TESE DOUTORADO - e

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TESE DOUTORADO - e
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1
RAFAEL MARIO IORIO FILHO
UMA QUESTÃO DA CIDADANIA: O PAPEL DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL NA INTERVENÇÃO FEDERAL (1988-2008)
Tese de doutorado apresentada à
Universidade Gama Filho como
pré-requisito para obtenção do
título de Doutor em Direito, na
área
de
concentração
Direito,
Estado e Cidadania.
Orientadora:
Profª. Drª. Fernanda Duarte Lucas
Lopes da Silva.
Rio de Janeiro
2009
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2
Iorio Filho, Rafael Mario.
Título: uma questão da cidadania: o papel do Supremo Tribunal
Federal na Intervenção Federal (1988-2008) / Rafael Mario Iorio Filho
– Rio de Janeiro, 2009. fls. 391.
Tese (Doutorado em Direito) – Universidade Gama Filho – UGF.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Fernanda Duarte Lucas Lopes da Silva.
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AGRADECIMENTOS
Gostaria de registrar os meus agradecimentos a todos aqueles que
colaboraram, ou melhor, verdadeiramente me carregaram no colo para que eu
conseguisse realizar a minha pesquisa e concretizar esta tese.
Meu muito obrigado e carinho às pessoas mais importantes do mundo
para mim: minha esposa Cristina, meus filhos Eduardo e Lucas, meus irmãos
Juliana e Pedro, meus pais Rafael e Julia, por todo o amor e apoio dado em
minhas investidas acadêmicas. Amo vocês!
Ao meu tio Fabio, pelas discussões e ensinamentos sobre Lacan,
Marx, Althusser e estruturalismo, que me permitiu melhor compreensão das
bases da Análise do Discurso Francesa.
À minha orientadora Fernanda Duarte pela autonomia e confiança que
me concedeu durante a realização deste trabalho.
Aos professores Maria Stella de Amorim e Roberto Kant de Lima pela
leitura atenta e pelas contribuições trazidas no exame de qualificação.
À professora Ângela Corrêa pelos ensinamentos acerca da Análise
Semiolinguistica do Discurso, que permitiu a ousadia da interdisciplinariedade
deste trabalho.
Aos colegas do grupo de pesquisa, Bárbara Lupetti e Marco Aurélio,
que contribuíram com seus questionamentos acerca do objeto da tese.
A amiga Regina Lucia, pela paciência, verdadeira amizade e apoio para
a realização desta tese.
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RESUMO
A presente tese tem o objetivo de explicitar, nas relações entre poder,
legitimidade, guarda da Constituição e construção da cidadania brasileira, o
papel do Supremo Tribunal Federal (STF) e das suas categorias de
compreensão dos conflitos sociais, através dos “ditos” e dos “não-ditos” dos
discursos de seus ministros, no exemplo das decisões que tenham como
temática a Intervenção Federal.
Para tanto, articulou-se a metodologia da Análise Semiolingüística do Discurso
em seus três lugares de compreensão do discurso, no intuito de se vislumbrar
as visadas discursivas dessas decisões judiciais.
PALAVRAS-CHAVES: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL; ANÁLISE DO
DISCURSO; INTERVENÇÃO FEDERAL; JURISPRUDÊNCIA.
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RESUMO
Questa tesi è destinata a coprire, nei rapporti fra il potere, la legittimità, la
salvaguardia della Costituzione e la costruzione di cittadinanza brasiliana, il
ruolo della Corte Suprema (STF) e categorie di comprensione dei conflitti
sociali, attraverso il "incerto" e il non-detto "dei discorsi dei suoi ministri, nel
caso di decisioni che sono soggette all'intervento federale. A tal fine, ha
sollevato la metodologia di analisi Semiolingüística del discorso in tre luoghi di
comprensione del discorso, al fine di individuare l'obiettivo delle decisioni
discorsiva.
PAROLE-CHIAVE: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL; ANALISI DEL
DISCORSO; INTERVENTO FEDERALE; GIURISPRUDENZA
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ABSTRACT
The present thesis have the objective to set legitimacy out, in the relations
between power, it guards of the Constitution and construction of the Brazilian
citizenship, the paper of the Federal Supreme Court (STF) and of his categories
of understanding of the social conflicts, through the "sayings" and the "nonsayings" of the speeches of his Ministers, in the example of the decisions that
take the Federal Intervention as a theme.
For so much, there was articulated the methodology of the Analysis
Semiolingüística of the Speech at his three places of understanding of the
speech, in the intention of were glimpsed the discursive looks of these judicial
decisions.
KEY WORDS: FEDERAL SUPREME COURT; ANALYSIS OF the SPEECH;
FEDERAL INTERVENTION; JURISPRUDENCE.
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7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................9
CAPÍTULO I – A contextualização da pesquisa ...........................................14
1.1.
A problemática .....................................................................................14
1.2.
A jurisprudência como objeto de interesse investigativo ................22
1.3.
O discurso jurídico do Supremo Tribunal Federal como discurso
político ..................................................................................................25
1.4.
Algumas reflexões teóricas .................................................................27
1.4.1. As categorias teóricas de Pierre Bourdieu ........................................28
1.4.2. Algumas reflexões acerca do fenômeno político em Max Weber ...34
1.4.3. A Análise Semiolingüística do Discurso Político de Patrick
Charaudeau ..........................................................................................39
1.5.
O percurso metodológico construído ................................................51
CAPÍTULO II- A doutrina jurídica sobre a Intervenção Federal: o que ela
diz e não diz .....................................................................................................62
2.1. O Federalismo ..........................................................................................64
2.2. O federalismo no Brasil ...........................................................................71
2.3. Intervenção Federal .................................................................................74
2.3.1. Ação Direta de Inconstitucionalidade interventiva ............................82
2.4. Federalismo, Intervenção Federal e Cidadania: o que a doutrina não
diz .....................................................................................................................84
CAPÍTULO III- Os temas relacionados aos pedidos de intervenção federal
discutidos no Supremo Tribunal Federal entre os anos de 1988 a 2008 ..87
3.1.
Descrição dos casos sobre o não pagamento de precatórios ......88
3.2.
Descrição dos casos sobre reintegração de posse .......................92
3.3.
Descrição dos casos sobre desrespeito a princípio constitucional
sensível .................................................................................................93
3.4.
Descrição dos casos sobre a invasão de uma entidade federativa
em outra ................................................................................................94
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8
3.5.
Descrição dos casos sobre desrespeito de decisão judicial que
determina que se respeite a regra do quinto constitucional ...........95
3.6.
As razões justificadoras ou “categorias nativas” para não se
prover os pedidos de intervenção federal no Supremo Tribunal
Federal ..................................................................................................95
CAPÍTULO IV- A Gramática da Decisão do Supremo Tribunal Federal ...123
4.1. O modus operandi da bricolage de Lévy- Strauss e as decisões sobre
intervenção federal .......................................................................................126
4.2. A lógica do contraditório ......................................................................144
CONCLUSÃO .................................................................................................148
BIBLIOGRAFIA ..............................................................................................154
ANEXOS .........................................................................................................178
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INTRODUÇÃO
A presente tese1 objetiva compreender qual seria o papel da Jurisdição
Constitucional no Brasil, e como tal, do Supremo Tribunal Federal, como
também, buscar, assim como fazem os países de tradição de Common Law2,
pela notoriedade midiática e referencial no campo do Direito3 que a
Jurisprudência4 Constitucional vem alcançando em nossos dias, uma
metodologia própria às características jurídico-culturais brasileiras de análise
das decisões judiciais.
1
Este texto é fruto da pesquisa que venho realizando sob a orientação da Profª. Drª. Fernanda
DUARTE, em sede de seu grupo de pesquisa “Jurisdição Constitucional e Democracia
UGF/CNPq”.
2
Common Law é um sistema jurídico de tradição anglo-americana, caracterizado por ter como
fonte de direito primária as resoluções dadas aos casos concretos pelos juízes e demais
operadores do Direito. Neste sistema, juízes são as partes ativas do processo de elaboração e
formulação das regras de Direito a serem aplicadas. Como nos diz Miguel REALE (1967:142):
"Temos, pois, dois grandes sistemas de Direito no mundo ocidental, correspondentes a duas
experiências culturais distintas, resultantes de múltiplos fatores, sobretudo de ordem histórica.
O confronto entre um e outro sistema tem sido extremamente fecundo, inclusive por
demonstrar que, nessa matéria, o que prevalece para explicar o primado desta ou daquela
fonte de direito não são razões abstratas de ordem lógica, mas apenas motivos de natureza
social e histórica." Ainda interessante a passagem de Edivaldo Machado BOAVENTURA
(1997:91): "Os formados pelas Faculdades de Direito norte-americanas tendem a pensar
segundo o modo empírico-indutivo, contrastando com aqueles que se diplomam nas
faculdades de Direito da Alemanha, da França e mesmo do Brasil, que seguem o raciocínio
predominantemente dedutivo. As conseqüências para a formação são bem diferentes. Nos
países da lei-código, o Direito é exposto geralmente em aulas-conferências." Ainda sobre a
comparação destes dois sistemas jurídicos ver Antoine GARAPON (2008)
3
Para este trabalho estou usando os termos “campo do direito”, “campo jurídico” e “mundo do
direito”, no sentido da concepção de Pierre BOURDIEU (1992:206-207), que toma os campos
da vida social como campos magnéticos onde os agentes se aproximam e se afastam em
função de luta política. Num campo há ainda uma estabilidade semântica, de práticas e de
visões de mundo, o que, segundo o autor, “permite a todos os detentores do mesmo código
associar o mesmo sentido às mesmas palavras, aos mesmos comportamentos e às mesmas
obras e, de maneira recíproca, de exprimir a mesma intenção significante por intermédio das
mesmas palavras, dos mesmos comportamentos e das mesmas obras.”
4
O termo jurisprudência em Direito pode ter os seguintes significados: a) ciência do Direito, b)
direito aplicado aos casos concretos, c) doutrina jurídica, d) a soma geral dos julgados dos
Tribunais, harmônicos ou não, ou seja, a totalização dos acórdãos produzidos pela função
jurisdicional do Estado, e) a coletânea organizada e sistematizada de acórdãos consonantes e
reiterados, de um certo Tribunal sobre um tema jurídico. Nossa tese, então, estará se referindo
ao penúltimo sentido do conceito, isto é, estamos tratando jurisprudência com o significado de
soma geral dos julgados dos Tribunais. Como nos diz Bárbara BAPTISTA (2008:37):
“Jurisprudência é o conjunto de decisões judiciais proferidas em casos concretos. Quando se
diz “a jurisprudência do STF”, se quer dizer a soma das decisões prolatadas pelo STF a
respeito de um determinado tema.”
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Neste contexto, este trabalho visa desenvolver uma teoria capaz de
compreender através dos discursos dos Ministros, e por conseqüência, da
Corte Constitucional Brasileira (Supremo Tribunal Federal) qual é na prática o
papel da jurisprudência constitucional na discussão temática da Intervenção
Federal. Para tanto, tomei como referência temporal as decisões relativas à
matéria no interstício de 1988 a 2008.
O trabalho tem como objetivo perceber como os discursos se
constroem e como eles se relacionam com o poder na defesa da cidadania.
Esta discussão temática é de todo importante, pois traria em seu campo
significativo toda uma problemática de circunstâncias de crise constitucional
federativa, e por isso, de relações explícitas entre poder soberano e guarda das
cidadanias.
Por essas razões, podemos dizer que a forma de construir o nosso
objeto, de refletir sobre ele e de articular
o nosso discurso são
interdisciplinares.
A Ciência do Direito, tomada pelo sentido que o campo jurídico
brasileiro lhe dá, significa a produção intelectual doutrinária das possíveis
interpretações legais. Nós, entretanto, estamos tomando o direito como um
objeto empírico, possível de ser estudado como um instrumento de controle
social, próprio das sociedades contemporâneas.
Dentro da perspectiva de ser ter uma postura científica interdisciplinar
no Direito, interessante a passagem de Roberto KANT DE LIMA (1983:98):
A contribuição que se pode esperar da Antropologia para a
pesquisa jurídica no Brasil será evidentemente vinculada à sua
tradição de pesquisa. Desde logo há de se advertir que o
estranhamento do familiar é um processo doloroso e
esquizofrênico a que certamente não estão habituados as
pessoas que se movem no terreno das certezas e dos valores
absolutos. A própria tradição do saber jurídico no Brasil,
dogmático, normativo, formal, codificado e apoiado numa
concepção profundamente hierarquizada e elitista da
sociedade, refletida numa hierarquia rígida de valores
autodemonstráveis, aponta para o caráter extremamente
etnocêntrico de sua produção, distribuição, repartição e
consumo.
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Temos a pretensão de pensar o direito de forma crítica, e não de
maneira repetitiva e reprodutora5, própria dos trabalhados classificados
tradicionalmente como jurídicos. Nossa perspectiva é analisar o direito
brasileiro em suas práticas discursivas, numa tentativa de explicitar como ele é,
e não, como ele deveria6 ser.
Esta pesquisa dialoga com algumas teorias sociológicas, tais como: a
de Pierre BOURDIEU, de Michel FOUCAULT, de Max WEBER e de Claude
LÉVY-STRAUSS, que funcionaram como base teórica para melhor discutir a
nossa problemática, tendo em vista que oferecem o subsídio teórico para
refletir acerca dos conceitos de poder, de legitimidade, de estratégias, de
campo, de estruturas, de ideologias entre outros. Desta forma, possibilitam-nos
perceber as estruturas de uma gramática decisória da Corte Suprema
brasileira.
Do ponto de vista metodológico, trabalhamos com a Análise
Semiolinguística do Discurso Político a partir de Patrick CHARAUDEAU e
Dominique MAINGUENEAU, que nos possibilitou explicitar as estruturas e
visadas discursivas, ou intenções, de cada enunciador ou autor textual em seu
jogo político, na disputa de poder e legitimidade com seu auditório, a impor
suas visões ou vontades.
Este trabalho buscou investigar que papel adota o Supremo Tribunal
Federal em situações explícitas de instabilidade institucional do Estado
brasileiro, e como tal da própria Constituição. Vale lembrar, que esta Corte por
5
As contribuições de autores que se debruçaram sobre a realidade empírica das relações
jurídico-sociais brasileiras, lançando mão de métodos relativos as Ciências Sociais para
estudá-las são relevantes: Roberto KANT DE LIMA (2004); Maria Stella de AMORIM, Roberto
KANT DE LIMA, Regina Lúcia TEIXEIRA MENDES (2005) e Regina Lúcia TEIXEIRA MENDES
(2003).
6
“O direito visa a fazer com que o mundo dos fatos esteja em conformidade com um mundo
ideal; a transformar o mundo tal como ele é em um mundo tal como deveria ser.” (SUPIOT,
1994 apud Antoine GARAPON, 2003:60-61).
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atribuição constitucional (art. 1027, CRFB/88) deve ser o guardião da cidadania
e por auto-referência se alcunha como árbitro da sociedade democrática.
Entretanto nossa hipótese é de que o Supremo Tribunal Federal adota
um espírito de corpo, como parte do Estado, para se escamotear, e desta
forma, para proteger os interesses privados do próprio Estado, como pessoa
jurídica de Direito Público.
A originalidade da presente tese, a despeito das informações que
levanta e analisa quanto às práticas discursivas do Supremo Tribunal Federal,
sustenta-se por ser uma inédita experiência de abordagem metodológica das
decisões judiciais no Brasil. Vale lembrar que, no cenário pátrio, são escassos
estudos acerca da jurisprudência que fujam do modus operandi do bricoleur.
Estamos usando o termo bricoleur com o sentido que lhe dá Claude
LÉVY-STRAUSS (1976), ou seja, de uma atitude criativa que descontextualiza
os significados dos signos para dar-lhes um sentido novo e próprio do seu
criador, que tanto nos referenciamos no desenvolvimento de nosso texto.
Para tanto, o trabalho foi organizado da seguinte forma: no primeiro
capítulo apresentamos a contextualização da pesquisa, desenvolvendo a nossa
problemática, tal seja, o papel do Supremo Tribunal Federal na defesa da
cidadania brasileira, quando se apresenta um cenário de suposta crise, como
sugerido na Intervenção Federal. Apresentamos, também, algumas reflexões
que possibilitaram a conclusão de que o discurso da Corte Suprema brasileira
é um discurso político.
O capítulo II, em sua primeira parte, tem o objetivo de contextualizar
historicamente o federalismo como fato histórico, tanto nos Estados Unidos da
América,
quanto
no
Brasil.
Desenvolve,
também,
um
estudo
das
representações do campo jurídico brasileiro acerca do federalismo e da
intervenção federal, ou seja, são apresentados os elementos que constituem a
semântica da linguagem, materializada nos discursos dos atores do Direito.
7
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: “Art. 102. Compete ao Supremo
Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:”
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O capítulo III informa e analisa os temas e as categorias discursivas
presentes nas decisões dos Ministros do Supremo Tribunal Federal que
versam sobre Intervenção Federal. Tal análise tem o objetivo de comprovar a
hipótese de que este discurso criativo serve para diluir os conflitos políticos e
disfarçar as escolhas estatais na relação sociedade/cidadãos e entes
federativos, de forma a privilegiar sempre o Estado.
Finalmente, o capítulo IV discute as possíveis estruturas de uma
gramática decisória do Supremo Tribunal Federal. Tais estruturas foram
identificadas como o modus operandi da bricolage e a lógica do contraditório.
Elas servem para alimentar um sistema de decisão para não prover os pedidos
de intervenção federal provenientes da relação entre os entes federativos e a
sociedade/cidadãos.
Por fim, na conclusão da tese explicita-se a gramática usada pelo
Supremo Tribunal Federal nas situações de grave instabilidade institucional do
Estado brasileiro, nas decisões relativas a Intervenção Federal. Vale dizer,
ainda, que estamos trazendo em anexo todas as decisões do Supremo
Tribunal Federal na íntegra que tratamos na tese.
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CAPÍTULO I – A CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA
1.1.
A problemática
O objeto de estudo do grupo de pesquisa, a qual nos referimos na
introdução, no qual se insere o presente trabalho, está baseado na
investigação de quais e como se articulam os elementos formadores das
decisões judiciais, principalmente aquelas que se fundam em temas
constitucionais,
como
por
exemplo,
a
igualdade
jurídica,
imunidades
parlamentares entre outras (Fernanda DUARTE e Rafael IORIO: 2007a, 2007b,
2008).
Assim, tanto o grupo como a tese trabalham a partir de uma idéia de
jurisdição constitucional, o que nos remeteu a procurar entender qual seria o
papel da Corte Brasileira, Supremo Tribunal Federal, responsável pela guarda
da Constituição. Procuram entender, ainda, como são construídos os discursos
existentes em suas decisões. Isto é, procuram explicitar a gramática decisória
do Supremo.
Em grande parte dos Estados ocidentais, desde o século XIX, foi
atribuída aos juízes, ou por construção legislativa ou por via judicial, a função
de interpretar o sentido da norma constitucional e controlar os atos estatais
frente à constituição, surgindo desta forma a Jurisdição Constitucional.
Segundo José Acosta SÁNCHES (1998: 341): “Em sentido amplo, Jurisdição
Constitucional é todo procedimento judicial de controle de constitucionalidade
dos atos estatais”.
A importância de um estudo sobre a jurisdição constitucional está
assim desenvolvida nas palavras de Fernanda DUARTE e José Ribas VIEIRA
(2005:48):
Integrando as reflexões acadêmicas sobre a temática do
constitucionalismo democrático, a jurisdição constitucional,
instrumentalizada nos diversos sistemas de controle da
constitucionalidade das leis e atos normativos, revela a tensão
entre Direito e Democracia que, dentro de um parâmetro de
leitura liberal, expressa o conflito da limitação da vontade da
maioria, materializada na lei (e, depois, na constituição) – e
denominado pela doutrina de caráter contramajoritário. Nesse
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diapasão, a discussão desloca-se, em realidade, para a
problemática da legitimidade democrática da própria jurisdição
constitucional, isto é, como ela merece uma justificativa
racional dentro dos padrões do Estado Democrático de Direito.
Os pressupostos das investigações realizadas por este grupo são os
seguintes: a visão relativista do mundo; e, uma compreensão crítica8 e distinta
do direito brasileiro.
A visão relativista do mundo (Gustav RADBRUCH, 1999:2) defini-se
como a apreensão originariamente de valores de forma subjetivista. Portanto,
demarcamos inicialmente um movimento arbitrário de escolha, fruto da
imponderabilidade das situações novas e imprevistas. Porém, isso não significa
dizer que esse arbítrio não possa vir a ser racionalmente justificado. Mas sim,
que o primeiro movimento é injustificável. Escolhe-se, para depois racionalizar,
ou seja, faz-se crer que a escolha realizada é a correta. Portanto, a adesão que
a fundamentação gera não se deve à qualidade moral da escolha (juízo de
verdade), mas sim a seu potencial de convencimento, que passa a ser
percebido, por aquele a quem se dirige, como não-arbitrário ou natural – o que
nada mais é do que um instrumento de poder/dominação pela linguagem
(Pierre BOURDIEU, 1989).
Em segundo lugar, temos que a compreensão do direito brasileiro,
resistente e encastelado em si mesmo, fornece uma percepção precária e
reducionista da realidade social. Daí a necessidade de uma abordagem
interdisciplinar a fim de inserir aqueles elementos tradicionalmente descartados
pelo jurista, mas que integram e conformam essa realidade9.
8
Importante dizer que não estamos nos referindo a denominada Escola Crítica, mas sim a uma
visão que busque problematizar o Direito de maneira multidisciplinar, articulando categorias e
conceitos próprios da Lingüística, da Análise do Discurso, da Antropologia, da Política e da
Sociologia, ou, em outras palavras, uma perspectiva que se afasta da reprodução de estruturas
e conceitos trabalhados simplesmente pela Doutrina Jurídica. Sob esta perspectiva ver Roberto
KANT DE LIMA (1983). Quanto a Escola Critica propriamente dita, interessante a leitura da
seguinte passagem de Pedro PACHECO (1994:174): “O movimento crítico ou Critical Legal
Studies, polariza-se na perspectiva política e insurge-se contra todas as visões e soluções,
inclusive contra a Análise Econômica do Direito, razão de seu papel desmistifcador,
apresentando uma alternativa através da utilização de argumentos derivados da filosofa política
e social com influência de autores marxistas, e de autores variados, como Nietzche, Habermas,
Foucalut e Rorty.”
9
Importante ressaltar que a visão positivista do Direito, que teve como marco o teórico Hans
KELSEN (1998a, 1998b, 1998c), e inspirou toda a produção intelectual, seja para criticá-la,
seja para reafirmá-la, do Direito dos séculos XX e XXI, acabou por afastar o Direito de toda
consideração antropológica, sociológica, política e valorativa. O positivismo jurídico é um
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Dentre os diversos temas de interesse investigados pelo grupo de
pesquisa se coloca o papel do Supremo Tribunal Federal e suas relações com
a construção da República e da Democracia brasileiras10.
O Supremo Tribunal Federal desde a sua criação na República Velha
em 1891 é reconhecido, com base no modelo norte-americano que inspirou
nossa 1ª Constituição Republicana, como guardião da Constituição, ou seja,
protetor do receptáculo dos valores jurídicos da sociedade, substituindo o papel
atribuído ao antigo poder moderador imperial, que era responsável por ser o
árbitro do choque entre os poderes e faccionismos das democracias
representativas (José Reinaldo de Lima LOPES, 2000:320). Assim, ao
Supremo Tribunal Federal caberia a função de implementação do Estado de
Direito e da cidadania.
Tal compreensão do papel do Supremo Tribunal Federal remete a
discussão de algumas categorias centrais para o debate teórico: o Estado de
Direito, limitação do poder e Estado Democrático de Direito.
conceito da filosofia do direito que abarca três perspectivas a sua compreensão. Ele pode ser
apreendido como uma abordagem do fenômeno jurídico; uma teoria do direito ou uma ideologia
sobre o direito. A primeira refere-se ao estudo do direito como um fato social e não como um
valor. “O direito é considerado como um conjunto de fatos, de fenômenos ou de dados sociais
em tudo análogos àqueles do mundo natural” (Norberto BOBBIO, 1995:131). Sendo assim, o
estudioso do direito deve estudá-lo, tal como os cientistas das Ciências Naturais, abstendo-se
de formular juízos de valor. Deste ponto de vista, o Direito busca, então, sua validade em
critérios de sua estruturação formal e não de um conteúdo valorativo. O segundo sentido
comporta uma série de problemas que vão da consideração do Direito em função da coação,
ou seja, conjunto de normas que valem por meio de força; passando por um problema de
fontes de Direito, o embate entre a lei e o costume; a reflexão acerca da teoria da norma
jurídica, que formula o conceito de norma como um comando imperativo; caminhando por uma
teoria do ordenamento jurídico, que não mais concebe a norma isoladamente, mas em um
conjunto, completo e coerente, de normas jurídicas vigentes numa sociedade; até chegar a
considerações relativas ao método da ciência jurídica como um problema de interpretação
referente a toda a atividade do cientista do Direito. A terceira representa uma visão ideológica
do positivismo. Aqui se concebe a justiça como inerente às normas. As regras são justas pelo
simples fato de provirem de um poder estatal criado para a manutenção da paz social.
Resumidamente, o positivismo jurídico pode ser conceituado como a corrente de pensamento
do Direito que agrupa esforços a criticar os juízos de valor, fundamentando os direitos pelo
conhecimento científico, com características similares às ciências fisico-matemáticas, naturais
e sociais, destituídas de avaloratividade (juízos de fato e de valor), sendo rigoroso na exclusão
axiológica.
10
O grupo mencionado no texto acima é o denominado “Jurisdição Constitucional e
Democracia” UGF/Cnpq, coordenado pela Profª. Drª. Fernanda DUARTE.
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O Estado de Direito está adstrito a limitação do poder político arbitrário
através da instituição de leis que protejam juridicamente os direitos dos
cidadãos. Neste sentido de Norberto BOBBIO afirma:
A expressão ‘estado de direito’, com a qual os juristas da
segunda metade do século passado designaram o estado
constitucional moderno, pode ser entendida de diferentes
maneiras, mas dois são os significados principais: 1) estado de
direito é o estado limitado pelo direito, ou seja, o Estado cujo
poder é exercido nas formas do direito e com as garantias préestabelecidas; (...) 2) estado de direito é o Estado que tem
como função principal e específica a instituição de um estado
jurídico, ou seja, de um estado no qual, segundo a definição
kantiana do direito, cada um possa coexistir com os outros
segundo uma lei universal. (Norberto BOBBIO, 1995:135).
A limitação do poder tem seu ápice na Constituição, que, como
estruturante do Estado de Direito, requisita o exercício do poder por um
sistema normativo limitador. Sua idéia matriz está na competição da luta do
poder entre os grupos sociais, tendo como característica a transmutação dos
fenômenos do poder em Direito, submetendo a atividade política à forma
jurídica. O denominador comum do valor normativo da Constituição confere o
status de fonte da produção normativa e sua própria aplicabilidade como lei
suprema, ou seja, tem a supremacia por imposição sobre todas as normas do
sistema11.
Já o Estado Democrático de Direito12 é uma fusão do ideal do governo
da maioria como limitação do poder estatal, garantindo os direitos
fundamentais constitucionalizados e a preservação da separação dos poderes.
Neste modelo não se despreza o respeito inclusive as minorias, equiparando
todos perante a lei e responsabilizando o governante, que passa a ter
11
Quanto a questão da supremacia constitucional, é interessante consultar Fernanda DUARTE
e José Ribas VIEIRA (2005:50-59).
12
Menelick CARVALHO NETTO (2000:482), comentando o paradigma do Estado Democrático
de Direito, elabora o seguinte raciocínio: "(...) no paradigma do Estado Democrático de Direito,
é de se requerer do Judiciário que tome decisões que, ao retrabalharem construtivamente os
princípios e regras constitutivos do Direito vigente, satisfaçam, a um só tempo, a exigência de
dar curso e reforçar a crença tanto na legalidade, entendida como segurança jurídica, como
certeza do Direito, quanto ao sentimento de justiça realizada, que deflui da adequabilidade da
decisão às particularidades do caso concreto".
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18
temporalidade
e eletividade. Ao Estado de
Direito tradicional foram
incorporados gradativamente instrumentos vinculadores da democracia ao
poder estatal, até o ponto em que a legitimidade estatal não se restrinja à
legitimidade legal13, uma mera imposição normativa, e sim construa o consenso
social baseado na pluralidade democrática.
Ainda sobre o Estado Democrático de Direito, interessante a
passagem de Lier Pires FERREIRA, Ricardo GUANABARA e Vladimyr
Lombardo JORGE (2009:122-123):
A difícil conciliação entre as tradições democráticas e liberais
(Estado de direito) fez aflorar de forma explícita o elemento
político-ideológico como orientador de valores, princípios das
concepções políticas diversas. A concepção liberal tende a
tratar as declarações de direitos que tutelam as liberdades
fundamentais como postulados de racionalidade impostos
acima de tudo e de todos, especialmente de maiorias
parlamentares, garantindo o direito à vida, à propriedade, à
livre iniciativa, às liberdades em geral. O processo político,
através do Estado de direito, em especial do texto
constitucional rígido, subordina-se aos princípios liberais
presentes na Constituição, confirmando a limitação do poder
soberano ao exercício temporal de um poder constituinte
originário. Inicialmente legitimada pela soberania, a
Constituição legitimaria a limitação do próprio poder que a
constitui. O principal argumento da concepção liberal contra a
soberania popular concentra-se no risco de uma democracia,
através da vontade da maioria, converter-se em regime
autoritário, pondo fim à própria democracia. Contra a
democracia, então, seriam necessários instrumentos que
garantissem sua própria preservação, devendo estes limites
figurar na forma de direitos em um texto ordenador da política.
Em contraposição às teorias liberais, as concepções
13
Quanto a esta distinção, interessante observar a seguinte passagem de Pierre BOURDIEU:
“Legitimidade não é legalidade: se os indivíduos das classes mais desfavorecidas em matéria
de cultura reconhecem quase sempre, ao menos da boca para fora, a legitimidade das regras
estáticas propostas pela cultura erudita, isso não exclui que eles possam passar toda sua vida,
de facto, fora do campo de aplicação dessas regras sem que estas por isso percam sua
legitimidade, isto é, sua pretensão a serem universalmente reconhecidas. A regra legítima pode
não determinar em nada as condutas que se situam em sua área de influência, ela pode
mesmo só ter exceções, nem por isso define modalidade da experiência que acompanha essas
condutas e não pode deixar de ser pensada e reconhecida, sobretudo quando é transgredida,
como regra das condutas culturais que se pretendem legítimas. Em suma, a existência daquilo
que chamo legitimidade cultural consiste em que todo indivíduo, queira ele ou não, admita ou
não, está colocado no campo de aplicação de um sistema de regras que permitem qualificar e
hierarquizar seu comportamento do ponto de vista da cultura.” (Pierre BOURDIEU, 1968:128).
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19
democráticas acentuam a titularidade do poder do povo,
valorizando a soberania popular e, conseqüentemente,
opondo-se a formas oligárquicas ou tecnocráticas de
organização política, ambas admitidas implicitamente pelo
Estado democrático de direito em sua matriz liberal. Ao limitar o
poder do povo o Estado de direito torna-se obstáculo ao Estado
totalitário, mas se impõe, também, como obstáculo às
mudanças desejadas pela maioria, pelo povo. A difícil ou
impossível conciliação entre as concepções democráticas e
liberais encontra na idéia contemporânea de democracia
deliberativa sua mais expressiva tentativa de acordo.
Assim, se de um lado temos essas três categorias14 centrais - o Estado
de Direito, limitação do poder e Estado Democrático de Direito - ao papel de
cidadania; por outro, a cultura jurídica brasileira torna-se peculiar pela lógica do
contraditório15.
A partir da perspectiva da realidade jurídica brasileira, o Supremo
Tribunal Federal é o ocupante do topo da hierarquia dos órgãos do Poder
14
Quanto a definição do significado do termo categoria, importante a leitura das passagens de
Augusto Santos SILVA e José Madureira PINTO, e de Patrick SIMON: “Categorias são
estruturas de pensamento que se distinguem dos conceitos e das idéias. Conceitos são
representações mentais abstratas e gerais da realidade. Conceitos distinguem-se das idéias,
pois estas pertencem à linguagem comum.” (Patrick SIMON, 2003: 111-130). “Categorias
referem-se à qualidade atribuída a um objeto, isto é, ao atributo de um objeto ou de uma
realidade. Ela permite, assim, fragmentar, ou decompor em múltiplas partes, esse objeto ou
essa realidade, o que permite o conhecimento mais preciso e detalhado, já que o todo não é a
soma das partes componentes, mas o resultado da articulação dessas partes.” (Augusto
Santos SILVA e José Madureira PINTO, 1989: 29-53).
15
Já antecipando o que significa a lógica do contraditório, conceito que será desenvolvido no
item 4.2. deste trabalho, afirma Maria Stella de AMORIM (2006:107-108): “Um dos fatores que
alimentam dissensos reside na lógica do contraditório presente na prestação jurisdicional e em
todo o campo do Direito brasileiro, tanto em suas manifestações práticas, como nas teóricas e
doutrinárias. A origem desta lógica, tanto quanto registra a história do saber jurídico, já era
encontrada nos exercícios de contradicta realizados nas primeiras universidades, que
ministraram o ensino jurídico durante a Idade Média, particularmente na Itália, berço europeu
deste ensino. Por ser constituída de argumentação infinita, a lógica do contraditório necessita
da manifestação de uma autoridade que a interrompa para que seja dada continuidade aos
procedimentos judiciais nos tribunais brasileiros. Na ausência da autoridade formalmente
constituída, o contraditório prossegue, sempre descartando a possibilidade da comunicação
tornar-se consensual entre os interlocutores e o auditório.
A característica essencial dessa lógica, a despeito de sua estrutura aberta, encontra-se na
supressão da possibilidade dos participantes alcançarem concordância, sejam eles partes do
conflito, operadores jurídicos ou doutrinadores, o que sugere ausência de consenso interno ao
saber produzido no próprio campo e, no limite, falta de consenso externo, manifesto na
distribuição desigual da justiça entre os jurisdicionados pelas mesmas leis que lhes são
aplicadas e pelos mesmos tribunais que lhes ministram a prestação jurisdicional.”
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20
Judiciário16. Ele exerce, pois, um papel de ser mais um corpo do Estado, assim
como os poderes Executivo e Legislativo, a disputar a primazia do poder
político estatal.
Ao compararmos, esta atividade do Supremo Tribunal Federal com a
da Suprema Corte Americana no mesmo exercício de cúpula, verificamos que
esta exerce o papel de intérprete do Estado de Direito. O modelo que a inspira
é de ser a última porta-voz da soberania do Estado e de ser a guardiã das
dimensões contemporâneas da cidadania. Na verdade ela seria o árbitro da
sociedade americana, construindo suas decisões pela lógica do consenso17.
As duas grandes funções do Supremo Tribunal Federal – ser órgão de
cúpula do poder judiciário brasileiro e, conforme o art. 102 da CRFB/88, ser
guardião da Constituição - nos leva, então, a duas perguntas fundamentais: 1)
se nos momentos em foi chamado a exercer a função de guardião da
Constituição, e como tal do Estado de Direito, ele realmente a cumpriu? Vale
lembrar que em regimes autoritários vividos no Brasil, ele nunca teve suas
portas fechadas. 2) Portanto, por ser um órgão de cúpula de um dos poderes
do Estado, adota uma postura de manutenção do status quo, mesmo que
contrária aos valores do Estado de Direito18?
Desta perplexidade inarredável a questão norteadora deste trabalho:
investigar e explicitar a forma pela qual o Supremo Tribunal Federal articula
elementos simbólicos, na construção de seus discursos e papéis diante de
16
Para se ter uma idéia acerca da concepção de órgão de cúpula da justiça que o Supremo
Tribunal Federal faz de si mesmo, é interessante a leitura do texto “Algumas notas informativas
(e curiosas) sobre o Supremo Tribunal (Império e República)”, publicado no sítio do Supremo
Tribunal Federal no qual o Ministro Celso de MELLO, autor do texto, aponta claramente existir
uma linha de continuidade como corte suprema da Casa da Suplicação do Brasil (1808) até o
Supremo Tribunal Federal dos dias de hoje. Disponível em: <www.stf.gov.br> (atual:
www.stf.jus.br) Acesso em: 03 de março de 2008.
17
Quanto a descrição deste papel da Suprema Corte Americana ver José de Souza BRITO
(1995); Ernani Rodrigues de CARVALHO (2004); Marcus Faro de CASTRO (1997); Gisele
CITADINO (2002); Mark KOSLOWSKI (2003); Luiz Guilherme MARINONI (2005); Michael W.
MCCONNEL (2004); William G. ROSS (2003); José Adércio Leite SAMPAIO (2002); Bernard
SCHWARTZ (1993)).
18
Para esta tese é irrelevante a distinção entre Estado de Direito e Estado Democrático de
Direito, pois partimos da premissa de que a lei limitadora do arbítrio do poder estatal é
proveniente de uma autoridade democraticamente estabelecida.
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21
situações de instabilidade institucional do Estado Democrático de Direito, e
como tal, da ordem constitucional.
Tendo em vista estas situações de anormalidade constitucional que o
Supremo Tribunal Federal é chamado a participar, nos leva a articulação entre
instabilidade institucional (diferenciação institucional) e dissensos, ou seja,
movimentos contrários que levam a uma indiferenciação social ou anomia no
sentido durkeimiano (Émile DURKEINM, 1960, 1984, 1972), o que nos levou a
escolher analisar decisões que tivessem como temática a Intervenção
Federal19, uma vez que este instituto jurídico de implementação da supremacia
constitucional20, remeteria o Supremo Tribunal Federal diante de escolhas de
força explícita e manutenção do Estado de Direito.
19
O instituto jurídico da Intervenção Federal, apesar de doutrinariamente, como veremos nesta
tese mais a frente (capítulo II) não ser considerado um instituto de Estado Democrático
Excepcional (Giorgio AGAMBEN, 2004), pois não suspende direitos fundamentais, trabalha a
proteção do próprio Estado, e como tal da própria supremacia constitucional, diante de
circunstâncias políticas ou jurídicas de instabilidade.
20
A doutrina constitucional brasileira apresenta o instituto da intervenção federal como um dos
mecanismos, ou melhor, elementos da Constituição para a sua estabilização ou implementação
da supremacia constitucional. José Afonso SILVA (2006:47): “...(4) elementos de estabilização
constitucional, consagrados nas normas destinadas a assegurar a solução e conflitos
constitucionais, a defesa da constituição, do Estado e das instituições democráticas, e são
encontrados no art. 102, I, a (ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de
constitucionalidade), nos arts. 34 a 36 (Da Intervenção nos Estados e Municípios), 59, I, e 60
(Processo de emendas à constituição), 102 e 103 (Jurisdição constitucional) e Título V (Da
Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, especialmente o Capítulo I, porque os
Capítulos II e III, como vimos, integram elementos orgânicos)...”. Constituição da República
Federativa do Brasil: “Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal,
exceto para: I - manter a integridade nacional; II - repelir invasão estrangeira ou de uma
unidade da Federação em outra; III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública; IV
- garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação; V reorganizar as finanças da unidade da Federação que: a) suspender o pagamento da dívida
fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior; b) deixar de entregar
aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos
em lei; VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial; VII - assegurar a
observância dos seguintes princípios constitucionais: a) forma republicana, sistema
representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d)
prestação de contas da administração pública, direta e indireta. e) aplicação do mínimo exigido
da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na
manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde. (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000). Art. 35. O Estado não intervirá em seus
Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando: I deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a dívida fundada;
II - não forem prestadas contas devidas, na forma da lei; III - não tiver sido aplicado o mínimo
exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e
serviços públicos de saúde;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000). IV - o
Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios
indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão
judicial. Art. 36. A decretação da intervenção dependerá: I - no caso do art. 34, IV, de
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22
Neste sentido, parece relevante examinar as decisões do Supremo
Tribunal Federal quando estão envolvidas as relações de poder entre os entes
constitucionalmente constituídos e o cidadão. A questão não é saber se algo é
verdadeiro, mas, sim, saber por que esse algo se tornou verdadeiro21.
1.2. A jurisprudência como objeto de interesse investigativo
O que significa uma decisão de um juiz? No meio jurídico, as decisões
judiciais não têm sido contempladas com expressivo interesse investigativo. No
meio acadêmico, pouca é a literatura produzida, marcando-se alguns esforços
no sentido de construir ferramentas de investigação que nos ajudem a melhor
compreender e explicar o processo de tomada de decisões e a própria decisão
do juiz em si, enquanto objeto de reflexão22.
No campo profissional, associado aos operadores do direito, as
decisões, em geral, são manejadas apenas como “argumento de autoridade”,23
solicitação do Poder Legislativo ou do Poder Executivo coacto ou impedido, ou de requisição
do Supremo Tribunal Federal, se a coação for exercida contra o Poder Judiciário; II - no caso
de desobediência a ordem ou decisão judiciária, de requisição do Supremo Tribunal Federal,
do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral; III de provimento, pelo
Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador-Geral da República, na hipótese
do art. 34, VII, e no caso de recusa à execução de lei federal. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004). § 1º - O decreto de intervenção, que especificará a amplitude, o
prazo e as condições de execução e que, se couber, nomeará o interventor, será submetido à
apreciação do Congresso Nacional ou da Assembléia Legislativa do Estado, no prazo de vinte
e quatro horas. § 2º - Se não estiver funcionando o Congresso Nacional ou a Assembléia
Legislativa, far-se-á convocação extraordinária, no mesmo prazo de vinte e quatro horas. § 3º Nos casos do art. 34, VI e VII, ou do art. 35, IV, dispensada a apreciação pelo Congresso
Nacional ou pela Assembléia Legislativa, o decreto limitar-se-á a suspender a execução do ato
impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade. § 4º - Cessados os
motivos da intervenção, as autoridades afastadas de seus cargos a estes voltarão, salvo
impedimento legal.”
21
Esta concepção se inspira nas teorias de Pierre BOURDIEU (1989, 1992, 2004), em sua
análise sobre o Poder Simbólico e nas categorias associadas a compreensão desse poder,
como ‘campo’, ‘capital’, ‘habitus’, ‘violência simbólica’ e ‘violência física’.
22
Como esforço de ruptura com essa indiferença, Fernanda DUARTE (2006); Oscar Vilhena
VIEIRA (2002 e 2006); Andrei KROENER, (2006) e Marcus Faro de CASTRO e Rochelle
Pastana RIBEIRO (2006).
23
A doutrina jurídica denomina tal uso das decisões dos tribunais como “eficácia persuasiva”
da jurisprudência. Como nos diz Leonardo GRECO (2003:3): “A jurisprudência não é
cristalizada em um postulado abstrato, mas em um acórdão inteiro, com todas as suas
particularidades, tal como o exigia o Supremo Tribunal Federal para a caracterização do
dissídio jurisprudencial no antigo recurso extraordinário (Súmula 291), consoante a regra de
comparação hoje inscrita no parágrafo único do artigo 541 do Código de Processo Civil. Nessa
comparação, restringe-se a eficácia vinculante às chamadas rationes decidendi, como critérios
jurídicos que identificam os fatos relevantes da controvérsia e os fundamentos centrais da
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23
que se prestam a reforçar as teses sustentadas pelas partes em juízo ou
mesmo a própria decisão tomada pelo juiz. Tal constatação, de todo não nos
surpreende, vez que nosso sistema jurídico alinha-se ao modelo romanogermânico24, onde classicamente se relega a uma posição de menor relevância
o papel da jurisprudência no sistema de fontes do direito, reduzindo-se o juiz a
figura de um simples “aplicador” da lei.
Neste sentido, as decisões proferidas pelas cortes materializam, no
campo jurídico, as representações25 de seus juízes sobre a problemática
abordada, cristalizando e formalizando uma relação no campo jurídico, que se
traduz na chamada prestação jurisdicional.
Do magistrado, contudo, não se pode exigir neutralidade ideológica26,
traduzida em total abstenção de seus sentimentos, convicções pessoais e
decisão e desprezam-se os denominados obiter dicta, argumentos ou circunstâncias
secundários ou acessórios, ou se lhes confere simples eficácia persuasiva.” (grifos nossos).
24
O sistema romano-germânico, também denominado Civil Law, predominantemente adotado
na Europa continental, corresponde a um longo processo histórico que remete ao direito
romano, cuja compilação e codificação originaram uma ordem racional de conceitos. O direito
brasileiro insere-se no sistema romano-germânico por possuir como característica principal a
positivação de regras jurídicas gerais e abstratas em corpos legislativos escritos, como os
códigos de direito material e de processo.
25
Segundo Serge MOSCOVICI (1981:181) a definição de representação social é “a set of
concepts, statements and explanations originating in daily life in the course of interindividual
communications.”
26
Sobre esta questão, interessante a passagem de Guilherme Calmon Nogueira da GAMA
(2008:4-5): O Direito é um fenômeno social, cultural e histórico, sendo influenciado, como tanto,
pelos valores e aspirações vigentes em um determinado momento espaço-temporal e pela
experiência de vida daquele que o aplica. Nem sempre, contudo, foi assim. A perspectiva
clássica, marcada pelo positivismo e almejando “cientificar” o Direito sob uma pseudoneutralidade ideológica, buscou dele afastar sua realidade humana, transformando-o numa
exterioridade observável. Para o positivismo, o Direito, como as demais ciências, deveria se
fundar em juízos de fato, os quais visam a demonstrar a realidade, e não em juízos de valor, os
quais representam uma tomada de posição diante da realidade. Houve clara cisão do discurso
jurídico, com a compartimentação do conhecimento do Direito, dividido em duas partes
estanques, à luz do positivismo: a) a parte ideológica, responsável pela “ciência das normas”; e
b) a parte axiológica, com atribuição no campo dos valores subjacentes e aqueles baseados
pela ordem jurídica. Os dois conceitos a serem enfatizados, dessa maneira, eram a
neutralidade e a objetividade. A neutralidade dizia respeito a um afastamento completo entre o
operador e seu objeto, de modo a que aquele não fosse influenciado por sua subjetividade, por
sua história de vida, por sua vivência social. A objetividade dizia respeito à suposição da
existência de regras de validade geral, independentemente do observador, as quais, uma vez
descobertas, permitiriam a previsão racional do funcionamento do objeto. Do positivismo
jurídico resultou a atitude descompromissada do jurista quanto ao objeto e limites de seu
trabalho, já que o Direito era considerado uma ciência neutra e objetiva. O resultado dessa
visão foi o dogma da completude da lei, com a redução do processo de solução de conflitos a
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24
biografia, porque toda decisão é baseada em uma das interpretações
possíveis, em uma escolha, consistindo na expressão de uma vontade, através
da adaptação do texto normativo aos fatos e ocorrências singulares da vida
efetivadas por um ser humano, que é o juiz.
Assim, toda decisão possui certa carga ideológica e todo magistrado
possui uma maneira própria de dizer o direito, expressando-o em um estilo
escrito, dentro das possibilidades próprias da técnica de decisão, que a
dogmática processual impõe. Sua decisão, que antes era ato de linguagem
subjetivo da autoridade, ao ser publicada no Diário Oficial da Justiça, passa
para a esfera pública, daí advindo sua existência jurídica. E tratando-se de um
ato de vontade de um Estado que se pretende democrático, por determinação
da própria Constituição de 1988 em seu art. 1º, deveria direcionar-se para a
legitimação da intervenção judicial. (Fernanda DUARTE e Rafael IORIO: 2007a
e 2008).
Finalmente, uma última constatação que podemos relacionar a
jurisprudência como objeto de investigação, baseia-se no fato de a
jurisprudência retratar, na concretização do discurso pelos juízes, a
problemática, da legitimação na “solução”/administração dos conflitos, entre o
tribunal e a sociedade; uma vez que é uma prática da imposição da autoridade
estatal sobre os conflitos sociais na busca pelo “credo jurídico” de se solucionar
as controvérsias. Chamamos atenção aqui para o fato de que o habitus27 do
campo tem a crença de que o conflito social pode ser “solucionado” através de
um processo movido pelas partes em desacordo que provocam o Estado-juiz detentor, por força de lei, do uso legítimo da -, para resolver este conflito e,
desta forma, restaurar ou restabelecer a paz social fraturada.
Na compreensão do campo jurídico, o conflito social é reduzido a uma
categoria técnico-processual abstrata, chamada lide, distanciando-se assim,
dos fatores reais do conflito. A lide28 é categoria que se ajusta qualquer tipo de
um procedimento silogístico de subsunção do fato à norma, sendo o juiz apenas a “boca da
lei”.
27
Quanto a esta categoria própria do pensamento de Pierre BOURDIEU, veja o item 1.4 do
presente trabalho.
28
Quanto a uma reflexão aprofundada acerca do papel da jurisprudência e de sua relação com
a categoria ‘lide’, importante conferir Fernanda DUARTE (2007). Ou, como podemos
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25
conflito social. É compreendida como um conceito de conflito que deve ser
solucionado ou resolvido, mas não administrado. Assim, o conflito, para
ingressar no sistema judicial, se transforma em lide. A lide, pelo processo, é
solucionada pelo juiz e o conflito é devolvido à sociedade. Portanto, a categoria
lide não permite a administração dos conflitos que permeiam a sociedade.
Aliás, esta crença do campo jurídico deriva de outra, que acredita ser possível
existir uma sociedade pacificada, isto é, sem conflitos. (Fernanda DUARTE e
Rafael IORIO: 2007a, 2008). O que causa maior estranheza é o fato do campo
jurídico brasileiro definir a função precípua da jurisdição ser a pacificação
social, sobretudo pela escolha do constituinte ter sido por um modelo
econômico de de economia de mercado, no qual o conflito é inerente a própria
sociedade.
Segundo Shelton DAVIS (1973:10), diferentemente das Ciências
Sociais, o direito brasileiro não considera o conflito como algo inerente e
indissociável as sociedades, pelo contrário, ele acredita ser possível extinguílo.
Trata-se, como nos diz Bárbara BAPTISTA (2008:48): “de uma
pretensão tal que faz com que os operadores deste campo se vejam como
missionários da pacificação dos conflitos sociais.”
1.3.
O discurso jurídico do Supremo Tribunal Federal como discurso
político
O termo discurso na perspectiva lingüística significa um encadeamento
de palavras, ou uma seqüência de frases que seguem determinadas regras e
ordens gramaticais no intuito de indicar a outro - quem se fala ou escreve - que
lhe pretendemos comunicar/significar alguma coisa. Este conceito pode ser
compreendido também do ponto de vista da lógica, como a articulação de
depreender de BAPTISTA (2008:33): “O mundo jurídico é estabelecido como uma esfera à
parte das relações sociais, onde só penetram aqueles fatos que, de acordo com critérios
formulados internamente, são considerados como relevantes para o Direito. Ocorre que, em
realidade, o Direito não pode ser estudado de forma dissociada do seu campo social de
atuação porque ele é parte do controle social. Em sendo assim, o Direito não pode ser visto
como um saber ‘monolítico’.”
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26
estruturas gramaticais com a finalidade de informar conteúdos coerentes à
organização do pensamento.
Mas o que é o discurso político? Poderíamos afirmar que o discurso do
Supremo Tribunal Federal é um discurso político? Qualquer enunciado ou falar
pode ter um significado político29 a partir do momento em que a situação
autorizar. Em outras palavras, é a situação de comunicação que torna o
discurso político, é a situação que o politiza.
Há, pois, diferentes lugares onde se fabrica o pensamento político, que
não está reservado apenas aos responsáveis pela governança nem aos
solitários pensadores da coisa política. A produção do sentido é, uma vez
mais, uma questão de interação e é, portanto, segundo os modos de interação
e a identidade dos participantes implicados que se elabora o pensamento
político. Assim, podemos distinguir três lugares de fabricação desse
pensamento, que correspondem cada qual a um desafio de troca linguajeira
particular: em primeiro, um lugar de elaboração dos sistemas de pensamento,
além dele, um lugar cujo sentido está relacionado ao próprio ato de
comunicação, e por último, um lugar onde é produzido o comentário
(CHARAUDEAU, 2006).
Como nos ensina Patrick CHARAUDEAU (2006:17):
O discurso político como sistema de pensamento é o resultado
de uma atividade discursiva que procura fundar um ideal
político em função de certos princípios que devem servir de
referência para a construção das opiniões e dos
posicionamentos. É em nome dos sistemas de pensamento
que se determinam as filiações ideológicas e uma análise do
discurso deve se dedicar a descrevê-los a partir de textos
diversos. O discurso político como ato de comunicação
concerne mais diretamente aos atores que participam da cena
de comunicação política, cujo desafio consiste em influenciar
as opiniões a fim de obter adesões, rejeições ou consensos.
Ele resulta de aglomerações que estruturam parcialmente a
ação política e constrói imaginários de filiação comunitária,
mas dessa vez, mais em nome de um comportamento comum,
mais ou menos ritualizado do que um sistema de pensamento,
mesmo que este perpasse aquele. Aqui o discurso político
29
Para os fins deste trabalho o termo política está empregado no sentido de disputas pelo
poder ou que envolvem escolhas de soberania do Estado. Neste sentido ver WEBER
(2002:55).
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27
dedica-se a construir imagens de atores e a usar estratégias
de persuasão e sedução empregando diversos procedimentos
retóricos. O discurso político como comentário não está
necessariamente voltado para um fim político. O propósito é o
conceito político, mas o discurso inscreve-se em uma situação
cuja finalidade está fora do campo da ação política: é um
discurso a respeito do político, sem risco político. Pela mesma
razão, a atitude de comentar não engendra uma comunidade
específica, a não ser ajustamentos circunstanciais de
indivíduos por ocasião de trocas convencionais não voltadas
exclusivamente a política. Um discurso de comentário tem por
particularidade não engajar o sujeito que o sustenta em uma
ação.
Sob esta inspiração de como se opera o discurso político, a tese
trabalha as relações entre poder e direito no Brasil, tomando como objeto de
investigação as decisões do Supremo Tribunal Federal nos momentos em que
é chamado a intervir e aplicar suas decisões. Em outras palavras, em um
primeiro plano de compreensão, as decisões do Supremo Tribunal Federal são
políticas por sempre envolverem processos de escolha de posicionamentos
quanto a limitação ou atuação de poder do Estado.
Sendo assim, sem descurar do caráter essencialmente jurídico da
jurisdição constitucional, muito sustentada por autores como SÁNCHES (1998)
e KELSEN (2003), como nossa temática está ligada a limitação de poder, a
pesquisa ora desenvolvida distingue com apreço seus aspectos políticos.
Finalmente, após esta digressão do que é o fenômeno político,
podemos dizer, em um segundo plano de compreensão, com base nas
categorias que identificamos em nossos dados, após nossa análise discursiva,
que o discurso do Supremo Tribunal Federal também é político, pois ele se
articula para despolitizar o conflito federativo, ao optar sempre pelo Estado em
detrimento da sociedade/cidadão que o acessa.30
1.4.
30
Algumas reflexões teóricas
Importante, entretanto, informar que vamos desenvolver melhor esta idéia no item 3.2 de
nossa tese.
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28
Importante dizer, desde logo que, todos os referenciais teóricos usados
nesta tese não foram desenvolvidos por seus autores para o campo de nossa
pesquisa e suas especificidades, mas as suas categorias teóricas nos servem
para que possamos pensar e problematizar o nosso objeto, que possui um
desenho essencialmente político.31
1.4.1.
As categorias teóricas de Pierre Bourdieu
O quadro teórico da presente ajusta-se ao debate das relações entre o
direito e o poder fixando o âmbito das estratégias de poder em uma matriz de
violência física, em que há uma imposição explícita de força pela autoridade,
Supremo Tribunal Federal, que ocupa o topo da hierarquia do campo jurídico
brasileiro, ou simbólica – legítima. Para tanto, articular-se-ão as seguintes
noções: “sistema simbólico”, “violência simbólica”, “habitus”, “campo de lutas
jurídicas” e “estratégia de poder”32.
Os sistemas simbólicos e as suas relações ideológicas designam a
característica própria das sociedades humanas em que os agentes sociais 33
criam estruturas de comportamento e pensamento de dominação, denominado
por BOURDIEU (1989) de poder simbólico. Tais estruturas podem ser tomadas
como arcabouço legítimo, na luta frente a outros agentes na manutenção e
distinção de seu campo social.
31
Interessante observar, entretanto, que esta aproximação entre teorias de Ciências Sociais e
reflexões acerca do direito e do campo jurídico brasileiro já foram realizadas por autores como
ROCHA (2003), KANT DE LIMA (1983) e TEIXEIRA MENDES (2008). Do ponto de vista
metodológico que emprega métodos usados pelas Ciências Sociais para estudar o campo
jurídico ver a introdução de AMORIM, KANT DE LIMA e TEIXEIRA MENDES (2005).
32
Essas categorias são tributadas aos franceses Michel FOUCAULT e Pierre BOURDIEU, e
foram usadas como inspiração para esta tese conforme bibliografia citada.
33
Entende-se como agentes sociais os atores sociais de funções próprias, em razão de suas
práticas, na autonomia do seu campo social.
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29
Já a violência simbólica é fruto da relação que se estabelece entre os
agentes internos de um campo e os externos34. Esta categoria, advinda da
violência física - imposição de vontade por força material - nada mais é do que
a articulação de um instrumental de dominação para convencer aos agentes
sociais, naturalizando os discursos pelo domínio da linguagem, de que
determinada realidade é verdadeira e legítima porque não arbitrária.
Ela dispensa a violência física por conseguir os mesmos efeitos de
maneira mais eficaz. A naturalização das crenças trabalhadas pelo domínio
através da linguagem impõe uma estrutura de pensamento específico (habitus),
que faz com que os dominados, diferentemente da arbitrariedade física, não
34
Para entender estas categorias importantes a leitura da seguinte trecho de BOURDIEU: “Se
bem que a estrutura do campo intelectual possa ser mais ou menos complexa e mais ou
menos diversificada, segundo as sociedades e as épocas, o peso funcional das diferentes
instâncias legítimas ou pretendendo à legitimidade cultural se ache modificado em cada caso,
não há dúvida de que certas relações sociais fundamentais se reencontram desde que exista
uma sociedade intelectual dotada de uma autonomia relativa diante dos poderes, político,
econômico e religioso: relações entre os criadores, contemporâneos ou de épocas diferentes,
igual ou desigualmente consagrados por públicos diferentes e por instâncias desigualmente
legitimadas ou legitimantes, relações entre os criadores e as diferentes instâncias de
legitimação legítimas ou pretendendo à legitimidade, academias, sociedades de sábios,
cenáculos, círculos ou grupelhos mais ou menos reconhecidos ou desprezados, instâncias de
simples transmissão como os jornalistas especializados, com todos os tipos mistos e as duplas
dependências possíveis. Conclui-se que as relações que cada intelectual pode manter com
cada um dos outros membros da sociedade intelectual ou com o público e, a fortiori, com toda
a realidade social exterior ao campo intelectual (como sua classe social de origem ou de fato,
ou poderes econômicos enquanto vendedores ou compradores) são mediatizadas pela
estrutura do campo intelectual ou, mais exatamente, por sua posição em relação às
autoridades propriamente culturais cujos poderes organizam o campo intelectual: os atos ou os
julgamentos culturais encerram sempre referência à ortodoxia. Porém, mais profundamente, no
interior do campo intelectual enquanto sistema estruturado, todos os indivíduos e todos os
grupos sociais que são específica e duradouramente destinados à manipulação dos bens de
cultura (para transpor uma fórmula weberiana) mantêm não somente relações de concorrência
mas também relações de complementaridade funcional, de sorte que cada um dos agentes ou
dos sistemas de agentes que fazem parte do campo intelectual deve uma parte maior ou
menor de suas características à posição por ele ocupada nesse sistema de posições e de
oposições.
Assim, encarregada de perpetuar e de transmitir um capital de significações consagradas, isto
é, a cultura que lhe foi legada pelos criadores intelectuais do passado, e de submeter a uma
prática formada segundo os modelos dessa cultura um público solicitado por mensagens
concorrentes, cismáticas ou heréticas – por exemplo, os meios de comunicação modernos em
nossas sociedades -, obrigada a fundar e delimitar, de maneira sistemática, a esfera da cultura
ortodoxa e a esfera da cultura herética, ao mesmo tempo defender a cultura consagrada contra
os desafios incessantes que lhe lançam, só por sua existência ou por suas agressões diretas,
os novos criadores capazes de suscitar no público (e sobretudo nas camadas intelectuais)
novas exigência e inquietações contestadoras, a Escola se acha investida de uma função
perfeitamente análoga à da Igreja que, segundo Max Weber, deve ‘fundar e delimitar
sistematicamente a nova doutrina vitoriosa ou defender a antiga contra ataques proféticos,
estabelecer o que tem e o que não tem valor sagrado e fazê-lo penetrar na fé dos leigos’.”
(BOURDIEU,1968:132 e 133).
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30
percebam as imposições que lhes estão sendo colocadas, criando desta forma,
uma estabilidade maior na manutenção do poder do campo.
Habitus é uma categoria criada por Pierre BOURDIEU para definir a
estruturação de um raciocínio próprio, e de uma cultura em ação. Define, as
relações e as práticas dos agentes sociais e seus campos, de forma a legitimar
e criar o campo sobre o qual agem. Segundo Bourdieu é um conhecimento
adquirido, uma cultura específica e também um haver, um capital de um sujeito
transcendental na tradição idealista. O habitus ou a hexis é uma habilidade
incorporada, quase postural de um agente em ação (Bourdieu, 1989:61).
Nas palavras do autor:
Habitus é um sistema de disposições duráveis e transponíveis
que, integrando todas as experiências passadas, funciona a
cada momento como uma matriz de percepções, de
apreciações e de ações – e torna possível a realização de
tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências
analógicas de esquemas. (BOURDIEU, 1983:65).
Esse modo de pensar específico dos agentes de um campo de poder é
historicamente construído, evoluindo em novas formas de adaptação e reforço
de suas convicções, sem, contudo serem atingidos seus princípios essenciais.
Ele procura ser maleável aos anseios dos agentes impedidos de adentrar ao
campo, a fim de que possam se manter as relações de poder como legítimas.
Interessante observar quanto ao habitus jurídico o que diz Álvaro da ROCHA
(2003:104-105):
Esta noção é de extrema utilidade para se compreender a
mecânica da resistência dos juristas, especialmente os
magistrados, às mudanças no campo, cuja existência e
manutenção a formação do seu ‘habitus’ induz, quer dizer, o
treinamento dos juristas, em especial os juízes, para sua ação
no campo jurídico deve fazê-los acreditar na possibilidade de
existência de um espaço social e mental onde se efetive a
imparcialidade, aonde não cheguem as pressões sociais
externas. O conjunto de disposições pessoais criadas já na
graduação em Direito, muitas vezes já preparada por uma
trajetória de vida ligada às carreiras jurídicas de familiares, e
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31
completada nos primeiros anos da carreira, leva os juristas a
desenvolver profundamente um ‘habitus’ judicial que envolve
toda uma visão do mundo através de categorias jurídicas,
criando um universo autônomo fechado às pressões externas,
imunes a tais questionamentos que têm como ilegítimos, por
virem de fora do campo jurídico, originando-se nos interesses e
lógicas próprios aos demais campos.
Outra noção importante, por complementar a de habitus, é a de campo
de poder. Campo é um espaço social de relações de forças, traduzidas na
disputa de poder entre os agentes sociais, sendo dotado de regras e
conhecimentos específicos (habitus) para a estruturação das relações de
poder. Nas palavras de Pierre BOURDIEU:
Um campo, e também o campo científico, se define entre
outras coisas através da definição dos objetos de disputas e
dos interesses específicos, que são irredutíveis aos objetos de
disputas e dos interesses próprios de outros campos (não se
poderia motivar um filósofo com as questões próprias dos
geógrafos) e que não são percebidos por quem não foi formado
para entrar nesse campo (cada categoria de interesses, a
outros investimentos, destinados assim a serem percebidos
como absurdos, insensatos, nobres e desinteressantes). Para
que um campo funcione, é preciso que haja objetos de
disputas, e pessoas prontas para disputar o jogo, dotadas de
‘habitus’ que impliquem no conhecimento e no reconhecimento
das leis imanentes do jogo, dos objetos de disputas, etc.
(BOURDIEU, 2004:89)
Um campo35 em sua estruturação interna estabelece valores e
objetivos próprios, sendo reconhecidos como metas a serem alcançadas na
disputa entre os agentes sociais. Sua organização dá-se por padrões de
35
Pelas palavras de BOURDIEU: “O campo de poder (de preferência a classe dominante,
conceito realista que designa uma população verdadeiramente real de detentores dessa
realidade tangível que se chama poder), entendendo por tal as relações de forças entre as
posições sociais que garantem aos seus ocupantes um quantum suficiente de força social – ou
de capital – de modo a que estes tenham a possibilidade de entrar nas lutas pelo monopólio do
poder, entre as quais possuem uma dimensão capital as que têm por finalidade a definição de
forma legítima do poder (penso, por exemplo, nos confrontos entre ‘artistas’ e ‘burgueses’ no
século XIX)”. (BOURDIEU, 1989:28 e 29).
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32
pensamento e matrizes de educação recebidos por investimentos possíveis de
situar os agentes dentro do campo munidos do reconhecimento de sua
hierarquização e lógica de mobilidade interna. Tais investimentos ou capitais
para a inserção nos campos são de três ordens: econômica, cultural e social.
A primeira ordem caracteriza-se como a fonte econômica que detém
um agente ou classe econômica situada.
A segunda representa as formas de conhecimento e educação (muitas
vezes providas desde crianças pelas famílias), que estrategicamente preparam
as mentes nas lógicas específicas de cada campo.
Finalmente, o capital social, suportado pelos anteriores capitais, está
nos recursos aplicados ao reconhecimento como membro do grupo, obtendo
acesso às oportunidades, aos eventos e a uma rede de relações
institucionalizadas interativas.
Da soma desses capitais chega-se ao habitus, cujo sistema significa a
estrutura interna do campo, que garante aos agentes auferir lucro com o
retorno dos investimentos aplicados, traduzindo a razoável possibilidade de
avaliação das forças envolvidas no campo para se obter vitórias nas disputas.
Finalmente quanto à definição de estratégias, leia-se a definição de
Michel FOULCAULT:
A palavra estratégia é corretamente empregada em três
sentidos. Primeiramente, para designar a escolha dos meios
empregados para se chegar a um fim; trata-se da racionalidade
empregada para atingirmos um objetivo. Para designar a
maneira pela qual um parceiro, num jogo dado, age em função
daquilo que ele pensa dever ser ação dos outros, e daquilo que
ele acredita que os outros pensarão ser dele; em suma, a
maneira pela qual tentamos ter uma vantagem sobre o outro.
Enfim, para designar o conjunto dos procedimentos utilizados
num confronto para privar o adversário dos seus meios de
combate e reduzi-lo a renunciar à luta; trata-se, então, dos
meios destinados a obter a vitória. Estas três significações se
reúnem nas situações de confronto- guerra ou jogo- onde o
objetivo é agir sobre um adversário de tal modo que a luta lhe
seja impossível. A estratégia se define então pela escolha das
soluções ‘vencedoras’. (RABINOW,1995:247)
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33
Há uma relação de lutas e jogos de apropriação, reprodução e
negação dos discursos e práticas de dominação (poder) pelos agentes sociais
em cada campo, tanto em seu aspecto interno quanto externo. O exercício do
livre arbítrio permitido por esse habitus na dinâmica social dos embates
escolhe a melhor estratégia de poder, que visa a manter ou a alcançar a
legitimidade do monopólio de produção ideológica (dominar), outros agentes e
campos. Daí a importância deste conceito para análise contextual do discurso
do Supremo Tribunal Federal.
O político integra o mundo jurídico e o significado das normas jurídicas
só é compreendido “quando as integramos no conjunto de complexos
normativos que organizam a vida social” (HESPANHA, 2000:16). O espaço do
enraizamento do direito36 não é arbitrário com um único centro definidor de
sentido, ao contrário, para Michel Foucault, ele resulta do enfrentamento das
questões de poder.
Partindo desses pressupostos, o termo poder (BORDIEU, 1989) é
indissociável do fenômeno político e jurídico, e elege uma classificação
relacional37 ou pluralista38.
Existem concepções diferentes de poder, dentre as quais destacamos
duas: para Max Weber o poder39 revela-se como uma capacidade de
imposição, física e simbólica, da vontade de um indivíduo.
36
HESPANHA, (2000:16): "(...) realçar o enraizamento social do direito é a de mostrar que o
complexo social do direito não é arbitrário, antes sendo explicável pelas condições sociais da
sua produção. Sublinhamos da sua, para significar, por um lado a recusa de modelos
explicativos muito globais, que ligavam a explicação de todos os fenômenos sociais a um
‘centro’ único produtor de sentido (fosse ele a infra-estrutura econômica da sociedade ou o
subconsciente individual). E, por outro lado, para apontar para modelos de explicação
sociológica que relacionam os efeitos sociais com a particular estrutura do espaço social
específico em que eles são produzidos. Neste caso, com os espaços sociais (‘campos’, na
terminologia de Pierre Bourdieu, ‘práticos discursos’ ou ‘dispositivos’, na terminologia de M.
Foucault) do direito.”
37
Noberto BOBBIO apresenta uma classificação das teses sobre poder em três vertentes:
substancialista, subjetivista e relacional. Esta encerra o poder em uma relação entre indivíduos.
BOBBIO, (1985:77-78).
38
39
As estruturas de poder não são centralizadas. Vide BACHRACH, (1979:43-52).
O que não significa dizer, que se ignoram os diversos conceitos de poder apresentados
pelas várias concepções sociológicas. A título ilustrativo há três concepções conforme
LEBRUN, (2004:10-24). A primeira, de inspiração weberiana, concebe o poder como uma
potência ou capacidade própria de alguém de influir ou impor sua vontade a outrem no interior
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34
Por outro lado, o pensamento de Pierre BOURDIEU e de Michel
FOUCAULT, concebe o poder como um campo de representação da prática
discursiva de estratégias de forças, para outrem ou outros campos dispersos
no tecido social, circundando a sanção e o símbolo40, reconhecidos como
arbitrário ou legítimo.
Tomando como parâmetro tais categorias teóricas para refletir
sobre a jurisdição constitucional, e como tal, sobre os discursos do Supremo
Tribunal Federal, visto que este no campo jurídico41 brasileiro ocupa a posição
mais alta da hierarquia, essas estratégias se traduzem em teses de legitimação
da própria jurisdição constitucional e de agentes – que disputam entre si
primazia. Deste ponto de vista, o jogo político é percebido em uma dupla
perspectiva: a primeira se refere às disputas entre seus agentes sociais e a
afirmação de legitimidade aos profanos; a segunda, manifesta-se no embate
entre o campo jurídico e os demais campos/sub-campos do Estado42.
de uma relação social. A segunda, com base em Parsons, define o poder como a “aplicação de
uma capacidade generalizada, que consiste em obter que os membros da coletividade
cumpram obrigações legitimadas em nome de fins coletivos, e que, eventualmente, permite
forçar o recalcitrante através de sanções negativas”. Finalmente para o terceiro conceito, de
fundamentos foucaultianos, o poder não seria uma propriedade, uma oposição binária de
dominantes e dominados, e sim algo fragmentado na vida social que se adquire, divide, deixase escapar. Ele “é o nome atribuído a um conjunto de relações que formigam por toda a parte
na espessura do corpo social (poder pedagógico, pátrio poder, poder do policial, poder do
contra-mestre, poder do psicanalista, poder do padre, etc., etc.).”
40
“É necessário saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos, onde ele é mais
completamente ignorado, portanto, reconhecido: o poder simbólico é, com efeito, esse poder
invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que
lhe estão sujeitos ou mesmo o exercem”. BOURDIEU, (1989:7-8).
41
Tomamos como referencial teórico a categoria pensada por Pierre BOURDIEU. Campo é um
espaço social de relações de força, traduzidas na disputa de poder entre os agentes sociais,
dotado de regras e conhecimentos específicos (habitus) para a estruturação das relações de
poder. Nas palavras de Pierre BOURDIEU: “O campo jurídico é o lugar de concorrência pelo
monopólio de dizer o direito, quer dizer, a boa distribuição (nomos) ou a boa ordem, no qual se
defrontam agentes investidos de competência ao mesmo tempo social e técnica que consiste
essencialmente na capacidade reconhecida de interpretar (de maneira mais ou menos livre ou
autorizada) um corpus de textos que consagram a visão legítima, justa, do mundo social. É
com esta condição que se pode dar as razões quer da autonomia relativa do direito, quer do
efeito propriamente simbólico de desconhecimento, que resulta da ilusão da sua autonomia
absoluta em relação às pressões externas.” BOURDIEU, (1992:89).
42
Essa disputa entre os sub-campos do Estado, no plano constitucional se traduz no princípio
da separação de poderes. Como exemplo dessa disputa, interessante é a obra de Carlos
Augusto Silva que levanta a hipótese de que o Executivo brasileiro estaria “vencendo” o
Judiciário, através da edição de diversas Medidas Provisórias, com conteúdo processual e que
viabilizam a imposição de sua vontade.
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35
1.4.2. Algumas reflexões acerca do fenômeno político em Max Weber
Passaremos, neste momento do trabalho, a apresentar as categorias
teóricas de Max Weber, que apesar de não terem sido pensadas, assim, como
as de Pierre Bourdieu, para o objeto de nosso trabalho, nos são pertinentes, e
se associam, pois discutem o âmbito de atuação do poder judiciário às
questões políticas de atuação do Estado.
WEBER (2002:55) em seu clássico texto “A Política como Vocação” de
seus ensaios de sociologia, pergunta para logo em seguida responder:
O que entendemos por política? O conceito é extremamente
amplo e compreende qualquer tipo de liderança independente
em ação. Fala-se da política financeira dos bancos, da política
de descontos do Reichsbank, da política grevista de um
sindicato; pode-se falar da política educacional de uma
municipalidade, da política do presidente de uma associação
voluntária e, finalmente, até mesmo da política de uma esposa
prudente que busca orientar o marido. Hoje, nossas reflexões
não se baseiam de certo num conceito tão amplo. Queremos
compreender como política apenas a liderança, ou a influência
sobre a liderança, de uma associação política, e, daí hoje, de
um Estado.
Passemos a examinar uma concepção weberiana de poder:
O poder condicionado economicamente não é, de certo,
idêntico ao poder como tal. Pelo contrário, o aparecimento do
poder econômico pode ser a conseqüência do poder existente
por outros motivos. O homem não luta pelo poder apenas para
enriquecer economicamente. O poder, inclusive o poder
econômico, pode ser desejado por si mesmo. Muito
freqüentemente, a luta pelo poder também é condicionada
pelas honras sociais que lhe acarreta. Nem todo poder, porém,
traz honras sociais: o chefe político americano típico, bem
como
o
grande
especulador
típico,
abrem
mão
deliberadamente dessa honraria. Geralmente, o poder
meramente econômico, em especial o poder financeiro puro e
simples, não é de forma alguma reconhecido como base de
honras sociais. Nem é o poder a única base de tal honra. Na
verdade, ela, ou o prestígio, podem ser mesmo a base do
poder político ou econômico, e isso ocorreu muito
freqüentemente. O poder, bem como as honras, podem ser
assegurados pela honra jurídica, mas, pelo menos
normalmente, não é sua fonte primordial. A ordem jurídica
constitui antes um fator adicional que aumenta a possibilidade
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36
de poder ou honras; mas nem sempre podem assegurá-los.
(WEBER, 1982: 126).
A proposição de uma categoria poder político, que se distingue do
poder econômico e envolve questões de prestígio, articulada à distinção entre a
legalidade e legitimidade apresentada por WEBER43 (1964, 2202, 2991 e 1977)
e BOURDIEU (1989, 1992, 2004 e 1968) despertou-nos a perplexidade de
conhecer em que bases de relações de dominação entre o Estado e a
sociedade foram e são construídos os modelos de jurisdição do Supremo
Tribunal Federal, no Brasil.
A idéia de legitimidade44 que se trabalha nesta tese articula o conjunto
de procedimentos simbolicamente combinados pelos detentores da dominação
jurídica45 em fazer crer aos dominados que sua imposição não é arbitrária.
43
“A vasta, eclética e vigorosa obra de Max Weber (1864/1920) foi responsável por
contribuição fundamental para a estruturação das ciências sociais no século XIX em novo
patamar. Suas abordagens, seus métodos, suas teorias e suas análises nos permitiram
avançar significativamente em um momento em que a divisão do trabalho acadêmico ainda não
havia separado de maneira tão nítida a sociologia da ciência política e da antropologia cultural.
Trabalhando interdisciplinarmente, com essas outras disciplinas, Weber nos legou um
importante acervo de conhecimentos que nos possibilitou melhor conhecer as civilizações do
mundo moderno, o significado social de suas crenças religiosas, a racionalidade de suas
práticas econômicas, suas organizações sociais e suas formas de dominação política. Hoje em
dia, com o acelerado processo de globalização, as ciências sociais, em um movimento
paradoxal, se especializam ao mesmo tempo que quebram suas rígidas fronteiras. Tal
movimento talvez nos permita, de novo, contar com uma interdisciplinaridade mais compatível
com o mundo atual, mais interdependente e mais desconhecido. Weber foi pensador que mais
nos deixou uma reflexão sistemática e específica sobre o exercício do poder. Neste campo
situam-se seus trabalhos sobre Estado, autoridade, dominação política, legitimidade e
organização, que se tornaram referências indispensáveis para a compreensão das instituições
políticas das sociedades modernas.” (RAPOSO, 2009:353).
44
“A legitimidade, em sua essência, pode ser definida como um atributo do Estado,
consubstanciado na presença de uma parcela significativa da população, com um grau de
consenso que assegure a obediência sem o uso necessário da força. Por esse motivo, todo
poder busca o consenso, para ser reconhecido como legítimo. O poder transforma a
obediência em adesão, pelo processo de legitimação, que, desencadeado pelo comportamento
dos indivíduos e grupos, se forma e se desenvolve quando é percebida a compatibilidade entre
os fundamentos e os fins do poder, em conformidade com o sistema de crenças e orientado
para a manutenção dos aspectos básicos da vida política”. (MADEU e MACIEL, 2009:141-142).
45
Quanto a esta questão interessante a seguinte passagem de BOURDIEU: “Cada intelectual
empenha em suas relações com os outros uma pretensão à consagração cultural (ou à
legitimidade) que depende, na sua forma, e nos títulos que invoca, da posição que ele ocupa
no campo intelectual e em particular em relação à Universidade, detentora, em última instância,
dos sinais infalíveis da consagração: enquanto que a Academia, que tem pretensões ao
monopólio da consagração dos criadores contemporâneos, contribui para organizar o campo
intelectual numa relação com a ortodoxia por uma jurisprudência que combina a tradição e a
inovação, a Universidade tem pretensões ao monopólio da transmissão das obras consagradas
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37
Adequa-se, assim, ao atendimento de um ideal da coletividade de que aqueles
que estão ordenando podem efetivamente fazê-lo.
Já a legalidade46 representa o poder de facto por estar vinculada aos
critérios normativos impostos, independente de sua associação com a
legitimidade, sendo efetivo e até em certos casos ilegítimo.
A compreensão das formas de dominação legítimas deriva da
sociologia weberiana, que as aponta para três tipos específicos: o domínio
legal, que é de caráter racional e fundamenta-se na crença da lei47; o domínio
tradicional, que se baseia na crença da tradição e costumes; e o domínio
carismático, que está no bojo de um movimento messiânico. (WEBER,
1964:170-246).
A dominação carismática ocorre quando há o reconhecimento e
confiança, por parte dos súditos, na liderança e nas qualidades sobrenaturais e
do passado que ela consagra como ‘clássicas’ e ao monopólio da legitimação e da
consagração (entre outras coisas pelo diploma) dos consumidores culturais os mais
conformados. Compreende-se com isso a agressividade ambivalente dos criadores que,
atentos aos sinais de sua consagração universitária, não podem ignorar que a confirmação só
lhes pode ser dada, em última instância, por uma instituição cuja legitimidade é contestada por
toda atividade criadora, apesar de estar submetida a ela. Do mesmo modo, mais do que uma
agressão contra a ortodoxia universitária é o fato de haver intelectuais situados às margens do
sistema universitário e levados a contestar sua legitimidade, provando com isso que
reconhecem suficientemente seu veredicto para reprovar-lhe não tê-los reconhecido.”
(BOURDIEU, 1968:135).
46
MADEU e MACIEL (2009:141) apresentam didática definição do que vem a ser legalidade:
“A legalidade expressa basicamente o princípio dogmático da observância das leis, que impõe
à autoridade obrigação de agir de acordo com o direito estabelecido. Não se confunde a
legalidade com a legitimidade. Legitimidade, como veremos no próximo tópico, é a qualidade
legal do poder, com base no consenso obtido a partir de um procedimento jurídico instituído. A
legalidade está adstrita ao de ação, isto é, ao exercício do poder. Pode-se dizer que a
legitimidade importa uma decisão política no âmbito do consenso, obtido a partir de um
contexto comunicativo, em que interagem vários fatores, que influenciam a sua obtenção. Já a
legalidade é instituída a partir do poder legitimado e é conferida desde que o ato praticado
encontre justificativa no Ordenamento Jurídico. A ação para revestir-se de legalidade deve ser
perfeitamente adequada à Ordem Jurídica. A legalidade, portanto, assume singular importância
dogmática e se apresenta positivada na forma de principio constitucional, insculpido nos arts.
5º, inciso II, 37, caput, e 150, inciso I. Todos esses dispositivos impõem limitações ao poder: o
primeiro limita a imposição de obrigação positiva ou negativa ao cidadão, quando não
autorizada por lei; o segundo impõe a Administração Pública o dever de estrita obediência da
lei, isto é, a prática de qualquer ato vinculado implica perfeita adequação a um preceito legal; e
o terceiro submete o poder de exigir ou aumentar tributos à existência de lei. Portanto, a
legalidade e a legitimidade se complementam como elementos estruturais do Estado
Democrático de Direito: a primeira, responsável pela segurança e garantia da ordem da jurídica
e a segunda pelo consenso sobre o poder, obtida pela via procedimental institucionalizada por
normas jurídicas. O ideal é que se busque aliar a legalidade à legitimidade.”
47
Neste sentido ver DERRIDA (2007).
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38
excepcionais do senhor, que se prontifica a usá-las para cumprir uma missão
que revoluciona a ordem tradicional estabelecida.
A dominação tradicional está ligada à “autoridade do ontem eterno,
isto é, dos mores santificados pelo conhecimento inimaginavelmente antigo e
da orientação habitual para o conformismo. É o domínio exercido pelo patriarca
e pelo príncipe patrimonial de outrora.” (WEBER, 2002:56).
Finalmente, há o domínio em virtude da legalidade, em virtude da fé,
na validade do estatuto legal e da competência funcional, baseada em regras
racionalmente criadas. Nesse caso, espera-se obediência no cumprimento das
obrigações estatutárias. É o domínio exercido pelo moderno servidor do estado
e por todos os portadores do poder que, sob esse aspecto, a ele se
assemelham. (WEBER, 2002:56).
Existe dominação legal quando um sistema de regras, que é aplicado
judicial e administrativamente de acordo com princípios verificáveis, é válido
para todos os membros do grupo associado.
Para Max WEBER as funções de mando são essencialmente políticas
e baseadas na legitimidade. No Estado moderno o poder político fundamentase na legitimação legal relacionando ordenamentos jurídicos e definição do
governante. As bases de legitimidade, que pontuam efetivas ações
governamentais, servem de categorias para promover a concordância da
sociedade ao poder político instaurado, assim, por exemplo, os modelos
democráticos baseiam-se na legitimidade por sufrágio universal e do livre
consentimento da maioria.
A reflexão weberiana obrigatoriamente nos leva ao conceito de
Estado.
O que é um estado? Sociologicamente, o estado não pode ser
definido em termos de seus fins. Dificilmente haverá qualquer
tarefa que uma associação política não tenha tomado em suas
mãos, e não há tarefa que não se possa dizer que tenha sido
sempre, exclusivamente e peculiarmente, das associações
designadas como políticas. Hoje o estado, ou, historicamente,
as associações que foram predecessoras do estado moderno.
Em última análise, só podemos definir o estado moderno
sociologicamente em termos dos meios específicos peculiares
a ele, como peculiares a toda associação política, ou seja, o
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39
uso da força física. (...) o estado é uma comunidade humana
que pretende com êxito, o monopólio do uso legítimo da força
física dentro de um determinado território. (Weber, 2002:5556).
O Estado como detentor da soberania visa operar pelo monopólio do
poder coercitivo, dependendo sua legitimidade do reconhecimento coletivo.
Concretiza-se a partir do império da lei, onde as ações de governo estão
subordinadas a uma Lei Maior e Suprema, a Constituição.
Desta forma, ainda que o Supremo Tribunal Federal, não tenha um
caráter eminentemente político na estrutura do Estado brasileiro, porque seus
membros não são eleitos, ele é apartidário e o habitus do campo jurídico
brasileiro compreender que o papel do judiciário é julgar com imparcialidade, a
análise de nossos dados indica o sentido contrário.
A análise dos discursos dos ministros, quando diante de pedidos de
intervenção federal, caracterizados por serem circunstâncias de instabilidade
constitucional, possibilita-nos ver que as tomadas de decisões destes membros
do judiciário possuem uma preocupação eminentemente política, no sentido
weberiano do termo. É por esta razão que tomamos o pensamento weberiano
como um dos referenciais para as reflexões relativas aos dados colhidos nas
decisões do Supremo Tribunal Federal que tiveram como objeto a intervenção
federal.
1.4.3. A Análise Semiolingüística do Discurso Político de Patrick
Charaudeau
A metodologia proposta por Charaudeau situa-se na moldura da
chamada Teoria Semiolinguística48 do discurso político, pois se alinha a uma
tradição de estudo dos gêneros deliberativos e da persuasão codificados pela
48
A teoria semiolinguística a partir da visão de Patrick CHARAUDEAU (2001) incorpora, como
seus pressupostos de análise, tanto o âmbito social como a subjetividade dos participantes em
seu conceito de enunciação, numa abordagem psicossociocomunicativa. Ele define a
comunicação como uma relação contratual entre sujeitos, constituída e restringida por três
componentes: o comunicacional; o psicossocial; e o intencional.
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40
retórica aristotélica49. Parte-se de uma problemática da organização geral dos
discursos, fundamentando-se em um projeto de influência do EU sobre o TU
em uma situação dada (as situações dadas para o presente estudo seriam os
julgamentos do Supremo Tribunal Federal acerca da intervenção federal), e
para qual existe um contrato de comunicação implícito de interação social.
Contrato de comunicação no pensamento de Charaudeau é definido como um
conceito central. Diz o autor:
um conceito central, definindo-o como o conjunto das
condições nas quais se realiza qualquer ato de comunicação
(qualquer que seja a sua forma, oral ou escrita, monolocutiva
ou interlocutiva). È o que permite aos parceiros de uma troca
linguageira reconhecerem um ao outro com os traços
identitários que os definem como sujeitos desse ato
(identidade), reconhecerem o objetivo do ato que os
sobredetermina (finalidade), entenderem-se sobre o que
constitui o objeto temático da troca (propósito) e considerarem
a relevância das coerções materiais que determinam esse ato
(circunstâncias).
CHARAUDEAU
e
MAINGUENEAU
(2004:132).
A Análise do Discurso50 é uma disciplina nova que nasce da
convergência das correntes lingüísticas e os estudos sobre a retórica grecoromana. A definição de Análise do Discurso chama as noções da Lingüística
textual na qual os elementos da frase podem ser relacionados a múltiplos
sensos lingüísticos, extralingüísticos e sociais, possibilitando-nos vislumbrar
49
Coube a Aristóteles sistematizar esse estudo, redefinindo o papel persuasivo da retórica na
distinção e escolha dos meios adequados para persuadir. A retórica, tal qual a dialética, não
pertenceria a um gênero definido de objetos, porém seria tão universal quanto aquela. Essa
tekhné utilizaria três tipos de provas como meios para a persuasão: o ethos e o pathos,
componentes da afetividade, além do logos, o raciocínio, consistente da prova propriamente
dialética da retórica. Aristóteles separa, em suas análises dos diversos tipos de discurso, o
agente, a ação e o resultado da ação, descrevendo os gêneros do discurso em: 1-Deliberativoo orador tenta persuadir o ouvinte sobre uma coisa boa ou má para o futuro; 2- Judiciário- o
orador tenta persuadir o julgador sobre uma coisa justa ou injusta do passado e; 3- Epidíctico e
Vitupério- o orador tenta comover o ouvinte sobre uma coisa digna, bela ou infame sobre o
presente. Essa matriz do sistema retórico servirá como paradigma para o estudo posterior da
retórica e resistirá, sem grandes mudanças, até o século XIX.
50
As correntes que fazem parte da análise do discurso são: a etnografia da comunicação, a
escola francesa, o pragmatismo, a teoria da enunciação, a lingüística textual, a nova retórica, a
história das idéias de Foucault (CHARAUDEAU e MAINGUENEAU, 2004:43-46).
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41
quais seriam as intenções nos discursos, com os seus ditos e não ditos; e
como estes discursos são organizados sempre pelos três lugares formadores
de sentido: a doutrina, a retórica e os elementos de justificação ou de
legitimação.
O nosso texto adota como pressupostos teóricos aqueles da Escola
Francesa de Análise do Discurso e se propõe a estudar particularmente as
relações entre a força persuasiva das palavras e os seus usos na constituição
da legitimidade do discurso político (jurídico). Os pressupostos teóricos da
Escola Francesa de Análise do Discurso51 tratam “de pensar a relação entre o
ideológico e o lingüístico, evitando, ao mesmo tempo, reduzir o discurso à
análise da língua e dissolver o discurso no ideológico” (CHARAUDEAU e
MAINGUENEAU, 2004:202) através dos três lugares de produção dos
discursos, tais sejam: a doutrina, a retórica e os elementos de legitimação ou
justificação.
Considerando o enfoque da Escola Francesa a análise do Discurso
Político consiste no fato de que os discursos tornam-se possíveis tanto na
emergência de uma racionalidade política, quanto na regulação dos fatos
políticos/jurídicos.
Toda decisão pressupõe uma prática de linguagem, impondo-se
mencionar que o discurso decisório é polifônico, pois resulta do somatório das
vozes e discursos de diversos atores. Sendo assim, é possível dele se extrair
diversas cadeias de discursos.
Contemporaneamente, surge um novo discurso, pelo qual também se
apreende a faticidade dos conflitos sociais. Por isso, nos chama a atenção a
ideologia que permeia esse discurso, revelando-se na representação social que
51
Denomina-se ‘Escola Francesa’ aquela que permite designar a corrente da análise do
discurso dominante na França nos anos 60 e 70. Surgido na metade dos anos 60, esse
conjunto de pesquisas foi consagrado em 1969 com a publicação do número 13 da revista
Languages, intitulado ‘A Análise do discurso’ e com o livro Análise automática do discurso de
Pêcheux (1938-1983), autor mais representativo dessa corrente. Essa problemática não
permaneceu restrita ao quadro francês; ela emigrou para outros países, sobretudo para os
francófonos e para os de língua latina. O núcleo dessas pesquisas foi o estudo do discurso
político conduzido por lingüistas e historiadores com uma metodologia que associava a
lingüística estrutural a uma ‘teoria da ideologia’, simultaneamente inspirada na releitura da obra
de Marx pelo filósofo Althusser e na psicanálise de Lacan. (CHARAUDEAU e MAINGUENEAU,
2004:202).
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42
o magistrado faz das normas que deve aplicar e do conflito que lhe é
submetido.
Entre os diversos estudiosos do tema, Patrick Charaudeau é o que
melhor se adequa a explicitar a ideologia52 concretizada no discurso do
Supremo Tribunal Federal acerca de seu papel na construção das relações de
poder, pois constrói uma metodologia própria na análise dos discursos
políticos, possibilitando, como já dito acima, compreender como o discurso se
constrói e quais são as intenções do seu enunciador.
A perspectiva de Charaudeau associa os seguintes fatores:
a) a análise da situação, aspecto que aborda os gêneros do discurso
associados às práticas sociais, consideradas na estrutura das forças simbólicas
(habitus) estabelecidas e reproduzidas no campo de poder, no qual se situa o
estatuto de cada ator do discurso;
b) a perfomance do discurso, aspecto que toma em conta o estatuto do autor
do discurso e sua fala atualizante, enquanto competência,
52
que reproduz
Ideologia, no presente trabalho é tomada com o sentido que lhe dá Aron, e deve ser
compreendida como “um sistema global de interpretação do mundo social” ARON (1968:375).
Interessante observar, ainda, as palavras de BOURDIEU: “Enfim, mais sutilmente, a submissão
aos hábitos de pensamento, ainda que sejam os que, em outras circunstâncias, podem exercer
um formidável efeito de ruptura, pode conduzir também a formas inesperadas de ingenuidade.
E eu não hesitarei em dizer que o marxismo, nos seus usos sociais mais comuns, constitui,
freqüentemente, a forma por excelência, por ser mais insuspeita, do pré-construído douto.
Suponhamos que se pretende estudar ‘a ideologia jurídica’, ou ‘religiosa’, ou ‘professoral’. O
termo ideologia pretende marcar a ruptura com as representações que os próprios agentes
querem dar da sua própria prática: ele significa que não se deve tomar à letra as suas
declarações, que eles têm interesses, etc.; mas, na sua violência iconoclasta, ele faz esquecer
que a dominação à qual é preciso escapar para o objetivar só se exerce porque é ignorada
como tal; o termo ideologia significa também que é preciso reintroduzir no modelo científico o
fato de a representação objetiva da prática dever ter sido construída contra a experiência inicial
da prática ou, se se prefere, o fato de a ‘verdade objetiva’ desta experiência ser inacessível à
própria experiência. Marx permite que se arrobem as portas da doxa, da adesão ingênua à
experiência inicial; mas, por detrás da porta, há alçapão, e o meio-hábil que se fia no senso
comum douto esquece-se de voltar à experiência inicial a construção douta deve ter posto em
suspenso. A ‘ideologia’ (a que seria preferível de futuro dar outro nome) não aparece e não se
assume como tal, e é deste desconhecimento que lhe vem a sua eficácia simbólica. Em
resumo, não basta romper com o senso comum vulgar, nem com o senso douto na sua forma
corrente; é preciso romper com os instrumentos de ruptura que anulam a própria experiência
contra a qual eles se construíram. E isto para se construírem modelos mais completos, que
englobem tanto a ingenuidade inicial como a verdade objetiva por ela dissimulada e à qual, por
outra forma de ingenuidade, se prendem os meio-hábeis, aqueles que se astutos. (Não posso
deixar de dizer aqui que o prazer de sentir astuto, desmistificado e desmistificador, de brincar
aos desencantadores desenganados, tem boa parte em muitas vocações sociológicas... E o
sacrifício que o método rigoroso exige é ainda maior...). (BOURDIEU, 1989:48).
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43
consciente e/ou inconscientemente a locução enunciativa do que é dito; e/ou
estrategicamente não dito.
c) a semiolinguística, aspecto no qual o texto produzido é tomado como
resultado de processos em que os sujeitos comunicantes se relacionam em
ação de influência sobre o TU, perpassando diversas finalidades e situações
comunicativas53.
Transcrevemos abaixo trecho da obra de Patrick CHARAUDEAU
(1992:47) no qual ele explicita a sua proposta:
O sujeito, ser individual, mas também social necessita de
referências para se inscrever no mundo dos signos e significar
suas intenções. Logo, apóia-se numa memória discursiva,
numa memória das situações, que vão normatizar o
comportamento das trocas linguageiras, de modo que se
entendam e obedeçam aos “enjeux” (expectativas)
discursivos, que persistem na sociedade e estão a guiar os
comportamentos sociais, de acordo com contratos
estabelecidos. Ex. Um discurso político pode se realizar como
um debate, um comício, uma entrevista, um texto escrito, um
papo amigável do candidato, com direito a tapinhas nas costas
etc. Cada realização vai exigir uma forma diferente que está
de acordo com a situação.
Como se vê, a dinâmica do discurso político, tomando como referência
o pensamento de Charaudeau, se dá pelo chamado princípio de influência.
Este princípio caracteriza-se como um ato de linguagem no qual um agente
tenta influenciar, persuadir o seu auditório, ou seja, aqueles para quem ele se
dirige.
Essa influência do EU sobre o TU, denominado princípio de influência,
portanto, trata da relação que o EU (locutor) objetiva ou visa no TU (receptor do
discurso) como um efeito, pedido, ordem ou, na perspectiva de nosso objeto,
da imposição de uma decisão de autoridade.
Neste trabalho a influência que desejamos observar é a do Supremo
Tribunal Federal, como voz colegiada (polifonia), e dos Ministros que o
53
Para depreender o panorama acerca dos diversos sentidos dados a expressão situação
comunicacional deve-se ler CHARAUDEAU e MAINGUENEAU (2004:450). Patrick Charaudeau
associa a situação comunicacional com as questões extralingüísticas, separando-a do contexto
intralingüístico. Entretanto, para o presente trabalho não será feita esta cisão, pois os dois são
sempre necessários às significações das frases. Sendo assim, contexto e situação
comunicacional, aqui, serão expressões sinônimas.
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44
compõe, enquanto vozes individuais (monodia), em relação às partes (TU) que
eles se dirigem.
O mecanismo aqui descrito denomina-se de visadas, ou seja,
finalidades ou intenções concretizadas no discurso a partir do princípio da
autoridade do EU. São elas: a) visada prescrição – EU mandar e o TU deve
fazer; b) visada solicitação – EU solicitar e o TU deve atender; c) visada
instrução – EU fazer saber fazer e o TU querer saber; d) visada demonstração
– EU fazer saber com provas e o TU aceitar prova e fazer.
Enfim, para Charaudeau a situação comunicacional, que se dá pela
enunciação, atrela-se ao fenômeno da organização das categorias da língua,
ordenando-as através dos modos de organização descritiva, narrativa e
argumentativa do texto, de maneira a expressar as posições do EU (locutor)
com seu princípio da influência nas relações de posição de fala com o
interlocutor (TU). Desta forma, teremos três funções, ou comportamentos dos
atores falantes na encenação discursiva, do modo enunciativo: alocutivo
(relação de influência), elocutivo (revelação do ponto de vista do TU) e
delocutivo (retomada da fala de um terceiro).
O objeto de desenvolvimento desta pesquisa se baseia em três
lugares de representação, em que se realizam a produção dos sentidos do
discurso; como já dissemos, a doutrina jurídica, a retórica jurídica e os
elementos de justificação ou de legitimação das decisões judiciais.
O primeiro topos é aquele da doutrina jurídica, que consiste no
sistema de pensamento, resultado de uma atividade discursiva que faz o papel
de fundadora de um ideal jurídico referível à construção das opiniões. Assim,
este topos se refere a uma dogmática jurídica, não atrelada aos atores
especificamente. Refere-se sim, para usar uma denominação “bourdieuniana”,
ao habitus e ao capital simbólico dos integrantes do campo jurídico.
Desenvolveremos a análise do discurso da doutrina específica à temática da
intervenção federal no próximo capítulo da tese.
O segundo lugar caracteriza-se como uma dinâmica de comunicação
dos atores jurídicos. Refere-se a razão ideológica de identificação imaginária
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da “verdade” jurídica. Os atores do campo jurídico fazem parte das diversas
cenas de vozes comunicantes de um enredo permeado pelo desafio retórico do
reconhecimento social, isto é, o consenso, a rejeição ou a adesão. Suas ações
realizam vários eventos: audiências públicas, debates, reuniões, e hoje
principalmente, a ocupação do espaço midiático. Os atores precisam de
filiações, e por esta razão, estabelecem organizações, que se sustentam pelo
mesmo sistema de crença político-jurídica articuladora de ritos e mitos pela via
dos procedimentos retóricos (IORIO, 2006:723-726), a chamada retórica
jurídica.
Para ilustrar o desenvolvimento deste segundo topos semânticoretórica- é importante a leitura do seguinte trecho de Patrick CHARAUDEAU
(2006:79-81), afim de que possamos demonstrar que esta teoria nos auxilia na
explicitação da análise de nossos dados empíricos, tendo em vista que tal
exercício enfatiza o caráter político dos discursos:
Sendo a política um domínio de prática social em que se
enfrentam relações de força simbólicas para a conquista e a
gestão de um poder, ela só pode ser exercida na condição
mínima de ser fundada sobre uma legitimidade adquirida e
atribuída. Mas isso não suficiente, pois o sujeito político deve
também se mostrar crível e persuadir o maior número de
indivíduos de que ele partilha certos valores. É o que coloca a
instância política na perspectiva de ter que articular opiniões a
fim de estabelecer um consenso. Ela deve, portanto, fazer
prova da persuasão para desempenhar esse duplo papel de
representante e de fiador do bem-estar social. O político
encontra-se em dupla posição, pois, por um lado, deve
convencer todos da pertinência de seu projeto político e, por
outro, deve fazer o maior número de cidadãos aderirem a
esses valores. Ele deve inscrever seu projeto na “longevidade
de uma ordem social”, que depende dos valores
transcendentais fundados historicamente. Ao mesmo tempo,
ele deve se inscrever na volátil regulação das relações entre o
povo e seus representantes. O político deve, portanto, construir
para si uma dupla identidade discursiva; uma que corresponda
ao conceito político, enquanto lugar de constituição de um
pensamento sobre a vida dos homens em sociedade; outra que
corresponda à prática política, lugar das estratégias da gestão
do poder: o primeiro constitui o que anteriormente chamamos
de posicionamento ideológico do sujeito do discurso; a
segunda constrói a posição do sujeito no processo
comunicativo. Nessas condições, compreende-se que o que
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46
caracteriza essa identidade discursiva seja um Eu-nós, uma
identidade do singular-coletivo. O político, em sua
singularidade, fala para todos como portador de valores
transcendentais: ele é a voz de todos na sua voz, ao mesmo
tempo em que se dirige a todos como se fosse apenas o portavoz de um Terceiro, enunciador de um ideal social. Ele
estabelece uma espécie de pacto de aliança entre estes três
tipos de voz – a voz do Terceiro, a voz do Eu, a voz do Tutodos – que terminam por se fundir em um corpo social
abstrato, freqüentemente expresso por um Nós que
desempenha o papel de guia (“Nós não podemos aceitar que
sejam ultrajados os direitos legítimos do indivíduo”). Nesse
aspecto, as instâncias dos discursos político e religioso têm
qualquer coisa em comum: o representante de uma instituição
de poder e o representante de uma instituição religiosa
supostamente ocupam uma posição intermediária entre uma
voz-terceira da ordem do sagrado (voz de um deus social ou de
um deus divino) e o povo (povo da Terra ou povo de Deus). Em
contrapartida, vêem-se no que diferem, apesar do que dizem
alguns, as instâncias política e publicitária. As duas são
provedoras de um sonho (coletivo ou individual), mas a
primeira está associada ao destinatário-cidadão e constrói o
sonho (um ideal social) com ele, e uma espécie de pacto
aliança (“Nós, juntos, construiremos uma sociedade mais
justa”), enquanto a segunda permanece exterior ao
destinatário-consumidor ao qual ela oferece um sonho
supostamente desejado por ele (singularidade do desejo): o
destinatário-consumidor é o agente de uma busca pessoal (ser
belo, sedutor, diferente ou estar na moda) e de forma alguma
coletiva. É preciso, portanto, que o político saiba inspirar
confiança, admiração, isto é, que saiba aderir à imagem ideal
do chefe que se encontra no imaginário coletivo dos
sentimentos e das emoções.
Tendo em vista que o “político” trata das implicações descritas acima
por Charaudeau, podemos afirmar que este “político” se concretiza na lei, e na
aplicação da lei pelo juiz. Persiste na decisão judicial o seu fundo político. Os
magistrados, assim, dão concretude à política. A decisão torna viva a política
pela sua concretude.
