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A JUSTIÇA COMO COMPLETUDE DA VIRTUDE
Márcio Ronaldo de Assis1
Orientação: Prof. Dr. Juscelino Silva
“As virtudes éticas derivam em nós do hábito:
pela natureza, somos potencialmente capazes
de formá-los e, mediante o exercício,
traduzimos
essa
potencialidade
em
atualidade. Realizando atos justos, tornamonos justos, adquirimos a virtude da justiça,
que, depois, permanece em nós de maneira
estável como um habitus, o qual, em seguida,
nos fará realizar mais facilmente ulteriores
atos de justiça”. REALE, Giovanni.
RESUMO- Este artigo tem por objetivo apresentar um entendimento do termo justiça, a partir
da concepção de que ela é uma virtude completa, por reunir em si própria, todas as demais
virtudes. Para tanto, o mesmo foi dividido em duas partes, sendo a primeira uma introdução à
vida e obra de Aristóteles e a segunda uma abordagem à justiça como uma concretude da
virtude. Para formular esta argumentação, toma-se por base elementos introduzidos numa das
principais obras de Aristóteles - A Ética a Nicômaco (livro V), sendo esta a principal referência
teórica utilizada no trabalho, ocasião em que este filósofo grego expõe sua concepção da ética,
defendendo a virtude como mediania. O método de abordagem foi uma leitura direta da fonte
primária, complementada por outras fontes secundárias.
Palavras-chave: virtude; justiça; injustiça.
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Aluno do 2º período de Direito da Faculdade Batista de Minas Gerais
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1. INTRODUÇÃO
Este artigo busca compreensão de como a justiça decorre das virtudes morais que dão
equilíbrio e equidade às ações de cada um, à partir do estudo da obra
Ética a
Nicômaco, especificada no Livro V, onde Aristóteles discorre sobre sua ética de
virtudes e suas modalidades de Justiça.
Aristóteles foi um importante filósofo grego e, até hoje, é considerado um dos
principais filósofos da história. Nascido na cidade de Estagira por volta de 384 a.C.,
Aristóteles mudou-se para Atenas, buscando aprender filosofia com Platão. Após a
morte de seu grande mestre, Aristóteles se mudou e foi convidado pelo rei da
Macedônia para ser o professor do príncipe daquele país: Alexandre, que viria a ser
um dos maiores conquistadores do mundo antigo. (COPLESTON, 2004, p.246-247).
Sem dúvida, Aristóteles é um dos maiores filósofos de todos os tempos. Estudou uma
série de disciplinas, sendo o criador de algumas delas. Escreveu importantes livros de
Direito, Biologia, Política, Ética, Física, Artes, Oratória, Lógica, Psicologia e Metafísica.
Alguns dos seus livros foram lidos e aceitos por milênios e alguns outros são
considerados importantes até os dias de hoje. (COPLESTON, 2004, p.248-250).
É claro que, tendo suas obras mais de 2300 anos de existência, é exigida do leitor
uma compreensão filosófica para melhor interpretação de seus escritos. Além disso, é
necessário adaptar a sabedoria de Aristóteles aos tempos modernos. A sociedade de
hoje, mesmo vivenciando outro contexto político e social, ainda não deixou de cultuar
valores como ética, virtude e justiça, indispensáveis ao convívio dos homens, motivo
pelo qual esta relação entre justiça e virtude se torna indispensável para o momento
atual.
Além do texto de Aristóteles, complementou-se o trabalho com outras literaturas,
especialmente de autores modernos, tendo em vista reforçar o pensamento aristotélico
de que a justiça é uma virtude completa. A idéia de Aristóteles talvez tenha origem no
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pensamento de seu mestre Platão, que já se preocupava com o problema da Justiça.
