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ARTIGO ORIGINAL
ENCEFALITE AMEBIANA GRANULOMATOSA: RELATO DE CASO
GRANULOMATOUS AMOEBIC ENCEPHALITIS: CASE REPORT
Eduardo da Costa Marçal1, Guilherme Henrique Silveira Teixeira1, Marcos Abreu Lima Cota2, Tardely Duarte
Magalhães2, Aloísio Bemvindo de Paula3, Leonardo Stopa Barros4
RESUMO
Encefalite é uma inflamação do parênquima cerebral,
associada à disfunção neurológica clinicamente
evidente, que tem entre seus agentes causais as
amebas. Estas, capazes de ocasionar a amebíase
do Sistema Nervoso Central, manifesta-se sob a
forma de meningoencefalite, abscesso ou granuloma
cerebral. Este artigo retrata a casuística clínica de
um paciente acometido pela patologia Encefalite
Amebiana Granulomatosa e tem por objetivo aventar
a discussão acerca do diagnóstico e do tratamento
dessa patologia, com o propósito de assessorar no
diagnóstico precoce e instituir mais especificidade ao
tratamento, vislumbrando aumentar a possibilidade de
êxito terapêutico, uma vez que a patologia segue um
curso geralmente fatal, o que a torna uma patologia de
grande interesse ao estudo médico.
Palavras-chave: EncefaliteAmebiana Granulomatosa.
Ameba de vida livre. Diagnóstico. Tratamento.
ABSTRACT
Encephalitis is a brain parenchyma inflammation related to neurological dysfunction clinically evident,
which has amoebas among its causal agents, able to
cause amoebiasis of Central Nervous System (CNS)
and it presents in the form of meningoencephalitis,
brain abscess or granuloma. This article describes
the clinical casuistry of a patient affected by the
Granulomatous Amoebic Encephalitis (GAE) pathology, and it aims to suggest the discussion about
diagnosis and treatment of this disease in order to
assist in early diagnosis and establish more particularities to the treatment, envisioning higher possibilities of therapeutic success, once GAE usually
follows a fatal course, which makes it as a pathology
of keen interest to medical research.
Keywords: Granulomatous Amoebic Encephalitis.
Free-living Amoeba. Diagnosis. Treatment.
Discente do curso de Medicina da Universidade Federal de Ouro Preto/internato hospitalar Clínica Médica Hospital Márcio
Cunha – Ipatinga/MG
2
Médico Residente – Clínica Médica do Hospital Márcio Cunha – Ipatinga/MG
3
Médico infectologista, Coordenador/Preceptor da Residência em Clínica Médica Hospital Márcio Cunha – Ipatinga/MG
4
Médico, especialista em Clínica Médica, preceptor da Residência em Clínica Médica Hospital Márcio Cunha – Ipatinga/MG
1
Autor correspondente: Tardely Duarte Magalhães
Rua São Geraldo, nº 81 bloco F01 apto 106, Bairro Água Fresca, Itabira, MG. CEP: 35900-465. Telefone: (31) 99963 8194.
E-mail: [email protected]
Artigo recebido em 02/12/2015
Aprovado para publicação em 26/02/2016
Revista Ciência e Saúde
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Encefalite Amebiana Granulomatosa: relato de caso
INTRODUÇÃO
Encefalite é uma inflamação do parênquima cerebral
associada à disfunção neurológica clinicamente
evidente, cuja causa primacial é infecciosa, sendo os
vírus e bactérias responsáveis por cerca de 90% dos
casos.1 Ainda que raro, as amebas também podem ser
identificadas como causadoras de encefalite e amebíase
do Sistema Nervoso Central (SNC) manifestandose sob a forma de meningoencefalite, abscesso ou
granuloma cerebral, conforme o tipo de ameba, o
estado imunitário do hospedeiro e as circunstâncias
da infecção.2 Dentre as espécies de amebas capazes de
propiciar a encefalite, estão a Entamoeba histolytica
e as Amebas de Vida Livre (AVLs), sendo as últimas
concernentes a um grupo de protozoários amplamente
dispersos no ambiente, isolados na água, no solo ou
no ar.2,3
A Encefalite Amebiana Granulomatosa (EAG) é uma
infecção ainda mais rara do SNC, com aproximadamente
150 casos descritos em todo o mundo.4,5 Causada por
amebas dos gêneros Acanthamoeba, Balamuthia
mandrillaris, e Sappinia diploidea, a EAG possui um
curso clínico inespecífico, compreendendo cefaleias,
com periodicidade semanal, durante meses, sinais/
déficits neurológicos focais (paresia/plegia/ataxia/
paralisia de nervos cranianos), coma e morte.2 Existe,