A retórica além de ser a arte da persuasão pelo discurso; é também a
teoria e o ensinamento dos recursos verbais – da linguagem escrita ou oral –
que tornam um discurso persuasivo para seu receptor. Segundo Aristóteles, a
função da retórica não seria “somente persuadir, mas ver o que cada caso
comporta de persuasivo” (Retórica, I,2,135 a-b).
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47
Estudos contemporâneos (REBOUL, 2000) revelam que a origem da
retórica não é literária, mas judiciária. Ela teria surgido na Magna Grécia, em
particular na Sicília, após a expulsão dos tiranos, por volta de 465 a.C. Um
discípulo de Empédocles de Agrigento, chamado Córax, e seu seguidor, Tísias,
teriam publicado uma “arte oratória” (tekhné rhetoriké), compilando preceitos
práticos a serem utilizados, numa época em que não existiam advogados, por
pessoas envolvidas em conflitos judiciários. Encontra-se aí o surgimento da
disposição do discurso judiciário em partes ordenadas logicamente – os
lugares (topoi) que servem à argumentação, invenção retórica noticiada pelo
ateniense Antifonte (480-411 a.C.). Tal origem judiciária da retórica revela
algumas características que acompanharão a produção do discurso jurídico ao
longo dos séculos posteriores: o uso da argumentação na agonística das
disputas judiciais; o comprometimento com a finalidade de persuadir os órgãos
julgadores; o desenvolvimento de técnicas diferenciadas da lógica e do
raciocínio contidos na linguagem judiciária, para produção de “provas”,
“evidências”, “princípios” etc.
A retórica tem como seu primeiro paradigma o pensamento dos
sofistas, representados principalmente por Córax, Górgias e Protágoras. Para
os sofistas a retórica não visa a argumentação com base no verdadeiro, mas
no verossímil (eikos). Seu método opera a partir da existência de uma
multiplicidade de opiniões, não raro conflitantes e contraditórias.
A persuasão ocorreria mediante a chamada transformação retórica,
resultante da habilidade dos retores em confrontar os argumentos contrários.
Daí a definição de Córax, que via a retórica como “criadora de persuasão”. Ela
consistiria na arte de convencer qualquer um a respeito de qualquer coisa.
Surge neste ponto a interseção da retórica com a erística, fundada por
Protágoras (486-410 a.C.), consistindo na arte de vencer qualquer controvérsia,
independentemente de se ter razão, per fas et nefas. Esta tradição sofística é,
no século XIX, retomada por Schopenhauer em seu opúsculo A arte de ter
sempre razão ou dialética erística (IORIO, 2006). O relativismo pragmático de
Protágoras é também marcado pelas idéias da inexistência de uma verdade em
si e da afirmação que cada homem é medida de todas as coisas. Cada um teria
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a sua verdade e somente a retórica permitiria que alguém pudesse impor a sua
opinião. Trata-se da onipotência da palavra, não submetida a qualquer critério
externo de verdade, como Górgias expressa, com grandiloqüência, no discurso
Do não-ser ou da natureza. Essas idéias dos sofistas foram combatidas por
Platão, que atribui valoração pejorativa à retórica.54
Diferente realidade teríamos, então, com a retórica perelmaniana (Nova
Retórica) que valoriza não só o estudo da lógica argumentativa e da estrutura
dos raciocínios, mas igualmente traz um aporte ético próprio dos valores
democráticos da tolerância, desenvolvendo uma técnica argumentativa hábil
em substituir a violência. Perelman destaca que a argumentação sempre se
dirige a alguém: um indivíduo, um grupo ou uma multidão, conjunto de
receptores, designado pelo conceito de “auditório”. Um auditório tem sempre
como característica ser particular, ou seja, ser diferente em razão de suas
competências, crenças, emoções ou pontos de vistas.
O terceiro topos situa-se nas influências do discurso sobre as
instituições, que formam uma cultura jurídica, isto é, o discurso jurídico que não
se mantém fechado no campo jurídico, mas influencia todas as instituições
culturais. Este lugar da produção do discurso estabelece as relações entre os
atores de dentro do campo e os de fora, revelando opiniões produtoras de
conceitos que expandem a cultura relacionada a esse tipo de discurso.
Para fins desta tese de doutorado estamos considerando as
expressões justificação55 e legitimação como sinônimas, pois, a partir da ótica
54
É sobre as bases, podemos dizer, deste pilar oratório da retórica, que se assenta a lógica do
campo jurídico brasileiro. Como veremos no decorrer do presente trabalho, a lógica do direito
brasileiro, fundamentada na contradicta, e das próprias decisões do Supremo Tribunal Federal,
como depreendemos das análises discursivas realizadas, não é formadora de verdades
consensualizadas, ou, construídas racionalmente pela argumentação, outro pilar retórico. São
verdades formadas, isto sim, pela imposição de autoridade persuasiva. A persuasão do
auditório é o que pretende um orador que se preocupa com a vitória de seu discurso, ou seja,
com o resultado. Para tanto, este orador apela para diversos recursos emotivos, o ethos e o
pathos da Arte Retórica (ARISTÓTELES, 1952), para alcançar seu objetivo. Ela está ligada ao
pilar retórico da oratória (Olivier REBOUL, 2000:XVIII). Cumpre salientar que, tendo em vista as
peculiaridades do campo jurídico brasileiro, este modelo baseia-se no pilar oratório.
55
Quanto aos elementos de justificação do discurso político, interessante a leitura do seguinte
trecho de Patrick CHARAUDEAU (2006:126): “No campo político, a credibilidade dos autores é
freqüentemente afetada tanto por fatos que contradizem as intenções declaradas, quanto,
como afirmado, por adversários que não se furtam a questioná-la. O político é, então, levado a
produzir um discurso de justificação de seus atos ou a emitir declarações para se inocentar das
críticas ou das acusações que lhes são dirigidas. Isso pode ser feito a priori, por antecipação,
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49
daquele que enuncia o discurso (enunciador- Supremo Tribunal Federal), estes
termos significariam a ação de articular estratégias simbólicas de poder que
demonstrariam serem os comandos ou visadas do enunciador não arbitrárias,
ou seja, reconhecidas como não arbitrárias, motivadas.
Os elementos que sustentam a legitimação do Supremo Tribunal
Federal poderiam ser classificados por três ordens de legitimação simbólica
que estruturam o habitus do campo jurídico: 1) a crença na lei como ato
emanado de autoridade competente; 2) o Supremo Tribunal Federal como
guardião dos valores democráticos e; 3) a crença da decisão judicial construída
pelo debate do contraditório56.
A primeira ordem, a crença na lei como ato emanado de autoridade
competente, se traduz na sinonímia entre legalidade e legitimidade, que já foi
desenvolvida no item 1.3. desta tese.
Como o Supremo Tribunal Federal é uma Corte estabelecida pelo
poder constituinte originário exercido por representantes do povo na Lei Maior
de 1988, os atos emanados seriam legítimos porque legais, porque
provenientes de uma autoridade competente. Este é o argumento justificador.
ou a posteriori. Entretanto, essa atitude não é muito confortável e a escolha do tipo de
justificação não é fácil. De fato, o sujeito que se justifica reconhece assim a existência da
crítica ou da acusação – se não, porque não responder? – e do mesmo modo reconhece o
adversário que o critica a justificação não é propriamente uma confissão, mas ela acaba
reforçando a idéia de que efetivamente foram cometidos uma falta, um erro, uma infração.
Acusado, criticado, o político encontra-se diante de um dilema, pois não se justificar pode levar
a crer que não há defesa possível para a acusação, mas justificar-se faz pairar sobre ele a
sombra da dúvida ou da incerteza. Ademais, cada uma dessas atitudes pode acarretar efeitos
colaterais mais ou menos positivos: não responder pode produzir um efeito de inocência (não
se sentir visado), de sabedoria (não polemizar, não manter uma querela estéril) ou, ao
contrário, de desdém (não se rebaixar a replicar); justificar-se pode produzir um efeito contra
produtivo de fraqueza. O discurso de justificação equivale a navegar entre a intenção e o
resultado. Ele é o contrapeso à critica que o provocou. Efetivamente, a critica pode dizer
respeito tanto aos motivos que levaram à ação, e então o ataque visa à intenção do sujeito,
quando ao resultado da ação, e então é sua falta de competência que é atacada. No primeiro
caso,o sujeito pode defender-se argumentando que sua ação é legitima apesar do resultado
obtido, sempre reconhecendo que este não corresponde ao projeto inicial. Ele alegará que toda
ação comporta aspectos imponderáveis ou efeitos perversos não previsíveis: a intenção era
boa, mas ninguém podia prever totalmente as conseqüências; em todo caso, é melhor agir do
que nada fazer. No segundo caso, ele pode contestar que o resultado tenha sido negativo e
reconhecer a uma explicação qualquer sem deixar de reconhecer os limites dos resultados
obtidos e mostrar o lado positivo: um resultado modesto é melhor do que resultado algum.”
56
Esses seriam os principais elementos de justificação ou legitimação apresentados pelo
habitus do campo jurídico para as decisões do Supremo Tribunal Federal.
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50
A segunda ordem, o Supremo Tribunal Federal como guardião dos
valores democráticos, se sustenta no topos argumentativo de que a vontade do
legislador constituinte ao estabelecer, em uma Constituição que se pretende
em bases democráticas e cidadãs (art. 1º da CRFB/8857), que o Supremo
Tribunal Federal é o seu guardião (art. 102 da CRFB/8858), ele se tornaria o
defensor dos valores democráticos e contramajoritários. Um verdadeiro árbitro
da sociedade que exerceria um poder moderador frente aos desmandos e
desequilíbrios entre os demais poderes pelos faccionismos majoritários. Logo,
suas decisões seriam legítimas porque democráticas, porque representativas
dos valores da cidadania.
Finalmente, a terceira ordem, a crença da decisão judicial construída
pelo debate do contraditório, se estabelece sob um argumento que estrutura a
própria forma de pensar a aplicação do direito no Brasil, a lógica do
contraditório.
Acredita-se que essa dialética infinita, que perpassa as discussões
jurídicas brasileiras e, como tal, do Supremo Tribunal Federal, seja
democrática, tolerante e construtora de verdades, pois, se estaria dando
oportunidades iguais de todos que estivessem participando da ação
comunicativa falar.
A compreensão do contraditório como conseqüência do princípio
democrático no processo é uma falácia clara, pois se não há formação de
consensos ou esta busca, não há diálogo argumentativo que visasse
convencer a toda sociedade interessada na decisão judicial, e sim, contradicta,
imposição clara de vontade de um (vencedor) a outro (perdedor). Este
panorama na visão de Chaïm Perelman estaria atrelado ao modus operandi da
57
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo
o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos
termos desta Constituição.”
58
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição,
cabendo-lhe:”
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51
persuasão e não da argumentação. Agrava-se ainda a situação pela aplicação
do princípio do livre convencimento motivado59, que autorizaria ao juiz decidir
como quer e justificar a sua decisão depois, e, pelo Supremo Tribunal Federal
ser o último tribunal na hierarquia do Poder Judiciário, ou seja, dando a palavra
final irrecorrível.
Como podemos depreender da discussão deste exemplo da terceira
ordem de legitimação, existem contradições e confusões na articulação desses
símbolos de legitimação por parte do campo jurídico brasileiro que iremos
explicitar quando da análise do discurso das decisões do Supremo Tribunal
Federal, no recorte temático da Intervenção Federal.
1.5.
O percurso metodológico construído
Neste ponto do texto pretendemos relatar duas questões: a primeira, o
meu estranhamento na construção do meu objeto, ou seja, que problemas
enfrentei enquanto agente do campo jurídico em uma pesquisa que pretendeu
fugir de uma tradição jurídica reprodutora e acrítica60. A segunda deriva
obviamente da primeira, o percurso metodológico que tracei desde o início da
tese para construção e explicitação desse objeto.
Em primeiro lugar, é importante informar que foi o estudo de dois casos
relativos a disciplina Jurisdição Constitucional que me despertou para as
minhas hipótese e problemática.
O primeiro caso é o conhecidíssimo Marbury vs Madison (ROSS, 2003)
que é marcado pela doutrina ou conhecido tradicionalmente como a decisão
59
Quanto a discussão do princípio do livre convencimento motivado interessante ver a tese de
doutorado “Dilemas da decisão judicial” de Regina Lúcia TEIXEIRA MENDES (2008).
60
Quanto a esta visão interessante a passagem de BAPTISTA (2008:36): “O direito se
reproduz através de “doutrinas”, que constituem o pensamento de pessoas autorizadas a
trabalhar academicamente determinados assuntos. O saber jurídico não é científico, é
interpretativo; é dogmático.”
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judicial de 1803 da Suprema Corte Norte Americana que desenha, através do
voto do Chief Justice John Marshall, o papel do Judiciário como guardião ou
último intérprete da Constituição.
O contexto político deste caso é bastante interessante, pois ele seria
um marco simbólico da jurisdição constitucional analisado pela Supreme Court
após uma conturbada situação política, que é assim descrito por Alexandre de
MORAES (2004:23-24):
A idéia de taxatividade constitucional das competências
originárias dos Tribunais Superiores nasceu com a idéia de
supremacia jurisdicional por meio do controle de
constitucionalidade, ambas sendo firmadas no célebre caso
Marbury v. Madison (1 Cranch 137 - 1803), em histórica
decisão da Suprema Corte americana, relatada por seu chief
justice John Marshall. Marbury havia sido nomeado em 1801,
nos termos da lei, para o cargo de juiz de paz no Distrito de
Columbia, pelo então Presidente da República John Adams, do
Partido Federalista, que se encontrava nos últimos dias de seu
mandato. Ocorre, porém, que não houve tempo hábil para que
fosse dada a posse ao já nomeado Marbury, antes que
assumisse a Presidência da República o republicano Thomas
Jefferson. Este, ao assumir, determinou que seu secretário de
Estado, Madison, negasse posse a Marbury, que, por sua vez,
em virtude dessa ilegalidade, requereu à Suprema Corte um
mandamus, para que o secretário de Estado Madison fosse
obrigado a dar-lhe posse. Toda essa questão envolvia não só
conflitos jurídicos, mas também políticos, pois a Suprema Corte
era composta majoritariamente de federalistas, enquanto o
Congresso e o Executivo estavam sob o controle dos
republicanos, que jamais aceitariam uma intervenção direta do
Judiciário nos negócios políticos do Executivo. Como lembrado
por Lêda Boechat Rodrigues, “em 1802, nos jornais e no
Congresso, foi a Corte violentamente atacada, sugerindo
James Monroe o impeachment contra os seus juízes, se
ousassem aplicar os princípios da common law à Constituição.
A mesma providência foi pleiteada, dias antes da decisão, por
um jornal oficioso do governo, o Independente Chronicle, de
Boston, segundo o qual a concessão da medida significaria
guerra entre departamentos constituídos. Se concedida, a
medida certamente não seria cumprida”. Marshall, de forma
hábil, tratou o caso pelo ângulo da competência constitucional
da Suprema Corte Americana, analisando a incompatibilidade
da Lei Judiciária de 1789, que autorizava o Tribunal a expedir
mandados para remediar erros ilegais do Executivo, e a própria
Constituição, que, em seu artigo III, seção 2, disciplinava a
competência originária da Corte. Assim, apesar de a Corte ter
entendido ser ilegal a conduta do secretário de Estado
Madison, por recusar-se a expedir a comissão legalmente
devida a Marbury, proveniente da ação do antigo Presidente
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53
Adams, com aprovação da maioria do Senado, entendeu,
preliminar e prejudicialmente, que carecia de competência para
emitir o mandado requerido, uma vez que as competências da
Suprema Corte estariam taxativamente previstas pela
Constituição, não podendo o Congresso Nacional, por meio da
Lei Judiciária de 1789, ampliá-las.
O segundo caso foi o Mandado de Segurança nº 3557-DF61, impetrado
pelo então Presidente da República João Café Filho no Supremo Tribunal
Federal, para que pudesse retornar ao poder após uma licença médica. O fato
é que ele estava sendo impedido de retornar pelos militares e pelo Congresso
Nacional. Assim é narrada a situação pelo relatório da ação:
O Sr. Ministro Hahnemann Guimarães: — João Café Filho
requer mandado que lhe assegure o pleno exercício de
suas funções e atribuições constitucionais de Presidente da
República dos Estados Unidos do Brasil, pela evidente
inconstitucionalidade das resoluções da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal, que, por manifesto e
insuportável
abuso
de
poder,
determinaram
que
permanecia o impedimento declarado pelo requerente em
observância de prescrição médica. O suplicante tem direito
de voltar à efetividade das funções presidenciais mediante
a só comunicação de haver cessado o impedimento,
conforme a atestação de eminentes e respeitados clínicos
e especialistas. Não é possível que a temerária tarefa de
alguns elementos rebelados das Forças Armadas de terra
vingue por meio de uma resolução, que implica emenda à
Constituição, onde não se conhecem outros meios de
afastamento
do Presidente da República além dos
mencionados nos arts. 79, § 1º, e 88, parágrafo único. A
doutrina sobre o art. 2º , seção I, n.º 6, da Constituição dos
Estados Unidos da América do Norte62, não admite a liberdade
de as Câmaras do Congresso, ou este, virem a pronunciar,
como no caso, que o Presidente está impedido de exercer
suas funções. A declaração de ambas as casas do Congresso
é ainda mais subversiva, porque não tem tempo determinado,
mantendo-se até deliberação em contrário, condição
61
Disponível: http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/630552/mandado-de-seguranca-ms3557-df-stf. Acessado em: 13/12/2008.
62
Vale salientar que neste caso a decisão do Supremo Tribunal Federal está encontrando
fundamentação no Constituição dos Estados Unidos da América do Norte. Curioso!
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potestativa, que é indeclinável e universalmente nula. Se a
Câmara (o que se contesta) tivesse a iniciativa, o caso seria
para decreto legislativo (Constituição, art. 66, Regimento,
art. 95), e não para resolução, com que se decidem
situações concernentes à economia interna de cada ramo do
Poder Legislativo, e este é exercido em conjunto, pela
Câmara e pelo Senado, nos termos expressos dos arts.
37 e 69 da Constituição. O pedido versa sobre atos
inconstitucionais das Câmaras, que afetam relação jurídica
consubstanciada no exercício de função eletiva. Compete ao
Supremo Tribunal Federal conhecer do pedido, segundo a
Constituição, arts. 141, § 4º, e 101, I, i. O requerente sustentou
que se devia conceder a medida liminar referida pelo art. 7º, II,
da lei n.º 1.533, de 31 de dezembro de 1951. As Mesas da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal iniciam suas
informações por uma ressalva de ordem moral, quanto ao zelo
no resguardo da Constituição, porque o requerente se
mostrara incurialmente desidioso
na defesa
da
Constituição evidentemente ameaçada. Alegam que não cabe
ao Supremo Tribunal Federal apreciar pedido de mandado
contra uma resolução legislativa, ato de soberania e de cunho
eminentemente político. Ao Poder Legislativo é inerente a
atribuição de decidir da subsistência ou da cessação do
impedimento do Presidente da República. O requerente
assevera que foi esbulhado do poder político. Sua pretensão
implica típica questão política, insuscetível de solução judicial.
Não cabe ainda o amparo judiciário, pois o que se sustenta é
que a resolução legislativa se afastou de princípios, fez má
interpretação, não foi sábia na inteligência do texto
constitucional. O Congresso Nacional, além de ter agido
patrioticamente, usou de poderes inerentes ao Legislativo, na
interpretação do § 1º do art. 79 da Constituição, evitando o
estado de necessidade. A resolução legislativa baseou-se em
que o conceito de impedimento é mais amplo que o de
impeachment, e em que o Congresso Nacional tinha a
faculdade implícita de decidir da permanência, ou não, do
impedimento, em que espontaneamente se colocara o
impetrante. Os constitucionalistas norte-americanos afirmam
que cabe ao Congresso proclamar o estado de inability. Além
dos fundamentos jurídicos, a resolução legislativa teve por
motivo fato público e notório, já agora selado pelo
reconhecimento do estado de sítio. O perigo nacional foi criado
ou, pelo menos, agravado pela óbvia inability do impetrante.
Só a alegação de moléstia gravíssima poderia justificar a
transmissão do exercício do cargo a seu substituto. Quando,
porém, as Forças Armadas impediram se consumasse um
golpe contra o regime, o impetrante anunciou sua intenção
de voltar ao exercício da Presidência da República, e
estabeleceu, com esse gesto de notória incoerência, sua
vinculação com a trama posta em começo de execução no dia
10 de novembro. As informações terminam com a afirmação de
que o Congresso cumpriu seu dever, ao avocar a
competência para manter o impedimento em que se colocara
o Presidente da República, salvando, nesta emergência,
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através de um ato de soberania política, as instituições e o
regime. O Vice-Presidente do Senado informou que assumiu a
Chefia do Estado pelas razões que deram as Mesas das Casas
do Congresso, e com o propósito de corresponder aos
reclamos de ordem pública e aos imperativos de sobrevivência
da democracia brasileira. O Procurador-Geral da República
opinou pelo não conhecimento do pedido, em virtude da lei
n.º 2.654, de 25 de novembro último, art. 2º, parágrafo único,
e porque envolve matéria de fato controvertida;
e, no
caso de conhecimento, manifestou-se pelo indeferimento do
pedido, visto que não há direito líquido e certo contra o ato
do Congresso Nacional, decorrente de seus poderes implícitos,
inerentes à sua soberania.
A decisão da Corte foi, surpreendentemente, julgar por maioria
prejudicado o pedido por falta de objeto, ou seja, utiliza-se de uma escusa
processual para não apreciar o mérito desta questão claramente política de
grande relevância, o retorno do Presidente da República constitucionalmente
eleito e uma circunstância de instabilidade constitucional.
Interessante, entretanto, é o voto do Ministro Nelson Hungria, pois
explicita que a postura que está sendo tomada pelo Supremo Tribunal Federal
é para proteger a Corte, pois ele diz que contra as forças de insurreição das
forças armadas não há o que se fazer em favor da Constituição. Vejamos suas
palavras:
Qual o impedimento mais evidente, e insuperável pelos meios
legais, do titular da residência da República, que o
obstáculo oposto por uma vitoriosa insurreição armada?
Afastado “o manto diáfano da fantasia sobre a nudez rude da
verdade”, a resolução do Congresso não foi
senão a
constatação da impossibilidade material em que se acha o
Senhor Café Filho, de reassumir a Presidência da República,
em face da imposição dos tanks e baionetas do Exército,
que estão acima das leis, da Constituição e, portanto, do
Supremo Tribunal Federal. Podem ser admitidos os bons
propósitos dessa imposição, mas como a santidade dos
fins não expunge a ilicitude dos meios, não há jeito, por
mais especioso, de considerá-la uma situação que possa
ser apreciada e resolvida de jure por esta Corte. É uma
situação de fato criada e mantida pela força das armas, contra
a qual seria, obviamente, inexeqüível qualquer decisão do
Supremo Tribunal. A insurreição é um crime político, mas,
quando vitoriosa, passa a ser um título de glória, e os
insurreitos estarão a cavaleiro do regime legal que infringiram;
sua vontade é que conta, e nada mais. Admita-se que este
Tribunal reconhecesse inconstitucionais o impedimento do
Senhor Café Filho e o estado de sítio; voltar-se-ia ao statu quo
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ante, isto é, à situação insurreicional do Exército, que ainda
continua com os seus canhões em pé de guerra no Campo de
Santana e alhures, para impedir o retorno do Senhor Café
Filho à Presidência da República. Desde que o Chefe da
insurreição não assumiu, ex proprio Marte, a Presidência da
República, quem devia assumi-la? O Senhor Vice-Presidente
do Senado, o penúltimo atualmente disponível na escala do art.
79, § 1º, da Constituição. A declaração do impedimento do
Senhor Café Filho pelo Congresso foi, em última análise, uma
superfluidade. Com ou sem essa declaração, e não querendo
os insurreitos assumir o Governo da República, o Senhor VicePresidente do Senado é que tinha e tem de ocupar o Catete,
posto que a Presidência da República não podia ficar em
acefalia. A lei do estado de sítio foi sancionada por quem,
constitucionalmente, está substituindo o Senhor Café Filho, na
Presidência da República, dado o impedimento deste,
decorrente do inelutável sic vole, sic inbec, das forças
insurreicionais. Contra uma
insurreição
pelas
armas,
coroada de êxito, somente valerá uma contra-insurreição com
maior força. E esta, positivamente, não pode ser feita pelo
Supremo Tribunal, posto que este não
iria cometer a
ingenuidade de, numa inócua declaração de princípios, expedir
mandado para cessar a insurreição. Aí está o nó górdio que o
Poder Judiciário não pode cortar, pois não dispõe da espada
de Alexandre. O ilustre impetrante, ao que me parece, bateu
em porta errada. Um insigne professor de Direito
Constitucional, doublé de exaltado político partidário, afirmou,
em entrevista não contestada, que o julgamento deste
mandado de segurança ensejaria ocasião para se verificar
se os Ministros desta Corte “eram leões de verdade ou leões
de pé de trono”. Jamais nos inculcamos leões. Jamais
vestimos, nem podíamos vestir, a pele do rei dos animais. A
nossa espada é um mero símbolo. É uma simples pintura
decorativa no teto ou na parede das salas de Justiça. Não pode
ser oposta a uma rebelião armada. Conceder mandado de
segurança contra esta seria o mesmo que pretender
afugentar leões autênticos sacudindo-lhes o pano preto de
nossas togas. Senhor Presidente, o atual estado de sítio é
perfeitamente constitucional, e o impedimento do impetrante
para assumir a Presidência da República, antes de ser
declaração do Congresso, é imposição das forças
insurreicionais do Exército, contra a qual não há remédio na
farmacologia jurídica. Não conheço do pedido de segurança.
O que esses dois casos, Marbury v Madison e MS nº 3557-DF, teriam
de coincidentes e que me fizeram despertar para a minha problemática: uma
clara circunstância de tensão política nas quais as Cortes de Cúpula têm de
optar entre aplicar o que determina a Constituição ou defender os interesses do
Estado, representado pelo Poder Executivo. Em outras palavras, vislumbramos
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que o Judiciário ou as duas Supremas Cortes optaram por uma política de não
enfrentamento com o Estado, de não enfrentamento com o Poder Executivo,
preferindo aí não prover o direito do cidadão, e como tal se manter inatingida
pelo detentor de uma força explícita.
Tal constatação me levou a seguinte reflexão: será realmente que a
doutrina, a jurisprudência e a Constituição ao referenciarem estas Cortes como
guardiãs da Constituição refletem a realidade? O Supremo Tribunal Federal é o
guardião da Constituição e o protetor das cidadanias? O Supremo Tribunal
Federal constrói suas decisões de forma a proteger as cidadanias/sociedade?
Optamos, então, por estudar as situações de pedido de Intervenção
Federal (arts. 34 a 36 da CRFB/8863) em que o Supremo Tribunal Federal
63
“Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: I - manter a
integridade nacional; II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em
outra; III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública; IV - garantir o livre exercício
de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação; V - reorganizar as finanças da unidade
da Federação que: a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos
consecutivos, salvo motivo de força maior; b) deixar de entregar aos Municípios receitas
tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei; VI - prover a
execução de lei federal, ordem ou decisão judicial; VII - assegurar a observância dos seguintes
princípios constitucionais: a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação de contas da
administração pública, direta e indireta. e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de
impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e
desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.
Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados
em Território Federal, exceto quando: I - deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por
dois anos consecutivos, a dívida fundada; II - não forem prestadas contas devidas, na forma
da lei; III - não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e
desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde; IV - o Tribunal de
Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados
na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial.
Art. 36. A decretação da intervenção dependerá: I - no caso do art. 34, IV, de solicitação do
Poder Legislativo ou do Poder Executivo coacto ou impedido, ou de requisição do Supremo
Tribunal Federal, se a coação for exercida contra o Poder Judiciário; II - no caso de
desobediência a ordem ou decisão judiciária, de requisição do Supremo Tribunal Federal, do
Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral; III de provimento, pelo Supremo
Tribunal Federal, de representação do Procurador-Geral da República, na hipótese do art. 34,
VII, e no caso de recusa à execução de lei federal. § 1º - O decreto de intervenção, que
especificará a amplitude, o prazo e as condições de execução e que, se couber, nomeará o
interventor, será submetido à apreciação do Congresso Nacional ou da Assembléia Legislativa
do Estado, no prazo de vinte e quatro horas. § 2º - Se não estiver funcionando o Congresso
Nacional ou a Assembléia Legislativa, far-se-á convocação extraordinária, no mesmo prazo de
vinte e quatro horas. § 3º - Nos casos do art. 34, VI e VII, ou do art. 35, IV, dispensada a
apreciação pelo Congresso Nacional ou pela Assembléia Legislativa, o decreto limitar-se-á a
suspender a execução do ato impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento da
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58
tenha sido chamado a se manifestar. Este instituto jurídico caracteriza-se por
ser um instituto de estabilidade da própria Constituição, de proteção da
integridade do Estado, trabalha, portanto, com circunstancias explícitas de
força e com desrespeitos aos direitos dos cidadãos. Acreditei, pois, que desta
forma, poderia compreender as relações de poder e de escolhas postas a
mesa do Supremo Tribunal Federal quando chamado a guardar a Constituição.
Fiquei, neste ponto, com o problema de saber como analisar as
decisões. Inspirado pois, por uma metodologia de análise do discurso que me
familiarizei em meu doutorado em letras neolatinas, quando do estudo dos
discursos de Benito Mussolini e a construção de suas legitimidades, resolvi
adotá-la para a análise das decisões do Supremo.
Esta metodologia é a Análise Semiolinguística do Discurso Político de
Patrick Charaudeau, que se encontra no seu livro “O Discurso Político (2006).”
A fim de explicitar a nossa problemática, tal seja: compreender o papel
do Supremo
Tribunal Federal no
Estado de Direito brasileiro
pela
desconstrução do discurso da intervenção federal em suas decisões,
apresentaremos o nosso percurso metodológico.
Registrando a carência da existência, entre nós, de uma metodologia
já consolidada, própria para o trato da jurisprudência, e entendendo a pesquisa
jurisprudencial como empírica64, optamos, em realizar análise de casos,
combinando levantamento quantitativo e qualitativo de processos já decididos.
O primeiro desafio encontrado foi delimitar o universo de investigação,
já que o STF decide anualmente milhares de processos65 e não se sabe de
plano quais dentre eles são os efetivamente relevantes.
Descartando a pesquisa no Diário da União66, vez que de difícil acesso
e manejo, pois todos os exemplares, em geral diários, em princípio deveriam
normalidade. § 4º - Cessados os motivos da intervenção, as autoridades afastadas de seus
cargos a estes voltarão, salvo impedimento legal.”
64
Empírico para o minidicionário Houaiss da Língua Portuguesa significa “baseado apenas na
experiência e na observação.”
65
As estatísticas oficiais do STF encontram-se disponíveis em sua página institucional.
Disponível em: <www.stf.gov.br> (atual: www.stf.jus.br). Acesso em: 09 de setembro de 2009.
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59
ser lidos, optamos por realizar o levantamento jurisprudencial das decisões, no
sítio oficial do STF67, aplicando-se os filtros de refinamento de busca lá
disponíveis. Este levantamento se deu através da consecução das seguintes
etapas: 1ª etapa: filtragem no link jurisprudência do sítio do Supremo Tribunal
Federal da expressão “intervenção federal”, resultado: 150 decisões de 1988
até 2008 encontradas; 2ª etapa: leitura das 150 decisões; 3ª etapa: no espaço
das 150 decisões fora realizado um refinamento que teve como critério a
exclusão de decisões com temática e fundamentos repetidos, se garimpando,
de forma aleatória, apenas uma das decisões que se repetiam. Tanto fazia a
escolha de uma ou outra decisão, pois as formações discursivas eram as
mesmas; resultado: foram escolhidas 19 decisões.
Selecionados os casos a serem analisados, nos deparamos com o
segundo desafio: como proceder a essa análise. No particular, entendemos
que dois momentos devem ser tomados em conta. O primeiro, voltado para a
compreensão fático-jurídica do caso sob análise. O segundo dirigido à
realização da análise do discurso jurídico, isto é, do discurso das decisões.
Do ponto de vista da compreensão fático-jurídica, adotamos um
formulário de análise onde são privilegiados os principais aspectos do caso,
revelados a partir da decisão. Busca-se assim o estabelecimento de um
contexto fático-jurídico mínimo que permita ao pesquisador construir uma
representação do caso sob o enfoque jurídico.
O segundo momento situa-se no estudo dos gêneros textuais, ou em
outras palavras, busca perceber quais devem ou não ser os limites do gênero
textual judicial, explicitando o modo de organização deste tipo de discurso
(LIMA, 2006).
No caso do gênero a ser analisado (judicial), deparamo-nos com textos
em que o ato decisório se dá através do confronto dialético, realizado pelo
magistrado, entre os elementos discursivos - normativos ou não - indiciários,
66
O Diário da União (DOU) é o veículo oficial de publicação impressa das decisões proferidas
pelo STF. É ele que tem a força de intimar as partes dos processos e de dar publicidade às
decisões do Tribunal.
67
Disponível em:<www.stf.gov.br> (atual: www.stf.jus.br). Acesso em: 08 de março de 2008.
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60
probatórios, assertórios e fáticos constantes do processo, cujo resultado é a
produção do discurso decisório, através da publicação do texto em si da
decisão. É esta decisão que externará a interpretação e a aplicação do Direito,
àquele caso concreto, seguindo uma estrutura formal interna, definida em lei 68,
onde se vê bem demarcados relatório, fundamentação e dispositivo.
Sendo uma das espécies de discurso jurídico69, o discurso decisório
tem como característica o cunho performativo. Ele é capaz de modificar
situações jurídicas e é dotado de oficialidade, publicidade, racionalidade e
circularidade (BITTAR, 2003). No particular, a circularidade é a característica
que mais nos interessa e, no discurso decisório, ela pode ser apreendida na
medida em que cada nova decisão é capaz de criar uma nova realidade de
linguagem dentro do universo jurídico. Observamos ainda que este discurso
deve ser dotado de imparcialidade e isenção, nos moldes no ordenamento
jurídico vigente, bem como, com relação à Língua Portuguesa, de logicidade e
de correção lingüísticas.
Cumpre mencionar que é através dos fatos que se ligam os sujeitos do
discurso, envolvidos no processo decisório, e que cada parte trará uma espécie
própria de discurso - factual ou normativo - incumbindo ao juiz a produção de
um terceiro discurso, fruto da união dos dois primeiros aliado à valoração e
interpretação deste, dotando a realidade de uma carga de juridicidade.
O ato de decidir não deveria ser mecânico, pois, além de ser integrado
pelos elementos específicos do saber jurídico, dependem intrinsecamente da
linguagem, como modo de expressar a autoridade do julgado, objetivando
compor os diversos interesses envolvidos. Para isso, se utiliza tanto de signos
lingüísticos, quanto de signos não-lingüísticos; de elementos verbais e nãoverbais, escritos, fonográficos, fotográficos etc., para fins de criar a norma a ser
aplicada no caso individualmente considerado.
68
O art. 458 do Código de Processo Civil determina que “são requisitos essenciais da
sentença: I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do
réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II - os
fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III - o dispositivo, em
que o juiz resolverá as questões, que as partes lhe submeterem”.
69
O discurso jurídico decorre do discurso normativo - que se afigura primário - e dele extrai sua
fundamentação, mas não se esgota apenas em argumentos técnicos das partes principais autor, réu, ministério público - ou secundárias - peritos, assistentes técnicos - mas das mais
variadas experiências humanas, num sentido jurídico.
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61
Nesse sentido, se afigura relevante a linguagem utilizada pelo
magistrado ao proferir uma decisão judicial70, em especial, diante do princípio
constitucional do acesso à justiça e do dever de fundamentação das decisões
judiciais71. Entre a linguagem natural e a jurídica se interpõe a linguagem
normativa e, o discurso decisório é permeado por elementos fáticos, sendo
informado pelo rito, pelo discurso normativo e pelos discursos argumentativos
das partes. O discurso jurídico tende, ainda, ao discurso burocrático - típico de
qualquer marcha procedimental - que se afigura sintético em relação à norma
(discurso primário), sendo, ao mesmo tempo, primário com relação ao próprio
discurso decisório (BITTAR, 2003).
Finalmente, é importante explicitar que toda apresentação de nossos
dados privilegia a sistemática própria da análise do discurso: 1) informaremos
que ministro enunciou tal discurso em voto, sendo chamado, portanto, de
enunciador72; 2) citaremos a fonte de onde este discurso foi retirado, número
do processo; e, por fim, realizaremos um comentário acerca do que fora
enunciado.
70
Decisão aqui é empregada como gênero, dispondo o mesmo de três espécies: despacho,
decisão ou sentença. De forma simplificada, podemos dizer que os despachos são os atos que
dão andamento ao processo e não ostentam conteúdo decisório. As decisões ostentam
conteúdo decisório, porém não encerram o processo. As sentenças também com conteúdo
decisório finalizam o processo, encerrando o caso para o juiz que as proferiu. O art. 162 do
Código de Processo Civil explicita cada uma dessas modalidades.
71
o
O princípio do acesso à justiça está configurado especialmente no art. 5 ., inciso XXXV da
Constituição de 1988 e o dever de fundamentar as decisões no art. 93, inciso IX. Os
o
dispositivos citados têm, respectivamente, a seguinte redação: Art. 5 . inciso XXXV - a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”; art. 93 . IX todos os
julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as
decisões [...]”.
72
Cabe a explicação de que a escolha feita por nós de se informar os Ministros que estão
enunciando os discursos se deu por todos estes votos estarem publicados.
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62
CAPÍTULO II- A doutrina jurídica sobre a Intervenção Federal: o que ela
diz e não diz
Torna-se importante, neste momento do trabalho, desenvolver a
temática da intervenção federal, ou, em outras palavras, descrever quais
seriam as representações doutrinárias do campo jurídico brasileiro acerca da
intervenção federal, objeto das decisões do Supremo Tribunal Federal que
analisamos.
A doutrina no direito brasileiro pretende ocupar um papel de sugerir
interpretações pertinentes aos operadores do direito. Tais sugestões serão
utilizadas ou não dependendo do argumento defendido em juízo e do livre
convencimento do juiz (TEIXEIRA MENDES, 2008). Seria responsável pela
socialização dos integrantes do campo jurídico (advogados, magistrados,
membros do Ministério Público, estudantes e acadêmicos do Curso de Direito)
nos símbolos e nas representações articuladas do sistema de pensamento ou
da atividade discursiva próprias do direito.
Neste sentido é elucidativa a reflexão de TEIXEIRA MENDES
(2008:40):
A dogmática jurídica, também chamada de doutrina, é uma
forma de construção do saber própria do campo jurídico que
consiste em reunir e organizar de forma sistemática e racional
comentários a respeito da legislação em vigor e da melhor
forma de interpretá-la. A dogmática é um saber que produz as
doutrinas jurídicas, através das quais o direito se reproduz.
Tais doutrinas constituem o pensamento de pessoas
autorizadas a trabalhar academicamente determinados
assuntos, interpretar os textos legais e emitir pareceres a
respeito da forma mais adequada de interpretá-los e de aplicálos. O saber jurídico não é científico, é dogmático (GEERTZ,
1998:249). O saber jurídico construído pela doutrina é
considerado pelo campo como puramente teórico, mas seria
mais bem definido, a meu ver, como um saber abstrato e
normativo, que tem a função de ensinar de forma normalizada
e formalizada as regras que estão em vigor. Vale esclarecer
que a visão da doutrina não é uma teoria a qual estão
subordinadas as práticas judiciárias. A doutrina jurídica é um
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discurso autorizado sobre a lei e suas possíveis interpretações
e aplicações jurisprudenciais. É um discurso normativo, idealtípico, uma vez que está dizendo como a realidade deve ser e
não como a realidade é. É saber que não se debruça sobre a
realidade empírica, com a finalidade de explicá-la ou
compreendê-la, como faz o saber científico. Antes, tem a
finalidade de interpretar a lei, recomendando a melhor forma de
aplicação. A doutrina e a legislação estão dirigidas ao mundo
do dever-ser: o mundo empírico está num outro plano e não
lhes interessa. Na produção de doutrina jurídica, a observação
empírica está descartada. Por ser um saber normativo e existir
com a finalidade de dizer como a realidade deve ser, não tem
base empírica e é comum que os juristas concluam, diante da
realidade distinta da norma, que a realidade está errada, pois
ela não deveria ser assim. Um conflito juridicamente traduzido
sofre uma espécie de pasteurização e é adaptado à linguagem
jurídica de tal maneira que o campo jurídico possa decodificá-lo
e aplicar a ele as regras jurídicas pertinentes. Evidentemente,
as regras jurídicas, como quaisquer regras definidas
socialmente, dizem respeito a um determinado tempo e a um
determinado lugar. No entanto, o campo jurídico tende a tomar
as regras jurídicas vigentes num determinado momento
histórico e numa determinada época como regras universais
(no sentido cósmico), absolutas e atemporais.
Ora, se os Ministros do Supremo Tribunal Federal são integrantes do
mundo jurídico brasileiro, não haverá como se entender as decisões, os
elementos nelas articulados e pensados, o que está sendo discutido e suas
nuances, sem se entender o que a doutrina fala sobre o assunto, tendo em
vista ser o arcabouço doutrinário o fundo comum de formação do pensamento
jurídico brasileiro, ainda que este pensamento seja marcado por opiniões
antagônicas e muitas vezes paradoxais, uma vez que o nosso sistema jurídicoprocessual não leva à formação de consenso73. Daí a hipertrofia do papel da
interpretação da lei na sensibilidade jurídica74 brasileira: temos um sistema que
73
A questão acerca da não formação de consensos na cultura jurídica brasileira será
desenvolvida no item 4.2. deste trabalho.
74
Sensibilidade jurídica é um conceito construído por Geertz para designar a noção de justiça
em uma cultura. Assim, segundo o autor, toda e qualquer cultura tem uma sensibilidade jurídica
que pode ou não se aproximar da nossa, que não é única nem absoluta. Sensibilidade jurídica
é o complexo de operações utilizado por uma sociedade para relacionar princípios abstratos
desse direito (GEERTZ, 1998:249).
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valoriza pouco o que está escrito na lei. A interpretação literal é vista pelos
juristas brasileiros como simplória e pouco sofisticada. Neste ponto vale
lembrar a afirmação de GEERTZ (1998:249-356): “o saber jurídico, em
qualquer lugar do mundo, e em qualquer época, é apenas parte de uma forma
específica de imaginar a realidade. Essas formas têm de ser confrontadas para
que se obtenha consciência ampla de outras maneiras de sensibilidade
jurídica, buscando-se a relativização de suas manifestações.”
2.1. O Federalismo
O federalismo é em um tema relevante tanto ao pesquisador do Direito
Constitucional quanto àquele que se dedica ao estudo da Ciência Política. O
Direito Constitucional, pelo conteúdo material da Constituição, dedica-se ao
estudo da organização e do funcionamento do Estado, promovendo um estudo
da anatomia do Estado. O federalismo, como forma de Estado, liga-se à esta
anatomia, pois apresenta a divisão do território do Estado em diferentes entes
estados-federados, exercendo cada qual sua parcela de competência
constitucionalmente estabelecida (CAMARGOS e ANJOS, 2009:81).
Para a Ciência Política, que possui como objeto o poder político, o
federalismo trata da divisão do poder político através da federação. Na visão de
Arend LIJPHART (2003:213):
Neste capítulo, abordo a primeira variável da dimensão federal
unitária (poder dividido): o federalismo e a descentralização
versus governo unitário e centralizado. É adequado conceder
esse primeiro lugar de honra ao federalismo, porque ele pode
ser considerado o método mais típico e drástico da divisão do
poder: ele divide o poder entre níveis inteiros do governo. De
fato, como termo da ciência política, a divisão do poder é
normalmente usada como sinônimo de federalismo.
Desta forma, compreender o federalismo como fenômeno de divisão
do poder é o mesmo que analisá-lo como a divisão do principal objeto de
estudo da Ciência Política. Este ponto, portanto, agrega mais um elemento a
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nossa afirmação que os discursos do Supremo Tribunal Federal acerca da
intervenção federal são políticos.
O federalismo como forma de Estado se apresenta como uma
construção do século XVIII, mais precisamente ligada ao movimento
constitucionalista norte-americano, que sucedeu a revolução da independência
americana.
Para tratarmos das origens do federalismo norte-americano é
necessário discorrer sobre um de seus importantes pressupostos: a
Constituição norte-americana. O constitucionalismo norte-americano, cujo
legado apresentou ao mundo, através da Convenção de Filadélfia, a primeira
Constituição escrita em 1787, e uma forma de Estado até então desconhecida,
que é federal, remonta ao período de aparecimento do próprio estado
americano. A Constituição norte-americana se apresenta como fundamento de
validade do federalismo.
Como nos dizem CAMARGOS e ANJOS (2009:83), cientistas políticos
brasileiros que se dedicam ao estudo do federalismo americano:
Foi da união das treze ex-colônias inglesas, formadas por
indivíduos oriundos da Inglaterra, que se dirigiram para o novo
mundo por razões religiosas, políticas e econômicas, que se
criou inicialmente uma Confederação no momento
imediatamente posterior a independência. Confederação esta
que promoveu ajustamentos e uma maior aproximação entre
os Estados confederados, de forma a fazer surgir uma
Federação.
Na Federação cada uma das treze ex-colônias, que se
constituíam anteriormente em Estados confederados, tiveram
de abrir mão da soberania de que eram dotadas para constituir
um poder que se colocava em uma instância superior e que
abrangesse a todas elas, sendo portanto a soberania atribuída
a esse poder, surgindo assim o Estado Federal.
Segundo Alexander HAMILTON (2003:71), autor de “O Federalista”,
obra referência a respeito desta nova forma de organização do Estado, a
autonomia dos estados membros combinada com uma união sólida e
indissolúvel entre eles é a marca distintiva de uma federação, como confirma o
texto do próprio autor transcrito abaixo:
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Uma União sólida terá a máxima significação para a paz e para
a liberdade dos estados-membros, como uma barreira contra
facções e insurreições internas. É impossível ler a história das
pequenas repúblicas da Grécia sem um sentimento de horror e
pena ante as agitações a que elas foram continuamente
submetidas e a rápida sucessão de revoluções que as
deixavam em estado de constante oscilação entre os extremos
da tirania e anarquia.
É de se notar, no caso da federação dos Estados Unidos da América do
Norte, que houve uma constante preocupação com as questões relacionadas à
política externa, de comércio e segurança dos estados federados reunidos em
torno da União. Todavia, a maior preocupação esteve em torno das crises
internas que as ex-colônias, transmutadas em Estados Confederados, e,
posteriormente, em estados federados teriam de enfrentar.
A autonomia é uma prerrogativa de poder de ente político, própria do
Estado federal, que se distingue da soberania do Estado, na medida em que
não é poder independente. Entretanto, tem como prerrogativas básicas a auto
organização, pela qual o estado membro pode elaborar sua própria constituição
e suas leis; o autogoverno que dá ao povo do estado membro o direito de
escolher seus governantes tanto no plano do legislativo, como do executivo e
do judiciário. E a ainda a autoadministração, que permite ao estado membro
organizar e gerir sua máquina burocrática (DALLARI, 2009). Em razão de
peculiaridades de sua história política, o federalismo norte-americano
apresenta grande acentuação na autonomia dos estados federados.
Mais uma vez podemos citar o trecho de CAMARGOS e ANJOS (2009:
84):
Na experiência constitucional norte-americana a democracia é
verdadeiro pressuposto do federalismo. A forma de
estruturação do Estado Federal considera a participação dos
cidadãos, seja através do exercício do direito de escolha de
seus representantes pelas eleições, seja como destinatários
das políticas públicas e competências constitucionais
desempenhadas pelo governo federal ou pelos governos
estaduais. Originalmente a soberania dos Estados
Confederados, que criaram a Federação na Convenção de
Filadélfia em 1787, certamente extraíram esta expressão de
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67
poder através da manifestação da vontade de seu povo. Desta
forma, tanto o governo federal como os estaduais apresentam
estruturalmente uma relação de dependência para com o
cidadão eleitor, estando bastante evidenciado que os que
governam exercem um mandato político devendo estrita
fidelidade a quem os elegeu.
Para trabalharmos com as características da federação, vamos lançar
mão de um instrumento metodológico weberiano (WEBER,1964) que é o tipo
ideal. Trata-se da construção de um modelo que traça uma espécie de
caricatura simplificada da realidade social estudada e que não pretende
esgotar as características das experiências históricas de cada Estado.
Segundo WEBER (1964) dada a diversidade das peculiaridades
locais, o tipo
ideal é instrumento essencial para não cairmos no relativismo extremado, o que
nos possibilita comparar certos aspectos de um fenômeno social.
A principal característica do Estado federal, como já salientamos, é a
descentralização administrativa e política. O que torna esta forma de
organização bastante sofisticada é que o poder neste tipo de Estado seja
dividido em diferentes funções de poder (Legislativo, Executivo e Judiciário), e
estas reproduzidas simetricamente em todos os níveis da federação.
Outro elemento fundamental que integra a organização federativa é a
existência da manifestação livre e eficiente da vontade dos representantes de
cada um dos estados federados no sentido de criar a união de todos eles,
formando assim o Estado federal. Tal fenômeno é denominado de pacto
federativo e ele fica estabelecido na Constituição federal.
Com relação ao Direito Constitucional brasileiro José Alfredo de Oliveira
BARACHO (1982:54), em obra denominada Teoria Geral do Federalismo assim
afirma:
Tecnicamente, o federalismo é uma divisão constitucional de
poderes entre dois ou mais componentes dessa figura
complexa que decorre da existência de um Estado que possa
apresentar formas de distribuição das tarefas políticas e
administrativas.
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68
Em outras palavras, a descentralização do Estado federal gera a
necessidade de repartição de competências a serem exercidas pelo Estado
federal e pelos estados federados. Esta repartição de competências se
constitui na grande tarefa do legislador constituinte de forma a harmonizar o
exercício do poder por parte de todos os estados que integram a federação e o
Estado Federal75.
Segundo Raul Machado HORTA (2002:306):
se a tendência ocorrida no federalismo é a de fortalecimento do
poder central da União Federal, tem-se o chamado federalismo
contrípeto ou centrípeto, conforme queiram. Por outro lado, se
a tendência é de fortalecimento dos estados integrantes da
federação, diz-se que o federalismo é centrífugo. Havendo
equilíbrio entre estas duas forças, qual seja, entre o Estado
Federal e os estados federados, diz-se que o federalismo é de
cooperação.
Por outro lado, o federalismo centrífugo é aquele que fará um
caminho oposto. O federalismo centrífugo se dirige para a
periferia do Estado Federal. Nele não haverá necessariamente
maior descentralização, mas sobretudo uma tendência à
descentralização ao longo do tempo. Exemplo notável é o
federalismo brasileiro, que surgiu originariamente de um
Estado Unitário extremamente centralizador e se direciona ao
longo da história republicana brasileira a dar maior leque de
competências aos estados, seguindo no sentido da
descentralização.
É ainda Raul Machado HORTA (2002: 307) quem aponta como
principais características do federalismo e que se constituem como seus
princípios, técnicas e instrumentos operacionais os seguintes elementos:
a)a decisão constituinte criadora do Estado Federal e de suas
partes indissociáveis, a federação ou União, e os estadosmembros;”76
75
Esta divisão na ordem constitucional vigente no Brasil encontra-se insculpida entre os arts.
21 a 25; 30 e 32 da CRFB/88.
76
“Esta primeira característica faz menção à decisão criadora da federação que já
mencionamos anteriormente e que é também denominada pacto federativo. O pacto federativo
representa a expressão da vontade dos representantes dos estados que integram a federação
de participar da criação do Estado Federal. Esta vontade é expressa na Constituição. Aqui é
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b)a repartição de competências entre a federação e os
estados-membros;”77
c)o poder de auto-organização constitucional dos estadosmembros, atribuindo-lhes autonomia constitucional;”78
d)a intervenção federal, instrumento para restabelecer o
equilíbrio federativo, em casos constitucionalmente definidos;”79
e)a Câmara dos Estados, como órgão do Poder Legislativo
Federal, para permitir a participação do estado-membro na
formação da legislação federal;”80
também apresentada a característica de que os estados federados se constituem em partes
indissociáveis, não podendo nenhum deles optar por não fazer mais parte da federação, posto
que ao nela adentrarem abriram mão de significativa parcela de soberania de que eram
dotados, restando-lhes a autonomia”. (HORTA, 2002:307).
77
“A repartição de competências aqui mencionada há de ser expressa no texto constitucional e
há de delimitar as competências legislativas e administrativas do ente federal e dos entes
federados. Ao repartir a competência a Constituição não há de hierarquizar ou subordinar os
entes federados ao federal, mas irá definir o âmbito de atuação de cada um deles. Esta
repartição de competências se constitui no cerne da disciplina constitucional acerca do
federalismo. É certo que a competência afeta os órgãos do Poder Judiciário Federal e do Poder
Judiciário dos estados, muito embora não seja apresentada como repartição de competências
relacionadas ao federalismo, é de todo correto afirmar que sua definição é corolário do
federalismo.” (HORTA, 2002:307).
78
“Esta capacidade de auto-organização dos estados-membros possui limitações e
condicionamentos que são expressos pelo texto da Constituição Federal. Aqui há um estado
dentro do Estado e esta capacidade de se organizar autonomamente é manifestação do poder
constituinte decorrente e as Constituições Estaduais devem ser elaboradas em conformidade
com os princípios e preceitos da Constituição Federal. Cumpre evidenciar que a soberania é
atributo exclusivo do poder federal.” (HORTA, 2002:307).
79
“A regra geral que vigora no federalismo é a de que o ente político mais abrangente irá
respeitar a autonomia do ente político menos abrangente; excepcionalmente e em casos
definidos taxativamente na Constituição Federal, a União Federal intervirá nos estados ou
diretamente nos municípios quando estes infringirem os chamados princípios constitucionais
federais sensíveis. A intervenção é um mecanismo de defesa da própria federação, seja contra
interferências externas ao Estado Federal, e principalmente em razão das intempéries
ocorridas nos estados federados. Várias são as maneiras de se desencadear o processo
interventivo, e quando este é desencadeado muitos são os mecanismos e instrumentos
constitucionais para mantê-lo como uma medida estrita, temporária e da mais absoluta
excepcionalidade.” (HORTA, 2002:307).
80
“O federalismo pressupõe um Poder Legislativo bicameral, onde uma das Casas Legislativas
é constituída de representantes do povo e a outra Casa Legislativa será constituída pelos
representantes dos estados federados. Como expressão da absoluta igualdade entre os
estados integrantes da federação, cumpre destacar que o número de representantes por
estado é o mesmo para cada um dos estados. Esta Casa Legislativa autoriza o estado
federado a participar das principais decisões legislativas tomadas no âmbito federal. Muito
embora a federação nos apresente dois estados de competências diferenciadas, é forçoso
considerar que o estado federado apresenta estruturas que estão amalgamadas no Estado
Federal e uma delas e de considerável relevo é a Casa Legislativa dos estados que compõem
o Poder Legislativo Federal.” (HORTA, 2002:307).
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70
f)a titularidade dos estados-membros, através de suas
Assembléias Legislativas, em número qualificado, para propor
emenda à Constituição Federal;”81
g)a criação de novo estado ou modificação territorial de estado
existente dependendo da aquiescência da população do estado
afetado;”82
h)a existência do Poder Judiciário Federal de um Supremo
Tribunal Federal ou Corte Suprema, para interpretar e proteger
a Constituição Federal, e dirimir litígios ou conflitos entre a
União, os Estados e outra pessoas jurídicas de direito
interno.”83
Finalmente, ainda cabe destacar que as entidades federativas
independentemente do tamanho de sua população, de sua participação no
produto interno bruto do Estado Federal, ou de sua extensão territorial, têm
entre si plena condição de igualdade formal, igualdade esta que é estabelecida
pelas normas constitucionais.
Após termos apresentado, com fins comparativos, as noções gerais do
federalismo como um fato característico da história política e constitucional
norte-americana, importante se torna compreender como esta forma de
organização do poder político se aclimata no processo histórico-político
brasileiro.
81
“Qualquer necessária alteração do texto da Constituição Federal deve ser acessível aos
estados federados e normalmente esta possibilidade de propor emendas a Constituição
Federal se dá através dos órgãos legislativos estaduais.” (HORTA, 2002:307).
82
“Esta característica é certamente conseqüência direta da autonomia dos estados federados.
Qualquer mudança substancial na estrutura da federação ou dos estados federados vai
depender da aquiescência direta da população diretamente interessada. Estas formas de
consulta popular se constituem resquícios de democracia direta e normalmente se dão através
do plebiscito ou do referendo, conforme o momento em que sejam realizados.” (HORTA,
2002:307).
83
“Um órgão de cúpula no Poder Judiciário que exerça a jurisdição das questões afetas à
Constituição Federal. Que esta mesma estrutura de poder jurisdicional venha a dirimir conflitos
entre a União e qualquer que seja a parte, entre os estados federados e pessoas de direito
público interno. Fica evidenciada também a preocupação de preservação da Constituição
Federal através do controle de constitucionalidade concentrado em um órgão jurisdicional. Há
também a peculiar característica de que a União ou o Estado Federal não fique sujeito à
jurisdição de justiças estaduais.” (HORTA, 2002:307).
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71
Em outras palavras, para que possamos entender as representações e
significações existentes acerca da intervenção federal, devemos contextualizar
o que vem a ser federação a brasileira.
2.2. O federalismo no Brasil
A constituição imperial brasileira estabelecia um Estado unitário,
apresentando
como
características
a
forte
centralização
política
e
administrativa. É certo que esta centralização decorrente da forma de Estado
unitário em muito auxiliou na construção da unidade nacional, impedindo assim
que o país se desagregasse em razão das inúmeras revoltas que ocorreram no
seio das províncias (CHACON, 1987).
No Brasil, a transição da monarquia para a república e do Estado
unitário para o Estado federal não se constituiu em um processo lento, mas sim
relativamente breve. O fato é que esta grande transformação na vida política
nacional foi obra de alguns poucos intelectuais e militares de alta patente, não
tendo havido participação popular na deflagração deste processo (CAMARGOS
e ANJOS, 2009).
Discorrendo sobre o assunto em obra que se tornou referência neste
tema, José Murilo de CARVALHO (1991:68) assim afirma: “Estas observações
não estão, no entanto, distantes da frase de Aristides Lobo, segundo o qual o
povo teria assistido bestializado à proclamação da República, sem entender o
que se passava”.
É necessário que se evidencie que o grau de alienação do povo no que
se refere ao momento político nacional não era muito diferente da ausência de
participação das lideranças políticas existentes nas províncias no que se refere
à adoção do federalismo como forma de Estado. A república e o federalismo
foram um movimento de intelectuais e militares que residiam na Corte e na
província de São Paulo. As demais províncias não tomaram parte significativa
no evento histórico, e se é certo que o pacto federativo não exige um momento
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72
histórico para sua caracterização, no Brasil ele foi expresso com a elaboração
da Constituição Republicana de 1891 (CAMARGOS e ANJOS, 2009).
É certo que na Constituição de 1934 muitas das competências
administrativas e legislativas atribuídas aos estados anteriormente foram
transferidas para a União. Entretanto, em 1937, com o advento do golpe dado
por Getúlio Vargas, a outorga de uma nova Constituição e a instituição da
ditadura do Estado Novo até 1945, o Brasil viveu momentos de grande
centralização política, quando os estados passaram a não ter sequer o peso
político apresentado nos anos posteriores à 1ª República.
Sob a vigência da Constituição de 1946, o país viveu novo período de
democratização e os estados da Federação passaram a atuar no cenário
político nacional com maior desenvoltura, entretanto, esta Constituição adotou
os mesmos moldes de concentração de competências administrativas e
legislativas no rol deferido à União (CAMARGOS e ANJOS, 2009). Com o
advento do golpe militar de 1964, que institui a ditadura e culminou na
Constituição de 1967 e emenda nº 1 de 1969, retornando a um período de forte
centralização e autoritarismo por parte da União federal, havendo aqui
verdadeira submissão dos estados federados à União.
Com a redemocratização do país e a convocação da Assembléia
Nacional Constituinte no ano de 1986, cujo trabalho redundou na Constituição
de 1988, o país retornou ao estado de direito, direito este elaborado e exercido
legitimamente. Em que pesem os reveses políticos enfrentados pelo país em
sua história republicana o fato é que as dimensões territoriais brasileiras, que
são de grandes proporções, impõem para maior eficiência na administração da
coisa pública a descentralização tanto política como administrativa.
A Carta Política de 1988 estabeleceu em seu art. 1º “A República
Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios
e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como fundamentos:” É de se perceber que houve grande inovação da
Constituição ao estabelecer que o Brasil é uma federação constituída por
estados, municípios e pelo distrito federal, inovação esta que se dá por alçar o
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73
município a um ente autônomo da federação. É de amplo conhecimento a
federação constitui-se tão somente de estados, que juntamente com a união
apresenta o seu aspecto dualista, daí a grande inovação na nova estrutura
apresentada pelo federalismo brasileiro.
O art. 18 da Constituição da República apresenta o município como
parte integrante da organização política administrativa da República Federativa
do Brasil ao lado da União, dos Estados e do Distrito Federal, sendo todos
dotados de autonomia.
A federação brasileira adquiri certa peculiaridade ao apresentar três
esferas de governo que seriam a União, os estados e os municípios, mas
autores como José Afonso da Silva questionam se o município foi, de fato,
elevado à categoria de ente federativo (SILVA, 2007: 641):
E os Municípios transformaram-se mesmo em unidades
federadas? A Constituição não o diz. Ao contrário, existem
onze ocorrências das expressões ‘unidade federada e unidade
da Federação’ referindo-se apenas aos Estados e ao Distrito
Federal, nunca envolvendo os Municípios.
A Constituição de 1988, seguindo o exemplo das constituições
anteriores, estabeleceu as hipóteses em que, excepcionalmente, a União
poderia vir a intervir nos estados federados. O instituto da intervenção federal
encontra-se nas circunstâncias enumeradas nos incisos do art. 34 da Carta
Política84.
84
“Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: I - manter a
integridade nacional; II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em
outra; III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública; IV - garantir o livre exercício
de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação; V - reorganizar as finanças da unidade
da Federação que: a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos
consecutivos, salvo motivo de força maior; b) deixar de entregar aos Municípios receitas
tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei; VI - prover a
execução de lei federal, ordem ou decisão judicial; VII - assegurar a observância dos seguintes
princípios constitucionais: a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação de contas da
administração pública, direta e indireta. e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de
impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e
desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.”
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74
Na história do federalismo brasileiro é possível notar que a intervenção,
notadamente por ser medida excepcional, foi utilizada com muita parcimônia,
principalmente no período em que vivemos certa normalidade política e
democrática. Entretanto, na ditadura de Getúlio Vargas, de 1937 a 1945, e
durante a ditadura militar de 1964 a 1984, a intervenção foi utilizada com maior
freqüência (CAMARGOS e ANJOS, 2009).
2.3. Intervenção Federal
A doutrina85 brasileira sobre a intervenção federal a apresenta
enfatizando três elementos.
1)
Conceituar a intervenção federal como o último remédio ou ratio para
se manter a integridade nacional e da ordem jurídica constitucional;
2)
Narrar um processo de continuidade histórica do instituto desde a
primeira Constituição republicana de 1891, e a sua elaboração por Ruy
Barbosa;
3)
Apresentar as espécies de intervenção federal: a espontânea e a
provocada86;
Curioso é notar que todo este discurso é organizado em perspectiva
referencial ao texto legal constitucional. Em outras palavras, a doutrina,
simplesmente,
apresenta o
texto
constitucional,
sem
trazer
qualquer
informação que não seja a discussão da natureza jurídica do instituto e a
reprodução dos artigos da Constituição. Assim, a perspectiva política do
85
Como exemplo de doutrinadores podemos citar: BARROSO (1998), BONAVIDES (2005),
FRANCO (1968), LEWANDOWSKI (1994), MORAES (2006), SILVA (2006), AGRA (2007),
CRETELLA JR (1998), HORTA (1995), LENZA (2006), TAVARES (2007) e ZIMMERMANN
(2002).
86
Em relação à lógica taxonômica que estrutura as categorias da doutrina jurídica brasileira,
significa dizer que a organização dos institutos jurídicos apropria-se dos princípios das ciências
biológicas dos séculos XVIII e XIX, que se preocupava em conhecer a natureza dos animais e
das plantas, classificando-os em Reinos, Ordens, Classes, Gêneros e Espécies. Sendo assim
no discurso dogmático jurídico temos como Reino o Sistema Jurídico brasileiro, como Ordem o
Direito Constitucional, como Classe a Federação, como Gênero a Intervenção Federal e como
Espécies a Espontânea e a Provocada, o que mais uma vez remonta o pensamento selvagem
em seu discurso totêmico, segundo Claude Levy Strauss, ao naturalizar o discurso mítico
LÉVY-STRAUSS (1976:56-97).
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75
instituto, como também dos exemplos jurisprudências que servem para ilustrálo não é apresentada. Como não mencionar a natureza política de um instituto
que atinge diretamente o poder político de um ente federado? Como não
contextualizar tais decisões histórica e politicamente? É de se estranhar...
Como já foi mencionado no início deste capítulo a doutrina jurídica
brasileira tem característica marcadamente prescritiva e, por isso, trabalha no
plano ideal do ‘dever-ser’. A despeito das experiências autoritárias87, seja da
República Velha, seja da Era Vargas ou da ditadura militar pós-196488,
concebe a intervenção federal como um instituto jurídico-constitucional,
conhecido como garantee clauses pelo direito norte-americano e como
execução federal pelo direito germânico (AGRA, 2007:297), de exceção ao
princípio federativo presente em nossa ordem jurídica nacional, desde a
Constituição de 1891. Ignora, porém, que tais institutos são concebidos em
contextos históricos e políticos complemente diferentes da sociedade
oligárquica, patriarcal e pouco democrática na qual nasceu a Constituição
brasileira de 1891.
Segundo a doutrina brasileira, já citada, a intervenção federal nada
mais é do que o afastamento temporário da autonomia de um ente federal que
tem por objetivo a preservação da própria federação. Assim sendo, trata-se de
instrumento de direito constitucional de exceção, pois priva o ente federado de
sua característica essencial: a autonomia. Por ser forte medida coercitiva, só
pode ser usada estritamente nas situações determinadas taxativamente pelo
constituinte originário, nos arts. 34 a 36 da CRFB/88.
Nos casos em que o pedido de intervenção federal se fundamenta em
descumprimento de ordem judicial, na maior parte das vezes está envolvido
87
De acordo com CAMARGOS E ANJOS (2009:93): “Na história do federalismo brasileiro é
possível notar que a intervenção, notadamente por ser medida excepcional, foi utilizada com
muita parcimônia, principalmente no período em que vivemos certa normalidade política e
democrática. Entretanto, na ditadura de Getúlio Vargas, de 1937 a 1945, e durante a ditadura
militar, de 1964 a 1984, a intervenção foi utilizada com maior freqüência.”
88
Sobre esta experiência histórica autoritária interessante a passagem de AGRA (2007:297):
“Na história dos textos constitucionais brasileiros, o instituto da intervenção sempre respeitou
os princípios do Estado Democrático de Direito. Contudo, o Ato Institucional 5 (AI-5) extrapolou
os limites da intervenção, tornando-a um instrumento de coação do regime militar. Pelo AI-5 foi
permitido ao Presidente da República, alegando interesse nacional, intervir nos Estadosmembros e nos Municípios sem respeitar as barreiras legais firmadas pela Constituição.
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grave desrespeito aos direitos de cidadania, uma vez que tais ordens judiciais,
no mais das vezes protegem direitos do cidadão.
Nestes casos a intervenção deixa de ser ato discricionário do
Presidente da República, pois fica o tribunal prolator da ordem desobedecida
obrigado a comunicar a desobediência ao Supremo Tribunal Federal, que
requisitará a intervenção se julgar conveniente.
A intervenção federal, vale se repetir, trata de exceção no equilíbrio
federativo da autonomia política dos entes, a partir da ingerência de uma
entidade em assuntos próprios de outra, quando diante de uma das
circunstâncias taxativas extremas que atentam ao pacto federativo e a
supremacia constitucional.
Segundo AGRA (2007:297) a intervenção federal é
o remédio típico da forma de Estado federativa, constituindo-se
no instrumento cabível para a sua manutenção, de utilização
necessária todas as vezes que um Estado-Membro ou um
Município desrespeitar os princípios constitucionais federativos
ou provocar uma instabilidade na normalidade jurídica.
Já nas palavras de José Afonso da SILVA (1997:460):
A Intervenção Federal é ato político que consiste na incursão
da entidade interventora nos negócios da entidade que a
suporta. Constitui o ‘puctum dolens’ do Estado Federal, onde
se entrecruzam as tendências unitaristas e as tendências
desagregantes.
Humberto Peña de MORAES (2005:229) define que a intervenção
federal é:
instituto típico da estrutura do Estado Federal, repousa a
intervenção no afastamento temporário da atuação autônoma
da entidade federativa sobre a qual a mesma se projeta.
A doutrina classifica que a intervenção federal pode se operar em duas
espécies: a intervenção espontânea e a intervenção provocada. A primeira é
uma discricionariedade, juízo de oportunidade e conveniência, do Presidente
da República, ou seja, ato exclusivo da vontade do Chefe do Poder Executivo
que deverá obter posterior aprovação por parte do Congresso Nacional, e que
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77
na atualidade constitucional, está prevista no art. 34, incs. I, II, III e V da
CRFB/88.
A intervenção federal será provocada, hodiernamente, nos casos
descritos no art. 34, incs. IV, VI e VII por solicitação do Executivo e do
Legislativo estaduais, e, por requisição, por parte dos órgãos do Judiciário89.
Em ambas as espécies deve ser expedido um decreto presidencial
interventivo especificando a abrangência (os Estados-Membros que serão
atingidos pela medida); a amplitude (os poderes que serão cerceados); e o
tempo (prazo de duração da medida especificado). Deve o Presidente,
segundo os arts. 90, I e 91 §1º da CRFB/8890 ouvir o Conselho da República e
o Conselho de Defesa Nacional para decretação. “Havendo a omissão do
tempo determinado para a sua realização, a falta de indicação de cláusula
89
Retratando a discussão quanto ao papel do Presidente da República na intervenção federal
informa-nos AGRA (2007:301-302): “Controvertida é a questão de saber se o Presidente da
República tem obrigatoriedade ou não de decretar a intervenção quando houver pedido. Na
questão acerca da intervenção no governo da Bahia, em 1920, Rui Barbosa afirmava que a
intervenção dependeria do poder discricionário do Presidente, e Epitácio Pessoa defendia a
tese de que o pedido vincularia o Chefe do Executivo, cabendo a ele apenas decretar a
intervenção. A tese hoje preponderante é a de que o Presidente pode ou não decretar a
intervenção diante do caso concreto. O pedido não o vinculará, cabendo a ele, pelas
circunstâncias específicas do caso, analisar a conveniência ou não da decretação. Todavia,
quando o objetivo da intervenção for o de prover à execução de lei federal, ordem ou decisão
judicial e de assegurar a observância dos princípios sensíveis, a doutrina predominante se
posiciona no sentido de que o pedido se torna vinculante, obrigatório, porque os motivos são
eminentemente de cunho jurídico. Os mesmos parâmetros valem para a intervenção nos
Municípios, nos mesmos casos pertinentes aos Estados-membros.”
90
“Art. 90. Compete ao Conselho da República pronunciar-se sobre: I - intervenção federal,
estado de defesa e estado de sítio; II - as questões relevantes para a estabilidade das
instituições democráticas. § 1º - O Presidente da República poderá convocar Ministro de
Estado para participar da reunião do Conselho, quando constar da pauta questão relacionada
com o respectivo Ministério. § 2º - A lei regulará a organização e o funcionamento do Conselho
da República.
Art. 91. O Conselho de Defesa Nacional é órgão de consulta do Presidente da República nos
assuntos relacionados com a soberania nacional e a defesa do Estado democrático, e dele
participam como membros natos: I - o Vice-Presidente da República; II - o Presidente da
Câmara dos Deputados; III - o Presidente do Senado Federal; IV - o Ministro da Justiça; V - o
Ministro de Estado da Defesa; VI - o Ministro das Relações Exteriores; VII - o Ministro do
Planejamento. VIII - os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. § 1º Compete ao Conselho de Defesa Nacional: I - opinar nas hipóteses de declaração de guerra e
de celebração da paz, nos termos desta Constituição; II - opinar sobre a decretação do estado
de defesa, do estado de sítio e da intervenção federal; III - propor os critérios e condições de
utilização de áreas indispensáveis à segurança do território nacional e opinar sobre seu efetivo
uso, especialmente na faixa de fronteira e nas relacionadas com a preservação e a exploração
dos recursos naturais de qualquer tipo; IV - estudar, propor e acompanhar o desenvolvimento
de iniciativas necessárias a garantir a independência nacional e a defesa do Estado
democrático. § 2º - A lei regulará a organização e o funcionamento do Conselho de Defesa
Nacional.”
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78
suspensiva, a intervenção deverá ser considerada inconstitucional pelo Poder
Judiciário” (AGRA, 2007:300).
O decreto deve, ainda, justificar as razões de sua amplitude,
abrangência e tempo. Após a sua redação pelo Presidente da República o
decreto será publicado gerando automaticamente os seus efeitos e remetido a
apreciação do Congresso Nacional.
Quanto à função do Poder Legislativo ao controle do ato interventivo
não lhe é permitido emendar o direito expedido, mas tão somente rejeitá-lo ou
aprová-lo integralmente por decreto legislativo.
Não cabe apreciação do Legislativo quando for de acinte aos
princípios sensíveis e para prover a execução de lei federal,
ordem ou decisão judicial – arts. 34, incisos VI e VII. Nesses
casos, descabe apreciação por parte do Legislativo porque os
critérios são essencialmente técnico-jurídicos, ocorrendo o
controle jurídico do processo interventivo. Ele somente se inicia
se houver requisição dos órgãos judiciais ou se houver o
provimento da representação do Procurador-Geral da
República.
No caso de descumprimento de lei federal, o pedido partirá
do
Supremo
Tribunal
Federal;
nos
casos
de
descumprimento de ordem ou decisão judicial, os pedidos
poderão partir do Tribunal Superior Eleitoral, do Superior
Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal; no
caso de quebra dos princípios sensíveis, o pedido será
encaminhado pelo STF.
Portanto, nos casos de acinte aos princípios sensíveis e para
prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial, não
há necessidade de apreciação pelo Poder Legislativo.
Entretanto, se o pedido partir do STF para assegurar o livre
exercício das funções do Poder Judiciário de quaisquer das
unidades judiciárias estaduais, segundo o art. 34, inciso IV, terá
de haver aprovação por parte do Poder Legislativo. (grifos
nossos) (AGRA, 2007:299-300).
Três são, então, as conseqüências do ato apreciado pelo Poder
Legislativo, segundo as palavras de LEWANDOWSKI (1994:132):
a)os parlamentares podem aprová-lo, autorizando a
continuidade da intervenção até o atingimento de seus fins;
b)podem, de outro lado, aprová-lo, suspendendo de
imediato a medida, situação que gerará efeitos ex nunc;
c)podem, por fim, rejeitá-lo integralmente, suspendendo a
intervenção e declarando ilegais, ex tunc, os atos de
intervenção.
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79
Nas situações que podem ser caracterizadas ou estabelecidas por
questões meramente da seara jurídica, tais sejam, a inexecução de lei federal,
ordem ou decisão judicial (art. 34, IV da CRFB/88), ou o desrespeito aos
princípios constitucionais sensíveis (34, VII da CRFB/88), ficará dispensada a
apreciação por parte do Poder Legislativo do decreto presidencial, se for
suficiente a expulsão da norma jurídica que esteja conturbando a supremacia
constitucional.
Finalmente, quando as razões que justificaram a intervenção tiverem
cessado, as autoridades afastadas dos entes federativos, não havendo
impedimento de nenhuma ordem, retornarão aos seus cargos.
Quanto a figura do interventor, é interessante observar o trecho de
AGRA (2007:301):
O alcance da intervenção e das prerrogativas do interventor
não pode descurar dos princípios constitucionais impostos pelo
ordenamento jurídico. Não há, como no estado de sítio e no
estado de defesa, uma flexibilização dos direitos fundamentais
ou uma excepcionalidade dos direitos e garantias
constitucionais.
O Estado Democrático de Direito é mantido em sua inteireza,
ocorrendo apenas a limitação da autonomia do ente federativo
que sofreu a intervenção. Os limites da intervenção são
expostos preponderantemente pela Constituição Federal e pelo
decreto presidencial que a estabelece.
A intervenção federal, diz ainda a doutrina, possui duas características:
a natureza política e a provisoriedade. Importante ressaltar que a doutrina ao
se referir a natureza política da intervenção federal a reduz a uma questão de
discricionariedade,
não
discutindo,
portanto,
as
implicações
e
a
contextualização política do ato.
SILVA NETO (2007:260) explica:
Quando se defende a natureza política do processo de
intervenção, está-se a firmar, por outro prisma, o entendimento
de que os critérios sobre os quais se movimenta a autoridade
responsável pela expedição do decreto são essencialmente
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políticos. Utiliza-se, portanto, do juízo da conveniência e
oportunidade da medida. Conveniência é signo que importa na
aferição de juízo de valor político acerca da efetiva
necessidade no adotar-se a providência. Oportunidade, por
outro lado, significa examinar o momento político da sua
execução. A autoridade responsável pelo início da intervenção
não usa um ou outro, mas os dois. Entrecruzam-se
conveniência e oportunidade para tornar o mais acertado
possível a decisão política atinente à intervenção. Outrossim, o
§4º do art. 36 salienta que ‘cessados os motivos da
intervenção, as autoridades afastadas de seus cargos a estes
voltarão, salvo impedimento legal’. É a característica referente
à provisoriedade da intervenção. Medida excepcionalíssima
que vulnera as autonomias estadual e municipal, o
procedimento interventivo deve durar rigorosamente o tempo
apto ao retorno da normalidade institucional da entidade
federativa atingida.
É importante ressaltar que a decretação deste instituto jurídico
representa um momento de crise institucional tão sério, que ela configura um
limite circunstancial ao Poder Constituinte Derivado de emendar a Constituição
(art. 60, §1º da CRFB/8891).
Esta medida de exceção não estabelece uma hierarquia entre os entes
federativos. Quando a União intervém nos Estados-Membros, o Congresso
Nacional referenda, ou não, através de um Decreto Legislativo (art. 49, IV da
CRFB/8892), o decreto de intervenção (art. 84, X da CRFB/8893) do Presidente
da República. Por simetria ocorre o mesmo na intervenção estadual (art. 35 da
CFRB/88) (AGRA, 2007).
91
“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I - de um terço, no mínimo,
dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II - do Presidente da
República; III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação,
manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. § 1º - A Constituição
não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de
estado de sítio.”
92
“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: IV - aprovar o estado de defesa
e a intervenção federal, autorizar o estado de sítio, ou suspender qualquer uma dessas
medidas;”
93
“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: X - decretar e executar a
intervenção federal;”
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81
A Intervenção Federal diferentemente dos institutos do Estado de
Defesa (art. 136 da CRFB/8894) e do Estado de Sítio (arts. 137 a 141 da
CRFB/8895) não é uma excepcionalidade ao Estado Democrático de Direito
94
“Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho
de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer,
em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e
iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na
natureza. § 1º - O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua
duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as
medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes: I - restrições aos direitos de: a) reunião,
ainda que exercida no seio das associações; b) sigilo de correspondência; c) sigilo de
comunicação telegráfica e telefônica; II - ocupação e uso temporário de bens e serviços
públicos, na hipótese de calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos
decorrentes. § 2º - O tempo de duração do estado de defesa não será superior a trinta dias,
podendo ser prorrogado uma vez, por igual período, se persistirem as razões que justificaram a
sua decretação. § 3º - Na vigência do estado de defesa: I - a prisão por crime contra o Estado,
determinada pelo executor da medida, será por este comunicada imediatamente ao juiz
competente, que a relaxará, se não for legal, facultado ao preso requerer exame de corpo de
delito à autoridade policial; II - a comunicação será acompanhada de declaração, pela
autoridade, do estado físico e mental do detido no momento de sua autuação; III - a prisão ou
detenção de qualquer pessoa não poderá ser superior a dez dias, salvo quando autorizada
pelo Poder Judiciário; IV - é vedada a incomunicabilidade do preso. § 4º - Decretado o estado
de defesa ou sua prorrogação, o Presidente da República, dentro de vinte e quatro horas,
submeterá o ato com a respectiva justificação ao Congresso Nacional, que decidirá por maioria
absoluta. § 5º - Se o Congresso Nacional estiver em recesso, será convocado,
extraordinariamente, no prazo de cinco dias. § 6º - O Congresso Nacional apreciará o decreto
dentro de dez dias contados de seu recebimento, devendo continuar funcionando enquanto
vigorar o estado de defesa. § 7º - Rejeitado o decreto, cessa imediatamente o estado de
defesa.”
95
“Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho
de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de
sítio nos casos de: I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que
comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa; II - declaração de
estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira. Parágrafo único. O Presidente
da República, ao solicitar autorização para decretar o estado de sítio ou sua prorrogação,
relatará os motivos determinantes do pedido, devendo o Congresso Nacional decidir por
maioria absoluta.
Art. 138. O decreto do estado de sítio indicará sua duração, as normas necessárias a sua
execução e as garantias constitucionais que ficarão suspensas, e, depois de publicado, o
Presidente da República designará o executor das medidas específicas e as áreas abrangidas.
§ 1º - O estado de sítio, no caso do art. 137, I, não poderá ser decretado por mais de trinta
dias, nem prorrogado, de cada vez, por prazo superior; no do inciso II, poderá ser decretado
por todo o tempo que perdurar a guerra ou a agressão armada estrangeira. § 2º - Solicitada
autorização para decretar o estado de sítio durante o recesso parlamentar, o Presidente do
Senado Federal, de imediato, convocará extraordinariamente o Congresso Nacional para se
reunir dentro de cinco dias, a fim de apreciar o ato. § 3º - O Congresso Nacional permanecerá
em funcionamento até o término das medidas coercitivas. Art. 139. Na vigência do estado de
sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as
seguintes medidas: I - obrigação de permanência em localidade determinada; II - detenção em
edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns; III - restrições relativas à
inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e
à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei; IV - suspensão da liberdade
de reunião; V - busca e apreensão em domicílio; VI - intervenção nas empresas de serviços
públicos; VII - requisição de bens. Parágrafo único. Não se inclui nas restrições do inciso III a
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visto que a Constituição não prevê para aquele instituto a possibilidade de
suspensão de direitos ou garantias fundamentais. A intervenção será uma
restrição a autonomia federativa de um ente (AGRA, 2007).
Ocorre, porém, que nada impede o ordenamento constitucional que
sendo insuficiente a intervenção, passem a ser decretados os Estados de
Defesa e de Sítio.
Segundo a doutrina, já citada, as formas de controle da intervenção
são de duas espécies: política e jurídica. A primeira refere-se aquele realizado
pelo Poder Legislativo dos atos interventivos postos a sua apreciação. A
segunda, efetuada pelo Poder Judiciário, ocorre pela verificação do respeito a
autonomia federativa e dos mandamentos constitucionais.
2.3.1. ADIN Interventiva
A ação direta de inconstitucionalidade interventiva (art. 36, III da
CRFB/8896) é uma modalidade de controle de constitucionalidade concreto e
concentrado para um conflito federativo, proposta no nível federal pelo chefe do
Ministério Público Federal, o Procurador Geral da República, quando um dos
Estados-membros desrespeita lei federal ou um dos princípios constitucionais
sensíveis (art. 34, VII da CRFB/8897). (MENDES, 2008).
difusão de pronunciamentos de parlamentares efetuados em suas Casas Legislativas, desde
que liberada pela respectiva Mesa.
Art. 140. A Mesa do Congresso Nacional, ouvidos os líderes partidários, designará Comissão
composta de cinco de seus membros para acompanhar e fiscalizar a execução das medidas
referentes ao estado de defesa e ao estado de sítio.
Art. 141. Cessado o estado de defesa ou o estado de sítio, cessarão também seus efeitos, sem
prejuízo da responsabilidade pelos ilícitos cometidos por seus executores ou agentes.
Parágrafo único. Logo que cesse o estado de defesa ou o estado de sítio, as medidas
aplicadas em sua vigência serão relatadas pelo Presidente da República, em mensagem ao
Congresso Nacional, com especificação e justificação das providências adotadas, com relação
nominal dos atingidos e indicação das restrições aplicadas.”
96
“Art. 36. A decretação da intervenção dependerá: III de provimento, pelo Supremo Tribunal
Federal, de representação do Procurador-Geral da República, na hipótese do art. 34, VII, e no
caso de recusa à execução de lei federal.”
97
“Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: VII assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: a) forma republicana,
sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia
municipal; d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta. e) aplicação do
mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de
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Apesar de o texto constitucional falar em “representação”, trata-se de
verdadeira ação. Por isso que hoje se chama ação direta interventiva.
A ação direta interventiva não desencadeia um processo objetivo, ou
seja, a análise da constitucionalidade da lei em tese. Mas sim, a jurisdição para
solucionar um conflito federativo entre a União e os Estados (ou Distrito
Federal).
A função do Supremo Tribunal Federal não é a de responder uma
consulta (ou afastar lei em tese), mas de decidir um caso concreto (MENDES,
2008).
É importante observar que a conseqüência do provimento da
representação (ou procedência da ação direta interventiva) não é a nulidade do
ato contaminado, o que se quer é a decretação da intervenção federal no
Estado.
O legitimado para figurar no pólo ativo é a União Federal representada
pelo Procurador Geral da República. No pólo passivo, o legitimado é o Estado
menbro ou Distrito Federal.
Hoje, o procedimento da ação interventiva está regulado pela Lei n.
4337/64. O Procurador Geral da República – PGR, ao ter conhecimento do ato
que viola os princípios constitucionais sensíveis pode propor a ação direta
interventiva. Caso seja mediante representação do interessado e o PGR
entender ser relevante, tem ele o prazo de 30 dias para ingressar com a ação
direta interventiva perante o Supremo Tribunal Federal.
Proposta a ação, o relator ouve em 30 dias os órgãos que elaboraram
ou praticaram o ato. Após a oitiva dos órgãos, o relator tem 30 dias para
apresentar o relatório, que remeterá a todos os Ministros. O julgamento será
feito pelo Pleno, podendo fazer uso da palavra o Procurador Geral da
República e o órgão que emitiu o ato.
Se a decisão for pela inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal
Federal comunica aos órgãos interessados e requisita ao Presidente da
República a decretação da intervenção federal, estando este obrigado a
transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos
de saúde.”
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cumpri-la, sob pena de responder por crime de responsabilidade com base no
art. 12 da Lei 1079/5098.
A Lei 4337/64 expressamente proíbe a concessão de liminar.
Tal
provimento é incompatível com a ação interventiva, porque a suspensão liminar
do ato impugnado transformaria em ação direta de inconstitucionalidade, o que
é fiscalização abstrata e não concreta (MENDES, 2008).
Este é, portanto, o escopo doutrinário da intervenção federal no Brasil,
ou seja, instituto jurídico de manutenção da supremacia constitucional diante
de desequilíbrios federativos e desrespeitos aos princípios fundamentais a
cidadania.
Esse é, pois, o panorama do que a doutrina constitucional brasileira, e
como tal o campo jurídico brasileiro representa acerca do federalismo e da
intervenção federal.
2.4. Federalismo, Intervenção Federal e Cidadania: o que a doutrina não
diz
Após termos apresentado o que a doutrina jurídica brasileira expõe
acerca do federalismo e da intervenção federal, vamos neste item desenvolver
uma reflexão sobre os pontos que a dogmática no Brasil nem sequer toca.
Uma primeira constatação acerca do federalismo deve ser feita: a
federação, através da descentralização dos poderes soberano e administrativo
em entidades geográficas autônomas, torna-se um pressuposto para o regime
democrático, pois possibilitaria a gestão da coisa pública, respeitando-se as
peculiaridades, interesses e particularidades regionais e locais.
Cidadania, por sua vez, que pode ser traduzido como mínimo jurídico
comum a todos que estão ligados juridicamente a um Estado, consubstancia
um conjunto de direitos e deveres que disciplinam a relação do Estado com seu
povo.
98
“Art. 12. São crimes contra o cumprimento das decisões judiciárias: 1 - impedir, por qualquer
meio, o efeito dos atos, mandados ou decisões do Poder Judiciário; 2 - Recusar o cumprimento
das decisões do Poder Judiciário no que depender do exercício das funções do Poder
Executivo; 3 - deixar de atender a requisição de intervenção federal do Supremo Tribunal
Federal ou do Tribunal Superior Eleitoral; 4 - Impedir ou frustrar pagamento determinado por
sentença judiciária”.
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O Estado contemporâneo, pós revoluções liberais burguesas, a partir
da idéia de igualdade jurídica universal – todos são iguais perante a lei e na
aplicação da lei-, compromete-se a atribuir a todos aqueles que se vinculam a
ele, um mínimo jurídico comum, composto de um conjunto de direitos e
deveres atribuídos a todos em razão do vínculo político de cada sujeito com
este mesmo Estado. Assim, a cidadania, a qual é inerente a idéia de
universalidade e, portanto de igualdade jurídica, é um fenômeno próprio das
sociedades capitalistas contemporâneas, pois é um meio do Estado garantir a
todos aqueles que a ele se vinculam e por isto são titulares de deveres que, em
última análise, financiam este mesmo Estado, um patamar mínimo de
igualdade, já que a sociedade de mercado, pela sua própria lógica, gera
desigualdade (MARSHALL, 1967).
Assim, a cidadania pode ser conceituada como o mínimo jurídico,
composto de direitos e deveres, comum a todos os que estão vinculados
politicamente a determinado Estado. Em outras palavras, cidadania é um
conjunto de direitos e deveres atribuído a todos os que estão vinculados a um
determinado Estado por um critério de vinculação política, em razão deste
mesmo vínculo, que é a nacionalidade. O mínimo jurídico comum atribuído a
todos os nacionais pela cidadania é composto, segundo MARSAHALL(1967)
por três grupos de direito: os direitos civis são derivados do direito de liberdade
e devem ser garantidos pelos tribunais, os direitos políticos que deve ser
garantido pelo acesso universal às urnas; e os direitos sociais que devem ser
garantidos pelas políticas públicas.
Associarmos,
desta
forma,
uma
concepção
contemporânea
de
federação e de cidadania, pela autonomia nas mãos das regiões, se viabiliza o
exercício democrático do poder, e como tal da cidadania. O federalismo existe,
podemos dizer, para a proteção dos direitos do cidadão, do exercício do poder
pelo cidadão.
Partindo-se deste pressuposto, a intervenção federal é meio protetivo
ao equilíbrio federativo, que apesar de suspender a autonomia dos entes
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federativos, a suspende, para viabilizar os direitos do cidadão, visto que esta
autonomia não está, por alguma circunstância, sendo capaz de promovê-los.
Ocorre que, a doutrina jurídica brasileira e os Ministros do Supremo
Tribunal Federal em seus votos quando representam a intervenção federal,
através da categoria ‘medida drástica’99 e a ser um instituto jurídico, que na
memória histórico-política brasileira, sempre foi utilizado em momentos
ditatoriais, acabam por não defendê-la.
Ao sopesarem, se é que eles realmente façam isso, não suspensão
das autonomias e defesa da cidadania, escolhem sempre a manutenção das
autonomias em detrimento dos direitos do cidadão, por considerarem medida
menos grave. Na verdade, a doutrina jurídica brasileira e os Ministros do
Supremo Tribunal Federal não vislumbram que a intervenção federal, numa
ambiência de estabilidade democrática, é, antes de tudo, o último remédio de
que podem ser valer os cidadãos para verem seus direitos respeitados quando
ineficientes as gestões de seus estados membros.
Sendo assim, a doutrina jurídica brasileira não diz que o principal papel
da intervenção federal no Estado Democrático de Direito é proteger o pacto
federativo, e como tal, a constituição federal, no intuito de se ver respeitada a
própria razão de existência do Estado: a Cidadania.
99
Recomenda-se ver o capítulo III deste trabalho que desenvolve as categorias discursivas dos
Ministros do Supremo Tribunal Federal acerca da intervenção federal.
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87
CAPÍTULO III- Os temas relacionados aos pedidos de intervenção federal
discutidos no Supremo Tribunal Federal entre os anos de 1988 a 2008.
Após realizarmos a leitura e análise das 150 decisões do Supremo
Tribunal Federal e chegarmos as 19 apresentadas, constatamos que
poderíamos agrupar as decisões por 5 grandes temas, tais sejam: o não
pagamento de precatórios; descumprimento de decisão judicial de reintegração
de posse; desrespeito a princípio constitucional sensível e invasão de uma
unidade federativa em outra e desrespeito de decisão judicial que determina de
se respeite a regra do quinto constitucional.
Em relação ao primeiro tema estão reunidas as decisões que tratam
dos pedidos de intervenção federal pelo não pagamento de precatórios100101,
totalizando treze decisões. Os julgados sobre pedidos de intervenção por
desrespeito a decisão judicial que determinava reintegração de posse102103,
totalizam duas decisões.
100
Precatório é uma ordem judicial de pagamento de débitos da Fazenda Pública (Federal,
Estadual ou
Municipal), devidos por força de sentença judicial transitada em julgado (art.
100, CF/88), constituída em processo formado no juízo da execução, sendo esta a sua fase
final, para a satisfação do credor-exeqüente.
101
Quanto aos precatórios às decisões: reclamação nº 2100-9/SP, data da decisão:
13/03/2003, Relator: Min. Marco Aurélio; intervenção federal – questão de ordem nº 105-6/PR,
data da decisão: 03/08/1992, Relator: Min. Sydney Sanches; intervenção federal nº 101-3/ MA,
data da decisão: 06/12/1989, Relator: Min. Néri da Silveira; intervenção federal nº 120-0/PR,
data da decisão: 10/02/1993, Relator: Min. Sydney Sanches; intervenção federal – agravo
regimental nº 2045-0/SP, data da decisão: 13/09/2006, Relator: Min. Ellen Gracie; intervenção
federal – agravo regimental nº 506-0/SP, data da decisão: 05/05/2004, Relator: Maurício
Corrêa; intervenção federal nº 164-1, data da decisão: 03/02/2003, Relator: Min. Marco Aurélio
para acórdão Min. Gilmar Mendes; intervenção federal nº 2915-5/ SP, data da decisão:
03/02/2003, Relator: Min. Marco Aurélio para acórdão Min. Gilmar Mendes; Reclamação nº
1091-1/PA, data da decisão: 22/05/2002, Relator: Maurício Corrêa; intervenção federal nº2303/DF, data da decisão: 24/04/1996, Relator: Mn. Sepúlveda Pertence; intervenção federal –
agravo regimental nº 555-8/MG, data da decisão: 18/12/1997, Relator: Min. Celso de Mello;
intervenção federal nº 135-8/RJ, data da decisão: 18/10/1995, Relator: Min. Sepúlveda
Pertence; intervenção federal – questão de ordem nº590-2/CE, data de decisão: 17/09/1998,
Relator: Min. Celso de Mello.
102
Ação visando a recuperação de um bem, promovido pelo seu possuidor a título legal, contra
o esbulhador, ou terceiro que o recebeu.
103
Quanto à reintegração de posse às decisões: intervenção federal- questão de ordem nº 1072/DF, data da decisão: 03/08/1992, Relator: Min. Sydney Sanches; intervenção federal nº 1030/PR, data da decisão: 13/03/1991, Relator: Néri da Silveira.
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88
O 3º tema, desrespeito a princípio constitucional sensível104105, possui
duas decisões. O 4º, invasão de uma entidade federativa em outra106, tem
apenas uma decisão. E, finalmente, o 5º tema107 também é representado por
apenas uma decisão.
Vale, antes de começarmos a descrição dos respectivos casos,
justificar que a forma de sua apresentação se deu, por ser tratarem apenas de
19 decisões – o que impossibilita qualquer associação relevante por data de
julgamento, ministro, instrumento processual e estado membro- privilegiando a
narração do objeto do que foi debatido por suas temáticas.
3.1. Descrição dos casos sobre o não pagamento de precatórios.
1) Trata-se de Reclamação formalizada por Gabriele Canestrelli e cônjuge
contra atos do Tribunal de Justiça de São Paulo e seu Presidente. Os
reclamantes propuseram pedido interventivo no Estado em face do não
pagamento integral do valor requisitado em precatório decorrente de
desapropriação. O TJ julgara procedente o pedido, encaminhando o processo
ao STF onde foi autuado como Intervenção Federal nº345-8. Após a
apresentação das informações do Governador do Estado, restara determinado
o retorno dos autos à origem, a fim de que houvesse esclarecimentos quanto
aos percentuais aplicados na correção monetária do débito. Uma vez cumprida
104
Os princípios constitucionais sensíveis são os temas que estão estabelecidos taxativamente
no art. 34, inc. VII da CRFB/88.
105
Em relação ao desrespeito a princípio constitucional sensível: intervenção federal nº
114/MT, data da decisão: 13/03/1999, Relator: Min. Néri da Silveira; intervenção federal nº 1021/PA, data da decisão: 13/03/1991, Relator: Min. Néri da Silveira.
106
Quanto à invasão de uma entidade federativa em outra: mandado de segurança nº 21.0419, data da decisão: 12/06/1991, Relator: Min. Celso de Mello.
107
Importante esclarecer que o quinto constitucional é instituto jurídico estabelecido no art. 94
da CRFB/88, e determina que um quinto das vagas dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais
Regionais Federais sejam destinadas a advogados e membros do Ministério Público.
Reclamação – agravo regimental nº 496-2/RS, data da decisão: 23/06/1994, Relator: Min.
Octávio Gallotti.
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89
a diligência, o Presidente do TJ despachou os autos e ordenou a suspensão do
processo em virtude da superveniência da Emenda Constitucional nº30/2000,
que estabelece prazo de dez anos para a quitação de dívidas de natureza não
alimentar e daquelas não consideradas como de pequeno valor. A Corte, em
Tribunal Pleno, embasada no voto do relator decidiu que o Tribunal de Justiça
do
Estado
de
São
Paulo deve se ater ao objeto da diligência, afastando-se da prejudicialidade
declarada.
2) Trata-se de pedido de intervenção federal requerida por José Manoel Pinto
de Camargo e sua mulher no Estado do Paraná pelo não pagamento de
precatório judicial, tendo sido preteridos pelo Estado que desrespeitou o
princípio da precedência. A Corte, em Tribunal Pleno, embasada no voto do
relator não conheceu do pedido, por ilegitimidade ativa dos requerentes.
3) Trata-se de pedido de intervenção federal no Estado do Maranhão requerida
por Centro Oeste Distribuidora de Madeiras e outras pela preterição e não
pagamento de precatórios. A Corte, em Tribunal Pleno, embasada no voto do
relator julgou os requerentes carecedores da ação.
4) Trata-se de pedido de intervenção federal requerida pelo Órgão Especial do
Tribunal de Justiça do Estado do Paraná a pedido de Antonio Clarides Modena
e outros pela recusa no pagamento de precatórios. A Corte, em Tribunal Pleno,
embasada no voto do relator indeferiu o pedido de intervenção federal,
entendendo que credor eventualmente
preterido, em seu direito
de
precedência, deveria pedir o seqüestro da quantia necessária à satisfação do
débito (parágrafo 2° do art. 100 da Constituição). E não, desde logo, a
intervenção federal.
5) Trata-se de agravo regimental interposto contra a decisão monocrática do
relator que indeferiu monocraticamente o pedido de intervenção federal
requerida pela Cerâmica Industrial de Osasco Ltda. pelo descumprimento de
decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que requisitou ao
Governador de Estado decretar intervenção em Município por não pagamento
de precatórios. A Corte, em Tribunal Pleno, embasada no voto da relatora
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90
negou provimento ao agravo, pois a decisão que defere pedido de intervenção
estadual em município constitui procedimento político-administrativo, destituído
de índole jurisdicional.
6) Trata-se de agravo regimental interposto contra a decisão monocrática do
relator que indeferiu monocraticamente o pedido de intervenção federal
requerida por Raphael de Paula Souza e Cônjuge pelo descumprimento de
decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que determinou o
pagamento de precatório complementar no prazo de 90 dias. A Corte, por
maioria, em Tribunal Pleno, embasada no voto do relator, negou provimento ao
agravo contra a decisão que indeferiu o pedido de intervenção federal, porque
o
Estado
vivia
uma
situação
de
exaustão
financeira,
fenômeno
econômico/financeiro vinculado à baixa arrecadação tributária, que não
legitimaria, portanto, a medida drástica de subtrair temporariamente a
autonomia estatal.
7) Trata-se de pedido de intervenção federal requerida pelo Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo a pedido de Eliza Pretti e Outros pela recusa no
pagamento de precatórios de natureza alimentícia. A Corte, por maioria, em
Tribunal Pleno, embasada no voto do Ministro Gilmar Mendes indeferiu o
pedido de intervenção federal, pois não teria havia uma intenção dolosa e
deliberada do Estado de São Paulo com finalidade de não pagamento, como
também, pelo princípio da proporcionalidade, ao estar o Estado sujeito a
quadro de múltiplas obrigações de idêntica hierarquia, ele tem a necessidade
de garantir eficácia a outras normas constitucionais, como, por exemplo, a
continuidade de prestação de serviços públicos.
8) Trata-se de pedido de intervenção federal requerida pelo Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo a pedido de Nair de Andrade e Outros pela recusa no
pagamento de precatórios de natureza alimentícia. A Corte, por maioria, em
Tribunal Pleno, embasada no voto do Ministro Gilmar Mendes indeferiu o
pedido de intervenção federal, pois não teria havia uma intenção dolosa e
deliberada do Estado de São Paulo com finalidade de não pagamento, como
também, pelo princípio da proporcionalidade, ao estar o Estado sujeito a
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quadro de múltiplas obrigações de idêntica hierarquia, ele tem a necessidade
de garantir eficácia a outras normas constitucionais, como, por exemplo, a
continuidade de prestação de serviços públicos.
9) Trata-se de reclamação interposta pelo Governador do Estado do Pará
contra o Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região, que teria desrespeitado
decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1662-SP, ao
determinar o seqüestro de quantias da Fundação da Criança e do Adolescente
e da Fundação Santa Casa de Misericórdia. A Corte, em Tribunal Pleno,
embasada no voto do relator julgou procedente o pedido formulado na
reclamação.
10) Trata-se de pedido de intervenção federal requerido por Abeguar Herdy de
Oliveira e outros pelo descumprimento de decisão do Tribunal Regional do
Trabalho da 10ª Região, que determinava o pagamento de precatórios por
parte do Distrito Federal. A Corte, em Tribunal Pleno, embasada no voto do
relator resolveu questão de ordem proposta pelo Relator, afirmou a
competência do Supremo Tribunal Federal e negou seguimento ao expediente
pela falta de iniciativa própria e fundamentada do órgão legitimado para pedir a
intervenção.
11) Trata-se de agravo regimental interposto contra a decisão monocrática do
Ministro Sepúlveda Pertence que indeferiu monocraticamente o pedido de
intervenção
federal
requerida
por
Nelson
Xisto
Damasceno
pelo
descumprimento de decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais
que determinou o pagamento de precatórios. A Corte, em Tribunal Pleno,
embasada no voto do relator negou provimento ao agravo, pois se tratando de
condenação transitada em julgado, proferida por órgão competente da Justiça
Estadual, falece legitimidade ativa ad causam ao credor interessado para
requerer diretamente, ao Supremo Tribunal Federal, a instauração do processo
de intervenção federal contra o Estado-membro que deixou de cumprir a
decisão ou a ordem judicial. Em tal hipótese, impor-se-á, à parte interessada, a
obrigação de previamente submeter o pedido de intervenção ao Presidente do
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Tribunal local, a quem incumbirá formular, em ato devidamente motivado, o
pertinente juízo de admissibilidade.
