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CONSIDERAÇÕES SOBRE O ZAPATISMO – ELIANA DE BARROS MONTEIRO
CONSIDERAÇÕES SOBRE O ZAPATISMO ENQUANTO MOVIMENTO
SOCIAL E AS IDEIAS DE AUTONOMIA E DEMOCRACIA
A PARTIR DE UMA BREVE EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA 1
Eliana de Barros Monteiro *
Breve histórico das lutas sociais na América Latina e a formação do Zapatismo
Dentre os diversos movimentos políticos que ascenderam na América Latina, o
Zapatismo é ilustrativo para pensarmos sobre os processos de luta que vêm ocorrendo em
tantos cenários étnicos, principalmente desde a década de 1970, com as ações dos
movimentos de guerrilha, influenciados pelas lutas libertárias e de independência contra
regimes ditatoriais de diversos países latino-americanos. O Zapatismo expressa uma luta
declaradamente acirrada contra o cenário capitalista para o qual o mundo se debruça cada vez
mais. Em termos gerais, ele é acionado por indígenas de origem maia, que não possuem
cidadania plena reconhecida no México, sofrem preconceitos cotidianos, numa região
considerada extremamente rica em biodiversidade e que especialmente desde o início e
metade do século vinte, é fonte de exploração de frentes econômicas poderosas2. Tal
1
O presente artigo é resultado das leituras e debates da disciplina de Sociologia Política, ministrada pelos
professores Remo Mutzemberg e Breno Fontes, no curso de Doutorado em Sociologia da UFPE, no ano de 2010.
Agradeço especialmente ao professor Remo pelos comentários e sugestões para melhora no texto, cujas reflexões
são adicionadas de breve experiência etnográfica, que não se configuram como resultados de pesquisa. A
contribuição central está apenas em pensar aspectos do Zapatismo a iniciantes passos e questões.
*
Mestre em Antropologia (UFPE), Professora Assistente de Antropologia (UNIVASF). E-mail:
[email protected]
2
Em Una tierra para sembrar sueños – Historia reciente de la Selva Lacandona (1950-2000), Jan De Vos
(2002) apresenta a trajetória de colonização implantada nesta região do sul mexicano nas décadas de 1950 até
mais recentemente, onde uma complexa realidade cultural de populações indígenas convivem com a dificuldade
imposta pela existência de projetos colonizadores, que vão desde a imponente indústria madeireira até grandes
Cadernos do LEME, Campina Grande, vol. 3, nº 1, p. 56 – 70. jan./jun. 2011.
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exploração é resultado de quase cinco séculos de colonização, lançada pelos espanhóis. No
século vinte esta intervenção vinha de frentes estadunidenses, que por sua vez, enfrenta o
México com a exploração e invasão de territórios nativos.
Os movimentos sociais na América Latina são resultantes do contexto histórico de
‘colonialidade do poder’ (Quijano, 2005) investido nos países que abrigaram com fervor a
economia capitalista e sendo o liberalismo econômico o principal precursor das relações
desiguais de trabalho aí surgidas. Neste cenário viveram e ainda sobrevivem, as comunidades
indígenas ou aquelas que foram inseridas na ordem da colonização portuguesa, no caso da
república brasileira, e espanhola, quando mencionamos os países do Sul, do Centro, até o
Norte baixo da América Latina, onde situamos o México. Como nos pontua Quijano (2005),
para quem o capitalismo mundial se encaixa na dicotomia colonial/moderno e eurocêntrico,
(...) A distribuição racista de novas identidades sociais foi combinada, assim como
se fizera tanto sucesso na América, com a distribuição racista do trabalho e das
formas de exploração do capitalismo colonial. (Quijano, 2005: 41).
Esta condição, além de ser sobreposta por um “racismo estrutural”, - como também
define Mamerto Pérez (2006) – condicionou uma associação quase naturalizada de que os
brancos, os não índios, imperavam nas relações de produção e por conseqüente, seriam os
necessitados de salários e condições adequadas de trabalho. Os indígenas e as populações
negras foram condicionados a um estado de escravidão e servidão no passar dos séculos.
A partir do século passado, no entanto, e a partir das novas disposições dos EstadosNações em pensar seus povos tradicionais, garantias constitucionais foram sendo moldadas
com fins a minimizar os conflitos decorrentes das desigualdades sociais, políticas e étnicas.
Pode-se considerar a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que
evoca o fim da exploração às populações indígenas e legitima o poder de autodeterminação
dos povos, como uma das disposições baseadas na constitucionalidade positiva dos EstadosNações em pensar a prática do estado e da sociedade civil em relação aos seus subalternos.
