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O RETRATO DO BRASIL | n 5 os pobres, afinal, serão beneficiados? O PAC EM RECIFE: CIDADES 1 RetratodoBRASIL nO 5 - R$ 6,00 CIDADES: O PACTO DO SANEAMENTO O governo Lula põe no papel, apressadamente, um plano de obras – mais de 900, por enquanto – para os serviços de água e esgoto no País 2 CIDADES RETRATO DO BRASIL | nO 5 A MARGEM DO MANGUE CIDADES 3 RETRATO DO BRASIL | nO 5 IBURA CAMPO DO JIQUIÁ RI O TE JIP C M A U RA N A L ICÉIA IÓ Aeroporto Internacional de Guararapes Av. Mal . Masca renhas d IMBIRIBEIRA ILHA DO ZECA LAGOA ARAÇÁ e Moraes RIO PIN idade Comun a de Ilh de Deus PERNAMBUCO ILHA DE DEUS Recife A Shopping Center Recife PARQUE DOS MANGUEZAIS Aeroclube do Encanta Moça BA Região Metropolitana do Recife CI A DO ngos Ferreira Brasília Teimosa NA Av. Eng. Domi PI Praia de Boa Viagem Visita a um dos grandes projetos de saneamento ambiental do País, incluído no Programa de Aceleração do Crescimento do governo Lula, em área invadida pelos pobres no Recife R ecife fica no estuário de vários rios: ao norte, o Beberibe; ao centro, o Capibaribe; ao sul, o Teijipió, o Pina, o Jordão. A cidade é baixa, plana. Todo dia, com as marés, o oceano sobe continente a dentro, torna verdes as águas sujas dos rios, cobre margens entulhadas de detritos cor de piche, forma grandes alagados, os manguezais. O maior dos mangues de Recife fica ao sul da cidade. É formado pelos Teijipió, Jordão, Pina e pelo mar. O turista não o vê, embora ele fique perto do aeroporto de Guararapes e da praia de Boa Viagem, a mais famosa da capital pernambucana. As ruas ao redor do mangue dão para a praia ou para as grandes avenidas que levam ao centro, para o Recife Antigo, a cidade colonial. Não chegam ao mangue: terminam geralmente em becos, formados por paredões de casebres também de costas para a água e para a vegetação. Os manguezais são ecossistemas de preservação permanente, por serem berçário, criadouro e abrigo de inúmeras espécies. O mangue da zona sul de Recife, por exemplo, é protegido formalmente por lei e confiado à guarda da Marinha do Brasil. Nas suas vizinhanças, no entanto, apenas uma estreita faixa tem um sistema de coleta e tratamento de esgotos. É o paredão de prédios à beira da praia, situado numa formação geológica levemente mais alta que se prolonga até o Recife Antigo. Toda a área restante, mais para o interior, despeja seus esgotos em fossas, nas galerias reservadas para as águas pluviais, quando não diretamente nos rios ou no mangue. Isso, de certa forma, explica porque o belo e importante mangue é desprezado e escondido: ele é, principalmente, um coletor de esgotos de vasta região. Os planos para mudar Atualmente, um projeto para mudar radicalmente essa situação está sendo tocado, o qual participa do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Basicamente, são duas intervenções: a Via Mangue, uma avenida marginal que serviria para conter o movimento de invasão e aterramento do manguezal; e um sistema sanitário para a área atualmente não atendida, uma espécie de triângulo formado de um lado pelo Teijipió e a margem sul da Bacia do Pina, de outro, pela linha de frente do aeroporto de Guararapes e, por último, pela faixa de prédios de Boa Viagem, já saneada. A população dessa área é estimada em mais de 250 mil pessoas. Em tese, o saneamento básico beneficiaria especialmente os mais pobres – eles são forçados a conviver com os esgotos. Para visitar a área, o repórter e Natanael Ramalho, gerente de projetos da Compesa, a empresa de saneamento do governo de Pernambuco, utilizam um carro da companhia. O veículo passa pelo canteiro de obras da Camargo Corrêa, a empreiteira que está concluindo neste fim de ano a primeira fase do Via Mangue – um túnel na saída dos viadutos estendidos sobre a bacia do Pina, uma das entradas de Boa Viagem para quem vem do centro da cidade. Passa também por uma espécie de porta oficial do mangue, de onde sai a estrada que vai à Rádio da Marinha, no meio do manguezal. “Propriedade da União, Marinha do Brasil”, diz a placa ao lado da porteira fechada. Um soldado informa que a área é de acesso restrito e é necessária autorização para entrar. Cerca de meio quilômetro adiante, o carro entra numa rua que dá numa linha de 4 CIDADES casas pobres. Mateus, de oito anos, levanos por um beco estreito entre os casebres até a margem do mangue. Mateus tem seis irmãos. O pai é pedreiro; a mãe, agente de saúde. Ele mostra quais são os canos de água e os do esgoto. Estes dão diretamente para o Pina, margem de cá do mangue. Do lado de lá, o mangue é bonito: uma mata de árvores de pequena altura, de verde forte e escuro. O Pina, aqui, é uma cloaca: sobre um fundo de águas negras, os canos de esgoto se projetam dos casebres e despejam sua carga sobre o rio. RETRATO DO BRASIL | nO 5 “Aqui é o Pantanal 1”, diz Mateus. “Mais para lá, é o Pantanal 2”, diz ele, apontando para o norte. Na frente do beco, Adriano toma conta de um pequeno negócio onde se vende água e há uma máquina de videogames. Ele diz que ali chega água da Compesa: “Um dia sim, 10 dias não”, completa com ironia. Chega também a conta: “Dezesseis reais”, ele diz. “Mas não pago”. Dona Antônia tem um barraco ali há 12 anos. Ela está preocupada com a Via Mangue. Uma amiga, mais jovem, que está a seu lado, acha que os moradores podem se unir e resistir à destruição das casas que a via promoverá. Aponta para a construção de dois pisos onde mora e de onde não quer sair. Dona Antônia acha que pouco vai adiantar. Já viu uma desapropriação. “A certa altura, chegam os tratores e a polícia e o povo é retirado à força”, ela diz. Numa das casas ao lado do negócio de Adriano, encontra-se um registro que parece mostrar que, de fato, as casas estão cadastradas, provavelmente para o pior: “Prefeitura do Recife, número 01-A, Cadastro. Loc: Ilha do Destino, Pantanal”. E a data: 25-04-07. CIDADES 5 RETRATO DO BRASIL | nO 5 RECIFE ZONA SUL Fotos: Roberto Pereira A cidade vista de cima da Lagoa do Araçá. No horizonte, o paredão de prédios de Boa Viagem. Mais para interior, o grande manguezal que hoje serve praticamente como destino final dos esgotos, sem tratamento, de uma área com mais de 250 mil habitantes. Nos detalhes abaixo: a Marinha do Brasil é a guardiã oficial da área; e uma vista do rio Pina e do mangue, a partir de um beco que dá para os fundos da invasão Pantanal 1 Ilha do Destino é outro pedaço da margem do mangue, logo adiante. Parece ter sido a origem do conjunto de invasões próximas. José Coutinho tem casa e uma espécie de armazém ali. Diz que sua mãe ajudou a construir o aterramento do mangue que uniu a ilha a Boa Viagem e que isso ocorreu em 1953, quando ela se mudou para a ilha para ficar perto do emprego, como doméstica numa casa rica perto da praia. Coutinho explica o sistema de saneamento das casas e casebres da ilha. Os próprios moradores compraram os canos ne- cessários e ligaram suas latrinas à galeria de águas pluviais construída pela prefeitura sobre o aterro. Sabem que é proibido jogar esgoto nas galerias de águas pluviais. Porém, funciona. Aliás, nem sempre funciona. Um rapaz leva o repórter até o Beco dos Sete Pecados, uma das ruelas da ilha onde o esgotamento pifou. “Deveria se chamar Beco da Merda”, diz uma moça. Ivoneide, uma senhora de 50 anos, mostra seu casebre nos fundos de uma das vielas. A moradia deve ter pouco mais de dez metros quadrados de área. Num dos cantos, parcialmente protegido por uma meia parede, sem porta, está instalado um vaso sanitário. Uma televisão está ligada. Há duas camas estreitas. Numa, o marido dorme. Um rapaz em seus 30 anos está numa cadeira . “É meu cunhado”. “É meio lesado”, ela completa em voz baixa. Ivoneide tem cinco filhos e 11 netos. Vende espetinhos de carne. Prepara-os em casa, e o marido os leva para vender num carrinho de churrasco que instala em pontos da cidade. Acha que só Jesus pode ter compaixão da vida que leva. Às vezes, toda 6 CIDADES a família está na casa. E o banheiro não funciona. É preciso levar as fezes até a viela principal e tentar empurrá-las por uma entrada do cano central de coleta que fica geralmente aberta. Maria de Fátima, 47 anos, vive sozinha, tem quatro filhos. Não tem emprego fixo e faz trabalhos avulsos para as outras mulheres que, como ela, moram no beco. Quando o repórter volta com o fotógrafo, uma semana depois, ela tinha passado “das onze da manhã às seis da tarde” do dia anterior tentando desentupir o cano do esgoto central do beco. Sem sucesso. Maria Betânia, igualmente moradora dali, explica que também falta água com freqüência. Ela nos leva até a “fonte”. Na saída do beco, ao lado da casa do pai, que está na ilha há 38 anos, construiu uma caixa ladrilhada subterrânea coberta em torno do cano de água da Compesa, no qual instalou uma torneira. Como chega pouca água, sob baixa pressão, só se pode empurrá-la para o beco por meio de uma mangueira com ajuda de uma bomba-d’água, que se toma emprestada. “No momento, não há bomba”, diz ela. E mostra uma amiga com uma trouxa de roupa. “Ela vai lavar na Xuxa”, Betânia diz. “Xuxa” é a última das invasões nessa margem do mangue. Fica na confluência dos rios Pina, Jordão e do canal do Setúbal, que outrora também deve ter sido um rio, correndo por trás de Boa Viagem. Eronildes Pereira, 45 anos, leva repórter e fotógrafo para ver as invasões do alto do prédio de dez andares, onde trabalha como faxineiro. De lá se vê que a Ilha do Destino pode ser, de fato, o centro antigo das invasões: é um aglomerado de casas de alvenaria relativamente organizado. Pereira morava com o pai e 18 irmãos na ilha. Dois morreram. Três estão no Recife. Treze foram para São Paulo e ele não sabe onde estão. Quinze anos atrás, quando quis casar, ajudou a carregar barro para aterrar outro trecho do Pina, o da invasão onde fez uma casa, a Deus nos Acuda, que fica depois da Paraíso e antes da Xuxa. O esgoto de sua casa funcionava bem até recentemente. Novos moradores em um novo aterro, mais perto do rio, criaram um problema: agora, freqüentemente, o esgoto empaca e volta, ele conta. Da Ilha do Destino, o carro da Compesa leva o repórter e Ramalho para o local onde está prevista a construção da primeira ETE, estação de tratamento de esgoto, para despoluir RETRATO DO BRASIL | nO 5 a área. Ela fica entre a estação de trem Antônio Falcão e a margem próxima do rio Jordão. Nos mapas do projeto do esgotamento sanitário – que é de dez anos atrás, mas foi usado pela Compesa e pela prefeitura de Recife para garantir verbas do PAC agora – trata-se de área despovoada. No Guia Quatro Rodas - Ruas de Recife 2008, ali também não há ninguém. Na imagem do local no Google Earth, que, estima Ramalho, deve ser de três anos atrás, é uma área verde. A ocupação mais recente No entanto, hoje no local está a Ocupação Irmã Dorothy Stang, batizada com o nome da missionária americana morta na Amazônia em 2005. Ali vivem atualmente entre 600 e 800 famílias, segundo estimativas da prefeitura e dos ocupantes. Severina Celestina, uma das moradoras, não pensa em sair. Quer que a prefeitura faça o serviço de coleta de lixo passar em torno da ocupação e mande “lim- par a beira da maré”, onde o mato campeia e hoje está uma imensa sujeira, porque os moradores da Irmã Dorothy Stang não têm água nem esgoto e usam a margem do mangue para seus despejos. Ramalho e o repórter continuam agora em direção à área onde será construída a segunda estação de tratamento de esgoto do projeto. Ela fica em outra mata de mangue, no bairro de Imbiribeira, perto da entrada do canal de Mauriciéia no Teijipió. O carro segue pela invasão do Dancing Days, à margem da