BARRA, Vanusa Balieiro do Rego. O discursos do - PPGP

Transcrição

BARRA, Vanusa Balieiro do Rego. O discursos do - PPGP
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
VANUSA BALIEIRO DO REGO BARRA
O DISCURSO DO ANALISTA NO HOSPITAL
Possibilidade de laço pela via do amor transferencial
BELÉM - PA
2013
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
VANUSA BALIEIRO DO REGO BARRA
O DISCURSO DO ANALISTA NO HOSPITAL
Possibilidade de laço pela via do amor transferencial
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Psicologia da Universidade
Federal do Pará, como requisito para obtenção do
título de Mestre em Psicologia.
Orientadora: Profa. Dra. Roseane Freitas Nicolau.
Área de concentração – Psicanálise: teoria e
clínica.
BELÉM - PA
2013
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Barra, Vanusa Balieiro do Rego, 1985- O
discurso do analista no hospital:
possibilidade de laço pela via do amor
transferencial / Vanusa Balieiro do Rego
Barra. - 2013.
Orientador: Roseane Freitas Nicolau. Dissertação
(Mestrado) - Universidade Federal
do Pará, Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, Programa de Pós-Graduação em
Psicologia, Belém, 2013.
1. Psicanálise. 2. Transferência
(Psicologia). 3. Discurso. 4. Hospital. I.
Título.
CDD 22. ed. 150.195
Vanusa Balieiro do Rego Barra
O discurso do analista no hospital: possibilidade de laço pela via do amor transferencial.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade
Federal do Pará, como requisito para obtenção do título de Mestre em Psicologia.
Área de Concentração – Psicanálise: teoria e clínica
Aprovada em: 18/10/2013
BANCA EXAMINADORA:
___________________________________________
Profa. Dra. Roseane Freitas Nicolau – Orientadora
Universidade Federal do Pará (UFPA)
___________________________________________
Profa. Dra. Maria Lívia Tourinho Moretto – Membro externo
Universidade de São Paulo (USP)
___________________________________________
Profa. Dra. Ana Cleide Guedes Moreira – Membro interno
Universidade Federal do Pará (UFPA)
___________________________________________
Prof. Dr. Ernani Pinheiro Chaves – Suplente
Universidade Federal do Pará (UFPA)
BELÉM - PA
2013
Dedico esta dissertação às crianças
acometidas pelo câncer, suas famílias e aos
profissionais da saúde que se enlaçam a este
sofrimento, transformando-o em trabalho.
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Profa. Dra. Roseane Nicolau, que me recebeu na Universidade Federal
do Pará (UFPA), inicialmente em seu grupo de pesquisa, e posteriormente me confiou a
possibilidade de um trabalho conjunto como sua orientanda. Sou grata pela coerência, rigor
ético, paciência, respeito e disponibilidade com os quais me orientou na condução desta
dissertação. Enfim, pela amizade que dessa pareceria se decantou.
À Profa. Dra. Maria Lívia Moretto, com quem dei os primeiros passos em Lacan, ainda na
graduação em psicologia da Universidade São Marcos/SP, posteriormente podendo tê-la como
interlocutora para a sustentação da psicanálise no trabalho clínico-institucional no ICHCFMUSP, e que novamente tive a honra de receber em Belém, em minha banca, para falarmos
de um assunto que nos é tão caro: o trabalho do psicanalista no hospital.
À Profa. Dra. Ana Cleide Moreira, pelo trabalho pioneiro em Belém no que concerne à
pesquisa psicanalítica no hospital; agradeço pelo acolhimento no Laboratório de
Psicopatologia Fundamental e no Hospital Universitário João de Barros Barreto, desde a
minha chegada à UFPA.
Ao Prof. Dr. Ernani Chaves pelas nuanças trazidas da filosofia para a psicanálise,
contribuições enriquecedoras.
Aos colegas do grupo de pesquisa Psicanálise, sintoma e instituição, cujas discussões
constituem muito do que fundamenta teoricamente este trabalho escrito e os efeitos dele na
minha práxis.
Aos colegas do mestrado, especialmente aqueles com os quais estabeleci um laço de amizade
e transferência de trabalho em vários momentos deste percurso: Alcione, Danielle, Roseane,
Alan e Amanda.
Às amigas, Amanda e Sandra, grandes companheiras de leituras e sonhos.
À amiga Danielle Ramos, pela generosidade e revisão desta dissertação.
À minha analista e à minha supervisora, pelos lugares que ocupam.
À minha família, especialmente aos meus pais Waldir e Jusa, pelo amparo de toda uma vida.
Também agradeço aos meus sogros Alcides e Leonice, pelo carinho de pais.
A meu marido Williams, amor que contribui, incentiva, acredita e aposta junto!
Agradeço à D. Mira, que se dedica a zelar pela minha casa, me possibilitando mais tempo
para a vida profissional.
Agradeço ao PPGP-UFPA, aos professores pelos ensinamentos e, em especial, ao Ney, pela
disponibilidade e eficiência.
Ao CNPq, pelo financiamento.
Aos colegas dos Fóruns do Campo Lacaniano, pelas ricas contribuições.
Agradeço ao Hospital Ophir Loyola (HOL).
Às amigas psicólogas do HOL: Ana, Ari, Betha, Lê, Naty e Paty.
Às colegas da equipe multiprofissional do Hospital Dia (UAI-pediátrica) e aos demais
funcionários, pela interlocução nesse trabalho que nos desafiou diariamente.
Agradeço à Enf. Rosário Fernandes (chefe da Divisão de Ensino e Pesquisa) e à Psicóloga
Rivonilda Graim (chefe da Divisão de Psicologia), pela oportunidade do meu contrato, a partir
do qual passei dois anos neste hospital, tempo em que nasceu também esta dissertação que,
juntamente com as outras experiências ali vividas, se inscreveu como marca que levarei para a
vida profissional e pessoal.
Agradeço em especial aos pacientes do HOL, que se permitiram falar e nos brindaram com
suas experiências de vida.
Por fim, a Deus, causa imanente.
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...
(Alberto Caieiro [Fernando Pessoa]).
A palavra amor anda vazia.
Não tem gente dentro dela.
(Manoel de Barros)
RESUMO
A partir da experiência clínica vivenciada do Hospital Ophir Loyola (HOL) em Belém do
Pará, esta dissertação analisa as condições de possibilidades do Discurso do Analista (DA) se
articular aos outros discursos, em especial ao Discurso do Mestre (DM) representado pela
ciência médica, pela via do amor transferencial, ou seja, constituindo um laço que, além da
dimensão biológica, sustente também a dimensão subjetiva do paciente institucionalizado.
Considerando que o DA é o único discurso que não tenta obstruir com saber a verdade
subjetiva que porta o desejo, já que no lugar do agente está o a, funcionando como objeto
causa de desejo, como manejar esse laço, no sentido de que tal experiência se transmita à
equipe? Tomando a experiência como norte, apresentamos articulações clínico-institucionais
a partir de fragmentos do caso André, atendido no hospital. Este tratamento decorreu por
aproximadamente dois anos, com atendimentos nos diversos dispositivos do hospital
(enfermaria, emergência, sala de espera, brinquedoteca e ambulatório). Após a introdução,
reconstruímos os fragmentos do caso clínico-institucional – do qual fazem parte, além do
paciente e seus familiares, toda a equipe multiprofissional. Neste caso, a transferência se
estruturou como um articulador dos laços de trabalho da analista com o paciente e com a
equipe, efeito do trabalho de oferta de escuta. Surgiram demandas da equipe endereçadas à
analista concernentes ao sujeito escutado, enquanto demanda de saber sobre o inconsciente.
Discutimos pelo método teórico-clínico psicanalítico a experiência vivenciada, tomando como
principais articuladores os conceitos de Transferência e a Teoria dos Discursos. Para isso, nos
apoiamos na opção epistêmica da psicanálise que referencia Freud e Lacan, bem como
analistas do campo lacaniano que atuam nas instituições hospitalares e produzem saber a
partir de suas experiências institucionais, que, quando realizadas dentro do rigor ético da
psicanálise, consideram o campo do real e do gozo implicado no sintoma. Por fim,
apresentamos uma formalização sobre a práxis psicanalítica no hospital, sustentada no DA
que, na posição de objeto a, realiza sua função específica que é tratar o real pelo simbólico.
Palavras-chave: Discurso do analista. Transferência. Psicanálise na instituição. Hospital.
RÉSUMÉ
À partir de l’expérience clinique expériencée dans l’Hôpital Ophir Loyola (HOL) à Belém do
Pará, cette dissertation analyse les conditions de possibilites de Discours d’Analyste (DA)
s’articuler avec l’autres discours, en spécial au Discours Maître (DM) représenté par la
science médicale, par moyen d’amour de transfert, pour constituer un lien que soutenirait audelá de la dimension biologique la dimension subjective du patient institutionalisé. En
considérant que le DA c’est le seul discours que n’essaie pas osbtruer avec le savoir la vérité
subjctive que porte le désir, au fur et à mesure que au lieu de l’agent est le petit a en marche
comme l’objet cause de désir, comment manier ce lien pour cela expérience soit transmissible
à l’équipe? En prennent l’expérience comme nord, nous présentons des articulations
cliniques-institutionailles à partir des fragments de cas clinique d’André prisé dans l’hôpital.
Ce traitement s’est developpé à peu près deux ans, avec séances dans les plusieurs dispositifs
d’hôpital (infirmerie, urgence, salle d’attente, salle de jeux et dans le service de consultations
externes). Après l’introduction, nous construirons les fragments de cas clinique – dans ce cas,
la transfert s’est structuré comme un articulateurs des liens du travail d’analyste avec le
patient et avec l’équipe aussi. Effet du travail d’offre d’écoute qu’engendre demandes en ce
qui concerne au sujet, comme demande de savoir sur l’inconscient. Nous discutons par la
méthode théorique-clinique psychanalytique l’expérience vivée, en prennent comme
principales articulateurses les concepts de transfert e les discours qui sont développés dans le
travail. Pour ça, nous nous appuions sur l’option épisthémique de la psychanalyse concernant
à Freud et Lacan, ainsi que des analystes du champ lacanienne qu’exercent la psychanalyse
dans l’hôpital et produisent savoir à partir des expériences institutionailles, que quand
realisées dans la rigueur éthique de la psychanalyse, considére le champ de réel et de la
jouissance impliquée dans le symptôme. Finalement, nous présentons une formalisation sur la
praxis psychanalytique dans l’hôpital, soutenie par le DA, lequel dans la position de objet a, il
réalize sa fonction spécifique que c’est traiter le réel par le symbolique.
Mots-clé: Discours d’Analyste. Transfert. Psychanalyse dans l’institution. Hôpital.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 10
O INSTANTE DE OLHAR
1 SITUAÇÃO CLÍNICO-INSTITUCIONAL ..................................................................... 25
1.1 CASO ANDRÉ .................................................................................................................. 26
1.2 INTERLOCUÇÕES COM A EQUIPE ............................................................................. 38
O TEMPO PARA COMPREENDER
2 O AMOR TRANSFERENCIAL COMO LAÇO ............................................................. 42
2.1 ARTICULAÇÕES FREUDIANAS .................................................................................. 42
2.2 ARTICULAÇÕES LACANIANAS .................................................................................. 45
2.3 OS DESFILADEIROS DA DEMANDA E O MAIS ALÉM: O DESEJO ....................... 50
3 OS DISCURSOS QUE FAZEM LAÇO NA INSTITUIÇÃO......................................... 56
3.1 DISCURSO DO MESTRE (DM) ...................................................................................... 57
3.2 DISCURSO DA HISTÉRICA (DH) ................................................................................ 58
3.3 DISCURSO DO ANALISTA (DA) ................................................................................. 58
3.4 DISCURSO DO UNIVERSITÁRIO (DU) ....................................................................... 60
3.5 SUPOSIÇÕES A PARTIR DO CASO CLÍNICO-INSTITUCIONAL ............................ 60
3.6 INTERFACES DISCURSIVAS: PSICANÁLISE E MEDICINA .................................... 61
3.7 O SINTOMA COMO VERDADE QUE APONTA PARA O REAL .............................. 63
O MOMENTO DE CONCLUIR
4 A PRÁXIS PSICANALÍTICA NO HOSPITAL .............................................................. 66
4.1 A INSERÇÃO DA PSICANÁLISE NA INSTITUIÇÃO HOSPITALAR ....................... 67
4.2 ENTRE O SABER E O FAZER: O LUGAR DO ANALISTA NA EQUIPE
MULTIPROFISSIONAL ................................................................................................. 69
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 74
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 77
10
INTRODUÇÃO
“Não se pode criar experiência, é preciso passar por ela”.
Albert Camus, 1942/1999
Esta dissertação nasceu a partir de minha experiência como psicóloga, pela psicanálise
orientada, no Hospital Ophir Loyola (HOL)1 de Belém do Pará, onde a escuta de uma criança
enlaçou, pela transferência, os membros de uma equipe multiprofissional. Tal experiência
suscitou questões que, no a posteriori, retomei na tentativa de analisar e elaborar o que se
passou, particularmente no que se refere ao trabalho do analista junto a uma equipe
multidisciplinar, visando construir um saber que permitisse fazer circular o discurso da
psicanálise em meio ao discurso positivista da ciência.
O enlace entre o discurso da ciência e o discurso que Lacan (1969-1970/1992) nomeou
como Discurso do Analista (DA) não se dá sem conflitos. Embasada pelo discurso da ciência,
a medicina orienta o trabalho da equipe na instituição de saúde, detendo significativa
hegemonia no campo dos cuidados em saúde. Este discurso centra-se em uma leitura objetiva
dos sintomas2 e, portanto, volta-se principalmente para queixas orgânicas, sem, muitas vezes,
levar em consideração que é pela linguagem que os doentes comunicam seus males para os
médicos. O analista – que possui um olhar diferenciado para as questões da saúde – visa o
sujeito3 e a subjetividade manifesta em seu sintoma4, ao invés de valorizar a doença
propriamente dita como se esta fosse destituída de sujeito. Esse olhar que incide sobre as
questões subjetivas pode provocar incômodo dentro da instituição, como veremos ao longo
desse trabalho.
1
O HOL é um hospital público estadual de referência na área de oncologia, com diversas clínicas e dispositivos
de atendimentos: ambulatórios, salas de quimioterapia, enfermarias, UTIs e emergências.
2
Segundo Pimenta e Ferreira (2003), a semiologia médica, que trata dos sinais e sintomas das doenças,
considera os sinais como as manifestações objetivas da doença que podem ser detectadas de diversas formas, e
os sintomas são considerados distúrbios subjetivos relatados pelos pacientes (incômodos, dor), dos quais os
médicos tomam conhecimento pela anamnese. Conforme os autores, “na medicina, o sintoma é dotado de
sentido, mas compete ao médico dar sua significação, deve ser decifrado, portanto, como sendo ou não sinal de
uma doença” (PIMENTA; FERREIRA, 2003, p. 222).
3
O sujeito na psicanálise é o sujeito do inconsciente, efeito de linguagem que emerge no discurso quando
alguém fala de si, pois, como afirmou Lacan (1964b/2008), o próprio inconsciente é estruturado como uma
linguagem.
4
Assim como Dias (2006), abordaremos o sintoma em psicanálise em duas dimensões: no simbólico, na via do
inconsciente estruturado como linguagem, sintoma-metáfora, que é uma formação do inconsciente sustentada
na satisfação de desejo e que tem seu sentido recalcado, mas que pode ser decifrado; e no real, via inconsciente
pulsional, sintoma-letra de gozo que, para além do princípio do prazer, se vincula à pulsão de morte, pois se
trata de uma satisfação real que se distingue das demais formações do inconsciente, visto que a satisfação de
desejo em jogo é paradoxal.
11
O percurso de escuta psicanalítica nas instituições iniciado em 2009, com um curso de
Especialização em Psicologia Hospitalar, na condição de psicóloga aprimoranda5,
possibilitou-me as primeiras experiências que, vivenciadas paralelamente ao percurso de
estudos teóricos e análise pessoal, vêm desde então me instigando a pensar condições de
possibilidade para o discurso da psicanálise se articular aos outros saberes no hospital.
Naquela ocasião, em artigo monográfico de conclusão de especialização6, discorremos
sobre a dor que ouvíramos de pacientes em tratamento por doenças graves, mortíferas e com
causas e prognósticos indefinidos ou ruins do ponto de vista médico. Eram dores corporais
que haviam tomado proporções devastadoras para a vida dos sujeitos, desencadeando
sofrimentos como angústia, mal-estar e insegurança perante a vida. No referido estudo,
pudemos considerar que somente a escuta da fala particularizada, sob transferência, levaria a
algum lugar, para além da doença e da queixa, tendo possibilidade de alcançar a dimensão
pulsional7 que determina o sintoma do sujeito, frente ao qual este pode escolher se
responsabilizar, endereçando, talvez, uma demanda de saber àquele que ocupa a posição de
analista.
Busquei autores da psicanálise brasileira que, também apostando na extensão8 da
psicanálise para além dos consultórios particulares, oferecem tratamento analítico a sujeitos
institucionalizados. A partir de suas publicações, foi possível observar que, com a chegada
desses psicanalistas nos hospitais brasileiros9, trabalhando pela causa analítica, sutis
mudanças vem ocorrendo no que tange a essa posição dos discursos. Constatamos casos já
apontados na literatura brasileira – a exemplo dos trabalhos de Alberti (2000) e Alberti et al
(2008) no Rio de Janeiro, Moura (2002) e Moura e Souza (2007) em Minas Gerais e Moretto
5
Aprimoramento em Psicologia Hospitalar realizado no Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo (ICHC-FMUSP).
6
Intitulado Dor e adesão ao esquema medicamentoso prescrito em pacientes com doença inflamatória intestinal
(REGO, et. al., 2009).
7
Segundo Roudinesco e Plon (1998), o termo pulsão surgiu na França em 1625 e está diretamente ligado ao ato
de impulsionar, torna-se a partir de então um conceito fundamental da psicanálise. Freud (1915d/1996)
apontou que a pulsão de faz representar psíquicamente por estímulos que se originam no corpo. Lacan
(1964a/1998) acrescentará que a pulsão divide o sujeito e o desejo – portanto, é o que sustenta a estrutura da
fantasia –, acrescentando, porém, que a pulsão não se dá a ver; somente seus representantes são notados em
forma de afetos e representantes ideativos.
8
Lacan (1967/2003) articula a psicanálise em intenção com a psicanálise em extensão para estabelecer a
psicanálise como uma experiência original no mundo. Machado (2011) afirma que Lacan organizou o
movimento da psicanálise em extensão para que a psicanálise se fizesse presente no mundo e nas instituições, e
assim expôs sua articulação com a psicanálise em intenção, responsabilizando o analista pelo que pratica em
nome da psicanálise.
9
Segundo Moretto (2001), em outros países – como na França – não é novidade a prática psicanalítica em
instituições a partir de contratações oficiais destes profissionais. No Brasil, a psicanálise entra pela via da
psicologia, pela entrada dos psicólogos causados pela psicanálise.
12
(2001, 2006) em São Paulo – que referenciam pontuais giros na estrutura dos discursos,
trazendo como efeito outro olhar para o paciente hospitalizado.
Ressaltamos que, de acordo com Lacan (1969-1970/1992, p. 11), um discurso
independe de palavras, podendo se constituir como “um discurso sem palavras”, estando para
além da enunciação. Os discursos são instrumentos que ajudam a pensar os diversos contextos
sociais, nos quais os atos adquirem o valor de dizeres essenciais, evidenciando a insuficiência
da linguagem, que remete ao campo do real e do gozo implicados nos discursos, na medida
em que estes se ligam à pulsão. De acordo com Barroso (2012), a pulsão
[...] implica a desnaturalização do corpo a partir da incidência da linguagem no mais
íntimo do organismo. Desse modo, a função orgânica é habitada pela pulsão. O
inconsciente estruturado como linguagem tem como parceiro o Outro enquanto
corpo reduzido à gramática das pulsões. Por meio do circuito pulsional, os órgãos e
as funções biológicas se inscrevem enquanto funções de gozo (BARROSO, 2012, p.
2).
A psicanálise na instituição de saúde se constitui como um discurso que se sustenta a
partir de uma relação específica com o Outro, justamente por considerar o campo do gozo e
do real que ali se manifestam. Seja através dos sintomas dos pacientes, seja pela questão da
finitude e da impotência que atravessam os profissionais que lidam com muitas situações
angustiantes para as quais a ciência não oferece um manual, tais manifestações do campo do
gozo e do real, muitas vezes, deixam toda a instituição sem saber o que fazer.
Neste momento em que um furo no saber da ciência médica aparece, a instituição
tende a chamar a psicologia. Respondemos a esse chamado a partir da psicanálise de Freud e
Lacan, que coloca o analista como uma função, a qual Lacan (1964b/2008) denominará de
sujeito suposto saber (SsS). A equipe, ao supor que um psicólogo detém o saber para a
situação geradora de angústia, transfere para a pessoa deste profissional a responsabilidade de
resolvê-la, pondo em cena a transferência enquanto suposição de saber. Para Lacan
(1964b/2008), se há SsS, há transferência. No entanto, Lacan (1964b/2008, p. 226) adverte: “é
bem certo, do conhecimento de todos, que nenhum psicanalista pode pretender representar
[...] um saber absoluto”. Como abordaremos ao longo desta dissertação, a relação de um
analista com o saber é outra. A particularidade que o DA traz concerne ao lugar que o
analista ocupa frente ao Outro, conforme mostra Maurano (2006):
Para que esse discurso se ponha em marcha, o analista se empresta como objeto.