Como também pontua Quijano, em relação ao modo ilusório criado no espelho das ações
políticas em relação à América Latina, as estruturas de poder que gestam Estados-Nações e as
relações que aí se sobrepõem refletem:
projetos de hidrelétricas. Interessante, pois, lembrar que o cenário zapatista se encontra por este complexo, onde
indígenas de proveniência maia, muitos inclusive migrantes provenientes da Guatemala, lutam pela reconquista
de territórios perdidos, mas tendo a ruptura com o Estado como ação diferencial de outros movimentos políticos
que aí afloraram e que vêm sendo acionados nas últimas décadas.
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[...] Do modo como se configuram as disputas pelo controle do trabalho, de seus
recursos e produtos; do sexo, de seus recursos e produtos; da autoridade e de sua
específica violência; da intersubjetividade e do conhecimento. (Quijano, 2005: 70).
Enfim, todo um processo de colonialidade de poder, pensado no molde ocidental, carregado
de eurocentrismo e vivenciado num monólogo perverso entre alteridades construídas (Pérez,
2006, Quijano, 2005, Holloway, 2003), onde a falta de diálogo observada na desigualdade de
condição atribuída aos indivíduos, em suas relações de trabalho, na monovisão em relação às
crenças, as diferenças étnicas, culturais; tudo isto gerenciou a ideia monolítica em relação à
ideia de Estado. É um processo histórico que para Quijano se faz num duplo movimento: no
contexto europeu de formação dos Estados-Nações, do fomento da ideia de democracia
política e de cidadania, havia povos de identidades distintas que viviam nos mesmos
territórios agora gerenciados numa dominação interna. Já na América Latina, diversos povos,
de identidades diferentes, foram colonizados em seus próprios territórios, espaços que não
eram tidos como “espaços de dominação interna” (idem: 71).
Assim, cabe então dizer que até hoje estes processos de dominação resultaram em
diversos movimentos de resistência por parte dos grupos sociais vitimados neste processo e
estrategicamente esquecidos na formação da história nacional. É válido, portanto, pontuar que
as mudanças e novas convenções dispostas no plano internacional das relações entre EstadosNações não foram proporcionadas em todos os termos pelos governos que acabavam de
passar por processos políticos de ditadura militar e que ora se encontravam em abertura
política para a democracia. Como brevemente exposto, o racismo estrutural terminou
persistindo, o que desencadeou e vem desencadeando formas diversas de resistência e novas
disposições políticas dos grupos sociais considerados subalternos dentro desta ordem maior
capitalista.
Para além da óbvia necessidade de problematizar o sentido de constitucionalidade do
eixo europeu, que condiciona as diversas políticas de repúblicas não-européias, aqui se
pretende chegar à reflexão de como o Zapatismo, enquanto movimento social que está além
do Estado, situa sua ideia de ‘democracia’ e de ‘autonomia’, ideias estas também absorvidas
do molde ocidental, mas que se diferenciam pela dimensão étnica envolvida nas ações
políticas dos indígenas.
O movimento Zapatista enquanto movimento social
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Un espejo somos.
Aquí estamos para vernos y mostrarnos,
para que tú nos mires, para que tú te mires,
para que el otro se mire en la mirada de nosotros,
Aquí estamos y un espejo somos.
No la realidad, sino apenas su reflejo.
No la luz, sino apenas un destello.
No el camino, sino apenas unos pasos.
No la guía, sino apenas uno de tantos rumbos que al mañana conducen3.
Poder-se-ia citar aqui uma série de exemplos que ilustram as ações de resistência dos
movimentos sociais latino-americanos, mas aqui se fixarão as ideias acerca do movimento
zapatista, cujo levante ocorreu em 1994, quando da inclusão do México dentro dos países que
compunham a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). Entende-se que as maiores
dificuldades de diálogo, de compreensão políticas com os movimentos sociais são ainda de
ordem maior, pois retratam as ações de um Estado imperialista regido também pelos planos de
abertura expansionista de grandes corporações, complexos sócio-político-econômicos, como
os que compõem o Tratado do Livre Comércio (NAFTA). Esta magnitude da economia e do
sistema capitalista latino-americano configura o cenário central e epicentro dos conflitos com
as populações tradicionais, as comunidades indígenas, e as que se associam a formas
diferenciadas de insubordinação ao sistema capitalista.
Os grupos indígenas no México somam aproximadamente 11% da população, segundo
o Instituto Nacional Indigenista (INI) 4. Muitos dos grupos étnicos se encontram na região sul
do país, fazendo fronteira com a Guatemala e onde se concentra a maioria dos recursos
naturais, como cerca de 70% dos recursos hídricos no país. Os Zapatistas estão no cenário
étnico e cultural das populações indígenas maias que vivem no sul mexicano e em sua maioria
são provenientes das etnias Tzeltzal, Tsotil, Tojolabal e Chöle.
