1035-1041, 2006.
Barros FC, Victora CG, Barros AJ, Santos IS, Albernaz EP, Matijasevich
A, et al.. The challenge of reducing neonatal mortality in middle-income
countries: findings from three Brazilian birth cohorts in 1982, 1993, and
2004. Lancet 365(9462): 847-854, 2005.
Goldenberg RL, Culhane JF, Iams JD, Romero R. Epidemiology and causes of preterm birth. Lancet 5(371): 75-84, 2008.
Hansen AK, Wisborg K, Uldbjerg N, Henriksen TB. Risk of respiratory
morbidity in term infants delivered by elective caesarean section: cohort
study. BMJ 336(7635): 85-87, 2007.
Kennare R, Tucker G, Heard A, Chan A. Risks of adverse outcomes in the
next birth after a first cesarean delivery. Obstet Gynecol. 109(2): 270-276,
2007.
Leal MC et al.. Avaliação da demanda por cesariana e adequação de sua
indicação em unidades de saúde suplementar do Rio de Janeiro. Fundação
Oswaldo Cruz: Rio de Janeiro, 2007. Mimeo.
Maluf, LE. Por que 90? Uma Análise das Taxas de Cesariana em Serviços
Hospitalares Privadas no Município de São Paulo. USP, 2008
PatahSwamy GK, Østbye T, Skjærven R. Association of preterm birth
with long-term survival, reproduction, and next-generation preterm birth.
JAMA 299(12): 1429-1436, 2008.
Tomashek KM, Shapiro-Mendoza CK, Davidoff MJ, Petrini JR. Differences in mortality between late-preterm and term singleton infants in the
United States, 1995-2002. J Pediatr. 151(5): 450-456, 2007.
Tracy SK, Tracy MB, Sullivan E. Admission of term infants to neonatal intensive care: a population-based study. Birth-issues in perinatal care 34(4):
301-307, 2007.
2.2. Aumento da prematuridade - prematuridade evitável?
Alicia Matijasevich3
Segundo os dados das coortes de Pelotas (tabela 1), pode-se observar que diminui o número de nascimentos na cidade em 19% entre 1982
e 2004. No mesmo período, enquanto o baixo peso ao nascer permaneceu
constante, a prematuridade aumentou muito: mais do que dobrou em 22
anos, tanto no parto normal quanto na cesárea.
Tabela 1 - Dados dos nascimentos em 3 coortes de Pelotas. 1982, 1993 e 2004.
Número de Nascidos vivos
1982
1993
2004
6.011
5.302
4.287
Proporção de baixo peso ao nascer (< 2.500 g)
9,0
9,0
10,0
Proporção de nascimento pré-termo (< 37 sem.)
6,3
11,4
14,5
Pré-termo por parto vaginal
6,3
10,8
14,1
Pré-termo por parto cesárea
6,4
12,7
15,3
Proporção de nascimento pré-termo conforme tipo de parto
Proporção de nascimento pré-termo conforme renda familiar
< 1 SM
7,7
13,3
19,8
1,1 – 3,0 SM
5,9
11,8
13,8
3,1 – 6,0 SM
5,8
10,1
12,1
6,1 – 10,0 SM
6,8
10,3
11,1
> 10,0 SM
5,7
9,3
13,5
Proporção de cesárea
27,2
30,5
45,2
< 1 SM
16,9
23,4
36,4
1,1 – 3,0 SM
25,3
25,1
42,3
3,1 – 6,0 SM
36,2
33,3
55,0
6,1 – 10,0 SM
41,3
45,1
74,7
> 10,0 SM
46,7
55,7
79,1
Alto
26,1
28,2
41,3
Médio
25,9
29,1
44,5
Baixo
33,0
37,2
53,6
< 33 semanas de idade gestacional
1,1
2,3
3,5
34-36 semanas de idade gestacional
5,2
9,1
11,0
Proporção de cesárea conforme renda familiar
Proporção de cesárea conforme níveis de risco
Composição dos recém nascidos pré-termo
Doutora em Medicina pela Universidad de la República Oriental del Uruguay. Professora
visitante do Programa de Pós-graduação em Epidemiologia da Universidade Federal de
Pelotas.
3
28
29
Seminário BH pelo Parto Normal
O nascimento pré-termo variou pouco conforme a renda familiar,
em 1982; já em 2004, o nascimento pré-termo é um problema para duas
faixas de renda, as mulheres muito pobres e as muito ricas. O mais provável
é que a causa da prematuridade nos dois extremos de renda sejam diferentes. Ainda não é possível provar, mas a hipótese é que as infecções sejam
as causas mais importantes entre as mulheres pobres e as cesáreas eletivas
sejam o mais importante entre as mulheres ricas.
As taxas de cesárea dobraram em 22 anos, em todas as faixas de
renda, em Pelotas. Mas o interessante é que as cesarianas não se relacionam
com os níveis de risco da mãe: as cesarianas têm sido mais freqüentes em
mulheres de risco baixo. Por fim, a prematuridade que mais cresce, em Pelotas, é a prematuridade tardia.
Entre as ações que podem prevenir a prematuridade está o tratamento das doenças de transmissão sexual, da infecção urinária e dos
corrimentos. Além disso, para prevenir os pré-termos tardios (late preterm
births), ou seja, para evitar o nascimento de crianças saudáveis com menos
de 40-41 semanas de idade gestacional, deve-se evitar as cesarianas programadas, principalmente aquelas baseadas em datação pelo ultrassom, já
que o ultra-som superestima a idade gestacional, ainda mais quando feito
depois da 20ª semana de idade gestacional.
Nosso último trabalho (Santos et al., 2008), comparando prematuros limítrofes com recém-nascidos a termo, observamos que os prematuros
limítrofes apresentam 5 vezes mais risco de morte neonatal, 2 vezes mais
risco de morte infantil, quase 3 vezes mais risco de ter um Apgar ao cinco
minutos menor do que 7 e 3 vezes mais risco de receber outro leite que não
o leite materno nas primeiras 24 horas de vida.
Referências bibliográficas
Santos IS, Matijasevich A, Silveira MF, Sclowitz IKT, Barros AJ, Victora
CG et al.. Associated factors and consequences of late preterm births: results from the 2004 Pelotas birth cohort. Paediatr Perinat Epidemiol. 22(4):
350-359, 2008.
2. Oficina I: Aumento da prematuridade no país: melhoria de acesso à tecnologia ou prematuridade evitável?
2.3. Nascimento pré-termo: melhoria de acesso à tecnologia
ou iatrogenia evitável?
Antônio Augusto Moura da Silva4
Apesar do aumento na taxa de nascimento pré-termo estar ocorrendo em vários países do mundo, no Brasil a elevação parece ter se dado
de forma mais rápida. Este aumento parece estar relacionado tanto com a
melhoria de acesso à tecnologia quanto à iatrogenia evitável.
Comparando-se indicadores perinatais de duas cidades brasileiras
(Ribeirão Preto/SP e São Luis/MA), na década de 1990, observou-se o
paradoxo de que em Ribeirão Preto, uma cidade mais rica, o baixo peso foi
maior (10,7%) do que em São Luis (7,6%), uma cidade mais pobre, contrariando as expectativas de que o baixo peso deveria ser mais prevalente em
localidades mais pobres. Por outro lado, a taxa de nascimento pré-termo
foi igual nas duas cidades. Entretanto, usando-se o método de Wilcox para
estimativa de pré-termos pequenos, confirmou-se que a taxa de pré-termos
pequenos foi maior em Ribeirão Preto e menor em São Luis.
Dada a forma como o SINASC disponibiliza a informação sobre
idade gestacional (em intervalos e não em semanas completas), o peso ao
nascer é melhor indicador para se avaliar, indiretamente, a taxa de nascimentos pré-termos. Utilizando-se dados do SINASC de 1996 e 2004,
para as capitais brasileiras – considerando-se que sejam dados de melhor
qualidade – a taxa de baixo peso ao nascer aumentou de 8,5% para 9,2%.
Observou-se que ao mesmo tempo em que a taxa de baixo peso ao nascer foi maior nas capitais dos estados mais desenvolvidos, o acréscimo de
pré-termos pequenos foi maior no Nordeste do que no Sudeste. Ou seja,
o aumento do nascimento pré-termo também está relacionado com a intervenção médica que visa a salvar a vida de mães e bebês, principalmente
daqueles que iam morrer intra-útero. A melhor assistência perinatal nas
cidades mais ricas parece estar se refletindo no aumento de bebês de baixo
peso, que sem a assistência adequada seriam natimortos.
Nesse sentido, as duas hipóteses para o aumento da taxa de nascimento pré-termo – maior intervenção médica (cesárea e indução do parto)
e prematuridade iatrogênica por cesárea eletiva – devem ser consideradas
como explicativas.
Estudando-se os fatores de risco para cesárea, em São Luis, entre
Doutor em Medicina Preventiva pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Professor da Universidade Federal do Maranhão. Revisor dos periódicos Revista de Saúde Pública, BMC Public Health, Paediatric and Perinatal Epidemiology e Cadernos de Saúde
Pública.
4
30
31
Seminário BH pelo Parto Normal
1997 e 1998, verificou-se que ter sido atendida pelo mesmo médico no
pré-natal e no parto aumentou em nove vezes a chance da mulher ser submetida à cesárea. Ser atendida em hospital privado veio em segundo lugar,
aumentando em cinco vezes a chance de cesárea. Em terceiro lugar, a hora
do nascimento também foi um fator de risco para a cesárea, indicando a
prática de se agendar a cesárea, de acordo com a conveniência.
Outro dado importante é a desnutrição intra-uterina entre pré-termos e a termos. A taxa de desnutrição intra-uterina foi maior nos nascidos
a termo em São Luis do que nos de Ribeirão Preto, conforme se esperava.
Por outro lado, a desnutrição intra-uterina dentre os pré-termos de Ribeirão Preto foi mais do que o dobro do que entre os pré-termos de São Luis.
Tal dado pode indicar que nas cidades mais desenvolvidas, a detecção e o
diagnóstico das condições de desnutrição intra-uterina são melhores.
Considerando-se uma série histórica do SINASC em São Luis, de
1994 a 2003 houve aumento do baixo peso ao nascer de 8,3% para 10%
e a curva da distribuição do peso ao nascer foi deslocada para a esquerda. No mesmo período, aumentou a proporção de crianças que nasceram
em maternidades que dispõem de UTI Neonatal, de 15% para quase 60%.
Também houve aumento da taxa de baixo peso ao nascer, diminuição da
mortalidade infantil (de 50 para 20 por 1.000 nascidos vivos) e da natimortalidade. Possivelmente, parte das crianças que morreriam no útero está
deixando de morrer porque intervenções salvadoras estão sendo feitas.
Nos estados brasileiros, em 2005, observou-se que onde havia mais
leitos de UTI Neonatal maior foi a taxa de baixo peso ao nascer. Em uma
correlação não linear, mas significante, maiores taxas de baixo peso foram
observadas em locais com maior razão entre leitos de UTI neonatal por
mil nascidos vivos, maior taxa de nascimento pré-termo e menores taxas de
natimortalidade e mortalidade neonatal. Este é o fenômeno que parece que
estamos vivendo hoje.
2. Oficina I: Aumento da prematuridade no país: melhoria de acesso à tecnologia ou prematuridade evitável?
2.4. Nascimento pré-termo e baixo peso ao nascer em
Ribeirão Preto
Marco Antônio Barbieri5
Apesar da cesárea eletiva estar relacionada com o aumento da prematuridade; isto também tem ocorrido no parto normal, indicando um componente diferente da prematuridade iatrogênica associada com cesárea eletiva.
Com relação à epidemiologia do baixo peso ao nascer, é esperado
que o baixo peso ao nascer seja um indicador de desenvolvimento social,
associado com a mortalidade infantil e com tendência a diminuir com o
desenvolvimento. Entretanto, o que se observa é que o baixo peso ao nascer
está aumentando em cidades brasileiras nas quais o padrão de vida está melhorando, é mais alto nas cidades ricas e onde a mortalidade infantil é mais
baixa. Está criado o paradoxo?!
Em Ribeirão Preto, entre 1978/1979 e 1994, o baixo peso ao nascer
(retirados os gemelares) passou de 7,2 para 10,6% e a prematuridade dobrou,
de 7,6 para 13,6%, indicando uma mudança na cultura de intervenção tecnológica no período perinatal. Os principais determinantes do baixo peso ao
nascer, em 1978/1979 foram: idade materna acima de 35 anos; escolaridade
da mãe menor do que 4 anos e fumo na gravidez. Já em 1994, os principais
determinantes foram: parto cesárea e fumo na gravidez. A cesárea, que não
tinha importância na primeira coorte, foi determinante na segunda.
Com os dados oficiais, há grande dificuldade de relacionar o peso
com a idade gestacional, ocorrendo grande discrepância entre as duas variáveis registradas pelos serviços (há absurdos como 1.100 gramas e 39 semanas). Quando se confronta o dado do prontuário com a informação da
puérpera sobre a data da sua última menstruação, a freqüência maior de
idade gestacional fica entre 35 e 36 semanas, mostrando uma discrepância
entre o registro e a realidade.
Concluindo, em Ribeirão Preto em 2004, a cesárea esteve associada
ao baixo peso após o controle das variáveis de confusão. O aumento do baixo
peso ao nascer foi no grupo social mais elevado, onde a cesárea foi mais freqüente. O aumento da cesárea foi maior no período gestacional de 35 a 40
semanas e nos bebês de 1.500 a 2.499g (cesárea eletiva?!). Por fim, a cesárea
teve impacto não somente no aumento do baixo peso, mas também diminuiu
a média e a mediana do peso ao nascer.
Doutor em Pediatria pela Universidade de São Paulo. Professor Titular do Departamento
de Puericultura e Pediatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP.
5
32
33
Seminário BH pelo Parto Normal
3. Oficina II: Evitabilidade de óbitos infantis e perinatais
3. Oficina II: Evitabilidade de óbitos infantis e perinatais
3.1. Classificação das principais causas de mortalidade
neonatal no Brasil
Elisabeth França6
Data e hora:
20 de agosto, das 14h às 18h
Coordenação:
Maria da Conceição Juste Werneck (Departamento de Medicina
Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais)
Expositor:
Elisabeth França (Universidade Federal de Minas Gerais)
Debatedores externos:
Paulo Frias (Instituto Materno Infantil de Pernambuco e Secretaria Municipal de Saúde de Recife)
Isabel Triani (Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte)
Álvaro Madeiro Jorge (Universidade Federal do Ceará)
Antônio Augusto Moura da Silva (Universidade Federal do Maranhão)
Alicia Matijasevich (Universidade Federal de Pelotas)
Participantes do debate:
Daphne Rattner (Área técnica de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde); Esther Vilella (Política Nacional de Humanização
do Ministério da Saúde); Fátima Guedes (Secretaria Estadual de
Saúde); João Batista Marinho (Hospital Sofia Feldman); Marcos
Dias (Instituto Fernandes Filgueiras da Fiocruz); Maria Albertina
S. Rêgo (Sociedade Mineira de Pediatria e Universidade Federal de
Minas Gerais); Simone Diniz (Universidade de São Paulo); Sônia
Lansky (Coordenadora da Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte).
A mortalidade neonatal (0-27 dias) adquire cada vez maior importância na mortalidade infantil, sendo que atualmente cerca de 70% dos óbitos infantis são neonatais e 50% são neonatais precoces (0-6 dias). Quando
se analisam as causas das mortes neonatais a partir dos capítulos da Classificação Internacional de Doenças (CID), as afecções perinatais representam
a principal causa (81% dos óbitos em 2003-2005), seguida pelas anomalias
congênitas (14% dos óbitos). Entretanto, o grupo “afecções perinatais” reúne causas que demandam intervenções bastante diferenciadas, algumas
delas com maior potencial de evitabilidade. Por isso, uma abordagem mais
detalhada das causas dos óbitos neonatais torna-se necessária, levando em
conta o conceito de evitabilidade, com o objetivo de propor intervenções
mais específicas e efetivas.
O grupo das “afecções perinatais” encontra-se no Capítulo XVI da
CID-10 e contém 58 códigos de 3 caracteres (P00-P96) e 327 códigos de
4 caracteres (P00.0-P96.9). No capítulo, a própria CID-10 lista grupos de
3 caracteres para as “afecções perinatais”, dentre eles um grupamento (códigos P00-P04), que se refere ao feto e recém-nascido afetados por fatores
maternos e por complicações da gravidez, do trabalho de parto e do parto, e
um grupamento (P20-P29), que se refere a transtornos respiratórios e cardiovasculares. São grupamentos de causas de óbito que demandam intervenções muito diferentes quando se considera o enfoque da evitabilidade.
Analisar as principais causas de mortalidade significa avaliar primeiramente as formas de tabulação a serem utilizadas. A ordenação das
principais causas depende da lista usada e a hierarquia de determinada categoria de causas depende de sua freqüência relativa e também de todas
as outras categorias definidas. Ou seja, o processo de criação de listas condensadas de tabulação deve ser baseado no objetivo da análise e uma lista
deve conter categorias relevantes do ponto de vista da saúde pública e da
prevenção (Becker et al., 2005).
A 9ª. Revisão da CID recomendou que cada país criasse suas listas,
levando em consideração os principais problemas de saúde pública, e no
final de década de 1980 foi criada a CID-BR para o Brasil. Pela CID-BR,
Professora Associada do Programa de Pós-graduação em Saúde Pública do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da Universidade Federal
de Minas Gerais. Pesquisadora do Grupo de Pesquisas em Epidemiologia e Avaliação em
Saúde (GPEAS/UFMG).
6
34
35
Seminário BH pelo Parto Normal
40% das mortes neonatais em 2005 são classificadas no grupamento P20P29 (transtornos respiratórios e cardiovasculares específicos do período
perinatal), que é uma categoria muito ampla e pouco específica.
Há listas de tabulação de causas de mortalidade infantil e perinatal
que incorporam o conceito de evitabilidade. Uma das mais utilizadas no
Brasil é a de Wigglesworth, da década de 1980, específica para mortes perinatais (Lansky et al., 2002). Uma limitação para o uso generalizado desta
lista, entretanto, é que depende da investigação dos óbitos e não utiliza a
CID para a classificação.
Outra lista de óbitos evitáveis é da Fundação SEADE (Ortiz, 1996,
2001) e, mais recentemente, a do Ministério da Saúde com uma lista de
causas de mortes evitáveis pelo SUS (Malta et al., 2007). Essas listas não
são específicas para mortalidade neonatal e classificam as causas em categorias nomeadas segundo a proposta de intervenção. Assim, temos o agrupamento das causas redutíveis por imunoprevenção, o de causas redutíveis
por adequado controle da gravidez, o de causas redutíveis por adequada
atenção à mulher no parto, e assim por diante. Nesta lógica, a prematuridade, por exemplo, ficou classificada em grupamento diferente da síndrome
de angústia respiratória do recém-nascido, quando deveriam estar agrupadas.
Buscando superar essas limitações, foi recentemente proposta uma
lista reduzida de tabulação das causas de óbitos neonatais no Brasil (França
& Lansky, 2009) que não classifica as causas segundo grupos nomeados a
partir da intervenção, já que isso tem pouca relação com o significado do
problema para os profissionais de saúde, em particular os médicos, responsáveis pelo preenchimento das declarações de óbito (DO). A lista proposta
se baseou na lista de Wigglesworth ampliada (Confidencial Enquiry into
Maternal and Child Health, 2005), na proposta da Organização Mundial
da Saúde (WHO, 2007) e na de Lawn et al. (2006), considerando também
a magnitude das causas de óbito neonatal no País e a avaliação por um
consenso de especialistas.
A lista de Wigglesworth ampliada apresenta sete grupamentos para
óbitos neonatais: anomalias congênitas, asfixia, prematuridade, infecção,
causa externa, morte súbita e outras causas específicas. Já a lista de Lawn
et al (2006) define os seguintes grupamentos: 1) anomalias congênitas; 2)
tétano neonatal; 3) prematuridade (menos de 33 semanas de gestação ou
menos de 1.800 g para idade gestacioanal desconhecida), ou suas complicações (síndrome da angústia respiratória do recém-nascido, hemorragia
36
3. Oficina II: Evitabilidade de óbitos infantis e perinatais
intraventricular, enterocolite necrotizante, etc); 4) asfixia ao nascer, baseado
no Apgar (excluídos prematuros) ou em história de complicações no parto
ou recém-nascido a termo grave nos dois primeiros dias do nascimento;
5) septicemia/pneumonia (septicemia, pneumonia, infecção neonatal, meningite); 6) diarréia (que pode ficar separada ou ser incluída nesse grupo,
dependendo da realidade de cada país); e 7) outras causas.
A proposta da Lista reduzida visa destacar os grupamentos segundo sua importância na orientação das ações de saúde dirigidas à prevenção
da mortalidade neonatal, incluído também o grupamento de causas relacionadas com as afecções respiratórias, que se relacionam com diferentes
momentos da assistência à saúde da gestante e da criança. Foram definidos
seis grupamentos de causas: prematuridade, infecções, asfixia/hipóxia, malformações congênitas, fatores maternos e relacionados à gravidez, e afecções respiratórias do recém-nascido. Para todas as causas foram utilizados
códigos da CID tradicionalmente registrados e códigos relacionados, exceto para as malformações congênitas. A conformação da proposta da Lista
reduzida de tabulação das causas de óbitos neonatais e a distribuição dos
óbitos no Brasil, em 2005, está apresentada na Tabela 1.
Tabela 1 - Causas de mortalidade neonatal segundo a Lista Reduzida de Tabulação de
Causas. Brasil, 2005.
Grupamentos de causas pela Lista
e códigos
Códigos da CID-10
Frequência
N
%
1. Prematuridade
8.274
24,0
P07
Transt rel gest curt dur peso baix nasc NCOP
2.876
8,4
P22.0
Síndrome da angústia respiratória do RN
4.446
13,0
P25
Enfisema intersticial e afecções correlatas
151
0,4
P26
Hemorragia pulmonar
274
0,8
P52
Hemorragia intracraniana não-traumática
195
0,6
P77
Enterocolite necrotizante
312
0,9
5.858
17,0
4.913
14,3
2. Infecções
P35-P39
Infecções específicas do RN
P23
Pneumonia congênita
532
1,6
A00-A09
Doenças infecciosas intestinais
79
-
A40-A41
Septicemia
20
-
A33
Tétano recém-nascido
4
-
37
Seminário BH pelo Parto Normal
3. Oficina II: Evitabilidade de óbitos infantis e perinatais
Tabela 1 - Continuação.
Tabela 1 - Continuação.
Grupamentos de causas pela Lista
e códigos
A50
38
Códigos da CID-10
Sífilis congênita
Frequência
Grupamentos de causas pela Lista
e códigos
Códigos da CID-10
Frequência
N
%
6. Afecções respiratórias RN
2.988
8,7
P28
2.536
7,4
14
-
N
%
60
-
3
-
Outr afecções respirat orig per perinatal
B20-B24
Doença pelo vírus da imunodeficiência humana
J12-J18
Pneumonia
190
0,6
P22.1
Taquipnéia transitória RN
G00, G03, G04
Meningite, encefalite mielite e encefalomielite
57
-
P22.8
Outros desconfortos resp. RN
27
-
P22.9
Desconforto resp. NE RN
411
1,2
3. Asfixia/Hipóxia
4.923
14,3
P20-P21
Hipóxia intra-uterina e asfixia ao nascer
2.713
8,0
P01.7
Fet rec-nasc afet apres anor antes trab part
12
-
P02.0
Fet rec-nasc afetados p/placenta previa
44
-
P02.1
Fet rec-nasc afet outr form descolamento plac e hemor
523
1,5
P02.4
Fet rec-nasc afet prolapso cordão umbilical
68
-
P02.5
Fet rec-nasc afet outr compr cordão umbilical
116
-
P02.6
Fet rec-nasc afet outr afecc cordão umb NE
29
-
P03
Fet rec-nasc afet out compl trab parto e parto
355
1,0
P10-P15
Traumatismo de parto
85
-
P24
Sindr de aspiração neonatal (exceto P24.3)
978
2,8
4. Malformações congênitas
5033
14,6
Q00-Q07
MC do sistema nervoso
1015
2,9
Q10-Q18
MC do olho, ouvido, face e pescoço
6
-
Q20-Q28
MC do aparelho circulatório
1568
4,6
Q30-Q79
Demais MC especificadas
1331
3,9
Q80-Q89
Outras MC
908
2,6
Q90-Q99
MC não classificadas em outra parte
205
0,6
5. Fatores maternos e relacionados à gravidez
2.703
8,0
P00
RN afetado por afecções maternas
1.002
2,9
P01
RN afetado por complicações maternas da gravidez
(exceto P01.7)
1.140
3,3
P02
RN afet compl plac e membranas
(exceto P02.0, P02.1, P02.4-P02.6)
370
1,1
P04
RN afet influências nocivas transm plac leit mat
45
-
P05
Crescimento fetal retard e desnutric fetal
111
-
P96.4
Interrupção de gravidez afet feto rec-nasc
35
-
Além dos seis grupamentos de causas definidas de óbito neonatal,
foram considerados três outros relativos a causas mal-definidas ou contendo códigos inespecíficos: causas mal-definidas (códigos R00-R99), transtornos cardíacos originados no período perinatal (P29) e afecções originadas no período perinatal não especificadas (P96.9).
Reagrupando os dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) de 2005 a partir da lista reduzida proposta acima, as principais causas de óbito neonatal no Brasil foram: prematuridade (24% dos
óbitos), infecções (17%), malformações congênitas (14,6%), asfixia/hipóxia (14,3%), afecções respiratórias do recém-nascido (8,7%) e os, fatores
maternos e relacionados com a gravidez (7,9%) Os transtornos cardíacos
originados no período perinatal representaram 3,7% dos óbitos, as afecções
perinatais não-específicas 3% e as causas mal-definidas 1,5%.
A Lista reduzida proposta possui algumas limitações. Primeiramente, não foi considerado na sua criação o peso ao nascer, um critério
básico para avaliar a evitabilidade do óbito. Além disso, quando se utilizam
as causas básicas de óbito registradas, há sempre o problema da validade
do diagnóstico médico. Vários estudos mostram que, após a investigação
do óbito, as afecções maternas adquirem muito maior importância do que
o previamente registrado na DO (Mendonça et al, 1994; Carvalho e Silver, 1995). Por fim, as taxas de mortalidade neonatal por prematuridade
e asfixia/hipóxia podem estar subestimadas. Por exemplo, em relação aos
dados de mortalidade neonatal de 2005, foram identificados 1.277 óbitos
classificados como “outras afecções respiratórias do recém-nascido” (código P28) e 456 classificados como “transtornos cardiovasculares do período
perinatal” (código P29), nos quais o recém-nascido tinha menos de 32 semanas de idade gestacional e, talvez, o mais adequado seria classificá-los
39
Seminário BH pelo Parto Normal
no grupamento da prematuridade. Por outro lado, identificamos 195 óbitos
classificados no código P28 e 107 no código P29 que eram recém-nascidos
a termo e com óbito ocorrendo com menos de 5 horas de vida, um critério
de asfixia segundo Lawn et al. (2006).
Por outro lado, a Lista reduzida tem várias vantagens. Uma delas
é a de utilizar as informações disponíveis no SIM, um sistema fantástico de coleta e processamento dos dados da DO, mas ainda subutilizado
em trabalhos científicos no País. Mesmo que haja dúvidas com relação à
confiabilidade dos dados, somente a utilização sistemática do SIM poderá
melhorar a sua qualidade. Além disso, a Lista reduzida permite algumas
comparações internacionais interessantes. Em relação à prematuridade
por exemplo, a taxa de mortalidade nos EUA em 1999 foi de 0,23/1.000
nascidos vivos (NCHS, 2002).. No Brasil quando se usa apenas o código
específico de prematuridade (P07), a taxa em 2005 é 1,2/1.000; quando
se agregam os códigos relacionados, a taxa sobe para 3,4/1.000, indicando
uma enorme diferença no risco de morrer por prematuridade, muito maior
no Brasil do que nos EUA. Também as taxas de mortalidade por asfixia
são muito diferentes: nos EUA, era de 0,13/1.000 em 2003 (CDC, 2007),
enquanto no Brasil, utilizando-se apenas os códigos tradicionais (códigos
P20-P21), o risco foi cerca de nove vezes maior em 2005.
Por fim, os riscos de morte neonatal também são diferenciados no
Brasil. Enquanto as taxas de mortalidade neonatal por causas mais evitáveis
como as infecções, asfixia/hipóxia e prematuridade são muito maiores nas
regiões Nordeste e Norte, as taxas por anomalias congênitas são relativamente semelhante, indicando que o risco de morte neonatal está associado
ao nível socioeconômico.
40
3. Oficina II: Evitabilidade de óbitos infantis e perinatais
Tabela 2 - Taxas de mortalidade neonatal (por 1.000 NV) segundo causas detalhadas. Brasil, 2005.
Grupamentos de Causas
Brasil
Regiões
N
NE
SE
S
CO
Prematuridade
3,4
3,5
4,9
2,4
2,3
2,8
Infecções
2,4
2,8
3,5
1,8
1,1
2,1
Asfixia/hipóxia
2,0
2,3
3,3
1,2
1,3
1,9
Malformações congênitas
2,1
1,8
2,3
1,6
1,9
2,1
Afecções respiratórias RN
1,2
1,1
1,9
0,9
0,7
1,0
Fatores maternos e relacionados à gravidez
1,1
0,6
1,7
0,7
1,2
1,0
Transt card orig per perinatal
0,5
0,7
0,9
0,4
0,1
0,1
Afecções orig per perinatal NE
0,5
0,6
0,8
0,2
0,2
0,2
Mal-definidas
0,2
0,5
0,4
0,1
0,1
0,1
Demais causas
0,8
0,9
1,0
0,5
0,5
0,6
Total
14,2
14,8
20,7
9,8
9,4
11,9
Como conclusão, ressaltamos que a maior qualificação da informação sobre as mortes neonatais no Brasil passa também pela discussão de
propostas de classificação de causas. Parafraseando Duchiade e Andrade (1994), queremos “Tornar visível o que permaneceu por tanto tempo
oculto”. Só assim poderemos identificar, no estudo das causas das mortes
neonatais, o que é mais relevante em saúde pública e quais ações devemos
considerar como prioridade.
41
Seminário BH pelo Parto Normal
Referências bibliográficas
Becker R, Silvi J, Ma Fat D, L’Hours A, Laurenti R. A method for deriving
leading causes of death. Bull World Health Organ. 2006;84 (4):297-304.
Carvalho ML, Silver L. Confiabilidade da declaração da causa básica de
óbitos neonatais: implicações para estudo da mortalidade prevenível. Rev
Saúde Pública 29: 342-348, 1995.
CDC - Centers for Disease Control. Deaths: Leading Causes for 2003
National Vital Statistics Reports, Vol. 55, No. 10, March 15, 2007. Disponível em http://www.cdc.gov/nchs/data/nvsr/nvsr55/nvsr55_10.pdf
(Acesso: outubro 2007).
Duchiade MP, Andrade CLT. Mortes Invisíveis: Mortalidade Perinatal no
Estado do Rio de Janeiro, 1979 a 1989. In: IX Encontro Nacional de Estudos Populacionais, 1994, Caxambu. Anais do IX Encontro Nacional de
Estudos Populacionais, v. 1. p. 43-71, 1994.
França E & Lansky S. Mortalidade infantil neonatal no Brasil: Situação,
tendências e perspectivas. In: RIPSA- Rede Interagencial de Informação
para a Saúde. Demografia e saúde: contribuição para análise de situação e
tendências. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2009; pg 83112..
Lansky S, França E, Leal MC. Mortes perinatais evitáveis em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 1999. Cad Saúde Pública 2002; 18:1389-400
Lawn JE, Ketende KW, Cousens, SN. Estimating the causes of 4 million
neonatal deaths in the year 2000. International Journal of Epidemiology
35(3): 706-718, 2006.
Malta DC, Duarte EC, Almeida MF, Dias MAS, Morais Neto OL, Moura L, et al. Lista de causas de mortes evitáveis por intervenções do Sistema
Único de Saúde do Brasil. Epidemiol Serv Saúde 16: 233-44, 2007.
Mendonça EF, Goulart EMA, Machado JAD. Confiabilidade da declaração de causa básica de mortes infantis em região metropolitana do sudeste
do Brasil. Revista de Saúde Pública, 28: 385-391, 1994.
NCHS- Natinal Center for Health Statistics. Five Leading Causes of Neonatal Mortality, United States, 1999. Prepared of March of Dimes Perinatal Data Center, 2002. (mimeo)
Ortiz LP Agrupamento das causas de morte dos menores de um ano segundo critério de evitabilidade das doenças. Fundação Seade, 2001.
Ortiz LP. Utilização das causas evitáveis na mortalidade infantil como instrumento de avaliação das ações de saúde. In: Anais do X Encontro Na-
42
3. Oficina II: Evitabilidade de óbitos infantis e perinatais
cional de Estudos Populacionais; 1996 7-11 out.; Caxambu, MG. Belo
Horizonte: ABEP, 1996. v. 4, p. 2253-68.