12) Trata-se de pedido de intervenção federal requerida por Ary Mendes e
outros delegados de polícia do Estado do Rio de Janeiro para execução de
decisão judicial que lhes foi favorável, no sentido de resguardar direitos
supervenientes quanto a equiparação da verba de representação aos subsídios
do Ministério Público. Afirmaram ainda os delegados que o Presidente do
Tribunal de Justiça se recusou a promover a intervenção federal, sob a
alegação de que estaria usurpando competência do Presidente do Supremo
Tribunal Federal, como também estariam eles usando a intervenção federal
para fins recursais e não de resguardo da autoridade da decisão judicial. Não
conhecimento do pedido por unanimidade do Tribunal Pleno com o fundamento
de ilegitimidade dos requerentes.
13) Trata-se de pedido de intervenção federal requerida pelo Tribunal Regional
do Trabalho da 7ª Região, e encaminhada pelo Tribunal Superior do Trabalho,
no Município de Ibiapina/CE pela não inclusão, em seu orçamento anual, da
verba necessária à satisfação do precatório expedido por aquele Tribunal. A
Corte, em Tribunal Pleno, embasada no voto do relator não conheceu do
pedido, por ilegitimidade ativa a União para decretar intervenção federal em
Municípios de Estados-membros.
3.2. Descrição dos casos sobre reintegração de posse.
1) Trata-se de pedido de intervenção federal requerida pelo Tribunal de Justiça
do Estado de Santa Catarina a pedido de Roberta de Araújo Gondin Crochi
pelo descumprimento a mandado de reintegração de posse expedido pelo
Juízo de Direito da Comarca de Abelardo Luz e não cumprido pelo o Estado de
Santa Catarina por não fornecer o contingente policial necessário para a sua
efetivação a despeito das reiteradas requisições. A Corte, em Tribunal Pleno,
embasada no voto do relator declarou a incompetência em razão da matéria do
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STF, pois a questão (propriedade) não se trata de conteúdo constitucional,
determinando a remessa dos autos ao Superior Tribunal de Justiça para
processamento e julgamento.
2) Trata-se de pedido de intervenção federal requerida pela empresa Solidor
Industrial Ltda. no Estado do Paraná para garantir o cumprimento de decisão
judicial que determinou a reintegração de posse em imóvel rural de sua
propriedade que fora invadida por sem terras. A Corte, em Tribunal Pleno,
embasada no voto do relator determinou o arquivamento dos autos da
intervenção federal, por não mais subsistirem razões à requisição, visto que os
sem terras já haviam se retirado da propriedade.
3.3. Descrição dos casos sobre desrespeito a princípio constitucional
sensível
1) Trata-se de representação interventiva proposta pelo Procurador Geral da
República contra o Estado de Mato Grosso por desrespeito a princípio
constitucional sensível estabelecido no art. 34, VII, b da CRFB/88. A Corte, por
maioria, em Tribunal Pleno, preliminarmente, conheceu do pedido de
intervenção, vencidos os Ministros Celso de Mello e Moreira Alves; no mérito, o
Tribunal por unanimidade indeferiu o pedido, pois embora a extrema gravidade
dos fatos e o repúdio que sempre merecem atos de violência e crueldade, não
se trata, porém, de situação concreta que, por si só, possa configurar causa
bastante a decretar-se intervenção federal, no Estado, tendo em conta,
também, as providências adotadas pelas autoridades locais para a apuração
do ilícito.
2) Trata-se de representação interventiva proposta pelo Partido Socialista
Brasileiro e pelo Deputado Ademir para que houvesse requisição de
intervenção federal no Estado do Pará a fim de se assegurar os direitos
humanos e garantir a ordem. A Corte, por unanimidade, em Tribunal Pleno,
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embasada no voto do Ministro Relator Néri da Silveira não conheceu do pedido
por ilegitimidade ativa dos requerentes.
3.4. Descrição dos casos sobre a invasão de uma entidade federativa em
outra
1) Trata-se de mandado de segurança impetrado pelo Governador do
Estado de Rondônia contra atos comissivos e omissivos do Ministro da
Justiça, do Presidente da República e do Governador do Estado do Acre
com a finalidade de obrigar o Presidente da República a decretar a
intervenção federal no Estado do Acre, sob o fundamento da invasão de
um Estado-membro em outro. A Corte, por unanimidade, em Tribunal
Pleno, não conheceu da ação quanto ao ato do Ministro de Estado da
Justiça e indeferiu o mandado de segurança impetrado em face do
Governador do Estado do Acre e do Presidente da República, sob o
fundamento de que a estaríamos diante de pedido de intervenção
espontânea, e, como tal, ela só poderia se realizar por juízo de
conveniência e oportunidade do Chefe do Poder Executivo.
3.5. Descrição dos casos sobre desrespeito de decisão judicial que
determina de se respeite a regra do quinto constitucional.
1) Trata-se de agravo regimental em reclamação de pedido de intervenção
federal proposto pelos Conselhos Federal e Secção Estadual do Rio
Grande do Sul da Ordem dos Advogados do Brasil contra o Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, com fundamento no art. 34, VI,
da CRFB/88, visando preservar e assegurar os efeitos da ADI nº 29 e do
art. 94 da CRFB/88. A Corte, em Tribunal Pleno, embasada no voto do
relator decidiu que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
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deve se ater ao objeto da diligência, afastando-se da prejudicialidade
declarada.
3.6.
As razões ou categorias nativas para não se prover os pedidos de
intervenção federal no Supremo Tribunal Federal
Neste item da tese vamos apresentar e analisar quais seriam as
razões, ou as categorias discursivas nativas ou as justificativas articuladas
pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal não darem provimento aos
pedidos de intervenção federal. Explicitando quais são as problemáticas
obrigatórias,
discussões
mais
recorrentes,
ou
seja,
os
pontos
que
necessariamente despertam questões centrais entre os atores discursivos.
Quanto ao conceito de categorias nativas deve-se explicitar que elas são
o discurso elaborado por determinado grupo tanto sob seus aspectos
simbólicos quanto materiais para ser compreendido e, como tal difundido. Tais
categorias tornam legítima a identidade de um nós coletivo. (CUNHA, 1986).
Elas podem também representar um código, cujo aprendizado das regras
permite a comunicação e o compartilhar de experiências comuns (MONTEIRO,
2006).
Muito importante se faz conhecer tais categorias discursivas, pois elas
informam as estratégias dos Ministros para sustentarem o placar de 150 para
os entes federativos a 0 para a sociedade/cidadãos, em 150 julgamentos de
1988 a 2008, que reduzimos para 19 julgamentos pelas recorrências das
justificativas, pelo não provimento da intervenção federal.
Podemos, em primeiro lugar, separar estas categorias ou razões em
dois grandes grupos, independentemente das temáticas discutidas, (o não
pagamento de precatórios, o desrespeito a decisão judicial que determina a
reintegração de posse, a invasão de uma entidade da federação em outra, o
desrespeito a princípio constitucional sensível, e, o desrespeito a decisão
judicial que determina seja atendido o quinto constitucional) que foram
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96
trabalhadas no item anterior. Os dois grupos são: 1) As escusas108 de processo
civil, e, 2) As escusas que analisam o mérito da questão.
É importante dizer quanto à articulação dessas categorias que elas se
associam a partir dos seguintes pressupostos: 1) apesar da Constituição
determinar que os precatórios (art. 100 da CRFB/88) devem ser pagos com
pontualidade e se respeitando a ordem de preferência dos credores; 2) apesar
de a Constituição determinar a proteção da cidadania e aos direitos dos
cidadãos (arts. 1º e título II da CRFB/88); 3) Não obstante a Constituição
estabelecer a responsabilidade civil objetiva do Estado (art. 37 §6º da
CRFB/88); 4) apesar da Constituição estabelecer que a propriedade privada
deve ser respeitada (art. 5º, XXII da CRFB/88); 5) Não obstante a Constituição
determinar que a segurança é um direito de todos e dever do Estado provê-la
(arts. 5º e 6º da CRFB/88); 6) apesar da Constituição, no seu art. 94,
determinar que o quinto constitucional seja respeitado, o Supremo Tribunal
Federal nunca optou por defendê-las/provê-las. Todas essas temáticas que
foram questionadas no Supremo Tribunal Federal sob o pano de fundo da
intervenção federal são, entretanto, questões amparadas constitucionalmente.
As escusas processuais
a)
Declaração de incompetência do Supremo Tribunal Federal para
julgamento pela matéria não ser de conteúdo constitucional.
- Incidência: 1 caso.
- Número do processo: IF-QO nº107-2/DF.
108
Uma vez que o Supremo Tribunal Federal nunca deu provimento aos pedidos de
intervenção federal de 1988 a 2008, o termo ‘escusa’ está sendo usado neste trabalho no
sentido de ‘desculpas’ usadas pela Corte para não se prover os pedidos de intervenção.
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97
- Explicação das representações acerca da categoria: Os enunciadores
recorrem a um dos principais elementos de formação do capital simbólico do
campo jurídico, a doutrina, através de autores (Manoel Gonçalves Ferreira
Filho e José Afonso da Silva) reconhecidos pelos juristas brasileiros como
clássicos do direito constitucional brasileiro, como um argumento de autoridade
para persuadir seus receptores quanto ao tema e à solução adstritas, a
controvérsia judicial apresentada, tal seja: regras de competência em razão da
matéria. Em outras palavras, os enunciadores sustentam que o Supremo
Tribunal Federal não teria poder para julgar o mérito, pois a questão é
infraconstitucional. Entretanto, em nenhum momento explicam ou explicitam o
que vem a ser matéria constitucional.
- Exemplos:
Excerto 1 - Enunciador: Min. Sydney Sanches, IF-QO nº107-2/DF: “O ilustre
Subprocurador-Geral da República, Doutor ANTONIO FERNANDO BARROS E
SILVA DE SOUZA, no parecer de fls. 128/132, aprovado pelo Exmº. Sr.
Procurador-Geral, Doutor ARISTIDES JUNQUEIRA ALVARENGA, resumiu a
hipótese e, em seguida, opinou, ‘in verbis’:
Intervenção Federal.
Descumprimento de requisição de força policial para execução de liminar
deferida em ação de reintegração de posse. Incompetência do STF. Art. 36, II,
CF/88. Art. 19, I, Lei nº 8.038/90. Hipótese em que a requisição compete ao
STJ já que a causa não se fundamenta em matéria constitucional. Presença do
pressuposto a requisição pleiteada.”
Excerto 2 – Enunciador: Min. Sydney Sanches, IF-QO nº107-2/DF: “O
Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina requer seja decretada a
intervenção federal no referido Estado para que se possa dar cumprimento a
mandado de reintegração de posse expedido em favor de Roberta de Araújo
Gondin Crochi, nos autos de ação de reintegração de posse ajuizada perante o
Juízo de Direito da Comarca de Abelardo Luz-SC. É que a ordem liminarmente
deferida em 06/09/89 ainda não foi cumprida porque o Governo do Estado de
Santa Catarina não fornece o contingente policial necessário a sua efetivação,
apesar das sucessivas requisições. 2. A despeito do pedido estar sendo
processado perante esta Egrégia Corte desde junho de 1990 (fls. 73) reputo
indispensável que se realize o exame da competência para o seu processo e
julgamento, em razão do que dispõe o inciso II do art. 36, da Constituição
Federal. ‘Art. 36. A decretação da intervenção dependerá: II- no caso de
desobediência a ordem ou decisão judiciária, de requisição do Supremo
Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior
Eleitoral.’”
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98
Excerto 3 - Enunciador: Min. Sydney Sanches, IF-QO nº107-2/DF: “Diante
de tais considerações, ao que penso, o processo e julgamento do pedido de
intervenção federal em exame não compete a essa Excelsa Corte, mas sim ao
Superior Tribunal de Justiça, pois que se fundamenta no alegado
descumprimento de ordem expedida por juiz estadual em ação de reintegração
de posse, causa evidentemente fundada em matéria infraconstitucional.”
b)
Ilegitimidade ativa
- Incidência: 7 casos.
- Número do processo: IF-QO nº 105-6/PR, IF-AGR nº 555-8/MG, IF nº 1021/PA, IF nº 135-8/RJ, IF-QO nº 590-2/CE, IF nº 103-0/PR, RECL-AGR nº 4962/RS.
- Explicação das representações acerca da categoria: Através desta
categoria do processo civil, os enunciadores sustentaram que as pessoas que
ingressaram com os pedidos de intervenção federal não poderiam, de acordo
com seus entendimentos acerca da lei processual, fazê-lo.
- Exemplos:
Excerto 1 - Enunciador: Min. Sydney Sanches, IF-QO nº 105-6/PR: “Os
requerentes são partes ilegítimas para pedir a intervenção federal. No mesmo
sentido, após o advento da Constituição de 1988, é o disposto no art. 19 da Lei
n. 8.038, de 28.05.1990: Art. 19 – A requisição de intervenção federal prevista
no incisos II e IV do art. 36 da Constituição Federal será promovida: I – de
ofício, ou mediante requisição de Presidente de Tribunal de Justiça do Estado,
ou de Presidente do Tribunal Federal, quando se tratar de prover a execução
de ordem ou decisão judicial, com ressalva, conforme a matéria, da
competência do Supremo Tribunal Federal ou do Tribunal Superior Eleitoral; II de ofício, ou mediante pedido da parte interessada, quando se tratar de prover
a execução de ordem ou decisão do Superior Tribunal de Justiça;
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Excerto 2 - Enunciador: Min. Sydney Sanches, IF-QO nº 105-6/PR: “Como
se vê, a legitimidade ativa para o pedido de intervenção federal, na hipótese
em que se pretende prover à execução de ordem ou decisão judicial, só é
atribuída à parte interessada quando a ordem ou decisão emana do próprio
Supremo Tribunal Federal, ou do Tribunal de Justiça.”
Excerto 3 - Enunciador: Min. Celso de Mello. IF-AGR nº 555-8/MG: “A
jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, ao definir o
sentido e o alcance do art. 36, II da Constituição da República, deixou
assentado, em tema de legitimidade ativa para instauração do processo de
intervenção federal, que a parte interessada na causa somente poderá
formular, originariamente, ao Supremo Tribunal Federal, pedido de intervenção
federal, quando se tratar de medida necessária ao cumprimento e execução de
decisão proferida por esta Suprema Corte (RTJ 142/371, Rel. Min. SYDNEY
SANCHES). (grifos do enunciador).
Excerto 4 - Enunciador: Min. Néri da Silveira. IF nº 102-1/PA: “Na espécie,
não houve representação do Procurador-Geral da República, que bem o
registra em seu parecer transcrito no relatório. O Tribunal de Justiça do Estado
do Pará nega descumprimento de decisão judicial no Estado. Não há, em
decorrência, fundamento a requisição pelo STF de intervenção federal, no
caso. Não resta, assim, legitimidade ao partido requerente e ao particular,
deputado federal, para suplicarem a intervenção pelos fatos indicados. Não há,
pois, aqui, como conhecer do pedido, por falta de legitimidade dos suplicantes.”
Excerto 5 - Enunciador: Min. Sepúlveda Pertence. IF nº 135-8/RJ: “É este o
teor da manifestação da Procuradoria-Geral (f. 83): “O pedido de intervenção
não tem como ser apreciado, pois aos requerentes falta legitimidade ativa para
tanto. Nesse sentido, a orientação desse Colendo Tribunal, conforme os
seguintes precedentes: "Intervenção Federal. Legitimidade ativa para o pedido.
Interpretação do inciso II do art. 36 da Constituição Federal de 1988, e dos
artigos 19, II e III, da Lei 8.038, de 28-05-1990, e 350, II e III, do RISTF. A parte
interessada pode se dirigir ao Supremo Tribunal Federal, com pedido de
intervenção federal para prover a execução de decisão da própria Corte.
Quando se trata de decisão de Tribunal de Justiça, o requerimento de
intervenção deve ser dirigido ao respectivo Presidente, a quem incumbe, se for
o caso, encaminhá-lo ao Supremo Tribunal Federal. Pedido não conhecido, por
ilegitimidade ativa dos requerentes." (Intervenção Federal n. 105 (Questão de
Ordem) PR, Tribunal Pleno, Relator Exmo. Sr. Min. Sydney Sanches, RTJ
142/371). "Intervenção Federal. - Se o Presidente do Tribunal de Justiça local que tem legitimação para provocar o exame da requisição de intervenção
federal, que só se fará para a preservação da autoridade da Corte que ele
representa - entende que a intervenção federal não cabe no caso, não pode o
STF, de ofício e à vista do encaminhamento por aquela Presidência do pedido
de intervenção federal feito pelo interessado e por ela repelido, examiná-lo.
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100
Agravo regimental a que se nega provimento." (Intervenção Federal n. 81
(AGRG) - SP, Relator Min. Moreira Alves, RTJ 114/443).”
Excerto 6 - Enunciador: Min. Celso de Mello. IF-QO nº 590-2/CE: “Constatase, desde logo, que a intervenção federal reclamada pela E. Presidência do
Tribunal Superior do Trabalho tem por destinatário o Município, que,
identificado neste processo, não teria cumprido a condenação imposta pela
Justiça do Trabalho. Essa circunstância de ordem subjetiva qualifica-se, no
caso ora em exame, como dado juridicamente relevante, pois, no sistema
constitucional brasileiro, não há possibilidade de a União intervir em quaisquer
Municípios, ressalvados, unicamente, os Municípios "Localizados em Território
Federal...” (CF, art. 35, caput). Desse modo, os Municípios situados no âmbito
dos Estados-membros não se expõem à possibilidade constitucional de
sofrerem intervenção decretada pela União Federal, eis que, relativamente a
esses entes municipais, a única pessoa política ativamente legitimada a neles
intervir é o Estado-membro, consoante adverte autorizado magistério
doutrinário (ALEXANDRE DE MORAES, "Direito Constitucional", p. 280, item n.
303, 4& ed., 1998, Atlas; MANOEL GONÇALVES FERREIRA . FILHO,
"Comentários à Constituição Brasileira de 1988", vol. 1/236, 1990, Saraiva;
CELSO RIBEIRO BASTOS e IVES GANDRA MARTINS, "comentários à
Constituição do Brasil", vol. 3, tomo 11/353, 1993, Saraiva; PINTO FERREIRA,
"Comentários à Constituição Brasileira", vaI. 2/352, 1990, Saraiva; JOSÉ
CRETELLA JÚNIOR, "Comentários à Constituição Brasileira de 1988", voI.
IV/2091, item no 184, 1991, Forense Universitária; JOSÉ AFONSO DA SILVA,
"Curso de Direito Constitucional Positivo", p. 483 e 488, 15 ed., 1998,
Malheiros, v.g.). Assim sendo, tendo em consideração as razões expostas, e
por não ser constitucionalmente possível à União Federal intervir em Município
localizado no âmbito de Estado-membro, como no caso, resolvo a presente
questão de ordem, propondo o não-conhecimento do pedido consubstanciado
no ofício encaminhado pelo E. Superior do Trabalho. É o meu voto.”
Excerto 7 - Enunciador: Min. Néri da Silveira. IF nº 103-0/PR: “A suplicante
não possui legitimidade para requerer a intervenção federal no Estado, em face
dos arts. 34, VI, e 36, II, da Constituição. A notícia constante dos autos trazida
ao STF, quanto ao não cumprimento de decisão judicial, poderia ensejar a
requisição pelo Supremo Tribunal Federal da Intervenção Federal.”
Excerto 8 - Enunciador: Min. Octávio Galloti. RECL-AGR nº 496-2/RS:
“Como bem registrou o parecer suso transcrito da Procuradoria-Geral da
República, na espécie, a decisão que tardava a ser cumprida, veio a executarse, com a retirada dos ocupantes do imóvel então de propriedade da
requerente. Dentro desse entendimento, todavia, a conseqüência a extrair,
tanto no item III como do item IV do art. 36, também da Constituição (que ditam
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101
os pressupostos do processamento da intervenção), só poderia ser a exigência
da iniciativa exclusiva do Procurador-Geral da República, para promover a
medida perante o Supremo Tribunal. N que, a despeito do reconhecido
prestígio da entidade, parte ilegítima viria a ser, para ajuizar tal espécie de
pedido de intervenção.”
c)
Carência da ação
- Incidência: 1 caso.
- Número do processo: IF nº 101-3/MA.
- Explicação das representações acerca da categoria: A carência de ação é
definida quando não há a possibilidade jurídica do pedido, legitimidade de
partes e interesse processual, conforme determina o art. 267, VI do CPC: Art.
267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: Vl - quando não
concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a
legitimidade das partes e o interesse processual. Assim, deve ser alegada pelo
réu em preliminar de contestação a carência de ação, que ocasionará a
extinção do processo. Trata-se, portanto, de defesa processual peremptória,
pois o feito apresenta um vício que impossibilita o magistrado de analisar o
conteúdo do direito, ou seja, o mérito da causa. Os enunciadores, portanto, na
presente situação, entenderam que não caberia analisar o mérito da
intervenção por pender análise, por parte do Tribunal de Justiça, do pedido de
seqüestro de quantia referente ao precatório.
- Exemplos:
Excerto 1 - Enunciador: Min. Néri da Silveira, IF nº 101-3/MA: “A alegação
básica do pedido de intervenção federal do Maranhão é descumprimento de
decisão judicial concernente ao pagamento de valor de Precatórios expedidos
em favor das requerentes, relativos ao Processo n. 1602/86 – TJ/MA.Dá-se,
porém, que pendem de julgamento na Corte local pedido de Seqüestro da
quantia referente ao Precatório n. 1602-TJ e Pedido de Intervenção Federal,
junto ao mesmo Tribunal, “com o objetivo de assegurar a satisfação do referido
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102
Precatório em favor das já citadas empresas” (fls. 83), qual se explicita nas
suso transcritas Informações do Tribunal de Justiça em referência.”
Excerto 2 – Enunciador: Min. Néri da Silveira, IF nº 101-3/MA: “Ora, bem de
ver que não se pode substituir por pedido de intervenção federal o que caberia
discutir em pedido de seqüestro. Ademais disso, há, também, pedido de
intervenção federal endereçado ao Tribunal de Justiça do Maranhão, que,
assim, deverá julgá-lo.”
Entretanto, vejamos a passagem109:
Excerto 3 - Enunciador: Min. Néri da Silveira, IF nº 101-3/MA: “De outra
parte, se efetivamente ocorreu preterição do direito de precedência dos
peticionários, ou não, relativamente aos Precatórios aludidos, há de dizer a
Corte local, em seu julgamento. É de mencionar, outrossim, que, se procedente
o pedido, estipula o §2º do art. 100, da Lei Maior, que se decrete seqüestro da
quantia necessária à satisfação do débito.”
Interessante observar o seguinte trecho:
Excerto 4 – Enunciador: Min. Paulo Brossard, IF nº 101-3/MA: “Acompanho
o voto de V. Exa., Sr. Presidente, embora manifeste o meu temor de que se
recriem situações como essas que parece que se estão desenhando no Estado
do Maranhão: decisões transitadas em julgado, em fase de execução, e que
depois emperram em seu prosseguimento. O fato de haver uma ação rescisória
não impede a execução do julgado. Deixo expressa a minha inquietação a
respeito dessa situação, porque bem antes da atual Constituição já várias leis
tiveram o cuidado de estabelecer que os pagamentos pela Fazenda deveriam
ser feitos em atenção à ordem cronológica dos precatórios, exatamente para
evitar aquilo que ocorreu em outros tempos, que os pagamentos fossem feitos
ao alvedrio da administração e às vezes mediante influências estranhas à
Justiça. O assunto subiu do Código de Processo para a Constituição, e a atual
estabelece, no §2º, do art. 100, norma que, devidamente cumprida, creio
resolveria esses problemas.”
d)
109
Perda do objeto
Neste trecho achamos relevante registrar a contradicta entre os Ministros.
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103
- Incidência: 1 caso.
- Número do processo: IF nº 103-0/PR.
- Explicação das representações acerca da categoria: O enunciador
entendeu que não deveria julgar o mérito da questão, pois o pedido de
intervenção teria se dado pela primeira invasão dos sem terras na propriedade
rural e na pela segunda invasão, não haveria portanto objeto a ser analisado
pelo Supremo Tribunal Federal.
- Exemplo:
Excerto 1 - Enunciador: Min. Néri da Silveira. IF nº 103-0/PR: “Dá-se,
porém, que, após, ocorreu nova invasão, segundo informa a requerente; os
novos proprietários do imóvel não pediram ao STF requisitasse intervenção
federal. Não há sequer comprovação de nova ação possessória, ou de
prosseguimento da anterior. Determino, pois, o arquivamento dos presentes
autos, por não mais subsistirem razões à requisição de intervenção federal no
Estado do Paraná.”
As escusas materiais
a)
As dificuldades financeiras do Estado
- Incidência: 2 casos.
- Número do processo: IF nº 120-0/PR, IF nº 2915-5/SP.
- Explicação das representações acerca da categoria: Os enunciadores
sustentaram que apesar do cidadão ter o direito de receber a quantia referente
ao seu precatório, não caberia intervenção federal, pois o estado membro não
teria pago o valor por estar vivendo dificuldades financeiras. Em outras
palavras, não é que tenha havido dolo de não pagar.
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104
- Exemplos:
Excerto 1 - Enunciador: Sydney Sanches, IF nº 120-0/PR: “Acolho os dois
pareceres da Procuradoria-Geral da República. Com efeito, como neles se
demonstrou, não se trata propriamente de descumprimento de decisão judicial,
mas de atraso no seu cumprimento, por alegadas dificuldades financeiras do
Estado, que, então, se valeu do disposto no art. 33 do ADCT da Constituição
Federal de 05/10/1988, para baixar o Decreto nº 4.873, de 30/03/1989, no qual
se dispôs (fls. 58): "Art. 3º - Os precatórios judiciais pendentes de pagamento
em cinco de outubro de l988, excluídos os relativos a créditos de natureza
alimentar, tanto da Administração Direta como das Autarquias, serão pagos em
moeda corrente, com atualização legal, em prestações anuais, iguais e
sucessivas, no prazo de oito anos, a partir de lº de julho de 1989. Parágrafo
único - Para o cumprimento do contido neste artigo, o Estado do Paraná
exercera a faculdade estabelecida no parágrafo único do artigo 33 do ato das
disposições transitórias da Constituição Federal”. .A propósito do pagamento
dos oitavos, informou o Exmº Sr. Procurador-Geral do Estado a fls. 165 que "a
decisão judicial no que diz respeito a Antônio Clarides Modena e outros,
Arnaldo Rodrigues de Godoy e outros e Natal Ferrarini foi atendida e que em
fevereiro e março de l99l a Secretaria de Estado da Fazenda repassou ao
Tribunal de Justiça do Paraná 1/8 do valor devido sendo que em dezembro de
1991 os outros 1/8, conforme se observa dos documentos que faço juntar”.
Excerto 2 – Enunciador: Min. Gilmar Mendes, IF nº 2915-5/SP: “Desse
modo, não podem ser desconsideradas as limitações econômicas que
condicionam a atuação do Estado quanto ao cumprimento das ordens judiciais
que fundamentam o presente pedido de intervenção. Nesse sentido, constam
do memorial apresentado pelo Estado de São Paulo, os seguintes dados,
verbis: “...considerando-se as estimativas de arrecadação para o exercício
corrente, as despesas com o pessoal dos três Poderes do Estado deverão se
situar em torno de 58% das receitas correntes líquidas estaduais; os gastos
com custeio, que permite o funcionamento do aparato administrativo, incluindose certas parcelas que compõem o percentual mínimo a ser aplicado no
desenvolvimento do ensino (art. 212 da CF) e nas ações e serviços públicos de
saúde (art. 198, 2º, da CF), deverão atingir o montante de 19% das receitas
correntes líquidas, ao passo que o serviço da dívida junto à União consumirá
aproximadamente, 12% daquelas receitas; há finalmente, os gastos com
investimentos mínimos indispensáveis para a simples manutenção do
funcionamento de serviços essenciais (rodovias estaduais operadas
diretamente pelo Poder Público, aparato de segurança pública, redes de ensino
e de saúde, etc.), estimados em 9% das receitas correntes líquidas.” E continua
o Estado de São Paulo: “Excluídos os gastos apontados no item anterior, o que
resta de recursos são utilizados no pagamento de precatórios judiciais,
despesa essa estimada, para o ano de 2002 em cerca de 2% das receitas
correntes líquidas, vale dizer, algo em torno de R$ 750.000.000 (setecentos e
cinqüenta milhões de reais).”
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105
Excerto 3 - Enunciador: Min. Ellen Gracie, IF nº 2915-5/SP: “Salta aos olhos
que decretar intervenção em um Estado da Federação a menos de dois meses
da realização de eleições, que recolocam à disposição do povo o cargo de
Governador – ao qual, aliás, concorre o seu atual ocupante – vale apenas e,
tão-somente para agravar a atual situação de desequilíbrio financeiroorçamentário. Eventual interventor – isso foi bem colocado pelo eminente
Ministro Gilmar Mendes – encontrará exatamente as mesmas limitações fáticas
hoje existentes.”
Excerto 4 - Enunciador: Min. Nelson Jobim, IF nº 2915-5/SP: “A pergunta
fundamental que se faz é esta: O Governo do Estado de São Paulo: ao tomar
essas medidas, na sua lei orçamentária, deu azo a uma voluntária, desejada e
arbitrária obstrução à execução das decisões judiciais; ou ele, tendo em vista
os recursos existentes e as vinculações constitucionais obrigatórias, deu essa
destinação? A resposta me parece ter sido dada corretamente pelo Ministro
Gilmar Mendes e pela Ministra Ellen Gracie.”
Excerto 5 – Enunciador: Min. Nelson Jobim, IF nº 2915-5/SP: “É evidente
que também não podemos pensar que o interventor federal descerá de Brasília
com dinheiro da União e irrigará os cofres públicos do Estado de São Paulo
para atender as suas despesas. Isso é impossível. Então, estamos exatamente
naquela situação que o Ministro Gilmar Mendes denomina de “absoluta
inadequação da medida”.”
Excerto 6 – Enunciador: Min. Moreira Alves, IF nº 2915-5/SP: “V. Exa. me
permite? Falamos aqui em proporcionalidade e examinamos com objetividade
jurídica esse problema. Agora, parece-me que a questão se põe principalmente
sob um aspecto: em se tratando de intervenção federal, em casos dessa
natureza, é preciso demonstrar-se que há culpa por parte do Governador, ou
seja, mesmo tendo meios para o pagamento, ele deixou de fazê-lo.”
b)
A intervenção estadual tem natureza político-administrativa
- Incidência: 1 caso.
- Número do processo: IF-AGR nº 2045-0/SP.
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106
- Explicação das representações acerca da categoria: O enunciador,
seguindo a lógica classificatória (taxonomia) própria do campo jurídico
brasileiro, discute a natureza jurídica da intervenção.
- Exemplo:
Excerto 1 - Enunciador: Min. Ellen Gracie, IF-AGR nº 2045-0/SP: “O recurso
não comporta provimento. Com efeito, em relação à preliminar suscitada,
recordo que o relator está autorizado, monocraticamente, a negar seguimento a
pedido ou recurso manifestamente intempestivo, incabível, improcedente ou
prejudicado e, ainda, quando contrariar jurisprudência predominante do
Tribunal (RISTF, art. 21, §1º e art. 351, II), como é a hipótese dos autos. No
mérito, tenho que a decisão agravada ajusta-se à orientação firmada pelo
Supremo Tribunal Federal. De fato, conforme já decidiu esta Corte no
julgamento do AI 255.634, (rel. Min. Celso de Mello, DJ 03.12.1999), “nas
hipóteses de descumprimento de ordem ou de sentença judiciais (CF, art. 34,
VI e art. 35, IV) o procedimento destinado a viabilizar a efetivação do ato de
intervenção estadual nos Municípios reveste-se de caráter políticoadministrativo, muito embora instaurado perante órgão competente do Poder
Judiciário (CF, art. 36, II e art. 35, IV). Com efeito, a atividade desenvolvida
pelo Tribunal de Justiça, no processamento do pedido de intervenção estadual
em Município, decorre do exercício, por essa Corte Judiciária, de uma típica
função político-administrativa, desvestida, por isso mesmo de qualquer atributo
de índole jurisdicional”.”
c)
Intenção de não pagar
- Incidência: 3 casos.
- Números do processo: IF-AGR nº 506-0/SP, IF nº 164-1/SP, IF nº 29155/SP.
- Explicação das representações acerca da categoria: Os enunciadores
sustentam que não deveria ser decretada a intervenção federal pelo não
pagamento de precatório devido ao cidadão, pois o estado membro não teria
tido a intenção de não pagar.
- Exemplos:
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107
Excerto 1 - Enunciador: Min. Maurício Corrêa. IF-AGR nº 506-0/SP:
“Ultrapassadas essas alegações, anoto que a premissa básica da decisão
agravada é de que não houve por parte do requerido o descumprimento
voluntário e intencional de decisão judicial transitada em julgado,
pressuposto indispensável ao acolhimento do pedido de intervenção federal.
Dessa maneira, a ausência de conduta dolosa do ente estatal em descumprir a
ordem judicial não autoriza o deferimento do pedido de intervenção, a exemplo
que ocorreu por ocasião do julgamento da Intervenção Federal 3601, redator
p/ o acórdão Ministro Gilmar Mendes, DJ de 22/08/03, da qual transcrevo a
seguinte ementa: “EMENTA: INTERVENÇÃO FEDERAL. 2. Precatórios
judiciais. 3. Não configuração de atuação dolosa e deliberada do Estado de
São Paulo com finalidade de não pagamento. 4. Estado sujeito a quadro de
múltiplas obrigações de idêntica hierarquia. Necessidade de garantir eficácia a
outras normas constitucionais, como, por exemplo, a continuidade de serviços
públicos. 5. A intervenção, como medida extrema, deve atender à máxima da
proporcionalidade. 6. Adoção da chamada relação de precedência
condicionada a princípios constitucionais concorrentes. 7. Pedido de
intervenção indeferido.” (grifos do enunciador).
Excerto 2 - “Não configuração de atuação dolosa e deliberada do Estado de
São Paulo com finalidade de não pagamento. Enunciador: Min. Gilmar
Mendes. IF nº 164-1/SP.
Excerto 3 – Enunciador: Min. Gilmar Mendes. IF nº2915-5/SP: “Portanto,
não resta configurada uma atuação dolosa e deliberada do Estado de São
Paulo com finalidade de não pagamento dos precatórios alimentares.”
Apesar do Ministro Marco Aurélio110:
Excerto 4 - Enunciador: Min. Marco Aurélio. IF nº 164-1/SP: “Saliento, mais,
a impossibilidade de dizer-se inviável a intervenção, considerada a natureza
dos atos praticados em razão do precatório e a insuficiência de recursos.
Quanto a esta argumentação, surge a improcedência jurídica. A teor do
disposto no artigo 100 da Constituição Federal, é obrigatória a inclusão, no
orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento
de seus débitos constantes de precatórios, apresentados até 1° de julho. A
intervenção visa, acima de tudo, à supremacia da Constituição Federal, ao
saneamento do quadro, devendo atuar administrador diverso daquele que
ocupa a chefia do Poder Executivo. A um só tempo, tem cunho satisfatório,
110
Neste trecho achamos relevante registrar a contradicta entre os Ministros.
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108
quanto ao cumprimento da ordem ou decisão judicial, e saneador, sinalizando,
de forma exemplar, a necessidade de serem observados os parâmetros
próprios a um Estado Democrático de Direito, no qual não há como deixar de
ter o primado do Judiciário, a eficácia, a partir de medidas coercitivas, das
decisões prolatadas. Sem uma efetividade maior, vinga a babel, a insegurança
jurídica, levando os cidadãos a verdadeiro retrocesso, no que, com a falência
do Poder, buscarão a satisfação dos respectivos direitos substanciais por
outros meios. Ao invés de restabelecer-se a paz social momentaneamente
abalada, dar-se-á o agravamento da situação. Devem ser salientados aspectos
quanto à causa de intervenção, que é a alusiva ao desrespeito a ordem ou
decisão judicial, em vista do instituto do precatório.”
Excerto 5 - Enunciador: Min. Marco Aurélio. IF nº 164-1/SP: “Em síntese,
pretende valer-se do vezo popular, da postura do mau pagador - devo, não
nego; pagarei quando puder. As razões por último apresentadas não vingam. O
elemento subjetivo que é o dolo mostra-se neutro para se definir a procedência,
ou não, do pedido de intervenção. Pouco importa que o Estado, mediante a
atuação do Executivo, não proceda com a intenção de postergar a liquidação
do precatório. Cumpre saber, tão-somente, se na espécie ocorre o
descumprimento de decisão judicial, fator objetivo resultante do vício da
negligência, da falta de respeito irrestrito à ordem jurídica em vigor. A intenção
em si afigura-se estranha ao julgamento da intervenção.”
d)
A intervenção federal como medida drástica
- Incidência: 3 casos.
- Número do processo: IF-AGR nº 506-0/SP, IF nº 230-3/DF, IF nº 114/MT.
- Explicação das representações acerca da categoria: Os enunciadores, em
concordância com o que fora apresentado no capítulo II em relação a doutrina
jurídica brasileira, não concordam com a decretação da intervenção federal,
pois a representam como um medida tão grave, que acabam por torná-la
factível.
- Exemplos:
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109
Excerto 1 - Enunciador: Min. Maurício Corrêa. IF-AGR nº 506-0/SP: “Não se
pode deferir a medida drástica de subtrair temporariamente a autonomia
estatal, que, como regra, só pode sofrer a mencionada espécie de ingerência
quando se fizerem presentes, ostensivamente, os respectivos pressupostos.
Dessa maneira, a decisão agravada está em consonância com a orientação
recente dos julgamentos proferidos por esta Corte, razão por que nego
provimento ao agravo regimental.” (grifos do enunciador).
Excerto 2 - Enunciador: Min. Sepúlveda Pertence. IF nº 230-3/DF: “Com
efeito, a intervenção federal é medida extrema, que pressupõe, de parte do
tribunal de execução, a exaustão dos meios de que disponha para fazer
cumprir o julgado. Por tudo isso, além de não se confundir com o simples
encaminhamento de pretensão alheia, o pedido da requisição da intervenção
há de ser motivado. Desse modo, afirmo a competência do STF, mas à falta de
iniciativa própria e fundamentada do órgão legitimado, nego trânsito ao
expediente encaminhado. É o meu voto.”
Excerto 3 - Enunciador: Min. Octávio Gallotti. IF nº 114/MT: “Sem embargo
de compartilhar do reconhecimento dos louvores merecidamente atribuídos,
por todo o Tribunal à iniciativa do eminente Procurador-Geral da República,
conheço da representação,mas julgo pedido improcedente. Peço vênia para
fazê-lo, adotando os fundamentos constantes do voto de V. Exa., Sr.
Presidente, considerando que, em suma, e a despeito da gravidade dos fatos
concretos apontados, não se acha configurado, em sua amplitude, um conflito
federativo suscetível de acarretar a medida excepcional de que ora se cogita.
Com a vênia do eminente Ministro CELSO DE MELLO conheço do pedido,
para julgá-lo improcedente.”
Apesar do Ministro Marco Aurélio111:
Excerto 4 - Enunciador: Min. Marco Aurélio. IF-AGR nº 506-0/SP: “Senhor
Presidente, continuo vencido por entender que, a não se adotar uma
providência efetiva, as decisões judiciais tornar-se-ão, quando formalizadas
contra o Estado, simplesmente líricas. Não consigo conceber que, expedido o
precatório, não haja a previsão orçamentária para a liquidação do débito e que
o Estado – o Poder Executivo – simplesmente articule com a ausência de
recursos. Os brasileiros continuam pagando impostos.”
111
Neste trecho achamos relevante registrar a contradicta entre os Ministros.
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110
e)
Proporcionalidade
- Incidência: 1 caso.
- Número do processo: IF nº2915-5.
- Explicação das representações acerca da categoria: O princípio da
proporcionalidade, no campo jurídico brasileiro, e como tal pelo nosso
enunciador, é compreendido quanto ao seu conteúdo, por sua clareza e
densidade. Trata-se, sobretudo, da clarificação da adequação necessária entre
o fim de uma norma e os meios que esta designa para atingi-lo, ou ainda, entre
a norma elaborada e o uso que dela foi feito pelo Poder Executivo. O princípio
ora em voga terminou por ser dividido em três subprincípios, quais foram, a
adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. O primeiro
traduz uma exigência de compatibilidade entre o fim pretendido pela norma e
os meios por ela enunciados para sua consecução. Trata-se do exame de uma
relação de causalidade e uma lei somente deve ser afastada por inidônea
quando absolutamente incapaz de produzir o resultado perseguido. A
necessidade diz respeito ao fato de ser a medida restritiva de direitos
indispensável à preservação do próprio direito por ela restringido ou a outro em
igual ou superior patamar de importância, isto é, na procura do meio menos
nocivo capaz de produzir o fim propugnado pela norma em questão. Traduz-se
este subprincípio em quatro vertentes: exigibilidade material (a restrição é
indispensável), espacial (o âmbito de atuação deve ser limitado), temporal (a
medida coativa do poder público não deve ser perpétua) e pessoal ( restringir
o conjunto de pessoas que deverão ter seus interesses sacrificados).Por
último, o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito diz respeito a um
sistema de valoração, na medida em que ao se garantir um direito muitas
vezes é preciso restringir outro, situação juridicamente aceitável somente após
um estudo teleológico, no qual se conclua que o direito juridicamente protegido
por determinada norma apresenta conteúdo valorativamente superior ao
restringido. O juízo de proporcionalidade permite um perfeito equilíbrio entre o
fim almejado e o meio empregado, ou seja, o resultado obtido com a
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111
intervenção na esfera de direitos do particular deve ser proporcional à carga
coativa da mesma. O enunciador, portanto, compreende que por se estar
diante de um conflito de princípios constitucionais caberia a proporcionalidade.
Ocorre que, é de se estranhar, a decisão nunca pende a favor do pagamento
dos precatórios, e como tal, pelo deferimento da intervenção federal.
- Exemplos:
Excerto 1 - Enunciador: Min. Gilmar Mendes, IF nº2915-5/SP. “Diante desse
conflito de princípios constitucionais, considero adequada a análise da
legitimidade da intervenção a partir de sua conformidade ao princípio
constitucional da proporcionalidade.”
Excerto 2 - Enunciador: Min. Gilmar Mendes, IF nº2915-5/SP: “Estão claros,
no caso, os princípios constitucionais em situação de confronto. De um lado,
em favor da intervenção, a proteção constitucional às decisões judiciais, e de
modo indireto, a posição subjetiva de particulares calcada no direito de
precedência dos créditos de natureza alimentícia. De outro lado, a posição do
Estado, no sentido de ver preservada sua prerrogativa constitucional mais
elementar, qual seja a sua autonomia, e, de modo indireto, o interesse, não
limitado ao ente federativo, de não se ver prejudicada a continuidade da
prestação de serviços públicos essenciais, como educação e saúde.”
f) Múltiplas obrigações de mesma hierarquia
- Incidência: 1 caso.
- Número do processo: IF nº2915-5/SP.
- Explicação das representações acerca da categoria: O enunciador
compreende que, por estarem estabelecidos na constituição, em tese a
obrigação de pagar os precatórios e de o estado membro usar seus recursos
para cumprir outras obrigações teriam o mesmo peso. Ocorre que, o
enunciador nunca concorda com o pedido de intervenção, parecendo, portanto,
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112
que o que pesa mais são as outras obrigações e não o cumprimento dos
precatórios.
- Exemplo:
Excerto 1 - Enunciador: Min. Gilmar Mendes. IF nº 2915-5/SP: “É evidente a
obrigação constitucional quanto aos precatórios relativos a créditos
alimentícios, assim como o regime de exceção de tais créditos, conforme a
disciplina do art. 78 do ADCT. Mas também é inegável, tal como demonstrado,
que o Estado encontra-se sujeito a um quadro de múltiplas obrigações de
idêntica hierarquia.”
g) o problema das eleições
- Incidência: 1 caso.
- Número do processo: IF nº2915-5/SP.
- Explicação das representações acerca da categoria: O enunciador ao
levantar o problema das eleições, não defere o pedido de intervenção federal,
sob a justificativa de que um governador novo suportará o ônus das faltas do
antigo. Tal postura acaba por demonstrar uma compreensão personalizada do
exercício do poder, e não, burocratizada e impessoal.
- Exemplo:
Excerto 1 - Enunciador: Min. Ellen Gracie. IF nº 2915-5/SP: “Salta aos olhos
que decretar intervenção em um Estado da Federação a menos de dois meses
da realização de eleições, que recolocam à disposição do povo o cargo de
Governador – ao qual, aliás, concorre o seu atual ocupante – vale apenas e,
tão-somente para agravar a atual situação de desequilíbrio financeiroorçamentário. Eventual interventor – isso foi bem colocado pelo eminente
Ministro Gilmar Mendes – encontrará exatamente as mesmas limitações fáticas
hoje existentes.”
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113
h) Ineditismo da questão
- Incidência: 1 caso.
- Número do processo: IF nº 114/MT.
- Explicação das representações acerca da categoria: Os enunciadores
realçam o ineditismo do debate na Corte, por via de ação direta de
inconstitucionalidade interventiva, de um pedido de intervenção federal por
claro desrespeito a direito de cidadão, em razão de atos de violência.
- Exemplos:
Excerto 1 - Enunciador: Min. Néri da Silveira. IF nº 114/MT: “Srs. Ministros.
Esta matéria, ao que parece, é inédita na Corte: pedido de intervenção federal
em um Estado, em razão de ato de extrema violência acontecido em Município
do interior da Unidade da Federação.”
Excerto 2 - Enunciador: Min. Carlos Velloso. IF nº114/MT: “Senhor
Presidente, examino, primeiro que tudo, o cabimento da representação, ou seu
conhecimento, por isso que o pedido é inédito – intervenção federal para o fim
de assegurar a observância de direitos da pessoa humana, CF, art. 34, VII, "b"
– certo que a Constituição 1.967 e a de 1.946 não o autorizavam. É que a
Constituição de 1.988 considera os direitos da pessoa humana como princípio
constitucional sensível.”
Excerto 3 - Enunciador: Min. Paulo Brossard. IF nº 114/MT: “Senhor
Presidente, como V. Exa. acentuou, no inicio, é a primeira que a Corte se
defronta com um problema dessa natureza, e por isso mesmo, não há
precedentes, quase tudo é novidade.”
i) Único ato não suficiente para se decretar a intervenção federal
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114
- Incidência: 1 caso.
- Número do processo: IF nº 114/MT.
- Explicação das representações acerca da categoria: Os enunciadores
justificam o não provimento do pedido de intervenção federal pela categoria de
que um único ato de violência não seria suficiente para tanto. Cabe aqui o
seguinte questionamento: Quantas mortes e desrespeitos são necessários para
que se caracterize situação de intervenção federal?
- Exemplos:
Excerto 1 - Enunciador: Min. Néri da Silveira. IF nº 114/MT: “Certo a Carta
de 1988 inovou, com a inserção dessa causa nova inscrita como princípio
sensível da Constituição. Não me parece possível; desde logo, entretanto, na
espécie, ter-se como verificada essa causa para os efeitos da restrição à
autonomia do Estado-membro. Penso que um só episódio como esse não seja
suficiente para a União intervir em um Estado-membro, tendo em vista que um
dos postulados fundamentais do Estado brasileiro é o regime federativo, que há
um século preside a organização política do País. Louvo, é exato, o esforço
para reprimir a violência, por parte do Ministério Publico Federal, tendo à frente
seu ilustre Chefe, o Dr. Procurador-Geral da República.”
Excerto 2 - Enunciador: Min. Carlos Velloso. IF nº 114/MT: “Também aqui
estou de acordo com o Relator, o nosso Presidente. E que se tem, no caso, um
fato que, não obstante lamentável, que chega a nos envergonhar, e um fato
isolado e que está sendo apurado pelas autoridades estaduais, conforme deu
notícia o eminente Relator.”
Excerto 3 - Enunciador: Min. Sepúlveda Pertence. IF nº 114/MT: “Portanto,
Senhor Presidente, como parece resultar dos votos de V.Exa. e dos eminentes
Ministros Marco Aurélio e Carlos Velloso, com as vênias do eminente Ministro
Celso de Mello, conheço da representação. Também estou com V.Exa. em
que, para que se verifique este caso, que há de ser excepcionalismo, de uma
situação global de desrespeito aos direitos humanos, não basta alegar e provar
um caso isolado, apesar da dramaticíssima gravidade do fato, que nos trouxe o
eminente Chefe do Ministério Público da União.”
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115
Excerto 4 - Enunciador: Min. Aldir Passarinho. IF nº 114/MT: “Passando ao
mérito, Sr. Presidente, igualmente acompanho o entendimento de V.Exa.
Vemos este caso de Mato Grosso, que obteve uma repercussão enorme na
Imprensa, pelo seu extremo de crueldade. Mas fora o aspecto de crueldade, o
que se verifica, na verdade é um caso isolado, e em relação ao qual estão
sendo tomadas providências.”
Excerto 5 - Enunciador: Min. Sydney Sanches. IF nº 114/MT: “Trata-se,
porém, de fato isolado, que não caracteriza permanente omissão da
Administração do Estado de Mato Grosso em face do dever constitucional de
preservar a observância dos direitos humanos no âmbito de sua jurisdição.”
j) Problema da geografia e do clima
- Incidência: 1 caso.
- Número do processo: IF nº 114/MT.
- Explicação das representações acerca da categoria: Quanto a esta visão
determinista geográfica apresentada pelo Supremo Tribunal Federal, em pleno
século XX, interessante observar a permanência desta idéia originada por
Henry Thomas BUCKLE e que influência os pensadores sociais brasileiros,
como Euclides da CUNHA, no século XIX. Assim apresenta a questão Ricardo
de OLIVEIRA (2002): “A construção de uma espacialidade brasileira no cenário
sertanejo, o sertão-deserto do Nordeste, foi um processo intelectual dos mais
complexos, visto que, dentre outras coisas, incorria na necessidade de se
superar o modelo de análise mesológica imposto, principalmente, a partir das
obras T. Henry Buckle e Ratzel. Apesar da polêmica e de vários, tais como
Sílvio Romero, não aceitarem por completo essas matrizes intelectuais, é
sabido, por exemplo, a enorme influência que uma pequena passagem do livro
História da Civilização na Inglaterra exerceu na mente de vários e importantes
intelectuais do período abordado. Capistrano de Abreu, inclusive, confessou
que a leitura deste livro fora essencial à sua formação intelectual e posterior
interpretação da História do Brasil. Porém, o curioso é que estes autores, na
sua esmagadora maioria, além de nunca terem pisado nas terras do novo
mundo, falavam destas da forma mais pejorativa possível, despejando um
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discurso marcado por um conceito de civilização que jamais seria possível à
inclusão da terra e do homem de cá nos trilhos do progresso. Buckle, após
elogiar muito a suntuosidade da natureza existente no Brasil, repetindo falas
como as de Buffon e Raynal — pesquisando em fontes como Gardner, Spix e
Martius, Darwin, Southey, etc. -, colocou em grande aporia aqueles intelectuais
brasileiros crentes no determinismo geográfico e climático, ao dizer que: Tais
são a efusão e abundância vitais que distinguem o Brasil entre todos os países
do mundo. Porém, no meio desta pompa, deste esplendor da natureza, não há
lugar para o homem. Fica reduzido à insignificância pela majestade que o
cerca. Tão formidáveis são as forças que se opõem, que nunca pôde fazer-lhes
frente, ou resistir à sua imensa pressão. Todo Brasil, apesar das grandes
vantagens que parece possuir, tem permanecido sem a menor civilização.
Seus habitantes são selvagens errantes, incapazes de combater os obstáculos
que a própria natureza espalhou em seu caminho.”
- Exemplos:
Excerto 1 - Enunciador: Min. Néri da Silveira. IF nº 114/MT: “As condições
de prestação dos serviços de segurança são também diversificadas, variáveis;
ora em virtude das condições topográficas, de comunicação e das condições
decorrentes da densidade demográfica; ora, ainda, por condições climáticas,
que, em determinadas fases, certos períodos do ano, impossibilitam,
praticamente, a atuação da polícia organizada, ou porque os meios de
comunicação ficam interditados, ou porque são essas precárias forças de
segurança removidas para locais onde mais prestantes possam estar nesses
períodos de dificuldades climáticas.”
Excerto 2 - Enunciador: Min. Paulo Brossard. IF nº 114/MT: “Senhor
Presidente, com o perdão do Ministro CELSO DE MELLO, tomo conhecimento
para indeferi-lo. Entendo que, no caso, não se justifica a medida que é
extrema, sem deixar de ser normal: entendo que, no caso, não seria de ser
tomada a providência requerida. Pelo relatório que V.Exa. fez, parece-me que,
dentro da imensa precariedade de recursos, neste País imenso, onde as coisas
são mais difíceis do que parece a pessoas que moram e trabalham na capital,
entendo que tem sido tomadas providências que não destoam do comum das
providências.”
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117
k) Elogio ao Procurador Geral da República
- Incidência: 1 caso.
- Número do processo: IF nº 114/MT.
- Explicação das representações acerca da categoria:
Todos os
enunciadores festejam a atitude corajosa e máscula do Procurador Geral da
República em pedir a intervenção federal. É de estarrecer os enunciadores
pelos adjetivos atribuídos constatarem que a situação é de grave desrespeito a
cidadania e não proverem o pedido.
- Exemplos:
Excerto 1 - Enunciador: Min. Marco Aurélio. IF nº 114/MT: “Senhor
Presidente, em primeiro lugar, estimo registrar a compreensão pela iniciativa do
Ministério Público em relação a esse episódio. Isto face aos deveres a ele
atribuídos e, também, ao risco pertinente à pecha de negligente.”
Excerto 2 - Enunciador: Min. Carlos Velloso. IF nº 114/MT: “Estou, pois, de
acordo com V.Exa., Senhor Presidente, quando conhece da representação. E
louvo a atitude máscula: do Procurador-Geral da República, Chefe do
Ministério Público Federal, ao fazer a representação a esta Corte, buscando a
intervenção federal para o fim de efetivar proteção aos direitos da pessoa
humana.”
Excerto 3 - Enunciador: Min. Celso de Mello. IF nº 114/MT: “Desejo registrar,
no entanto, o meu respeito pela iniciativa processual do eminente ProcuradorGeral da República, Dr. ARISTIDES JUNQUEIRA ALVARENGA, cuja notável
atuação, como Chefe do Ministério Publico da União, só tem evidenciado estar,
S. Exa., à altura da importância e dignidade da grande Instituição que dirige.”
Excerto 4 - Enunciador: Min. Sepúlveda Pertence. IF nº 114/MT: “Senhor
Presidente, sem provocar polêmica, pretendo, no mínimo de palavras possível,
dar apenas as razões da minha convicção. Começo por louvar a iniciativa do
eminente Procurador-Geral da República, que é o elemento ativo da guarda da
Constituição: suas provocações, quando tocam em temas inéditos nos anais da
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Corte, são uma colaboração imprescindível à nossa tarefa quotidiana de
concretização jurisprudencial da Constituição, cometimento maior do Tribunal.”
Excerto 5 - Enunciador: Min. Paulo Brossard. IF nº 114/MT: “A verdade,
Senhor Presidente, é que, depois de 37, com exceção de 64, nos casos de
Goiás e de Alagoas, creio que não houve mais intervenções. Parece que o
capítulo das intervenções federais, que deu margem a tantos abusos, está
mais ou menos recolhido ao museu das nossas antiguidades constitucionais. E
queira Deus que assim seja, Senhor Presidente.”
Excerto 6 - Enunciador: Min. Octávio Gallotti. IF nº 114/MT: “Sem embargo
de compartilhar do reconhecimento dos louvores merecidamente atribuídos,
por todo o Tribunal à iniciativa do eminente Procurador-Geral da República,
conheço da representação,mas julgo pedido improcedente. Peço vênia para
fazê-lo, adotando os fundamentos constantes do voto de V. Exa., Sr.
Presidente, considerando que, em suma, e a despeito da gravidade dos fatos
concretos apontados, não se acha configurado, em sua amplitude, um conflito
federativo suscetível de acarretar a medida excepcional de que ora se cogita.
Com a vênia do eminente Ministro CELSO DE MELLO conheço do pedido,
para julgá-lo improcedente.”
Excerto 7 - Enunciador: Sydney Sanches. IF nº 114/MT. “Louvando, embora,
o zelo do eminente Procurador Geral da República, acompanho o voto de V.
Exa., Sr. Presidente e os dos Ministros que o seguiram.”
l) Intervenção é coisa de museu
- Incidência: 1 caso.
- Número do processo: IF nº 114/MT.
- Explicação das representações acerca da categoria: Esta categoria
representa claramente a concepção dos enunciadores influenciada pela
memória histórico-política do federalismo brasileiro de que as intervenções
federais no Brasil sempre serviram aos regimes ditatoriais, e por isso, diante de
uma realidade democrática, ela seria coisa de museu.
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- Exemplo:
Excerto 1 - Enunciador: Min. Paulo Brossard. IF nº 114/MT: “A verdade,
Senhor Presidente, é que, depois de 37, com exceção de 64, nos casos de
Goiás e de Alagoas, creio que não houve mais intervenções. Parece que o
capítulo das intervenções federais, que deu margem a tantos abusos, está
mais ou menos recolhido ao museu das nossas antiguidades constitucionais. E
queira Deus que assim seja, Senhor Presidente.”
m) juízo político do Presidente da República para decretar a intervenção
federal
- Incidência: 1 caso.
- Número do processo: MS nº 21041-9/RO.
- Explicação das representações acerca da categoria: O enunciador,
seguindo a lógica classificatória (taxonomia) própria do campo jurídico
brasileiro, discute a natureza jurídica da intervenção como ato próprio do juízo
político do Presidente da República, a denominada: espécie espontânea.
Portanto diante da espécie, entende o enunciador, não caber ao Supremo
Tribunal Federal determinar ao Presidente que se decretasse a intervenção
federal. O mérito da questão cabe a discricionariedade do Presidente. Entende
o enunciador, como dissemos no capítulo II deste trabalho, que o político da
intervenção restringe-se a uma questão de discricionariedade.
- Exemplo:
Excerto 1 - Enunciador: Min. Celso de Mello. MS nº 21041-9/RO: “O instituto
da intervenção federal, consagrado por todas as Constituições republicanas,
representa um elemento fundamental na própria formulação da doutrina do
federalismo, que dele não pode prescindir – inobstante a expecionalidade de
sua aplicação -, para efeito de preservação da intangibilidade do vínculo
federativo, da unidade do Estado Federal e da integridade territorial das
unidades federadas. A invasão territorial de um Estado por outro constitui um
dos pressupostos de admissibilidade da intervenção federal. O Presidente da
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República, nesse particular contexto, ao lançar mão da extraordinária
prerrogativa que lhe defere a ordem constitucional, age mediante estrita
avaliação discricionária da situação que se lhe apresenta, que se submete ao
seu exclusivo juízo político, e que se revela, por isso mesmo, insuscetível de
subordinação à vontade do Poder Judiciário, ou de qualquer outra instituição
estatal.”
n) ausência de direito líquido e certo
- Incidência: 1 caso.
- Número do processo: MS nº 21041-9/RO.
- Explicação das representações acerca da categoria: Nas palavras de Hely
Lopes MEIRELLES (2002:13): “direito líquido e certo é o que se apresenta
manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercido
no momento da impetração. Em última análise, direito líquido e certo é direito
comprovado de plano. Se depender de comprovação posterior não é líquido
nem certo, para fins de mandado de segurança." Incrivelmente, sustenta, pois,
o enunciador não haver direito ao estado membro que teve suas fronteiras
invadidas pleitear a intervenção federal por não haver direito líquido e certo ao
seu pedido. Vale lembrar que o requerente fez prova documental desta
invasão. Cabe aqui, portanto, o seguinte questionamento: O que fazer com o
art. 34 da CRFB/88?
- Exemplo:
Excerto 1 - Enunciador: Min. Celso de Mello. MS nº 21041-9/RO: “Não
obstante assim caracterizada a competência originária desta Corte para a
apreciação da presente causa mandamental, tenho que inexiste direito líquido
e certo, tutelável na espécie. O exame dos autos revela que o Estado do
Rondônia, ao impetrar o “writ”, objetivou solucionar, nesta via sumaríssima, um
grave litígio territorial que mantêm, pendentes de resolução perante esta Corte,
o Estado do Acre, em processos vários, de rito ordinário, em que se
controverte, precisamente, sobre o próprio “thema decidendum”.”
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121
Apresentadas todas essas categorias, qual é a nossa problemática
obrigatória? Como articulá-las?
Podemos constatar dos dados que a resposta a ser dada a primeira
questão é a seguinte: nossa problemática trata dos discursos apresentados
pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal nas relações entre a União,
Estados-Membros e Sociedade/cidadãos, na temática da Intervenção Federal.
Tomando, então, o placar surpreendente de 150x0 que comentamos
acima associando a nossa problemática obrigatória, teremos o fio condutor que
nos permite articular todas as categorias levantadas, sejam elas as das
escusas processuais, ou, sejam as das escusas materiais. O caminho é a
relação de denominação manipulável exercida pelo Supremo Tribunal Federal,
que
se
usa
de
argumentos/valores
para
descartar
sempre
a
sociedade/cidadãos nos embates com entes federativos.
Todas as categorias acabam por serem soluções criativas112 e
definitivas da Corte, que é o órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro e,
portanto, suas decisões são irrecorríveis, permitindo que ela “erre por
último”113. Essas decisões representam uma opção política de proteger as
opções políticas da União, dos Estados-Membros ou dos Municípios de:
1) nos precatórios - realizarem o calote público, serem responsáveis subjetivos,
no sentido da responsabilidade civil, ou usarem seus recursos como bem
entendenderem, não respeitando, portanto a lei orçamentária e a própria
Constituição.
2) na reintegração de posse - que não fosse disponibilizada força policial para
se garantir o direito constitucional a propriedade.
112
Quanto a esta criatividade veja no capítulo a seguir da tese o modus operandi da bricolage.
Trabalharemos neste capítulo como o Supremo Tribunal Federal acaba por descontextualizar
as categorias jurídicas da semântica que nos é apresentada pela doutrina para, ao final, criar
subterfúgios para não se prover os pedidos.
113
Bordão utilizado no jargão jurídico brasileiro que explicita a autoridade do Supremo Tribunal
Federal.
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122
3) nos princípios constitucionais sensíveis - de que não fossem respeitados os
Direitos Humanos e que a violência e a barbárie restem banalizadas.
4) Na invasão de um ente federativo em outro - o Supremo Tribunal Federal
acaba por autorizar esta invasão.
5) Finalmente quanto ao quinto constitucional – o posicionamento da Corte
acaba por confirmar o seu desrespeito ao art. 94 da CRFB/88.
Desta forma, quando os pedidos de intervenção federal são feitos ao
Supremo Tribunal Federal, sua função acaba por: 1) despolitizar as opções
realizadas pelos agentes políticos do Estado; 2) personalizar a figura Estado,
como se ele fosse uma pessoa física com interesses subjetivos, e, 3)
neutralizar os conflitos sociais que lhe são apresentados.
Tal atitude ou postura só reafirma uma posição corporativa da Corte,
como órgão do Estado brasileiro e não da defesa dos interesses (direitos
fundamentais dos cidadãos) da sociedade/cidadãos.
Isso, portanto, demonstra que sejam por escusas de processo civil,
sejam por escusas de mérito, o Supremo busca, porque não pode deixar de
decidir e fundamentar a sua decisão, conforme preceitua o art. 93, X da
CRFB/88, desculpas. Em outras palavras, a Corte cria justificativas ilegítimas,
porque não conseguem uma adesão racional da sociedade para a qual ela
deveria estar decidindo, ou seja, são decisões no final das contas de mera
autoridade.
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123
CAPÍTULO IV- A GRAMÁTICA DO TEXTO DECISÓRIO DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL
Neste capítulo vamos desenvolver o que estamos denominando de
gramática do texto decisório do Supremo Tribunal Federal, ou seja,
objetivamos esclarecer quais seriam as estruturas e regras usadas pela Corte
no seu falar decisório, constituindo o que a Análise do Discurso denomina de
formação discursiva.
Segundo Dominique MAINGUENEAU (2004:240-241) a noção de
formação discursiva:
foi introduzida por Foulcault e reformulada por Pêcheux no
quadro da análise do discurso. Em função dessa dupla origem,
conservou grande estabilidade. Foulcault, falando, em
Arqueologia do saber, “formação discursiva”, procurava
contornar as unidades tradicionais como “teoria”, “ideologia”,
“ciência”, para designar conjuntos de enunciados que podem
ser associados a um mesmo sistema de regras, historicamente
determinadas: ‘chamaremos discurso um conjunto de
enunciados na medida em que revelam a mesma formação
discursiva’ (1969b:153). Caracteriza a formação discursiva, ao
mesmo tempo, em termos de dispersão, de raridade, de
unidade dividida... e em termos de sistema de regras. Além do
mais, sua concepção da formação discursiva ‘deixa em aberto
a textualização final’ (1969b:99): estamos longe, aqui, de um
procedimento de análise do discurso que não poderia dissociar
formação discursiva e estudos das marcas lingüísticas e da
organização textual.
É com Pêcheux que essa noção é acolhida na análise do
discurso. No quadro teórico do marxismo althusseriano, ele
propunha que toda ‘formação social’, caracterizável por uma
certa relação entre as classes sociais, implica a existência de
“posições políticas e ideológicas,que não são feitas de
indivíduos, mas que se organizam em formações que mantêm
entre si relações de antagonismo, de aliança ou de
dominação”. Essas formações ideológicas incluem “uma ou
várias formações discursivas interligadas, que determinam o
que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma
arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de
um programa etc.) a partir de uma posição dada em uma
conjuntura dada” (Haroche, Henry e Pêcheux, 1971:102). Essa
tese tem incidência sobre a semântica, pois “as palavras
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124
‘mudam de sentido’, quando passam de uma formação
discursiva a outra” (ibid.). É nas formações discursivas que se
opera o “assujeitamento”, a “interpelação” do sujeito como
sujeito ideológico. Mas, no fim dos anos 70, a noção de
formação discursiva foi revista pelo próprio Pêcheux e por
outros pesquisadores (Marandin, 1979, Courtine, 1981) no
sentido da não-identidade consigo mesma. A formação
discursiva aparece, então, inseparável do interdiscurso, lugar
em que se constituem os objetos e a coerência dos enunciados
que se provêem de uma formação discursiva: “Uma formação
discursiva não é um espaço estrutural fechado, já que ela é
constitutivamente ‘invalida’ Poe elementos provenientes de
outros lugares (i.e., de outras formações discursivas) que nela
se repetem, fornecendo-lhe suas evidências discursivas
fundamentais (por exemplo sob forma de ‘pré-construídos’ e de
‘discursos transversos’)” (Pêcheux, 1983:297).
Estamos denominando de gramática, o conjunto de regras individuais
usadas para um determinado uso de uma língua, aqui especificamente, para o
uso da linguagem decisória do Supremo Tribunal Federal. Ela é o sistema que
organiza o pensar e impõe estruturas mentais recorrentes ao falar, para que os
discursos façam sentido àqueles socializados neste mesmo sistema de
sentidos.
De acordo com Jean-Michel ADAM (2004:259-260) no Dicionário de
Análise do Discurso organizado por Patrick CHARAUDEAU e Dominique
MAINGUENEAU gramática:
Nos final dos anos 60, aparecem, na Alemanha, “gramáticas
de textos”, com a ambição de produzir um conjunto infinito de
estruturas textuais bem formadas (Ihwe, 1972:10) de uma
língua dada. Com base no modelo da gramática gerativa e
transformacional frástica, essas lingüísticas definem
algoritmos abstratos, regras de reescrita que permitem passar
dessas estruturas profundas à linearização da manifestação
lingüística de superfície. Apoiando-se no fato de que não nos
comunicamos por frases, mas por textos, as gramáticas de
textos ampliaram a noção de competência do locutor ideal para
a compreensão e para a produção de seqüências textuais de
frases. Fazendo da gramática de frase uma subparte da
gramática de texto, trata-se de explicar por quais razões um
texto não é nem um amontoado, nem uma simples seqüência
de frases, de dar conta do fato de que a significação de um
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125
texto é outra coisa, e não a soma das significações das frases
que o compõem.
A partir desta definição e com o auxílio da metodologia da Análise
Semiolingüística do Discurso, que nos serviu para vislumbrar quais seriam as
intenções nos discursos, com os seus ditos e não ditos através das visadas
discursivas; e como estes discursos são organizados sempre pelos três lugares
formadores de sentido: a doutrina, a retórica e os elementos de justificação ou
de legitimação.
Constatamos, ao analisar as decisões acerca da intervenção federal,
que a Corte não adota uma gramática que imponha uma fala de construção
democrática e consensual.
Então, que gramática decisória o Supremo Tribunal Federal adota?
Que regras perpassam o seu discurso decisório, levando-nos a afirmação de
que a Corte não atende ao paradigma de ser a guardiã da Constituição?
Realizando, pois, uma análise do discurso político, chegamos a
conclusão de que o Supremo Tribunal Federal trabalha sempre sob uma
estrutura gramatical, que acaba por demonstrar ser o seu papel o de um órgão
do Estado, defensor das razões do Príncipe: o modus operandi da bricolage.
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126
4.1. O modus operandi da bricolage114 de Lévy- Strauss e as decisões
sobre intervenção federal
Verificou-se em todas as 19 decisões analisadas na presente tese que
a estrutura argumentativa ou a construção dos discursos do Supremo Tribunal
Federal também baseia-se no fenômeno que estamos denominando, por uma
apropriação do Pensamento Selvagem de Lévy-Strauss, de modus operandi da
bricolage. Esta atividade caracteriza-se pela articulação de um repertório de
elementos simbólicos e de representações limitadas, presentes no sistema ou
linguagem (gramática) do Supremo Tribunal Federal, para a tarefa que o
bricoleur tem a realizar, esvaziando o significado original do signo
(descontextualização), substituindo-o por um inteiramente novo, próprio e
individual aos interesses da obra que pretende criar. Tal comportamento nos
leva a sustentar que o primeiro os Ministros decidem e depois tentam justificar
a sua decisão. Das 150 decisões do Supremo Tribunal Federal, de 1988 a
2008, que constituem todo o espaço amostral das decisões sobre intervenção
federal, em nenhuma, apesar de explícitas as circunstâncias para que fossem
providos os pedidos, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela intervenção.
114
Importante dizer não estou trabalhando a bricolage no mesmo sentido que fora trabalhado
por Alexandre de Morais da ROSA em sua tese de doutorado denominada “Decisão no
Processo Penal como Bricolage de significantes” (2004). Pois, ROSA sustenta que a bricolage
é um operar próprio de um juiz ético e democrático que articula os significantes trazidos pelas
partes na instrução processual, enquanto eu sustento que esta estrutura gramatical decisória
do STF (bricolage) funciona para escamotear ou neutralizar o que há de político nas decisões
acerca da intervenção federal. Vejamos as palavras de ROSA (2004:382-384): “No caminhar
da construção, qualquer material pode ser importante, pois sua lógica é ‘isso sempre pode
servir’, diversamente do engenheiro que está encerrado nos limites de seu projeto, ou
seja, não descarta os significantes que não conformam com sua prévia idéia. O elemento
recolhido, conforme as regras do jogo, do fair-play, pois, deverá ser levado em consideração no
momento do ato, tal qual o um-juiz que não pode desconsiderar qualquer significante
validamente produzido na instrução processual (Cap. 7º), acolhendo ou rejeitando seu
respectivo valor de maneira fundamentada somente no ato decisório. Aproxima-se, assim,
do juiz do ‘Sistema Acusatório’ e sua posição na ‘gestão da prova’, isto é, na
instrução processual, uma vez que não há vinculação à acusação, devendo construir sua
decisão consoante o que lhe for trazido, ônus das partes.(...) A perspectiva de onde o umjulgador analisará o ‘mar de significantes’ é fundamental num Estado Democrático de
Direito, por isso a necessidade de ‘assunção ideológica’ (Miranda Coutinho) e a
demonstração da teoria que lhe serve de base. (...) o ‘jurista-bricoler’ aceita deslizar/ousar
com e nos significantes, num processo ético (Dussel) de atribuição de sentido realizado com os
‘outros’, partes no processo, e o Outro.”
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127
Importante explicar que esta apropriação terminológica do bricoleur 115
para o Supremo Tribunal Federal em relação àquela utilizada pelo LévyStrauss estabelece-se na seguinte comparação: assim como o artesão
(bricoleur)116 dá um novo sentido a uma mesa, descontextualizando-a do
significado original e, recontextualizando-a em seu próprio universo ou
115
Para apresentar a metáfora acerca do bricoleur, importante a leitura da seguinte passagem
de STRAUSS: Aliás, subsiste entre nós uma forma de atividade que, no plano técnico, permite
muito bem conceber o que, no plano da especulação, pode ter sido uma ciência, que
preferimos chamar ‘primeira’ ao invés de primitiva; é a comumente designada pelo termo
bricolage. No seu sentido antigo, o verbo bricoler se aplica ao jogo de péla e de bilhar, à caça e
à equitação, mas sempre para evocar um movimento incidental: o da péla que salta, o do cão
que erra ao acaso, o do cavalo que se afasta da linha reta para evitar um obstáculo. E, em
nosso dias, o bricoleur é o que trabalha com as mãos, usando meios indiretos se comparados
com os do artista. Ora, o próprio pensamento mítico é exprimir-se com o auxílio de um
repertório cuja composição é heteróclita que, apesar de extenso, permanece não obstante
limitado, é preciso, todavia, que dele se sirva, qualquer que seja a tarefa que se proponha,
porque não tem mais nada a seu alcance. Aparece, assim, como uma espécie de bricolage
intelectual, o que explica as relações que se observam entre ambos.(...)
A comparação merece ser aprofundada, pois dá melhor acesso às verdadeiras relações entre
os dois tipos de conhecimento científico que distinguimos. O bricoleur está apto a executar
grande número de tarefas diferentes; mas, diferentemente do engenheiro, ele não subordina
cada uma delas à obtenção de matérias primas e de ferramentas, concebidas e procuradas na
medida de seu projeto: seu universo instrumental é fechado e a regra de seu jogo é a de
arranjar-se sempre com os meios-limites, isto é, um conjunto, continuamente restrito, de
utensílios e de materiais, heteróclitos, além do mais, porque a composição do conjunto não
está em relação com o projeto do momento, nem, alías, com qualquer projeto particular, mas é
o resultado contingente de todas as ocasiões que se apresentaram para renovar e enriquecer o
estoque, ou para conservá-lo, com resíduos de construções e de destruições anteriores. O
conjunto dos meios do bricoleur não se pode definir por um projeto (o que suporia, aliás, como
com o engenheiro, a existência de tantos conjuntos instrumentais quanto gêneros de projetos,
pelos menos em teoria); define-se somente por sua instrumentalidade, para dizer de maneira
diferente e para empregar a própria linguagem do bricoleur, porque os elementos são
recolhidos ou conservados, em virtude do princípio de que ‘isto sempre pode servir’. Tais
elementos são, pois, em parte particularizados: o bastante para que o bricoleur não tenha
necessidade do equipamento e do conhecimento de todos os corpos de administração; mas
não o suficiente para que cada elemento seja sujeito a um emprego preciso e determinado.
Cada elemento representa um conjunto de relações, ao mesmo tempo concretas e virtuais; são
operadores, porém utilizáveis em função de qualquer operação dentro de um tipo. (LEVYSTRAUSS, 1976: 37-39).
116
Quanto ao trabalho do bricoleur, e que podemos estabelecer a comparação com a atividade
dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, interessante seja lida a seguinte passagem de
LEVY-STRAUSS (1976: 39-40): “Vejamo-lo no trabalho: animado por seu projeto, seu primeiro
passo prático é, todavia, retrospectivo: deve voltar-se para um conjunto já constituído, formado
de ferramentas e matérias; fazer-lhe ou refazer-lhe o inventário; enfim e, sobretudo, entabular
com ele uma espécie de diálogo, para enumerar, antes de escolher entre elas, as respostas
possíveis que o conjunto pode oferecer ao problema que ele apresenta. Todos esses objetos
heteróclitos, que constituem seu tesouro, interroga-os para compreender o que cada um deles
poderia ‘significar’, contribuindo, assim, para definir um conjunto a realizar, mas que não
diferirá, finalmente, do conjunto instrumental se não pela disposição interna das partes. Este
cubo de carvalho pode ser um calço para remediar a insuficiência de uma tábua de abeto ou,
ainda, um soco, o que permitiria pôr em evidência o áspero e o polido da velha madeira.
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128
inventário de sentidos, como um calço de armário, ou seja, em uma unidade
estrutural completamente nova e nunca vagamente sonhada, o Supremo
Tribunal Federal descontextualiza os signos apresentados, de maneira ampla
pela linguagem jurídica, para ressignificá-los de modo completamente novo e
original em suas decisões.
É importante esclarecer como se dá a atividade ou modo de agir do
bricoleur. Em primeiro lugar, ele se apropria dos signos postos pela linguagem,
por exemplo: o artesão vai a um brechó ou ferro velho e recolhe o material para
o seu ofício.
Por segundo, o bricoleur classifica (taxonomia) e cataloga, com uma
lógica própria e particularizada, os signos apropriados, descontextualizando-os.
Por exemplo: o artesão vai a uma estante e começa a organizar seu material
nas prateleiras da seguinte forma: na primeira estão as peças que servirão
para estofo de cadeira, na segunda, material para tampo de abajur etc.
Ou seja, o bricoleur cria um acervo obviamente limitado de signos, do
qual ele vai se servir quando da realização de seu ofício na construção de uma
obra. Este trabalho, portanto, será único, visto que o material e a lógica de
organização dos signos são particularizados e individuais de seu artesão.
Por isso, se estamos comparando o modus operandi do bricoleur com
o do Supremo Tribunal Federal, fundamental se torna conhecer que ‘estante’ e
‘materiais’ os Ministros se servem para a construção de suas decisões (obras)
relacionadas a temática da intervenção federal.
O repertório limitado usado nos discursos dos ministros constitui-se dos
seguintes signos: 1) Citação de doutrinadores; 2) O uso do tom doutrinário; 3)
Citação de jurisprudências, como argumentos de autoridade; 4) Citação de
jurisprudências anteriores a Constituição de 1988; 5) Discursos de mera
autoridade e afirmação; 6) Citações auto-referentes praticadas pelos ministros;
7) O uso ipsis litteris dos pareceres dos Procuradores Gerais da República; 8)
O uso do processo civil como uma estratégia de evitar a decisão do mérito da
questão; 9) O uso e interpretações de citações legais; e, finalmente 10) O uso
de digressões históricas e doutrinárias.
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129
1)
Citação de doutrinadores, reconhecidos pelo campo jurídico como
pessoas autorizadas117; vejamos os seguintes exemplos:
Excerto 1 - Enunciador: MIN. SYDNEY SANCHES, IF-QO nº107-2/DF: “[...]
Embora a norma constitucional em vigor (art.36,II) não indique expressamente
como deve ser feita a partilha da competência entre as mencionadas Cortes,
parece que o único critério adequado para tal desiderato é o que estabelece a
divisão segundo a matéria. Os comentadores da Constituição Federal de 1988,
que se ocuparam do tema, manifestam idêntica opinião: ‘A Constituição não
esclarece em que hipótese a requisição deverá ser feita pelo Supremo Tribunal
Federal, em qual, pelo Superior Tribunal de Justiça, ou quando, pelo Tribunal
Superior Eleitoral. É, todavia, óbvio que a requisição não poderá provir deste
último senão em questões eleitorais. Deve-se presumir que parta do Superior
Tribunal de Justiça na generalidade dos casos e do Supremo Tribunal Federal
sempre que concernir à guarda da Constituição’ (Manoel Gonçalves Ferreira
Filho, in Comentários à Constituição Brasileira de 1988, Saraiva, 1990, p.239).
[...] no caso de desobediência à ordem ou decisão judicial (inc. VI do art. 34) de
requisição do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do
Tribunal Superior Eleitoral, segundo a matéria, não se diz no texto, mas
evidentemente de conformidade com as regras de competência jurisdicional
‘ratione materiae’; (José Afonso da Silva, in Curso de Direito Constitucional
Positivo, RT, 1989, 5a. edição, p. 419).”
Comentário: O enunciador, baseando-se nas palavras do subprocurador,
recorre a um dos principais elementos de formação do capital simbólico
do campo jurídico, a doutrina, através de autores (Manoel Gonçalves
Ferreira Filho e José Afonso da Silva) reconhecidos pelos juristas
brasileiros como clássicos do Direito Constitucional Brasileiro, como um
argumento de autoridade para persuadir seus receptores quanto ao tema
e à solução adstritas, a controvérsia judicial apresentada, tal seja: regras
de competência em razão da matéria.
117
Vislumbra-se nos discursos do Supremo Tribunal Federal o menor compromisso com uma
‘verdade científica’. O que vale é a opinião mais autorizada daquele que goze de mais prestígio
dentro do campo. Há uma hierarquia de opiniões.
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130
Excerto 2 - Enunciador: MIN. CELSO DE MELLO, IF nº164-1/SP: “[...] O
instituto da intervenção federal, consagrado no texto de todas as
Constituições republicanas brasileiras, representa um elemento fundamental,
tanto na construção da doutrina do Estado Federal, quanto na praxes do
federalismo. O mecanismo de intervenção constitui instrumento essencial à
viabilização do próprio sistema federativo, e, não obstante o caráter
excepcional de sua utilização - necessariamente limitada às hipóteses
taxativamente definidas na Carta Política -, mostra-se impregnado de
múltiplas funções de ordem político-jurídica, destinadas (a) a tornar efetiva a
intangibilidade do vínculo federativo, (b) a fazer respeitar a integridade
territorial das unidades federadas, (c) a promover a unidade do Estado Federal
e (d) a preservar a incolumidade dos princípios fundamentais proclamados
pela Constituição da República. A intervenção federal, na realidade, configura
expressivo elemento de estabilização da ordem normativa plasmada na
Constituição da República. É-lhe inerente a condição de instrumento de
defesa dos postulados sobre os quais se estrutura, em nosso País, a ordem
republicano-federativa. “O instituto da intervenção" - adverte ERNESTO LEME
(“A Intervenção Federal nos Estado”, p. 25, item n. 20, 2ª ed., 1930, RT) – “É
(...) da essência do sistema federativo”. Sem esse mecanismo de ordem
político-jurídica, que assegura a intangibilidade do pacto federal, “a União seria
um nome vão. E as garantias e vantagens, que a Federação deve proporcionar
aos Estados e ao povo, se reduziriam a simples miragem” (JOÃO BARBALHO,
Constituição Federal Brasileira – Comentários”, p. 31, 2ª ed., 1924, Rio de
Janeiro, Briguiet e Cia. Editores). Cabe destacar, neste ponto, o magistério
doutrinário, que, fundado na necessidade de respeito ao princípio federativo,
adverte sobre a excepcionalidade da intervenção federal, em face do caráter
extremamente perturbador que assume qualquer interferência do Governo
Federal nos assuntos regionais e na esfera de autonomia dos Estadosmembros (CARLOS MAXIMILIANO, “Comentários à Constituição
Brasileira”, p. 158, item n. 128, 3ª Ed., 1929, Globo; THEMISTOCLES
BRANDÃO CAVALCANTI, “A Constituição Federal Comentada” vol. I/183,
3ª ed., 1956, Konfino; FÁVILA RIBEIRO, “A Intervenção Federal nos
Estados”, p. 48, tese de concurso, 1960, Editora Jurídica, Fortaleza). Não se
pode perder de perspectiva a circunstância de que a intervenção federal
representa, ainda que transitoriamente, a própria negação da autonomia
institucional reconhecida aos Estados-membros pela Constituição da
República. Essa autonomia, que possui extração constitucional, configura
postulado fundamental peculiar à organização político-jurídica de qualquer
sistema Federativo, inclusive do sistema federativo vigente no Brasil. O poder
autônomo - que a ordem jurídico-constitucional atribuiu aos Estados-membros -
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131
traduz um dos pressupostos conceituais inerentes à compreensão mesma do
federalismo”.” (grifos do enunciador).
Comentário: O enunciador reproduz ipsis litteris o seu voto da
Intervenção Federal nº 590-2, sem dizer que o voto é igual.
2)
O uso do tom doutrinário, os Ministros realizam, seguindo a lógica
taxonômica que desenvolvemos ao falarmos da doutrina jurídica,
definições e discussões acerca da natureza jurídica dos institutos
jurídicos e categorizações; como podemos demonstrar:
Excerto 1 - Enunciador: MIN. GILMAR MENDES, IF nº 2915-5/SP: “Em
nosso sistema federativo, o regime de intervenção representa excepcional e
temporária relativização do princípio básico da autonomia dos Estados. A
regra, entre nós, é a não-intervenção, tal como se extrai com facilidade do
disposto no caput do art. 34 da Constituição, quando diz que “a União não
intervirá nem no Distrito Federal, exceto para: (...)”. Com maior rigor, pode-se
afirmar que o princípio da não intervenção representa sub-princípio
concretizador do princípio da autonomia, e este, por sua vez, constitui subprincípio concretizador do princípio federativo, cabe lembra, constitui não
apenas princípio estruturante da organização política e territorial do Estado
brasileiro, mas também cláusula pétrea da Carta de 1988.”
Comentário: O enunciador dá uma definição doutrinária do que é a
intervenção federal.
Excerto 2 - Enunciador: MIN. CELSO DE MELLO, IF-QO nº590-2/CE: “O
mecanismo de intervenção constitui instrumento essencial à viabilização do
próprio sistema federativo, e, não obstante o caráter excepcional de sua
utilização - necessariamente limitada às hipóteses taxativamente definidas na
Carta Política -, mostra-se impregnado de múltiplas funções de ordem políticojurídica, destinadas (a) a tornar efetiva a intangibilidade do vínculo federativo,
(b) a fazer respeitar a integridade territorial das unidades federadas, (c) a
promover a unidade do Estado Federal e (d) a preservar a incolumidade dos
princípios fundamentais proclamados pela Constituição da República.”
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132
Comentário: O enunciador, através do modus operandi da bricolage,
realiza uma explicação de cunho doutrinário do que é a intervenção
federal.
3)
Citação de jurisprudências, como argumentos de autoridade, mas
sem a devida explicitação do que vincularia nos precedentes
citados; vejamos por exemplo:
Excerto 1 - Enunciador: MIN. ELLEN GRACIE, IF-AG-REG nº 2045-0/SP:
“No mérito, tenho que a decisão agravada ajusta-se à orientação firmada pelo
Supremo Tribunal Federal. De fato, conforme já decidiu esta Corte no
julgamento do AI 255.634, (rel. Min. Celso de Mello, DJ 03.12.1999), “nas
hipóteses de descumprimento de ordem ou de sentença judiciais (CF, art. 34,
VI e art. 35, IV) o procedimento destinado a viabilizar a efetivação do ato de
intervenção estadual nos Municípios reveste-se de caráter políticoadministrativo, muito embora instaurado perante órgão competente do Poder
Judiciário (CF, art. 36, II e art. 35, IV). Com efeito, a atividade desenvolvida
pelo Tribunal de Justiça, no processamento do pedido de intervenção estadual
em Município, decorre do exercício, por essa Corte Judiciária, de uma típica
função político-administrativa, desvestida, por isso mesmo de qualquer atributo
de índole jurisdicional”.”
Excerto 2 - Enunciador: MIN. MAURÍCIO CORRÊA, RECL. nº 1091-1/PA: “A
presente reclamação foi proposta pelo Governador do Estado que, por ter
capacidade postulatória concorrente para requerer ação direta de
inconstitucionalidade idêntica àquela cuja autoridade busca-se resguardar,
encontra-se, em tese, legitimado para a medida (RECLQO 397-RJ, unânime, j.
em 25/11/92, Celso de Mello, RTJ 147/31).”
Comentário: O enunciador, através do modus operandi da bricolage, usa
jurisprudência e já adianta a concordância com a capacidade postulatória
do governador.
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133
4)
Citação de jurisprudências anteriores a Constituição de 1988,
como argumentos de autoridade, mas sem a devida explicação de
porque estas decisões ficaram vinculadas, visto estarmos diante de
bases valorativas e constitucionais diversas; por exemplo:
Excerto 1 – Enunciador: MIN. CELSO DE MELLO, IF nº 164-1/SP: “O que
me parece irrecusável, Senhor Presidente, e consideradas as razões
expostas pelo Estado de São Paulo, é que, para os fins a que se refere o art.
34, VI, c/c o art. 36, II, da Carta Política, a ordem constitucional brasileira não
autoriza a intervenção federal, fundada em involuntária demora de
pagamento, motivada por falta ou insuficiência de recursos financeiros, pois como já enfatizou o Supremo Tribunal Federal, “Para justificar a intervenção,
não basta a demora de pagamento, na execução de ordem ou decisão
Judiciária, por falta de numerário: é necessário o intencional ou arbitrário
embaraço ou impedimento oposto a essa execução” (IF 20/MG, Rel. Min.
NELSON HUNGRIA, “in” Arquivo Judiciário, vol. 112/160-161 – grifei). Esta
Suprema Corte, ao recusar a possibilidade jurídico-constitucional de
intervenção federal no Estado-membro, por alegado descumprimento de
ordem ou decisão judicial, assim fundamentou o seu dictum, no julgamento
acima referido, consoante revela o voto do saudoso Ministro NELSON
HUNGRIA, então Relator da causa, nesta Corte, e cujas palavras reproduzo, in
extenso: “Não padece dúvida que a intervenção autorizada pelo art. 7°, V, da
Constituição Federal tem como pressuposto a injustificada oposição, por
parece do Governo estadual, de embaraço ou impedimento à execução de
ordem ou decisão judiciária. Não basta a demora, que pode ser justificada, na
execução: é necessário que se apresente uma desobediência manifesta,
propositada ou por descaso, à ordem ou decisão Judicial. É o que já ensinava
Barbalho, comentando o parágrafo 4° do art. 6° da Constituição de 91: - a
intervenção em tal caso se deve entender como uma sanção para constranger
à obediência os governos dos Estados, ‘quando embaracem ou se oponham
a execução’ das decisões Judiciais (‘Constituição Federal Brasileira’, pg. 27).
No mesmo sentido, Pontes de Miranda, comentando a atual Constituição: - ‘há
intervenção sempre que se impede a eficácia da sentença, decisão ou ordem’
(‘Comentários à Constituição de 1946’, ed. 1953, vol. 1°, pg. 486). É preciso
que um desarrazoado obstáculo tenha sido oposto pelo Governo estadual à
execução da decisão ou ordem. Ora, no caso vertente, o retardamento na
execução não promana de obstáculo criado pelo Governador mineiro, mas da
acidental exaustão atual do erário do Estado.” (grifos do enunciador).
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134
Comentário: O enunciador realiza uma bricolage, sem pudores, de um
argumento jurisprudencial anterior a ordem de 1988. Vale lembrar que a
redação do fundamento constitucional da decisão citada era diferente da
Constituição de 1988.
Excerto 2 - Enunciador: MIN. CELSO DE MELLO, IF nº 164-1/SP: “No
mesmo sentido recordo outros precedentes da Corte (IF 81 (AgRg), RTJ
114/443; IF 135, Pertence, DJ 24.11.95) e, sob ordens constitucionais
anteriores, que, no ponto, não sofreram alteração substancial: IF 61, 16.12.70,
Barros Monteiro, RTJ; IF 94, 19.12.86, M. Alves.” Assim sendo, na linha dos
precedentes, nego seguimento ao pedido.”
Comentário: O enunciador, através do modus operandi da bricolage, cita
decisões anteriores a ordem constitucional de 1988, apesar de estarem
fundamentadas em outras bases, para fundamentar seu ponto de vista.
5)
Discursos de mera autoridade e afirmação, que leva em conta a
simples autoridade que estes Ministros gozam no campo jurídico;
Excerto 1 - Enunciador: MIN. SYDNEY SANCHES, IF-QO nº 107-2/DF:
“Diante de tais considerações, ao que penso, o processo e julgamento do
pedido de intervenção federal em exame não compete a essa Excelsa Corte,
mas sim ao Superior Tribunal de Justiça, pois que se fundamenta no alegado
descumprimento de ordem expedida por juiz estadual em ação de reintegração
de posse, causa evidentemente fundada em matéria infraconstitucional.”
Comentário: Importante notar neste excerto, que o enunciador novamente
se refere a questão infraconstitucional, mas em nenhum momento explica
ou explicita o que vem a ser matéria constitucional.
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135
Excerto 2 - Enunciador: MIN. GILMAR MENDES, IF nº 2915-5/SP: “Já
afirmei, em outras oportunidades, a real necessidade de que os órgãos
judicantes, ao julgarem questões intricadas analisem com a maior amplitude
possível informações e dados concretos para obterem uma interpretação
precisa.”
Comentário: O enunciador usa um argumento de autoridade para dizer
que a sua interpretação é precisa.
6)
Citações auto-referentes praticadas pelos ministros, de forma
aberta ou inversamente sem indicação; por exemplo:
Excerto 1 – Enunciador: MIN. ELLEN GRACIE, IF-AGR-REG nº 2045-0/SP:
“No mérito, tenho que a decisão agravada ajusta-se à orientação firmada pelo
Supremo Tribunal Federal. De fato, conforme já decidiu esta Corte no
julgamento do AI 255.634, (rel. Min. Celso de Mello, DJ 03.12.1999), “nas
hipóteses de descumprimento de ordem ou de sentença judiciais (CF, art. 34,
VI e art. 35, IV) o procedimento destinado a viabilizar a efetivação do ato de
intervenção estadual nos Municípios reveste-se de caráter políticoadministrativo, muito embora instaurado perante órgão competente do Poder
Judiciário (CF, art. 36, II e art. 35, IV). Com efeito, a atividade desenvolvida
pelo Tribunal de Justiça, no processamento do pedido de intervenção estadual
em Município, decorre do exercício, por essa Corte Judiciária, de uma típica
função político-administrativa, desvestida, por isso mesmo de qualquer atributo
de índole jurisdicional”.”
Comentário: Através do modus operandi da bricolage, o enunciador se
serve de um argumento jurisprudencial auto-referente.
Excerto 2 - Enunciador: MIN. CELSO DE MELLO, IF nº 164-1/SP: “O instituto
da intervenção federal, consagrado no texto de todas as Constituições
republicanas brasileiras, representa um elemento fundamental, tanto na
construção da doutrina do Estado Federal, quanto na praxes do federalismo.
O mecanismo de intervenção constitui instrumento essencial à viabilização do
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136
próprio sistema federativo, e, não obstante o caráter excepcional de sua
utilização - necessariamente limitada às hipóteses taxativamente
definidas na Carta Política -, mostra-se impregnado de múltiplas funções de
ordem político-jurídica, destinadas (a) a tornar efetiva a intangibilidade do
vínculo federativo, (b) a fazer respeitar a integridade territorial das unidades
federadas, (c) a promover a unidade do Estado Federal e (d) a preservar a
incolumidade dos princípios fundamentais proclamados pela Constituição da
República. A intervenção federal, na realidade, configura expressivo elemento
de estabilização da ordem normativa plasmada na Constituição da República.
É-lhe inerente a condição de instrumento de defesa dos postulados sobre os
quais se estrutura, em nosso País, a ordem republicano-federativa. “O instituto
da intervenção" - adverte ERNESTO LEME (“A Intervenção Federal nos
Estado”, p. 25, item n. 20, 2ª ed., 1930, RT) – “É (...) da essência do sistema
federativo”. Sem esse mecanismo de ordem político-jurídica, que assegura a
intangibilidade do pacto federal, “a União seria um nome vão. E as garantias e
vantagens, que a Federação deve proporcionar aos Estados e ao povo, se
reduziriam a simples miragem” (JOÃO BARBALHO, Constituição Federal
Brasileira – Comentários”, p. 31, 2ª ed., 1924, Rio de Janeiro, Briguiet e Cia.
Editores). Cabe destacar, neste ponto, o magistério doutrinário, que, fundado
na necessidade de respeito ao princípio federativo, adverte sobre a
excepcionalidade da intervenção federal, em face do caráter extremamente
perturbador que assume qualquer interferência do Governo Federal nos
assuntos regionais e na esfera de autonomia dos Estados-membros (CARLOS
MAXIMILIANO, “Comentários à Constituição Brasileira”, p. 158, item n. 128,
3ª Ed., 1929, Globo; THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI, “A
Constituição Federal Comentada” vol. I/183, 3ª ed., 1956, Konfino; FÁVILA
RIBEIRO, “A Intervenção Federal nos Estados”, p. 48, tese de concurso,
1960, Editora Jurídica, Fortaleza). Não se pode perder de perspectiva a
circunstância de que a intervenção federal representa, ainda que
transitoriamente, a própria negação da autonomia institucional reconhecida
aos Estados-membros pela Constituição da República. Essa autonomia, que
possui extração constitucional, configura postulado fundamental peculiar à
organização político-jurídica de qualquer sistema Federativo, inclusive do
sistema federativo vigente no Brasil. O poder autônomo - que a ordem jurídicoconstitucional atribuiu aos Estados-membros - traduz um dos pressupostos
conceituais inerentes à compreensão mesma do federalismo.” (grifos do
enunciador).
Comentário: O enunciador reproduz ipsis litteris o seu voto da
Intervenção Federal nº 590-2 (item 15 de nossas análises), sem dizer que
o voto é igual.
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137
7)
O uso ipsis litteris dos pareceres dos Procuradores Gerais da
República como se fossem seus relatórios; como nos exemplos:
Excerto 1 - Enunciador: MIN. NÉRI DA SILVEIRA, IF nº 101-3/MA: “Resumiu
a Procuradoria-Geral da República, às fls. 54/55, os fundamentos da súplica,
verbis: Alegam, para tanto, que o Senhor Secretário da Fazenda do Estado do
Maranhão se recusa a atender o ofício do Exmo. Sr. Desembargador
Presidente do Tribunal de Justiça, em que são solicitadas as providências para
pagamento de precatórios expedidos em favor dos requerentes, com o que
estaria configurado o descumprimento de ordem ou decisão judicial, que
ensejaria a medida intentada. O pedido se faz acompanhar de cópias de
documentos referentes á matéria, sendo relevantes, no entanto, para definição
do requerido, apenas as de fls, 11/13, 18/19 e 21 dos autos, sendo os demais
estranhos à pesquisa sobre a confirguração de descumprimento de ordem ou
de decisão judicial. Do exame dos mesmos, constata-se somente que os
requerentes, na realidade, são beneficiários de precatórios, e que reclamaram
ao Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, contra a preterição de seus
direitos, reclamação esta encaminhada ao Senhor Secretário da Fazenda (fls.
21).”
Comentário: O enunciador usa ipsis litteris os fundamentos da
Procuradoria Geral da República.
Excerto 2 - Enunciador: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE, IF nº 135-8/RJ: “É
este o teor da manifestação da Procuradoria-Geral (f. 83): O pedido de
intervenção não tem como ser apreciado, pois aos requerentes falta
legitimidade ativa para tanto. Nesse sentido, a orientação desse Colendo
Tribunal, conforme os seguintes precedentes: "Intervenção Federal.
Legitimidade ativa para o pedido. Interpretação do inciso II do art. 36 da
Constituição Federal de 1988, e dos artigos 19, II e III, da Lei 8.038, de 28-051990, e 350, II e III, do RISTF. A parte interessada pode se dirigir ao Supremo
Tribunal Federal, com pedido de intervenção federal para prover a execução de
decisão da própria Corte. Quando se trata de decisão de Tribunal de Justiça, o
requerimento de intervenção deve ser dirigido ao respectivo Presidente, a
quem incumbe, se for o caso, encaminhá-lo ao Supremo Tribunal Federal.
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138
Pedido não conhecido, por ilegitimidade ativa dos requerentes." (Intervenção
Federal n. 105 (Questão de Ordem) PR, Tribunal Pleno, Relator Exmo. Sr. Min.
Sydney Sanches, RTJ 142/371). "Intervenção Federal. - Se o Presidente do
Tribunal de Justiça local - que tem legitimação para provocar o exame da
requisição de intervenção federal, que só se fará para a preservação da
autoridade da Corte que ele representa - entende que a intervenção federal
não cabe no caso, não pode o STF, de ofício e à vista do encaminhamento por
aquela Presidência do pedido de intervenção federal feito pelo interessado e
por ela repelido, examiná-lo. Agravo regimental a que se nega provimento."
(Intervenção Federal n. 81 (AGRG) - SP, Relator Min. Moreira Alves, RTJ
114/443). Note-se que bem recentemente, ao julgar Reclamação formulada
contra o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará por Coronéis da Reserva da
Polícia Militar daquele Estado (Reclamação nº464-3-CE, ReIator Min. Octávio
Gallotti, DJ 24.02.95), esse Colendo Tribunal proferiu aresto com ementa do
seguinte teor: "Intervenção federal, por suposto descumprimento de decisão
de Tribunal de Justiça. Não se pode ter, como invasiva da competência do
Supremo Tribunal, a decisão de Corte estadual, que, no exercício de sua
exclusiva atribuição, indefere o encaminhamento do pedido de intervenção.
Precedentes do STF. Reclamação julgada improcedente." Pelo exposto,
opinamos por que não se conheça do pedido, tendo em vista a ilegitimidade
ativa dos requerentes.” Recordo, no mesmo sentido, outros precedentes do
Tribunal, sob ordens constitucionais anteriores, que, contudo, no ponto, não
sofreram alteração substancial (IF 61, 16.12.70, Barros Monteiro, RTJ 57/156;
IF 64, 16.10.75, Thompson; IF 68, 12.12.79, Neder; IF 94, 19.12.86, M. Alves).
Nada mais tendo a aditar-lhe, acolho o parecer e não conheço do pedido: é o
meu voto.”
Comentário: Finalmente o enunciador usa ipsis litteris a manifestação da
Procuradoria-Geral como se sua fosse para estabelecer seu voto.
Importante dizer que usa uma reclamação e outra intervenção federal
julgadas no STF como argumentos de autoridade para fundamentar seu
voto.
8)
O uso do processo civil como uma estratégia de evitar a decisão
do mérito da questão, omitindo-se do enfrentamento da disputa
federativa, deixam de decidir por uma escusa processual, como a
ilegitimidade ativa ou incompetência da Corte; por exemplo:
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139
Excerto 1 - Enunciador: MIN. SYDNEY SANCHES, IF-QO nº 105-6/PR: “Os
requerentes são partes ilegítimas para pedir a intervenção federal.”
Comentário: O enunciador usa um argumento de autoridade. Ele faz uma
afirmação sem justificá-la.
Excerto 2 - Enunciador: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE, IF nº 230-3/DF:
“Com efeito, a intervenção federal é medida extrema, que pressupõe, de parte
do tribunal de execução, a exaustão dos meios de que disponha para fazer
cumprir o julgado. Por tudo isso, além de não se confundir com o simples
encaminhamento de pretensão alheia, o pedido da requisição da intervenção
há de ser motivado. Desse modo, afirmo a competência do STF, mas à falta de
iniciativa própria e fundamentada do órgão legitimado, nego trânsito ao
expediente encaminhado. É o meu voto.”
Comentário: O enunciador apresenta premissas que não seguem uma
coerência lógica, para ao final, realizar uma conclusão entimesmática118.