O movimento indígena no México teve como ponte de consolidação o surgimento de
representação do EZLN (Ejército Zapatista de Liberación Nacional) ainda no início da década
de 1980 pela Selva Lacandona, que fica na fronteira entre o estado mexicano de Chiapas e a
Guatemala. Sendo um movimento oriundo das influências do marxismo e das lutas armadas
ocorridas na América Central, especialmente em Nicarágua, Honduras, El Salvador e
Guatemala, na década de 1970, o Zapatismo se ascendeu a partir da década de 1990 e passou
a ter participação ativa das comunidades indígenas e a traçar comunicações mais sistemáticas
3
Palabras del EZLN en El Zócalo de la Ciudad de México, D. F., el 11 de marzo de 2001. Disponível em
http://www.revistachiapas.org/No11/ch11zocalo.html. Revista Chiapas, n. 11, 2001.
4
Disponível em http://www.funsalud.org.mx/casesalud/caleidoscopio/02%20PoblacionIndigena.pdf. Acesso em
Ago. 2010.
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e interventivas perante a sociedade envolvente e segmentos do Estado, buscando legitimar o
propósito social nos termos reais da “democracia, liberdade e justiça” (Holloway, 2003, Jan
De vos, 2002).
Foi em 1° de Janeiro de 1994, que vários Zapatistas, representados pelo Ejército de
Liberación Nacional e aderentes à causa, entre índios e não-índios de diversas organizações,
tomaram os municípios de San Cristóbal de Las Casas, Ocosingo, Altamirano, Las
Margaritas, Chanal, Oxchuc e Huistán. Nesta grande e paradigmática mobilização, os
Zapatistas lêem a Declaração da Selva Lacandona e afirmam a busca da autonomia por
“trabajo, tierra, techo, alimentación, salud, educación, independencia, libertad, democracia,
justicia y paz” (Ceceña, 1995) 5.
O Zapatismo é fruto dos múltiplos contextos de resistência surgidos em comunidades
indígenas de proveniência maia, que, desde o precursor sistema capitalista, através da
exploração dos territórios, das frentes de colonização e de privatização dos recursos naturais,
acabou com a história de diversos grupos na base do conflito, da violência e da injustiça
sociais.
Concordamos aqui com o que menciona Raúl Zibechi (2005), em relação ao perfil
assistemático de diversos movimentos sociais que surgem na América Latina, principalmente
a partir dos anos 1980, já que “[...] Formas de organização dos movimentos tendem a
reproduzir a vida cotidiana, familiar e comunitária, assumindo com frequência a forma de
redes de auto-organização territorial” (2005: 203). Com a filosofia de que: “a terra é de quem
nela trabalha”, o Zapatismo vem colocar que a terra não é definida apenas pelos modos de
produção, mas é espaço de reconstrução do social e onde os sujeitos possuem voz e direito.
Diante da massiva e ávida imposição do sistema de vida das sociedades capitalistas
contemporâneas, foi da conformação do exército junto à crença étnica no valor atribuído a
terra (a manutenção autônoma dos ejidos6) e aos costumes tradicionais dos grupos indígenas
que foi lançada a chamada para a governança autônoma do estado de Chiapas. Um processo
que há quase quinze anos vem gerando mudanças sociais que valeram o preço de muitas
vidas, dada a ofensiva do Estado mexicano, que em muitos momentos se apresentou
falsamente disposto ao diálogo com as comunidades associadas ao movimento. Por essa
razão, como formas a intensificar o conhecimento em torno desse cenário de lutas e de prática
5
Disponível em http://www.revistachiapas.org/No1/ch1cecena-zaragoza.htm, Revista Chiapas, 1995. Acesso em
Mar. 2009
6
O Ejido trata-se de uma propriedade de terra de caráter comunal e não alienável.
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de formas diferenciadas de cidadania direta, os Zapatistas, através dos diversos agentes e
organizações atuantes, têm como fundamental ponte de interlocução os usos da comunicação
midiática como forte estratégia política de conscientização, o que veio condicionar grandes
momentos de ações coletivas com a representatividade e participação da sociedade civil,
como a caminhada em 1999 que reuniu mais de dois milhões de cidadãos, entre indígenas e
não indígenas, contra a nova legislação proposta ao Estado Mexicano que contradizia com as
propostas estabelecidas nos Acuerdos de San Andrés7, relativos à manutenção dos direitos e
das culturas das populações indígenas.