mata e do canal, a qual parece antiga e consolidada, como a Ilha do Destino. Depois, embrenha-se por uma estrada de terra precária, através da mata, com alguns descampados em volta. Ramalho mostra o local da ETE. Está livre, com apenas um campo de futebol. Um carrinho despeja lixo na área. Mais adiante, surge uma nova invasão. “Aqui é Salina”, diz uma moça. “À frente é a rua da CIDADES 7 RETRATO DO BRASIL | nO 5 Fotos: Roberto Pereira VIVENTES DO MANGUEZAL Maria de Fátima, mais de meio dia para desentupir o Beco dos Sete Pecados, sem sucesso; Coutinho, cuja mãe ajudou a fazer o aterro que ligou a Ilha do Destino à faixa de Boa Viagem, em 1953 (na pág. anterior); Severina, da ocupação Irmã Dorothy, que não quer sair e pede limpeza; e Eronildes, que carregou o barro que construiu a Deus nos Acuda profundas sem gastar muito dinheiro: o lençol de água é muito próximo da superfície. A reportagem nos mangues termina com a visita a um prédio à margem da Lagoa do Araçá, que é alimentada por um canal vindo do Teijipió. O sol está se pondo e pessoas correm pela calçada à margem da lagoa protegida por uma estreita mata. O prédio tem dois blocos, 48 apartamentos, uma grande caixa-d’água no alto. Ramalho pergunta pela fossa. O servente mostra a grande área no pátio entre os blocos, onde a fossa está enterrada. Descobre que há também um filtro de pedras, subterrâneo. Depois desse tratamento preliminar, a água do esgoto, um pouco mais limpa, é despejada na lagoa. “Nesta área”, diz Ramalho, fazendo uma espécie de resumo da visita, “vivem os que estão praticamente dentro do esgoto e os que tem sua situação parcialmente resolvida. A questão é fazer o saneamento integrado e resolver o problema como um todo. E a Compesa é uma empresa. Precisa cobrar por seus serviços”. Os velhos planos Morte”, explica. Ramalho diz que a área serve para desova de cadáveres. O carro se apressa. Chega à invasão de Sítio Grande. Pára numa esquina de cruzamento de ruas de terra diante de um empório, cujo balcão de atendimento é protegido por uma grade. É fim de dia e Roberto, 43 anos, está tomando uma cerveja no balcão. Ele leva o repórter para ver sua casa e negócio, bem perto. Não tem banheiro. Acumula as fezes em embrulhos que põe em sacos de lixo, levados pela coleta da prefeitura que pas- sa no local. A vigilância sanitária fechou um de seus últimos negócios. Mostra o balcão em que vendia carne de boi e de bode. A dona da venda, dona Irene, mostra também sua casa, por trás do empório. É ampla, limpa. Tem água, bomba, caixa-d’água de reserva. Separa o esgotamento da latrina, o qual joga numa fossa, da água de lavar louça e de banho, que joga em outra fossa. No quintal tem acerola, pinha, um papagaio. Ela reclama: na estação das chuvas e na maré alta, as fossas transbordam. E não há como fazê-las mais João Bosco Almeida, presidente da Compesa e secretário de Recursos Hídricos do governo de Pernambuco, é um veterano do saneamento brasileiro. Participou da elaboração do plano de modernização do setor em 1996, quando José Serra, atual governador de São Paulo, era ministro do Planejamento. Foi feito, então, um grande diagnóstico, em dez volumes, e um plano de amplos investimentos e privatização da área. Na época, ele era secretário de Recursos Hídricos do estado, pasta nova criada por Miguel Arraes. No novo governo, de Eduardo Campos, neto do legendário governador, Bosco é o responsável por um plano de 7,5 bilhões de reais que pretende universalizar os serviços de água no estado até 2014 e os de esgotamento 8 CIDADES Compesa receberia cerca de 65 milhões). “O setor é praticamente o único do País que escapou à ofensiva desestatizante dos anos 1990 e é peça essencial nos novos investimentos”, diz Bosco. “A companhia fatura atualmente 650 milhões de reais por ano e pode chegar a um bilhão brevemente”, diz ele. Mas ainda enfrenta grandes problemas. Da água que trata, a Compesa recebe menos de 40%; o resto se perde ou não é pago. Outro exemplo das dificuldades: somente 50% das estações de tratamento de água da companhia estão completamente enquadradas dentro das normas de qualidade obrigatórias. De um modo geral, Bosco está animado com o PAC, pois a Compesa tem, em princípio, 62 projetos aprovados. “Eram projetos que a companhia os tinha estocado e que não pôde tocar por conta da inadimplência e dos critérios então existentes. O Ministério das Cidades fez tudo para aceitar esses projetos, mesmo desatualizados”. A companhia está trabalhando em regime de mutirão para atualizar os custos desses projetos. “Temos o prazo até 30 de novembro para a atualização. E vamos conseguir”, ele diz. Para isso, reforçou o quadro permanente da companhia com mais 40 engenheiros e 50 técnicos e contratou um escritório de engenharia privado auxiliar, com mais 20 engenheiros, além de escritórios para projetos específicos. Uma grande sacada Bosco reconhece que o projeto para a área de Boa Viagem e Imbiribeira, que o repórter visitou, é antigo. Mas não acha que isso seja um grande problema. Seu superintendente de planejamento e projeto, Sérgio Tavares, também pensa assim. O horizonte do projeto original, que se baseia em dados do fim dos anos 1990, era de 30 anos, diz ele. As duas estações de tratamento de esgoto e as 18 elevatórias do projeto foram calculadas para uma situação de saturação na ocupação da área. Isso significa, por exemplo, que o prédio que o repórter visitou em campo, à margem da Lagoa do Araçá, e que não consta do mapa da área que a Compesa tem, concluído em 2001, está contemplado no que se refere à capacidade de atendimento prevista no projeto. “A idéia básica do projeto original é de 1995, da época de Arraes no governo do Estado e de Jarbas Vasconcelos na prefeitura”, diz Sérgio. “O plano partiu de uma grande sacada. Nos planos anteriores, da época Fotos: Roberto Pereira sanitário até 2018. Hoje, 90% das cidades têm serviço de fornecimento de água, mas o precioso líquido só chega, a 75% delas, em sistema de rodízio. A Região Metropolitana do Recife, por exemplo, é servida de água dia sim, dia não. E somente 30% da população são servidos por rede de esgotos. “O plano de 1996 deu em nada”, comenta Bosco. Os financiamentos públicos para o saneamento são essenciais. O plano de privatizações das estatais era um enorme equívoco. No caso da Compesa, em 1999, no governo seguinte ao de Arraes, de Jarbas Vasconcelos, o estado fez um acordo com a Caixa Econômica Federal (CEF) preparando a companhia para a privatização. Vendeu parte do controle acionário para o banco e comprometeu-se a investir o dinheiro no saneamento. O acordo previa que quando a Compesa fosse privatizada o governo estadual recompraria da CEF as ações da empresa. A essa altura, no entanto, o País tinha mergulhado na crise financeira que o levara a internar-se no Fundo Monetário Internacional (FMI) com o acordo de fins de 1998. Nos termos do típico ajuste liberal comandado pelo FMI, as estatais brasileiras do setor de saneamento foram proibidas de fazer investimentos, considerados dívida pública pelo Fundo. A Compesa continuou nas mãos do estado. A expectativa de atrair grandes investimentos, especialmente estrangeiros, para comprar as estatais, desfez-se com a crise. Além disso, a Compesa se tornou inadimplente na CEF, o grande financiador do setor de saneamento: não pôde pagar a dívida, que seria quitada com o dinheiro da privatização. Só em setembro deste ano a companhia assinou acordo com o banco para equacionar o acerto de 1999. Agora, a companhia está novamente apta a contrair empréstimos do sistema financeiro nacional. Mas, por mais de oito anos, praticamente não investiu. Pelo acordo com a CEF, a Compesa vai lançar ações na Bolsa de Valores de São Paulo para vender cerca de 30% de seu capital de controle a investidores privados. Com esse dinheiro, pagará a dívida. Ao contrário do plano de 1999, no entanto, o controle da empresa permanecerá com o estado de Pernambuco. A grande crítica de Bosco ao atual esforço do governo para acelerar os investimentos na área é o corte da parte do PAC em que estavam previstos 600 milhões de reais para fortalecer as estatais de saneamento (a RETRATO DO BRASIL | nO 5 Natanael: no mapa do Google, é uma área quase verde; no campo, o local da ETE 1 está ocupado por uma invasão. Sérgio: mesmo com quase dez anos, o projeto é bom; partiu da idéia de que o pobre deve pegar os grandes problemas e resolvê-lo por partes dos governos militares, imaginava-se o saneamento da cidade por meio de grandes obras, em grandes unidades centralizadoras. O projeto atual tem outro enfoque; foi imaginado para uma região pobre, de obras menores, para ser feito por partes.” O plano de 1995 dividiu Recife em cerca de 100 unidades de coleta de esgoto. O que se espera fazer na área de Boa Viagem e Imbiribeira no projeto do PAC, explica ele, envolve oito dessas unidades de coleta. A prefeitura quer incluir também nesse mesmo mutirão de saneamento tanto a Via Mangue como mais algumas unidades de coleta de esgoto que se situam no início dessa avenida. Por ocasião da visita de Retrato do Brasil, o financiamento dessa parte – tanto da via como das unidades de saneamento adicionais – ainda não estava incluído no programa do governo federal. Para o conjunto do plano atual de saneamento da área, incluindo a verba para a construção da avenida – a parte mais cara –, o investimento total previsto pode ser estimado em cerca de 300 milhões de reais. >> CIDADES 9 RETRATO DO BRASIL | nO 5 O LIVRO A Editora Manifesto apresenta a atualização de uma obra consagrada. Agora, em um só volume com mais de 800 páginas, Retrato do BRASIL aborda os principais temas de nossa história, com foco no período 1985-2006. São centenas de textos, imagens, gráficos e tabelas que tratam desde a inserção do País no processo de globalização à luta pela posse da terra, passando pelas mudanças ocorridas na política, na cultura, no comportamento, na educação e na saúde. E MAIS: 48 personalidades da vida nacional, intelectuais, líderes políticos e cientistas avaliam os últimos 20 anos e projetam suas perspectivas para o País. 