9)
O uso e interpretações de citações legais como argumento de
autoridade; por exemplo:
118
Coube a Aristóteles o desenvolvimento do conceito de entimema (gr. enthymeísthai;
considerar, refletir), que consiste no silogismo próprio da retórica. Fruto da endoxa, tratando
daquilo que não decorre necessariamente das premissas invocadas, o entimema é o núcleo da
persuasão. O entimema é uma espécie de silogismo encurtado, no qual uma das premissas, ou
mesmo a conclusão, é tomada como evidente, permanecendo implícita dentro da sua estrutura
formal. Ele pressupõe que o receptor da mensagem conhece e concorda com a premissa ou
conclusão silenciada, ainda que tal concordância não seja efetiva. “Dorieus venceu os jogos
olímpicos, Dorieus ganhou uma coroa de louros” (Retórica, I,2,1357a): falta a premissa maior,
pois todos sabem que quem ganha os jogos recebe a coroa. O entimema é formalmente
imperfeito eis que deseja persuadir sem a rigidez da coerência lógica. Todavia, uma vez que a
retórica deseja obter efeitos imediatos, a relevância pragmática e estratégica dos entimemas
acaba por fazer superar sua deficiência formal.
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140
Excerto 1 - Enunciador: MIN. ILMAR GALVÃO, IF nº 2915-5/SP: “O
Governador, em conseqüência, pelo regime que era previsto no texto original
do art. 100 e parágrafos da CF, no presente caso, só poderia ser considerado
desobediente à ordem judicial se deixasse, primeiramente, de providenciar a
inclusão, no orçamento, da dotação requisitada pelo Tribunal; e, em segundo
lugar, de pôr à disposição do Tribunal, durante o exercício orçamentário, os
recursos alusivos à dotação prevista na lei de meios. Estabelecidas essas
premissas, cumpre examinar o que efetivamente determinou o presente pedido
de intervenção.”
Comentário: O enunciador, através do modus operandi da bricolage, cita
um argumento legal.
Excerto 2 – Enunciador: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE, IF nº 230-03/DF:
“O Art. 34, VI, CF, prevê a intervenção da União nos Estados e no Distrito
Federal para prover a execução de “ordem ou decisão judicial. Prescreve, de
seu turno, o art. 36, II, que “a intervenção dependerá (...) no caso de
desobediência a ordem ou decisão judiciária, de requisição do Supremo
Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior
Eleitoral”.” (grifos do enunciador).
Comentário: O enunciador, através do modus operandi da bricolage, cita
o texto constitucional.
10) O uso de digressões históricas e doutrinárias, afim de ser
demonstrada erudição e autoridade pela força da tradição; como
nos exemplos:
Excerto 1 – Enunciador: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE, IF nº 230-03/DF:
“Vem da Emenda de 1926 à Constituição de 1891 a competência, então
privativa, do Supremo Tribunal para requisitar ao Poder Executivo a
intervenção nos Estados, “a fim de assegurar a execução das sentenças
federais” (cf. art. 6º, § 3º). A Constituição de 1934 – além de ampliar aquela
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141
hipótese de intervenção, de modo a nela incluir também o “obstáculo (...) às
decisões e ordens dos Juízes e Tribunais” estaduais (cf. art. 12, VI e §3º, a)
– cindiu a competência de requisição entre a Corte Suprema e o Tribunal de
Justiça Eleitoral, então constitucionalizado (cf. art. 13, §5º). A partilha desse
poder entre o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral retornou
na Constituição de 1946 (art. 9º, §1º, I) e assim permaneceu, sem alterações
substanciais, nos textos subseqüentes (CF 67, art. 10,§1º, c; CF 69, art. 11,
§1º, c).” (grifos do enunciador).
Comentário: O enunciador, através do modus operandi da bricolage, faz
uma digressão histórica visando demonstrar uma continuidade de 1926
aos nossos dias.
Excerto 2 - Enunciador: MIN. MARCO AURÉLIO, IF nº 164-1/SP: “A
Constituição Federal de 1891 mostrou-se de contornos limitados. Mediante o
item IV do artigo 6°, previa-se que o Governo Federal poderia intervir em
negócios peculiares aos Estados “para assegurar a execução das leis e
sentenças federais.” A Emenda Constitucional de 3 de Setembro de 1926 não
modificou essa cláusula. Foi ela mantida, já então, sob o inciso IV, “para
assegurar a execução das leis e sentenças federais e reorganizar as finanças
do Estado, cuja incapacidade para a vida autônoma se demonstrar, pela
cessação de pagamentos de sua dívida fundada, por mais de dois anos”.
Destarte, nota-se a restrição quanto às sentenças - somente as federais
descumpridas ensejavam a intervenção. A Constituição Federal de 1934 veio a
dar maior extensão à cláusula autorizadora da intervenção nos negócios do
Estado, abrangendo expressões que não podem ser tidas como sinônimos: Art.
12 A União não intervirá em negócios peculiares aos Estados, salvo: VII para a
execução de ordens e decisões dos juízes e tribunais federais; Percebe-se,
portanto, o abandono da palavra “sentença”, ou seja, do vocábulo revelador do
ato processual final dos processos. Entrementes a possibilidade de intervenção
por descumprimento de ordens e decisões dos juízes e tribunais ficou limitada
à esfera federal, não alcançando, assim, decisões da Justiça estadual. Essa
previsão perdurou até 1937, quando veio à balha nova Carta e, aí, voltou-se à
disciplina de 1891: Art. 9° O Governo Federal intervirá nos Estados, mediante a
nomeação, pelo Presidente da República, de um interventor que assumirá no
Estado as funções que, pela sua constituição, competirem ao Poder Executivo,
ou as que, de acordo com as conveniências e necessidade de cada caso, lhe
forem atribuídas pelo Presidente da República: f) para assegurar a execução
leis e sentenças federais; Então, observa-se, como já consignado, o retorno à
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142
disciplina pretérita, mais uma vez limitando-se a possibilidade de intervenção
ao descumprimento de sentenças emanadas de órgãos federais. A Carta de
1946, de nítido cunho democrático, uma Carta, tal como as de 1891, 1934 e
1988, popular, a homenagear a supremacia do Judiciário e a atuação deste
como indispensável ao Estado Democrático de Direito, veio a reintroduzir, no
cenário constitucional, a regra da Constituição de 1934, fazendo-o sem a
especificidade alusiva à natureza do órgão judiciário prolator da decisão
(gênero) descumprida - se federal ou estadual. Portanto, houve verdadeiro
avanço, emprestando-se, sob o argumento da intervenção, valia a ordens e
decisões judiciárias, sem se distinguir a origem: Art. 7°. O Governo Federal não
intervirá nos Estados, salvo para: V) assegurar a execução de ordem ou
decisão judiciária.”
11) O uso de citações e referências de obras doutrinárias e de
jurisprudências concebidas e contextualizada para outros sistemas
jurídicos que não o brasileiro, nos parece que por esta estratégia o
bricoleur trabalha sob a perspectiva de um Direito universal
aplicável para qualquer lugar.
Excerto 1 - Enunciador: MIN. GILMAR MENDES, IF nº 2915-5/SP: “Registrese, por oportuno, que o princípio da proporcionalidade aplica-se a todas as
espécies de atos dos poderes públicos, de modo que vincula o legislador, a
administração e o judiciário, tal como lembra Canotilho (Direito Constitucional e
Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 2ª ed. , p. 264). Cumpre assinalar,
ademais, que a aplicação do princípio da proporcionalidade em casos como o
presente, em que há pretensão de atuação da União no âmbito da autonomia
de unidades federativas, é admitida no direito alemão. Nesse sentido, registram
Bruno Schmidt-Bleibtreu e Franz Klein, em comentário ao art. 37 da Lei
Fundamental, que “os meios da execução federal (“Bundeszwang”) são
estabelecidos pela Constituição, pelas leis federais e pelo princípio da
proporcionalidade” (“Die Mittel dês Bundeszwanges werden durch das
Grundgesetz, die Bundesgesetze und da Prinzip der VerhältnismäBigkeit
bestimmt”, Kommentar zum Grundgesetz, 9ª Ed., Lucherhand, p. 765).”
Comentário: O enunciador realiza uma bricolage doutrinária fazendo
referência ao Direito Alemão. Devemos lembrar, entretanto, que estamos
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143
tratando de realidades diferentes, de federações diferentes e de redações
constitucionais diferentes.
Excerto 2 - Enunciador: MIN. CELSO DE MELLO, IF nº 102-1/PA: “A fórmula
adotada parece traduzir aquilo que Kelsen houve por bem denominar
“accertamento giudiziale dell’illecito (...) Che condiziona l’esecuzione federale”.
E, evidentemente, esse “accertamento giudiziale”, ou o contencioso da
inconstitucionalidade, como referido por Castro Nunes, diz respeito ao próprio
conflito de interesses potencial ou efetivo, entre União e Estado, no tocante à
observância de determinados princípios federativos. Portanto, o ProcuradorGeral da República instaura o contencioso de inconstitucionalidade não como
parte autônoma, mas como representante judicial da União Federal, que ‘tem
interesse na integridade da ordem jurídica, por parte dos Estados-membros’.”
Comentário: O enunciador, através do modus operandi da bricolage, cita
doutrina de Hans Kelsen e associa esta passagem para explicar o papel
do Procurador Geral da República.
Este repertório limitado, que acabou de ser descrito acima, se opera
regularmente em bases de três grandes estratégias argumentativas por parte
dos discursos dos Ministros:
ESTRATÉGIA 1) a descontextulização histórica, que se define pelo uso de
citações e referências de obras doutrinárias e de jurisprudências de contextos
históricos os mais distintos, muitos vezes de períodos não democráticos e de
circunstâncias temáticas diversas, como se houve uma grande linha de
continuidade histórica, ou melhor, como se houvesse uma atemporalidade que
permitiria este trabalho do bricoleur em usar este material a sua disposição;
ESTRATÉGIA 2) a descontextualização geográfica, o uso de citações e
referências de obras doutrinárias e de jurisprudências concebidas e
contextualizada para outros sistemas jurídicos que não o brasileiro, nos parece
que por esta estratégia o bricoleur trabalha sob a perspectiva de um Direito
universal aplicável para qualquer lugar.; e finalmente,
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144
ESTRATÉGIA 3) a descontextualização de sentidos, entendida como o uso de
fragmentos da doutrina jurídica e do processo civil, muitas vezes, por
argumentos de autoridade, como bem lhe aprouver, e como tal fora de seus
sentidos primeiros, para conceber a sua obra decisória.
4.2. A lógica do contraditório
A todo este panorama da bricolagem soma-se outra estrutura
gramatical que reforça estas descontextualizações, a lógica do contraditório.
A estrutura gramatical decisória do Supremo Tribunal Federal
denominada ‘a lógica do contraditório’, antes de tudo não pode ser confundida
com o princípio constitucional, processual, e concebido como ganho
democrático no campo e discursos jurídicos, do contraditório119. Este é
representado, ainda que não comprovado pela empiria (BAPTISTA, 2008),
como um valor igualitário de se dar às partes em um processo, seja ele judicial
ou administrativo, as mesmas oportunidades de serem ouvidas, produzirem
provas e contestarem as provas produzidas.
A lógica do contraditório pode apresentar uma homonímia com o
princípio do contraditório, mas com ele não se confunde. A origem desta lógica
situa-se nos países de tradição de Civil Law120, nos antigos exercícios
119
Ada Pellegrini GRINOVER (1990:7) entende que "o contraditório não se identifica com a
igualdade estática, puramente formal, das partes no processo; não exprime a simples exigência
de que os sujeitos possam agir em plano de paridade; nem determina ao juiz o mero dever de
levar em conta a atividade de ambos, permitindo que façam ou até que deixem de fazer alguma
coisa. O contraditório, como contraposição dialética paritária e forma organizada de
cooperação no processo, constitui o resultado da moderna concepção da relação jurídica
processual, da qual emerge o conceito de par condicio ou igualdade de armas" Esse princípio,
que garante a verdadeira contraposição dialética, é entendido como sendo o de equilíbrio de
situações, não iguais mas recíprocas.” Coadunando com esta visão Leonardo GRECO
(2005:72) define o contraditório como o princípio que “impõe ao juiz a prévia audiência de
ambas as partes antes de adotar qualquer decisão (audiatur et altera pars) e o oferecimento a
ambas das mesmas oportunidades de acesso à Justiça e de exercício do direito de defesa”.
120
Compreende-se Civil Law como uma tradição romano-germânica do fenômeno jurídico, que
estabelece como principal fonte do Direito a norma escrita. No sistema de Civil Law, o Direito e
seus conceitos são codificados, ou seja, pré-estabelecidos e racionalmente agrupados em
códigos escritos. Ademais, no sistema de Civil Law os juízes não têm poder para alterar,
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145
oratórios/retóricos do trivium121, os chamados contradicta da Escola de
Bologna122. Estes exercícios consistiam em disputas oratórias de dialética
adicionando ou subtraindo conceitos às normas. Sua função essencial é interpretar a Lei e
aplicá-la ao caso concreto.
121
O trivium (do latim tres: três e vía: caminho) era o nome dado na antiguidade ao conjunto de
três matérias ensinadas nas universidades no início do percurso educativo: gramática, dialética
e retórica. O trivium representa três das sete artes liberais, as restantes quatro formam o
quadrivium: aritmética, geometria, astronomia e música. HESPANHA (2005:197-219).
122
FURMANN e SILVA (2006) relatam que a Escola de Bolonha: ”A Escola de Bolonha foi
originariamente uma escola de Artes. Diferenciava-se das escolas medievais tradicionais
porque estas permaneciam intimamente ligadas ao ensino teológico, o que caracteriza a Idade
Média. A origem profana e citadina da Escola de Bolonha influenciou sobremaneira o estudo do
Direito por um ângulo inovador. A libertação do primado da teologia a diferenciava das demais
instituições da época. Destaca-se, nesse sentido, a criação do studium civile de Bolonha, uma
escola jurídica profana. A utilização dos textos clássicos remontou a proposta universalista do
império romano. Alia-se a essa característica a utilização do trivium escolástico das
universidades medievais. A propedêutica foi o substrato dos estudos em Bolonha. A releitura
dos textos jurídicos antigos a partir de tais disciplinas originou um ´´entusiasmo acadêmico´´
que, notoriamente, será estranho à atitude moderna, pois pautada na crença da autoridade e
do formalismo intelectual. Nota-se que a Escola de Bolonha deteve acesso progressivo a textos
anteriormente proibidos pela igreja, a qual monopolizava o saber durante a idade média, como
os escritos de Aristóteles (Organon). Logo, o desenvolvimento de Bolonha está intimamente
ligado ao movimento cultural (germes de modernidade) e ao desenvolvimento econômico
(germes capitalismo) que desembocaram nas cidades mercantis italianas.Se de um lado a
aplicação do Direito Justinianeu gerou diversos conflitos nesse período medievo, devido às
diferenças históricas gritantes entre as realidades medieval e imperial romana. Por outro lado, a
autoridade dos textos antigos os fazia intocáveis. "O Corpus Iuris gozava da mesma autoridade
no pensamento jurídico – em virtude da crença na origem providencial do império –,
constituindo mais do que um jogo de palavras o dizer-se que ele teve sobre o sentimento
jurídico medieval a força de uma revelação no plano do direito". Por isso, a solução para a
superação de tal impasse era o constante esforço interpretativo e criativo. A principal herança
histórica dessa Escola. A ideologia que permeia a igreja romana medieval é a de que o Direito
romano refletia o Direito da Humanidade, do gênero humano. Tal fato reflete a crença na sua
pretensa dignidade histórica e autoridade metafísica (ligada ao surgimento do Cristianismo). O
Corpus Iuris Civile não era utilizado apenas por juristas, mas também por teólogos em escritos
sobre a moral. Percebe-se que a adoção do Direito Justinianeu não era apenas uma questão
técnica-formal, mas também uma necessidade daquela sociedade em resgatar um fundamento
seguro para uma ética político-social. O Direito Justinianeu chegou a ser considerado a ratio
scripta. Em relação às técnicas de estudo, a expositiva é trazida do trivium escolástico para o
estudo do Direito, absorvendo-se muitas de suas características. São comuns o uso da glosa
gramatical ou semântica, a interpretação dos textos, a concordância e a distinção. A
interpretação dos glosadores, entretanto, difere das exegeses modernas. Sua técnica de
interpretação está calcada na harmonização-estruturação de idéias pautadas em princípios
predeterminados pelo fundamento da autoridade. Em sua interpretação, os glosadores, não
precisavam (e nem pretendiam) por a prova a justiça do texto clássico (afinal o texto era sacro
e, portanto, intocável); também não pretendiam compreendê-lo ou fundamentá-lo
historicamente; nem tampouco buscavam conciliá-lo com a necessidade prática. "O que eles
queriam era antes comprovar com o instrumento da razão – que, para eles, era constituído pela
lógica escolástica – a verdade irrefutável da autoridade". Por ser parte de uma verdade
absoluta, cada parte do texto constitui, em si mesma, uma verdade absoluta. A glosa
(comentário escrito nas margens do texto) é, portanto, a forma básica utilizada. Destacam-se
os estudos de figuras de dedução lógica aristotélica, aliás, a utilização da filosofia aristotélica
em contraposição a perspectiva da filosofia platônica irá ser uma das influências na formação
da racionalidade moderna. Perceba-se que apenas parte da filosofia aristotélica é absorvida
(analítica), olvidando-se da dialética. Os glosadores também realizavam atividades que
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146
infinita entre os alunos do curso de direito até ficar decidido por professores ou
alunos quem teria vencido o embate.
Maria Stella de AMORIM (2006:107), uma das pesquisadoras do direito
brasileiro que analisa esta lógica em sede dos Juizados Especiais Civis do Rio
de Janeiro, nos informa que a lógica do contraditório é definida e se opera da
seguinte maneira:
A característica essencial dessa lógica, a despeito de sua
estrutura aberta, encontra-se na supressão da possibilidade de
os participantes alcançarem concordância, sejam eles partes
do conflito, operadores jurídicos ou doutrinadores, o que
sugere ausência de consenso interno ao saber produzido no
próprio campo e, no limite, falta de consenso externo,
manifesto na distribuição desigual da justiça entre os
jurisdicionados pelas mesmas leis que lhes são aplicadas e
pelos mesmos tribunais que lhes ministram a prestação
jurisdicional.
Esta forma de raciocínio caracteriza-se, a despeito de uma estrutura
aberta, na supressão da possibilidade de os participantes alcançarem
concordância, sejam eles partes do conflito, operadores jurídicos ou
doutrinadores, o que sugere ausência de consenso interno ao saber produzido
no próprio campo e, no limite, falta de consenso externo, manifesto na
distribuição desigual da justiça entre os jurisdicionados pelas mesmas leis que
lhes são aplicadas e pelos mesmos tribunais que lhes ministram a prestação
jurisdicional.
Depreende-se, então, da paisagem acima, que esta lógica não opera
consensos ou verdades consensualizadas, que permitiriam fosse administrado
o conflito social trazido aos tribunais. Pelo contrário, o contraditório fomenta
mais conflitos, pois os devolve a sociedade sem a devida apreciação.
pretendiam a compatibilização de textos contraditórios – através de operações de
divisões/subdivisões e sínteses – a fim de comprovar o caráter absoluto e total contido nas
verdades dos textos.”
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A lógica do contraditório, então, quando confundida com o princípio do
contraditório leva a crença de que as discussões jurídicas brasileiras e, como
tal, as do Supremo Tribunal Federal, sejam democráticas, tolerantes e
construtoras de verdades, pois, se estaria dando oportunidades iguais de todos
que estivessem participando da ação comunicativa falar.
Como já dito neste item da tese é demonstrar que esta lógica também
se opera entre os Ministros do Supremo Tribunal Federal nas discussões e
construções de seus votos, ao menos quanto a temática da intervenção
federal, que fora nosso universo de análise.
O primeiro exemplo da existência desta lógica em sede do Supremo
Tribunal Federal está na seguinte situação: os Ministros almejam que suas
teses sejam vencedoras sem ouvir com atenção, e com contra argumentação,
as tese levantadas pelos seus pares ou pelas partes.
O segundo exemplo pode ser traduzido nesta afirmação: os Ministros
levantam questões novas que não estavam no debate.
O terceiro se resume ao fato de que se a Corte é um órgão colegiado,
em tese teria sido formado um consenso para se decidir. Ocorre que este
consenso é aparente, pois na verdade existe uma mera soma de votos pela
procedência ou improcedência do pedido.
Na verdade estas afirmações realizadas pela Corte são meros
argumentos de autoridade operados pela bricolagem.
Finalmente, esta lógica acaba por caracterizar uma retórica, ou seja,
uma técnica de articulação oratória e argumentativa própria dos ministros do
Supremo Tribunal Federal, e definir um cenário de que a Corte não está lá para
decidir questão alguma afeta a intervenção federal, simplesmente se
estabelece um exercício de oratória entre eles, um grande espetáculo da
grandiloqüência. O que, por fim, demonstra também a nítida proteção do
Estado em detrimento aos direitos dos cidadãos.
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148
CONCLUSÃO
Esta tese de doutorado em Direito situa o papel assumido pelo
Supremo Tribunal Federal, e como tal pelos seus Ministros, na construção e na
tentativa de legitimação dos seus discursos decisórios em situações de
questionamento da estabilidade constitucional e da guarda das cidadanias,
considerando a vigência do Estado Democrático de Direito e privilegiando o
suporte teórico da Semiolinguística do Discurso.
A hipótese que se buscou investigar, e que restou comprovada pela
pesquisa realizada, é de que diante de situações explícitas de instabilidade
institucional do Estado brasileiro, e como tal da própria Constituição, o
Supremo Tribunal Federal, que se autoreferencia como guardião das
cidadanias e árbitro da sociedade democrática123, adota um espírito de corpo,
123
Como exemplos destas autoreferencias: Excerto: O julgamento da ação direta de
inconstitucionalidade não leva em conta situações concretas a serem dirimidas na via
apropriada. Examina-se a compatibilidade constitucional a partir do caráter abstrato da norma.
Da mesma, há, de proceder-se diante da necessidade de buscar-se solução para o quadro de
insolvência supra-referido. O caráter político do julgamento da ação direta de
inconstitucionalidade sofre limitação decorrente da supremacia da Carta Federal, sob pena de
vir à balha, em prejuízo de toda a sociedade e dos avanços no campo democrático, a
insegurança. O Estado não pode contar com o privilégio de editar a lei, aplicá-la e vê-la
sopesada pelo Judiciário ao sabor de política governamental, a partir de óptica tendenciosa,
sempre isolada e momentânea, sempre a revelar o oportunismo de plantão. Ao Estado-juiz,
especialmente ao Supremo Tribunal Federal, cumpre, em razão de compromisso maior - e a
história é uma cobradora infatigável - zelar pela intangibilidade da ordem jurídico-constitucional,
pouco importando que, assim o fazendo, seja incompreendido. É de se ter presentes as
palavras de Calamandrei, citado por Edgar de Moura Bittencourt em “O Juiz”, segundo as quais
há mais coragem em ser justo, parecendo injusto, do que ser injusto para salvaguardar as
aparências de justiça. Os incautos, os míopes, os pobres de espírito democrático, não esperem
do Supremo Tribunal Federal atitude acomodadora, por mais convidativa que seja a quadra, já
que se afigura, na concepção da Carta da República, como o Juiz Maior da Federação, não se
lhe sendo opostos óbices ao cumprimento do dever constitucional de assegurar a
intangibilidade da ordem jurídica. Enunciador: Min. Marco Aurélio, IF nº164-1/SP.
Excerto:O Supremo Tribunal Federal fixou, desde o início, que a decisão, na ação direta,
configurava um ‘aresto, um acórdão’, que punha termo ao contencioso da
inconstitucionalidade. O Tribunal desempenhava, assim, a função de árbitro
supremo
que
‘(...) intervém, se provocado, no conflito aberto entre a Constituição, que lhe cumpre
resguardar, e a atuação deliberante do poder estadual’.
Como se vê, as primeiras decisões do Supremo Tribunal Federal já atribuíam à representação
interventiva o caráter de uma relação processual contraditória, na qual o Procurador-Geral da
República representava os interesses da União, enquanto guardiã da federação, buscando
assegurar a observância pelo Estado-membro dos princípios consagrados no art. 7°, VII, da
Constituição Federal.
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149
como parte do Estado, se escamoteando por uma gramática que opera pelas
estruturas da lógica do contraditório, do processo civil como estratégia de
poder e do modus operandi da bricolagem.
O Supremo Tribunal Federal nunca provê os requerimentos de
intervenção federal, apesar de circunstâncias claras para fazê-lo. Desta forma,
a Corte protege os interesses privados do próprio Estado, como pessoa jurídica
de Direito Público.
Para tanto, foram analisadas 19 decisões, muitas com ausência dos
votos de todos os Ministros, durante o período de 1988 a 2008, que tiveram
como temática comum o instituto jurídico da intervenção federal, a qual, vale
lembrar, possibilita vislumbrarmos o Supremo Tribunal Federal a se manifestar
em relações a circunstâncias de força, poder e desrespeito explícitos a ordem
constitucional.
Nossa análise tem como ponto de partida a expressão chave
intervenção federal, articulando o seguinte universo de temas:
1) Regras de competência e reintegração de posse (2 decisões);
2) Usurpação de competência e precatório (1 decisão);
3) Precatório descumprido por Município (1 decisão);
4) Precatórios (9 decisões);
Reconhecia-se, assim, a representação interventiva como peculiar modalidade judicial de
composição de conflito entre a União e os entes federados.
Não se tem aqui, pois, um processo objetivo (objektives Verfahren), mas a judicialização de
conflito federativo atinente à observância de deveres jurídicos especiais, impostos pelo
ordenamento federal ao Estado-membro. Daí considerar Bandeira de Mello, com acerto, que,
no caso, se trata de exercício do direito de
ação, cuja autora seria a União, representada
pelo Procurador-Geral da República, e o réu, o Estado federado, atribuindo-se-lhe ofensa a
princípio constitucional da União. Enunciador: Min. Celso de Mello, IF nº 102-1/PA.
Excerto: Sucede, porém, que esta Corte – a quem a Constituição confere a sua competência
maior de garantir o equilíbrio da Federação, de atuar como um autêntico poder moderador nas
relações entre a União e os Estados-membros, ou nos conflitos que ocorram entre essas
Unidades da Federação ou seus Poderes, - por mais sensibilizada fique com acontecimentos
de tão profundo teor humano, os quais merecem a mais veemente reprovação, não só dos
membros do Tribunal, mas de toda a sociedade, não pode deixar de ter presente o bem maior
do equilíbrio federativo. Dai o caráter excepcional da intervenção federal. Enunciador: Min. Néri
da Silveira, IF nº 114/ MT.
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5) Intervenção em Município (1 decisão);
6) Assegurar direitos humanos (1 decisão);
7) Descumprimento de ordem judicial (1 decisão);
8) Desrespeito a princípio constitucional sensível (1 decisão); e,
9) Invasão de um Estado-membro em outro (1 decisão).
Optamos definir alguns enunciados de teses enquanto tópicos
doutrinários, visto que por teses faz-se necessário o embasamento científico,
recorrente ou que elas deveriam ser problematizadas nas discussões dos
Ministros.
Quanto à temática das “regras de competência e reintegração de
posse”, constata-se uma compreensão ambígua do que é literalidade para os
Ministros, como também, do que vem a ser o princípio da segurança jurídica.
Em relação a “usurpação de competência e precatório” verifica-se que o
problema da competência não é de mera divisão de tarefas, mas sim, uma
disputa de poder entre os tribunais. O que nos leva ao seguinte
questionamento: Qual é o espaço de autonomia dos Tribunais de Justiça?
Quanto a “precatório descumprido por Município”, sublinha-se a
ambígua compreensão do que é literalidade para os Ministros. Analisando,
entretanto, o tema dos “precatórios”, aponta-se para discussão relativa a
escusa da ilegitimidade ativa, da dificuldade financeira por parte dos Estados,
do calote público, da responsabilidade civil subjetiva ou objetiva do Estado, da
aplicação do princípio da proporcionalidade, do tempo de duração razoável dos
processos, do seqüestro de bem público, a perda de sentido da supremacia do
interesse público sobre o privado, da desigualdade jurídica entre o Estado e o
cidadão e, finalmente, se escamoteia a força do precedente.
Em relação a “intervenção em Município”, apresenta-se uma posição
dúbia do que é literalidade para os Ministros. Já na temática “assegurar direitos
humanos”, discute-se o papel da Corte em assegurar tais direitos.
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151
Trabalhando com a temática “descumprimento de ordem judicial”,
vislumbra-se a existência de uma cultura de pessoas não legitimadas, pedirem
a intervenção, o que acaba por demonstrar, a falta de consenso entre os atores
do campo jurídico.
Depreende-se do tema “desrespeito
a princípio
constitucional
sensível”, caso inédito no Supremo Tribunal Federal, e 1ª Ação Direta de
Inconstitucionalidade Interventiva julgada na Corte após 1988, o debate que
tratou como um fato isolado de violência, com elogios a atitude do Procurador
Geral da República e com digressões acerca da violência na sociedade
brasileira.
Finalmente, a “invasão de um Estado-membro em outro” apresentou a
discussão do papel do Supremo Tribunal Federal e da ausência de direito
público subjetivo ao Governador de Estado para obrigar o Presidente da
República a decretar intervenção federal.
Configurou-se em todas as decisões analisadas que as estruturas da
gramática decisória são: 1) O modus operandi da bricolage; e, 2) A lógica do
contraditório.
Como foi visto nesta tese, ao falarmos da doutrina jurídica, o modus
operandi do bricoleur também está presente na construção das decisões
judiciais analisadas. Esta atividade caracteriza-se pela articulação de um
repertório de elementos simbólicos e de representações limitados para a tarefa
que
o
bricoleur
tem
a
realizar,
esvaziando
o
significado
original
(descontextualização) do signo, substituído por um inteiramente novo, próprio e
individual aos interesses da obra que pretende criar.
O repertório limitado usado nos discursos dos ministros constitui-se dos
seguintes signos:
1) Citação de doutrinadores, reconhecidos pelo campo jurídico como pessoas
autorizadas;
2) O uso do tom doutrinário, os Ministros realizam, seguindo a lógica
taxonômica que desenvolvemos ao falarmos da doutrina jurídica, definições e
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discussões
acerca
da
natureza
jurídica
dos
institutos
jurídicos
e
categorizações;
3) Citação de jurisprudências, como argumentos de autoridade, mas sem a
devida explicitação do que vincularia nos precedentes citados;
4) Citação de jurisprudências anteriores a Constituição de 1988, como
argumentos de autoridade, mas sem a devida explicação de porque estas
decisões ficaram vinculadas, visto estarmos diante de bases valorativas e
constitucionais diversas;
5) Discursos de mera autoridade e afirmação, que leva em conta a simples
autoridade que estes Ministros gozam no campo jurídico;
6) Citações auto-referentes praticadas pelos ministros, de forma aberta ou
inversamente sem indicação;
7) O uso ipsis litteris dos pareceres dos Procuradores Gerais da República
como se fossem seus relatórios;
8) O uso do processo civil como uma estratégia de evitar a decisão do mérito
da questão, omitindo-se do enfrentamento da disputa federativa, deixam de
decidir por uma escusa processual, como a ilegitimidade ativa;
9) O uso e interpretações de citações legais como argumento de autoridade; e,
finalmente,
10) O uso de digressões históricas e doutrinárias, afim de ser demonstrada
erudição e autoridade pela força da tradição.
O outro pilar da estrutura argumentativa dos Ministros, e como vimos
acima neste trabalho, presente em todo o campo jurídico brasileiro, é a lógica
do contraditório. Esta forma de raciocínio caracteriza-se, a despeito de uma
estrutura aberta, na supressão da possibilidade de os participantes alcançarem
concordância, sejam eles partes do conflito, operadores jurídicos ou
doutrinadores, o que sugere ausência de consenso interno ao saber produzido
no próprio campo e, no limite, falta de consenso externo, manifesto na
distribuição desigual da justiça entre os jurisdicionados pelas mesmas leis que
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lhes são aplicadas e pelos mesmos tribunais que lhes ministram a prestação
jurisdicional.
Tal forma de raciocínio demonstra que não existe consenso nos
fundamentos levantados pelos Ministros. O falso consenso se dá, pois existe a
soma dos votos pela procedência ou improcedência dos pedidos.
Este modo de raciocínio, reforçado pelo modus operandi da bricolage,
estrutura-se em uma cultura de persuasão pela autoridade, que nos faz afirmar
não ser possível analisar as decisões judiciais pelo prisma das teorias da
argumentação, que buscam o convencimento e, como tal, o consenso. Este
fato nos leva a afirmar também, não existe uma cultura de precedentes no
Supremo Tribunal Federal, possibilitando o questionamento sobre os
argumentos de autoridade, ou da falta de consenso nas justificativas ou
fundamentos.
Sendo assim, as análises que implementamos na presente tese nos
direciona para o papel desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal e suas
relações com o poder, com a legitimidade e com a guarda da Constituição:
1) A Corte foi omissa em todos os pedidos de intervenção federal por ela
julgado, não requisitando nada. O que demonstra a nítida proteção do Estado
em relação aos cidadãos;
2) A Corte apesar de em diversas decisões se auto referir como o árbitro da
sociedade e guardião das cidadanias, assume, algumas vezes explicitamente,
que a Constituição está sendo desrespeitada e nada faz em relação a isso, até
decidir de forma arbitrária, como simples autoridade dada pela lei. Tal fato nos
encaminha para a terceira conclusão.
3) O Supremo Tribunal Federal tem um esprit de corps, suas práticas
decisórias em relação a intervenção federal revelam uma tomada de partido em
favor
da
figura
do
Estado,
que
ele
participa
enquanto
corpo.
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Intervenção Federal 101-3/MA. Relator: Min. Néri da Silveira. Julgamento em:
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<http://www.stf.jus.br>. Acessado em 08/03/2008.
Intervenção Federal 120-0/PR. Relator: Min. Sydney Sanches. Julgamento em:
10/02/1993, publicado no DJ de 05/03/1993 p. 1694. Disponível em
<http://www.stf.jus.br>. Acessado em 08/03/2008.
Agravo Regimental em Intervenção Federal 2045-0/SP. Relator: Min. Ellen
Gracie. Julgamento em: 13/09/2006, publicado no DJ de 29/09/2006 p. 2249.
Disponível em <http://www.stf.jus.br>. Acessado em 08/03/2008.
Agravo Regimental em Intervenção Federal 506-0/SP. Relator: Min. Maurício
Corrêa. Julgamento em: 05/05/2004, publicado no DJ de 25/06/2004 p. 2157.
Disponível em <http://www.stf.jus.br>. Acessado em 08/03/2008.
Intervenção Federal 164-1/SP. Relator: Min. Marco Aurélio p/acórdão Min.
Gilmar Mendes. Julgamento em: 03/02/2003, publicado no DJ de 14/11/2003 p.
2132. Disponível em <http://www.stf.jus.br>. Acessado em 08/03/2008.
Intervenção Federal 2915-5/SP. Relator: Min. Marco Aurélio p/acórdão Mib.
Gilmar. Julgamento em: 03/02/2003, publicado no DJ de 28/11/2003 p. 2134.
Disponível em <http://www.stf.jus.br>. Acessado em 08/03/2008.
Reclamação 1091-1/PA. Relator: Min. Maurício Corrêa. Julgamento em:
22/05/2002, publicado no DJ de 16/08/2002 p. 2078. Disponível em
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Intervenção Federal 230-3/DF. Relator: Min. Sydney Sanches. Julgamento em:
24/04/1996, publicado no DJ de 01/07/1996 p. 1834. Disponível em
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Agravo Regimental em Intervenção Federal 555-8/MG. Relator: Min. Celso de
Mello. Julgamento em: 18/12/1997, publicado no DJ de 13/11/1998 p. 1931.
Disponível em <http://www.stf.jus.br>. Acessado em 08/03/2008.
Intervenção Federal 102-1/PA. Relator: Min. Néri da Silveira. Julgamento em:
13/03/1991, publicado no DJ de 13/03/1992 p. 1653. Disponível em
<http://www.stf.jus.br>. Acessado em 08/03/2008.
Intervenção Federal 135-8/RJ. Relator: Min. Sepúlveda Pertence. Julgamento
em: 18/10/1995, publicado no DJ de 24/11/1995 p. 1810. Disponível em
<http://www.stf.jus.br>. Acessado em 08/03/2008.
Questão de Ordem em Intervenção Federal 590-2/CE. Relator: Min. Celso de
Mello. Julgamento em: 17/09/1998, publicado no DJ de 09/10/1998 p. 1926.
Disponível em <http://www.stf.jus.br>. Acessado em 08/03/2008.
Intervenção Federal 103-0/PR. Relator: Min. Néri da Silveira. Julgamento em:
13/03/1991, publicado no DJ de 05/12/1997 p. 1894. Disponível em
<http://www.stf.jus.br>. Acessado em 08/03/2008.
Agravo Regimental em Reclamação 496-2/RS. Relator: Min. Octávio Gallotti.
Julgamento em: 23/06/1994, publicado no DJ de 24/08/200 p. 2040. Disponível
em <http://www.stf.jus.br>. Acessado em 08/03/2008.
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Intervenção Federal 114-5/MT. Relator: Min. Néri da Silveira. Julgamento em:
13/03/1991, publicado no DJ de 27/09/1996 p. 1843. Disponível em
<http://www.stf.jus.br>. Acessado em 08/03/2008.
Mandado de Segurança 21041-9/RO. Relator: Min. Celso de Mello. Julgamento
em: 12/06/1991, publicado no DJ de 13/03/1992 p. 1653. Disponível em
<http://www.stf.jus.br>. Acessado em 08/03/2008.
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179
ANEXOS
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180
1- INTERVENÇÃO FEDERAL – QUESTÃO DE ORDEM Nº 107-2/DF
Data da Decisão: 03/08/1992.
Relator: Min. Sydney Sanches.
Tipo de Ação: Questão de ordem em Intervenção Federal.
Modalidade de Jurisdição: Originária.
Pólo Ativo: Roberta de Araújo Gondin Crochi.
Pólo Passivo: Estado de Santa Catarina.
Órgão Judicante: Tribunal Pleno.
O SENHOR MINISTRO SYDNEY SANCHES (PRESIDENTE/RELATOR) – O
ilustre Subprocurador-Geral da República, Doutor ANTONIO FERNANDO
BARROS E SILVA DE SOUZA, no parecer de fls. 128/132, aprovado pelo
Exmº. Sr. Procurador-Geral, Doutor ARISTIDES JUNQUEIRA ALVARENGA,
resumiu a hipótese e, em seguida, opinou, ‘in verbis’: Intervenção Federal.
Descumprimento de requisição de força policial para execução de liminar
deferida em ação de reintegração de posse. Incompetência do STF. Art. 36, II,
CF/88. Art. 19, I, Lei nº 8.038/90. Hipótese em que a requisição compete ao
STJ já que a causa não se fundamenta em matéria constitucional. Presença do
pressuposto a requisição pleiteada.
Senhor Relator, 1. O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina requer
seja decretada a intervenção federal no referido Estado para que se possa dar
cumprimento a mandado de reintegração de posse expedido em favor de
Roberta de Araújo Gondin Crochi, nos autos de ação de reintegração de posse
ajuizada perante o Juízo de Direito da Comarca de Abelardo Luz-SC. É que a
ordem liminarmente deferida em 06/09/89 ainda não foi cumprida porque o
Governo do Estado de Santa Catarina não fornece o contingente policial
necessário a sua efetivação, apesar das sucessivas requisições. 2. A despeito
do pedido estar sendo processado perante esta Egrégia Corte desde junho de
1990 (fls. 73) reputo indispensável que se realize o exame da competência
para o seu processo e julgamento, em razão do que dispõe o inciso II do art.
36, da Constituição Federal.
‘Art. 36. A decretação da intervenção dependerá:
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181
II- no caso de desobediência a ordem ou decisão judiciária, de requisição do
Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal
Superior Eleitoral.’
4. Embora a norma constitucional em vigor (art.36,II) não indique
expressamente como deve ser feita a partilha da competência entre as
mencionadas Cortes, parece que o único critério adequado para tal desiderato
é o que estabelece a divisão segundo a matéria. Os comentadores da
Constituição Federal de 1988, que se ocuparam do tema, manifestam idêntica
opinião: ‘A Constituição não esclarece em que hipótese a requisição deverá ser
feita pelo Supremo Tribunal Federal, em qual, pelo Superior Tribunal de
Justiça, ou quando, pelo Tribunal Superior Eleitoral. É, todavia, óbvio que a
requisição não poderá provir deste último senão em questões eleitorais. Devese presumir que parta do Superior Tribunal de Justiça na generalidade dos
casos e do Supremo Tribunal Federal sempre que concernir à guarda da
Constituição’ (Manoel Gonçalves Ferreira Filho, in Comentários à Constituição
Brasileira de 1988, Saraiva, 1990, p.239).
‘III- no caso de desobediência à ordem ou decisão judicial (inc. VI do art. 34) de
requisição do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do
Tribunal Superior Eleitoral, segundo a matéria, não se diz no texto, mas
evidentemente de conformidade com as regras de competência jurisdicional
‘ratione materiae’; (José Afonso da Silva, in Curso de Direito Constitucional
Positivo, RT, 1989, 5a. edição, p. 419).
5. A Lei nº 8.038, de 28 de maio de 1990, em seu artigo 19, inciso I, indica o
mesmo critério: ‘Art. 19. A requisição de intervenção federal prevista nos
incisos II e IV do art. 36 da Constituição Federal será promovida: I – de ofício,
ou mediante pedido de Presidente de Tribunal de Justiça, ou de Presidente de
Tribunal Federal, quando se tratar de prover a execução de ordem ou decisão
judicial, com ressalva, conforme a matéria, da competência do Supremo
Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral.’
6. A adoção de tal critério de divisão da competência ressai também da
aplicação analógica do art. 25 da Lei nº 8.038/90, que prevê a competência do
Presidente do Superior Tribunal de Justiça para a generalidade dos casos em
que se postula a suspensão de execução de liminar ou de decisão concessiva
de mandado de segurança, excluídas apenas as hipóteses em que ‘a causa
tiver por fundamento matéria constitucional’, quando tal competência será do
Presidente do Supremo Tribunal Federal.
8. Diante de tais considerações, ao que penso, o processo e julgamento do
pedido de intervenção federal em exame não compete a essa Excelsa Corte,
mas sim ao Superior Tribunal de Justiça, pois que se fundamenta no alegado
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182
descumprimento de ordem expedida por juiz estadual em ação de reintegração
de posse, causa evidentemente fundada em matéria infraconstitucional.
9. Na hipótese de entender-se que a competência é desse Egrégio Tribunal, o
pedido formulado deve ser atendido. É que está plenamente caracterizado o
pressuposto constitucional para a requisição da intervenção federal, conforme
já anotou na manifestação anterior (fls. 84/85). O prazo de 120 (cento e vinte)
dias solicitado pelo Governador do Estado de Santa Catarina ‘para dar
cumprimento final da medida determinada’ (fls. 93), transcorreu sem que a
requisição judicial tivesse sido atendida (fls. 119).’
Assim sendo, o parecer é no sentido: a) de que seja reconhecida a
incompetência dessa Excelsa Corte para o processo e julgamento do pedido,
com remessa dos autos ao Superior Tribunal de Justiça; ou, se rejeitada a
preliminar,
b) de que seja deferido o pedido, expedindo-se a necessária requisição de
intervenção federal.
Brasília, 08 de junho de 1992.
ANTONIO FERNANDO BARRROS E SILVA DE SOUZA
SUBPROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA.
APROVO
ARISTIDES JUNQUEIRA ALVARENGA
PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA.’
O SENHOR MINISTRO SYDNEY SANCHES (RELATOR/PRESIDENTE):- 1.
Acolho o parecer da P.G.R., no ponto em que sustenta a incompetência do
Supremo Tribunal Federal e a competência do E. Superior Tribunal de Justiça.
É que a decisão exeqüenda, concessiva de medida liminar, em ação de
reintegração na posse de imóvel, somente enfrenta questões federais
infraconstitucionais, como se vê de fls. 27/33.
O julgamento de eventual recurso para o Tribunal de Justiça ensejaria, em
tese, recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça (art. 105, III da
Constituição Federal). E não recurso extraordinário para o Supremo Tribunal
Federal (art. 102, III).
2. Isto posto, nos termos dos artigos 13, VII, e 21, parágrafo 1º, do R.I.S.T.F.,
declaro a incompetência do Supremo Tribunal Federal, não conheço, em
conseqüência, do pedido e determino a remessa dos autos ao E. Superior
Tribunal de Justiça, para processá-lo e julgá-lo, como de direito.
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183
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184
2- RECLAMAÇÃO Nº 2100-9/SP
Data da Decisão: 13/03/2003.
Relator: Min. Marco Aurélio.
Tipo de Ação: Reclamação.
Modalidade de Jurisdição: Híbrida (originária com natureza recursal
(cassação)).
Pólo Ativo: Gabriele Canestrelli e Cônjuge.
Pólo Passivo: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Órgão Judicante: Tribunal Pleno.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – Os reclamantes
argúem a incompetência absoluta do Tribunal e do Presidente da Corte para
reverem a decisão anterior, mediante a qual fora julgado procedente o pleito
atinente à representação interventiva. E sustentam: ‘(...) ao extinguir a
Representação Interventiva os Reclamados usurparam a competência desta
Corte Suprema, tendo em vista que anteriormente o Tribunal Reclamado,
Sessão Plenária (doc. 5-A), já havia deferido o processamento da Intervenção,
tendo portanto cessado sua competência e de seu DD. Desembargador
Presidente para analisar eventual incidência da Emenda Constitucional
nº30/2000 no caso em tela, visto ser a Emenda posterior à decisão acolhendo
a Representação Interventiva (doc. 5-A).
Ora, deferido o pedido de Representação Interventiva pelo Tribunal
Reclamado, somente este Colendo Supremo Tribunal Federal poderia analisar
eventual incidência da Emenda nº30 no caso em questão, estando o Tribunal
estadual impossibilitado de alterar sua anterior decisão de deferimento da
Representação Interventiva, sendo certo que os autos encontravam-se em seu
poder apenas para a realização de diligências determinadas por este Colendo
Supremo Tribunal Federal, não sendo ele competente e muito menos,
isoladamente, em DD. Desembargador Presidente, para extinguir o feito na
fase em que se encontrava.
Tal decisão vem a usurpar a competência desta Corte Superior, evidenciando o
cabimento da presente reclamação, que deverá ser julgada procedente, com a
seguir se requer (folha 5).
Nas informações de folha 195 a 197, o Presidente do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo afirma que, por estar em discussão crédito de caráter não
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185
alimentar, fora este alcançado pela Emenda Constitucional nº30/2000, o que
justificaria o procedimento da Corte.
A Procuradoria Geral da República, no parecer de folha 201 a 204, preconiza a
improcedência do pleito formulado na reclamação. Eis a síntese da peça:
Reclamação. Complemento de Precatório. Representação Interventiva. EC
nº30. Prazo concedido à Fazenda Pública para pagamento de precatório.
Extinção da Representação pelo TJ/SP. Ausência de usurpação de
competência do STF. Parecer pela improcedência da reclamação.
Os fatos são incontroversos. Mediante o despacho de folha 61, o então
Presidente desta Corte, nos autos do processo da Intervenção Federal nº3458, implementou diligência, consignando: ‘a fim de que se explicitem, mês a
mês, os percentuais aplicados na correção monetária do débito pelo juízo da
execução e pelo departamento de contabilidade do tribunal e, se for o caso, se
ratifique, ou não, o pedido da requisição da intervenção federal’. Nota-se que a
previsão de tal ratificação decorreu da possibilidade de a Corte de origem
chegar à conclusão sobre a satisfação do valor do precatório, isso ante os
índices observados. Na espécie, foi-se além, apontando-se a superveniência
de disciplina constitucional, ou seja, o fato de haver sido promulgada a Emenda
Constitucional nº 30, e, então, declarou-se extinto o processo de intervenção
por motivo diverso daquele que motivara a diligência. Por maior que seja o
apego ao pragmatismo, adentrou a Corte de origem campo próprio à atuação
desta Corte. Em tramitação, já aqui, o processo interventivo, o incidente alusivo
à Emenda Constitucional nº30 somente poderia ser dirimido neste Plenário.
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3- INTERVENÇÃO FEDERAL – QUESTÃO DE ORDEM Nº 105-6/PR
Data da Decisão: 03/08/1992.
Relator: Min. Sydney Sanches.
Tipo de Ação: Intervenção Federal.
Modalidade de Jurisdição: Originária.
Pólo Ativo: José Manoel Pinto de Camargo e sua mulher.
Pólo Passivo: Estado do Paraná.
Órgão Judicante: Tribunal Pleno.
EMENTA: - Intervenção Federal. Legitimidade ativa para o pedido.
Interpretação do inciso II, do art. 36 da Constituição Federal de 1988, e dos
arts. 19, II e III, da Lei n. 8.038, de 28.05.1990, e 350, II e III, do R.I.S.T.F..
A parte interessada na causa somente pode se dirigir para prover a execução
de decisão da própria Corte.
Quando se trate de decisão de Tribunal de Justiça, o requerimento de
intervenção deve ser dirigido ao respectivo Presidente, a quem incumbe, se for
o caso, encaminhá-lo ao Supremo Tribunal Federal.
Pedido não conhecido, por ilegitimidade ativa dos requerentes.
RELATÓRIO
O SENHOR PRESIDENTE SYDNEY SANCHES: Trata-se de pedido de
intervenção federal no Estado do Paraná, formulado por JOSÉ MANOEL
PINTO DE CAMARGO e sua mulher, sob alegação de preterição no
pagamento de precatório judicial.
Sustentam, em síntese, que são credores do Estado do Paraná, conforme
precatório n. 27.512/85, de 06.11.1985, e aduzem que precatórios mais
recentes (11.443/86, de 14.05.1986, 14.798, de 20.06.1986 e 15.954, de
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29.06.1987), teriam sido satisfeitos com ofensa ao princípio da precedência
(art. 100 da Constituição Federal).
Após as informações do Presidente do Tribunal de Justiça (fls. 209) e do
Governador do Estado (fls. 234/253), opinou a ilustrada Subprocuradoria Geral
da República pelo indeferimento (fls. 257/259 e 282).
Trago os autos à consideração do E. Plenário para exame de questão de
ordem, relativa à legitimação ativa para o pedido de intervenção federal.
É O RELATÓRIO.
VOTO
O SENHOR MINISTRO SYDNEY SANCHES (RELATOR/PRESIDENTE):
1.Os requerentes são partes ilegítimas para pedir a intervenção federal.
Com efeito, o art. 350 do R.I.S.T.F., referindo-se ao art. 11, § 1º , da E. C. no.
1/69, dispõe, “verbis”:
“Art. 350. A requisição de intervenção federal, prevista no art. 11, § 1º, “a”, “b”
e “c”, da Constituição, será promovida:
.......... . ..........................................
II – de ofício, ou mediante pedido do Presidente do Tribunal de Justiça do
Estado ou de Tribunal Federal, quando se tratar de prover a execução de
ordem ou de decisão judiciária, com ressalva, conforme a matéria, da
competência do Tribunal Superior Eleitoral e do dispositivo no inciso seguinte;
III – de ofício, ou mediante pedido de parte interessada, quando se tratar de
prover a execução de ordem ou decisão do Supremo Tribunal Federal..
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .”.
No mesmo sentido, após o advento da Constituição de 1988, é o disposto no
art. 19 da Lei n. 8.038, de 28.05.1990:
“Art. 19 – A requisição de intervenção federal prevista no incisos II e IV do art.
36 da Constituição Federal será promovida:
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I – de ofício, ou mediante requisição de Presidente de Tribunal de Justiça do
Estado, ou de Presidente do Tribunal Federal, quando se tratar de prover a
execução de ordem ou decisão judicial, com ressalva, conforme a matéria, da
competência do Supremo Tribunal Federal ou do Tribunal Superior Eleitoral;
II - de ofício, ou mediante pedido da parte interessada, quando se tratar de
prover a execução de ordem ou decisão do Superior Tribunal de Justiça;
III ..................................................................................................................”.
2. Como se vê, a legitimidade ativa para o pedido de intervenção federal, na
hipótese em que se pretende prover à execução de ordem ou decisão judicial,
só é atribuída à parte interessada quando a ordem ou decisão emana do
próprio Supremo Tribunal Federal, ou do Tribunal de Justiça.
3. Bem salientou, a propósito, o eminente Ministro MOREIRA ALVES, no
julgamento da I.F. n. 81, “verbis”:
“Ao contrário do que sucede com o inciso III desse mesmo artigo – que atribui
legitimidade ativa à parte interessada quando se tratar de execução de ordem
ou decisão do Supremo Tribunal Federal – o inciso acima transcrito não dá tal
legitimatio ao interessado” (RTJ 114/447).
4. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não reconhece, em hipótese
como a dos autos, legitimidade à parte interessada, “verbis”:
“........................................................................................................................
Falta de legitimidade do requerente, uma vez que a requisição de intervenção
federal, prevista no art. 11, § 1º, “b”, da Constituição, depende de iniciativa do
Presidente do Tribunal de Justiça do Estado 9art. 350, II, do Regimento Interno
do S.T.F.).
........................................................................................................................”
(R.T.J. 120/949, Rel. Ministro MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno).
“Intervenção Federal.
Se o Presidente do Tribunal de Justiça local – que tem legitimidade para
provocar o exame da requisição da intervenção federal, que só se fará a
preservação da autoridade da Corte que ele representa – entende que a
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intervenção federal não cabe no caso, não pode o S.T.F., de ofício e à vista do
encaminhamento por aquela Presidência do pedido de intervenção federal feito
pelo interessado e por ela repelido, examiná-lo.
Agravo regimental a que se nega provimento”
(R.T.J. 114/443, Rel. Ministro MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno).
5. No caso, a parte interessada sequer provocou a manifestação do Presidente
do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná para que este, nos termos do
inciso II do art. 350 do R.I.S.T.F., tomasse a iniciativa do pedido de intervenção
federal.
6. Nem se pode cogitar de providência “ex officio”, porque esta só tem
cabimento quando não há manifestação expressa da autoridade legitimada
para provocá-lo – no caso, o Presidente do Tribunal local. É da natureza do
procedimento “ex officio” que seja ele supletivo (o que implica omissão da
autoridade legitimada em requerer a providência). Aqui, não houve omissão do
legitimado, mas sim da parte interessada, que não o provocou.
7. Anoto, de passagem, que, segundo as informações do Presidente do
Tribunal de Justiça, que se reportam ao documento de fls. 10, os precatórios
supostamente satisfeitos, foram, na verdade, cancelados.
8. Salientou, ainda, a ilustrada Subprocuradoria Geral da República, “verbis”:
“E na hipótese dos autos, mesmo que estivesse demonstrado o desrespeito à
ordem de precedência para o pagamento de precatórios judiciais, a solução
seria o seqüestro de verba previsto no art. 100, § 2º, parte final, da Constituição
da República, e que não compete ao Supremo Tribunal Federal” (fls. 258).
9. De qualquer maneira, não tendo os requerentes legitimidade ativa para
formular o pedido de intervenção federal, dele não conheço.
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4- INTERVENÇÃO FEDERAL Nº 101-3/MA
Data da Decisão: 06/12/89.
Relator: Néri da Silveira.
Tipo de Ação: Intervenção Federal.
Modalidade de Jurisdição: Originária.
Pólo Ativo: Centro Oeste Distribuidora de Madeiras e Outras.
Pólo Passivo: Estado do Maranhão.
Órgão Judicante: Tribunal Pleno.
EMENTA: Intervenção Federal. Precatórios. Pedido de seqüestro de valores
ainda não decidido pelo Tribunal do Estado, perante o qual pende de
julgamento, também, pedido de intervenção federal no Estado. Não cabe
substituir por pedido de intervenção federal o que caberia discutir em pedido de
seqüestro. De eventual preterição de direitos das requerentes há de dizer a
Corte local. Carência de ação. Arquivamento do pedido.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO NÉRI DA SILVEIRA (RELATOR): - CODIMA S/A –
Centro Oeste Distribuidora de Madeiras e outra, com sede, respectivamente,
em Luziânia-GO, e São-Luiz-Maranhão, pedem a intervenção federal, neste
último Estado, na forma do disposto no art. 100 combinado com o art. 34, VI, e
36, II, da Lei Maior, “porquanto até a presente data não cumpriu o Estado do
Maranhão o estabelecido no parágrafo 1º do art. 100, da Constituição Federal
que manda incluir obrigatoriamente no seu orçamento pagamento do débito
constante do Precatório Judicial, atualizado, em 01 de julho do ano fluente,
para pagamento, até o final do exercício seguinte”.
Resumiu a Procuradoria-Geral da República, às fls. 54/55, os fundamentos da
súplica, verbis:
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“2. Alegam, para tanto, que o Senhor Secretário da Fazenda do Estado do
Maranhão se recusa a atender o ofício do Exmo. Sr. Desembargador
Presidente do Tribunal de Justiça, em que são solicitadas as providências para
pagamento de precatórios expedidos em favor dos requerentes, com o que
estaria configurado o descumprimento de ordem ou decisão judicial, que
ensejaria a medida intentada.
3. O pedido se faz acompanhar de cópias de documentos referentes á matéria,
sendo relevantes, no entanto, para definição do requerido, apenas as de fls,
11/13, 18/19 e 21 dos autos, sendo os demais estranhos à pesquisa sobre a
confirguração de descumprimento de ordem ou de decisão judicial.
4. Do exame dos mesmos, constata-se somente que os requerentes, na
realidade, são beneficiários de precatórios, e que reclamaram ao Tribunal de
Justiça do Estado do Maranhão, contra a preterição de seus direitos,
reclamação esta encaminhada ao Senhor Secretário da Fazenda (fls. 21).”
5. Na inicial destacam, ainda, as requerentes, às fls. 5:
“8. Até a presente data o Estado tem se evadido de pagar o Precatório e de
incluí-lo no orçamento Estadual para este fim, conforme comprova o telegrama
fonado não respondido pelo atual Secretário de Fazenda do Estado do
Maranhão, (doc. 06).
9. Em virtude do Requerimento feito pelo Dr. PEDRO AMÉRICO DIAS VIEIRA,
em 12 de agosto de 1986, doc. 07, o Presidente do Tribunal em 13 de agosto
de 1986, solicitou ao Secretário de Fazenda informações sobre a inobservância
da ordem chegada do Precatório, descumprindo assim o disposto no art. 237,
do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Maranhão (doc. 08).
10. Interpôs, ademais, o Estado do Maranhão uma ação rescisória contra o
acórdão transitado em julgado, vulnerando o disposto na súmula 129 do TFR,
porque não fez o depósito de 5% (cinco por cento), sobre o valor da causa,
como determina o estatuído no art. 488, inciso II, do CPC e não está o Estado
do Maranhão isento de fazê-lo porquanto a Ré, ITERMA, é uma Autarquia
Estadual e o Estado é Litisconsorte Passivo, tendo, além disso, interposto ação
rescisória, após o biênio e a referida ação não tem efeito suspensivo, de
conformidade com o exposto no art. 489, do CPC – (doc. 09).”
Às fls. 61/64, as suplicantes reiteraram fundamentos da petição inicial,
anotando:
“1. As empresas acima mencionadas exauriram todas as medidas judiciais
cabíveis para o recebimento do Precatório, processo n. 1.602/86-TJ, sem
lograrem êxito.
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2. Requererem o seqüestro do dinheiro público, para ressarcimento do que lhes
era devido, o que foi denegado pelo Tribunal de Justiça do Maranhão,
conforme comprova documento em anexo, datado, de 16/10/87.
3. A Certidão que ora pede juntada, comprova que, por unanimidade, O
Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão indeferiu o pedido de cumprimento
do art. 236 do Regimento Interno do Tribunal do Maranhão, não obedeceu a
Ordem de Pauta de pagamento, tendo em vista que o despacho da
Presidência, hoje, é de mero encaminhamento.
4. As empresas postulantes alegaram e provaram, que o Precatório, com
respaldo no próprio Regimento do Tribunal do Maranhão, não obedeceu a
Ordem de Pauta de pagamento, tendo sido preterido por outros posteriores.
5. O direito a ordem de preferência foi violado, na pauta
conforme documentos 7 e 8 já anexados.
de pagamento
6. Não houve resposta, sob pena de aceitação do descumprimento da CartaMagna, do Sr. Secretário da Fazenda do Estado do Maranhão, do Telegrama
Fonado, com alicerce no disposto no inciso XXXIV, do artigo 5º, da atual Carta
Magna.
7. Foi solicitado, através de Telegrama Fonado, datado de 11/11/88, a
informação referente a inclusão no Orçamento Estadual, quanto ao pagamento
do Precatório Judicial, na forma do disposto no art. 100, §1º, da atual
Constituição Federal (Doc. 06, já anexado).
8. A ausência de resposta desrespeitando Norma Constitucional, configurou a
não inclusão do Precatório Judicial no Orçamento Estadual, sem sombra de
dúvidas.
9. Causa espécie que a Douta Procuradoria Geral da República exija dos
Postulantes a produção de prova negativa, isto é, de que não receberam a
indenização, figura nova, que os é familiar, passando a conhecer a partir do
Douto Parecer, proferido pela Procuradoria Geral da República, inovando no
campo do direito.
10. Levantou a Suspeição de que teriam recebido a indenização, o que
incabível e desonrosa para as Requerentes, que jamais pleitearam, perante
essa Excelsa Corte, algo que já tivessem recebido, o que seria um ato de
insanidade, com imposição de cominações legais, dele decorrentes, impostas
por essa Corte Maior.
11. Improcede e merece repulsa tal insinuação.
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12. Resulta claro, insofismável, que o Poder Judiciário do Estado do Maranhão
está coacto, coagido, pelas provas produzidas neste pedido de Intervenção
Federal, acatando medidas legais, que contariam, sem sombra de dúvida, a lei
– O Código de Processo Civil foi inobservado, e o que é mais grave, houve um
atentado à vigente Carta Magna, pelo Estado do Maranhão, do Presidente, que
jurou defendê-la, “de mãos trêmulas, e de voz embargada, perante todo povo
Brasileiro, na ocasião de sua promulgação, em transmissão de rádio e
televisão.
13. Está estribado o pedido de Intervenção Federal, também, no disposto do
art. 36, inciso 1º, da Carta Magna, que dispõe:
“Art. 36 – A decretação da Intervenção Federal dependerá:
I – Da requisição do Supremo Tribunal Federal, e a coação for exercida contra
o Poder Judiciário.”
14. “Ex positis”, ficou evidenciado que o Poder Executivo do Estado do
maranhão coagiu o Poder Judiciário do Maranhão, a aceitar e decidir “contra
legem”, tudo é do agrado do Governo do Estado.
15. Mediante atitude do Tribunal de Justiça do Maranhão em não fazer cumprir
sua própria decisão, depois de ter julgado e condenado por unanimidade o
Estado do Maranhão a pagar a indenização à empresas Requerentes, através
do Precatório, por ele mesmo emitido, interpôs-se a presente medida.
As empresas lesadas, a quem deveriam recorrer?
16. Diante da gravidade dos fatos apresentados, com as provas em anexo,
cabe, apenas, à Empresas Requerentes, apelarem a uma instância Superior,
digna e respeitada em suas decisões, isenta de coações, que pode decidir,
ministrando a Justiça, que até agora foi denegada e postergada, em
consonância com o que compete a Carta Magna.”
O Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão prestou as
seguintes informações, às fls. 83/85:
Em resposta ao ofício n. 305/P de 10 de 1989, no qual Vossa Excelência
solicita informações sobre o Precatório Judicial e seu pagamento das empresas
CODIMA S/A, Indústria Madeireira – Burisa, relativo ao Processo n. 1602/86TJ/MA, sirvo-me de presente para prestar os esclarecimentos que se fizerem
necessários.
Com efeito, encontram-se neste Tribunal os processos nos. 2466/87 – TJ e
5741/87 –TJ e do Pedido de Intervenção Federal com o objetivo de assegurar a
satisfação do referido precatório em favor das já citadas empresas.
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Do Exame dos autos do processo 2466/86, verifica-se que o patrono dos
requerentes, solicita inicialmente, o cumprimento da Decisão Judicial constante
do respectivo precatório, instando a autoridade competente a cumprir as
determinações pertinentes ao referido pagamento.
A seguir, encontram-se reiterados ofícios enviados à autoridade competente,
tendo informado a mesma que o objeto da demanda foi enviado à Procuradoria
Geral do Estado, em 21/8/86.
Às fls. 29 do presente processo, informa a Procuradoria Geral do Estado que
não consta no referido órgão o registro dos ofícios de nos. 569/86 e 784/86 que
acompanham o já mencionado Precatório.
Presente, em 23 de julho de 1987, o Estado do Maranhão, por seu Procurador
Geral, tendo tomado ciência do pedido de Seqüestro, formulou impugnação
contra a medida pleiteada alegando que não houve o processamento
adequado ao caso em espécie, conforme as determinações do Regimento
Interno desta Corte de Justiça.
Em sessão do dia 16 de setembro de 1987, o Estado do Maranhão, por seu
Procurador Geral, alegando que interpôs o Mandado de Segurança n. 734 –
São Luis ao qual foi dado provimento por esta Corte, com finalidade de dar
efeito suspensivo ao Agravo de Instrumento que tem por objetivo revogar o
despacho prolatado pelo MM. Juiz de Direito da 5ª Vara Cível da Comarca de
São Luís, em execução de sentença processada nos Autos da Ação de
Indenização, que tem como autoras as empresas já citadas e réus o Estado do
Maranhão e o Instituto de Colonização e Terras do Maranhão – ITERMA.
Alega, outrossim, que o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da
Constituição Federal de 1988, estabelece e seu artigo 33, “verbis”.
Ressalvados os créditos de natureza alimentar, o valor dos Precatórios
Judiciais pendentes de pagamento na data da promulgação da Constituição,
incluído o remanescente de juros e correção monetária, poderá ser pago em
moeda corrente, com atualização, em prestações anuais, iguais e sucessivas,
no prazo máximo de oito anos, a partir de 1º de julho de 1989, por decisão
editada pelo Poder Executivo até cento e oitenta dias da promulgação da
Constituição.”
Portanto, conclui os credores por precatórios estão compelidos a aceitarem as
condições acima estabelecidas, não podendo opor nenhum obstáculo.
Submetida referida solicitação à apreciação deste Tribunal, decidiu o mesmo, à
unanimidade, “que sejam processados, separadamente, o pedido de seqüestro
da quantia e o de intervenção federal no Estado, e que sejam, preliminarmente,
obedecidas as formalidades legais”.
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Enviados os presentes autos ao parecer da Procuradoria Geral de Justiça,
reservou-se o Órgão Ministerial, para manifestar-se sobre o conhecimento e
mérito do pedido de Seqüestro e bloqueio da importância antes referida, após o
julgamento e o trânsito em julgado da decisão que for preferida no Agravo de
Instrumento.
Em 15/2/89, este Tribunal, acolhendo referido parecer, decidiu aguardar o
julgamento e o trânsito em julgado da decisão que foi proferida no já
mencionado Agravo.
Informo, outrossim, que, em relação aos autos do processo 5741/87-TJ, consta
tratar-se de um pedido de Intervenção Federal referente ao Precatório 1606/86TJ, o qual se encontrava anexado ao Pedido de Seqüestro de Dinheiro Público
e que foi processado em separado por decisão deste Tribunal e do qual consta
o seguinte julgado:
“Unanimemente, o Tribunal, determinou a retirada do processo da Agenda, até
o julgamento do Agravo de Instrumento n. 886.”
Quanto ao referido Agravo de Instrumento n. 886, (certidão anexa), esclareço,
que pelas informações da seção competente encontra-se o mesmo na
Procuradoria Geral da Justiça, aguardando a manifestação desse Órgão
Ministerial.”
Em nova petição, as peticionarias aduzem, verbis (fls. 91/92):
“8. Resulta claro, conforme já rogado pelas partes, que o conjunto de provas, já
apensadas ao processo, demonstra “quantum satis” que o Tribunal de Justiça
do Estado do Maranhão está coagido, coacto, pelo Poder Executivo daquele
Estado.
9. A coação se comprova pelas decisões daquela Corte que passamos a
enumerar.
1- Descumpriu o Estado a pauta de pagamento dos Precatórios, preterindo o
direito de preferência das empresas, pagando precatórios de datas posteriores,
sem reação do Tribunal.
2- Descumpriu o Tribunal o disposto no artigo 236, do Regimento Interno do
Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, denegando o pedido de seqüestro
de bens, sob a alegação de que aquele Tribunal decidira, por unanimidade, que
a sua função seria hoje, de mero encaminhamento.
3- Acolheu o Mandado de Segurança, interposto pelo Estado, a destempo,
contra ato interlocutório do juiz de primeiro grau, não sendo o remédio legal
adequado, mas sim agravo de instrumento.
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4- Não fez cumprir o disposto no parágrafo 1º, do artigo 100, da Constituição
Federal, que manda incluir obrigatoriamente, no Orçamento Estadual, os
Precatórios Judiciais, apresentados até a data de 1º de julho de 1988, para
pagamento total no exercício de 1989, independentemente de requerimento
das partes.
5- Acolheu Ação Rescisória intentada intempestivamente vulnerando a Súmula
129, do Colendo Tribunal Federal de Recurso.”
Às fls. 111/112, pediram as requerentes juntada de comprovante de haver o
Agravo de Instrumento n. 886/88, do Tribunal de Justiça do Maranhão sido
julgado pela Corte local, que lhe negou provimento, por maioria de votos, para
manter o despacho agravado. Insistem na súplica de intervenção federal no
Estado do Maranhão, à vista, também, do art. 36, I da Constituição,
entendendo haver coação contra o Poder Judiciário do mesmo Estado.
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO NÉRI DA SILVEIRA (RELATOR): A alegação básica do
pedido de intervenção federal do Maranhão é descumprimento de decisão
judicial concernente ao pagamento de valor de Precatórios expedidos em favor
das requerentes, relativos ao Processo n. 1602/86 – TJ/MA.
Dá-se, porém, que pendem de julgamento na Corte local pedido de Seqüestro
da quantia referente ao Precatório n. 1602-TJ e Pedido de Intervenção Federal,
junto ao mesmo Tribunal, “com o objetivo de assegurar a satisfação do referido
Precatório em favor das já citadas empresas” (fls. 83), qual se explicita nas
suso transcritas Informações do Tribunal de Justiça em referência.
Quanto ao julgamento desses dois feitos, o Tribunal de Justiça maranhense
decidiu aguardar a decisão no Agravo de Instrumento n. 886.
Em seu parecer, às fls. 97, a Procuradoria-Geral da República observou verbis:
“6. O exame das informações, além disto, possibilita opinar pela inexistência de
descumprimento de decisão judicial, pois o Tribunal de Justiça do Estado do
Maranhão entendeu que as providências postuladas pelos interessados
deveriam aguardar o julgamento do Agravo de Instrumento n. 886.
Isto não significa adesão às decisões tomadas pelo Tribunal de Justiça do
Maranhão, que podem estar contribuindo para que seja protelado o
cumprimento da sentença condenatória, com prejuízo para os Autores. Ocorre
que não é cabível, como forma de correição dessas decisões, a intervenção
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federal no Estado, para forçar o pagamento, quanto o Tribunal decidiu que o
pedido de seqüestro somente deveria ser resolvida após o julgamento do
Agravo de Instrumento n. 886.
Posteriormente, em petição de 30/10/1989, as requerentes encarregaram-se de
trazer aos autos folha do Diário da Justiça, no Estado aludido, que pública
súmula de julgamento do citado Agravo de Instrumento n.886/88. O Tribunal de
Justiça, por maioria de votos, negou provimento ao agravo, para manter o
despacho agravado, contra o voto do Relator, que provia o agravo para,
reformando a decisão agravada, decretar a nulidade das citações feitas ao
Estado do Maranhão e Instituto de Colonização e Terras do Maranhão”.
Julgado esse feito, - nos termos de anterior decisão da Corte, é de manter-se a
expectativa de decisão, em breve tempo, -eis que já se decidiu o Agravo n.
886/88, - do Pedido de Seqüestro e da Intervenção Federal.
De outra parte, consoante se depreende dos autos, o Pedido de Seqüestro
formulou-se, à vista do art. 100, §§ 1º e 2º, da Constituição, verbis:
“Art. 100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos
devidos pela Fazenda Federal, Estadual e Municipal, em virtude de sentença
judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos
precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos
ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos
para este fim.
§1º. É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de
verba necessária ao pagamento de seus débitos constantes de precatórios
judiciários, apresentados até 1º de julho, data em que terão atualizados seus
valores, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte.
§2º. As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados ao
Poder Judiciário, recolhendo-se as importâncias respectivas à repartição
competente, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão
exeqüenda determinar o pagamento, segundo as possibilidades do depósito, e
autorizar, a requerimento do credor e exclusivamente para o caso de
preterimento de seu direito de precedência, o seqüestro da quantia necessária
à satisfação do débito.”
Ora, bem de ver que não se pode substituir por pedido de intervenção federal o
que caberia discutir em pedido de seqüestro. Ademais disso, há, também,
pedido de intervenção federal endereçado ao Tribunal de Justiça do Maranhão,
que, assim, deverá julgá-lo.
De outra parte, se efetivamente ocorreu preterição do direito de precedência
dos peticionários, ou não, relativamente aos Precatórios aludidos, há de dizer a
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Corte local, em seu julgamento. É de mencionar, outrossim, que, se procedente
o pedido, estipula o §2º do art. 100, da Lei Maior, que se decrete seqüestro da
quantia necessária à satisfação do débito.
Não logra, pois, procedência a pretensão das requerentes de virem, desde
logo, ao STF com o pedido de intervenção federal, nos termos que formulado.
Não seria, de qualquer sorte, de considerar que o Poder Judiciário do
Maranhão está a necessitar da garantia decorrente de intervenção federal, ut
artigo 34, IV, da Lei Magna, visto estar julgando as causas que lhe são
presentes. Nem ocorre a hipótese de intervenção federal para prover a
execução de ordem ou decisão judicial, consoante o disposto no art. 34, IV, da
Constituição, em face do acima examinado. Também não é de falar, desde
logo, em coação exercida contra o Poder Judiciário a justificar requisição
interventiva pelo Supremo Tribunal Federal, tendo em conta as providências.
Do exposto, em que pese a justa pretensão das requerentes de receber o valor
dos Precatórios em exame, não é o pedido de intervenção federal a via
adequada, nos termos em que requerida, tendo em conta, ainda, as
informações do Tribunal de Justiça maranhense. Porque não legitimadas,
destarte, as requerentes, ativamente, à súplica, sendo deste carecedoras,
determino o seu arquivamento (RI, art. 351, II).
VOTO
O SENHOR MINISTRO PAULO BROSSARD: - Acompanho o voto de V. Exa.,
Sr. Presidente, embora manifeste o meu temor de que se recriem situações
como essas que parece que se estão desenhando no Estado do Maranhão:
decisões transitadas em julgado, em fase de execução, e que depois
emperram em seu prosseguimento. O fato de haver uma ação rescisória não
impede a execução do julgado.
Deixo expressa a minha inquietação a respeito dessa situação, porque bem
antes da atual Constituição já várias leis tiveram o cuidado de estabelecer que
os pagamentos pela Fazenda deveriam ser feitos em atenção à ordem
cronológica dos precatórios, exatamente para evitar aquilo que ocorreu em
outros tempos, que os pagamentos fossem feitos ao alvedrio da administração
e às vezes mediante influências estranhas à Justiça.
O assunto subiu do Código de Processo para a Constituição, e a atual
estabelece, no §2º, do art. 100, norma que, devidamente cumprida, creio
resolveria esses problemas.
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199
5- INTERVENÇÃO FEDERAL Nº 120-0/PR
Data da Decisão: 10/02/1993.
Relator: Min. Sydney Sanches.
Tipo de Ação: Intervenção Federal.
Modalidade de Jurisdição: Originária.
Pólo Ativo: Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.
Pólo Passivo: Estado do Paraná.
Órgão Judicante: Tribunal Pleno.
EMENTA: - Intervenção Federal. Arts. 34, VI, 100, §2°, da Constituição Federal
e art. 33 do A.D.C.T..
1.Não se caracteriza hipótese de intervenção federal, por descumprimento de
decisão judicial (art. 34, VI, da Constituição Federal), se, com base no art. 33
do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal e em Decreto
baixado pelo Poder Executivo Estadual, o precatório judicial, em ação de
indenização, por desapropriação indireta, vem sendo pago em moeda corrente,
com atualização legal, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo de
oito anos a partir de 1° de julho de 1989.
2.Sendo o credor eventualmente preterido, em seu direito de precedência, o
que pode pleitear e o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito
(parágrafo 2° do art. 100 da Constituição). E não, desde logo, a intervenção
federal, por descumprimento de decisão judicial, a que se refere o art. 34, VI,
da Constituição.
Pedido de intervenção federal indeferido.
RELATÓRIO
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200
SENHOR MINISTRO SYDNEY SANCHES: 1. Trata-se de representação,
dirigida por Antônio Clarides Modena e outros, ao E. Tribunal de Justiça do
Estado do Paraná, visando à intervenção federal naquela unidade da
federação, e que a ilustrada Corte local assim apreciou no v. acórdão de fls.
133/140:
“PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PEDIDO DE INTERVENÇÃO N° 12.832-3, DE CURITIBA
REQUERENTES: ANTÔNIO CLARIDES MODENA E OUTROS
REQUERIDO: ESTADO DO PARANÁ
RELATOR: DESEMBARGADOR SYDNEY ZAPPA
Intervenção federal no Estado. Descumprimento de decisão judicial. Recusa de
pagamento de precatório. Alegação de mero atraso. Ainda que se admita tal
distinção, ocorreu não só atraso como também recusa do pagamento dos
precatórios, eis que, devendo tal ser efetuado a partir de l°.07.89, ainda não
foram pagos, a despeito de outro precatório referente a credor diverso,
protocolado posteriormente aos dos autores, já ter sido quitado (cf CF, art. 34,
VI).
Procedência do pedido com a conseqüente solicitação ao Supremo Tribunal
Federal para requisitar a intervenção federal no estado do Paraná, para o fim
colimado.
ACÓRDÃO N° 1329
Vistos, relatados e discutidos estes autos de pedido de intervenção federal n°
12.832-3, de Curitiba, em que são requerentes ANTÔNIO CLARIDES
MODERA E OUTROS, figurando como requerido o ESTADO DO PARANÁ.
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201
1. Pleiteiam os requerentes, com fulcro no art. 34, VI, da Constituição Federal,
a intervenção federal no Estado do Paraná, em face da recusa do Poder
Executivo em efetuar o pagamento de precatórios decorrentes de decisão
judicial proferida em ações de indenização por desapropriação indireta (autos
n°s. 3281/81, 3581/81 e 3653/81). Segundo os postulantes, trata-se de créditos
que tiveram origem em desapropriação de pequenos imóveis rurais para a
implantação de estrada de rodagem.
Solicitadas informações, informou o Governador do Estado que incorreu a
alegada recusa e que os pagamentos tem sido feitos mediante rigorosa
observância à ordem das respectivas apresentações no Poder Judiciário. O
que tem se verificado é mero atraso, que não se confunde com recusa. Assim
ocorre porque “... o requerido passa por dificuldades financeiras, devido a uma
conjuntura basicamente econômica, ocasionada tanto pela doença inflacionária
quanto pela cura pretendida na política do Governo federal”. Ainda segundo o
informante, apenas a preterição na ordem de pagamento é que, nos termos no
art. 100, §2°, da Carta Magna, autorizaria a intervenção federal.
A procuradoria Geral de Justiça, após considerações de fato e de direito sobre
o tema objeto de julgamento, de sustentar ser inadmissível retardar
indefinidamente o pagamento de precatórios já prenotados, e de observar que
houve quebra do direito de preferência dos autores em face do pagamento do
precatório n° 15.954/87, onde figura como credor Ivaino Ton, concluiu que a
melhor solução no caso será, à vista do disposto no art. 100, §2°, da
Constituição Federal, e 731 do CPC, o seqüestro das quantias constantes dos
precatórios sob exame. Para tanto, contudo, lembra que haveria necessidade
de pedido expresso dos credores.
Cientes da referida promoção, insistem os postulantes no seu pedido de
intervenção federal no Estado.
2. Na conformidade com o art. 100, § 1°, do referido Estatuto Supremo, “É
obrigatória a inclusão no orçamento das entidades de direito público, de verba
necessária ao pagamento de seus débitos constantes de precatórios
judiciários, apresentados até 1° de julho, data em que terão atualizados seus
valores, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte”. E de
acordo com o respectivo § 2°, “As dotações orçamentárias e os créditos
abertos serão consignados ao Poder Judiciário, recolhendo-se as importâncias
respectivas à repartição competente, cabendo ao Presidente do Tribunal que
proferir a decisão exeqüenda determinar o pagamento, segundo as
possibilidades do depósito e autorizar, a requerimento do credor e
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202
exclusivamente para o caso de preterição de seu direito de precedência, o
seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito”.
Por outro lado, estabelece o art. 33 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias que “ressalvados os créditos de natureza alimentar, o valor dos
precatórios judiciais pendentes de pagamento na data da promulgação da
Constituição, incluído o remanescente de juros e correção monetária, poderá
ser pago em moeda corrente, com atualização, em prestações anuais, iguais e
sucessivas, no prazo máximo de oito anos, a partir de 1° de julho de 1989, por
decisão editada pelo Poder Executivo até cento e oitenta dias da promulgação
da Constituição”. Tendo em vista essa moratória constitucional, o Poder
Executivo editou o Dec. 4.873, de 30.03.89, onde restou expresso que os
precatório judiciais pendentes de pagamento em 05.10.88 serão em moeda
corrente, no prazo de oito anos, a partir de 1º. 07.89.
A despeito disso, conforme admite o próprio Governador do Estado nas suas
informações, os pagamentos pleiteados não vem sendo pagos porque, como
visto, o Estado estaria passando por dificuldades financeiras, o que, segundo o
informante, não se identificaria como recusa, mas mero atraso.
Contudo, ainda que se admita, na espécie tal distinção, ocorreu não só atraso
como também recusa do pagamento dos precatórios, eis que, devendo tal ser
efetuado a partir de lº.07.89, não foram pagos até agora, a despeito de outro
precatório referente a credor diverso, protocolado posteriormente aos dos
autores, já ter sido pago (cf fls. 90).
Além disso, segundo é público e notário, de vez que conforme anúncios
oficiais, Constantemente divulgados pelo Governo anterior por meio dos órgãos
de divulgação, as finanças do Estado, diferentemente de outras unidades da
Federação, encontram- se saneadas e o Erário em dia com suas obrigações
(cf. fls. 105-114).
De resto, se verifica essa alegação de que ocorreu simples atraso, motivado
por dificuldades financeiras, revelam estas inaptidão e incompetência do
Executivo em gerir a coisa pública e em cumprir o orçamento por ele proposto
e aprovado pelo Legislativo.
Portanto, demonstrada a falta de pagamento dos precatórios reclamados nas
circunstâncias em que ocorreu, caracterizada resultou, por parte do Executivo,
o descumprimento de decisão judicial, o que, nos termo0s do art. 34, VI, da
Carta Magna, autoriza a intervenção da União para o respectivo provimento.
3. Diante do exposto, acordam os Desembargadores que integram o Órgão
Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Parando, por maioria de votos,
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203
em concluir pela procedência do pedido a fim de solicitar ao Supremo Tribunal
Federal se digne em requisitar intervenção federal no Estado do Paraná para o
fim colimado.
Curitiba, 21 de junho de 1991.
RENATO PEDROSO - Presidente.
SYDNEY ZAPPA - Relator.
LENZ CEZAR - Corregedor, sem voto.
JORGE ANDRIGUETTO - Vencido.
ABRAHÃO MIGUEL – Vencido” .
Estiveram presentes à sessão e acompanharam o voto do Relator os
Excelentíssimos Senhores Desembargadores NUNES NASCINENTO, PLÍNIO
CACHUBA, EROS GRADOWSKI, MATTOS GUEDES, NEGI CALIXTO,
ADOLPHO PEREIRA, OTO SPONHOLZ, SILVA WOLFF, LUIZ PERROTTI,
WILSON REBACK, OSWALDO ESPÍNDOLA, CORDEIRO MACHADO,
TROIANO NETTO e CARLOS RAITANI.
VOTO VENCIDO
"Data vênia" da douta maioria, entendo que o caso dos autos não caracteriza a
solução pleiteada.
Cabe intervenção federal nos Estados, na forma do artigo 34, inciso VI, da
Constituição, “para prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial”.
A autorização, concretamente, estaria contida na parte final do dispositivo
constitucional, como coação federal para forçar os Estados-membros a cumprir
os deveres, segundo a lição de Wolgran Junqueira Ferreira, invocada pelo
requerente.
Na espécie, inexiste recusa alguma em cumprir a ordem requisitória emanada
de decisão judicial.
Reconhece o requerido a sua dívida para com o requerente. Admite a
preterição na relação das ordens de pagamento, sugerindo, espontaneamente,
para repará-la, o seqüestro da quantia necessária para a satisfação do débito,
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204
de acordo com os artigos 100, § 2º, da Constituição Federal e 731 do Código
de Processo Civil.
Todos os meios, portanto, estão à disposição do requerente para obter o
pagamento de seu credito. E o que interessa ao credor, prioritariamente, é
receber o seu crédito. A opção indicada pelo devedor, na pratica, é muito mais
eficiente e mais rápida do que a intervenção. A justificativa do requerido,
quanto às dificuldades são sérias e, do conhecimento de todos. A recessão, a
queda de arrecadação, em conseqüência, é do domínio publico. Nessas
coordenadas, a intervenção federal teria, unicamente, um sabor político,
prejudicial à sociedade e à economia de um Estado sempre discriminado.
Houve, no episódio, é verdade, uma preterição em proveito alheio. Os
responsáveis devem ser punidos. Mesmo assim, não há motivo para a
intervenção, porque inexistem as condições exigidas pelo artigo 34, VI, da
Constituição Federal.
Ante o brevemente exposto, acatando a justificativa oficial e, nos termos do
parecer da ilustrada Procuradoria-Geral da Justiça, indefiro o pedido.
Curitiba, 21 de junho de 1991.
DES. JORGE ANDRIGUETTO – Vencido” .
2.Remetidos os autos a esta Corte, foram colhidas novas informações do
E:xmº Sr. Governador do Estado, que as prestou a fls. 165, com os
documentou de fls. 166/178.
3. A fls. 181/182, o Ministério Público federal, em parecer do ilustre
Subprocurador-Geral da Republica Dr. ANTONIO FERNANDO BARROS E
SILVA DE SOUZA, aprovado pelo Exmº Sr. Procurador-Geral, Dr. ARISTIDES
JUNQUEIRA ALVARENGA, opinou pela improcedência do pedido.
4.Os requerentes, por sua vez, a fls.187/189, insistiram na procedência.
5.E o Ministério Público federal ratificou o parecer anterior, com os acréscimos
constantes de fls. l92/193.
É O RELATÓRIO.
VOTO
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205
O SENHOR MINISTRO SYDNEY SANCHES (PRESIDENTE/RELATOR):
1.O primeiro parecer do Ministério Público Federal, pela improcedência do
pedido de intervenção federal, foi exarado nos seguintes ternos (fls. 181/l82):
"Intervenção federal. Alegado descumprimento, pelo Estado do Paraná, de
decisão judicial. Pagamento de credores que esta sendo realizado em oito
prestações anuais, nos termos do art. 33 do ADCT da Constituição de 1988.
Descumprimento não caracterizado. Parecer pela improcedência do pedido.
Senhor Relator,
1.Trata-se de pedido de intervenção federal no Estado do Paraná em que se
alega descumprimento de decisão judicial, caracterizado pelo não fornecimento
de verba para pagamento de precatórios (art. 34, VI, CF/88).
2.A pretensão foi processada perante o Tribunal de Justiça do referido Estado
e mereceu a manifestação favorável do respectivo órgão especial (fls.
133/140).
3.Revelam os autos que Antonio Clarides Modena e outros, Arnaldo Rodrigues
de Godoy e outros, e Natal Ferrarini e outros, são credores do estado do
Parando em razão da condenação deste em ações de desapropriado indireta.
Promovidas as respectivas execuções, foram expedidos precatórios
requisitórios que, em julho de 1990, encontravam-se pendentes de pagamento
(fls. 53/55).
4.Nas informações prestadas a Vossa Excelência, o Estado do Paraná
comprova, estr documentalmente (fls. 165/l78), o pagamento de duas parcelas
de 1/8 do valor devido, já que autorizado pelo art. 33 do ADCT da Constituição
de 1988 a assim proceder.
5.A despeito da manifestação do Tribunal “a quo”, não está caracterizado o
descumprimento de decisão judicial, capaz de justificar a intervenção federal.
Tal providencia, extremamente grave, somente deve ser adotada quando o
pressuposto constitucional esteja inequivocamente caracterizado. Não é o que
ocorre nos autos: o Estado do Paraná, valendo-se de faculdade
constitucionalmente assegurada (art. 33, ADCT, CF/88), está realizando o
pagamento dos valores reclamados em oito prestações anuais, duas das quais
já efetivadas.
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206
Assim sendo, o parecer é no sentido da improcedência do pedido.
Brasília, 10 de abril de 1992.
ANTÕNIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA
SubProcurador-Geral da República
ARISTIDES JUNQUEIRA ALVARENGA
Procurador-Geral da República”.
2. Sobre esse primeiro parecer os requerentes se manifestaram a fls. 187/189,
insistindo na procedência do pedido de intervenção, “in verbis”:
"ANTONIO CLARIDES MODERNA e outros, nos autos do pedido de
Intervenção Federal nº 130-0, do Paraná, vem, “data vênia", por intermédio de
seu advogado, diante do r. despacho de V. Exa., de fls. 184, dizer que,
realmente, o Governo do Estado do Paraná, confessa, às fls. 165/178, o que foi
proclamado na inicial, de fls. 2/13, e mais que é verídico o atraso no
pagamento dos precatórios.
l.Por outro lado, o r. Acórdão de f1s.133/140, do Tribunal de Justiça do Estado,
confirma o que os Suplicantes vem afirmando, nestes termos:
“Intervenção federal no Estado. Descumprimento de decisão judicial. Recusa
de pagamento de precatório. Alegação de mero atraso. Ainda que se admita tal
distinção, ocorreu não só atraso como também recusa do pagamento dos
precatórios, eis que devendo ser efetuado a partir de 12.07.89, ainda não foram
pagos, a despeito de outro precatório referente a credor diverso, protocolado
posteriormente aos dos autores, já ter sido quitado”.
2.Verifica-se, assim, que além do atraso, houve, “data venia" incorrerão por
parte do Governo do Estado, em conceder privilégio ou preferência, a uma
terceira pessoa, por certo para atender a alguma questão menos nobre. Essa
atitude pode merecer até muitas interpretações, alvo de críticas.
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207
3.Por outro lado, "data venia ", do parecer da ilustrada e douta Procuradoria
Geral da República, às fls. 181/182, cremos que não há amparo legal e,
também, sequer cabimento que essa dívida do Estado seja paga em oito
prestações anuais, sim, anuais, o que vale dizer, o debito com os Suplicantes
somente será liquidado no ano 2.000, o que é inteiramente destoante e
incompreensível, trazendo irreparável gravame para os Suplicantes.
4.Diante do exposto, “data venia” requerem os Suplicantes, com o apoio na
decisão do Colendo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, já trazido aos
autos, a plena acolhida pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, tal como
postulado, porque é visível a manifestação do Poder Publico em descumprir a
ordem judicial e, depois de confessar essa desobediência, propõe uma solução
que o menor sentimento de bom senso, não pode abonar, porque ultrapassa os
limites, sequem da razoabilidade.
5.Reitera, assim, “data vênia”, da manifestação da d. Procuradoria Geral da
República a reiteração do pedido, a fim de que o Egrégio Supremo Tribunal
Federal decrete de imediato a Intervenção Federal no Estado do Paraná,
porque o Governo do Estado, além de inadimplente, ainda traz como solução
para seu ato de desacato à Justiça, uma solução que carece do menor
fundamento jurídico e contraria aos interesses dos postulantes, que nau
pleiteiam privilégios e sim e apenas, o cumprimento da Lei.
Pedem Deferimento.
Brasília, 08 de maio de 1992.
HUGO MÓSCA
OAB-DF-892”.
3.A essas objeções a Procuradoria-Geral da República retrucou a fls. l92/193:
“140.216
N° 772/92-AF
INTERVENÇÃO FEDERAL N° 120-0 – PARANÁ – STF
REQUERENTE: ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
ESTADO DO PARANÁ
REQUERIDO: ESTADO DO PARANÁ
RELATOR: EXM° SR. MINISTRO SYDNEY SANCHES
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208
Intervenção Federal. A preterição do direito de credor na ordem dos precatórios
não justifica a intervenção federal. Legitimidade do pagamento do crédito
decorrente de decisão judicial em oito prestações anuais. Art. 33 do ADCT da
Constituição de 1988. Ratificação do parecer pelo indeferimento do pedido.
Senhor Relator,
1.As conclusões expostas no parecer de fls. 181/182, ao que penso, não foram
infirmadas pela ultima manifestação dos interessados (fls. 187/l89), que não
trouxeram ao debate qualquer argumento novo.
2.Observe-se que o alegado preterimento do direito de precedência dos
interessados é irrelevante para o deslinde da presente causa, pois que não
conduz ao deferimento do pedido de intervenção federal. É que, em tal
hipótese, a Constituição Federal prevê a solução pertinente: a requerimento do
credor preterido, o Presidente do Tribunal competente pode determinar “o
seqüestro da quantia necessária à satisfação do debito” (parte final do § 2º do
art. 100, CF/88). A quebra do direito de precedência não constitui fundamento
para a intervenção federal.
3.Ademais, além dos documentos de fls. 89/93 não comprovarem a afirmada
preterição, não me parece indiscutível a sua caracterização na hipótese
referida. Nada impede que o Estado celebre transação mesmo depois que o
litígio tenha obtido solução judicial. Como a afirmada preterição teria decorrido
de transação, que importa sempre em concessões recíprocas, é pelo menos
discutível que tenha havido quebra do direito de precedência. Mais ainda que
houvesse, como ficou anotado no item anterior, não justifica o deferimento do
pedido de intervenção, senão apenas a providência indicada no § 2º do art. 100
da Constituição Federal que, no caso, deve incidir sobre quantia
correspondente a 1/8 (um oitavo), do total reclamado, em razão do que dispõe
o art. 33 do ADCT da Carta Magna.
4.A inconformidade dos interessados com o pagamento em oito prestações
anuais, não tem fundamento. O art. 33 do ADCT da Constituição Federal de
1988 atribui tal direito ao Estado, razão pela qual é legitima a sua conduta.
Assim sendo e ratificando integralmente a manifestação de fls. 181/182,
parecer é no sentido da improcedência do pedido.
Brasília, 22 de maio de l992.
ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA
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209
Subprocurador-Geral da República
ARISTIDES JUNQUEIRA ALVARENGA
Procurador-Geral da República".
4.Acolho os dois pareceres da Procuradoria-Geral da República.
Com efeito, como neles se demonstrou, não se trata propriamente de
descumprimento de decisão judicial, mas de atraso no seu cumprimento, por
alegadas dificuldades financeiras do Estado, que, então, se valeu do disposto
no art. 33 do ADCT da Constituição Federal de 05/10/1988, para baixar o
Decreto nº 4.873, de 30/03/1989, no qual se dispôs (fls. 58):
"Art. 3º - Os precatórios judiciais pendentes de pagamento em cinco de outubro
de l988, excluídos os relativos a créditos de natureza alimentar, tanto da
Administração Direta como das Autarquias, serão pagos em moeda corrente,
com atualização legal, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo de
oito anos, a partir de lº de julho de 1989.
Parágrafo único - Para o cumprimento do contido neste artigo, o Estado do
Paraná exercera a faculdade estabelecida no parágrafo único do artigo 33 do
ato das disposições transitórias da Constituição Federal”.
5. A propósito do pagamento dos oitavos, informou o Exmº Sr. ProcuradorGeral do Estado a fls. 165 que "a decisão judicial no que diz respeito a Antônio
Clarides Modena e outros, Arnaldo Rodrigues de Godoy e outros e Natal
Ferrarini foi atendida e que em fevereiro e março de l99l a Secretaria de Estado
da Fazenda repassou ao Tribunal de Justiça do Paraná 1/8 do valor devido
sendo que em dezembro de 1991 os outros 1/8, conforme se observa dos
documentos que faço juntar”.
Os documentos comprobatórios da informação encontram-se a fls. 166/178.
6.Quanto ao alegado preterimento de seu direito de precedência, poderiam em
teses os peticionários requerer o seqüestro da quantia necessária à satisfação
do débito, como prevê o parágrafo 2º do art. 100, descabendo, nessa hipótese,
o pedido de intervenção federal.
7.Por todas essas razões e pelo mais que ficou dito nos pareceres do
Ministério Público federal, julgo improcedente o pedido de intervenção federal.
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210
6- INTERVENÇÃO FEDERAL – AGRAVO REGIMENTAL Nº 2045-0/SP
Data da Decisão: 13/09/2006.
Relator: Min. Ellen Gracie.
Tipo de Ação: Agravo Regimental na Intervenção Federal.
Modalidade de Jurisdição: Recursal.
Pólo Ativo: Cerâmica Industrial de Osasco Ltda.
Pólo Passivo: Estado de São Paulo.
Órgão Judicante: Tribunal Pleno.
EMENTA: REGIMENTAL. INTERVENÇÃO FEDERAL. INDEFERIMENTO.
DECISÃO MONOCRÁTICA. POSSIBILIDADE. DECISÃO QUE DEFERE
PEDIDO DE INTERVENÇÃO ESTADUAL EM MUNICÍPIO. PROCEDIMENTO
POLÍTICO-ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE DESCUMPRIMENTO DE
ORDEM DE NATUREZA JURISDICIONAL.
1.O Relator está autorizado, monocraticamente, a negar seguimento a pedido
ou recurso manifestamente intempestivo, incabível, improcedente ou
prejudicado e, ainda, quando contrariar a jurisprudência predominante do
Tribunal (RISTF, art. 21, §1º).
1. A decisão que defere pedido de intervenção estadual em município constitui
procedimento político-administrativo. Precedentes.
2. Inviabilidade, no caso, do pedido de intervenção federal, ante a ausência de
descumprimento de ordem de natureza jurisdicional.
3. Agravo regimental improvido.
RELATÓRIO
A Senhora Ministra Ellen Gracie: 1. Cuida-se de agravo regimental interposto
contra decisão que indeferiu pedido de intervenção federal no Estado de São
Paulo.
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211
Este teor da decisão impugnada (fls. 401/402):
“2.Esta Corte assentou que a decisão que defere pedido de intervenção
estadual em município constitui procedimento político-administrativo, destituído
de índole jurisdicional (PET 1272 (QO), DJU de 26/9/1999; AG 255634, DJU de
03/12/1999; AG 351949, DJU de 26/10/2001). Destaco dos precedentes deste
Tribunal o julgado proferido na Petição 1256-SP, Pertence, DJ 04.05.2001:
(...)
3. Observa-se, desse modo, a impossibilidade do cumprimento da ordem pelo
Governo do Estado em face do caráter materialmente administrativo do ato,
considerando-se que tal conduta não está prevista na Constituição Federal.
4. Ademais, conforme anotado no precedente referido, “assentado o caráter
político-administrativo da deliberação, sua impugnação por ilegalidade ou
abuso de poder há de fazer-se nas vias próprias do controle jurisdicional dos
atos administrativos, por exemplo, se for o caso, pelo mandado de segurança
impetrado ao próprio Tribunal de Justiça (LOMAN, art. 21, VI), cuja decisão (...)
estaria sujeita a recurso ordinário ou extraordinário lato sensu para o tribunal
nacional competente: se o caminho é longo e espinhoso, é o único que se abre
ao questionamento jurisdicional da validade de qualquer ato administrativo da
cúpula do Judiciário estadual.”
Assim sendo, por não se tratar de descumprimento de decisão judicial, mas de
procedimento político-administrativo, verifica-se a ausência do pressuposto
processual indispensável ao acolhimento da pretensão, razão por que, com
base no §1º do artigo 21 do RISTF e em consonância com a jurisprudência
desta Corte, indefiro o pedido de intervenção federal.”
Sustenta a agravante, em preliminar, que “o r. despacho é nulo (...)já que,
tratando-se a espécie de pedido de intervenção federal em Estado-Membro da
República, (...) não poderia (...) ser objeto de simples decisão monocrática” (fl.
416). Entende que “Apenas o Plenário desse E. Sodalício, com sua
composição plena, é que tem competência e legitimidade para conhecer e
julgar questões afetas a pleitos de intervenção federal nos Estados” (fl. 416).
No mérito, alega, em síntese, que (a) “a decisão, que decreta a intervenção em
Estado ou Município, tem (...) natureza jurisdicional” (fls. 417/418); que (b) “não
se trata de decisão meramente administrativa, como quer fazer crer a r.
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212
decisão agravada: seu conteúdo jurisdicional é inequívoco” (fl. 418); e que (c)
“fosse a natureza da decisão focada meramente administrativa, por certo não
estaria o procedimento de intervenção Estadual/Federal disciplinado na
Constituição Federal e nas Cartas Magnas dos Estados” (fl. 418).
Requer “a reforma do r. despacho agravado e decretação, a final, da
intervenção federal solicitada, nos moldes da petição inicial e do próprio v.
acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo” (fl. 420).
O Parecer da Procuradoria-Geral da República é pelo não provimento do
agravo regimental (fls. 428-431).
É o relatório.
VOTO
A Senhora Ministra Ellen Gracie – (Relatora): 1. O recurso não comporta
provimento.
Com efeito, em relação à preliminar suscitada, recordo que o relator está
autorizado, monocraticamente, a negar seguimento a pedido ou recurso
manifestamente intempestivo, incabível, improcedente ou prejudicado e, ainda,
quando contrariar jurisprudência predominante do Tribunal (RISTF, art. 21, §1º
e art. 351, II), como é a hipótese dos autos.
2. No mérito, tenho que a decisão agravada ajusta-se à orientação firmada pelo
Supremo Tribunal Federal.
De fato, conforme já decidiu esta Corte no julgamento do AI 255.634, (rel. Min.
Celso de Mello, DJ 03.12.1999), “nas hipóteses de descumprimento de ordem
ou de sentença judiciais (CF, art. 34, VI e art. 35, IV) o procedimento destinado
a viabilizar a efetivação do ato de intervenção estadual nos Municípios reveste-se de caráter político-administrativo, muito embora instaurado perante
órgão competente do Poder Judiciário (CF, art. 36, II e art. 35, IV). Com efeito,
a atividade desenvolvida pelo Tribunal de Justiça, no processamento do pedido
de intervenção estadual em Município, decorre do exercício, por essa Corte
Judiciária, de uma típica função político-administrativa, desvestida, por isso
mesmo de qualquer atributo de índole jurisdicional”.
Nessa linha, confiram-se, ainda, os seguintes precedentes: AI 520.166-AgR,
rel. Min. Carlos Velloso, DJ 08.04.2005; AI 343.461-AgR, rel. Min. Celso de
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213
Mello, DJ 29.11.2002; RE 282.414, rel. Min. Moreira Alves, DJ 04.05.2001, e
Pet 1.256, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 04.05.2001.
Essa circunstância, como salientado na decisão agravada, inviabiliza o
presente pedido de intervenção federal, ante a ausência de descumprimento de
ordem de natureza jurisdicional.
3. Destaco, nesse sentido, parte do parecer da PGR, da lavra do então
Procurador-Geral da República, Prof. Cláudio Fonteles (fl. 431):
“9. Como bem pontuado no despacho recorrido, a causa de pedir em apreço
fundamenta-se na “desobediência à ordem judicial caracterizada pela ausência
de materialização intervenção” do Estado de São Paulo no Município de
Osasco, decretada pelo Tribunal de Justiça do referido Estado-membro.