ainda, outra espécie de AVL, a Naegleria fowleri,
capaz de causar diferente acometimento do SNC, a
meningoencefalite amebiana primária.2
O período de incubação da ameba é desconhecido,
e a causa da morte correlaciona-se ao aumento da
pressão intracraniana e a destruição do parênquima
cerebral.5,6 O diagnóstico é complexo, pois, no
ambiente do SNC, há necessidade de técnicas mais
invasivas e a doença possui rápida progressão, além
de existir uma quantidade maior de diagnósticos
diferenciais diante da inespecificidade clínica na qual
se apresenta.5,7 A evolução de EAG é quase sempre
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fatal, uma vez que o tratamento farmacológico é
incerto diante da dificuldade do diagnóstico, o que o
torna, muitas vezes, tardio e, ainda, pela dificuldade
de identificação da espécie amebiana.5
Relatos de casos de sobreviventes à infecção por
AVLs sugerem apenas a associação de algumas drogas
(antibacterianos, antifúngicos, antiparasitários) no
tratamento, entretanto, ainda sem total evidência da
eficácia dessas drogas na cura.5,8 Não existem drogas
específicas para o tratamento direcionado à infecção
por AVLs.8
O presente estudo teve por objetivo retratar a
história clínica de um paciente acometido por
Encefalite Amebiana Granulomatosa e aventar a
discussão acerca do diagnóstico e do tratamento
dessa patologia, com o propósito de assessorar no
diagnóstico precoce e instituir mais especificidade ao
tratamento, vislumbrando aumentar a possibilidade
de êxito terapêutico.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo qualitativo, retrospectivo e
descritivo, abordando um caso clínico de um paciente
acometido por Encefalite Amebiana Granulomatosa
e admitido pela unidade de urgência clínica de um
hospital de grande porte do Leste de Minas Gerais, em
abril/2014. A abordagem inicial dos pesquisadores,
em relação ao paciente, transcorreu durante internação
deste, na enfermaria de neurocirurgia e clínica
médica do referido hospital, em que os pesquisadores
presenciaram a evolução na conduta e no quadro
clínico do paciente.
A coleta dos dados foi realizada em maio/2015,
exclusivamente pelos pesquisadores, por intermédio
da análise das informações transcritas em prontuário
eletrônico do paciente, preservando o sigilo das
informações. Ressalta-se que o acesso aos dados do
prontuário médico deu-se após a aprovação do projeto
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Eduardo da Costa Marçal, Guilherme Henrique Silveira Teixeira, Marcos Abreu Lima Cota, Tardely Duarte Magalhães, Aloísio Bemvindo de Paula, Leonardo Stopa Barros
de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa com
Seres Humanos e a anuência da família do paciente,
através da assinatura do Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido.
Foram investigados aspectos como biotipo, história
pregressa das condições de saúde, quadro clínico na
admissão e evolução clínica do paciente, resultados
de exames laboratoriais e de imagem e do tratamento
medicamentoso realizado.
RELATO DE CASO
Paciente de 62 anos, sexo masculino, cor parda,
casado, aposentado, evangélico, natural e procedente
de Ipatinga-MG, evoluindo, há aproximadamente
45 dias, com paresia em membro inferior esquerdo,
de aparecimento súbito e rápida progressão para
paraplegia em dimídio esquerdo, sem relato de febre
ou sintomas gerais de emagrecimento, inapetência,
hiporexia. O paciente apresentou-se ao exame clínico
da admissão em regular estado geral, consciente, sem
alterações no exame cardiopulmonar; era marcante
a existência de lesão cutânea em região dorsal,
eritematosa, com bordas elevadas e infiltradas, bem
delimitada e sem alteração de sensibilidade.
Na história pregressa, o relato de familiares aponta
a existência de hanseníase, tratada durante 12 meses,
com alta por cura. Todavia, após término do tratamento,
surgiu nova lesão cutânea cujas características foram
descritas previamente. Negava etilismo, tabagismo ou
uso de substâncias ilícitas.
O estudo histológico da referida lesão dermatológica,
realizado antes da internação, evidenciou dermatite
crônica perivascular profunda, com intensa
plasmocitose e focos de reação granulomatosa.