Numa de suas reflexões sobre o tema, Platão afirmou que “a justiça é a virtude
daquele que estabeleceu o equilíbrio entre o espírito (nous), honra pessoal (thymos)
e desejo (epithynia) que imprime assim uma característica da alma”. (PLATÃO apud
FABRO, 1969, p.34)
2. A JUSTIÇA COMO VIRTUDE COMPLETA
Para Aristóteles, cabe à ética determinar a finalidade suprema de se buscar a
felicidade, que não consiste nos prazeres, nas riquezas, nas honras, nem numa vida
virtuosa, mas sim, num justo meio entre os extremos, que será encontrada por aquele
dotado de prudência e educado pelo hábito no seu exercício. A virtude é
compreendida como uma disposição adquirida de fazer o bem, e elas se aperfeiçoam
com o hábito, na visão aristotélica. Por exemplo: uma pessoa que quer ser paciente
deve sempre buscar ser paciente e manter a calma até que esse hábito de ser
paciente se transforme na virtude da paciência, ou seja, até que a pessoa seja
paciente sem precisar se esforçar muito. (COPLESTON, 2004, p.335). Assim, a
virtude, no seu mais alto grau, torna-se um conjunto de todas as qualidades essenciais
que constituem o homem de bem.
Sérgio Biagi Gregório afirma que justiça é uma virtude moral que faz e dá a cada um o
que lhe pertence e o direito alheio. Também traz que a noção de justiça designa por
um lado moral que exige o repeito da norma do direito e, por outro lado, a virtude, que
consiste em respeitar os direitos dos outros. (GREGÓRIO, 2011)
É importante observar que Aristóteles, já na antiguidade clássica, considerava a justiça
como hábito e assinalava em sua teoria que não basta ao homem conhecer
teoricamente o conteudo da virtude, sendo essencial a atualização prática e habitual,
pois somente assim poderá discernir entre o justo e o injusto. Isso é, só o homem que
pratica a justiça, só o homem justo, pode entender qual ação é justa e qual não é. Tal
opinião parece muito correta, pois certas coisas só compreendemos com a experiência
delas. Um cego de nascença não poderá compreender a diferença da cor azul para a
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cor vermelha, assim, da mesma forma, é de se acreditar que o homem injusto não
poderá compreender qual ato é justo e qual não é.
Para Aristóteles, o homem justo é conhecido por praticar atos justos e o injusto,
analogamente é conhecido por praticar atos injustos. Assim, a justiça é entendida
como uma virtude completa, por resumir as virtudes e ser, pois, o exercício de todas
elas, do mesmo modo a injustiça é o vício inteiro. Essa idéia da Justiça como “resumo”
de todas as virtudes é expressa por Aristóteles algumas vezes na Ética a Nicômaco.
Por exemplo, na seguinte passagem:
A justiça, então, nesse sentido é virtude perfeita [...] que é exibida aos
outros. Eis a razão porque a justiça é considerada amiúde como a
virtude principal, não sendo “nem estrela vespertina ou a matutina” tão
sublimes, de modo que dispomos do provérbio... Na Justiça se
encontra toda a Virtude somada (ARISTÓTELES, 2009, 1129b30).
Outro ponto importante a se destacar sobre Justiça é que ela é uma virtude perfeita
por ser uma virtude „social‟, já que só pode ser exercida numa sociedade:
E a justiça é a virtude perfeita por ser ela a prática da virtude perfeita,
além do que é perfeita num grau especial, porque seu possuidor pode
praticar sua virtude dirigindo-a aos outros e não apenas sozinho, pois
há muitos que são capazes de praticar a virtude nos seus próprios
assuntos privados, mas são incapazes de fazê-lo em suas relações
com outrem (ARISTÓTELES, 2009, 1130 a 5-10).
Há outro aspecto a ser considerado. Todas as virtudes beneficiam diretamente ao
próprio portador delas. Se Platão é um homem prudente, isso é bom para ele mesmo.
Se Sócrates é sábio, essa virtude é benéfica para ele, podendo não ser para as
pessoas que se relacionam com ele. Por outro lado, a justiça, como afirma Aristóteles,
é benéfica para os outros, para os que convivem com o homem justo. Aristóteles se
expressa da seguinte maneira:
A mesma razão, isto é, o fato de implicar a relação com alguém mais,
dá conta do parecer de que a justiça exclusivamente entre as virtudes é
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“o bem alheio” porque concretiza o que constitui a vantagem do outro,
seja este alguém que detém a autoridade, seja um parceiro. Como
então o pior dos homens é o que pratica o vício na relação com seus
amigos bem como em relação a si mesmo, o melhor não é o que
pratica a virtude em relação a si mesmo, mas aquele que a pratica em
relação aos outros, pois é essa uma tarefa deveras difícil. E a justiça,
nesse sentido, por conseguinte, não é uma parte da virtude, mas a
totalidade desta e o seu oposto, a injustiça, não é uma parte do vício,
mas a totalidade deste (ARISTÓTELES, 2009, 1130a 5-10).