Mas não como um objeto qualquer, e sim como o que falta. Através da transferência,
ele se faz de semblante do objeto que é causa do desejo para o sujeito. Ou seja,
quando convocado pela transferência, presta-se a fazer de conta que é esse objeto
13
que falta, e com isso descortina-se o modo de o sujeito operar com seu desejo.
(MAURANO, 2006, p. 60).
Por isso, no DA, a dominante é um objeto, o que torna impossível seu domínio sobre o
Outro, motivo pelo qual Lacan (1969-1970/1992) apontará que os discursos, não somente o
do analista, tratarão de dar conta de funções impossíveis, que são: educar, governar e
psicoanalisar. No DA, o real em jogo esbarra nessa impossibilidade de ser recoberto
simbolicamente, evidenciando uma falha na estrutura simbólica que se propõe a obturar com
saber essa mesma falta.
Apontar o saber do lado do Outro é o que diferencia o DA dos demais discursos
propostos por Lacan (1969-1970/1992), a saber: o Discurso do Mestre (DM), o Discurso
Universitário (DU) e o Discurso da Histérica (DH). Essa diferença de posição no discurso traz
importantes consequências para o trabalho do analista junto a uma equipe no hospital,
diferenciando-o radicalmente da posição ocupada pelo médico e mesmo pelo psicólogo
hospitalar, visto que estes últimos embasam suas atuações em saberes científicos de seus
campos, que não necessariamente consideram que o paciente possa contribuir, com seu saber,
para o seu próprio tratamento.
Constatamos que o hospital é um espaço de entrecruzamentos discursivos, como
apontam Carvalho (2008) e Machado (2011). Tomando o discurso do analista como uma
modalidade de laço inaugurada por Freud e formalizada por Lacan, nosso objetivo foi
sistematizar teoricamente, a partir da experiência clínica, as condições de possibilidade para
esse discurso se articular aos demais que circulam no HOL, especialmente o DM,
representado pelo saber da ciência médica. Para isso, utilizamos a Teoria dos Discursos e o
conceito fundamental que Lacan (1964b/2008) formalizou como o SsS, que é a função que a
transferência adquire numa práxis. Essa função dirigirá o modo de tratar os pacientes e viceversa; o modo de tratar os pacientes a estabelecerá. Como afirma Lacan (1964b/2008, p. 58),
“nenhuma práxis mais do que a análise, é orientada para aquilo que, no coração da
experiência, é o núcleo do real”.
Essas noções embasam as experiências de autores onde os saberes não se fixam como
únicas verdades, pelo contrário, os discursos se flexibilizam e promovem aberturas a
questionamentos das verdades, produzindo novos saberes. E isso só se mostrou possível
porque tais profissionais promoveram sua função de analista dentro das equipes onde se
inseriram. Do mesmo modo, se os laços vão apontar lugares de um e de outro dentro de uma
relação, questionamos qual o lugar do analista dentro de uma equipe multidisciplinar?
14
A Psicanálise não é uma profissão, mas sim, como aponta Lacan (1964b/2008), uma
função – função de deixar o lugar do saber vazio, visto que ele é apenas suposto, e fazer o que
Lacan (1964b/2008) chamou de semblante. Nessa relação entre paciente e analista, na qual o
SsS é função, por trás do amor denominado de transferência, está, segundo Lacan
(1964b/2008), a afirmação do laço do desejo do paciente com o desejo do analista10.
É com trabalho que os analistas brasileiros têm construído, um a um, suas inserções
nas instituições, a partir de entradas ligadas às profissões regulamentadas, sendo a da
psicologia a mais comum, como mostram os trabalhos de Nicolau (2010), Hoyer (2010) e
Moretto (2006). Comigo se deu assim. Fui contratada para trabalhar no HOL como psicóloga,
porém tinha a clareza que o contrato não tinha nenhuma relação como a inserção do discurso
psicanalítico na instituição, já que o lugar do psicólogo é diferente do lugar do analista,
conforme apontou Moretto (2006).
A entrada do psicólogo se dá com a contratação, mas a do analista requer trabalho
prévio, pois este lugar carece de uma construção que aponte para o ato do analista, não para
um contrato assinado. Como lembra Moretto (2006, p. 56), “estar dentro fisicamente, não é
estar inserido psiquicamente”. De acordo com a mesma autora:
[...] o processo de inserção do psicanalista na equipe tem sido por nós analisado
como um processo psíquico que implica uma determinada posição em relação ao
Outro, num campo específico, que permite esta delimitação momentânea e relativa
do que é dentro e do que é fora. Relativa porque esta questão da posição que se
ocupa numa certa estrutura simbólica pode ser nomeada a partir de diferentes pontos
de vista. (MORETTO, 2006, p. 56).
A diferença se define pela posição de objeto a que o analista ocupa no lugar de agente
do discurso frente a um sujeito dividido $11, o que desencadeará um laço dentro do discurso
do analista. O DA é um discurso que foi elaborado por Lacan (1969-1970/1992) para definir o
lugar que o analista ocupa no laço social – ou seja, frente ao outro, a partir do qual estabelece
um laço específico, ao qual voltarei mais adiante.
10
Lacan (1958a/1998) propõe a noção de desejo do analista no texto intitulado A direção do tratamento e os
princípios do seu poder para introduzir a questão do ser do analista que se coloca na relação com o paciente,
como aquele que toma o desejo do paciente ao pé da letra, que reconhece a relação do desejo com a linguagem
tal qual apontou a psicanálise freudiana. O texto também discute a direção do tratamento e a posição do
analista numa análise, questionando um determinado modelo que se diz psicanalítico, mas que trabalha com a
noção de consciência, apoiada numa intersubjetividade que implicaria na presença do ego do analista, dirigindo
com saber e poder os tratamentos. Lacan não considera esta uma práxis autêntica.
11
Esse sujeito dividido, abordado pela psicanálise como barrado, “[...] é dividido em relação a ele mesmo, e esse
objeto a, objeto visado exatamente por conta da existência dessa divisão, se interpõe todo o universo da
linguagem, o campo dos significantes, que Lacan propôs localizar com os termos: significante mestre (S1) e
saber (S2), priorizado como saber inconsciente” (MAURANO, 2006, p. 59).
15
Fiz a escolha de endereçar minhas inquietações à universidade, onde, em 2010,
ingressei no grupo de pesquisa Psicanálise, sintoma e instituição – cujo atual projeto de
pesquisa intitula-se A psicanálise, o sujeito e a instituição: um diálogo com os profissionais
de saúde sobre os processos sintomáticos do corpo12 –, do qual desde então participo. Neste,
passei a discutir as experiências clínicas vivenciadas no HOL, a fim de elaborá-las
teoricamente. Tais discussões foram fundamentais na sustentação teórica desta dissertação,
decorrente, portanto, do meu percurso de estudos sobre psicanálise e hospital, como um passo
a mais na continuidade deste trabalho ancorado na psicanálise freudo-lacaniana, bem como
nas produções clínico-teóricas de alguns psicanalistas brasileiros do campo lacaniano, que
trabalham a partir de experiências clínico-institucionais.
Vejamos o contexto onde se deu minha experiência e os entrecruzamentos discursivos
que ali apareceram e que me fizeram levantar questões e pensar minha atuação como analista
dentro de uma equipe multidisciplinar.
O HOL constitui-se em um hospital público centenário, de ensino e pesquisa, que
recebe pacientes via Sistema Único de Saúde (SUS), acometidos prioritariamente por câncer.
Salvo alguns casos, os pacientes são pessoas que vivem em condições econômicas e sociais
desfavorecidas. Muitos são oriundos de municípios distantes da capital do Estado, dada a
dimensão territorial do Pará e da região Norte do país. A demanda por atendimentos é maior
que a capacidade institucional de acolhê-las. Deste modo, observa-se que a chegada ao
hospital é antecedida por longas esperas, e o início do tratamento se dá num estágio já
avançado da doença, para a qual a instituição oferece um cuidado paliativo, visando o
conforto e o alívio da dor destas pessoas. Os pacientes permanecem longamente em casas de
apoio durante o tratamento, distantes de seus lares, para os quais dificilmente retornam com
vida.
Tal circunstância leva a Divisão de Psicologia deste hospital a atuar automaticamente
na obviedade da questão da finitude da vida, como já foi indicado, que atravessa os pacientes
e os profissionais deste hospital que lidam diariamente com perdas. Uma situação frequente, e
que de certo modo representa a atuação da psicologia no referido hospital, é a demanda das
equipes das diversas clínicas, solicitando da psicologia “apoio psicológico” para as famílias
de pacientes em pré e pós-óbito, sem, muitas vezes, simplesmente perguntar a essas famílias
sobre seu interesse em receber tal apoio. Exemplos como este sinalizam uma questão
12
Este projeto é aprovado e financiado pelo CNPq (Chamada CNPq/CAPES Nº 07/2011 – Processo:
401545/2011-3), em andamento na Clínica de Psicologia da UFPA, com a coordenação da Profa. Dra. Roseane
Freitas Nicolau. A presente pesquisa de mestrado inclui-se, por conseguinte, como um subprojeto dentro dessa
pesquisa maior, já licenciada pelo comitê de ética em pesquisa.
16
fundamental para a psicanálise: como fica a transferência nestes casos? Que lugar para a
suposição de saber, se quem demanda não é a pessoa para a qual o tratamento será oferecido?
A instituição acaba por incentivar uma cultura do assistencialismo, baseada no apoio,
sem o qual, segundo a fala de uma médica, “não há possibilidade de se fazer oncologia”. Se é
assim, como então a psicanálise poderia se inserir neste contexto e contribuir para o
tratamento dessas pessoas?
Identificamos nesse chamado à Psicologia uma possibilidade para o discurso da
Psicanálise se articular aos demais, porém essa articulação carecerá de alguns giros dentro da
estrutura discursiva da instituição. O impasse para a inserção do discurso da psicanálise se
coloca especialmente porque uma característica dessa instituição é a referência ao saber da
ciência médica, conforme dito acima, que, na posição do DM, subordina os demais saberes
em função de seu poder. Sobre o poder e a ordem médica, Clavreul (1983 apud MORETTO,
2001) afirma que o discurso do médico é o representante do discurso da ciência que, por sua
vez, exclui a subjetividade, tanto dos que falam (pacientes) quanto dos que escutam (analistas,
psicólogos, médicos, enfermeiros, etc.). Tal fato remete a uma objetividade científica que
foraclui a subjetividade. Desta forma, a instituição hospitalar é regida pelo discurso médico
que:
[...] prossegue segundo suas próprias leis, que impõe sua coerção tanto ao médico
quanto ao doente. A ordem médica não tem de ser defendida nem demonstrada; ela
está aí pra ser cumprida e executada pelos seus funcionários, os médicos. É uma
ordem que se impõe por si mesma, e em nome da vida, é preciso obedecê-la.
(MORETTO, 2001, p. 62-63).
No HOL, o poder que se sustenta na objetividade científica está na mão do médico,
inclusive o de decidir se um paciente precisa dos cuidados dos demais membros da equipe.
Nesse hospital, ainda é instituído que somente os médicos encaminhem, com o argumento de
que apenas eles possuem todo o saber sobre os casos. A enfermagem é tida como a
ramificação da medicina, para onde o poder escapole na ausência da figura do médico. Os
demais profissionais são mantidos como “apoio” – este significante se repete na referência às
demais categorias ditas “não-médicas”. Além disso, existe dentro desse grupo de “apoio” uma
categoria vista e falada como “supérflua” e “de luxo”, significantes que se repetem em relação
ao serviço da psicologia. Questionamo-nos que lugar é esse em que a psicologia está sendo
posta dentro da instituição. O que isso quer dizer? Teria aqui um ponto de impossibilidade
referente a uma aplicação de conhecimento pré-moldado, que atua sem levar em conta a
construção de um lugar transferencial?
17
Dentro do HOL, as equipes multiprofissionais são organizadas em clínicas, que
possuem suas especificidades baseadas na doença e na sua localização no corpo (cabeça e
pescoço, mama, ginecologia, urologia, etc.). A pediatria é uma exceção, pois recebe crianças
independentemente de qual seja sua doença. O Hospital Dia ou Unidade de Atendimento
Imediato Pediátrico (UAI-PED), no qual me situei fazia parte da pediatria13, formada por uma
equipe subordinada ao saber da medicina em primeira mão e muito sensível aos
atravessamentos provocados pelas relações com as crianças e seus cuidadores.
Resgatei a literatura psicanalítica sobre o atendimento infantil nesse trabalho na
instituição, uma vez que minha prática estava situada geograficamente no setor de Oncopediatria. No entanto, ressalto que apenas referencio brevemente as experiências de
psicanalistas com crianças, desde Melanie Klein e Anna Freud – que não recuaram diante do
tratamento de crianças e introduziram a brincadeira nas sessões analíticas –, passando por M.
Mannoni, D. Winnicott, F. Dolto até J. Lacan e seus comentadores. Estes últimos se
constituem como nossa principal referência sobre o trabalho psicanalítico com crianças.
Importante marcar que a literatura é vasta acerca do atendimento psicanalítico oferecido para
crianças em instituição psiquiátrica, porém, quando se trata de hospitais não psiquiátricos,
notamos uma escassez, conforme Stevens (1996).
Entendo que meu trabalho junto a estes “sujeitos ditos crianças” (RIBEIRO, 2012 p. 1)
e suas famílias, compreendia sustentar uma função que promovesse a clínica do sujeito do
inconsciente ($). Pois, para além das mazelas da realidade já apresentada, buscava me voltar à
lógica que considera a posição subjetiva, o mal-estar e o gozo dos sujeitos que podiam falar.
A partir da escuta clínica do $, como transmitir o saber não-todo, específico do discurso do
analista a uma equipe multidisciplinar, eminentemente movida pelo saber-todo da ciência?
No hospital, o discurso do analista, quando inserido, possibilita que, junto ao
aparecimento do $, encoberto pelo excesso de saber dos demais discursos que ali circulam,
algo da verdade inconsciente apareça. Porém, um impasse se coloca: como transmitir isso a
uma equipe movida por outra lógica? Como transmitir que o saber da ciência falha quando o
sujeito do inconsciente aparece, trazendo consigo o sintoma que aponta para o real?
O discurso da psicanálise busca se inserir na instituição interessado em favorecer a
implicação do sujeito com seu sintoma, considerando que este tem participação na criação e
na manutenção do próprio sofrimento. Em concordância com a proposta de Espinoza e Besset
13
O Hospital é um anexo da pediatria do HOL, que além de atendimentos emergenciais, interna os pacientes. Em
agosto de 2013, recebeu o nome de Unidade de Atendimento Imediato Pediátrica (UAI-Pediátrica),
constituindo-se como uma clínica dentro do hospital, tal como as demais.
18
(2009), apostamos que é possível construir, com cada paciente que fala, um saber sobre o que
lhe causa.
Para tal, é preciso que se produza uma mudança de posição subjetiva que traga para
o centro o sintoma como algo a partir do qual um saber se advinha. Essa perspectiva
em relação ao sintoma marca uma das especificidades em relação à psicanálise na
abordagem do mal-estar, pois vai na contramão do apagamento da divisão subjetiva.
(ESPINOZA; BESSET, 2009, p. 161).
Podemos entender com Freud (1930/2010) que, quando a decrepitude do corpo se
coloca como angustia real, o mal-estar em questão escapa à abordagem objetiva (ao
protocolo), exigindo escuta de um sujeito em sofrimento. Neste momento a angústia toma
conta da equipe, que comumente chama a Psicologia. Do ponto de vista psicanalítico, uma
diferença se coloca em relação a esse chamado, que já aponta uma especificidade do trabalho
do psicanalista na instituição: acolher a demanda da equipe e a do paciente. Sobre isso,
autores como Moretto (2001, 2006), Moura (2002) e Zygouris (2010) estão de acordo.
Na instituição, notamos de imediato uma drástica diferença com relação à clássica
demanda de análise, visto que nesta última é o paciente quem busca um analista. No hospital,
diferentemente, algumas pessoas se encontram sedentas por falar do seu problema, da sua
doença, a fim de que alguém os resolva, mas não buscam necessariamente fazer uma análise,
pois sua transferência é com o saber médico que, como dito acima, escuta o sintoma para lhe
dar um nome de doença e oferecer-lhe solução. Essa discussão se torna importante, pois a
práxis do analista no hospital não objetiva uma psicanálise/final de análise, inclusive porque
não é isso que os doentes demandam, conforme demonstraram Alberti (2008), Moretto (2001,
2006) e Moura e Souza (2007). Se não é para oferecer análise, o que faz um analista no
hospital?
Na medida em que não constatamos demanda de análise, este outro pedido de apoio,
direcionado ao psicólogo, pode ser acolhido por um psicanalista que, em contrapartida,
oferecerá sua escuta. Com Zygouris (2010), observamos que
[...] cada vez mais os médicos têm encaminhado esses doentes ao analista – a um psi
como se diz atualmente. Ainda que, de início, não haja nenhuma demanda de
análise, é frequente desembocarmos rapidamente em problemas anteriores ao
surgimento da doença. Há, sim, uma demanda cada vez maior de “um lugar onde se
possa falar”. (ZYGOURIS, 2010, p. 7).
Isto nos leva a considerar com Lacan (1958a/1998) que a oferta desse lugar onde o
sujeito possa falar e se manifestar, promovida pelo discurso do analista, funda a demanda em
19
relação à psicanálise. Esta pode vir do lado do paciente e também do lado da equipe, pois a
instituição tem suas demandas, que parecem atravessar a relação do paciente com o analista,
do analista com a equipe e da equipe com o paciente, conforme veremos no caso clínico que
apresentaremos. São demandas que devem receber tratamento analítico, levando em conta que
o analista faz parte da equipe. Como lembra Moretto (2006, p. 10), aquilo “[...] que ocorre
com a equipe é elemento constitutivo dessa experiência, e o que ocorre na clínica com o
analista tem consequências na relação do paciente com a equipe, e desta com o analista”.
Logo, se há o discurso de alguns sujeitos, o analista exerce sua função de escuta.
Porém, essa função do analista na instituição, segundo Moretto (2006), se especifica pela
atuação na “vertente clínica”14 com o paciente, e na “vertente institucional” com a equipe,
pois
[...] quando tratamos das duas vertentes, estamos tratando de dois lados de uma
mesma “moeda”. Aqui, nossa “moeda” é o nosso trabalho, que, de “cara”, não se
realiza sem que o analista faça um trabalho de inserção na equipe, e também jamais
se “coroa” fora da clínica da subjetividade. Mas assim como “cara” e “coroa” não se
desvinculam para dar existência à “moeda”, nada nos impede de analisar as nuances
específicas de cada uma delas (MORETTO, 2006, p. 18).
Sendo assim, responder a partir de um mesmo lugar para demandas diferentes, como
faz o serviço de psicologia na situação de óbito, promove a manutenção desses lugares fixos:
“apoio”. A instituição, ao considerar que todo doente sofre do câncer, e por isso precisa de
apoio, também fixa o paciente nesse lugar de “paciente oncológico”, excluindo todo o resto de
possibilidades que esse sujeito escamoteado pode ser.
Diante do exposto, como o discurso psicanalítico pode operar nesta instituição a fim
de viabilizar uma construção subjetiva na qual o desejo de cada sujeito/paciente apareça e seja
considerado?
Nesse cenário de doença, onde os diversos saberes (da medicina, enfermagem,
psicologia, fisioterapia, etc.) buscam seu espaço de atuação sobre o corpo do doente, a
psicanálise opera de maneira a considerar que, mais aquém da doença, há um sujeito, único,
que pode ter algo a dizer sobre seu corpo. Diferente dos demais saberes que estão
paramentados pela ciência para certificar o que se passa com os doentes, a psicanálise aposta
que há um saber do lado do sujeito. Assim, o analista é aquele que, na instituição, sustenta um
não saber sobre esse “doente”, saindo em busca do sujeito ao oferecer escuta ao paciente.
14
Moretto (2006) propõe duas vertentes para o trabalho do psicanalista no hospital: “vertente clínica” e “vertente
institucional”. Tomaremos emprestadas estas nomenclaturas para delimitar os eixos de trabalho do psicanalista
na instituição.
20
No caso clínico-institucional que apresentaremos, o paciente, uma criança de 3 anos,
foi abordado inicialmente no leito, na ocasião de uma internação, e se enlaçou num processo
analítico que se estendeu por cerca de dois anos, até o término de seu tratamento médico. No
“caso” em questão, não houve chamado inicial da equipe para atendimento psicológico da
criança, nem de seus acompanhantes. No decorrer dos atendimentos psicológicos, foi
surgindo o interesse da equipe pelo “caso” da criança que começou a manifestar “sintomas
estranhos” e pelo fazer da psicóloga junto à criança e aos seus sintomas. Ou seja, primeiro um
trabalho clínico com um sujeito foi iniciado e depois as demandas foram se articulando, em
um só depois da transferência estabelecida com o discurso do analista.
O DA é a forma de laço social específico da psicanálise. Já a transferência, enquanto
relação que liga afetivamente as pessoas, não se restringe à prática analítica, sendo encontrada
em outras clínicas, dentro e fora do hospital. A transferência faz função fundamental num
tratamento psicanalítico ao sustentar o laço entre o sujeito (paciente) e um objeto que falta
(analista), pela impossibilidade deste último corresponder exatamente desde onde é
demandado pelo sujeito. Sendo assim, a relação transferencial se constitui em uma estrutura
preliminar para que uma análise se inicie (FREUD, 1913/2010).
Apostamos com Espinoza e Besset (2009) que o encontro do DA com o amor de
transferência, se constitui como uma via de possibilidade para a articulação do campo do
sujeito com o campo do Outro, constituindo um laço social que permita ao sujeito a
construção de novas saídas para lidar com o mal-estar, para além da repetição, para que se
implique com o sintoma do qual fala.