WHO- World Health Organization. Major causes of deaths among children under 5 years of age ans neonates in the world, 2000-2003.WHO,
2007. Disponível em: http://www.who.int/child-adolescent-health/
OVERVIEW/CHILD_HEALTH/map_00-03_world.jpg (Acesso: outubro 2007).
Wigglesworth JS. Monitoring perinatal mortality: a pathophysiological
approach. Lancet 684-686, 1980.
Wigglesworth JS. Extended Wigglesworth Classification. Confidencial
Enquiry into Maternal and Child Health, 2005. Disponível em: <http://
www.cemach.org.uk/Programmes/Maternal-and-Perinatal/Maternaland-Perinatal-Mortality-Surveillance/Classifications-used-for-coding.
aspx>.
43
Seminário BH pelo Parto Normal
3. Oficina II: Evitabilidade de óbitos infantis e perinatais
3.2. O quanto a vigilância dos óbitos infantis pode contribuir
na melhoria da qualidade da informação e da assistência:
a experiência do Recife
Paulo Germano de Frias7
O município de Recife apresenta algumas particularidades que interferem na gestão do sistema e organização dos serviços de saúde: uma
tradição de boa formação pediátrica; a herança da 2ª maior rede pública
de hospitais do país, superada apenas pelo estado do Rio de Janeiro, o duplo comando da rede de serviços (partilhada pelo estado e município) e a
ausência, até 8 anos atrás, de uma coordenação de Assistência à Saúde na
Secretaria Municipal de Saúde. Em função dessas características, a Política
Municipal de Atenção à Saúde da Criança vem atuando a partir da identificação de problemas prioritários, por faixa etária. Nas crianças menores de
um ano, o problema prioritário tem sido a mortalidade infantil, que sofreu
um recrudescimento nos anos de 1998 e 1999. Entre os componentes da intervenção para redução da mortalidade infantil está a vigilância do óbito.
No reordenamento do modelo de atenção à saúde, e suas implicações na assistência à saúde da criança, é preciso levar em conta a proposta
do Programa de Saúde da Família (PSF), onde a criança não é mais atendida pelo pediatra, e sim pelo generalista, nas áreas cobertas pelo programa.
Fundamental, então, tem sido garantir a formação desses trabalhadores
em serviço, aumentar a cobertura do Programa e garantir a integralidade
da atenção com ações de promoção e prevenção. A vigilância dos óbitos
infantis passou a ser entendida como fundamental na implementação da
qualidade do sistema de saúde a partir da tríade: sistemas de informação,
avaliação dos serviços e formação de profissionais.
A adequação dos Sistemas de Informação em Saúde (SIS) pode ser
avaliada por meio da cobertura do sistema, da regularidade da informação,
da definição da causa básica do óbito e da fidedignidade dos dados. Os SIS
ainda são pouco utilizados para a tomada de decisão política e assistencial,
não sendo considerados na definição de prioridades e na alocação de recursos, principalmente porque o gestor alega que a informação é indisponível,
e quando disponível não o é em tempo oportuno e os dados são de baixa
qualidade. Por outro lado, a cobertura dos SIS, a magnitude e variabilidade das causas mal definidas se relacionam às condições socioeconômicas,
culturais e de assistência à saúde. Ignorar e excluir a causa mal definida, e
se ater aos óbitos com causa básica definida, altera o perfil da mortalidade
descrito da localidade. As causas mal definidas devem ser vistas como uma
expressão da desassistência em saúde ou acesso não oportuno aos serviços.
A vigilância do óbito pode contribuir para melhorar a adequação das informações.
O óbito infantil é, também, um evento sentinela com o qual se pode
avaliar a qualidade e efetividade do sistema de saúde. Um evento sentinela
é qualquer caso de doença, incapacidade ou óbito prevenível por um sistema de saúde efetivo (Rustein et al, 1976). A ocorrência do evento sentinela
está diretamente ligada ao acesso ao serviço de saúde (que se relaciona
com a disponibilidade, a oportunidade, a conformidade e a responsividade),
bem como à sua qualidade e/ou efetividade. A vigilância epidemiológica do
evento sentinela identifica as falhas na assistência e permite ações para a
sua correção.
A vigilância do óbito infantil também pode contribuir para o processo formativo dos profissionais de saúde. No atual cenário da assistência à
infância, vivemos o paradoxo no qual se garante a sobrevivência de prematuros extremos, mas ainda não se superou as mortes por desnutrição, diarréias e doenças imunopreviníveis. Além disso, ingressa no sistema de saúde
um profissional generalista que não tem formação específica em pediatria e
que estudou em escolas de medicina que separa os sujeitos de seus contextos, oferece um conhecimento fragmentado, atemporal, reducionista e com
ênfase na especialização, no tecnicismo e no biologicismo. A questão que
se apresenta é: como esperar desses profissionais o exercício de uma prática
integralizadora, crítica, intencional e transformadora. Nesse contexto, a vigilância do óbito infantil se coloca como um instrumento na formação dos
profissionais de saúde ao se investigar e refletir sobre o caso, contribuindo
para que estes possam enfrentar os problemas vividos no seu cotidiano.
Após as investigações domiciliares, ambulatoriais e hospitalares, o
método utilizado na vigilância do óbito infantil, em Recife, inclui a construção de um resumo do caso, a leitura coletiva e a discussão interdisciplinar
incluindo do médico ao ACS), confrontando as diferentes compreensões
e perspectivas dos envolvidos. Cada profissional traz a sua representação
do óbito infantil a partir do seu conhecimento empírico e da vivência da
situação que culminou na morte. O diálogo crítico-reflexivo sobre o caso
favorece a criação de conflitos cognitivos internos nos envolvidos a partir
dos quais se identifica o que precisa ser mudado e buscam-se os conheci-
Pediatra e Epidemiologista. Mestre em saúde da criança. Diretor Executivo de Atenção
à Saúde da Criança e Adolescente da Secretaria de Saúde do Recife. Pesquisador do Instituto Materno Infantil de Pernambuco.
7
44
45
Seminário BH pelo Parto Normal
mentos necessários para intervir sobre essa realidade, fomentando ações
nos diferentes níveis de gestão e atenção.
O processo de implantação da vigilância do óbito em Recife começou em 2002 e foi concluído em 2006. A vigilância do óbito infantil tem
por característica ser uma ação institucional da Secretaria de Saúde do município, multiprofissional, confidencial, não punitiva, educativa e formativa.
Suas finalidade e funções são: analisar os óbitos e sua evitabilidade; corrigir
a estatística oficial e divulgá-la, eliminando ao máximo as causas mal definidas; formar e educar a partir da discussão e do debate; promover, prevenir
e mobilizar para evitar novos eventos. A vigilância do óbito infantil possui
quatro componentes (os óbitos fetais ainda não são investigados):
1º. Identificação dos óbitos infantis por meio da coleta diária da
Declaração de Óbito (DO), e destas são triados os residentes da
cidade, com validação do endereço. Uma cópia da DO é enviada
para os Distritos Sanitários, que iniciam o processo de investigação.
2º. Investigação epidemiológica, que ocorre nos níveis central, distrital e local, no hospital, nas unidades de atendimento, no domicílio e nos serviços de necropsia. São investigados todos os óbitos
de crianças menores de um ano de idade, exceto as com malformação congênita
3º. Discussão do caso, onde se faz uma reunião com todo o grupo
de técnicos e gestores de hospitais, da atenção primária, dos Distritos Sanitários e do nível central. Na reunião é realizada uma releitura do caso, identificando as múltiplas facetas identificadas na
investigação. A discussão ocorre nos Distritos Sanitários, com os
agentes comunitários de saúde, os profissionais da atenção primária (médicos e enfermeiros) e os gestores. Os aspectos enfatizados
na discussão dos casos são as causas do óbito, sua evitabilidade e
medidas de intervenção para evitar eventos futuros. A discussão
gera conclusões e recomendações. O prazo para conclusão da investigação é de cerca de 60 dias.
4º. Sistema de Informação, os dados da investigação são incorporados ao SIM e é possível fazer uma análise da situação epidemiológica do Distrito Sanitário e do município como um todo,
e dos estrangulamentos identificados. Apenas 0,2% dos óbitos
infantis ficam com causas mal-definidas. O nível de especificação
46
3. Oficina II: Evitabilidade de óbitos infantis e perinatais
da causa básica tende a aumentar bastante e a lógica da intervenção muda completamente, e o que era prematuridade passa para
afecções maternas, que abriga a maioria das causas.
Em 2007, Recife teve 284 óbitos infantis, sendo 222 elegíveis para
investigação. Desses, 97,8% foram investigados, mas só 51,4% foram discutidos no modelo proposto que inclui todos os profissionais envolvidos na
assistência. Os demais casos foram discutidos só pelos técnicos da vigilância e da assistência dos distritos e do nível central, sem a participação das
unidades básicas de saúde e hospitais.
Tabela 1 - Coeficiente de mortalidade infantil segundo critérios de evitabilidade. Recife, 2000 e 2007.
Critérios de Evitabilidade*
2000
Nº
CM
2007
Nº
Variação (%)
CM
Nº
CM
1. Redutíveis por imunoprevenção
1
0,04
0
0
- 100,0
- 100,0
2. Redutíveis por adequado controle na gravidez
65
2,6
104
4,8
+ 60,0
+ 84,6
UTI
5
0,2
13
0,6
160,0
+ 200,0
Hipertensão Materna
13
0,5
25
1,1
92,3
+ 120,0
Demais
47
1,9
66
3,0
40,4
57,8
3. Redutíveis por adequada atenção ao parto
65
2,6
33
1,5
- 49,2
- 42,3
Complicações da placenta, cordão e membranas
34
1,3
22
1,0
- 35,3
- 23,0
Hipoxia intra-uterina
12
0,5
4
0,2
- 66,7
- 60,0
Asfixia ao nascer
15
0,6
7
0,3
- 53,3
- 50,0
Demais
4
0,2
0
0
- 100,0
- 100,0
4. Redutíveis por ações prev dignóst e trat prec
192
7,5
49
2,3
- 74,5
- 69,3
5. Redutív p/intermédio de parcer c/outros setores
94
3,7
57
2,6
- 39,4
- 29,7
II. Não evitáveis
98
3,8
37
1,7
- 61,9
- 55,3
III Mal definidas
Total
5
0,2
4
0,2
- 20,0
0
520
20,4
284
13,0
- 45,3
- 36,2
Fonte: DVS/Secretaria de Saúde do Recife.
*Adaptação da lista da Fundação Seade.
A Tabela 1 compara o coeficiente de mortalidade infantil segundo
critérios de evitabilidade entre 2000, quando não havia investigação, e 2007,
quando quase 98% dos óbitos foram investigados. A investigação aumenta
a especificação da causa básica e mostra, com mais clareza, onde deve ser
47
Seminário BH pelo Parto Normal
a intervenção, contribuindo para o planejamento das ações e alocações de
recursos da gestão municipal. Assim, enquanto em 2000 as causas evitáveis estavam localizadas em prevenção, diagnóstico e tratamento precoce,
em 2007, migraram para adequado controle na gravidez, principalmente
hipertensão materna. Desde que esse processo de investigação foi implantado, houve uma redução de 20 para 13 óbitos por mil nascidos vivos, uma
queda de 36% na mortalidade infantil em Recife.
Referências bibliográficas
Rutstein DD, Berenberg W, Chalmers TC, Child CG, Fishman AP, Perrin
EB. Measuring the quality of medical care: a clinical method. N. Engl. J.
Med., 294: 582-8, 1976.
3. Oficina II: Evitabilidade de óbitos infantis e perinatais
3.3. Resultados do Comitê BH-Vida: Comitê de Prevenção
do Óbito Infantil e Fetal de Belo Horizonte
Isabel Triani8
Em Belo Horizonte, o Comitê de Prevenção do Óbito Infantil e
Fetal funciona desde 2002, vinculado à Comissão Perinatal, que é subordinada à Gerência de Regulação da Secretaria Municipal de Saúde. Seus
objetivos são analisar as circunstâncias dos óbitos, identificar os fatores de
risco, analisar os óbitos com enfoque de evitabilidade, mobilizar profissionais e serviços de saúde e propor medidas para a redução da mortalidade.
São investigados os óbitos fetais, neonatais precoces e neonatais tardios
com peso ao nascimento maior ou igual a 1.500 g, bem como os óbitos
pós-neonatais com qualquer peso de nascimento. Por outro lado, não são
investigados os óbitos em casos de malformações congênitas graves e/ou
outras doenças graves incompatíveis com a vida, declaradas na DO, e dos
residentes em outro município. O processo da investigação inclui entrevista domiciliar, levantamento dos prontuários (centros de saúde/consultórios, serviços de urgência, maternidades/hospitais) e verificação do laudo
de necropsia. Diante das informações coletadas, os óbitos são classificados
segundo sua evitabilidade a partir dos critérios da Fundação Seade e de
Wigglesworth.
A investigação resulta em um levantamento dos problemas – planejamento familiar, pré-natal, assistência ao parto, assistência ao recémnascido na maternidade, acompanhamento da criança no centro de saúde,
atendimento de urgência, atendimento hospitalar, dificuldades da família e
causas externas – que são notificados aos gestores dos Distritos Sanitários
com o objetivo de gerar mudanças na assistência.
Os casos são discutidos nos centros de saúde e nos Distritos Sanitários de maneira mais regular e nas maternidades uma vez por ano, quando
são levados os casos mais e emblemáticos. Além disso, quando pertinente, os
casos são levados à Comissão Perinatal e outros fóruns técnicos com o objetivo de melhorar a qualidade da assistência à gestante e ao recém-nascido
por meio do monitoramento das maternidades e da revisão dos protocolos
de assistência. A Tabela 1 apresenta a evolução das taxas de mortalidade perinatal e infantil, por componente, entre 2000 e 2007, em Belo Horizonte.
Observa-se uma tendência de queda em todos os componentes.
Pediatra - Comitê de óbitos da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte.
8
48
49
Seminário BH pelo Parto Normal
3. Oficina II: Evitabilidade de óbitos infantis e perinatais
3.4. Rede Norte-Nordeste de Saúde Perinatal
Tabela 1 - Taxas de mortalidade perinatal e infantil, por componente e por ano, dos
residentes em Belo Horizonte. 2000 a 2007.
Álvaro Jorge Madeiro Leite9
Infantil
Ano
Fetal
Neonatal
precoce
Neonatal
tardia
Pósneonatal
Total
2000
12,3
8,5
3,0
5,3
16,8
Perinatal
20,7
2001
11,8
5,9
2,6
5,5
14,1
17,7
2002
13,1
5,9
2,6
4,5
13,1
18,9
2003
12,1
7,4
2,3
5,7
15,4
19,4
2004
10,7
6,5
2,5
4,3
13,3
17,2
2005
11,0
6,9
2,9
4,5
14,4
17,9
2006
12,6
5,7
2,4
4,6
12,3
18,2
2007
10,4
4,9
2,8
3,8
11,5
15,2
Fonte: SIM/SINASC/PBH;
No ano de 2007, as mortes pós-neonatais responderam por 52% dos
óbitos evitáveis, segundo os critérios do comitê, enquanto as neonatais precoces representaram 28% e as tardias, 20%. Entre os óbitos pós-neonatais,
44% resultaram de causas perinatais, sendo a mais freqüente a asfixia (47%),
seguida pelas causas específicas (33%), considerando a classificação de Wigglesworth. Ainda para o ano de 2007, 67% dos óbitos fetais foram anteparto,
sendo que 29% ocorreram devido à asfixia e 4% por malformação congênita.
Considerando a classificação de evitabilidade de Wigglesworth. A principal
causa do óbito fetal é anteparto (73,4%), a do óbito neonatal precoce é a asfixia (55,6%) e a do óbito neonatal tardio são as causas específicas (41,7%).
Já pelos critérios de evitabilidade da Fundação Seade, o principal grupo de
causa de óbito fetal é Reduzíveis pela adequada assistência pré-natal (68,1%),
a do óbito neonatal precoce é o grupo Reduzíveis pela adequada assistência ao
parto (36,8%) e a do óbito neonatal tardio é o grupo Reduzíveis pelo diagnóstico e tratamento precoce (50%). Ou seja, os dados mostram uma coerência entre
os dois sistemas de classificação. Por fim, considerando a evitabilidade do
óbito segundo o peso ao nascer, entre os nascidos com 2.000 a 2.499 gramas
e o nascidos com mais de 2.500 gramas, as principais causas de óbito foram
relacionadas à assistência pré-natal (respectivamente 72% e 43%), assistência
ao parto (10% e 30%) e diagnóstico e tratamento (7% e 25%).
O Comitê não objetiva criar constrangimentos nem promover punições, mas garantir que as experiências negativas do óbito possam ser fonte
de crescimento e aprimoramento profissional e de melhoria da assistência à
população.
50
No Brasil, nascem cerca de 3 milhões de crianças a cada ano, a
maior parte em potencial situação de exclusão e cerca de 1/3 na região
Nordeste. O tema das desigualdades e iniqüidades, no Brasil, é bastante
complexo e nosso desafio é superar a ilusão de que soluções individuais podem resolver problemas coletivos. A proposta da Rede de Saúde Perinatal
Norte-Nordeste busca tanto superar o isolamento profissional, gestado na
formação profissional da medicina, como dar visibilidade aos problemas de
uma parte importante do País, que tem cerca de 1.000 bebês internados,
por mês, em unidades neonatais.
Um importante problema de uma unidade neonatal é que seus profissionais não sabem quem são e nem como trabalham. O profissional de
uma unidade neonatal, apesar de ter competência para executar procedimentos para os quais está tecnicamente preparado, vê o seu saber técnico
se diluir em uma atividade na qual o trabalho deveria ser essencialmente
cooperativo e reflexivo. A prática não é de responsabilidade exclusiva de um
único profissional, mas o profissional não vê as conseqüências das suas ações.
Podemos pensar, por exemplo, no caso de um recém-nascido prematuro de
1.000 gramas que vai a óbito na UTI. Na discussão das causas do óbito, há
uma dificuldade de se hierarquizar. Há os problemas de pré-natal, é lógico,
mas e se o bebê não receber o surfactante no momento adequado? Há um
fenômeno complexo na vida de uma UTI, onde o ocultamento prevalece,
pois ninguém sabe o que acontece coletivamente. Uma recente dissertação
de mestrado documentou que apenas 12% das crianças de Fortaleza faziam
avaliação oftalmológica com 4 semanas de nascimento, explicitando a ausência de avaliação da prática profissional e de suas conseqüências para os
bebês. Há um claro conflito entre a formação individualista do profissional
de saúde e sua atuação em um espaço radicalmente coletivo e de cooperação, que é a unidade neonatal.
Resultado preliminar do estudo “Aspectos da Assistência à Saúde ao Recém-nascido Gravemente Enfermo em Unidades Neonatais do
Nordeste do Brasil”, realizado em sete estados no Nordeste e 30 UTI Neonatais, apontou que dos 3.005 recém-nascidos internados, 27% eram de
muito baixo peso e o restante estava acima de 1.500 gramas. Entre os bebês
internados com menos de 1.500g, apenas 36% das crianças os casos usou
Doutor em Pediatria pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São
Paulo. Professor da Universidade Federal do Ceará. Coordenador da Rede Norte-Nordeste de Saúde Perinatal.
9
51
Seminário BH pelo Parto Normal
corticóide antenatal (18% de maneira completa e 18% de maneira incompleta); 56% usou surfactante, sendo que a média de tempo para o uso foi de
4 horas de vida; e 1/3 fez avaliação oftalmológica. Ora, quem sabe dizer se
essa terapia deveria ter sido utilizada e não foi? Quando o chefe da obstetrícia está preocupado com questões administrativas, os mecanismos para
a tomada de decisões ficam ocultos. A presunção de que o profissional está
fazendo o bem deve ser submetida ao monitoramente e à avaliação.
Saber como as coisas devem ser feitas não necessariamente implica
em mudança de comportamentos e práticas profissionais, principalmente
quando o trabalho coletivo se impõe sobre o individual e a competência
técnica se torna insuficiente para o trabalho em unidades complexas como
a UTI neonatal. Por isso, uma das iniciativas da Rede é uma intervenção
de médio e longo prazo na Educação Permanente, superando a lógica
da educação continuada, por meio de Círculos de Qualidade e Educação
à Distância, com foco no profissional. Os objetivos da Educação Permanente devem ser: criar estratégias para melhorar o cuidado com o paciente;
discutir formas de reduzir a variação inter-profissional da assistência e o
isolamento profissional; elaborar instrumento para mudar a performance da
unidade neonatal; e estimular o envolvimento e o compromisso mútuo de
cada um e de todos os profissionais.
Círculos de Qualidade se constituem por uma reflexão crítica, contínua e sistemática de um grupo de profissionais sobre a sua própria experiência, com o objetivo de melhorar o cuidado com o paciente por meio do
trabalho multiprofissional. É uma estratégia de educação que associa aumento do conhecimento com mudança da prática profissional. É um método para aprender e para mudar. É preciso conjugar melhor a aprendizagem
individual, a coletiva e a organizacional e investigar o que verdadeiramente
muda a conduta dos profissionais.
52
3. Oficina II: Evitabilidade de óbitos infantis e perinatais
3.5. Mortalidade infantil em São Luis, Maranhão
Antônio Augusto Moura da Silva10
Em São Luis a mortalidade infantil não se reduziu de 1979 a 1996,
a mortalidade neonatal apresentou tendência de alta e a mortalidade pósneonatal diminuiu pouco (Ribeiro e Silva, 2001). Esses resultados paradoxais se deveram provavelmente à melhora na notificação dos dados, historicamente deficientes. Entretanto, após a universalização da notificação, já
se registra queda na mortalidade infantil: usando-se a estimativa indireta, a
mortalidade infantil em São Luís decresceu 52%, de 34,0 por mil em 1994
para 16,4 por mil em 2003. A redução foi mais expressiva para o componente pós-neonatal (59%) do que para o neonatal (47%).
Entre janeiro e junho de 2004 foram investigados 154 óbitos infantis, por amostragem, e as causas evitáveis detectadas foram:
• Falhas no atendimento ao trabalho de parto (óbito por asfixia perinatal, por aspiração meconial, por trabalho de parto prolongado,
por tocotraumatismo e por circular de cordão).
• Retardo no atendimento de alto risco e falta de vagas nas maternidades, com peregrinação das mulheres em busca de leito.
• Anomalias congênitas sem diagnóstico e/ou tratamento, a maioria por cardiopatias congênitas que vieram a óbito por falta de
serviços cirúrgicos.
• Falta de estrutura nas unidades de emergência e internação para
dar suporte pós-alta da UTI neonatal aos recém-nascidos de baixo
peso.
53
Seminário BH pelo Parto Normal
3. Oficina II: Evitabilidade de óbitos infantis e perinatais
3.6. Mortalidade infantil e perinatal evitável
Tabela 1 - Continuação.
Alicia Matijasevich11
1993
2004
≤ 3 SM e < 2.500g
204
126
135
Os dados acerca da mortalidade perinatal e infantil do estudo da
coorte de Pelotas (1982, 1993 e 2004), estão sintetizados nas Tabelas 1 e 2.
≤ 3 SM e ≥ 2.500g
16
4
5
> 3 SM e < 2.500g
182
58
113
Tabela 1 - Mortalidade perinatal nas 3 coortes de Pelotas, 1982, 1993 e 2004.
> 3 SM e ≥ 2.500g
5
5
2
1982
1993
2004
Fetal
16,1
10,5
9,6
Neonatal precoce
16,4
11,7
9,0
Perinatal
32,2
22,1
18,5
Anteparto
13,1
6,0
8,4
Intraparto
2,5
3,6
0,7
Desconhecido
0,5
0,9
0,5
Mortalidade (coeficiente por 1.000)
Momento dos óbitos fetais (coeficiente por 1.000)
Pode-se observar que as melhorias ocorridas na mortalidade perinatal e infantil entre 1982 e 1993 foram maiores que as ocorridas no
período entre 1993 e 2004, sendo que alguns indicadores pioraram neste
último período. Por exemplo, entre as causas de morte perinatal, aumentou
a morte por prematuridade entre 1993 e 2004. Observam-se também desigualdades na mortalidade, com taxas mais elevadas entre as crianças de
famílias com renda mais baixa. (1,2)
Tabela 2 - Mortalidade infantil nas 3 coortes de Pelotas, 1982, 1993 e 2004.
Causa da morte perinatal (coeficiente por 1.000)
Anterparto
13,1
6,0
8,4
Malformações
2,3
2,5
2,0
Mortalidade (coeficiente por 1.000)
Imaturidade
7,3
3,9
5,7
Asfixia
4,5
8,3
Outras causas
5,0
1,4
28,6
59,9
1982
1993
2004
Neonatal
20,1
14,3
12,3
1,4
Pós-neonatal
16,2
6,9
7,1
1,0
Infantil
36,4
21,1
19,4
Perinatais
15,4
11,1
9,7
Mortalidade em menores de 2.500 g (coeficiente por 1.000)
Causas de morte infantil (coeficiente por 1.000)
Fetal
87,1
Neonatal precoce
127,0
80,2
73,1
Malformações
4,5
4,8
1,9
Perinatal
203,0
107,0
129,0
Diarréia
4,2
1,7
0,2
Infecções respiratórias
4,2
1,3
3,1
Mortalidade em maiores ou iguais à 2.500 g (coeficiente por 1.000)
Fetal
8,1
2,3
2,6
Outras infecções
3
0,2
1,2
Neonatal precoce
4,8
2,3
1,8
Outras causas
0,7
1,0
0
Perinatal
12,9
4,6
4,5
Mortalidade neonatal e pós-neonatal conforme o peso ao nascer (óbitos por
1.000)
33
22
BPN – neonatal
152
94
94
54
20
21
Mortalidade perinatal conforme renda familiar (óbitos por 1.000)
≤ 1 SM
54
1982
Mortalidade perinatal conforme renda familiar e peso ao nascer (óbitos por 1.000)
46
1,1 SM – 3 SM
34
22
21
BPN – pós-neonatal
3,1 SM – 6 SM
21
20
14
Não BPN – neonatal
6
4
3
6,1 SM – 10 SM
21
18
8
Não BPN – pós-neonatal
12
12
5
≥ 10 SM
12
5
5
55
Seminário BH pelo Parto Normal
3. Oficina II: Evitabilidade de óbitos infantis e perinatais
Referências bibliográficas
Tabela 2 - Continuação
1982
1993
2004
Mortalidade infantil conforme a renda familiar (óbitos por 1.000)
≤ 1 SM
80
33
32
1,1 SM – 3 SM
34
25
19
3,1 SM – 6 SM
17
11
18
6,1 SM – 10 SM
20
12
4
≥ 10 SM
13
5
0
Santos IS, Menezes AM, Mota DM et al. Infant mortality in three population-based cohorts in Southern Brazil: trends and differentials.Cad Saude
Publica 2008; 24 Suppl 3: S451-60.
Matijasevich A, Santos IS, Barros AJD et al. Perinatal mortality in three
population-based cohorts from Southern Brazil: trends and differences.
Cad Saude Publica 2008; 24 Suppl 3:S399-408.
Como resultado dos trabalhos de pesquisa realizados em Pelotas,
especialmente as coortes de nascimento e o respectivo acompanhamento
dos coeficientes de mortalidade infantil, que se mantinham superiores à
média do estado nos últimos anos, estabeleceu-se uma parceria entre o
Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da UFPel e a Secretaria
Estadual e Municipal da Saúde. Esta parceria impactou positivamente na
mortalidade infantil da cidade, obtendo-se uma redução significativa da
mortalidade infantil. No ano 2007, pela primeira vez, a mortalidade da
cidade de Pelotas ficou abaixo da mortalidade infantil do Estado (12.3 vs
12.7 por mil nascidos vivos em Pelotas e no estado de Rio Grande do Sul
respectivamente).
56
57
Seminário BH pelo Parto Normal
4. Oficina III: Experiências de redução da mortalidade materna
4. Oficina III: Experiências de redução da mortalidade materna
4.1. Trajetória dos Comitês de Prevenção da Mortalidade
Materna do Paraná
Vânia Muniz Nequer Soares12
Data e hora:
21 de agosto, das 8h às 12h
Coordenação:
Regina Viola (Coordenadora de Saúde da Mulher do Ministério
da Saúde)
Expositor:
Vânia Muniz Néquer Soares (Comitê Estadual de Prevenção da
Mortalidade Materna do Paraná)
Debatedores externos:
Sandra Valongueiro (Comitê Estadual de Estudo da Mortalidade
Materna de Pernambuco)
Rosângela Durso (Comitê Municipal de Prevenção da Mortalidade Materna de Belo Horizonte)
Participantes do debate:
Ana Cristina Tanaka (Universidade de São Paulo); Carlos Senra (Hospital Municipal Odilon Behrens); Daphne Rattner (Área
Técnica de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde); Denise
Kattah (Hospital Sofia Feldman); Esther Vilella (Política Nacional
de Humanização do Ministério da Saúde); Márcia Rovena (Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais); Marcos Dias (Instituto
Fernando Filgueiras da Fiocruz); Marli Vilela Mamede (ABENFO Nacional); Miriam Leão (Centro de Parto Normal David Capistrano); Regina Viola (Área Técnica de Saúde da Mulher Ministério da Saúde); Simone Diniz (Universidade de São Paulo);
Sônia Lansky (Coordenadora da Comissão Comissão Perinatal da
Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte); Virgínia Ferreira (Secretaria Municipal de Saúde e Hospital Sofia Feldman).
Os Comitês Estadual e Regionais de Prevenção da Mortalidade
Materna no Paraná foram implantados entre 1989 e 1990, após o “I Seminário Estadual sobre Mortalidade Materna no Estado”, realizado em 1988
com o apoio do Ministério da Saúde. Hoje o Paraná conta, além do Comitê
Estadual de Prevenção da Mortalidade Materna (CEPMM-PR), com 22
comitês regionais, 217 comitês municipais e 30 comitês hospitalares. Todos
os 399 municípios do estado realizam, a partir da Vigilância Epidemiológica, a investigação do óbito materno.
Os objetivos dos comitês são: contribuir para redução da mortalidade materna; corrigir a sub-notificação; avaliar a assistência à saúde materna, exercendo o controle social; subsidiar as políticas públicas e ações de
intervenção; contribuir para a melhoria da qualidade da assistência e da
informação.
O CEPMM-PR tem mais de 30 membros entre os quais se incluem universidades, conselhos e associações profissionais (CRM, Coren,
Abenfo, Aben, Associação Médica, SOGIPA) e movimento social (Rehuna, Rede Feminina de Saúde, Rede de Mulheres Negras, etc.). O Comitê
está sediado no Departamento de Epidemiologia da Secretaria Estadual da
Saúde, as reuniões são mensais, com cronograma anual, e é financiado com
recursos do VigiSUS.
As ações desenvolvidas pelo CEPMM-PR podem ser agrupadas
em quatro grupos: vigilância epidemiológica dos óbitos; educação, informação e divulgação; normatização; e assessoria.
Entre as ações de Vigilância Epidemiológica do CEPMM-PR estão: criação da rede de vigilância dos óbitos maternos nos 399 municípios
do estado, com definição do fluxo de encaminhamento das informações e
elaboração do banco de dados; correção do SIM; investigação de todos os
óbitos de mulheres em idade fértil (cerca de 3.000/ano); e elaboração dos
“estudos de caso de óbitos maternos”, nos quais cada óbito é sintetizado
pelo comitê, analisado pelas câmaras técnicas que define a causa do óbito e
devolvido aos serviços de origem.
Mestre em Enfermagem em Saúde do Adulto pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professora da Universidade Tuiuti do Paraná. Enfermeira sanitarista na Secretaria
de Estado da Saúde do Paraná.
12
58
59
Seminário BH pelo Parto Normal
A segunda ação mais importante da CEPMM-PR são as educativas, informativas e de divulgação. Nesse sentido, têm sido realizados os
Seminários anuais dos comitês do estado e o apoio à capacitação e atualização dos profissionais em humanização da assistência ao parto, direitos
e saúde sexual e reprodutiva, redução de cesáreas desnecessárias, pré-natal
de qualidade e assistência às emergências obstétricas. Outras atividades
são: a instituição do Dia Estadual de Prevenção da Mortalidade Materna
(28 de Maio); a divulgação de relatórios, bibliografia e estudos de caso
para os membros dos comitês, entidades profissionais, mídia, universidade
e Secretarias Municipais de Saúde; a elaboração de materiais educativos
(folders diversos, cartaz com protocolo para tratamento de hemorragias,
kit eclâmpsia com maleta de emergência, cartaz e cartilha); a criação do
boletim “Vigiar para Proteger” (no momento suspenso por falta de apoio
político e financeiro); bem como a produção de estudos para apresentação
em eventos científicos e publicação em periódicos.