A derme exibia moderado infiltrado inflamatório
linfoplasmo-histiocitário perivascular, além de
proliferação fibrovascular com raras células gigantes
multinucleadas e edema, não sendo observados
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granulomas ou alterações de epidermotropismo.
Aventou-se a hipótese de lesão sifilítica associada
aos déficits neurológicos apresentados pelo paciente,
direcionando a conduta médica para o tratamento
da patologia como neurossífilis, permanecendo,
entretanto, sem melhora do quadro.
A análise dos exames complementares laboratoriais,
realizados após a admissão hospitalar – como
hemograma, função renal, função hepática, eletrólitos
e radiografia de tórax –, evidenciaram resultados dentro
dos padrões de normalidade, assim como as sorologias
anti-HIV tipo 1/2, VDRL, FTaABs, HBsAG e AntiHCV. A eletroneuromiografia de membros inferiores
não apresentou alterações, enquanto a Ressonância
Nuclear Magnética (RNM) da coluna tóraco-lombar,
representado pelas Figuras 1 e 2, a seguir, evidenciou
espessamento e heterogeneidade da medula espinhal,
com marcado hipersinal em T2, nos níveis de D6 a
D9, a esclarecer.
Figura 1 – Ressonância Nuclear Magnética da
Coluna tóraco-lombar
Evidência de espessamento e heterogeneidade da medula espinhal, com marcado
hipersinal em T2, nos níveis de D6 a D9.
Fonte: Dados da pesquisa.
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Encefalite Amebiana Granulomatosa: relato de caso
Figura 2 – Ressonância Nuclear Magnética da
Coluna tóraco-lombar
Figura 4 – RNM do crânio ponderada em T1,
corte axial
Evidência de espessamento e heterogeneidade da medula espinhal, com marcado
hipersinal em T2, no nível de D8.
Fonte: Dados da pesquisa.
A RNM do encéfalo, representada nas Figuras 3, 4,
5 e 6, revela múltiplas lesões passivas de realce pelo
gadolínio, de contornos mal definidos, apresentando
efeito de massa e edema distribuídas pelo encéfalo, as
maiores nos lobos frontais, medindo cerca de 2,3 x 1,9
cm, à direita, e 2,2 x 1,8 cm à esquerda.
Evidencia lesão com hipossinal envolvendo a substância branca e cinzenta do lobo
frontal direito.
Fonte: Dados da pesquisa.
Figura 5 – RNM do crânio ponderada em T2,
corte sagital
Figura 3 – RNM do crânio ponderada em T2,
corte sagital
Evidencia lesão com hipersinal heterogêneo envolvendo a substância branca e o
córtex do lobo frontal.
Fonte: Dados da pesquisa.
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Evidencia Lesão com hipersinal heterogêneo envolvendo a substância branca e o
córtex do lobo frontal.
Fonte: Dados da pesquisa.
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Eduardo da Costa Marçal, Guilherme Henrique Silveira Teixeira, Marcos Abreu Lima Cota, Tardely Duarte Magalhães, Aloísio Bemvindo de Paula, Leonardo Stopa Barros
Figura 6 – RNM do crânio ponderada em T1,
corte axial
Figura 7 – RNM do crânio – Difusão. Corte
axial
Evidencia lesão com hipossinal T1 no lobo frontal esquerdo.
Fonte: Dados da pesquisa.
As lesões apresentam restrição à difusão livre da água.
Fonte: Dados da pesquisa.
A análise do líquido cefalorraquidiano (LCR)
apresentou aspecto turvo, xantocrômico, com
11
leucócitos/mm³
(100%
mononucleares);
101 hemácias/mm³; hipoglicorraquia, 154 mg
proteínas/dl; cloretos 108 mEq/L e imunologia sem
anormalidades. O paciente foi submetido à ressecção
da lesão medular com coleta de material para exame
anatomo-patológico que apenas evidenciou processo
inflamatório crônico.
Com o rápido progresso da sintomatologia
neurológica e rebaixamento do nível de consciência,
houve necessidade de ventilação mecânica invasiva e
cuidados em unidade de terapia intensiva (UTI), sendo
realizada coleta de material da lesão cerebral para
análise microbiológica e histológica, além de nova
RNM cerebral (vide Figuras. 7, 8 e 9). Notadamente,
Figura 8 – RNM do crânio – FLAIR. Corte axial
observa-se expansão das lesões cerebrais com
destruição importante do tecido nervoso.
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Lesões com hipersinal T2 e importante edema perilesional, condicionando
efeito de massa e colabamento parcial do ventrículo lateral esquerdo.
Fonte: Dados da pesquisa.