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José Luiz Fernandes, assessor da presidência da Empresa de Urbanização de Recife, responsável na prefeitura pelas obras do PAC na região, diz ao repórter de RB, no canteiro de obras da Camargo Corrêa, que a construção da ETE pode ser resolvida por uma das duas formas: ou pela remoção dos invasores da área reservada ou pela mudança de local da estação. Para mudar a estação, é preciso achar terreno próximo e conseguir nova licença ambiental, o que não é rápido e será caro, pelas contas de Porciúncula. Remover os invasores também não será fácil, porque não são apenas os da ocupação Dorothy Stang. “Recife são 200 quilômetros quadrados de áreas RETRATO DO BRASIL | nO 5 totalmente invadidas”, diz Porciúncula. Bosco sabe que esse é um grande problema. Pelo seu faturamento do último mês de setembro, a Compesa tem 1,8 milhão de ligações de água e esgoto. Destas, cerca de 1,7 milhão são de residências. Dessas residências, 250 mil pagam apenas a tarifa social, para os consumidores muito pobres. Grande parte da população muito pobre, no entanto, não paga sequer a tarifa social. Nos cálculos da empresa, quando se fala em perdas, no fundo se está falando em algumas outras centenas de milhares de moradias de pessoas muito pobres que usam água da Compesa sem pagar, além das 250 mil que pagam a tarifa social. Água custa caro Bosco faz as contas: a tarifa social é R$ 7,90 para a água e mais R$ 7,90 para o esgoto. Ou seja, os muito pobres teriam de pagar R$ 15,80 por água e esgoto. “É impraticável, essa população não tem renda para isso”, diz. “Esse problema já se manifesta no litoral turístico do estado, na região de Porto de Galinhas, onde há cidades muito pobres formadas por cortadores de cana. Em quatro delas, já há água e esgoto para todos, mas muitos não querem que a Compesa os ligue na rede porque não podem pagar. Quando se compara os R$ 3,00 reais, custo da tarifa básica de eletricidade para a população de baixa renda, com os R$ 15,80 do saneamento básico, vê-se a enorme diferença.”, conclui Bosco. O que fazer? A Compesa já pratica uma tarifa diferenciada, que permite o chamado subsídio cruzado: quem consome muito paga bem mais, com isso, os pobres pagam menos. Quem consome por mês menos de dez metros cúbicos de água – dez mil litros – paga ou a tarifa social, se está cadastrado nos programas de ajuda do governo, basicamente, ou R$ 20 por mês, se não está cadastrado. À medida que o consumo sobe, sobe o preço do metro cúbico. Por exemplo: para consumo entre 10 e 20 metros cúbicos por mês, a conta é de R$ 2,30 por metro cúbico. Para mais de 90 metros cúbicos por mês, paga-se R$ 8,56, quase quatro vezes mais por metro cúbico. Como se vê pelas contas de Bosco, isso não é suficiente para reduzir os preços de modo que os mais pobres possam pagar. “Água custa caro”, ele diz. “Não basta o governo federal fazer investimento como os do PAC, para o saneamento de uma região pobre como a nossa, a fundo perdido. Parte da população não tem como pagar sequer os custos operacionais da companhia, suas despesas para manter os serviços funcionando, seus gastos com energia elétrica, com materiais de tratamento da água, com funcionários.” A solução tradicional para as várias dezenas de milhares de pessoas que vivem nas piores condições de saneamento ambiental às margens do mangue é conhecida. Os serviços públicos ali passam a custar muito mais do que suas rendas e como, além disso, elas não têm os títulos de posse das áreas onde moram, acabam expulsas dali. Uma solução diferente exigiria a organização e a mobilização desses moradores e não está à vista nos planos atuais, que estão sendo tocados apressadamente. O repórter espera que a Via Mangue e a rede de saneamento básico da região sejam construídos e sirvam para dar à área do sul de Recife uma nova qualidade que, entre os moradores desse novo ambiente, esteja a gente humilde e acolhedora que visitou. Quem sabe até em casas com varandas voltadas para o magnífico verde escuro de seus manguezais. Ligações clandestinas de água em adutora da Compesa, em Recife O PACTO DO SANEAMENTO CIDADES 11 RETRATO DO BRASIL | nO 5 Ricardo Stuckert / PR Nas páginas seguintes Os males e as metas As doenças da falta de saneamento são conhecidas. Os objetivos a serem atingidos pelo PAC no setor são até modestos p.12 Um programa de obras O PAC atropelou os esforços da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. Ele não é um plano nacional para o setor p.16 A escolha de Dilma A SNSA achava que o setor estava anêmico e deveria se recuperar aos poucos. Dilma lhe ofereceu uma feijoada p.18 Um plano para o lixo A SNSA fez dezenas de reuniões com representantes de 246 municípios. O plano saiu, mas, no máximo, será reciclado p.20 A Petrobras da água As estatais de saneamento não precisam de ajuda, mas de um modelo como o da Sabesp, nossa futura multinacional. É isso? p.21 A união dos pequenos Uma lei nova favorece os municípios em oposição à idéia de multinacionais da água todo-poderosas p.25 Ninguém segura mais este país? O presidente Lula não é o primeiro a achar que, finalmente, não vai mais faltar dinheiro para um plano de obras p.27 IMAGEM DA CAPA: Esgoto a céu aberto no Conjunto Habitacional Nova Sepetiba, zona oeste, RJ (27/3/2001) Antônio Gaudério / Folha Imagem O governo Lula põe no papel, apressadamente, um plano de obras – mais de 900, por enquanto – para os serviços de água e esgoto no País Novembro de 2007 Expediente Redação Mino Carta [ supervisão editorial ] Raimundo Rodrigues Pereira [ coordenador ] Armando Sartori [ editor ] Lia Imanishi • Rafael Hernandes • Sônia Mesquita • Tânia Caliari • Verônica Bercht [ redação ] Ana Castro • Pedro Ivo Sartori [ edição de arte ] OK Lingüística - Silvio Lourenço • Marco Bortolazzo [ revisão ] Vendas Paulo Barbosa [ gerente ] Joaquim Barroncas [ representante em Brasília ] Administração Neuza Gontijo • Maria Aparecida Carvalho • Gabriel Carneiro Retrato do BRASIL é uma publicação mensal da Editora Manifesto S.A. Editora Manifesto S.A. Roberto Davis [ presidente ] Marcos Montenegro [diretor administrativo e financeiro] Escritório de administração Rua do Ouro, 1.725 - 2o andar • Belo Horizonte MG CEP 30210 590 • Telfax 31 32814431 [email protected] Escritório comercial e redação Rua Fidalga, 146 - conj. 42 • São Paulo SP CEP 05432 000 • Telfax 11 38149030 [email protected] Representação comercial em Brasília SCN Quadra 01 - Bloco F • Edifício American Office Tower - sala 1.408 • Brasília DF • CEP 70711 905 Tel 61 33288046 • [email protected] Impressão e acabamento Grecco & Mello - Rua Chave, 614 • Barueri SP Telfax 11 4198 9860 N o último dia de julho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi a Cuiabá (MT) para anunciar mais de meio bilhão de reais em verbas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) de seu governo para obras de saneamento na capital matogrossense e em outros municípios do estado. Somente para Cuiabá, foram prometidos perto de 300 milhões. O prefeito da cidade, Wilson Santos, do PSDB, o qual presenteou Lula com uma viola de cocho (imagem acima), instrumento típico do estado, ficou tão entusiasmado que se saiu com uma tirada ao estilo presidencial. Disse que, ao investir pesadamente em saneamento, Lula rompeu com um paradigma prevalecente “ao longo de 500 anos de história deste país”: o de que é “incorreto politicamente fazer investimentos em saneamento”. Dias depois, o Ministério Público Federal jogou um pouco de água no entusiasmo do prefeito. O procurador da República Thiago de Andrade enviou à Justiça Federal ação em que pede a suspensão do envio dos recursos anunciados para a prefeitura. Ele alega, com base nas queixas de uma construtora, que os editais das duas principais licitações envolvendo as obras têm irregularidades graves e quer que eles sejam refeitos. Até o fim de novembro, o pedido de Andrade não havia sido examinado pela Justiça. Se for aceita, a ação do procurador pode atrasar as obras do PAC em Cuiabá. O mesmo pode acontecer com mais obras. Há muito dinheiro envolvido. No PAC do saneamento, fala-se em 40 bilhões de reais; no total do Programa, em 500 bilhões. É razoável supor que questões envolvendo disputas entre empresas nas licitações ocorram em maior escala. Um indício que aponta nessa direção: em setembro, o ministro Benjamin Zymler, do Tribunal de Contas da União (TCU), após analisar 231 obras públicas realizadas no País, encontrou sinais de irregularidades, consideradas graves em mais de um terço delas, das quais 29 constantes do PAC. Zymler recomendou a paralisação dos projetos com problemas. As dificuldades que o PAC pode enfrentar não são apenas as relacionadas com eventuais problemas nos processos de contratação e com atrasos que isso pode acarretar nas obras. Há outras, de importância tão grande ou maior, que serão vistas ao longo deste texto. O primeiro aspecto a se destacar, no entanto, é o de que não há 12 CIDADES Com o PAC, muito mais dinheiro Uma forma de medir o PAC do saneamento é comparar os investimentos previstos agora com os de períodos anteriores. De modo geral, os investimentos vêm de três fontes: do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), formado por recursos recolhidos dos salários de trabalhadores e de contrapartidas das empresas, e destinados particularmente ao saneamento; do Orçamento Geral da União (OGU); e de contrapartidas dos estados, municípios e das empresas prestadoras de serviços de saneamento, quer as sob controle estatal, quer as privadas. A comparação melhor, porque os dados obedecem a um mesmo critério nas diversas épocas, é com o dinheiro do FGTS. Os recursos são repassados na forma de financiamento, isto é, os tomadores assumem uma dívida com a Caixa Econômica Federal (CEF) ou com outro agente financeiro do FGTS. É diferente quando o dinheiro sai do OGU. Nesse caso, não existe dívida, e o beneficiado não precisa devolver o que lhe foi repassado. O PAC do saneamento deve financiar 12 bilhões de reais para o setor público com dinheiro do FGTS e também do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o equivalente a três bilhões por ano entre 2007 e 2010. Nos projetos pré-selecionados neste ano, foram com- O GRANDE SALTO DO PAC Os projetos pré-aprovados já chegam a mais de R$ 10 bilhões, valor muito superior aos do passado 12 10 8 Evolução dos financiamentos para os projetos de saneamento contratados com recursos do FGTS 6 4 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 0 1996 2 1995 como negar que, desde a década de 1970, quando o País era governado pelos militares, não se vê afluxo de recursos para o saneamento da ordem prometida pelo governo Lula. Já existe uma lista com mais de 900 projetos pré-selecionados em todo o País para receber o dinheiro do PAC do saneamento. Essa primeira seleção trata de obras a serem executadas nas regiões metropolitanas e em municípios com mais de 150 mil habitantes. Não fazem parte dela as obras do chamado PAC2, já em curso, que selecionará projetos para as cidades de tamanho médio, nem as de responsabilidade da Funasa (Fundação Nacional de Saúde), que trata das obras de saneamento nos municípios com menos de 50 mil habitantes. É importante mencionar: o programa acolheu tanto os projetos que já estavam em andamento quanto os que estavam na prateleira à espera de dinheiro para serem tocados. Nem todas as obras, portanto, foram geradas pelo PAC. RETRATO DO BRASIL | nO 5 FONTE: 1995-2006: “Institucionalização e desafios da política nacional de saneamento”(Abelardo de Oliveira Filho, 2006). 