O discurso do analista e a transferência foram os pilares para desenvolver o objetivo
fundamental dessa dissertação que propõe uma articulação entre os dois conceitos a partir de
um fragmento do caso da criança tratada no HOL, onde atuei como “a psicóloga da pediatria”,
junto a uma equipe multiprofissional.
Tivemos como objetivo sistematizar, a partir desse contexto, o modo pelo qual o DA
se insere no âmbito hospitalar, sem perder seus princípios e rigor ético. O caso foi escolhido
por suscitar questões na equipe referentes à transferência, esta que, quando se estabeleceu na
relação com a analista, viabilizou o aparecimento do sintoma subjetivo, passando a ter na
repetição15 uma via de manifestação.
15
Freud (1914/2010) coloca a repetição em conflito com a recordação, apontando para um acontecimento não
elaborado do passado do paciente, o qual reproduz como ação sem saber do que se trata, mas que pode ter
relação com componentes recalcados. Destaca que quanto maior a resistência, maior a atuação, ou seja, a
repetição age em substituição ao recordar. A repetição enquanto resistência vai influenciar a transferência, pois
quanto mais hostil se torna a transferência, menos se recorda e mais se repete. A repetição é determinada pela
21
Assim, a posição clínica, política e ética, desde onde sustento as articulações desta
dissertação, se apoiou na oferta de uma escuta que foi a condição da fala de um paciente que
articulou seus próprios significantes, ao falar de si, se constituiu enquanto sujeito dividido,
desencadeando, na equipe que o atendia, curiosidade e espanto sobre o particular que emergiu
no todo institucional. Por isso, apostei na possibilidade de tirar consequências dessa
experiência, visto que ela pode trazer contribuições para a psicanálise e para a ciência que a
medicina encarna.
Em A ciência e a verdade, Lacan (1965/1998) situa a psicanálise no campo das
ciências e define seu sujeito como o mesmo desta última, porém, subvertido, ao avesso,
dividido. Delineia uma estrutura em “estado de fenda”, divisão em torno da qual a práxis
analítica incide. Essa divisão foi acentuada por Freud (1933[1932]/1996, p.96) com o “Wo Es
war, soll Ich werden”, que Lacan traduziu como “lá onde isso estava, lá como sujeito, devo
[eu] advir” (LACAN, 1965/1998, p. 878).
De acordo com Lacan (1965/1998), a psicanálise se sustenta nessa fenda que divide o
saber e a verdade. Esse laço é diferente porque o lugar do S1 no DA está do lado do outro que
é o $, embora, abaixo da barra que representa o recalque que divide esse sujeito – o qual, com
Lacan (1969-1970/1992), passamos a chamar de sujeito dividido –, pela impossibilidade
estrutural da linguagem em recobrir o real e o gozo.
Deste modo, recortaremos como objeto primordial dessa dissertação, no a posteriori
de uma experiência, o momento da fenda que se colocou na instituição hospitalar,
evidenciando o sujeito dividido que repetiu seu sintoma-letra de gozo e provocou efeitos
dessa divisão numa equipe multiprofissional.
Isto posto, neste momento que antecede a abertura do primeiro capítulo, escolhemos
ainda situar o leitor sobre a especificidade da pesquisa psicanalítica. Apontamos que “um dos
méritos que a psicanálise reivindica para si é o fato de nela coincidirem pesquisa e
tratamento” (FREUD, 1912b/2010, p. 153). Destacamos que a escrita desta dissertação se
situa num tempo de elaboração teórica, após um acontecimento passado, conforme
recomendação freudiana de que a escrita e a análise teórica do caso sejam realizadas após a
finalização do tratamento16 (FREUD, 1912b/2010).
resistência e se constitui em uma força que se atualiza, diferente da recordação que marca um acontecimento
pontual do passado. Estas noções terão grande importância na clínica psicanalítica, especialmente pelo
tratamento que Freud (1914/2010) disponibilizará a essa neurose de transferência, no sentido de acompanhar o
paciente na superação das resistências e na elaboração da lembrança, via linguagem, simbolicamente.
16
Dei o caso por encerrado por dois motivos: pela finalização do tratamento hospitalar da criança que o
impossibilitou de continuar frequentando suas sessões ambulatoriais, visto que retornou para sua cidade no
interior do Pará; e pelo término do meu contrato temporário como psicóloga do HOL.
22
Se Freud coloca que o inconsciente é atemporal, isto significa que a pulsão que
articula representações não sofre a ação do tempo, ou seja, o inconsciente, diz Freud
(1915a/1996), tem um tempo que corresponde à retroação, um a posteriori. A retroação é um
primeiro acontecimento que tem seu sentido velado num tempo posterior, que se mascara num
segundo acontecimento. Trata-se, portanto, de um tempo que Lacan (1945/1998) chamará de
lógico.
O tempo lógico, de acordo com Porge (1998), se relaciona à experiência subjetiva,
evidenciando a lógica e o tempo, não somente a lógica do tempo, visto que “não se trata de
situar os acontecimentos lógicos em função do tempo [...], mas de tomar o tempo como
acontecimento lógico [...] que engendra uma certeza (PORGE, 1998, p. 78). Segundo Porge
(1998), essa certeza possui um valor de verdade que depende de hiâncias temporais.
A escuta analítica diferencia-se de qualquer outra pela abertura e sustentação da
subjetividade, possibilitando ao sujeito uma implicação com o seu discurso. Deste modo, o
analista não deve fazer interpretações precipitadas, pois é o sujeito que dá sentido às suas
experiências, ao seu próprio tempo. A partir de aberturas temporais próprias do $, Lacan
(1945/1998) apresenta três tipos de hiâncias do tempo: “o instante de olhar”, que favorece a
implicação do sujeito com seu sintoma, apontando o instante em que o sujeito se depara com
o real; “o tempo para compreender”, que sinaliza um sujeito no registro imaginário, se
espelhando no outro, se alienando e se identificando com o significante do Outro; e, por fim,
“o momento de concluir”, que é a manifestação em ato do juízo de uma asserção de si,
provocando uma separação de sujeito, diante da impossibilidade de resposta no Outro.
Sendo assim, este trabalho foi estruturado dentro da temporalidade lógica própria da
psicanálise, que tomamos emprestada de Lacan (1945/1998). A referida temporalidade se
sustenta nestas três dimensões:
1. O instante de olhar
No capítulo I, veremos o caso clínico-institucional, a partir do qual a relação
transferencial com o paciente dará sustentação a tudo que será dito acerca do DA, o qual se
articula ao trabalho em equipe multiprofissional. Discorreremos sobre o fragmento do
tratamento psicanalítico oferecido a uma criança de três anos no âmbito institucional, bem
como o trabalho desenvolvido junto à equipe que quis saber sobre a subjetividade desse
paciente.
2. O tempo para compreender
Os capítulos II e III trarão articulações sobre a transferência e os discursos,
respectivamente, tomando como pano de fundo o contexto hospitalar com suas diversas
23
demandas, discursos e abordagens clínicas dos pacientes, assim como o que aí se especifica
quando se trata da psicanálise.
3. O momento de concluir
Por fim, no capítulo IV, engendra-se uma tentativa de formalização da referida
situação clínico-institucional, destacando especificidades da práxis psicanalítica na
instituição, ancorada no que Lacan propõe como o discurso do analista, fio condutor deste
trabalho que sustenta uma clínica onde são priorizados a palavra do sujeito e o sintoma que
aponta o real.
Apostando que esta produção, embora se reporte a uma única experiência, traga
contribuições para a psicanálise. Ao lançar-se num diálogo com outros saberes e sustentandose em uma ética da práxis, esperamos que o alcance deste material estenda-se para além dos
psicanalistas e psicólogos, para, assim, também atingir, em seus saberes e em seus diversos
ofícios, os demais profissionais que trabalham em instituições de saúde.
24
O INSTANTE DE OLHAR
“Nalgum lugar em que eu nunca estive, alegremente além
De qualquer experiência, teus olhos têm o seu silêncio:
No teu gesto mais frágil há coisas que me encerram,
Ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto
Teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
Embora eu tenha me fechado como dedos, nalgum lugar...”
(E.E. Cummings – tradução de Augusto de Campos)
25
1 SITUAÇÃO CLÍNICO-INSTITUCIONAL
“Quem desejar aprender nos livros o nobre jogo do xadrez
logo descobrirá que somente as aberturas e os finais permitem
uma descrição sistemática exaustiva, enquanto a infinita
variedade de movimentos após a abertura desafia uma tal
descrição. Apenas o estudo diligente de partidas dos mestres
pode preencher a lacuna na instrução. As regras que podemos
oferecer para o exercício do tratamento psicanalítico estão
sujeitas a limitações parecidas”
Sigmund Freud, 1913/2010
É de O inicio do tratamento que emprestamos a abertura para este primeiro capítulo,
por ilustrar a sutileza do fazer do analista, que se ocupa do particular, visto que cada paciente
é único, o que impossibilita a generalização e utilização de procedimentos universalizados.
Possibilitar a evidência do sujeito nos remete ao discurso específico da psicanálise, pois é
nesse laço que se define a função do psicanalista frente a um sujeito e que se diferencia o DA
dos outros discursos. Nessa direção nos deparamos com diversos impasses, sendo um deles a
vastidão das “constelações psíquicas” apontadas por Freud (1913/2010, p. 164). Percebemos
que, no âmbito do hospital, estas não se deixaram descrever totalmente, na medida em que, de
cada sujeito, emergem demandas distintas que exigem o constante posicionamento da equipe
que os assiste.
No contexto desta dissertação não pretendemos a descrição completa do caso em
questão, mas apontar o que se pinçou de uma situação transferencial vivenciada dentro de um
hospital e tirar consequências analíticas dela. Apostamos que tais consequências podem nos
ensinar algo novo e original acerca do DA na instituição, quando enlaçado aos demais pela
via do amor transferencial.
Apostando na via transferencial como liame, consideramos que a escuta sustentada
pela transferência é a condição da psicanálise, independente de onde ocorra, desde que possa
ser manejada por um analista (MORETTO, 2006). Seguindo esse raciocínio, iniciaremos pelo
que é mais caro a nós analistas: o material clínico, que, nesta dissertação, foi constituído como
caso clínico-institucional por envolver, além de um sujeito (paciente) e seus familiares, os
membros da equipe multiprofissional subordinados ao Outro institucional.
26
1.1 CASO ANDRÉ17
“... Repetindo, repetindo, repetindo
Como num disco riscado
O velho texto batido
Dos amantes mal-amados
Dos amores mal-vividos
E o terror de ser deixado
Cutucando, relembrando, reabrindo
A mesma velha ferida
E é pra não ter recaída
Que não me deixo esquecer...”
Jean e Paulo Garfunkel, 2003
Temos muito a aprender com os poetas, que se adiantam a nós psicanalistas, bem
como com o paciente. Ambos possuem um saber que é específico a sua dor, ao seu mal-estar e
ao seu sintoma. Assim, na posição de escuta, apresento o caso de um sujeito o qual pude
acompanhar por aproximadamente dois anos e que forneceu o material clínico do tratamento
que suscitou esta dissertação sobre psicanálise no hospital.
A partir da ótica engendrada pelo processo transferencial, apresento o pequeno André,
que tinha três anos quando o encontrei pela primeira vez. Essa primeira abordagem se deu
espontaneamente, pois, sem nenhuma solicitação para atendimento psicológico, fui conhecer a
criança que havia chegado ao hospital “passando mal”. Encontrei André, que frequentava o
HOL desde os dois anos de idade por conta do seu tratamento contra um câncer, Leucemia
Linfoblástica Aguda (LLA)18. Nesta ocasião, devido a intercorrências no tratamento19, ficou
internado por algumas semanas, nas quais foi atendido diariamente por mim – exceto nos
finais de semana (sábado e domingo). Seus acompanhantes eventualmente eram escutados e,
ao falarem da criança, trouxeram também algo de si.
No primeiro contato, André havia chegado ao hospital para atendimento de
emergência acompanhado pelos avós paternos, que o criavam, segundo eles, pela falta de
recursos financeiros dos genitores do menino que, quando “bom” – fisicamente saudável –,
17
Codinome escolhido por mim para preservar a identidade do paciente.
Segundo a Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia, a LLA resulta em de um dano genético adquirido
(não herdado) no DNA de um grupo de células na medula óssea, fazendo com que as células doentes
substituam a medula óssea normal. Os efeitos são o crescimento incontrolável e o acúmulo das células
chamadas de “linfoblastos”, que perdem a capacidade de funcionar como células sanguíneas normais, havendo
um bloqueio da produção normal de células na medula óssea. Como consequência, há uma diminuição na
produção de glóbulos vermelhos, plaquetas e glóbulos brancos na medula óssea (ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA
DE
LINFOMA
E
LEUCEMIA,
ano).
Disponível
em:
<http://www.abrale.org.br/doencas/leucemia/lla.php>. [2000-2012] Acesso em: 04/03/2012.
19
Comumente as crianças apresentam efeitos colaterais da quimioterapia, manifestações sintomáticas da doença,
como febre, mucosite e estão sujeitas a outros agravos devido à queda da defesa imunológica.
18
27
era utilizado como arma nas brigas conjugais. O avô contou que, assim que André ficou
doente, ficou aos cuidados dele (o avô) e da esposa (a avó). Isto se deu após uma das
separações conjugais dos genitores de André.
Na internação, André se apresentava como uma criança de poucos contatos com os
outros, e uma criança controladora, perspicaz, agressiva e imperativa com a pessoa de sua avó
(acompanhante). Durante as entrevistas preliminares, estabeleceu uma aproximação na qual a
analista foi posta no lugar daquela que deveria cumprir as suas ordens, caso contrário, ele
aumentava o tom de voz, chegando a gritar. Esta posição apareceu muito precocemente no
tratamento, visto que André estabeleceu um vínculo ambivalente20, passeando entre as
polaridades do amor-ódio, marcadas pelo paradoxo. De acordo com a leitura lacaniana, o que
Freud chamou de transferência negativa, pode ser entendida como transferência ambivalente,
pois, segundo Lacan (1964b/2008), este tipo de transferência não se identifica com o ódio,
mas aponta para coisas mascaradas, confusas e de difícil manejo, para as quais o termo
ambivalência é mais adequado.
Assim, André se posicionava de forma ambígua diante da psicóloga, ora sorria
demasiadamente ao contemplar uma brincadeira que o agradava, ora ameaçava chorar,
gritando quando algo na sessão o frustrava. Para Lacan (1956-1957/1995), a frustração da
satisfação de uma necessidade, juntamente com a privação e a castração, sinaliza os três
tempos lógicos do Édipo. Cada um desses tempos aponta para específicas relações do sujeito
com o objeto.
A frustração se liga à demanda de uma satisfação de necessidade, e para que possamos
tocar nessa questão, precisaremos introduzir a mãe enquanto Outro primordial, ou seja:
“Outro provedor, o Outro que traz o objeto que satisfaz a necessidade” (QUINET, 2011, p.
88). Esse Outro provedor é aquele que dá significação de um pedido ao grito do ser vivente,
transformando o grito em demanda, como aponta Quinet (2011):
Na situação da experiência de satisfação, o grito do bebê é interpretado pelo Outro
como uma demanda de satisfação: a mãe o escuta como uma demanda dirigida a ela,
para efetivar o que Freud designa no “Projeto” como a “ação específica”: trazer o
objeto de satisfação. Temos aí, nesse exemplo paradigmático da experiência de
satisfação, o binômio proposto por Lacan de demanda e desejo. A demanda está
nesse apelo (grito interpretado como dirigido ao outro da assistência) que o sujeito
faz em busca de um complemento que é o objeto que pode satisfazê-lo. E nessa
demanda se desenrola o desejo. Na demanda há sempre pedido de restituição de um
status quo ante, de um estado anterior de complementação que o sujeito supõe
20
A ambivalência está relacionada a “representações de pessoas que o sujeito odeia, teme ou ama ao mesmo
tempo, em particular quando intervém a sexualidade, que comporta um poderoso fator positivo e um fator
negativo não menos poderoso” (KAUFMANN, 1996, p. 25).
28
existir ou ter existido. E o desejo? O desejo é justamente a busca, a procura daquele
objeto suposto da primeira experiência de satisfação, que nunca existiu mas é um
postulado necessário a Freud para constituir o objeto como faltante e sua
consequente busca da parte do sujeito. O desejo é a busca do objeto perdido, a
demanda é o pedido de satisfação do status quo ante. (QUINET, 2011, p. 88, grifo
do autor).
Lacan (1964b/2008) apontou ser o Outro o reservatório dos significantes. Para que o
ser vivente adentre no mundo da linguagem e se torne um ser falante, é necessário se
constituir enquanto sujeito. O “sujeito assujeitado à fala, o sujeito do inconsciente, nasce no
campo do Outro” (COSTA, 2007, p. 62). De acordo com Costa (2007), Lacan utilizará a
palavra valise parlêtre (fala-ser), para dizer que a única coisa própria dos humanos é a fala,
por isso a formulação lacaniana do sujeito do significante implica pensar o sujeito pela sua
relação com a fala e com o Outro. Se a linguagem é soberana e preexiste ao sujeito, o grito é
uma descarga de resposta do Outro que transforma o grito em apelo, em demanda.
Deste modo, na relação com André, passamos a tatear os lugares de onde vinham seus
pedidos para, assim, tentar localizar sua demanda. Percebemos que, a partir de determinado
tempo, ele as dirigia não somente para sua avó, mas também passou a atuá-las na relação com
a psicóloga. Mais adiante, retomaremos a problemática da demanda. A princípio,
destacaremos na demanda o apelo de André dirigido ao Outro. Este é o laço que o ligou à
analista, laço que é a transferência, enquanto SsS, e que apresentaremos no segundo capítulo,
no qual tratamos não somente de um conceito, mas daquilo que faz função estrutural no
trabalho psicanalítico: a relação transferencial.
Freud (1925/2011) apontou a transferência como um fenômeno universal que
influencia a cena médica e que, além disso, se estende às relações de cada pessoa com seu
ambiente humano. Sendo um fenômeno universal inerente às relações das pessoas, foi
descoberto e isolado pela análise por se colocar como uma condição de possibilidade para que
a análise se inicie, visto que uma análise sem transferência é impossível.
Neste caso, a transferência se instituiu não sem a resistência que endereçou à analista,
via afetos amor-ódio, a despeito de a criança estar em tratamento de doença grave no hospital.
Pela frustração posta em cena, intuí que ali parecia haver uma demanda por algo. Com sua
pouca idade cronológica, André desorganizava o mundo na brincadeira ao derrubar todos os
animais de sua fazenda, manifestando afetos da ordem da ansiedade e da angústia, como se
estivesse fazendo um apelo ao Outro, que, nesse contexto, ele localizava como a psicóloga,
demandando dela que o ajudasse a “arrumar” sua fazenda e a “cuidar do bichinho dodói”.
29
A princípio, essa demanda do sujeito se estabeleceu em direção ao Outro da
assistência, encarnada na pessoa da psicóloga. A partir do momento que foi possível a André
destacar de uma equipe multiprofissional a pessoa que se apresentava como psicóloga – por
mais que se tratasse de uma demanda de cuidado remetida ao cuidado médico –, indaguei-lhe
a respeito do que sofria “o bichinho”. Mas ele não dizia nada, emudecia. Porém, deixava seus
significantes, com os quais apostamos haver algo mais a ser articulado, pois assim é um $:
aparece para desaparecer.
Como já foi colocado, a psicanálise funciona no caso a caso. Um analista deve estar
advertido pela sua análise pessoal de que não porta o objeto que a demanda do outro anseia,
esta falta na posição do analista é estrutural. Consequentemente, ao invés de objetos,
disponibiliza-se enquanto uma presença que escuta, mas que se cala enquanto sujeito,
ocupando a posição de objeto causa de desejo, denominado por Lacan (1964b/2008) de
objeto a, que é o objeto da falta. Esta posição do analista tende a frustrar o paciente que
demanda algo da ordem da resposta. Aí está um impasse inicial, visto que o término de toda
sessão desencadeava um conflito no paciente em relação à psicóloga, que não respondia suas
demandas, chamado a atenção dos parentes de André e dos membros da equipe, estes que, de
fora da relação analisante-analista, interpretavam os gritos a partir de seus próprios
referenciais e prescreviam o que entendiam ser o melhor – a fim de calar o grito –, sem antes
saber do que se tratava.
Nestes momentos preliminares, além de escutar os familiares acompanhantes,
utilizava-me de uma caixa lúdica que continha brinquedos diversos (lápis, papel, massinha) e
me dirigia ao leito de André, oferecendo-lhe uma possibilidade de expressão das coisas que
ele vivia. Assim segui acompanhando e escutando suas brincadeiras.
Considerando o que Lacan (1973 apud RIBEIRO, 2012) delimitou como o espaço da
errância do sujeito, que vai do nascimento até a morte – contrariando as noções
desenvolvimentista nas quais se baseavam antes de Lacan os analistas que atendiam crianças
–, apostei que André podia ser tratado como um sujeito, no sentido inconsciente do termo.
Encontrei no trabalho de Ribeiro (2012) a ancoragem para a noção desse “sujeito dito
criança” (RIBEIRO, 2012, p. 1), baseada na atemporalidade do inconsciente. Ribeiro (2012)
faz uma crítica aos significados historicamente instituídos para o significante “criança”, que
ganhou na cultura preconceitos ideológicos que o representam como: tolice, graciosidade,
desamparo, um objeto a ser cuidado, tratado, educado e corrigido. Por outro lado, a
psicanálise os vê como sujeitos, não objetos. Isto faz uma marca radical no laço estabelecido
30
entre André e a psicóloga, diferentemente do laço com os demais membros da equipe, que o
tomavam como objeto a ser cuidado. A psicóloga apostou que dali pudesse advir um $.