10. Nesse contexto, observa-se que o despacho proferido por Sua Excelência,
o Ministro Mauricio Corrêa, encontra-se afinado com o entendimento
jurisprudencial consolidado por este Excelso Pretório, segundo o qual “a
decisão que defere pedido de intervenção estadual em município constitui
procedimento político-administrativo, destituído de índole jurisdicional (PET
1272 (QO), DJU de 26.09.1999; AG 255.634, DJU de 03/12/1999; AG 351.949,
DJU de 26.10.2001)”, razão porque não deve prosperar o presente recurso.”
4.Diante do exposto, nego provimento ao agravo regimental.
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7- INTERVENÇÃO FEDERAL – AGRAVO REGIMENTAL Nº 506-0/SP
Data da Decisão: 05/05/2004.
Relator: Min. Maurício Corrêa.
Tipo de Ação: Agravo Regimental na Intervenção Federal.
Modalidade de Jurisdição: Recursal.
Pólo Ativo: Raphael de Paula Souza e Cônjuge.
Pólo Passivo: Estado de São Paulo.
Órgão Judicante: Tribunal Pleno.
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM INTERVENÇÃO
PRECATÓRIO. DESCUMPRIMENTO INVOLUNTÁRIO.
FEDERAL.
1.Descumprimento voluntário e intencional de decisão transitada em julgado.
Pressuposto indispensável ao acolhimento do pedido de intervenção federal.
2.Precatório. Não-pagamento do título judicial em virtude da insuficiência de
recursos financeiros para fazer frente às obrigações pecuniárias e à satisfação
do crédito contra a Fazenda Pública no prazo previsto no § 1º do artigo 100 da
Constituição
da
República.
Exaustão
financeira.
Fenômeno
econômico/financeiro vinculado à baixa arrecadação tributária, que não legitima
a medida drástica de subtrair temporariamente a autonomia estatal.
Precedentes.
Agravo Regimental a que se nega provimento.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO MAURÍCIO CORRÊA: É este o teor da decisão de
indeferimento do pedido de intervenção federal:
“Trata-se de pedido de intervenção federal no Estado de São Paulo, com
fundamento no artigo 34, VI, da Constituição Federal, no prazo de noventa
dias, de precatório complementar.
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215
2. Este Tribunal, quando do julgamento da ADI 1098, DJ de 25/10/96, assentou
que o Presidente do Tribunal de Justiça, ao requisitar o pagamento
complementar no prazo de noventa dias, estaria exacerbando os limites de
suas atribuições, dado que a requisição, a título de complementação de
depósitos insuficientes, a ocorrer com a observância de prazo de noventa dias,
somente deve a referir-se a diferença resultantes de erros materiais ou
aritméticos ou de inexatidões de cálculos dos precatórios, não podendo
alcançar o critério adotado para elaboração do cálculo ou índice de atualização
diversos dos que foram utilizados em primeira instância, competência do Juízo
da Execução.
3. Vale ressaltar, ainda, a orientação firmada pelo Pleno desta Corte, ao
apreciar as IF 298, 301, 334, 374 e 402, Sessão de 3/2/2003, redator para o
acórdão Ministro Gilmar Mendes, que se o pagamento do precatório foi
incompleto, cabia a expedição, pelo Juízo da Execução, de novo precatório
complementar para ser processado no exercício seguinte, e não na requisição
de saldo devedor apurado pelo próprio Tribunal, ao Governador do Estado,
para pagamento em determinado prazo.
4. Naquela assentada; observou-se, ademais, a impossibilidade do
cumprimento da ordem pelo Governador do Estado, considerando que, além de
não estar prevista na Constituição Federal tal conduta, não tem o mesmo a
disponibilidade dos recursos públicos, sendo-lhe vedado, por isso, mandar
pagar despesa não prevista em lei orçamentária.
Assim sendo, não cuidando a espécie de descumprimento de decisão judicial,
não se verifica o pressuposto processual indispensável ao acolhimento da
pretensão, com base no artigo 21, § 1º, do RISTF e em consonância com a
jurisprudência desta Corte, indefiro o pedido de intervenção federal.”
2. Sustentam os agravantes que o caso vertente cuida exatamente da hipótese
excepcional aviltada na decisão agravada, isto é, a insuficiência dos depósitos
em virtude de erros materiais ou aritméticos ou de inexatidões dos cálculos.
3.Requerem , portanto, o provimento do presente regimental.
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO MAURÍCIO CORRÊA (Presidente): O recurso não
comporta provimento.
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216
2.A requisição, a título de complementação dos depósitos, consoante a firme
jurisprudência deste Tribunal, somente é possível quando houver erro material
ou aritmético ou de inexatidão dos cálculos (ADIN 1098, Marco Aurélio, DJ de
25.10.96)
3.Ante esse quadro, proferi decisão fundamentada na necessidade de
expedição de novo precatório para a quitação de eventual quantia faltante,
conforme entendimento adotado por esta Corte, de que é exemplo, o RE
168019, Galvão, DJ de 02.08.96, cuja ementa transcrevo, verbis:
4.Acentuou o voto proferido nesse precedente que, “havendo sido realizado
cálculo complementar da liquidação, é fora de dúvida que o pagamento da
diferença haverá de ser objeto de novo precatório, processado na forma
prevista no dispositivo invocado (CF, artigo 100 e parágrafos), que rege, com
exclusividade, o pagamento de débitos da Fazenda Pública Federal, Estadual
ou Municipal, em decorrência de sentença judicial, não havendo cabimento,
portanto, para notificações ao Poder Público, da espécie enfocada, seja, no
sentido de promover a complementação dom pagamento em prazo assinado
pelo Juiz”.
5.
Confira-se no mesmo sentido os RREE 189172, 1ª Turma, Galvão, DJ
de 20.09.96 e 173242, 1ª Turma, Galvão, DJ de 18.04.97.
6.Note-se que a hipótese dos autos é anterior à superveniência da edição da
Emenda Constitucional 37/2002, que acrescentou o § 4º ao artigo 100 da
Constituição Federal124, reafirmando, por sua vez, a orientação do Supremo
Tribunal Federal sobre o tema, ao vedar a expedição de precatório
complementar ou suplementar ao valor pago.
7.Ultrapassadas essas alegações, anoto que a premissa básica da decisão
agravada é de que não houve por parte do requerido o descumprimento
voluntário e intencional de decisão judicial transitada em julgado,
pressuposto indispensável ao acolhimento do pedido de intervenção federal.
Dessa maneira, a ausência de conduta dolosa do ente estatal em descumprir a
ordem judicial não autoriza o deferimento do pedido de intervenção, a exemplo
que ocorreu por ocasião do julgamento da Intervenção Federal 3601, redator
p/ o acórdão Ministro Gilmar Mendes, DJ de 22/08/03, da qual transcrevo a
seguinte ementa:
“EMENTA: INTERVENÇÃO FEDERAL. 2. Precatórios judiciais. 3. Não
configuração de atuação dolosa e deliberada do Estado de São Paulo com
124
CF, artigo 100, § 4º. São vedados a expedição de precatório complementar ou suplementar
de valor pago da execução, a fim de que seu pagamento não se faça, na forma estabelecida no
§3º deste artigo e, em parte, mediante expedição de precatório.
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finalidade de não pagamento. 4. Estado sujeito a quadro de múltiplas
obrigações de idêntica hierarquia. Necessidade de garantir eficácia a outras
normas constitucionais, como, por exemplo, a continuidade de serviços
públicos. 5. A intervenção, como medida extrema, deve atender à máxima da
proporcionalidade. 6. Adoção da chamada relação de precedência
condicionada a princípios constitucionais concorrentes. 7. Pedido de
intervenção indeferido.”
8. Não se pode deferir a medida drástica de subtrair temporariamente a
autonomia estatal, que, como regra, só pode sofrer a mencionada espécie de
ingerência quando se fizerem presentes, ostensivamente, os respectivos
pressupostos.
9. Dessa maneira, a decisão agravada está em consonância com a orientação
recente dos julgamentos proferidos por esta Corte, razão por que nego
provimento ao agravo regimental.
VOTO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Senhor Presidente, continuo
vencido por entender que, a não se adotar uma providência efetiva, as
decisões judiciais tornar-se-ão, quando formalizadas contra o Estado,
simplesmente líricas.
Não consigo conceber que, expedido o precatório, não haja a previsão
orçamentária para a liquidação do débito e que o Estado – o Poder Executivo –
simplesmente articule com a ausência de recursos.
Os brasileiros continuam pagando impostos.
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8- INTERVENÇÃO FEDERAL Nº 164-1/SP
Data da Decisão: 03/02/2003.
Relator: Min. Marco Aurélio p/acórdão Min. Gilmar Mendes.
Tipo de Ação: Intervenção Federal.
Modalidade de Jurisdição: Originária.
Pólo Ativo: Eliza Pretti e Outros.
Pólo Passivo: Estado de São Paulo.
Órgão Judicante: Tribunal Pleno.
EMENTA: INTERVENÇÃO FEDERAL. 2. Precatórios judiciais. 3. Não
configuração de atuação dolosa e deliberada do Estado de São Paulo com
finalidade de não pagamento. 4. Estado sujeito a quadro de múltiplas
obrigações de idêntica hierarquia. Necessidade de garantir eficácia a outras
normas constitucionais, como, por exemplo, a continuidade de prestação de
serviços públicos. 5. A intervenção, como medida extrema, deve atender à
máxima da proporcionalidade. 6. Adoção da chamada relação de precedência
condicionada entre princípios constitucionais concorrentes. 7. Pedido de
intervenção indeferido.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) - Eliza Pretti e
outros requerem o deferimento de intervenção federal no Estado de São Paulo,
diante do não-pagamento integral de valor requisitado em precatório que
envolve prestação de natureza alimentícia, expedido em l993, para inclusão no
orçamento de 1994. O processo teve inicio em 1988.
Após ouvir o Governador do Estado e o Ministério Público, o Tribunal de
Justiça julgou procedente o pedido e determinou a remessa do processo a esta
Corte.
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219
Solicitadas informações, manifestou-se o Governador, afirmando estarem
ausentes os pressupostos básicos ao processamento da intervenção. É que
teria sido efetuado o depósito, em cumprimento à ordem judicial tida por
olvidada, restando prejudicado o pedido. Requer a extinção do processo e
alude a caso análogo no qual o Tribunal de Justiça local barrou o processo,
deixando de encaminhá-lo ao Supremo Tribunal Federal.
A Procuradoria Geral da República opinou pela procedência do pedido de
intervenção.
Diante da passagem do tempo, despachei, à folha 402, intimando os
requerentes e o requerido a manifestarem-se sobre possível liquidação do
débito conforme se depreende dos pronunciamentos das partes, não restou
comprovada a quitação integral da dívida, razão pela qual o processo foi
incluído em pauta.
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – Valho- me do
voto que proferi quando do julgamento da Intervenção Federal n° 2.953-8, do
seguinte teor:
Os esforços desenvolvidos com o objetivo de solucionar a pendência não
frutificaram.
Contatos foram mentidos com o Chefe do Poder Executivo do Estado.
Reafirmou-se a impossibilidade de depósito do valor do precatório, ante a falta
de recursos. A ordem natural do processo desaguou, então, na inclusão em
pauta. O fenômeno ocorreu por força de um dever inerente ao ofício judicante,
e não considerado o disposto no § 5° do artigo 100 da Constituição Federal:
O Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo ou omissivo,
retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de precatório incorrerá em crime
de responsabilidade.
Aliás, há de fazer-se certo registro. A previsão constitucional resultou da
Emenda n° 30/2000, deixando de guardar sintonia com o dia-a-dia dos
tribunais.
A situação verificada relativamente à liquidação dos precatórios decorreu de
atos omissivos e comissivos, não dos Presidentes dos Tribunais, mas de
Governadores e Prefeitos. Logo, outros deveriam ser os destinatários da
norma.
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220
Na oportunidade do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n°
1.098, fiz consignar, em voto, a quadra então vivida, considerados os débitos
das Fazendas Públicas. O registro alcançou não só a origem do grande
número de precatórios pendentes de liquidação, como também o círculo vicioso
notado a partir da óptica segundo a qual impossível seria, na vigência da
Constituição Federal anterior, cogitar-se da inserção, no instrumento, do valor
real. Vê-se que a situação piorou a cada dia, perdendo os jurisdicionados a
esperança na liquidação dos débitos da Fazenda e nutrindo sentimento
contrário ao primado do Judiciário, à necessidade de respeito irrestrito às
decisões imutáveis, não mais sujeitas a recurso. Para assim concluir-se, é
suficiente ter presente o grande número de processos de intervenção
existentes nesta Corte, fundados na regra do artigo 34, inciso VI, da
Constituição Federal, autorizadora da intervenção nos Estados e no Distrito
Federal, quando descumprida ordem ou decisão judicial. A grosso modo, é
dado constatar processos reveladores de pedidos de intervenção, a maioria
deles ligados a descumprimento de precatórios, contra os seguintes Estados:
Alagoas - 1 processo;
Ceará - 17 processos;
Distrito Federal - 48 processos;
Espírito Santo - 10 processos;
Goiás - 10 processos;
Mato Grosso - 10 processos;
Pará - 11 processos;
Paraná - 10 processos;
Rio de Janeiro - 8 processos;
Rio Grande do Sul - 176 processos;
Rondônia - 2 processos;
Santa Catarina - 111 processos;
São Paulo - 2.822 processos;
Tocantins - 16 processos.
Reitero o que consignado no referido voto:
Sob a égide da Constituição pretérita, estabeleceu-se quadro de extravagância
ímpar, considerada a relação jurídica mantida pelo Estado e credores, e a
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221
liquidação de obrigações pecuniárias reconhecidas mediante provimento
judicial. A interpretação literal do preceito de regência dos precatórios, ou seja,
do artigo 117, levou à conclusão de que os valores deles constantes,
atualizados em 1° de julho, seriam pagos, até o término do exercício
subseqüente à respectiva apresentação, na forma nominal. Decorreu daí,
diante de inflação da ordem de trinta por cento ao mês, um verdadeiro ciclo
vicioso. O credor, ao ver satisfeito o precatório, tinha a desventura de constatar
a liquidação parcial do débito da Fazenda a oscilar entre três a cinco por cento
do total devido. O direito reconhecido em sentença transitada em julgado
transformava-se em verdadeira pensão vitalícia, forçando o requerimento da
expedição de novo precatório, com sobrecarga para a máquina judiciária, no
que perpetuadas as execuções e, portanto, a tramitação dos processos.
Iniludivelmente, tendo em vista a busca da realização de obras e, também, a
delimitação temporal dos mandatos, proibida a reeleição, a sistemática
consagrada jurisprudencialmente acabou por levar a sucessivas e pouco
planejadas desapropriações, não se preocupando os governantes com a
necessidade de conciliá-las com as dotações orçamentárias e, descarte, com
créditos abertos para tal fim. Projetaram-se, com isso, as liquidações dos
débitos, a alcançarem toda e qualquer importância devida pela Fazenda
Pública em razão de condenações sofridas. A par do pernicioso critério
homenageando o valor nominal real em detrimento do valor real, contavam
ainda as Fazendas, com a denominada ciranda financeira. Os recursos eram
aplicados no mercado, multiplicando-se dia a dia. A “bola de neve” formou-se e
aí, em visão prognóstica, em face até mesmo dos novos ares constitucionais,
no sentido de um maior equilíbrio na relação Estado-cidadão, o Constituinte de
1988, para ordenar o quadro e extirpá-lo, fez inserir no Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias preceito revelador de verdadeira moratória. Refirome ao artigo 33, segundo o qual “ressalvados os critérios de natureza
alimentar, o valor dos precatórios judiciais pendentes de pagamento na data da
promulgação da Constituição, incluindo o remanesceste de juros e correção
monetária, poderá ser pago em moeda corrente, com atualização, em
prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de oito anos, a partir
de 1° julho de 1989, por decisão editada pelo Poder Executivo até cento e
oitenta dias da promulgação da Constituição”. Previu-se, mais, que “poderão as
entidades devedoras, para o cumprimento do disposto neste artigo, emitir, em
cada ano, no exato montante do dispêndio, títulos de dívida pública não
computáveis para efeito do limite global de endividamento”.
Da norma extraem-se várias premissas: a primeira diz respeito à exclusão dos
créditos de natureza alimentar, cuja razão de ser estava em afastar-se a
projeção no tempo, ou seja, o pagamento em oito prestações anuais iguais e
sucessivas. A segunda concerne ao caráter do dispositivo constitucional que,
mostrando-se transitório, aplicava-se apenas aos “precatórios judiciais
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222
pendentes de pagamento na data da promulgação da Constituição”. A terceira
corre à conta de se ter feito estancar, como acabou por sedimentar esta Corte,
os juros, quer os decorrentes da mora, quer os compensatórios. A quarta
premissa implicou a desmitificação da esdrúxula tese do privilégio da Fazenda
Pública de ver projetada indefinidamente no tempo a satisfação dos respectivos
débitos. Em consonância com o corpo permanente da Carta, previu-se que as
parcelas seriam iguais e sucessivas, revelando-se, ainda, atualizadas, ou seja,
sem saber-se a percentagem alusiva à reposição do poder aquisitivo, impôs-se
a manutenção do poder da moeda, mesmo porque, não fosse assim, de nada
adiantaria o dispositivo constitucional. Neste ponto, o artigo 33 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias exsurgiu, à primeira hora, pedagógico,
afastando o desequilíbrio notado na relação jurídica devedor-credor e
colocando fim a verdadeiro calote oficial. Ao menos os credores existentes
tiveram a certeza do recebimento integral dos créditos, e os futuros passaram a
contar com nova visão, a homenagear a realidade, o sistema jurídicoconstitucional tomado como algo razoável, coerente, aceitável em um Estado
Democrático de Direito. Os precatórios pendentes de pagamento foram
alcançados, à mercê de definição do Poder Executivo, por regra excepcional,
buscando-se, assim, repita-se, sanear a situação verificada na totalidade dos
Estados federados, no Federal e também nos Municípios. Implica dizer que a
Carta de l988 trouxe à balha, de forma salutar, contexto de normas
conducentes a concluir-se que, imposta condenação a pessoa jurídica de
direito público, via sentença judicial, ela é para valer, há de ser observada de
maneira irrestrita, devendo a quantia ser satisfeita de modo atualizado, embora
contando a devedora com o interregno de dezoito meses para fazê-lo, coisa
que nenhum devedor dispõe, no que se prevê, na execução que, citado, deve
pagar a totalidade do valor em vinte e quatro horas, sob pena de seguirem-se
atos de constrição-penhora e praça pública. Imaginava-se, à época da
promulgação da Carta de 1988, que haveria por parte dos Executivos um
cuidado maior na assunção de dívidas, especialmente aquelas decorrentes de
desapropriações. Ledo engano. Conforme consta das informações prestadas
pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, os precatórios posteriores a 1988
continuaram alcançando, ano a ano, a casa do milhar, oscilando entre cinco e
dez mil, isso apenas no Estado de São Paulo.
Ainda embrionária a visão segundo a qual os precatórios, uma vez satisfeitos,
hão de implicar a liquidação do débito, devendo, para isso, sofrer a incidência
da indispensável correrão monetária, mais um fator surgiu, revelando possuir a
balança da vida dois pratos. De um lado, o Plano Real, que se seguiu a
diversos outros (Plano Delfim I, Plano Delfim II, Plano Delfim III, Plano
Dornelles, Plano Cruzado, Plano Bresser, Plano Arroz com Feijão, Plano
Verão, Plano Collor I, Plano Collor II, Plano Marcílio, etc.), mitigou, nos últimos
dois anos, a inflação. Reduziu-a, substancialmente, passando-se a ter, ao invés
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de cerca de trinta por cento ao mês, algo pouco acima de um por cento. De
outro, deixou os Estados e Municípios sem a fonte de receita que era o
mercado financeiro e, portanto, a possibilidade de, jogando com o tempo, terem
considerável aporte de recursos. Mesmo a partir da esdrúxula insistência,
contrária à Carta Política da República, de liquidar os precatórios pelo valor
nominal e não real, vieram a constatar que, ao invés da obrigação de
pagamento girar em torno de cerca de dois a cinco por cento do débito, que
estavam compelidos a liquidar, teriam de satisfazer cerca de oitenta por cento.
Isso ocorreu passados cerca de seis anos da data em que os Executivos em
geral tiveram facilitada, sobremaneira, a solução da problemática dos
precatórios pendentes, em face da moratória do artigo 33 e da viabilidade de
emissão de títulos da divida publica não computáveis para efeito do limite
global de endividamento. A tudo isso, acrescem os problemas ligados à
distribuição tributária - os médios e grandes Municípios estão muito bem - e o
inchaço da folha de pessoal, agravado com o desrespeito ao teto
constitucional, via, especialmente, a ingênua óptica da desconsideração das
vantagens pessoais.
Com desassombro é dado perceber o motivo da esperança depositada, pelo
Estado de São Paulo, no desfecho desta ação direta de inconstitucionalidade.
Ele salta aos olhos. A insolvência dos Estados da Federação é flagrante. Nem
por isso tem-se como aberta a porta ao menoscabo dos princípios insertos na
Carta de 1988. Sem potencializar-se os inúmeros pedidos de intervenção, hoje
sobre os largos ombros deste Tribunal, único fato novo surtido após o exame
do pedido de liminar, inidôneo, de qualquer forma, à definição da pecha
atribuída às normas que serão analisadas, há de perquirir-se a harmonia dos
preceitos atacados, mediante esta ação direta de inconstitucionalidade, com os
artigos da Carta da República, empolgados pelo Requerente e, aí, dizer-se da
procedência, ou não do pedido formulado. Descabe, também,
considerar-se,
para
aferição
da constitucionalidade das normas, a aplicação que vêm
merecendo no âmbito organizacional do Tribunal de Justiça.
O julgamento da ação direta de inconstitucionalidade não leva em conta
situações concretas a serem dirimidas na via apropriada. Examina-se a
compatibilidade constitucional a partir do caráter abstrato da norma. Da
mesma, há, de proceder-se diante da necessidade de buscar-se solução para o
quadro de insolvência supra-referido. O caráter político do julgamento da ação
direta de inconstitucionalidade sofre limitação decorrente da supremacia da
Carta Federal, sob pena de vir à balha, em prejuízo de toda a sociedade e dos
avanços no campo democrático, a insegurança. O Estado não pode contar com
o privilégio de editar a lei, aplicá-la e vê-la sopesada pelo Judiciário ao sabor
de política governamental, a partir de óptica tendenciosa, sempre isolada e
momentânea, sempre a revelar o oportunismo de plantão. Ao Estado-juiz,
especialmente ao Supremo Tribunal Federal, cumpre, em razão de
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compromisso maior - e a história é uma cobradora infatigável - zelar pela
intangibilidade da ordem jurídico-constitucional, pouco importando que, assim o
fazendo, seja incompreendido. É de se ter presentes as palavras de
Calamandrei, citado por Edgar de Moura Bittencourt em “O Juiz”, segundo as
quais há mais coragem em ser justo, parecendo injusto, do que ser injusto para
salvaguardar as aparências de justiça. Os incautos, os míopes, os pobres de
espírito democrático, não esperem do Supremo Tribunal Federal atitude
acomodadora, por mais convidativa que seja a quadra, já que se afigura, na
concepção da Carta da República, como o Juiz Maior da Federação, não se lhe
sendo opostos óbices ao cumprimento do dever constitucional de assegurar a
intangibilidade da ordem jurídica.
Frente a tais premissas e salientando, mais uma vez, a crença na máxima de
que, em sendo o Direito uma ciência, o meio justifica o fim, e não este, aquele,
passo ao exame dos diversos dispositivos atacados.
Saliento, mais, a impossibilidade de dizer-se inviável a intervenção,
considerada a natureza dos atos praticados em razão do precatório e a
insuficiência de recursos. Quanto a esta argumentação, surge a improcedência
jurídica. A teor do disposto no artigo 100 da Constituição Federal, é obrigatória
a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária
ao pagamento de seus débitos constantes de precatórios, apresentados até 1°
de julho. A intervenção visa, acima de tudo, à supremacia da Constituição
Federal, ao saneamento do quadro, devendo atuar administrador diverso
daquele que ocupa a chefia do Poder Executivo. A um só tempo, tem cunho
satisfatório, quanto ao cumprimento da ordem ou decisão judicial, e saneador,
sinalizando, de forma exemplar, a necessidade de serem observados os
parâmetros próprios a um Estado Democrático de Direito, no qual não há como
deixar de ter o primado do Judiciário, a eficácia, a partir de medidas coercitivas,
das decisões prolatadas. Sem uma efetividade maior, vinga a babel, a
insegurança jurídica, levando os cidadãos a verdadeiro retrocesso, no que,
com a falência do Poder, buscarão a satisfação dos respectivos direitos
substanciais por outros meios. Ao invés de restabelecer-se a paz social
momentaneamente abalada, dar-se-á o agravamento da situação.
Devem ser salientados aspectos quanto à causa de intervenção, que é a
alusiva ao desrespeito a ordem ou decisão judicial, em vista do instituto do
precatório.
A Constituição Federal de 1891 mostrou-se de contornos limitados. Mediante o
item IV do artigo 6°, previa-se que o Governo Federal poderia intervir em
negócios peculiares aos Estados “para assegurar a execução das leis e
sentenças federais.” A Emenda Constitucional de 3 de Setembro de 1926 não
modificou essa cláusula. Foi ela mantida, já então, sob o inciso IV, “para
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assegurar a execução das leis e sentenças federais e reorganizar as finanças
do Estado, cuja incapacidade para a vida autônoma se demonstrar, pela
cessação de pagamentos de sua dívida fundada, por mais de dois anos”.
Destarte, nota-se a restrição quanto às sentenças - somente as federais
descumpridas ensejavam a intervenção. A Constituição Federal de 1934 veio a
dar maior extensão à cláusula autorizadora da intervenção nos negócios do
Estado, abrangendo expressões que não podem ser tidas como sinônimos:
Art. 12 A União não intervirá em negócios peculiares aos Estados, salvo:
VII para a execução de ordens e decisões dos juízes e tribunais federais;
Percebe-se, portanto, o abandono da palavra “sentença”, ou seja, do vocábulo
revelador do ato processual final dos processos. Entrementes a possibilidade
de intervenção por descumprimento de ordens e decisões dos juízes e tribunais
ficou limitada à esfera federal, não alcançando, assim, decisões da Justiça
estadual. Essa previsão perdurou até 1937, quando veio à balha nova Carta e,
aí, voltou-se à disciplina de 1891:
Art. 9° O Governo Federal intervirá nos Estados, mediante a nomeação, pelo
Presidente da República, de um interventor que assumirá no Estado as funções
que, pela sua constituição, competirem ao Poder Executivo, ou as que, de
acordo com as conveniências e necessidade de cada caso, lhe forem
atribuídas pelo Presidente da República:
f) para assegurar a execução leis e sentenças federais;
Então, observa-se, como já consignado, o retorno à disciplina pretérita, mais
uma vez limitando-se a possibilidade de intervenção ao descumprimento de
sentenças emanadas de órgãos federais. A Carta de 1946, de nítido cunho
democrático, uma Carta, tal como as de 1891, 1934 e 1988, popular, a
homenagear a supremacia do Judiciário e a atuação deste como indispensável
ao Estado Democrático de Direito, veio a reintroduzir, no cenário constitucional,
a regra da Constituição de 1934, fazendo-o sem a especificidade alusiva à
natureza do órgão judiciário prolator da decisão (gênero) descumprida - se
federal ou estadual. Portanto, houve verdadeiro avanço, emprestando-se, sob o
argumento da intervenção, valia a ordens e decisões judiciárias, sem se
distinguir a origem:
Art. 7°. O Governo Federal não intervirá nos Estados, salvo para:
V) assegurar a execução de ordem ou decisão judiciária;
A Constituição Federal de l967, embora outorgada, repetiu a cláusula da Carta
anterior, ao dispor, no inciso VI do artigo 10, competir à União a intervenção
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nos Estados para “prover a execução de lei federal, ordem ou decisão
judiciária...”.
Também a Constituição de 1969 tomou de empréstimo a regência inaugurada
com a Carta de 1946, ao prever, no inciso VI do artigo 10, a possibilidade de a
União intervir nos Estados para “prover a execução de lei federal, ordem ou
decisão judiciária...”.
Com a Carta de 1988, deu-se novo alargamento da matéria. Em vez de fazerse referência a decisão judiciária, a pressupor, assim, ato de jurisdição,
jurisdicionalizado, propriamente dito, aludiu-se ao gênero “decisão judicial” e,
mesmo assim, sem se extirpar, como móvel da intervenção, o descumprimento
de ordem judicial. Eis como está redigido o preceito hoje em vigor:
Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão Judicial;
Forçoso é concluir pela abrangência da cláusula autorizadora de intervenção.
Ainda na vigência da Constituição pretérita, Pontes de Miranda, em
“Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n° 1, de 1969”, fez ver
que, por “ordem", deve-se entender “qualquer comando ou mandado”, e, por
“decisão”, “qualquer resolução, que se haja de executar" (página 244). A
medida extravagante é ditada pela cláusula reveladora dos alicerces da União,
a da existência de Poderes independentes e harmônicos entre si - o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Mais do que isso, encerra meio de
manter-se o respeito ao Judiciário, os parâmetros próprios a um Estado
Democrático de Direito, tornando regra eficaz a garantia constitucional de
acesso, para ver-se restabelecida a ordem jurídica, no que abalada por
ameaça ou lesão a direito individual - inciso XXXV do artigo 5°. Ademais, é
corolário da atuação jurisdicional como ato de soberania. De nada adiantaria
ter-se a atuação do Estado-juiz caso os atos processuais por ele formalizados,
fossem ordens judiciais ou sentenças e acórdãos, não possuíssem
implicitamente uma sanção, uma fórmula de chegar-se ao respeito absoluto,
mormente por aquele de quem se espera postura exemplar, como é o Estado,
a nortear a conduta do cidadão.
Destarte, pouco importa que a ordem judicial descumprida tenha caráter
administrativo. Aliás, a assim não se compreender, o Estado, sem recaio de
intervenção, poderia vir a descumprir sentenças transitadas em julgado. É que
a execução prevista no texto constitucional faz-se mediante precatório, e este,
como proclamado pelo Tribunal em inúmeros processos, uma vez suscitado
incidente, deságua em decisão de cunho administrativo. Nem por isso é dado
desvincular o que decidido pelo Presidente do Tribunal no cumprimento do
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227
precatório, ao dirimir questão surgida, do título-base, do título executivo judicial
a que objetiva tornar eficaz.
A hipótese dos autos é, assim, mais favorável do que aquela que motivou o
deferimento do pedido de intervenção no Estado de Goiás e que veio a ser
autuado sob o n° 94-7, quando este Plenário, a uma só voz, proclamou:
Ordem ou decisão judiciária a que alude a parte final do inciso VI do artigo 10
da Constituição Federal é expressão que abarca qualquer ordem judicial e não
apenas as que digam respeito a sentenças transitadas em julgado.
O relator, no acórdão que veio a ser publicado no Diário da Justiça de 3 de abril
de 1987, fez ver:
A interpretação dada pela Procuradoria Geral da República à parte final do
inciso VI do artigo 10 da Constituição Federal (o qual estabelece, como caso de
intervenção federal, o de ser necessário “prover a execução de lei federal,
ordem ou decisão judiciária”) no sentido de que essa ordem seria apenas a
resultante de sentença, e que a sentença deve ser definitiva, sem estar sujeita
a reforma ou suspensão, é manifestamente improcedente.
Para sustentá-la, CLÁUDIO PACHECO teve de invocar passagem de RUI
BARBOSA relativa ao texto constitucional de 1891 (art. 6°, 4ª) que só aludia,
como caso de intervenção, a falta de execução das leis “e sentenças federais”,
e passagem essa em que RUI afirmava (o que não o impediu de mais tarde
defender o contrário) que decisão em habeas corpus não era sentença.
Se a Constituição presentemente - e isso ocorre desde da 1946 – alude, “a
ordem ou decisão judiciária”, e se a finalidade do dispositivo constitucional é
inequivocamente a da preservação do cumprimento das ordens e das decisões
do Poder Judiciário, que é Poder desarmado, não há dúvida alguma de que
essas expressões não podem ser tomadas com restrições que acabem por
deixar o cumprimento delas, em virtude de resistência ilícita da parte a quem se
dirigem, ao arbítrio do Poder Executivo estadual. Para a distribuição da justiça,
é absolutamente indispensável o cumprimento de qualquer ordem judicial, e
não apenas daquelas que digam respeito a sentenças transitadas em julgado.
Por isso mesmo, interpretando o texto constitucional vigente, acentua PONTES
DE MIRANDA (Comentário à Constituição de 1967 com a Emenda n° 1, de
1969, tomo II, pág. 227):
“ORDEM E DECISÃO JUDICIÁRIAS. - Ordem; entenda-se: qualquer
comandamento ou mandado. Judiciária: proveniente da Justiça, e não só dos
juízes. Em vez de ordem ou decisão judicial, o texto pôs: ordem ou decisão
judiciária. Se alguém, que é órgão da Justiça, ainda que não seja juiz, pode
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“dar ordem” e “decidir”, a sua ordem ou a sua decisão, é inclusa num desses
dois conceitos.
Decisão; entenda-se: qualquer resolução, que se haja de executar”.
Então, concluiu o relator, o ministro Moreira Alves, que, no caso, havia
mandado judicial com requisição de força para que fosse desocupado certo
imóvel. O acórdão restou prolatado em 19 de dezembro de 1986 e, à época, a
Carta em vigor não aludia sequer a ordem judicial, mas a ordem judiciária.
Participaram do julgamento os ministros Moreira Alves - relator -, Rafael Mayer,
Néri da Silveira, Aldir Passarinho, Sydney Sanches, Octavio Gallotti, Carlos
Madeira e Célio Borja.
Tem-se, assim, o envolvimento de hipótese agasalhada pelo texto
constitucional autorizadora do pedido de intervenção. A determinação de
depósito atinente a precatório consubstancia ordem judicial e, mais do que
isso, tem a respaldá-la, considerada a presunção da razoabilidade, o título
executivo.
Resta o exame da situação concreta destes autos e, portanto, do
enquadramento, ou não, do pedido formulado no permissivo constitucional. A
inicial mostra-se adequada. Revela requerimento por parte legítima,
devidamente representada, com causa de pedir e pedido, havendo passado
pelo crivo do Tribunal de Justiça do Estado.
Na espécie, os requerentes litigaram durante longos onze anos, vindo a pleitear
a intervenção em Outubro de 1999. Os créditos são de natureza alimentar.
Vale dizer, têm, na essência, o objetivo de prover a subsistência de cada qual e
das respectivas famílias. O Estado exauriu os meios de defesa, visando à
demonstração da improcedência do pleito. Findou derrotado. Sucumbiu na
demanda. Mesmo em face do trânsito em julgado e do fato de haver contado
com dezoito meses para a liquidação do débito, isso após a expedição do
precatório, não o fez, certamente esperançoso na prevalência do argumento da
autoridade, do argumento, inaceitável, da deficiência de caixa, em que pese à
circunstância de ser o maior Estado da Federação. A rigor, não deveria sequer
contar com a dilação própria aos precatórios. Em bom vernáculo, o artigo 100
afasta desse sistema de execução os créditos de natureza alimentícia. Confira
se com o preceito:
À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela
Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, farse-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e
à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de
pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para
este fim.
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A interpretação do texto constitucional desaguou, no entanto, no
estabelecimento de uma nova ordem de preferência, afastada ficando a
exclusão prevista no citado artigo. Ainda bem que esse enfoque não
prevaleceu na definição do alcance do art. 33 do Ato das Disposições
Transitórias, talvez quem sabe por nele haver-se utilizado, em vez do vocábulo
“exceção”, a palavra “ressalvados”. O mesmo ocorreu com a Emenda n° 30,
abandonando-se a forma primitiva adotada no corpo permanente da Carta e
repetindo-se a que veio a ser tomada como excludente dos créditos
alimentícios.
E o que alega, no caso, o Estado? Que deve, deixando assim de enveredar por
caminho tortuoso. Entretanto evoca a ladainha de sempre - a ausência de
recursos, em menosprezo à regra do § 1° do artigo 100 da Carta:
Art. 100(...)
§1°. É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de
verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças
transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados ate
1° de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando
terão seus valores atualizados monetariamente.
Em síntese, pretende valer-se do vezo popular, da postura do mau pagador devo, não nego; pagarei quando puder. As razões por último apresentadas não
vingam. O elemento subjetivo que é o dolo mostra-se neutro para se definir a
procedência, ou não, do pedido de intervenção. Pouco importa que o Estado,
mediante a atuação do Executivo, não proceda com a intenção de postergar a
liquidação do precatório. Cumpre saber, tão-somente, se na espécie ocorre o
descumprimento de decisão judicial, fator objetivo resultante do vício da
negligência, da falta de respeito irrestrito à ordem jurídica em vigor. A intenção
em si afigura-se estranha ao julgamento da intervenção.
Quanto à lei viabilizadora da utilização dos depósitos judiciais e extrajudiciais
relativos a tributos - Lei n° 10.482, de 3 de julho de 2002 -, considerem-se
dados que a ditaram e o alcance revelado. A Emenda n° 30, de setembro de
2000, ao introduzir nas Disposições Transitórias da Constituição o artigo 78,
excluiu do campo de aplicação, é certo, os créditos definidos em lei como de
pequeno valor e, de forma abrangente, os de natureza alimentícia, parcelando
em dez anos a satisfação dos comuns. Qual foi a conseqüência prática do novo
texto? A visão pragmática do Executivo resultou na inversão de valores. O
privilégio do crédito alimentício veio a ser alijado. É simples: a nova disposição
constitucional trouxe à balha o instituto do seqüestro com amplitude maior.
Ante o texto permanente da Constituição, apenas pode ser acionado uma vez
verificada a preterição, a desobediência à ordem cronológica dos precatórios,
beneficiando-se credor em detrimento de outrem - §2° do artigo 100. Pela
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disposição transitória, verificada a ausência de inclusão de valor no orçamento,
preterição ou inadimplemento relativo a qualquer das dez prestações, possível
é o seqüestro de recursos financeiros da entidade executada - §4° do artigo 78.
Logo, em face desse salutar meio de coerção, os esforços do Executivo
direcionaram-se, em prejuízo da satisfação dos créditos preferenciais - os
alimentares -, ao pagamento dos comuns.
Então, ocorreu a idéia de utilizarem-se, no pagamento exclusivo dos créditos
de natureza alimentícia, os depósitos. O projeto inicial, expungida a previsão de
uso preferencial dos citados depósitos para tal fim, no que substituída a
cláusula pela reveladora da exclusividade, alcançava, independentemente da
vontade dos estabelecimentos bancários, oitenta por cento dos existentes e
futuros, ficando os restantes vinte por cento como fundo de reserva a fim de
atender a alvarás de levantamento, na hipótese de sucumbência da Fazenda.
A Câmara dos Deputados aprovou, em regime de urgência, o Projeto Arnaldo
Madeira tal como apresentado. A esperança na mitigação, simples mitigação,
do problema persistiu por pouco tempo. Assustaram-se os estabelecimentos
bancários no que perderiam verdadeiro filão, a disponibilidade de vultoso
numerário captado a preço muito inferior aos acessórios cobrados daqueles
que viessem a tomá-lo por empréstimo. O substitutivo Romeu Tuma esvaziou o
Projeto ao prever:
a) a utilização, a critério dos estabelecimentos depositários, de cinqüenta por
cento dos depósitos e, mesmo assim, dos realizados a partir de Janeiro de
2001;
b) relativamente aos novos depósitos, a destinação, também, da percentagem
não de oitenta por cento, mas de cinqüenta por cento;
c) a constituição do fundo de reserva de vinte por cento, no mínimo,
considerados os cinqüenta por cento repassados, diminuindo-os, portanto, a
quarenta por cento;
d) a chamada do Estado para complementar, se necessário, o fundo de
reserva, incólume a disponibilidade dos bancos.
Daí a inarredável conclusão. Ao beneficiar-se o “sistema financeiro”, os bancos,
em detrimento do fim inicialmente visado com o Projeto Arnaldo Madeira - o de
viabilizar avanço na liquidação dos precatórios ditos alimentares -, afastou-se
do cenário jurídico algo esperado e que poderia, quem sabe, evitar o
julgamento de milhares de pedidos de intervenção.
O aceno do Estado requerido é insatisfatório, presente a circunstância de haver
alcançado apenas a liquidação de Pendências surgidas em 1996 - ano da
expedição dos precatórios - e, assim, inadimplementos configurados no
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exercício de 1997. A ordem natural das coisas, cuja força é insuplantável,
escancara continuarem pendentes os precatórios expedidos em 1997, 1998,
1999, 2000, 2001 e, já agora, 2002. Os títulos judiciais que os respaldam,
cobertos pela preclusão recursal após a passagem de alguns anos da
tramitação dos processos, continuam desrespeitados. O fato implica verdadeiro
paradoxo. O particular citado, na execução, tem vinte e quatro horas para
satisfazê-la, sob pena de ver penhorados bens e levados à praça. O Estado,
contando não com prazo fixado em horas, mas considerada a unidade de
tempo ano - dezoito meses - mesmo assim não observa as decisões judiciais
cujo conteúdo seja a obrigação de dar. Pleitear, a esta altura, mais tempo é um
escárnio.
Concluo, então:
O Judiciário não prolata sentenças simplesmente formais, sentenças que, sob
o ângulo do conteúdo, mostram-se inúteis. É ele o responsável final pelo
restabelecimento da paz social provisoriamente abalada, pela prevalência do
arcabouço normativo constitucional, pelo equilíbrio nesse embate Estadocidadão, evitando que forças direcionadas de forma momentânea e isolada
venham a prevalecer, em detrimento de interesses da coletividade. É certo que
o Estado tudo pode: legisla, executa as leis e julga os conflitos de interesse
decorrentes dessa execução. Que o faça com absoluta fidelidade às regras
geradores da boa convivência na vida social democrática. Ocorrido o desvio de
conduta de um dos Poderes, cumpre afastá-lo, prevalecendo o sistema de
freios, e aí surge, com importância maior, o papel do Judiciário, ao qual, no
Estado de Direito, cabe a última palavra sobre o conflito. Não lhe é dado
silenciar, contemporizar o que, a mais não poder, discrepa das comezinhas
noções da atuação estatal, respaldando atitude que, em relação a credores,
implica tripudiar, resulta em menosprezo. A falta de celeridade nas decisões
judiciais não pode servir ao respectivo descumprimento. Mas é esse o
sentimento que predomina. Constantemente os veículos de comunicação
retratam a rebeldia de dignitários relativamente a decisões judiciais. Afirma-se,
com absoluto desprezo à responsabilidade maior, que não se cumprirá esta ou
aquela decisão, pouco importando, até mesmo, que seja originária do Supremo
Tribunal Federal e se mostre coberta pela preclusão. Parte-se da óptica:
recorram ao Judiciário e esperem. Será essa uma sentença final? No momento
em que oitenta por cento das ações que chegam aos tribunais superiores
envolvem o Estado, partir-se, quanto aos débitos deste, retratados em
sentenças judiciais, em precatórios, em requisições, para a teoria do "homem
da mala" ou do “trem pagador”, sem os quais não cabe deferir intervenção, é
aceitar que o tempo e a ordem jurídica consagrem a atitude dos inadimplentes
e protejam não só o Estado devedor, mas também o Estado contumaz no
descumprimento de decisões judiciais, como se estas existissem para atender
não aos anseios de justiça do próprio povo, mas a simples formalidade.
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Continuo acreditando que o exemplo a ser seguido, o bom exemplo, vem de
cima; persevero na crença no Direito, no caráter perene dos princípios que o
respaldam, na prevalência da Constituição como lei fundamental, nada
justificando o abandono, o menoscabo de que vem sendo alvo. É hora de o
Judiciário definir-se: ou bem zela pelo dever de guardião máximo da ordem
jurídica, ou se mostra sensível a atitudes que desta discrepam, e aí acaba
como responsável pelo atual estado de coisas, que pode ser retratado em
quadro estarrecedor quanto aos precatórios que vêm, nos diversos Estados,
sendo liquidados, isso considerada a data de expedição.
Julgo procedente o pedido formulado, para que seja requisitada, nos termos do
artigo 36, inciso II, da Constituição Federal, a intervenção no Estado de São
Paulo.
Quanto à defesa ligada à circunstância de se tratar de complementação de
depósito relativa a precatório, considero-a insubsistente. É que longe fica de
demonstrar o cumprimento da decisão judicial. Ao contrário, gera a convicção
sobre o fato de não haver sido liquidado, como cabia, o precatório. O Órgão
Especial da Corte de origem bem a refutou. O que decidido não pode ser
examinado no processo de intervenção. Ao Estado incumbia, como vem sendo
feito em outros processos, impugnar, pelos meios próprios - e o processo de
intervenção não se revela como ação de mão dupla -, a ordem judicial de
complementação e que se mostrou jungida, na dicção da Corte de origem, ao
precatório expedido. Insuficiente o depósito realizado - e esta é a verdade
formal -, tem-se aberta a via do pedido de intervenção.
Da mesma forma, descabe agasalhar o elemento subjetivo, ou seja, a óptica
segundo a qual não basta o simples descumprimento de decisão judicial para
ter-se como aberta a via da intervenção, sendo necessário demonstrar a culpa
ou o dolo na ausência de liquidação do precatório. Essa condição é estranha à
ordem jurídica, mesmo porque não é crível que, havendo numerário para o
pagamento, deixe a pessoa jurídica de direito público de implementá-lo.
Prevalece o critério objetivo, o não-cumprimento da ordem judicial, a
inobservância do título executivo judicial, pouco importando saber a causa.
Entendimento diverso implica, diante de definições políticas de gastos, ofensa
ao primado do Judiciário, à certeza da valia dos julgamentos. O Estado vê-se
sempre diante de dificuldades de caixa, sendo presumível, assim, a contumácia
no descumprimento das obrigações pecuniárias estampadas em sentença.
É como voto.
VOTO
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES - Sr. Presidente, indefiro o pedido
formulado na inicial pelos fundamentos expostos no voto que proferi na
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233
Intervenção Federal n° 2915, que ora junto por cópia e que deste é parte
integrante.
VOTO
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: O instituto da intervenção
federal, consagrado no texto de todas as Constituições republicanas
brasileiras, representa um elemento fundamental, tanto na construção da
doutrina do Estado Federal, quanto na praxes do federalismo.
O mecanismo de intervenção constitui instrumento essencial à viabilização do
próprio sistema federativo, e, não obstante o caráter excepcional de sua
utilização - necessariamente limitada às hipóteses taxativamente
definidas na Carta Política -, mostra-se impregnado de múltiplas funções de
ordem político-jurídica, destinadas (a) a tornar efetiva a intangibilidade do
vínculo federativo, (b) a fazer respeitar a integridade territorial das unidades
federadas, (c) a promover a unidade do Estado Federal e (d) a preservar a
incolumidade dos princípios fundamentais proclamados pela Constituição da
República.
A intervenção federal, na realidade, configura expressivo elemento de
estabilização da ordem normativa plasmada na Constituição da República. Élhe inerente a condição de instrumento de defesa dos postulados sobre os
quais se estrutura, em nosso País, a ordem republicano-federativa. “O instituto
da intervenção" - adverte ERNESTO LEME (“A Intervenção Federal nos
Estado”, p. 25, item n. 20, 2ª ed., 1930, RT) – “É (...) da essência do sistema
federativo”. Sem esse mecanismo de ordem político-jurídica, que assegura a
intangibilidade do pacto federal, “a União seria um nome vão. E as garantias e
vantagens, que a Federação deve proporcionar aos Estados e ao povo, se
reduziriam a simples miragem” (JOÃO BARBALHO, Constituição Federal
Brasileira – Comentários”, p. 31, 2ª ed., 1924, Rio de Janeiro, Briguiet e Cia.
Editores).
Cabe destacar, neste ponto, o magistério doutrinário, que, fundado na
necessidade de respeito ao princípio federativo, adverte sobre a
excepcionalidade da intervenção federal, em face do caráter extremamente
perturbador que assume qualquer interferência do Governo Federal nos
assuntos regionais e na esfera de autonomia dos Estados-membros (CARLOS
MAXIMILIANO, “Comentários à Constituição Brasileira”, p. 158, item n. 128,
3ª Ed., 1929, Globo; THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI, “A
Constituição Federal Comentada” vol. I/183, 3ª ed., 1956, Konfino; FÁVILA
RIBEIRO, “A Intervenção Federal nos Estados”, p. 48, tese de concurso,
1960, Editora Jurídica, Fortaleza).
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234
Não se pode perder de perspectiva a circunstância de que a intervenção
federal representa, ainda que transitoriamente, a própria negação da
autonomia institucional reconhecida aos Estados-membros pela Constituição
da República. Essa autonomia, que possui extração constitucional, configura
postulado fundamental peculiar à organização político-jurídica de qualquer
sistema Federativo, inclusive do sistema federativo vigente no Brasil. O poder
autônomo - que a ordem jurídico-constitucional atribuiu aos Estados-membros traduz um dos pressupostos conceituais inerentes à compreensão mesma do
federalismo.
Plenamente invocável, a tal propósito, o autorizado magistério do eminente
Professor JOSÉ AFONSO DA SILVA (“Curso de Direito Constitucional
Positivo”, p. 483, item n. 2, 20ª ed., 2002, Malheiros), cuja lição, no tema,
adverte:
Intervenção é antítese da autonomia. Por ela, afasta-se, momentaneamente,
a atuação autônoma do Estado, Distrito Federal ou Município que a tenha
sofrido. Uma vez que a Constituição assegura a essas entidades autonomia
como principio básico da forma de Estado adotada, decorre daí que a
intervenção é medida excepcional, e só há de ocorrer nos casos nela
taxativamente estabelecidos e indicados como exceção ao princípio da não
intervenção...”. (grifei)
Daí a estrita disciplina imposta pela Constituição ao instituto da intervenção
federal, cujos requisitos de admissibilidade foram por ela taxativamente
relacionados em “Numerus clausus”, em obséquio ao princípio maior da
autonomia das unidades federadas e em consideração ao caráter
absolutamente excepcional de que se reveste o ato interventivo. Essa
circunstância justifica, plenamente, a advertência constante do magistério
doutrinário de PONTES DE MIRANDA (“Comentários à Constituição de
1967”, tomo 2/198, 1967, RT), para quem “a intervenção nos Estadosmembros constitui, pelo menos, teoricamente, o ‘punctum dolens’ do Estado
Federal”.
Vê-se, portanto, que o tratamento restritivo, constitucionalmente dispensado
ao mecanismo da intervenção federal, impõe que não se ampliem as
hipóteses de sua incidência, cabendo, ao intérprete, identificar, no rol
exaustivo do art. 34 da Carta Política, os casos únicos que legitimam, em
nosso sistema jurídico, a decretação da intervenção federal nos Estadosmembros.
O estatuto constitucional brasileiro inclui, dentre as hipóteses de
admissibilidade da intervenção federal nos Estados-membros, a ocorrência de
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235
desrespeito ou de desobediência a ordem ou a decisão emanadas do Poder
Judiciário (CF, art. 34, VI, c/c o art. 36, II).
A exigência de respeito incondicional às decisões judiciais transitadas em
julgado traduz imposição constitucional justificada pelo princípio da
separação de poderes e fundada nos postulados que informam, em nosso
sistema jurídico, a própria concepção de Estado Democrático de Direito.
O dever de cumprir as decisões emanadas do Poder Judiciário, notadamente
nos casos em que a condenação judicial tem por destinatário o próprio Poder
Público, muito mais do que simples incumbência de ordem processual,
representa uma incontornável obrigação institucional a que não se pode
subtrair, sem justa razão, o aparelho de Estado, sob pena de grave
comprometimento dos princípios consagrados no texto da Constituição da
República, consoante esta Suprema Corte já teve o ensejo de advertir (RTJ
167/6-7, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno).
É por tal razão que a desobediência a ordem ou a decisão judicial pode
gerar, em nosso sistema jurídico, gravíssimas conseqüências, quer no plano
penal (CP, art. 319 e, DL n° 201/67, art. 1°, XIV), quer no âmbito políticoadministrativo (possibilidade de impeachment - Lei n° 1.079/50, art. 12, ns. 1,
2 e 4, c/c o art. 74, e DL n° 201/67, art. 4°, VII), quer, ainda, na esfera
institucional (decretabilidade de intervenção federal nos Estados-membros ou
em Municípios situados em Território Federal, ou de intervenção estadual
nos Municípios - CF, art. 34, VI, c/c o art. 35, IV).
Cabe verificar, pois, se se registra, no caso presente, situação
caracterizadora de desobediência a ordem judicial - que se qualifica como
pressuposto de legitimação da intervenção federal.
Torna-se essencial, portanto, constatar se ocorreu, na espécie, hipótese
configuradora de resistência ilícita, ou de injusto retardamento, ou, ainda, de
arbitrária oposição ao cumprimento de decisão judicial, que, de modo
irrecorrível, condenou, o Estado de São Paulo, a pagar débito de caráter
alimentar.
O Estado de São Paulo, embora enfatizando a sua disposição de satisfazer
os débitos que possui, cumprindo, assim, as decisões judiciais que o
condenaram, demonstrou - considerada a estrutura das despesas do Estado,
em face das receitas correntes líquidas estaduais - a sua incapacidade
material de solver as obrigações existentes, acentuando, a esse propósito,
que, verbis:
“No intuito de agilizar esses paramentos, empenhou-se o Governo do Estado,
como é público e notório, para que fosse editada medida legislativa que
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236
viabilizasse a utilização de depósitos judiciais para pagamento de precatórios
exclusivamente alimentares. Assim é que, por força da recente Lei Federal n°
10.482, de 3 de julho último (documento n° 2), regulamentada no âmbito do
Estado pelo Decreto n° 46.933, de 19 de julho do corrente ano (documento n°
3), tornou-se possível a destinação, já no mês de julho, de R$ 106.028.200, 02
(cento e seis milhões, vinte e oito mil, duzentos reais e dois centavos) para
pagamento de precatórios alimentares (documento n° 4), atingindo-se o total
pago de precatórios alimentares no ano de R$ 170.221.716,98 (cento e setenta
milhões, duzentos e vinte e um mil, setecentos e dezesseis reais e noventa e
oito centavos) (documento n° 5 e 6). Resta, ainda, dizer que, serão
repassados à Fazenda do Estado pela instituição depositária (Banco Nossa
Caixa S/A), neste mês de agosto e em setembro próximo, nos termos do §1°,
do artigo 1°, do Decreto Estadual n° 46.933, cerca de R$ 202.000.000,00
(duzentos e dois milhões de reais), o que elevará, nos próximos meses os
pagamentos de precatórios alimentares a mais de R$ 370.000.000,00
(trezentos e setenta milhões de reais), devendo-se fechar o ano com um
número superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais), ou seja,
mais de 10% da dívida total estimada.
É de se consignar, de outra parte, que também nos anos anteriores, a partir
de 1995, quando assumiu a Chefia do Executivo paulista o saudoso
Governador Mário Covas, foram destinadas importâncias expressivas para
pagamento de precatórios, alimentares e não alimentares, no limite das
possibilidades financeiras do tesouro, como bem mostra o anexo documento
n.° 7, totalizando, até o mês de julho deste ano, quase 4 bilhões de reais de
precatórios pagos.
...................................................................................................................
Que sentido, pois, teria requisitar esse Pretório Excelso a intervenção federal
no Estado de São Paulo, com o afastamento de autoridade legitimamente
investida na Chefia do Executivo e a designação de um interventor que NADA
PODERIA FAZER PARA EQUACIONAR O PROBLEMA DA DÍVIDA COM
PRECATÓRIOS ALIMENTARES QUE NÃO ESTEJA SENDO FEITO? Salvo
se, ad argumentandum, optasse a cogitada interventoria por quitar, de pronto,
toda a dívida pendente com precatórios alimentares, observada
necessariamente a ordem cronológica dos ofícios, MESMO COM O
SACRIFÍCIO DE OUTRAS IMPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS, em alguns
casos, aliás, legitimando novos pedidos de intervenção federal no Estado,
embora por fundamento diverso (art. 34, V e VII, e, da CF).” (grifei)
O que me parece irrecusável, Senhor Presidente, e consideradas as razões
expostas pelo Estado de São Paulo, é que, para os fins a que se refere o art.
34, VI, c/c o art. 36, II, da Carta Política, a ordem constitucional brasileira não
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237
autoriza a intervenção federal, fundada em involuntária demora de
pagamento, motivada por falta ou insuficiência de recursos financeiros, pois como já enfatizou o Supremo Tribunal Federal, “Para justificar a intervenção,
não basta a demora de pagamento, na execução de ordem ou decisão
Judiciária, por falta de numerário: é necessário o intencional ou arbitrário
embaraço ou impedimento oposto a essa execução” (IF 20/MG, Rel. Min.
NELSON HUNGRIA, “in” Arquivo Judiciário, vol. 112/160-161 – grifei).
Esta Suprema Corte, ao recusar a possibilidade jurídico-constitucional de
intervenção federal no Estado-membro, por alegado descumprimento de
ordem ou decisão judicial, assim fundamentou o seu dictum, no julgamento
acima referido, consoante revela o voto do saudoso Ministro NELSON
HUNGRIA, então Relator da causa, nesta Corte, e cujas palavras reproduzo, in
extenso:
“Não padece dúvida que a intervenção autorizada pelo art. 7°, V, da
Constituição Federal tem como pressuposto a injustificada oposição, por
parece do Governo estadual, de embaraço ou impedimento à execução de
ordem ou decisão judiciária.
Não basta a demora, que pode ser justificada, na execução: é necessário que
se apresente uma desobediência manifesta, propositada ou por descaso, à
ordem ou decisão Judicial.
É o que já ensinava Barbalho, comentando o parágrafo 4° do art. 6° da
Constituição de 91: - a intervenção em tal caso se deve entender como uma
sanção para constranger à obediência os governos dos Estados, ‘quando
embaracem ou se oponham a execução’ das decisões Judiciais
(‘Constituição Federal Brasileira’, pg. 27).
No mesmo sentido, Pontes de Miranda, comentando a atual Constituição: - ‘há
intervenção sempre que se impede a eficácia da sentença, decisão ou ordem’
(‘Comentários à Constituição de 1946’, ed. 1953, vol. 1°, pg. 486).
É preciso que um desarrazoado obstáculo tenha sido oposto pelo Governo
estadual à execução da decisão ou ordem.
Ora, no caso vertente, o retardamento na execução não promana de obstáculo
criado pelo Governador mineiro, mas da acidental exaustão atual do erário do
Estado.” (grifei)
Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, peço vênia para
indeferir o pedido de intervenção federal no Estado de São Paulo.
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238
É o meu voto.
VOTO
O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES - Com a devida vênia de V. Exa.,
acompanho o eminente Ministro Gilmar Mendes, indeferindo o pedido de
intervenção.
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9- INTERVENÇÃO FEDERAL Nº 2915-5/SP
Data da Decisão: 03/02/2003.
Relator: Min. Marco Aurélio p/acórdão Min. Gilmar Mendes.
Tipo de Ação: Intervenção Federal.
Modalidade de Jurisdição: Originária.
Pólo Ativo: Nair de Andrade e Outros.
Pólo Passivo: Estado de São Paulo.
Órgão Judicante: Tribunal Pleno.
EMENTA: INTERVENÇÃO FEDERAL. 2. Precatórios judiciais. 3. Não
configuração de atuação dolosa e deliberada do Estado de São Paulo com
finalidade de não pagamento. 4. Estado sujeito a quadro de múltiplas
obrigações de idêntica hierarquia. Necessidade de garantir eficácia a outras
normas constitucionais, como, por exemplo, a continuidade de prestação de
serviços públicos. 5. A intervenção, como medida extrema, deve atender à
máxima da proporcionalidade. 6. Adoção da chamada relação de precedência
condicionada entre princípios constitucionais concorrentes. 7. Pedido de
intervenção indeferido.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – Nair de Andrade
e outros requerem o deferimento de intervenção federal no Estado de São
Paulo, diante do não-pagamento de valor requisitado em precatório que
envolve prestação de natureza alimentícia, expedido em 1997, para inclusão no
orçamento de 1998. O processo teve início em 1987.
Após ouvir o Governador do Estado e o Ministério Público, o Tribunal de
Justiça julgou procedente o pedido, determinando a remessa do processo a
esta Corte, o que ocorreu em maio de 2001.
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240
Solicitadas informações, manifestou-se o Governador, afirmando não ter sido
descumprida ordem judicial. É que, por ter caráter excepcional, a regra do art.
34 da Constituição Federal há de ser interpretada de forma restritiva, não
restando, na espécie, tipificada a conduta ali prevista, pois não ocorreu “dolo,
ou seja, vontade intencionalmente dirigida” para o descumprimento da ordem
judicial ou o não-pagamento dos precatórios. Ressalta que, ao assumir o
Governo, pendiam de pagamento precatórios que deveriam ter sido pagos pelo
governo anterior, estando as finanças públicas em situação caótica, pelo que
foi necessária a reorganização do orçamento do Estado. Aduz ter dado bons
resultados a gestão dos recursos públicos, permitindo “avanços consideráveis
no pagamento dos débitos do Estado decorrentes de decisões judiciais”.
Sustenta ter despendido quantia superior àquela que fora gasta nos oito anos
anteriores, com o pagamento de precatórios. Por outro lado, alega que o
precatório em questão é precedido de outros, também “com direito a
preferência. Discorre sobre a crise econômica que assola o país e atinge o
Estado e o particular, mas chama a atenção para o fato de o primeiro ter o
dever de promover o bem comum, custear a educação, a saúde, a habitação, a
segurança, gerar empregos para os cidadãos e manter em perfeito
funcionamento a máquina administrativa, não podendo sacrificar os interesses
de toda a sociedade para quitar precatórios acumulados. Reafirma não estar
deixando de cumprir de forma intencional, arbitrária ou desarrazoada a ordem
judicial. Ao contrário, tem envidado esforços para liquidar todos os precatórios,
mas esbarra na exaustão do erário.
A Procuradoria Geral da República opinou pela precedência do pedido de
intervenção.
Diante da passagem do tempo, despachei, à folha 385, intimado as partes a
manifestarem-se sobre eventual liquidação do débito.
Os requerentes, à folha 396 à 400, insistem no deferimento da intervenção,
pois não providenciado o pagamento do valor devido.
O Estado de São Paulo, por sua vez, reitera o teor das informações prestadas
pelo Governador, salientando não estar caracterizado o descumprimento de
ordem judicial que autorize a intervenção.
O Governador do Estado, convidado por esta Presidência a debater sobre o
tema dos precatórios atrasados, a fim de encontrar-se uma solução,
encaminhou ofício datado de 23 de abril de 2002, no qual noticia a satisfação
de precatórios de natureza alimentar e a previsão de continuar liquidando os
débitos, assim que aprovado, no Congresso, o projeto de lei que contém
permissão se os Estados utilizarem oitenta por cento dos depósitos judiciais
para quitar precatórios de natureza alimentar.
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241
Ouvidos, os requerentes esclareceram não ter sido alcançado pelo pagamento
mencionado pelo Governador o precatório que ensejou este pedido de
intervenção.
Em 12 deste mês, chegou ao gabinete petição na qual o Estado revela fatos
ligados à liquidação dos precatórios, o que resultou na seguinte informação da
Assessoria:
O Estado de São Paulo, requerido na intervenção mencionada, tendo em conta
a publicação da Lei n. 10.482, de 3 de julho de 2002, bem como do Decreto
Estadual n. 46.933, de 19 de julho passado, noticia quais as providências
tomadas, a fim de promover a liquidação dos precatórios alimentares atinentes
ao referido Estado.
No Decreto aludido, fora estabelecido que “o repasse da quantia
correspondente aos depósitos efetuados de 1º. 01.2001 até 03.07.2002 seria
feito em 3 (três) parcelas mensais,” tendo sido apurada a quantia de R$
101.284.597,84 (cento e um milhões, duzentos e oitenta e quatro mil,
quinhentos e noventa e sete reais e oitenta e quatro centavos), correspondente
à primeira.
Prossegue, destacando a antecipação de R$ 781.834,56 (setecentos e oitenta
e um mil e oitocentos e trinta e quatro reais e cinqüenta e seis centavos),
também, destinados ao pagamento dos débitos referentes aos precatórios.
Sendo assim, segundo o requerido, mais de R$ 200.000.000,00 (duzentos
milhões de reais) serão utilizados nos meses de agosto e setembro, na
solvência da obrigação citada.
Ressalta, ainda, ter sido efetuado o pagamento de “todos os precatórios de
natureza alimentar de até R$ 8.000,00 (valor fixado pela Constituição Federal)
no último dia 26 de julho”, consoante a documentação em anexo, elaborada
pela Coordenadoria de Precatórios da Procuradoria Geral do Estado de São
Paulo.
Assevera, outrossim, a ocorrência de quitação concernente a precatórios de
natureza comum, resultante do emprego de recursos financeiros oriundos da
receita ordinária estadual, indicando terem sido empregados R$
131.364.814,34 (cento e trinta e um milhões, trezentos e sessenta e quatro mil,
oitocentos e quatorze reais e trinta e quatro centavos) na liquidação dos
precatórios, somente nos meses de junho e julho de 2002.
Sustenta, ao fim, estar “lutando por todas as formas para a obtenção de novos
recursos, de modo a acelerar o resgate desse passivo”, ainda não realizado,
em virtude da impossibilidade material e jurídica existente, porquanto não seria
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242
possível o desvio de verbas imprescindíveis ao funcionamento dos demais
setores estatais.
Observe-se, apenas, ter sido incluída em pauta a intervenção federal citada, no
dia 25 de junho passado – Pauta de n. 24/2002.
Os requerentes pronunciaram-se salientando que o precatório objeto do pedido
de intervenção, de no. 991/98 na ordem cronológica, não tem perspectiva de
ser pago, de acordo com as informações do Procurador-Geral do Estado de
São Paulo. Destacam que, nos últimos sete anos, não houve a quitação
integral de nenhum precatório de natureza alimentar e que nada foi pago em
relação aos precatórios dos anos de 1998, 1999, 2000 e 2001. Ressaltam que
o valor pago no mês de junho decorreu da aprovação da Lei n. 10.482/2002.
Todavia a verba ficara aquém do valor prometido pelo Governador do Estado,
até porque o referido diploma legal restou desfigurado do projeto original,
“deixando de solucionar o grave problema dos precatórios alimentares, para
continuar beneficiando as instituições financeiras”. Asseveram que os duzentos
milhões de reais prometidos para os meses de agosto e setembro, também
decorrentes da Lei n. 10.482/2002, são insuficientes para a liquidação dos
precatórios de 1997.
Sustentam que o pagamento de precatórios de pequeno valor implicou a
exclusão de ações plúrimas, “tanto que nenhum dos participantes deste pedido
de intervenção federal tiveram seus créditos quitados, apesar de vários deles
terem quantias a receber inferiores a R$ 100,00 (cem reais)”.
Alegam que o Procurador-Geral do Estado conforma “a inversão total da ordem
constitucional ao afirmar que a Administração pretende pagar R$
600.000.000,00 (seiscentos milhões de reais), no corrente exercício, aos
precatórios não alimentares” e questionam qual seria o fundamento para se
subverter a prioridade constitucional. Por outro lado, apontam não pretenderem
o desvio de recursos necessários ao funcionamento do aparato estatal,
bastando que o Governador “destine a verba orçamentária para pagamento
dos precatórios de natureza alimentar”. Finalmente, asseveram que o cidadão
comum não tem a possibilidade de alegar a existência de outra dívida para se
furtar ao cumprimento de obrigação que tenha assumido.
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – Os esforços
desenvolvidos com o objetivo de solucionar a pendência não frutificaram.
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243
Contatos foram mantidos com o Chefe do Poder Executivo do Estado.
Reafirmou-se a impossibilidade de depósito do valor do precatório, ante a falta
de recursos. A ordem natural do processo desaguou, então, na inclusão em
pauta. O fenômeno ocorreu por força de um dever inerente ao ofício judicante,
e não considerado o disposto no § 5º do artigo 100 da Constituição Federal.
O Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo ou omissivo,
retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de precatório incorrerá em crime
de responsabilidade.
Aliás, há de fazer-se certo registro. A previsão constitucional resultou da
Emenda n. 30/2000, deixando de guardar sintonia com o dia-a-dia dos
tribunais.
A situação verificada relativamente à liquidação dos precatórios decorreu de
atos omissivos e comissivos, não dos Presidentes dos Tribunais, mas de
Governadores e Prefeitos. Logo, outros deveriam ser os destinatários da
norma.
Na oportunidade do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.
1.098, fiz consignar, em voto, a quadra então vivida, considerados os débitos
das Fazendas Públicas. O alcançou não só a origem do grande número de
precatórios pendentes de liquidação, como também o círculo vicioso notado a
partir da óptica segundo o qual impossível seria, na vigência da Constituição
Federal anterior, cogitar-se da inserção, no instrumento, do valor real. Vê-se
que a situação piorou a cada dia, perdendo os jurisdicionados a esperança na
liquidação dos débitos da Fazenda e nutrindo sentimento contrário ao primado
do Judiciário, à necessidade de respeito irrestrito às decisões imutáveis, não
mais sujeitas a recurso. Para assim concluir-se, é suficiente ter presente o
grande número de processos de intervenção existentes nesta Corte, fundados
na regra do artigo 34, inciso VI, da Constituição Federal, autorizadora da
intervenção nos Estados e no Distrito Federal, quando descumprida ordem ou
decisão judicial. A grosso modo, é dado constatar processos reveladores de
pedidos de intervenção, a maioria deles ligados a descumprimento de
precatórios, contra os seguintes Estados:
Alagoas – 1 processo;
Ceará – 17 processos;
Distrito Federal – 48 processos;
Espírito Santo – 10 processos;
Goiás – 10 processos;
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244
Mato Grosso – 10 processos;
Pará – 11 processos;
Paraná – 10 processos;
Rio de Janeiro – 8 processos;
Rio Grande do Sul – 176 processos;
Rondônia – 2 processos;
Santa Catarina – 111 processos;
São Paulo – 2.822 processos;
Tocantins – 16 processos.
Reitero o que consignado no referido voto.
Sob a égide da Constituição pretérita, estabeleceu-se quadro de extravagância
ímpar, considerada a relação jurídica mantida pelo Estado e credores, e a
liquidação de obrigações pecuniárias reconhecidas mediante provimento
judicial. A interpretação literal do preceito de regência dos precatórios, ou seja,
do art. 117, levou à conclusão de que os valores deles constantes, atualizados
em 1º de julho, seriam pagos, até o término do exercício subseqüente à
respectiva apresentação, na forma nominal. Decorreu daí, diante de inflação da
ordem de trinta por cento ao mês, um verdadeiro ciclo vicioso. O credor, ao ver
satisfeito o precatório, tinha a desventura de constatar a liquidação parcial do
débito da Fazenda a oscilar entre três a cinco por cento do total devido. O
direito reconhecido em sentença transitada em julgado transformava-se em
verdadeira pensão vitalícia, forçando o requerimento da expedição de novo
precatório, com sobrecarga para a máquina judiciária, no que perpetuadas as
execuções e, portanto, a tramitação dos processos. Iniludivelmente, tendo em
vista a busca da realização de obras e, também, a delimitação temporal dos
mandatos, proibida a reeleição, a sistemática consagrada jurisprudencialmente
acabou por levar a sucessivas e pouco planejadas desapropriações, não se
preocupando os governantes com a necessidade de conciliá-las com as
dotações orçamentárias e, destarte, com créditos abertos para tal fim.
Projetaram-se, com isso, as liquidações dos débitos, a alcançarem toda e
qualquer importância devida pela Fazenda Pública em razão de condenações
sofridas. A par do pernicioso critério homenageando o valor nominal em
detrimento do valor real, contavam ainda, as Fazendas, com a denominada
ciranda financeira. Os recursos eram aplicados no mercado, multiplicando-se
dia a dia. A “bola de neve” formou-se e aí, em visão prognostica, em face até
mesmo dos novos ares constitucionais, no sentindo de um maior equilíbrio na
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relação Estado-cidadão, o Constituinte de 1988, para ordenar o quadro e
extirpá-lo, fez inserir no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
preceito revelador de verdadeira moratória. Refiro-me ao artigo 33, segundo o
qual “ressalvados os créditos de natureza alimentar, o valor dos precatórios
judiciais pendentes de pagamento na data da promulgação da Constituição,
incluindo o remanescente de juros e correção monetária, poderá ser pago em
moeda corrente, com atualização, em prestações anuais, iguais e sucessivas,
no prazo máximo de oito anos, a partir de 1º de julho de 1989, por decisão
editada pelo Poder Executivo até cento e oitenta dias da promulgação da
Constituição”. Previu-se, mais, que “poderão as entidades devedoras, para o
cumprimento do disposto neste artigo, emitir, em cada ano, no exato montante
do dispêndio, títulos de dívida pública não computáveis para efeito do limite
global de endividamento”.
Da norma extraem-se várias premissas: a primeira diz respeito à exclusão dos
créditos de natureza alimentar, cuja razão de ser estava em afastar-se a
projeção no tempo, ou seja, o pagamento em oito prestações anuais iguais e
sucessivas. A segunda concerne ao caráter do dispositivo constitucional que,
mostrando-se transitório, aplicava-se apenas aos “precatórios judiciais
pendentes de pagamento na data da promulgação da Constituição”. A terceira
corre à conta de se ter feito estancar, como acabou por sedimentar esta Corte,
os juros, quer os decorrentes da mora, quer os compensatórios. A quarta
premissa implicou a desmistificação da esdrúxula tese do privilégio da Fazenda
Pública de ver projetada indefinidamente no tempo a satisfação dos respectivos
débitos. Em consonância com o corpo permanente da Carta, previu-se que as
parcelas seriam iguais e sucessivas, revelando-se, ainda, atualizadas, ou seja,
sem saber-se a percentagem alusiva à reposição do poder aquisitivo, impôs-se
a manutenção do poder da moeda, mesmo porque, não fosse assim, de nada
adiantaria o dispositivo constitucional. Neste ponto, o artigo 33 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias exsurgiu, à primeira hora, pedagógico,
afastando o desequilíbrio notado na relação jurídica credor-devedor e
colocando fim a verdadeiro calote oficial. Ao menos os credores existentes
tiveram a certeza do recebimento integral do crédito, e os futuros passaram a
contar com nova visão, a homenagear a realidade, o sistema jurídico
constitucional tomado como algo razoável, coerente, aceitável em um Estado
Democrático de Direito. Os precatórios pendentes de pagamento foram
alcançados, à mercê de definição do Poder Executivo, por regra excepcional,
buscando-se, assim, repita-se, sanear a situação verificada na totalidade dos
Estados federados, no Federal e também nos Municípios. Implica dizer que a
Carta de 1988 trouxe à balha, de forma salutar, contexto de normas
conducentes a concluir-se que, imposta condenação à pessoa jurídica de
direito público, via sentença judicial, ela é para valer, há de ser observada de
maneira irrestrita, devendo a quantia ser satisfeita de modo atualizado, embora
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contando a devedora com o interregno de dezoito meses para faze-lo, coisa
que nenhum devedor dispõe, no que se prevê, na execução que citado, deve
pagar a totalidade do valor em vinte e quatro horas, sob pena de seguirem-se
atos de constrição-penhora e praça pública. Imaginava-se, à época da
promulgação da carta de 1988, que haveria por parte dos Executivos um
cuidado maior na assunção de dívidas, especialmente aquelas decorrentes de
desapropriações. Ledo engano, Conforme consta das informações prestadas
pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, os precatórios posteriores a 1988
continuaram alcançando, ano a ano, a casa do milhar, oscilando entre cinco a
dez mil, isso apenas no Estado de São Paulo.
Ainda embrionária a visão segunda a qual os precatórios, uma vez satisfeitos,
hão de implicar a liquidação do débito, devendo, para isso, sofrer a incidência
da indispensável correção monetária, mais um fator surgiu, revelando possuir a
balança da vida dois pratos. De um lado, o Plano Real, que se seguiu a
diversos outros (Plano Delfim I, Plano Delfim II, Plano Delfim III, Plano
Dornelles, Plano Cruzado, Plano Bresser, Plano Arroz com Feijão, Plano
Verão, Plano Collor I, Plano Collor II, Plano Marcílio, etc.), mitigou, nos últimos
dois anos, a inflação. Reduzi-a substancialmente passando-se a ter, ao invés
de ter cerca de trinta por cento ao mês, algo pouco acima de um por cento. De
outro, deixou os Estados e Municípios sem a fonte de receita que era o
mercado financeiro e, portanto, a possibilidade de, jogando com o tempo, terem
considerável aporte de recursos. Mesmo a partir da esdrúxula insistência,
contrária à Carta Política da República, de liquidar os precatórios pelo valor
nominal e não real, vieram a constatar que, ao invés da obrigação de
pagamento girar em torno de dois a cinco por cento do débito, que estavam
compelidos a liquidar, teriam de satisfazer cerca de oitenta por cento. Isso
ocorreu passados cerca de seis anos da data em que os executivos em geral
tiveram facilitada, sobremaneira, a solução da problemática dos precatórios
pendentes em face da moratória do artigo 33 e da viabilidade de emissão de
títulos da dívida pública não computáveis para efeito do limite global de
endividamento. A tudo isso, acrescem os problemas ligados à distribuição
tributária – os grandes e médios Municípios estão muito bem – e o inchaço da
folha de pessoal, agravado com o desrespeito ao teto constitucional, via,
especialmente, a ingênua óptica da desconsideração das vantagens pessoais.
Com desassombro é dado perceber o motivo da esperança depositada, pelo
Estado de São Paulo, no desfecho desta ação direta de inconstitucionalidade.
Ele salta aos olhos. A insolvência dos Estados da Federação é flagrante. Nem
por isso tem-se como aberta a porta ao menoscabo dos princípios insertos na
Carta de 1988. Sem potencializar-se os inúmeros pedidos de intervenção, hoje
sobre os largos ombros deste Tribunal, único fato novo surgido após o exame
do pedido de liminar, inidôneo, de qualquer forma. À definição da pecha
atribuída às normas que serão analisadas, há de perquirir-se a harmonia dos
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preceitos atacados, mediante esta ação direta de inconstitucionalidade, com os
artigos da Carta da República, empolgados pelo Requerente e, aí dizer-se da
procedência, ou não, do pedido formulado. Descabe, também, considerar-se,
para aferição da constitucionalidade das normas a aplicação que vem
merecendo no âmbito organizacional do Tribunal de Justiça. O julgamento da
ação direta de inconstitucionalidade não leva em conta situações concretas a
serem dirimidas na via apropriada. Examina-se a compatibilidade constitucional
a partir do caráter abstrato da norma. Da mesma forma, há de proceder-se
diante da necessidade de buscar-se solução para o quadro de insolvência
supra referido. O caráter político do julgamento da ação direta de
inconstitucionalidade sofre limitação decorrente da supremacia da Carta
Federal, sob pena de vir à balha, em prejuízo de toda a sociedade e dos
avanços no campo democrático, a insegurança. O Estado não pode contar com
o privilégio de editar a lei, aplicá-la e vê-la sopesada pelo Judiciário ao sabor
de política governamental, a partir de óptica tendenciosa, sempre isolada e
momentânea, sempre a revelar o oportunismo de plantão. Ao Estado-Juiz,
especialmente ao Supremo Tribunal Federal, cumpre, em razão de
compromisso maior – e a história é cobradora infatigável – zelar pela
intangibilidade da ordem jurídico-constitucional, pouco importando que, assim o
fazendo, seja incompreendido. É de ser ter presentes as palavras de
Calamandrei, citado por Edgar de Moura Bittencourt em “O Juiz”, segundo
quais há mais coragem e ser justo, parecendo injusto, do que ser injusto para
salvaguardar as aparências de justiça. Os incautos, os míopes, os pobres de
espírito democrático, não esperem do Supremo Tribunal Federal atitude
acomodadora, por mais convidativa que seja a quadra, já que se afigura, na
concepção da Carta da República, como o Juiz maior da Federação, não se lhe
sendo opostos óbices ao cumprimento do dever constitucional de assegurar a
intangibilidade da ordem jurídica.
Frente a tais premissas e salientando, mais uma vez, a crença na máxima de
que, em sendo o Direito uma ciência, o meio justifica o fim, e não este, aquele,
passo ao exame dos diversos dispositivos atacados.
Saliento, mais a impossibilidade de dizer-se inviável a intervenção, considerada
a natureza dos atos praticados em razão do precatório e a insuficiência de
recursos. Quanto a esta argumentação, surge a improcedência jurídica. A teor
do disposto no artigo 100 da Constituição Federal, é obrigatória a inclusão, no
orçamento das entidades de direito de público, de verba necessária ao
pagamento de seus débitos constantes de precatórios, apresentados até 1º de
julho. A intervenção visa, acima de tudo, à supremacia da Constituição Federal,
ao saneamento do quadro, devendo atuar administrador diverso daquele que
ocupa a chefia do Poder Executivo. A um só tempo, tem cunho satisfatório,
quanto ao cumprimento da ordem ou decisão judicial, e saneador, sinalizando,
de forma exemplar, a necessidade de serem observados os parâmetros
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próprios a um Estado Democrático de Direito, no qual, não há como deixar de
ter o primado do Judiciário, a eficácia a partir de medidas coercitivas, das
decisões prolatadas. Sem uma efetividade maior, vinga a babel, a insegurança
jurídica, levando aos cidadãos a verdadeiro retrocesso, no que, com a falência
do Poder, buscando a satisfação dos respectivos direitos substanciais por
outros meios. Ao invés de restabelecer-se a paz social momentaneamente
abalada, dar-se-á o agravamento da situação.
Devem ser salientados aspectos quanto à causa de intervenção, que é alusiva
ao desrespeito a ordem ou decisão judicial, em vista do instituto do precatório.
A Constituição Federal de 1891 mostrou-se de contornos limitados. Mediante o
item IV do artigo 6º, previa-se que o Governo Federal poderia intervir em
negócios peculiares aos Estados “para assegurar a execução das leis e das
sentenças federais.” A Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926 não
modificou essa cláusula. Foi ela mantida, já então sob o inciso IV, “para
assegurar a execução das leis e sentenças federais e reorganizar as finanças
do Estado, cuja incapacidade para a vida autônoma se demonstrar, pela
cessação de pagamentos de sua dívida fundada, por mais de dois anos”.
Destarte, nota-se a restrição quanto às sentenças – somente as federais
descumpridas ensejavam a intervenção. A Constituição Federal de 1934 veio a
dar maior extensão à cláusula autorizadora da intervenção nos negócios do
Estado, abrangendo expressões que não podem ser tidas como sinônimos:
Art. 12 A União não intervirá em negócios peculiares aos Estados, salvo:
VII para execução de ordens e decisões dos juízes e tribunais federais;
Percebe-se, portanto, o abandono da palavra “sentença”, ou seja, do vocábulo
revelador do ato processual final dos processos. Entrementes a possibilidade
de intervenção por descumprimento de ordens e decisões dos juízes e tribunais
ficou limitada à esfera federal, não alcançando, assim, decisões da justiça
estadual. Essa previsão perdurou até 1937, quando veio à balha nova Carta e,
aí, voltou-se à disciplina de 1891:
Art. 9º O Governo Federal intervirá nos Estados, mediante a nomeação, pelo
Presidente da República, de um interventor que assumirá no Estado as funções
que, pela sua constituição, competirem ao Poder Executivo, ou as que, de
acordo com as conveniências e necessidade de cada caso, lhe forem
atribuídas pelo Presidente da República:
f) para assegurar a execução das leis e sentenças federais;
Então, observa-se, como já consignado, o retorno à disciplina pretérita, mais
uma vez limitando-se a possibilidade de intervenção ao descumprimento de
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sentenças emanadas de órgãos federais. A Carta de 1946, de nítido cunho
democrático, uma Carta, tal como as de 1891,1934 e 1988, popular, a
homenagear a supremacia do Judiciário e a atuação deste como indispensável
ao Estado Democrático de Direito, veio a reintroduzir, no cenário constitucional,
a regra da Constituição de 1934, fazendo-o sem a especificidade alusiva à
natureza do órgão judiciário prolator da decisão (gênero) descumprida – se
federal ou estadual. Portanto, houve verdadeiro avanço, emprestando-se, sob o
argumento da intervenção, valia a ordem e decisões judiciárias, sem se
distinguir a origem:
Art. 7º. O Governo Federal não intervirá nos Estados, salvo para:
V) assegurar a execução de ordem ou decisões judiciárias;
A Constituição Federal de 1967, embora outorgada, repetiu a cláusula da Carta
Anterior, ao dispor, no inciso VI do artigo 10, competir à União a intervenção
nos Estados para “prover a execução de lei federal, ordem ou decisão
judiciária...”
Também a Constituição de 1969 tomou de empréstimo a regência inaugurada
com a Carta de 1946, ao prever, no inciso VI do artigo 10, a possibilidade de a
União intervir nos Estados para “prover a execução de lei federal, ordem ou
decisão judiciária...”
Com a Carta de 1988, deu-se novo alargamento da matéria. Em vez de fazerse referência a decisão judiciária, a pressupor, assim, ato de jurisdição,
jurisdicionalizado, propriamente dito, aludiu-se ao gênero “decisão judicial” e,
mesmo assim, sem se extirpar, como móvel da intervenção, o descumprimento
de ordem judicial. Eis como está redigido o preceito hoje em vigor:
Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
VI – prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;
Forçoso é concluir pela abrangência da cláusula autorizadora da intervenção.
Ainda na vigência da Constituição pretérita, Pontes de Miranda, em
“Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda no. 1, de 1969”, fez ver
que, por “ordem”, deve-se entender “qualquer comandamento ou mandado”, e,
por “decisão, “qualquer resolução, que se haja de executar” (página 244). A
medida extravagante é ditada pela cláusula reveladora dos alicerces da União,
a da existência de Poderes independentes e harmônicos entre si – o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Mais do que isso, encerra-se meio de
manter-se o respeito ao Judiciário, os parâmetros próprios a um Estado
Democrático de Direito, tornando regra eficaz a garantia constitucional de
acesso, para ver-se restabelecida a ordem jurídica, no que abalada por
ameaça ou lesão a direito individual – inciso XXXV do artigo 5º. Ademais, é
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corolário da atuação jurisdicional como ato de soberania. De nada adiantaria
ter-se a atuação do Estado-Juiz caso os atos processuais por ele formalizados,
fossem ordens judiciais ou sentenças e acórdãos, não possuíssem
implicitamente uma sanção, uma fórmula de chegar-se ao respeito absoluto,
mormente por aquele de quem se espera postura exemplar, como é o Estado,
a nortear a conduta do cidadão.
Destarte, pouco importa que a ordem judicial descumprida tenha caráter
administrativo. Aliás, a assim não se compreender, o Estado, sem receio de
intervenção, poderia vir a descumprir sentenças transitadas em julgado. É que
a execução prevista no texto constitucional faz-se mediante precatório, e este,
como proclamado pelo Tribunal em inúmeros processos, uma vez suscitado
incidente, deságua em decisão de cunho administrativo. Nem por isso é dado
desvincular o que decidido pelo Presidente do Tribunal no cumprimento do
precatório, ao dirimir questão surgida, do título-base, do título executivo judicial
a que objetiva tornar eficaz.
A hipótese dos autos é, assim, mais favorável do que aquela que motivou o
deferimento do pedido de intervenção no Estado de Goiás e que veio a ser
autuado sob o n. 94-7, quando este Plenário, a uma só voz, proclamou:
Ordem ou decisão judiciária a que alude a parte final do inciso IV do artigo 10
da Constituição Federal é expressão que abarca qualquer ordem judicial e não
apenas as que digam respeito a sentenças transitadas em julgado.
O Relator no acórdão que veio a ser publicado no Diário de Justiça de 3 de
abril de 1987, fez ver:
A interpretação dada pela Procuradoria Geral da República à parte final do
inciso VI do artigo 10 da Constituição Federal (o qual estabelece, como caso de
intervenção federal, o de ser necessário “prover lei federal, ordem ou decisão
judiciária”) no sentido de que essa ordem seria apenas resultante de sentença
e que a sentença deve ser definitiva sem estar sujeita a reforma ou suspensão,
é manifestamente improcedente.
Para sustentá-la CLÁUDIO PACHECO teve de invocar passagem de RUI
BARBOSA relativa ao texto constitucional de 1891(art. 6º, §4º) que só aludia,
como caso de intervenção, a falta de execução das leis “e sentenças federais”,
e passagem essa em que RUI afirmava (o que não o impediu de mais tarde
defender o contrário) que decisão em hábeas corpus não era sentença.
Se a Constituição presentemente – e isso ocorre desde da de 1946 – alude a
“ordem ou decisão judiciária”, e se a finalidade do dispositivo constitucional é
inequivocadamente a da preservação do cumprimento das ordens e das
decisões do Poder Judiciário, que é Poder desarmado, não há dúvida alguma
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de que essas expressões não podem ser tomadas com restrições que acabam
por deixar o cumprimento delas, em virtude de resistência ilícita da parte a
quem se dirigem ao arbítrio do Poder Executivo estadual. Para a distribuição da
justiça, é absolutamente indispensável o cumprimento de qualquer ordem
judicial, e não apenas daquelas que digam respeito a sentenças transitadas em
julgado. Por isso mesmo, interpretando o texto constitucional vigente, acentua
PONTES DE MIRANDA (Comentário à Constituição de 1967 com a Emenda
no. 1, de 1969, tomo II, pág. 227).
ORDEM E DECISÃO JUDICIÁRIAS, - Ordem; entenda-se: qualquer
comandamento ou mandado. Judiciária. Proveniente da Justiça, e não só dos
Juízes. Em vez de ordem ou decisão judicial, o texto pôs: ordem ou decisão
judiciária. Se alguém, que é órgão da Justiça, ainda que não seja juiz, pode
“dar ordem” e “decidir”, a sua ordem ou a sua decisão, é inclusa num desses
dois conceitos.
Decisão; entenda-se: qualquer resolução, que se haja de executar”.
Então, concluiu o relator, o Ministro Moreira Alves, que, no caso, havia
mandado judicial com requisição de força para que fosse desocupado certo
imóvel. O acórdão restou prolatado em 19 de dezembro de 1986 e, à época, a
Carta em vigor não aludia sequer a ordem judicial, mas a ordem judiciária.
Participavam do julgamento os ministros Moreira Alves – relator -, Rafael
Mayer, Néri da Silveira, Aldir Passarinho, Sydney Sanches, Octavio Gallotti,
Carlos Madeira e Célio Borja.
Tem-se, assim, o envolvimento da hipótese agasalhada pelo texto
constitucional autorizadora do pedido de intervenção. A determinação de
depósito atinente a precatório consubstancia ordem judicial e, mais do que
isso, tem a respaldá-la, considerada a presunção da razoabilidade, o título
executivo.
Resta o exame da situação concreta destes autos e, portanto, do
enquadramento, ou não, do pedido formulado no permissivo constitucional. A
inicial mostra-se adequada. Revela requerimento por parte legítima,
devidamente representada, com causa de pedir e pedido, havendo passado
pelo crivo do Tribunal de Justiça do Estado.
Na espécie, os requerentes litigaram durante longos onze anos, vindo a pleitear
a intervenção em outubro de 1999. Os créditos são de natureza alimentar. Vale
dizer, têm, na essência, o objetivo de prover a subsistência de cada qual e das
respectivas famílias. O Estado exauriu os meios de defesa, visando à
demonstração da improcedência do pleito. Findou derrotado. Sucumbiu na
demanda. Mesmo em face do trânsito em julgado e do fato de haver contado
com dezoito meses para a liquidação do débito, isso após a expedição do
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precatório, não o fez, certamente esperançoso na prevalência do argumento da
autoridade, do argumento, inaceitável, da deficiência de caixa, em que pese a
circunstância de ser o maior Estado da Federação. A rigor, não deveria sequer
contar com a dilação própria aos precatórios. Em bom vernáculo, o artigo 100
afasta desse sistema de execução os créditos de natureza alimentícia. Confirase com o preceito:
À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela
Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, farse-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e
à conta dos créditos respectivos, proibida da designação de casos ou de
pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para
este fim.
A interpretação do texto constitucional desaguou, no entanto, no
estabelecimento de uma nova ordem de preferência, afastada ficando a
exclusão prevista no citado artigo. Ainda bem que esse enfoque não
prevaleceu na definição do alcance do artigo 33 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, talvez quem sabe por nele haver-se utilizado, em
vez de vocábulo “exceção”, a palavra “ressalvados”. O mesmo ocorreu com a
Emenda n. 30, abandonando-se a forma primitiva adotada no corpo
permanente da Carta e repetindo-se a que veio a ser tomada como excludente
dos créditos alimentícios.
E o que alega, no caso, o Estado? Que deve, deixando assim de enveredar por
caminho tortuoso. Entretanto evoca a ladainha de sempre – a ausência de
recursos, em menosprezo à regra do § 1º do artigo 100 da Carta:
Art. 100 (...)
§ 1º . É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público,
de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças
transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até
1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando
terão seus valores atualizados monetariamente.
Em síntese, pretende valer-se do vezo popular, da postura do mau pagador –
devo, não nego; pagarei quando puder. As razões por último apresentadas não
vingam. O elemento subjetivo que é o dolo mostra-se neutro para se definir a
procedência, ou não, do pedido de intervenção. Pouco importa que o Estado,
mediante a atuação do Executiva, não proceda com a intenção de postergar
com a liquidação do precatório. Cumpre saber, tão-somente, se na espécie
ocorre o descumprimento de decisão judicial, fator objetivo resultante do vício
da negligência, da falta de respeito irrestrito à ordem jurídica em vigor. A
intenção em si afigura-se estranha ao julgamento da intervenção.
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Quanto à lei viabilizadora da utilização dos depósitos judiciais e extrajudiciais
relativos a tributos – Lei n. 10.482, de 3 de julho de 2002 - , considerem-se
dados que a ditaram e o alcance revelado. A Emenda n. 30, de setembro de
2000, ao introduzir nas Disposições Transitórias da Constituição o artigo 78,
excluiu do campo de aplicação, é certo, os créditos definidos em lei como de
pequeno valor e, de forma abrangente, os de natureza alimentícia, parcelando
em dez anos a satisfação dos comuns. Qual foi a conseqüência prática do novo
texto? A visão pragmática do Executivo resultou na inversão de valores. O
privilégio do crédito alimentício veio a ser alijado. É simples: a nova disposição
constitucional trouxe à balha o instituto do seqüestro com amplitude maior.
Ante o texto permanente da Constituição, apenas pode ser acionado uma vez
verificada a preterição, a desobediência à ordem cronológica dos precatórios,
beneficiando-se credor em detrimento de outrem - §2º do artigo 100. Pela
disposição transitória, verificada a ausência de inclusão de valor no orçamento,
preterição ou inadimplemento relativo a qualquer das dez prestações, possível
é o seqüestro de recursos financeiros da entidade executada - §4º doa rtigo 78.
Logo, em face desse salutar meio de coerção, os esforços do Executivo
direcionam-se, em prejuízo da satisfação dos créditos preferenciais – os
alimentares -, ao pagamento dos comuns.
Então, ocorreu a idéia de utilizaram-se, no pagamento exclusivo dos créditos
de natureza alimentícia, os depósitos. O projeto inicial, expungida a previsão de
uso preferencial dos citados depósitos para tal fim, no que substituída a
cláusula pela reveladora da exclusividade, alcançava, independentemente da
vontade dos estabelecimentos bancários, oitenta por cento dos existentes e
futuros, ficando os restantes vinte por cento como fundo de reserva a fim de
atender a alvarás de levantamento, na hipótese de sucumbência da Fazenda.
A Câmara dos Deputados aprovou, de urgência, o Projeto Arnaldo Madeira tal
como apresentado. A esperança na mitigação, simples mitigação, do problema
persistiu por pouco tempo. Assustaram-se os estabelecimentos bancários no
que perderiam verdadeiro filão, a disponibilidade de vultuoso numerário
captado a preço muito inferior aos acessórios cobrados daqueles que viessem
a tomá-lo por empréstimo. O substitutivo Romeu Tuma esvaziou o Projeto ao
prever:
a) a utilização, a critério dos estabelecimentos depositários, de cinqüenta por
cento dos depósitos e, mesmo assim, dos realizados a partir de janeiro de
2001;
b)relativamente aos novos depósitos, a destinação, também, da percentagem
não de oitenta por cento, mas de cinqüenta por cento;
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c)a constituição do fundo de reserva de vinte por cento, no mínimo,
considerados os cinqüenta por cento repassados, diminuindo-os, portanto, a
quarenta por cento;
d)a chamada do Estado para complementar, se necessário, o fundo de reserva,
incólume a disponibilidade dos bancos.
Daí a inarredável conclusão. Ao beneficiar-se o “sistema financeiro”, os bancos,
em detrimento do fim inicialmente visado com o Projeto Arnaldo Madeira – de
viabilizar avanço na liquidação dos precatórios ditos alimentares -, afastou-se
do cenário jurídico algo esperado e que poderia, quem sabe, evitar o
julgamento de milhares de pedidos de intervenção.
O aceno do Estado requerido é insatisfatório, presente a circunstância de haver
alcançado apenas a liquidação de pendências surgidas em 1996 – ano da
expedição dos precatórios – e, assim, inadimplementos configurados no
exercício de 1997. A ordem natural das coisas, cuja força é insuplantável,
escancara continuarem pendentes os precatórios expedidos em
1997,1998,1999,2000, 2001 e, já agora, 2002. Os títulos judiciais que os
respaldam, cobertos pela preclusão recursal após a passagem de alguns anos
da tramitação dos processos, continuam desrespeitados. O fato implica
verdadeiro paradoxo. O particular citado, na execução, tem vinte e quatro horas
para satisfazê-la, sob pena de ver penhorados bens e levados à praça. O
Estado, contando não com prazo fixado em horas, mas considerada a unidade
de tempo ano – dezoito meses – mesmo assim não observa as decisões
judiciais cujo conteúdo seja a obrigação de dar. Pleitear, a esta altura, mais
tempo é um escárnio.
Concluo, então:
O Judiciário não prolata sentenças simplesmente formais, sentenças que, sob
o ângulo do conteúdo, mostram-se inúteis. É ele o responsável final pelo
restabelecimento da paz social provisoriamente abalada, pela prevalência do
arcabouço normativo constitucional, pelo equilíbrio nesse embate Estadocidadão, evitando que forças direcionadas de forma momentânea e isolada
venham a prevalecer, em detrimento de interesses da coletividade. É certo que
o Estado tudo pode: legisla, executa as leis e julga os conflitos de interesses
decorrentes dessa execução. Que o faça com absoluta fidelidade às regras
geradoras da boa convivência na vida social democrática. Ocorrido o desvio de
conduta de um dos Poderes, cumpre afastá-lo, prevalecendo o sistema de
freios, e aí surge, com importância maior, o papel do Judiciário, ao qual, no
Estado de Direito, cabe a última palavra sobre o conflito. Não lhe é dado
silenciar, contemporizar o que, a mais não poder, discrepa das comezinhas
noções da atuação estatal, respaldando atitude que, em relação a credores,
implica tripudiar, resulta em menosprezo. A falta de celeridade nas decisões
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judiciais não pode servir ao respectivo descumprimento. Mas é esse o
sentimento que predomina. Constantemente os veículos de comunicação
retratam a rebeldia de dignitários relativamente a decisões judiciais. Afirmamse, com absoluto desprezo à responsabilidade maior, que não se cumprirá esta
ou aquela decisão, pouco importando, até mesmo, que seja originário do
Supremo Tribunal Federal e se mostre coberta pela preclusão. Parte-se da
óptica: recorram ao Judiciário e esperem. Será essa uma sentença final? No
momento em que oitenta por cento das ações que chegam aos tribunais
superiores envolvam o Estado, partir-se, quanto aos débitos deste, retratados
em sentenças judiciais, em precatórios, em requisições para a teoria do
“homem da mala” ou do “trem pagador”, sem os quais não cabe deferir
intervenção, é aceitar que o tempo e a ordem jurídica consagrem a atitude dos
inadimplentes e protejam não só o Estado devedor, mas também o Estado
contumaz no descumprimento de decisões judiciais, como se estas existissem
para atender não aos anseios de justiça do próprio povo, mas simples
formalidade. Continuo acreditando que o exemplo a ser seguido, o bom
exemplo, vem de cima; persevero na crença no Direito, no caráter perene dos
princípios que o respaldam, na prevalência da Constituição com lei
fundamental, nada justificando o abandono, o menoscabo de que vem sendo
alvo. É hora do Judiciário definir-se: ou bem zela pelo dever de guardião
máximo da ordem jurídica, ou se mostra sensível a atitudes que desta
discrepam, e aí como responsável pelo atual estado de coisas, que pode ser
retratado em quando estarrecedor quanto aos precatórios que vêm, nos
diversos Estados, sendo liquidados, isso considerada a data de expedição.
Julgo procedente o pedido formulado, para que seja requisitada, nos termos do
artigo 36, inciso II, da Constituição Federal, a intervenção no Estado de São
Paulo.
Da mesma forma, descabe agasalhar o elemento subjetivo, ou seja, a óptica
segundo a qual não basta o simples descumprimento de decisão judicial para
ter-se como aberta a via da intervenção, sendo necessário demonstrar a culpa
ou o dolo na ausência de liquidação do precatório. Essa condição é estranha à
ordem jurídica, mesmo porque não é crível que, havendo numerário para o
pagamento, deixe a pessoa jurídica de direito público de implementá-lo.
Prevalece o critério objetivo, o não cumprimento da ordem judicial, a
inobservância do título executivo judicial, pouco importando saber a causa.
Entendimento diverso implica, diante de definições políticas de gastos, ofensa
ao primado do Judiciário, à certeza da valia dos julgamentos. O Estado vê-se
sempre diante de dificuldades de caixa, sendo presumível, assim, a contumácia
no descumprimento das obrigações pecuniárias estampadas em sentença.
É como voto.
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VOTO
O Senhor Ministro Gilmar Mendes: Em nosso sistema federativo, o regime de
intervenção representa excepcional e temporária relativização do princípio
básico da autonomia dos Estados. A regra, entre nós, é a não-intervenção, tal
como se extrai com facilidade do disposto no caput do art. 34 da Constituição,
quando diz que “a União não intervirá nem no Distrito Federal, exceto para:
(...)”.
Com maior rigor, pode-se afirmar que o princípio da não intervenção representa
sub-princípio concretizador do princípio da autonomia, e este, por sua vez,
constitui sub-princípio concretizador do princípio federativo, cabe lembra,
constitui não apenas princípio estruturante da organização política e territorial
do Estado brasileiro, mas também cláusula pétrea da Carta de 1988.
No processo de intervenção federal nos Estados e no Distrito Federal, verificase, de imediato, um conflito entre a posição da União, no sentido de garantir a
eficácia daqueles princípios constantes do art. 34 da Constituição, e a posição
dos Estados e do Distrito Federal, no sentido de assegurar sua prerrogativa
básica de autonomia. A primeira baliza para o eventual processo de
intervenção destinado a superar tal conflito encontra-se expressamente
estampada na Constituição, quando esta consigna a excepcionalidade da
medida interventiva.
Diante desse conflito de princípios constitucionais, considero adequada a
análise da legitimidade da intervenção a partir de sua conformidade ao
princípio constitucional da proporcionalidade.