Na Declaração da Selva Lacandona, os principais objetivos lançados pelo movimento
Zapatista seriam não tomar o poder vigente, mas o propor o estabelecimento de outro poder,
que alavancaria a participação da população mexicana no estabelecimento de um governo
popular de teor revolucionário e onde a democracia seria vivida plenamente com a derrocada
do exército. Como pontua Jan De Voz, “Esta guerra el EZ la prevía prolongada, no sólo en lo
militar sino también en lo ideológico y político” (2002: 357).
Sabe-se hoje, no entanto, que ao mesmo tempo em que existe uma forte rede de
organização e manutenção da política das Juntas de Buen Governo Zapatista, nos Caracoles8
que foram instituídos já em 2003, muitas dificuldades existem, sejam essas ligadas à própria
manutenção dos caracoles, na gestão da saúde local, do sistema educacional indígena, ou aos
aspectos referentes à seguridade social das comunidades. E, algo que chama a atenção, como
é divulgado pelo próprio movimento em suas redes de comunicação, é que ao mesmo tempo
existe uma forte segmentação do turismo internacional na região. Vale lembrar que esta
região compõe parte importante da Rota Maya, circuito turístico de visitação às famosas
zonas arqueológica, especialmente as de Palenque, no município de Palenque e de Tonina, em
7
Disponível em http://www.oit.or.cr/mdtsanjo/indig/sandres.htm ou no próprio sítio do EZLN,
http://www.ezln.org.mx/.
8
Caracoles são espaços de concentração das Juntas do Bom Governo que são eleitas pelas comunidades
Zapatistas. Para se chegar a uma comunidade, qualquer membro da sociedade civil (pessoa, organização, etc.)
tem que passar por um caracol, conhecer e conversar com as lideranças, que por sua vez, permitirão o acesso ou
não da pessoa/organização à comunidade. São nos caracoles que a maioria dos eventos, reuniões, festas
acontecem e onde podem congregar milhares de pessoas. É por isso que geralmente os Caracoles possuem
melhor infra-estrutura, alojamento, postos de ligação e até internet. Toda a infra-estrutura é mantida de forma
autônoma, ou seja, sem nenhum vínculo com o Estado mexicano. Cheguei a ir a dois Caracoles: o Caracol de La
Garrucha, situado nos limites do município de Ocosingo e o Caracol de Roberto Barrios, no município de
Palenque. Neste primeiro fiquei, da primeira vez, quase uma semana esperando, juntamente com o coletivo de
que fazia parte (o Coletivo Casa de La Paz), para ser recebido pela Junta e ter a permissão para ir à Comunidade
de San Manuel. Neste mesmo Caracol, tive a oportunidade de participar da Festa de 25 anos do Levantamento da
Bandeira Zapatista, no dia 17 de novembro de 2008, numa ocasião que reuniu mais de mil e quinhentas pessoas,
na sua maioria, indígenas Zapatistas.
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Ocosingo. As investidas com o turismo se confrontam com a realidade de guerra de baixa
intensidade no estado que vive uma ostensiva militarização (De Voz, 2002).
Sobre ‘autonomia’ e ‘democracia’ para os Zapatistas
Compreendendo que o Zapatismo é um movimento social amplo, que abrange várias
dimensões, em seu caráter político e cultural, como é possível perceber sua lógica de antipoder (Holloway), de democracia e de autonomia? É válido, porém, ressaltar que não se
pretende aqui delimitar nem problematizar a origem destes conceitos no pensamento
ocidental, mas sim de situá-los, a partir do apreendido até agora, como configurações êmicas
dentro de um universo social específico.
Embora não se caracterize enquanto um movimento social homogêneo e sem conflitos,
o Zapatismo segue o discurso e a prática da hegemonia de atuação através de reuniões de
caráter democrático, onde mulheres, homens e crianças possuem poder de fala, de voto e por
sua vez, de representatividade. Como afirmam Bringuel e Echart (2008), acredita-se aqui que
os movimentos sociais – e o Zapatismo não foge a isto – nem sempre se constroem sobre a
base da prática da democracia e igualdade de representação dos seus agentes. No entanto,
[...] Há uma tendência contemporânea para que muitos deles incorporem uma
dimensão renovada de luta democrática, que se expressa em diferentes paisagens
materiais e simbólicas, contribuindo para a reinvenção das práticas e teorias
democráticas (2008: 458).