Entre as ações normativas desenvolvidas, citamos a elaboração do
protocolo de condutas para hemorragias obstétricas, acompanhamento e
tratamento de gestantes hipertensas e o manejo da eclâmpsia. Foram elaboradas, também, resoluções aprovadas pelo Conselho Estadual da Saúde,
como o direito ao acompanhante e à humanização do parto.
As ações de assessoria contemplam a participação na elaboração
dos planos Estadual (Protegendo a Vida) e municipal de redução de mortalidade materna (Programa Mãe Curitibana). Também foi criado o “kiteclâmpsia”, que continha uma maleta de emergência com chek list e protocolo para o atendimento dos casos nas maternidades. O CEPMM-PR
também atua na assessoria, no apoio e no fortalecimento dos comitês regionais e municipais. Por fim, elabora propostas de ações estratégicas para
a redução da mortalidade materna que são apresentadas anualmente ao
gestor estadual.
Os dados do CEPMM-PR, entre os anos de 1991 e 2006, mostram
uma redução, não linear, dos óbitos maternos de 86 por 100.000 nascidos
vivos para 64 por 100.000 nascidos vivos. Por outro lado, a sub-notificação
do óbito materno permanece em torno de 40%, mantendo-se o fator de
correção em 1,7. As principais causas de óbito continuam sendo as obstétricas diretas – principalmente hipertensão, hemorragias e infecção – responsável por 70% dos óbitos de 2006. Setenta e seis por cento dos óbitos de
2006 eram evitáveis. Quando se considera a definição da responsabilidade
pelos óbitos maternos, em 2006, 71% dos óbitos maternos foram atribuídos
60
4. Oficina III: Experiências de redução da mortalidade materna
à assistência médica ou hospitalar, 34% poderiam ser evitados com melhorias no pré-natal e 30% com melhorias na atenção hospitalar.
Tabela 1 - Evolução da mortalidade materna no Paraná, por triênio, de 1990 a 2006.
Biênio
1990-1992
Óbitos
maternos
DHEG
Hemorragias
Aborto
Infecção
puerperal
Outras
causas
N
RMM
%
RMM
%
RMM
%
RMM
%
RMM
%
RMM
518
103
23,4
24,0
16,0
16,5
8,7
8,9
8,5
8,7
43,4
44,6
1993-1995
515
91,7
23,9
21,9
10,1
9,3
6,2
5,7
8,2
7,5
51,7
47,4
1996-1998
445
77,3
17,8
13,7
15,1
11,6
4,7
3,6
7,4
5,7
55,1
42,5
1999-2001
375
70,5
18,9
13,3
16,3
11,5
7,5
5,3
6,4
4,5
50,9
35,9
2002-2004
297
61,7
16,8
10,4
15,5
9,6
4,7
2,9
9,1
5,6
53,9
33,3
2005-2006
199
63,5
17,1
10,9
13,6
8,6
7,0
4,5
11,1
7,0
51,3
32,6
Redução total %
38,2
Redução anual %
2,2
54,8
47,7
49,9
19,5
27,0
3,2
2,8
2,9
1,1
1,6
Redução até 2015 (%)
36,8% em 9 anos
Redução anual necessária
4% ao ano
Taxa esperada
39,8/100.000 NV
Os dados levantados pelo CEPMM (tabela 1) e as sugestões das
estratégias de intervenção foram apresentados ao Secretário Estadual da
Saúde mostrando a evolução das taxas por triênio. A maior redução foi
em doenças hipertensivas, mas para atingir as metas do Pacto Nacional de
Redução da Mortalidade Materna, de 39,8 óbitos por 100.000, é preciso
reduzir a RMM em 37% em 9 anos, ou seja, 4% ao ano.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (2004), identificar os
determinantes da mortalidade materna e agir positivamente na busca de
resultados é mais importante do que saber apenas o nível preciso de magnitude da mortalidade materna, ou seja, é necessário saber quantas mortes
maternas ocorrem, mas é muito mais relevante saber porquê morrem e definir estratégias para redução dessa mortalidade. Ainda segundo a OMS, há
quatro grupos determinantes da mortalidade materna: desconhecimento
das mulheres sobre a necessidade de cuidados durante a gravidez, falta de
serviços, dificuldade de acesso a serviços de qualidade e cuidados inadequados ou prejudiciais. No Paraná, podemos afirmar que os determinantes
ainda se concentram em dificuldade de acesso a serviços de qualidade e cuidados inadequados ou prejudiciais, dada a elevada evitabilidade dos óbitos.
61
Seminário BH pelo Parto Normal
Caso exemplar são os óbitos por Doença Hipertensiva Específica
da Gravidez, que somaram 56 casos entre 2003 e 2005, todos evitáveis. Entre esses casos, 52% das mulheres não foram submetidas à sulfatação, que é
o protocolo de eleição definido pelo Ministério da Saúde. Por outro lado,
verificou-se o uso de uma grande variedade de outros anti-hipertensivos
(metildopa/aldomet em 36 casos, adalat/nefidipina em 26 casos, captopril
em 6 casos e hidralazina em apenas 4 casos). Também são usados diversos
tranqüilizantes e anticonvulsivantes (diazepan, neozine/levopromazina, hidantal e haldol), bem como hemoderivados em 49 casos e antibióticos em
29 casos.
Em suma, considerando a mortalidade materna por hipertensão
na gestação, os principais determinantes estão relacionados com cuidados
inadequados e dificuldades de acesso a serviços especializados de referência para atenção a gestação de alto risco. Entre as medidas de prevenção
incluem-se: monitoramento do uso de protocolos de tratamento consagrados cientificamente e recursos para sua efetiva execução; implantação
dos comitês hospitalares de morbi-mortalidade materna com o objetivo de
avaliar a assistência, apoiar os casos graves (near miss), identificar e corrigir
possíveis falhas no cumprimento dos protocolos do Ministério da Saúde; estabelecimento de chek list, com passos do diagnóstico e tratamento da DHEG; criação de um “disque emergências obstétricas” para apoio,
orientações e esclarecimento de dúvidas a profissionais com casos graves de
DHEG.
Considerando a melhoria da assistência à saúde materna, as principais recomendações são:
• Estimular as universidades públicas e privadas a adotarem protocolos aprovados pelo Ministério da Saúde e pela Febrasgo, disseminando as evidências científicas da boa prática obstétrica na
formação profissional.
• Qualificar e monitorar o pré-natal, com realização de busca ativa
dos casos de risco e acesso ao planejamento familiar imediato no
pós-parto.
• Mudar o modelo obstétrico, com redução de cesáreas desnecessárias e realização de parto normal por profissionais capacitados
e credenciados.
• Implantar políticas de humanização do parto nos hospitais públicos, com prazos definidos, exigindo profissionais qualificados
62
4. Oficina III: Experiências de redução da mortalidade materna
para acompanhar partos normais.
• Criar campanhas permanentes de incentivo ao parto normal.
• Promover o treinamento permanente e obrigatório para os profissionais no atendimento das emergências obstétricas.
• Implantar serviços eficientes e resolutivos para o atendimento da
gestação de alto risco.
• Acompanhar a implementação da RDC 36 da Anvisa, que dispõe sobre o funcionamento dos serviços obstétricos.
• Divulgar e garantir os direitos sexuais e reprodutivos.
Os principais desafios e recomendações para os comitês seriam: colaborar para implantação da Portaria 1.119 /08 que regulamenta a ação da
Vigilância Epidemiológica na investigação do óbito materno; criar comissões de controle de qualidade das maternidades e auditoria dos serviços
com recorrência de óbitos maternos evitáveis; ter garantida a autonomia
dos comitês de prevenção de morte materna e seu exercício de controle
social; realizar a vigilância da morbidade hospitalar (near miss); contribuir
para a identificação dos reais determinantes da morbi-mortalidade materna e estabelecer parcerias para seu controle.
Referências bibliográficas
Organização Mundial de Saúde. Beyond the Numbers: Reviewing Maternal Deaths and Complications to Make Pregnancy Safer. Geneva: WHO,
2004.
63
Seminário BH pelo Parto Normal
4. Oficina III: Experiências de redução da mortalidade materna
4.2. A experiência do Comitê Estadual de Pernambuco no
enfrentamento da mortalidade materna
Sandra Valongueiro13
O Comitê Estadual de Estudos de Mortalidade Materna (CEEMM-PE) foi criado em 1991 a partir de uma articulação entre o Departamento de Epidemiologia da Secretaria Estadual de Saúde, representantes
do movimento de mulheres e de professores das faculdades de medicina.
Ou seja, o Comitê de Pernambuco já se iniciou com a participação do
movimento de mulheres e com um “pé” dentro da epidemiologia. As ações
técnicas e políticas do Comitê vêm sendo estruturadas com base em quatro
dimensões da mortalidade materna: a magnitude, a subinformação, a evitabilidade e, mais recentemente, a violação dos direitos humanos das mulheres. Desde 2000 o Comitê mantém uma coordenação colegiada, sem a
figura do presidente, que atualmente é formada pelo movimento feminista,
a Saúde da Mulher da SES-PE e a Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia
de Pernambuco.
Em 1995, a Portaria Estadual 087/1995 regulamentou as atividades do Comitê e definiu a obrigatoriedade da notificação e investigação dos
óbitos de mulheres em idade fértil pela Vigilância Epidemiológica. Desde
1991 o Comitê definiu que não era seu papel investigar o óbito, que é uma
atividade e atribuição da Vigilância Epidemiológica. Por isso, toda a energia do Comitê foi dirigida na capacitação dos técnicos da Vigilância Epidemiológica dos municípios do estado, que ocorreu durante o ano de 1997.
Em 1999 foi produzido o Primeiro Relatório de Mortalidade Materna do
Estado com os dados de 1997.
Até 1998 o Comitê foi mais institucional. Entretanto, com a mudança da gestão estadual, houve um recuo na ação do Comitê porque o
gestor passou a ver o Comitê como um incômodo. Nesse período, o Comitê
saiu da Secretaria Estadual de Saúde e passou a atuar de forma independente. Esta foi uma fase difícil, mas também bastante profícua em termos
de produção acadêmica com os dados acumulados pelo Comitê. O período
de 2000 a 2008 tem sido a fase mais rica do Comitê, onde a vulnerabilidade, a dificuldade de acesso e a má qualidade da assistência passaram a ser
princípios norteadores do Comitê por serem manifestações da negação do
direito à saúde e à vida.
Em 2002 ocorreu o Caso Barreiros, onde 5 gestantes de uma mesma
cidade da região metropolitana do Recife morreram em um curto espaço
de tempo. A partir deste caso, denunciado pela comunidade, foi elaborado
um relatório para a Plataforma DHESC (Direitos Humanos Econômicos,
Sociais e Culturais) e estabelecida a parceria com Ministério Público Estadual.
Atualmente, além do Comitê Estadual, Pernambuco tem ainda 4
Comitês regionais (2 no Sertão e 2 no Agreste) e 6 comitês municipais, localizados nos grandes municípios da região metropolitana do Recife. Essa
distribuição sobrecarrega o Comitê Estadual, pois todas as questões que
poderiam ser resolvidas no nível local acabam sendo transferidas para o
nível estadual. Apesar de todos os municípios do estado terem pactuado
notificar e investigar os óbitos de mulheres em idade fértil, persistem problemas, principalmente com relação à qualidade da investigação. Apenas
Recife consegue investigar todos os óbitos de mulheres em idade fértil.
Pernambuco tem cerca de 3.000 óbitos por ano de mulher em idade fértil, e
um aumento crescente ao longo dos anos no número desses que vêm sendo
investigados.
O Grupo Técnico do CEEMM-PE discute semanalmente os óbitos maternos (declarados e presumíveis) ocorridos onde não há comitês e
valida a discussão dos Comitês regionais e municipais. A partir da conclusão dos casos, é efetuada a reclassificação do óbito em materno/não-materno e obstétrico/não-obstétrico (morte por causas externas, mantidas em
um banco paralelo para estudos). Também é definida a evitabilidade, sendo
que o CEEMM-PE não considera o fator “responsabilidade da mulher”,
pois entendemos que enquanto não se melhorar a qualidade do acesso e da
assistência ao pré-natal e parto, não se pode dizer que a mulher é responsável pela própria morte. Desta forma, o CEEMM-PE trabalha com três
fatores de evitabilidade: os institucionais, os profissionais e os sociais.
Quando são identificas falhas na assistência, e geralmente elas existem, as recomendações do Grupo Técnico são encaminhadas pelo Comitê
aos gestores municipais, aos profissionais de saúde, ao Conselho Estadual
de Saúde, aos Conselhos Regionais de Medicina e de Enfermagem e ao
Ministério Público. Ainda há uma dificuldade em definir os critérios para
identificar os casos que devem ser encaminhados ao Ministério Público, já
que o Comitê não tem papel de denúncia. Mas esta parceria já tem rendido
resultados, como no caso do fechamento de uma maternidade pela vigilância sanitária onde houve a morte de uma jovem na sala de parto porque o
Doutora em Sociologia (Demografia Social) pela Universidade do Texas, Austin. Médica
do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco. Pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Pernambuco.
13
64
65
Seminário BH pelo Parto Normal
4. Oficina III: Experiências de redução da mortalidade materna
médico obstetra fez a anestesia e a cesárea.
Outra atividade do Comitê tem sido discutir as atribuições da Vigilância Epidemiológica e do Grupo Técnico do CEEMM-PE, bem como
a insuficiência de Comitês Regionais e municipais em cidades com população acima de 100 mil habitantes, a falta de capacitação técnica das equipes
de investigação municipais /regionais e dos profissionais do Programa de
Saúde da Família, a dificuldade de acesso aos prontuários e a definição de
prazos para recebimento das investigações dos municípios e sua devolução
(feed-back).
O CEEMM-PE tomou a decisão de trabalhar com a Razão de
Mortalidade Materna Total (RMM Total), ou seja, a mortalidade precoce
e tardia, para não deixar de fora as mortes que ocorrem pouco tempo após
o prazo definido de 42 dias pós-parto. Pode-se perceber que a mortalidade
precoce recuou mais do que a mortalidade total, que apresenta uma tendência de estabilidade. Comparando as RMM brutas (declaradas) e corrigidas
(investigadas), observa-se que a sub-informação se mantém nos patamares
de 36 a 40%, provando a necessidade da investigação contínua.
Tabela 1 - Razão de Mortalidade Materna em Pernambuco, 1997-2006.
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
RMM total
bruta*
60,2
55,2
57,1
50,8
54,8
50,6
53,4
56,1
52,2
60,3
RMM total
corrigida
88,3
80,6
71,7
64,3
67,0
72,4
81,1
80,0
71,0
81,1
RMM
precoce
86,3
74,4
62,0
61,2
63,4
62,2
67,2
73,0
64,0
75,5
Fonte: Comitê Estadual de Estudos de Mortalidade Materna
No período 2004 a 2006, foram 343 óbitos maternos em Pernambuco, sendo 20,7% por hipertensão e eclâmpsia e 15,5% por hemorragias.
Importante chamar a atenção para 6% de óbitos por embolia, todos relacionados com falta de cuidados adequados após a cesárea, como a deambulação precoce, principalmente no interior do estado.
As mulheres que morrem são, em sua maioria, mulheres de baixa
renda, com idade entre 20-30 anos, agricultoras e domésticas, negras (pardas e pretas) e residentes nas pequenas cidades ou na periferia das grandes
cidades. A maioria fez pelo menos três consultas de pré-natal, teve parto
hospitalar e 95% foram classificadas como óbitos evitáveis. O CEEMM-
66
PE considera três categorias de evitabilidade: evitáveis, provavelmente evitáveis e dificilmente evitáveis. O conceito de inevitável não tem sido usado
em função da dificuldade de se obter todos os dados com relação aos casos
e com a ausência de necropsia para todas as mulheres.
Entre os avanços do CEEMM-PE identifica-se: a determinação
de que a investigação dos óbitos de mulheres em idade fértil é atribuição
da Vigilância Epidemiológica, ainda em 1995; a coordenação colegiada
com independência institucional; o forte papel no controle social com a
presença do movimento social (de mulheres e feministas) e a parceria com
o Ministério Público.
Os principais problemas do CEEMM-PE estão na articulação
com os municípios para a alimentação do sistema de vigilância dos óbitos
de mulheres em idade fértil e na avaliação da qualidade dos dados, na falta
de apoio financeiro e na dificuldade em conseguir a adesão de médicos
(as).
O CEEMM-PE vem transformando o caráter do óbito materno
de um problema de saúde pública para uma violação dos diretos humanos
das mulheres. Além disso, tem contribuído para reduzir morte materna, o
que pode ser verificado por dois indicadores: manutenção da RMM apesar
do aumento da cobertura das investigações e aumento relativo das causas
obstétricas indiretas em relação às diretas. Ou seja, embora independente e
não-institucional, o CEEMM-PE tem contribuído muito para estruturar
a vigilância dos óbitos maternos e qualificar o processo de trabalho.
Por fim, é preciso rediscutir o paradigma da assistência ao parto. O
modelo medicocêntrico cria a necessidade da presença do médico em todas as unidades de assistência ao parto, o que não é possível se concretizar
no interior. A ausência de médicos cria uma incapacidade de resposta das
redes municipais e uma centralização nos grandes centros urbanos, o que
resulta em retardo do cuidado e superlotação de leitos obstétricos. Buscando desafogar a pressão da demanda, o sistema responde com um aumento
nas taxas de cesarianas, que foi de 46% em Recife em 2006, sendo que o
Hospital das Clínicas, que recebe a maioria dessas mulheres do interior,
teve uma taxa de cesariana de 63%. Outra questão importante que deve ser
considerada é a situação em que a regulação de leitos rompe com o princípio da humanização quando define que uma mulher que mora na região
norte do Estado deve passar por quatro municípios para parir na região
sul.
67
Seminário BH pelo Parto Normal
4. Oficina III: Experiências de redução da mortalidade materna
4.3. Morte Materna – Experiência do Comitê de Prevenção
de Óbitos BH Vida
Rosangela Durso Perillo14
Belo Horizonte tem uma população de 2.424.292 habitantes, sendo a população feminina em idade fértil de 813.127 mulheres. O número
de nascidos vivos em 2007 foi 30.316, e estima-se em 24.213 o número de
gestantes usuárias do SUS/ano. A cidade teve 840 óbitos de mulheres em
idade fértil em 2007. Observa-se queda no número de nascidos vivos e o
aumento de taxas de cesáreas ao longo dos últimos anos.
O Comitê de prevenção ao óbito materno foi instituído em 1997,
vinculado à Comissão Perinatal, dentro da Gerência de Regulação, mas
com técnicos da Gerência de Epidemiologia. A partir de 2007, os Comitês
Infantil e Materno foram unificados em um único Comitê, em uma perspectiva de pensar a assistência perinatal de maneira mais integralizada.
Além do Comitê Central, que conta com três técnicos, há 9 Comitês Distritais (constituído por técnicos da epidemiologia e da assistência e
representante de Centro de Saúde) e os Comitês hospitalares (ainda incipientes). Na vigilância do óbito materno, o primeiro passo é a identificação
do óbito por meio do recolhimento diário das DO nos cartórios, separação
dos óbitos de mulheres em idade fértil, separação por tipo (materno, máscara e outros) e por Distrito Sanitário. O que tem contribuído na agilidade
do processo de investigação é a Portaria municipal, que determinou a notificação do óbito materno em 24 horas, via fax, diretamente para o gabinete
do Secretário de Saúde e para o Comitê. Ou seja, o Comitê toma ciência
do óbito antes da DO chegar.
A investigação do óbito inclui entrevista domiciliar, realizada pelo
Comitê Distrital e equipe dos centros de saúde e dos distritos, com levantamento de prontuários nos Centros de Saúde, urgências e dados de prontuários hospitalares, realizado pelo Comitê Distrital ou Comitês Hospitalares, quando existentes. Desde 2001 são investigados todos os óbitos de
mulheres em idade fértil, e observa-se uma oscilação no nível de declaração
do óbito materno na DO permanecendo uma porcentagem importante de
sub-notificação.
De posse de todas as informações, os técnicos dos Distritos Sanitários fazem um resumo do caso. Os técnicos do nível central, junto com
os membros do distrito, discutem o caso e fecham a causa do óbito, em
reuniões quinzenais. As conclusões e os encaminhamentos resultam em
um levantamento das falhas na assistência, e os casos são retornados para
discussão nas unidades de saúde (centro de saúde, distrito e hospitais).
A Tabela 1 mostra a proporção de óbitos maternos segundo as características da mulher. A grande maioria é preta ou parda, tem baixa escolaridade e é solteira (ou em união estável, que não consta no dado).
Tabela 1 - Óbitos maternos segundo características da mulher. Belo Horizonte, 2006
e 2007.
Características
2006 (N=20) 2007 (N=22)
Faixa etária
< 19 anos
5,2
9,0
20 a 25 anos
10,5
27,2
26 a 30 anos
42,1
22,2
31 a 35 anos
26,3
14,6
36 a 40 anos
15,8
27,3
Branca
31,6
31,8
Parda
52,6
59,1
15,8
9,1
Raça
Preta
Escolaridade
4 a 7 anos de estudo
42,1
8 a 11 anos de estudo
47,4
Mais de 12 anos de estudo
10,5
Estado civil
Casada
31,6
36,4
Solteira/separada
68,4
59,1
-
4,5
Ignorado
Na grande maioria dos casos os óbitos se devem a causas obstétricas diretas, principalmente hipertensão e hemorragia. Entretanto, há uma
grande proporção de óbitos maternos por causas externas não obstétricas
(4 casos em 2006 e 7 em 2007). A RMM apresenta uma tendência de queda, em Belo Horizonte, e foi de 42,9 por 100.000 nascidos vivos em 2007.
A discussão do óbito materno precisa avançar no enfoque de risco e no
conceito de evitabilidade. Com relação ao enfoque de risco, há o risco re-
Metsre em Enfermagem pela EEUFMG; Especialista em Epidemiologia em Serviços
de Saúde pela UFMG. Epidemiologista da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte. Professora da Fundação Mineira de Educação e Cultura (FUMEC). Coordenadora do Comitê de Prevenção ao Óbito Materno de Belo Horizonte.
14
68
69
Seminário BH pelo Parto Normal
produtivo (fatores de riscos em mulheres não grávidas) e o risco obstétrico
(gestante de risco), que precisam ser melhor discutidos.
Em Belo Horizonte as principais falhas na assistência pré-natal
que resultaram em óbito materno foram: dificuldades da UBS em acolher adequadamente, se responsabilizar e vincular à paciente, com falha na
busca ativa; pré-natal de início tardio, com número inadequado de consultas e falhas no cumprimento dos protocolos de pré-natal; incapacidade de
identificar gestante de risco, resultando em acompanhamento de gestante
de risco na UBS e encaminhamento de risco habitual para serviços de alto
risco; falta de registro de informações e não valorização das queixas.
As falhas identificadas na assistência ao parto foram: demora na
tomada de decisão obstétrica ou decisão técnica inadequada; não valorização das queixas e do quadro clínico; falta de registro de informações e
transferência sem estabilização do quadro clínico.
Na assistência ao puerpério, as principais falhar foram: alta precoce;
demora na liberação do leito de UTI; falta de acompanhamento após a alta,
principalmente de mulheres com doença de base; não realização da consulta de puerpério; demora no diagnóstico de alterações e falta de registro de
informações.
Na assistência obstétrica (pré-natal, parto e puerpério) e no planejamento familiar, os principais desafios no enfrentamento do óbito materno são fomentar a responsabilização e vínculo do serviço com a paciente,
melhorar a qualidade da assistência e a capacitação profissional e realizar
o planejamento familiar com abordagem do risco reprodutivo (fatores de
riscos em mulheres não grávidas).
Na atuação dos Comitês, muitos são os desafios. Na sua composição é preciso ter profissionais com o perfil adequado, o que muitas vezes é
dificultado pela falta de apoio administrativo, a alta rotatividade de pessoal
e a sobrecarga de trabalho. Na operacionalização da investigação é preciso melhorar sua agilidade e garantir o acesso aos prontuários hospitalares,
principalmente dos hospitais privados. Nos encaminhamentos das análises dos óbitos, é preciso avançar na classificação quanto à evitabilidade, na
sistematização das reuniões com os serviços de saúde para a discussão dos
casos e na divulgação dos resultados. Só assim será possível efetivar intervenções em tempo oportuno.
70
5. Oficina IV: Práticas baseadas em evidências científicas no parto e nascimento: experiências no setor público e privado
5. Oficina IV: Práticas baseadas em evidências científicas no parto e nascimento: experiências no setor público e privado
Data e hora:
21 de agosto, das 14h às 18h
Coordenação:
Carlos Henrique Mascarenhas (Sociedade de Ginecologia
e Obstetrícia de Minas Gerais - SOGIMIG)
Expositor:
Claúdia Zouain Soares (Agência Nacional de Saúde)
Debatedores externos:
Stella Safar Campos (ABRAMGE – Associação Brasileira de
Medicina de Grupo e SAMP MINAS)
Marcos Leite (Universidade Federal de Santa Catarina)
Ivo de Oliveira Lopes (Hospital Sofia Feldman)
Patrícia Pereira Rodrigues Magalhães(Hospital Risoleta Tolentino
Neves)
Coríntio Mariani Neto (FEBRASGO)
Participantes do debate:
Alzira Jorge (Gerência de Regulação da Secretaria Municipal de
Saúde); Ana Cristina Tanaka (Universidade de São Paulo); Daphne Rattner (Área Técnica de Saúde da Mulher do Ministério
da Saúde); Esther Vilella (Política de Humanização do Ministério da Saúde); Marli Vilela Mamede (ABENFO Nacional); Paulo
Batistuta (Universidade Federal do Espírito Santo); Sônia Lansky
(Coordenação da Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de
Saúde de Belo Horizonte); Zeni Carvalho Lamy (Universidade
Federal do Maranhão).
71
Seminário BH pelo Parto Normal
5. Oficina IV: Práticas baseadas em evidências científicas no parto e nascimento: experiências no setor público e privado
5.1. Parto Normal está no meu Plano: Movimento da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em favor do
Parto Normal
Cláudia Soares Zouain15
Segundo os dados da ANS, em março de 2008 havia 1.867 operadoras ativas no Brasil, atendendo um público de 49.281.416 beneficiários. Até 1998 o setor não era regulado. Com o advento da Lei da Saúde
Suplementar e da criação da ANS, em um primeiro momento o foco da
regulação foi a saúde econômica e financeira das empresas. Atualmente, o
foco prioritário da regulação é a Atenção à Saúde, e espera-se que o setor
suplementar da saúde seja produtor de SAÚDE, saúde entendida como
intervenção em todos os seus aspectos: promoção, prevenção, diagnóstico,
tratamento e reabilitação. Para tanto, é necessário induzir a configuração
de modelos de atenção à saúde que sejam centrados no beneficiário, que
valorizem as ações de promoção à saúde e prevenção de doenças e que observem os princípios de qualidade, integralidade e resolutividade.
Segundo dados do Programa de Qualificação das Operadoras, da
ANS, que monitora diversos indicadores, inclusive a taxa de cesárea, observa-se uma tendência de aumento nesta proporção, quando era de 64% em
2003 e passou para 81% em 2006. As taxas são muito maiores do que as do
setor público de saúde e elevam a média nacional.
A ANS tem incentivado o desenvolvimento de Programas de Promoção da Saúde e Prevenção de Riscos e Doenças por parte das operadoras
de planos de saúde, e trabalhado no sentido de aumentar a disponibilidade
de informações nessa área. Nesse sentido, desenvolveu um questionário, a
ser preenchido on-line através do sítio da ANS, com os objetivos de: conhecer o número de operadoras que desenvolvem Programas de Promoção
e Prevenção; identificar as estratégias de Promoção da Saúde e Prevenção
de Doenças implementadas pelas operadoras; coletar informações relacionadas à atenção obstétrica; subsidiar a elaboração da proposta de monitoramento e avaliação dos programas; subsidiar o planejamento de mecanismos
de indução à adoção de Programas de Promoção da Saúde e Prevenção de
Riscos e Doenças.
Ao todo 1.842 operadoras foram convocadas a responder o questionário e 1.351 efetivamente o fizeram. As operadoras que responderam
72
concentram 96,5% dos beneficiários do setor de saúde suplementar. Dessas, 946 responderam sobre atenção obstétrica. Os resultados preliminares
mostram que:
• 59% das operadoras possuem a figura do coordenador de atenção
obstétrica;
• 54% das maternidades são em hospitais gerais, 35% são maternidades credenciadas, 10% são maternidades dupla-porta e só 1%
tem maternidade própria;
• 91% das operadoras declararam possuir equipe de plantão com
obstetra e/ou enfermeira obstetra, mas só em 9% a enfermeira
obstetra realiza partos;
• A remuneração do obstetra é por procedimento ou pacote de
procedimentos em 95% das operadores e só 0,5% paga por desempenho;
• 58% das operadoras informaram fazer o levantamento do número de cesáreas e de partos normais realizados por obstetra e/ou
por maternidade;
• 32% responderam que informam os obstetras a respeito do número de cesareanas e partos normais realizados por eles;
• Apenas 8% responderam que informam as beneficiárias a respeito do número de cesareanas e partos normais realizados pela
operadora e/ou maternidade da rede;
• 82% informaram que não existe incentivo para obstetras que realizam parto normal;
• Apenas 20% informaram possuir protocolo/diretriz escrito com
boas práticas para o manejo do trabalho de parto e parto.
Na área de atenção à saúde da mulher, 76% dos programas referemse à atenção ao pré-natal, parto e/ ou puerpério e 52% referem fazer programas de incentivo ao parto normal. Na área de atenção à saúde da criança
predominam programas sobre incentivo ao aleitamento materno (62%).
Apesar das operados estarem investindo em programas de prevenção e promoção da saúde, quase 50% ainda não avaliou os seus resultados.
Das que avaliaram, houve 25% de redução nas internações e 22% de redução nos custos assistenciais. Com esses resultados é possível afirmar que
vale a pena fazer promoção e prevenção.
Para 2008, as ações prioritárias da ANS estão sendo: formação de
73
Seminário BH pelo Parto Normal
força-tarefa composta por representantes do Ministério da Saúde (Campanha pelo Parto Normal), da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres,
da ANS e da ANVISA (RDC 36); formação de um Grupo Técnico para
debater o problema e estratégias de enfrentamento para o setor suplementar, com representantes de entidades governamentais, sociedades de especialidades, e representantes de atores do setor suplementar; publicação do
material “O modelo de atenção obstétrica no setor de saúde suplementar
no Brasil: cenários e perspectivas”; diagnóstico dos programas desenvolvidos pelas operadoras, com divulgação dos resultados; elaborar e divulgar
Diretrizes/Protocolos de Promoção da Saúde e Prevenção de Doenças para
o setor suplementar, em parceria com a Associação Médica Brasileira, inclusive de atenção ao parto; implementar estratégias para programas específicos no setor de saúde suplementar que qualifiquem as ações realizadas
pelas operadoras, por exemplo juntar operadoras que atuam em prevenção
de tabagismo com o INCA, para qualificar suas ações.
Os resultados concretos só serão alcançados quando todos os setores da sociedade atuarem conjuntamente.
5. Oficina IV: Práticas baseadas em evidências científicas no parto e nascimento: experiências no setor público e privado
5.2. Experiência do Setor Privado
Stella Safar Campos16
A proporção de cesárea varia entre as operadoras da saúde suplementar, sendo que as menores taxas de cesárea ocorrem na medicina de
grupo, seguida pelas cooperativas médicas (Tabela 1).
Tabela 1 - Ocorrência de partos normais e cesáreas, segundo modalidade de gestão
das operadoras de saúde suplementar. Brasil, 2005.
Modalidade
Total
Partos
Cesáreas
Normais
Proporção
de cesáreas
Autogestão
4.574
3.972
602
86,8%
Autogestão patrocinada
27.710
22.968
4.742
82,8%
Cooperativa médica
457.977
351.927
106.050
76,8%
Filantropia
12.080
10.198
1.882
84,4%
Medicina de grupo
171.703
117.610
54.093
68,5%
Segmento Esp. Saúde
63.535
50.954
12.581
80,2%
Total
737.589
557.629
179.960
75,6%
A Abramge (Associação Brasileira de Medicina de Grupo) lançou,
no final de 2006, a campanha “Parto é Normal” para estimular as operadoras no incentivo ao parto normal e reduzir em 15% a taxa de cesariana, em
3 anos. A campanha tem três frentes principais: junto aos beneficiários de
planos de saúde, com trabalho educativo; junto aos médicos, com um projeto de educação continuada; e junto às operadoras associadas, propondo
mudanças em processos de gestão. Além disso, em 2007, a ABRAMGE
concedeu o Prêmio anual de Medicina e Jornalismo – que tem o objetivo
de destacar a atuação da imprensa e estimular a divulgação de assuntos das
áreas médica e de saúde, contribuindo assim para melhor informar, orientar
e conscientizar o público em geral – com o tema “Parto é Normal”.