Sendo uma virtude social, aliás, o cume das virtudes sociais, a Justiça está ligada, ao
que me parece, à Política. Aristóteles afirma isso na seguinte passagem: “... o termo
“justo” é aplicado a qualquer coisa que produz e preserva a felicidade, ou as partes
componentes da felicidade da comunidade política” (ARISTÓTELES, 2009, 1129b15).
Acredito que este entendimento é correto, pois alguns estudiosos do grande filósofo
grego afirmam isso: “Somente no Estado e pelo Estado é possível a realização da
justiça, justiça que é a virtude política por excelência, na qual estão resumidas todas
as virtudes éticas”(FABRO, 1969, p.117). De um modo mais geral, é o que diz também
Frederick Copleston:
[Aristóteles] afirma que a ciência que estuda o que é o bem para o
homem é a ciência política ou social. O Estado e o indivíduo possuem
um mesmo bem, mesmo que este bem, como é encontrado no Estado,
seja maior e mais nobre. [...] Aristóteles vê, portanto, a Ética como um
ramo da ciência política ou social: poderíamos dizer que trata primeiro
da ciência ética individual e depois da ciência ética política, no seu livro
Política (COPLESTON, 2004, p.332).
Essa ligação da Ética com a Política torna-se importante de se ressaltar. Atualmente,
parece existir uma concepção da Política mais ou menos desvinculada da Ética. Para
Aristóteles, isso deveria ser impossível, pois a política é o cume da Ética, já que as
virtudes mais elevadas são as que se manifestam em público, as que dizem respeito à
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Polis (ou seja, a cidade, a comunidade política). Parece que Aristóteles não
concordaria com as atuais campanhas de ética na política, pois, para ele, a Política já
é a ética e no seu mais alto grau. Acredita-se que Aristóteles não concordaria com a
existência das conhecidas Comissões de Ética, pois se a política não é por si mesma,
ética, não deve ser nem mesmo política de verdade.
3. CONCLUSÃO
Concluo este breve estudo fazendo as seguintes considerações. Primeiramente,
ressalte-se que um texto tão complexo e tão antigo pode ser, e de fato é, bastante
importante para a reflexão sobre a ética e a política. Aliás, só o fato de tê-lo lido nos
dias de hoje, numa faculdade brasileira do século XXI, é um indicador de sua grande
importância, seja para o estudo filosófico, seja para o jurídico.
O problema da Justiça, problema de grande importância nos estudos do Direito, se
não foi resolvido pelo grande filósofo grego, foi pelo menos bastante esclarecido. O
entendimento da justiça como ápice e resumo de todas as virtudes chama a atenção.
Tal concepção da Justiça parece bastante pertinente e original. Ademais, acredita-se
que as reflexões de Aristóteles são capazes de levar a considerar a atualidade política
e jurídica de uma forma crítica. Será que a justiça brasileira, hoje, realmente pode ser
considerada a síntese e o cume de todas as virtudes? Se não pode, será que a justiça
brasileira, hoje, pode mesmo ser chamada de justiça? São questões que levanto, sem,
contudo, ter a pretensão de resolver.
4. REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Edipro, 2009.
COPLESTON, Frederick. Historia de la Filosofia. Volume I: Grécia e Roma.
Barcelona: Ariel, 2004.
FABRO, Cornélio. Historia de la Filosofia. Volume I. Madrid: Rialp, 1969.
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GREGÓRIO,
Sérgio
Biase.
Ética
em
Aristóteles.
Disponível
em:
(http://sbgfilosofia.blogspot.com/2008/06/tica-em-aristteles.html). Último acesso em
03/05/2011.
REALE, Giovanni. História da filosofia antiga. Volume II. São Paulo: Loyola, 2003.

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