Esta reinvenção da democracia e da autonomia parece estar na prática de “resistência e
rebeldia” que vivem os Zapatistas em suas comunidades. Tal comportamento político por sua
vez reflete e é refletido pela aversão a todas as ações do Estado, principalmente aquelas ações
meramente assistencialistas que geralmente chegam às populações indígenas, as comunidades
mais afastadas dos grandes centros urbanos e econômicos. Como coloca Enrique Semo (1996)
os Zapatistas buscavam, dentro da pseudo ordem democrática existente no México “la
creación de condiciones democráticas que aseguraran la libertad para las mayorías
trabajadoras” (Semo, 1996)9. Para os Zapatistas, a democracia só é alcançada através da
liberdade dos povos e da possibilidade de representação. E um dos pontos fundamentais para
a democracia é a não imposição de um sistema político aos grupos sociais, sejam eles
indígenas ou não. Noticiando o pronunciamento de um dos interlocutores centrais do
9
Disponível em http://www.revistachiapas.org/No2/ch2semo.html Revista Chiapas, n. 02, 1996. Acesso em Out.
2010.
Cadernos do LEME, Campina Grande, vol. 3, nº 1, p. 56 – 70. jan./jun. 2011.
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movimento, Sub-comandante Marcos10, que “renunciaba a darle al encuentro un carácter
constitutivo o de representación nacional, y lo ubicaba en el mundo más modesto de los
esfuerzos por un cambio democrático” (Semo, 1996)11. Neste sentido, enquanto membro do
movimento zapatista diferentemente das lutas de guerrilha das décadas anteriores, não a
tomada de poder para o estabelecimento da revolução, mas sim uma mudança democrática de
longo alcance, que incluiria uma mudança estrutural nas sociedades como um todo.
No un brazo civil que alargue el siniestro brazo de la guerra hasta todos los rincones
de la patria... No la auto adjudicada representatividad de la nación, no la
designación de un gobierno interino, no la redacción de una nueva Constitución, no
la conformación de un nuevo constituyente, no el aval para un candidato a la
presidencia de la república..., no a la guerra. […] Sí al esfuerzo por un cambio
democrático que incluya la libertad y la justicia para los mayoritarios en el olvido
(Sub-comandante Marcos citado por Semo, 1996).
Característico por estar situado em uma rede de apoio de organizações civis
internacionais, assim como tantos outros movimentos de lutas sociais, que se fazem através de
uma rede ativa de comunicações, de solidariedade, vê-se que o movimento Zapatista teve
também como fonte de apoio representações da igreja católica, que exerceram (com forte
influência da teologia de libertação) e vêm exercendo, papel de fundamental importância
junto a diversas ações, inclusive as de caráter que estimularam minimização de conflitos.
Como menciona De Voz, “Es una constante en la historia reciente de Chiapas que las
movilizaciones indígenas tienen generalmente su origen en una iniciativa de la Iglesia
Católica” (2002: 250).
Seguindo uma breve leitura de John Holloway, que apresenta o Zapatismo no cenário
de anti-poder (Holloway, 2003), tal movimento vem apresentar o acionamento político do
anti-poder sob a ideologia do Bom Governo, que por sua vez é diametral e ontologicamente
oposto as práticas do Mal Governo, que se expressam com força nas redes sociais e políticas
da América Latina. Holloway define que uma das funções do anti-poder é a sua invisibilidade:
“[...] cobrimos o rosto para podermos ser vistos, nossa luta é a luta dos sem-rosto” (2003,
p.231). O objetivo do anti-poder é, pois [...] “emancipar uma não-identidade oprimida, o nãoordinário, cotidiano e invisível” (idem: 231). Holloway faz uma análise crítica do marxismo e
10
Aqui seriam necessárias mais páginas para falar do personagem Sub-Comandante Marcos dentro da luta
zapatista. Por ora, é necessário dizer que Marcos é um dos líderes do movimento, mas mantém-se no papel de
sub-comandância por sua condição de não-indígena. No entanto, é figura chave para o desencadeamento amplo
do movimento Zapatista na divulgação internacional e juntamente com a comandância indígena lidera as ações
dos Zapatistas, mesmo antes do levante de 1994.
11
Disponível em http://www.revistachiapas.org/No2/ch2semo.html#5a Revista Chiapas, n. 02, 1996. Acesso em
Out. 2010.
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da visão arraigada que se tem sobre o conceito de luta de classes, de alienação das forças de
trabalho, a partir do que mostra a experiência zapatista. Apresenta outra leitura da ideia de
revolução e como esta pode se configurar em relações de trabalho supostamente subordinadas.
Assim defende o autor:
[...] O fundamental não é o trabalho alienado, mas o fazer, que existe contra e mais
além do trabalho alienado. Começar acriticamente a partir do trabalho alienado é
fechar-nos desde o princípio em um mundo fetichizado, de tal forma que qualquer
projeção de um mundo alternativo deve parecer uma pura quimera, algo trazido de
fora. Começar a partir do trabalho alienado é reduzir o próprio conceito de luta de
classes, excluir da vista todo o mundo de prática antagônica que entra na constituição
do fazer como trabalho alienado (2002: 220).