Com a psicóloga, André percebeu que era escutado e que o que dizia era importante, e
as ressonâncias desse dizer que ele supunha ser importante para alguém passaram a chegar à
equipe (muro de linguagem-espelho). A partir de alguns atendimentos, André passou a
esperar com ansiedade o momento de seu encontro com a psicóloga, demandando das técnicas
de enfermagem que a chamassem, pois estaria “demorando”. Ao usar este significante
“demorando”, André estaria referenciado em que tempo? Objetivamente, chegava à
instituição às 13:00h e costumava atendê-lo sempre que possível no mesmo horário, mas na
instituição nem sempre se consegue estar com os pacientes em intervalos de tempo
demarcados como no consultório. A avó de André referia que, desde que ele acordava pela
manhã, já passava a aguardar, questionando-a sobre o paradeiro da psicóloga que não ia logo
atendê-lo.
A partir da solicitação de minha presença, constatei as primeiras nuances que me
sinalizavam o estabelecimento da transferência. Porém, junto a ela, atravessamentos
institucionais enviesavam tal processo, no qual o tempo parecia ser um gerador de ansiedade
para André, mesmo que lhe fosse fornecido algum suporte simbólico – como, por exemplo, ao
dizer-lhe que na tarde seguinte retornaria ou, como foi feito no início, quando o deixava com
algum brinquedo emprestado, para recebê-lo num próximo encontro. Nesse instante emergiam
atos e palavras de agressividade e angústia, especialmente no momento da separação21
associada ao término das sessões. Como se vivesse um terror, o terror de ser deixado, como
na canção da epígrafe, a criança falava: “eu vou te matar”, “eu vou atirar em ti” e derrubava
todos os brinquedos da fazenda que havia organizado na brincadeira, pondo em ato e palavras
o seu ódio pelo suposto objeto que saía de cena. Frente a esses finais de sessões eu me
despedia e ratificava meu retorno, diante do que André baixava a cabeça e emudecia.
Nesse posicionamento repetitivo da criança, passo a detectar um endereçamento, uma
tentativa de posicionar a pessoa da analista em algum lugar de seus outros primordiais. É daí
que se estabelece, segundo Lacan (1960-1961/2010), uma demanda de amor representada pela
transferência, mas que vem acompanhada pela resistência, pois
[...] o que Freud nos indica, desde o primeiro tempo, é que a transferência é
essencialmente resistente, Übertragungswiderstand. A transferência é o meio pelo
qual se interrompe a comunicação do inconsciente, pelo qual o inconsciente torna a
21
Lacan (1964b/2008) introduz as operações de alienação e separação, respectivamente, como constituintes
lógicos do sujeito, porém enfatiza que na análise a separação vem em primeiro plano.
31
se fechar. Longe de ser a passagem de poderes ao inconsciente, a transferência é, ao
contrário, seu fechamento (LACAN, 1964b/2008, p. 129).
A partir disso, podemos articular que a análise é o manejo da transferência, já que esta
é tamponadora do inconsciente. O analista é aquele que sai do lugar em que é posto pelo
sujeito para manter a hiância aberta. Fazendo semblante, sem ocupar os lugares de onde a
criança me convocava, segui oferecendo escuta. Assim, com o desejo de analista, apostei
neste sujeito para que algo de seu desejo se apresentasse.
Num determinado atendimento, ainda na primeira internação, André referiu que não
queria mais usar os brinquedos da caixa lúdica da psicóloga, pois seu avô trouxera os seus
próprios brinquedos de sua casa. Mais ainda, ele havia pedido ao avô que comprasse um
cavalo novo que fosse “mulher” e com a “crina preta”, dizendo que aquele “cavalo mulher de
crina preta” era a psicóloga.
Passamos a notar uma postura do sujeito para com a analista diferente da adotada para
com os demais membros da equipe, com os quais a criança não fazia questão de falar. Por
outro lado, a fala da maioria dos membros da equipe também não se dirigia à criança, mas aos
seus cuidadores. Soma-se aí também o medo por parte do paciente dos procedimentos
invasivos e dolorosos realizados no hospital, em especial a punção venosa, visto que a maioria
dos medicamentos se dava de forma intravenosa. Curiosamente, o termo punção se confunde
na sonoridade com o termo psicanalítico pulsão, provocando o equívoco da homofonia.
Lacan (1973/2003), no texto denominado O aturdito, toma o equívoco como
interpretação, utilizando-se da polissemia, pois a pluralidade dos sentidos abre possibilidades
de escolha do analisante, evitando a sugestão do analista. Lacan (1973/2003) aponta que o
equívoco é apofânico da interpretação, na medida em que faz passar à asserção. A homofonia
é tomada como um tipo de equívoco, juntamente como o equívoco da gramática e da lógica.
Desse modo, dizia muitas vezes o pequeno André: “eu não quero a punção, vai doer, tô
cansado de ser furado”.
Sim, parece que ele sofria de pulsão, na qual, como um disco riscado, estava cansado
de repetir uma trama ainda obscura para nosso entendimento objetivo, mas que dolorosamente
atingia sua carne a cada instante em que seu corpo era furado. A pulsão é relançada por Lacan
(1964b/2008) para além da inscrição simbólica, nas operações de alienação e separação, que
incluem as duas faces da pulsão que, de acordo com Barroso (2012), são: a simbólica, na
alienação, que é a face do valor de verdade e de gozo, que fala por meio da gramática; e a
real, na separação, que é a face silenciosa. Nessa lógica, Miller (2005 apud BARROSO, 2012)
ratifica que
32
[...] enquanto a dimensão simbólica da pulsão, representada pela intervenção da
demanda do Outro sobre o organismo do falasser, concerne à operação de alienação,
a dimensão real implica o mais-de-gozar e concerne à separação. A separação coloca
em jogo o organismo vivo, a libido, os objetos pulsionais. Cada um dos objetos
pulsionais é especificado por certa matéria na medida em que a esvazia. O objeto a,
na verdade, é, para Lacan, uma função lógica, uma consistência lógica que consegue
encarnar-se naquilo que cai do corpo sob a forma de diversos dejetos. É a
dessubstancialização do objeto que evidência a sua consistência lógica de vazio, de
cavo (MILLER, 2005 apud BARROSO, 2012, p. 4).
Esse cavo será articulado às zonas erógenas, ou seja, a todos os buracos do corpo do
ser vivente. Estes buracos, segundo Costa (2007), serão recortados pelo simbólico como zonas
erogeneisadas, transformando a voz e a língua em instrumentos de gozo. Assim, o gozo
mapeia o corpo, marcando-o e produzindo o que Lacan (1972-1973/2008) denominou de
lalíngua, esta que produz a linguagem, de onde advém um saber inconsciente, que é um saber
fazer com alíngua, esses restos depositados. E o que se sabe fazer com alíngua ultrapassa, em
muito, o que podemos dar conta a título de linguagem. Costa (2007) interpretará a alíngua
como a linguagem particular de cada ser falante.
Voltando ao caso, durante sucessivas internações – foram meses de sessões lúdicas no
leito –, André falava e associava através de suas brincadeiras. Trouxe com frequência os
significantes “mentira”, “matar”, “atirar”, “cortar”, “prender”, “amarrar”, “caçar”, “peidar” e
“cagar” no contexto das brincadeiras que, normalmente, envolviam seus animais de
brinquedo, especialmente os da fazenda: cavalos, corcéis, vacas, bois, etc. Porém, quando a
sessão chegava ao fim, apresentava-se agressivo, contraía-se fisicamente, fechava-se e parava
de falar. Essa situação se repetiu durante os atendimentos realizados em seu leito.
Nesse tempo, durante as primeiras internações e intercorrências do tratamento, eu tive
contato com a avó de André, principal cuidadora. Foi ela quem, por conta do tratamento, se
mudou com ele de sua cidade interiorana para Belém. Inicialmente, a avó mostrava-se
resistente em falar de André, discorria com objetiva superficialidade sobre a rotina de
medicações do tratamento médico, hesitando em sua fala em determinados momentos. A avó
assistiu alguns atendimentos no leito. Percebi que se mostrava incomodada com as
brincadeiras e falas da criança.
Certo dia, após um atendimento em que André agressivamente derruba, sorrindo,
alguns animais de brinquedo que havia separado de sua fazenda, diz: “esses não são da minha
fazenda! São teus! Esses são mentirosos!”. Ao responder minha pergunta sobre que mentira
que eles teriam contado, grita tais palavras: “ele não vai fazer o que disse, ele é mau, eu
sabia!”, apontando para alguns dos animais que estavam no seu leito. Após esta fala, olha
33
para a analista e sorri. Essa é uma atitude que costuma fazer com frequência. Penso que esse
ato porta a mensagem de que isso é só uma brincadeira, o grito é de brincadeira, e a
agressividade é de brincadeira. Passei a articular a cena da brincadeira com a representação da
fantasia inconsciente, que apontava para o terror em ser deixado pelo outro.
Com o passar das sessões, parece que isso vai se delimitando para o sujeito que, por
sua vez, mostra-se mais livre para se colocar com sua fala nessa relação de mentirinha, onde
pode falar qualquer coisa, besteirinhas, e assim revisita afetos passados não ligados a
palavras. Isto especifica a transferência eficaz de que se trata o ato da palavra, que Lacan
(1953-1954/2009) nomeou de transferência simbólica, por trazer para a cena da análise um
discurso histórico, no qual o paciente informa ao analista o vivido do seu passado.
Entre idas e vindas de internações, André seguiu em manutenção do tratamento contra
a leucemia e em análise comigo no ambulatório do hospital, aonde ia uma vez por semana.
Sua transferência assumiu uma dimensão simbólica, subsidiada por brincadeiras, que tomo
como um modo de associar livremente, como uma forma de repetir, recordar e elaborar
algumas situações traumáticas, sendo uma delas a separação da mãe – primeira situação que
manifestou na relação com a analista.
Constatei a ausência da mãe no hospital durante o tratamento e, em uma conversa com
a avó, esta expôs a dificuldade precoce do vínculo da mãe, Andrea22, com André. Segundo a
avó, Andrea era pouco disponível para a criança, o que envolvia necessidades básicas, como
alimentação e higiene. Em decorrência disto, Andrea entregou o filho aos cuidados dos avós,
embora convivesse na mesma casa e não trabalhasse fora.
Muito tempo depois, já no ambulatório, pude confirmar minha suspeita sobre o
incômodo da avó com o que se passava nos atendimentos da criança. A senhora me relatou
que ficava tensa com o que, nas brincadeiras, a criança expunha da família, pois notou que era
inevitável que André representasse o que vivia, especialmente o abandono da mãe. Este fato
deixava a avó bastante impotente, visto que André sempre solicitava a presença da mãe, mas
quem comparecia era a avó. Porém, ainda assim, nas palavras da avó, ele era “apaixonado e
obcecado” pela mãe. Frente a não resposta de Andrea, a avó notava a decepção de André,
assim como o ódio que ele direcionava à irmã caçula, aquela que, segundo a avó, recebia todo
o amor da mãe. André dizia-se ressentido com o fato de sua mãe só ficar com “a filha dela” –
esta, a quem ele chamava de filha de sua mãe, era a irmã de dois anos.
22
Andrea também é um nome fictício. Porém, vale indicar que, de fato, o menino havia recebido o mesmo nome
da mãe.
34
Assim, vários dos sintomas que a criança apresentava eram lidos pela avó como
relacionados à figura materna, discorrendo sobre episódios que pudessem ter desencadeadoos. Por exemplo, contou que certa vez a mãe foi viajar e disse a André que voltaria no mesmo
dia, mas ausentou-se por 20 dias, não deixando à criança qualquer explicação para essa
ausência. Muitos foram os episódios que a avó nomeava como “mentiras da mãe”.
Junto a esta problemática familiar vivida pela criança, questões sobre a doença,
vivências no cotidiano hospitalar e sintomas obsessivos foram aparecendo, a exemplo do
ritual de só entrar em algum lugar quando a porta é aberta e fechada por ele – se outra pessoa
abrisse a porta, ele precisava fechá-la para abri-la novamente. Observei esta situação numa
vinda ao ambulatório. Ainda nesta ocasião, André disse à avó que estava “guardando um
peido para a psicóloga”. Quando anunciei o término daquela sessão, André dispara: “eu
queria peidar pra você cheirar”, e sorri. Neste momento me vieram associações sobre um dos
principais efeitos da quimioterapia na criança que era a diarreia e a mucosite anal, ou seja, seu
anus ficava em carne viva, motivo pelo qual precisou ser internado muitas vezes. Diante
dessas manifestações no corpo, passei a esboçar a hipótese diagnóstica de uma organização
neurótica obsessiva, apoiada nesse gozo de fixação anal, por onde seguiu a direção do
tratamento. Como lembra Fingermann (2010),
[...] o corpo está no centro da questão da direção da cura; cabe ao psicanalista
explicar como um procedimento que utiliza fundamentalmente a fala pode ter acesso
e incidência sobre o real do corpo, como a psicanálise, “prática da tagarelice”, pode
se fazer valer como um tratamento do corpo (FINGERMANN, 2010, p. 64).
De acordo com Fingermann (2011), é um acontecimento no corpo – um sintoma –
inicialmente apresentado como queixa, que pode levar o paciente a querer entendê-lo,
produzindo questões sobre as causas desses eventos misteriosos do corpo falante, tal como
aconteceu com André.
Numa certa sessão, André começou a mutilar seus animais de brinquedo. Cortava
perna, braço, cabeça. Interroguei-o sobre o que se passava com os bichinhos, no que ele me
respondeu: “Eu tô tirando o câncer deles!”; associando em seguida: “assim, eles ficarão
bem”. Passou a repetir tal brincadeira em casa e no hospital, deixando assustados os seus
familiares e a equipe de saúde, que, intrigados, passaram a querer saber o que tal repetição
sintomática significaria, o que isso quereria dizer sobre a criança. À psicóloga, demandavam
saber sobre tal evento. Porém, devolvia-lhes a questão invertida, apontando para o que essa
criança teria a nos dizer com tal repetição, posicionando-a como a única detentora desse saber
35
e apontando para um lugar vazio. Nesta inversão, a questão retornou para a equipe em forma
de falta de saber sobre o sintoma, o que apontou para o real.
Nossa função de SsS parace ter se estendido à equipe, na qual nos inserimos a partir
do trabalho junto a um sujeito. Se o ponto em questão na psicanálise está na fronteira entre o
saber e a verdade, onde pode operar o discurso do analista, este não se presta a nomear,
diagnosticar ou dar explicações sobre o sintoma – como faz o saber da medicina –, mas a
evidenciar a falta que, consequentemente, enuncia o desejo que é a verdade do $. Na repetição
em transferência foi constatado o elo de conexão entre o sujeito e a equipe.
A repetição é aquilo que Freud (1920/2010) apontou estar para além do princípio do
prazer. Presente no jogo do fort-da e no sonho traumático, ela se trata do retorno insistente do
que causa o sofrimento do sujeito, no que este não o elaborou. Aí estaria o motivo pelo qual
restou a André a repetição que apareceu no brincar. Restou-lhe o excesso de gozo, que,
através do brincar, pôde ser esboçado em ato, e que, mediante a repetição, pôde, em parte, ser
extraído – bem como era extraída a comorbidade dos bichinhos. Assim, na compulsão a
repetir que é a pulsão de morte, ele perdeu parte do corpo, morrendo em parte, mas pôde,
paradoxalmente, viver enquanto sujeito dividido, para o qual o sintoma-letra de gozo apontou.
Esse sujeito de que falamos em psicanálise “não é uma realidade material e concreta,
mas um curso. Um desenvolvimento dialético. Um desdobramento da verdade. Um efeito do
progresso da cura. Nada mais. Nada menos” (CABAS, 2010, p. 138). Logo, este se constrói
ao dizer do seu sofrimento, ao significá-lo, desencadeando significantes, via associação.
Porém, além do dito que é explícito, interessa o não dito e também o interdito, este que aponta
para um sujeito dividido entre o Eu e o Outro. E entre ambos, a ponte possível de ligação e
decifração é a linguagem, fruto de alíngua. Assim, neste caso tão delicado, onde uma criança
pequena porta uma doença e um tratamento doloroso em sua experiência, foi possível tocar o
real pelo simbólico.
Tomando como norte o pressuposto lacaniano de que “o inconsciente é estruturado
como uma linguagem” (LACAN, 1964b/2008, p. 27), refletimos sobre a obrigação ética do
analista em apontar para o desejo, desejo que só aparece no discurso. Alguns sintomas que
André apresentava, efeitos da análise, apontavam não ser seus, pareciam responder a sintomas
dos outros23. Um tempo após sua entrada em análise24, quando passou a esboçar uma
23
Lacan (1969/2003, p. 373), em Nota sobre a criança, já havia apontado que “o sintoma da criança acha-se em
condição de responder ao que existe de sintomático na estrutura familiar”.
24
Ao entender que uma falta real de um objeto podia ser circunscrita simbolicamente com palavras, ou, em
outros termos, momento em que pôde confiar que eu não estava “mentindo” quando lhe dizia, no fim de uma
sessão, que voltaríamos a nos encontrar em outra para continuar brincando-falando.
36
simbolização do mal-estar que a separação lhe causava, sua avó-cuidadora desenvolveu uma
crise de fobia e entrou em depressão. Desde então, André começou a faltar às sessões no
ambulatório.
Entrei em contado com a avó, que me comunicou que seu “problema de depressão e
medo deu em Belém”. Contou que não consegue mais ficar na capital do Pará sozinha com o
neto, por isso voltou para sua cidade. Procurou um psiquiatra que diagnosticou depressão e
colocou, segundo ela, na conta de tudo que ela havia passado com André, no sentido da carga
de sofrimento e angústia que foi acompanhar um paciente oncológico. Como a avó já não
conseguia ir ao hospital para levar a criança, aproveitei para atendê-los na poltrona25 durante
as sessões de quimioterapia e na sala de espera do ambulatório médico, pois, devido a tais
circunstâncias, o tratamento médico foi priorizado. Assim, André passou a ir ao ambulatório
da psicologia apenas quando alguém podia levá-lo, pois a avó referiu que não tinha mais
condições físicas e emocionais de ir ao hospital.
Na ocasião de um raro contato que tive com o avô da criança, ele me contou que,
quando André tinha 2 anos, também entrou em depressão como a avó. Ficou profundamente
triste e parou de comer, quando, por conta do término do relacionamento com o pai de André,
a mãe levou-o embora da casa dos avós. O avô associou esse episódio e a depressão à causa
da leucemia, visto que, logo em seguida, André começou a apresentar sinais de febre que
desembocaram na descoberta da doença. Atribuía então à genitora o fato de ele ter adoecido,
dizendo: “se ela não tivesse levado ele da casa onde era acostumado, ele não estaria assim, a
culpa é da irresponsabilidade dela”. Sobre isso, tanto o avô quanto a avó paterna estavam de
acordo. Embora tais palavras tenham sido ditas pelo avô, a avó, ao lado, assentiu com a fala
do avô.
Um dia encontrei André com a mãe. Uma moça jovem e aparentemente muito
preocupada com a criança, especialmente com a assepsia, pois quando seus brinquedos caiam
no chão, esta rapidamente os pegava e, escondido da criança – mas dando a ver à analista –,
passava álcool em gel, para então devolvê-los ao menino. Ela me disse que André estava
“bem”, referindo-se ao fator físico, porém, questionou incomodada: “quando é que ele vai
parar de cortar seus brinquedos e dizer que tá tirando câncer?”. Escuto da mãe uma
demanda de que a criança também fique “bem” em seu aspecto psicológico – ou seja, ela quer
que pare de repetir estas manifestações sintomáticas. Aproveitei para ratificar em cima desse
sintoma a necessidade de André continuar falando disso com a psicóloga no ambulatório.
25
A poltrona de quimioterapia é um móvel utilizado no hospital oncológico, por ser um semi-leito confortável
onde as pessoas fazem as longas sessões de quimioterapia.
37
A avó chegou a marcar algumas sessões espaçadas, aproveitando os dias que a criança
vinha para a consulta médica, referindo entender que André também precisava de atendimento
psicológico, pois tinha umas “manias estranhas”. A avó referiu que, além de cortar parte do
corpo dos bichinhos, ele agora os amarrava, com fio, sacola plástica ou qualquer outro tipo de
material que tivesse em mãos. Numa sessão pude presenciar esse ritual. André fez um
amontoado unindo todos os seus brinquedos. Enquanto os amarrava, pedia mais fio e só parou
quando todas as pontas estavam presas com pequenos nós que fazia a cada volta. E assim,
amarrados, os levou para casa. Esse fato ficou como enigma, pois André não voltou ao
ambulatório. Cheguei a fazer alguns contatos telefônicos, mas, como a avó estava muito
“doente de depressão”26, o pai e o avô trabalhavam para prover a casa e a mãe estava gestante
do terceiro filho, André não tinha ninguém que o levasse para falar.
Sem mais recair na doença, André foi transferido para um ambulatório médico nãooncológico dentro do HOL denominado Afeto. Este ambulatório foi criado para acompanhar
as crianças curadas de câncer durante o tempo de cinco anos após o término do tratamento
oncológico. Em um de seus raros retornos ao Afeto, André pediu à avó que o levasse para
falar com a psicóloga.
Neste reencontro, após um longo tempo cronológico sem sessão (aproximadamente 5
meses), pediu ajuda para fazer uma árvore genealógica que havia aprendido na escola,
desenhou e pediu ajuda para escrever a posição de cada pessoa de sua família dentro de cada
símbolo de feminino e masculino. Apontou os lugares dos avós, dos seus genitores e o seu
próprio lugar. Inicialmente se colocou na filiação de seus genitores, em seguida pegou uma
tesoura, recortou do papel o fio que o ligava aos genitores e se enlaçou aos avós, conforme a
Figura 1, referente à foto tirada após a sessão.