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Encefalite Amebiana Granulomatosa: relato de caso
Figura 9 – RNM do crânio ponderada em T1,
com gadolínio
Lesões localizadas na alta convexidade, com realce predominantemente
periférico pelo meio de contraste e exercendo efeito de massa.
Fonte: Dados da pesquisa.
Diante
da
evolução
clínica-neurológica
extremamente desfavorável, juntamente com
resultados de culturas – quais sejam hemoculturas,
urocultura e cultura de tecido cerebral negativa –,
vários esquemas de antimicrobianos, como penicilina
cristalina
endovenosa,
piperacilina/tazobactan,
vancomicina,
sulfametoxazol/trimetropim,
metronidazol e fluconazol, foram usados durante o
tratamento, enquanto aguardava-se o resultado oficial
do estudo histológico do tecido cerebral.
Após 44 dias de internação hospitalar, o paciente
evoluiu para óbito. Somente após 30 dias do
desfecho fatal foi recebido laudo oficial do estudo
anatomopatológico do tecido cerebral, no qual foram
observadas extensas áreas de necrose permeadas
de reação histiocitária, notando-se denso infiltrado
inflamatório linfoplasmo-histiocitário perivascular
com formação de granulomas; foram identificadas
estruturas arredondadas, PAS-positivas, nucleadas,
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sugestivas de cistos/trofozoítos de ameba.
DISCUSSÃO
Atualmente, as infecções do SNC por amebas,
principalmente as de vida livre, têm apresentado
grande importância, uma vez que são de diagnóstico
bastante difícil, além de apresentarem altas taxas de
letalidade.5,9 As espécies amebianas relacionadas
à lesão neurológicas são a E. histolytica e as AVLs,
abrangendo Naegleria fowleri, Acanthamoeba ssp,
Balamuthia mandrillaris e Sappinia pedata.5,6,10
Durante muito tempo, o estudo das AVLs esteve
restrito ao campo da zoologia, entretanto, Fowler e
Carter, em 1965, na Austrália, e Butt, nos Estados
Unidos, em 1966, relataram os primeiros casos de
meningoencefalite fatal humana associada a esses
microorganismos.11
O abscesso cerebral é uma rara complicação
da infecção por E. histolytica, a despeito da alta
prevalência desse agente em infecções sintomática ou
não, em diversos países do mundo.2
Duas síndromes clínicas de infecção do SNC
estão associadas com amebas de vida livre:
Meningoencefalite Amebiana Primária (MAP),
causada por Naegleria fowleri, e a Encefalite Amebiana
Granulomatosa (EAG) causadas por Acanthamoeba
spp, Balamuthia mandrillaris, e Sappinia diploidea.5
O gênero Acanthamoeba, além de causar EAG,
pode, também, evoluir com lesões cutâneas, infecções
renais, pulmonares e da nasofaringe em indivíduos
imunocomprometidos, já nos imunocompetentes
a Acanthamoeba pode causar ceratites.4,5,12 A
Balamuthia mandrillaris, uma AVL relativamente
próxima da Acanthamoeba, é responsável por causar
uma forma fatal de EAG, especialmente em indivíduos
imunocompetentes. Ademais, essa AVL pode causar
infecções de pele, caracterizada por lesão em placa,
não ulcerada, sem anestesia local e, ainda, lesões
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Eduardo da Costa Marçal, Guilherme Henrique Silveira Teixeira, Marcos Abreu Lima Cota, Tardely Duarte Magalhães, Aloísio Bemvindo de Paula, Leonardo Stopa Barros
pulmonares.4,5,13 Outra espécie de AVL, a Naegleria
fowleri, causa a MAP de maneira não oportunista
em crianças e adultos jovens saudáveis.4,5 Por fim, as
AVLs do gênero Sappinia possuem apenas um caso
relatado na literatura de EAG em humanos, com
provável infecção adquirida por via inalatória.5,14
Ao realizar um paralelo entre a evolução
clínica apresentada pelo paciente e as citações de
estudiosos,2 observa-se uma patologia de evolução
lenta, com lesões de pele recorrentes até a evolução
para acometimento do SNC e, a partir daí, rápida
progressão. O reconhecimento precoce da lesão de
pele pode facilitar o diagnóstico e tratamento das
infecções por AVLs, antes do envolvimento do SNC.5
É possível, no relatado caso,5,7 que, no ambiente do
SNC, a investigação é muito mais desafiadora devido
a um diagnóstico diferencial mais amplo, de técnicas
mais invasivas, e pela rápida progressão da doença.