O princípio da proporcionalidade, também denominado princípio do devido
processo legal em sentido substantivo, ou ainda, princípio da proibição do
excesso, constitui uma exigência positiva e material relacionada ao conteúdo
de atos restritivos de direitos fundamentais, de modo a estabelecer, um “limite
do limite” ou uma “proibição do excesso” na restrição de tais direitos, A máxima
da proporcionalidade, na expressão de Alexy, coincide igualmente com o
chamado núcleo essencial dos direitos fundamentais concebido de modo
relativo – tal como o defende o próprio Alexy. Nesse sentido, o princípio ou
máxima da proporcionalidade determina o limite último da possibilidade de
restrição legítima de determinado direito fundamental.
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A par dessa vinculação aos direitos fundamentais, o princípio da
proporcionalidade alcança as denominadas colisões de bens, valores ou
princípios constitucionais. Nesse contexto, as exigências dos princípios da
proporcionalidade representam um método geral para a solução de conflitos
entre princípios, isto é, um conflito entre normas que, ao contrário do conflito
entre regras, é resolvido não pela revogação ou redução teleológica de uma
das normas conflitantes nem pela explicitação de distinto campo de aplicação
entre as normas, mas antes e tão-somente pela ponderação do peso relativo
de cada uma das normas em tese aplicáveis e aptas a fundamentar decisões
em sentidos opostos. Nessa última hipótese, aplica-se o princípio da
proporcionalidade para estabelecer ponderações entre distintos bens
constitucionais.
Em síntese, a aplicação do princípio da proporcionalidade se dá quando
verificada restrição a determinado direito fundamental ou um conflito entre
distintos princípios constitucionais de modo a exigir que se estabeleça o peso
relativo de cada um dos direitos por meio da aplicação das máximas que
integram o mencionado princípio da proporcionalidade. São três as máximas
parciais do princípio da proporcionalidade: a adequação, a necessidade e a
proporcionalidade em sentido estrito. Tal como já sustentei em estudo sobre a
proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (“A
Proporcionalidade na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”, in Direitos
Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: Estudos de Direito
Constitucional, 2ª ed., Celso Bastos Editor: IBDC, São Paulo, 1999, p.72), há
de perquirir-se, na aplicação do princípio da proporcionalidade, se em face do
conflito entre dois bens constitucionais contrapostos, o ato impugnado afigurase adequado (isto é, apto para produzir o resultado desejado), necessário (isto
é, insubstituível por outro meio menos gravoso e igualmente eficaz) e
proporcional em sentido estrito (ou seja, se estabelece uma relação ponderada
entre o grau de restrição de um princípio e o grau de realização do princípio
contraposto).
Registre-se, por oportuno, que o princípio da proporcionalidade aplica-se a
todas as espécies de atos dos poderes públicos, de modo que vincula o
legislador, a administração e o judiciário, tal como lembra Canotilho (Direito
Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 2ª ed. , p. 264).
Cumpre assinalar, ademais, que a aplicação do princípio da proporcionalidade
em casos como o presente, em que há pretensão de atuação da União no
âmbito da autonomia de unidades federativas, é admitida no direito alemão.
Nesse sentido, registram Bruno Schmidt-Bleibtreu e Franz Klein, em
comentário ao art. 37 da Lei Fundamental, que “os meios da execução federal
(“Bundeszwang”) são estabelecidos pela Constituição, pelas leis federais e pelo
princípio da proporcionalidade” (“Die Mittel dês Bundeszwanges werden durch
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258
das Grundgesetz, die Bundesgesetze und da Prinzip der VerhältnismäBigkeit
bestimmt”, Kommentar zum Grundgesetz, 9ª Ed., Lucherhand, p. 765).
O exame da proporcionalidade, no caso em apreço, exige algumas
considerações sobre o contexto factual e normativo em que se insere a
presente discussão.
Desse modo, não podem ser desconsideradas as limitações econômicas que
condicionam a atuação do Estado quanto ao cumprimento das ordens judiciais
que fundamentam o presente pedido de intervenção. Nesse sentido, constam
do memorial apresentado pelo Estado de São Paulo, os seguintes dados,
verbis:
“...considerando-se as estimativas de arrecadação para o exercício corrente, as
despesas com o pessoal dos três Poderes do Estado deverão se situar em
torno de 58% das receitas correntes líquidas estaduais; os gastos com custeio,
que permite o funcionamento do aparato administrativo, incluindo-se certas
parcelas que compõem o percentual mínimo a ser aplicado no desenvolvimento
do ensino (art. 212 da CF) e nas ações e serviços públicos de saúde (art. 198,
2º, da CF), deverão atingir o montante de 19% das receitas correntes líquidas,
ao passo que o serviço da dívida junto à União consumirá aproximadamente,
12% daquelas receitas; há finalmente, os gastos com investimentos mínimos
indispensáveis para a simples manutenção do funcionamento de serviços
essenciais (rodovias estaduais operadas diretamente pelo Poder Público,
aparato de segurança pública, redes de ensino e de saúde, etc.), estimados em
9% das receitas correntes líquidas.”
E continua o Estado de São Paulo: “Excluídos os gastos apontados no item
anterior, o que resta de recursos são utilizados no pagamento de precatórios
judiciais, despesa essa estimada, para o ano de 2002 em cerca de 2% das
receitas correntes líquidas, vale dizer, algo em torno de R$ 750.000.000
(setecentos e cinqüenta milhões de reais).”
Como tenho afirmado, esse exame de dados concretos, ao invés de apenas
argumentos jurídicos, não é novidade no Direito comparado. No âmbito dos
reflexos econômicos da atividade jurisdicional, a experiência internacional tem,
assim, demonstrado que a proteção dos direitos fundamentais e a busca da
redução das desigualdades sociais necessariamente não se realizam sem a
reflexão acurada acerca de seu impacto.
Um caso paradigmático neste sentido é aquele em que a Corte Constitucional
alemã, na famosa decisão sobre “numerus clausus” de vagas nas
Universidades (“numerus-clausus Entscheidung”), reconheceu que pretensões
destinadas a criar os pressupostos fáticos necessários para o exercício de
determinado direito estão submetidas à “reserva do financiamento possível”
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259
(“Vorbehalt dês finansiellen Möglichen”). Nesse caso, segundo o Tribunal
alemão, não pode existir qualquer obrigação constitucional que faça incluir o
dever de, no sistema educacional, fornecer vagas a qualquer tempo e a
qualquer um que as pleiteie, exigindo altos investimentos destinados a suprir
demandas individuais sem qualquer consideração sobre o interesse coletivo.
(BVerfGE 33, 303 (333)).
Com efeito, não se pode exigir o pagamento da totalidade dos precatórios
relativos a créditos alimentares sem que, em contrapartida se estabeleça uma
análise sobre se tal pagamento encontra respaldo nos limites financeiros de um
Estado zeloso com suas obrigações constitucionais. Tanto é verdade que,
ainda que ocorra uma intervenção no Estado de São Paulo, o eventual
interventor terá que respeitar as mesmas normas constitucionais e limites
acima assinalados pelo referido Estado, contando, por conseguinte, com
apenas 2% das receitas líquidas para pagamento dos precatórios judiciais. Ao
interventor também será aplicável a reserva do financeiramente possível.
Já afirmei, em outras oportunidades, a real necessidade de que os órgãos
judicantes, ao julgarem questões intricadas analisem com a maior amplitude
possível informações e dados concretos para obterem uma interpretação
precisa.
Com esse objetivo, vale destacar que, conforme informações apresentadas
pela Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, este Estado vem atuando de
maneira bastante positiva no tocante ao pagamento dos precatórios judiciais.
Primeiramente, referido ente federado, atendendo ao disposto no art. 78 do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias, acrescido pela Emenda
Constitucional n. 30, de 13 de setembro de 2000, satisfez a totalidade do
primeiro décimo dos precatórios não alimentares no ano de 2001.
Ademais, por meio do Decreto Estadual n. 46.933, de 19 de julho de 2002, que
regulamentou a Lei Federal n. 10.482, de 3 de julho de 2002, destinou-se, no
próprio mês de julho, mais de R$ 100.000.000 (cem milhões de reais) para
pagamento de precatórios alimentares, perfazendo, neste ano (até o presente
momento), o total de R$ 170.221.716,98 (cento e setenta milhões, duzentos e
vinte e um mil, oitocentos e dezesseis reais e noventa e oito centavos) com
pagamento de precatórios alimentares.
Também, consoante dados fornecidos por aquela Procuradoria, serão
repassados à Fazenda Estadual, nos meses de agosto e setembro, cerca de
R$ 202.000.000 (duzentos e dois milhões de reais), o que resultará até o final
do ano no pagamento de mais de R$ 400.000.000 (quatrocentos milhões de
reais), ou seja, mais de 10% da dívida total estimada.
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260
Portanto, não resta configurada uma atuação dolosa e deliberada do Estado de
São Paulo com finalidade de não pagamento dos precatórios alimentares.
No caso em exame, a par de um quadro de impossibilidade financeira quanto
ao pagamento integral e imediato dos precatórios relativos a créditos de
natureza alimentícia, verifica-se a conduta inequívoca da unidade federativa no
sentido de honrar tais dívidas.
É evidente a obrigação constitucional quanto aos precatórios relativos a
créditos alimentícios, assim como o regime de exceção de tais créditos,
conforme a disciplina do art. 78 do ADCT. Mas também é inegável, tal como
demonstrado, que o Estado encontra-se sujeito a um quadro de múltiplas
obrigações de idêntica hierarquia.
Nesse quadro de conflito, assegurar, de modo irrestrito e imediato, a eficácia
da norma contida no art. 78 do ADCT, pode representar a eficácia a outras
normas constitucionais. Exemplo bastante ilustrativo é a obrigação dos Estados
no que se refere à educação e à saúde. Nos termos do art. 212 da
Constituição, os Estados estão obrigados a aplicar vinte e cinco por cento, no
mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de
transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. A Constituição
também prevê, no art. 198, §2º, a aplicação de recursos mínimos pelos
Estados na área de saúde. O descumprimento de tais obrigações, por óbvio,
representaria negativa de eficácia a normas constitucionais, bem como
implicaria a configuração de específica hipótese de intervenção federal. De
fato, ao RT. 34, VI, alínea “e”, prevê expressamente, como hipótese de
intervenção, a garantia da observância da “aplicação do mínimo exigido da
receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de
transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e
serviços públicos de saúde”.
Diante de tais circunstâncias, cumpre indagar se a medida extrema da
intervenção atende, no caso, às três máximas parciais da proporcionalidade.
É duvidosa, de imediato, a adequação da medida de intervenção. O eventual
Interventor, evidentemente, estará sujeito àquelas mesmas limitações factuais
e normativas a que está sujeita a Administração Pública do Estado. Poderá o
interventor, em nome do cumprimento do art. 78 do ADCT, ignorar as demais
obrigações constitucionais do Estado? Evidente que não. Por outro lado. É
inegável que as disponibilidades financeiras do regime de intervenção não
serão muito diferentes das condições atuais.
Enfim, resta evidente que a intervenção, no caso, sequer consegue ultrapassar
o exame de adequação, o que bastaria para demonstrar sua ausência de
proporcionalidade.
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261
Também é duvidoso que o regime de intervenção seja necessário, sob o
pressuposto de ausência de outro meio menos gravoso e igualmente eficaz.
Manter a condução da Administração estadual sob o comando de um
Governador democraticamente eleito, com a ressalva de que esteja o mesmo
atuando com boa-fé e com o inequívoco propósito de superar o quadro de
inadimplência, é inegavelmente medida menos gravosa que a ruptura na
condução administrativa do Estado. Pode-se presumir, ademais, que preservar
a chefia do Estado é igualmente eficaz à eventual administração por um
interventor, ou, ao menos, não se poderia afirmar, com segurança, que a
administração de um interventor, sujeito às inúmeras condicionantes já
apontadas, será mais eficaz que a atuação do Governador do Estado.
A intervenção não atende, por fim, ao requisito da proporcionalidade em
sentido estrito. Nesse plano, é necessário aferir a existência de proporção
entre o objetivo perseguido, qual seja o adimplemento de obrigações de
natureza alimentícia, e o ônus imposto ao atingido que, no caso, não é apenas
o Estado, mas também a própria sociedade. Não se contesta, por certo, a
especial relevância conferida pelo constituinte aos créditos de natureza
alimentícia. Todavia, é inegável que há inúmeros outros bens jurídicos de base
constitucional que estariam sacrificados na hipótese de uma intervenção
pautada por um objetivo de aplicação literal e irrestrita das normas que
determinam o pagamento imediato daqueles créditos.
Por fim, consideradas as peculiaridades do caso em exame, diante dos
princípios constitucionais que supostamente encontram-se em conflito, afigurase recomendável a adoção daquilo que a doutrina define como uma “relação de
precedência condicionada” entre os princípios concorrentes. Nesse sentido,
ensina Inocêncio Mártires Coelho:
“Por isso é que, diante das antinomias de princípios, quando em tese mais de
uma pauta lhe parecer aplicável à mesma situação de fato, ao invés de sentir
obrigado a escolher este ou aquele princípio, com exclusão de outros que,
prima facie, repute igualmente utilizáveis como norma de decisão, o intérprete
fará uma ponderação entre os Standards concorrentes – obviamente se todos
forem princípios válidos, pois só assim podem entrar em rota de colisão –
optando, afinal, por aquele que, nas circunstâncias, lhe pareça mais
adequado em termos de otimização de justiça.
Em outras palavras de Alexy, resolve-se esse conflito estabelecendo, entre os
princípios concorrentes, uma relação de precedência condicionada, na qual
se diz, sempre diante das peculiaridades do caso, em que condições um
princípio prevalece sobre o outro, sendo certo que, noutras circunstâncias, a
questão da precedência poderá resolver-se de maneira inversa.” (Coelho,
Inocêncio Mártires, Racionalidade Hermenêutica: Acertos e Equívocos, in: As
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262
Vertentes do Direito Constitucional Contemporâneo, Estudos em Homenagem
a Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Coord. Ives Gandra S. Martins, São Paulo,
América Jurídica, 2002, p. 363).
Estão claros, no caso, os princípios constitucionais em situação de confronto.
De um lado, em favor da intervenção, a proteção constitucional às decisões
judiciais, e de modo indireto, a posição subjetiva de particulares calcada no
direito de precedência dos créditos de natureza alimentícia. De outro lado, a
posição do Estado, no sentido de ver preservada sua prerrogativa
constitucional mais elementar, qual seja a sua autonomia, e, de modo indireto,
o interesse, não limitado ao ente federativo, de não se ver prejudicada a
continuidade da prestação de serviços públicos essenciais, como educação e
saúde.
Assim, a par da evidente ausência de proporcionalidade da intervenção para o
caso em exame, o que bastaria para afastar aquela medida extrema, o caráter
excepcional da intervenção, somado às circunstâncias já expostas
recomendam a precedência condicionada do princípio da autonomia dos
Estados.
Por fim , cabe aqui lembrar da pioneira decisão desta Corte sobre o tema ora
em discussão, em acórdão da relatoria do eminente Ministro Nelson Hungria
(IF n. 20, DJ de 15.07.1954).
Tratava-se de pedido de intervenção no Estado de Minas Gerais, que havia
alegado não poder efetivar a decisão judicial que embasou o apelo, não por
deliberado propósito de descumprir o requisitório, mas em razão de ocasional
falta d numerário.
Este Tribunal, por falta de unanimidade, reconheceu que: “Para justificar a
intervenção, não basta a demora no pagamento, na execução de ordem u
decisão judiciária, por falta de numerário: é necessário o intencional ou
arbitrário embaraço ou impedimento oposto a essa execução.”
Acrescentou o Ministro Nelson Hungria em seu voto: “Ora, no caso vertente, o
retardamento não promana de obstáculo criado pelo Governador mineiro, mas
da acidental exaustão atual do erário do Estado.”
O precedente desta Corte bem se aplica ao pedido de intervenção sob exame.
Com efeito, consoante as informações apresentadas pelo Estado de São
Paulo, este ente federativo tem sido diligente na tentativa de plena satisfação
dos precatórios judiciais. Encontra, contudo, obstáculos nas receitas
constitucionalmente vinculadas e na reserva do financeiramente possível. A ele
também se aplica a máxima invocada pelo Ministro Nelson Hungria: “Onde não
há, até rei perde.”
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263
Ressalta-se, porém, que não se está a atribuir uma imunidade aos Estados,
relativamente ao cumprimento ou não dos precatórios judiciais, sob pena de
absoluta inaplicabilidade do art. 78 do ADCT – o que certamente vai de
encontro à força normativa da Constituição -, com a conseqüente perda de
credibilidade das decisões proferidas pelo Poder Judiciário perante a sociedade
Brasileira.
O que se pretende é ultrapassar uma leitura simplista do texto constitucional,
sobretudo, quando se tem em mente que a regra é da autonomia do ente
federado.
Desse modo, enquanto o Estado de São Paulo se mantiver diligente na busca
de soluções para o cumprimento integral dos precatórios judiciais, não estarão
presentes os pressupostos para a intervenção federal ora solicitada. Em
sentido inverso, o Estado que assim não proceda estará sim, ilegitimamente,
descumprindo decisão judicial, atitude esta que não encontra amparo na
Constituição Federal.
Indefiro, pois, o pedido.
VOTO
A Senhora Ministra Ellen Gracie -: Sr. Presidente, com vênia de V. Exa,
também indefiro o pedido.
Todo o sistema de precatórios, tão salutar se consideramos a situação anterior,
vigorante até a Constituição de 1923, repousa em alguns princípios bascos: o
da igualdade democrática, igualdade de oportunidades no pagamento, e o
respeito à precedência cronológica de registro dessas requisições de
pagamento.
Talvez não tenha prestado a devida atenção, mas não ouvi a afirmativa de que
os requisitórios, que embasam os pedidos em julgamento, sejam os primeiros
da longa lista de credores alimentares do Estado de São Paulo. Essa é uma
primeira colocação que faço.
No entanto, não hesitaria em acompanhar V. Exa. se a solução preconizada
pelo eminente Ministro-Relator fosse útil à solução do grave problema que nos
é apresentado. O Tribunal tem grave responsabilidade: compete-lhe dar a cada
um o que é seu, buscando fórmulas que representem uma verdadeira iniciativa
conducente ao objetivo do restabelecimento da paz social.
Salta aos olhos que decretar intervenção em um Estado da Federação a
menos de dois meses da realização de eleições, que recolocam à disposição
do povo o cargo de Governador – ao qual, aliás, concorre o seu atual ocupante
– vale apenas e, tão-somente para agravar a atual situação de desequilíbrio
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264
financeiro-orçamentário. Eventual interventor – isso foi bem colocado pelo
eminente Ministro Gilmar Mendes – encontrará exatamente as mesmas
limitações fáticas hoje existentes.
Considero suficientes para afastar a pretensão no mérito – pelos dados que
recebi em memoriais que foram apresentados – e efetiva inexistência de
recursos financeiros, os quais permitam o atendimento imediato dos
precatórios. Não apenas dos que embasam este pedido, mas de todos quantos
os antecedem e de todos quantos tenham sido, na forma prevista na
Constituição, incluídos em orçamento.
É esse, realmente, o inteiro volume do débito que deve ser pago, mas, como as
condições demonstram, há evidências de que é impossível fazê-lo de imediato.
Sobrepõe-se, portanto, aquele velho brocardo romano: “ad impossibilia nemo
tenetur”. É esta, aliás, a razão por que o eminente Ministro Gilmar Mendes, nos
idos de 1962, indeferiu pedido de intervenção federal no Estado do Rio Grande
do Norte. Disse então. S. Exa.:
“Impossibilidade jurídica do atendimento à decisão afasta o caráter de
desobediência judicial”.
(IF n. 31/RN)
Entendo, Sr. Presidente, que a desobediência que autoriza a intervenção, exige
expressão ativa de vontade, que não verifico na atuação do executivo estadual
paulista. Por isso, não vejo como deferir o pedido.
Com vênia de V. Exa., acompanho a divergência.
VOTO
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Sr. Presidente, indicam os autos e
as informações que o passivo de precatórios do Estado de São Paulo
corresponde a nove bilhões e quatrocentos milhões de reais. Desse conjunto,
cinco milhões e quatrocentos correspondem a não alimentares, dão conta aos
autos – por força do artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, que determinou que esses valores seriam liquidados em
prestações anuais, no prazo máximo de dez anos – que o Estado de São Paulo
parcelou em dez anos,ou seja, não fez nenhuma negociação redutora desses
números em termos da obrigação constitucional de fazer esse parcelamento.
De outro lado, o orçamento do Estado paulista, votado por sua Assembléia
Legislativa, hoje representa, no que diz respeito à receita realizada e prevista
para o orçamento de 2002: 58% destinado ao pessoal; 19% ao custeio,
incluindo saúde e educação; 12% aos serviços da dívida; 9% aos
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265
investimentos, absolutamente necessários à manutenção mínima dos serviços
estatais.
Aos precatórios foram destinados 2%, acrescentando-se também algo a que a
Nação assistiu, vindo exatamente do Estado de São Paulo, que foi a tentativa
de destinar os depósitos judiciais para esta finalidade, à qual deu origem à lei
federal referida, o que nos dá um total de quatrocentos milhões, ao fim deste
anos, provavelmente, em termos que representaria 10% do passivo de
precatórios alimentares, já que os não alimentares terão a dilação de dez anos,
por força da determinação constitucional.
A pergunta fundamental que se faz é esta: O Governo do Estado de São Paulo:
ao tomar essas medidas, na sua lei orçamentária, deu azo a uma voluntária,
desejada e arbitrária obstrução à execução das decisões judiciais; ou ele,
tendo em vista os recursos existentes e as vinculações constitucionais
obrigatórias, deu essa destinação? A resposta me parece ter sido dada
corretamente pelo Ministro Gilmar Mendes e pela Ministra Ellen Gracie.
Mas eu lembraria também um dado constitucional importante: essa Corte não
poderia se furtar de examinar o §1º do art. 36 da Constituição Estadual, quando
determina e se refere a decretação da intervenção, ao dizer que ela
“dependerá”, elencando os itens de independência, no nosso caso específico,
de desobediência da ordem ou decisão judicial de requisição do Supremo
Tribunal Federal. Teríamos que requisitar essa intervenção. Não discutirei se
estaria ou não sujeito à análise pelo Congresso Nacional. Esse decreto, por
força da própria Constituição, além de especificar a amplitude da intervenção, o
prazo, também teria de especificar as condições de execução da medida de
intervenção.
Os valores correspondentes a esse total de precatórios, 4 bilhões, seriam
retirados de onde? Da folha de pagamento? Do retorno de 25% do ICMS, que
deve o Estado de São Paulo atribuir aos municípios do seu Estado e à
participação dos municípios em 25% condicionais? Da destinação feita à
saúde? Da destinação feita à educação? Deverá ele retirar este interventor e
este decreto do serviço da dívida e dos investimentos fixados em orçamento? A
intervenção federal importa na intervenção da Assembléia Legislativa,
desconstituindo a legislação orçamentária que determinou e definiu todos os
investimentos públicos paulistas? Esta intervenção constitui-se também num
poder que tenha o interventor ou o Poder Executivo Federal, por meio de
decreto do seu representante interventor, de desconstituir os atos legislativos
praticados pela Assembléia Legislativa estadual na fixação e na definição das
receitas públicas investidas? Ou seja, o fundamental de alguma coisa que, às
vezes, nós e alguns juristas esquecemos é a nítida relação de que todos os
direitos, mesmo os direitos positivos têm custos.
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266
Há um grande trabalho, conhecido, ao que se referia o Ministro Celso de Mello,
do Professor Sanstein, sobre custos do Direito, em que mostra, nas
circunstâncias atuais de um pedido de intervenção, que temos de lembrar se
isso é viável à execução, considerando as coisas como elas são, e não como
elas deveriam ter sido ou poderiam ser.
No caso específico, quer-me parecer, data venia, que efetivamente temos uma
inadimplência no Estado de São Paulo. O Ministro Maurício Corrêa deve se
lembrar disso, em 1987, discutindo na Assembléia Nacional Constituinte o art.
33; vinculava-se esse artigo aos interesses de um grande escritório da
advocacia do Estado de São Paulo, qual havia adquirido os precatórios da
FEPASA a 20% do preço de face, para obter, depois, o ressarcimento de 100%
dos cofres públicos estaduais. E, lá, tentamos estabelecer um mecanismo que
pudesse viabilizar a composição daquele passivo que se agravou a
contribuição do imposto inflacionário.
Com esse imposto, tinha-se a possibilidade de, na boca do caixa, administrar
as despesas pela indexação das receitas e congelamento das despesas. Isto
aqui é conseqüência de mudança substancial no País quanto à administração
fiscal. E, hoje, temos claramente embutida a nova Lei de Responsabilidade
Fiscal, em que os governadores dos Estados não podem constituir dívidas de
desapropriações que venham a ser transferidas aos governos futuros
exatamente para estabilizar essa situação.
Na linha do precedente do Ministro Nelson Hungria e Antonio Vilas Boas,
mencionados pela Ministra Ellen Gracie, o que se tem no ato de intervenção é
coibir a ação dolosa de um governador do Estado ou de um órgão da
administração estadual que, em condições, deixe de cumprir esses atos.
Agora, intervir e não poder cumprir, porque as situações não se alteram...
É evidente que também não podemos pensar que o interventor federal descerá
de Brasília com dinheiro da União e irrigará os cofres públicos do Estado de
São Paulo para atender as suas despesas. Isso é impossível. Então, estamos
exatamente naquela situação que o Ministro Gilmar Mendes denomina de
“absoluta inadequação da medida”.
Qual seria a recomendação deste Tribunal ao deferir este pedido de
intervenção ao Sr. Presidente da República e dizer quais as condições de
execução dessa medida? Vamos determinar que esse valor de quatro milhões
– não estamos discutindo esse caso, o eminente Presidente disse serem mais
de dois mil...
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E RELATOR) –
São dois mil e oitocentos processos, se contar com o precatórios pendentes de
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267
liquidação que ainda motivaram, por vontade própria dos credores, a
formalização de pedidos de intervenção.
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – No caso específico, temos um
pouco mais de dois mil processos. Não estamos decidindo um caso que
represente R$ 60.000,00...
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – A intervenção não pode
suprimir a ordem cronológica.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E RELATOR) – É
claro, mas respeitá-la seria incumbência do interventor. Não quer dizer que,
deferida a intervenção, caminhe-se para a liquidação do precatório que a
motivou, no dia seguinte.
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Ao que tudo indica, aí haveria a
decisão global ao que seguramente teríamos pelo menos determinação de que
o Estado de São Paulo deveria pagar, através do interventor, três bilhões de
reais. Esse valor excede, de forma absoluta, a ordenação.
Não obstante reconhecer, como ex-advogado, todas essas ansiedades – a
questão dos credores -, temos um problema de conseqüências práticas e
devemos relacionar algo importante nesse tipo de decisão judicial: a
ponderação da relação das premissas das nossas decisões com as suas
conseqüências. E aqui elas rigorosamente mantêm as coisas como estão,
porque, depois, deverá ser decretada uma intervenção sobre o interventor, pois
ele não terá condições de pagar, salvo se surgir uma figura nova – isso eu
também não desconheço -, mas não a colocaria agora em discussão.
Lanço-a apenas como questão futura: essas intervenções representarão ou
não a desconstituição do Poder Legislativo estadual?
Quero lembrar aos eminentes Colegas que a Constituição de 1891 tinha regras
latas de intervenção. Não assegurava a participação do Tribunal e nem a
chamada “ação de inconstitucionalidade interventiva”, ou ação de intervenção,
dando origem àquele período político de intervenção dos governos Rodrigues
Alves e Hermes da Fonseca.
Ainda quero recordar-lhes que existem hoje Estados Federados no Brasil que,
sob o argumento da intervenção, têm intervindo em municípios do Estado
próximo desta Capital, exatamente sem a falta do controle absoluto.
Creio ser angustiante, na há dúvida alguma, a questão posta sobre a mesa,
mas quero lembrar...
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268
O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – V. Exa. me permite? Falamos
aqui em proporcionalidade e examinamos com objetividade jurídica esse
problema. Agora, parece-me que a questão se põe principalmente sob um
aspecto: em se tratando de intervenção federal, em casos dessa natureza, é
preciso demonstrar-se que há culpa por parte do Governador, ou seja, mesmo
tendo meios para o pagamento, ele deixou de fazê-lo.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E RELATOR) –
Vossa Excelência se contenta, portanto, com o elemento culpa; não chega do
dolo.
O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Culpa em sentido amplo, que
abrange o dolo e a culpa em sentido estrito.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E RELATOR) – Aí
teria que ser um sádico para...
O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – O problema, aqui, não é de
sadismo, mas de ser preciso ocorrer, depois, a intervenção no interventor. Se o
Estado não tiver realmente meios para o pagamento, como o interventor – que,
obviamente, deverá gerir esses meios de acordo com a Constituição – poderá
pagar?
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E RELATOR) –
Mas seria para saneamento, o que não se faz de um dia para o outro, e a
intervenção ganharia contornos pedagógicos.
O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – O problema não é de
saneamento, até porque ele não se faz em um, dois ou três meses. Assim,
teríamos uma intervenção até quando? E com uma circunstância: em caso com
este, por exemplo, há uma sucessão de governadores. Vai-se punir justamente
aquele último que está tentando fazer o que outros não fizeram...
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E RELATOR) –É
pela impessoabilidade na Condução da Administração Pública. O governador
não pode dizer que não paga porque a dívida foi assumida pelo antecessor,
mostrando-se, assim, um irresponsável.
O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Veja o típico caso ocorrido em
Goiás: foi decretada pelo juiz uma reintegração de posse;o Governador disse
ao juiz que não cumpriria essa decisão, ou seja, não mandaria tropa para que
houvesse reintegração de posse. Pergunta-se: isso é sadismo?
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E RELATOR) – É
uma situação teratológica.
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269
O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Sr. Presidente, não é. Se o
Governador não dispusesse de tropa suficiente, a intervenção teria de ser feita
por outro motivo, porque o Estado não tinha a sai ordem mantida por falta de
elementos e não por descumprimento de ordem judicial.
No caso, para haver uma intervenção dessa natureza, há necessidade de se
demonstrar que existe realmente culpa em sentido lato, dolo ou culpa em
sentido estrito – no sentido de negligência – para ocorrer o provimento.
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – Ministro, foi exatamente a análise
das providências tomadas e esse conjunto de números que mostraram
exatamente que o Estado de São Paulo, considerando as receitas líquidas
disponíveis, definidas claramente como o somatório das receitas tributárias,
das contribuições patrimoniais, industriais, agropecuárias e de serviços de
transferências, descontadas as transferências aos municípios, tentou
administrar, como pode, as suas situações orçamentárias, quer pela folha de
pagamento, quer pelas reduções orçamentárias.
Não vejo, objetivamente, ato doloso de obstrução, por parte do Governador, no
cumprimento da obrigação constitucional referida.
Estamos perante um caso de impossibilidade, a qual autoriza a afirmação de
que a intervenção por sua vez, também, não resolverá absolutamente nada.
Por quê? Porque não há o que se fazer em relação a esse tipo de mecanismo.
Nessas circunstâncias está demonstrado aqui, claramente, que as medidas
foram tomadas através da participação dos órgãos políticos do Estado de São
Paulo na fixação e na votação das leis orçamentárias. Portanto, entendo não
se configurar o que se chama de impedimento intencional e arbitrário contra o
cumprimento da decisão judicial no caos dos precatórios.
Com essas considerações, peço vênia a V.Exa. e acompanho a divergência
iniciada pelo Ministro Gilmar Mendes.
VOTO
O SENHOR MINISTRO MAURÍCIO CORRÊA: - Sr. Presidente, também
entendo que a intervenção só é admissível em face da excepcionalidade das
hipóteses previstas no artigo 34 da Constituição Federal, o que não poderia ser
diferente.
Vimos pela bem articulada sustentação do eminente Procurador-Geral do
Estado de São Paulo, as razões pelas quais o Estado não pode ainda cumprir
os encargos decorrentes dos precatórios que ensejaram o pedido de
intervenção. Indago: qual seria, de fato, o resultado prático da intervenção?
Nenhum!
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270
Permita-me a comparação.
Na hipótese do responsável pela manutenção de uma criança, em se tratando
de pensão alimentícia, por exemplo, caso em que a lei permite, com relação a
essa obrigação, a decretação da prisão do devedor por até trinta dias para
exigir que o mesmo cumpra o encargo. Quando houver a manifesta vontade de
não adimpli-la, há que aparecer algum meio capaz, caso possível, para que se
possa depositar o dinheiro e livrá-lo da prisão. Alguém, por exemplo, que possa
apiedar-se dele. Quando não se tem absolutamente condições de pagar,
cumpre a prisão e, depois, é posto em liberdade.
No caso, qual seria o sentido prático se consumada a intervenção? Daí a
afirmação correta – feita da tribuna e, depois, minudentemente explicitada pelo
voto proferido pelo Ministro Gilmar Mendes – da aplicação do princípio da
proporcionalidade, pelos encargos públicos, que o Estado tem de cumprir.
Sobrariam deles apenas os 2%...fato que por si explica a aplicação, no mínimo,
do princípio da proporcionalidade.
V. Exa., Ministro Marco Aurélio, impressionou-me, em seu voto, quando trouxe
à colação exatamente o precedente de Goiás do Ministro Moreira Alves, o qual
entende aplicar-se à hipótese.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E RELATOR) –
Fiquei com Sua Excelência, mas vejo que Sua Excelência não ficará comigo.
O SENHOR MINISTRO MAURÍCIO CORRÊA: - Creio que não. Apesar da
citação expressa, tenho dificuldade de acompanhar V. Exa. Qual é o
precedente paradigmático para a hipótese?
O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – O primeiro precedente, que é do
Ministro Nelson Hungria, exigia intenção dolosa. Eu admito, inclusive, haver
intervenção quando há culpa, ou seja, negligência. Quando, podendo, deixa-se
de pagar.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E RELATOR) – A
ilicitude está no descumprimento da decisão judicial, passados tantos anos.
O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES –
responsabilidade objetiva, não sendo caso de ilicitude.
Caso
contrário,
há
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE e RELATOR) –
Ministro Moreira Alves, realmente relutei muito e tentei, conforme preconizado
no Regimento Interno, a solução suasória, sem trazer os processos ao
Plenário. Não obstante, devo trazê-los. Eles estão prontos, com parecer
favorável da Procuradoria-Geral da República.
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271
Após o esvaziamento do Projeto Arnaldo Madeira e, também, diante da
circunstância dos recursos com os quais se conta, ano a ano, não são
suficientes para se liquidar os precatórios de um mesmo ano – e, aí, a bola de
neve continuará aumentando-, não vi outra solução, principalmente em face do
tipo previsto, hoje, no §5º do artigo 100 da Constituição Federal, quanto à
atuação do Presidente da Corte que retarda, de qualquer forma, o cumprimento
de precatório.
Aliás, deveríamos – o sofrido povo brasileiro-, pedagogicamente, merecer algo
parecido, enquadrando, sim, os governadores que realmente claudicam e não
satisfazem decisões judiciais.
O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES - Pelo sistema constitucional
vigente, não há solução prática para o problema, porque este se põe nisto: é
preciso haver dinheiro; se não houver dinheiro, não adianta...
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E RELATOR) –
Não sei, Ministro. Teríamos de aguardar, aí, a designação do interventor e os
trabalhos que ele viria a desenvolver no Estado.
O SENHOR MINISTRO MAURÍCIO CORRÊA – Sr. Presidente, se Vossa
Excelência me permite, vou concluir o meu voto.
O precedente paradigmático é ainda resultante do julgamento da Intervenção
20, do Ministro Nelson Hungria. Foi no regime da Constituição de 1946. A
hipótese prevista naquela Constituição é praticamente a mesma da que prevê a
atual ordem constitucional. E Sua Excelência foi explícito:
“Pedido de Intervenção Federal. Seu indeferimento (art. 7º, V, da Constituição).
Para justificar a intervenção, não basta a demora no pagamento, na execução
de ordem ou decisão judiciária, por falta de numerário: é necessário o
intencional ou arbitrário embaraço ou impedimento oposto a essa execução.”
Não basta a demora, que pode ser justificada na execução: é necessário que
se apresente uma desobediência manifesta, propositada ou por descaso à
ordem ou decisão judicial.”
Quer dizer, não é essa a hipótese dos autos, porque, aqui, não resultou
provado que houve essa desobediência. Para mim, Sr. Presidente, basta isso.
Mantenho-me coerente com a jurisprudência dominante no Supremo Tribunal
Federal, que não sofreu modificação.
Com essas breves considerações, reservo-me ainda um dia poder subscrever
o voto de V. Exa. quando houver um caso em que haja realmente essa
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272
necessária desobediência consubstanciada no desejo de não cumprir-se a
decisão. Mas aqui não é a hipótese.
Indefiro o pedido.
VOTO
O SENHOR MINISTRO ILMAR GALVÃO – Sr. Presidente, V. Exa. trouxe à
Mesa pedido dos mais graves: pedido de intervenção calcado na existência de
decisões judiciais condenatórias do Estado de São Paulo, proferidas há mais
de dez anos, sem cumprimento por parte da unidade Federada.
Trata-se de situação lamentável que, dada a freqüência com que ocorre tem
levado a sociedade a duvidar da eficácia das decisões judiciais.
Em oportunidade anterior, em que se examinou, neste Plenário, ação direta de
inconstitucionalidade que impugnava normas disciplinadoras do processamento
dos precatórios contidos no Regimento do Tribunal de São Paulo, votei,
vencido, pela inconstitucionalidade de normas que previam o pagamento dos
precatórios pela própria pessoa de direito público, em franca incompatibilidade
com o art. 100 e parágrafos da CF que reservam esse encargo à Presidência
do Tribunal, obviamente, para controle do princípio da ordem de preferência.
É bom lembrar que o precatório, na verdade, é um meio de execução de
sentença condenatória instituído no prol do credor, que fica dispensado de
promover a penhora e leilão de bens, atos ensejadores de recursos que
arrastam a execução por anos a fio.
O regime está disciplinado no art. 100 da Constituição, comportando várias
fases, a saber: a) a apuração do valor, até aquela data; b) requisição, pelo
Presidente do Tribunal ao Governador, da inserção, no orçamento do ano
seguinte, de verba correspondente ao valor apurado; c) inclusão obrigatória
dessa verba, no orçamento da pessoa jurídica; d) execução do orçamento,
mediante a consignação, à ordem do Poder Judiciário, da verba destinada ao
pagamento das condenações judiciais, consignação essa que, obviamente, há
de ser efetuada paulatinamente, mês a mês, no correr do exercício, ao ritmo da
marcha da realização da receita; e) pagamento, pelo Presidente do Tribunal,
dos precatórios, na ordem cronológica da apresentação, segundo a força dos
depósitos, ou consignações, até o final do exercício.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E RELATOR) –
Para ter-se uma visão prognóstica.
O SENHOR MINISTRO ILMAR GALVÃO – Se os pagamentos houverem de
ser feitos por valores atualizados, forçosamente, haverá um saldo devedor final
que passará para o próximo exercício orçamentário, a menos que os valores
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273
inseridos no orçamento sejam acrescidos de uma parcela correspondente à
projeção da inflação para o exercício orçamentário em execução.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E RELATOR) –
Hoje, manda pagar devidamente corrigido; há previsão pedagógica.
O SENHOR MINISTRO ILMAR GALVÃO – Neste caso, o que não se
esclarece é em que etapa do procedimento acima exposto ocorreu a alegada
desobediência à ordem judicial. O Governador deixou de providenciar a
inserção, no orçamento, de verba requisitada? Ou, ao revés, não autorizou ele
a liberação dos duodécimos correspondentes, à disposição do Tribunal?
Não creio seja momento de discutir questões como a de saber se houve
dinheiro suficiente para essa liberação; ou se houve outras prioridades maiores
que determinaram o desvio da verba. Li os memoriais e neles não vi nenhuma
informação sobre o quantum que deixou de ser posto à disposição do Tribunal.
Fala-se no percentual de 2% que, na verdade, nada esclarece.
O que importa saber é se houve o pedido de inserção, no orçamento, de
quantia suficiente para o atendimento do valor atualizado dos precatórios
apresentados até 1º de julho; se, em caso positivo, os recursos foram postos à
disposição do Presidente do Tribunal. O não-esclarecimento desses pontos
dificulta o julgamento do pedido de intervenção.
Aliás, estou aqui a ouvir, repetidas vezes, que o Estado não pagou os
precatórios, e não consigo entender; porque, segundo a Constituição, que paga
é o Presidente do Tribunal de Justiça.
Fica-se sem saber que tipo de intervenção se está pleiteando: intervenção para
obrigar o Governar a fazer inserir verba específica no orçamento? Ou para
obrigá-lo a repassar tal verba à Presidência do Tribunal. Se é, para essa última
hipótese, obviamente, não cabe aqui desculpa de falta de dinheiro, a menos
que se demonstre que a falta foi linear, ou seja, o atendimento de todas as
despesas orçadas, não havendo lugar para falar-se em prioridade.
Se o Governo realizou obras públicas, executou algum outro programa,
exigindo mais recursos que os previstos no orçamento e, dessa forma,
prejudicou a distribuição do duodécimo ao Tribunal de Justiça, a escusa é
inaceitável.
De qualquer modo, está-se, neste caso, diante de dúvida até mesmo quanto ao
tipo de intervenção. Será necessário o afastamento do Governador, para que o
interventor cumpra o dever de repassar a verba destinada ao pagamento de
precatórios ao Tribunal?
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274
Segundo a Constituição, a intervenção limitar-se-á a determinada medida
quando bastar ela para restabelecimento das normalidades.
Daí a necessidade de saber-se, por exemplo, quanto entrou no orçamento de
2002? Os duodécimos foram distribuídos ao Tribunal? A verba foi insuficiente?
Por quê? Na verdade, se não houve o repasse do restante da verba fosse feito.
Sr. Presidente, lamento não poder acompanhar os votos já pronunciados, à
exceção do de V. Exa, pois não posso aceitar a justificativa de que há
despesas mais prementes, já que há, ao que penso, um orçamento a ser
cumprido.
O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Mas V. Exa. não pode julgar
procedente em intervenção em que há uma ordem do Supremo.
O SENHOR MINISTRO ILMAR GALVÃO – A Constituição diz que, no caso do
art. 34, VI – hipótese vertente -, “ o decreto limitar-se-á a suspender a
execução do ato impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento da
normalidade”, mostrando que nem sempre a intervenção deverá importar o
afastamento do Governador. Por outro lado, o RISTF, no art. 351, I, determinar
que o Presidente do Tribunal tome as providências oficiais que lhe parecerem
adequadas para remover, administrativamente, a causa do pedido, o que
mostra que a solução da controvérsia admite alternativas, quando capazes de
tornar desnecessária a medida drástica do afastamento do Governador.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E RELATOR) –
Depende.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – É o caso da representação
interventiva; não é disso que se cuida aqui.
O SR. MINISTRO ILMAR GALVÃO – Aqui, parece que o pedido é para afastar
omissões do Governador.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – Não; esse é o caso da
representação interventiva.
O SENHOR MINISTRO ILMAR GALVÃO – Se, ao que tudo indica, é para
afastar omissões, há de encontrar-se uma solução alternativa. Está o Tribunal
diante de um desafio, não podendo limitar-se a requisitar a intervenção.
O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – V. Exa. está, talvez, indicando um
caminho aos advogados. Não é possível admitir-se uma intervenção federal e
que não haja intervenção. V. Exa. está justamente sugerindo que se requeira
ao Supremo que determine ao Governador, caso se verifique isso, que coloque
a verba nos duodécimos para...
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275
O SENHOR MINISTRO ILMAR GALVÃO – Caberá, quem sabe, uma medida
cautelar pela qual se determina ao Governador que ponha os duodécimos
vencidos à disposição do Tribunal.
Não quero preocupar-me com o orçamento de 2001, porque esse orçamento,
se não foi cumprido, já não poderá sê-lo, e 2002. O problema ficou para trás.
Se, na verdade, não houve a requisição da inserção de verba no orçamento,
que providência poderá tomar o interventor?
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E RELATOR) –
Mas quem estabelece é o Presidente da República, no decreto.
O SENHOR MINISTRO ILMAR GALVÃO – Sim, mas o STF é que vai
requisitar a intervenção, devendo dizer como deverá ser posta e prática.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E RELATOR) – Só
espero, Ministro, não estar no exercício da Presidência.
O SENHOR MINISTRO ILMAR GALVÃO – O interventor vai ocupar, por
exemplo, as recebedorias de renda, para reunir a quantia necessária ao
pagamento dos precatórios? O voto de V. Exa, Sr. Presidente, conclui no
sentido do afastamento do Governador?
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E RELATOR) –
Não; concluo por requisitar a intervenção, esperando, portanto, que o
Presidente da República, por sua vez, cumpra a decisão o Supremo Tribunal
Federal.
O SENHOR MINISTRO ILMAR GALVÃO – A decisão, a meu ver, deve
especificar as providências a serem postas em prática.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E RELATOR) –
Para os créditos comuns.
O SENHOR MINISTRO ILMAR GALVÃO – Voto pelo deferimento parcial da
intervenção, para que o STF expeça uma ordem ao Governador de São Paulo,
a fim de que ponha à disposição do Presidente do Tribunal de Justiça, num
prazo razoável, os duodécimos vencidos em 2002.
Não é possível haver uma verba no orçamento e o Governador fechar os olhos
para a existência dessa verba, justamente quando se informa que o Estado de
São Paulo tem tido superávits no orçamento fiscal.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – São quatro bilhões de reais de
precatórios só de dívidas alimentares.
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O SENHOR MINISTRO ILMAR GALVÃO – É interessante; e as prioridades,
quais são? O alimento não é prioritário? A Constituição diz que é, tanto que
mandou separar os precatórios alusivos a verbas alimentícias em relação à
parte.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE E RELATOR) –
Todavia, Ministro, o duodécimo do ano não está em questão. O problema diz
respeito a exercícios outros, mesmo porque o governador não pode utilizar
parte do orçamento para liquidar os precatórios de 2001.
O SENHOR MINISTRO ILMAR GALVÃO – O orçamento de 2002 deve
englobar os precatórios relativos ao passado, que não foram pagos. O Ministro
Gilmar Mendes falou em quatro bilhões. Ouve-se falar tanto em bilhões
ultimamente que essa cifra restou banalizada, a ponto de ter considerado uma
ninharia os três bilhões de reais por quanto foi vendida a Vale do Rio Doce, que
era um orgulho nacional e que, nos primeiros anos que se seguiram à
privatização, já auferiu lucro que supera, em muito, tal quantia.
Defiro, em parte, o pedido, para o fim acima especificado.
VOTO
O SENHOR MINISTRO MAURÍCIO CORRÊA: Sr. Presidente, também peço
vênia a V. Exa. para acompanhar o voto do eminente Ministro Gilmar Mendes,
porque já me pronunciei quando do início do julgamento das intervenções,
cujos números foram mencionados por S. Exa.
O Sr. Ministro Carlos Velloso: trata-se de pedido de intervenção federal no
Estado de São Paulo, requerido por NAIR DE ANDRADE E OUTROS, com
fundamento no art. 34, VI, da Constituição Federal, ao Eg. Tribunal de Justiça
daquele Estado.
Sustentam os requerentes, em síntese, o seguinte:
a)em 30.10.1987 propuseram ação sob o procedimento ordinário em desfavor
do Estado de São Paulo, pleiteando a concessão de “pontos” para efeito de
evolução funcional e vantagens pecuniárias atrasadas; em 27.5.97, expediu-se
o ofício requisitório que tomou o n. de ordem 1.279/98, constante do orçamento
de 1998;
b)o requerido, Estado de São Paulo, desconsiderou a determinação para a
quitação dos precatórios de natureza alimentar, de uma só vez, consoante
exigem os arts. 100 da Constituição Federal e 57, §3º, da Constituição paulista,
tampouco efetuou depósito da parcela devida sem correção monetária, certo
que o Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, já decidiu que os
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277
precatórios relativos a créditos de natureza alimentícia devem ser pagos de
uma só vez devidamente atualizados (RE 189.942-SP, “DJ” de 24.11.95).
O Eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deferiu o
processamento da intervenção federal, acentuando que ficou caracteriza a
desobediência à ordem judicial, bem como a Emenda Constitucional 30/2000
em nada influiu no julgamento da questão (fls. 343/348). Remetaram-se, pois,
os autos ao Supremo Tribunal Federal.
Solicitadas informações nos termos dos arts. 351 e 352 do R.I./S.T.F., o
GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO e o ESTADO DE SÃO
PAULO, por intermédio de sua Procuradoria-Geral, se manifestaram às fls.
358/379, 392/394 e 417/441, salientando, em síntese, o seguinte:
a)inocorrência do descumprimento da ordem judicial, dado que não houve
a prática de ato comissivo ou omissivo intencionalmente dirigido ao não
pagamento de precatórios, sendo ainda certo que, por ser a intervenção federal
medida excepcional, o art. 34 da Constituição Federal deve ser interpretado de
forma restritiva;
b)a tese aqui defendida encontra apoio na doutrina e na jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal (IF 20-MG, Relator Ministro Nelson Hungria);
c) tendo em vista principalmente disposto na Lei 10.482, de 03.7.2002, e no
Decreto estadual 46.933, de 19.7.2002, o Estado de São Paulo vem envidando
esforços a fim de honrar seus precatórios pendentes, tendo efetuado o
pagamento, somente nos meses de junho e julho do corrente ano, da
importância de R$ 131.364.814,34.
Os requerentes se manifestaram às fls. 396/403, 413/414 e 445/447,
sustentando o deferimento da intervenção porque não efetuado o pagamento
devido.
O eminente Procurador-Geral da República, Prof. Geraldo Brindeiro, opina
pela procedência do pedido de intervenção federal.
Na Sessão Plenária de 14.8.2002, o Presidente do Supremo Tribunal Federal,
Ministro Marco Aurélio, Relator, deferiu totalmente o pedido; o Ministro
Ilmar Galvão deferiu-o, parcialmente. Por sua vez, os Ministros Gilmar
Mendes, Ellen Gracie, Nelson Jobim e Maurício Corrêa indeferiram o
pedido. Pedi vista dos autos, recebendo-os e meu Gabinete no dia 22.8.2002;
trago-os, agora, para prosseguimento do julgamento.
Passo a votar.
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278
Em artigo de doutrina que escrevi – “Estado Federal e Estados – Federados na
Constituição Brasileira de 1988 – o equilíbrio federativo”, no meu “Temas de
Direito Público”, Del Rey Editora, 1ª edição, segunda tiragem, 1997, páginas
379 e seguintes – cuidei do tema da intervenção federal nos Estados membros.
Registrei que “na ordem constitucional brasileira, intervenção federal é medida
excepcional – a União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal,
exceto para ... (art. 34); o Estado não intervirá em seus Municípios (...) exceto
quando (...) (art. 35). A excepcionalidade da medida se justifica, por isso que
ela afasta a autonomia do Estado-membro e do Município”. Ora, a autonomia
estadual é traço básico caracterizador do Estado Federal, autonomia que
compreende a auto-organização, no sentido de que os Estados elaboram as
suas Constituições e as suas leis, observados, entretanto, os princípios
inscritos na Constituição Federal, pelo autogoverno e pela auto-administração.
Os pressupostos da intervenção federal estão expressamente inscritos na
Constituição Federal (art. 34). Com base neles, José Afonso da Silva classifica
a intervenção de quatro modos:
a)intervenção para a defesa do Estado: art. 34, I e II;
b)intervenção para a defesa do princípio federativo: art. 34, II, III e IV;
c)intervenção para a defesa das finanças estaduais: art. 34, V,a e b;
d)intervenção para a defesa da ordem constitucional: art. 34, VI e VII.
No caso, o pedido de intervenção federal embasa-se no art. 34, VI, da
Constituição Federal: para prover a execução de decisão judicial.
Esse tipo de intervenção não constitui, evidentemente, forma de execução de
sentença, dado que a intervenção federal é um ato político e, conforme foi dito,
é medida excepcional. Ela somente ocorrerá no caso de desobediência
flagrante no cumprimento da decisão judiciário. Por isso mesmo, decidiu o
Supremo Tribunal Federal, na IF 20-MG, Relator o Ministro Nelson Hungria:
“EMENTA: Pedido de intervenção federal: seu indeferimento. Art. 7º, V, da
Constituição. Para justificar a intervenção, não basta a demora de pagamento,
na execução de ordem ou decisão judiciária, por falta de numerário: é
necessário o intencional ou arbitrário embaraço ou impedimento oposto a essa
execução.” (STF, Plenário, 03.5.1954).
No seu voto, acentuou o Ministro Nelson Hungria:
“(...)
Não padece dúvida que a intervenção autorizada pelo art. 7º, V, da
Constituição Federal tem como pressuposto a injustificada oposição, por parte
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279
do Governo estadual, de embaraço ou impedimento à execução de ordem ou
decisão judiciária.
Não basta a demora, que pode ser justificada, na execução: é necessário que
se apresente uma desobediência manifesta, propositada ou por descaso à
ordem ou decisão judicial.
É o que já ensinava Barbalho, comentando o parágrafo 4º do art. 6º, da
Constituição de 81: - a intervenção em tal caso se deve entender como uma
sanção para constranger à obediência os governos dos Estados, ‘quando
embaracem ou se opõem à execução’ das decisões judiciais (‘Constituição
Federal Brasileira’, pg. 27).
No mesmo sentido, Pontes de Miranda, comentando a atual Constituição: - ‘Há
intervenção sempre que se impede a eficácia da sentença, decisão ou ordem’
(‘Comentários à Constituição de 1946’, Ed. 1953, vol 1º, pg. 486).
É preciso que um desarrazoado obstáculo tenha sido oposto pelo Governo
estadual à execução da decisão ou ordem.
Ora, no caso vertente, o retardamento na execução não promana de obstáculo
criado pelo Governador mineiro, mas da acidental exaustão atual do erário do
Estado.
Plenamente justificada é a mora de pagamento.
Onde não há, até rei perde.
(...)”
O Ministro Gilmar Mendes, iniciando a divergência e votando pelo
indeferimento do pedido, acentuou e esclareceu:
“(...)
O exame da proporcionalidade, no caso em exame, exige algumas
considerações sobre o contexto factual e normativo em que se insere a
presente discussão.
Desse modo, não podem ser desconsideradas as limitações econômicas que
condicionam a atuação do Estado quanto ao cumprimento das ordens judiciais
que fundamentam o presente pedido de intervenção. Nesse sentido, constam
do memorial apresentado pelo Estado de São Paulo, os seguintes dados,
verbis:
“... considerando-se as estimativas de arrecadação para o exercício corrente,
as despesas com o pessoal dos três Poderes do Estado deverão se situar em
torno de 58% das receitas correntes líquidas estaduais; os gastos com custeio,
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280
que permite, o funcionamento do aparato administrativo, incluindo-se certas
parcelas que compõem o percentual mínimo a ser aplicado no desenvolvimento
do ensino (art. 212 da CF) e nas ações e serviços públicos de saúde (art. 198,
2º da CF), deverão atingir o montante de 19% das receitas correntes líquidas,
ao passo que o serviço da dívida junto à União consumirá aproximadamente ,
12% daquelas receitas; há finalmente, os gastos com investimentos mínimos
indispensáveis para a simples manutenção do funcionamento de serviços
essenciais ( rodovias estaduais operadas diretamente pelo Poder Público,
aparato de segurança público, redes de ensino e de saúde, etc), estimados em
9% das receitas correntes líquidas.”
E continua o Estado de São Paulo: “Excluídos os gastos apontados no item
anterior, o que resta de recursos são utilizados no pagamento de precatórios
judiciais, despesa esta estimada, para o ano de 2002, em cerca de 2% das
receitas correntes líquidas, vale dizer, algo em torno de R$ 750.000.000
(setecentos e cinqüenta milhões de reais)”.
Como tenho afirmado, esse exame de dados concretos, ao invés de apenas
argumentos jurídicos, não é novidade no Direito comparado. No âmbito dos
reflexos econômicos da atividade jurisdicional, a experiência internacional tem,
assim, demonstrado que a proteção dos direitos fundamentais e a busca da
redução das desigualdades sociais necessariamente não se realizam sem a
reflexão acurada acerca de seu impacto.
(...)”.
Esclareceu, mais, o eminente Ministro Gilmar Mendes:
“(...)
Já afirmei, em outras oportunidades, a real necessidade de que os órgãos
judicantes, ao julgarem questões intricadas, analisem com a maior amplitude
possível informações e dados concretos para obterem uma interpretação
precisa.
Com esse objetivo, vale destacar que, conforme informações apresentadas no
memorial encaminhado pela Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, este
Estado, vem atuando de maneira bastante positiva no tocante ao pagamento
dos precatórios judiciais.
Primeiramente, referindo ente federado, atendendo ao disposto no art. 78 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, acrescido pela Emenda
Constitucional nº 30, de 13 de setembro de 2000, satisfez a totalidade do
primeiro décimo dos precatórios não alimentares no ano de 2001.
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281
Ademais, por meio do Decreto Estadual nº 46933, de 19 de julho de 2002, que
regulamentou a Lei Federal nº 10482, de 3 de julho de 2002, destinou-se, no
próprio mês de julho, mais de R$ 100.000.000 (cem milhões de reais) para
pagamento de precatórios alimentares, perfazendo no ano até agora o total de
R$ 170.221.716,98 (cento e setenta milhões, duzentos e vinte e mi, setecentos
e dezesseis reais e noventa e oito centavos) com pagamento de precatórios
alimentares.
Também, consoante dados fornecidos por aquela Procuradoria serão
repassados á Fazenda Estadual, nos meses de agosto e setembro, cerca de
R$ 202.000.000 (duzentos e dois milhões de reais), o que resultará até o final
do ano no pagamento de mais de R$ 400.000.000 (quatrocentos milhões de
reais), ou seja, mais de 10% da dívida total estimada.
Portanto, não resta configurada uma atuação doloso e deliberada do Estado de
São Paulo com a finalidade de não pagamento dos precatórios alimentares.
(...)”
Não há falar, portanto, que o Estado de São Paulo esteja desobedecendo a
ordem judicial arbitrariamente, o que acontece é que, observadas as limitações
orçamentárias, está ele pagando os precatórios.
Do exposto, com a vênia do Ministro Relator, acompanho o voto do Ministro
Gilmar Mendes e dos demais Ministros que o seguiram.
Indefiro o pedido de intervenção federal.
O SENHOR MINISTRO ILMAR GALVÃO: Trata-se de pedido de requisição de
intervenção federal encaminhado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, com apoio no inciso VI do art. 34 da Constituição Federal, porquanto
destinado a prover a execução de ordem judicial de pagamento de precatório
de servidores estaduais, relativa a diferenças remuneratórias.
Em seu petitório disseram os exeqüentes que, “em 27.05.97, foi expedido o
ofício requisitório que tomou o número de ordem 1.279/98, constante do
orçamento de 1998, havendo a Fazenda desconsiderado “a determinação
constitucional para que a quitação dos precatórios de natureza alimentar, como
é o caso, fosse feita de uma vez, e nem se dignou a depositar a parcela devida
sem correção monetária”.
A inicial foi instruída com cópia dos autos do precatório, expedido pelo MM.
Juiz de Direito da 11.ª Vara da Fazenda Pública da Capital paulista (fls. 52/260)
– com a recomendação de que, in verbis: “o pagamento deverá ocorrer, no
máximo, em trinta dias, tempo suficiente para o empenho, de uma só e com
atualização, até a data do depósito” (fl. 59) – por meio dos quais se verifica
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282
que, após conferidas as peças integrantes do instrumento (fl.261), determinou
o Presidente do Tribunal de Justiça, em 28.07.97, que se transmitisse o
“expediente a à entidade devedora, para as providências de depósito em nome
do D. Juízo requisitante, importância de R$1.933.012,05, objeto da conta de
liquidação” (fl. 262).
Em face do pedido de intervenção manifestado pelos servidores beneficiários
do precatório em causa, foram solicitadas informações ao Chefe do Poder
Executivo, havendo sido dito, em resposta, que o Estado não está deixando de
cumprir ordens judiciais de forma intencional, arbitrária ou desarrazoada, visto
que, apesar de todos os esforços no sentido de acatá-las, vem esbarrando na
exaustão do Erário, óbice que não tem sido possível afastar por meio da
abertura de créditos suplementares, uma vez que tal providência, além de
depender de autorização legislativa, deve obrigatoriamente indicar a fonte de
custeio, vale dizer, de qual receita vai sair a despesa, sendo certo que
inexistindo receita disponível se torna inviável a abertura de tais créditos (fls.
278/294).
O processamento da intervenção foi deferido pelo Tribunal de Justiça, em
14.03.2001 (fls. 343/348).
Perante o /STF, foram reproduzidas pelo Governo de São Paulo as
informações que já haviam sido prestadas ao Tribunal paulista, havendo a
douta Procuradoria-Geral da República opinado pelo deferimento do pedido (fl.
383).
Às fls. 417/420, veio aos autos a Procuradoria-Geral do Estado para dizer que,
dando execução à recente Lei n.º 10.842/02, foi editado o Decreto n.º
46.933/02, pelo qual o Sr. Governador determinou ao Banco Nossa-Caixa que
efetuasse o repasse à conta única do Tesouro do Estado os valores
correspondentes a 80% dos depósitos judiciais e extrajudiciais efetuados a
partir de 4 de julho de 2002, referentes a processos judiciais ou administrativos
em que o Estado seja parte e que tenham pó objeto questões de natureza
tributária, para serem utilizados pelo referido órgão “exclusivamente para
pagamento dos precatórios judiciais relativos a créditos de natureza alimentar”
(fls. 417/441).
Esses recursos, obviamente, hão de ser utilizados para o fim de respaldar a
abertura de créditos adicionais a serem consignados, como os ordinários, ao
Poder Judiciário, e não para serem utilizados no pagamento de precatórios
diretamente pelo Estado, procedimento que entraria em choque com os arts.
100 e 167 da CF, deixando sem controle a observância do princípio da
precedência.
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283
O eminente Ministro-Presidente, na assentada de 14 de agosto último, votou
em parte, por mim, havendo votado pelo indeferimento os Ministros Gilmar
Mendes, Ellen Gracie, Nelson Jobim e Maurício Corrêa.
Na sessão do último dia 25 de setembro, após voto do eminente Ministro
Carlos Velloso, pedi vista dos autos.
Anteriormente, havia votado no sentido de fosse determinado ao Governo
estadual que pusesse à disposição do Tribunal de Justiça a parcela da dotação
orçamentária que, no orçamento de 2002, houvesse sido consignada ao Poder
Judiciário, alusiva aos meses de janeiro a julho do corrente ano, solução que
me ocorreu como bastante para obviar não apenas o presente pedido de
intervenção federal, mas todos os outros em processamento perante esta
Corte, contra o Governo do referido Estado.
Estava persuadido de que a desobediência do Poder Executivo à ordem
judicial, no caso, se restringia à omissão na liberação dos recursos
orçamentários destinados ao pagamento dos precatórios, por insuficiência de
recursos ou de receita, justificativa que se fosse aceita pelo Supremo Tribunal
Federal, justamente de parte do Estado mais rico da Federação, valeria pelom
decreto de falência do sistema de precatórios como meio de execução de
sentenças condenatórias contra o Estado, e, conseqüentemente, pela
declaração de ineficiência do art. 100 da Constituição Federal.
O superveniente pedido de vista resultou de dúvidas que me ocorreram, a partir
de então, quanto às causas do alegado inadimplemento.
Examinados os autos, reponho o feito em mesa.
O vocábulo “precatório”, segundo os historiadores do Direito brasileiro, deriva
da expressão “precatória de vênia”, que consistia em um pedido de licença
dirigido à Câmara Municipal, para o fim de proceder-se à penhora de bens da
Municipalidade.
Até então, o Poder Público não detinha privilégios processuais, razão pela qual,
nas execuções contra a Fazenda, nada impedia a penhora de bens públicos.
O precatório, como meio de obviar a imunidade à penhora que acabou por
proteger tais bens (Instrução de 10.4.851, do Diretório do Juízo Fiscal e
Contencioso dos Feitos da Fazenda), foi introduzido pelo Decreto n.º
3.084/898, tendo ganhado status constitucional com a Carta de 1934 (limitado
à Fazenda Federal), cujo art. 182 dispunha que “os pagamentos devidos pela
Fazenda federal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão na ordem de
apresentação dos precatórios e às contas dos créditos respectivos, sendo
vedada a designação de caso ou pessoas nas verbas legais” e que “esses
créditos serão consignados pelo Poder Executivo ao Poder Judiciário,
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284
recolhendo-se as importâncias ao cofre dos depósitos públicos”, cabendo “ao
Presidente da Corte Suprema expedir as ordens de pagamento, dentro das
forças do depósito...”
Pontes de Miranda, comentando esse dispositivo, já havia afirmado que
nenhuma atribuição de ordenar o pagamento possuíam o Presidente
República, os Ministros do Estado, o Tribunal de Contas, ou qualquer
autoridade administrativa (in Comentários à Constituição, 1935, p. 557).
O Código de Processo Civil/39 nada mais fez do que repetir a disciplina dos
precatórios contida na Carta de 37, que, de sua vez, se limitou a reproduzir o
modelo da Carta de 34, ao determinar que fossem consignados pelo Poder
Executivo ao Poder Judiciário os créditos contra a Fazenda federal,
recolhendo-se as importâncias ao cofre dos depósitos públicos, sistema que,
no dizer de Eduardo Espínola (in Const. Dos Estados Unidos do Brasil, Ed.
Freitas Bastos, II vol. 1952, p. 647), produziu excelentes resultados.
A Carta de 1946 estendeu o modelo aos Estados e Municípios e, em
conseqüência, previu a competência, no lugar da do Presidente do STF, a do
Presidente do novel Tribunal federal, o Tribunal Federal de Recursos,
acrescentando a do Presidente do Tribunal de Justiça, para expedição das
ordens de pagamento, segundo as possibilidades do depósito (art. 204 e
parágrafo).
A Carta de 67 trouxe duas inovações: a obrigatoriedade da “inclusão, no
orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento
dos seus débitos constantes de precatórios judiciários, apresentados até
primeiro de julho” e a proibição de “designação de casos ou de pessoas nas
dotações orçamentárias e nos créditos extra-orçamentários abertos para esse
fim” (art. 112 e parágrafos).
A EC 01/69 reproduziu, no ponto, as disposições da CF/67 (art. 117 e
parágrafos).
O sistema de precatório, portanto, é originário do direito brasileiro, sendo
correntio afirmar-se que não têm similar em outros países.
Teoricamente, torna a execução contra a Fazenda mais cômoda para o credor,
visto que o livra dos percalços da execução forçada que, entre nós, se
desenvolve num processo sempre inçado de percalços e dificuldades que, não
raro, se estende por anos a fio. A ordem cronológica que, a rigor, é observada,
dá-lhe a tranqüilidade de que seu direito não será preterido.
O problema que geralmente surge é o da insuficiência dos recursos do Estado
para a satisfação de todos os credores, situação que foi sempre agravada pela
circunstância de os pagamentos serem feitos por valores defasados, dando
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285
ensejo a precatórios complementares que de ordinário tornavam a execução
uma verdadeira renda anual, vitalícia, do credor contra o Estado.
O art. 100 da Carta de 88, em sua redação original, sob cuja égide se
processou o precatório sob enfoque, assim dispunha:
“Art. 100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos
devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença
judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos
precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos
ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos
para este fim.
§ 1.º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público,
de verba necessária ao pagamento dos seus débitos constantes de precatórios
judiciários, apresentados até 1º de julho, data em que terão atualizados seus
valores, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte.
§ 2.º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados ao
Poder Judiciário, recolhendo-se as importâncias respectivas à repartição
competente, cabendo ao Presidente do tribunal que proferir a decisão
exeqüenda determinar o pagamento, segundo as possibilidades de depósito, e
autorizar, a requerimento do credor e exclusivamente para o caso de
preterimento de seu direito de precedência, o seqüestro da quantia necessária
à satisfação do débito.”
O dispositivo, como se percebe, descreve um procedimento complexo,
constituído de diversas fases, que podem ser assim descritas:
- expedição do precatório ao Presidente do Tribunal competente, pelo Juiz da
execução movida contra a Fazenda Pública, após julgamento dos embargos;
- atuação, no Tribunal, dos precatórios apresentados até 1.º de julho;
- atualização monetária de seus valores na referida data;
- determinação, pelo Presidente do Tribunal, de inclusão, no orçamento do
Estado para o exercício seguinte, de dotação correspondente ao valor
atualizado dos precatórios;
- inclusão obrigatória da dotação no orçamento, de maneira global, sem
designação de casos ou de pessoas, consignada ao Poder Judiciário.
Logicamente, em razão do entendimento que, então, já vigorava no Estado de
São Paulo, segundo o qual os precatórios de natureza alimentícia deveriam ser
solvidos, de uma vez, pelo seu valor monetariamente atualizado, as dotações a
eles destinadas haveriam de ser calculadas de molde a poder fazer em face da
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inflação projetada para o período compreendido entre a data da atualização
dos precatórios e o final do exercício da execução orçamentária;
- recolhimento da dotação, naturalmente por parcelas, ao longo do exercício
em foco, à instituição financeira prevista em lei ou indicada pelo Presidente do
Tribunal;
- determinação, pelo Presidente do Tribunal, do pagamento dos precatórios
“segundo as possibilidades do depósito”, observada a “ordem cronológica de
apresentação”.
Após o pagamento do precatório, a requerimento do credor, será verificada, no
Juízo da Execução, a existência de eventuais acréscimos, os quais,
devidamente processados, serão objeto de precatório complementar, que
correrá os mesmos trâmites acima descritos.
Considerando que o orçamento é uma lei temporária, que vige por um ano, os
precatórios que, eventualmente não houverem sido pagos “até o final do
exercício seguinte” – para usar a expressão da Constituição – deverão ser
relacionados para a inclusão no próximo orçamento, juntamente com os novos
precatórios e os precatórios complementares apresentados até 1.º de julho, por
seus valores atualizados nessa data; e assim sucessivamente.
Assim, diante desse modelo (já alterado pela EC 30/00), não havia lugar para
que o Tribunal de Justiça, no presente caso, agisse como agiu, transferindo o
precatório ao Estado, “para as providências de depósito em nome do Juízo
requisitante”.
Ao revés, após a atualização do valor requisitado, à data de 1.º de julho,
deveria ter sido relacionado com os demais precatórios em processamento,
para fim de ser determinada a inclusão, no orçamento de 1998, de dotação de
quantia global, devidamente acrescida da correção monetária projetada para o
referido exercício.
O Governador, em conseqüência, pelo regime que era previsto no texto original
do art. 100 e parágrafos da CF, no presente caso, só poderia ser considerado
desobediente à ordem judicial se deixasse, primeiramente, de providenciar a
inclusão, no orçamento, da dotação requisitada pelo Tribunal; e, em segundo
lugar, de pôr à disposição do Tribunal, durante o exercício orçamentário, os
recursos alusivos à dotação prevista na lei de meios.
Estabelecidas essas premissas, cumpre examinar o que efetivamente
determinou o presente pedido de intervenção.
Conforme acima relatado, os autos quase nada revelam acerca do precatório
que embasou o pedido de intervenção.
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287
Esclarecem, apenas, que é ele originário da 11.ª Vara da Fazenda Pública
Estadual, havendo sido expedido, como se viu, com a recomendação de que o
pagamento deveria ocorrer no prazo máximo de trinta dias, devidamente
atualizada (fl. 59) e que, havendo dado entrada no Tribunal de Justiça no dia
27.5.97 (fl. 261), por ofício de 28.7.97 (fl. 262), simplesmente foi ele
“transmitido” à entidade devedora, “para as providências de depósito em nome
do D. Juízo requisitante”.
Basta, portanto, um perfunctório confronto desse último ato com o art. 100 e
parágrafos da CF, em sua redação original, para a convicção de que se está
diante de ordem judiciária não afeiçoada aos ditames do art. 100 da CF, em
que não se previa a possibilidade de transferência de precatório ao Poder
Executivo e, muito menos, de depósito da quantia correspondente em nome do
Juízo deprecante, não sendo demais relembrar que ao Chefe do Poder
Judiciário o que cumpria era mandar proceder à atualização do valor do débito,
referida a 1.ª de julho, e, em seguida, requisitar providências do Chefe do
Poder Executivo no sentido da inclusão, no orçamento para o exercício
seguinte, da dotação correspondente à soma dos precatórios oportunamente
apresentados, a ser consignada ao Poder Judiciário, à conta da qual haveriam
de ser feitos, por ele próprio, como já exaustivamente demonstrado.
Aliás, o pronto depósito da quantia alusiva ao precatório em causa, requisitado
pelo Tribunal de Justiça ao Governador, era medida que se revelava
duplamente inconstitucional, visto que, além de contrariar o rito previsto no art.
100, ia de encontro ao art. 167,II, que veda “a realização de despesas... que
excedam os créditos orçamentários ou adicionais”, hipótese configurada no
caso, já que o pretendido depósito, ao que tudo indica, não foi precedido de
inclusão, no orçamento, da dotação correspondente.
Tem aplicação, portanto, ao caso, a lição de Ives Gandra da Silva Martins,
dada em resposta a consulta do Prof. Gilmar Mendes (cf. fl. 366), segundo a
qual, “no momento em que uma decisão judicial determine que se seja paga
uma determinada importância contra o rígido orçamento aprovado, à evidência,
impõe uma condição de impossível cumprimento pelo Poder Executivo, que
não pode alocar recursos fora dos estritos termos das leis orçamentárias”.
Desenganadamente, portanto, está-se diante de ordem constitucionalmente
irrita e, mais do que isso, de cumprimento juridicamente impossível, cuja
infringência, conseqüentemente, não é suscetível de embasar a intervenção
prevista no art. 34, VI, da Constituição.
Retificando as conclusões do entendimento anteriormente esposado, voto, por
conseqüência, com a vênia do eminente Presidente, pelo indeferimento do
pedido.
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288
VOTO
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: O instituto da intervenção
federal, consagrado no texto de todas as Constituições republicanas
brasileiras, representa um elemento fundamental, tanto na construção da
doutrina do Estado Federal, quanto na práxis do federalismo.
O mecanismo de intervenção constitui instrumento essencial à viabilização do
próprio sistema federativo, e, não obstante o caráter excepcional de sua
utilização – necessariamente limitada às hipóteses taxativamente definidas na
Carta Política -, mostra-se impregnado de múltiplas funções de ordem políticojurídico, destinadas (a) a tornar efetiva a intangibilidade do vínculo federativo,
(b) a fazer respeitar a integridade territorial das unidades federadas, (c) a
promover a unidade do Estado Federal e (d) a preservar a incolumidade dos
princípios fundamentais proclamados pela Constituição da República.
A intervenção federal, na realidade, configura expressivo elemento de
estabilização da ordem plasmada na Constituição da República. É-lhe inerente
a condição de instrumento de defesa dos postulados sobre os quais se
estrutura, em nosso País, a ordem republicano-federativa. “O instituto da
intervenção” – adverte ERNESTO LEME (“A Intervenção Federal nos Estados”,
p. 25, item n. 20, 2ª Ed., 1930, RT) – “é (...) da essência do sistema federativo”.
Sem esse mecanismo de ordem político-jurídica, que assegura a
intangibilidade do pacto federal, “a União seria um nome vão. E as garantias e
vantagens, que a Federação deve proporcionar aos Estados e ao povo, se
reduziriam a simples miragem” (JOÃO BARBALHO, “Constituição Federal
Brasileira – Comentários”, p. 31, 2ª Ed., 1924, Rio de Janeiro, Briguiet e Cia.
Editores.
Cabe destacar, neste ponto, o magistério doutrinário, que, fundado na
necessidade de respeito ao princípio federativo, adverte sobre a
excepcionalidade da intervenção federal, em face do caráter extremamente
perturbador que assume qualquer interferência do Governo Federal nos
assuntos regionais e na esfera de autonomia dos Estados-membros (CARLOS
MAXIMILIANO, “Comentários à Constituição Brasileira”, p. 158, item n. 128, 3ª
Ed., 1929, Globo; THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI, “A Constituição
Federal Comentada” vol. I/183, 3ª Ed., 1956, Konfino; FÁVILA RIBEIRO, “A
Intervenção Federal nos Estados”, p. 48, tese de concurso, 1960, Editora
Jurídica, Fortaleza).
Não se pode perder de perspectiva a circunstância de que a intervenção
federal representa, ainda que transitoriamente, a própria negação da
autonomia institucional reconhecida aos Estados-membros pela Constituição
da República. Essa autonomia, que possui extração constitucional, configura
postulado fundamental peculiar à organização político-jurídica de qualquer
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289
sistema federativo, inclusive do sistema federativo vigente no Brasil. O poder
autônomo – que a ordem jurídico-constitucional atribuiu aos Estados-membros
– traduz um dos pressupostos conceituais inerentes à compreensão mesma do
federalismo.
Plenamente invocável, a tal propósito, o autorizado magistério do eminente
Professor JOSÉ AFONSO DA SILVA (“Curso de Direito Constitucional
Positivo”, p. 483, item n.2, 20ª Ed., 2002, Malheiros), cuja lição, no tema,
adverte:
“Intervenção
é
antítese
da
autonomia.
Por
ela,
afasta-se,
momentaneamente, a atuação autônoma do Estado, Distrito Federal ou
Município que a tenha sofrido. Uma vez que a Constituição assegura a essas
entidades autonomia como princípio básico da forma de Estado adotada,
decorre daí que a intervenção é medida excepcional, e só há de ocorrer nos
casos nela taxativamente estabelecidos e indicados como exceção ao
princípio da não intervenção...”. (grifei)
Daí a estrita disciplina imposta pela Constituição ao instituto da intervenção
federal, cujos requisitos de admissibilidade foram por ela taxativamente
relacionados em “numerus clausus”, em obséquio ao princípio maior da
autonomia das unidades federativas e em consideração ao caráter
absolutamente excepcional de que se reveste o ato interventivo. Essa
circunstância justifica, plenamente, a advertência constante do magistério
doutrinário de PONTES DE MIRANDA (“Comentários à Constituição de 1967”,
toma 2/198, 1967, RT), para quem “a intervenção nos Estados-membros
constitui, pelo menos, teoricamente, o ‘punctum dolens’ do Estado Federal”.
Vê-se, portanto, que o tratamento restritivo, constitucionalmente dispensado ao
mecanismo da intervenção federal, impõe que não se ampliem, as hipóteses de
sua incidência, cabendo, ao intérprete, identificar, no rol exaustivo do art. 34 da
Carta Política, os casos únicos que legitimam, em nosso sistema jurídico, a
decretação da intervenção federal nos Estados-membros.
O estatuto constitucional brasileiro inclui, dentre as hipóteses de
admissibilidade da intervenção federal nos Estados-membros, a ocorrência de
desrespeito ou de desobediência a ordem ou a decisão emanadas do Poder
Judiciário (CF, art. 34, VI, c/c o art. 36, II).
A exigência de respeito incondicional às decisões judiciais transitadas em
julgado traduz imposição constitucional, justificada pelo princípio da separação
de poderes e fundada nos postulados que informam, em nosso sistema
jurídico, a própria concepção de Estado Democrático de Direito.
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290
O dever de cumprir as decisões emanadas do Poder Judiciário, notadamente
nos casos em que a condenação judicial tem por destinatário o próprio Poder
Público, muito mais do que simples incumbência de ordem processual,
representa uma incontornável obrigação institucional a que n&o se pode
subtrair o aparelho de Estado, sob pena de grave comprometimento dos
princípios consagrados no texto da Constituição da República.
Cabe verificar, pois, se se registra, no caso presente, situação
caracterizadora de desobediência a ordem judicial - que se qualifica como
pressuposto de legitimação da intervenção federal.
Torna-se essencial, portanto, constatar se ocorreu, na espécie, hipótese
configuradora de resistência ilícita, ou de injusto retardamento, ou, ainda, de
arbitrária oposição ao cumprimento de decisão judicial, que, de modo
irrecorrível, condenou, o Estado de São Paulo, a pagar débito de caráter
alimentar.
O Estado de São Paulo, embora enfatizando a sua disposição de satisfazer
os débitos que possui, cumprindo, assim, as decisões judiciais que o
condenaram, demonstrou - considerada a estrutura das despesas do Estado,
em face das receitas correntes líquidas estaduais - a sua incapacidade
material de solver as obrigações existentes, acentuando, a esse propósito,
que, verbis:
“No intuito de agilizar esses paramentos, empenhou-se o Governo do Estado,
como é público e notório, para que fosse editada medida legislativa que
viabilizasse a utilização de depósitos judiciais para pagamento de precatórios
exclusivamente alimentares. Assim é que, por força da recente Lei Federal n°
10.482, de 3 de julho último (documento n° 2), regulamentada no âmbito do
Estado pelo Decreto n° 46.933, de 19 de julho do corrente ano (documento n°
3), tornou-se possível a destinação, já no mês de julho, de R$ 106.028.200, 02
(cento e seis milhões, vinte e oito mil, duzentos reais e dois centavos) para
pagamento de precatórios alimentares (documento n° 4), atingindo-se o total
pago de precatórios alimentares no ano de R$ 170.221.716,98 (cento e setenta
milhões, duzentos e vinte e um mil, setecentos e dezesseis reais e noventa e
oito centavos) (documento n° 5 e 6). Resta, ainda, dizer que, serão
repassados à Fazenda do Estado pela instituição depositária (Banco Nossa
Caixa S/A), neste mês de agosto e em setembro próximo, nos termos do §1°,
do artigo 1°, do Decreto Estadual n° 46.933, cerca de R$ 202.000.000,00
(duzentos e dois milhões de reais), o que elevará, nos próximos meses os
pagamentos de precatórios alimentares a mais de R$ 370.000.000,00
(trezentos e setenta milhões de reais), devendo-se fechar o ano com um
número superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais), ou seja,
mais de 10% da dívida total estimada.
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291
É de se consignar, de outra parte, que também nos anos anteriores, a partir
de 1995, quando assumiu a Chefia do Executivo paulista o saudoso
Governador Mário Covas, foram destinadas importâncias expressivas para
pagamento de precatórios, alimentares e não alimentares, no limite das
possibilidades financeiras do tesouro, como bem mostra o anexo documento
n.° 7, totalizando, até o mês de julho deste ano, quase 4 bilhões de reais de
precatórios pagos.
.................................................................................................................
Que sentido, pois, teria requisitar esse Pretório Excelso a intervenção federal
no Estado de São Paulo, com o afastamento de autoridade legitimamente
investida na Chefia do Executivo e a designação de um interventor que NADA
PODERIA FAZER PARA EQUACIONAR O PROBLEMA DA DÍVIDA COM
PRECATÓRIOS ALIMENTARES QUE NÃO ESTEJA SENDO FEITO? Salvo
se, ad argumentandum, optasse a cogitada interventoria por quitar, de pronto,
toda a dívida pendente com precatórios alimentares, observada
necessariamente a ordem cronológica dos ofícios, MESMO COM O
SACRIFÍCIO DE OUTRAS IMPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS, em alguns
casos, aliás, legitimando novos pedidos de intervenção federal no Estado,
embora por fundamento diverso (art. 34, V e VII, e, da CF).” (grifei)
O que me parece irrecusável, Senhor Presidente, e consideradas as razões
expostas pelo Estado de São Paulo, é que, para os fins a que se refere o art.
34, VI, c/c o art. 36, II, da Carta Política, a ordem constitucional brasileira não
autoriza a intervenção federal, fundada em involuntária demora de
pagamento, motivada por falta ou insuficiência de recursos financeiros, pois como já enfatizou o Supremo Tribunal Federal, “Para justificar a intervenção,
não basta a demora de pagamento, na execução de ordem ou decisão
Judiciária, por falta de numerário: é necessário o intencional ou arbitrário
embaraço ou impedimento oposto a essa execução” (IF 20/MG, Rel. Min.
NELSON HUNGRIA, “in” Arquivo Judiciário, vol. 112/160-161 – grifei).
Esta Suprema Corte, ao recusar a possibilidade jurídico-constitucional de
intervenção federal no Estado-membro, por alegado descumprimento de
ordem ou decisão judicial, assim fundamentou o seu dictum, no julgamento
acima referido, consoante revela o voto do saudoso Ministro NELSON
HUNGRIA, então Relator da causa, nesta Corte, e cujas palavras reproduzo, in
extenso:
“Não padece dúvida que a intervenção autorizada pelo art. 7°, V, da
Constituição Federal tem como pressuposto a injustificada oposição, por
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292
parece do Governo estadual, de embaraço ou impedimento à execução de
ordem ou decisão judiciária.
Não basta a demora, que pode ser justificada, na execução: é necessário que
se apresente uma desobediência manifesta, propositada ou por descaso, à
ordem ou decisão Judicial.
É o que já ensinava Barbalho, comentando o parágrafo 4° do art. 6° da
Constituição de 91: - a intervenção em tal caso se deve entender como uma
sanção para constranger à obediência os governos dos Estados, ‘quando
embaracem ou se oponham a execução’ das decisões Judiciais
(‘Constituição Federal Brasileira’, pg. 27).
No mesmo sentido, Pontes de Miranda, comentando a atual Constituição: - ‘há
intervenção sempre que se impede a eficácia da sentença, decisão ou ordem’
(‘Comentários à Constituição de 1946’, ed. 1953, vol. 1°, pg. 486).
É preciso que um desarrazoado obstáculo tenha sido oposto pelo Governo
estadual à execução da decisão ou ordem.
Ora, no caso vertente, o retardamento na execução não promana de obstáculo
criado pelo Governador mineiro, mas da acidental exaustão atual do erário do
Estado.” (grifei)
Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, peço vênia para
indeferir o pedido de intervenção federal no Estado de São Paulo.
É o meu voto.
VOTO
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Sr. Presidente, não quero
comprometer-me de imediato com o extremo rigor do voto do grande Nelson
Hungria, na IF 20, que tem sido invocado, e exige para intervenção federal,
mais que uma desobediência dolosa, um descumprimento ativo, a falar em
obstáculo criado e expressões equivalentes.
O SENHOR MINISTRO NELSOM JOBIM – Ministro Sepúlveda Pertence,
V.Exa. tem toda razão. Essa exegese de Nelson Hungria era a revolta contra a
Velha República, ou seja, a intervenção era o ato.
Um dos Presidentes da República teve intervenção o tempo todo. O Regime de
46 foi contrário à intervenção. Estava dentro do espírito do processo. A
judicialização de 34 acabou com o organismo de intervenção do governo
central.
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293
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Sr. Presidente, não
obstante ter acompanhado o problema de São Paulo por ser Presidente do
Tribunal, no início do governo do saudoso Governador Mário Covas, sucedido
pelo atual governador, em seu segundo quatriênio, não posso desconhecer que
sequer de uma negligência evidente se possa acusar o Estado de São Paulo.
Ao contrário, há um esforço constante em meio a uma quadra de crise fiscal
manifesta.
Lembra-me, quando Presidente do Tribunal, ter recebido em audiência coletiva
nada menos do que vinte e dois ou vinte e três governadores dos Estados. Na
verdade, não pude poupar-me à observação de que o problema dos
precatórios existia há muitas décadas, mas nenhum governador jamais se
preocupara com ele, porque a inflação se encarregava de tornar absolutamente
irrelevante o atraso no pagamento dos precatórios, criando esta figura do
precatório complementar, da eternização da liquidação dos precatórios,
transformando – tornou-se lugar comum a expressão – o credor em pensionista
do Estado. O problema se tornou dramático quando as condenações passaram
a exprimir um valor real, dado a relativa estabilização da moeda a partir de
1994.
Dentro deste quadro dramático, não creio – ainda sem me comprometer com o
que me parece o excessivo rigor das premissas do voto de Hungria – que se
possa ter como característica no caso a hipótese de intervenção, que há de
exigir, no mínimo, uma negligência manifesta do governo do Estado, a qual não
posso atribuir, nas circunstâncias, ao governo do Estado de São Paulo.
Peço vênia a V.Exa para acompanhar a divergência e indeferir a intervenção.
VOTO
O SENHOR MINISTRO MOREIRA ALVES – Com a devida vênia de V.Exa.,
acompanho o eminente Ministro Gilmar Mendes, indeferindo o pedido de
intervenção.
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294
10- RECLAMAÇÃO Nº 1091-1/PA
Data da Decisão: 22/05/2002.
Relator: Min. Maurício Corrêa.
Tipo de Ação: Reclamação.
Modalidade de Jurisdição: Originária (Cassação).
Pólo Ativo: Governador do Estado do Pará.
Pólo Passivo: Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região.
Interessado: Itajaí Oliveira de Albuquerque.
Órgão Judicante: Tribunal Pleno.
EMENTA: RECLAMAÇÃO. GOVERNADOR DO ESTADO: LEGITIMIDADE.
PRECATÓRIO. NÃO INCLUSÃO DO DÉBITO NO ORÇAMENTO DO ENTE
PÚBLICO DEVEDOR. SEQÜESTRO: IMPOSSIBILIDADE.
1.Reclamação. Legitimidade ativa do Governador do Estado para defender
interesses de órgãos estatais da Administração pública direta e indireta.
2.Não inclusão do débito judicial no orçamento do ente devedor. Hipótese que
não se equipara à preterição de ordem, sendo ilegítima a determinação de
seqüestro em tais casos. A presunção de existência de recursos financeiros
não elide a ausência de previsão orçamentária, não consistindo motivo
suficiente para a decretação de bloqueio de verbas públicas.
Reclamação procedente.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO MAURÍCIO CORRÊA: O Governador do Estado do
Pará ajuizou a presente reclamação, com pedido de liminar, em que afirma que
o Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região desrespeitou a autoridade da
decisão proferida por esta Corte na ADI 1.662-SP, ao determinar o seqüestro
das importâncias de R$ 5.351.971,11 (cinco milhões, trezentos e cinqüenta e
um mil, novecentos e setenta e um reais e onze centavos), da Fundação da
Criança e do Adolescente – FUNCAP, e de R$ 9.679.040,43 (nove milhões,
seiscentos e setenta e nove mil, quarenta reais e quarenta e três centavos), da
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295
Fundação Santa Casa da Misericórdia – FSCMPA, concernente aos
precatórios relacionados às fls. 63/64 e 23/29, respectivamente.
2. Sustenta o reclamante que tem legitimidade ativa para a medida,
fundamentando-se na jurisprudência desta Corte e na dependência financeira
das entidades públicas, já que integrantes da estrutura administrativa do
estado. No mérito, alega a determinação impugnada fez valer dispositivos
suspensos pelo Tribunal, sob o entendimento de que não se equipara à
hipótese de preterição a não inclusão, no orçamento dom ente devedor, da
verba necessária à satisfação dos precatórios.
3. Enfatiza que os atos praticados terminam por inviabilizar o desenvolvimento
das atividades sociais a cargo do Poder Executivo local, executadas pelas
referidas Fundações, até porque a quantia bloqueada ultrapassa seus próprios
orçamentos, podendo o excedente recair sobre a conta única do Estado.
4.Concedi a liminar requerida, para suspender a execução das mencionadas
ordens de seqüestro até o final do julgamento desta reclamação (fls. 204/206).
5. O juízo reclamado prestou informações (fls. 217/219), nas quais afirma que
não houve ordem de seqüestro, apenas bloqueio das contas das fundações
públicas executadas. Esclarece que a decisão administrativa, fundada no fato
de o Estado haver proposto, em audiência conciliatória, o pagamento parcial da
dívida, teve por presente a disponibilidade financeira e superado o óbice
orçamentário, daí por que a recusa em pagar teria vulnerado o direito de
precedência.
6. Itajaí Oliveira de Albuquerque, um dos credores de que cogita o ato
reclamado, apresenta impugnação (fls. 465/473) em que sustenta a
ilegitimidade do reclamante e, afinal, requer a improcedência do pedido. Pede,
ainda, que seja promovida ex officio a intervenção federal no Estado, pelo nãopagamento dos precatórios.
7. O estado do Pará intervém no processo, requerendo sua admissão como
litisconsorte ativo necessário. Após alegar a ilegitimidade passiva do citado
credor, reitera a capacidade postulatória do Governador e pede seja julgado
procedente o pleito (fls. 543/557).
8. Nova petição foi encaminhado ao Estado. Desta feita, formula pedido de
desistência da reclamação, relativamente aos credores Itajaí Oliveira de
Albuquerque, Maurício Cezar Soares Bezerra e Rodolfo Tamer Xerfan,
consoante acordo firmado na Justiça do Trabalho (fls. 565/9).
9. O Ministério Público Federal opina pela procedência da reclamação (fls.
574/580), em parecer da lavra do Subprocurador-Geral Wallace de Oliveira
Bastos, assim ementado:
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296
“RECLAMAÇÃO. Aplicação de instrução normativa do TST suspensa por
decisão liminar desse Colendo STF. Ordem liminar concedida para suspender
o seqüestro de rendas de entidades públicas para pagamento de precatórios.
Capacidade postulatória do Governador do Estado do Pará para ajuizar a
reclamação. Jurisprudência assentada pelo STF. Art. 103, V da Constituição
Federal. Pedido de desistência apresentado por quem não é o autor da ação.
Impossibilidade de Extinção do feito. Ausência de comprovação da satisfação
do crédito. Acordo de pagamento que não abrange a totalidade do seqüestro
ora impugnado. Art. 100, §2º da Constituição da República. Hipótese única e
exclusiva de seqüestro para execução de precatórios. Decisão liminar em
ADINnMC suspendendo os efeitos do seqüestro criado por instrução normativa
da Justiça do Trabalho. Verbas Públicas repassadas pelo Governo do Estado
do Pará em montante superior ao orçamento das Fundações alcançadas pela
medida constritiva determinada pelo TST, suspensa liminarmente nestes autos.
Recursos orçamentários do Estado do Pará. Parecer pelo provimento da
reclamação ora apreciada, uma vez plenamente demonstrada a razoabilidade
de seu objeto.”
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO MAURÍCIO CORRÊA (RELATOR): Cuida-se de
reclamação que tem por objeto preservar a autoridade da decisão proferida por
esta Corte na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.665-SP, tendo em vista
ordem de seqüestro determinada pelo Presidente do Tribunal Regional do
Trabalho da 8ª Região.
2. A presente reclamação foi proposta pelo Governador do Estado que, por ter
capacidade postulatória concorrente para requerer ação direta de
inconstitucionalidade idêntica àquela cuja autoridade busca-se resguardar,
encontra-se, em tese, legitimado para a medida (RECLQO 397-RJ, unânime, j.
em 25/11/92, Celso de Mello, RTJ 147/31).
3. Ao conferir legitimação ao Chefe do Poder Executivo estadual e não ao
Estado enquanto pessoa jurídica de direito público (EDADIQ 1.105, Maurício
Corrêa, DJ de 16/11/01, e AGRADI 2.130-SC, Celso de Mello, DJ de 14/12/01),
a Constituição Federal atribuiu excepcionalmente à referida autoridade,
independentemente de sua formação, aptidão processual plena ordinariamente
destinada apenas aos advogados (ADIMC 127-AL, Celso de Mello, DJ de
04/12/92).
4. O Governador do Estado sustenta que seu interesse de agir reside no fato
de que a FUNCAP e a FSCMPA são fundações pública que, apesar de dotadas
de autonomia adminsitrativa e financeira, sobrevivem às custas de subvenção
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297
estatal e se apresentam como pessoas jurídicas de direito público que,
respectivamente, executam política de assistência social, em prol da criança e
do adolescente, e prestam serviços médicos-hospitalares; não possuem receita
própria nem desenvolvem atividades lucrativas. Assim sendo e em
conseqüência, a subtração de valores, para fins de pagamento dos precatórios,
não ocorre nos cofres das referidas entidades, mas nos do erário estadual, com
repercussão negativa direta no orçamento gerenciado pelo Poder Executivo.
5. Claro, não há dúvida que a Constituição outorgou ao Governador do Estadomembro capacidade postulatória para, tendo em vista decisão proferida em
ação direta de inconstitucionalidade, na qual é parte legítima, utilizar-se da
reclamação para a defesa dos interesses da unidade federada que representa
e, também, dos órgãos estatais que compõem a Administração direta e
indireta.
6. É evidente, que nas situações em que se materializa dano aos órgãos
estatais, tem o Governador legitimidade para ajuizar reclamação visando o
cumprimento, pelas autoridades judiciárias de hierarquia inferior, do julgado
desta Corte, especificamente, como é o caso ora em exame, relacionado com o
desacato à decisão proferida na ADI 1662-SP, não se podendo, por isso, falar
em substituição processual das fundações públicas do Estado reclamante,
como eventualmente poderia aparentar.
7.Posta assim a questão, resulta manifesta a legitimação do Chefe do Poder
Executivo para, até mesmo como regra ínsita à aplicação do inciso II do art. 84
da Carta Federal, que lhe concede o poder de exercer a direção superior da
administração pública, a consecução do procedimento que adotou, aqui visível
na preservação dos interesses em risco do Estado, sendo inaplicáveis à
espécie os arttigos 6e e 12, inciso I, do Código de Processo Civil125.
8.Assim sendo, afasto a preliminar suscitada e reconheço a legitimidade do
requerente para figurar no pólo ativo da reclamação (artigo 13 da Lei
8.038/90126).
9. Quanto ao Estado do Pará, que interveio nos autos dizendo-se litisconsorte
ativo necessário, é de ver-se que, não te legitimidade para integrar a presente
125
ART. 6º - Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado
por lei;
Art. 12 – Serão representados em juízo ativa e passivamente:
I- a União, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios, por seus procuradores;
.................................
126
Art. 13. Para preservar a competência do Tribunal ou garantir a autoridade de suas
decisões, caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público.
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298
relação processual, não pode, evidentemente, formular desistência de parte de
rol de credores dos precatórios em causa (fls. 565/67).
10. Também não conheço, por ser manifestamente incabível, o pedido de
intervenção federal subscrito pelo exeqüente Itajaí Oliveira de Albuquerque,
dado que a pretensão, se viável, há de ser deduzida, em procedimento próprio
e específico, junto ao Presidente do Tribunal em que corre a execução (IFQO
105-PR, Sydney Sanches, DJ de 04/09/92).
11. Superadas as preliminares referidas, passo ao exame do mérito do pedido,
que visa o acatamento da decisão proferida pelo Tribunal no julgamento da ADI
1662-SP, que, em caráter definitivo, após refutar a alegação de perda do objeto
da ação pela superveniência da EC 30/00, declarou inconstitucionais os itens III
e XII da Instrução Normativa 11, de 10 de abril de 1997, do Tribunal Superior
do Trabalho.
12.No caso em exame, o Presidente do Tribunal a quo adotou como
fundamento para determinar o seqüestro das verbas públicas o fato de o
Procurador-Geral do Estado haver proposto, em reunião conciliatória, a
quitação parcial dos débitos das entidades fundacionais referidas na inicial.
Embora rejeitada a proposta pelos credores, entendeu aquele juízo que a
pretensão de saldar o débito levava à ilação de que os órgãos devedores
possuíam recursos suficientes para satisfazer a obrigação, ficando superada a
falta de previsão orçamentária, visto que reconhecida a disponibilidade
financeira para o cumprimento dos precatórios.
13.É incontroverso nos autos que as fundações devedoras ou mesmo o Estado
que as mantém deixaram de prever em seus orçamentos as verbas
necessárias à quitação dos precatórios. No entanto, como assentado por esta
Corte, o omissão da despesa na orçamento ou seu não-pagamento até o final
do exercício subseqüente ao da expedição dom precatório não equivalem à
hipótese de preterição, única condição que autoriza essa medida.
14.Ademais, a autoridade reclamada não demonstrou a existência de quebra
da ordem de precedência dos requisitórios, baseando seu raciocínio tãosomente na dedução de oferta de pagamento, que sequer chegou a
concretizar-se, razão pela qual patenteia-se o descumprimento do acórdão
proferido no julgamento da ADI 1662-SP.
15.Não subsiste, por outro lado, o argumento deduzido pelo reclamado, em
suas informações, de que não houve seqüestro, “mas, tão-somente, a criação
de obstáculo para impedir o gasto e compelir o Estado a angariar o valor
necessário ao cumprimento dos débitos decorrentes dos precatórios
requisitórios” (fl. 219), pois tal afirmação, pela própria natureza e forma, soa
como confissão expressa de que, na verdade, houve determinação de
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299
seqüestro, com afronta à única hipótese em que ele pode realizar-se (CF,
artigo 100, § 2º).
Ante essas circunstâncias, conheço da reclamação e julgo-a procedente.
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300
11- INTERVENÇÃO FEDERAL Nº 230-3/DF
Data da Decisão: 24/04/1996.
Relator: Min. Sepúlveda Pertence.
Tipo de Ação: Intervenção Federal.
Modalidade de Jurisdição: Originária.
Pólo Ativo: Abeguar Herdy de Oliveira e Outros.
Pólo Passivo: Distrito Federal.
Órgão Judicante: Tribunal Pleno.
E M E N T A: 1. Cabe exclusivamente ao STF a requisição de intervenção para
assegurar a execução de decisões da Justiça do Trabalho ou da Justiça Militar,
ainda quando fundadas em direito infraconstitucional: fundamentação.
2. O pedido de requisição de intervenção dirigida pelo Presidente do tribunal de
execução ao STF há de ter motivação quanto à procedência e também com a
necessidade da intervenção.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE: Não atendido o requisitório
de pagamento de condenação, os interessados – vitoriosos em vultuosa
reclamação trabalhista – provocaram a Presidência do Tribunal Regional do
Trabalho da 10ª Região (Brasília) a que fosse pedida ao Supremo Tribunal a
intervenção da União no Distrito Federal.
Depois de ouvir o Distrito Federal e o Ministério Público, a ilustre Presidente
daquela Corte limitou-se ao seguinte despacho:
“Nos termos dosa artigos 34, inciso VI e 36, inciso II, da Constituição Federal,
encaminhem-se os autos ao Supremo Tribunal Federal”.
Para definir a competência e a admissibilidade do processamento do feito,
submeto o caso ao Plenário em questão de ordem.
É o relatório.
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301
VOTO
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (PRESIDENTE): Merece
uma definição no caso, a questão da competência do Supremo Tribunal
Federal.
2. O Art. 34, VI, CF, prevê a intervenção da União nos Estados e no Distrito
Federal para prover a execução de “ordem ou decisão judicial.
3.Prescreve, de seu turno, o art. 36, II, que “a intervenção dependerá (...) no
caso de desobediência a ordem ou decisão judiciária, de requisição do
Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal
Superior Eleitoral”.
4.Vem da Emenda de 1926 à Constituição de 1891 a competência, então
privativa, do Supremo Tribunal para requisitar ao Poder Executivo a
intervenção nos Estados, “a fim de assegurar a execução das sentenças
federais” (cf. art. 6º, § 3º).
5.A Constituição de 1934 – além de ampliar aquela hipótese de intervenção, de
modo a nela incluir também o “obstáculo (...) às decisões e ordens dos
Juízes e Tribunais” estaduais (cf. art. 12, VI e §3º, a) – cindiu a competência
de requisição entre a Corte Suprema e o Tribunal de Justiça Eleitoral, então
constitucionalizado (cf. art. 13, §5º).
6.A partilha desse poder entre o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal
Superior Eleitoral retornou na Constituição de 1946 (art. 9º, §1º, I) e assim
permaneceu, sem alterações substanciais, nos textos subseqüentes (CF 67,
art. 10,§1º, c; CF 69, art. 11, §1º, c).
7.A cisão não trouxe perplexidade, uma vez que, como ficaria explícito na
Constituição de 1946 e nem podia ser de outro modo, a requisição só deveria
partir do TSE quando fosse da Justiça Eleitoral a ordem ou decisão à garantia
de cuja execução se destinasse a medida. Em todos os casos restantes,
caberia ela ao Supremo Tribunal.
8.Mais delicada se tornou a demarcação dos âmbitos de competência para
requisitar a intervenção na hipótese considerada, quando a Constituição
vigente, além do STF e do TSE, conferiu o mesmo poder ao Superior Tribunal
de Justiça.