2007: elaborado a partir de dados divulgados pelo Ministério das Cidades 1 prometidos mais de dez bilhões do FGTS, quantia que supera largamente os valores anuais dos financiamentos do fundo para o setor desde pelo menos 1995. Para se ter uma idéia, nesse período, o ano melhor aquinhoado, o de 2004, ficou bem atrás, com 2,1 bilhões de recursos do fundo. Além de serem muitos, é preciso destacar também que, entre os projetos pré-selecionados, há vários de grande relevância. Na reportagem de abertura desta edição já mostramos um deles, que está sendo tocado em Recife, na área próxima da conhecida praia de Boa Viagem. Ainda em Pernambuco, pode ser mencionado também o de Pirapama, de abastecimento de água. Trata-se de uma adutora e uma estação de tratamento para fornecer água à região metropolitana de Recife, onde hoje o abastecimento somente dá conta de metade da demanda. Com o Pirapama, isso deve ser resolvido. É um projeto antigo, do governo do presidente Fernando Collor de Mello. Os contratos de financiamento para a adutora e a estação já foram assinados e a obra está sendo licitada para começar a ser construída talvez ainda neste ano. No Sudeste, há dois destaques importantes. Um é o projeto de esgotamento sanitário da região metropolitana da Baixada Santista, em São Paulo, a ser realizado pela Sabesp, a companhia estadual de saneamento. O outro é o de ampliação da estação de tratamento de água do Guandu, no Rio de Janeiro, considerada a maior do mundo. A estação abastece a região metropolitana do Rio e a melhoria a ser feita será realizada pela Cedae, a empresa estatal local. As duas obras têm os maiores valores individuais de investimento entre todas as pré-selecionadas. São 777 milhões de reais no caso do projeto paulista e 460 milhões no do fluminense. Entre esses dois exemplos, há uma diferença importante. O da Baixada Santista vai receber do PAC apenas 17% do seu valor total, pois o restante é de responsabilidade da Sabesp. A empresa já está com as obras em andamento, utilizando recursos próprios e outros tomados de agências financeiras internacionais. O projeto do Rio, porém, vai ser financiado com dinheiro do PAC em 95% de seu valor. Por que investir pesadamente em saneamento é tão importante para o Brasil? As dramáticas situações descritas na reportagem realizada em Recife dão uma idéia acerca disso. Mas é importante entender o problema em seu conjunto e conhecer quais resultados o governo Lula espera alcançar com o PAC. OS MALES E AS METAS As doenças da falta de saneamento são conhecidas. Os objetivos a serem atingidos pelo PAC no setor são até modestos A área metropolitana do Recife, com uma das mais baixas taxas de esgotamento sanitário do País, é considerada uma das poucas em que a filariose não foi erradicada. A filariose é uma doença do sistema linfático provocada pelo verme wachereria bancrofti, transmitido pelo pernilongo culex quinquefasciatus. Manifesta-se, por exemplo, por um inchaço descomunal do escroto, das pernas. Embora mate pouco, relativamente, é uma demonstração dos horrores da falta de saneamento. Doenças do saneamento, mais corriqueiras, matam muito mais. CIDADES 13 RETRATO DO BRASIL | nO 5 Em 2000, uma reportagem especial da Folha de S.Paulo sobre a falta de saneamento se abria com a seguinte manchete: “Falta de saneamento mata mais que crime”. O texto dizia: “Doenças associadas à falta de saneamento básico mataram no Brasil, em 1998, mais do que todos os homicídios daquele ano na região metropolitana de São Paulo, onde se concentra a maioria das mortes violentas no País”. As doenças do saneamento, com a diarréia à frente, mataram 10.844 pessoas. Num balanço sobre a situação do saneamento no País, o livro Retrato do Brasil (Editora Manifesto, 2006) concluía que “como conseqüência direta das más condições de saneamento no País, persistia entre a população brasileira, sobretudo a de baixa renda, a ocorrência de doenças veiculadas pela água, como dengue, malária, hepatite A, febre tifóide, febre amarela e leptospirose, além de verminoses e moléstias da pele facilitadas pela falta de esgoto”. Hoje, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2006, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a situação é a seguinte: 83% dos domicílios estão conectados à rede de água e 49% à de coleta de esgoto. A meta preliminar do governo federal com o PAC do saneamento é ampliar, até 2010, o número de domicílios com água para 86% e a coleta de esgotos para 55% das habitações. Pobres e sem saneamento É uma melhoria nada espetacular. Os números, no entanto, precisam ser vistos de uma perspectiva mais ampla e os da água separadamente dos de esgotos. Entre 1984 e 2006, o número de casas com abastecimento de água aumentou 134% (de 19,4 milhões para 45,4 milhões) e o das com coleta de esgoto, 206% (de 8,7 milhões para 26,5 milhões). Em números absolutos, as casas sem fornecimento de água pela rede geral são hoje 9,1 milhões, 1,2 milhão a menos do que as que estavam nessa situação em 1984. Porém, a quantidade das que não têm esgoto coletado pela rede aumentou e muito. De 21 milhões para 28,1 milhões. No passado, as políticas de saneamento privilegiaram o fornecimento de água em detrimento da coleta de esgoto. Também não evitaram que as desigualdades regionais e sociais se refletissem no sanea- mento. Na PNAD do ano passado, vê-se que, entre os habitantes das áreas urbanas, 93% se servem de água tratada, enquanto entre os que vivem no campo esse índice é de apenas 27%. Na coleta de esgoto, a diferença é bem maior: 54% de coleta nas cidades contra 4% de coleta nas áreas ru- vivem em casas sem acesso à rede coletora de esgoto, sete em cada dez estão nas áreas urbanas e 61% entre os mais pobres. Saneamento básico é mais do que água e esgoto. Na Lei do Saneamento, aprovada em janeiro deste ano, a qual estabelece as diretrizes nacionais e uma política fe- ÁGUA NO SERTÃO A adutora Luiz Gonzaga leva água para a lendária Exu. E, com a transposição do São Francisco, espera-se acabar com a seca do Semi-Árido O GOVERNO DE PERNAMBUCO inaugurou na segunda quinzena de novembro a adutora Luiz Gonzaga (na imagem, o governador Eduardo Campos durante a cerimônia). Ela leva água do rio São Francisco para os quatro municípios do pé da Serra do Araripe, entre os quais a lendária Exu, onde nasceu o Rei do Baião. A Compesa, a companhia estadual de saneamento, diz que a obra garante o abastecimento regular de Exu e outras três cidades da área pelos próximos 20 anos. Até então, os municípios tinham água um dia sim e 12 dias não. No estado, há mais duas adutoras que carregam água do São Francisco para o sertão. E outras duas em planejamento, para abastecer os moradores do Aluisio Moreira Semi-Árido. No entanto, a grande esperança de acabar com a seca do sertão está nos canais de transposição do São Francisco, o Ramal Norte e o Ramal Leste. Seu objetivo não é apenas alimentar pessoas e animais. É revitalizar bacias hidrográficas fora da do São Francisco. Pelos dois, devem passar, nos períodos secos do rio, 26 metros cúbicos de água por segundo, praticamente o equivalente ao atual consumo do estado. Quando estiver vertendo água por cima da barragem de Sobradinho, na divisa Bahia-Pernambuco, ou seja, quando o rio estiver cheio, os canais poderão carregar até 126 metros cúbicos de água por segundo. O PAC acelerou a construção dos dois ramais. As obras de saída do São Francisco já estão sendo tocadas pela engenharia do Exército. Com os canais, será possível ampliar o sistema de adução no estado. rais. O Norte tem apenas 69% da população atendida pela rede de água; as outras regiões, perto de 90% ou mais. A região Sudeste tem 81% de sua população urbana ligada à rede de esgoto; as demais não chegam nem perto dos 50%, sendo que o Norte tem apenas 5,9%. Quanto à renda, os contrastes são tão ou mais dramáticos. Dos 34 milhões que em todo o País vivem em lares que não estão ligados à rede geral de água, dois terços moram na zona rural e nada menos que 70% têm renda mensal domiciliar de até três salários mínimos. Já dos mais de 100 milhões que deral para o setor, foram incluídos no conceito, antes restrito à água e ao esgoto, o lixo e a drenagem urbana. No caso dos resíduos sólidos, como o lixo é chamado tecnicamente, embora a Pesquisa Nacional de Saneamento, realizada em 2000 pelo IBGE, informe que a coleta era realizada em praticamente todos os municípios, mais de 16 milhões de pessoas não contavam com esse serviço. Num levantamento por amostragem do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), do Ministério das Cidades, realizado em 2005, com 192 municí- >> 14 CIDADES RETRATO DO BRASIL | nO 5 AS METAS DO PAC REFLEXOS DA DESIGUALDADE O programa de Lula quer elevar um pouco o acesso à rede de água e fazer a coleta de esgoto chegar a 55% dos brasileiros Os mais pobres formam a grande maioria dos que não têm acesso às redes de abastecimento de água e de coleta de esgoto Total Abastecimento de água 70 Coleta de esgoto 100 60 50 40 30 Domicilios atendidos pelas redes de água e de coleta de em % [1984-2010] Evolução do esgoto, no de domicilios 80 atendidos pelos serviços de abastecimentode água e de coleta de esgotos, em % [1984-2010] 60 De 1 a 3 SM (renda domiciliar) População sem acesso às redes de água e de coleta de esgoto, em milhões [2006] 40 20 20 10 0 0 1984 2006 FONTE: PNAD 2006 e estimativa do PAC saneamento Sem abastecimento de água 2010 2 >> pios, 60% disseram que realizam coleta seletiva. Nessa área, os maiores problemas parecem ser os da destinação do lixo. A pesquisa do IBGE informa que 60% dos detritos são depositados em lixões, 17% em aterros controlados, 16% em aterros sanitários e 7% são reciclados. A questão é especialmente aguda nos grandes aglomerados urbanos, como as regiões metropolitanas, onde o espaço para dispor os resíduos sólidos é cada vez mais raro. É o caso de Gramacho, um aterro que serve a região metropolitana do Rio de Janeiro e que causa graves preocupações ambientais, como se poderá ver em capítulo posterior. As informações sobre drenagem urbana são mais precárias. Segundo o IBGE, quase 1,2 mil municípios não contam com esse serviço, aproximadamente o mesmo número de cidades que informaram terem sido afetadas por enchentes entre 1999 e FONTE: PNAD 2006, IBGE Sem coleta de esgoto 3 2000. Já um relatório do Ministério das Cidades de 2003 informa que 104 municípios sofrem de forma recorrente acidentes mórbidos e/ou declaram estado de calamidade pública após fortes chuvas. O mesmo estudo diz que entre 1993 e 2000 ocorreram 1,5 mil mortes por causa desse tipo de incidente. O PAC deu pouca importância à drenagem e praticamente nenhuma aos resíduos sólidos. Os números dos projetos pré-selecionados demonstram que cerca de dois terços dos investimentos foram destinados à coleta de esgoto e ao abastecimento de água. A participação da drenagem urbana é bem menor, de 7,5%. E a dos resíduos sólidos, quase inexistente (0,15%). A fraca presença desses componentes do saneamento nos recursos do PAC está ligada, em grande parte, a como se desenvolveu a história do programa, tema do nosso próximo capítulo. UM PROGRAMA DE OBRAS O PAC atropelou os esforços da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. Ele não é um plano nacional para o setor F alando a uma audiência atenta em julho deste ano, na abertura da Assembléia da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae), que congrega cerca de 1,5 mil municípios com serviços autônomos de saneamento, o então presidente da entidade, Silvano da Costa, disse para a platéia lotada que o saneamento vivia um momento “alvissareiro”. De fato, Costa parece não exagerar na avaliação. Desde 2003, a passos lentos, o saneamento lutava para sair de duas décadas de falta de dinheiro e de orientação legal. Com o governo Lula, houve naquele ano o reordenamento institucional do setor no nível federal e a criação do Ministério das Cidades. Também em 2003, recursos do FGTS foram disponibilizados após quase uma década de contenção. Em 2005, a aprovação da Lei dos Consórcios, de cuja importância se tratará no penúltimo capítulo desta história, proporcionou novas possibilidades de relacionamento entre os serviços públicos. E em cinco de janeiro deste ano, após mais de uma década de luta, o País passou a contar com uma lei que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico, a 11.445. O setor encontrase, portanto, numa situação muito propícia para retomar seu desenvolvimento: há regras, interlocutores e dinheiro. O anúncio do PAC coroou o momento. Os avanços não ocorreram sem idas e vindas. No início do primeiro mandato do presidente Lula, os recursos do FGTS emprestados às empresas de saneamento continuaram sendo considerados dívida pública pelos critérios do acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que o novo governo não apenas manteve, como o fortaleceu. Sob a orientação da política econômica do então ministro da Fazenda, os empréstimos para o saneamento continuaram contingenciados. Nesse período, estabeleceu-se uma aliança entre os então ministros das Cidades, Olívio Dutra, e da Casa Civil, José Dirceu, principalmente contra a formação do superávit para pagar a dívida pública à custa da limitação dos investimentos no setor. “A