Conjuntos Habitacionais na Periferia das Metrópoles

Transcrição

Conjuntos Habitacionais na Periferia das Metrópoles
Conjuntos Habitacionais na Periferia das Metrópoles:
Centralidades em Zona de Dispersão
André Luiz Prado
Professor do Departamento de Projetos (PRJ) da Escola de Arquitetura da UFMG, Mestre e
Doutorando em Arquitetura e Urbanismo pela UFMG. [email protected]
RESUMO
O artigo discute formas alternativas para o estudo das condições de precariedade urbanoambiental típicas de muitos conjuntos habitacionais verticais construídos nas bordas das
grandes cidades brasileiras. Ao mesmo tempo em que os grandes conjuntos habitacionais
criam centralidades próprias, dada a densidade de ocupação do território que geram, inseremse num território disperso, na fronteira entre uma urbanização rarefeita e precária da periferia
metropolitana de um lado e um espaço “não-urbano” repleto de degradação ambiental do
outro. Tentando avançar para além do conceito de “assentamentos precários”, comum nas
análises do campo da arquitetura e urbanismo, o texto tenta cruzar informações e incorporar
instrumentos analíticos do campo da demografia, em especial dos estudos sobre populações e
meio ambiente. Alguns conceitos desse campo, como o risco ambiental, a vulnerabilidade
ambiental, a resiliência e a adaptação são discutidos enquanto possibilidades teóricas para
uma análise dialética sobre o espaço dos conjuntos habitacionais como mediador entre o
ambiente disperso das franjas metropolitandas e as populações pobres que nele habitam.
PALAVRAS-CHAVE:
conjuntos habitacionais, conflitos urbano-ambientais, população/meio ambiente, risco
ambiental, vulnerabilidade ambiental.
Conjuntos Habitacionais na Periferia das Metrópoles:
Centralidades em Zona de Dispersão
O período que vai de meados dos anos de 1960 até o começo dos anos de 1980 marcou o
Brasil de maneira indelével, pelo regime militar autoritário que nele se estabeleceu, mas
também por um processo de acelerada expansão dos territórios urbanos. Esta fase da nossa
história corresponde ao “milagre econômico” e marcou nosso processo de desenvolvimento
urbano-industrial tardio, intenso e desigual. Foi quando, ao mesmo tempo em que ocorria um
rápido processo de esparramamento dos tecidos urbanos formais e informais sobre o
território, foram surgindo nesses novos territórios dispersos nas periferias das grandes cidades
vários projetos de complexos habitacionais voltados principalmente para a população mais
pobre. Em muitos casos, em função do tamanho, esses conjuntos habitacionais criaram
centralidades próprias, como mini-bairros dentro dos bairros. Projetos desse tipo foram
viabilizados principalmente pela ação do extinto B.N.H. (Banco Nacional da Habitação),
criado em 1964 pelo regime militar para aquecer a economia e conseguir apoio da população
mais pobre através do crédito imobiliário mais acessível (MEDEIROS, 2010). A produção
formal de moradias em grande escala nas periferias na forma de grandes conjuntos
habitacionais fez parte, portanto, de uma importante política de governo, principalmente nas
décadas de 1960-1970, em grande parte justificada no discurso do “déficit habitacional”, que
seria considerado posteriormente um pretexto político ou ainda, um “falso problema”.1
Vários desses assentamentos habitacionais hoje têm mais de trinta anos e se caracterizam por
uma condição de extrema precariedade física e ambiental, o que é acentuado em grande parte
– mas não somente, devido à alta densidade de ocupação que ocorre naqueles caracterizados
como conjuntos “multifamiliares verticais”, que são aqueles formados por edifícios de mais
de três pavimentos. Buscar-se-á verificar em que medida conceitos próprios do campo dos
estudos demográficos sobre população e meio ambiente, principalmente as ideias de
vulnerabilidade e risco podem ser utilizadas numa pesquisa que pretende entender os
conflitos ambientais que emergem no território dos conjuntos habitacionais de baixa renda nas
bordas das grandes cidades brasileiras.