Em relação aos Zapatistas, o que os torna lutadores é sua própria dignidade perante a
si próprios e a todos, esta dignidade está em todos os âmbitos e meandros do cotidiano dos
que se dizem em resistência, pois a mudança não vem de um dia para o outro, ela é um
processo, como seguir sempre caminhando. “O anti-poder está –pois - na dignidade da
existência cotidiana” (ibid.: 234).
Tendo como base de reflexão uma breve vivência em uma comunidade Zapatista, é
possível perceber que a ideia de resistência segue no cotidiano, na medida em que estão
atreladas as formas de sobrevivência nas quais os indígenas Zapatistas se apóiam. É válido,
pois, ressaltar que a identidade étnica não é, diferentemente como ocorre em diversas
representações do movimento indígena na América Latina, como no Brasil, por exemplo,
determinante para a manutenção do movimento zapatista. Entretanto, sem ela, não se torna
possível promover-se à ideologia zapatista, tendo em vista que é um movimento guiado por
indígenas camponeses. O que ser quer dizer é que dentro da própria territorialidade zapatista
convivem outras territorialidades indígenas, maias, mas que, não necessariamente, são
guiadas por representantes Zapatistas. Dessa maneira, é comum caminhar por entre
comunidades zapatistas e não-zapatistas sem perceber, caso você seja de fora, obviamente;
são fronteiras imaginárias para os que chegam para conhecer a realidade destas comunidades.
Passei cerca de três meses na comunidade rebelde de San Manuel, realizando alguns
trabalhos voluntários com um grupo de amigos e parceiros, ora vinculados ao então Colectivo
Casa de La Paz12. Na primeira noite de chegada à Comunidade Rebelde de San Manuel,
12
O Colectivo Casa de La Paz é subsidiado pelo Peace House Project, pertencente a uma organização
estadunidense que financia e apóia projetos ligados a populações indígenas. Cheguei ao Coletivo através de
contatos anteriores e de uma inscrição com proposta de trabalho voluntário. Passei cerca de seis meses na região
de Chiapas e três meses na Comunidade Rebelde de San Manuel. Aí, além de nos inserirmos no cotidiano e no
aprendizado à vivência indígena campesina, tão distante as nossas, de certa forma, realizamos pequenas
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situada entre o Caracol de La Garrucha, um grupo de indígenas tseltales, ainda desconhecidos
para mim, nos levava à comunidade. Alguns de nós fomos a cavalo e outros, caminhando
cerca de 3 horas, depois de um dia de viagem. O caminho escuro nos revelou a suposta zona
de conflito para onde nos dirigíamos. Parte da nossa equipe passou direto, atravessando uma
ponte, sendo logo advertido que ali passava “El Sombrerón”, figura mística e aterrorizante
para os chiapanecos. Logo a piada foi desfeita, ao que entendi, mas na verdade estávamos
recebendo um aviso de que naquele lado da ponte não viviam Zapatistas. Isto para mim foi
bem interessante de perceber, pois, é uma lógica totalmente contrária à lógica do movimento
indígena no Brasil. Aqui a chamada “homologação contínua das Terras Indígenas” é
pressuposto básico para as ações de reivindicação do movimento. Foi aí também que percebi
que o caráter da autonomia entre os Zapatistas possuía outra lógica. Embora não pudéssemos
passar de uma determinada ponte que cruzava o rio Marubo, pois depois dela não havia mais
Zapatistas e sim indígenas camponeses representantes da Asociaciones Rurales de Interés
Colectivo (ARIC), organização civil que é contra os Zapatistas e que cujos membros, também
indígenas camponeses, recebem apoio do governo com diversos beneficiamentos em
programas de saúde e de educação, o rio era comumente usado por ambas comunidades que
também possuem redes de parentesco comuns.
Na própria comunidade onde passei a temporada, havia uma cerca recentemente
construída para separar uma família que se afastara da organização. Um dos membros
dissidentes, Paula, filha de um dos líderes Zapatistas locais e casada com um não zapatista, se
dividia cotidianamente entre os dois territórios, as duas fronteiras, pois embora seu esposo
não mais compartilhasse politicamente dos Zapatistas, ela mantinha relações estreitas com sua
mãe e irmãs, especialmente no cotidiano da cozinha. Já no centro da comunidade havia o
campo de futebol que era utilizado por pessoas da comunidade e por pessoas de fora, nem
sempre Zapatistas, mas que a usavam na recreação escolar e nas ocasiões de lazer.