26
Também ofereci à avóa possibilidade de ir ao ambulatório do hospital para falar-me sobre sua depressão, mas
nunca foi.
38
Figura 1 – Foto da árvore genealógica de André
Avô
Avó
André
Tio
Tio
Tia
Pai
Mãe (Andrea)
Lugar de onde
André se
destacou
Irmã
Irmão
André
Desenho recortado por André durante sua última sessão. Este material recebeu uma edição, na qual, com o
objetivo de preservar a identidade das pessoas envolvidas, os nomes originais das pessoas da família foram
apagados e substituídos pelos seus respectivos parentescos com André.
Na figura que fez, seu lugar é de filho dos avós. Sobre isso, conta que, com o
nascimento do segundo irmãozinho, quando os pais se mudaram da casa dos avós, ele, André,
quis permanecer lá. “Eles me pegaram para criar quando eu era um bebê, por isso eu sou
filho deles”, concluiu André nesta que foi a sua última sessão no hospital.
Na instituição, além da demanda do paciente, coabitam demandas outras, de muitos
outros da criança e também da equipe. Tais são muitas vezes diferentes e antagônicas,
constituindo-se como um impasse. Vejamos a posição da equipe diante desse caso.
1.2 INTERLOCUÇÕES COM A EQUIPE
A equipe da pediatria do HOL, eminentemente sensível e cuidadosa com as crianças
desse hospital, realiza sua função – cada um a partir de seu lugar profissional (enfermagem,
medicina, fisioterapia, assistência social, nutrição, psicologia, etc.) – de certa forma com
alguma identificação com esse trabalho caracterizado como “oncológico e pediátrico”. Por
39
outro lado, escuta-se, no geral, um sentimento de “pena” e “compaixão” por esses pequenos
tão “coitados”.
Desse modo, a equipe subentende que a doença em si – o câncer – já se coloca como o
maior dos sofrimentos de cada paciente, identificando-a ao significante “paciente
oncológico”, a quem, da boca dos profissionais, destinam-se palavras como “pena”,
“compaixão”, e a quem direcionam seu anseio por “ajudar”, “cuidar” e “fazer o bem”.
No caso de André, vimos que a equipe demanda da analista uma explicação e uma
conduta a respeito do sintoma que ele apresentava no momento, inclusive sobre o sintoma
transferencial que Freud denominou de neurose de transferência, ou seja o amor transferencial
de André devotado à psicóloga. Seguem algumas falas, endereçadas à psicóloga por membros
da equipe do Hospital Dia.
Falas das técnicas de enfermagem, em dias em que André estava internado:
“O André já perguntou „cadê a psicóloga‟”.
“Ele veio te procurar!”.
“Ele já te chamou hoje”.
A enfermeira-chefe, numa ocasião, mostrando-se curiosa em saber o que faz esta
psicóloga especificamente:
“Eu queria saber uma coisa assim. É que eu pensava que psicóloga apoiava os pais e
os doentes nos momentos difíceis, na hora de uma notícia, igual a psicóloga „X‟ com quem eu
trabalhei fazia. Ela dava um apoio pra família e falava com a criança quando não queriam
seguir o tratamento. Você, eu vejo brincando com elas. Pensei que brincar fosse coisa da
terapia ocupacional, aí eu fico confusa, afinal o que faz a psicologia?”.
No que eu respondi:
“Bom, existem vários jeitos de ser psicóloga. Eu trabalho com uma psicologia que
prioriza a fala dos sujeitos, mesmo que sejam crianças! A brincadeira é um recurso para que
elas se comuniquem comigo, pois na brincadeira as crianças encenam o que entendem das
coisas que acontecem com elas, é uma forma de conversar, de elas se expressarem e assim eu
tenho acesso aos seus sofrimentos”.
Numa outra situação, em dois momentos distintos, apareceu uma certa admiração da
médica pela relação estabelecida entre o paciente e a psicóloga. A primeira foi proferida pela
médica em um comentário de corredor, após André ter se consultado com ela. Na consulta,
segundo a médica, ele teria falado com muito entusiasmo sobre os atendimentos psicológicos,
levando-a a dizer-me:
“Você conquistou ele, ele é difícil de conquistar, não é qualquer um”.
40
A segunda foi proferida na ocasião de uma sessão com a criança, realizada durante
uma internação, no leito. A mesma médica parou na porta da enfermaria, ali ficou observando
o atendimento por um tempo e depois disse:
“Ele é o teu xodó”.
Ao dizer isso, se retirou.
Seguindo esta linha, em outra situação, a criança chorava no leito, motivo que levou a
fisioterapeuta que o atendia no momento a me chamar para dizer:
“Fique lá com ele um pouco para que eu atenda outras crianças, pois ele fica triste
só”.
Com exceção da enfermeira que se questionava e demandava um saber sobre a
psicologia, os demais membros da equipe demandavam da psicóloga um fazer a partir da
suposição de que esta saberia o que fazer com a angústia que supunham na criança. Isso nos
levou a tentar entender a diferença entre estas tantas demandas.
A impossibilidade existente entre o que se demanda e o que se pode dar é o tema da
transferência, a qual, a partir da teoria freudiana, foi revista por Lacan (1960-1961/2010)
como aquela que trata do amor. Passemos à transferência.
41
O TEMPO PARA COMPREENDER
“...Me abres sempre pétala por pétala como a primavera abre
(tocando sutilmente, misteriosamente) a sua primeira rosa
Ou se quiseres me ver fechado, eu e
Minha vida nos fecharemos belamente, de repente
Assim como o coração desta flor imagina
A neve cuidadosamente descendo em toda a parte;...”
(E.E. Cummings – tradução de Augusto de Campos)
42
2 O AMOR TRANSFERENCIAL COMO LAÇO
Este capítulo se propõe a discutir a questão da transferência na instituição. Para a
teoria psicanalítica, a transferência é fundamental. Considerando que tanto Freud quanto
Lacan fizeram constantes reformulações em suas obras, não pretendemos realizar uma
descrição histórica do conceito em questão, mas circunscrever uma noção sobre o fenômeno
da transferência e sua dinâmica para pensar o caso clínico-institucional, pois um conceito
nodal como a transferência aponta diretamente para o particular da experiência clínica
psicanalítica. Vejamos como estes dois autores e seus comentadores a circunscrevem e o que
nos foi possível articular a partir das demandas colhidas no caso clínico-institucional.
2.1 ARTICULAÇÕES FREUDIANAS
“Todos os sintomas do paciente abandonam seu significado
original e assumem um novo sentido que se refere à
transferência [...] Mas dominar essa neurose nova, artificial,
equivale a eliminar a doença inicialmente trazida ao
tratamento – equivale a realizar nossa tarefa terapêutica. Uma
pessoa que se tornou normal e livre da ação de impulsos
instintuais reprimidos em sua relação com o médico, assim
permanecerá em sua própria vida, após o médico haver-se
retirado dela”.
Sigmund Freud, 1917[1916-17]/1996
A inclinação de Freud sobre o caso de Anna O., após a descontinuidade do tratamento
conduzido até então por Breuer, levantou a questão sobre o que teria operado no mundo
mental da jovem que veio a se enamorar por seu analista. Este último, não sustentando os
afetos transferidos pela paciente, interrompeu o vínculo que os ligava, corte que produziu
sintomas associados àquela relação (BREUER; FREUD, 1893-1895/1996). Tal situação levou
Freud à análise do fenômeno da transferência e a levantar questões acerca da dinâmica desse
fenômeno na vida mental dos neuróticos, bem como sobre a sua capacidade de influenciar na
produção de novos sintomas. De acordo com Maurano (2006, p. 16), a “Überträgung, termo
alemão que além de transferência significa transmissão, contágio, tradução, versão, e até
audição, ganhará, enquanto conceito psicanalítico, o sentido de estabelecimento de um laço
afetivo intenso”.
Desde os primeiros contatos com André, pudemos perceber que ele estava disponível
para se enlaçar com a psicóloga que lhe ofereceu escuta no leito, a quem passou a demandar
43
sua presença e incluiu dentre os poucos outros que queria ter por perto, referindo que sentia
falta daquela pessoa que demorava a chegar, dando provas que ali existia algum afeto em
jogo.
Freud (1912a/2010) afirma que a transferência é uma repetição inconsciente de
protótipos infantis com deslocamento de afetos. Com Maurano (2006), podemos entendê-la
como uma presença do passado, mas uma presença em ato, na qual o inconsciente se
apresenta como uma atualização e não como um reservatório de passado.
Freud (1913/2010) acrescenta que a transferência tende a redirecionar os
investimentos libidinais, em parte insatisfeitos, para a pessoa do analista, incluindo-o em
“séries” que o paciente estabeleceu até então. Nesse fenômeno, Maurano (2006) comenta o
que seria essa inclusão em “séries”:
O analisando imputa ao seu analista certas posições correlativas àquelas nas quais se
encontram as figuras primordiais para ele desde o início de sua vida. Nessa
perspectiva, é preciso que apareça um traço pelo qual a pessoa do analista seja
identificada como uma pessoa do passado. Nela encontra-se coagulado àquilo que o
sujeito espera do Outro a quem ele se dirige. Isso aparece por uma experiência na
qual o sujeito comparece de forma mais próxima da verdade de seu desejo,
revelando sua forma de lidar com ele (MAURANO, 2006, p. 16).
Segundo Freud (1914/2010), a transferência aponta os afetos que não podem ser
recordados e elaborados e que, por isso, são repetidos em ato nas diversas relações da vida.
No caso de André, as relações que ele estabelecia com as pessoas se mostraram carregadas de
afetos ambivalentes, que ele repetia de forma sintomática especialmente na relação com a
analista. Suas repetições sinalizaram os possíveis lugares em que André se colocava e a partir
dos quais se relacionava com a analista. Segundo Freud (1915c/2010), o analista deve operar
justamente a partir dos representantes de pulsões inconscientes atualizados nas repetições.
Contudo, Freud (1915c/2010) observa que o amor de transferência deve ser tratado pelo
analista como
[...] algo irreal, como uma situação a ser atravessada na terapia e reconduzida as suas
origens inconscientes, e que deve ajudar a por na consciência, e portanto sob o
controle, o que há de mais escondido na vida amorosa do paciente. Quanto mais
dermos a impressão de ser à prova de toda tentação, mais seremos capazes de extrair
da situação o seu conteúdo analítico (FREUD, 1915c/2010, p. 220).
Visa-se, diz Freud (1915c/2010, p. 223), um “trabalho cuja meta é então revelar a
escolha infantil de objeto e as fantasias que em torno dela se tecem”. A transferência não é um
fenômeno que ocorre exclusivamente na análise, pois, como o próprio Freud (1915c/2010)
44
reconheceu, faz parte das relações humanas. Foi com o nascimento da psicanálise que ela
ganhou abrangência e muitas clínicas passaram a atentar para esse fenômeno, inclusive a
clínica médica. A diferença é que os psicanalistas a tomam como meio de operar, como
explica Maurano (2006):
É o manejo da transferência que distinguirá a posição do médico e do analista. O
médico vale-se da autoridade nele investida e vai na direção da supressão do
sintoma, desconsiderando as resistências que se colocam quanto a isso. Para ele, não
importa o que o sintoma representa ali, importa eliminá-lo, assim a transferência fica
intacta e não constitui objeto de tratamento (MAURANO, 2006, p. 19).
Pudemos analisar a partir do lugar que André colocou a analista, que se tratava de uma
demanda de um objeto de amor que o completasse, que talvez fosse um correlato fantasmático
da figura materna, de quem ele sem sucesso demandava amor, esperando desse Outro um
objeto para tamponar sua angústia. Porém, na não resposta, transformava os afetos em ódio
contra a irmã, um terceiro elemento que, na fantasia de André, era responsabilizado pelo não
desejo da mãe para com ele. Esses afetos de amor e ódio se fizeram presentes na relação
ambivalente que André estabeleceu inicialmente com a psicóloga.
Freud (1915c/2010) definiu duas modalidades de transferência: a positiva e a
negativa. A primeira é a atualização de afetos ternos e amorosos, enquanto a segunda referese a sentimentos coléricos e hostis. Ambas são remanescentes “de novas edições de velhos
traços” (FREUD, 1915c/2010, p. 223), repetindo, assim, reações infantis. Partindo do suposto
que não há paixão que não repita os modelos infantis, é nessas mesmas repetições que Freud
(1915c/2010) estabelece que o analista deva intervir. Deste modo, o tratamento segue na
direção de apontar que
Superamos a transferência mostrando ao paciente que seus sentimentos não se
originam da situação atual e não se aplicam à pessoa do médico, mas sim que eles
estão repetindo algo que lhe aconteceu anteriormente. Desse modo, obrigamo-lo a
transformar a repetição em lembrança. Por esse meio, a transferência que, amorosa
ou hostil, parecia de qualquer modo constituir a maior ameaça ao tratamento, tornase seu melhor instrumento, com cujo auxílio os mais secretos compartimentos
mentais podem ser abertos (FREUD, 1917[1916-17]/1996, p. 444-445).
O manejo da transferência é a chave que permitirá a abertura dos nós da resistência
frente ao inconsciente, tanto do lado do paciente que conflita contra sua dimensão
inconsciente, quanto do lado da ciência médica em relação à subjetividade na instituição.
Depois de Freud (1915c/2010), a transferência passa a ser um amor atualizado que
pode assumir um caráter compulsivo, tornando-se paixão, beirando o patológico.
45
Concordamos com a leitura de Maurano (2006) que afirma que a transferência tem a ver com
o amor, mais especificamente com a demanda de ser amado, e frente a esse apelo humano
afirma haver uma verdade que:
Como toda verdade, é só meia-verdade. Vê-la como parcial, isto é, conviver com a
falta estrutural que está no âmago das questões amorosas, parece ser a grande
dificuldade do homem contemporâneo, e a psicanálise foi inventada para tratar
disso: o chamado “mal de amor” (MAURANO, 2006, p. 8).
Levando em consideração que o fenômeno da transferência – apontado por Freud
(1912a/2010) – é o mote das relações humanas e tem em suas raízes o amor, em uma
instituição de saúde/hospitalar, onde pessoas se vinculam, seja com o trabalho, seja com
outros sujeitos, a experiência transferencial se constitui como personagem fundamental, tal
como no processo psicanalítico. Assim, esse laço de afeto chamado transferência, que funda
uma relação, seja ela colérica ou amorosa, tende a se estabelecer entre os membros de uma
equipe multiprofissional, na qual as pessoas convivem com outras. Isto posto, passaremos à
leitura lacaniana do fenômeno transferencial, que introduzirá, nessa relação, a questão do
saber.
2.2 ARTICULAÇÕES LACANIANAS
“[...] coisa que gostaria de dizer, que vamos encontrar a todo
instante e que nos servirá de guia, é que o amor é dar o que
não se tem”.
Jacques Lacan, 1960-1961/2010
Lacan (1964b/2008) se posiciona em relação à ideia da transferência como afeto, que
pode ser positiva ou negativa. A transferência positiva é o amor, porém Lacan (1964b/2008,
p. 123-124) adverte que se trata apenas de uma aproximação do amor, visto que se sustenta
em “uma espécie de falso amor, de sombra de amor”. Por outro lado, a transferência negativa,
segundo Lacan (1964b/2008), não se identifica com o ódio, mas aponta para coisas
mascaradas, confusas e de difícil manejo, para as quais o termo ambivalência é mais
adequado.
Esta compreensão inicial não basta para o entendimento do conceito de transferência.
Não é suficiente para entendermos o que suscitou em Lacan o desejo de analisar O banquete
de Platão, na aposta de compreender aquele amor de Alcibíades por Sócrates – o que,
46
posteriormente, nos fez querer saber o que se passou na relação de André com a analista.
Lacan (1960-1961/2010), ao se remeter ao segredo de Sócrates, determinando a posição de
um e de outro, do amante e do amado, faz uma articulação a qual em seguida retomaremos,
acerca da inserção e do lugar do analista no hospital, a partir da ideia de função de SsS.
Pensando que o analista faz função de SsS frente ao outro, a transferência também se
determina por essa via, “pela função que tem numa práxis. Este conceito dirige o modo de
tratar os pacientes. Inversamente, o modo de tratá-los comanda o conceito” (LACAN,
1964b/2008, p. 124). Em outras palavras, a idéia que se tem do conceito de transferência
influenciará a prática junto aos pacientes.
Logo na primeira aula de seu seminário sobre a transferência, Lacan (1960-1961/2010)
anuncia que é o segredo de Sócrates que sustentará sua fala sobre a transferência. O segredo
de Sócrates ao qual se refere aponta na direção de saber o que é o amor. Esta questão, ao invés
de mirar uma resposta, deseja buscar uma circunscrição que delimite – mesmo sabendo-se
limitado – este campo fundamental de trabalho da psicanálise que é o da transferência,
inclusive quando em uma instituição.
Ao escolher O banquete para tratar do amor na transferência, Lacan (1960-1961/2010)
não se atém aos desfiladeiros dos discursos, por mais que vá utilizá-los secundariamente. O
que prioritariamente faz questão para Lacan é a entrada inesperada de Alcibíades,
completamente embriagado – que aproveita seu momento de falar para declarar seu amor a
Sócrates – bem como a resposta de Sócrates a Alcibíades. Nesta cena, Sócrates é posto por
Alcibíades na posição daquele que possui um segredo.
Assim, Alcibíades, quebrando as regras propostas inicialmente pelos demais
participantes do banquete, propõe: “a partir de agora, não é mais ao amor que se vai fazer o
elogio, mas ao outro, e especificamente, cada um ao seu vizinho da direita” (LACAN, 19601961/2010, p. 175). A partir desta fala, Lacan (1960-1961/2010) apontará que é em ato que o
amor deve ser tratado, manifestado na relação entre um e outro.
Esse amor é entendido por Lacan (1960-1961/2010) como uma busca por algo que se
espera encontrar na pessoa amada, pelo objeto que se perdeu desde sempre, objeto que se
busca a vida inteira e que, portanto, é precioso. Esse objeto que o sujeito acredita ter
encontrado na pessoa amada é o agalma27. Sendo assim, o agalma, introduzido por Lacan
(1960-1961/2010) no estudo da transferência, diz respeito a um objeto que captura o sujeito,
27
Segundo Lacan (1960-1961/2010, p. 174, grifo do autor), “agalma significa, com efeito, à primeira vista,
ornamento, enfeite”.
47
deixando-o apaixonado. No entanto, isso que o outro tem não é o que o sujeito busca. Desta
forma, não pode haver sintonia no amor, que é, portanto, uma ilusão.
Por intermédio de O banquete, Lacan (1960-1961/2010) vai buscar no amor grego,
entre mestre e discípulo, as funções de Éroménos (pessoa amada, que tem alguma coisa) e de
Érastes (o amante, aquele que vai em busca daquilo que lhe falta). O amante ocupa a posição
de sujeito do desejo, pois deseja alcançar o objeto que lhe falta e que, por conseguinte, supõe
no amado. Do ponto de vista do amado, este se percebe desejado como objeto pelo outro, mas
não sabe por que suscitou o desejo do outro. Tanto do lado do amante quanto do lado do
amado circula um não-saber que aponta para uma falta. Esse furo no saber é a própria
manifestação da estrutura do inconsciente que prevalece nesta dialética.
A dialética do amante-amado propõe uma questão fundamental: haveria consonância
entre o que o amado tem a oferecer e a falta do amante? Infelizmente, a experiência
psicanalítica ratifica que não há este tipo de afinidade entre a falta e qualquer que seja o
objeto. Lacan (1960-1961/2010) delimita que não há conjunção entre desejo e objeto. Nessa
dialética de incompatibilidade entre o sujeito do desejo e o objeto desejado, resta o amor
como uma resposta possível. Articulado a partir da fissura de não conexão entre o desejo e o
objeto, o amor vem como uma significação para esse buraco que, nas palavras de Lacan
(1960-1961/2010, p. 46), se coloca como: “dar o que não se tem”.
Esse estado de significação do amor carece de uma travessia metafórica que, sob um
trilho específico, leve ao reconhecimento da falta de um objeto capaz de completar esse furo,
à destituição da posição de ser o objeto para passar a ser sujeito faltoso, cindido, dividido e,
portanto, desejante. É nessa travessia que se pode alcançar o amor como a significação da
falta que engendra uma resposta ao ser dividido e faltoso do sujeito. Lacan (1960-1961/2010,
p. 56) aponta que “a significação do amor produz-se pela substituição da função do objeto
amado pela função do amante”.
Em O banquete, Alcibíades, no seu discurso de amor a Sócrates, vangloria-se de ser o
único que viu o objeto precioso (agalma) de Sócrates, embora não consiga nomeá-lo.
Alcebíades, tal como André, não sabia sobre o objeto do seu desejo, objeto que, no entanto,
está desde sempre perdido, que inexiste no Outro. É por isso que o sujeito do inconsciente
deve se produzir como Érastes. Sócrates, como um porta-joias, guarda o objeto do desejo de
Alcibíades, mas recusa ser seu objeto de amor, portanto, o amado. Sócrates recusa ser o
portador do agalma, é este seu segredo.
48
Sócrates só pode portar-se deste modo por saber-se também faltoso, visto que, lá onde
Alcibíades afirma ter o agalma, há na verdade um furo, um cavo. Assim, Sócrates só pode ser
o amante, pois se fosse o amado, consumaria a metáfora do amor. Alcibíades, por sua vez,
passa de amado à amante.