equipe que assumiu a direção da Secretaria Nacional de Saneamento [Ambiental, subordinada ao Ministério das Cidades] tinha legitimidade junto ao setor. Ela era formada por técnicos experientes que haviam presidido associações de profissionais e entidades prestadoras de serviços de saneamento e que vinham militando junto aos movimentos progressistas há mais de 20 anos”, diz Costa a Retrato do Brasil. Esses técnicos haviam participado também da elaboração do programa do governo de Lula, para o qual levaram as principais bandeiras do movimento progressista do saneamento: instituir uma política nacional para o saneamento ambiental, descontingenciar os recursos do FGTS para os serviços públicos de saneamento e impedir a privatização do setor. Segundo Costa, es- CIDADES 15 RETRATO DO BRASIL | nO 5 Ricardo Stuckert / PR Lula anuncia o PAC aos governadores em janeiro: programa de obras, não plano ses são os pilares básicos sobre os quais se apóiam as metas de atingir a universalização e eqüidade dos serviços, com participação e controle social e melhoria da gestão. No primeiro ano, a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental (SNSA) instituiu o Programa Saneamento para Todos, que financia projetos para saneamento com recursos do FGTS e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Os recursos do FGTS são o principal alicerce financeiro do saneamento e, normalmente, é por meio deles que políticas públicas podem ser executadas em nível federal. Isso porque a maior parte dos recursos provenientes do Orçamento Geral da União, a outra fonte de recursos federais, é alocada por emendas parlamentares no processo de preparação do orçamento, restando pouca margem para o Executivo destinar o dinheiro de acordo com uma política coerente e integrada. Em 2003, a equipe do Ministério das Cidades conseguiu contratar 1,6 bilhão de reais de recursos do FGTS para obras de saneamento a partir de brechas na legislação, as chamadas “excepcionalidades” nas regras do FMI e do Conselho Monetário Nacional (CMN) para o contingenciamento do crédito ao setor público. Foi um investimento expressivo: nos quatro anos anteriores tinham sido apenas 273 milhões de reais. No fim de 2003, sob pressão do Ministério das Cidades, foi acertado com o FMI que todo superávit excedente apurado entre janeiro e setembro daquele ano, o qual atingiu 2,9 bilhões de reais, seria utilizado em obras de saneamento no ano seguinte. O resultado foi que as contratações com os recursos do FGTS chegaram a 2,1 bilhões de reais em 2004. Em 2005, no entanto, as restrições retornaram. O CMN impediu o uso dos recursos do FGTS durante quase todo o ano, liberando-os somente no fim do período, quando já não havia mais tempo para as contratações. Por isso, elas ficaram em pífios 53,8 milhões de reais. O objetivo da SNSA era disponibilizar recursos para o saneamento de forma contínua e planejada. “O pior para o setor não é ter poucos recursos, é num ano ter e no outro não ter nada”, explica Sérgio Gonçalves, diretor da Secretaria. “Isso mostra que o governo federal, para ter uma política pública de saneamento, não pode ficar ao bel prazer do Conselho Monetário Nacional”, diz ele a RB. O esforço da equipe do Ministério das Cidades somente rendeu frutos no ano seguinte. “Com o limite aberto no fim de 2005, nós contratamos em 2006 quase três bilhões de reais”, diz Gonçalves. O período que vai do fim de 2005 e avança por 2006 também é considerado bastante positivo. No fim de 2005, o governo federal celebrou o pagamento da última parcela do acordo com o FMI e finalizou o acordo, livrando-se da tutela exercida pela instituição internacional. Em março de 2006, Guido Mantega, tido como de formação “desenvolvimentista”, assumiu o Ministério do Planejamento. O atropelo do PAC E, mesmo o escândalo do “mensalão”, que teve repercussões profundas na formação do governo Lula, se resultou, por um lado, na saída do “aliado” José Dirceu da Casa Civil, acabou levando também à retirada do “inimigo”: Antônio Palocci, do Ministério da Fazenda. Com a perspectiva de uma nova orientação econômica, a SNSA, finalmente, obteve a promessa da liberação de 12 bilhões de reais dos recursos do FGTS para os quatro anos seguintes, em parcelas anuais de três bilhões. Era a possibilidade de executar uma política pública, com investimentos planejados e criteriosos. De certo modo, no entanto, o plano da SNSA é atropelado pelo PAC. A grande falha no setor de saneamento era o fato de que grandes divergências existentes no Congresso quanto a uma política nacional de saneamento tinham levado à indefinição do Plano Nacional de Saneamento, que seria uma espécie de coroamento final dos diversos movimentos de melhoria da legislação do setor e de definição de um plano de obras. O PAC do saneamento também não é esse plano. PAC não é plano, em geral, é um Programa de Aceleração do Crescimento. O PAC do saneamento é, portanto, um programa de obras de saneamento em todo País sem um plano de saneamento nacional. Nas palavras do presidente Lula, ditas em agosto numa reunião no Palácio do Planalto com 12 governadores, prefeitos e representantes dos movimentos populares: “O jogo está jogado, os protocolos foram assinados, o dinheiro está disponível. Agora, depende dos prefeitos, da agilidade de vocês de fazeram a licitação da forma mais transparente possível, contratarem as obras e, pelo amor de Deus, comecem a me convidar no ano que vem para visitar as obras em andamento”. Como se verá no próximo capítulo, além disso, o programa de obras foi tocado apressadamente. 16 CIDADES RETRATO DO BRASIL | nO 5 RETRATO DO BRASIL | nO 5 CIDADES 17 18 CIDADES RETRATO DO BRASIL | nO 5 A ESCOLHA DE DILMA A SNSA achava que o setor estava anêmico e deveria se recuperar aos poucos. Dilma lhe ofereceu uma feijoada sistema financeiro público, especialmente da Caixa Econômica Federal, que opera o FGTS, e do BNDES, que administra o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). E os oito bilhões restantes viriam de contrapartidas de estados, municípios e prestadores de serviços. Dos 12 bilhões de reais do OGU, quatro bilhões iriam especialmente para saneamento de favelas e áreas degradadas das áreas metropolitanas; outros quatro bilhões, para as cidades menores de 50 mil habitantes, cujos serviços de saneamento são auxiliados pelo Ministério da Saúde, por meio da Funasa; e outros quatro biAgência Brasil E m dezembro de 2006, quando as obras de saneamento e habitação de responsabilidade do Ministério das Cidades foram incorporadas ao PAC, a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental se viu diante da seguinte questão: quais eram as prioridades? A questão tinha de ser resolvida rapidamente, pois o PAC seria anunciado oficialmente no mês seguinte. Em janeiro, o presidente Lula anunciou o PAC. Para o setor de saneamento eram 40 bilhões de reais em quatro anos. Nesse período, 12 bilhões seriam alocados a fundo perdido por meio do Orçamento da União. Vinte bilhões viriam de empréstimos do lhões para cidades de tamanho maior. Eram reservados também 600 milhões de reais para drenagem, 600 milhões para reestruturar e melhorar a gestão das companhias estaduais e também de alguns serviços municipais e outros 200 milhões para resíduos sólidos. Para os 20 bilhões de financiamentos, as obras de esgoto nas grandes cidades e regiões metropolitanas eram a prioridade maior. A SNSA concentrou seus esforços na análise dos projetos que deveriam receber esses empréstimos. O prazo dificultava o planejamento. Uma dificuldade adicional era o fato de a União não ter a titularidade dos serviços de saneamento e só poder planejar a execução de obras a partir de informações dos estados e municípios, que definem as prioridades. Porém, a Secretaria agiu rapidamente e definiu a linha de atuação e os valores a serem investidos. Analisou projetos antigos, que esperavam aprovação, e fez uma consulta aos estados e municípios para levantar suas propostas e prioridades. Em março, já havia uma leva de projetos aguardando financiamento. No plano da SNSA, assim definido, previa-se um desembolso paulatino dos recursos, à medida que as obras pudessem ser bem definidas e o setor fosse fortalecido. O que estava por trás dessa prudência era a busca de qualidade e consistência para um programa viável. Para isso, a SNSA priorizou também a preparação do plano de fortalecimento das estatais, no qual seriam aplicados 600 milhões de reais. Em abril, no entanto, começaram os desentendimentos entre a direção da SNSA e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ela não aceitou o plano gradual e resolveu acelerar o processo de definição das obras. A Secretaria achava que o setor vinha de um período de anemia e deveria ir acelerando aos poucos. Dilma agiu como alguém que, na tentativa de recuperar uma pessoa vítima de inanição, resolvesse alimentá-la, de saída, com uma feijoada. Para escolher os projetos, a solução da ministra foi a realização de reuniões amplas, com a participação de prefeitos das capitais e de municípios das regiões metropolitanas e representantes dos estados. Nessas reuniões, a equipe do governo fe- Dilma Roussef: a ministra não aceitou o plano gradual da SNSA e resolveu acelerar CIDADES 19 RETRATO DO BRASIL | nO 5 Montenegro, demitido da SNSA: a Daniela Toviansky / Cia de Foto/ Valor / FolhaImagem deral apresentava as previsões de investimento e solicitava às autoridades e representantes que expusessem as suas prioridades em saneamento. Para serem elegíveis, os projetos deviam ser de obras consideradas estruturantes e atender a regiões metropolitanas, áreas identificadas como as de maior déficit dos serviços, e a áreas pobres. Numa segunda rodada de reuniões, quando os técnicos dos municípios apresentavam as propostas de obras, a equipe do governo federal tentava qualificá-las e verificar se atendiam às determinações do PAC. O governo estabeleceu como critério que os recursos do OGU seriam aplicados nas cidades mais pobres e, prioritariamente, em obras de saneamento integrado em favelas. E também diminuiu a exigência de contrapartida para esse tipo de financiamento. Para os prefeitos, governadores e companhias estaduais, isso foi bem-vindo. A mesa de negociações reuniu o Ministério das Cidades, os ministérios do grupo executivo que coordena o PAC, técnicos do Ministério da Fazenda, da Secretaria do Tesouro, da CEF e do BNDES, consultados ali mesmo para ver se o município, o estado ou a companhia estadual pleiteante podiam receber os empréstimos. Definição rápida, sem muita cerimônia. Os projetos já saíam das reuniões pactuados com o valor, o agente financiador e o percentual de contrapartida definidos. Depois, para que o dinheiro fosse definitivamente repassado, restavam acertar detalhes importantes, principalmente no caso de os recursos saírem do FGTS. As escolhas comandadas por Dilma chegaram a 21,6 bilhões, mais da metade dos 40 bilhões previstos até 2010. Entre os problemas enfrentados nesse processo, além daqueles característicos das negociações envolvendo recursos públicos, surgiram outros. Muitos dos candidatos aos recursos do PAC não tinham uma carteira de projetos. Essa situação era considerada normal pelos técnicos do setor. Não se faz projetos se não há dinheiro, explica Afrânio de Paula, diretor do Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo. Apesar da pressa, grande parte das obras pactuadas ainda não foi contratada pelo governo federal por falta dos documentos necessários e, principalmente, por falta dos projetos básicos. Além disso, a demanda metodologia de Dilma desnorteou o setor gerada pelo próprio PAC, que concentrou