Precariedade urbana e ambiental
Nas metrópoles brasileiras, os espaços onde se encontram implantados esses grandes
complexos habitacionais caracterizam-se pela situação fronteiriça entre dois ambientes
bastante distintos. De um lado está o ambiente urbano, normalmente caracterizado, nos casos
em questão2, por uma ocupação incompleta e de baixa densidade e uma infraestrutura urbana
precária. Do outro lado da fronteira está o território não-urbano3, que apesar de poder se
caracterizar de diferentes maneiras, constitui quase sempre alguma forma de barreira ao
1
Cf. Bolaffi, 1979.
Excluem-se desse estudo as zonas periurbanas onde são construídos os condomínios de luxo.
3
Estamos usando o termo “não-urbano” no sentido morfológico, como caracterização daquele território que não
se constitui como um parcelamento do solo ou como um assentamento habitacional informal, e que, portanto não
é “zona urbana” nos termos da legislação urbanística brasileira.
2
1
crescimento da cidade, e por isso mesmo, seu oposto. Em certos casos esse espaço não-urbano
contém alguma restrição ao avanço da cidade por meio de um impedimento constituído na
dimensão legal, através da legislação urbana do município (lei de uso e ocupação do solo,
plano diretor, zoneamento urbano) ou ainda através da legislação ambiental (áreas de
preservação e unidades de conservação). Mas, em outros casos, a barreira ao avanço do
território urbano foi imposta na dimensão econômica, já que há glebas não parceladas nas
franjas do tecido urbano, sem qualquer impedimento legal ao parcelamento, mas que
permanecem como grandes áreas não urbanizadas. Nesse último caso, a circunstância
econômica que restringiu o crescimento da cidade pode ser revertida, rapidamente e a
qualquer tempo, desde que esse processo de produção do espaço urbano torne-se, em algum
momento, vantajoso para o capital imobiliário. São restrições de natureza distinta e que
evidenciam duas diferentes forças agindo sobre a produção do espaço urbano. De um lado o
Estado exercendo seu papel de ordenar o crescimento das cidades, impondo restrições ao
capital fundamentadas através de instrumentos teóricos do planejamento urbano. Do outro
lado, é o capital que impõe restrições a si próprio, interessando-se menos por certas áreas da
zona periurbana e mais por outras, onde conseguirá se reproduzir de maneira mais consistente.
Seja por meio da restrição legal ou pelo desinteresse do capital, esses territórios se constroem
e se consolidam como o lugar “onde a cidade termina”, espaços-limite entre duas dimensões
territoriais distintas. Do contato entre essas diferenças nasce o atrito.
O comprometimento ambiental e urbano dos grandes conjuntos habitacionais periféricos se dá
a partir de três situações distintas que se somam e se sobrepõem. Em primeiro lugar pela sua
condição periférica em relação ao espaço urbano tomado como um todo. Dessa situação
decorrem as dificuldades com a mobilidade urbana em função do distanciamento das
centralidades urbanas onde se concentram o comércio, os serviços públicos e os equipamentos
comunitários. Além disso, a constituição dos espaços urbanos das grandes metrópoles
brasileiras se dá de forma que, na medida em que se vai afastando dos centros (do centro
principal e das centralidades locais) em direção às franjas, gradativamente vão ficando cada
vez mais precárias as condições da infraestrutura urbana, entendida como o conjunto de
sistema viário, redes de água e esgoto, sistemas de drenagem urbana e demais redes urbanas.
Desta forma, os conjuntos habitacionais que se situam no limite do espaço urbano convivem,
muitas vezes, com o grau máximo de precariedade de infraestrutura urbana que existe.
Soma-se a isso, a relação próxima e direta que esses conjuntos habitacionais têm com o
espaço não-urbano, o que, de diferentes formas, contribui para o seu comprometimento
ambiental. Em muitos casos esse espaço não-urbano é cortado por um curso d’água que
recebe, sem qualquer tratamento, o esgoto da região ou ainda de outras regiões à montante.