Entre as estratégias da ABRAMGE para educação em saúde para
as usuárias está disponibilização de material informativo (folheto “10 motivos para fazer um parto normal”) que pode ser enviado por correio ou
distribuído no grupo de gestantes, bem como banners para sala de espera
de consultórios. Para o pós-parto, foi criado um pingente que é entregue
às gestantes que optaram pelo parto normal. Também são produzidas ma16
74
ABRAMGE. Enfermeira de Medicina Preventiva da SAMP.
75
Seminário BH pelo Parto Normal
térias para as revistas Medicina Social e ABRAMGE, publicações trimestrais distribuídas para todo o público.
Entre as estratégias de educação continuada para os profissionais
está a promoção de cursos, palestras e aulas, bem como a produção de materiais educativos impressos. Por meio do controle do número e da indicação
das cesarianas por profissional, pode-se fazer sugestões de novas condutas.
Há também o incentivo financeiro, baseado no menor custo do parto normal no que diz respeito à redução do custo hospitalar em função do menor
tempo de internação e menor uso de equipamentos e medicamentos. Por
fim, um trabalho com a auditoria permite o estabelecimento de metas, a
definição dos critérios para autorização da cesárea e o monitoramento da
utilização de horário noturno para cesariana eletiva, que tem por objetivo
otimizar o tempo do médico.
Entre as estratégias para os hospitais próprios estão: estabelecimento da meta de redução de 5% ao ano na freqüência de cesarianas, ou 15%
em 3 anos; manutenção de equipamentos para acompanhamento do trabalho de parto (cardiotocógrafos); instituição do partograma no acompanhamento do trabalho de parto; e criação de salas adequadas de pré-parto, para
melhorar o bem estar da gestante e garantir espaço de deambulação e para
o acompanhante. Quando o hospital não é próprio, sugere-se um controle
da taxa de cesárea no momento do credenciamento e um monitoramento
permanente dessa taxa.
No final de 2008, a ABRAMGE vai elaborar um questionário com
o objetivo de avaliar a adesão das operadoras ao programa, quais as ações
foram implementadas e quais resultados já foram auferidos. Os resultados
dessa pesquisa serão publicados no início de 2009.
A SAMP, uma operadora de medicina de grupo filiada à ABRAMGE, adotou o Programa “Parto é Normal”. Entre as atividades realizadas
pela SAMP estão: curso de gestantes com distribuição de material educativo; envio de material educativo pelo correio para as gestantes; proposta de
elaboração de um curso para os médicos; levantamento da taxa de cesariana
de cada profissional; parceria da medicina preventiva com o setor de auditoria e de internação; proposta de aumento da remuneração do médico;
envio de materiais educativos para o profissional, inclusive o do Ministério
da Saúde; pagamento do hospital por pacotes de serviços e avaliação da
qualidade do hospital com monitoramento das taxas de cesáreas.
5. Oficina IV: Práticas baseadas em evidências científicas no parto e nascimento: experiências no setor público e privado
5.3. Maternidade do Hospital Universitário da Universidade
Federal de Santa Catarina
Marcos Leite17
Triste Época! Mais fácil desintegrar um átomo que um preconceito.
Albert Einstein
Toda verdade inédita começa como heresia e acaba como ortodoxia.
Thomas Huxley
A maternidade do HU da UFSC tem 13 anos de existência e seu
principal objetivo é a mudança de modelo na assistência obstétrica. Por
isso, a inauguração da maternidade foi precedida por 10 anos de discussão,
por um grupo multidisciplinar, acerca da filosofia da nossa assistência. Definida a filosofia, a rotina do serviço teve que se adaptar a ela. Essa filosofia
já nasce em um paradigma que não o biomédico e que valoriza a mulher
como protagonista do seu parto. Além disso, vem tentando quebrar a hierarquia que coloca o hospital em primeiro lugar, seguido dos médicos, e
que esquece que a estrutura existe para assistir à mulher com qualidade. A
maternidade recebeu o título de Hospital Amigo da Criança em 1997; o
Prêmio Galba em 2000; e em 2001 foi considerada Centro de Referência
da Região Sul no Método Mãe Canguru.
Nessa lógica de mudança do modelo, a triagem é nosso cartão de
visita e o primordial é o acolhimento das mulheres, centrado na lógica de
que cada mulher é diferente, e cada parto é único. Nas nossas rotinas, o
enema só é realizado a pedido, depois da informação da mulher de que não
há necessidade e que pode atrapalhar o trabalho de parto. A tricotomia e
a punção venosa não estão na rotina, e a dieta padrão é líquida, sendo que
gradativamente vem sendo implementada a dieta livre, de acordo com o
desejo da mulher. A mudança nessas rotinas não se deu sem conflitos e
emblemática foi a fala de um médico na discussão sobre enema: “eu não me
formei em medicina para assistir parto cheirando a merda”. Ou seja, para
quebrar mitos e preconceitos, o trabalho é hercúleo.
Com relação ao pré-parto, já existe um projeto arquitetônico para a
criação dos quartos PPP – pré-parto, parto e pós-parto no mesmo ambiente – um com banheira, e manutenção de apenas um ou dois leitos de préMédico ginecologista e obstetra. Mestre em Saúde Pública. Integrante da ReHuNa –
Rede pela Humanização do Parto e Nascimento.
17
76
77
Seminário BH pelo Parto Normal
parto para gestante de risco. No pré-parto não se faz mais aminiotomia de
rotina, estimula-se a presença de um acompanhante e a adoção de posições
não supinas, são oferecidos métodos não farmacológicos e não invasivos
de alívio da dor (acompanhante, compressas, banhos, mudança de posição,
massagem, música, contrapressão). A analgesia continua sendo oferecida
quando a mulher realmente demanda, não suporta a dor após oferta dos
outros métodos de alívio.
A atenção ao parto normal não tem como ser individual, e deve ser
multidisciplinar. Entre 2002 e 2003, 16% dos partos do HU eram assistidos por enfermeiras, mas houve alguma dificuldade com esse modelo de
assistência quando a maternidade recebeu o residente, que, regra geral, quer
assistir todos os partos.
Ainda com relação à assistência ao parto, as mulheres são estimuladas a adotar qualquer posição que lhes agrade, evitando longos períodos
em decúbito dorsal. Ou seja, as mulheres são estimuladas a experimentar
aquilo que for mais confortável, e suas escolhas são apoiadas, já que os
prestadores de serviço devem ser treinados a assistir os partos em outras
posições além da supina, a fim de não ser um fator inibidor na escolha de
posições.
O estímulo das posições verticais se baseia nos estudos que mostram as suas vantagens: diâmetros do canal de parto maiores; melhor ângulo de encaixe da apresentação; menor pressão intravaginal; ação da gravidade mais favorável; não compressão dos grandes vasos maternos; contrações
uterinas mais eficazes; forças de puxo maiores; melhor oxigenação e equilíbrio ácido-básico materno e fetal; menor duração do período de dilatação
e expulsivo, e menor utilização de drogas e anestesias.
Como faltam estudos acerca das vantagens das posições verticais
para o recém-nascido, uma pesquisa conduzida na maternidade chegou às
seguintes conclusões: as condições neuro-cárdio-respiratórias dos recémnascidos (Apgar no 1º e no 5º minuto) foram discretamente melhores quando a mulher assumiu a postura vertical no segundo período do trabalho de
parto; os recém-nascidos de parturientes entre 15 e 20 anos de idade que
assumiram a postura vertical apresentaram condição neuro-cárdio-respiratória significativamente superior aos dos nascidos de partos horizontais;
os recém-nascidos com mais de 4.500g apresentaram pior condição neurocárdio-respiratória, em comparação aos de 4.500g ou menos, independente
da posição adotada pela mulher no segundo período do trabalho de parto
(Santos, 2007).
78
5. Oficina IV: Práticas baseadas em evidências científicas no parto e nascimento: experiências no setor público e privado
Na maternidade do HU, a taxa de partos em posição não supina é
ascendente, passando de 1% por ocasião da inauguração da maternidade,
em 1985, para 73% em 2007. Não há mais nenhum parto em posição deitada, no máximo ela está em posição semi-sentada.
Outra mudança importante, e difícil, na assistência ao trabalho de
parto foi a eliminação da episiotomia de rotina. A posição oficial da instituição é de uso restrito da episiotomia com registro obrigatório da indicação do procedimento. Observamos que a possibilidade de uma auditoria
alavancou a mudança na assistência, e uma prática que era de 40% em 1999
passou para cerca de 5% em 2007. Esta mudança em um hospital escola
é muito importante, pois os residentes já saem da universidade com essa
formação e espalham essa filosofia para outros serviços.
Com relação ao momento para clampeamento do cordão, a rotina
é que o clampeamento tardio é a forma fisiológica de tratar o cordão e o
clampeamento precoce é uma intervenção que deve ter motivos para ser
realizada (parto prematuro, doenças com possibilidade de transmissão vertical).
Apesar das mudanças significativas em várias das práticas da assistência, persiste no HU uma taxa de cesárea em torno de 30%. Interessante
observar que entre meia-noite e cinco horas da manha os partos quase não
complicam, mas entre 21 e 23 horas, há um altíssimo risco de complicação,
ou seja, há práticas da ordem do pessoal, mais difíceis de serem mudadas.
Para terminar, Robbie Davis-Floyd nos ensina que “o útero, muito mais do
que um músculo involuntário, é uma parte responsiva do todo; as atitudes
racionais e emocionais da parturiente, assim como os sentimentos e ações
do pai ou de outro acompanhante, afetam sua performance durante o trabalho de parto. O corpo feminino ‘sabe’ como gerar o bebê e como parir;
a mulher deve confiar neste conhecimento por pertencer a ela própria. Os
sentimentos e necessidades desta parturiente, assim como os fluxos de sua
experiência, são importantes e devem sobrepor-se às rotinas e procedimentos da instituição. Esta instituição, a ciência e a tecnologia devem estar
disponíveis para servir a esta mulher, não para se sobrepujar a ela. Esperamos desta forma contribuir concretamente para uma mudança de paradigma, encarando o parto e o nascimento como um momento privilegiado de
fortalecimento (empowerment) da mulher que deverá ser cuidada, nutrida,
amparada, e, principalmente, respeitada e celebrada!”
79
Seminário BH pelo Parto Normal
5. Oficina IV: Práticas baseadas em evidências científicas no parto e nascimento: experiências no setor público e privado
5.4. A experiência do Hospital Sofia Feldman
Referências bibliográficas
Fraser WD, Turcot L, Krauss I, Brisson-Carrol G. Amniotomy for shortening spontaneous labour. Cochrane Review. In: The Cochrane Library,
Oxford. 2008.
Simkin PP, O’Hara M. Nonpharmacologic relief of pain during labor: systematic reviews of five methods. American Journal of Obstetrics and Gynecology 186(5): S131-S159, 2002.
Gupta JK, Hofmeyr GJ. Position for women during second stage of labour.
Cochrane Review. In: The Cochrane Library, Oxford. 2004.
Santos PQ. Avaliação do recém-nascido segundo a postura materna no
momento do parto [TCC]. Florianópolis: UFSC; 2007.
WHO. Care in normal birth. Geneva: World Health Organization, 1996.
Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Área Técnica de
Saúde da Mulher. Parto, aborto e puerpério. Assistência humanizada à mulher. Brasília: Ministério da Saúde, 2001.
Davis-Floyd R. Birth as an american rite of passage. 1s ed. Berkley. London: University of California Press; 1992.
Ivo de Oliveira Lopes18
Construir nesse País uma mudança no modelo de assistência à saúde é uma responsabilidade de todos nós, dos profissionais e das mulheres.
O Hospital Sofia Feldman atende, por opção, exclusivamente ao SUS-BH.
Enquanto administrador, preocupa-me o processo de institucionalização
das nossas práticas, de forma que mudanças no quadro de pessoal não implique no fim ou na suspensão dessas práticas. O que nossas maternidades
vão se tornar quando formos substituídos por outros profissionais?
Sabemos que nos hospitais a autonomia dos médicos se impõe. Por
isso, as mulheres e os pacientes precisam de autonomia para se contrapor
a este grupo. Em busca de construir um melhor balanço de forças, o Sofia
atua com uma gestão colegiada forte, que para se viabilizar precisa garantir
a democracia interna da instituição, bem como o compromisso e a responsabilização dos profissionais. Ao abrir o hospital e comprometer todos os
trabalhadores com a gestão, a autonomia exclusiva de uma categoria não se
impõe na estrutura, e aumentamos a possibilidade de manter a mudança.
A humanização da assistência pressupõe relações solidárias no cotidiano dos provedores de cuidados. É necessário cuidar e valorizar o trabalhador da saúde para que ele preste uma assistência de qualidade e humanizada. A humanização não se sustenta se não houver políticas para os
trabalhadores da saúde. O desafio da cidadania é de toda a sociedade e foi
buscando implementar essa filosofia que o hospital passou a oferecer aos
seus funcionários serviços que, por não estarem previsto pelo SUS, agora
nos pedem para que sejam extintos.
Entre 70 e 80% de nossos trabalhadores são mulheres. Quais são os
interesses delas? Como atender esses interesses? Não é fácil, mas é necessário. A questão não deve ser reduzida ao custo dessa opção, e sim ao seu
ganho, pois são investimentos que se fazem para a valorização do trabalhador. Deve ser nossa preocupação prover a estas mulheres condições para que
trabalhem com tranqüilidade quando têm filhos, por exemplo. Por que não
cumprimos a lei de creches? Como defender a amamentação exclusiva até
os 6 meses se nossas trabalhadoras são impedidas de amamentar? Foi pensado nisso que o hospital criou a sua creche.
Por outro lado, somos trabalhadores da saúde e estamos adoecendo,
ficando obesos, hipertensos e diabéticos. O Espaço “Sofia em Forma”, a
18
80
Médico ginecologista e obstetra. Diretor Administrativo do Hospital Sofia Feldman.
81
Seminário BH pelo Parto Normal
promoção de caminhadas ao ar livre e a realização de atividades laborais
foram as estratégias criadas para ajudar o trabalhador a cuidar da sua saúde.
O Espaço “Sofia em Forma” é uma mini-academia de ginástica que fica à
disposição do trabalhador. Quando o trabalhador se vê como cidadão-usuário, ele trabalha para construir um serviço melhor para todos. E, quando vai
para casa, se sente comprometido com a construção da cidadania.
Para a humanização também deve ser garantida a vinculação das
redes básica e hospitalar, fundamental para a segurança da gestante e a garantia do acesso. Não é possível mais ficar nesse jogo de empurra de responsabilidades entre a assistência básica e a hospitalar; somos uma rede
única que deve conversar sobre suas deficiências. A vinculação se constrói
no cotidiano, por meio de contatos e visitas, bem como de oficinas e reuniões para a construção conjunta do diagnóstico da situação e de protocolos
de atendimentos viáveis e eficazes.
Nesse sentido, a vinculação da gestante com a maternidade, a partir
do pré-natal, foi um passo fundamental na humanização da assistência em
Belo Horizonte. Além disso, para garantir o acesso da gestante é preciso
fortalecer as centrais de regulação, que devem ter o controle de todos os
leitos, bem como das altas.
Ainda na atenção à gestante, todas as cidades pólos das regiões metropolitanas e das regionais de saúde devem ter Casa de Gestantes para
receber mulheres que precisam de um atendimento mais complexo longe de
suas casas e que não podem ficar viajando. A manutenção do apoio às gestantes de risco em locais sem recurso para seu atendimento e/ou sua transferência aumenta a morbi-mortalidade materna e perinatal. Não é possível
um País tão rico alegar que não tem condição de manter Casa de Gestante!
As doulas comunitárias e a presença do acompanhante de livre escolha da mulher são práticas bastante antigas no hospital. Entretanto, ainda
falta garantir o acompanhante do bebê internado na UTI neonatal, já que o
SUS-/Secretaria de Saúde não reconhece esse direito, pois não há financiamento para o acompanhante da criança internada. Ora, como uma criança
de 29 semanas, toda entubada, não pode ter acompanhante? Nós temos que
tomar a decisão pessoal de garantir esse direito, que é violado no cotidiano
dos serviços. Isso é uma questão de humanização. Quando a mulher mora
longe, ela precisa estar em um lugar próximo ao hospital para acompanhar o
seu bebê internado. Se o hospital vai alugar um local, se vai comprar, como
vai pagar é outra história, tem que ser garantido esse direito!
82
5. Oficina IV: Práticas baseadas em evidências científicas no parto e nascimento: experiências no setor público e privado
A mesma situação deve ser enfrentada para o PID-Neo, quando a
mulher não reside perto do hospital. Além da carência do leito hospitalar,
o seu custo é muito alto, e há um momento em que o bebê precisa ganhar
peso, mas não necessariamente precisa do leito hospitalar. Quando a mulher
reside no distrito sanitário do hospital, o atendimento a esse bebê é domiciliar. Mas e quando a mulher mora no interior? O mesmo direito deve ser
garantido a ela, por meio da manutenção de um espaço próprio próximo ao
hospital que a receba, junto com o seu bebê, até que possam ter a alta definitiva.
Muitas vezes nossos recursos são poucos e as soluções dependem de
criatividade e de um olhar atento. Aprendi certa vez com um especialista
em aleitamento materno que a cama do hospital era alta demais e restringia
a mulher ao leito. A solução era serrar o pé das camas do hospital para que
elas ficassem na altura da cama que a mulher tem em casa. Com relação ao
berço para o recém-nascido, eu observava que a mulher colocava a sacola no
berço, e o bebê na cama com ela. Então, era melhor eu colocar uma cama
maior (de 1 metro de largura) e tirar o berço. Para caber o acompanhante
no pós-parto eu tive que tirar a mesinha de cabeceira (substituída por prateleiras na parede) e no lugar colocar a cadeira do acompanhante. Também
foi preciso inserir divisórias entre as camas no pós-parto para garantir a
privacidade das mulheres. Outras ações podem ser bastante humanizadoras,
como oferecer um lanche para a mulher que acabou de ter um bebê, independente da hora que for, e propiciar banho de sol para os recém-nascidos.
O corte do cordão umbilical deve ser entendido como um momento
de grande carga simbólica, que contribui para criar uma rede de proteção
social e apoio para a criança. Ou seja, quem corta o cordão do bebê vai olhar
a criança com responsabilidade: “eu cortei o seu cordão, sua história está
junto da minha”. Por isso, estimulamos a participação do pai nesse momento, ou de outra pessoa da confiança da mulher.
O parto é um evento social e biológico, que acontece em um contexto
único de cada mulher, que tem sua história de vida, suas crenças, seus valores
e seus desejos. Esse contexto precisa ser reconhecido, respeitado e atendido
para que a mulher se torne a protagonista deste momento tão esperado. A
gente tem que evoluir para saber ouvir a mulher, ter paciência e esperar.
Cada nascimento é um momento especial que deve ser compartilhado com
os entes queridos da mulher. Possibilitar que o nascimento ocorra em um
ambiente humano, vinculante, seguro, acolhedor e prazeroso é permitir que
o potencial do nascimento de mudar o mundo e construir a paz, aconteça.
83
Seminário BH pelo Parto Normal
5. Oficina IV: Práticas baseadas em evidências científicas no parto e nascimento: experiências no setor público e privado
5.5. Práticas baseadas em evidências científicas no parto
e nascimento: a experiência da Maternidade Risoleta
Tolentino Neves
Patrícia Pereira Rodrigues Magalhães19
A maternidade Risoleta Tolentino Neves é nova, tem exatamente
um ano de funcionamento, com início das atividades em Agosto de 2007, e
se localiza dentro de um hospital de pronto socorro universitário, vinculado
à UFMG, na região de Venda Nova, em Belo Horizonte. A idéia inicial é
que o funcionamento da maternidade neste hospital seja provisório, e que
ela seja transferida para o Hospital Municipal Dom Bosco, que está em
fase final de reforma.
O modelo de assistência da maternidade é hospitalar e considera a
humanização como a legitimidade científica da medicina, ou da assistência
baseada na evidência científica. A prática é orientada por revisões sistemáticas de ensaios clínicos randomizados. Trata-se de um modelo novo de
assistência que vem sendo implantado no dia-a-dia da maternidade.
A humanização do parto é realizada através do respeito à gestante,
obedecendo suas preferências, e do respeito à fisiologia do parto, com uma
redefinição das relações humanas na assistência, como revisão do projeto
de cuidado, e mesmo da compreensão da condição humana e de direitos
humanos, evitando-se imposições e intervenções desnecessárias.
A assistência à gestante é multidisciplinar, realizada por equipe
composta por médico obstetra, enfermeira obstetriz, residente de GOB,
acadêmico de medicina, anestesiologista, neonatologista e doulas. Na admissão, todas as pacientes são avaliadas pelo médico obstetra, juntamente
com o estudante de medicina, e a indicação de internação também é realizada pela equipe médica. Após a internação, obstetras, residentes, estudantes e enfermeiras acompanham conjuntamente o trabalho de parto e
parto das gestantes, discutindo as condutas e dividindo responsabilidades
e tarefas. Encontramos ainda alguma resistência em relação ao trabalho
multidisciplinar, principalmente porque a maioria dos profissionais não
está habituada a trabalhar em conjunto, por não terem recebido esta formação em suas escolas. No entanto, estamos buscando, a cada dia, construir
uma equipe integrada, com bons resultados. É importante enfatizar, neste
momento, a importância do exemplo e do ensinamento deste tipo de in-
84
tegração aos futuros profissionais, lembrando que estamos dentro de um
hospital universitário.
Na assistência clínica às gestantes em trabalho de parto, foram abolidos da rotina o enteroclisma e a tricotomia. Realizamos o uso obrigatório do partograma, que estabelece a indicação para aceleração do trabalho
de parto com ocitocina e amniotomia. Realiza-se monitorização fetal com
ausculta intermitente e monitorização contínua do parto, com cardiotocografia, quando necessário. Preconizamos o uso seletivo da episiotomia,
embora ainda tenhamos resistência de alguns profissionais em abolir a episiotomia de rotina.
Na assistência ao recém-nascido, há presença obrigatória de neonatologista na sala de parto em todos os nascimentos. O clampeamento do
cordão umbilical ocorre após 30 segundos, exceto nas indicações clássicas
de clampeamento precoce. Realiza-se contato pele a pele imediato e efetivo
da mãe com o recém-nascido, bem como amamentação na primeira hora
de vida. Evita-se o uso de práticas desnecessárias para o recém-nascido
normal na primeira meia hora de vida, como aspiração de vias aéreas, pesagem, antropometria, credê e vitamina K.
Pela filosofia da maternidade, consideramos que a mulher, gestante,
é a protagonista do processo de parturição, tendo autonomia para tomar
decisões sobre sua saúde. A posição central da mulher no processo de nascimento e sua dignidade estão na sua autonomia e seu controle sobre a situação. Para tanto, busca-se garantir o exercício da escolha pela deambulação,
ingestão livre de líquidos e posicionamento durante o trabalho de parto e
parto, com incentivo do parto em posição não litotômica. Para alívio da
dor, contamos com a realização de analgesias, realizada conforme desejo da
paciente, e não de rotina, além de recursos como banho, massagem, bola do
nascimento, escada de Ling e banco. Ainda não contamos com banhos de
imersão, banheiras.
Os partos são realizados no modelo PP (pré-parto e parto), contamos com três salas de PP, cada uma com um banheiro individual. Estimulamos a presença de um acompanhante durante todo o processo do trabalho
de parto, de livre escolha da paciente, pois “... a presença de acompanhante
contribui para a melhoria dos indicadores de saúde e do bem-estar da mãe e do
recém-nascido. A presença do acompanhante aumenta a satisfação da mulher e
reduz significativamente o percentual das cesáreas e a duração do trabalho de
parto (Hotimski Apud Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos, 2002)” .
85
Seminário BH pelo Parto Normal
Por sermos um hospital universitário, relembramos o nosso compromisso de reproduzir este modelo para nossos residentes. Nós não tivemos essa formação, e é fundamental que acadêmicos e residentes aprendem
a trabalhar e equipe multidisciplinar, a respeitar os seus colegas de trabalho
e, principalmente, a respeitar a paciente gestante, vendo-a como sujeito
central do trabalho de parto.
Neste um ano de funcionamento (agosto de 2007 a Julho de 2008),
a maternidade realizou 2.975 nascimentos, sendo 2.241 (75,33%) partos
normais, e destes 1.376 (61,4%) foram assistidos por médicos obstetras e
865 (38,6%) por enfermeira obstetriz. Os médicos residentes assistem os
partos tanto com médicos quanto com enfermeira, visando o aprendizado
de técnicas diversas. A taxa de episiotomia ficou entre 25 e 30% e a analgesia entre 15 e 20%, valores próximos aos preconizados pela OMS.
86
5. Oficina IV: Práticas baseadas em evidências científicas no parto e nascimento: experiências no setor público e privado
5.6. Experiência do Hospital Maternidade Leonor Mendes
de Barros
Corintio Mariani Neto20
O Hospital Maternidade Leonor Mendes de Barros é um hospital
público estadual com 64 anos de existência. É mais difícil de trabalhar em
uma instituição antiga porque conceitos, costumes e tradições estão bastante
arraigados. O hospital recebe residentes, é referência para gestantes de alto
risco e realiza uma média de 6.000 partos por ano, sendo que entre 30 e 35%
são cesáreas. Entre os fatores que podem contribuir para reduzir a cesárea
em hospitais públicos com pré-parto coletivo estão: boxes individuais com
cortinas, a presença de acompanhantes de parto, tanto institucionais, quanto
trazidos pelas parturientes, a educação continuada do corpo clínico, o domínio das técnicas tocúrgicas vaginais para corrigir distócias, a sistematização
de indução eletiva de parto, participação ativa de enfermeiras obstétricas e a
criação do Centro de Parto Normal.
Na maternidade, uma intervenção bem sucedida na redução da cesárea foi a implantação de protocolo para pós-datismo. O que se verificava era
que, nos casos de pós-datismo, a gestante era avaliada e marcada para retorno. Em muitos casos as mulheres voltavam com sofrimento fetal, mecônio ou
óbito do bebê. O protocolo para pós-datismo estabeleceu que em gestantes
com idade gestacional maior ou igual a 41 semanas completas, em caso de
colo favorável realiza-se indução eletiva com ocitocina e em caso de colo desfavorável realiza-se indução com misoprostol ou dinoprostone. Em dois anos,
a taxa de cesáreas nos casos de pós-datismo passou de 60 para 25%.
Mas nossa menina dos olhos é o Centro de Parto Normal (CPN).
Localizado fora do centro obstétrico convencional, iniciou suas atividades
em 2005. Um importante objetivo do CPN é inserir este modelo na formação do acadêmico de medicina e do médico residente.
No fluxo assistencial da maternidade, a gestante é avaliada por enfermeira obstétrica e residente, e em caso de baixo risco, é encaminhada para
o CPN. Como o hospital é referência para alto risco, antes do CPN as gestantes de baixo risco eram encaminhadas para outra instituição. Agora, com
o “Programa Transferência Zero”, é proibida a transferência sem justificativa
prévia, e os partos normais no CPN passaram de 400, no primeiro ano, para
1.073 no terceiro ano. A instalação do CPN impactou as taxas de cesárea e
de fórcipe da instituição.
87
Seminário BH pelo Parto Normal
6. Mesa Redonda: Atenção Obstétrica e Neonatal
6. Mesa Redonda: Atenção Obstétrica e Neonatal
6.1. Pacto Nacional de Redução da Morte Materna e
Neonatal
Data:
Regina Viola21
22 de agosto, das 8h às 12h
Coordenadora:
Sônia Lansky (Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de
Saúde de Belo Horizonte)
Políticas Públicas de Atenção Obstétrica e Neonatal:
Pacto Nacional de Redução da Morte Materna e Neonatal – Regina Viola
Políticas Públicas na Atenção ao Recém-nascido – Elsa Regina
Giugliani
Políticas para o Setor Privado – Alexia Luciana Ferreira
A cesariana desnecessária em questão: evidências científicas
e experiências das mulheres
Riscos da cesariana sem indicação precisa – Alícia Matisajevitch
Estudo sobre cesarianas não desejadas – André Junqueira Caetano
Consideramos muito importante debater o plano de trabalho do
Ministério da Saúde, já que os indicadores de resultado da atenção obstétrica (Razão de Morte Materna e Taxas de Cesárea), no Brasil, são bastante
desconfortáveis. A avaliação sistemática e permanente das políticas é fundamental para avançarmos de forma mais ágil no processo de mudança do
modelo de assistência.
A Razão de Morte Materna vem se mantendo estável no País nos
últimos anos, em um patamar muito alto para a nossa realidade social e
econômica: em 2005, a RMM corrigida foi de 75 óbitos maternos por
100.000 nascidos vivos, sendo que nos países desenvolvidos a RMM fica
entre 8 a 20 óbitos por 100.000 nascidos vivos. Também o componente
neonatal da mortalidade infantil não sofreu grandes mudanças nos últimos
anos, devido à sua grande relação com a atenção que é dada à mulher durante a gestação e o parto.
Para a Comissão Nacional de Mortalidade Materna, a manutenção da alta RMM resulta, também, da falta de reconhecimento da morte
materna como um problema social e político, além da persistência do subregistro e da sub-informação do óbito materno e da baixa qualidade da assistência obstétrica e do planejamento familiar. Os acordos internacionais,
principalmente a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, do Cairo (1994), e a IV Conferência Mundial sobre a Mulher,
Beijing (1995), consolidaram a concepção de que os direitos sexuais e os
direitos reprodutivos são direitos humanos e que a morte materna é uma
violação de direitos. Buscando dar maior visibilidade à questão e colocá-la
na agenda nacional, por meio da mobilização dos diversos atores envolvidos
com o tema, foi lançado o Pacto Nacional de Redução da Morte Materna
e Neonatal. O Pacto é um exemplo de como as políticas públicas devem ser
construídas, ou seja, de maneira coletiva e com a contribuição de uma gama
ampla de parceiros. Só assim uma política pode avançar no sentido de não
ser apenas uma política de governo para se tornar uma política de Estado
já que, apesar dos avanços dessa gestão, o problema não será resolvido em
curto prazo.
21
88
Médica, Coordenadora da Área Técnica de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde.
89
Seminário BH pelo Parto Normal
A elaboração do Pacto Nacional de Redução da Morte Materna e
Neonatal partiu da análise preliminar dos dados obtidos por intermédio
dos estudos e pesquisas promovidos pela Área Técnica de Saúde da Mulher
para avaliar as linhas de ação desenvolvidas, tendo destaque as pesquisas
acerca do Programa de Humanização do Parto e Nascimento, das causas da
mortalidade de mulheres em idade fértil e da avaliação da estratégia de distribuição de métodos anticoncepcionais, entre outros. Em seguida, a Área
Técnica buscou a parceria dos diferentes departamentos, coordenações e
comissões do Ministério da Saúde. Um documento básico foi construído
por um grupo constituído por todos os setores do Ministério da Saúde.
Posteriormente, o Pacto foi discutido e consensuado em no e amplamente
debatido durante o Seminário Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal,
quando o pacto foi consensuado com representações dos diferentes atores
envolvidos com o tema.
O documento, então, foi submetido à aprovação da câmara técnica
da Comissão de Intergestores Tripartite. De fato, as políticas públicas de
saúde não podem ser implementadas sem serem anteriormente pactuadas
pelos três entes federados (União, estados e municípios) que compõem o
SUS. A pactuação na CIT é tanto um compromisso de implantação quanto
um instrumento de controle social. Além disso, a pactuação na CIT possibilitou a inclusão da redução da morte materna no Pacto pela Vida, bem
como a definição do financiamento das ações, que é a expressão objetiva do
compromisso com a implantação de uma política de saúde, haja visto que
muitas são as prioridades de saúde no País.
A partir da aprovação na CIT, diversos eventos (27 seminários estaduais, 18 seminários municipais, 78 debates nacionais, bem como encontros internacionais) foram promovidos em parceria com gestores estaduais
e municipais, para definir os termos de Pactos Estaduais de Redução da
Mortalidade Materna e Neonatal; ou em parceria com sociedades científicas, feministas ou movimento organizado de mulheres para debater e
divulgar o pacto.
O objetivo do Pacto é articular ações do governo e da sociedade
civil, envolvendo diferentes atores sociais na expansão e/ou qualificação da
atenção às mulheres e aos recém-nascidos, visando à redução da mortalidade materna e neonatal. Foram definidas as seguintes áreas estratégicas de
atuação: planejamento reprodutivo; abortamento; humanização da atenção
obstétrica e neonatal; urgências e emergências maternas e neonatais; atenção ao recém nato; estimular a formalização da referência e contra-referên-
90
6. Mesa Redonda: Atenção Obstétrica e Neonatal
cia na atenção à mulher durante a gestação; expansão e/ou qualificação de
bancos de sangue; expansão da oferta de exames; redução da transmissão
vertical da sífilis e HIV; redução das cesáreas desnecessárias; vigilância epidemiológica do óbito materno e infantil; aleitamento materno; banco de
leite; surfactante; saúde da mulher trabalhadora e saúde das mulheres e
recém-natos negros e indígenas; saúde da mulher privada de liberdade e
fortalecimento de projetos de premiação de serviços exemplares.