grande parte dos recursos previstos até 2010, superaqueceu um mercado despreparado para atendê-la. Os estados e municípios estão com dificuldades para contratar profissionais especializados e até mesmo empresas de consultoria para elaborar seus projetos, como reconhece Afrânio. “Estamos vivendo um processo de criação de uma nova rotina de trabalho. Nestes vários anos sem investimentos, nos habituamos a trabalhar com recursos muito limitados, pequenos projetos, a resolver as demandas de rotina. Com a disponibilidade de recursos, esse quadro mudou”. Outro problema, diz ele, é a falta de profissionais. “O mercado paralisado não gerou profissionais de engenharia, administração de projetos e outros na área de saneamento”. A resistência a Dilma Em meio a esse processo atribulado, o governo federal cortou programas que os técnicos consideram importantes. Um deles era o de apoio à gestão e revitalização de companhias estaduais e serviços municipais. Ele atendia os anseios da Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesbe) e da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae) para fortalecer os prestadores dos serviços de forma a ajustá-los ao novo ritmo de inA MUDANÇA DE MÉTODO Os investimentos dos projetos pré-aprovados alcançam mais da metade dos 40 bilhões de reais previstos para 4 anos VALORES ENVOLVIDOS NO PAC DO SANEAMENTO, POR MODALIDADE, EM R$ BILHÕES INVESTIMENTO TOTAL FINANCIAMENTO ORÇAMENTO GERAL DA UNIÃO CONTRAPARTIDA OUTRAS FONTES Esgotamento sanitário 8,978 4,775 2,429 1,775 0,000 Abastecimento de água 5,400 3,296 1,261 0,713 0,013 Manejo de águas pluviais 1,666 1,149 0,266 0,252 0,000 Saneamento integrado 4,879 0,869 3,108 0,902 0,000 Desenvolvimento institucional 0,647 0,552 0,000 0,094 0,000 Manejo de resíduos sólidos 0,032 0,025 0,000 0,007 0,000 Estudos e projetos 0,001 0,001 0,000 0,000 0,000 21,604 10,667 7,064 3,744 0,013 Total FONTE: elaborado a partir de dados do Ministério das Cidades 4 vestimentos proporcionado pelo PAC e auxiliá-los a garantir o cumprimento da Lei do Saneamento. Na distribuição final de recursos, dos 600 milhões de reais inicialmente previstos, coube apenas 20 milhões do OGU para esse fim. Dilma também cortou o projeto da área de resíduos sólidos. Dos 200 milhões de reais previstos para serem investidos num programa para o setor, só sobraram 50 milhões em recursos do OGU. Houve alteração também nos planos para os municípios com população entre 50 mil e 150 mil habitantes, que serão contemplados na segunda etapa do PAC. O valor destinado a eles foi reduzido a 1,55 bilhão de reais. Inicialmente, a previsão era investir em 300 municípios, mas a ameaça de pulverizar os recursos levou a uma reavaliação e, agora, apenas 106 municípios serão beneficiados. A orientação imprimida ao processo pela ministra da Casa Civil enfrentou resistência. Um dos principais críticos de aspectos dessa orientação foi o então diretor de Desenvolvimento e Cooperação Técnica, Marcos Montenegro, uma das mais destacadas figuras da Frente Nacional de Saneamento. Ele foi demitido. “O resultado disso [a metodologia imposta por Dilma] é que o setor está desorientado”, diz Montenegro, diretor da Editora Manifesto, que edita RB. “Não dá para dar um pulo tão grande. O problema não é falta de dinheiro, mas pressa demais. Isso acaba atropelando um projeto, e uma política pública acaba virando um programa de obras.” 20 CIDADES RETRATO DO BRASIL | nO 5 há cerca de três anos recolhendo plásticos finos no meio das montanhas de lixo. É empregado de um dos donos de galpão. Marcelo explica como é o dia-a-dia dele e de seus colegas. O trabalho é simples, diz. “Qualquer um pode trabalhar, é só chegar e trabalhar”. Os catadores entram na área do aterro, vasculham as montanhas de restos e separam o que consideram ser importante. Depois, colocam esse material em caminhões. A seguir, já nos galpões, fazem a separação mais fina. Marcelo não tem dúvida sobre os efeitos da interdição de Gramacho. “Se fechar, vai acabar com o trabalho de muita gente. Tem gente que vem de todo lado trabalhar aqui. O pessoal até aluga barraco. Trabalha a semana inteira e só volta para casa no fim de semana.” UM PLANO PARA O LIXO A SNSA fez dezenas de reuniões com representantes de 246 municípios. O plano saiu, mas, no máximo, será reciclado e mulheres, jovens, idosos e adolescentes, muitos dos quais organizados em associações ou cooperativas, como a ACAMJG (Associação dos Catadores do Aterro de Jardim Gramacho) e a Coopergramacho (Cooperativa de Catadores do Aterro Metropolitano de Jardim Gramacho), e que dependem do aterro. Eles trabalham nas dezenas de galpões erguidos nas cercanias do lugar. Ali, selecionam o material a ser reciclado. Alguns moram nos pequenos barracos que pululam ao redor. A paraibana Maria da Silva, de 40 anos, e o marido, um confeiteiro, são donos de três dos vários estabelecimentos comerciais, botecos e mercearias que se instalaram nas cercanias. “É de onde tiramos nosso sustento, meu, do meu marido e das minhas filhas”, diz, referindo-se às adolescentes Lydia e Lidiane. Maria vive no Rio há mais de 13 anos, a maior parte desse tempo nas redondezas do aterro. Ela é contra a desativação. “Não pode fechar. Muita gente vai ficar sem trabalhar”, diz. O catador Marcelo da Conceição, 22 anos, pensa da mesma forma. Ele trabalha Ameaça à Baía de Guanabara Alessandro Costa / Ag. O Dia A falta de recursos do PAC do saneamento para um plano de tratamento dos resíduos sólidos nas grandes regiões metropolitanas não é um problema pequeno. Um exemplo é Gramacho, o maior aterro de lixo da América Latina e um dos locais apontados como problemáticos em estudo da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. O diagnóstico diz que o aterro, localizado em Duque de Caxias, município ao norte da cidade do Rio de Janeiro, é uma ameaça ao ambiente. E, por isso, deve ser fechado. Gramacho tem 1,3 milhão de metros quadrados e recebe diariamente 8,5 mil toneladas de resíduos. Os detritos vêm, além de Duque de Caxias, de Mesquita, Nilópolis, Niterói, São João do Meriti e da capital fluminense. A área faz limite com o Jardim Gramacho, bairro da periferia da cidade, com as instalações da Refinaria Duque de Caxias e com o mangue formado pelo encontro das águas do rio Sarapuí e do mar. O aterro vive um dilema. Se for fechado, os catadores, que selecionam material reciclável em meio às montanhas de lixo, serão prejudicados. São centenas de homens O aterro, no entanto, está passando a ser uma ameaça. Gramacho é um aterro controlado, um local para a disposição dos resíduos que segue alguns itens de segurança ambiental. Geralmente, os aterros controlados nascem como lixões, áreas abertas e sem qualquer controle do material depositado, consideradas extremamente perigosas. Depois, eles recebem melhorias, como o isolamento da área e estruturas que permitam algum tipo de tratamento para evitar que o material depositado ofereça danos ou riscos à saúde pública. Em Gramacho, por exemplo, o lixo é acomodado em camadas e coberto com material inerte. E o chorume, líquido produzido durante a decomposição dos detritos, é em parte tratado, cerca de um terço. O restante é aspergido sobre o próprio lixo para acelerar a decomposição dos detritos. Além disso, o entorno do aterro foi impermeabilizado com argila orgânica para evitar que o chorume vaze e contamine o mangue. Essas características o aproximam dos aterros sanitários, instalações planejadas para receber lixo com um nível de segurança ambiental superior. O diagnóstico sobre resíduos sólidos da SNSA, no entanto, afirma que Gramacho “contamina as águas da Baía de Guanabara e apresenta sérios riscos de estabilidade”. Um dos temores é o de que as montanhas de lixo do aterro cedam sobre Gramacho: o maior aterro da América Latina é uma ameaça ambiental e deve fechar CIDADES 21 Catadores separam material para reciclar: trabalho simples para muita gente o leito do rio Sarapuí, contaminando-o e impedindo a passagem de suas águas em direção ao mar. Quem também defende o fechamento imediato do local é o deputado estadual André Lazaroni, o André do PV. Segundo ele, o aterro foi instalado sobre o mangue e a camada de turfa, o material esponjoso, típico de terrenos pantanosos, pode não resistir em razão do grande volume de lixo colocado sobre ela. “Já pedi a finalização de Gramacho e não sou só eu que peço isso. Gramacho não tem condição nenhuma de continuar”, diz ele a RB. Quem também pensa da mesma forma é o coordenador de Resíduos Sólidos da Secretaria de Ambiente do estado do Rio de Janeiro, Osmar Dias. “O aterro metropolitano de Gramacho se encontra saturado, já há bastante tempo necessita ser fechado”, diz. O fechamento só não ocorreu, segundo ele, por problemas burocráticos. Dias estima que o encerramento de Gramacho somente acontecerá em um prazo de dois a três anos. O diagnóstico do Ministério das Cidades sobre o lixo é o resultado de dezenas de reuniões entre representantes do ministério e de 256 municípios que seriam favorecidos pelas verbas do PAC para essa área. E contou com o apoio técnico de especialistas de diversos órgãos e universidades federais e estaduais sediadas nas regiões envolvidas. Dentre as ações que considera necessárias para melhorar as condições da disposi- Paulo Araújo / Ag. O Dia RETRATO DO BRASIL | nO 5 as companhias estaduais, que são as principais prestadoras de serviços de fornecimento de água e de coleta e tratamento de esgoto no País. As empresas consideradas as mais eficientes, a Sabesp, de São Paulo, a Copasa, de Minas Gerais, e a Sanepar, do Paraná, não eram contempladas com a ajuda, mas grandes empresas como a Cedae, do Rio de Janeiro, com 90 milhões de reais, e a Compesa, de Pernambuco, com 65 milhões, estavam incluídas. O corte radical do programa, pela ministra Dilma Rousseff, mais do que uma medida de economia de recursos, pode ter partido de uma avaliação de que os prestadores públicos de serviço de saneamento já estão recebendo investimentos a fundo perdido do Orçamento da União e que especialmente as suas companhias estaduais já têm um caminho a seguir para superar suas deficiências internas: o das empresas mais eficientes, como Sabesp e a Copasa. No Paraná, controle do estado ção do lixo nas áreas prioritárias, o estudo indica o fechamento de 89 lixões, a implementação de 64 novos aterros sanitários e de 294 galpões para triagem de material reciclável feita por catadores. Não se pode dizer que o plano foi jogado no lixo pela ministra. Pode ser que ele seja reaproveitado no futuro. Ou reciclado, pode-se dizer, a propósito. A PETROBRAS DA ÁGUA As estatais de saneamento não precisam de ajuda, mas de um modelo como o da Sabesp, nossa futura multinacional. É isso? A idéia de um programa de apoio “à estruturação e à revitalização” dos “prestadores públicos de serviços de saneamento básico” partiu, como diz o documento básico desse plano preparado pelo Ministério das Cidades, de duas constatações. A primeira é que é o setor público que presta a grande maioria dos serviços dessa área e a segunda, que muitos desses prestadores têm custos e perdas muito altos, além de baixa produtividade e baixa capacidade de acumular capital para investir. O programa previa gastar no total 600 milhões de reais, dos quais 473 milhões com Mesmo sendo considerada mais eficiente, a Sanepar não é mencionada porque o governo do estado do Paraná, na administração Roberto Requião, move grande campanha contra o grupo Dominó, formado por capitais brasileiros e internacionais. O Dominó foi considerado sócio estratégico da Sanepar em 1998, durante o governo de Jaime Lerner, quando comprou perto de 