Parece claro, portanto, que a identidade étnica (fundada na cultura e tradição maias)
não determina a identidade zapatista, intrinsecamente política e representativa e que pode ser
guiada por diversos fatores. O Zapatismo parece ser de fato, um movimento social centrado
atividades com as crianças, na produção de calendários, jogos e leitura, iniciamos um desafortunado projeto de
cultivo de tabaco, impulsionado por um dos membros do Coletivo, o amigo Cássio, também estudioso da questão
Zapatista, uma peça de teatro com o Kolectivo que Da Alegria (CKDA), pintura de cartaz, contribuição na
realização de uma festa. Atividades compartilhadas por um grupo transeunte de parceiros do Coletivo Casa de La
Paz, de diversos países: México, Brasil, Estados Unidos e França. As atividades seguiram durante todo o
segundo semestre de 2008, até o fim das ações destes representantes. Para todas as nossas atividades, a
comunidade, de cerca de 20 famílias, se reunia e conversava sobre os planos, nos colocando para falar e explicar
nossos objetivos. Ad reuniões, que eram basicamente faladas em Tseltal, findavam depois do voto de todos os
indígenas presentes.
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na difusão política do exercício da democracia, através da lógica do anti-poder, do “mandar
obedecendo”, como afirma a comandância do EZLN e da busca pela autonomia plena dos
povos indígenas, desde que estes não se subjuguem a prática colonialista do Estado.
Em outra ocasião, conversando com uma das mulheres da comunidade, Mercedes, esta
falava que sua mãe e sua irmã moravam na comunidade onde a ARIC atua. Elas possuem
auxilio do governo em saúde e educação. Mercedes falava com forte expressão que isso
poderia parecer bom para elas e que sua família não concordava com o posicionamento
político de Mercedes e de seu marido. No entanto, o argumento claro e incisivo dela era
sempre: ¡Nosotros estamos en resistencia!
Resistência para os Zapatistas quer dizer que não aceitam os poderes estatais já que
crêem que ainda que possam receber uma melhor qualidade de vida material, estariam
submetidos à lógica do consumo. A dinâmica do consumo entre os Zapatistas, no entanto, é
interessante: vivem basicamente da agricultura familiar e compram açúcar, sal, em
cooperativas de apoio aos Zapatistas. Na comunidade de San Manuel, existe uma tenda de
venda de pequenas iguarias, tais como ovos, pipocas, bombons, xampu, cigarros, fósforos,
açúcar, sal, etc. A tenda é administrada pela família de uma das lideranças locais, Moisés, que
adquire os produtos através de uma cooperativa situada em Ocosingo, que fica a 4 horas e
meia da comunidade. Era interessante perceber que embora não costumem consumir produtos
considerados desnecessários, era perceptível a curiosidade deles quanto aos valores dos
objetos, pois sempre estavam a perguntar quanto tinha sido a camisa, o xampu com que havia
lavado os cabelos, um anel no dedo, entre outros. Mas, no entanto, sempre defendiam o uso
básico dos produtos e de fato, poucos eram os que compravam produtos na comunidade.
Basicamente viviam do que cultivavam.
Mercedes e seu esposo, de que não recordo o nome, diziam não saber ao certo quantos
anos tinham, mas acreditavam ter entre 24 e 26 anos. Tinham quatro filhos, dois meninos e
duas meninas, que os ajudam cotidianamente na manutenção da casa. Foi com Mercedes, seu
esposo e com um amigo mexicano que plantei milho pela primeira vez na vida. Foi também
quando esse amigo disse que a partir daquele dia se sentia de fato um mexicano. Enquanto
plantávamos cinco sementes de milho em cada buraco na terra feito pelo esposo de Mercedes,
conversávamos sobre transgênicos, o “veneno que el mal gobierno ofrece”, assim
escutávamos dos dois e que sabiamente os zapatistas não aceitam para manter a colheita livre
de agrotóxicos. Mercedes falou que não aceitava as sementes do Estado, pois estas já vinham
envenenadas para que sempre houvesse dependência por elas. Ela demonstrava ter
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conhecimento seguro da política voltada à agricultura dos transgênicos. Dessa maneira é que a
ida “a la milpa” é tarefa diária, pois também precisam ficar atentos quanto as possíveis pragas.
Na comunidade de San Manuel basicamente se planta feijão, milho e mandioca. O feijão e o
milho, para a tortilla e o pozol13 são alimentos necessários para o dia a dia da culinária e
sobrevivência indígena.