Como no caso apresentado, outros estudiosos
descrevem que, após o envolvimento do SNC, o
estudo de LCR caracteriza-se por uma punção lombar
hemorrágica, com predomínio linfocítico, elevação na
concentração de proteínas e concentração de glicose
normal ou baixa, não sendo estas características
patognomônicas para infecções do SNC por amebas.5
A detecção de AVLs no LCR é difícil e, apesar do bom
aproveitamento da reação em cadeia de polimerase
(PCR) para tal fim, seu uso é condicionado a uma alta
suspeita clínica e disponibilidade do método. PCR
em tempo real, no LCR, pode proporcionar resultado
em cinco horas, embora este não esteja disponível em
muitas áreas.5,7,10,15
O método rotineiramente utilizado para identificação
de AVLs é a cultura no ágar não nutriente 1,5%,
preparado com uma suspensão de Eschericia Coli
termolisada por 10 dias. Pode também ser usado
meio de ágar,16 infusão de soja e microcultivo em
meio de Pavlova modificado.17 Posteriormente, a
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identificação das espécies cultivadas no meio é feita
por critérios microscópicos de Page, que incluem
movimentos, tamanhos dos cistos e dos trofozoítos,
tempo de contração de vacúolos contráteis, presença
de acantopódios, aspectos morfológicos dos cistos e
dos trofozoítos.18 Amebas do gênero Naegleria devem
ser submetidas, ainda, ao teste da flagelação por ser a
única espécie a possuir essa característica.11
Nota-se, também, com o presente estudo que, como
descrito em pesquia12, apesar de atualmente o método
mais adequado para correta taxonomia ser a PCR,
tanto essa reação como as culturas específicas para
AVLs são pouco disponíveis e praticamente restritos a
instituições de pesquisa. Logo, o manejo no contexto
de atendimento clínico hospitalar deve ser baseado na
suspeita clínica e exclusão de outras causas.5
O estudo anatomopatológico do tecido cerebral
sugere encefalite amebiana granulomatosa devido à
identificação de estruturas compatíveis com cistos/
trofozoítos de ameba, não podendo afirmar a espécie
causadora por dificuldade na identificação. Apesar de
não ter sido realizada cultura direcionada para AVLs
ou PCR, no LCR ou tecido cerebral, por dificuldade
de acesso a esses métodos diagnósticos, se observadas
as descrições de alguns dos pesquisadores deste
estudo2,4,5,13 acerca da evolução clínica das infecções
por AVLs, pode-se inferir que, provavelmente, trata-se
de uma Encefalite Amebiana Granulomatosa, causada
por ameba de vida livre. Ainda segundo estudos, a EAG
pode ser causada por Acanthamoeba spp, Balamuthia
mandrillaris ou Sappinia diploidea, e os gêneros
que cursam com lesão de pele similar à apresentada
pelo paciente em estudo são Acanthamoeba spp,
Balamuthia mandrillaris.5
Ao confrontar os estudos2,3,5,7,15 com a evolução clínica
do paciente, os exames laboratoriais, as imagens de
RNM obtidas e o estudo anatomopatológico do tecido
cerebral, pode-se caracterizar o presente caso como
66
Encefalite Amebiana Granulomatosa: relato de caso
Encefalite Amebiana Granulomatosa, provavelmente
causada por Acanthamoeba spp ou Balamuthia
mandrillaris.
O tratamento para as infecções do SNC causadas
por AVLs é incerto, a experiência se baseia em
um número limitado de relatos de casos. O uso de
múltiplas drogas, por um período prolongado, é
garantido, e sobreviventes foram tratados com a
associação de pentamidina, 5-flucitosina, fluconazol,
macrolídeo (claritromicina ou azitromicina), mais um
dos seguintes: sulfadiazina, miltefosina, tioridazina,
ou anfotericina B lipossomal.5,19 Já o tratamento para
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Revista Ciência e Saúde
as infecções do SNC causadas por E. histolytica
baseia-se no uso de metronidazol endovenoso, por um
período prolongado.5,20
Sendo assim, uma alta suspeita clínica se faz
necessária para o diagnóstico mais precoce da
Encefalite Amebiana, uma vez que a evolução dessa
patologia é quase sempre devastadora, e os exames
padrão ouro para o diagnóstico são de difícil acesso
na prática clínica. A terapêutica ainda é uma grande
incerteza, e mais estudos podem contribuir para
elaboração de melhores estratégias.
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