Além de ações em todos os níveis da assistência, a política incorporou como diretriz o recorte de raça e etnia.
Para garantir que a iniciativa do Pacto se tornasse uma política de
Estado, foi instituída a Comissão Nacional de Monitoramento e Avaliação
da Implementação do Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal, que conta com cerca de 40 representantes de diferentes
setores da sociedade, com o objetivo de propor estratégias de ação, diretrizes, instrumentos legais e princípios éticos que concretizem a implementação do Pacto.
Uma das ações estratégicas do Pacto é a expansão e a qualificação
da Política Nacional de Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos e da Política Nacional de Planejamento Familiar. Além da produção de materiais
educativos (Manual de Assistência ao Planejamento Familiar, Manual do
Gestor, Cartilha de Direitos Sexuais e Reprodutivos, folder de métodos
anticoncepcionais, Cadernos da Atenção Básica), o Ministério da Saúde
ampliou o leque de opções contraceptivas (diafragma, contracepção de
emergência e injetáveis) e centralizou a compra e distribuição dos métodos,
disponibilizando em 2007 para a farmácia básica dos postos de saúde cerca
de 50 milhões de cartelas de pílula combinada e 4,3 milhões de ampolas
de injetável mensal ou trimestral, entre outros métodos, em um investimento de R$ 100 milhões. Além disso, as pílulas anticoncepcionais foram
introduzidas no programa Farmácia Popular com preço abaixo do preço de
custo em mais de 3.700 pontos de venda.
Outras ações em planejamento familiar foram: desburocratização
do credenciamento e ampliação dos serviços credenciados para esterilização; liberação do teto para pagamento da vasectomia e aumento do valor de
pagamento do procedimento de R$20,00 para R$108,00; desenvolvimento
de campanha publicitária para esclarecimento e estímulo ao planejamento
familiar; aumento da produção nacional de anticoncepcionais com criação
de uma fábrica de preservativos em Xapuri, no Acre; apoio a pesquisas; e
monitoramento da distribuição de insumos com avaliação de satisfação da
91
Seminário BH pelo Parto Normal
usuária.
Com relação à atenção obstétrica e neonatal, a mudança do modelo
para a assistência humanizada é o centro das ações. Nesse contexto, consolidou-se a atenção humanizada ao abortamento inseguro, que é o segundo
procedimento obstétrico mais realizado no SUS. Para tanto, foi elaborada
a norma de atenção ao aborto inseguro e foram capacitados 1.857 profissionais das 457 maiores maternidades do País. Há ainda uma parceria com
o IPAS Brasil22 para a capacitação de profissionais de mais de 20 estados
brasileiros. Com relação ao abortamento previsto em lei, o objetivo é garantir a qualidade da atenção e a ampliação da rede de serviços de atenção
à violência contra a mulher – foram financiados 133 projetos para organização desses serviços e a proposta da Rede Nacional de Atenção Integral às
Mulheres em Situação de Violência prevê a criação de mais 270 serviços.
Com relação ao pré-natal, além do fortalecimento da atuação no Programa
de Saúde da Família, uma ação mais complexa que demanda o investimento dos municípios, o Ministério da Saúde investiu na expansão do Programa de Humanização do Pré-natal e Nascimento, que atingiu a quase totalidade dos municípios brasileiros (5.067 municípios aderidos) e elaborou a
Norma Técnica de Pré-natal e Puerpério.
Com relação à humanização da assistência obstétrica, foi adotada a estratégia de realização de Seminários Estaduais de Boas Práticas na
Atenção Obstétrica e Neonatal Baseadas em Evidências Científicas (31
seminários realizados e 457 maternidades sensibilizadas), com posterior
financiamento de 27 projetos de humanização elaborados a partir dos seminários. Outras ações foram: estimular a formação de enfermeiras obstétricas; estimular a formação de doulas; qualificar o parto domiciliar; regulamentar imediatamente a lei do acompanhante no pré-parto, parto e
puerpério; apoiar a criação e a avaliação de Centros de Parto Normal bem
como revisar a Portaria 985/1999. Uma importante ação estratégia na humanização foi a elaboração da Resolução-RDC 36 pela ANVISA de 3 de
junho de 2008,, que determina parâmetros de ambiência e de processo de
trabalho na atenção ao parto para as organizações hospitalares.
Para a redução das cesáreas desnecessárias, um indicador claro da
falência do modelo atual de assistência obstétrica, foi realizado um fórum
de escolas médicas sobre cesáreas, durante a II Conferência Internacional
sobre Humanização do Parto e Nascimento, bem como o lançamento da
campanha do parto natural, em parceria com a Agência Nacional na Saúde
(ANS). Também está em construção um documento para ser pactuado na
6. Mesa Redonda: Atenção Obstétrica e Neonatal
CIT, com o objetivo de comprometer os gestores estaduais e municipais
com estratégias específicas de redução da cesárea.
Na qualificação do atendimento às urgências/emergências obstétricas, foram capacitados os serviços de atendimento móvel de urgência
(SAMU) e ampliados os leitos de UTI, ultrapassando as metas estabelecidas. Há, ainda, o projeto de levar o ALSO – Suporte Avançado de Vida em
Obstetrícia – para mais de 720 profissionais de saúde.
Com relação à redução da transmissão vertical de HIV/AIDS e
sífilis foi lançado o Projeto Nascer, com a meta inicial de atingir 262 maternidades e garantir diagnóstico e tratamento para 100% das gestantes
portadoras de HIV e crianças verticalmente expostas ao HIV e à sífilis
congênita, mas que acabou por atingir 1.142 maternidades.
Na discussão acerca da expansão e qualificação da rede de bancos
de sangue, tivemos uma importante experiência de mobilização e diálogo
intersetorial, fundamental para o sucesso de qualquer política pública. Foi
possível discutir internamente no Ministério da Saúde o fato de a hemorragia ser a segunda causa de morte materna e realizar levantamento dos
municípios com maior número de morte materna por hemorragia. Foram
investidos R$ 3 milhões na organização e/ou qualificação de bancos de
sangue e/ou unidades transfusionais.
Com relação à vigilância do óbito materno, estamos em um momento singular no qual o Ministério da Saúde regulamentou a investigação
epidemiológica do óbito materno, após pactuação na CIT, determinando
que essa investigação é uma responsabilidade da vigilância epidemiológica
dos municípios e definindo prazos com o objetivo de agilizar a disponibilidade de dados. Como em saúde pública, sem números não há o problema,
espera-se que a regulamentação da investigação pela vigilância epidemiológica permita aos comitês de prevenção da morte materna exercer, na plenitude, o seu papel de estudar os óbitos, monitorar e avaliar a implementação
das políticas e propor medidas para reduzir esta mortalidade.
O Pacto também avaliou como importante investir na premiação de serviços que possam servir como exemplos das políticas que são preconizadas
pelo Ministério da Saúde, uma experiência bem sucedida com o Prêmio
Galba Araújo. Foram criados os Prêmios Fernando Figueira (qualificação
e humanização da atenção à criança) e Davi Capistrano (ações de humanização).
Para oferecer atenção às mulheres e recém-nascidos negros e indígenas, respeitando suas particularidades étnicas e culturais, bem como o
Organização não-governamental internacional que trabalha com os objetivos de reduzir
o número de mortes e danos físicos associados a abortamentos; expandir a capacidade da
mulher no exercício de seus direitos de natureza sexual e reprodutiva; e melhorar as condições de acesso a serviços de saúde associados à reprodução (www.ipas.org,br).
22
92
93
Seminário BH pelo Parto Normal
perfil de morbi-mortalidade destes segmentos, foram realizadas as seguintes ações: lançamento do Programa Nacional de Atenção aos Portadores
de Anemia Falciforme; capacitação de profissionais de saúde em atenção
integral a saúde da mulher índia dos distritos sanitários especiais indígenas; capacitação para parteiras índias e quilombolas; e criação da Comissão
Nacional de Morte Materna e Infantil de Indígenas.
O primeiro passo na busca do envolvimento dos diversos setores da
sociedade com o Pacto Nacional de Redução da Morte Materna e Neonatal é o de conhecer o que ele preconiza; e o Pacto é uma estratégia que se
não obtiver adesão, em todos os níveis da sociedade, não conseguirá alcançar os resultados a que se propõe.
6. Mesa Redonda: Atenção Obstétrica e Neonatal
6.2. Políticas Públicas na Atenção ao Recém-Nascido
Elsa Regina Giugliani23
Há um compromisso político do estado brasileiro com a redução da
mortalidade infantil. A evolução das taxas de mortalidade infantil mostra
que, mantida a velocidade de declínio, já em 2012 será atingida a Meta do
Milênio – redução de 2/3 da taxa de mortalidade infantil em 2015 com
relação à taxa de 1990 (Tabela 1). O Brasil é o segundo País do mundo
onde as taxas caem mais rapidamente. Entretanto, este cenário nacional
guarda grandes desigualdades, sendo que a região Norte só atingirá a meta
em 2018.
Tabela 1 - Taxas de Mortalidade Infantil por 1.000 nascidos vivos. Brasil e Grandes
Regiões.
1990
2007
2014
Meta
Brasil
47,1
18,8
12,9
14,4
Norte
45,9
22,3
16,9
14,4
Nordeste
75,8
28,0
18,7
23,5
Sudeste
32,6
12,4
8,2
9,8
Sul
28,3
12,5
9,2
8,8
Centro-Oeste
34,3
15,8
11,7
10,7
Fonte: SVS/MS
Observa-se que o componente neonatal cai menos do que a mortalidade infantil como um todo (Tabela 2). Por isso, para acelerar esse processo de redução da morte infantil é preciso concentrar esforços na melhoria
da atenção ao pré-natal, ao parto e ao recém-nascido.
Tabela 2 - Taxas de Mortalidade Infantil por 1.000 nascidos vivos.
Brasil, 1997 a 2005.
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
2005
Pós-neonatal
11,9
12,2
10,3
9,8
9,2
8,5
8,5
7,5
7,0
Neonatal precoce
15,3
14,1
14,1
13,6
13,4
12,7
12,2
11,4
10,8
Neonatal
19,4
17,9
17,8
17,3
17,1
16,4
15,8
15,0
14,1
Infantil
31,3
30,0
28,2
27,1
26,2
25,1
24,4
22,5
21,1
Fonte: IBGE. Anos de 1980 a 1995, Censos Demográficos, PNAD´s e Resultados Preliminares do Censo Demográfico de 2000. Anos de 1996 a 2005, MIX SVS-MS IBGE.
94
95
Seminário BH pelo Parto Normal
6. Mesa Redonda: Atenção Obstétrica e Neonatal
Comparando os anos de 1990 e 2005, observa-se um aumento da
contribuição da mortalidade por afecções perinatais (de 39,9% para 57,5%)
como principal causa de óbito em menores de um ano, enquanto outras
causas como diarréia (11,3% para 3,7%) e infecções respiratórias (9,9%
para 4,9%) reduzem sua ocorrência. A prematuridade é a principal causa
da mortalidade neonatal, sendo que a asfixia é ainda muito importante e
apresenta estreita relação com a qualidade da assistência ao parto.
Considerando a taxa de mortalidade infantil segundo causas evitáveis, a maioria dos óbitos evitáveis são redutíveis com adequada atenção à
mulher na gestação e no parto e ao recém-nascido. Por outro lado, as taxas
de mortalidade neonatal são bastante desiguais nas diversas regiões do País,
sendo que Norte e Nordeste apresentam taxas mais altas do que a média
nacional (Tabela 3). Ou seja, tão importante quanto reduzir as taxas globais
é reduzir a desigualdade entre as regiões.
Tabela 3 - Taxas de Mortalidade Neonatal, por 1.000 nascidos vivos.
Brasil e grandes regiões, 1997 a 2005.
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Brasil
19,4
17,9
17,8
17,3
17,1
16,4
15,8
15,0
14,1
Norte
20,4
18,1
18,5
18,5
17,7
17,3
17,3
16,3
16,2
Nordeste
26,6
23,4
24,6
24,6
24,1
23,5
22,2
22,0
20,6
Sudeste
15,4
14,2
13,6
12,9
12,4
14,5
13,9
10,3
9,7
Sul
10,9
11,2
11,1
10,9
10,6
10,5
10,2
10,0
9,4
Centro-Oeste
15,2
14,8
14,6
14,1
14,4
13,3
13,1
12,5
11,9
Fonte: IBGE. Anos de 1980 a 1995, Censos Demográficos, PNAD´s e Resultados Preliminares do Censo Demográfico de 2000. Anos de 1996 a 2005, MIX SVS-MS IBGE.
As iniqüidades nas taxas de mortalidade infantil no Brasil são enormes. Segundo dados publicados pela Rede de Monitoramento Amigo da
Criança (Um Brasil para as Crianças - A Sociedade Brasileira e os Objetivos do Milênio para a Infância e a Adolescência – 2004), em 2004, quando
a taxa média nacional de mortalidade infantil era de 29,7 (segundo a fonte), observou-se que as taxas são mais altas entre residentes de áreas rurais
(35,2) do que urbanas (27); entre os 1/5 mais pobres (39,4) do que entre
os 1/5 mais ricos (15,8); entre negros (39,4%) do que entre brancos (22,9);
entre filhos de mães com até 3 anos de estudo (40,2) do que entre filhos
de mães com mais de 8 anos de estudo (16,7) – fator que, isoladamente,
mais contribui para a redução da mortalidade infantil; e entre residentes do
96
Nordeste (44,7) do que entre residentes do Sul (18,9).
Um fator importante na diferença das taxas de mortalidade infantil
é a cobertura da Estratégia Saúde da Família: a cada 10% de cobertura do
PSF, há uma redução de 4,3 pontos percentuais na mortalidade infantil. A
mesma desigualdade se repete entre crianças indígenas, que em 2004 apresentaram um coeficiente de mortalidade infantil de 48,6.
Outro dado da desigualdade é obtido comparando-se o acesso a
serviços de saúde das crianças da população 20% mais pobre com a 20%
mais rica. Observa-se que 92% da população mais rica têm acesso a seis
ou mais das seguintes intervenções: pré-natal, vacina anti-tetânica no prénatal, profissional capacitado no parto, vacinas BCG, DTP e de sarampo,
vitamina A e água potável, contra 48% da população mais pobre.
Entre as Linhas de Cuidado Prioritárias definidas pela Área Técnica de Saúde da Criança e Aleitamento Materno do Ministério da Saúde, estão: Incentivo e Qualificação do Acompanhamento do Crescimento
e Desenvolvimento; Atenção à Saúde do Recém-Nascido; Vigilância do
Óbito Infantil e Fetal; Prevenção de Violências e Promoção da Cultura de
Paz; e Promoção, Proteção e Apoio ao Aleitamento Materno. Na Atenção
à Saúde do Recém-Nascido, e as ações têm sido:
1) Atendimento humanizado ao recém-nascido de baixo peso, com
expansão e fortalecimento da estratégia do Método Canguru,
para o qual já foram capacitadas equipes de 329 hospitais, envolvendo mais de 7.000 profissionais.
2) Fomento e apoio à Rede Norte-Nordeste de Saúde Perinatal, da
qual fazem parte at 43 maternidades, com o objetivo de promover
a melhoria das UTI Neonatais de Médio e Alto Risco e reduzir a
morbi-mortalidade evitável na região Norte-Nordeste.
3) Incentivo à Iniciativa Hospital Amigo da Criança, que até março
de 2008 contava com 335 hospitais credenciados, o que garante
uma cobertura de 25% dos nascimentos.
4) Estímulo ao aleitamento materno na primeira hora de vida, que
em 2006 apresentou prevalência de 43% no Brasil, sendo a prevalência maior no Norte (53,6%) e Nordeste (51,4%) que no Sudeste (37,7%), Sul (35,6%) e Centro-Oeste (39,7%).
5) Fortalecimento da Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano,
a maior e mais complexa do mundo, com 192 unidades e tendo como Centro de Referência Nacional o Instituto Fernandes
97
Seminário BH pelo Parto Normal
Figueira, no Rio de Janeiro. Segundo o Sistema de Informação
da RedeBLH-BR, em 2006 foram realizados 209 mil atendimentos em grupo e 747 mil atendimentos individuais, com 104
mil doadoras e 145 mil receptores. Mesmo com esse volume de
atendimentos, em algumas regiões menos da metade dos recémnascidos de baixo peso foram atendidos pela RedeBLH-BR.
6) Criação da Rede Amamenta Brasil, carro-chefe da atual política
de promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno, já que
nunca antes houve uma política pública de promoção da educação
permanente do aleitamento materno voltada para os profissionais
das unidades básicas de saúde (UBS) no âmbito nacional.
7) Formação de Grupo de Trabalho em parceria com a Sociedade
Brasileira de Pediatria voltado para o recém-nascido.
Novas ações já com financiamento definido e em processo de implementação são: disseminação do curso de reanimação neonatal; elaboração
do Manual de Transporte do Recém-nascido; elaboração do diagnóstico
da assistência perinatal no Brasil; criação de Rede Nacional de Informação
em Neonatologia para acompanhamento dos resultados, da qualidade e da
efetividade do cuidado intensivo neonatal no Brasil; elaboração de curso de
gestão clínica de Unidades Neonatais no Norte-Nordeste; implantação do
AIDPI24 Neonatal nas regiões Norte e Nordeste; elaboração do Manual do
Recém-Nascido, com protocolos clínicos; fortalecimento da Política Nacional de Atenção Humanizada ao Recém-Nascido e do Método Canguru
e realização de curso de reanimação neonatal para parteiras nas Regiões
Norte e Nordeste.
Entre as pesquisas em andamento está a de aplicação do CPAP
precoce como prevenção de lesões pulmonares no período neonatal.
Por fim, os principais desafios para as políticas de assistência ao recémnascido são:
6. Mesa Redonda: Atenção Obstétrica e Neonatal
científicas, iniciativa privada etc. e o aumento da visibilidade da
saúde perinatal
2) Fortalecer o sistema de saúde, com garantia de acesso universal
à atenção e consolidação de uma atenção contínua com enfoque
holístico e integrado entre pré-gravidez, pré-natal, parto e assistência ao recém-nascido. Nesse aspecto, é importante melhorar
as habilidades e competências dos provedores de atenção à saúde,
a qualidade da atenção hospitalar ao recém-nascido e a educação
pré-serviço.
3) Realizar intervenções na comunidade, com promoção de comportamentos saudáveis por meio do fortalecimento dos Agentes
Comunitários de Saúde e do PSF, bem como mobilização comunitária e social.
4) Criar e fortalecer sistemas de monitoramento e avaliação, com
seleção de indicadores-chave prioritários e viáveis tais como: taxa
de mortalidade neonatal, taxa de mortes fetais, % de partos assistidos por profissional capacitado, proporção de mulheres com
assistência pré-natal adequada, proporção de recém-nascidos
amamentados na primeira hora de vida, proporção de recémnascidos amamentados exclusivamente no primeiro mês de vida
e proporção de recém-nascidos visitados na primeira semana de
vida. Também é fundamental promover o uso local dos dados e
criar sistemas de vigilância.
1) Criar um contexto propício à promoção da saúde neonatal com
empenho político para implementar as políticas, recursos técnicos e financeiros para as ações necessárias e o estabelecimento
de prioridades nacionais visando à melhoria da saúde materna,
neonatal e infantil. Nesse aspecto, é fundamental a promoção de
parcerias entre governo, organismos internacionais de cooperação, sociedade civil, ONGs, organizações profissionais, entidades
Atenção Integrada às Doenças Prevalentes da Infância.
24
98
99
Seminário BH pelo Parto Normal
6. Mesa Redonda: Atenção Obstétrica e Neonatal
6.3. Parto Normal está no meu Plano: Movimento da Agência Nacional de Saúde Suplementar em favor do Parto
Natural
O que é possível fazer é pactuar com as operadoras que passem a
exigir, cada vez mais, a qualidade dos seus prestadores.
Quadro 1 - Mudanças resultantes na Lei 9656, de 03 e junho de 1998
sobre a atuação das operadoras de saúde.
Alexia Luciana Ferreira25
Considerando os dados acerca de taxa de cobertura dos planos privados de assistência à saúde no Brasil atualmente, são 49 milhões de vínculos
de beneficiários, com maior concentração no Sudeste e Sul e crescimento
em alguns estados do Nordeste. Observa-se que o aumento de usuários de
planos de saúde é função do crescimento econômico e da inserção formal no
mercado de trabalho.
Por outro lado, observa-se um crescimento diferente do número
de beneficiários quando se considera a modalidade da operadora de saúde,
sendo que a medicina de grupo e a cooperativa médica apresentam maior
crescimento e maior concentração de beneficiários. Além disso, cada uma
das modalidades de organização de operadoras de planos e seguros de saúde
pressupõe um tipo de relação entre operadora, prestador e beneficiário, e
uma estratégia especifica de intervenção.
A atribuição da ANS é regular o setor da Saúde Suplementar a
partir de uma legislação recente (Lei 9656, de 03 e junho de 1998, que dispõe sobre a regulamentação dos planos e seguros privados de assistência à
saúde), enquanto as operadoras já atuavam livremente no mercado há mais
de 40 anos. O quadro 1 apresenta as principais mudanças trazidas pela legislação.
Dois anos depois, a Lei 9961, de 28 de janeiro de 2000, criou o órgão
regulador, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), cuja finalidade institucional é promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regular as operadoras setoriais – inclusive quanto às suas
relações com prestadores e consumidores – e contribuir para o desenvolvimento das ações de saúde no País. A ANS fixa as normas para constituição,
organização, funcionamento e fiscalização das operadoras de produtos de
planos privados de assistência à saúde incluindo seus conteúdos e modelos
assistenciais. O espaço de atuação da ANS é a operadora, e não o prestador.
A ANVISA pode normatizar as condições de prestação dos serviços de
saúde, a ANS não. O que é possível fazer é pactuar com as operadoras que
passem a exigir, cada vez mais, a qualidade dos seus prestadores.
100
Livre atuação
Operadoras
(empresas)
• Legislação do tipo societário.
• Controle deficiente.
• Livre definição da cobertura assistencial.
• Seleção de risco.
• Exclusão de usuários.
• Livre definição de carências.
• Livre definição de reajustes.
Assistência à saúde
• Modelo centrado na doença.
e acesso (produto)
• Ausência de sistema de informações.
• Contratos nebulosos.
Atuação controlada
• Autorização de funcionamento.
• Regras de operação sujeitas à intervenção e liquidação.
• Exigência de garantias financeiras.
• Profissionalização da gestão.
• Qualificação da atenção integral à
saúde.
• Proibição da seleção de risco.
• Proibição da rescisão unilateral dos
contratos.
• Definição e limitação das carências.
• Reajustes controlados.
• Sem limites de internação.
• Modelo de atenção com ênfase nas
ações de promoção à saúde e prevenção de doenças.
• Sistemas de informações como insumo
estratégico.
• Contratos mais transparentes.
A ANS vem implementando estratégias de regulação assistencial
com o objetivo de mudar o modelo de atenção à saúde desse setor, entre
elas: instituir a qualidade como marca na Saúde Suplementar; construir o
setor da saúde suplementar como pertencente ao campo da produção da
saúde e não da intermediação financeira do serviço; induzir a configuração
de modelos de atenção à saúde que sejam centrados no beneficiário, que
valorizem as ações de promoção à saúde e prevenção de doenças e que observem os princípios de qualidade, integralidade e resolutividade; integrar,
cada vez mais, a agenda da ANS com a do Ministério da Saúde e da ANVISA; e ter a qualificação da Saúde Suplementar como local de encontro
dos diversos interesses do setor, de forma transparente e dialogada.
Os dispositivos da ANS para promover a mudança do modelo assistencial são a regulação normativa (“mandar fazer”), sendo os instrumentos mais potentes o Rol de Procedimentos e as Diretrizes de Utilização, e
a regulação indutora (“convidar a fazer”), que busca criar estímulos para a
atuação da operadora: Programa de Qualificação; Acreditação de Opera-
101
Seminário BH pelo Parto Normal
6. Mesa Redonda: Atenção Obstétrica e Neonatal
doras e Prestadores; Programas de Promoção e Prevenção; e elaboração de
Diretrizes e Protocolos Clínicos e sua disseminação.
O Programa de Qualificação da Saúde Suplementar, especificamente, objetiva fazer uma análise da qualidade das operadoras a partir de quatro
dimensões, com pesos diferenciados: atenção à saúde (50%); econômicofinanceira (30%); estrutura e operação (10%); e satisfação do beneficiário
(10%). O maior peso na dimensão da atenção à saúde é um reforço na mudança do modelo de assistência do setor suplementar, que deve produzir a
saúde, e é onde deve estar o seu melhor resultado.
Na dimensão Atenção à Saúde do Programa de Qualificação, os
indicadores são distribuídos nas seguintes áreas de atenção: Saúde da mulher; Saúde da Criança; Saúde Bucal e Saúde do Adulto e do Idoso. Na
área de Atenção à Saúde da Mulher e da Criança, os indicadores materno e
neonatais avaliados foram: taxa de prematuridade; taxa de natimortalidade;
proporção de cesarianas; taxa de internação por transtornos maternos hipertensivos no período da gravidez, parto e puerpério; e taxa de internação
por transtornos maternos infecciosos no puerpério. Foi na avaliação desses
indicadores que a taxa de cesariana se mostrou exorbitante, ou seja, 80,7%
de cesarianas em 2006, taxas sem paralelo no mundo (Tabela 1). A perplexidade frente ao indicador motivou a busca por formas de intervir nessa
realidade e reduzir a cesariana desnecessária.
Tabela 1 - Panorama da atenção ao parto no setor suplementar. Brasil, 2005 e 2006.
2005
2006
624
710
8.190.908
9.293.880
Total de partos
376.148
390.171
Partos normais
84.646
75.228
Partos cesáreos
291.499
314.943
77,5%
80,7%
Operadoras analisadas
Beneficiárias entre 10 e 49 anos
Proporção de cesáreas
Frente à pouca potência da ANS, sozinha, para intervir e mudar
essa realidade, é fundamental que os gestores das operadoras se comprometam com esta redução e que o gestor público dialogue com este setor, já
que 70% da rede hospitalar que atende a saúde suplementar é a mesma que
atende a saúde pública. A intervenção precisa ser conjunta, não podemos
reforçar a existência de dois mundos na assistência à saúde, no Brasil. Entre
102
as estratégias em andamento, destacam-se:
1) A Resolução Normativa 167 que instituiu o Novo Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, com inclusão de ações de planejamento familiar (DIU, vasectomia e laqueadura); inclusão de
cobertura de parto acompanhado por enfermeira obstetra; e inclusão do acompanhante durante o pré-parto, parto e pós-parto.
2) O Programa de Qualificação introduziu melhor pontuação na
dimensão Atenção à Saúde do Programa de Qualificação para a
operadora que apresentar proporção de cesarianas progressivamente menores.
3) A mobilização social, com sensibilização de todos os atores da
saúde suplementar para a redução da proporção de partos cesáreos (operadoras de planos privados de saúde, prestadores, profissionais de saúde e usuários); promoção e participação de eventos
para discussão ampla sobre o tema com especialistas nacionais e
internacionais; divulgação de experiências exitosas de redução da
proporção de parto cesáreo e iniciativas para melhoria da assistência materno-neonatal.
4) A criação e o lançamento da Campanha Nacional “Parto Normal. Deixe a Vida Acontecer Naturalmente”, em parceria com o
Ministério da Saúde, com produção de spot de televisão estrelado
por Fernanda Lima, cartazes e folhetos.
5) O lançamento da Carta às Beneficiárias, atualmente em discussão com o Conselho Federal de Medicina.
6) A Criação do Hot Site com divulgação permanente das ações da
ANS em favor do parto normal (http://www.ans.gov.br).
7) A articulação interinstitucional permanente com o Ministério
da Saúde, com participação no GT da ANVISA que elaborou o
regulamento técnico para o funcionamento dos serviços de atenção obstétrica e neonatal (Resolução-RDC 36) e aproximação
com gestor municipal e estadual para discutir o assunto e traçar
estratégias conjuntas.
8) A constituição de Grupo Técnico com os objetivos de divulgar os resultados de pesquisa encomendada pela ANS e realizada
pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) sobre o assunto,
apresentar a proposta da ANS sobre o movimento em favor do
parto normal e redução de cesáreas desnecessárias (Parto Normal
103
Seminário BH pelo Parto Normal
está no meu Plano), elaborar estratégias de ação para redução
do parto cesáreo, discutir e pactuar recomendações extraídas do
estudo e estabelecer parcerias e compromissos para execução das
estratégias estabelecidas.
9) A produção de conhecimento por meio do financiamento de
pesquisas sobre as causas e conseqüências das cesarianas no setor
suplementar e sobre itinerário terapêutico na atenção ao parto,
revisão sistemática sobre estratégias para redução das cesarianas,
pela ENSP, e lançamento da publicação “O modelo de atenção
obstétrica no setor de Saúde Suplementar no Brasil: cenários e
perspectivas”.
O desafio da ANS é apoiar as operadoras de saúde na definição de
estratégias que promovam a mudança do modelo assistencial e a reorganização do processo de trabalho dos seus prestadores de saúde na atenção ao
parto e ao recém-nascido para garantir mais partos normais e humanizados.
104
7. Mesa Redonda: A cessariana desnecessária em questão: evidências científicas e experiências das mulheres
7. Mesa Redonda: A cessariana desnecessária em
questão: evidências científicas e experiências das
mulheres
Data:
?
?
Coordenadora:
?
?
105
Seminário BH pelo Parto Normal
7. Mesa Redonda: A cessariana desnecessária em questão: evidências científicas e experiências das mulheres
7.1. Riscos da cesariana sem indicação precisa
Alicia Matijasevich26
É certo que há desigualdades no aceso às cesarianas, de acordo com
a renda. Ronsmans et. al (2006), estudaram 42 países em desenvolvimento,
compararam as taxas de cesarianas conforme quintis de renda, mostraram
que, em algumas regiões da África e Ásia, as taxas de cesariana foram menores do que 1% entre as mulheres pobres.
Entretanto, uma taxa menor de cesariana não significa, necessariamente, uma pior qualidade na assistência ao parto. A questão em debate
deve ser qual é a “melhor” taxa de cesariana? Alguns propõem taxas de entre
1 a 5%, estimativas baseadas na freqüência de complicações que poderiam
levar à morte e morbidade severa as mães e em seus bebês. Mas, a “verdadeira” taxa de cesariana que poderia evitar as mortes maternas e perinatais
é desconhecida. A mais conhecida recomendação é a de manter o limite em
torno de 15%, e foi sugerida pela OMS em 1985.
A questão acerca de qual é a “melhor” taxa de cesariana continua
em aberto. A cesariana é uma intervenção cirúrgica para prevenir ou tratar
complicações que poderiam levar à morte da mãe ou do feto/recém-nascido. Assim, a taxa mais apropriada deveria se associar com as mais baixas taxas de morbidade e mortalidade materna e perinatal. Althabe et. al (2006)
estudaram a associação entre a taxa de cesariana e a mortalidade neonatal
em 119 países de renda alta, média e baixa. Os resultados mostraram que,
nos países de renda alta e média, um aumento na taxa de cesariana não
reduz a mortalidade neonatal. Por outro lado, nos países de renda baixa, à
medida que aumenta a proporção de cesárea reduz-se a mortalidade neonatal, até um certo ponto, a partir do qual a cesariana não mais impacta tal
mortalidade.
Em um artigo recente e bem desenhado metodologicamente, Villar
et. al (2006) construíram uma amostra estratificada em múltiplos estágios
para 24 regiões geográficas de 8 países de América Latina (Argentina, Brasil, Cuba, Equador, México, Nicarágua, Paraguai e Peru). Foram utilizados
os dados de 97.095 nascimentos de 120 instituições selecionadas ao acaso
entre 410 identificadas. A taxa média de cesariana do estudo foi de 33%
(maior em hospitais privados, 51%) e os resultados mostraram que – considerando todas as cesarianas, as cesarianas eletivas e as cesarianas intraparto, ajustadas as variáveis de confusão – há um aumento linear do uso de
106
antibióticos pós-parto e da morbidade materna severa com o aumento das
taxas de cesariana, bem como aumento do risco de morte fetal e do número
de crianças que requereram internação na UTI por sete dias ou mais com
taxas de cesarianas entre 10 a 20% ou maiores. É a primeira vez que temos
uma evidência cientifica deste porte de que a cesariana desnecessária pode
causar danos à saúde da mãe e da criança.
Por fim, considerando que ocorrem cerca de 1,5 milhões de cesarianas desnecessárias por ano na América Latina, os autores estimam que
dessas intervenções resultem 100 mortes maternas, 40.000 casos de morbidade respiratória neonatal, um incremento na mortalidade neonatal e um
provável incremento na ocorrência de nascimentos pré-termos.