Como Alcibíades ama o suposto saber de Sócrates sobre o agalma, Sócrates aponta
para o seu próprio furo, mostrando que a suposição é imaginária, e, assim, promove um furo
no saber, pondo, no centro do saber, a falta. No ponto em que Alcibíades demanda uma prova
do desejo de Sócrates, negando a metáfora, Sócrates aponta que o desejo só pode se destacar
como falta, uma vez que não tem objeto e nem significante. Lacan (1960-1961/2010, p. 211)
toma a posição de Sócrates como “ato analítico”.
Ainda nessa dialética, analisante e analista podem ser aproximados da díade amanteamado, sendo o analisante (enquanto sujeito faltoso) o amante. O objeto amado pode, com
algumas especificações, encontrar na função do analista seu correlato. O analista, contudo,
deve estar advertido, pela sua própria análise, da inexistência do objeto de desejo do
analisante, para que possa sustentar o lugar de semblante deste objeto e dirigir a análise a um
termo possível. É necessário marcar que o analista não é semblante, mas se faz de semblante
(LACAN, 1960-1961/2010).
Em uma relação transferencial entre sujeito/amante e objeto/amado, sempre existiu o
amor do sujeito ao saber do Outro. O analista é posto no lugar justamente desse Outro que
sabe, na posição de amado, daquele que tem um saber, uma resposta. No entanto, o analista
deve direcionar o tratamento de modo a não ocupar esse lugar de SsS em que o analisante o
coloca – tal como Sócrates manejava o amor que seus discípulos lhe direcionavam para a
elaboração de um saber que já estava neles, mostrando-se desprovido do agalma, ao invés de
se posicionar como um sábio ou mestre.
O analista deve estar advertido de que o amor buscado pelo paciente não se direciona a
ele como pessoa, e que também não possui o agalma. Somente não dando resposta,
colocando-o para falar sobre suas questões e sobre seu sofrimento é que o analista permite que
o analisante caminhe do amor ao desejo numa análise, saindo do lugar de amado e passando
para o lugar de amante, daquele que vai em busca do que lhe falta. É nessa busca que há
possibilidade para o surgimento do desejo do sujeito, desejo que, para Lacan (1964b/2008),
surge no deslizamento significante, no deslocamento de um objeto a outro.
Embora, como já foi dito, o paciente suponha algum saber no analista, este apenas faz
semblante desde um lugar de um objeto que falta – portanto, um objeto que causa o desejo –,
49
onde deve sustentar ser posto. É a partir desta estrutura de discurso que a transferência se
estabelece como possibilidade de trabalho inconsciente, na medida em que aparece o sujeito
desejante, aquele ao qual um objeto falta. Nas palavras de Lacan (1956-1957/1995, p. 35):
“Jamais, em nossa experiência concreta da teoria analítica, podemos prescindir de uma noção
da falta de objeto como central. Não é um negativo, mas a própria mola da relação do sujeito
com o mundo”. Assim, a direção do tratamento analítico deve levar o sujeito a se deparar com
a falta, deixando um furo no lugar do SsS, na medida mesma em que encontrar esta falta é se
deparar com o desejo.
Podemos afirmar que André deslizou do lugar de amado – ou mal-amado que ocupara
frente ao desejo do outro –, passando ao lugar de amante, relançando seu desejo de filho aos
que lhe investiam afeto. Mostrou que é o afeto que faz o laço, cuja fita chama-se amor
transferencial, suscitando-nos a formalizar o que sustentou esse giro que levou à evidência da
subjetividade na instituição. Portanto, articularemos à transferência o discurso do analista.
Para pensar essa relação tão específica a partir da qual o analista conduz uma análise –
inclusive quando na instituição, na qual o discurso do analista faz função –, recorreremos ao
matema da transferência apresentado por Lacan (1967/2003), que representa o jogo
significante envolvido. Esclarece-se então o fato de que o laço transferencial se dá com um
significante e não com a pessoa, como supuseram Alcibíades, em relação a Sócrates, e André,
em relação à psicóloga. Apresentamos o matema da transferência segundo Lacan
(1967/2003), que formaliza a função do SsS:
Figura 2: Matema da Transferência
Fonte: LACAN,J. (1967). Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola.
2003, p. 253.
Lemos assim: na linha superior o S é o significante da transferência de um sujeito que
se dirige a um significante qualquer Sq. Na linha abaixo da barra se situam os efeitos dessa
ralação significante, onde os representantes do sujeito se relacionam com os saberes
inconscientes: s (S1, S2,... Sn). A partir desse matema, articularemos os laços com o DA, que,
50
segundo Lacan (1967/2003), está desde o começo na psicanálise, e se dá em função do
analisante, – como fizeram Dora, Alcibíades e André, pois foram eles que puseram o analista
no lugar de SsS.
Ao empregar os significantes “cavalo”, “mulher” e “crina preta”, articulando-os à
pessoa da analista na realidade – pois esta é uma mulher de cabelos escuros –, André colocou
a psicóloga num determinado lugar de suas séries. Tais significantes passaram a ser
entendidos por nós como os significantes da transferência, no qual o sujeito inclui a analista,
via linguagem na cena da relação analítica.
Acrescentamos de imediato uma diferença importante estabelecida por André: ele é
homem, a analista é mulher. Quando isto acontece, cria-se a expectativa de que o analista
ocupe a posição do Outro no discurso, porém a função do analista é a de se oferecer apenas
como semblante (LACAN, 1969-1970/1992). A partir disso, passaremos à articulação das
demandas institucionais que a transferência foi capaz de emoldurar.
2.3 OS DESFILADEIROS DA DEMANDA E O MAIS ALÉM: O DESEJO
“Com a oferta, criei a demanda”.
Jacques Lacan, 1958a/1998
Para relacionar a demanda ao desejo do sujeito, Lacan (1960-1961/2010, p. 247)
retoma em Freud a necessidade de uma interpretação, destacando que o propósito da
psicanálise “nada mais é que a emergência da manifestação do desejo do sujeito”. Mas, de que
desejo se tratara? Desejariam a mesma coisa André e a equipe? E qual o tratamento analítico
possível no hospital para cada demanda? Segundo Dunker (2006), a psicanálise constitui-se
como uma clínica do desejo, visto que
Não abandona os termos que definem a clínica clássica: semiologia, diagnóstica,
etiologia e terapêutica. Entretanto, tais elementos se encontram subvertidos como
decorrência da hipótese do inconsciente. A semiologia é uma semiologia da
linguagem, a etiologia é uma etiologia baseada na causalidade do desejo, a
terapêutica baseia-se na intervenção, de linguagem, sobre o sujeito do desejo e,
finalmente, a diagnóstica psicanalítica é imanente à transferência (DUNKER, 2006,
p. 121).
Lacan (1951/1998, p. 215) acrescenta que “a psicanálise é uma experiência dialética, e
essa noção deve prevalecer quando se formula a questão da natureza da transferência”. Em
um hospital, lugar de tratar o corpo, quando um sujeito demanda algo a uma equipe
51
multidisciplinar, essa demanda é quase sempre movida por uma queixa orgânica. Trazendo
consigo outros pedidos – divergentes de uma demanda de analise –, trata-se de uma demanda
associada a uma doença no corpo e submetida em primeira mão ao saber médico.
A questão da transferência no contexto institucional do hospital parece percorrer
inúmeros caminhos até que venha a se estabelecer como o que se qualifica, segundo Lacan
(1960-1961/2010), como demanda de saber. Justamente por isso, o tratamento inicial é
considerado por Quinet (2009) a porta de entrada na análise, a partir das funções sintomal,
transferencial e diagnóstica. O paciente chega ao hospital demandando a cura de seus sintomas, por isso solicita auxílio à equipe na qual o analista está inserido, supondo que tais
profissionais saibam algo sobre seu sintoma, como pudemos ver no pedido de André dirigido
ao Outro da assistência para “cuidar do bichinho dodói”.
Entretanto, de acordo com Freud (1912b/2010), as entrevistas iniciais servem para
investigar os motivos que levam o paciente ao atendimento. Quinet (2009) ratifica que a
queixa apresentada pelo paciente não é o suficiente do ponto de vista psicanalítico, para
mantê-lo no tratamento. Este primeiro contato será o momento de compreender o que é
possível ou não de ser “tratado” em termos psicanalíticos, podendo, além disso, proporcionar
um resultado terapêutico, tal como mostrou Freud (1912b/2010).
Aceitar uma pessoa em análise requer do analista uma decisão que se fundamenta
nessas entrevistas preliminares. Tais entrevistas, apesar de se referirem à técnica, não deixam
de se reportarem à ética, pois se dirigem ao sujeito do inconsciente. Acontece que, no
hospital, é o analista que se dirige aos pacientes, que estão sim doentes no corpo, mas que não
pediram a palavra, pois no hospital, de um modo geral, os pacientes não tendem a recorrer a
alguém para falar de seu sofrimento, mas recorrem aos profissionais para se queixarem de
sintomas e doenças. O analista escuta a queixa do sintoma, mas se posiciona de um modo
diferente, não oferecendo respostas, mas indagando sua responsabilidade nisso do que se
queixa, bem como fez Freud com Dora. Aposta na instauração do desejo de saber. Com Lacan
(1959-1960/2008), consideramos que a interrogação estrutural embasada pelo desejo de saber
aponta para
O desejo do homem, longamente apalpado, anestesiado, adormecido pelos
moralistas, domesticado por educadores, traído pelas academias, muito
simplesmente refugiou-se, recalcou-se na paixão mais sutil, e também mais cega,
como nos mostra a história de Édipo, a paixão do saber (LACAN, 1959-1960/2008,
p. 379).
52
Assim, a demanda de análise só é explicitada quando ela se desvencilha da queixa.
Quinet (2009) afirma que é necessário que a queixa se transforme em demanda, endereçada ao
analista, e que o sintoma saia da posição de resposta passando a ser uma questão. Só assim o
sujeito será incitado a decifrá-lo. Logo,
A passagem do sintoma-queixa ao sintoma analítico dá a garantia que o vocabulário
sintático de uma análise está construído. Nesta transformação, o significante da
transferência encontra a cadeia de significantes do sujeito, e torna-se garantia da
estrutura formal do sintoma analítico. Para a formalização tanto do sintoma como da
fantasia, temos à disposição a aparelhagem do gozo pela linguagem (NOGUEIRA;
BICALHO; ABE, 2004, p. 342).
A transformação do sintoma em questão depende do endereçamento desta demanda a
um analista, por meio da transferência, que é:
Um processo constitutivo do tratamento psicanalítico mediante o qual os desejos
inconscientes do analisando concernentes a objetos externos passam a se repetir, no
âmbito da relação analítica, na pessoa do analista, colocando-o na posição desses
diversos objetos (ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 766).
Deste modo, a constituição do sintoma analítico é correspondente ao estabelecimento
da transferência, sendo, ambos, condições para que uma análise se inicie. Supondo um saber
ao analista, o paciente estabelece a transferência e começa a trabalhar na análise, começa a
querer saber sobre seu sintoma, sobre o que há por trás dele e do gozo implicado. Isto posto
em marcha, cabe ao analista seguir na trilha associativa do sujeito.
Retomando o caso Dora, Lacan (1951/1998) apontou o que chamou de “intervenções
dialéticas” de Freud:
Não se trata ali de um artifício de ordenação de um material cujo surgimento, como
Freud formula de maneira decisiva, fica entregue ao gosto do paciente. Trata-se de
uma escansão das estruturas em que, para o sujeito, a verdade se transmuta, e que
não tocam apenas em sua compreensão das coisas, mas em sua própria posição
como sujeito da qual seus “objetos” são função. Isto é, o conceito da exposição é
idêntico ao progresso do sujeito, isto é, à realidade da análise (LACAN, 1951/1998,
p. 217).
A cada apontamento feito por Freud no discurso de Dora, Lacan (1951/1998) indica
inversões dialéticas, desencadeadoras de novas verdades que desembocam na mudança de
posição de Dora frente aos objetos de seu desejo. No entanto, tais mudanças só se tornam
possíveis pela sustentação da transferência, onde o analista, como objeto causa de desejo,
possibilita que a fala retorne ao sujeito – não sem consequências, pois retorna na falta de
53
objeto. Assim, um espaço discursivo para o sujeito pode ser aberto dentro da instituição, pois,
ofertando a escuta, acredita-se que uma demanda se estabeleça.
No caso de André ficou evidente que a demanda de análise se construiu com a relação
analítica, ou seja, junto com a transferência – uma vez que, de acordo com a leitura que Lacan
(1964b/2008) faz de Freud, a transferência existe em todo lugar onde há um SsS. A equipe,
por sua vez, diferenciando-se radicalmente do analista, e identificada com um fazer
assistencial, se colocou no lugar daquela que sabe sobre o sujeito, e que, sobre ele, exerce um
saber anteriormente adquirido. Todavia, em alguns casos, quando o objeto oferecido não é o
buscado, o saber da ciência se torna insuficiente para um sujeito. Ocorre, portanto, uma falha,
onde o saber psicanalítico pode operar, para, dessa forma, alcançar o desejo inconsciente.
Lacan representa tal situação pela figura topológica denominada oito interior:
Figura 3: Oito interior.
Fonte: LACAN, J. (1964b). O seminário, livro 11. 2008, p. 263
Esta figura topológica aponta um furo na identificação, presentificado pela
transferência de amor que emoldura o desejo. Assim, o único saber estrutural que um analista
possui é o ensinamento herdado de Sócrates: o de saber que não se sabe. Na medida em que a
psicanálise adverte que uma “demanda não é explícita” (LACAN, 1960-1961/2010, p. 248), o
trabalho ético do psicanalista é então possibilitar a fala e apontar para o que não se sabe, para
a falta. Fingermann (2011) ratifica essa posição ética do analista, que não visa a erradicação
do sintoma da falta-a-ser e do mal-estar, pois a ética do analista enquanto práxis de sua teoria,
nesse sentido faz frente a um saber que é impotente, apenas testemunha o que resta: o Real,
impossível de recobrir simbolicamente.
Nas palavras de Maurano (2006), quando o analisando investe transferencialmente em
um analista, começa a lhe demandar muitas coisas, inclusive que:
54
Lhe dê uma resposta, uma solução, lhe diga o que fazer, oriente-o... Demandas que
são, em última instância, demanda de ser amado. Não cabe ao analista responder a
elas, simplesmente porque é impossível responder àquilo que elas veiculam, um
desejo impossível de ser satisfeito plenamente, e é disso que se trata em análise,
dessa impossibilidade, que está no centro da orientação ética, e que dá a direção do
trabalho do analista. É nessa direção que a ética da psicanálise convoca o sujeito a
“cair na real” (MAURANO, 2006, p.45).
Considerando que a oferta cria a demanda, com Lacan (1958a/1998) apostamos na
possibilidade de uma oferta se enlaçar à demanda. Isto se aplica ao hospital tanto quanto ao
consultório particular, pois, em ambos os dispositivos, quem se oferece é o analista.
A oferta está do lado do analista e a demanda de análise do lado do paciente, afinal o
sujeito demanda algo que não possui. Quanto a esse demandar, Lacan (1958a/1998, p. 623)
lembra que “o sujeito nunca fez outra coisa, só pôde viver por isso, e nós entramos na
sequência”, pois
[...] somos simplesmente, nós analistas, nessa circunstância, esse algo que acolhe
aqui o suplicante, que lhe dá um lugar de asilo? Somos nós simplesmente, e já é
muito, esse algo que deve responder a uma demanda, à demanda de não sofrer, pelo
menos sem compreender? – na esperança de que, compreendendo, liberará o sujeito
não apenas de sua ignorância, mas do próprio sofrimento (LACAN, 19591960/2008, p. 19).
Ao oferecer o silêncio, com o acréscimo da escuta, o analista mobiliza a fala no outro.
Essa fala se estrutura pela associação livre do lado do paciente e pela atenção flutuante do
lado do analista. Lacan (1958a/1998) afirma que ouvir não é compreender, visto que o
discurso está para além da escuta, motivo pelo qual o analista não responde, o que pode gerar
uma frustração – e se a frustração se coloca é porque alguma demanda se lançou.
Constatamos no caso de André que a frustração se colocou fortemente, e a condução analítica
para isso foi sustentar a demanda que a motivava – não para frustrá-lo, como diz Lacan
(1958a/1998), mas para favorecer o reaparecimento dos significantes onde a frustração estaria
retida.
No entanto, entre esses dois espaços (o consultório e o hospital) existem diferenças na
maneira pela qual o analista vai fazer a oferta de sua presença que escuta. No consultório é o
paciente que vai até o analista para que assim a oferta seja feita. Nos hospitais, é o analista
que vai até o paciente (no leito, poltrona ou sala de espera), ou até aos familiares (por
exemplo, no horário de visita dos pacientes internados). No consultório, geralmente é o
próprio paciente que procura o analista. Já nos hospitais, muitas vezes o pedido de
atendimento não vem por parte do paciente, mas da equipe médica ou dos familiares. O
55
analista, após escutar e avaliar o pedido de atendimento, seja de quem for, vai até o paciente e
oferece sua escuta, acolhendo à demanda do paciente. O paciente, às vezes, de fato aceita o
tratamento e constitui sua própria demanda; às vezes não, dizendo que só veio “porque o
doutor mandou”.
Ressaltamos que mesmo nesse último caso, após algumas idas do analista até o
paciente, a demanda pode acabar surgindo. Outras vezes pode não surgir, o que impediria o
início de uma análise. Nem sempre que se oferece a escuta se tem demandas, mas se há oferta
é porque se supõe a existência de demandas. É nisso que o analista aposta ao ir até o leito do
paciente ou quando se aproxima dos familiares.
Então, onde há oferta pode surgir uma demanda, e se surge a demanda é porque existe
a possibilidade dela ser escutada. É pela presença e pela atuação do analista que a demanda de
análise pode ser construída. De certo modo, por trás da demanda pode haver um sofrimento,
mas nem todo modo de sofrer pode levar a uma análise. As demandas são muitas quando se
trata de uma instituição, e o real que elas veiculam sinaliza o mal-estar frente à
impossibilidade da conjunção entre o sujeito e o objeto.
56
3 OS DISCURSOS QUE FAZEM LAÇO NA INSTITUIÇÃO
“Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos se não fora
A mágica presença das estrelas!”
Mario Quintana, 1951.
Para pensar o caso clínico institucional, este capítulo tem o objetivo de discutir os
modos de laços que se estabelecem na instituição. Para isso, recorreremos à teoria dos quatro
discursos de Lacan (1969-1970/1992). Tais discursos, que articulam o campo do sujeito com
o campo do Outro, são importantes para pensar a posição dos agentes de uma equipe
multiprofissional e como estes se dirigem ao paciente.
Segundo Lacan (1969-1970/1992), o discurso é uma estrutura composta de quatro
elementos: os significantes S1 e S2, o sujeito $ e o objeto a. Cada elemento se organiza em
quatro posições distintas: agente, outro, produção e verdade. Os lugares são ocupados pelos
quatro elementos, e a cada quarto de volta será fundada uma nova modalidade de laço
discursivo.
Essa aparelhagem discursiva movimenta-se no sentido horário da seguinte maneira:
um agente movido por uma verdade se dirige a um outro que responde com sua produção. A
dominante de cada laço é o agente de uma verdade que tem o propósito de produzir algo no
outro. São quatro as formas de se assumir a condição de agente do discurso – como S1, como
S2, como $ ou como a –, sendo que cada uma dessas posições trará um efeito para toda a
cadeia discursiva. Tais variações definirão o tipo de discurso a ser produzido (discurso do
mestre, discurso da histérica, discurso universitário, e discurso do analista)28. Os quatro
discursos radicais são escritos da seguinte maneira, conforme a Figura 3:
Figura 3 – Os quatro discursos e os lugares.
28
Lacan (1969-1970/1992) concebe ainda um quinto discurso: o discurso capitalista, porém este não faz parte
dos quatro discursos radicais por não produzir laço.
57
Fonte: Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano - Brasil (EPFCL-Brasil).
3.1 DISCURSO DO MESTRE (DM)
Partimos do DM, no qual o S1 ocupa o lugar dominante. O mestre possui a verdade, a
lei e o poder. O escravo possui o saber e o objeto mais-de-gozar. Nesse discurso o mestre
detém o poder de mando sobre o outro, mas não sabe fazer, pois o saber está do lado do outro
que é o escravo, este último detém o savoir-faire. Lacan (1969-1970/1992) aponta que o
escravo sabe especialmente aquilo que o mestre não sabe fazer. O mestre institui a ordenação
para que as coisas funcionem, visto que este não quer saber como ou por que funcionam,
interessa ao mestre é que as coisas funcionem!
A dominante do discurso se sustenta por uma verdade, ainda que uma meia-verdade29
que, como vemos, está situada sob a barra. Tal verdade também não é explicita, está oculta,
escamoteada. Almeida (2009) acrescenta que a verdade que fica escamoteada no discurso do
mestre é o $, ou seja, o que o DM escamoteia é que o mestre é castrado. E por fim, a produção
deste discurso é o a, um mais-de-gozar para o escravo, porque afinal é um gozo que este
produz apenas para satisfazer o mestre.
Lacan (1969-1970/1992, p. 72) referencia o DM como “aquilo que confessa querer
dominar, amestrar”. Ao se colocar na posição de mestria, o agente sempre trata o outro como
escravo, exercendo sobre ele poder de governo, para fazê-lo produzir gozo, a fim de satisfazer
o mestre. Portanto, o discurso do governo, do comando, e fundador de grande parte das
instituições, é catalogado por Lacan como familiar ao DM.
29
Para Lacan (1969-1970/1992) a verdade é a mola que impulsiona o discurso, mas ela nunca pode ser dita por
inteiro. Sendo assim, não se pode dizer toda a verdade, mas também não se pode dizer sem ela.