9.É que ambos, o STF e o STJ, estão superpostos a todos os Tribunais da
Justiça ordinária, seja a federal, sejam as estaduais, e a Lei Fundamental não
declinou o critério de discrímem das áreas de competência, quando se cogita
de requisitar a intervenção federal para assegurar a execução dos seus
julgados.
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302
10.O Supremo Tribunal enfrentou a questão na IF 107, 3.8.92, Sanches,
oportunidade em que se acolheu parecer dom il. Subprocurador-Geral da
República Antonio Fernando, que se resumiu na ementa – RTJ 141/707:
“Intervenção Federal. Decisão fundada em lei federal (infraconstitucional).
Competência do Superior Tribunal de Justiça e não do Supremo Tribunal
Federal.
Tratando-se de pedido de intervenção federal, destinado a prover à execução
de decisão judicial, sobre medida liminar, em ação de reintegração na posse de
imóvel, fundada em dispositivo legal federal (infraconstitucional), a competência
para o processo e julgamento é do Superior Tribunal de Justiça e não do
Supremo Tribunal Federal.
Interpretação dos artigos 105, III, 102, III, 34, IV, 36, II, da Constituição Federal
e art. 19, I, da Lei 8.038, de 25.5.1990.
Pedido não conhecido, por incompetência do STF, remetidos os autos ao STJ”.
11. Entre os argumentos da decisão, interessa recordar que o em. Ministro
Sydney Sanches assim deduziu (RTJ 141/710):
“É que a decisão exeqüenda, concessiva de medida liminar, em ação de
reintegração na posse de imóvel, somente enfrenta questões federais
infraconstitucionais, como se vê de fls. 27/33.
O Julgamento de eventual recurso para o Tribunal ensejaria, em tese, recurso
especial para o Superior Tribunal de Justiça (art. 105, III, da Constituição
Federal). E não recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal (art.
102, III).”
12.Essa razão de decidir naquele caso pela competência do Superior Tribunal
de Justiça, soma-se agora a outras que me parece induzem, na espécie, a
solução diversa.
13.De fato. No precedente, cuidava-se de decisão de juiz estadual, que, acaso
mantida pelo Tribunal de Justiça, se poderia submeter à jurisdição do STJ,
mediante recurso especial.
14.Aqui, em que se trata de julgamento da Justiça do Trabalho, essa hipótese
não se põe: o órgão de cúpula daquela Justiça especializada, o TST, posto não
disponha da competência para requisitar intervenção, é, como o STJ, um
tribunal superior, sobre o qual apenas se sobrepõe o Supremo Tribunal.
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303
15.Certo, com a única ressalva da área dos recursos ordinários, a
superposição do STF aos Tribunais Superiores só se manifesta na via do
recurso extraordinário, cujo trânsito só se abre às causas que versem temas
constitucionais, o que não parece suceder na espécie.
16.Por isso, acerca do problema da divisão da competência para a suspensão
de segurança – que acertadamente o referido acórdão da IF 107 teve por
análoga a questão ora examinada – o Tribunal assentou – Recl. 543, 24.8.95,
Pertence,
“A suspensão de segurança: descabimento: liminar em mandado de segurança
de competência originária de tribunal superior, que não envolve questão
constitucional.
A suspensão de segurança, obstando à eficácia imediata da liminar ou da
sentença concessiva, visa a impedir que a execução provisória gere lesões à
ordem, à saúde, à segurança ou à economia pública, que o eventual
provimento do recurso da entidade estatal já não poderia reparar.
Daí resulta que o recurso a ter em conta na determinação da competência para
a suspensão de segurança é aquele de que possa decorrer a reforma da
decisão que a conceda, não a daquela que a tenha deferido.
Portanto, carece o Presidente do STF do poder de suspender a execução de
liminar, quando deferida por juiz de Tribunal Superior, em mandado de
segurança cuja impetração não suscita questão constitucional, de tal modo
que, até segunda ordem, se há de presumir que de sua concessão não caberá
recurso extraordinário.
17.Em conseqüência, não sendo possível ao STJ conhecer do pedido contra
decisão de tribunal da mesma hierarquia jurisdicional, firmou-se que, se a
causa não envolve questão constitucional, não se admite a suspensão de
segurança concedida pelos outros tribunais superiores.
18. É conclusão, no entanto, que não se pode transpor para o tema de
requisição de intervenção federal, sob pena de chegar-se ao absurdo de que, à
falta de órgão judiciário que a requisitasse, não seria possível a intervenção
federal destinada a assegurar o cumprimento de decisões das Justiças Militar e
do Trabalho, quando derivadas da aplicação de lei ordinária.
19.O que se impõe, desse modo, até para fugir ao despautério, é confiar ao
poder de requisição ao único tribunal, o STF, que a Constituição sobrepõe aos
tribunais superiores dos ramos especializados da Justiça da União, salvo o
caso do TSE, que tem competência para fazê-lo.
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304
20.Dispõe o art. 350, II, RISTF, que, quando da competência do STF, a
requisição da intervenção federal será promovida “de ofício, ou mediante
pedido do Presidente do Tribunal de Justiça ou Tribunal Federal, quando
se tratar de prover a execução de ordem ou decisão judiciária...”.
21.Coerentemente, o Tribunal se tem negado a conhecer de pedidos de
requisição de intervenção formulados por terceiros, em especial, pelo
interessado na execução de sentença não cumprida (v.g., IF 135-8, 18.10.95,
Pertence, e precedentes aí referidos).
22.Essa orientação não teria razão de ser, se, provocado pelo interessado, o
papel do Presidente do tribunal da execução se reduzisse – como na espécie
se circunscreveu – a encaminhar o expediente ao Supremo, sem manifestar-se
sobre a pretensão intervencionista nele deduzida.
23.O que se reclama é pedido do próprio dirigente do tribunal de origem, pois a
gravíssima sanção federativa da intervenção se institui, na hipótese cogitada,
não como instrumento de realização do direito do particular vitorioso no caso,
mas sim de afirmação da autoridade do órgão judiciário a cuja ordem ou
decisão se venha negando cumprimento.
24.É significativo, aliás, que diversos tribunais hajam subordinado a iniciativa
do seu presidente à prévia manifestação do colegiado sobre a procedência e
também a necessidade da intervenção.
25.Com efeito, a intervenção federal é medida extrema, que pressupõe, de
parte do tribunal de execução, a exaustão dos meios de que disponha para
fazer cumprir o julgado.
26.Por tudo isso, além de não se confundir com o simples encaminhamento de
pretensão alheia, o pedido da requisição da intervenção há de ser motivado.
27. Desse modo, afirmo a competência do STF, mas à falta de iniciativa própria
e fundamentada do órgão legitimado, nego trânsito ao expediente
encaminhado.
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305
12- INTERVENÇÃO FEDERAL – AGRAVO REGIMENTAL Nº 555-8/MG
Data da Decisão: 18/12/1997.
Relator: Min. Celso de Mello (Presidente).
Tipo de Ação: Agravo Regimental em Intervenção Federal.
Modalidade de Jurisdição: Recursal.
Pólo Ativo: Nelson Xisto Damasceno.
Pólo Passivo: Estado de Minas Gerais.
Órgão Judicante: Tribunal Pleno.
EMENTA: INTERVENÇÃO FEDERAL – ALEGADO DESCUMPRIMENTO DE
ORDEM JUDICIAL POR PARTE DE ESTADO-MEMBRO – CONDENAÇÃO
PROFERIDA PELA JUSTIÇA ESTADUAL – PEDIDO DE INTERVENÇÃO
ENCAMINHADO DIRETAMENTE AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PELO
PRÓPRIO CREDOR. CREDOR – PEDIDO QUE HÁ DE SER PREVIAMENTE
DIRIGIDO AO PRESIDENTE DO TRIBUNAL LOCAL – PRECEDENTES –
RECURSO IMPROVIDO.
- Não é lícito ao credor do Estado-membro, agindo per saltum, formular,
diretamente, ao Supremo Tribunal Federal, pedido de intervenção federal,
quando se tratar de prover a execução de ordem ou decisão emanada de
Tribunal local.
É que, tratando-se de condenação transitada em julgado, proferida por órgão
competente da Justiça Estadual, falece legitimidade ativa ad causam ao
credor interessado para requerer diretamente, ao Supremo Tribunal Federal, a
instauração do processo de intervenção federal contra o Estado-membro que
deixou de cumprir a decisão ou a ordem judicial, pois, em tal hipótese, imporse-á, à parte interessada, a obrigação de previamente submeter o pedido de
intervenção ao Presidente do Tribunal local, a quem incumbirá formular, em ato
devidamente motivado, o pertinente juízo de admissibilidade.
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306
Se esse juízo de admissibilidade for positivo, caberá ao Presidente da Corte
judiciária inferior determinar o processamento do pedido e ordenar o seu
ulterior encaminhamento ao Supremo Tribunal Federal, para que este –
apreciando, e eventualmente acolhendo, a postulação formulada pelo credor
interessado – requisite, ao Presidente da República, se for o caso, a
decretação de intervenção federal no Estado-membro que houver descumprido
a decisão judicial exeqüenda. Precedentes.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELO (Relator): Trata-se de “agravo
regimental” interposto contra decisão do ilustre Ministro SEPÚLVEDA
PERTENCE, então no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal,
que, em fundamentado pronunciamento, negou trânsito ao pedido de
intervenção federal formulado pelo ora recorrente, por entender caracterizada,
na espécie, a ausência de legitimidade ativa ad causam da parte requerente.
O ato decisório, objeto da presente impugnação recursal, tem o seguinte
conteúdo (fls. 218/219):
“Cuida-se de pedido de intervenção federal no Estado de Minas Gerais
formulado por Nelson Xisto Damasceno, em causa própria, com fundamento
nos artigos 34, inciso VI e 36, inciso II, da Constituição Federal, para prover a
execução de decisões judiciais.
Alega o requerente que patrocinou causas para suas clientes, nas quais a
Fazenda Pública do Estado foi condenada ao pagamento de custas e
honorários advocatícios e que, expedidos os precatórios pelo Tribunal de
Justiça, os valores requisitados não foram depositados no prazo constitucional
(CF, art. 100);
Aduz que embora tais requisitórios não tenham sido expedidos como sendo de
natureza alimentícia, `o certo é que em se tratando de pagamento de
condenação em honorários advocatícios e levando-se em conta que o
requerente faz da advocacia a sua profissão e o seu meio de sustento, são de
indiscutível natureza alimentícia´.
Requer a citação do Estado de Minas Gerais, na pessoa de seu Governador,
`para pagar no prazo de 10 (dez) dias os referidos precatórios (...) com os
acréscimos da correção monetária desde as datas da liquidações e até a data
do efetivo pagamento`, sob pena deste Supremo Tribunal, nos termos doa rt.
36, II, da CF, requisitar a intervenção federal no Estado.
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307
Carece o requerente, contudo, de legitimidade ativa para o pedido de
intervenção, de acordo com a orientação da jurisprudência do Supremo
Tribunal, de que é exemplo a decisão proferida na IF 105 (QO), Sydney
Sanches, RTJ 142/371, verbis:
‘Intervenção Federal. Legitimidade ativa para o pedido. Interpretação do inciso
II do art. 36 da Constituição Federal de 1988, e dos artigos 19, II e III, da Lei
8038, de 28-05-1990, e 350, II e III do RISTF.
A parte interessada na causa somente pode se dirigir ao Supremo Tribunal
Federal, com pedido de intervenção federal, para prover a execução de
decisão da própria Corte.
Quando se trata de decisão de Tribunal de Justiça, o requerimento de
intervenção deve ser dirigido ao respectivo Presidente, a quem incumbe, se for
o caso, encaminhá-lo ao Supremo Tribunal Federal.
Pedido não conhecido, por ilegitimidade ativa dos requerentes.’
No mesmo sentido recordo outros precedentes da Corte (IF 81 (AgRg), RTJ
114/443; IF 135, Pertence, DJ 24.11.95) e, sob orndes constitucionais
anteriores, que, no ponto, não sofreram alteração substancial: IF 61, 16.12.70,
Barros Monteiro, RTJ; IF 94, 19.12.86, M. Alves.
Assim sendo, na linha dos precedentes, nego seguimento ao pedido.”
A parte agravante, ao questionar o ato judicial do qual recorre, sustenta que a
Constituição da República desautoriza a exegese restritiva nele veiculada,
precisamente porque o texto constitucional – segundo alega – não
estabelece qualquer distinção em torno do tipo ou da origem da decisão judicial
cujo descumprimento pode ensejar a requisição da intervenção federal (fls.
224).
Mais do que isso, impõe-se ao intérprete considerar, no processo de indagação
do sentido emergente da norma que autoriza a requisição de intervenção
federal nos Estados-membros, a existência de diversos postulados de natureza
constitucional e, também, de caráter infraconstitucional (fls. 224/225).
Por não me haver convencido das razões expostas pela parte ora agravante,
submeto o presente recurso à apreciação do Egrégio Plenário desta Suprema
Corte.
É o relatório.
VOTO
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308
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO (Relator): A análise do presente
recurso impõe algumas reflexões prévias em torno da questão central
referente à disciplina constitucional que rege, em nosso sistema jurídico, o
processo de intervenção federal.
O instituto da intervenção federal, consagrado no texto de todas as
Constituições republicanas brasileiras, representa um elemento fundamental,
tanto na construção da doutrina do Estado Federal, quanto na práxis do
federalismo.
O mecanismo da intervenção constitui instrumento essencial à viabilização do
próprio sistema federativo, e, não obstante o caráter excepcional de sua
utilização – necessariamente limitada às hipóteses taxativamente
definidas na Carta Política -, mostra-se impregnado de múltiplas funções de
ordem político-jurídica, destinadas (a) a tornar efetiva a intangibilidade do
vínculo federativo (b) a fazer respeitar a integridade territorial das unidades
federadas, (c) a promover a unidade do Estado Federal e (d) a preservar a
incolumidade dos princípios fundamentais proclamados pela Constituição da
República.
A intervenção federal, na realidade, configura expressivo elemento de
estabilização da ordem normativa plasmada na Constituição da República. Élhe inerente a condição de instrumento de defesa dos postulados sobre os
quais se estrutura, em nosso País, a ordem republicano-federativa. “O instituo
da intervenção”- adverte ERNESTO LEME (“A intervenção Federal nos
Estados”, p. 25, item n. 20, 2ª ed., 1930, RT) – “é (...)da essência do sistema
federativo”. Sem esse mecanismo de ordem político-jurídica, que , assegura a
intangibilidade do pacto federal, “A União seria um nome vão. E as garantias e
vantagens, que a Federação deve proporcionar aos Estados e ao povo,
reduziriam a simples miragem” (JOÃO BARBALHO, Constituição Federal
Brasileira – Comentários”, p.31, 2ª ed., 1924, Rio de Janeiro, Briguiet e Cia
Editores).
Cabe destacar, neste ponto, o magistério doutrinário, que, fundado na
necessidade de respeito ao princípio federativo, adverte sobre a
excepcionalidade da intervenção federal, em face do caráter extremamente
perturbador que assume qualquer interferência do Governo Federal nos
assuntos regionais e na esfera de autonomia dos Esatdos-membros (CARLOS
MAXIMILIANO, “Comentários à Constituição”, p. 158, item n. 127, 3ª ed.,
1929, Globo; THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI, “A Constituição
Federal Comentada” vol. I/183, 3ª ed., Konfino; FLÁVIA RIBEIRO, “A
intervenção Federal nos Estados”, p.48, tese de concurso, 1960, Editora
Jurídica, Fortaleza).
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309
Não se pode perder de perspectiva a circunstância de que a intervenção
federal representa, ainda que transitoriamente, a própria negação da
autonomia institucional reconhecida aos Estados-membros pela Constituição
da República. Essa autonomia, que possui extração constitucional, configura
postulado fundamental peculiar à organização político-jurídica de qualquer
sistema federativo, inclusive do sistema federativo vigente no Brasil. O poder
autônomo – que a ordem jurídico-constitucional atribui aos Estados-membros –
traduz um dos pressupostos conceituais inerentes à compreensão mesma do
federalismo.
Daí a estrita disciplina imposta pela Constituição ao instituto da intervenção
federal, cujos requisitos de admissibilidade foram por ela taxativamente
relacionados em “numerus clausus”, em obséquio ao princípio maior da
autonomia das unidades federadas e com consideração ao caráter
absolutamente excepcional de que se reveste o ato interventivo. Essa
circunstância justifica, plenamente, a advertência constante do magistério
doutrinário de PONTES DE MIRANDA (“Comentários à Constituição de
1967”, tomo 2/198, 1967, RT), para quem “a intervenção nos Estadosmembros constitui, pelo menos, teoricamente, o ‘punctum dolene’ do Estado
Federal”.
Vê-se, portanto, que o tratamento restritivo constitucionalmente dispensado
ao mecanismo da intervenção federal impõe que não se ampliem as hipóteses
de sua incidência, cabendo ao intérprete identificar, no rol exaustivo do art.
34 da Carta Política, os casos únicos que legitima, em nosso sistema jurídico,
a decretação da intervenção federal nos Estados-membros.
O estatuto constitucional brasileiro inclui, dentre as hipóteses de
admissibilidade da intervenção federal nos Estados-membros, a ocorrência de
desrespeito ou de desobediência a ordem ou a decisão emanadas do Poder
Judiciário (CF, art. 34, VI, c/c o art. 36, II).
A exigência de respeito incondicional às decisões judiciais transitadas em
julgado traduz imposição constitucional, justificada pelo princípio da
separação dos poderes e fundada nos postulados que informam, em nosso
sistema jurídico, a própria concepção de Estado Democrático de Direito.
O dever de cumprir as decisões emanadas do Poder Judiciário, notadamente
nos casos em que a condenação judicial tem por destinatário o próprio Poder
Público, muito mais do que simples incumbência de ordem processual,
representa uma incontornável obrigação institucional a que não se pode
subtrair o aparelho de Estado, sob pena de grave comprometimento dos
princípios consagrados no texto da Constituição da República.
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310
É por tal razão que a desobediência a ordem ou a decisão judicial pode gerar,
em nosso sistema jurídico, gravíssimas conseqüências, que no plano penal
(CP, art. 319 e DL n. 201/67, art. 1º, XIV), quer no âmbito político-administrativo
(possibilidade de impeachment – Lei n. 1.079/50, art. 12, ns. 1, 2 e 4, c/c o art.
74; Lei n. 7.106/3, art. 1º e DL n. 201/61, art. 4º, VII), quer, ainda, na esfera
institucional (decretabilidade de intervenção federal nos Estados-membros ou
em Município situados em Território Federal, ou de intervenção estadual nos
Municípios – CF, art. 34, VI, ou de intervenção estadual nos Municípios – CF,
art. 34, VI, c/c o art. 35, IV).
Apresentadas essas premissas, passo a apreciar o recurso interposto pelo
credor interessado. E, ao fazê-lo, acentuo não assistir qualquer razão à parte
agravante, eis que se revela integralmente correta a decisão que constitui
objeto do presente recurso de agravo.
A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, ao definir o
sentido e o alcance do art. 36, II da Constituição da República, deixou
assentado, em tema de legitimidade ativa para instauração do processo de
intervenção federal, que a parte interessada na causa somente poderá
formular, originariamente, ao Supremo Tribunal Federal, pedido de intervenção
federal, quando se tratar de medida necessária ao cumprimento e execução de
decisão proferida por esta Suprema Corte (RTJ 142/371, Rel. Min. SYDNEY
SANCHES).
Tratando-se, no entanto, de decisão emanada de Tribunal de Justiça, como no
caso, impõe-se ao credor do Poder Público a obrigação formal de dirigir-se,
previamente, ao Presidente da Corte judiciária local, para, naquela instância,
deduzir o pedido de intervenção federal. Se o Presidente do Tribunal – de que
emanou a ordem judiciária alegadamente descumprida – entender que a
autoridade do julgamento proferido pela Corte inferior está sendo
desrespeitada,
caber-lhe-á,
então,
mediante
juízo
positivo
de
admissibilidade, determinar o processamento do pedido e o seu ulterior
encaminhamento ao Supremo Tribunal Federal, a quem competirá apreciar a
postulação formulada pela parte interessada, e, sendo o caso, requisitar, ao
Presidente da República, a decretação de intervenção federal no Estadomembro que houver desrespeitado a decisão judicial exeqüenda.
É por essa razão que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, nas hipóteses
de alegado descumprimento de decisão judicial proferida por Tribunal de
Justiça, tem advertido faltar legitimidade ativa à parte interessada, para agindo
per saltum, submeter, desde logo, à própria Suprema Corte, o pedido de
intervenção federal contra o Estado-membro devedor.
É que, em tal específica situação, a requisição de intervenção federal – de
competência desta Suprema Corte – dependerá, essencialmente, do juízo
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311
positivo de admissibilidade do Presidente do Tribunal de Justiça local (RTJ
120/949, Rel. Min. MOREIRA ALVES). Se este, entendendo incabível o
processamento da intervenção federal, deixar de admitir o respectivo pedido,
vindo, em conseqüência, a repeli-lo, não poderá o Supremo Tribunal Federal
sequer examiná-lo (RTJ 114/443, Rel. Min. MOREIRA ALVES).
Cumpre ressaltar que, no caso presente¸ a parte ora agravante sequer
provocou, formalmente, o Presidente do Tribunal de Justiça local, para que
este, agindo nos termos do art. 350, II do RISTF, viesse a submeter, à
apreciação do Supremo Tribunal Federal, o pedido de intervenção federal, por
inexecução de ordem ou decisão judiciária.
Nem se há de cogitar, na espécie, da possibilidade de esta Corte, procedendo
ex officio, vir, espontaneamente, a adotar a providência extraordinária
pretendida pelo ora recorrente.
É que no caso, inexistiu qualquer omissão imputável ao Presidente do
Tribunal de Justiça local. A única omissão efetivamente caracterizada neste
procedimento concerne à própria parte recorrente, que, embora podendo – e
devendo – provocar, formalmente, o Presidente da Corte judiciária local, deixou
de fazê-lo.
Tratando-se da questão referente à legitimidade ativa para a instauração do
processo de intervenção federal, na hipótese de desobediência a ordem ou
decisão judicial (CF, art. 34, VI, c/c o art. 36, II), cabe ter presente a
advertência feita pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
“Intervenção Federal. Legitimidade ativa para o pedido. Interpretação do
inciso II do art. 36 da Constituição Federal de 1988, e dos artigos 19, II e III da
Lei 8.038, de 25-5-1990, e 350, II e III do RISTF.
A parte interessada na causa somente pode se dirigir ao Supremo Tribunal
Federal, com pedido de intervenção federal, para prover a execução de
decisão da própria Corte.
Quando se trate de decisão de Tribunal de Justiça, o requerimento de
intervenção deve ser dirigido ao respectivo Presidente, a quem incumbe, se for
o caso, encaminhá-lo ao Supremo Tribunal Federal.
Pedido não conhecido, por ilegitimidade ativa dos requerentes.”
(RTJ 142/371, Rel. Min. SYDNEY SANCHES – grifei)
“Intervenção Federal por descumprimento de decisão judicial da Justiça dos
Estados: ilegitimidade do particular interessado para requere sua requisição
ao Supremo Tribunal: precedentes.”
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312
(IF n. 135-RJ, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei)
Esse entendimento, por sua vez, reitera orientação do Supremo Tribunal
Federal formada e consolidada sob a égide do anterior ordenamento
constitucional, como expressamente referido na própria decisão ora recorrida
(RTJ 57/156, Rel. Min. BARROS MONTEIRO – RTJ 120/949, Rel. Min.
MOREIRA ALVES – IF N. 64, Rel. Min. THOMPSON FLORES – IF n. 68, Rel.
Min. ANTÔNIO NEDER – IF n. 94, Rel. Min. MOREIRA ALVES, v.g.).
Uma última observação se impõe: mesmo quando o Presidente do Tribunal
local ou regional formalmente encaminha pedido de intervenção federal a esta
Suprema Corte, deve ele fundamentá-lo adequadamente (IF n. 231- DF, Rel.
Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), além de indicar as razões evidenciadoras da
necessidade da medida excepcional postulada (IF n. 232-DF, Rel. Min.
SEPÚLVEDA PERTENCE).
Daí a advertência contida no magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal
Federal:
“ O pedido de requisição de intervenção dirigida pelo Presidente do Tribunal de
execução ao STF há de ter motivação quanto à procedência e também com a
necessidade da intervenção”.
(IF n. 230- DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE).
Assim sendo, e não se tratando, no caso ora em análise, de prover a
execução de ordem ou decisão do próprio Supremo Tribunal Federal (RISTF,
art. 350, III), falece legitimidade ativa à parte interessada, para, sem prévia
submissão de seu pleito ao Presidente do Tribunal de Justiça local, formular,
diretamente, perante a Suprema Corte, pedido de intervenção federal, sob
alegação de inexecução¸ pelo Estado-membro devedor, de decisão proferida
pela Corte Judiciária estadual.
Por tais razões, nego provimento ao presente recurso de agravo.
É o meu voto.
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13- INTERVENÇÃO FEDERAL Nº 102-1/PA
Data da Decisão: 13/03/1991.
Relator: Min. Néri da Silveira.
Tipo de Ação: Ação Direta de Inconstitucionalidade Interventiva.
Modalidade de Jurisdição: Originária.
Pólo Ativo: Partido Socialista Brasileiro e Deputado Ademir Andrade.
Pólo Passivo: Estado do Pará.
Órgão Judicante: Tribunal Pleno.
EMENTA: Intervenção Federal. Requerentes: partido político e parlamentar
federal. Alegação de que o Governador do Estado não adota providências, em
certo município, para garantir a ordem e assegurar os direitos humanos.
Alegação de enquadrar-se a espécie no art. 34, VI e VII, alínea “b”, da
Constituição Federal. Hipótese em que não houve representação do
Procurador-Geral da República, negando o Tribunal de Justiça do Estado
descumprimento de decisão judicial no Estado. Falta de legitimidade aos
requerentes para suplicarem a intervenção, pelos fatos indicados. Pedido de
que não se conhece.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO NÉRI DA SILVEIRA (PRESIDENTE - RELATOR): - Em
seu parecer a Procuradoria-Geral da República, às fls. 117/119, resumiu a
espécie e sobre ela se manifestou, nestes termos:
“O PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO e o DEPUTADO ADEMIR ANDRADE,
invocando o art. 103, VII, da Constituição Federal, que
regula
a
propositura de ação de inconstitucionalidade, requerem a essa Egrégia Corte
intervenção federal no ESTADO DO PARÁ, alegando a
ocorrência
das
situações previstas no artigo 34, VI e VII, alínea “b”, da Constituição Federal,
que justificariam a medida requerida.
2.
Em apoio ao pedido, trazem aos autos longa exposição de fatos
criminosos que estariam acontecendo no Estado do Pará, sem que o
Excelentíssimo Senhor Governador venha a tomar as providências cabíveis,
omitindo-se, com isto, de garantir a ordem e assegurar os direitos humanos
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314
naquela unidade da Federação.
3.
Anexam ao requerimento recortes de jornais e cópias de
pronunciamentos de ilustres congressistas, que comprovariam a situação
intranqüilizadora em que se encontra o Estado do Pará.
4.
Sem entrar no mérito sobre a veracidade das denúncias, de evidente
gravidade, examina o parecer apenas se elas tipificam caso de intervenção
federal, a ser decretada após a concordância do Supremo Tribunal Federal.
5.
O primeiro fundamento apresentado, para justificar a intervenção federal,
seria o de prover a execução de ordem ou decisão judicial, pois Excelentíssimo
Senhor Governador do Estado estaria descumprindo decretações de prisão
preventiva.
6.
A intervenção federal por descumprimento de ordem ou decisão judicial,
dependerá, conforme se constata de simples leitura do artigo 36 da
Constituição Federal, de requisição do Supremo Tribunal Federal, do Superior
Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral. A providência, no caso,
será tomada por essa Egrégia Corte, de ofício ou mediante pedido do
Presidente do Tribunal de Justiça, conforme dispõe o art. 350 do Regimento
Interno.
7.
Ocorre que não acompanha o presente pedido qualquer documento que
comprove descumprimento de decisão judicial, o que poderia permitir, em tese,
a iniciativa, de ofício, dessa Egrégia Corte. Aliás, na própria inicial o requerente
se limita a uma referência sobre não serem cumpridas decretações de prisões
preventivas. Como não existe prova concreta de recusa de cumprimento de
decreto prisional, sequer se justifica discutir se a omissão policial caracterizaria
a hipótese prevista na Constituição Federal.
8.
Quanto ao fundamento constante do art. 34, VII, alínea “b”, é flagrante o
equívoco do requerente, primeiro porque a representação interventiva somente
pode ser proposta pelo Procurador-Geral da República, conforme estabelece o
art. 36, III, da Constituição. Depois, porque o seu objetivo é suprimir ato jurídico
editado pelo Estado, que esteja em conflito com determinados princípios
constitucionais. Ora, a inicial não aponta o ato estadual específico a ser
reparado, por estar em colisão com os princípios constitucionais relacionados
no art. 34, VII, alínea “b”, da Carta. O que ela traz são notícias sobre fatos
concretos violadores de direitos humanos, que merecem proteção jurisdicional
diferente da representação interventiva.
9.
Deve ser ressaltado que a situação relatada na inicial, sendo
devidamente comprovada, é muito grave, mas a hipótese legal mais próxima
da mesma é a tipificada no art. 34, alínea III, sendo juízes sobre a sua
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315
ocorrência
o Presidente da República e o Congresso Nacional, não
incumbindo ao Supremo Tribunal Federal pronunciar-se sobre a conveniência
ou não do solicitado decreto de intervenção.”
Ouvido o Tribunal de Justiça do Estado do Pará, vieram informações às fls.
134, nestes termos:
“Em atenção ao vosso honroso ofício de n° 549/P de 13 de setembro de 1989,
e recebido na data 18/09, em que são solicitadas informações, quanto ao
descumprimento de ordens ou decisões judiciais, por parte do Exm° Sr.
Governador do Estado, Dr. Hélio Mota Gueiros, cumpre-me informar a V. Exa.
que, mandando rever as atas das sessões realizadas pelo Tribunal Pleno deste
Poder, não foi encontrada nenhuma representação formulada contra aquela
autoridade do poder Executivo, que revelasse recusa no cumprimento das
decisões da Justiça Estadual.
Convém acrescentar que o Dr. Hélio Mota Gueiros, foi, até disputar cargo
eletivo de senador e governador do Estado, serventuário da Justiça com
exercício no Cartório do 7° ofício, vinculado à 9ª Vara Cível.”
Às fls. 139/140, acrescentou a Procuradoria-Geral da República, “verbis”:
“2.As informações prestadas pelo Colendo Tribunal de Justiça do Estado do
Pará encontram-se às fls. 134 e dão conta da inexistência de representações
contra o Poder Executivo, por descumprimento de decisões judiciais, razão
porque não se localiza amparo para requisição de Intervenção Federal, na
forma prevista para a espécie pela Constituição Federal e pelo Regimento
Interno do Supremo Tribunal Federal.
3.Quanto aos documentos de fls. 124/129, trazidos aos autos pelos
requerentes da intervenção, eles noticiam a gravidade da situação no Município
de Itaituba, mas não permitem o deferimento da súplica por essa Egrégia
Corte.
4.Assim, reitero o parecer pelo arquivamento, nos termos do art. 351, II, do
Regimento Interno.”
È o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO NÉRI DA SILVEIRA (RELATOR): Na espécie, não houve representação do Procurador-Geral da República, que
bem o registra em seu parecer transcrito no relatório.
O Tribunal de Justiça do Estado do Pará nega descumprimento de decisão
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judicial no Estado. Não há, em decorrência, fundamento a requisição pelo STF
de intervenção federal, no caso.
Não resta, assim, legitimidade ao partido requerente e ao particular, deputado
federal, para suplicarem a intervenção pelos fatos indicados.
Não há, pois, aqui, como conhecer do pedido, por falta de legitimidade dos
suplicantes.
VOTO
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – O ajuizamento da ação direta
interventiva – que a vigente Constituição continua a denominar representação
(art. 36, III e IV) - supõe formal provocação do Procurador-Geral da República,
a quem se deferiu, para efeito de instauração deste processo subjetivo, a
titularidade exclusiva de seu exercício. Ainda remanesce, portanto, em sede de
representação interventiva – que não se confunde com o instituto da ação
direta genérica – o monopólio do “jus actionis” nas mãos do Chefe do Ministério
Público da União, muito embora – e esta é uma questão “de jure constituendo”
– o poder de agir devesse, em tal hipótese, ser atribuído ao Advogado-Geral da
União, que detém a representação institucional desta pessoa política, em juízo
ou fora dele (CF/88, art. 131, “caput”).
A existência de um litígio constitucional entre a União Federal e o Estadomembro, acha-se subjacente ao instituto da representação interventiva, cuja
configuração jurídico-processual qualifica-o como notável instrumento de
composição de conflitos federativos, destinado a restaurar a ordem
constitucional vulnerada e a fazer cessar situações de lesão ou de ofensa aos
princípios constitucionais sensíveis.
Ao discorrer sobre a natureza, o perfil e a função político-jurídica da
representação interventiva, GILMAR FERREIRA MENDES (“Controle de
Constitucionalidade – Aspectos jurídicos e políticos”, p. 217-218, 222 e 226,
1990, Saraiva), em precioso magistério doutrinário, que cumpre ser referido,
disserta, “verbis”:
“A ação direta de inconstitucionalidade foi introduzida, entre nós, como
pressuposto de processo interventivo, nos casos de ofensa aos chamados
princípios constitucionais sensíveis (CF de 1934, art. 12, § 2°; CF de 1946, art.
8°, parágrafo único; CF de 1967/1969, art. 11, § 1°, ‘c’). E, inicialmente,
provocava-se o Supremo Tribunal Federal com o objetivo de obter a declaração
de constitucionalidade da lei interventiva. A Constituição de 1946 consagrou,
porém, a ação direta de inconstitucionalidade, nos casos de lesão aos
princípios estabelecidos no art. 7°, VII. Imprimiu-se, assim, traço próprio ao
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nosso modelo de controle de constitucionalidade, afastando-se do sistema
norte-americano.
Não se cuidava de fórmula consultiva, mas de um litígio constitucional, que
poderia dar ensejo à intervenção federal. Outorgou-se a titularidade da ação ao
Procurador-Geral da República, a quem, como chefe do Ministério Público
Federal, competia defender os interesses da União (art. 126). Esse mecanismo
não descaracteriza a representação interventiva como peculiar modalidade de
composição de conflitos entre a União e os Estados-membros. A fórmula
adotada parece revelar que, na ação direta interventiva, menos que um
substituto processual, ou parte, o Procurador-Geral exerce o mister de
representante judicial da União.
O Supremo Tribunal Federal fixou, desde o início, que a decisão, na ação
direta, configurava um ‘aresto, um acórdão’, que punha termo ao contencioso
da
inconstitucionalidade. O Tribunal desempenhava, assim, a função de
árbitro supremo que ‘(...) intervém, se provocado, no conflito aberto entre a
Constituição, que lhe cumpre resguardar, e a atuação deliberante do poder
estadual’.
Como se vê, as primeiras decisões do Supremo Tribunal Federal já atribuíam à
representação interventiva o caráter de uma relação processual contraditória,
na qual o Procurador-Geral da República representava os interesses da União,
enquanto guardiã da federação, buscando assegurar a observância pelo
Estado-membro dos princípios consagrados no art. 7°, VII, da Constituição
Federal.
Reconhecia-se, assim, a representação interventiva como peculiar modalidade
judicial de composição de conflito entre a União e os entes federados.
Não se tem aqui, pois, um processo objetivo (objektives Verfahren), mas a
judicialização de conflito federativo atinente à observância de deveres jurídicos
especiais, impostos pelo ordenamento federal ao Estado-membro. Daí
considerar Bandeira de Mello, com acerto, que, no caso, se trata de exercício
do direito de ação, cuja autora seria a União, representada pelo ProcuradorGeral da República, e o réu, o Estado federado, atribuindo-se-lhe ofensa a
princípio constitucional da União.
A fórmula adotada parece traduzir aquilo que Kelsen houve por bem denominar
“accertamento giudiziale dell’illecito (...) Che condiziona l’esecuzione federale”.
E, evidentemente, esse “accertamento giudiziale”, ou o
contencioso
da
inconstitucionalidade, como referido por Castro Nunes, diz respeito ao próprio
conflito de interesses potencial ou efetivo, entre União e
Estado, no tocante
à observância de determinados princípios federativos. Portanto, o ProcuradorGeral da República instaura o contencioso de inconstitucionalidade não como
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318
parte autônoma, mas como representante
judicial da União Federal, que
‘tem interesse na integridade da ordem jurídica,
por parte dos Estadosmembros’.
Esta colocação parece emprestar adequado enquadramento dogmático à
chamada representação interventiva, diferenciando-a do controle abstrato de
normas, propriamente dito, no qual se manifesta o interesse público genérico
na preservação da ordem jurídica”.
Não se deve, pois, perder de perspectiva este fato: o de que, na ação direta
interventiva, instaura-se situação de litigiosidade constitucional entre a União
Federal, que nela deveria ser representada pelo Advogado-Geral da União - e
não pelo Procurador-Geral da República - e o Estado-membro.
Contudo, o texto constitucional preferiu outorgar a qualidade para agir, mesmo
em se tratando de representação interventiva, ao Procurador-Geral da
República - e só a este, exclusivamente .
No caso, a ação direta interventiva foi ajuizada por Partido Político, a quem
falece "legitimatio" ativa "ad causam", sendo inaplicável a este processo a
regra de legitimação inscrita no art. 103 da Constituição Federal, que se
adstringe, tão-somente, às hipóteses de controle concentrado de
constitucionalidade, instaurável pelo ajuizamento da ação direta genérica, de
todo inconfundível, quer por seu perfil, quer por sua finalidade, com a
representação interventiva.
Julgo, pois, o autor, carecedor desta ação ou representação interventiva.
Nesse sentido, acompanhando Vossa Excelência, Sr. Presidente, é o meu
voto.
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319
14- INTERVENÇÃO FEDERAL Nº 135-8/RJ.
Data da Decisão: 18/10/1995.
Relator: Min. Sepúlveda Pertence.
Tipo de Ação: Intervenção Federal.
Modalidade de Jurisdição: Originária.
Pólo Ativo: Ary Mendes e outros.
Pólo Passivo: Estado do Rio de Janeiro.
Órgão Judicante: Tribunal Pleno.
“EMENTA: Intervenção federal por descumprimento de decisão judicial da
Justiça dos Estados: ilegitimidade do particular interessado para requerer sua
requisição ao Supremo Tribunal: precedentes.”
“O SENHOR MINISTRO SEPULVEDA PERTENCE: Cuida-se de pedido de
intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro formulado por Ary Mendes e
outros delegados de polícia do Estado, para execução de decisão judicial que
lhes foi favorável.”
“Insurgem- se os requerentes contra recusa do Presidente do Tribunal de
Justiça de promover a pretendida requisição de intervenção federal no Estado,
sob a alegação de que o procedimento da referida autoridade judiciária
constitui usurpação da competência do Presidente do Supremo Tribunal
Federal estabelecida na Constituição Federal (art. 36, II) e disciplinada na L.
8038/90 (arts. 19, I, 20, I e II e 21).”
“Narram que, ainda na vigência da Carta de 1969, impetraram mandado de
segurança contra ato do Senhor Secretário de Administração do Estado,
pleiteando além do deferimento da incidência do adicional por tempo de serviço
sobre o cálculo da verba de representação, o "resguardo de direitos
supervenientes”.”
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320
“Promulgada a atual Constituição Federal, os impetrantes, pretendendo-se
beneficiários de disposições previstas nos artigos 241, 39, § 1º e 135 e Título
IV, que estabeleceram isonomia entre os Delegados de Polícia e os integrantes
da carreira do Ministério Público, pleitearam ao Relator do caso que no
julgamento da lide fossem considerados os referidos preceitos.”
“Entendendo, assim, que os acórdãos que concederam a ordem (f. 20/22 e
23/24), além da questão referente à incidência dos adicionais sobre a verba de
representação, decidiram também questão de natureza constitucional, relativa
aos alegados direitos supervenientes, e que referidos julgados não estão sendo
cumpridos pela autoridade coatora, bem como que os procedimentos do então
Presidente do Tribunal de Justiça frustram a execução do mandado de
segurança, impedindo a requisição da intervenção federal no Estado, pleiteiam
os requerentes que o Supremo Tribunal Federal decida de ofício a requisição
da intervenção federal, para compelir à obediência da decisão judicial. As
informações prestadas pelo iI. Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do
Rio de Janeiro, depois de resumir os antecedentes do caso, esclarecem
(f.75/76):”
"7 - O Estado do Rio de Janeiro informou que, em virtude da lei Estadual 1.432
de 01.03.89, antes do trânsito em julgado do acórdão, os impetrantes e todos
os integrantes do quadro permanente da Polícia civil passaram a receber o
adicional por tempo de serviço calculado sobre a verba de representação.
8 - Os requerentes insistiram em que o acórdão não estava sendo cumprido.
9-Tal insistência provocou decisão do então Presidente do Quarto Grupo de
Câmaras Cíveis no sentido de que o acórdão estava sendo cumprido e de que
outras providências dependiam de iniciativa pela via própria.
10 - Contra esta decisão não foi interposto recurso.
11- Ainda insistindo no argumento de descumprimento de ordem judicial, os
requerentes pretenderam a Intervenção Federal no Estado do Rio de Janeiro.
12- O então Presidente deste Tribunal de Justiça, em cumprimento do seu
dever de exame, prévio do pedido, determinou seu arquivamento porque
manifestamente infundado (Lei 8.038/90, artigo 20, inciso II).
13 -Também contra esta decisão os requerentes não interpuseram o recurso
legalmente previsto.
14 - A Presidência deste Tribunal de Justiça, ao apreciar e determinar o
arquivamento do pedido de Intervenção formulado pelos requerentes, apenas
cumpriu o seu dever legal sem usurpar da competência dessa Suprema Corte.
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321
15- O pedido efetuado pelos requerentes diretamente a esse Supremo
contraria, sem dúvida, a estabelece o rito para o procedimento de Intervenção
Federal.
16 - Na realidade, através deste meio impróprio e na sede inadequada, os
requerentes pretendem reabrir a discussão sobre descumprimento do acórdão.
17- Todavia, esta questão já está resolvida por decisões que não foram
atacadas pelos recursos previstos no ordenamento processual."
“Oficiando pelo Ministério Público Federal, o iI. Subprocurador-Geral Paulo de
Tarso Braz Lucas, opinou pelo não conhecimento do pedido (f. 83).
É o relatório.”
“O SENHOR MINISTRO SEPULVEDA PERTENCE (PRESIDENTE): É este o
teor da manifestação da Procuradoria-Geral (f. 83):
“O pedido de intervenção não tem como ser apreciado, pois aos requerentes
falta legitimidade ativa para tanto. Nesse sentido, a orientação desse Colendo
Tribunal, conforme os seguintes precedentes:
"Intervenção Federal. Legitimidade ativa para o pedido. Interpretação do inciso
II do art. 36 da Constituição Federal de 1988, e dos artigos 19, II e III, da Lei
8.038, de 28-05-1990, e 350, II e III, do RISTF.
A parte interessada pode se dirigir ao Supremo Tribunal Federal, com pedido
de intervenção federal para prover a execução de decisão da própria Corte.
Quando se trata de decisão de Tribunal de Justiça, o requerimento de
intervenção deve ser dirigido ao respectivo Presidente, a quem incumbe, se for
o caso, encaminhá-lo ao Supremo Tribunal Federal.
Pedido não conhecido, por ilegitimidade ativa dos requerentes." (Intervenção
Federal n. 105 (Questão de Ordem) PR, Tribunal Pleno, Relator Exmo. Sr. Min.
Sydney Sanches, RTJ 142/371).
"Intervenção Federal. - Se o Presidente do Tribunal de Justiça local - que tem
legitimação para provocar o exame da requisição de intervenção federal, que
só se fará para a preservação da autoridade da Corte que ele representa entende que a intervenção federal não cabe no caso, não pode o STF, de ofício
e à vista do encaminhamento por aquela Presidência do pedido de intervenção
federal feito pelo interessado e por ela repelido, examiná-lo.
Agravo regimental a que se nega provimento."
(Intervenção Federal n. 81 (AGRG) - SP, Relator Min. Moreira Alves, RTJ
114/443).
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322
Note-se que bem recentemente, ao julgar Reclamação formulada contra o
Tribunal de Justiça do Estado do Ceará por Coronéis da Reserva da Polícia
Militar daquele Estado (Reclamação nº464-3-CE, ReIator Min. Octávio Gallotti,
DJ 24.02.95), esse Colendo Tribunal proferiu aresto com ementa do seguinte
teor:
"Intervenção federal, por suposto descumprimento de decisão de Tribunal de
Justiça.
Não se pode ter, como invasiva da competência do Supremo Tribunal, a
decisão de Corte estadual, que, no exercício de sua exclusiva atribuição,
indefere o encaminhamento do pedido de intervenção. Precedentes do STF.
Reclamação julgada improcedente."
Pelo exposto, opinamos por que não se conheça do pedido, tendo em vista a
ilegitimidade ativa dos requerentes.”
Recordo, no mesmo sentido, outros precedentes do Tribunal, sob ordens
constitucionais anteriores, que, contudo, no ponto, não sofreram alteração
substancial (IF 61, 16.12.70, Barros Monteiro, RTJ 57/156; IF 64, 16.10.75,
Thompson; IF 68, 12.12.79, Neder; IF 94, 19.12.86, M. Alves).
Nada mais tendo a aditar-lhe, acolho o parecer e não conheço do pedido: é o
meu voto.”
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323
15- INTERVENÇÃO FEDERAL - QUESTÃO DE ORDEM Nº 590-2/CE
Data da Decisão: 17/09/1998.
Relator: Min. Celso de Mello.
Tipo de Ação: Intervenção Federal.
Modalidade de Jurisdição: Originária.
Pólo Ativo: Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região.
Pólo Passivo: Município de Ibiapina/CE.
Órgão Judicante: Tribunal Pleno.
EMENTA: INTERVENÇÃO FEDERAL - DESCUMPRIMENTO DE ORDEM
JUDICIAL POR MUNICÍPIO SITUADO EM TERRITÓRIO DE ESTADOMEMBRO - PROPOSTA ENCAMINHADA PELO TST AO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL – IMPOSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL – QUESTÃO
DE ORDEM - PEDIDO NÃO CONHECIDO .
O CUMPRIMENTO DAS DECISÕES JUDICIAIS IRRECORRÍVEIS IMPÕE - SE
AO
PODER
PUBLICO
COMO
OBRIGAÇÃO
CONSTITUCIONAL
INDERROGÁVEL.
- A exigência de respeito incondicional às decisões judiciais transitadas em
julgado traduz imposição constitucional, justificada pelo princípio da separação
de poderes e fundada nos postulados que informam, em nosso sistema
jurídico, a própria concepção de Estado Democrático de Direito.
O dever de cumprir as decisões emanadas do Poder Judiciário, notadamente
nos casos em que a condenação judicial tem por destinatário o próprio Poder
Público, muito mais do que simples incumbência de ordem processual,
representa uma incontornável obrigação institucional a que não se pode
subtrair o aparelho de Estado, sob pena de grave comprometimento dos
princípios consagrados no texto da Constituição da República.
A desobediência a ordem ou a decisão judicial pode gerar, em nosso sistema
jurídico, gravíssimas conseqüências, quer no plano penal, quer no âmbito
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324
político-administrativo (possibilidade de impeachment), quer, ainda, na esfera
institucional (decretabilidade de intervenção federal nos Estados-membros ou
em Municípios situados em Território Federal, ou de intervenção estadual nos
Municípios).
IMPOSSIBILIDADE DE DECRETAÇÃO DE INTERVENÇÃO FEDERAL EM
MUNICÍPIO LOCALIZADO EM ESTADO-MEMBRO.
- Os Municípios situados no âmbito dos Estados-membros não se expõem à
possibilidade constitucional de sofrerem intervenção decretada pela União
Federal, eis que, relativamente a esses entes municipais, a única pessoa
política ativamente legitimada a neles intervir é o Estado-membro. Magistério
da doutrina.
Por isso mesmo, no sistema constitucional brasileiro, falece legitimidade ativa à
União Federal para intervir em quaisquer Municípios, ressalvados, unicamente,
os Municípios "localizados em Território Federal ... " (CF, art. 35, caput).
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO - (Relator): Consta dos presentes
autos que o Município de Ibiapina, localizado no Estado do Ceará, não
obstante condenado definitivamente em processo trabalhista, teria
descumprido a determinação consubstanciada no art. 100, § 1° da Constituição
Federal, deixando de promover a inclusão, em seu orçamento anual, da verba
necessária à satisfação do precatório expedido pelo TRT/7a Região, órgão
judiciário que proferiu, no caso ora em exame, a decisão condenatória
transitada em julgado.
O ilustre Presidente do TRT/7 a Região, em Ofício dirigido à Egrégia
Presidência do Tribunal Superior do Trabalho, assim resumiu a situação
processual da causa em referencia, indicando a necessidade de adoção, contra
o Município ora requerido, da medida radical da intervenção federal (fls. 5):
“Cumprindo determinação contida no Ofício Circular GDGCJ.GP N° 108/97,
datado de 15.09.97, desse Colendo TST, comunico a Vossa Excelência que no
Precatório N° 402/94, extraído dos autos do Processo da JCJ de Sobral N°
450/90, em que são partes Celina Maria Matias da Silva, Exeqüente, e
Município de Ibiapina, Executado, foi expedido o Requisitório N° 314/95,
regularmente apresentado até 1º de julho, não tendo sido efetivado, até a
presente data, o pagamento do débito exeqüendo, conforme certidão exarada
nos autos.
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325
Consignado, pois, o descumprimento, por parte da Entidade de Direito Público,
da norma contida no § 1°, do art. 100, da C.F., e em face da proibição da
medida constritiva de seqüestro, no julgamento de liminar na Ação Direta de
Inconstitucionalidade N° 1662/97, solicito a Vossa Excelência seja oficiado ao
Excelso Supremo Tribunal Federal, para a adoção das providências cabíveis,
nos termos do art. 34, VI, c./c. Art. 36, II, da Carta Magna."
O eminente Presidente do E. Tribunal Superior do Trabalho encaminhou a esta
Suprema Corte a referida proposta de requisição de intervenção federal no
Município de Ibiapina/CE (fls. 2/3), sob a alegação de descumprimento de
ordem judicial referente ao pagamento do valor constante do Precatório n°
TRT-P-402/94, oriundo do Processo n° 450/90 da Junta de Conciliação e
Julgamento de Sobral/CE (fls. 4).
Tendo presente a solicitação consubstanciada no oficio emanado do ilustre
Presidente do E. Tribunal Superior do Trabalho, e considerando o que dispõem
os arts. 34, caput, e 35, caput, ambos da Constituição da República, que
afastam a possibilidade jurídica de intervenção federal em Município localizado
no âmbito geográfico de qualquer Estado-membro, submeto, em questão de
ordem, à apreciação do Egrégio Plenário do Supremo Tribunal Federal, a
proposta formulada pelo TST.
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO - (RELATOR): O E. Tribunal
Superior do Trabalho, em comunicação encaminhada a Presidência do
Supremo Tribunal Federal, informa que o Município de Ibiapina, localizado no
Estado do Ceará, teria descumprido a norma inscrita no art . 100, § 1°, da
Constituição da República.
Consta desse expediente que o Município em questão, definitivamente
condenado em processo trabalhista, não teria promovido a inclusão, em seu
orçamento, da verba necessária ao pagamento do precatório expedido pelo
Tribunal Regional do Trabalho de que emanou a decisão condenatória já
transitada em julgado.
Por tal razão, e para os fins a que se referem as normas consubstanciadas no
art. 34, VI, c/c o art. 36, II, ambos da Constituição da Republica (requisição de
intervenção federal), o ilustre Presidente do E. Tribunal Superior do Trabalho
submete, ao exame desta Suprema Corte, para as providências que entender
pertinentes, o ofício do Tribunal Regional do Trabalho, acompanhado da
relação que identifica, no âmbito dessa Região judiciária, o precatório ainda
pendente de pagamento.
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326
A análise da proposta formulada pelo Tribunal Superior do Trabalho impõe
algumas reflexões prévias em torno da questão central referente à disciplina
constitucional que rege, em nosso sistema jurídico, o processo de intervenção
federal.
O instituto da intervenção federal, consagrado no texto de todas as
Constituições republicanas brasileiras, representa um elemento fundamental,
tanto na construção da doutrina do Estado Federal, quanto na práxis do
federalismo.
O mecanismo de intervenção constitui instrumento essencial à viabilização do
próprio sistema federativo, e, não obstante o caráter excepcional de sua
utilização - necessariamente limitada às hipóteses taxativamente definidas na
Carta Política -, mostra-se impregnado de múltiplas funções de ordem políticojurídica, destinadas (a) a tornar efetiva a intangibilidade do vínculo federativo,
(b) a fazer respeitar a integridade territorial das unidades federadas, (c) a
promover a unidade do Estado Federal e (d) a preservar a incolumidade dos
princípios fundamentais proclamados pela Constituição da República.
A intervenção federal, na realidade, configura expressivo elemento de
estabilização da ordem normativa plasmada na Constituição da República. Élhe inerente a condição de instrumento de defesa dos postulados sobre os
quais se estrutura, em nosso País, a ordem republicano-federativa. “O instituto
da intervenção" - adverte ERNESTO LEME ("A Intervenção Federal nos
Estados", p. 25, item n. 20, 2' ed., 1930, RT) "é (...) da essência do sistema
federativo". Sem esse mecanismo de ordem político-jurídica, que assegura a
intangibilidade do pacto federal, “a União seria um nome vão. E as garantias e
vantagens, que a Federação deve proporcionar aos Estados e ao povo, se
reduziriam a simples miragem" (JOÃO BARBALHO, "Constituição Federal
Brasileira Comentários", p. 31, 2ª ed., 1924, Rio de Janeiro, Briguiet e Cia.
Editores).
Cabe destacar, neste ponto, o magistério doutrinário, que, fundado na
necessidade de respeito ao princípio federativo, adverte sobre a
excepcionalidade da intervenção federal, em face do caráter extremamente
perturbador que assume qualquer interferência do Governo Federal nos
assuntos regionais e na esfera de autonomia dos Estados-membros (CARLOS
MAXIMILIANO, "Comentários à Constituição Brasileira", p. 158, item n. 128, 3'
ed., 1929, Globo; THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI, "A Constituição
Federal Comentada" vaI. 1/183, 3ªed., 1956, Konfino; FÁVILA RIBEIRO, "A
Intervenção Federal nos Estados", p. 48, tese de concurso, 1960, Editora
Jurídica, Fortaleza).
Não se pode perder de perspectiva a circunstância de que a intervenção
federal representa, ainda que transitoriamente, a própria negação da
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327
autonomia institucional reconhecida aos Estados-membros pela Constituição
da República. Essa autonomia, que possui extração constitucional, configura
postulado fundamental peculiar à organização político-jurídica de qualquer
sistema federativo, inclusive do sistema federativo vigente no Brasil. O poder
autônomo que a ordem jurídico-constitucional atribuiu aos Estados-membros traduz um dos pressupostos conceituais inerentes à compreensão mesma do
federalismo.
Daí a estrita disciplina imposta pela Constituição ao instituto da intervenção
federal, cujos requisitos de admissibilidade foram por ela taxativamente
relacionados em "numerus clausus", em obséquio ao princípio maior da
autonomia das unidades federadas e em consideração ao caráter
absolutamente excepcional de que se reveste o ato interventivo. Essa
circunstância justifica, plenamente, a advertência constante do magistério
doutrinário de PONTES DE MIRANDA ("Comentários à Constituição de 1967",
tomo 2/198, 1967, RT), para quem "a intervenção nos Estados-membros
constitui, pelo menos, teoricamente, o 'punctum dolens' do Estado Federal".
Vê-se, portanto, que o tratamento restritivo constitucionalmente dispensado ao
mecanismo da intervenção federal impõe que não se ampliem as hipóteses de
sua incidência, cabendo ao intérprete identificar, no rol exaustivo do art. 34 da
Carta Política, os casos únicos que legitimam, em nosso sistema jurídico, a
decretação da intervenção federal nos Estados-membros.
O estatuto constitucional brasileiro inclui, dentre as hipóteses de
admissibilidade da intervenção federal nos Estados-membros, a ocorrência de
desrespeito ou de desobediência a ordem ou a decisão emanadas do Poder
Judiciário (CF, art. 34, VI,c/c o art. 36, II).
A exigência de respeito incondicional às decisões judiciais transitadas em
julgado traduz imposição constitucional, justificada pelo princípio da separação
de poderes e fundada nos postulados que informam, em nosso sistema
jurídico, a própria concepção de Estado Democrático de Direito.
O dever de cumprir as decisões emanadas do Poder Judiciário, notadamente
nos casos em que a condenação judicial tem por destinatário o próprio Poder
Público, muito mais do que simples incumbência de ordem processual,
representa uma incontornável obrigação institucional a que n&o se pode
subtrair o aparelho de Estado, sob pena de grave comprometimento dos
princípios consagrados no texto da Constituição da República.
É por tal razão que a desobediência a ordem ou a decisão judicial pode gerar,
em nosso sistema jurídico, gravíssimas conseqüências, quer no plano penal
(CP, art. 319 e DL n° 201/67, art. I·, XIV), quer no âmbito político-administrativo
(possibilidade de impeachment Lei n· 1.079/50, art. 12, ns. 1, 2 e 4, c/c o art.
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74; Lei n° 7.106/83, art. I· e DL na 201/67, art. 4·, VII), quer, ainda, na esfera
institucional (decretabilidade de intervenção federal nos Estados-membros ou
em Municípios situados em Território Federal, ou de intervenção estadual nos
Municípios – CF, art. 34, VI, c/c o art. 35, IV).
Assentadas essas premissas, passo a apreciar a proposta de intervenção
federal constante do ofício encaminhado pelo E. Tribunal Superior do Trabalho.
Como já precedentemente enfatizado, o expediente em questão, dirigido a este
Supremo Tribunal com o objetivo de provocar a requisição de intervenção
federal, contém a informação de que decisão definitiva emanada da Justiça do
Trabalho não estaria sendo cumprida por Município, que condenado em
processo trabalhista acha-se relacionado no ofício encaminhado por aquela
Alta Corte Judiciária.
Constata-se, desde logo, que a intervenção federal reclamada pela E.
Presidência do Tribunal Superior do Trabalho tem por destinatário o Município,
que, identificado neste processo, não teria cumprido a condenação imposta
pela Justiça do Trabalho.
Essa circunstância de ordem subjetiva qualifica-se, no caso ora em exame,
como dado juridicamente relevante, pois, no sistema constitucional brasileiro,
não há possibilidade de a União intervir em quaisquer Municípios, ressalvados,
unicamente, os Municípios "Localizados em Território Federal...” (CF, art. 35,
caput).
Desse modo, os Municípios situados no âmbito dos Estados-membros não se
expõem à possibilidade constitucional de sofrerem intervenção decretada pela
União Federal, eis que, relativamente a esses entes municipais, a única pessoa
política ativamente legitimada a neles intervir é o Estado-membro, consoante
adverte autorizado magistério doutrinário (ALEXANDRE DE MORAES, "Direito
Constitucional", p. 280, item n. 303, 4& ed., 1998, Atlas; MANOEL
GONÇALVES FERREIRA . FILHO, "Comentários à Constituição Brasileira de
1988", vol. 1/236, 1990, Saraiva; CELSO RIBEIRO BASTOS e IVES GANDRA
MARTINS, "comentários à Constituição do Brasil", vol. 3, tomo 11/353, 1993,
Saraiva; PINTO FERREIRA, "Comentários à Constituição Brasileira", vaI.
2/352, 1990, Saraiva; JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, "Comentários à Constituição
Brasileira de 1988", voI. IV/2091, item no 184, 1991, Forense Universitária;
JOSÉ AFONSO DA SILVA, "Curso de Direito Constitucional Positivo", p. 483 e
488, 15" edo, 1998, Malheiros, v.g.).
Assim sendo, tendo em consideração as razões expostas, e por não ser
constitucionalmente possível à União Federal intervir em Município localizado
no âmbito de Estado-membro, como no caso, resolvo a presente questão de
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ordem, propondo o não-conhecimento do pedido consubstanciado no ofício
encaminhado pelo E. Superior do Trabalho.
É o meu voto.
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16- INTERVENÇÃO FEDERAL Nº 103-0 /PR
Data da Decisão: 13/03/1991.
Relator: Min. Néri da Silveira.
Tipo de Ação: Intervenção Federal.
Modalidade de Jurisdição: Originária.
Pólo Ativo: Solidor Industrial Ltda.
Pólo Passivo: Estado do Paraná.
Órgão Judicante: Tribunal Pleno.
EMENTA: - Intervenção Federal. Não cumprimento de decisão judicial. Se,
embora tardiamente, a decisão judicial veio a ser cumprida, com a
desocupação do imóvel, pelos esbulhadores, os autos da intervenção federal
devem ser arquivados. Se se noticia que, posteriormente, nova invasão do
imóvel, já pertencente a outros proprietários, aconteceu, sem que haja,
entretanto, sequer prova de outra ação de reintegração de posse, com
deferimento de liminar, esse fato subseqüente, mesmo se verdadeiro, não pode
ser considerado nos autos da Intervenção Federal, motivada pela decisão
anterior, que acabou por ser executada. Arquivamento dos autos, sem prejuízo
de eventual nova providência, na forma da Constituição, quanto ao segundo
fato referido.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO NÉRI DA SILVEIRA (RELATOR): - A Procuradoria Geral da República assim resumiu a espécie e sobre ela se manifestou, às fls.
161/1264:
"Com fundamento nos arts. 36, II, da Constituição Federal, e 350, II do
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, a empresa Solidor Industrial
Ltda. requereu Intervenção Federal contra o Estado do Paraná, para garantir o
cumprimento de decisão do Juízo de Direito da Comarca de Quedas do Iguaçu,
que concedeu liminar de reintegração de posse em imóvel rural de sua
propriedade, situado em Boa Vista de São Roque, Quedas do Iguaçu - PR,
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331
invadida pelos chamados "Sem Terra" em 2 de dezembro de 1986.
Requisitadas informações (3º vol., fls. 819), esclareceu o egrégio Tribunal de
Justiça do Paraná que o Conselho de Magistratura do Estado, em 23.02.87,
deferiu a requisição de força policial, solicitada pelo Juízo de Direito da
Comarca, que, entretanto, não fora ainda atendida, embora reiterada a
comunicação dessa decisão ao Secretário de Segurança Pública do Estado.
Acrescentou que a requerente dirigira idêntico Pedido de Intervenção Federal à
Corte Estadual (fls. 826/827).
Em nova manifestação, requerida pelo eminente Ministro Presidente, de acordo
com proposição da Procuradoria-Geral da República (fls. 1.021-3), esclareceu
o ilustre Presidente do Tribunal de Justiça que o pedido de Intervenção
Federal, ali ajuizado, encontrava-se ainda pendente de apreciação pelo Órgão
Especial do Tribunal de Justiça (fls. 1.031).
Solicitou então o Exmo. Senhor Presidente, em 18.06.90, informações ao
Senhor Governador do Estado do Paraná, sobre o pedido de Intervenção, bem
assim a respeito de eventuais providências tomadas por S. Exa., para
assegurar o cumprimento da ordem judicial, de conformidade com a seguinte
proposição da Procuradoria-Geral da Republica:
"Encontrando-se na dependência de decisão do Órgão Especial do Tribunal
de Justiça a formalização do pedido de requisição de intervenção federal pelo
Presidente da Corte Estadual, propõe esta Procuradoria-Geral, “ad cautelam",
sejam solicitadas informações ao Exmo. Senhor Governador do Estado do
Paraná sobre o presente Pedido de Intervenção à vista do teor do art. 350, II,
do Regimento Interno, e de eventuais providências tomadas por S. Exa., para
assegurar o cumprimento da ordem judicial, em face do tempo decorrido”.
O Chefe do Poder Executivo do Estado prestou, inicialmente, as informações
de fls. 1238/1244, em que destacou as dificuldades para o cumprimento
imediato da decisão judicial, relacionadas com o deslocamento de efetivo
policial - militar até a Comarca de Quedas do Iguaçu e com a situação grave
gerada pela invasão, manifestando o propósito de atender a requisição do
Poder Judiciário, tão logo superados esses óbices.
Em 31.07.90, complementando as informações comunicou o Exmo. Senhor
Governador que a Secretaria de Segurança Publica procedera a desocupação
da área invadida, cumprindo, em conseqüência, a decisão judicial (fls. 1247/8).
Chamada a manifestar-se sobre a documentação exibida pelo Chefe do
Executivo paranaense, a requerente confirma que a ordem de despejo foi
efetivada em clima de tranqüilidade, acrescentando, contudo, que:
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a) em 30.08.90, ocorreu nova invasão da área desocupada, pelos mesmos
"sem terra", que haviam sido despejados em 26.07.90;
b) entre a desocupação e a nova invasão, vendeu o imóvel a pessoas físicas,
que indica.
Requer, por isso o prosseguimento do feito, porque as terras continuam
invadidas, pedindo a intimação dos novos proprietários do imóvel, para
atuarem como assistentes ou substitutos processuais, nos termos da lei
processual civil.
Está prejudicado, a nosso ver o pedido de Intervenção Federal.
A liminar de reintegração de posse, concedida pelo Juízo de Direito de Quedas
do Iguaçu, refere-se a invasão do imóvel ocorrida em 2 de dezembro de 1986 e
esta, embora com injustificável atraso, terminou sendo cumprida com a
desocupação da área em 26 de julho de 1990.
A nova invasão, segundo informa a requerente, ocorreu em 30 de agosto de
1990, constituindo fato novo, que não poderia estar compreendido no mandado
liminar de reintegração de posse, de 5 de dezembro de 1986.
Por tais razões, o parecer e no sentido de que seja julgado prejudicado o
pedido de Intervenção Federal ".
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO NÉRI DA SILVEIRA (RELATOR):
- A suplicante não possui legitimidade para requerer a intervenção federal no
Estado, em face dos arts. 34, VI, e 36, II, da Constituição. A notícia constante
dos autos trazida ao STF, quanto ao não cumprimento de decisão judicial,
poderia ensejar a requisição pelo Supremo Tribunal Federal da Intervenção
Federal.
Como bem registrou o parecer suso transcrito da Procuradoria-Geral da
República, na espécie, a decisão que tardava a ser cumprida, veio a executarse, com a retirada dos ocupantes do imóvel então de propriedade da
requerente.
Dá-se, porém, que, após, ocorreu nova invasão, segundo informa a requerente;
os novos proprietários do imóvel não pediram ao STF requisitasse intervenção
federal. Não há sequer comprovação de nova ação possessória, ou de
prosseguimento da anterior.
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333
Determino, pois, o arquivamento dos presentes autos, por não mais subsistirem
razões à requisição de intervenção federal no Estado do Paraná.
VOTO
O SENHOR MINISTRO PAULO BROSSARDI: Senhor Presidente, também
estou de acordo com o voto do eminente Relator. No caso concreto outra não
pode ser a solução. Mas, eu queria deixar registrado que me parece perigoso
que se aceite, sem um grão de reserva, o fato de haver uma retirada e um mês
depois, uma reentrada. Parece-me, que isso caracteriza uma desobediência
não direta, mas oblíqua, a uma determinação judicial. É preciso cuidado para
que não haja uma burla, e um dia, uma semana, um mês depois retorne tudo
ao statu quo ante".
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334
17- RECLAMAÇÃO – AGRAVO REGIMENTAL Nº496-2/RS
Data da Decisão: 23/06/1994.
Relator: Min. Octávio Gallotti.
Tipo de Ação: Agravo Regimental em Reclamação.
Modalidade de Jurisdição: Recursal.
Pólo Ativo: Conselhos Federal e da Secção Estadual do Rio Grande do Sul da
Ordem dos Advogados do Brasil.
Pólo Passivo: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
Órgão Judicante: Tribunal Pleno.
EMENTA: - 1. Dado o caráter nacional de que se reveste, em nosso regime
político, o Poder Judiciário, não se dá por meio de intervenção federal, tal como
prevista no art. 34 da Constituição, a interferência do Supremo Tribunal, para
restabelecer a ordem em Tribunal de Justiça estadual, como, no caso,
pretendem os requerentes.
2.Conversão do pedido em reclamação a exemplo do resolvido, por esta Corte,
no pedido de Intervenção Federal nº 14 (íntegra do acórdão no Diário da
Justiça de 28-11-51, páginas 4.525/9do apenso nº273). Decisões unânimes.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO OCTAVIO GALLOTTI: - Eis o despacho agravado, por
meio do qual mandei autuar, como reclamação, o pedido de intervenção federal
apresentado, sob a invocação do art. 34, VI, da Constituição, pelos Conselhos
Federal e da Secção estadual do Rio Grande do Sul da Ordem dos Advogados
do Brasil:
‘1. Visando preservar a autoridade das decisões do Supremo Tribunal na Ação
Direta de Inconstitucionalidade nº 29 e a assegurar a observância do preceito
inscrito no art. 94 da Constituição, requer-se intervenção federal no Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, pelo fato de que se recusa aquele órgão, a
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apreciar lista sêxtupla elaborada pela Ordem dos Advogados, para o
provimento de cargo de Desembargador.
2. Fundada no caráter nacional de que é tradicionalmente dotado o Poder
Judiciário em nosso regime, já definiu, todavia, esta Corte, não caber, nesse
caso, a intervenção federal, tal como prevista no art. 34 da Constituição,
correspondente ao art. 10 da de 1967 e ao art. 7º da de 1946.
3. Consulte-se o memorável acórdão proferido, em sessão de 20 de janeiro de
1950, no Pedido de Intervenção Federal nº 14, de que se veio a conhecer
como reclamação (publicação integral no “Diário da Justiça” de 28-11-51,
apenso ao nº 273, páginas 4.525/9). A mesma tese prevaleceu, também por
decisão unânime, no julgamento da ação nº 339 (acórdão publicado em
audiência 8-10-58).
4. Seja, portanto, reautuado, como reclamação, o presente pedido e, como tal
distribuído a Relator.” (fls. 142)
Inconformados, interpõem agravo regimental os Requerentes, começando por
contestar a adequação do precedente citado no despacho gravado (Pedido de
Intervenção nº 14), ante a consideração de que aqui “não se discute tão só o
princípio nacional da distribuição da justiça; discute-se, sim, a reiterada
inobservância de dispositivo constitucional e o desatendimento de decisão
promanada do Supremo Tribunal Federal” (fls. 167)
Sustentam que a interferência do Tribunal hierarquicamente superior dá-se
sempre pelo sistema de recursos; não originariamente, quando se trata, como
agora, do descumprimento, puro e simples, de decisão já proferida pelo
Supremo Tribunal.
Para os Agravantes, o julgado em que busquei apoio, 'sem dúvida alguma
memorável, enfrentou hipótese absolutamente diversa’ (a ausência de direção
do Tribunal de Justiça) da que no presente se oferece, qual seja a do ‘órgão do
Poder Judiciário (subordinado) que não cumpre a Constituição Federal e
decisão do próprio órgão controlador, fazendo surgir a necessidade de controle
político” (fls. 168), conforme registrado na petição inicial e ressaltado na de
agravo regimental:
“Os fundamentos de fato e direito expostos na peça que deu partida ao pedido,
ostentam matéria jurídica e política. Se de um lado há o claro cumprimento da
decisão emanada do Pretório Excelso, de outro existe o também
descumprimento da Constituição Federal. Ora, nesse caso, stiçana
Intervenção Federal o remédio adequado para o combate das duas
fundamentações, vez que a primeira apenas abriga o descumprimento do v.
acórdão.” (fls. 169)
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336
Após haver recordado CELSO BASTOS, a respeito de estar a União obrigada a
intervir, quando ameaçada a estrutura material, política ou constitucional do
País (“Comentários”, 3º vol., tomo II, págs. 328/9), recorrem ao magistério de
GOMES CANOTILHO, para salientar a função bipartida – a jurisdicional e a
política – da Suprema Corte, como guardiã da Constituição (“Direito
Constitucional”, 5ª Ed., págs. 772/4). Tudo com o fito de poder arrematar:
“Como se vê, a doutrina pátria e a estrangeira como forte influência em nosso
Direito Constitucional, atribui essa outra função, a política, também ao Tribunal
encarregado do controle da Lei Maior e seu respectivo cumprimento. É
saudável relembrar que órgãos de soberania (a estes evidentemente
comparados os Tribunais de Justiça dos Estados, que praticam, no seu nível
de competência, atos de soberania) absurdamente contrários à Constituição.
Ora, não podem os advogados, ou o Ministério Público ou a população a quem
é distribuída a Justiça e de quem se exige cumprimento das decisões
jurisdicionais, ficar à mercê da vontade do órgão que deve cumprir a
Constituição e as decisões do Supremo Tribunal Federal.
DIANTE DO EXPOSTO, com o máximo acatamento, pedem e esperam seja
provido o presente agravo para, na forma das disposições legais pertinentes à
espécie, determinar o prosseguimento do feito como intervenção, confiando na
inteligência e acuidade jurídicas que orientam as decisões desse E. Pleno e por
ser medida que atende aos sagrados princípios de JUSTIÇA!” (fls. 170)
É o Relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO OCTAVIO GALLOTI (PRESIDENTE): - Queixam-se, no
essencial, os Agravantes, de que a conversão do seu pedido, em reclamação,
somente poderia abrigar um dos fundamentos do pedido (descumprimento de
decisão judicial); não o restante, qual seja o concernente à infração de preceito
constitucional, mais precisamente, o insculpido no art. 94 da Carta da
República.
Equivocam-se eles, todavia, ao delimitar o campo da reclamação (que mandei
autuar) ao escopo de preservação da autoridade de julgado do Supremo
Tribunal.
O precedente anunciado em meu despacho abre ensejo, pelo contrário, a bem
mais amplo remédio processual, ali arquitetado por este Plenário, sendo relator
meu saudoso pai, Ministro LUIZ GALLOTTI, com base na índole nacional, da
hierarquia, com o objetivo de restabelecer-se a ordem em Tribunal
subordinado, por interferência do Supremo Tribunal. Foi o que se fez no
paradigma invocado, sem tê-lo sido por meio de recurso, e afastados
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337
expressamente o cabimento e a necessidade do apelo ao instituto da
intervenção federal, tal como delineado, para outras hipóteses, pela
Constituição. Vejam-se a ementa do acórdão e o seu dispositivo:
“Intervenção federal e seus vários graus. A interferência do Supremo Tribunal
na ação do Judiciário Estadual, não constitui a intervenção de que trata o art.
7º da Lei Magna, mas outra, que é normal no sistema de hierarquia e de
recursos ao Poder Judiciário Brasileiro, que tem como cúpula o Supremo
Tribunal. Posição deste em nosso regime, Justiça nacional, seja ela federal ou
estadual. – Dualidade de poderes exigindo solução imediata. – Competência
implícita ao Supremo Tribunal. Se a este cabe julgar os recursos
extraordinários, hão de lhe caber os meios de providenciar para que exista
sempre legitimidade investido, um Presidente de Tribunal de Justiça (um e não
dois) que possa desempenhar a tarefa, a ele imposta por lei federal, de
processar aqueles recursos na sua 1ª fase. – Eleições ilegais de Presidentes
de Tribunais locais.- Nulidade. Nova eleição”. (I.F. nº 14, D.J. 28-11-51, apenso
nº 273, p. 4.525).
Daí a exemplar adequação instrumental do precedente, onde não se tratava
(nem mesmo se cogitava) do descumprimento de decisão judicial alguma, mas
sim da possibilidade de acorrer o Supremo Tribunal, sem assumido caráter de
intervenção federal, a regularizar o funcionamento da Corte estadual, tal como
vêm precisamente os Agravantes reclamando se venha a proceder em relação
à do Estado do Rio Grande do Sul, que estaria a desbordar de princípio
constitucional referente à cooptação de que seus próprios integrantes.
Ao insistir na causa de pedir referente ao art. 94 da Lei Fundamental, só
podem, de outra parte, os Agravantes estar propondo que o provimento “da
execução de lei federal” previsto no item VI, do art. 34 da mesma Carta
(fundamento explícito da inicial), como razão de intervenção federal, deva
abranger, não apenas o cumprimento da lei ordinária federal, como o da
própria Constituição, nos princípios por ela especificamente estabelecidos,
como obrigatórios para os Estados, afora os sensíveis, expressamente
enumerados no inciso VII do citado art. 34.
Dentro desse entendimento, todavia, a conseqüência a extrair, tanto no item III
como do item IV do art. 36, também da Constituição (que ditam os
pressupostos do processamento da intervenção), só poderia ser a exigência da
iniciativa exclusiva do Procurador-Geral da República, para promover a medida
perante o Supremo Tribunal. N que, a despeito do reconhecido prestígio da
entidade, parte ilegítima viria a ser, para ajuizar tal espécie de pedido de
intervenção.
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Ao invés do que receiam os Agravantes, o enquadramento do feito, como
reclamação, longe de restringir, efetivamente amplia o âmbito do exame da sua
pretensão.
Persisto, assim, no entendimento que moveu o despacho agravado,
continuando sem vislumbrar como, para dispor sobre a regularidade da
composição de Tribunal subordinado, o Supremo Tribunal clamar, pela edição
de um decreto do Chefe do Poder Executivo (Constituição, art. 36, § 3º).
Mormente quando a Corte estadual (que não a considerou plenamente
conclusiva a decisão proferida na ADIN nº 29) manifesta, nas informações de
que fiz preceder o despacho agravado (fls. 131 e fls. 133), o claro e solene
propósito de cumprir a determinação que viera a expedir este Plenário, acerca
do objeto da pretensão apresentada pela Ordem dos Advogados do Brasil.
Nego provimento ao Agravo.
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18- INTERVENÇÃO FEDERAL Nº 114/MT
Data da Decisão: 13/03/1991.
Relator: Min. Néri da Silveira.
Tipo de Ação: Intervenção Federal (Representação Interventiva).
Modalidade de Jurisdição: Originária.
Pólo Ativo: Procurador Geral da República.
Pólo Passivo: Estado do Mato Grosso.
Órgão Judicante: Tribunal Pleno.
EMENTA: - Intervenção Federal. 2. Representação do Procurador-Geral da
República pleiteando intervenção federal no Estado de Mato Grosso, para
assegurar a observância dos "direitos da pessoa humana", em face de fato
criminoso praticado com extrema crueldade a indicar a inexistência de
"condição mínima", no Estado, "para assegurar o respeito ao primordial direito
da pessoa humana que é o direito à vida". Fato ocorrido em Matupá, localidade
distante cerca de 7oo km de Cuiabá. 3. Constituição, arts. 34, VII, letra "b", e
36, III. 4. Representação que merece conhecida, por seu fundamento: alegação
de inobservância pelo Estado-membro do princípio constitucional sensível
previsto no art. 34, VII, alínea "b", da Constituição de 1988, quanto aos "direitos
da pessoa humana". Legitimidade ativa do Procurador-Geral da República
(Constituição, art. 36, III). 5. Hipótese em que estão em causa "direitos da
pessoa humana", em sua 'compreensão mais ampla, revelando-se impotentes
as autoridades policiais locais para manter a segurança de três presos que
acabaram subtraídos de sua proteção, por populares revoltados pelo crime que
lhes era imputado, sendo mortos com requintes de crueldade. 6. Intervenção
Federal e restrição à autonomia do Estado-membro. Princípio federativo.
Excepcionalidade da medida interventiva. 7. No caso concreto, Estado de Mato
Grosso, segundo as informações, está procedendo à apuração do crime.
Instaurou-se, de imediato, inquérito policial, cujos autos foram encaminhados à
autoridade judiciária estadual competente que os devolveu, a pedido do
Delegado de Polícia, para prosseguimento das diligências e averiguações. 8.
Embora a extrema gravidade dos fatos e o repúdio que sempre merecem atos
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de violência e crueldade, não se trata, porém, de situação concreta que, por si
só, possa configurar causa bastante a decretar-se intervenção federal, no
Estado, tendo em conta, também, as providências adotadas pelas autoridades
locais para a apuração do ilícito. 9. Hipótese em que não é, por igual, de
determinar-se intervenha a Polícia Federal, na apuração dos fatos, em
substituição à Polícia Civil de Mato Grosso. Autonomia do Estado-membro na
organização dos serviços de justiça e segurança, de sua competência
(Constituição, arts. 25, § 1°; 125 e 144, § 4°). 1o. Representação conhecida
mas julgada improcedente.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO NERI DA SILVEIRA (RELATOR): - O Dr. ProcuradorGeral da República representou nestes termos (fls. 2/4):
"O PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA, com fundamento artigo 34, VII, b,
combinado, com o artigo 36, III, ambos Constituição Federal, vem perante esse
colendo Supremo Tribunal Federal oferecer representação para efeito de
decretação de intervenção federal no Estado do Mato Grosso, pelas razões
seguir expostas.
1. É fato público e notório que em novembro de 199o, município matogrossense de Matupá, policiais civis e militares conseguiram fazer com que três
ladrões depusessem revólveres e saíssem de uma residência onde mantinham
crianças e adultos como reféns, que, todavia, foram libertados pelos ladrões
durante as conversações entre estes e o Capitão Polícia Militar que comandava
a operação.
Ao saírem da residência, foram os presos colocados em automóvel
acompanhados por policiais, que, até aí, os protegiam contra dezenas de
pessoas cujo desejo de linchá-los explícito.
Mas, em seguida, aparecem os três presos em outro local, fora do veículo,
acompanhados de policiais, já apresentando lesões corporais e sendo um
deles chutado por um miliciano.
Mais adiante, os três presos já aparecem, semivivos, jogados, juntos, no chão,
tendo pela frente dezenas de pessoas que gritavam, desejando a morte dos
três.
Em seguida, e atirada gasolina sobre os inertes homens e é ateado fogo em
seus corpos.
Foram cenas recentemente exibidas pela televisão revelam, apenas, parte da
barbárie, que inclui interrogatório feito por um homem ao último dos ladrões,
ainda vivo, conforme transcrição constante da reportagem da revista "Veja", em
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anexo, cuja fidelidade é facilmente constatada pelas imagens e sons da fita
videocassete que também instrui esta representação, fruto de solicitação do
representante ao Sistema Brasileiro de Televisão.
Deixa-se de requerer a degravação da fita, por não se poder traduzir com
palavras o teor de imagens tão chocantes.
2. E são imagens que retratam a ausência de elementar respeito à vida
humana, a par de convencer da inexistência de condição mínima, no Estado do
Mato Grosso, de se ter assegurado o respeito ao primordial direito da pessoa
humana, que é o direito à vida.
3. As informações prestadas pelo Excelentíssimo Senhor Secretário de Justiça
do Estado, em resposta à solicitação do representante feita ao Excelentíssimo
Senhor Governador do Estado, dão conta de que, passados três meses, as
investigações policiais se arrastam, embora as imagens exibidas a todo o Brasil
estejam a demonstrar que a autoria dos homicídios qualificados é de fácil
descoberta.
4. A revelar, ainda, a falta de qualquer condição, por parte do Estado do Mato
Grosso, de assegurar a vida e outros direitos da pessoa humana estão os
demais documentos anexos, consistentes em noticiário jornalístico e,
principalmente, as comunicações, por telex, dirigidas ao representante pelo
Chefe do Ministério Público, em exercício, daquela unidade da federação.
5. Se há um grave e efetivo comprometimento da ordem pública, estampado
nas informações oriundas do Ministério Público mato-grossense, e induvidoso
que, nas circunstâncias político-administrativas presentes ali, hoje, a
intervenção se torna indispensável, ao menos para assegurar os direitos da
pessoa humana.
6. Pelo exposto e pela eloqüência das imagens gravadas na fita em anexo, o
Procurador-Geral da República espera seja dado provimento a esta
representação."
S. Exa. instruiu o pedido com telex, que lhe foi endereçado pelo ProcuradorGeral da Justiça em exercício Antonio Hans, nestes termos (fls. 5):
"O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO MATO GROSSO POR SEU
PROCURADOR-GERAL
SENTE-SE
DEVER
LEGAL
LEVAR
CONHECIMENTO VOSSENCIA GRAVÍSSIMA SITUAÇÃO VIVIDA PELO
ESTADO EM FACE PARALISAÇÃO TOTAL DO PODER JUDICIÁRIO DAS
POLÍCIAS CIVIL ET MILITAR ET TODAS AS DELEGACIAS DE POLÍCIA VG
TRAZENDO DESASSOSSEGO VG INSEGURANÇA ET INTRANQUILIDADE
GENERALIZADA TODO POVO AGRAVADA PROXIMIDADE FESTEJOS
CARNAVALESCOS PT SITUAÇÃO CRITICA VIVIDA EH ORIUNDA FALENCIA
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342
TOTAL ESTADO ONDE FUNCIONALISMO NÃO RECEBE SALÁRIOS HÁ
TRÊS MESES OCASIONANDO FECHAMENTOS REPARTIÇÕES ET
PARALISAÇÕES MÁQUINAS VG VEÍCULOS ET SERVIÇOS PÚBLICOS
PT
QUADRO
EXPERIMENTADO
MOMENTO
EH
DE
GRAVE
COMPROMETIMENTO DA ORDEM PÚBLICA ET VIOLAÇÃO DIREITO
PESSOA HUMANA NÃO ENCONTRA ANTECEDENTE TODA HISTÓRIA
PÁTRIA SENDO QUE O PRÓPRIO SECRETÁRIO JUSTIÇA ET SEGURANÇA
PÚBLICA ESTADUAL RECOMENDOU POPULAÇÃO PARA PT GRAVE
SITUAÇÃO AFRONTA DIGNIDADE PESSOA HUMANA ET REQUER
IMEDIATA INTERFERÊNCIA PODER CENTRAL DETERMINANDO PARA
QUE TROPAS FEDERAIS GARANTAM A PAZ NO ESTADO PT A
GRAVIDADE DO QUADRO AUTORIZA PLENAMENTE ADOÇÃO DAS
MEDIDAS PRECONIZADAS NO ARTIGO 34 INCISOS 3 ALÍNEA B
PRINCIPALMENTE VIRTUDE GOVERNADOR EXERCÍCIO ENCONTRA-SE
ACIDENTADO ET HOSPITALIZADO HOSPITAL DAS CLÍNICAS SÃO PAULO
ET ESTADO NÃO DISPOR CARGO VICE-GOVERNADOR PT".
Solicitadas informações ao Governo do Estado de Mato Grosso, foram
prestadas a esta Corte por dois Secretários: Secretário-Chefe da Casa Civil do
Governo do Estado e outras complementares pelo Secretário de Estado da
Justiça.
Está no telex de fls. 24:
"TENDO TOMADO CONHECIMENTO DE PEDIDO DE INTERVENÇÃO
FEDERAL EM NOSSO ESTADO, TOMAMOS A LIBERDADE DE INFORMAR
O QUE SE SEGUE:
1 - AS POLÍCIAS CIVIL E MILITAR RETOMARAM ESTA MANHÃ O
EXERCÍCIO NORMAL DE SUAS FUNÇÕES. DELEGACIAS E DEMAIS
UNIDADES DE SEGURANÇA DO ESTADO ENCONTRAM-SE EM PLENO
FUNCIONAMENTO.
2 - O PODER JUDICIÁRIO RECEBEU ONTEM (07/2/91) O REPASSE
RELATIVO AO MÊS DE DEZEMBRO, CONFORME ACORDO ASSINADO
ANTERIORMENTE COM A ASSOCIAÇÃO MATOGROSSENSE DOS
MAGISTRADOS. O REPASSE RELATIVO AO 13° SALÁRIO SERÁ FEITO NO
DIA 14/o2/91, QUANDO AQUELE PODER RETOMARÁ ÀS ATIVIDADES
NORMAlS.
3 – QUANTO AO LAMENTÁVEL INCIDENTE REGISTRADO EM NOVEMBRO
EM MATUPÃ, TODAS AS PROVIDÊNCIAS FORAM ADOTADAS PELA
POLÍCIA JUDICIÁRIA. O INQUÉRITO POLÍCIAL FOI REALIZADO E
REMETIDO AO FORUM NO PRAZO LEGAL. SE COMPROVADA A
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343
PARTICIPAÇÃO DE POLÍCIAIS POR AÇÃO OU OMISSÃO, OS CULPADOS
SERÃO PUNIDOS NA FORMA DA LEI.
DIANTE DA REALIDADE SUPRACITADA, CONSIDERAMOS INEXISTIREM
RAZÕES OU CONDIÇÕES QUE JUSTIFICASSEM INTERVENÇÃO. O
ESTADO DE MATO GROSSO VIVE, A EXEMPLO DA MAIORIA DOS
ESTADOS, AGUDA CRISE FINANCElRA QUE DIFICULTA EXTREMAMENTE
O CUMPRlMENTO DOS PRAZOS RELATIVOS À REMUNERAÇÃO DO
FUNCIONALISMO. A SOLUÇÃO, ENTRETANTO, INDEPENDE DA VONTADE
OU DA AÇÃO EXCLUSIVA DO EXECUTlVO ESTADUAL JÁH QUE
INTEGRAMO-NOS NO CONTEXTO DE UMA
CRISE DA ECONOMIA NACIONAL.
CORDIAIS SAUDAÇÕES - SANTO SCARAVELLI
SECRETARIO CHEFE DA CASA CIVIL
GOVERNO DO ESTADO DE MATO GROSSO"
O Secretario da Justiça do mesmo Estado informou o seguinte (fls. 27):
"INFORMO A VOSSA EXCELÊNCIA QUE QUANTO AO DESUMO E
DEPLORÁVEL FATO OCORRIDO NO DIA 21/11/9o, NA CIDADE DE MATUPÁ
REGIÃO NORTE DESTE ESTADO, DISTANTE DESTA CAPITAL CERCA DE
700 KM, OCASIÃO EM QUE o3 ELEMENTOS FORAM SUMARIAMENTE
EXECUTADOS PELA ENFUREClDA POPULAÇÃO LOCAL APÓS TEREM
PERMANECIDO 16:00 HS, NO INTERIOR DE UMA RESlDÊNCIA,
MANTENDO COMO REFÉNS MULHERES E CRIANÇAS EXIGINDO
QUANTlA EM DINHEIRO E CONDUÇÃO PARA A FUGA EM DECORRÊNCIA
DE FRUSTRADO ASSALTO.
AS PROVIDÊNCIAS DE COMPETÊNCIA DA POLÍCIA JUDICIÁRIA FORAM
TOMADAS COM A IMEDIATA INSTAURAÇÃO DO I.P. E REMESSA AO
PODER JUDICIÁRIO, NO PRAZO LEGAL, COM PEDIDO DE BAlXA PARA
PROSSEGUIMENTO DAS INVESTIGAÇÕES VISANDO IDENTIFICAR MAIS
ENVOLVIDOS.
ESCLARECEMOS A VOSSA EXCELÊNCIA QUE A POPULAÇÃO DO NORTE
DO ESTADO É FLUTUANTE VEZ QUE A PRINCIPAL ATIVIDADE DA
REGIÃO É A EXPLORAÇÃO DO GARIMPO DE OURO, SENDO O
GARIMPEIRO, NA SUA MAIORIA, CONHECIDO APENAS POR APELIDO,
NÃO POSSUI RESIDÊNCIA FlXA, NÃO PORTA DOCUMENTOS, O QUE DE
CERTA FORMA DIFICULTA O TRABALHO POLÍCIAL. QUANTO A SUSPEITA
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344
DA PARTICIPAÇÃO DA POLÍCIA NO EVENTO, SEJÁ POR AÇÃO OU
OMISSÃO, SE COMPROVADA, OS CULPADOS SERÃO PUNIDOS NA
FORMA DA LEI.
INFORMO MAIS A VOSSA EXCELÊNCIA QUE A FITA CASSETE EXIBIDA A
NÍVEL NACIONAL PELOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO FOI APREENDIDA E
JUNTADA AOS AUTOS."
Veio também, a pedido do Dr. Procurador-Geral da República, aos autos, o
relatório do inquérito policial onde se lê (fls. 31/36):
"No dia 22 de novembro, próximo passado, por volta das 20:00 horas
aproximadamente, alguns elementos invadiram a residência do Sr. Carlos
Mazonetto, nesta cidade, com o intuito de praticarem um furto.
Ao serem descobertos quando ainda se encontravam no interior da casa, esses
elementos tomaram as Sras. ELENI ANTONINHA PIOVESAN MAZONETTO e
ROSlMAR ANESI, esposa e sobrinha de CARLOS MAZONETTO e ainda cinco
(5) crianças pequenas como reféns e, trancando-se na casa, passaram a exigir
a soma de cinco milhões em dinheiro, um carro, várias armas com farta
munição, bem como a garantia da não interferência da Polícia no decorrer da
fuga.
Tomando conhecimento destes acontecimentos, fomos o mais depressa
possível para o local e, ao chegarmos, encontramos este já cercado por um
Soldado PM, desta cidade e três agentes e um Escrivão desta Delegacia de
Polícia, além de cerca de 3oo a 5oo pessoas fortemente armadas com todas as
armas imagináveis e possíveis.
Eram mais ou menos 20:30 horas quando passamos a negociar diretamente
com os assaltantes, que erroneamente pensávamos fossem em número de
dois. Também providenciamos a vinda do esposo e pai dos reféns que se
encontrava num garimpo próximo a esta cidade.
Com a chegada deste começamos a providenciar o dinheiro e tentar cumprir as
outras exigências feitas pelos assaltantes.
As negociações arrastaram-se por toda a noite sem uma solução para o caso.
Por volta das 03:00 horas da madrugada, os familiares e amigos dos reféns
que estavam empenhados em arranjarem a quantia exigida, constataram que
nem no Banco local nem nos bancos das vizinhas cidades de Peixoto de
Azevedo e Guarantã do Norte existia a quantia exigida pelos assaltantes. Só
depois de grande esforço junto aos bancos mencionados e alguns
comerciantes locais, é que conseguiram a importância de quinhentos mil
cruzeiros e um quilo de ouro.
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345
De posse dessa quantia, levamos a proposta aos criminosos, explicando-lhes a
impossibilidade de arrecardar-se o total de cinco milhões.
Já eram quase quatro (04:00) horas da manhã quando oferecemos os
quinhentos mil cruzeiros, o quilo de ouro, as armas por eles exigidas e ainda
um automóvel Del Rey em excelente estado de conservação (semi-novo),
totalmente abastecido e que foi colocado em frente à casa e ainda a garantia
da Polícia não perseguí-Ios com a única condição deles libertarem a mulher
gestante e as cinco crianças pequenas, levando a outra mulher com eles. Essa
proposta foi terminantemente recusada pelos assaltantes, que se mantinham
irredutíveis, só aceitando os cinco milhões de cruzeiros.
Diante desse impasse o dia amanheceu e a situação se tornava, a cada minuto
que passava, insustentável, com a multidão armada aumentando a todo
instante, bem como o ódio do povo pelos assaltantes. Por volta das 09:00
horas "do dia seguinte, 23.11.90, chegou a esta cidade e no palco dos
acontecimentos o Capitão PM/EDYR, comandante da 5° Cia. Independente de
Polícia Militar de Alta Floresta. Com a presença desse Oficial que veio de Alta
Floresta de avião, trazendo em sua companhia alguns policiais e, diante do
impasse criado pelos assaltantes, conjuntamente optamos pela invasão da
residência.
Decidido isto, o Capitão EDYR comandou a operação com êxito, conseguindo
libertar os reféns sem que ninguém saísse ferido.
Terminada a operação, dirigimo-nos para esta Delegacia de Polícia, enquanto
os presos, por medida de segurança, eram conduzidos no veículo Opala do Sr.
Prefeito, que durante algum tempo permaneceu em poder dos assaltantes
como refém, para o aeroporto local, onde uma aeronave estava à espera dos
mesmos para que fossem levados para outra cidade, pois o cubículo que serve
como cela e também o prédio desta Delegacia (uma casa residencial comum)
não oferecia a menor condição de segurança diante de uma multidão
incalculável e enfurecida, que já manifestara o desejo de linchar os presos a
saída da residência das vítimas.
O Prefeito da cidade, ADARIO MARTINS DE ALMEIDA, em seu depoimento,
esclarece que à revelia dos presentes e sem o conhecimento da Polícia,
sorrateiramente, acionou um mecanismo secreto, existente em seu veiculo,
fazendo com que dessa maneira o combustível do carro fosse interrompido e
conseqüentemente isto impedisse o seu funcionamento, o que realmente
aconteceu a algumas quadras de distância da casa, obrigando assim aos
policiais da escolta a perderem um tempo precioso na transferência dos presos
para outro veículo que naquele momento ia casualmente passando por aquele
lugar.
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346
De acordo com as declarações do proprietário do segundo veículo, se os
policiais não tivessem agilizado a transferência dos presos e se afastado
rapidamente dali, o linchamento teria ocorrido naquele local, devido à rapidez
com que dezenas de carros e centenas de pessoas se aproximavam correndo
no intuito de alcançar os presos e sua escolta.
Os quatro policiais da escolta afirmam que ao aeroporto encontraram este
tomado pela população enfurecida, que cercando completamente a aeronave e
ocupando a pista de pouso, impediam que o avião decolasse.
Diante dessa impossibilidade, o comandante da escolta, Sargento LUCIO,
determinou que os presos fossem recolocados no carro e abrindo passagem
com a viatura policial tentaram alcançar a cidade de Peixoto de Azevedo e
posteriormente Colider, destino final da viagem.
No entanto, os policiais e o motorista do carro que levava os presos,
"ROBERTÃO", afirmam que os dois carros ao atingirem a BR/163 foram
separados por um veículo que se atravessou na rodovia, impedindo assim que
o automóvel em que iam os presos prosseguisse viagem, ao mesmo tempo em
que a viatura policial também ficava impossibilitada de retornar e defender os
presos da fúria homicida da população.
O motorista "ROBERTÃO" e o Soldado VALTER que iam no carro junto com os
presos, afirmam que ao serem separados da escolta, viram-se de repente
cercados pela multidão, que tentava de todas as maneiras capotar o carro.
Em seus relatos, "ROBERTÃO" e o Soldado VALTER, confessam que ao se
verem sem a proteção da escolta e cercados pela multidão, os presos
começaram a gritar, pedindo-lhes que os livrassem das algemas para que eles
pudessem correr.
"ROBERTÃO" e VALTER afirmam que ao sentirem na iminência de serem
linchados juntamente com os presos e sabendo que nada mais poderiam fazer
para defendê-Ios, resolveram tirar as algemas dos presos e, feito isso, saltaram
do carro e saíram correndo para escaparem da multidão. Afirmam ainda
"ROBERTÃO" e VALTER, que ao saírem correndo viram que os presos
também saiam correndo pelo outro lado.
O Soldado VALTER fala em sua declaração quando saiu correndo ainda ouviu
disparos de arma de fogo.
Já o Sargento LUCIO e os três soldados que iam na viatura são unânimes em
afirmarem em suas declarações que ao saírem do aeroporto, entraram na
BR/163 e tomaram a direção de Peixoto de Azevedo, mas, esta rodovia, àquela
altura, se encontrava bastante congestionada de carros e populares.
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347
Esclarece ainda o Sargento LUCIO, que, em dado momento, estando
concentrado em abrir caminho no meio dos carros, notou que o VOYAGE com
os presos não mais os acompanhava e que ao tentar voltar para procurar o
carro, viu-se impedido por veículos e pessoas que interditavam a estrada, tanto
na direção de Matupá, quando no sentido de Peixoto de Azevedo.
São unânimes os policiais da escolta quando afirmam terem ficado ilhados pela
multidão sem nada poderem fazer para saírem em socorro do veículo que
trazia os presos.
Quanto ao número de policiais que participaram da operação de libertação dos
reféns e prisão dos assaltantes, foram dezessete (17) militares e quatro (o4)
policiais civis desta Delegacia de Polícia, mais três (o3) de Cuiabá que se
encontravam em trânsito por esta cidade, só que após a rendição dos
assaltantes somente quatro policiais militares escoltaram os presos até o
aeroporto na única viatura policial que era da cidade de Colider e que se
concentrava nesta cidade (esta Delegacia não possui viatura), ficando o
restante dos policiais em frente a residência das vítimas, tentando segurar a
população enfurecida, conforme se vê nas cenas gravadas em fita de Vídeo
Cassete, apreendidas e juntadas a estes autos.
Outro motivo da permanência do restante dos policiais no local do seqüestro,
deveu-se ao fato de meios de locomoção de vez que, como já afirmamos
antes, não existia outra viatura além da de Colider e que saiu escoltando os
presos.
Com a ida dos presos para o aeroporto, os policiais civis das outras Delegacias
dispersaram-se regressando às suas cidades.
Quanto a nós, voltamos para esta Delegacia onde permanecemos.
Vale salientar que esta Delegacia fica em frente ao aeroporto local, motivo pelo
qual assistimos a passagem do Voyage com os presos, escoltados pela viatura
policial, quando se dirigiam para o avião. Vimos também quando a pista foi
interditada pela multidão que cercou a aeronave, impedindo deste modo que
ela decolasse.
Assistimos ainda quando a viatura e o Voyage saíram de perto do avião,
rumando para a saída do aeroporto.
Diante desses fatos, ficamos na expectativa, sem sabermos se os presos
seriam trazidos para cá ou seriam levados para Peixoto de Azevedo ou Colider,
haja visto que, embora o aeroporto fique quase em frente a esta Delegacia, sua
saída dista cerca de quatrocentos (4oo) metros a setecentos (7oo) metros, à
nossa esquerda, sendo que naquele momento dezenas e dezenas de carros e
centenas de pessoas circulavam entre esta Delegacia de Polícia e a referida
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saída do aeroporto. Em virtude disto não mais conseguimos ver os veículos
com os policiais e os presos.
Em virtude do pequeno numero de policiais existentes e presentes nesta
Delegacia (04), bem como da inexistência de qualquer viatura, determinamos
que os policiais tomassem posição para uma eventual defesa da Delegacia,
caso os presos aqui chegassem, pois era quase certo que a população atacaria
se os presos ficassem aqui.
O tempo foi passando e policiais não chegavam aqui, quando então,
concluímos que o destino dos presos e policiais teria sido Peixoto de Azevedo.
No entanto, a população ou grande parte desta continuava circulando ao redor
desta Delegacia de Polícia, causando imenso barulho e levantando muita
poeira em suas idas e vindas.
De repente, vimos uma espiral de fumaça elevar-se nas proximidades da
BR/163 a uma distância de seiscentos (600) metros. A princípio, pensamos que
a população frustrada por não ter alcançado seu objetivo de por a mão nos
presos, havia posto fogo em alguma coisa ou veículo, já que não ouvimos em
momento alguns disparos de arma de fogo.
Em virtude de constantemente continuarem chegando veículos e pessoas nas
imediações desta Delegacia de Polícia, optamos por permanecermos nas
dependências da Delegacia, dando proteção ao preso de Justiça que estava
trancafiado na nossa cela até termos certeza do que realmente estava
acontecendo.
A esta altura dos acontecimentos, chega aqui o cidadão MARCO ANTONIO
YAMANAKA, vulgo "CHINA", nos comunicando que a população havia tomado
os presos das mãos da Polícia e estes estavam sendo queimados vivos,
acrescentando, ainda, que tentara prestar socorro a uma das vítimas, mas
tinha sido impedido pelas pessoas que estavam ao redor dos corpos e que
tentaram, inclusive, lhe agredir.
Diante dessa notícia, determinamos que nosso Escrivão e dois agentes, sendo
um deles do sexo feminino, fossem até o local da chacina para tentarem fazer
alguma coisa pelo sobrevivente ou sobreviventes.
Com muita dificuldade os três por entre a multidão até onde se encontravam os
corpos das vítimas.