107
Seminário BH pelo Parto Normal
7. Mesa Redonda: A cessariana desnecessária em questão: evidências científicas e experiências das mulheres
7.2. Estudo(s) sobre parto cesáreo indesejado
Referências bibliográficas
Althabe F, Sosa C, Belizan JM, Gibbons L, Jacquerioz F, Bergel E. Cesarean section rates and maternal and neonatal mortality in low-, medium-,
and high-income countries: an ecological study. Birth 33 (4): 270-276,
2006.
Anon. Appropriate technology for birth. Lancet 2 (8452): 436-437, 1985
Ronsmans C, Holtz S, Stanton C. Socioeconomic differentials in caesarean
rates in developing countries: a retrospective analysis. Lancet 368 (9546):
1516-1523, 2006.
Villar J, Valladares E, Wojdyla D et. al. Caesarean delivery rates and pregnancy outcomes: the 2005 WHO global survey on maternal and perinatal
health in Latin America. Lancet 367 (9525): 1819-1829, 2006.
André Junqueira Caetano27
O aumento dos partos cesáreos no Brasil, já vem sendo identificado
há algum tempo. Entre 1970 e 1980, a proporção de cesáreas nos hospitais
do INAMPS passou de 14,6 para 31% (Faúndes e Cecatti, 1991). A Pesquisa Domiciliar por Amostra de Domicílio (PNAD), de 1981, indicava
uma taxa de cesárea de 30,9% para a população geral. Quinze anos depois,
a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde de 1996 já registrava uma
taxa de cesárea de 36,7% para a população geral (Perpétuo et. al, 1998).
Na década de 1990 já havia dados que mostravam maior incidência entre
pacientes do setor privado, de maior renda e escolaridade, bem como maior
incidência nas regiões Sudeste e Centro-Oeste.
No final da década de 1990, uma série de regulamentações buscou
interferir nessa tendência. A Lei 9263, de 1996, do Planejamento Familiar,
regulamentada em maio de 1998, estabeleceu o teto máximo de cesarianas
pagas pelo SUS de forma a atingir 30% em 2000. A mesma lei incluiu
no rol de procedimentos do SUS a remuneração de anestesia em partos
normais. Nova regulamentação em fevereiro de 1999 proibiu a laqueadura
pós-parto, com a exceção de cesarianas sucessivas e situações consideradas
de risco. Entretanto, essas restrições não atingem o setor privado, onde se
verificam as maiores taxas de parto cesáreo.
Comparando os dados do Sistema de Informações dos Nascidos
Vivos – SINASC (dados da população em geral) e do Sistema de Informação Hospitalar – SIH (partos pelo SUS), entre 1998 e 2005, observa-se
uma tendência de estabilidade na taxa de cesárea no setor público e um
aumento nas taxas da população em geral (Tabela 1). Esta diferença entre
os dois grupos de informação reflete o fato de que o que puxa a taxa de
cesárea para cima é o setor privado.
27
108
PPGCS-PUC Minas / Cedeplar/UFMG
109
Seminário BH pelo Parto Normal
7. Mesa Redonda: A cessariana desnecessária em questão: evidências científicas e experiências das mulheres
Tabela 1 - Percentual de partos cesáreos em relação ao total de partos. Brasil, Região
Sudeste, Minas Gerais e Belo Horizonte, 1998, 2005 e 2006.
1998
SINASC
2005
Variação%
1998-2005
1998
SIH-SUS
2005
2006
Variação%
1998-2006
Brasil
37,6
42,8
13,8
28,4
28,6
30,2
6,2
Região Sudeste
46,1
51,3
11,3
34,4
32,6
34,0
-1,1
Minas Gerais
42,8
46,2
7,9
33,8
35,1
36,4
7,8
Belo Horizonte
43,4
47,2
8,9
32,3
34,0
32,6
0,8
Fonte: www.datasus.gov.br
Faúndes e Cecatti (1991) levantaram alguns fatores determinantes do aumento do parto cesáreo, que foram reclassificados por Perpéuto
(1998) em dois grandes grupos: fatores relacionados com a demanda das
mulheres (medo da dor no parto, parto vaginal como maior risco para a
criança, parto vaginal compromete a anatomia e fisiologia vaginal, possibilidade de laqueadura tubária) e fatores relacionados com a oferta dos
médicos (conveniência, deficiência no treinamento obstétrico, insegurança
e receio de processo por imperícia, e “as mulheres preferem parto cesáreo”).
Estes fatores pautaram muito do que foi feito no campo dos estudos populacionais sobre a cesariana, na década de 1990, principalmente os fatores
relacionados com a demanda da mulher.
Hopkins (2000), por meio de um survey realizado no pós-parto
com mulheres de Porto Alegre e Natal, observou que a percepção das mulheres sobre recuperação pós-parto, corpo, sexualidade e dor no parto não
eram consistentes com preferência pela cesárea, sendo que mais de 90%
das entrevistadas preferiam o parto vaginal (controlando-se por parturição
e tipo de hospital). A autora concluiu que a responsabilidade do médico na
decisão pela cesárea é obscurecida pelo seu poder de enquadrar o procedimento como demanda da mulher ou como necessidade médica, inclusive
durante o trabalho de parto.
Perpétuo et al. (1998), em pesquisa sobre saúde reprodutiva da mulher na Região Metropolitana de Belo Horizonte, identificou que 71,2%
das entrevistadas tinham preferência pelo parto vaginal, controlando-se
por parturição, idade, escolaridade e tipo de hospital. A preferência pela
cesárea, por parte das mulheres, estava associada à realização de laqueadura
tubária, inclusive no SUS, e a existência de cesariana anterior (“uma vez cesárea, sempre cesárea”). Para as autoras, o componente da oferta (médicos)
foi o fator determinante dos altos índices de cesárea.
110
Em estudo prospectivo realizado em Porto Alegre, Natal, Belo Horizonte e São Paulo (Potter et. al, 2001), as mulheres foram entrevistadas
três vezes: uma no recrutamento, outra um mês antes da data prevista para
o nascimento e, finalmente, um mês após o parto. Os resultados mostraram
que 77% das entrevistadas usuárias do setor público de saúde e 70% das
usuárias do setor privado reportaram preferência por parto vaginal nas duas
primeiras entrevistas. Entre multíparas com cesariana prévia, 40% tinham
preferência pelo parto vaginal. A ocorrência de cesárea entre mulheres com
preferência pelo parto vaginal foi muito superior nos hospitais privados:
66% das primíparas com preferência por parto vaginal em hospital privado
foram submetidas à cesárea, contra 30% nos hospitais públicos. Entretanto,
a decisão pelo parto cesáreo depois da admissão no hospital ocorreu em
76,8% dos casos de cesariana em hospitais públicos e 36%, em hospitais
privados, mostrando a alta freqüência de cesarianas eletivas nos serviços
privados de saúde. Em suma, os serviços privados apresentam altas taxas
de parto cesáreo, altas taxas de cesarianas em parturientes com preferência
pelo parto vaginal e altas taxas de parto cesáreo marcado antes da admissão
hospitalar.
Outro estudo, de Faúndes et. al (2004), realizado em 8 maternidades públicas de São Paulo e Pernambuco com atividades de ensino e taxas
de cesárea acima de 15%, entrevistou 656 mulheres durante o período de
internação, após o parto e antes da alta hospitalar e 142 médicos, sendo
que mais da metade desses médicos atuava tanto em instituições públicas
quanto em instituições privadas. Os autores concluíram que havia uma total discrepância entre os motivos que médicos percebiam como razão da
solicitação do parto cesáreo pelas mulheres (medo do parto) e a opinião expressa pela maioria das entrevistadas, que pretendia parto vaginal. Ao que
parece, os médicos generalizam a opinião expressa pelo grupo de mulheres
com preferência pela cesariana (multíparas com cesariana anterior) para as
mulheres em geral.
Em 2008, Potter et. al retornaram ao estudo prospectivo de 1998
procurando entender por que as mulheres, apesar de preferirem o parto
normal, acabam escolhendo ou aceitando uma cesárea. Os dados mostraram que 63% dos partos cirúrgicos realizados em hospitais privados foram
marcados com antecedência, contra 22% nos hospitais públicos. Entre as
mulheres com cesárea eletiva em hospitais privados, 61,5% reportaram preferir parto vaginal na segunda entrevista (um mês antes do parto) e, destas,
67,5% reportaram preferência pelo parto vaginal na terceira entrevista (pós-
111
Seminário BH pelo Parto Normal
parto). Para 83,4% das mulheres com cesárea eletiva em hospitais privados,
os médicos ofereceram uma razão clínica para a intervenção cirúrgica, em
uma proporção implausível frente ao esperado com relação a complicações
obstétricas. Os autores concluíram que os médicos não tentam influenciar
as parturientes durante a gravidez, mas providenciam uma razão médica
para a cesariana nas semanas ou nos dias próximos ao parto.
Dados mais recentes são provenientes da Pesquisa Saúde Reprodutiva, Sexualidade e Raça/Cor (SRSR, 2002), realizada nos municípios
de Belo Horizonte e Recife, em 2002, pelo Centro de Desenvolvimento
e Planejamento Regional (Cedeplar). A pesquisa coletou informações de
uma amostra representativa de mulheres entre 15 e 59 anos de idade, para
os dois municípios. Os resultados preliminares de Belo Horizonte mostraram a grande diferença na distribuição de partos cesáreos entre usuárias
dos serviços públicos (29,6%) e privados (71,5%). A partir de um modelo
logito binomial, comparando mulheres com parto normal versus mulheres
com parto cesárea, identificou-se que a chance de uma cesárea era maior
para multíparas, para usuárias do hospital privado, para mulheres sem preferência pela via de parto e para mulheres que eram acompanhadas pelo
mesmo médico no pré-natal e parto.
Enfim, observa-se que a demanda das mulheres pela cesárea é baixa
e em geral está associada com cesárea anterior e/ou com a possibilidade de
laqueadura tubária. Considerando a oferta dos médicos, no setor privado
se observa o poder de convencimento médico que resulta em cesarianas em
mulheres com preferência pelo parto vaginal. No setor privado, os determinantes da oferta dos médicos pela cesárea se relaciona tanto com a conveniência quanto com a falta de treinamento para o parto normal. Além disso, a
organização do atendimento no setor privado (individualizado), bem como
a baixa remuneração do parto normal, não favorece o parto normal. No
setor público, os determinantes do parto cirúrgico se relacionam cada vez
mais com laqueadura devido a cesarianas sucessivas e cesárea em gestante
de alto risco (Tabela 2), sendo que em Belo Horizonte o crescimento desses procedimentos foi mais do que o dobro do que a média nacional.
112
7. Mesa Redonda: A cessariana desnecessária em questão: evidências científicas e experiências das mulheres
Tabela 2 - Percentual de cesarianas com laqueadura devido a cesarianas sucessivas e
cesarianas em gestantes de alto risco, em relação ao total de cesarianas realizadas no
SUS. Brasil, Sudeste, Minas Gerais e Belo Horizonte, 2002 e 2006.
BRASIL
SE
MG
BH
1,1
1,7
1,0
3,6
2002
Cesariana com laqueadura por cesarianas sucessivas
Cesariana em gestante de alto risco
5,8
5,4
1,5
5,3
Total
6,9
7,1
2,5
8,9
2006
Cesariana com laqueadura por cesarianas sucessivas
2,5
3,7
2,9
5,9
Cesariana em gestante de alto risco
8,7
8,7
4,8
12,3
Total
11,2
12,4
7,6
18,2
Variação 2002-2006 em pontos percentuais
4,3
5,3
5,1
9,3
Fonte: http://www.cedeplar.ufmg.br/pesquisas/projetos-concluidos/index.php.
113
Seminário BH pelo Parto Normal
Referências bibliográficas
Faúndes A, Cecatti JG. A operação cesárea no Brasil. Incidência, tendências, causas, conseqüências e propostas de ação. Cadernos de Saúde Pública, 7: 150-173, 1991.
Faúndes A, Pádua KS, Osis MJD, Cecatti G, Souza MH. Opinião de mulheres e médicos brasileiros sobre a preferência pela via de parto. Revista de
Saúde Pública 38: 488-94, 2004.
Hopkins K. Are Brazilian women really choosing to deliver by cesarean?
Social Science and Medicine 51: 725-740, 2000.
Perpétuo IHOP, Bessa GH, Fonseca MC. Parto cesáreo: uma análise da
perspectiva das mulheres de Belo Horizonte. In: Anais do XI Encontro
Nacional de Estudos Populacionais da Associação Brasileira de Estudos
Populacionais. 1998.
Potter JE, Berquó E, Perpétuo IHO, Leal OF, Hopkins K, Souza MR,
Formiga MCC. Unwanted cesarean sections among public and private patients in Brazil: Prospective study. BMJ 323: 1155-1158, 2001.
Potter JE, Hopkins K, Faúndes A, Perpétuo I. Women’s autonomy and
scheduled cesarean sections in Brazil: a cautionary tale. Birth 35 (1): 33-40,
2008.
114
8. Mesa Redonda: Assistência no parto e nascimento: modelo humanístico e as práticas baseadas em evidências científicas
8. Mesa Redonda: Assistência no parto e nascimento:
modelo humanístico e as práticas baseadas em evidências científicas
Data:
22 de agosto, das 14h às 18h
Coordenadora:
Míriam Rêgo (ABENFO / PUC Minas / Comissão Perinatal –
SMSA/BH)
Expositores:
Cesarianas nas maternidades do Rio de Janeiro – Marcos Dias
Experiência das mulheres em rede – Ana Cristina Duarte
Direitos reprodutivos e sexuais/integridade corporal no parto –
Simone Diniz
Atenção humanizada ao recém-nascido – Zeni Carvalho Lamy
115
Seminário BH pelo Parto Normal
8. Mesa Redonda: Assistência no parto e nascimento: modelo humanístico e as práticas baseadas em evidências científicas
8.1. Cesarianas nas maternidades do Rio de Janeiro
Marcos Dias28
Os dados apresentados a seguir fazem parte da pesquisa “Cesarianas desnecessárias: Causas, conseqüências e estratégias para sua redução”,
encomendada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para
a Fiocruz e coordenada pela professora Dra. Maria do Carmo Leal. A taxa
de cesariana tem sido utilizada como indicador de avaliação do modelo de
atenção ao parto, e o Brasil apresenta uma taxa bastante superior aos 15%
recomendados pela Organização Mundial de Saúde. O aumento das taxas de cesariana foi expressivo no continente americano, nos últimos anos,
sendo que o Brasil apresenta taxas próximas a 40%. Entre os estados brasileiros, São Paulo e Rio de Janeiro ocupam, respectivamente, o primeiro e
segundo lugar do País, com taxas em torno de 50%. As taxas de cesariana
no Brasil estão entre as maiores do mundo e a cirurgia foi tão banalizada
que em algumas organizações hospitalares ultrapassa os 80%, sem causar
qualquer estranheza.
O estudo foi composto por três sub-projetos e trataremos aqui dos
resultados do Sub-Projeto 1, denominado “Avaliação da demanda por cesariana e da adequação de sua indicação em unidades hospitalares do sistema
de saúde suplementar do Rio de Janeiro”. Trata-se de um estudo descritivo, realizado em duas unidades hospitalares da saúde suplementar, uma
situada na zona norte do município do Rio de Janeiro (unidade 1) e outra,
em um município da Baixada Fluminense (unidade 2). Os objetivos deste
sub-projeto eram conhecer, por meio de entrevistas com as puérperas internadas nestas unidades, qual a sua trajetória na escolha e definição pela via
de parto operatória e avaliar a adequação das indicações de parto cesáreo.
Portanto, o foco era contribuir para a compreensão dos determinantes das
elevadas taxas de cesarianas, provavelmente desnecessárias.
Foram entrevistadas 254 puérperas na unidade 1 e 183 na unidade
2, totalizando 437 mulheres, com um percentual de perdas de apenas 3%.
A média de idade das entrevistadas foi de 28 anos, com maior proporção
de adolescentes na unidade 2. Mais de 80% das mulheres apresentavam ensino fundamental completo; entretanto, observou-se o dobro de mulheres
com ensino fundamental incompleto na unidade 2 e uma proporção muito
maior de mulheres com ensino superior na unidade 1. Mais de 90% das
mulheres nas duas unidades referiram estar casadas ou vivendo com um
116
companheiro. Em relação à cor da pele, mais de 50% das mulheres se autodeclararam pardas ou negras, com maior proporção de brancas na unidade
1. Mais de 60% das entrevistadas declararam ter ocupação remunerada,
fato um pouco mais freqüente na unidade 1. Quase 20% das mulheres da
unidade 2 informaram uma renda familiar inferior a dois salários mínimos,
enquanto na unidade 1, mais de 10% relataram renda superior a dez salários mínimos. Na unidade 2, observou-se maior proporção de primigestas
e primíparas. Em ambas as unidades, para aquelas com histórias de partos
anteriores, verificou-se elevada proporção de cesarianas pregressas.
Com relação aos dados da gestação atual, quase a totalidade das
mulheres realizou sua assistência pré-natal em consultório particular. Mais
de 90% delas, nas duas unidades, relataram início precoce da assistência
pré-natal e realização de ultra-sonografia no primeiro trimestre gestacional, indicando um padrão de assistência de nível internacional. O número
de consultas também foi elevado, com quase 100% das mulheres tendo
acesso a no mínimo de seis consultas de pré-natal, conforme recomendado
pelo Ministério da Saúde.
Com relação ao acesso à informação durante a gestação, observou-se
grande diferença entre os dois grupos. As mulheres da unidade 1 relataram
se sentir mais informadas sobre as vantagens e desvantagens do diferentes
tipos de parto em comparação às mulheres da unidade 2. As intercorrências apresentadas ao longo da gestação não foram muito diferentes entre as
duas unidades. Dentre as mulheres que relataram hipertensão na gravidez
nas duas unidades, cerca de 65% faziam uso de medicação para tratamento
dessa patologia.
Em se tratando da preferência pelo tipo de parto, foi investigada
qual a preferência da mulher no início da gestação e no final da gestação,
e a que tipo de parto ela foi submetida. Já no início da gestação mais de
36% das mulheres na unidade 1 e 32,8% na unidade 2 relataram preferir
o parto cesáreo. Quando analisamos apenas as primíparas, a proporção de
preferência por cesariana foi menor, 20 e 23%, respectivamente, nas unidades 1 e 2. No final da gestação, a proporção se inverteu e cerca de 70%
das mulheres relataram que já havia a decisão de realização de cesariana.
Na unidade 1, em quase metade dos casos a escolha pela cesariana foi da
mulher, enquanto na unidade 2, na maioria das vezes, essa foi uma decisão
conjunta da mulher e do médico.
Quando a decisão foi apenas da mulher, os principais motivos relatados foram: o desejo de ligar as trompas, não querer sentir a dor do parto
117
Seminário BH pelo Parto Normal
e o histórico de cesariana anterior. Quando a cesárea resultou de indicação
exclusiva do médico ou de decisão conjunta do médico com a mulher, os
motivos mais citados foram: presença de circular de cordão, histórico de
cesariana anterior, relato de bebê grande e presença de complicações na
gravidez, sobretudo a hipertensão.
Finalmente, no momento do parto, a maioria das trajetórias terminou em parto cesáreo, independente do desejo inicial. Deve-se ressaltar,
entretanto, que o número de mulheres que entraram em trabalho de parto
foi muito pequeno. Foi encontrada uma proporção de 88,1% de partos cesáreos e 11,9% de partos normais, com distribuição semelhante nas duas
maternidades, sendo que 92% das cesarianas foram realizadas eletivamente,
antes da mulher entrar em trabalho de parto. Os resultados sugerem que a
decisão por cesariana no final da gestação foi o maior preditor de cesariana
no momento do parto. Do total de cesarianas, 37,1% ocorreram por escolha
da mulher, sendo as demais por indicação médica ou decisão conjunta, sendo que essa decisão conjunta se baseou apenas nas informações fornecidas
pelo médico.
Após revisão e análise dos prontuários dos partos cesáreos (eletivos
ou não) com indicação médica, não foi possível avaliar a adequação da
indicação em 10,2% dos casos por ausência completa de informações no
prontuário, explicitando uma questão importante a ser debatida na saúde
suplementar: a fragilidade do prontuário. Nos casos em que foi possível
fazer a avaliação do prontuário, dois obstetras separadamente fizeram a
auditoria do prontuário e, nos casos de discordância, os casos eram debatidos conjuntamente até um consenso. Concluiu-se que 91,8% das cesáreas
foram inadequadas, sendo que a principal razão para a inadequação da indicação da cesariana foi a ausência de uma prova de trabalho de parto – já
que as mulheres não entraram em trabalho de parto – para várias condições
que não se constituem indicações absolutas para um parto cesáreo, como
por exemplo desproporção céfalo-pélvica ou discinesia uterina. Inclusive
com relação à desproporção, apenas um dos recém-nascidos pesou mais de
4 quilos.
Para as mulheres que entraram em trabalho de parto foi aplicado
um escore baseado nas das recomendações da Organização Mundial de
Saúde para avaliar a adequação no manejo do trabalho de parto. Avaliou-se
que 64,9% das mulheres tiveram manejo inadequado do trabalho de parto,
10,4% parcialmente adequado e nenhum adequado, seja por ausência do
acompanhante e/ou por dieta zero e/ou uso de ocitocina sem indicação,
118
8. Mesa Redonda: Assistência no parto e nascimento: modelo humanístico e as práticas baseadas em evidências científicas
entre outros.
Pode-se concluir que, de fato, as mulheres não têm possibilidade de
escolha e a indicação da cesárea é construída, sutil e subliminarmente, no
pré-natal. Desta forma, fazer pré-natal com profissional médico é fator de
risco para cesariana, risco esse que aumenta quando o mesmo profissional
do pré-natal assiste ao parto.
Quando o médico mede a barriga da mulher e diz “Nossa, esse bebê
está enorme!”, ela sente a vibração na vagina. O médico vai paulatinamente
minando a confiança da mulher no parto fisiológico. E como a cesárea é
hoje um procedimento muito disseminado e comum, o médico não precisa
de muito esforço para convencer a mulher a fazer uma cesariana.
Por outro lado, quando se observa a baixa qualidade e a grande
inadequação no manejo do trabalho de parto, a situação fica ainda mais
complexa e novamente se reforça a impossibilidade de escolha da mulher
no sentido de garantir uma assistência adequada no sistema privado de
saúde.
Não foi possível avaliar as conseqüências neonatais da cesárea, por
absoluta falta de informações. O desenho de uma pesquisa nesse sentido
terá que ser bem mais sofisticado, e linhas de financiamento específicas
para essa abordagem devem ser criadas, já que esse conhecimento é fundamental para posicionar adequadamente as políticas públicas de assistência
ao parto.
O desafio é enorme, e inclui informar e empoderar as mulheres, o
que não tem sido feito durante o pré-natal, que se tornou um acompanhamento burocrático da saúde do feto e, eventualmente, da saúde da mãe.
Não há informação, discussão ou preparação para o parto durante o prénatal. Por outro lado, apesar das evidências de que a cesárea desnecessária
é um fator de risco para mães e bebês, os médicos resistem a esta evidência
e indicam o procedimento justificando que estão resgatando a mulher do
sofrimento e da dor de um parto animalesco, selvagem, primitivo, nojento
e feio, e oferecendo em troca uma tecnologia moderna e segura. Por fim,
mas não menos importante, além dos riscos, a cesariana priva a mulher da
oportunidade de viver a gravidez e o parto como um momento de empoderamento.
119
Seminário BH pelo Parto Normal
8. Mesa Redonda: Assistência no parto e nascimento: modelo humanístico e as práticas baseadas em evidências científicas
8.2. Experiência das mulheres em rede
Ana Cristina Duarte29
Há várias formas de mulheres usuárias estarem envolvidas na atenção à saúde em geral, e ao parto em particular, sendo os mais tradicionais
os movimentos feminista que lutam por seus direitos (direitos sexuais e
reprodutivos) ou de mulheres pela saúde e, mais recentemente, os movimentos de saúde locais e Conselhos de Saúde do SUS. Por outro lado, mais
contemporaneamente, há as redes de usuárias, que acontecem no mundo
inteiro, denominadas de Redes Grassroots, e que na atenção ao parto foram
descritas por Henci Goer.
As Redes Grassroots são movimentos sociais espontâneos e naturais
que se originam do agrupamento de pessoas com interesses comuns, independentemente de instituições ou organizações. O movimento apresenta
grande poder de expansão, de “enraizamento”, e é extremamente beneficiado pela internet e sua popularização.
Os métodos de atuação das Redes Grassroots são vários: promoção
de encontros freqüentes em casas, escolas, igrejas e espaços emprestados;
realização de grandes reuniões abertas periódicas; utilização de faixas, camisetas, adesivos e outras formas baratas de manifestação de idéias; utilização intensa da internet (listas de discussão, blogs, fóruns, orkut, websites,
e-mails e correntes); abordagem de pedestres em eventos e distribuição de
folhetos; petições e abaixo-assinados (reais ou virtuais); formulação de fact
sheets, ou “folha de fatos”, com a divulgação de números de impacto sobre
o problema e a sua fonte de referência; levantamento de dinheiro; envio de
cartas para os meios de comunicação; exercício dos direitos legais; e criação
de novas demandas.
A Rede Grassroots do Parto, no Brasil, é mais recente. Eu considero que o movimento nasceu em 2000, a partir da criação de uma lista de
discussão na internet sobre “Parto Natural”, com a adesão e participação
crescente de usuárias.
Em 2001, quatro mães em São Paulo – nenhuma delas profissional
de saúde – fundaram o grupo Amigas do Parto e criaram o site www.amigasdoparto.com.br, que recebe 1.000 visitas diárias e é uma referência para
mulheres e profissionais, e a lista de discussão “Amigas do Parto”. Em seguida, em 2003, estruturou-se o movimento de doulas e a criação do grupo
Doulas do Brasil, do GAMA (Grupo de Apoio à Maternidade Ativa) e da
120
ANDO (Associação Nacional de Doulas). No mesmo ano surgiram as listas de discussão “Parto Nosso”, “Materna/SP” e “Doulas do Brasil”. Nesse
período consolidou-se a formação de Doulas e de Educadoras Perinatais.
Em 2006 é criada a Rede Parto do Princípio, com mulheres de vários estados, bem como os Grupos Regionais de apoio ao parto.
Dentro da Rede Grassroots do parto as mulheres vêm discutindo
diversos assuntos, entre eles: taxas de cesariana; medicalização do parto
e intervenções desnecessárias; medicina baseada em evidências, inclusive
com uma comunidade no orkut com mais usuárias do que profissionais
de saúde; casas de parto (modelo, protocolo, etc.); parto domiciliar; direito
ao acompanhante sem pagamento de taxa; doulas no parto; autonomia da
mulher e direito a escolhas; atendimento aos recém-nascidos (berçário de
normais e intervenções desnecessárias); acesso aos serviços, incluindo os
seus custos. A circulação de informações e reflexões entre usuárias é fundamental para garantir uma relação mais igualitária entre as mulheres e
os profissionais de saúde, que deixam de ser os únicos detentores daquele
saber.
A partir deste movimento de usuárias na discussão sobre assistência ao parto, surgem vários braços, ou seja, outros grupos e movimentos de
usuárias em temas relacionados com a maternidade, entre eles: os encontros
anuais no Rio com a Fadynha; a Rehuna – Rede de Humanização do Parto
e Nascimento, que é uma rede composta principalmente por profissionais
de saúde; as listas de discussão nacionais e regionais; os movimentos de
aleitamento materno, como as Amigas do Peito e a Matrice; o movimento
das doulas voluntárias e privadas; o movimento do parto domiciliar; e o
movimento da vacinação seletiva.
A Rede Parto do Princípio atua no nível nacional por meio de sua
website e suas listas de discussão. As listas de discussão são formadas a partir de interesses comuns das usuárias, que podem produzir textos, arte, site,
artigos jurídicos, entre outras coisas de seu interesse. A Rede é composta
basicamente por mães e não há uma liderança única. Entretanto, algumas
dificuldades e limites de atuação existem, principalmente em função dos
poucos recursos financeiros, fundamentalmente para a produção de materiais educativos, e da necessidade de profissionalização das lideranças.
A grande produção da Rede foi ter pautado uma ação no Ministério Público de São Paulo, em 2007, contra o abuso das cesarianas no setor
privado, com a realização de uma audiência pública que visibilizou o problema. O Ministério Público continua investigando a questão e está atento
121
Seminário BH pelo Parto Normal
a situações de violação de direitos e reagiu prontamente à suspensão do estágio das universitárias do curso de Obstetrizes da USP Leste no hospital
estadual de Sapopemba por pressão da chefia da ginecologia e obstetrícia
da Faculdade de Medicina da USP, ocorrido em agosto de 2008.
Outro movimento de usuárias que ocorre em São Paulo é o Materna/GAMA, com uma lista de discussão com 500 participantes das cidades
de São Paulo, Campinas e região, por onde circulam 100 mensagens ao dia.
Entre as atividades deste movimento estão pequenos encontros de casais e
gestantes, grandes encontros duas vezes por ano e uma viagem em grupo
por ano. São promovidos encontros semanais gratuitos para gestantes e casais, e estão se iniciando encontros de puerpério – um momento que ainda
tem ficado relegado, com casos de depressão pós-parto subestimados e subnotificados – e encontros sobre paternidade só com os homens. Também
ocorrem os encontro das slingadas (mães que carregam os bebês), onde se
discute amamentação, e o “Colcha de Retalhos”, um encontro mensal entre
mulheres que conversam enquanto tecem uma colcha.
O que move as mulheres no Grassroots é o ativismo, em contraponto a questões profissionais. O movimento é uma rede de solidariedade,
que fornece apoio emocional bem como troca de serviços e/ou produtos.
Além disso, o movimento promove o intercâmbio de conhecimentos entre
as mulheres para situações do dia-a-dia das gestantes e das puérperas, tais
como azia ou bico do peito rachado, que fortalecem o saber das mulheres
sobre seus corpos. O movimento também promove a mobilização do grupo
para as causas comuns.
Por fim, uma questão para a qual o movimento deve estar sempre
atento é o risco de insensibilidade frente a novos membros, dificultando a
incorporação de pessoas que ainda não estão no mesmo nível de reflexão
que o grupo. Acolher novos membros é um desafio.
Sites na internet
Amigas do Parto: http://www.amigasdoparto.com.br/
Doulas do Brasil: http://www.doulas.com.br/
Gama: http://www.maternidadeativa.com.br/
Parto do Princípio: http://www.partodoprincipio.com.br/
Em Belo Horizonte – MG
Movimento BH pelo Parto Normal www.pbh.gov.br/smsa/bhpelopartonormal
ONG Bem Nascer http://www.bemnascer.com.br/
122
8. Mesa Redonda: Assistência no parto e nascimento: modelo humanístico e as práticas baseadas em evidências científicas
8.3. Direitos reprodutivos e sexuais e integridade corporal
no parto
Simone Grilo Diniz30
Nada de politicamente útil acontece até que as pessoas comecem a dizer coisas nunca ditas antes, permitindo assim
que visualizemos práticas novas, ao invés de apenas analisar
as velhas (Rorty, 1993)
Esta apresentação é um esforço de articular os direitos reprodutivos e a manutenção da integridade corporal com modelos de assistência a
gestantes de baixo risco. Na década de 1970, o movimento feminista vivia
um aparente paradoxo quando reivindicava tanto o direito ao aborto legal
quanto lutava contra os abusos da esterilização. Mas tratava-se, de fato, da
luta pela liberdade reprodutiva. O grupo CARASA (Committee for Abortion Rights and Against Sterilization Abuse) divulgou o documento Women
Under Attack: Abortion, Sterilization Abuse, and Reproductive Freedom, no
qual define o que seriam os direitos reprodutivos: “Além de serviços adequados de aborto e o fim da esterilização involuntária, a liberdade reprodutiva significa: a disponibilidade para todas as pessoas de creches e escolas
de boa qualidade, moradia decente, apoio social e salários adequados para o
sustento de filhos, e assistência à saúde de boa qualidade à gravidez, parto e
pós-parto. Significa também liberdade de escolha sexual, o que implica no
fim de normas culturais que definem uma mulher em termos de ter filhos e
viver com um homem; uma afirmação dos direitos das pessoas de ter filhos
fora das famílias convencionais; e a transformação dos arranjos sobre os
cuidados com as crianças, de forma que estes sejam compartilhados entre
mulheres e homens” (Petchesky, 2006). Como pode-se observar, definição
esta bastante atual.
O conceito de direitos reprodutivos foi se consolidando na década
de 1980, e são herdeiros da luta pela auto-determinação (lembrando o livro
“Nossos corpos nos pertencem”), que defendia o direito ao aborto e à contracepção legais. No Encontro Internacional Mulher e Saúde, realizado em
Amsterdã (1984) foram incorporados ao debate dos direitos reprodutivos
as discussões sobre medicalização, abuso do uso de tecnologia (anticoncepcionais orais, DIU, esterilização, gravidez e parto) e o direito de escolha.