58
3.2 DISCURSO DA HISTÉRICA (DH)
Seguindo a lógica do quarto de volta, passemos ao DH. Para Lacan (1969-1970/1992),
neste discurso, o sujeito do inconsciente, com seus sintomas, dirige-se ao mestre, demandando
que ele produza um saber sobre ele. Almeida (2009) dirá que a verdade em jogo é que a
histérica goza com seu sintoma, e o saber produzido pelo outro nunca dará conta do gozo,
pois o gozo está sob a barra do recalque, inconsciente.
Partindo da suposição de que a histérica demanda um mestre, Lacan (1969-1970/1992)
afirma que o mestre deseja comandar, ao passo que a histérica quer fazer-se desejar, ao se
colocar como causadora do desejo do outro. Por isso vimos com Lacan (1969-1970/1992) que
a histérica se faz preciosa para o outro, ela convoca do outro que ele seja seu S1, seduzindo,
demandando que o outro a deseje. Almeida (2009) aponta que a histérica quer que o outro a
deseje, mas não é capaz de se apresentar como objeto, quer ser desejada como sujeito, e aí
reside toda a sua problemática. Por isso, a histérica está sempre insatisfeita, quer que o outro
seja seu amo, mas não se submete a ele como faz o escravo, só o coloca no trono para
destroná-lo. Nas palavras de Lacan (1969-1970/1992), o que a histérica quer é “um mestre
sobre o qual ela reine. Ela reina e ele não governa”.
O discurso da histérica produz um saber proveniente do outro, o que impede a
produção de um saber próprio do agente desse discurso. Assim, o saber no discurso da
histérica estará sempre alienado ao outro.
3.3 DISCURSO DO ANALISTA (DA)
Mais um quarto de volta no discurso da histérica, obtemos o DA. Para Lacan (19691970/1992), no lugar do agente deste discurso temos o objeto a. Segundo Almeida (2009),
agenciar o discurso como objeto a é apresentar-se como o efeito mais opaco do discurso,
efeito de rechaço, resto da operação da linguagem.
O objeto a no DA assume a posição privilegiada de agente. Porém, Lacan (19691970/1992) aponta que a posição do analista está do lado oposto a toda vontade de dominar.
Daí a posição subversiva do discurso da psicanálise, onde a posição de agente possibilita a
instauração de uma falta, a partir da qual é possível o surgimento de um desejo. “Se o analista
não toma a palavra, o que pode advir dessa produção fervilhante de S1? Certamente muitas
coisas”, diz Lacan (1969-1970/1992, p. 33). Eis aqui a principal articulação entre esse
discurso e a transferência, pois, diante de uma demanda, o DA só opera pondo o analista no
59
lugar de SsS, ao “oferecer-se como ponto de mira para o desejo de saber”, (LACAN, 19691970/1992, p. 100), ou seja, “oferecer-se como causa de desejo” (LACAN, 1969-1970/1992,
p. 99)30.
O DA é o único discurso que trata o outro como sujeito31. Considerar um sujeito é
possibilitar que ele se manifeste singularmente, com seu S1, produto do DA. O sujeito do
discurso da psicanálise é o $, que, ao tomar a palavra, não poderá dizer toda a verdade, na
medida em que esta não é unívoca. Sendo assim, o que o $ vai deixar aparecer são seus
equívocos, para que do deslizamento significante, produto do discurso, surja o seu S1. Os S1s
são os significantes singulares de cada sujeito. O $ no DA é, portanto, um sujeito ativo,
inventivo, criativo, um sujeito que trabalha, que não está pronto e acabado – tal como apontou
Cabas (2010), ao afirmar que, numa análise, um sujeito se constitui por um discurso, no
trabalho da análise e só pelo trabalho da análise, não sendo uma realidade já constituída.
Almeida (2009) acrescenta que portar o S2 no lugar da verdade, e sob a barra do
agente, nos informa que a verdade desse discurso é que o analista possui um saber, mas um
saber como verdade, ou seja, um saber não completamente sabido, pois se temos apenas uma
meia-verdade também teremos um meio-saber. No lugar do S2 no DA, encontramos também
sua mola propulsora, na medida em que o outro supõe que o agente possui um saber sobre ele.
A isso Freud nomeou de transferência, fundamental para que tal discurso possa se dar.
Entretanto, o agente desse discurso opera como objeto a, o que implica que não fará
uso do saber para exercer domínio sobre o outro. Almeida (2009) aponta que o analista não
domina o outro nem pelo saber (como no DU que veremos a seguir), nem pelo poder (como
no DM), nem pela sedução (como no DH). Seu comando só pode ocorrer pela transferência,
por aquilo que o agente permite que o outro deposite nele – diríamos, o amor. Se a função do
analista não é dominar, Fingermann (2011) mostra que:
Do começo ao fim da análise, o que vetoriza a cura, a direção de seu processo
(lógico) e de sua experiência (que inclui o real) é uma política do sintoma, [...] que
opera um tratamento da relação entre o universal da castração e o singular da
solução da ex-sistência, [...] incurável da estrutura, separação inaugural do sujeito,
não todo alienado na identificação ao Outro. Essa política depende do seu operador,
ato, desejo, discurso, função “de analista” (FINGERMANN, 2011, p. 91-92).
30
São termos com os quais Lacan designa a posição do agente do DA, único discurso onde o lugar do agente é
ocupado pelo objeto causa de desejo, ou seja, o discurso do analista “não pretender nenhuma solução” (LACAN,
1969-1970/1992, p. 66).
31
Almeida (2009) sinaliza que no DM o outro é tratado como escravo, no DH o outro é tratado como mestre e no
DU, como veremos adiante, o outro é considerado objeto.
60
Nessa direção, há algo de uma aproximação entre o DH e o DA no sentido de provocar
o desejo do outro. Entretanto, o que o DA apresenta de diferente é que, ao contrário da
histérica, como já dito, o analista assume a função de objeto para causar o desejo de saber do
outro.
3.4 DISCURSO DO UNIVERSITÁRIO (DU)
O DU exerce seu comando pelo saber, sendo o S2 o agente dominante do discurso.
Para Almeida (2009), ter o saber no comando é considerar a possibilidade de haver um saber
poderoso e universal. O DU se apresenta com o saber no lugar de senhor, tiranizando o outro,
tratando-o como objeto, como resto, como coisa. O saber no formato do DU se traduz num
conhecimento organizado e cumulativo, capaz de converter, segundo Souza (2003), em uma
burocracia que apaga o desejo de saber. O $, produto do DU, é um sujeito desafetado, um
mero repetidor de enunciados nos quais o desejo não tem vez.
3.5 SUPOSIÇÕES A PARTIR DO CASO CLÍNICO-INSTITUCIONAL
A posição institucional representada pelo significante “apoio” demanda da equipe
(psicóloga e demais profissionais) uma homogeneização que sugere uma identificação grupal
de todos os pacientes HOL com o significante “paciente oncológico”. Isto, contudo, gera um
impasse para a atuação do analista, impossibilitando sua inserção junto a uma instituição que
impõe e delimita um modo exato de agir: cuidar paliativamente e apoiar.
A psicologia, ao ser demandada pela instituição a executar uma ordem já sabida, ao
cair no engodo de encarná-la e tentar responder desse lugar, não terá outra saída a não ser
deixar-se tiranizar como objeto, resto que sobra e “lixo” institucional, na medida em que não
produzirá nada novo que possa ser acrescido. Quais as possibilidades para uma saída desse
lugar? Como se poderia pôr para girar os discursos, para que apareça na cena médica a
dimensão subjetiva do doente, frente ao risco do apagamento do sujeito?
O próprio inventor da psicanálise, na condição de médico, atentou para o sofrimento
neurótico e descobriu o inconsciente, que abalou pela terceira vez o narcisismo universal da
humanidade (FREUD, 1917/1996). Deixando um legado construído a partir da clínica, Freud
mostrou que a um psicanalista interessa o particular, evidenciando os achados que a escuta da
subjetividade sob transferência pôde transmitir. Esse dano narcísico causado na ciência e na
cultura com a descoberta do inconsciente, Freud (1917/1996, p.153) chamou de golpe
61
psicológico, a partir do qual ficou evidente que “o ego [Eu] não é senhor dentro de sua
própria casa”.
Será que essa ferida narcísica que Freud causou no mundo, na comunidade científica
de sua época e especialmente naqueles que trabalhavam com ele, não se repete ainda nas
instituições hospitalares, cada vez que a subjetividade se manifesta, contrariando a ordem
médica, apontando os furos da ciência e deixando a ética do bem impotente? Lanço a hipótese
de que, no fragmento do caso exposto, as dificuldades passam pela via da impotência perante
o saber, frente a qual uma equipe eminentemente movida pela ética do bem sofre as
limitações próprias a um discurso que se pretende verdadeiro. É no aparecimento de uma
divisão – aquela que Lacan (1965/1998) propõe como divisão entre o saber e a verdade – que
o psicanalista pode situar sua práxis.
Foi neste contexto que nos situamos e de onde partimos para refletir sobre as
diferenças existentes entre o discurso do médico e do analista numa instituição. Em um
trabalho conjunto, onde a psicanálise se conecta com a medicina, detectamos que
Precisamos da adesão da equipe que atende previamente estes pacientes. Para que
um saber novo possa ser produzido, é necessário que o não-saber apareça e que não
se tente tamponar a falta de explicação, como faz o discurso médico (NICOLAU,
2010, p. 11).
Diante do exposto, seria possível operar com este dispositivo clínico, sustentado pela
transferência, em um contexto institucional? Em um sugestivo texto denominado Por uma
ética da clínica, aposta nos que resistem, Palombini (2010) adverte que tomar como enigma
todos os impasses que a clínica nos apresenta é uma postura ética da psicanálise, da qual o
analista não pode retroceder. Também não se trata de esperar resultados, mas de sustentar
uma aposta que tem a ver com o desejo do analista. A sustentação desse desejo poderá, ou
não, possibilitar o aparecimento da demanda de análise, aquela que só é explicitada quando se
desvencilha da queixa. Porém, só o fato de poder falar com alguém que escute, já atesta,
segundo Maurano (2006), uma perda de gozo proporcionada pela experiência da partilha da
falta, que, por mais pontual que seja essa fala, ela é uma condição de possibilidade para a
produção de um saber novo, transmitido pela experiência, via transferência.
3.6 INTERFACES DISCURSIVAS: PSICANÁLISE E MEDICINA
A relação entre a psicanálise e a medicina data desde a fundação da psicanálise. A
posição inédita de Freud diante do sintoma histérico, frente ao qual apostou que a associação
62
livre pudesse produzir um saber novo, inaugurou a psicanálise. Assim, o sintoma histérico,
para o qual Freud ofereceu sua escuta, criou a demanda em relação à psicanálise e,
consequentemente, uma nova modalidade de laço social: o discurso do analista. Uma das
características do DA é ser o avesso do DM, pois Freud não se colocou na posição do mestre
que sabe previamente, mas no lugar vazio do objeto que falta, sobre o qual incide um saber
que é apenas suposto pelo paciente.
Assim sendo, em uma instituição de saúde/hospitalar, onde pessoas se vinculam, seja
com o trabalho, seja com outras pessoas, é provável que o fenômeno transferencial seja um
articulador dos laços entre as pessoas, tal como é nos tratamentos médico e psicanalítico. Em
ambos se trata de uma relação entre um e outro (médico-paciente e analista-analisando),
embora exerçam funções diferentes perante esse outro, pois o tratamento do outro na
medicina não é o mesmo tratamento oferecido pela psicanálise.
Tomando o narcisismo como constitutivo, no qual o Eu primeiro investe em si mesmo
e depois busca um objeto de amor para investir libdinalmente, Freud (1914/2010) aponta que
em algum momento da vida essa escolha de amar é forçada, para que se ultrapasse as
fronteiras do narcisismo e se deposite a libido nos objetos. Essa passagem – de ser o objeto do
investimento para ser um sujeito que investe – é fundamental na constituição subjetiva, pois
as marcas que dela sobram criam um impasse na neurose humana e podem instituir o modo
particular de sofrer de cada sujeito, no laço que estabelece com o objeto de seu investimento.
Freud (1914/2010, p. 106) aponta: “um forte egoísmo protege contra o adoecimento, mas, no
final, precisamos começar a amar para não adoecer, e iremos adoecer se, em consequência de
impedimentos, não pudermos amar”. Nesse texto, os tradutores de Freud32 sinalizam que tais
impedimentos podem remeter às frustrações de uma ação. Com Lacan, vimos que a frustração
se liga à demanda que, por sua vez, se coloca como apelo ao outro para satisfazer uma
necessidade. No que se refere a esse apelo, a essa demanda, o sujeito espera sempre uma
resposta do Outro.
O que percebemos com o caso de André é que, tal como Freud (1914/2010) apontou,
quando o sujeito adoece, ele se recolhe para seu próprio órgão, retira seu interesse das coisas
do mundo e, voltando à posição de objeto, demanda amor, cuidado e atenção dos outros. No
entanto, entre tantos outros que circulam no hospital, André se viu numa relação na qual o
outro em quem ele supunha saber não respondia como os demais, o que lhe exigiu um
reposicionamento, estabelecendo um laço dentro do DA. Este discurso ao qual Lacan (1969-
32
Luiz Alberto Hanns e colaboradores.
63
1970/1992) se refere é aquele que, por reconhecer que o saber está do lado do sujeito do
inconsciente, o põe a falar sobre o seu sintoma.
Por outro lado, segundo Abramovitch (2000), a instituição objetiva a (re)educação, a
(re)adaptação e a (re)reintegração. Os discursos estão nas instituições, apontados no trabalho
de Hoyer (2010) como predominantemente equivalentes ao DM. Esse discurso ao qual a
medicina está submetida, como propõe Lacan (1969-1970/1992), é aquele que tudo sabe e
responde, é o discurso que não permite falhas, e que, portanto, busca calar o sintoma, sendo
atribuição do médico a oferta de um “cuidado” que extinga os sintomas. A psicanálise, por
sua vez, questiona se o sintoma poderia ser, em alguns casos, uma solução encontrada pelo
sujeito para um conflito psíquico, e que porta uma verdade particular sobre o sujeito “doente”
que desse sintoma se queixa.
3.7 O SINTOMA COMO VERDADE QUE APONTA PARA O REAL
Breuer e Freud (1893-1895/1996, p. 35) já haviam sinalizado a existência de uma
“relação simbólica” entre a causa determinante e o sintoma histérico, estabelecendo “um
propósito de expressar o estado psíquico mediante o corporal, para o qual o uso lingüístico
oferece as pontes”. Após a consideração da atividade defensiva como o mecanismo principal
da etiologia da histeria, o sintoma neurótico foi definido como uma solução de compromisso
entre dois grupos de representações com forças antagônicas.
Lacan (1975-1976/2007, p. 31) afirma que o sentido do sintoma aponta para o real da
divisão subjetiva, na qual a verdade é dividida, tal qual o sujeito que ela comporta, por isso “a
verdade só pode ser meio-dizer”. Lacan (1975-1976/2007) diz que
A linguagem está ligada a alguma coisa que no real faz furo – não é simplesmente
difícil, mas impossível considerar seu manejo. O método de observação não poderia
partir da linguagem sem que ela aparecesse como fazendo furo no que pode ser
situado como real. É por essa função de furo que a linguagem opera seu domínio
sobre o real (LACAN, 1975-1976/2007, p. 31).
Isto nos leva a pensar que o sintoma é um representante desse furo no real, que divide
o saber da verdade. Deste modo, é no acolhimento do sintoma que a psicanálise pode operar.
Palomera (2004 apud ESPINOZA; BESSET, 2009, p. 152) acrescenta que “o próprio sintoma
assume sua dimensão de verdade” e que o DA, ao oferecer escuta ao sintoma, cria a
possibilidade para que este seja significado, codificado pelo sujeito.
64
Sobre essa dimensão de real tocada pela análise, Lacan (1958a/1998, p. 604) lembra
que “a direção de um tratamento é um processo que vai da retificação das relações do sujeito
com o real, ao desenvolvimento da transferência, e depois, à interpretação”. Espinoza e Besset
(2009, p. 151) acrescentam que “a proposta da psicanálise tem como condição uma abertura
do sujeito à responsabilização por seu sofrimento”. Para que o sofrimento receba o estatuto de
verdade para um sujeito e venha se enlaçar a algo, se faz necessário valer-se da transferência.
Percebemos que a proposta da psicanálise mostra-se avessa à posição vigente na
instituição, pois, como já apresentamos acima, nesta vigora uma postura, diante do outro,
eminentemente submetida ao saber da medicina, que trabalha com a lógica de calar o sintoma,
medicando-o. Deste modo, elimina qualquer possibilidade de subjetivação. Na instituição,
como podemos então possibilitar que o sujeito do sintoma apareça no campo do Outro
institucional, provocando a consideração e o interesse pela dimensão inconsciente que porta
essa verdade que vem do real?
65
O MOMENTO DE CONCLUIR
“...Nada que eu possa perceber neste universo iguala
O poder de tua intensa fragilidade: cuja textura
Compele-me com a cor de seus continentes,
Restituindo a morte e o sempre cada vez que respira.”
(E.E. Cummings – tradução de Augusto de Campos)
66
4 A PRÁXIS PSICANALÍTICA NO HOSPITAL
“O que é uma práxis? Parece-me duvidoso que este termo
possa ser considerado como impróprio no que concerne à
psicanálise. É [...] uma ação realizada pelo homem, [...] que o
põe em condição de tratar o real pelo simbólico”.
Jacques Lacan, 1964b/2008
Adentrando o campo próprio da psicanálise, que é o do inconsciente, partimos da
estrutura inicial da relação do campo do sujeito com o campo do Outro. Lacan (1964b/2008,
p. 265), ao estabelecer que a psicanálise é uma práxis que possibilita o tratamento do real pelo
simbólico, delimita o campo da experiência psicanalítica como a construção de um sujeito via
linguagem, pois a “experiência do sujeito é assim reconduzida ao plano onde se pode
presentificar, da realidade do inconsciente, a pulsão”. Com Freud (1915b/2004), aprendemos
que a pulsão é
[..] um conceito-limite entre o psíquico e o somático, como representante psíquico
dos estímulos que provêm do interior do corpo e alcançam a psique, como uma
medida da exigência de trabalho imposta ao psíquico em consequência de sua
relação com o corpo (FREUD, 1915b/2004, p. 148).
Assim, o inconsciente pulsional se articula ao Outro, que para Lacan (1964b/2008) é o
lugar no qual se situa a cadeia de significantes que comanda o que se presentifica no sujeito.
Para além das palavras, está a estrutura que sustenta um discurso, pois, como visto, segundo o
ensino de Lacan (1969-1970/1992), um discurso é uma estrutura que subsiste na relação de
um sujeito com o outro, podendo se estruturar como um discurso sem palavras. Deste modo,
certas palavras, chamadas significantes, quando se relacionam a outros significantes, tendem a
representar um sujeito.
O sujeito estruturado como uma linguagem – campo no qual opera a psicanálise –
abarca todas as formas de relação social, o que nos permite fazer uso da teoria psicanalítica
para pensar as formas de laço que ocorrem também fora do setting do consultório
psicanalítico. Na relação com um sujeito, a clínica da psicanálise põe em relevo uma única
regra sugerida por Freud (1913/2010), que é a associação livre.
Talking cure, cura pela fala. Assim, Breuer e Freud (1893-1895/1996) definiram a
psicanálise, e isto Lacan (1958b/2003) ratificou ao afirmar que o fundamento da psicanálise é
a fala, relacionando o homem com seu discurso. Sendo assim, compreendemos que as
formações discursivas aqui citadas (DM, DA, DH e DU) representam diferentes maneiras de
67
nos relacionarmos com o outro, de nos posicionarmos diante do outro. É fácil perceber a
presença de tais discursos nas diversas instituições criadas pelo homem, todas fundadas na
tentativa de produzir laço social, de resolver o mal-estar contido nas relações humanas.
Freud (1930/2010) vai destacar que a fonte de sofrimento mais penosa para o ser
humano é resultante de suas relações com os outros humanos. Mal-estar que circunscreve toda
forma de laço, e que é o preço a se pagar pela “perda do paraíso”, pelo ingresso no mundo
simbólico da linguagem. Ao optar pela linguagem, o ser humano renuncia à possibilidade de
acesso ao real, que se torna algo de impossível significação por meio da linguagem. O malestar dos laços é, portanto, o mal-estar da linguagem, que não é capaz de dar conta de todo o
real que se apresenta, pois, haverá sempre um impossível de representar.
Nesta dissertação, abordamos a experiência da transferência num contexto hospitalar,
em uma instituição marcada, a priori, pelos saberes e fazeres sobre os corpos doentes, onde a
psicanálise se introduziu como avesso que apontou para um outro lado. Trata-se de uma outra
cena que intuímos ser a da realidade do inconsciente, emoldurada pela transferência, e que,
pelo sintoma, ganhou uma via de representação.
4.1 A INSERÇÃO DA PSICANÁLISE NA INSTITUIÇÃO HOSPITALAR
Freud (1919[1918]/1996) se mostrou aberto à possibilidade da psicanálise se estender
para além dos consultórios, para alcançar uma parcela maior da sociedade, inclusive aqueles
que, pelas dificuldades econômicas e sociais desfavoráveis, não tivessem condições de bancar
o tratamento – porém, com a ressalva de que o analista que sustentasse essa aposta mantivesse
vivos o rigor e os princípios da psicanálise.
Assim, podemos articular que esse desejo receoso de Freud foi retomado por Lacan
(1971/2003) que, preocupado em restabelecer a psicanálise – no sentido de retornar aos
princípios freudianos que haviam se degradado após a morte de Freud (pelos teóricos do
fortalecimento egóico e metapsicologia do Eu) –, primou pela formação dos analistas, para
que a psicanálise não se apagasse no mundo.