40% do capital da companhia. Pelo acordo de acionistas feito por ocasião da venda das ações, o grupo tinha a gestão da empresa. Logo que assumiu o governo, Requião baixou decreto por meio do qual o estado reassumiu o comando da companhia. Pouco depois, o governador conseguiu da Assembléia Legislativa a aprovação de lei que tornou obrigatório ao estado o controle do serviço de saneamento do Paraná. Um diretor do BNDES, Élvio Gaspar, falando a O Estado de S.Paulo, disse que não se prevê novas privatizações no setor, com a entrega do controle das companhias ao capital privado. O que se prevê, disse ele, é a abertura do capital das empresas, como foi feito pela Sabesp e pela Copasa, que seguem decididamente o modelo de mercado e buscam se tornar mais competitivas e atrair novos investimentos. Como se sabe, em 1996, o governo Fernando Henrique Cardoso, em plena euforia liberalizante, fez amplo plano de mo- 22 CIDADES RETRATO DO BRASIL | nO 5 RETRATO DO BRASIL | nO 5 CIDADES 23 24 CIDADES RETRATO DO BRASIL | nO 5 UM DOCUMENTO RECENTE do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), intitulado “Saída de operadores privados de água na América Latina”, reconhece esse fracasso, embora parcialmente. O documento, que analisa a situação de cinco países – Argentina, Chile, Uruguai, Bolívia e Venezuela – e contém observações gerais sobre o Brasil, a Colômbia e o México, reconhece que “a maioria dos operadores privados se retirou da região, que um grande número de serviços foi reestatizado e que os serviços reguladores deixaram de exercer suas funções”. No Brasil, o grupo francês Suez foi o primeiro investidor em saneamento. Em 1995, associado à construtora brasileira Odebrecht, obteve a concessão do serviço da cidade de Limeira (SP). Em 2006, vendeu seus 50% de participação para o sócio. Vendeu também a parte que tinha na empresa de coleta de lixo Vega e na Águas do Amazonas. A estatal Águas de Portugal, que, em 1998, comprou a Prolagos, operadora de água e esgotos na área de Búzios, Cabo Frio, Arraial do Cabo e outros municípios turísticos do litoral fluminense, está vendendo parte de sua participação e não pensa em realizar novos investimentos. Só a Veolia Environnement, o terceiro grande investidor estrangeiro no setor, fala em aumentar sua participação. Isso talvez se deva ao fato de que a companhia apenas não abre mão do que imagina serem seus direitos na sua disputa pelo controle ou por um acordo na Sanepar, a estatal paranaense. A Veolia atua no setor por meio da Proactiva, que faz parte da Dominó Holding S/A. E a Dominó, com a construtora Andrade Gutierrez e o Banco Opportunity, detém 37,71% das ações da Sanepar. dernização do setor de saneamento, tendo como premissa a privatização das companhias estaduais e a entrada de grandes investimentos privados, especialmente estrangeiros. Esse plano supunha a continuidade do movimento de entrada de capitais no País, o que levou a moeda brasileira a se valorizar no início do Plano Real, quando chegou a valer até 1,25 dólar. Mas essa condição se alterou dramaticamente a partir do final de 1998, quando o real desmoronou e o Brasil teve de se enquadrar nas regras do FMI para receber ajuda e parou de receber novos investimentos. Na época, a Caixa Econômica Federal passou a desempenhar o papel de um FMI interno do setor: oferecia empréstimos aos estados em condições diferentes do arrocho monetário geral, mas para forçar a assinatura de cartas de compromisso em que eles se comprometiam a vender as estatais de saneamento. Fez isso com os governos de Pernambuco e da Bahia no final de 1999. Em alguns casos, como o de Pernambuco, o esforço de privatização acabou ten- do como resultado a paralisação dos investimentos no setor de saneamento por quase uma década. Só em 2 de setembro passado, conta João Bosco de Almeida, presidente da Compesa, a empresa se livrou da proibição de obter financiamentos na Caixa Econômica Federal, decorrente da sua inadimplência com relação ao crédito de 128 milhões de reais obtidos para levar adiante a privatização. O capital privado não é a saída Afastada a idéia de abrir mão do controle da estatal, Pernambuco vai lançar na Bovespa no próximo ano ações da Compesa para atrair capital suficiente para pagar a dívida com a CEF – compromisso que assinou agora para conseguir se habilitar a ter investimentos do PAC. A Cedae, do Rio de Janeiro, diz seu presidente Wagner Vícter, também se propõe a abrir o capital da empresa na Bolsa, em 2009. Bosco, da Compesa: em Pernambuco, esforço de privatização paralisou investimentos Divulgação / COMPESA FRACASSO ASSUMIDO A privatização das estatais de saneamento fazia parte de movimento mais amplo, feito em vários países. E também fracassou amplamente Para alguns, o capital privado poderia resolver o problema da universalização dos serviços de saneamento no País. O engenheiro civil Yves Besse, presidente da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), por exemplo, disse recentemente que o apoio às estatais de saneamento com recursos a fundo perdido do governo federal “é jogar dinheiro fora”. Para ele, o mercado é a melhor solução para o saneamento. E os investimentos viriam com a cobrança de tarifas não políticas e demagógicas, mas realistas. Besse também cita a Sabesp e a Copasa como empresas que estão seguindo o bom caminho. O problema, porém, está expresso nas contas feitas por Almeida com a tarifa social da Compesa, que é de R$ 15,80 para água e esgoto e que, segundo ele, obviamente não pode ser paga por centenas de milhares de famílias das camadas pobres do estado. Pernambuco tem 870 mil famílias na categoria de “miseráveis”. Elas ganham menos de 60 reais per capita mensais, mesmo computando a ajuda federal do Bolsa Família, que responde por mais de metade do que ganham. De que forma os serviços de saneamento podem cobrir seus custos, realizar investimentos, universalizar os serviços e, ainda, distribuir dividendos aos seus acionistas num País onde os miseráveis e os pobres formam perto de 60% da população? A Compesa está tentando fazer uma Parceria Público-Privada para investimento em saneamento em alguma área do Recife. “O problema” diz Sérgio Tavares, auxiliar de Bosco, mostrando o mapa das CIDADES 25 Divulgação RETRATO DO BRASIL | nO 5 unidades de coleta de esgotos em que a cidade está dividida, “é que o empresário quer saber em que área dá dinheiro. E Recife não é uma cidade onde os pobres estejam muito separados dos ricos”. Costa e Silva: o deputado quer fazer da Sabesp uma “espécie de Petrobras da água” A idéia de que se devem fortalecer as companhias estatais do setor estimulando seu aspecto empresarial e elevando seu grau de integração com o mundo das finanças está mais desenvolvido em São Paulo. E esse caminho foi reforçado com a aprovação de uma nova legislação que pretende dar ares multinacionais à empresa paulista, a Sabesp. O deputado estadual Rodolfo Costa e Silva (PSDB) defende a controversa lei aprovada pelo legislativo paulista em meados de novembro, que criou a Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp). A nova lei traz, entre outros pontos polêmicos, a permissão para que a Sabesp atue fora do estado de São Paulo, inclusive no exterior. O objetivo é “transformar a Sabesp numa espécie de Petrobras da água”, diz o parlamentar, funcionário de carreira da companhia, a RB. A UNIÃO DOS PEQUENOS Uma lei nova favorece os municípios em oposição à idéia de multinacionais da água todo-poderosas A criação da agência paulista para o saneamento pode ser vista como um exemplo da visão empresarial e, até certo ponto, privatista do setor de saneamento. Pode-se dizer que o plano de fortalecimento do setor público previsto pela Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, afinal derrotada nas discussões do PAC, contrapõe-se a essa visão, defende o modelo de um serviço público, estatal, não voltado para o lucro, mas para o atendimento das necessidades do saneamento ambiental num país pobre como o Brasil. Em São Paulo, o projeto da agência foi feito para atender às exigências da Lei do Saneamento, que permite aos titulares dos serviços públicos de saneamento básico criar suas agências reguladoras ou, simplesmente, delegar a regulação para uma agência de outra instância. Nesse sentido, a Arsesp foi instituída para atuar tanto nos municípios das regiões metropolitanas, onde a Sabesp predomina largamente, quanto nas demais cidades do estado. O projeto de lei foi alvo de um debate intenso. Teve 180 emendas e um projeto substitutivo da bancada do PT, de oposição. E, mesmo aprovado por 61 votos favoráveis contra 19, o debate ainda não está resolvido. A oposição acusa o governo de José Serra de não debater o projeto com a sociedade e enviar a proposta para a Assembléia em regime de urgência, dificultando a discussão inclusive no legislativo. Além disso, alega que a agência foi criada antes do estabelecimento, pelo governo do estado, dos parâmetros para a formulação da política estadual de saneamento. A bancada do PT na assembléia paulista também enxerga outro problema grave na nova lei. E promete ingressar no Superior Tribunal Federal (STF) com uma ação direta de inconstitucionalidade, questionando o conceito de titularidade estadual dos serviços de saneamento assumido na lei. Essa decisão se baseia na distinção que ela faz entre dois tipos de serviços públicos de saneamento: os de “titularidade municipal” e os de “titularidade estadual”. A bancada petista entende que o governo estadual pretende cassar a autonomia dos municípios nos serviços de saneamento básico nas regiões metropolitanas, que respondem por mais de 80% das receitas da Sabesp – o filé mignon do serviço. Essa é uma questão que já gerou pelo menos três ações diretas de inconstitucionalidade, de autoria dos governos do Rio de Janeiro, da Bahia e de São Paulo. Todas aguardam julgamento no STF. À diferença da iniciativa da bancada do PT, procuram reafirmar o ponto de vista de que as companhias estaduais têm o controle dos serviços municipais nas regiões metropolitanas. Pressão estadual no STF A aprovação da nova lei em São Paulo tem o sentido de tentar antecipar a decisão do STF, diz Salvador Khuriyeh, assessor de desenvolvimento econômico da bancada do PT na Assembléia Legislativa, e garantir o controle da Sabesp sobre os serviços, escreveu ele em artigo publicado antes da aprovação do projeto de lei. “Dos 645 municípios paulistas, a Sabesp opera diretamente em 367 deles e, da receita liquida de 5,5 bilhões de reais obtida pela Companhia em 2006, 72% vêm dos 39 Municípios que compõem a região metropolitana da capital.” Essa questão pode ser um falso problema, diz Marcos Montenegro. “Os estados, particularmente São Paulo, estão fazendo pressão para o julgamento não ser retomado, mas o STF é favorável à concepção de que a titularidade é municipal”, avalia. De acordo com o voto do ministro Eros Grau no caso da Bahia, a titularidade dos serviços de interesse predominantemente local, como é o caso do saneamento, é dos municípios. Mesmo quando o estado age dentro de suas atribuições e define uma região metropolitana, a titularidade permanece do município e, à sua responsabilidade pelo atendimento do interesse local, é acrescido o atendimento do interesse interlocal, ou seja, regional. A concepção da Arsesp reflete, segundo Montenegro, a continuidade de uma visão e de uma prática herdadas da época da ditadura. A legislação em vigor dá aos estados a 26 CIDADES Divulgação / CORESA RETRATO DO BRASIL | nO 5 titularidade para definir agrupamentos de municípios, como regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. Um estado pode, dessa