Os direitos reprodutivos inauguram uma noção inédita de direito em uma
123
Seminário BH pelo Parto Normal
esfera até então considerada “natural”, e desnaturalizam a idéia da reprodução, que passa para a esfera da política e da regulamentação do Estado.
Os direitos reprodutivos são considerados direitos humanos, e incluem o
direito à condição de pessoa, à integridade corporal, à equidade e à diversidade.
Na década de 1990, diversas conferências da ONU vão institucionalizando o conceito. No Rio de Janeiro, em 1992, há o deslocamento da
questão do planejamento familiar para além do problema da suposta explosão demográfica. Em Viena, 1993, estabelece-se o marco dos Direitos
Humanos das Mulheres, que incluem os direitos reprodutivos e os direitos
sexuais na discussão acerca da violência de gênero e a questão de saúde. No
Cairo, em 1994, institucionaliza-se o conceito de direitos reprodutivos, e da
saúde reprodutiva nos marcos desses direitos. Em Beijing, 1995, avança-se
no conceito dos direitos sexuais.
O Capítulo VII da Conferência do Cairo (1994) define os direitos
reprodutivos como “O direito de tomar decisões sobre a reprodução livres
de toda discriminação, coação e violência”. O documento reconhece ainda: o enorme e subestimado impacto da violência na saúde reprodutiva; a
necessidade de melhorar a qualidade da atenção oferecida pelos programas
de planejamento familiar; e a importância dos movimentos sociais na construção do conceito.
No Brasil, na década de 1980, diversos movimentos começam a
trabalhar com a agenda da maternidade voluntária, segura, prazerosa e socialmente amparada. Maternidade voluntária quer dizer, para quem não
quer filhos (temporária ou definitivamente), o direito à informação sobre
o corpo bem como informações e acesso aos métodos contraceptivos e ao
aborto legal e seguro; e para quem quer filhos, o direito ao apoio à concepção (fertilidade normal, esterilidade, soro-discordância, diversidade sexual
etc.).
A maternidade segura é o direito de não morrer nem adoecer em
decorrência da gravidez, do parto, do pós-parto, do aborto ou da contracepção, seja por falta de assistência, ou por assistência inapropriada e/ou
danosa.
A maternidade prazerosa se coloca como uma grande questão no
debate sobre direitos. Para alcançar a maternidade prazerosa é preciso desreprodutivizar a sexualidade (separar sexo de reprodução obrigatória) e reerotizar a reprodução, ou seja, entender a reprodução (também) como uma
experiência erótica e o parto como um evento potencialmente saudável e
124
8. Mesa Redonda: Assistência no parto e nascimento: modelo humanístico e as práticas baseadas em evidências científicas
satisfatório física e emocionalmente. É o direito a estar livre de tratamento desumano, cruel ou degradante no parto, tratamento esse construído a
partir de uma concepção de gênero na qual o corpo das mulheres é imperfeito e dependente, e o parto, tal como descrito nos livros de obstetrícia, é
considerado um “estupro invertido” que causaria frouxidão irreversível do
períneo. Tal concepção legitimaria ouso obrigatório da episitomia, ou da
cesárea para todas indiscriminadamente.
Por fim, a maternidade socialmente amparada contesta a instituicionalização e a naturalização do trabalho gratuito das mulheres em cuidar
(das crianças, dos homens, dos enfermos e dos velhos), muitas vezes à custa
dos direitos à renda, à escolarização, à propriedade, e o direito de ir e vir
(romper o isolamento associado à maternidade). Quando a maternidade
não é socialmente amparada, ela resulta em menor renda, menor avanço na
carreira e menor mobilidade social das mulheres. Além disso, no Brasil, a
maternidade também está associada com o aumento da violência de gênero
e estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostra que a violência
aumenta com o número de filhos. Bubeck (1995) defende que a “ética do
cuidado”, uma ética da qual o mundo depende, não pode ser incompatível
com a “ética da justiça”, que é o que acontece com as mulheres, que têm
cuidado dos demais à custa dos seus direitos. O cuidado e a maternidade
devem ser vistos como um trabalho social, garantido por políticas sociais e
baseadas na justiça de gênero.
Um importante conceito a ser discutido quando se pensa em maternidade voluntária, segura, prazerosa e socialmente amparada é o das
“maternidades subalternas”, ou seja, o fato de as mulheres serem tratadas
de maneira diferente dependendo de sua posição social. A assistência à
saúde é um reflexo das desigualdades sociais e das hierarquias com relação
à maternidade, e reproduz estigmas, preconceitos e discriminação. Baseado
na escala de hierarquia sexual de Rubin (1984), e tomando como referência
o tratamento dispensado a mulheres brancas, casadas, heterossexuais e de
classe média/alta durante a maternidade, como o topo da pirâmide, tem-se
uma gradação para pior na assistência quando a mulher cai na hierarquia
social, ou seja, quando ela é solteira, adolescente, “idosa” (>35 anos), doente, pobre, negra, nordestina, lésbica, usuária de drogas, moradora de rua,
trabalhadora do sexo, presidiária, etc. Para se ter uma idéia, em São Paulo,
as presidiárias dão à luz algemadas. Da mesma forma que diferenciamos
as mulheres nessas categorias, diferenciamos sua anatomia e fisiologia, e a
assistência prestada (sua privacidade, direito à prevenção ou sedação da dor,
125
Seminário BH pelo Parto Normal
por exemplo).
E o que nós aprendemos sobre o parto de baixo risco (mães e bebês
saudáveis)? Primeiro, que o parto é sempre uma experiência física e emocionalmente terrível, logo, quanto mais rápido, melhor; e esta experiência
terrível pode ser prevenida com a cesárea. Segundo, que o parto geralmente
leva a seqüelas sexuais como frouxidão irreversível da vagina; logo, melhor
fazer uma episiotomia ou prevenir por meio da cesárea. Terceira, que a
cesárea é mais confortável e dói menos que o parto normal; logo, a mulher
é poupada de sofrimento quando faz uma cesárea. Quarto, que o homem
desmaia no parto ou não se recupera da visão “traumática” da vagina no
parto normal; logo, melhor mantê-los à distância do parto, ou pelo menos
da vagina. E por fim, que o parto normal é mais perigoso para o bebê; logo,
melhor uma cesárea para evitar o risco.
O novo paradigma sobre assistência ao parto, baseado nas evidências científicas e nos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, deve garantir que mais gestantes entrem em trabalho de parto fisiológico, pois ele
traz melhores resultados para o bebê (como a transição respiratória, por
exemplo), e que o parto vaginal seja um evento tranqüilo, apoiado, respeitado, agradável, informado e acompanhado. Além disso, a cesárea eletiva
deve ser prevenida, já que sua recuperação é mais lenta e penosa, resultando
em maiores dificuldade nas funções corporais. Por fim, o novo paradigma
busca prevenir a dor iatrogênica – produzida pelo uso de procedimentos
dolorosos e inadequados como ocitocina, cortes, imobilização e isolamento
afetivo – e promover a integridade corporal e o auto-cuidado sexual, evitando episiotomia desnecessária e lesões genitais ocasionadas pelo puxo dirigido, pela posição de litotomia, pela manobra de Kristeller e pelo fórceps,
quando se apressa o parto sem razões médicas.
E por que a integridade corporal no parto é importante e deve ser
um objetivo da assistência? Porque é um direito humano; porque é muito melhor para a saúde da mulher, que vai apresentar menos dor, maior
conforto na amamentação e na retomada da vida sexual, menor risco de
infecção; porque diminui os riscos de stress pós-traumático e de depressão
pós-parto; porque é melhor para a saúde do bebê e na formação do vínculo
com a mãe (prejudicado quando a mulher sofre fisicamente com o parto),
na amamentação e na prevenção do sofrimento materno; porque provoca
menos stress nas relações familiares, parentais e conjugais; e porque é coerente com as evidências científicas.
Para efeitos de pesquisa, devemos considerar como integridade cor-
126
8. Mesa Redonda: Assistência no parto e nascimento: modelo humanístico e as práticas baseadas em evidências científicas
poral a ausência de episiotomia, a ausência de cesárea eletiva sem indicação
e a ausência de laceração de períneo maior ou igual a 2º. grau. Os fatores
associados ao maior risco de trauma perineal são a posição litotômica, a episiotomia de rotina, o puxo dirigido, a manobra de Kristeller, a manipulação
do períneo, o uso de fórceps ou vácuo extrator e, indiretamente, a anestesia
peridural, porque está associada ao uso mais freqüente de ocitocina, litotomia e fórceps (Enkin et. al, 2000). Assim, os fatores associados ao menor
risco de trauma perineal são: liberdade de posição no parto, realização restrita de episiotomia (idealmente, abaixo de 10%), puxos espontâneos, evitar
manobras como a de Kristeller e a pressão sobre o períneo, evitar uso de
fórceps e vácuo extrator e prevenir a dor iatrogênica – produzida por ocitocina, manobras, episiotomia e sutura – e que faz necessária a peridural.
É nessa perspectiva que vem sendo desenvolvida a pesquisa “Resultados da assistência ao parto de gestantes de baixo risco em Hospitais
‘Galba’ e Hospitais ‘Típicos’: um estudo comparativo com pesquisa de
viabilidade de randomização”. A finalidade da pesquisa é comparar os resultados da assistência ao parto em gestantes de baixo risco, atendidas no
SUS, em três diferentes modelos de organização – os hospitais típicos/
tradicionais, os hospitais “humanizados”, assim reconhecidos pelo Premo
Galba, e os Centros de Parto Normal – buscando verificar se, e em que
medida, a mudança no modelo de assistência implica em uma melhoria
dos resultados maternos e neonatais, incluindo a satisfação da usuária com
o cuidado. Considerando os diferentes modelos de assistência, as perguntas
da pesquisa foram: como é a atenção ao parto e à parturiente em cada um
dos serviços? Que procedimentos são feitos e com que freqüência? Quem
faz qual trabalho? Quais os resultados quanto à saúde (morbidade) e a satisfação das mulheres e das famílias com a assistência?
A hipótese da pesquisa é que existe um gradiente de intervenções
entre os serviços, sendo que o Centro de Parto Normal estaria em um
extremo com menos intervenções e sobretratamento e maior satisfação da
usuária, enquanto os hospitais típicos estariam no extremo oposto, com
mais intervenções e sobretratamento e menor satisfação da usuária. Os
hospitais “Galba”, por sua vez, se colocariam em uma posição intermediária. Foram investigadas: a prevalência de procedimentos em cada local de
parto, representativos de diferentes modelos de assistência, e a associação
da prevalência (freqüência) de procedimentos sobre os resultados maternos
e neonatais, positivos e negativos (aceleração, indução, posição do parto,
restrição ou não de movimentos e de alimentos, episiotomia, manobra de
127
Seminário BH pelo Parto Normal
kristeller, presença acompanhantes, manejo da dor).
Para avaliar a satisfação da mulher com a experiência do parto foi
criado um score de notas por procedimento, questionado o desejo da mulher em repetir o local de parto em uma gravidez subseqüente e perguntado
quais aspectos da assistência a mulher mudaria, se tivesse o poder para
tanto. Nessa questão, a pergunta-chave foi formulada da seguinte maneira:
“imagine que você é a diretora do serviço, poderosa e com todo o recurso
necessário para mudar o que quiser, o que você mudaria?”. Após a resposta
espontânea, houve uma resposta induzida. Algumas mulheres chegaram a
fazer uma lista de mudanças com mais de 20 itens.
Os resultados preliminares apresentados a seguir se referem à comparação da etapa retrospectiva entre o Centro de Parto Normal e o Hospital “Típico”, em São Paulo, e dos grupos focais e entrevistas com puérperas
de Hospitais “Típico” e “Galba”, bem como grupos focais com gestantes
nas UBSs. Um primeiro dado é que a qualidade do registro em prontuário
é, em geral, muito precária, sendo muito pior no Hospital “Típico”.
Os dados com relação ao atendimento das gestantes de baixo risco
nas três organizações mostram que a freqüência da episiotomia é muito alta
no Hospital “Típico” (69%), intermediária no Hospital “Galba” (45,3%) e
mais baixa no Centro de Parto Normal (19,5%). Inversamente, a garantia
da integridade corporal é mais alta no Centro de Parto Normal (64,1%) e
baixa no Hospital “Típico” (18,1%). Com relação à presença do acompanhante, a freqüência é muito baixa no Hospital “Típico” (3,7%), intermediária no Hospital “Galba” (75,8%) e quase universal no Centro de Parto
Normal (93,7%).
Nas entrevistas com as mulheres, observou-se que às vezes uma
postura mais humanizada e expectante pode ser tomada por indiferença
(“Não fazem nada para ajudar a mulher”). Ou seja, há uma compreensão
generalizada de que as intervenções de rotina são uma “ajuda”, principalmente entre os profissionais de saúde. Além disso, falta material educativo
para o pré-natal e os poucos que existem não tratam do parto. Por outro
lado, o soro com ocitocina é avaliado muito negativamente pelas mulheres,
mas tem sido usado de maneira generalizada e descolada da boa indicação
clínica. O “toque” é descrito pelas mulheres como inoportuno e indelicado,
muitas vezes bruto, mas não só o toque diagnóstico, mas também outras
manobras são relatas pelas mulheres como muito penosas (descolamento
de membranas, redução do colo, baixar o períneo), todas invisíveis no processo da assistência, pois raramente são registrados. Ou seja, na assistência
128
8. Mesa Redonda: Assistência no parto e nascimento: modelo humanístico e as práticas baseadas em evidências científicas
ao parto muitas vezes ocorrem situação que podem ser consideradas formas
de violência institucional contra a mulher, incluindo, segundo o relato das
usuárias, o extremo do confronto físico.
Referências bibliográficas
Bubeck D. Care, Justice and gender. Oxford: Oxford University Press,
1995.
Enkin MW, Keirse MJNC, Neilson J, Crowther C, Duley L, Hodnett E,
Hofmeyr J. A guide to effective care in pregnancy and childbirth. 3. ed.
Oxford: Oxford University Press, 2000.
Petchesky R. On the unstable marriage of reproductive and sexual rights:
The case for a trial separation. Conscience, 2006. Disponível em <http://
www.catholicsforchoice.org/conscience/archives/c2006spring_unstablemarriage.asp
Rubin G. Thinking Sex: notes for a radical theory of the politics of sexuality. In Vance C. Pleasure and danger: exploring female sexuality. Boston:
Routledge and Kegan Paul, 1984.
129
Seminário BH pelo Parto Normal
8. Mesa Redonda: Assistência no parto e nascimento: modelo humanístico e as práticas baseadas em evidências científicas
8.4. Atenção humanizada ao recém-nascido
Zeni Carvalho Lamy31
A contemplação das coisas da natureza, embora não faça o
médico torna-o mais apto para exercer a medicina.
Aulius Cornelius Celsus
O conceito de humanização foi o fio condutor deste evento, mas
afinal o que é humanização? Segundo a Política Nacional de Humanização
do Ministério da Saúde, humanização é a oferta de atendimento de qualidade, articulando os avanços tecnológicos com acolhimento, melhoria dos
ambientes de cuidado e das condições de trabalho dos profissionais (Ministério da Saúde, 2004). O primeiro ponto do conceito se refere à qualidade da assistência, que para ser atingida depende da gestão de qualidade e
da gestão clínica. É preciso que cada serviço de saúde, independente de sua
complexidade, invista nas duas gestões e conheça a sua realidade e os seus
dados. Somente o registro e a divulgação dos dados e das evidências permitem sustentar os argumentos e os debates que buscam melhorar a qualidade da assistência. O segundo ponto do conceito se refere à tecnologia,
que não é apenas uma coleção de artefatos físicos, é, também, a aplicação
objetiva de um conhecimento organizado (Banta, 1993). Embora a palavra
esteja, frequentemente, associada ao uso de novos equipamentos e drogas,
para Merhy & Onocko (2002) tecnologia engloba a tecnologia dura (medicamentos e equipamentos), a tecnologia leve e dura (protocolos) e a tecnologia leve (acolhimento e relação pessoal), que também é uma tecnologia
de ponta, mas que depende das atitudes e das condutas dos profissionais da
saúde.
A humanização promove uma mudança de paradigma, redesenhando espaços e relações, pois o modelo tradicional não comporta o hospital
que queremos, onde a questão mais importante são as relações inter-pessoais. A nova geografia hospitalar deve ir além das necessidades dos profissionais e atender também aos usuários abrindo janelas em espaços físicos e
relacionais.
No processo da humanização, o principal desafio é a formação profissional. Nossa formação ainda é muito fragmentada, focada na doença. O
poder nas instituições hospitalares ainda é centralizado e desqualifica valores e saberes daqueles que deveriam ser o alvo de sua atenção: os usuários.
O resultado é um sistema de saúde que tem muitos atributos de uma linha
de produção, onde a pessoa doente é a matéria-prima e a pessoa curada é o
produto (Fox, 1999). Muitas vezes o profissional liga o automático e não reflete sobre o seu processo de trabalho. Se não tiver cuidado, sobrecarregado
com excesso de plantão, pode se tornar um apertador de parafuso, tal qual
Chaplin em Tempos Modernos. As relações entre os profissionais de saúde
e as pessoas a serem cuidadas (mulher, bebê, companheiro, família) acabam
sendo intermediadas por máquinas e pela burocracia. Nesse contexto, a história e o exame clínico têm um valor menor e os pacientes reproduzem esta
lógica quando chegam ao serviço demandando, não o cuidado profissional,
mas, principalmente os exames complementares. Assim, também, a mulher
que pede a cesárea está reproduzindo o discurso de quem ela acredita ser a
autoridade no assunto.
Além disso, os diferentes profissionais de saúde precisam se articular dentro das instituições negociando seus conflitos. Ora, diferentes profissões pressupõem diferentes ideologias, diferentes posições hierárquicas,
diferentes saberes, diferentes formações, diferentes disciplinas, sendo que
todas exercem e se submetem ao poder. O problema não é a existência de
conflitos, pois é bom que existam, mas como esses conflitos estão sendo
negociados no dia a dia. Sabemos que na maioria das vezes a solução para
os conflitos é o tradicional “Quem manda sou eu, você não sabe nada!”, que
ocorre tanto na relação entre profissionais quanto na relação destes com os
pacientes.
Sem ignorar o fato de que estes profissionais enfrentam superlotação, cansaço, falta de tempo, necessidade constante de atualização, situações
de vida e morte, para o processo de humanização da assistência é preciso
que todos e cada um se implique com as mudanças necessárias. As condições externas precisam ser mudadas e devemos reivindicar estas mudanças
aos gestores, mas também é fundamental que nos perguntemos: o que eu
posso fazer melhor? Onde me encontro nesse processo e o que depende de
mim? Refletir sobre a rotina de trabalho pode ser uma importante ferramenta para o profissional de saúde.
Em geral culpamos o outro, as condições de trabalho, o gestor, mas,
segundo Lipp (2005) os determinantes do stress estão muito mais no mundo interno do que no externo, desta forma, o modo de ver o mundo e as
características pessoais são os maiores responsáveis pelo stress. O fato é que
quando diferentes profissionais são submetidos à mesma situação, observamos diferentes reações, algumas mais maduras e outras marcadas pela
Médica pediatra/neonatologista. Doutora em Saúde da Criança e da Mulher pelo Instituto Fernandes Figueira/FIOCRUZ. Professora do Departamento de Saúde Pública
da UFMA. Consultora do Ministério da Saúde para a Atenção Humanizada ao RecémNascido - Método Canguru).
31
130
131
Seminário BH pelo Parto Normal
dificuldade de lidar com a situação. É importante que cada um se pergunte
como vai enfrentar as dificuldades e os conflitos do dia a dia sem chegar
ao burnout, que é o adoecimento do profissional frente ao stress cotidiano
do seu trabalho, que pode gerar sintomas físicos (enxaquecas), emocionais
(depressão e pânico) e comportamentais (intolerância), que resultam em
sofrimento e levam a frequentes licença e afastamento do trabalho.
Por isso, precisamos pensar o tempo todo o que de nós, sujeitos,
está em jogo no exercício de nosso trabalho. Se queremos cuidar do outro,
temos que primeiro cuidar de nós mesmos. É muito frequente que os profissionais esperem o cuidado do outro – a instituição, o chefe, o colega de
trabalho e façam muito pouco por si mesmo. Cada serviço precisa encontrar
a sua forma de cuidar do cuidador. Por exemplo, no serviço de neonatologia
do Hospital Universitário da UFMA temos, nos últimos 10 anos, realizado
várias ações nesse sentido: encontro semanal para negociação dos conflitos,
um encontro anual com toda a equipe, fora do hospital, bem como oficinas
de sensibilização e educação permanente. Mas tão importante quanto o
que a instituição oferece ao cuidador é o que cada um busca para si.
Acredito que, para o processo de humanização é preciso abrir janelas. Temos o hábito de construir verdades rígidas, que impedem a humanização. As normas devem ser estabelecidas, mas também devem ser
reconstruídas de acordo com as realidades locais e individuais. Sempre que
dissermos que algo não pode, precisamos nos perguntar o por quê. Mesmo
naquelas demandas que parecem impossível de serem atendidas, é preciso
avaliar o sofrimento do outro. Hoje, a maioria dos serviços contam com
outras categorias profissionais além do médico e do enfermeiro que tradicionalmente assumiam todos os cuidados, e isso pode facilitar uma atenção
mais individualizada para as diferentes necessidades se na equipe houver
troca de saberes.
A incorporação de novas categorias profissionais no acompanhamento do parto e do nascimento, muitas vezes não avança na qualidade
da atenção prestada porque vários profissionais juntos formam uma equipe multiprofissional, mas não necessariamente produzem um trabalho interdisciplinar. Uma equipe multiprofissional pode produzir um trabalho
multidisciplinar – fragmentado, no qual os saberes se superpõe, mas não
se complementam, ou um trabalho interdisciplinar, negociado, construído
diariamente na relação dialógica. Integrar conteúdos não é suficiente. É
preciso uma atitude e postura interdisciplinar. Atitude de busca, envolvimento, compromisso e reciprocidade diante do conhecimento (Caniglia,
132
8. Mesa Redonda: Assistência no parto e nascimento: modelo humanístico e as práticas baseadas em evidências científicas
2005). O fato é que só se envolve com a prática interdisciplinar quem está
disposto a aprender, pois onde há verdades absolutas não há negociação.
Para promover as mudanças que precisamos são necessárias lideranças com poder de convencimento, capazes de produzir reflexão e trabalho em equipe e não autoritárias, E quais as mudanças necessárias para uma
assistência humanizada ao recém-nascido no pré-parto, na sala de parto, no
alojamento conjunto e na UTI neonatal?
O pré-parto e sala de parto são ambientes historicamente fechados,
dominados pela equipe de saúde e com constantes situações de estresse.
No processo de humanizar esses ambientes é preciso contemplar, ouvir as
pessoas e saber o que elas gostariam. O atendimento humanizado ao parto
e nascimento pressupõe uma nova competência, que não é só técnica, mas
é também relacional. Nesse processo é preciso incorporar novas categorias
profissionais, novos e velhos saberes, saberes que se perderam com o tempo.
É fundamental repensar o acolhimento à tríade pai/mãe/bebê e à família. Nós, profissionais de saúde, tendemos a ter olhos muitos críticos. Para
Brazelton (2002) é necessário que uma mulher seja muito determinada e
forte para que encare a barreira de olhares que muitas vezes encontram no
ambiente de parto e nascimento.
O ambiente do trabalho de parto ainda têm luz muito forte e excesso de linguagem racional, o que estimula o córtex e inibe a liberação de
ocitocina, fundamental para o trabalho de parto fisiológico (Odent, 2002).
Nesse contexto de excesso de racionalidade se coloca a ficha da história
materna que o pediatra preenche. Não se discute a importância da ficha,
mas sim quando e como ela deve ser preenchida. Em geral, ela é preenchida
na hora que a mulher entra no pré-parto. Entretanto, o pediatra pode buscar a maior parte das informações com o obstetra ou no prontuário, pois a
mulher responde à mesma pergunta várias vezes. Sabemos que, em geral, a
ficha é preenchida de forma burocrática, sem a devida atenção e muitas vezes a resposta dada pela gestante não retrata a realidade, mas a vontade de
se livrar do incômodo. Muitas questões importantes para o bebê podem ser
e devem ser revisitadas no alojamento conjunto. O encontro entre pediatra
e gestante no pré parto e sala de parto deve ser um importante momento
de interação. O pediatra deve se apresentar e tranquilizar a mãe em relação
aos cuidados que dispensará ao bebê.
No momento do nascimento, é fundamental receber o recém-nascido como um sujeito. Todos sabem da importância do contato pele a pele,
já que a pele é o órgão sensorial primário do recém-nascido e o contato
133
Seminário BH pelo Parto Normal
corporal mãe-bebê possibilita bem estar, segurança e afetividade, capacitando-o a buscar novas experiências. Entretanto, a qualidade deste contato
tem sido muito ruim, pois o bebê é colocado na mãe e tirado imediatamente para ser submetido a várias intervenções, muitas vezes, desnecessárias.
Quando é finalmente devolvido para à mãe, o bebê já foi furado, aspirado
e está exausto. Além disso já se passaram os primeiros 40 minutos de vida,
fase na qual encontra-se em um estado comportamental chamado de inatividade alerta, quando o bebê é capaz de fixar o olhar nos olhos da mãe,
sentir o cheiro do leite materno, ouvir a já conhecida voz e está pronto para
a interação (Klaus, Kennell & Klaus, 2000).
Um outro fator relevante a ser considerado na sala de parto é o
barulho. O ambiente exerce influência na qualidade da relação mãe-filho,
e se esse ambiente é excessivamente turbulento e confuso, aumentaremos
a ansiedade materna e a agitação do bebê, dificultando a interação que nós
mesmos reconhecemos que é necessária. Dizer que os nossos serviços estão
estimulando a interação e o aleitamento na primeira hora de vida é brincar
de faz de conta quando essas questões não são consideradas.
Pequenas atitudes podem promover grandes mudanças em direção
à humanização: apresentar-se dizendo quem é e o que vai fazer, chamar a
gestante pelo nome; incentivar a presença do acompanhante; reduzir os
ruídos desnecessários e a iluminação forte e manter uma postura respeitosa.
Enfim reconhecer o nascimento como um momento único na vida da mãe,
do pai e de seu filho, por mais que para os profissionais ali presentes faça
parte de sua rotina de trabalho.
A presença de doulas no pré-parto e no parto pode significar uma
grande ajuda especialmente para as mulheres que não têm acompanhante.
Outra questão importante é que quando o bebê nasce bem, devemos estimular a interação, o contato pele a pele e o aleitamento procurando interferir o mínimo possível, evitando condutas desnecessárias. Os procedimentos
necessários devem ser repensados quanto à forma e o momento em que são
realizados: O clampeamento do cordão não precisa ser imediato; não há indicação de aspiração de secreções para o bebê que nasce bem, podendo haver inclusive riscos; o credê deve ser realizado mais tarde, pois impede que
o bebê abra os olhos e olhe para a sua mãe; a vitamina k intramuscular e a a
vacina para hepatite B devem ser realizadas depois que o bebê for colocado
em contato pele-a-pele e tiver a oportunidade de sugar o seio materno.
No alojamento conjunto é importante que não sejam criadas barreiras para a presença do pai. É necessário favorecer a unidade dessa nova
134
8. Mesa Redonda: Assistência no parto e nascimento: modelo humanístico e as práticas baseadas em evidências científicas
família com horário livre para o pai. Além disso as rotinas devem incentivar
e possibilitar um acompanhante para a mãe. Também a visita dos médicos
(obstetra e pediatra) ao leito deve ser um momento de interação e orientação. Outro destaque deve ser dado para o incentivo ao aleitamento materno
que, muitas vezes, no alojamento conjunto não reconhece as possíveis dificuldades. O discurso do profissional pode fazer parecer que o aleitamento é
fácil e simples para todas as mulheres e dessa forma, estimular sentimentos
de culpa.
Uma outra situação para a qual devemos estar sempre atentos é
quando, no momento do nascimento, o bebê necessita de cuidados imediatos e não pode ter a experiência positiva do calor, cheiro e voz de sua mãe.
Antes de transferir o bebê para a UTI Neonatal o pediatra deve voltar a
falar com a mãe, e sempre que possível levar a incubadora de transporte até
ela.
O nosso papel não é só receber, entubar ou fazer surfactante, mas é
também o de introduzir o bebê na família. É importante fazer da Unidade
Neonatal um ambiente acolhedor para pais e bebês, propiciando a formação de vínculos e a recuperação do bebê. Esse ambiente será mais saudável
também para o profissional.
Nos casos de internação na UTI é importante avaliar potenciais
situações de risco para abandono e violência, e dar suporte familiar no nascimento prematuro ou de bebês com malformações. Também é importante
continuar cuidando da família quando ocorrem perdas fetais. Ou seja, é
papel do serviço de saúde identificar redes sociais de apoio e garantir o suporte psicossocial para as famílias com bebês internados na UTI. A nossa
atuação nesses casos tem repercussões para além dos limites da unidade
hospitalar (Lamy, 1997).
Em dezembro de 1999, o Ministério da Saúde lançou a Política
Nacional de Atenção Humanizada ao Recém-nascido - Método Canguru,
um método seguro, que favorece o aleitamento materno, traz benefícios
para o bebê e a família e que mudou o paradigma da assistência neonatal
no Brasil (Lamy Filho et al., 2008).
O método ocorre em três etapas: na UTI Neonatal, na Unidade
Canguru e no Ambulatório de Seguimento (Brasil, 2002). Os pilares do
Método Canguru são: garantia de qualidade da assistência; acolhimento
ao bebê, seus pais e sua família; respeito às individualidades; promoção do
contato pele a pele precoce e prolongado; envolvimento progressivo da mãe
nos cuidados do bebê e promoção do aleitamento materno.
135
Seminário BH pelo Parto Normal
A equipe deve estar atenta para não sobrecarregar os pais de informações,
e principalmente, estar disponível para fornecer as informações que eles
solicitarem. Em geral a equipe fala muito e ouve pouco (Lamy, 2003).
O Método Canguru não deve ser uma obrigação, mas ao mesmo
tempo, quando a mãe demonstra insegurança, medo ou recusa, devemos
avaliar quais as motivações para o não querer e oferecer o suporte necessário. É importante perceber que a mãe está fragilizada e tende a acreditar
que a equipe cuida melhor do seu bebê, uma situação que não podemos
reforçar e que a literatura tem mostrado que se modifica quando a mãe
utiliza o Metodo Canguru.
Em minha tese de doutorado, estudando o ambiente da Unidade
Neonatal partilhado por profissionais, bebês, pais e família, as mães demonstraram em suas entrevistas que o aleitamento materno e o Método
Canguru são as duas práticas que dão significado ao seu papel porque lhes
devolvem o lugar de mãe. Todos os demais cuidados podem ser praticados
pela equipe. Outro achado muito significativo foi que as mães que utilizavam o Método Canguru reconheciam a importância do seu cuidado: “o
profissional sabe mais, mas a mãe cuida melhor”, deixando muito claro o
reconhecimento da importância do seu papel, mesmo em um lugar marcado pelo saber cientifico e pela tecnologia dura
Na Unidade Neonatal também deve haver atenção para os cuidados contingentes. Praticas diárias como higiene, pesagem, aspiração, punções devem ser realizadas lembrando que podem representar momentos de
stress para o bebê. Existem formas de fazer diferente: pesar o bebê contido
no paninho, e depois subtrair o peso, banho de balde (ofuroterapia - para
aqueles clinicamente estáveis) que ajuda a relaxar, especialmente bebês inconsoláveis, uso da redinha para estímulo vestibular, dentre outros
Outras ações importantes são possibilitar à mãe com bebê internado na UTI outros espaços de convivência e de atividades, fazer parceria
com a equipe do Programa de Saúde da Família e programar o acompanhamento ambulatorial pós-alta.
Por fim, quero terminar com uma citação de Luís Fernando Veríssimo: “Uma instituição não tem cara e não tem alma. Tem história, mas
não tem histórias. Caras e histórias têm as pessoas que trabalham na instituição; que são também os que lhe fornecem a alma”. Ou seja, é o meu
trabalho que faz com que minha instituição seja boa ou não, acolhedora ou
não. Antes de reclamar das nossas instituições é preciso perguntar o que
estamos fazendo para torná-las melhor.
136
8. Mesa Redonda: Assistência no parto e nascimento: modelo humanístico e as práticas baseadas em evidências científicas
Referências bibliográficas
BRASIL.Ministério da Saúde. Secretaria de Políticos de Saúde. Área Técnica de Saúde da Mulher. Parto, aborto e puerpério: assistência humanizada à mulher. Brasília: Ministério da Saúde, 2001.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Núcleo Técnico da
Política Nacional de Humanização. HumanizaSUS: Política Nacional de
Humanização – a humanização como eixo norteador das práticas de atenção e gestão em todas as instâncias do SUS. Brasília: Ministério da Saúde,
2004.