Quando ali chegaram, porém, já era tarde para salvar qualquer das vítimas,
tendo, então, aqueles policiais providenciado a presença do médico legista,
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349
bem como o levantamento fotográfico e a remoção dos cadáveres para o
cemitério.
Os dois policiais restantes permaneceram em nossa companhia para
garantirmos a integridade física do preso que estava recolhido em nossas
celas.
Diante do exposto, determinamos a imediata instauração do competente
Inquérito Policial para apurar responsabilidade e individualizar autoria.
Durante todo este mês foram ouvidas cerca de quarenta pessoas que direta ou
indiretamente participaram dos acontecimentos acima narrados.
Fizemos apreensão de duas (02) fitas de Vídeo Cassete e através destas
conseguimos identificar e localizar a maior parte dos que foram ouvidos nestes
autos.
Até o presente momento, só conseguimos indiciar a pessoa que jogou gasolina
sobre os corpos. Em virtude de essa pessoa se encontrar foragida, foi feita sua
Qualificação Indireta.
O trabalho da Polícia tornou-se mais difícil ainda neste caso em virtude do
manto de silêncio que cobriu a cidade, com seus habitantes, guardando
sigilosamente o segredo da identidade daqueles que praticaram tão bárbaro
crime.
Conseguimos também descobrir através das declarações dos senhores ADAO
CHAGAS MENEZES e NACOR ALVES CATARINO, que as vítimas eram
assaltantes contumazes, embora isso não justifique o trágico fim das mesmas.
Apesar das dificuldades, acreditamos firmemente que iremos conseguir êxito
nas investigações para descobrir os culpados pelas mortes dos assaltantes,
pois nosso trabalho esta apenas começando, motivo pelo qual requeiro de
V.Exa. a baixa destes autos a esta Delegacia, para o prosseguimento das
investigações, no sentido de localizar e identificar os autores e participantes da
chacina das vítimas, responsabilizando-os criminalmente pelo delito."
(sic)
Dr. Procurador-Geral pediu, ainda, a juntada de um telex que, precisamente,
tem o mesmo teor das informações que foram prestadas pelo Chefe da Casa
Civil à Presidência e que tive oportunidade de ler.
Por último, o Dr. Procurador-Geral da República pediu a juntada do relatório
que Ihe foi encaminhado pelo Sr. Ministro da Justiça, como nota reservada a
respeito das ocorrências de Matupá, e, também, com recortes, o que deferi.
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350
Este é o relatório do chamado "caso Matupá".
VOTO
O SENHOR MINISTRO NERI DA SILVEIRA (PRESIDENTE E RELATOR) Srs. Ministros. Esta matéria, ao que parece, é inédita na Corte: pedido de
intervenção federal em um Estado, em razão de ato de extrema violência
acontecido em Município do interior da Unidade da Federação.
Os fatos narrados na inicial, como objeto representação, são de indiscutível
gravidade, considerados os aspectos de perversidade e violência que os
envolvem. Dessa violência e atos criminosos resultou a morte de três pessoas.
As peças que Ii ao Tribunal relatam ora a presença autoridade policial matogrossense, ora a sua ausência, nos termos pelas razões aludidas no relatório
policial encaminhado ao Juízo Direito. Há, de outra parte, inquérito policial em
curso e providências judiciais já determinadas, sendo certo, inclusive, que se
deferiu a devolução do inquérito policial para o prosseguimento das
averiguações em torno dos responsáveis.
Não há dúvida alguma, a meu ver, de que os direitos da pessoa humana,
considerados na sua compreensão mais ampla, estão em causa, diante da
insegurança que os acontecimentos revelam na espécie: insegurança pela falta
de proteção dos presos e, também, para as próprias instalações da Polícia
Civil, no local onde se encontrava recolhido outro indiciado em crime diverso.
As próprias autoridades policiais manifestaram o temor, segundo se depreende
relatório, que a multidão enfurecida lhes causava. Dá-se, porém, que não
entendo possível, no caso concreto e em face da Constituição, ter como
configurada causa que viabilize a decretação de intervenção federal no Estado,
ou o reconhecimento de uma situação que justifique a requisição de
intervenção federal por parte desta Corte Suprema.
Os fatos, como referi, são de inequívoca gravidade: direitos da pessoa
humana, na sua visão ampla, foram atingidos, não só porque mortos três
membros da comunidade, ou três pessoas que deveriam merecer a proteção
das autoridades policiais, mas, também, pela falta de segurança aos direitos à
vida, à liberdade e mesmo à propriedade de quantos pretendessem se opor à
prática do ilícito que então se perpetrava. Tudo isso é insuscetível de qualquer
controvérsia.
Dispondo sobre a intervenção federal, a Constituição, no art. 34, inciso VII,
alínea “b” estipula como uma de suas causas:
"VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
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351
b) direitos da pessoa humana."
Ao lado desses, outros princípios sensíveis da Constituição são enumerados:
"a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
c) autonomia municipal;
d) prestação de contas da administração pública direta e indireta."
Certo a Carta de 1988 inovou, com a inserção dessa causa nova inscrita como
princípio sensível da Constituição. Não me parece possível; desde logo,
entretanto, na espécie, ter-se como verificada essa causa para os efeitos da
restrição à autonomia do Estado-membro.
Penso que um só episódio como esse não seja suficiente para a União intervir
em um Estado-membro, tendo em vista que um dos postulados fundamentais
do Estado brasileiro é o regime federativo, que há um século preside a
organização política do País. Louvo, é exato, o esforço para reprimir a
violência, por parte do Ministério Publico Federal, tendo à frente seu ilustre
Chefe, o Dr. Procurador-Geral da República.
Todos sabemos, de outra parte, que os Estados-membros, em virtude de sua
autonomia, organizam seus serviços e, em particular, os serviços de segurança
e de justiça. É da historia de nosso país a existência de diversidade muito
significativa entre a prestação dos serviços públicos essenciais, incluídos os de
segurança e de justiça, de Estado para Estado da Federação. Há Estados em
que, por falta de recursos, a estrutura judiciária é reduzida. O mesmo ocorre
quanto às forças policiais.
Nesse sentido, recente levantamento feito pelo Banco Nacional de Dados do
Poder Judiciário demonstrou que, se a média nacional é de um cargo de juiz de
direito para cada 23.500 habitantes, existem Estados da Federação onde o
quadro de magistrados é composto em proporção de apenas um cargo para
42.000 habitantes, relação esta que cresce na sua expressão, à medida que
muitos cargos não estão providos.
As condições de prestação dos serviços de segurança são também
diversificadas, variáveis; ora em virtude das condições topográficas, de
comunicação e das condições decorrentes da densidade demográfica; ora,
ainda, por condições climáticas, que, em determinadas fases, certos períodos
do ano, impossibilitam, praticamente, a atuação da polícia organizada, ou
porque os meios de comunicação ficam interditados, ou porque são essas
precárias forças de segurança removidas para locais onde mais prestantes
possam estar nesses períodos de dificuldades climáticas.
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352
Essa a realidade do país. Crimes com expressões de perversidade – como o
ora narrado na Representação do eminente Procurador-Geral da República têm, lamentavelmente, sucedido, não só em Estados de difíceis condições de
comunicação, tal como o Estado de Mato Grosso – este local Matupá, segundo
as informações, está a 700 Km de distancia de Cuiabá, - mas também em
nossas grandes metrópoles, nos meios urbanos mais densos e em condições
privilegiadas dentro da realidade nacional. Crimes tão hediondos, como esses,
têm sucedido, segundo os noticiários da imprensa. Certo está que todos eles
merecem o repúdio da Nação e desta Corte.
O Supremo Tribunal Federal, à evidência, não pode ser complacente diante da
violência e do crime. E a sua jurisprudência, no que concerne à matéria
criminal, é bem indicativa de sua compreensão, quanto ao papel que lhe cabe,
também, na repressão à violência e ao crime.
Sucede, porém, que esta Corte – a quem a Constituição confere a sua
competência maior de garantir o equilíbrio da Federação, de atuar como um
autêntico poder moderador nas relações entre a União e os Estados-membros,
ou nos conflitos que ocorram entre essas Unidades da Federação ou seus
Poderes, - por mais sensibilizada fique com acontecimentos de tão profundo
teor humano, os quais merecem a mais veemente reprovação, não só dos
membros do Tribunal, mas de toda a sociedade, não pode deixar de ter
presente o bem maior do equilíbrio federativo. Dai o caráter excepcional da
intervenção federal.
No caso concreto, o Estado de Mato Grosso, segundo as informações, está
procedendo a apuração do crime. Instaurou-se inquérito policial. No prazo de
trinta dias os autos foram encaminhados à autoridade judiciária, que os
devolveu, a pedido da autoridade policial, para que prosseguissem as
averiguações.
De outra parte, há expressa manifestação das autoridades judiciárias, com
igual preocupação das autoridades do Poder Executivo, no sentido de se
apurarem as responsabilidades.
Penso que o assunto que é da estrita competência do Poder Judiciário
estadual, com a colaboração da Polícia Judiciária, - não comporta tratamento
diferente, à vista do estado em que se encontram a apuração dos eventos e a
atuação das autoridades policiais.
Dir-se-á que seria possível, no caso concreto, deferir o pedido, para que se
autorizasse a requisição da autoridade policial federal, em ordem a esta agir no
local, limitadamente, em termos geográficos, tão-só na região onde o crime
aconteceu, e, em lugar da autoridade policial estadual, apurar as
responsabilidades, com o que se assegurariam, de um lado, os direitos
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humanos, e se traria tranqüilidade para a sociedade que vive em estado de
sobressalto, segundo se informa nos autos. Também essa medida não tenho
como aconselhável, nas circunstâncias do caso concreto.
A atuação da Polícia Federal é demarcada no Texto Constitucional: integra o
rol daqueles órgãos que devem promover a Segurança Pública.
O art. 144 da Constituição estipula:
"A segurança pública, dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e
da incolumidade das pessoas e do patrimônio através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
§ 1. A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, estruturado em
carreira, destina-se a:
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de
bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e
empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha
repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo
se dispuser em lei;
II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o
contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros
órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III - exercer as funções de polícia marítima, aérea e de fronteiras;
IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária e da União.
§ 2. A polícia rodoviária federal, órgão permanente, estruturado em carreira,
destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.
§ 3. A polícia ferroviária federal, órgão permanente, estruturado em carreira,
destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.
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354
§ 4. Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem,
ressalvada a competência União, as funções de polícia judiciária e a apuração
de infrações penais, exceto as militares.
§ 5. Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem
pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em
lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
§ 6. As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e
reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos
Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
§ 7. A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos
responsáveis pela segurança pública de maneira a garantir a eficiência de suas
atividades.
§ 8. Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à
proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei."
Parece fora de dúvida, em hipótese como a dos autos, que os fatos criminosos,
assim como referidos tanto na representação quanta nas peças do inquérito
devem ser apurados pelos órgãos policiais estaduais. A determinação de a
Polícia Federal intervir, para apurar esse acontecimento ilícito, hediondo,
horrendo mesmo, implicaria, sem dúvida, intervenção da União no Estado de
Mato Grosso.
Com essas considerações, não vejo, para o caso concreto, seja cabível
atender-se a louvável preocupação do eminente Procurador-Geral da
República, no sentido de julgar-se procedente a representação ou requisitar-se
intervenção federal restrita, o que é matéria que demandaria, sem dúvida, uma
altíssima indagação quanto a sua possibilidade. Não tenho como admissível,
na espécie, o Supremo Tribunal Federal requisite ao Poder Executivo federal a
Polícia Federal para agir na apuração desses fatos. O equilíbrio federativo deve
ser posto em primeiro plano, no exame de pedidos de intervenção federal.
Este Tribunal não fica, assim, indiferente a realidade da violência, mas
entende, também, que lhe incumbe o dever de determinar o procedimento
repressivo, tão só, dentro dos limites que a Constituição e a lei autorizam. Fora
dos limites de competência que a Constituição estabelece aos Poderes dos
Estados e as Unidades da Federação, há o risco de os fatos comandarem as
leis e isso não serve nem à integridade nacional e, menos ainda, à pureza da
ordem jurídica.
Com essas considerações, meu voto é no sentido, no caso concreto, de julgar
improcedente a representação.
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355
VOTO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Senhor Presidente, em primeiro
lugar, estimo registrar a compreensão pela iniciativa do Ministério Público em
relação a esse episódio. Isto face aos deveres a ele atribuídos e, também, ao
risco pertinente à pecha de negligente.
A intervenção, em si, é uma medida extrema, e conforme salientou, com
proficiência, V. Exa. em seu voto, não se tem no episódio até aqui isolado
naquele Estado, hipótese que atraia a pertinência do disposto no artigo 34,
inciso VII, alínea b, da Constituição Federal, mesmo porque, conforme deu
conhecimento V. Exa. à Corte, as autoridades locais diligenciaram objetivando
apurar as responsabilidades pelo linchamento.
Não se cuida, na hipótese em si, de tomada de providências indispensáveis,
necessárias a assegurar a observância desse princípio básico constitucional,
porque ligado à dignidade do homem, que é o respeito aos direitos da pessoa
humana.
Por isso, acompanho V. Exa., endossando, na integralidade, o voto que
proferiu.
VOTO
O Sr. MINISTRO CARLOS VELLOSO: - Senhor Presidente, examino, primeiro
que tudo, o cabimento da representação, ou seu conhecimento, por isso que o
pedido é inédito – intervenção federal para o fim de assegurar a observância de
direitos da pessoa humana, CF, art. 34, VII, "b" – certo que a Constituição
1.967 e a de 1.946 não o autorizavam. É que a Constituição de 1.988 considera
os direitos da pessoa humana como princípio constitucional sensível.
Examinemos, então, o cabimento do pedido.
Conforme falamos, a Constituição de 1.988 estabelece que os direitos da
pessoa humana constituem princípio constitucional sensível, assim capaz de
autorizar, a sua não observância parte do Estado-membro, a medida patológica
da intervenção federal.
Com efeito.
Expresso está, no art. 34, VII, "b", da C.F., que intervenção federal poderá
ocorrer para assegurar a observância dos direitos da pessoa humana, direitos
que foram elevados à condição de princípio constitucional sensível. A
intervenção, nesse caso, vale dizer, no caso de inobservância, por parte do
Estado-membro, desse princípio, ocorrerá se o Supremo Tribunal Federal der
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356
provimento à representação do Procurador-Geral da República (C.F., art. 36,
III).
Acontece que o § 3º do art. 36 dispõe:
“art.36
..........................................................................................................................
§ 3º - Nos casos do art. 34, VI e VII, ou do art. 35, IV, dispensada a apreciação
pelo Congresso Nacional ou pela Assembléia Legislativa, o decreto limitar-se-á
a suspender a execução do ato impugnado, se essa medida bastar ao
restabelecimento da normalidade. "
Os termos do dispositivo constitucional acima transcrito - § 3 do art. 36 – numa
interpretação literal, estariam a indicar que somente um ato comissivo do
Estado-membro, de descumprimento do princípio, assim de violação dos
direitos da pessoa humana, é que autorizaria a intervenção federal. É que,
estabelecendo o § 3º do art. 36 que o decreto do Presidente da República
“limitar-se-á a suspender a execução do ato impugnado,” se não houver esse
ato não haverá a intervenção.
Seria de ser assim, Senhor Presidente?
Penso que não.
Dou os motivos do meu convencimento.
A Constituição de 1.988 preocupa-se, sobremaneira, com os direitos
fundamentais do homem, com os direitos humanos. O só fato de os direitos e
garantias fundamentais terem sido colocados no início da Constituição, assim
nos seus artigos 5º (direitos e deveres individuais e coletivos), 6º, 7º, 8º, 9º, 10
e 11 (direitos sociais e coletivos), 12 (direito a nacionalidade), 14 a 17 (direitos
políticos), demonstra que o constituinte quis emprestar posição de realce a
esses direitos frente à organização estatal. Os comparatistas, aliás, para efeito
do estudo dos direitos fundamentais, costumam adotar, como critério, dentre
outros, o do lugar desses direitos na sistematização constitucional. Confira-se,
a propósito, o notável "Manual de Direito Constitucional", Tomo IV, que cuida
dos Direitos Fundamentais, do Prof. JORGE MIRANDA, pags. 109 e segs.
(Coimbra Editora, 1988).
A hermenêutica constitucional, lembra o Professor Fabio Konder Comparato,
apresenta especificidade. (RTJ 93/62). A frase de Marshall, invocada por
Comparato, no acórdão do famoso caso McCulloch vs. Maryland, de 1.819, no
sentido de que We must never forget that it is a constitution we are expounding
– não devemos esquecer que é a Constituição que estamos expondo; que são
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357
normas constitucionais que estamos interpretando – dá bem a medida dessa
especificidade, a indicar que, porque a Constituição é o diploma validador de
todas as outras normas, assim o sistema em que se funda toda a ordem
jurídica, o alcance das normas constitucionais há de ser entendido com
extensão e eficácia muito maior do que o das normas comuns, o registro e
ainda do Prof. Comparato, que menciona trás princípios que precisam ser
observados pelo intérprete da Constituição: o princípio da concretização, o
princípio da interpretação sistemática e o princípio da harmonização funcional.
Pelo primeiro, o intérprete não deve se limitar a verificar o sentido visível da
norma, mas deve completá-la, de modo a fazê-la aplicave1 em concreto; pelo
segundo, procurara o intérprete "identificar o campo ou âmbito normativa no
que se insere o problema proposto"; e pelo terceiro, recomenda-se que se
busque na Constituição os princípios maiores que ela consagra e, no rumo de
tais princípios, deve orientar-se o intérprete.
Busquemos nos inspirar nos princípios de hermenêutica constitucional acima
indicados, que o Prof. Fabio Comparato desenvolve no trabalho já mencionado
(RTJ 93/62).
A Constituição, Senhor Presidente, no Titulo I, ao cuidar "Dos princípios
Fundamentais", deixa expresso, no art. 19, III, que a República Federativa do
Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento,
dentre outros, a dignidade da pessoa humana (art. 19, III). E não fica apenas
nisto. No art. 39, IV, estabelece que constitui objetivo fundamental da
República Federativa do Brasil, promover o bem de todos. E, ao indicar os
princípios segundo os quais deve a República Federativa do Brasil reger-se,
nas suas relações internacionais, menciona, no inc. II do art. 49, a prevalência
dos direitos humanos.
E há mais, ainda.
Prescrevendo limitações materiais ao constituinte derivado, estabelece a
Constituição que "não será objeto de deliberação a proposta de emenda
tendente a abolir" os direitos e garantias individuais (CF, art. 60, § 49, IV).
Verifica-se, pois, que os direitos humanos, os direitos e garantias individuais,
constituem princípio maior no sistema constitucional brasileiro.
Bem por isso, foram tais direitos erigidos a condição de princípio constitucional
sensível (CF, art. 34, VII, "b").
Posta assim a questão, devo emprestar ao dispositivo constitucional - o art. 34,
VII, "b" - a maior carga possível de efetividade. Ora, a interpretação literal do §
39 do art. 36 retira do referido art. 37, VII, "b", efetividade, ou diminui-lhe,
consideravelmente, a efetividade. E que, e fácil perceber, a inobservância do
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358
princípio constitucional dos direitos da pessoa humana decorre, muita vez, da
omissão das autoridades, da omissão do Executivo estadual em fazer
respeitados esses direitos.
Estou convencido, Senhor Presidente, que esses atos omissivos dos Estadosmembros, que tratam mal os direitos da pessoa humana, também autorizam a
intervenção federal. Sou federalista, Senhor Presidente, quero ver realizada, no
Brasil, a federação. Mas antes de ser federalista, sou ser humano. E devo
compreender que a Constituição, que consagra essa forma de Estado, quer
que a federação sirva ao homem, porque deixa expresso que a República
Federativa do Brasil, que se constitui em Estado Democrático de Direito, tem
como fundamento a dignidade da pessoa humana (art. 19, III). Por isso, se o
Estado-membro desrespeita essa dignidade, ou não faz por fazer respeitados
os direitos da pessoa humana, tenho como autorizada a medida patológica da
intervenção federal. Assim quer a Constituição.
Estou, pois, de acordo com V.Exa., Senhor Presidente, quando conhece da
representação. E louvo a atitude máscula: do Procurador-Geral da República,
Chefe do Ministério Público Federal, ao fazer a representação a esta Corte,
buscando a intervenção federal para o fim de efetivar proteção aos direitos da
pessoa humana.
Com este julgamento, um dos mais importantes da sua história, o Supremo
Tribunal Federal deixa abertas as suas portas - portas, aliás, que nunca
estiveram fechadas ao clamor da liberdade - também para essa forma de tornar
efetivos os direitos humanos e assim efetiva a Constituição.
Conheço, pois, da representação.
Enfrento-lhe o mérito.
Também aqui estou de acordo com o Relator, o nosso Presidente. E que se
tem, no caso, um fato que, não obstante lamentável, que chega a nos
envergonhar, e um fato isolado e que está sendo apurado pelas autoridades
estaduais, conforme deu notícia o eminente Relator.
O indeferimento, no caso, da medida patológica da intervenção federal, é o que
se recomenda.
Com essas considerações, Senhor Presidente, acompanho o douto voto de
V.Exa.: conheço da representação, mas tenho como procedente, pelo que a
indefiro.
VOTO
(PRELIMINAR)
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O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO - A intervenção federal configura
expressivo elemento de estabilização da ordem normativa plasmada na
Constituição da República. É, dela, indissociável a sua condição de instrumento
de defesa dos postulados sobre os quais se estrutura, em nosso País, a ordem
republicano-federativa. "O instituto da intervenção" – adverte ERNESTO LEME
("A Intervenção Federal nos Estados", p. 25, item nº 20, 2ª ed., 1930 RT) - "é
(...) da essência do sistema federativo". Sem esse mecanismo de ordem
político-jurídica, que assegura a intangibilidade do pacto federal, assevera
JOÃO BARBALHO ("Constituição Federal Brasileira - Comentários", p. 31, 2ª
ed., 1924, Rio de Janeiro, Briguiet e Cia. Editores), "a União seria um nome
vão. E as garantias e vantagens, que a Federação deve proporcionar aos
Estados e ao povo, se reduziriam a simples miragem".
Se é inquestionável a correção de tais premissas, que encontram suporte na
"communis opinio", é também irrecusável o consenso doutrinário, fundado na
necessidade de respeito ao próprio princípio federativo, sobre a
excepcionalidade da intervenção federal, dado o caráter extremamente
perturbador que assume qualquer interferência do Governo Federal nos
assuntos regionais e na esfera dos autônomos interesses dos Estadosmembros (CARLOS MAXIMILIANO, “Comentários à Constituição Brasileira”, p.
158, item n. 128, 3ª ed., 1929, Globo; THEMISTOCLES BRANDÃO
CAVALCANTI, “A Constituição Federal Comentada", vol. I/183, 3ª ed., 1956,
Konfino; FÁVILA RIBEIRO, "A Intervenção Federal nos Estados”, p.48, tese de
concurso, 1960, Editora Jurídica, Fortaleza).
Não se pode perder de perspectiva, por isso mesmo, a circunstância, de
extremo relevo político-jurídico, de que a intervenção federal representa a
própria negação, ainda que revestida de transitoriedade, da autonomia
reconhecida aos Estados-membros pela Constituição. Essa autonomia, de
índole constitucional, configura um dos postulados fundamentais da
organização político-jurídica de nosso sistema federativo. O poder autônomo,
que a ordem jurídico-constitucional atribuiu aos Estados-membros, traduz, na
significativa concreção de sua existência, um dos pressupostos conceituais
inerentes à compreensão mesma do federalismo.
Daí, a estrita disciplina imposta pela Constituição ao instituto da intervenção
federal, cujos pressupostos de admissibilidade foram por ela taxativamente
enumerados, em "numerus clausus", em obséquio ao princípio maior do
equilíbrio federativo, em face do caráter de absoluta excepcionalidade de que
se reveste o ato interventivo, em função de sua natureza mesma e de seus
próprios efeitos jurídicos e conseqüências político-administrativas. Tal
circunstância justifica, plenamente, a advertência constante do magistério
doutrinário de PONTES DE MIRANDA ("Comentários à Constituição de 1967",
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360
tomo 2/198, 1967, RT), para quem "a intervenção nos Estados-membros
constitui, pelo menos, teoricamente, o "punctum dolens" do Estado Federal".
A Constituição brasileira de 1988 definiu, dentre as condições de
admissibilidade da intervenção federal, a ofensa ao princípio sensível da
intangibilidade dos direitos da pessoa humana. "A União não intervirá nos
Estados nem no Distrito Federal" - proclama o art. 34 de nossa Lei
Fundamental - "exceto para (...) VII. assegurar a observância dos seguintes
princípios constitucionais: (...) b) direitos da pessoa humana..."
O legislador constituinte agiu, nesse tema, com extrema coerência, eis que o
compromisso do Estado brasileiro com a intangibilidade e o respeito aos
direitos da pessoa humana é irrecusável. Ele deriva do preâmbulo de nossa
Carta Política; exprime-se na proclamação da dignidade da pessoa humana e
na necessidade de sua defesa, erigidas à condição de pressupostos
fundamentais da própria organização da República Federativa do Brasil (art. 1º,
III); exterioriza-se no domínio tributário, ao elevar a indenidade dos direitos
individuais ao plano das limitações constitucionais ao poder estatal de tributar
(art. 145, § 1º). A indeclinabilidade desse compromisso estatal – que proclama
a prevalência dos direitos humanos – mais se evidencia e se intensifica na
medida em que ele se projeta como um dos princípios estruturadores da
atuação e do comportamento do próprio Estado brasileiro no plano das
relações internacionais (art. 4º, II).
Ressalte-se, no entanto, não obstante o elevado valor e importância dessa
opção política do legislador constituinte, que a inclusão, na Constituição de
1988, do desrespeito aos direitos da pessoa humana no rol das condições
legitimadoras da intervenção federal, não se revestiu de originalidade, eis que
precedentes, extraídos da evolução histórica de nosso próprio
constitucionalismo republicano, atestam que, já sob a égide da Constituição de
1891 (art. 6º, II, "j", com a redação introduzida pela Reforma Constitucional de
1926) e, curiosamente, da de 1937 (art. 9º, "e", n.3), o princípio da
intangibilidade daqueles direitos inscrevia-se dentre os pressupostos
autorizadores da intervenção do poder central na esfera das coletividades
autônomas locais.
Qualquer que possa ser a noção conceitual da locução constitucional "direitos
da pessoa humana", é certo que essa expressão assume, no plano das
relações jurídicas da pessoa com o Estado, uma abrangência
incomparavelmente maior que aquela propiciada pelo conceito limitado de
direito individual. A inferência desse sentido de maior latitude deriva, quer do
magistério da doutrina (BERNARD SCHWARTZ, "Os Grandes Direitos da
Humanidade", 1979, Forense Universitária, trad. de A.B. Pinheiro de Lemos;
JEAN RIVERO, "Les Libertés Publiques", vol. 1/9-26, 1973, Presses
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Universitaires de France, Paris; GEORGES BURDEAU, "Les Libertés
Publiques", 4ª ed., 1972, Librairie Générale de Droit e de Jurisprudence, Paris;
JOSÉ CRETELLA JR., "Liberdades Públicas", 1974, Bushatsky, São Paulo;
DALMO DE ABREU DALLARI, "Elementos de Teoria Geral do Estado", p.
180/186, 1972, Saraiva; MIGUEL REALE, "Liberdade antiga e liberdade
moderna", "in" "Horizontes do Direito e da História", p. 15/44, 1956, Saraiva),
quer dos grandes documentos e atos internacionais, concernentes aos direitos
do Homem (Declaração de Direitos da Virgínia, de 1776; Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789; Declaração Americana dos Direitos
e Deveres do Homem, Bogotá, 1948; Declaração Universal dos Direitos do
Homem, de 1948; Convenção Européia sobre a Proteção dos Direitos
Humanos e das Liberdades Fundamentais, de 1950, e seus sucessivos
Protocolos Adicionais; Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto
de San José da Costa Rica, 1969).
Caberá ao Supremo Tribunal Federal, investido da alta missão institucional de
interpretar esta Constituição, definir o sentido, o conteúdo e o alcance exatos
da cláusula constitucional referente aos direitos da pessoa humana, para que,
então, a partir da extensão temática que se lhe de, venha a fixar os
parâmetros, necessários e essenciais, da intervenção federal nos Estadosmembros, por inobservância desse magno princípio sensível.
Assentadas estas premissas, cuja análise reputei imprescindível, passo a
apreciar a presente ação direta interventiva.
A ação direta interventiva, introduzida direito positivo pela CF/34, faz instaurar,
entre o poder central e as coletividades autônomas periféricas, um litígio
constitucional, cujo objetivo precípuo consiste em dar solução jurisdicional a um
conflito federativo. Impõe-se ao Supremo Tribunal Federal, no âmbito desse
procedimento especial, o dever de compor tal situação de conflito e de
litigiosidade constitucional entre a União Federal e o Estado-membro.
A ofensa do Estado-membro aos princípios constitucionais sensíveis (art. 34,
VII) configura um nítido ilícito constitucional, cuja prática gera, em seus efeitos,
dupla conseqüência: uma, de ordem jurídica, consistente na declaração de
inconstitucionalidade do comportamento estatal impugnado; outra, de ordem
político-administrativa, consistente na decretação de intervenção federal no
Estado, por ato do Presidente da República, em virtude de requisição emanada
do Supremo Tribunal Federal.
A doutrina e a jurisprudência têm salientado, na análise do objeto da
representação interventiva, que o que nela se pressupõe é a existência de ato
normativo ofensivo aos princípios constitucionais sensíveis, pois o
comprometimento da ordem constitucional, por meros FATOS, não justifica, e
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362
nem se reveste de aptidão suficiente para viabilizar, sequer, o próprio
conhecimento da ação direta interventiva.
O voto proferido pelo saudoso Min. CASTRO NUNES, no julgamento, por esta
Corte, da Rp.nº 94, salientou, de modo expressivo, essa circunstância:
"O nº VII contém um elenco de princípios, e o que aí se pressupõe é a ordem
jurídica comprometida, não por fatos, mas por atos legislativos destoantes
daquelas normas fundamentais. Esses princípios são somente os enumerados
para o efeito da intervenção, que é a sanção prevista para os efetivar. Não
serão outros, que os há na Constituição, mas cuja observância está posta sob
a égide dos tribunais, em sua função normal."
E a razão desse entendimento, justificou-a o eminente Min. CASTRO NUNES,
no julgamento da Rp. nº 96, "verbis":
"Basta considerar que a sanção adstrita ao 'veredictum' do Tribunal é a
intervenção, para mostrar o seu caráter excepcional. O Tribunal pode conhecer
de quaisquer das argüições, mas, pela via comum. Mediante os remédios
judiciais adequados, poderão essas argüições vir aos tribunais competentes e
chegar até ao Supremo Tribunal Federal. Mas, para exercer a atribuição do art.
8º, parágrafo único, que Ihe dá o poder de declaração da inconstitucionalidade,
em tese, e, como conseqüência, a intervenção federal, ele está adstrito e
obrigado a verificar, em cada argüição, a sua filiação, o seu entroncamento em
alguns dos princípios enumerados na Constituição. Do contrário, estaríamos
ampliando uma atribuição que é do seu natural, excepcionalíssima, e de certa
forma diminuindo e ameaçando a autonomia dos Estados."
O ilustre Procurador da República, GILMAR FERREIRA MENDES, ao dissertar
sobre o tema do objeto do controle de constitucionalidade, no plano da
representação interventiva, bem definiu, com suporte no magistério doutrinário
de PONTES DE MIRANDA, CASTRO NUNES e OSWALDO ARANHA
BANDEIRA DE MELLO, o âmbito de sua atuação ("Controle de
Constitucionalidade – Aspectos jurídicos e políticos", p.233/234, 1990, Saraiva):
"A controvérsia envolve os deveres do Estado--membro quanta à observância
dos princípios constitucionais sensíveis (CF 1967/1969, arts. 13, I, e 10, VII) e à
aplicação da lei federal (CF 1967/1969, art. 10, VI, 1º parte). Essa violação de
deveres consiste, fundamentalmente, na edição de atos normativos infringentes
dos princípios previstos no art. 10, VII, da Constituição de 1967/1969. 'O
legislador constituinte usou da palavra ato – lecionava Castro Nunes – na sua
acepção mais ampla e compreensiva, para abranger no plano legislativo as
normas de qualquer hierarquia que comprometam algum dos princípios
enumerados'.
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363
..............
Vê-se, pois, que a afronta aos princípios contidos no art. 10, VII, da
Constituição Federal de 1967/1969, há de provir, basicamente, de atos
normativos dos poderes estaduais, não se afigurando suficiente, em princípio, a
alegação da ofensa, em concreto. 'A violação, em concreto, por parte do
Estado federado, - ensina Bandeira de Mello, - não diz respeito aos princípios
constitucionais propriamente ditos, a que devia observar, mas ao exercício da
ação dos poderes federais, de execução das leis federais ( ... )’.
....................................................................................................
Tendo por fundamento estas considerações, Sr. Presidente – e adstringindome a critérios de índole exclusivamente técnica –, não vejo como possa sequer
conhecer da presente ação direta interventiva, eis que entendo, coerente com a
linha exposta neste voto, que o desrespeito concreto aos direitos da pessoa
humana, mesmo que lamentavelmente traduzido em atos tão desprezíveis
quão inaceitáveis, como estes, decorrentes do tríplice linchamento ocorrido em
Matupá - MT, não tem o condão de justificar a cognoscibilidade desta
representação interventiva, cujo objeto – reitero – só pode ser ato estatal, de
caráter normativo, apto a ofender, de modo efetivo ou potencial, qualquer dos
princípios sensíveis elencados no inciso VII do art. 34 da Constituição Federal.
Com estas observações, Sr. Presidente, peço vênia para dissentir de V. Exa. e,
em o fazendo, não conhecer da presente ação direta interventiva.
Desejo registrar, no entanto, o meu respeito pela iniciativa processual do
eminente Procurador-Geral da República, Dr. ARISTIDES JUNQUEIRA
ALVARENGA, cuja notável atuação, como Chefe do Ministério Publico da
União, só tem evidenciado estar, S. Exa., à altura da importância e dignidade
da grande Instituição que dirige.
Não conheço da presente ação.
É o meu voto.
VOTO
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Senhor Presidente, sem
provocar polêmica, pretendo, no mínimo de palavras possível, dar apenas as
razões da minha convicção.
Começo por louvar a iniciativa do eminente Procurador-Geral da República,
que é o elemento ativo da guarda da Constituição: suas provocações, quando
tocam em temas inéditos nos anais da Corte, são uma colaboração
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imprescindível à nossa tarefa quotidiana de concretização jurisprudencial da
Constituição, cometimento maior do Tribunal.
Como a democracia, também as constituições democráticas são obras
permanentemente inacabadas. Por isso, a minha preocupação é não fechar
antecipadamente caminhos, pois há situações, que a evolução políticoconstitucional do País poderá apresentar amanhã, a exigir soluções criativas da
Corte.
Creio imprescindível, Senhor Presidente, lembrar que esta representação
interventiva, como fase necessária da intervenção federal, por violação dos
princípios constitucionais sensíveis, surge e desenvolve-se, durante grande
parte de sua história, como mecanismo de controle direto da
constitucionalidade de atos dos poderes estaduais, E, como tal, já há muito se
disse que, desde 1965, com a criação da representação genérica, tornou-se
um instituto quase agônico na prática constitucional brasileira, porque, na
totalidade dos casos em que foi aplicada – como a suspensão do até decorria
do julgamento da procedência da representação genérica –, a representação
interventiva perdera a sua grande utilidade prática, dado que, desde quando
instituída, jamais ela provocou uma intervenção efetiva, uma intervenção de
fato, mas, apenas, a intervenção jurídica consistente, exatamente, também, na
suspensão da eficácia do ato impugnado.
É certo que, em 1934, essa representação surge no direito constitucional
brasileiro, tendo como objeto direto a lei de intervenção, mas, reflexamente,
levando ao exame da existência do motivo da lei de intervenção, vale dizer, do
ato estadual que se inquinava de violador dos princípios constitucionais. Em
1946, inverte-se o modelo: já não é a lei de intervenção, já editada, que se
submete ao Tribunal, e sim o próprio ato estadual, suscetível de motivá-la. A
Constituição de 34 dispunha que a intervenção não se efetivaria antes que a lei
federal que a decretasse fosse julgada constitucional pelo Supremo Tribunal
Federal. Invertido o processo, a Constituição de 46 veio a dispor que a
intervenção dependia da prévia declaração de inconstitucionalidade do ato
impugnado.
Até então não havia dúvidas, cuidava-se, efetivamente, de um sistema de
controle concentrado e direto de constitucionalidade e, com esse sentido, o
Ministro Alfredo Buzaid teorizou sobre o instituto, na sua conhecida Ação Direta
de Declaração de Inconstitucionalidade.
Por isso, desde o início, sem discutir se era necessário um ato jurídico público
nos Estados, o que se pôs foi o problema de saber que natureza deveria ter
esse ato jurídico para poder submeter-se à representação.
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Na Representação 94, já referida pelo eminente Ministro Celso de Mello, o
saudoso Ministro Castro Nunes antecedeu o seu voto sobre o caso concreto,
onde não havia dúvidas – tratava-se da conhecida representação sobre a
Constituição de feitio parlamentarista do Estado do Rio Grande do Sul –, de
uma longa dissertação sobre a natureza do instituto novo da representação
interventiva e sustentou, então, como aqui já se recordou, que se trataria
exclusivamente de atos da Assembléia Legislativa, em função legiferante ou
constituinte. É verdade, no entanto, que o ponto não constituiu decisão do
Tribunal, cuidou-se de uma exposição teórica de introdução ao voto de Castro
Nunes. Não estava em causa o problema.
Surgiu na doutrina a crítica de Pontes de Miranda (1º volume, pagina 489, de
seus "Comentários à Constituição de 46"), a sustentar, em oposição radical à
tese de Castro Nunes, que o objeto da representação não seria
necessariamente um ato normativo; poderia ser, sim, um ato concreto de
qualquer dos Poderes do Estado, do Poder Executivo, do Poder Judiciário, até
do Poder Legislativo, em função não legislativa. E dava exemplos: a prisão de
Membros do Tribunal de Justiça, a dispensa pelo Tribunal de Contas da
prestação de contas do Governador.
Não esperava que este caso viesse hoje à Mesa. Por isso, não conferi minhas
recordações. Mas, salvo engano, o Supremo Tribunal chegou a admitir a
representação interventiva contra atos concretos. A ela certamente se referiu
Victor Nunes, num caso, porém, em que o ato concreto era conseqüência da
apreciação de um ato normativo. Tratava-se da auto-convocação de uma
Assembléia Legislativa, cuja constitucionalidade se discutia. Além desse, com a
ressalva de verificação nos nossos anais, lembro-me do julgamento de um
mandado de segurança, em que se chegou a admitir a sua conversão em
representação de inconstitucionalidade, para discutir o ato de nomeação, pelo
Governador do Estado, de um Diretor do Tribunal de Justiça Militar do Rio
Grande do Sul.
Mas pouco importa! O certo é que, sempre, a representação se punha como
controle direto e concentrado de um ato jurídico público dos Poderes estaduais.
Subsiste esse limite objetivo à representação interventiva? Pretende que não o
eminente Procurador-Geral da República. Ao que entendi da sustentação com
que, hoje, brindou o Tribunal, a S. Exa. parece que a introdução, entre os
princípios constitucionais sensíveis, dos direitos humanos, erigidos assim em
princípio da ordem constitucional, Ievaria à admissão da intervenção federal
para suprir omissão de fato dos Poderes estaduais, de que resulta a
insegurança de direitos humanos. Alega-se em contrario – e confesso que o
argumento me impressionou – com o art. 36, § 3º, da Constituição, segundo o
qual, em tais casos, "dispensada a apreciação pelo Congresso Nacional, o
decreto limitar-se-á a suspender a execução do ato impugnado, se essa
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medida bastar ao restabelecimento da normalidade". Por essa oração
condicional, eu me convenço, porém, de que o argumento, data venia, não é
definitivo. O decreto se limitará à suspensão, à vista das circunstancias – e,
digo eu, da motivação do julgamento que der provimento à representação – se
e quando essa intervenção puramente jurídica, isto é, suspensão por decreto
do Presidente da República de um ato estadual, bastar ao restabelecimento da
normalidade. E assim tem sido sabidamente a prática constitucional brasileira,
que eliminou, desde 1946, as intervenções de fato da União nos Estados, por
violação dos princípios constitucionais sensíveis que passaram a resolver-se
sob a forma civilizadíssima de um julgamento do Supremo Tribunal,
declaratório da inconstitucionalidade do ato estadual, e do decreto presidencial
de execução dele.
A mim me parece, no entanto, Senhor Presidente, que pode haver situações de
anormalidade que não se reduzam à desarmonia normativa entre uma norma
ou ato jurídico estadual e os princípios constitucionais sensíveis; que não se
possam reduzir a um ato formal de agressão a esses princípios. Pode haver
anormalidades de fato, a cuja cessação não baste a suspensão de um ato
estatal determinado. A conseqüência é que então se imporá a intervenção
efetiva, com as medidas necessárias à superação da anormalidade, óbvio,
então, já não dispensada a participação do Congresso na homologação do ato
presidencial que a decretar.
O que é necessário, a meu ver, é que haja uma situação de fato de
insegurança global dos direitos humanos, desde que imputável não apenas a
atos jurídicos estatais, mas à ação material ou à omissão por conivência, por
negligência ou por impotência, dos poderes estaduais, responsáveis.
Seria essa interpretação incompatível com a natureza da representação? A
reflexão sobre o tema, embora apressada, levou-me a convicção contrária.
Não tanto, como sustenta o eminente Procurador-Geral da República, em
virtude da introdução dos direitos humanos, no rol dos princípios
constitucionais sensíveis, os quais como os demais princípios constitucionais
sensíveis, obviamente podem ser ofendidos por atos normativos ou por atos
jurídicos concretos estaduais, estes, se se vai até o ponto a que chegou Pontes
de Miranda.
O que me parece decisivo é que desde a Constituição de 1967, o teor da
Constituição já não restringe a representação interventiva ao mecanismo de
controle de constitucionalidade de atos jurídicos do Estado. Dizia-se em 1934
que “A intervenção só se efetivará depois de o Supremo Tribunal declarar a
constitucionalidade da lei que a decretar".
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Ou, como se prescrevia no texto de 46, depois que o Supremo Tribunal,
mediante representação do Procurador-Geral da República, julgar
inconstitucional o ato impugnado".
Nos textos constitucionais seguintes, porém, desde 1967, o que se dispõe é
que, em tais casos, a intervenção dependerá de provimento, pelo Supremo
Tribunal, da representação do Procurador-Geral da República: se for o caso,
representação fundada na violação dos princípios constitucionais sensíveis,
violação que, a meu ver, tanto pode dar-se por atos formais, normativos ou
não, quanto por ação material, ou omissão de autoridade estadual, que leve a
uma situação de fato de anormalidade, ofensiva, contrária à salvaguarda, à
violência social e a efetividade daqueles princípios.
Portanto, a meu ver, já não há agora o obstáculo, que a literalidade das
Constitui9oes de 1934 e de 1946 representavam, para que a representação
interventiva, que, no passado, era exclusivamente uma representação por
inconstitucionalidade de atos sirva, hoje, à verificação de situações de fato. É
claro que isso imporá adequações, se for o caso, do procedimento desta
representação à necessidade da verificação, não da constitucionalidade de um
ato formal, mas da existência de uma grave situação de fato atentatória à
efetividade dos princípios constitucionais, particularmente, aos direitos
humanos fundamentais.
Portanto, Senhor Presidente, como parece resultar dos votos de V.Exa. e dos
eminentes Ministros Marco Aurélio e Carlos Velloso, com as vênias do
eminente Ministro Celso de Mello, conheço da representação. Também estou
com V.Exa. em que, para que se verifique este caso, que há de ser
excepcionalismo, de uma situação global de desrespeito aos direitos humanos,
não basta alegar e provar um caso isolado, apesar da dramaticíssima
gravidade do fato, que nos trouxe o eminente Chefe do Ministério Público da
União.
Na omissão indevida por conivência ou por negligência das autoridades locais,
em um caso isolado, os alvitres de superação ou repressão decorrem do
sistema constitucional. Ele está, primeiro, no mecanismo normal – a
responsabilidade do governante e das autoridades omissas –, ao qual a
Constituição de 88, muito criticada neste ponto, trouxe, no entanto, um reforço
significativo, que é a competência de um alto Tribunal da União, o STJ, para o
julgamento dos Governadores de Estado.
Se isso não bastar, se for o caso de o fato isolado e qualificado por essa
omissão acarretar um grave comprometimento da ordem pública no Estado,
estaremos em face de outra hipótese de intervenção federal, esta não
dependente da representação do Procurador-Geral, mas da competência, da
iniciativa privativa, do Presidente da República.
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368
Finalmente, nos limites estritos da parte final do art. 144 da Constituição, há
poderes de intervenção normal da Polícia Federal naqueles casos de crimes,
ainda não comportáveis na sua competência ordinária, cujá pratica tenha
repercussão internacional ou interestadual e exija repressão uniforme.
Com essas breves considerações, Senhor Presidente, acompanhando o voto
de V.Exa., conheço da representação, mas não Ihe dou provimento.
VOTO
O SENHOR MINISTRO PAULO BROSSARD – Senhor Presidente, como V.
Exa. acentuou, no inicio, é a primeira que a Corte se defronta com um
problema dessa natureza, e por isso mesmo, não há precedentes, quase tudo
é novidade.
A propósito da intervenção, embora o tema seja fascinante e os votos até
agora enunciados mostrem como há vários aspectos a serem abordados e
aprofundados, procurarei ser muito breve. Limitar-me-ei a dizer que os
institutos da Intervenção Federal e do Estado de Sítio, no Brasil, ao juízo de
Rui Barbosa, deram margem a abusos inomináveis. Num de últimos livros ele
diz mesmo que foram duas instituições funestas na sua aplicação desvairada: o
sitio e a intervenção.
É certo, Senhor Presidente, que, pelo texto da Constituição de 91, o famoso
art. 6º, o seu laconismo dava margem às mais variadas interpretações. Basta
dizer que ele começava dizendo assim: "O Governo Federal não intervirá...” E a
primeira questão que se levantava era esta:
O que é Governo Federal? O Governo Federal é o Poder Executivo? ou O
Governo Federal são os três poderes, conforme as circunstancias, conforme os
casos. A divergência começava aí. Já não falo na outra: "não intervirá". No Rio
Grande do Sul, por exemplo, durante um ano houve uma guerra civil e não
houve pedido de intervenção federal. E o sábio Dr. Borges de Medeiros
sobradas razões em não solicitá-la, e não foi feita intervenção federal; houve
uma intervenção diplomática, que levou à paz em 14 de dezembro 1923. Dois
anos antes, na Bahia, ocorreu o contrario: o Governador da Bahia, diante da
sublevação do sertão baiano, solicitou a intervenção federal ao Presidente
Epitácio Pessoa, e este a decretou imediatamente. Dizia-se, antes disso, que
Epitácio tinha assegurado que não mandaria à Bahia um soldado, e se disse na
época que ele havia cumprido a palavra, porque não tinha mandado um,
mandou seis mil.
Sustentou o Presidente Epitácio Pessoa, que foi membro desta Casa e era um
jurista ilustre, que o requerimento do Governador obrigava o Presidente a
decretar a intervenção.
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369
Rui Barbosa mostrou que o poder de decisão era do Presidente e não do
Governador. Se fora assim, a intervenção não seria intervenção federal, seria
um socorro do Governo Federal à solicitação do Governador; a intervenção era
decidida pelo Governador e não pelo Presidente da República. Mas essas são
coisas do passado, que lembro apenas para mostrar as discussões havidas a
respeito do instituto.
Com a reforma de 26, o texto de 91 melhorou extraordinariamente e inclusive
se definiram mais ou menos os papéis dos poderes federais: Executivo,
Legislativo e também o Judiciário.
A Constituição de 34 deu um passe além no sentido da sistematização do
instituto. Mais do que todas, penso eu, foi a de 46, já com a experiência mais
que cinqüentenária; no art. 7º trabalhou muito o então Deputado Prado Kelly,
que veio a ser também membro ilustre deste Supremo Tribunal Federal e um
dos seus ornamentos. A Constituição de 46, no meu modo de ver, regulou o
assunto de maneira quase perfeita. A harmonia da distribuição dos poderes, da
contenção dos poderes, com que todos eles tinham um limite em outro poder,
embora fosse a sua decisão predominante ou decisiva, fez com que o texto de
46 fosse realmente admirável. Não estranha que tenha sido abandonada em 67
e 69.
A verdade, Senhor Presidente, é que, depois de 37, com exceção de 64, nos
casos de Goiás e de Alagoas, creio que não houve mais intervenções. Parece
que o capítulo das intervenções federais, que deu margem a tantos abusos,
está mais ou menos recolhido ao museu das nossas antiguidades
constitucionais. E queira Deus que assim seja, Senhor Presidente.
Eu gostaria de observar que a intervenção, talvez por este motivo, pelos
abusos a que deu margem, é muitas vezes visto como um instituto de exceção.
Em verdade, a intervenção é um instituto fundamental no direito federal. Ele
visa, fundamentalmente, a conservação da Nação e da Federação. Na Nação,
em certos casos: invasão do território nacional por força estrangeira, da
Federação: invasão de um Estado em outro Estado. Ele é um instituto mais do
que regular, mais do que lícito, é um instituto necessário à harmonia federativa.
Claro que pode haver, aqui e ali, excessos, abusos, incompreensões, mas isso
não compromete o instituto em si mesmo.
Feitas essas observações tão singelas, queria dizer, em primeiro lugar, que a
ação do eminente Procurador-Geral da República, só merece louvores. Aliás, a
ação de S.Exa., tem sido tão diligente e criteriosa, que são gerais os aplausos
que S.Exa. colhe em toda parte, em todo o País. De modo que não precisava
S.Exa. preocupar-se com alguma interpretação desairosa a sua iniciativa. Ao
contrario, acho que S. Exa. prestou um bom serviço ao propor questão desta
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370
delicadeza e desta importância ao exame do Supremo Tribunal. Realmente, o
caso, em si, é desses que clama aos céus, e desses
que desonra o nome do País dentro e fora das suas fronteiras. A diligência do
eminente Procurador-Geral, da minha parte, só merece louvores, S.Exa. não
fique preocupado, jamais passaria pela cabeça de ninguém que fosse um ato
de oportunismo ou exibicionismo.
Dito isso, Senhor Presidente, vou-me abster de fazer comentários sobre os
temas que, como disse, são fascinantes, e vou limitar-me a decidir o caso em
exame. Embora a intervenção, como disse, seja um expediente regular, ainda
que não ordinário, entendo que descabe na hipótese.
Senhor Presidente, com o perdão do Ministro CELSO DE MELLO, tomo
conhecimento para indeferi-lo. Entendo que, no caso, não se justifica a medida
que é extrema, sem deixar de ser normal: entendo que, no caso, não seria de
ser tomada a providência requerida.
Pelo relatório que V.Exa. fez, parece-me que, dentro da imensa precariedade
de recursos, neste País imenso, onde as coisas são mais difíceis do que
parece a pessoas que moram e trabalham na capital, entendo que tem sido
tomadas providências que não destoam do comum das providências.
Antes de chegar ao Tribunal, tive a honra de ser Ministro da Justiça e tive o
desprazer de tratar de assuntos de tirar o sono. Realmente, as nossas
realidades são perturbadoras. Estive em certos lugares e falei com certas
pessoas, e verifiquei como era difícil fazer funcionar o aparelho judiciário.
De modo que, dentro desses condicionamentos que são o ônus da nossa
imponência geográfica, foram e estão sendo tomadas providências que não
chegam a caracterizar omissão, – embora não tenha sido feito o ideal – diante
de um fato dramático como esse que V.Exa. traz ao conhecimento do Tribunal
e que, além de tudo, ainda é revestido de tintas de perversidade.
Penso que, no caso concreto, descabe a medida requerida – a intervenção
federal no Estado.
Voto com V.Exa., Senhor Presidente, com a vênia do Ministro CELSO DE
MELLO, renovando, mais uma vez, as minhas homenagens à diligência e ao
critério com que se houve o eminente Procurador-Geral.
VOTO
O SR. MINISTRO CÉLIO BORJA: Sr. Presidente, a manifestação de V.Exa.
seria suficiente para a conclusão do voto que irei proferir, mas, o debate tão
rico que aqui se travou obriga a definição de alguns pontos controversos do art.
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34 da Constituição.
O primeiro que se suscita é com relação ao tipo ou à natureza do ato que é
capaz de gerar a intervenção prevista no inciso VII do art. 34, que é, diz-se, da
mesma natureza daquelas que declaravam os princípios constitucionais
sensíveis e submetiam as violações respectivas ao crivo do Supremo Tribunal
Federal. E, então, se pronunciada inconstitucionalidade, tinha lugar a
intervenção, se não bastasse a suspensão, por decreto do Presidente da
República, do ato tido por contrario à Constituição. Penso que não, Sr.
Presidente. E digo por que. Em primeiro lugar, sabemos que instituto da
intervenção no Brasil sofreu uma evolução acidentada, para dizer o menos. Em
1891, o texto extremamente singelo do art. 6º, como acentuou, ainda há pouco,
o Ministro Paulo Brossard, ensejou debate nacional a cada vez que, no
Congresso, na Presidência e nos próprios Tribunais, cogitou-se de intervenção
nesse ou naquele Estado. Ninguém participou com maior intensidade desse
debate do que Rui Barbosa e as suas opiniões estão, coligidas e reunidas, por
Homero Pires, em livro que denominou Comentários a Constituição de 91.
Creio que, se fosse necessário estabelecer, com exatidão, o que significa cada
uma daquelas hipóteses previstas no art. 6º do texto primitivo de 91, encontrarse-ia a resposta na palavra de Rui Barbosa, tal como reproduzida e coligida
pelo meu antigo mestre, Homero Pires.
Mas, aí, entra um outro problema, Sr. Presidente. As disposições do texto
primitivo da primeira Constituição republicana foram consideradas insuficientes
e o Presidente Arthur Bernardes, na campanha presidencial, colocou no seu
programa de candidato a regulamentação da intervenção federal nos Estados,
como um reclamo urgente da nação brasileira, e, em conseqüência disso,
passou-se, no Direito Constitucional deste País, a entender que a intervenção,
que é um instituto – o Ministro Paulo Brossard ainda há pouco chamava a
atenção para esse dado da cultura política e jurídica brasileira – olhado com
certa desconfiança, com certa reserva, porque, tal como o estado de sitio, pode
dar margem a atos de violência ou a atos contrários aos direitos das pessoas,
colocando em risco a segurança dos indivíduos e até das instituições, o
instituto da intervenção passou a reclamar regulamentação. A regulamentação
do instituto da intervenção, que vigia até o advento da Constituição de 5 de
outubro de 1988, dava à representação para fins interventivos, uma
configuração precisa, que o Supremo Tribunal desenvolveu de maneira
exemplar. Entretanto, foi ela alterada pela Constituição de 5.10.88. Assim, no
caso do inciso VII, do art. 34, a intervenção dependerá de provimento pelo
Supremo Tribunal Federal e de representação do Procurador-Geral da
República, e só. Legitimado o Procurador-Geral, cabe ao Supremo Tribunal,
em juízo político – já não mais em jurisdição constitucional, porque antes era
apenas jurisdição constitucional, mas agora também em juízo político – dizer se
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requisita ou não a intervenção ao Presidente, se dá ou não provimento ao que
pede o Procurador-Geral.
Sr. presidente, a palavra princípios, poderia levar-me a uma conclusão distinta
dessa a que chego, porque, quando o constituinte se refere aos princípios da
Constituição, estaria supondo a mediação do legislador, a transformação
daquilo que é idéia e fundamento da ordem jurídica, em norma. Mas, recordeime da lição de Biscaretti di Ruffía a respeito dos princípios gerais da ordem
jurídica positiva do Estado. Segundo ele, são, esses princípios, eficazes desde
logo, porque eles são ínsitos ao Estado. Se se admite a violação deles, admitese a dissolução do Estado, admite-se que o Estado possa ser desfeito, possa
ter a sua Constituição violada, as suas instituições comprometidas. Daí porque,
quando se trata de princípios da ordem jurídica positiva do Estado, não há que
se hesitar com relação a sua eficácia. Tanto que o constituinte exige dos
Estados, desde logo, a observância deles.
Sr. Presidente, embora criticada essa denominação de direitos humanos, que
acabou, afinal, universalizando-se, o fato é que eles estão acolhidos na
Constituição e são parte dela. Concordo que é preciso o esforço do intérprete
para dizer o que são direitos humanos. Penso que eles concernem a um bem
ou atributo essencial à condição humana ou à dignidade do ser humano, cuja
negação importa na degeneração da espécie. De outra parte, o bem assim
tutelado, predica-se de um indivíduo, portanto, de um titular. É mister a
ocorrência de lesão a esse direito, para que o Procurador-Geral da República
possa agir. A segunda, é a insuficiência dos meios estaduais e a
imprescindibilidade dos meios federais para assegurar a fruição, o exercício ou
o gozo desses direitos humanos.
Não me parece, portanto, que se exija um ato comissivo do Estado-membro,
para que se vá, como que punindo, intervir nos seus negócios. Não!
Não me parece, também, que a circunstância de o poder de polícia judiciária
pertencer ao Estado, em casos de violação que deva ser reprimida pela polícia
judiciária e pelo Poder Judiciário locais, se deva intervir, porque a finalidade da
intervenção é exatamente essa: afastar as autoridades locais dos seus cargos,
como se dizia antigamente; deslocar a competência para a União, essa a
finalidade da intervenção. Não é apenas para afastar pessoas, é para deslocar
competência, é para fazer com que um outro agente exerça a competência que
pertenceria de direito a terceiro. Portanto, até aqui, nada me demove, uma vez
que isso me parece ser a finalidade da norma e a finalidade da intervenção
nessa hipótese, especificamente, da tutela dos direitos humanos. Verificada a
materialidade da lesão e constatada a insuficiência dos meios estaduais – já
não digo, sequer, um ato comissivo que possa ocorrer, mas não é
necessário –, essa mera insuficiência, a impossibilidade de garantir aos
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cidadãos, que são cidadãos brasileiros e titulares de direitos individuais e
subjetivos, assegurados pela ordem jurídica nacional, e, particularmente, por
normas da União; verificado isso e a imprescindibilidade dos meios da União,
penso que é possível o Supremo Tribunal começar a examinar o pedido do
Procurador-Geral da República...
A verdade, Sr. Presidente, é que a Constituição deu o poder de verificar, in
casu, a conveniência e a oportunidade da intervenção ao mais alto Tribunal do
País, confiou, ainda, o ato de intervenção propriamente dito ao Presidente da
República. Tal como, na hipótese de declaração de guerra que é um ato
político da maior gravidade, porque atinge o País inteiro, o constituinte, para
impedir que guerra se declare de maneira precipitada, inconveniente, ruinosa
para o País, confia a mais de um poder, a atribuição de declará-la, assim como
o de fazer a paz. Dividiu-se o poder para contê-lo, segundo a velha máxima de
Montesquieu. No caso de intervenção, o mesmo ocorre, pois, a decisão do
Supremo Tribunal que a concedesse, a instâncias do Procurador-Geral, é
contra-arrestada pela apreciação do Presidente da República, que poderá ou
não decretá-la.
Com essas considerações, Sr. Presidente, creio que posso concluir, sem
violência a mim mesmo e com a vênia, dos que pensam em sentido contrario
que, a intervenção, para a tutela dos direitos humanos, pode dar-se em razão
de atos e não, exclusivamente, de normas. É claro que normas também
podem, de alguma forma, suscitar esse tipo de intervenção, no meu
entendimento.
Sr. Presidente, o drama do Supremo Tribunal é que ele nunca decide
exclusivamente para o caso; tudo por ele decidido converte-se em precedente.
Sendo a intervenção, como assinalou o Ministro Paulo Brossard, um instituto
de extrema delicadeza, que exige um manuseio, um trato cuidadosíssimo, não
pode ser concedida apenas porque, numa certa circunstância, dolorosa,
indesculpável, seres humanos sofreram algum tipo de violência que repugna a
qualquer resquício de sentimento de humanidade.
Com essas considerações, peço vênia aos que pensam de maneira contrária,
para acompanhar o voto do eminente Ministro Relator, conhecendo do pedido e
o indeferindo.
VOTO
O SENHOR MINISTRO OCTAVIO GALLOTTI:- Sem embargo de compartilhar
do reconhecimento dos louvores merecidamente atribuídos, por todo o Tribunal
à iniciativa do eminente Procurador-Geral da República, conheço da
representação,mas julgo pedido improcedente.
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Peço vênia para fazê-lo, adotando os fundamentos constantes do voto de V.
Exa., Sr. Presidente, considerando que, em suma, e a despeito da gravidade
dos fatos concretos apontados, não se acha configurado, em sua amplitude,
um conflito federativo suscetível de acarretar a medida excepcional de que ora
se cogita.
Com a vênia do eminente Ministro CELSO DE MELLO conheço do pedido,
para julgá-lo improcedente.
VOTO
(Sobre Preliminar de não conhecimento)
O SENHOR MINISTRO SYDNEY SANCHES:
Peço vênia ao eminente Ministro CELSO DE MELLO, para conhecer da
representação, pois nela se procura, mediante a intervenção requerida,
compelir o Estado a assegurar a observância de princípios constitucionais
relacionados como os direitos da pessoa humana (art. 34, VII, "b" da C.F.
1988), como é o direito do preso a proteção de sua vida. com a alegação de
que o Estado vem se omitindo no cumprimento desse dever.
Não me parece que, na Constituição atual, a representação para intervenção
federal só possa se voltar contra atos normativos, ao menos na hipótese dos
referidos artigo, inciso e alínea.
E não me parece que o parágrafo 3º do art. 36 impeça esse entendimento.
VOTO
O SENHOR MINISTRO ALDIR PASSARINHO: – Sr. Presidente, poder-se-ia,
entender em face da Constituição de 1946, que havia necessidade de um ato
normativo que desbordasse dos princípios assegurados na Constituição, para
que pudesse haver a intervenção nos Estados, como exceção à regra da
autonomia.
A par da inclusão de outros princípios não figurados em Constituições
anteriores, cujo ferimento possibilitava a intervenção, veio a Constituição de
1988, pelo seu art. 34, VII, "b", a incluir o da asseguração dos direitos
humanos, que Constituição de 46, embora sem dúvida liberal, não previa.
Desde a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na França, que
estavam postos em relevo princípios inerentes à segurança e à dignidade do
cidadão. Posteriormente, em face da repercussão provocada pelos crimes
hediondos cometidos na Segunda Guerra, passou-se a ter a Declaração
Universal dos Direitos do Homem, onde há um elenco de garantias
asseguradas à pessoa humana, inclusive as referentes à vida, e repelindo
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frontalmente a tortura. De certo modo, até surpreende que só agora, na
Constituição de 1988, se inclua, expressamente, esse princípio como um dos
que, sendo ferido, possa provocar a intervenção nos Estados. Óbvio está que
só se justificaria a intervenção, se demonstrado que o Estado atingia
deliberadamente os direitos humanos, ou se mostrava absolutamente incapaz
de protegê-los.
Parece-me o disposto no § 3º do art. 36 da Constituição não deve ser
entendido da maneira restrita como, é certo, resultava do texto da Constituição
de 46. É que diz o § 3º do aludido art. 36 que, nos casos ali indicados, entre os
quais inclui o do item VII do art. 34, "o decreto limitar-se-á, a suspender a
execução do ato impugando, se essa medida bastar ao restabelecimento da
normalidade".
A meu ver, deve ser considerado necessário um decreto, apenas naqueles
casos em que exista um ato expresso, que esteja sendo impugnado, mas não
quando se tenha ocorrente as hipóteses do item VII, letra “b”, que pode
verificar-se, em face de sua própria natureza, sem que haja ato expresso,
suscetível de ser suspenso por decreto.
Estou, assim, de acordo com os meus ilustres pares que pensam que atos
omissos do Governo estadual podem, também, provocar a intervenção federal,
desde que essa omissão seja de tal monta que fira frontalmente aqueles
princípios que a Constituição protege, como essenciais.
Assim, nesta parte preliminar, entendo possível a intervenção, mesmo que haja
omissão, sem existência, portanto, de ato concreto.
Passando ao mérito, Sr. Presidente, igualmente acompanho o entendimento de
V.Exa.
Vemos este caso de Mato Grosso, que obteve uma repercussão enorme na
Imprensa, pelo seu extremo de crueldade. Mas fora o aspecto de crueldade, o
que se verifica, na verdade é um caso isolado, e em relação ao qual estão
sendo tomadas providências.
A insegurança que há, no tocante à preservação da vida humana, está
atingindo o Brasil todo.
Li outro dia, em um prestigioso jornal do Rio de Janeiro, como episódio que o
cotidiano fez com que a noticia ocupasse espaço secundário – o que
demonstra a falta de segurança em que vivemos – que alguns homens
fortemente armados invadiram um botequim, de lá retiraram cinco rapazes,
obrigando-os a deitarem-se na rua e os assassinaram com tiros na nuca.
Execução absolutamente sumária.
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O noticiário do Rio mostra a extraordinária freqüência de atentados contra a
vida humana, com fuzilamentos sumários, e não somente na chamada Baixada
Fluminense. Casos assim surpreendem até pelo seu número e em muitos deles
se verificam, também, requintes de crueldade. São muitos os cadáveres que
são encontrados, depois de sumariamente executados, com marcas de
torturas, freqüentemente com queimaduras de cigarros.
Este caso de Mato Grosso, realmente, pela sua crueldade, chocou a Nação,
talvez mais par se tratar de um linchamento. O episódio não despertaria tanto
interesse, não fosse isso.
De qualquer sorte, trata-se de um caso isolado, e é de ver que a intervenção da
Polícia Federal – ainda que possa ter sido indevida – não poderia gerar a
intervenção federal.
Assim, Sr. Presidente, pedindo vênia aos que discordam desse entendimento,
acompanho integralmente a decisão de V.Exa. sem deixar, contudo, de, ao
final, dar, como já fizeram alguns dos que já votaram, uma palavra de
encômios à atuação da Procuradoria-Geral da República, inclusive nesse caso,
embora discordemos da solução procurada por S.Exa.
É preciso que atitudes dessa natureza, como a do Sr. Procurador-Geral da
República, sejam adotadas, para mais sensibilizar a Nação para o que está
acontecendo nesta área. S.Exa., portanto, não tema qualquer crítica que possa
ter havido com relação à sua representação. Ela só é digna de elogios.
Meu voto é, assim, contrario a intervenção.
VOTO PRELIMINAR
O SR. MINISTRO MOREIRA ALVES: – Sr. Presidente, data venia da maioria
que se formou, acompanho o eminente Ministro Celso de Mello, não
conhecendo do pedido.
VOTO MÉRITO
O SR. MINISTRO MOREIRA ALVES: – Sr. Presidente, entendo que só em
casos excepcionais – o que não ocorre – seria possível intervenção federal
dessa natureza.
Acompanho, pois, V. Exa., vencido na preliminar.
VOTO
(Sobre o Mérito)
O SENHOR MINISTRO SYDNEY SANCHES:
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O episódio, de que tratam os autos, é, sem dúvida, estarrecedor e justificou a
enorme repercussão alcançada na imprensa nacional e internacional.
Trata-se, porém, de fato isolado, que não caracteriza permanente omissão da
Administração do Estado de Mato Grosso em face do dever constitucional de
preservar a observância dos direitos humanos no âmbito de sua jurisdição.
Não me parece, então, o caso de se decretar a intervenção federal no Estado,
para que se restaure a normalidade de tal preservação.
Tanto mais porque o referido fato isolado está sendo objeto de apuração
mediante inquérito policial, realizado por aquela unidade da federação.
Se houver negligência na condução do inquérito, o Ministério Público estadual
terá meios para provocar a jurisdição penal contra os agentes eventualmente
omissos.
Mas não parece ser essa a hipótese dos autos. E sua ocorrência também não
há de ser presumida.
Louvando, embora, o zelo do eminente Procurador Geral da República,
acompanho o voto de V. Exa., Sr. Presidente e os dos Ministros que o
seguiram.
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19- MANDADO DE SEGURANÇA Nº 21.041-9/RO
Data da Decisão: 12/06/1991.
Relator: Min. Celso de Mello.
Tipo de Ação: Intervenção Federal.
Modalidade de Jurisdição: Originária.
Pólo Ativo: Governo do Estado de Rondônia.
Pólo Passivo: Governador do Estado do Acre, Ministro da Justiça e Presidente
da República.
Órgão Judicante: Tribunal Pleno.
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA – DIVISA ENTRE OS ESTADOS DO
ACRE E DE RONDÔNIA – PONTA DO ABUNÃ – ADCT/88, ART. 12, § 5º ATOS EMANADOS DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA, DO MINISTRO DA
JUSTIÇA E DO GOVERNADOR DO ACRE – ATO COMPLEXO NÃO
CONFIGURADO – COAÇÃO INEXISTENTE.
MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA – AUTORIDADE NÃO SUJEITA À
JURISDIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – INCOMPETÊNCIA DA
CORTE – MANDADO DE SEGURANÇA NÃO CONHECIDO.
PRESIDENTE DA REPÚBLICA – INTERVENÇÃO FEDERAL – PODER
DISCRICIONÁRIO – OMISSÃO INEXISTENTE – “WRIT” DENEGADO.
MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO POR ESTADO-MEMBRO EM
FACE DE ATOS DO GOVERNSDOR DE OUTRA UNIDADE DA FEDERAÇÃO
– COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – INTELIGÊNCIA
DO ART. 102, I, “f”, da CONSTITUIÇÃO FEDERAL – “WRIT” CONHECIDO,
MAS DENEGADO.
- O instituto da intervenção federal, consagrado por todas as Constituições
republicanas, representa um elemento fundamental na própria formulação da
doutrina do federalismo, que dele não pode prescindir – inobstante a
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expecionalidade de sua aplicação -, para efeito de preservação da
intangibilidade do vínculo federativo, da unidade do Estado Federal e da
integridade territorial das unidades federadas.
A invasão territorial de um Estado por outro constitui um dos pressupostos de
admissibilidade da intervenção federal. O Presidente da República, nesse
particular contexto, ao lançar mão da extraordinária prerrogativa que lhe defere
a ordem constitucional, age mediante estrita avaliação discricionária da
situação que se lhe apresenta, que se submete ao seu exclusivo juízo político,
e que se revela, por isso mesmo, insuscetível de subordinação à vontade do
Poder Judiciário, ou de qualquer outra instituição estatal.
Inexistindo, desse modo, direito do Estado impetrante à decretação, pelo Chefe
do Poder Executivo da União, de intervenção federal, não se pode inferir, da
abstenção presidencial quanto à concretização dessa medida, qualquer
situação de lesão jurídica passível de correção pela via do mandado de
segurança.
- Sendo, o Governador, a expressão visível da unidade orgânica do Estadomembro e depositário de sua representação institucional, os atos que pratique
no desempenho de sua competência político-administrativa serão plenamente
imputáveis à pessoa política que representa, de tal modo que o ajuizamento da
ação de mandado de segurança, por outro Estado, contra decisões que tenha
tomado, nessa qualidade, sobre traduzir uma clara situação de conflito
federativo, configura, para os efeitos jurídico-processuais, causa para os fins
previstos no art. 102, I, “f”, da Constituição.
A Constituição da República, ao prever a competência Originária do Supremo
Tribunal Federal para processar e julgar “as causas e os conflitos” entre as
entidades estatais integrantes da Federação (art. 102, I, “f”), utilizou expressão
genérica, cuja latitude revela-se apta a abranger todo e qualquer procedimento
judicial, especialmente aquele de jurisdição contenciosa, que tenha por objeto
uma situação de litígio envolvendo, como sujeitos processuais, dentre outras
pessoas públicas, dois ou mais Estados-membros, alcançada, com isso, a
hipótese de mandado de segurança impetrado por Estado-membro em face de
atos emanados de Governador de outra unidade da Federação.
RELATÓRIO
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380
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – O Ministério
Público Federal, em parecer da lavra da Dra. ODÍLIA
FERREIDRA DA LUZ OLIVEIRA, Subprocuradora-Geral,
assim resumiu a espécie (fls. 309/310), “verbis”;
“O GOVERNO DO ESTADO DE RONDÔNIA impetra este mandado de
segurança contra atos do Governo do Estado do Acre, do Ministro da Justiça e
do Presidente da República.
Historia o procedimento de fixação das divisas entre os Estados do Acre e de
Rondônia, que culminou com a elaboração de laudo Fundação Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, ao qual se seguiu a aviventação
dos marcos delimitadores, para cumprimento do disposto no art. 12, § 5º, do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Desenvolve, ainda, longa argumentação para demonstrar quais são essas
divisas e afirma que o laudo do IBGE, como fruto de delegação feita pelos
Estados interessados, é documento público, meio de prova indiscutível, tanto
que foi homologado pelo legislador constituinte.
Diz-se titular do direito líquido e certo de administrar o seu território, daí
derivando a obrigação do Estado do Acre de observar as divisas entre ambos.
São os seguintes, segundo o impetrante, os atos ilegais violadores de tal
direito:
a)Do Governador do Acre, a manutenção na área de autoridades acreanas,
decorrente da omissão de acatar o laudo do IBGE;
b)Do Ministro da Justiça, a determinação de enviar os autos de procedimento
administrativo ao Procurador-Geral da República, para propositura de ação
desconstitutiva do §5º do art. 12, do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias;
c)Do Presidente da República, a omissão de decretar intervenção no Estado do
Acre, com base no art. 34, inc. II, da Constituição da República.
Por fim, formula os seguintes pedidos:
a)que se determine ao Governador do Acre a retirada de todas as autoridades
acreanas da área que integra o território de Rondônia;
b)que ‘seja considerado arbitrário e sem juridicidade’ o despacho do Ministro da
Justiça, já referido;
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c)que se determine ao Presidente da República que assegure ao impetrante
sua autonomia, inclusive por via de intervenção no Estado do Acre, se
necessária.”
A questão posta nos autos diz respeito, em última análise, às controvérsias
existentes quanto à fixação da linha de divisas entre os Estados do Acre e de
Rondônia, na região denominada Ponta do Abunã.
Inobstante a Assembléia Nacional Constituinte tenha pretendido por termo às
discussões em torno dos limites entre os Estados do Acre, Rondônia e
Amazonas, editando a norma do art. 12, § 5º, do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, fato é que persistem as divergências, que, agora,
se situam em torno do conteúdo da regra transitória, assim enunciada:
“§ 5º Ficam reconhecidos e homologados os atuais limites do Estado do Acre
com os Estados do Amazonas e de Rondônia, conforme levantamentos
cartográficos e geodésicos realizados pela Comissão Tripartite integrada por
representantes dos Estados e dos serviços técnico-especializados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística.”
A referida regra transitória é objeto, nesta Corte, das ações cíveis nº 414,
ajuizada pela União Federal e nº 415, ajuizada pelo Estado do Acre, esta última
precedida de ação cautelar inominada (Pet 409), em que s discute ,
precisamente, o domínio territorial sobre a Ponta do Abunã.
Este mandado de segurança, portanto, constitui o quarto processo em trâmite
neste Tribunal. Na impetração, o Estado de Rondônia invoca a mesma norma
transitória para demonstrar o seu alegado direito líquido e certo de exercer o
poder admnistrativo e jurisdicional na Ponta do Abunã.
Para tanto, insurge-se contra a permanência de autoridades acreanas no local,
determinada pelo Governador do Acre; contra o despacho do Ministro da
Justiça que solicitou à Procuradoria-Geral da República a propositura de ação
desconstitutiva do § 5º do art. 12 do ADCT; e, ainda, contra a omissão do
Presidente da República em fazer cessar, mediante intervenção federal, a
alegada invasão do Estado do Acre no que pretende seja território
rondoniense.
É o relatório.
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – Trata-se de mandado de
segurança, impetrado contra as autoridades político-administrativas diversas –
o Presidente da República, o Ministro da Justiça e o Governador do Estado do
Acre -, e que se persegue tríplice objetivo: (1) o de compelir o Presidente da
República a decretar intervenção federal no Estado do Acre; (2) o de invalidar o
despacho do Ministro da Justiça que, ao encaminhar expediente à Procuradoria
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382
Geral da República, neste solicitou que se propusesse, perante o Supremo
Tribunal federal, ação desconstitutiva da regra inscrita no § 5º do art. 12 do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias de 1988; (3) o de impor ao
Governador do Acre a submissão do seu Estado às conclusões do laudo do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, datado de 25/11/87,
alegadamente reconhecido e homologado pela Assembléia Nacional
Constituinte na regra transitória referida.
Não obstante a imprópria qualificação dos atos impugnados como integrantes
de uma estrutura unitária complexa – o impetrante sustenta que os autônomos
comportamentos administrativos das autoridades apontadas como coatora
subsumem-se à noção de ato complexo – não vislumbro, na espécie,
configurado esse perfil conceitual à luz da própria doutrina do ato complexo,
que o define como expressão forma e última de pronunciamentos sucessivos e
coalescentes, que convergem para formulação de uma única e final declaração
de vontade estatal (CAIO TÁCITO, RDA 53/222; MIGUEL REALE “Revogação
e Anulamento do Ato Administrativo”, p. 43/44, 2ª Ed., 1980, Forense; HELY
LOPES MEIRELLES, “Direito Administrativo Brasileiro”, p. 148, 15ª Ed, 1990,
RT; DIÓGENES GASPARINI, “Direito Administrativo”, p. 69, 1989, Saraiva).
O que se verifica, no presente caso, são, na realidade, três comportamentos
estatais heterogêneos e independentes entre si, que não se conexionam e nem
interagem reciprocamente, conservando, cada qual, sua própria
individualidade, sem que componham, por isso mesmo, qualquer procedimento
unitário ou “iter” formativo vocacionado à final exteriorização de uma só
vontade do Poder Público.
Desse aspecto, teve clara percepção a douta Procuradoria geral da República,
quando, ao repelir a pretendida caracterização de ato complexo – alegada, de
resto, numa tentativa de legitimar a competência originária desta Corte para
apreciar, conglobadamente, as condutas administrativas atribuídas a
autoridades tão distintas – observou (fls. 311), “verbis”:
“Como bem acentua o Estado do Acre este mandado de segurança contém na
verdade, três pedidos autônomos e diferentes, dirigidos contra três autoridades
públicas distintas. Há três ações, sem nenhuma conexão entre elas, pois tantos
os réus quantos os pedidos são diversos.
O impetrante afirma que se trata de ato complexo, mas não justifica. E nem
poderia fazê-lo, porque aponta, repita-se, três atos independentes, que nem ao
menos se inserem num mesmo procedimento.
As pretensões são autônomas, dirigem-se contra diferentes sujeitos e não
podem ser cumuladas e um mesmo mandado de segurança.
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Evidencia-se, ainda, a inexistência de litisconsórcio passivo necessário, porque
nenhum vínculo liga os autores dos atos apontados nesta ação e nem os
próprios atos. Injustificável e impossível, por isso, a unidade decisão.”
Disso decorre, no que concerne ao ato atribuído ao Ministro da Justiça - mera
solicitação ao Procurador Geral da República para adoção de determinada
providência judicial -, que, ainda que reconhecida a possibilidade de sua
impugnação por via mandamental, falece competência a esta corte para
apreciá-la, eis que, no rol das atribuições constitucionais originárias deferidas
ao Supremo Tribunal Federal, não se inclui o processo e julgamento de
mandado de segurança contra ato de Ministro de Estado (CF art. 102, I, “d”).
Por esta razão, não conheço da presente ação de mandado de segurança, na
parte em que impugna ato emando do Ministro da Justiça.
Conheço, no entanto, do “writ” nos pontos em que a sua impetração objetiva
impugnar comportamentos atribuídos ao Governo do Estado do Acre e ao
Presidente da República. Quanto ao chefe do Poder Executivo da União, a
expressa regra de competência constitucional – art. 102, II, “d” – que legitima o
controle de seus atos pelo Supremo Tribunal Federal, pela via do mandado de
segurança.
Dúvida, talvez, pudesse suscitar a questão da competência desta Corte para
apreciar, originariamente, mandado de segurança impetrado por Estado
membro contra ato de Governador de outra unidade da federação.
Ao apreciar este, o Ministério Público Federal reputou incompetente esta Corte,
argumentando que, por tratar-se de mandado de segurança ajuizado por um
Estado (o de Rondônia) contra o Governador de outro (o do Acre), nele se acha
caracterizada, para os fins do art. 102, I, “f”, do texto constitucional, situação de
litígio entre Estados-membros da Federação.
Não me parece assistir razão à douta Procuradoria Geral da República, pois
entendo claramente configurada na espécie, uma situação de litigiosidade
evidente entre duas unidades da federação, na medida em que esta causa foi
instaurada por um Estado-membro em face de atos imputados ao Governador
de outro Estado, que agiu, no exercício dos atos ora impugnados, no
desempenho estrito de suas funções de Chefe do Poder Executivo local e
representante político-administrativo da unidade da federação que dirige.
Não se pode perder de perspectiva no plano de nossa organização federativa e
da divisão funcional do poder, o magistério do saudoso Ministro OSWALDO
TRIGUEIRO (“Direito Constitucional Estadual”, p. 179, item 95, 1980, Forense),
para quem “O Governador desempenha as chamadas funções executivas
‘como head of the State, representando-o como um todo em sua capacidade
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corporativa, bem como exercendo supervisão quanto à realização da política
formulada e decretada pelo ramo legislativo do governo’. Essas funções
abrangem a representação protocolar do Estado em suas relações com o
Governo Federal e as outras unidades da Federação”.
Sendo, o Governador, a expressão visível da unidade orgânica do Estadomembro e depositário de sua representação institucional – especialmente no
que se refere às suas “relações jurídicas, políticas, administrativas e sociais”
JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 528,
5ª Ed., 1989, RT) – os atos que pratique no desempenho de sua competência
político-administrativas serão plenamente imputáveis à pessoa política que
representa, de tal modo que o ajuizamento da ação de mandado de segurança,
por outro Estado, contra decisões que tenha tomado, nessa qualidade, sabe
traduzir uma clara situação de conflito federativo, configura, para os efeitos
jurídico-processuais, causa para os fins previstos no art. 102, I, “f”, da
Constituição.
Não fosse assim, - e não se tivesse o Supremo Tribunal Federal como juízo
natural desse conflito de interesses – impor-se-ia a submissão de um certo
Estado-membro à jurisdição de outro, como na hipótese de mandado de
segurança impetrado por uma unidade da Federação perante Tribunal de
Justiça de outra, num inqualificável rompimento de igualdade político-jurídica
que é corolário necessário do federalismo de equilíbrio institucionalizado, e
sucessivamente reafirmado, por nosso constitucionalismo republicano.
Não se pode desconhecer, a propósito da norma de competência inscrita no
art. 102, I, “f”, da Constituição – que é, essencialmente, reprodução de preceito
constante de todas as nossas Constituições federais – que a “ratio” a ela
subjacente diz com a necessidade de outorgar a um órgão judiciário de
dimensão nacional (o Supremo Tribunal Federal, enquanto Tribunal da
Federação) a competência para dirimir controvérsias entre as unidades
federadas, subtraindo-se, desse modo, caso prevalecessem as regras
ordinárias de competência, à jurisdição doméstica de qualquer dos Estados
interessados ou diretamente envolvidos no litígio.
Esse aspecto da questão, que reflete um dos temas centrais as relações
político-institucionais que se estabelecem no âmbito da federação, tem sido
realçado pelo magistério doutrinário. Assim, MANOEL GONÇALVES
FERREIRA FILHO (“Comentários à Constituição Brasileira”, p. 471/472, 5ª Ed.,
1984, Saraiva), comentando a função desta Corte na solução de tais litígios,
observa que “reponta aqui o papel do Supremo Tribunal Federal como órgão
de equilíbrio do sistema federativo”, eis que – consoante adverte JOÃO
BARBALHO (“Constituição Federal Brasileira – Comentários”, p. 237, 1902, Rio
de Janeiro) – “as questões entre dois ou mais Estados não poderiam ser
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decididas pela justiça de algum deles. Interessando o caso a mais de um e
sendo todos iguais em categoria, com que direito ficaria a este ou àquele
decidi-lo por seus tribunais? Cabe isso à União que superintende as relações
interestaduais e muito bem se enquadra essa competência na jurisdição
originária e privativa do Supremo Tribunal Federal, visto o caráter dos
litigantes”.
A Constituição da República, ao prever a competência originária do Supremo
Tribunal Federal para processar e julgar “as causa e os conflitos” entre as
entidades estatais integrantes da federação (art. 102, I, “f”), utilizou expressão
tão genérica cuja latitude revela-se apta a abranger todo e qualquer
procedimento judicial, especialmente aquele de jurisdição contenciosa, que
tenha por objeto uma situação de litígio envolvendo, como sujeitos processuais,
dentre outras pessoas públicas, dois ou mais Estados-membros, alcançado
com isso, a hipótese de mandado de segurança impetrado por Estado-membro
em face de atos emanados do Governador de outra unidade da Federação.
Não obstante assim caracterizada a competência originária desta Corte para a
apreciação da presente causa mandamental, tenho que inexiste direito líquido
e certo, tutelável na espécie.
O exame dos autos revela que o Estado do Rondônia, ao impetrar o “writ”,
objetivou solucionar, nesta via sumaríssima, um grave litígio territorial que
mantêm, pendentes de resolução perante esta Corte, o Estado do Acre, em
processos vários, de rito ordinário, em que se controverte, precisamente, sobre
o próprio “thema decidendum”.
Na realidade, três são os processos em trâmite nesse tribunal – ACOR 414,
ajuizada pela União Federal contra os Estados de Rondônia, Acre e Amazonas;
PET 409 (ação cautelar inominada, ajuizada pelo Estado do Acre contra
Rondônia e Amazonas) e ACOR 415, que se lhe seguiu como ação principal,
ajuizada entre as mesmas partes -, o que indica, até mesmo pelo protesto
quanto à produção de provas, inclusive quanto a natureza pericial
(levantamentos topográficos e geodésicos, dentre outros), a evidente iliquidez
dos fatos motivadores do presente mandando segurança.
Tanto que o Governado do Estado do Acre, ora impetrado, após historiar a
evolução do litígio territorial, destacou que “...antes do ajuizamento desta
impetração, três alternativas, ante a ameaça de invasão feita pelo Estado de
Rondônia, se colocavam diante do Estado do Acre: a uma, utilizar-se de
medida drástica e violenta consistente no pedido de intervenção federal; a
duas, propor perante este egrégio Supremo Tribunal Federal, ação cautelar
inominada visando a preservação de sua livre e autônoma administração e o
poder jurisdicional que sobre a referida área de seu território,
inequivocadamente detêm, como antecedente da ação de demarcação de
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parte dos limites definidos pelo referido art. 12, § 5º, do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias; a três, solicitar a intermediação da União para
uma solução amigável.
A terceira hipótese – mediação da União para solução do conflito (da qual se
esperavam resultados positivos quer em face da clareza da disposição
constitucional, quer em face do nível das partes envolvidas) foi a inicialmente
adotada e dela resultou o envio de tropas federais para região e a
determinação do então Excelentíssimo Senhor Ministro da Justiça, DOUTOR
OSCAR DIAS CORRÊA, ao IBGE, no sentido de que lançasse no solo a linha
de divisas definida pelo Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Ocorreu, todavia, que o IBGE entendeu de agir como juiz da questão, tendo por
inócua a referida disposição do art. 12, § 5º, ao argumento de que não teria
havido acordo entre as partes para a definição da linha de limites, quando, na
verdade, a ausência do dito acordo foi exatamente o pressuposto da
determinação da Assembléia Nacional Constituinte. Aliás, estranho seria se
tendo havido acordo entre as partes quanto à fixação desses limites, viesse a
Assembléia Nacional Constituinte dispor de modo diverso. Mas estranho ainda
seria a Assembléia Nacional Constituinte dizer atuais as divisas homologadas
se acaso estivesse se referindo à divisa original. É de se dizer, outrossim, que
o IBGE teria razão de dizer inócua a disposição constitucional em apreço, com
a mesma razão que o Estado de Goiás diria inócua a disposição constitucional
que criou o Estado de Tocantins.
Tendo por base esse enganado entendimento, o IBGE iniciou os trabalhos
levantamento da denominada – linha Cunha Gomes –, que se constituía
antigo limite jurídico (nunca de fato!) do território do Estado do Acre com
Estados do Amazonas e Rondônia, negando-se a efetuar a demarcação
linha fixada como limite pela Assembléia Nacional Constituinte.
de
do
os
da
O Estado do Acre, inconformado, com justa razão, solicitou então ao
Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado da Justiça que determinasse a
pronta suspensão desse trabalho e que outro fosse iniciado nos termos do
estabelecido pelo art. 12, § 5º, do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias (fls 299/301 – itens 59 a 63).”
As próprias conclusões dessa ilustre autoridade impetrada, que é o Governador
do estado do Acre, no sentido de que “a porção territorial sobre que versa a
impetração é território acreano” (fls. 305), e não rondoniense, como requer o
Estado impetrante, cujo alegado direito é questionado até mesmo no plano de
sua existência, uma vez que o limite do seu território não mais seria a linha
geodésica “Beni-Javary”, induzem apenas a uma certeza: a da absoluta
inidoneidade da via processual eleita.
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É preciso ter presente que o conceito de direito líquido e certo, para os fins da
ação civil de mandado de segurança, não constitui noção redutível à categoria
do direito material reclamado pelo impetrante do “writ”. Formulação conceitual
do direito líquido e certo, que constitui requisito de cognoscibilidade da ação de
mandado de segurança, encerra, por isso mesmo, no plano de nossa
dogmática jurídica, uma nossa de conteúdo eminentemente processual.
Insensurável, a respeito o magistério doutrinário de CELSO RIBEIRO BASTOS
(“Do Mandado de Segurança”, p.15, 1978, Saraiva), segundo o qual “...direito
líquido e certo é conceito de ordem processual, que exige a comprovação dos
pressupostos fáticos da situação jurídico a preservar. Conseqüentemente,
direito líquido e certo é “conditio sine qua non” do conhecimento do mandado
de segurança, mas na é “conditio per quan” para a concessão da providência
judicial.
Dentro dessa perspectiva, precedentes judiciais dessa própria Cote (RE
79.257-BA, RTJ83/130; RE 80.444- PB, RTJ 83/855), de que foi relator o
eminente Ministro SOARES MUÑOS, deixaram assinalado que o direito líquido
e certo, apto a autorizar o ajuizamento da ação de mandado de segurança, é,
tão somente, aquele que pertine a fatos incontroversos, constatáveis de plano,
mediante prova literal inequívoca:
“...direito líquido e certo é o que resulta de fato certo, e fato certo é aquele
capaz de ser comprovado, de plano, por documento inequívoco” (RTJ 83/130).
“o mandado de segurança labora em torno de fatos certos e como tais se
entende aqueles cuja existência resulta de prova documental inequívoca...”
(RTJ 83/8555).
É por essa razão que a doutrina acentua a incomportabilidade de qualquer
dilação probatória no âmbito desse “writ” constitucional, que supõe a produção
liminar pelo impetrante, das provas préconstituídas destinadas a evidenciar a
incontestabilidade do direito público subjetivo por ele titularizado. Por isso
mesmo, adverte HELY LOPES MEIRELLES (“Mandado de Segurança, Ação
Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção e Habeas Data”, p. 14/15,
13ª Ed., 1989, RT), “As provas tendentes a demonstrar a iliquidez e certeza do
direito podem ser de todas as modalidades admitidas em lei, desde que
acompanhem a inicial (...). O que se exige é prova préconstituída das situações
e fatos que embasam o direito invocado pelo impetrante”.
Essa comprovação documental traduz, para os efeitos da ação mandamental,
um dever jurídico que vincula o impetrante, sobre cuja atividade incide, de
modo indeclinável, a exigência de satisfação dessa verdadeira obrigação
processual, tanto que, desatendida, legitima o indeferimento liminar da petição
inicial.
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Isto posto, indefiro a segurança no que ataca ato do Governador do Estado do
Acre, observando, como já assinalado, que essa questão já está posta, perante
esta própria Corte, em sede processual adequada, onde há ampla
possibilidade de dilação probatória.
Resta, finalmente, apreciar a postulação do Estado ora impetrante, que
pretende seja determinado ao Presidente da República a adoção dos meios
cabíveis, especialmente para a decretação da intervenção federal no Estado do
Acre, para preservar a autonomia de Rondônia.
Analisando esse pedido, manifestou-se a douta Procuradoria Geral da
República no sentido da absoluta inadmissibilidade do “writ”, por falecer ao ora
impetrante qualquer direito público subjetivo a decretação, pelo Presidente da
República, de intervenção federal (fls. 312/313):
“A inviabilidade da pretensão é evidente. A expedição das providências pedidas
das quais o impetrante só especifica a intervenção no Estado do Acre, fundada
no art. 34, inc. II, da Constituição, tem caráter nitidamente discricionário,
porque baseada em critérios políticos e independe de solicitação ou
provocação de outros órgãos ou Poderes do Estado.
Se os motivos e o objeto da intervenção estão previstos em lei, é inegável que
a conveniência e a oportunidade de sua decretação sujeitam-se ao livre exame
do Chefe do Executivo e a controle exclusivamente político pelo legislativo (art.
36, § 1º da Constituição). Se ao Judiciário é vedado apreciar os critérios
discricionários adotados pelo Presidente da República, com maior razão não
lhe pode determinar que decrete a intervenção.”
Entendo não assistir, também, nesse ponto, qualquer razão jurídica ao
impetrante, que busca, na realidade, mediante inadequado procedimento
judicial, constranger o Presidente da República a exercer uma prerrogativa que,
no caso, situa-se, plenamente, nos domínios de sua vontade política e
discricionária.
O instituto da intervenção federal, consagrado por todas as Constituições
Republicanas, representa um elemento fundamental na própria formulação da
doutrina do federalismo, que dele não pode prescindir – inobstante a
excepcionalidade de sua aplicação –,
para efeito de preservação da
intangibilidade do vínculo federativo, da unidade do Estado Federal e da
integridade territorial das unidades federadas.
A intervenção federal configura assim, expressivo elemento de estabilização da
ordem normativa plasmada na Constituição da República. É dela indissociável
a sua condição de instrumento de defesa dos postulados sobre os quais se
estrutura, em nosso País, a ordem republicano-federativa. “O instituto da
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intervenção federal" - adverte ERNESTO LEME (“A Intervenção Federal nos
Estado”, p. 25, item n. 20, 2ª ed., 1930, RT) – “É (...) da essência do sistema
federativo”. Sem esse mecanismo de ordem político-jurídica, que assegura a
intangibilidade do pacto federal, assevera JOÃO BARBALHO, (Constituição
Federal Brasileira – Comentários”, p. 31, 2ª ed., 1924, Rio de Janeiro, Briguiet
e Cia. Editores), “ A União seria um nome vão. E as garantias e vantagens, que
a Federação deve proporcionar aos Estados e ao povo, se reduziriam a
simples miragem”. É também irrecusável o consenso doutrinário, fundado na
necessidade de respeito ao próprio princípio federativo, sobre a
excepcionalidade da intervenção federal, dado o caráter extremamente
perturbador que assume qualquer interferência do Governo Federal nos
assuntos regionais e na esfera dos autônomos interesses dos Estadosmembros (CARLOS MAXIMILIANO, “Comentários à Constituição Brasileira”, p.
158, item n. 128, 3ª Ed., 1929, Globo; THEMISTOCLES BRANDÃO
CAVALCANTI, “A Constituição Federal Comentada” vol. I/183, 3ª ed., 1956,
Konfino; FÁVILA RIBEIRO, “A Intervenção Federal nos Estados”, p. 48, tese de
concurso, 1960, Editora Jurídica, Fortaleza).
Não se pode perder de perspectiva, por isso mesmo, a circunstância, de
extremo relevo político-jurídico, de que a intervenção federal representa a
própria negação, ainda que revestida de transitoriedade, da autonomia
reconhecida aos Estados-membros pela Constituição. Essa autonomia, que de
índole constitucional, configura um dos postulados fundamentais da
organização político-jurídica de nosso sistema Federativo. O poder autônomo,
que a ordem jurídico-constitucional atribuiu aos Estados-membros, traduz na
significativa concreção de sua existência, um dos pressupostos conceituais
inerentes à compreensão mesma do federalismo.
Daí a estrita disciplina imposta pela Constituição ao instituto da intervenção
federal, cujos pressupostos de admissibilidade foram por ela taxativamente
enumerados, “Numerus clausus”, em obséquio ao princípio maior do equilíbrio
federativo, em face do caráter de absoluta excepcionalidade de que se reveste
o ato interventivo, em função de sua natureza mesma e de seus próprios
efeitos jurídicos e conseqüências político-administrativos. Tal circunstância
justifica, plenamente, a advertência constante do magistério doutrinário de
PONTES DE MIRANDA (“Comentários à Constituição de 1967”, tomo 2/198,
1967, RT), para quem “a intervenção nos Estados-membros constitui, pelo
menos, teoricamente, o ‘punctum dolens’ do Estado Federal”.
A invasão territorial de um Estado por outro constitui um desses pressupostos
de admissibilidade da intervenção federal (JOÃO BARBALHO, (Comentários à
Constituição Federal Brasileira, p. 22, 1902, Rio de Janeiro; THEMISTOCLES
B. CAVALCANTE, “A Constituição Federal Comentada, vol. 1/185, 3ª Ed.,
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390
1956, José Konfino; CARLOS MAXIMILIANO, “Cometários à Constituição
Brasileira”, vol. 1/213, item 132, 5ª Ed., 1954, Freitas Bastos).
O Presidente da República neste particular contexto, ao lançar mão da
extraordinária prerrogativa que lhe defere a ordem constitucional, age mediante
estreita avaliação discricionária da situação que se lhe apresenta, que se
submete ao seu exclusivo juízo político, e que se revela, por isso mesmo,
insuscetível de subordinação à vontade do Poder Judiciário, ou de qualquer
outra instituição estatal.
Daí, o magistério de SEABRA FAGUNDES (RDA 40/441-443), de RUY
BARBOSA (“Comentários à Constituição Federal Brasileira”, vol. 1/152,
coligidos por Homero Pires, 1932, Saraiva),
e de PONTES DE
MIRANDA(“Comentários à Constituição de 1967, com a emenda nº 1, de
1969”, tomo II/248, 2ª Ed., 1970, RT), que encontra respaldo, inclusive, na
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 119/939), acentuando que,
nas hipóteses, como a presente de atuação discricionária do Presidente da
República, não pode ele ser constrangido, nem mesmo por esta Corte, a
decretar a intervenção federal, pois é ele – e não o Poder Judiciário - o juiz das
circunstâncias, da oportunidade e da conveniência da efetivação dessa radical
medida político-administrativo.
Inexistindo, desse modo, direito do Estado impetrante à decretação, pelo Chefe
do Poder Executivo da União, não se pode inferir, da abstenção presidencial
quanto à concretização dessa medida, qualquer situação de lesão jurídica
passível de correção pela via do mandado de segurança.
Isto posto, denego a segurança.
É o meu voto.
VOTO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Sr. Presidente, acompanho Sua
Exa. o Ministro Relator.
Também entendo que não cabe a esta Corte o julgamento do mandado de
segurança no que impetrado contra ato do Ministro da Justiça.
Por outro lado, não reconheço o concurso da primeira condição do mandado de
segurança, que é o direito líquido e certo, interposto contra o ato do
Governador do Estado do Acre, pelas razões salientadas por S. Exa. e tendo
presente, principalmente, a necessidade de se partir para fase probatória.
Inclusive, há ajuizada, nesta Corte, uma ação ordinária originária.
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391
Por último, em relação ao ato omissivo do Presidente da República, que seria a
ausência de Decretação da intervenção, tenho-o, também, como ato
discricionário.
Portanto, acompanho S. Exa., o eminente Ministro Relator, denegando o
mandado de segurança no tocante aos dois últimos tópicos, permitindo-me, no
primeiro, ficar com a nomenclatura que adoto, que é a relativa à carência da
demanda proposta.
É o meu voto.
VOTO
O SENHOR MINISTRO PAULO BROSSARD: Senhor Presidente, tive ocasião
de ir ao local em torno do qual os Estados do Acre e Rondônia litigam, não em
juízo, mas de fato, cada qual pretendendo, como seu, o território. Sugeri a
constituição de um juiz arbitral para dirimir, de uma vez, a controvérsia em
torno de uma faixa relativamente pequena e de que nada justificava se
perpetuasse.
Um dos Estados chegou a votar uma lei, o Estado de Rondônia, chegou a votar
lei autorizando o seu Governador a firmar o compromisso, de arbitramento,
mas mesmo não fez o Estado do Acre. Mas isso foi antes da Constituição,
quando ocupava o Ministério da Justiça.
Sugeri ao Presidente da República, a remessa de uma força militar para a
região a fim de evitar um possível conflito, que era, se não iminente, pelo
menos possível. Nesse local, durante vários meses, permaneceu um
contingente de exército exatamente para evitar o conflito.
De modo que esta é uma questão que me é quase familiar, Sr.Presidente.
Depois disso, felizmente, o constituinte enunciou no § 5º do art. 12 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, esta regra:
“§ 5º. Ficam reconhecidos e homologados os atuais limites do Estado do Acre
com os Estados do Amazonas e de Rondônia, conforme levantamento
cartográficos e geodésicos realizados pela comissão tripartite integrada por
representantes dos Estados e dos serviços técnico-especializados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística.”
Assim, deixou de haver um litígio propriamente dito, existe solução e esta foi
dada pelo constituinte. Todo problema está, digamos assim, em verificar, no
solo, qual é linha definida pelo laudo do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística.
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Em verdade, o litígio deixou de existir por decisão soberana da Assembléia
Constituinte. O que Estado de Rondônia pretende, no entanto, me parece difícil
de ser atendido.
Não se obriga o Presidente da República a decretar a intervenção federal por
via de mandado de segurança. O Juiz, no caso, é o Presidente da República.
É desses casos em que a participação dos outros poderes inexiste, a sua
decisão é incondicionada. Há casos em que o Presidente decreta a
intervenção, havendo solicitação. Há casos em que o Presidente decreta a
intervenção havendo requisição. Há casos em que ele decreta intervenção
incondicionadamente, servindo-se, apenas, do seu critério, do seu senso de
responsabilidade, este é um deles; caso de invasão estrangeira no território
nacional, é outro.
De modo que, também como eminente Relator, excluo o primeiro pedido.
Relativamente ao pedido que envolve um despacho do Ministério da Justiça,
também me parece que foge a competência do Supremo Tribunal Federal
conhecer do pedido, sem que isto importe em qualquer apreciação do
merecimento desse pedido ou mesmo do despacho do ex Ministro da Justiça.
Por derradeiro, Sr. Presidente, não me parece que caiba por via de mandado
de segurança, impor ao Governador do Acre a submissão do seu Estado às
conclusões do laudo, porque o mesmo independe da vontade dos Estados. O
Laudo existe, é uma decisão nacional irrecorrível.
Cabe ao Poder Executivo fazer com que ambos os Estados observem o que
está consagrado no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, fazendo
as gestões adequadas para esse fim.
Acompanho inteiramente o voto do eminente Ministro Relator, que esclareceu
as questões capitais que estão subjacentes nesta importante ação trazida por
um Estado à apreciação do Supremo Tribunal Federal.
VOTO
O SENHOR MINISTRO CÉLIO BORJA: - Sr. Presidente, o douto voto,
cientificamente exato, do Ministro Celso de Mello repele qualquer adendo. O
Ministro já havia, aliás, assinalado essa circunstância. Portanto, apenas
complementando o Relator pelo magnífico voto que proferiu, acompanho S.
Exa.
Denego a ordem.

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