forma, dividir todo seu território, inclusive as regiões metropolitanas, em microrregiões de interesse específico, como resíduos sólidos, água e esgoto etc. E só. Mas a prática tem sido outra. “Os estados querem, na verdade, fazer pelos municípios”, diz. “Esse não é o arranjo da Constituição de 1988.” O poder local foi reforçado em 2005 com a aprovação da Lei dos Consórcios, segundo a qual os municípios podem se agrupar para realizar atividades de interesse comum. É algo que na área de saneamento pode provocar um rearranjo de poder entre os estados e seus municípios. É diferente um processo de negociação no caso de uma poderosa companhia estadual como a Sabesp ter como interlocutores municípios isolados ou ter, do outro lado da mesa, um consórcio que reúna várias cidades. Uma atuação oposta à do governo paulista ocorre no Paraná, no caso da destinação do lixo na região metropolitana de Curitiba. Os municípios da região constituíram um consórcio em 2001, antes mesmo da aprovação da lei sobre o assunto. Participam dele, além da própria capital, outras 14 cidades que utilizam o aterro da Cachimba, localizado em Curitiba e operado pela empresa Cavo, do grupo Camargo Corrêa. O secretário municipal de Meio Ambiente curitibano, José Antônio Andreguetto, explica a RB que em 2006 o consórcio foi reformulado com base na nova lei federal. Além disso, como o aterro da Cachimba está com seus dias contados e deve ser desativado até o fim de 2008, a ocasião permitiu que todo o regimento do consórcio fosse refeito. A nova configuração abriu a possibilidade de os outros 11 municípios da região metropolitana se integrarem à iniciativa, algo que está em andamento. O município de Tijucas do Sul, que não utiliza Cachimba, comprometeu-se a ingressar no novo consórcio para depositar o lixo no futuro aterro que atenderá à região metropolitana. No Piauí, um consórcio para água O governo do estado tem participação garantida nos consórcios, de acordo com uma lei recém-aprovada pela Assembléia Legislativa. A lei também estipula a presença do governo na formação de consórcios intermunicipais para gestão de resíduos sólidos em dez regiões do estado. Segundo o líder do governo na Assembléia Legislativa, deputado Luiz Claudio Romanelli, a nova lei “resguarda a titularidade dos municípios”, com outras vantagens: racionaliza os custos de operação, facilita a obtenção de recursos e a universalização dos serviços e reduz a quantidade de áreas afetadas pelos aterros. O Piauí mostra outro caminho, completamente diferente. O médico Alcindo Rosal (seta): o Coresa é uma resposta à precariedade da companhia estadual Rosal, prefeito de Bom Jesus do Gurguéia, foi eleito, em junho de 2005, presidente do Consórcio Regional de Saneamento do Piauí (Coresa) numa assembléia com 36 prefeitos das regiões da Chapada das Mangabeiras e Tabuleiros do Alto Parnaíba, no sul do estado. Foi uma resposta à precariedade do serviço de abastecimento de água prestado pela Agespisa, a companhia estadual piauiense. Para explicar as atribulações vividas por sua cidade e outras, Rosal compara o formato do Piauí a um pé de meia. “Nós somos a pontinha de baixo da meia. A ponta de cima é onde fica a capital, o centro das decisões políticas, onde fica a empresa estadual”. Uma meia com 900 km de comprimento, diz. “Quando queimava uma bomba de abastecimento de água lá em Cristalândia, o técnico precisava percorrer essa distância. E, até que ele viesse, até que a burocracia desemperrasse, a população sofria”, diz ele. O consórcio, pioneiro no País, é uma autarquia com autonomia financeira e diretiva. Foi proposto pela SNSA, com apoio da Agespisa. Na época, a companhia operava em 162 municípios, sobretudo na área urbana, e em cerca de 40 não mantinha fornecimento de água com qualidade e quantidade necessárias. Essas cidades estavam sob intervenção da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). A justificativa, dada em fevereiro de 2005, pelo então presidente da Agespisa, Assis Carvalho, era a de praxe: falta de dinheiro. A empresa estava atolada em dívidas, disse. Tinha um déficit mensal de 3,5 milhões de reais e uma dívida grande. Não tinha “condições de investir na ampliação dos seus sistemas com recursos próprios”. O Coresa prevê que os municípios, por meio do Serviço Local de Saneamento (Selos), serão responsáveis pela operação local chamada de manutenção leve, como pequenos reparos, leitura de hidrômetros e entrega de contas. O consórcio ficará com o serviço de alta complexidade, que requer mãode-obra especializada. Em seu quadro de funcionários, estão incluídos, por exemplo, engenheiros, químicos, assistentes sociais, biólogos etc. Mesmo faltando ainda a adesão de dois dos 36 municípios convidados, a instalação CIDADES 27 RETRATO DO BRASIL | nO 5 do consórcio avança. A entidade conta com 36 milhões de reais, investimento que vai beneficiar cerca de 150 mil pessoas da área urbana dos municípios. “Em Bom Jesus, aproximadamente 15% das casas não possuem água encanada. Em outras cidades, esse número chega facilmente a 50%”, diz Rosal. Ele explica que a região da Chapada das Mangabeiras “possui um lençol freático imenso, um mar de água”. “Em todos os locais aqui existem poços artesianos, não existe sede, não existem secas fortes, não existe o flagelo da falta de água. Existia o anacronismo de uma riqueza hídrica subterrânea e uma pobreza de abastecimento na superfície”, diz o prefeito. Os consórcios, sem dúvida, enriquecem o arsenal de possibilidades de soluções para os grandes problemas enfrentados pelo saneamento brasileiro. Porém, está longe deles resolver talvez o maior de todos os problemas: a falta de continuidade dos investimentos, um dos dramas da história recente do País. NINGUÉM SEGURA MAIS ESTE PAÍS? O presidente Lula não é o primeiro a achar que, finalmente, não vai mais faltar dinheiro para um plano de obras O tica pública definida e determinante neste País”, disse ele durante uma cerimônia no Palácio do Planalto, no início de agosto, diante de 12 governadores. Se isso acontecer mesmo, será uma novidade, pelo menos em relação às últimas Lula, em agosto, com governadores: “não vai parar mais de ter dinheiro” Ricardo Stuckert / PR presidente Lula acredita que, com o PAC, tenha se constituído “uma carteira de investimento em saneamento básico” que “não vai parar mais de ter dinheiro”. “Isso significa que o saneamento básico não terá mais uma política eventual, será uma polí- décadas. O saneamento não via tanto dinheiro quanto o do PAC desde os anos 1970 quando a ditadura militar criou o Plano Nacional de Saneamento (Planasa) e centralizou os serviços de abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto nas companhias estaduais de saneamento, criadas então. O órgão central do financiamento era o Banco Nacional de Habitação (BNH), que coordenava o sistema de saneamento e habitação, com base principalmente nos recursos do FGTS. As políticas de então, executadas pelas companhias estaduais, favoreciam o abastecimento de água em detrimento do esgotamento sanitário, as áreas urbanas e mais rentáveis, e projetos monumentais, como o do Sanegran, programa de saneamento da região metropolitana de São Paulo que chegou a anunciar “uma Itaipu de esgotos” para São Paulo, entre outros. O Planasa durou até o início da década de 1980, quando começou a ruir. A crise da dívida externa brasileira, de 1982, fechou as torneiras do financiamento externo. O dinheiro começou a faltar e o aperto Movimento Custo de Vida: a periferia tinha outras bandeiras 28 CIDADES Reprodução Fernando Henrique: privatização fracassada deixou saneamento à míngua mento dos juros das dívidas interna e externa. Entre 1995 e 1998, dos cerca de 7,8 bilhões de reais que foram depositados nos cofres do FGTS, só 2,7 bilhões foram aplicados no setor público. Nesse período, a média anual de aplicação dos recursos do FGTS no setor foi de escassos 680 milhões de reais. Do fim de 1999 até o término governo FHC, a média anual caiu para 68 milhões de reais! Constituinte fortaleceu municípios A situação estimulou a formação da Frente Nacional de Saneamento. Esse movimento vem dos anos 1980, quando começou a contestação à atuação das companhias estaduais de saneamento. Desde a origem, esse movimento, que reúne técnicos e especialistas, defendeu a autonomia dos municípios contra as investidas centralizadoras do Planasa. Muitos municípios em todo o País mantiveram seus serviços autônomos de água e saneamento, além de formaram a base para a ação contestatória de grupos técnicos vinculados às universidades, principalmente na Bahia e em Minas Gerais. Na Assembléia Constituinte de 1987, o debate cresceu e o texto constitucional que dela resultou criou instrumentos legais que favoreceram a descentralização. Porém, seriam ainda necessários dez anos para que surgisse, formalmente, a Frente Abril financeiro acabou inclusive com o BNH, fechado em 1986. Com o fim da ditadura, as pressões por mudanças políticas e institucionais se elevaram. Uma das conseqüências, expressa na Carta de 1988, foi o fortalecimento do poder dos municípios. Outra foi a maior atenção dispensada aos serviços públicos de caráter social, como saúde e saneamento. No caso específico do saneamento, no entanto, essas mudanças não significaram um avanço concreto. Já não havia o Planasa, mas em seu lugar nada foi colocado. O saneamento viveu um período de crise, marcada pela dispersão e desagregação das instituições que integravam o sistema. Houve um vazio, provocado pela falta de um plano nacional para cumprir as normas da Constituição de 1988 e orientar a elaboração de uma política pública de caráter permanente. E os recursos destinados aos urgentes investimentos do setor oscilaram ao sabor de políticas conjunturais e efêmeras. Com a renegociação da dívida externa em 1994 e com o Plano Real, o governo Fernando Henrique fez novo plano nacional de saneamento, apostando na privatização e na entrada de capitais privados, especialmente estrangeiros, no setor. Esse plano fracassou com a quebra do real em 1998 e a nova submissão do País ao FMI no final desse ano. FHC contingenciou os recursos do FGTS para cumprir acordos com o FMI e garantir as metas de paga- RETRATO DO BRASIL | nO 5 Nacional para o Saneamento, mais tarde denominada Frente Nacional para o Saneamento Ambiental. O tema que se impunha então era o das privatizações. Em 1995, o governo FHC aprovou a Lei de Licitações e a Lei de Concessões. Também criou o Programa de Modernização do Setor de Saneamento (PMSS) com a perspectiva de privatizar os setores de energia, telecomunicação e saneamento, entre outros. Com o governo Lula e a chegada de dirigentes da Frente Nacional de Saneamento ao Ministério das Cidades houve uma retomada do esforço pela autonomia dos municípios e pela implantação de uma política de investimentos efetiva para o saneamento. A crise gerada pela intervenção da ministra Dilma Roussef no PAC afastou a maior parte dos últimos dirigentes da Frente da Secretaria Nacional de Saneamento. Esse não parece ser, na visão de Lula, um episódio relevante. O presidente demonstra otimismo e acredita que as mais de duas décadas de penúria do saneamento terminaram com o PAC. Sua crença parece se basear na idéia de que, finalmente, a economia do País entrou nos eixos e teremos pela frente um amplo período de crescimento sustentado. Não é uma visão muito diferente da que outros dirigentes tiveram no passado recente. No geral, em matéria de previsões, todos eles fracassaram. Com Lula será diferente? Delfim Netto com o FMI em 1982: o país quebrou e acabou o dinheiro para investir RETRATO DO BRASIL | nO 5 CIDADES 29