Banta DH. Tecnologia para a Saúde. Cad Cienc Tec. 1991;7:8-16.
BRASIL. Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso: Método Canguru. Brasília:Ministério da Saúde, 2002.
Brazelton TB. As Necessidades Essenciais das Crianças. Porto Alegre:
Artmed, 2002.
Blood pressure reactivity to social stress in an experimental situation. Revista de Ciências Médicas 14 (4): 313-394, 2005.
Fox N J. Power, control and resistance in the timing of health and care.
Social Science & Medicine, 48:1307-1319, 1999.
Klaus MH, Kennell JH, Klaus PH. Vínculo. Porto Alegre: Artes Médicas,
2000.
Lamy Filho F, Silva AA, Lamy ZC, Gomes MA, Moreira ME; Grupo de
Avaliação do Método Canguru; Rede Brasileira de Pesquisas Neonatais.
Avaliação dos resultados neonatais do Método Canguru no Brasil. J. Pediatr. (Rio J,) vol.84, n.5 Porto Alegre Sept./Oct. 2008,
Lamy ZC, Gomes R, Lopes JMA. A percepção dos pais sobre a internação
de seus filhos em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal. Jornal de Pediatria, v.73: 5 (293-297), 1997.
Lamy ZC. Metodologia Canguru. In: Quando a vida começa diferente,
MEL Moreira, NA
Braga, DS Morsch (org). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2003.
Lipp M E N. Stress e o Turbilhão da Raiva. São Paulo: Casa do Psicólogo,
2005.
Merhy E, Onocko R O. Agir em Saúde – um desafio para o público. São
Paulo: Hucitec, 2002.
Odent M. O Renascimento do Parto. Florianópolis: Saint Germant,
2002.
137
Seminário BH pelo Parto Normal
9. Oficina V: Roda de Conversa: Valorização do parto
e nascimento como evento fisiológico – o papel
da mídia e a experiência das mulheres
Data:
23 de agosto, das 9h às 12h
Coordenação:
César Augusto Luz (Gerência de Comunicação Social da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte)
Participantes do debate:
Ana Cristina Tanaka (Universidade de São Paulo); Ana Maria Soares (Mulheres em União – Centro de Apoio e Defesa dos Direitos
das Mulheres); Ana Previtali (Promotora de Justiça do Ministério
Público e integrante da ONG Parto do Princípio); Carolina Silveira (Oficina de Imagens); Cleise Soares (ONG Bem Nascer);
Daphne Rattner (Área Técnica de Saúde da Mulher do Ministério
da Saúde); Eliziane Lara (Oficina de Imagens); Hemmerson Magioni (Médico obstetra); Isabel (Massoterapeuta); Júlia C. Horta
(Psicóloga-Hospital Sofia Feldman); Maria Mazarelo (Doula do
Hospital Sofia Feldman); Míriam Leão (Enfermeira obstétrica do
Centro de Parto Normal David Capistrano – PUC Minas); Odete
(Enfermeira obstetra do Hospital Risoleta Neves); Sandra Valongueiro (Comitê Estadual de Estudo da Mortalidade Materna de
Pernambuco); Sônia Lansky (Coordenadora da Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte); Tacyana
Arce (Rádio UFMG Educativa); Torcata Amorim (Universidade
Federal de Minas Gerais); Vânia Muniz Nequer Soares (Comitê
Estadual de Prevenção da Mortalidade Materna do Paraná).
138
9. Oficina V: Valorização do parto e nascimento como evento fisiológico – o papel da mídia e a experiência das mulheres
A proposta desta oficina foi promover uma roda de conversas, onde
cada participante colocou a sua experiência e sua sugestão de enfrentamento da cultura da cesárea através dos meios de comunicação. Reuniu
profissionais da mídia, profissionais, gestores e pesquisadores da área de
saúde com experiência na saúde materna e infantil.
O objetivo da oficina não foi de culpabilizar ou demonizar a cesárea
e/ou o profissional médico. Ao contrário, a discussão buscou privilegiar a
complexidade do assunto, trazer para o centro do debate o direito da mulher e da criança à melhor assistência e prática preconizados na literatura
científica, bem como o direito de parir e nascer sem violência.
Entretanto, é preciso reconhecer que os profissionais de saúde e a
classe médica, com exceções, vem relutando em fazer uma reflexão crítica
da sua prática. No processo assistencial, a autocrítica é fundamental para o
processo de melhoria constante da qualidade da assistência, porque a medicina não é um saber estanque e acabado. E é importante garantir o debate
democrático, e que todos os segmentos se expressem. Por exemplo, como
pode ser aceitável uma mulher ficar sozinha na hora do parto?
Apesar do movimento pelo parto normal não ser um movimento
de crítica, ele deve se posicionar, considerando a persistência das altas taxas
de mortalidade materna e infantil.
139
Seminário BH pelo Parto Normal
10. Considerações e Recomendações: Seminário BH
pelo parto normal – “Carta de BH”
10.1. Oficina I - Aumento da prematuridade no país: melhoria de acesso à tecnologia ou prematuridade evitável?
Considerando que uma parte significativa (próximo de 10%) dos
bebês nascidos por cesárea serão internados em UTI Neonatal, e que os
dados apontam que as cesáreas eletivas nos serviços privados aumentam
consideravelmente em datas especiais (como ocorreu, por exemplo em
08/08/2008) ou pré-feriados e que a ocupação dos leitos pelas cesáreas eletivas dificulta a internação de mulheres em trabalho de parto espontâneo,
recomenda-se atuar de maneira incisiva para eliminar a prática das cesáreas
eletivas desnecessárias.
Considerando que iatrogenia é toda alteração patológica provocada no paciente por diagnóstico ou tratamento médico de qualquer tipo,
recomenda-se conceituar toda a prematuridade que não resulta do trabalho
de parto espontâneo como prematuridade iatrogênica.
Considerando o impacto da prematuridade, inclusive a resultante
da cesárea eletiva, sobre a morbi-mortalidade infantil, recomenda-se estreitar a parceira com pediatras e neonatologistas para a mudança dessa
realidade.
Considerando que, de maneira geral, o “parto normal” no Brasil é
um procedimento médico com excesso de intervenções (indução, aceleração, restrição da mulher ao leito, dieta zero, amniotomia, parto vertical,
episiotomia etc.) que se distancia muito de um parto verdadeiramente fisiológico, recomenda-se que as pesquisas sobre prematuridade e baixo peso
ao nascer definam melhor o que estão chamando de “parto normal”, para
não debitar na conta do parto normal a fatura das intervenções desnecessárias; bem como melhorar a formação médica para que o profissional
seja capacitado a acompanhar o parto normal fisiológico sem intervenções
desnecessárias.
Considerando o paradoxo brasileiro da ocorrência de baixo peso nas
classes mais favorecidas, onde a mortalidade infantil também está aquém
140
10. Considerações e Recomendações: Seminário BH pelo parto normal – “Carta de BH”
do desejável, recomenda-se: realizar levantamento de dados de outros países acerca da relação entre escolaridade, renda e acesso a recursos com o
baixo peso ao nascer, para verificar se o que ocorre no Brasil se reproduz em
outros lugares; realizar pesquisas para compreender melhor o diferencial
na queda na mortalidade infantil no Brasil (magnitude X potencial para
os padrões disponíveis) e sua distribuição nos diferentes estratos de renda,
pois há indício de manutenção de taxa ainda elevada para os estratos mais
ricos da população.
Considerando que o número excessivo de cesáreas no Brasil é um
sintoma, também, da fragilização cultural da mulher e da gestante frente ao
saber técnico e tecnológico, recomenda-se ações para empoderar a mulher a
partir da divulgação de conhecimentos e informações acerca dos benefícios
do trabalho de parto para a mãe e o bebê e dos prejuízos das intervenções
desnecessárias.
Considerando o uso excessivo de tecnologia na assistência à gestação e ao parto, recomenda-se atuar na mudança da concepção de que risco
gestacional se enfrenta apenas com a cesariana.
Considerando a baixa qualidade de informações registradas nos
prontuários médicos, onde falta inclusive a tipagem sangüínea da mulher,
tornando este instrumento inútil para as pesquisas em perinatologia, recomenda-se atuar junto às escolas de medicina e corporações médicas com o
objetivo de melhorar a qualificação do profissional para o preenchimento
do prontuário, bem como fomentar e/ou melhorar a prática de auditoria do
prontuário médico pelas organizações hospitalares.
Considerando algumas deficiências de informações no atual modelo da Declaração de Nascidos Vivos, recomenda-se uma revisão no formulário para que ele inclua algumas variáveis baseadas na classificação de
Robinson para avaliação das indicações de cesariana.
Considerando a importância das UTI neonatais no prognóstico
dos bebês prematuros, recomenda-se avaliar e investir na qualidade dessas
unidades, pois mesmo com toda a tecnologia disponível ainda há problemas com bebês de 1.500 e 2.499 gramas, que nem sempre evoluem bem.
Considerando que as práticas de assistência ao parto no Brasil ainda estão baseadas na tomada de decisão clínica pelo médico, com base no
benefício presumido, recomenda-se que o benefício presumido seja confrontado com a evidência científica de forma a garantir a sua legitimidade
ou justificar a sua mudança.
Considerando que muitos hospitais funcionam mais na lógica da
141
Seminário BH pelo Parto Normal
hotelaria e da unidade de negócio do que na de unidade de saúde, recomenda-se agir com perspectiva de mudar essa lógica hospitalar e cada vez mais
abrir para o controle e participação social de modo a atender os anseios dos
usuários.
142
10. Considerações e Recomendações: Seminário BH pelo parto normal – “Carta de BH”
10.2. Oficina II – Evitabilidade dos óbitos infantis e fetais
Considerando que a morte infantil evitável é resultado de um complexo processo que envolve questões pré e pós-gestacionais, nas diversas
fases da gestação e nos diversos níveis de assistência, recomenda-se que
as ações de prevenção incluam investimentos em estrutura, em operacionalização e em processo de trabalho, bem como na criação de redes de
assistência perinatal regionalizadas e hierarquizadas, com referências para
os procedimentos mais complexos como, objetivando aprimorar a atuação
nas situações com maior potencial de evitabilidade do óbito.
Considerando que, em muitas vezes os óbitos evitáveis não se relacionam a problema de acesso aos serviços de saúde, recomenda-se o aprofundamento da discussão acerca da qualidade do processo da assistência,
melhoria do processo de trabalho em saúde, incluindo ação oportuna, reconhecimento de risco, acompanhamento e continuidade do cuidado, qualidade do contato, da comunicação e inter-relações, escuta qualificada, valorização da queixa dos usuários e responsabilização até o final do processo
assistencial como um todo.
Considerando que tanto o processo de investigação do óbito infantil quanto as suas conclusões são oportunidades para mobilizar imediatamente a rede de assistência de saúde e mudar as práticas assistenciais,
recomenda-se maior presteza nas investigações.
Considerando a invisibilidade do óbito fetal, recomenda-se uma
mudança de perspectiva frente a este óbito, no sentido de que também deve
ser considerado prevenível.
Considerando que os poucos dados acerca da mortalidade neonatal
por asfixia encobre uma importante causa de óbito infantil relacionada com
a qualidade da assistência ao trabalho de parto e que mesmo dentro de hospitais faltam equipes multiprofissionais com a atribuição de acompanhar
de maneira adequada o trabalho de parto, em uma proposta de trabalho coletivo, em equipe e pautado pela melhor evidência científica, recomenda-se
a elaboração e implementação de políticas que visem a melhorar o processo
de trabalho na assistência ao trabalho de parto com o objetivo de reduzir
a mortalidade neonatal, especialmente as mortes relacionadas com causas
evitáveis.
Considerando que a prematuridade, apesar de ser a primeira causa
de morte neonatal no Brasil, está oculta pela forma como os dados são
disponibilizados pelo SIM, o que também impede uma melhor avaliação
143
Seminário BH pelo Parto Normal
das causas maternas da prematuridade, recomenda-se o investimento de
pesquisas no tema.
Considerando que a desigualdades regional, social e de cor/raça são
indicadores de exclusão, de acesso desigual e de oferecimento de tecnologia
não apropriada – o que sugere que as iatrogenias resultantes da medicalização do parto impactam diferentemente bebês em função do acesso que terão, ou não, à tecnologia que pode reverter essa iatrogenia – recomenda-se
a realização de estudos acerca da mortalidade infantil com estes recortes.
Considerando a ausência ou fragilidade dos comitês hospitalares
de óbito, recomenda-se a criação e/ou o fortalecimentos dessas instâncias,
também com o objetivo de acionar a Comissão de Ética do hospital, quando for o caso, e de melhorar sua interação com as Secretarias Estadual e
Municipal de Saúde.
Considerando a indissociabilidade entre gestão e atenção e que somente a reapropriação do processo de trabalho pelo trabalhador permitirá
que as instituições de saúde produzam saúde e sujeitos, recomenda-se estimular movimentos de inclusão das diversas categorias de profissionais de
saúde na discussão dos casos de óbito e na formação de redes assistenciais
horizontais, solidárias e cooperativas, objetivando superar a fragmentação
e a alienação do trabalho, que lhe retira o sentido e a potência.
Considerando a fragilidade das ações de cuidados progressivos e
follow up de bebês internados em UTI Neonatal, o que resulta em desperdício de recursos e investimentos financeiros e emocionais, recomenda-se a
elaboração de políticas que contemplem financiamento e custeio de UTIs
Intermediárias e de acompanhamento pós-alta.
Considerando a ausência de informações sobre a saúde mental das
mulheres que perderam seus bebês, recomenda-se incluir nas investigações
dos óbitos infantis o rastreamento e o encaminhamento de casos graves de
depressão nas mães, e atentar para o caráter culpabilizador da investigação
de óbitos.
Considerando a falta de tradição de avaliação de qualidade pelos
próprios serviços de saúde, recomenda-se a elaboração de políticas indutoras da prática de auto-avaliação, estimulando uma cultura do serviço em
“olhar para dentro”. Recomenda-se ainda a criação de uma rede de maternidades com mais de 1.000 partos/mês no Brasil que deve alimentar
um banco de dados com indicadores de qualidade da assistência a serem
acompanhados.
Considerando a complexidade de uma UTI Neonatal recomenda-
144
10. Considerações e Recomendações: Seminário BH pelo parto normal – “Carta de BH”
se melhorar a qualificação e a remuneração dos profissionais que nelas
atuam, bem como a qualificação do gestor dos grandes hospitais para a
complexidade do percurso clínico de um recém-nascido doente, para o qual
deve haver estrutura, equipamento e pessoal.
Considerando a persistência de diferentes modelos assistenciais ao
parto entre organizações públicas e privadas, no Brasil, recomenda-se um
forte investimento de todos os setores da sociedade na superação dessas
diferenças.
Considerando que a saúde perinatal está fortemente vinculada ao
desejo pela maternidade, recomenda-se que as mulheres não sejam forçadas à maternidade indesejada.
145
Seminário BH pelo Parto Normal
10.3. Oficina III – Experiência de Redução da Mortalidade
Materna
Considerando que o atual modelo de financiamento (por procedimentos) e de assistência (tecnocrático) ao parto é centrado no médico e
no hospital, e não na mulher, e que os partos são na sua quase totalidade
hospitalares (98%) no Brasil e considerando a necessidade de revisão do
modelo de atenção ao parto e nascimento e qualificação da gestõa e do
cuidado hospitalar ao parto, recomenda-se avançar na contratualização dos
hospitais, atuando junto aos gestores para aderirem a esta proposta do Ministério da Saúde.
Considerando que a falha na assistência é sintoma, também, da falha de gestão que não promove o trabalho em equipe nem a criação de
redes integradas e pactuadas de assistência entre profissionais e entre serviços, recomenda-se: discutir uma política de carreira na saúde pública,
contemplando plano de cargos e salários, impedindo o grande turnover
e garantindo a estabilidade financeira e satisfação do profissional com o
trabalho e com os seus resultados assistenciais; criar redes regionalizadas
de assistência perinatal com vistas a garantir acesso oportuno, no nível de
complexidade que a gestante precisa, investindo na formação das redes
regionalizadas de assistência, definindo e equipando as maternidades de
referência para alto risco, qualificando as maternidades de risco habitual e
ampliando os Centros de Parto Normal articulados com a rede de atenção
perinatal e transporte para transferências quando necessário, capacitando
os profissionais de saúde em Suporte Avançado de Vida em Obstetrícia
(ALSO) e reanimação neonatal e superando o isolamento no qual atuam
os profissionais que estão no interior do estado e em zonas rurais; elaborar
protocolos assistenciais em oficinas regionais e locais; criar e manter casas
de apoio a gestantes e puérperas em todas as macro-regionais de saúde,
para acolher gestantes de risco.
Considerando-se que a Unidade Básica de Saúde é a porta de entrada da usuária no sistema de saúde e que deve coordenar o processo da
assistência como um todo, recomenda-se avaliar e melhorar a atuação do
PSF na identificação da gestante, na sua vinculação precoce ao pré-natal,
no reconhecimento de risco e seu encaminhamento, na busca ativa e no
seguimento puerperal, garantindo sua responsabilização pela usuária.
Considerando que quando as mulheres são submetidas à iatrogenia
146
10. Considerações e Recomendações: Seminário BH pelo parto normal – “Carta de BH”
decorrentes do modelo medicalizado de assistência ao parto, e que terão
acesso diferenciado à tecnologia que compensa essa iatrogenia, de acordo
com raça e classe, recomenda-se: melhorar a formação e qualificação do
médico em obstetrícia, incluindo formação em parto de baixo risco com a
participação da enfermagem obstétrica e obstetrizes e definir o parto como
um procedimento a ser realizado por equipe multiprofissional, com inclusão obrigatória de enfermeira obstetra ou obstetriz e superação do modelo
hierárquico que define que a equipe deve ter chefe e que este dever ser o
médico.
Considerando que as mulheres têm o direito de decidir a via de parto, recomenda-se: que as mulheres sejam explicitamente e adequadamente
informadas sobre todos os aspectos do parto; que o parto seja discutido
durante todo o pré-natal e a mulher possa fazer seu plano de parto; que
seja estimulada a divulgação sobre a importância do parto fisiológico em
iniciativas como a estande itinerante do Movimento BH pelo Parto Normal,
exibição de filmes, formação de multiplicadores, etc.).
Considerando que o Comitê de Prevenção do Óbito Materno é
uma instância política e que a Portaria Nº 1.119, de 5 de junho de 2008,
regulamenta a investigação dos óbitos maternos pela Vigilância Epidemiológica, recomenda-se: aprimorar os instrumentos de análise do óbito materno para contemplar entre os motivos do óbito prevenível o atendimento
inadequado ou danoso, inclusive a cesárea eletiva; estruturar comitês de
prevenção de óbitos maternos nos municípios e nos hospitais como prérequisito para a assinatura de convênios com o Estado e a União; atender
a exigência de comitês hospitalares da RDC 36 da ANVISA; financiar,
por meio dos três níveis de governo, programas voltados aos profissionais
médicos para o correto preenchimento da Declaração de Óbito.
Considerando a importância da presença do acompanhante de livre
escolha da mulher para o alcance de bons resultados perinatais, recomenda-se incluir a presença de acompanhante como um indicador materno da
qualidade da assistência e garantir a aplicação da lei do acompanhante.
Considerando a invisibilidade acerca da morbidade materna, recomenda-se: o financiamento de pesquisas, pelo Ministério da Saúde, acerca
da morbidade materna, com vistas a instrumentalizar os comitês para esse
monitoramento; e considerar, a partir do Sistema de Informação sobre Internação Hospitalar (SIH) o choque e eclampsia em gestantes como eventos sentinelas para monitoramento da morbidade materna e qualidade da
assistência.
147
Seminário BH pelo Parto Normal
Considerando que o parto hospitalar se tornou praticamente hegemônico no Brasil, mas ainda não logrou garantir os melhores indicadores
de saúde materna e perinatal, recomenda-se: utilizar a supervisão hospitalar no monitoramento da qualidade da assistência hospitalar e fornecer aos
serviços materiais educativos em emergências para atendimento de síndromes hipertensiva e hemorrágica e pré-natal de alto risco atualizados.
Considerando que a classificação da CID para o óbito materno é
restritiva (42 dias pós-parto), recomenda-se iniciar as articulações com a
Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) para incluir,
na próxima revisão da CID-10, as mudanças necessárias nas classificações
dos óbitos maternos.
148
10. Considerações e Recomendações: Seminário BH pelo parto normal – “Carta de BH”
10.4. Oficina IV- Práticas Baseadas em evidências científicas no parto e nascimento: experiências no setor público e privado
Considerando que a saúde suplementar passou 40 anos sem regulação, e que as atuais estratégias da ANS buscam regular, prioritariamente,
a competência e o compromisso das operadoras em promoção e prevenção
da saúde, recomenda-se fomentar debates e busca de consenso entre os
diversos setores da sociedade: profissionais de saúde, hospitais, mulheres,
operadoras e prestadoras; monitorar e avaliar a implementação da RDC
36; superar a dicotomia entre público e privado na assistência à saúde, pois
a cidadania é uma só e as melhores práticas assistenciais são um direito de
todas as mulheres e crianças.
Considerando o isolamento no qual atual o médico obstetra do serviço privado, que não conta com o apoio de equipes horizontais ou plantonistas nas maternidades para o trabalho de parto, o parto e o pós-parto,
recomenda-se que as operadoras passem a credenciar equipes obstétricas e
não apenas o profissional médico, com protocolos assistenciais e avaliação
e monitoramento de resultados.
Considerando que os direitos das gestantes são constantemente
violados, recomenda-se a criação de ouvidorias, nos três níveis de governo
e na ANS, para informar as gestantes sobre seus direitos no processo de
assistência à saúde na gestação, parto e puerpério, bem como receber e encaminhar as denúncias de violações a esses direitos.
Considerando que, por um lado, a analgesia para o parto é usada
para calar e aquietar a mulher que não teve acesso a outras tecnologias
para alívio da dor, tornando-a mais passiva, e por outro é um recurso que
deve estar disponível para quando for necessário, recomenda-se: recuperar
o verdadeiro sentido da obstetrícia que é estar ao lado de, estar em confiança, fiar com a mulher; criar protocolos acerca da composição, doses e momento adequados de aplicação da analgesia farmacológica, de forma a não
prejudicar a evolução no trabalho de parto; determinar qual seria o limites
mínimos e máximos de analgesia farmacológica recomendáveis; oferecer
fartamente os recursos físicos e humanos que garantam a evolução fisiológica do trabalho de parto e todas as tecnologias não-invasivas para alívio
da dor antes da oferta da analgesia farmacológica; e incentivar a instalação
de centros de parto normal ou quartos PP, conforme as normas da RDC.
149
Seminário BH pelo Parto Normal
Considerando que a pediatria mantém práticas desnecessárias na
assistência ao recém-nascido de baixo risco, interferindo na sua interação
com mãe, para a qual o bebê nasce alerta e pronto, recomenda-se também
mudança de modelo das práticas pediátricas na sala de parto, evitando intervenções desnecessárias para o bebê saudável e preservando o contato
pleno mãe-bebê após o parto, eliminando a prática de afastamento mãebebê nos berçários de normais, atendendo à RDC 36 da ANVISA. Recomenda-se que os procedimentos necessários devem ser realizados após
a primeira hora de nascido e que seja garantido o direito da criança de ter
acompanhante durante tosa a sua internação quando for indicada , mesmo
na UTI neonatal e/ou berçário.
Considerando a importância da presença do pai no pós-parto, principalmente em caso de cesáreas e internações mais prolongadas, recomenda-se flexibilização nos horários de visitas para facilitar a presença paterna
na maternidade, excluindo-se barreiras de acesso do tipo cobrança de taxas
para acompanhantes e para “assistir” o parto.
Recomenda-se a inda a integração Ministério da Saúde e Ministério da Educação para a garantia de implementação do modelo assistencial
preconizado nas melhores práticas assistenciais e evidência científicas nas
escolas e residências médicas em um prazo definido, como um termo de
ajuste, incluindo adequação da ambiência física, equipe multiprofissional
de atenção ao parto e práticas assistenciais.
150
10. Considerações e Recomendações: Seminário BH pelo parto normal – “Carta de BH”
10.5. Oficina V – Roda de Conversa - Valorização do parto
e nascimento como evento fisiológico: o papel da mídia e a experiência das mulheres
Considerando a complexidade das formas e meios de comunicação
de massa, e os diversos públicos com os quais há necessidade de interlocução, recomenda-se que o movimento pelo parto normal tenha uma
assessoria de comunicação exclusiva e crie um Plano de Comunicação que
contemple estratégias diferenciadas de intervenção e considere não só os
grandes veículos de comunicação, mas também as mídias comunitárias, as
não governamentais e as empresariais.
Considerando que a grande falta de comunicação é com a mulher,
e que no Brasil a imagem disseminada do parto normal é, na verdade, de
um parto anormal, solitário, doloroso e desrespeitoso, recomenda-se uma
postura de comunicação que comprometa o cidadão/a cidadã com a sua
própria saúde, desconstruindo a imagem do médico como o dono da saúde
e/ou doença do outro.
Considerando que o jornalismo tem uma visão institucionalizada e
tradicional acerca da assistência à saúde – centrada na doença, no médico,
no hospital e na tecnologia dura – e uma visão pejorativa da saúde pública
como de péssima qualidade e do médico da saúde pública como incompetente, recomenda-se atuar na formação dos estudantes de jornalismo, em
parceria com as faculdades e universidades, bem como qualificar as fontes e
prepará-las para a relação com a impressa.
Considerando que a pauta prioritária da imprensa são as críticas
ao SUS, e que o gestor público de saúde não deve ser refém da imprensa
comercial para a divulgação de seus serviços e ações, recomenda-se que a
saúde pública adote uma postura pró-ativa na relação com a mídia, interferindo na pauta – a exemplo do que já foi feito pela Rede ANDI nos direitos
da infância –, dialogando com os meios de comunicação e qualificando a
cobertura, além de que crie seus próprios meios de comunicação, tais como
publicações e outras ações (seminários, simpósios, atividades de rua etc.).
Considerando a imagem negativa do parto normal nas novelas,
com freqüente morte de mulheres nestas condições, recomenda-se monitoramento, clipagem e gestão junto aos autores de novelas, fomentando o
direito de nascer direito.
151
Seminário BH pelo Parto Normal
Considerando que as mulheres formadoras de opinião, inclusive as
jornalista, estão submetidas à cultura da cesárea e desconhecem o parto
fisiológico, recomenda-se um contato sistemático e permanente com jornalistas e redações.
Considerando o desconhecimento do judiciário acerca da obstetrícia baseada em evidências e sua crença de que a cesárea é o padrão outro da
assistência, não reconhecendo os problemas advindos da cesárea desnecessária, recomenda-se: uma parceria que possibilite discutir o tema em eventos do judiciário, criando garantias para que profissionais da humanização
do parto não sejam recebidos com pré-conceitos pelos tribunais, mudando
a lógica de que o melhor que se pode oferecer à mulher não é a cesárea, e
sim a obstetrícia baseada em evidências; e levantar os processos em curso
contra os médicos obstetras e estudar, junto com os Conselhos de Medicina, o que motivou os processos. É preciso reconhecer que, considerando
a negligência, imprudência e imperícia na prática médica, o número de
processos legais ainda é pequeno, o cidadão ainda usa pouco a justiça para
questionar uma violação de direitos na área da saúde.
Considerando a hierarquia entre conhecimento científico e conhecimento popular, e a desconsideração com os saberes das parteiras tradicionais e das mulheres quilombolas acerca do parto e nascimento, recomendase a documentação desse conhecimento para sua possível validação.
152
11. Mesa redonda
11. Mesa redonda
• Políticas públicas de atenção obstétrica e neonatal
• A Cesariana desnecessária em questão: evidências
científicas e a experiência das mulheres
Considerando que a velocidade de queda da mortalidade infantil é
maior quanto maior for o seu componente evitável, recomenda-se reavaliar
as estimativas de queda para os próximos anos dentro das Metas do Milênio, quando devem ser potencializadas as ações relacionadas com pré-natal,
parto e pós-parto imediato, pois a redução deverá ser mais lenta.
Considerando-se que, segundo os dados da Pesquisa Nacional de
Demografia e Saúde, quase não há mais restrição de acesso ao pré-natal,
recomenda-se investimentos na sua qualificação, em um modelo humanizado, para prevenir a prematuridade e garantir a saúde materna e infantil.
Considerando a complexidade da assistência perinatal, recomendase a organização da rede assistencial em uma lógica de regionalização e
hierarquização, com qualificação dos recursos humanos para assistência na
saúde pública.
Considerando as comprovadas vantagens de assistência ao período
perinatal por equipe multidisciplinar, recomenda-se tornar obrigatória a
presença de enfermeiras-obstétricas nas equipes assistenciais de todas as
maternidades, públicas e privadas.
Considerando-se a pouca relevância do indicador “parto por profissional qualificado” na qualidade da assistência ao parto no Brasil, recomenda-se a revisão deste indicador e sua possível supressão ou alteração.
Considerando que 40% das mortes infantis ocorrem nas primeiras
horas pós-parto e que a mortalidade materna está concentrada no período
anterior à alta hospitalar, recomenda-se a fomentar a qualificação da gestão
hospitalar, bem como aumentar a regulação dos leitos privados contratados
pelo SUS.
Considerando que a assistência ao parto normal no Brasil é inadequada e com excesso de intervenções desnecessárias, degradantes e violadoras de direitos humanos da mulher e do bebê, e que inclusive aumentam
a dor durante o trabalho de parto, recomenda-se explicitar nos projetos de
pesquisa e programas de saúde o que se chama de parto normal e distinguir
153
Seminário BH pelo Parto Normal
parto vaginal de parto fisiológico, incluindo nos prontuários assistenciais um
espaço para identificar todas as intervenções realizadas no parto normal,
tais como ocitocina, episiotomia e manobra de Kristeler, para melhor avaliação de seu impacto na saúde perinatal.
Considerando a experiência acumulada pelos dez anos de Casas de
Parto no Brasil, bem como a importância de promover a autonomia da mulher na suas decisões com relação ao parto, recomenda-se rever as restrições
presentes no protocolo da Casa de Parto no sentido de incentivar e ampliar
o acesso a esse modelo assistencial, abrindo espaço para as mulheres decidirem de maneira informada sobre como e onde desejam parir.
Considerando a necessidade de qualificação da atenção e formação
médica para o atendimento das urgências obstétricas, recomenda-se a ampliação do treinamento em ALSO – Suporte Avançado de Vida.
Considerando-se a importância de conhecer a taxa de prematuridade dos hospitais privados, tanto por ser um indicador da qualidade da
assistência quanto por sua possível relação com a cesárea desnecessária,
recomenda-se o financiamento, pelo Ministério da Saúde, de um estudo
multicêntrico com o objetivo de registrar com acurácia a idade gestacional
dos bebês nascidos nas maternidades privadas.
154
12. Mesa redonda - Assistência no parto e nascimento: modelo humanístico e as práticas baseadas em evidências científicas
12. Mesa redonda - Assistência no parto e nascimento:
modelo humanístico e as práticas baseadas em evidências científicas
Considerando a baixa qualidade do registro médico em prontuário,
o que impede inclusive a realização de pesquisas e o avanço no conhecimento, recomenda-se criar políticas de auditoria de prontuários de atenção
à parturiente, com avaliação crítica e advertência para a cesárea desnecessária. É necessário o registro de rotina da presença de acompanhantes no
trabalho de parto e parto, e da episiotomia e do estado perineal nos partos
vaginais.
A informação sobre o direito a acompanhantes no SUS deve ser
informado claramente na carteira da gestante e na agenda da gestante
Considerando que os impactos da cesárea desnecessária se farão
sentir nas gestações futuras, como é o caso do acretismo placentário (que
vem crescendo nos EUA e na Inglaterra), recomenda-se a criação de linhas
de pesquisa específicas para avaliar a ocorrência desses casos no Brasil.
Considerando o alto índice da cesárea no setor privado e que as
mulheres, apesar do desejo pelo parto normal, estão sendo submetidas a
cesáreas desnecessárias, recomenda-se a publicização para as pacientes dos
índices de cesáreas dos prestadores hospitalares e dos médicos dos planos
privados de saúde.
Considerando que a ANS não pode impor o modelo de assistência
ao parto para as operadores, recomenda-se a criação de um rol de alternativas a ser apresentado às operadoras bem como um estudo de custo acerca
da inclusão da enfermeira obstetra na assistência ao parto.
Considerando a pouca atenção do modelo tecnocrático de assistência ao parto para com a anatomia perineal e vaginal, recomenda-se a
criação de programas de promoção da saúde que incluam os exercícios de
Kiegel e o auto-conhecimento corporal da mulher.
155
Seminário BH pelo Parto Normal
156

Documentos relacionados