É o trabalho na terra, por sua vez, uma das forças centrais do movimento Zapatista e a
sobrevivência autônoma nela representam o livre exercício de resistência que eles enfrentam
cotidianamente, seja contra as prerrogativas e investidas do Estado, através inclusive da sua
militarização e para-militarização constante nos territórios zapatistas, seja através da
convivência conflituosa com organizações civis como a ARIC (Unión de Uniones de
Chiapas), a OPDDIC (Defensa de los Derechos Indígenas y Campesino), entre outras. Dessa
forma, de acordo com os Acordos de San Andrés, de 1996, a representação autônoma dos
territórios Zapatistas se dá através da legalização de seus territórios enquanto territórios
autônomos;
Nuestros Municipios Autónomos son legales, están amparados en el artículo 39 de
la Constitución Política de los Estados Unidos Mexicanos que es la máxima ley de
los mexicanos y dice que el pueblo tiene en todo momento derecho a decidir su
forma de gobierno, y nosotros hemos decidido gobernarnos en Municipios
Autónomos como parte de la república mexicana. No queremos separarnos de
México ni tampoco ser parte de otro país, estamos ejerciendo nuestros derechos
como mexicanos que somos y que seguiremos siendo siempre. La existencia de los
Municipios Autónomos fue aceptada por el Gobierno Federal y Estatal en los
Acuerdos de San Andrés y por lo tanto son legales de acuerdo a la Carta Magna y
a los Acuerdos de San Andrés14
Outras também são as expressões da autonomia entre os Zapatistas. Na escola e na
saúde, por exemplo, há uma constante luta e uma atuação em rede que visa à garantia do
atendimento básico das comunidades que são atendidas nos caracoles. Há projetos financiados
por diversas representações internacionais que estão em curso. Na época em que visitei o
Caracol de La Guarrucha, participei da construção da escola para treinamentos e cursos de
formação dos Educadores Zapatistas que atuam nas comunidades. O apoio para a construção
vinha tanto de uma cooperativa local, que apóia a causa Zapatista e que contribui com um
13
Pozol é uma bebida vinda do milho brevemente fermentada. É tomado na hora do lanche na escola, no meio
da manhã, na pausa do trabalho na roça. Já a tortilla, cuja produção é de inteira responsabilidade da mulher,
embora os homens também saibam fazê-la, é alimento diário para todas as refeições dos indígenas.
14
Disponível em http://www.revistachiapas.org/No7/ch7monjardin.html#6. Revista Chiapas, n. 7, 1999.
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valor reduzido nos materiais para a construção, como também de outras fontes de
financiamento. Visitamos a comunidade de Emiliano Zapata, onde o coletivo permaneceu
cinco dias para a pintura de um mural da figura importante para os Zapatistas, San Manuel,
antigo guerrilheiro mexicano, atuante no norte do país, no estado de Monterrey, pela Frente de
Liberación Nacional e que tombou em 1974 no estado de Chiapas lutando com os indígenas.
Nesta comunidade estava sendo construído um posto médico, bem estruturado, que havia sido
financiado por uma organização cujo nome não tivemos acesso, mas que pertencia ao País
Basco, o que confirma a presença múltipla de agentes que contribuem com o movimento
indígena, caracterizado por redes de solidariedade de diversos segmentos da sociedade,
especialmente as Organizações Não-Governamentais e a Igreja Católica.
Breves conclusões
John Holloway, que reativa a teoria Foucaultiana das relações de micro-poder entre os
indivíduos, pois passa a pensá-la para além da linguagem e do discurso, vem ilustrar o
Zapatismo como um movimento que apaga o rosto com os pasamontañas para mostrar a
verdadeira face e imagem das desigualdades sociais presentes em tantos cenários do mundo
capitalista. Para ele, a insubordinação a uma ordem manifesta e monolítica, como a do Estado,
da obrigatoriedade pela rotina no trabalho, pelo reconhecimento da indignidade alheia, das
injustiças sociais, etc., nos, são motores das ações negativas contra o processo perverso de
desumanização por qual o sistema capitalista nos faz passar.
A autonomia e a democracia para os Zapatistas parecem ser um ideal a ser
conquistado a cada dia de luta. Isto exposto, é possível situar o Zapatismo num complexo
caminho de lutas, reivindicações, conflitos, mas também de conquistas. É um movimento
onde se transcendem relações de dependência, onde os sujeitos são agentes de suas próprias
histórias e conquistas, sejam aquelas ligadas à manutenção básica de suas comunidades, sejam
nas políticas e leis específicas pensadas para as crianças, no atento à sua infância e
desenvolvimento da escolaridade, sejam em relação à luta das mulheres indígenas, que ainda
vivem o âmbito do privado, mas que a cada dia conseguem vitórias pelo fim da violência
doméstica. Enfim, o Zapatismo se torna de fato global por permitir pensar na igualdade de
direitos para todos os mexicanos, latino-americanos, humanos. È, portanto, uma luta
intergaláctica que vibra por aspirações onde possam conviver vários mundos.
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