Nesse sentido, Lacan (1971/2003) trabalhou para restaurar os princípios da psicanálise
com o que ele passou a chamar de análise em extensão. Segundo Moura (2002), essa extensão
da psicanálise de certa forma autorizou os psicanalistas a saírem dos consultórios particulares
e se lançarem em outros contextos, inclusive retornarem aos hospitais – afinal, tanto Freud, no
Hospital Geral de Viena, quanto Lacan, em Saint’Anne, iniciaram seus percursos clínicos em
hospitais.
68
Com Freud e Lacan, consideramos que o inconsciente é intemporal e lógico. Portanto,
o lugar da psicanálise (ciência que trata desse sujeito intemporal e lógico, foracluído do
discurso objetivo da ciência), dentre os demais saberes, não pode ser físico, nem seu tempo só
cronológico, conforme apontou Fingermann (2009). Se os discursos são as formalizações dos
laços, e a transferência é o laço contido em todas as relações humanas, os discursos são as
formalizações das transferências que atravessam todas as formas de laços, independente do
lugar onde ocorram.
Tal como Moretto (2001), penso que seja eminentemente clínico o trabalho do
psicanalista no hospital, como é em qualquer outro lugar, visto que ele opera na transferência
e esta se institui, enquanto SsS, onde tem humanos. Porém, o trabalho do analista na
instituição implica especificidades a serem consideradas. Tais especificidades dizem respeito
ao cenário institucional, com seus atravessamentos normativos, burocráticos, que colocam
impasses por tenderem a uma homogeneidade discursiva em nome do Outro institucional,
fixando-se em um único discurso representado por significantes que o representam.
Tomemos como exemplo a instituição HOL, que tende a funcionar colada no DM.
Neste discurso a dominante é o significante apoio, oferecido do lugar de agente da verdade,
que é o câncer, a partir do qual se sabe que o Outro demanda/precisa de assistência, o que
produz o doente. Tal relação, representamos desta forma:
Apoio (S1) Assistência (S2)
Câncer ($)
Doente(a)
Formalizamos assim o lugar onde iniciamos nosso trabalho, uma instituição feita de
pessoas que buscam falar a mesma língua, se comunicam, transferem – que fazem, portanto,
laços discursivos. Com Lacan (1969-1970/1992), entendemos o discurso como um laço social
que articula o campo do sujeito ao campo do outro, porém esta articulação não faz relação,
motivo pelo qual se torna uma fonte penosa do mal-estar humano, já apontada por Freud
(1930/2010). Neste caso, o impasse era harmonizar essa assistência oferecida, pois, por vezes,
o apoio se mostrou falho. André denunciou que nem tudo o que a equipe lhe oferecia era o
que ele queria.
Deste modo, o discurso “é sempre movido por uma verdade, sua mola propulsora,
sobre a qual está assentado um agente, que se dirige a um outro, a fim de obter dele uma
produção” (JORGE, 2002, p. 26). Assim, em lugares fixos, organiza-se o laço entre o sujeito,
o Outro, o saber e a verdade, formando, como vimos, uma estrutura que se modifica a cada
69
quarto de volta. Trata-se de uma estrutura composta por significantes que se ligam para
constituir um sujeito, um sujeito interditado pela linguagem a qual, no entanto, articula o laço.
Passamos a trabalhar nas brechas desse laço, momento em que a psicologia era
acionada, às vezes, sem mesmo esperar um chamado, como se deu no caso de André. Nesse
trabalho, apostamos que, para que a oferta da psicanálise fosse acolhida, deveria ser
priorizado o particular da demanda de cada sujeito, acolhendo-a como enigma com o auxílio
peculiar do vínculo transferencial.
Conforme o ensino de Lacan (1964b/2008), a transferência não está pautada na
intersubjetividade do vínculo de dois sujeitos, mas na ética da psicanálise que considera a
impossibilidade de vincular desejo e demanda, separação que se coloca entre o agente e o
outro do discurso. Aqui se funda a ética da psicanálise, que não admite a tomada do outro
como escravo ou objeto, mas subverte a ordem do saber e faz com que o analista sustente o
lugar de objeto para que o paciente possa construir sua condição de sujeito – inviabilizando,
portanto, a manifestação de dois sujeitos nessa relação. Daí, via transferência, a partir da
suposição de saber, é possível pensar um sujeito nos dispositivos de um hospital, onde,
contrariamente ao discurso analítico, imperam outros discursos que deste se diferenciam ao
tomarem o outro como objeto de seu saber – como escravo que produz o saber para o mestre,
escamoteando o desejo e, consequentemente, objetificando-o. Em outras palavras, nestes
outros discursos, há o apagamento daquilo que emerge da ordem subjetiva, do um particular
em detrimento do todo institucional.
Partindo da suposição de que a transferência estava estabelecida, o discurso
psicanalítico passou a ter uma possibilidade de transmissão no HOL, pela via da construção
do sujeito do inconsciente, o qual, somente a escuta psicanalítica, sob transferência, foi capaz
de produzir. O que estava interditado pela barra do recalque apontou para o $. Essa vertente
clínica do trabalho do psicanalista sustentou as interlocuções com o seu trabalho na vertente
institucional, circunscrevendo o lugar do discurso psicanalítico na instituição.
4.2 ENTRE O SABER E O FAZER: O LUGAR DO ANALISTA NA EQUIPE
MULTIPROFISSIONAL
No hospital, o trabalho do psicanalista não é solitário como no consultório particular.
Na instituição, o analista faz parte de uma equipe multiprofissional que deve ser levada em
consideração. Ele é visto pelo paciente como um membro da equipe, por isso, de acordo com
Moretto (2006), o que ocorre na clínica com o analista tem consequências na relação do
70
paciente com a equipe, e na relação desta última com o analista.
Moretto (2006) formaliza que a entrada do psicanalista no hospital, assim como seu
lugar na equipe multiprofissional, não depende da estruturação de vagas disponíveis nem de
um contrato. É um lugar que não existe a priori e se dá ao longo da construção de uma
relação transferencial com a equipe, trata-se de um lugar construído simbolicamente. Para a
construção desse lugar é fundamental que o analista ofereça seu trabalho, pois são mínimas as
chances de a equipe fazer demanda à psicanálise se esta não lhe for ofertada. Ou seja, é
preciso que o psicanalista inserido numa instituição hospitalar faça oferta da psicanálise para
criar uma demanda específica. Por ter como referência um discurso e uma ética diferentes dos
outros profissionais da equipe, é muito importante que o psicanalista tenha clareza da sua
função, para que sua práxis não se confunda com as outras.
A construção do lugar do psicanalista na equipe depende, entre outras coisas, do tipo
de demanda que a equipe lhe dirige e da maneira como o analista responde a ela. O desafio é
acolher essas solicitações, mas saber recuar quando necessário, pois nem toda demanda requer
a intervenção do analista. Isto se torna patente, por exemplo, no pedido da fisioterapeuta –
“fique lá com ele, ele fica triste só” –, o que parece apontar para uma dificuldade da equipe
em lidar com a subjetividade do paciente. Na tentativa de sanar o sintoma, a equipe tende a
apagar o sujeito que fala pela via desse mal-estar. Contudo, muitas vezes faltam recursos para
recobrir o que é real – e o que o sujeito tem de mais real é o sintoma. Segundo Fink (1998), o
real de Lacan é:
[...] um tipo de tecido interno, indiferenciado, entrelaçado de forma a ser completo
em todos os lugares não havendo espaço entre os fios que são sua matéria. É um tipo
de superfície ou espaço plano e sem emenda que se aplica tanto ao corpo de uma
criança antes da entrada na ordem simbólica, quanto a todo universo (FINK, 1998, p.
44).
No hospital, para o trabalho com o sintoma na clínica do real, emprestamos de
Abramovitch (2000, p. 108) a noção de que um analista deve, na relação com a criança,
“articular a posição institucional com um lugar vazio, não interpretando, nem atribuindo
sentido, a fim de não bloquear com um pseudo-saber o trabalho de elaboração”. Assim,
garante-se que a criança tenha a possibilidade de esboçar seus próprios significantes, de modo
a separar-se do saber absoluto do Outro – entendido como Outro materno – na relação
simbiótica através da qual se prende no fantasma como objeto de gozo.
Ao relatar seu trabalho num hospital-dia, Abramovitch (2000) se aproxima bem do
que acredito ser o fazer junto às crianças do HOL:
71
Na experiência que desenvolvemos no hospital-dia, oferecemos um espaço para
estas crianças falarem e serem ouvidas, um lugar em que se dá oportunidade para
que a vida delas se desenvolva em melhores condições. Procuramos acolhê-las e
suportar seu sofrimento. Trata-se de explorar cada caso e de acompanhar sua
trajetória única em um mundo habitável por ela (ABRAMOVITCH, 2000, p. 108109).
Acrescentamos que a contribuição que a psicanálise pode dar a uma instituição é
certamente a de instaurar uma tensão entre a particularidade e o ideal, pois não existe um
modelo de criança perfeita, nem de instituição que ofereça todos os tratamentos possíveis.
Estamos diante da psicanálise em extensão, ou seja, da aplicação dos conceitos psicanalíticos
em outro local que não o setting analítico. Por outro lado, tal extensão não se trata da
ampliação territorial e aplicação de saber, como bem mostrou Moretto (2006); trata-se de um
lugar construído simbolicamente, a partir da presença de um analista que faz sua função.
Lugar que precisa ser estruturado para que o DA se insira e tenha possibilidade de se
relacionar com outros campos, inclusive com saberes que sustentam princípios éticos avessos
aos seus.
De acordo com ABRAMOVITCH (2000), a psicanálise não se inscreve como uma
entre as demais técnicas terapêuticas, mas como aquilo que rompe com todas elas. Isto nos
remete ao que Lacan propõe a respeito do DA, ao indicar que a psicanálise é o avesso, é o que
está sempre do outro lado, pois seu objetivo é apontar para um lado singular que é o $.
Se isto já é complicado quando lidamos com sujeitos em instituições, esse impasse
aumenta quando tais sujeitos têm pouca idade e são ditos “criança”, na medida em que o
significante “criança” remete a todo o preconceito ideológico já apontado por Ribeiro (2012).
André deu provas de que suas “birras” não eram tão tolas, pois o remeteram a sua condição de
ser vivente que, já enlaçado com a cultura, vivia o mal-estar e o gozo próprios daqueles que
demandam do Outro e sofrem com a não possibilidade de uma resposta que satisfaça
totalmente.
Como Alcibíades na relação com Sócrates, André atuava seu sofrimento com a falta
no Outro, na relação com a analista. Esta relação possibilitou que a criança saísse desse lugar
de objeto, apresentando seu desejo de ser reconhecido e amado. Deu provas de que seus
recursos simbólicos trabalhavam sem cessar para dar conta do real que se impôs na sua vida
de poucos anos, se pensada pela cronologia do tempo. Porém, se a lógica é a do inconsciente,
o tempo passa a ter a sua tripla dimensão: ver, compreender e concluir.
72
Como afirma Soler (2008, p. 142), “a questão toda é saber como concluir onde o saber
falta, não somente para o sujeito mas também para o Outro”. Segundo Alberti e Almeida
(2005), o trabalho do psicanalista no hospital deve ser pensado ao avesso de um saber
previamente estabelecido, para não incorrer no risco de excluir o sujeito. Por isso
Cabe também ao psicanalista que trabalha com o médico e com tantos outros agentes
de saúde ajudá-los a suportar o fato de que o bem do próximo muitas vezes mais o
anula que o sustenta, uma vez que o próximo, como Freud alertou, é somente uma
projeção narcísica de si mesmo. Nem sempre o que a equipe multidisciplinar pode
identificar como um bem para seu paciente é identificado por este como tal
(ALBERTI; ALMEIDA, 2005, p. 68).
Lacan (1969-1970/1992) propõe uma retomada dos textos freudianos pelo avesso, para
alcançar um entendimento do que estruturou como os quatro discursos que fazem laço social.
Pensou o discurso “como uma estrutura necessária, que ultrapassa em muito a palavra [...]. É,
como vimos, um discurso sem palavras” (LACAN, 1969-1970/1992, p. 11). Na interpretação
de Souza (2003), esse discurso aponta que:
Muitas vezes os atos, as condutas ou mesmo certas manifestações do sujeito
dependem de “dizeres” essenciais sem que as palavras sejam necessárias. O sujeito
não sabe quem os diz, nem mesmo de onde eles vêm, mas trata-se de um dizer que o
impulsiona a agir, a atuar mesmo que isso cause sofrimento (SOUZA, 2003, p. 90).
O ato de André de cortar e de, posteriormente, num outro momento do tratamento,
amarrar seus brinquedos, causaram na analista a suposição de que ali havia algo que apontava
para o sujeito, pois, nestes pontos, a repetição do ato parecia indicar o sintoma como modo de
gozo. Isto era um desencadeador de perplexidade na equipe, especialmente pelo excesso da
repetição.
O que o discurso psicanalítico pôs em cena, via inconsciente, foi uma regressão, que
fez retornar “significantes comuns, em demandas para as quais não há uma prescrição”
(LACAN, 1958a/1998, p. 624). A oferta da psicanálise produziu um discurso com uma
estrutura capaz de ligar, segundo Lacan (1969/2003), um significante a outro significante,
ocasionando a emergência de um sujeito com desejo próprio, ao qual um objeto falta – um
sujeito que surgiu no avesso da ciência médica. Certamente, uma manifestação desta ordem
não é difícil de acontecer, pois aparece a todo instante num hospital, onde é muito frequente o
apelo por um “psicólogo” sempre que algo não condiz com a explicação da ciência médica– o
que traz à tona a angústia, como um afeto que não engana.
73
Ao escutar um sujeito, numa práxis que, segundo Lacan (1964b/2008), remete a uma
ação que sustenta o tratamento do real pelo simbólico, este trabalho propôs um caminho
avesso dentro da instituição hospitalar, um caminho que visou responsabilizar aqueles que
sofrem para que pudessem questionar e trabalhar suas questões através da fala embasada pela
transferência. Essa é a psicanálise iniciada por Freud, relida por Lacan e continuada nesta
dissertação, na medida em que o percurso clínico e de estudos que tracei até aqui me
possibilitaram entrar em contato com as nuances transferenciais que permeiam as instituições,
bem como com os discursos médico e psicanalítico, e com o modo como cada profissional
apreende o corpo.
74
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
André mostrou que o câncer não foi propriamente sua única fonte de sofrimento, mas
também o desejo por um olhar, vivenciado pela criança como o dilema de ser ou não ser o
objeto de desejo do Outro. Sua questão posta em ato apontou na direção de saber o que ele
significava para sua mãe. Supomos que a possibilidade de falar e repetir, como um disco
riscado, levou a criança a um deslizamento da angústia de alguém que se posicionava como
mal-amado até um reposicionamento dentro de uma relação parental possível, simbolizada
pelo seu desenho (figura 1).
Incialmente, André procurava neuroticamente um olhar em um lugar vazio, visto que o
desejo na pessoa de sua genitora era ausente. A partir dessa primeira relação ambivalente, ele
projetava nos outros que surgiam em sua volta essa vinculação igualmente ambivalente.
Conforme nossa análise, frente a essa falta, André atuou sua paixão; ou seja, doente de amor,
desamparado – sem amor, parado –, congelado no campo do Outro ao qual estava alienado,
foi fisgado pela oferta da psicanálise, onde encontrou uma via de expressão para o seu malestar e para o seu gozo. Assim, pôde associar via brincadeiras e repetições (via significantes),
e até mesmo se deparar com o real não simbolizável do sintoma – real que transmitiu à equipe
do hospital, que passou a querer saber, instituindo uma demanda de suposição de saber à
psicanálise.
Constatamos que uma das condições para o discurso analítico operar é a transferência,
a qual se funda no binômio amor-saber, e que, dirigida pela função essencial do analista,
aponta a entrada de um sujeito em análise, abrindo a partida do jogo analítico, dirigido
conforme os princípios da separação entre sujeito e objeto – contrariamente à alienação, à
identificação ou à idealização. Assim, o desamparo e o desejo de ser amado como filho pela
sua mãe – ou seja, seu desejo de ser objeto de desejo desse outro-mãe – constituíram-se, nesse
tratamento, como a verdade do sofrimento de André.
O próprio sujeito se encarregou de transmitir, via repetição (apontada pela analista),
que ele sofria de algo mais que se colocava além do princípio da doença. Ao falar do câncer,
André deslizou e falou de si, aparecendo enquanto sujeito que conflita com a pulsão, que goza
e paga com o corpo, que repete e associa livremente na tentativa de simbolizar seu mal-estar.
Não desconsideramos que o tratamento oncológico seja doloroso e que possa gerar mal-estar,
sintomas, ansiedade e angústia nos pacientes, mas entendemos que, na experiência, cada qual
vivencia a doença e o tratamento de forma subjetiva, carregando junto a estes, o traço e o
75
rastro de sua constituição subjetiva da qual não pode se desvincular. Possibilitar que a
dimensão de sujeito do doente não se apague é uma das funções do analista em um hospital.
Nessa experiência que atravessamos, pudemos observar que o hospital é um lugar de
importantes demandas para escuta. Fazendo-se presente e necessário, o analista está para
oferecer escuta aos inúmeros sujeitos dentro de uma situação institucional: os profissionais, os
pacientes e suas famílias. Deste modo, o trabalho se dá tanto na vertente clínica – dando
encaminhamento analítico para as demandas do paciente –, quanto na vertente institucional –
na transmissão do discurso da psicanálise e circulação junto aos demais discursos.
Dentro do contexto hospitalar, de onde pode operar seu discurso, a função do analista
difere dos demais profissionais da equipe, pois exige um reposicionamento permanente frente
aos demais. Por não se tratar somente do atendimento clínico oferecido aos pacientes, o
analista na instituição também considera a relação com a equipe de saúde, uma vez que está
dentro dela. Isto porque a função primordial do DA em uma instituição é apontar para os furos
nos demais discursos, ou seja, indicar que discurso algum dá conta de toda verdade, que
sempre algo falta. Assim, põe os discursos para girar.
Para isso a transferência é fundamental, tanto no que se refere a seu manejo junto ao
paciente e aos familiares, quanto na construção da inserção do analista em uma equipe de
saúde. O analista só pode trabalhar a partir de uma transferência de trabalho com os demais,
em um trabalho onde o amor transferencial se coloca como uma via de laço com a equipe, tal
como se coloca, no processo analítico, como a via de laço entre o paciente e o analista.
Apresentamos nessa dissertação uma compreensão teórico-clínico da escuta que
disponibilizamos a André, mas que também visa fundamentar o trabalho de facilitar, no caso a
caso, na escuta das demais crianças hospitalizadas, o aparecimento do sujeito do inconsciente,
visto que, na maioria das vezes, tais crianças não são vistas pela equipe e seus cuidadores
como sujeitos, mas como doentes. Talvez este tenha sido um dos impasses do trabalho junto a
André. Ele veio ao hospital para tratar o câncer e, isto feito, não pôde seguir com regularidade
seu tratamento analítico por motivos de ordem social, econômica e geográfica. Tais motivos
nos impõem o limite do tratamento psicanalítico no hospital, o qual se inflama quando se trata
de um sujeito dito “criança”, pois este depende ainda do desejo de seus cuidadores.
Como pudemos notar, as demandas esboçadas pelos familiares não se descolaram da
doença da criança, como nos contou a avó por telefone ao afirmar que estava “mal” –
entristecida, angustiada - por tudo que havia vivenciado com o neto, porém mostrara-se
indisponível para falar de sua relação com André. Ela percebia diferenças no posicionamento
da criança, visto que André já não se colocava tão submetido ao seu desejo em termos
76
afetivos. Porém, a avó não pôde mais trazê-lo para o hospital. A criança estabeleceu um laço
com o trabalho do inconsciente, se enganchou na sua análise durante o tempo de tratamento
no hospital, mas não pôde continuar porque havia ficado “bom” do câncer. Terminou o
tratamento oncológico, mas não terminou sua análise. Por ser criança, dependia objetivamente
dos outros, mas esses outros não se ligaram do mesmo modo a essa causa, e nem poderiam.
Aqui reside um outro impasse: o da não relação. Como vimos, o desejo é único em cada
sujeito.
Todavia, apostamos que algo se transmitiu a André, que teve uma oportunidade de
iniciar um processo analítico dentro do contexto hospitalar, o qual poderá retomar em uma
outra ocasião, caso queira. Já a equipe, com essa experiência, pôde apreender que a
psicanálise tem algo a ensinar às ciências médicas: o saber falha, não é capaz de recobrir tudo.
Consequentemente, os efeitos desta constatação podem desencadear a diminuição da angústia,
mas também o sentimento de impotência que equipes como a nossa vivenciam diariamente
por, muitas vezes, ao se imaginarem responsáveis pela profilaxia e cura dos acontecimentos
que vêm do real.
Ao real, a psicanálise oferece um tratamento simbólico, porém “a questão toda é saber
como concluir onde o saber falta, não somente para o sujeito mas também para o Outro”
(SOLER, 2008, p. 142). Neste tempo que marca o momento de concluir, emprestamos de
Manoel da Barros a simplicidade da palavra que toca a estrutura disso que, em psicanálise,
denominamos amor transferencial: “... a palavra amor anda vazia. Não tem gente dentro
dela”. Deste modo, articulamos que o amor ao saber instituído pelo DA é um lugar vazio, que
a cada tempo se constitui como um palco aberto pela possibilidade de ser ocupado por uma
verdade, desde que seja a verdade de um sujeito do inconsciente que, ao sê-lo, desaparecerá
da cena para aparecer novamente, relançando o desejo.
77
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