Há também situações em que a zona periurbana não urbanizada contígua ao conjunto
habitacional foi utilizada para instalação de aterros sanitários ou depósitos de “bota-fora” de
entulhos. Há casos em que as áreas não urbanizadas apresentam comprometimento ou
supressão da superfície vegetal, a que se segue normalmente, um processo de erosão do solo.
Há ainda situações em que a área “fora da cidade” é utilizada pela indústria ou pela
mineração, atividades associadas a todos os tipos de degradação ambiental (água, ar, solo).
Por fim há os casos em que esse espaço é constituído por uma área de interesse ambiental,
definida pela legislação, mas gerida de forma precária pelo poder público, criando excelentes
condições para a o surgimento de violência urbana e vandalismo, além de incêndios em
períodos de estiagem. Em qualquer um dos casos descritos, que às vezes encontram-se
2
sobrepostos num mesmo espaço, a presença do espaço não-urbano como vizinho contribui
para a condição de precariedade os conjuntos habitacionais.
Por último, contribui para agravar a situação ambiental desses espaços, a sua própria
constituição física, a de conjuntos habitacionais multifamiliares verticais. Esse modelo
pensado para a produção de habitação em larga escala traz intrinsecamente uma condição de
precariedade ambiental em potencial. O tipo de assentamento em questão é formado,
invariavelmente, por um agrupamento de torres de edifícios, normalmente com três ou quatro
pavimentos, com pequena distância entre si, criando uma condição de iluminação e ventilação
precárias. No nível do solo, normalmente há pouca ou nenhuma área de vegetação e quase a
totalidade dos espaços são impermeabilizados e utilizados como estacionamentos. A essa
condição inicial de baixa qualidade ambiental e urbana que é inerente ao modelo, soma-se a
baixa capacidade financeira de manutenção do conjunto que possuem seus habitantes, o que
contribui para acelerar e agravar o quadro de precariedade desses lugares. Os conjuntos
habitacionais constituem uma solução arquitetônica diretamente associada ao
desenvolvimento urbano modernista do pós-guerra nos EUA e Europa. Esse modelo já foi
largamente criticado no campo da arquitetura e urbanismo, de Jane Jacobs4, em 1960 a
Charles Jencks5, em 1977, dentre muitos outros. Apesar de toda crítica, não deixaram de
existir e permanecem vivos nas periferias das grandes cidades brasileiras como uma herança
do nosso processo de desenvolvimento urbano tardio.
A condição de precariedade urbana e ambiental de muitos desses conjuntos habitacionais é
clara e agrava-se por estarem somadas circunstâncias originadas por sua condição periférica
em relação à cidade, por sua proximidade com um território muitas vezes ambientalmente
degradado e por sua própria condição de conjunto habitacional. Mas essa condição de
precariedade, como descrita até aqui, diz respeito mais aos lugares do que às populações.
Pode-se dizer que alguns conjuntos habitacionais são precários, mas não o são as pessoas que
ali moram. A categoria analítica de “precariedade urbana e ambiental” é bastante utilizada na
área de arquitetura e urbanismo, como instrumento para balizar ações de intervenção no
espaço, mas não consegue aprofundar o olhar sobre as populações que vivem nesses lugares
“precários”. Para esse campo, o olhar sobre o ambiente construído é o foco principal de
interesse e, assim, um estudo mais aprofundado sobre os grupos sociais que ali constituem seu
espaço de reprodução é deixado de lado.
O entendimento sobre o que seja “meio ambiente”, de onde a qualidade de “ambiental” no seu
sentido mais usado deriva, superou há muito tempo a noção de “natureza” e atualmente
engloba lugares e seres vivos, incluindo o homem. Segundo a definição oficial do IBGE, meio
ambiente é “o conjunto dos agentes físicos, químicos, biológicos e dos fatores sociais
susceptíveis de exercerem um efeito direto ou mesmo indireto, imediato ou a longo prazo
[sic], sobre todos os seres vivos, inclusive o homem.”6 Um estudo que pretende analisar os
conflitos ambientais que são criados em torno da presença de um modelo de assentamento
habitacional nas bordas das grandes cidades precisa necessariamente analisar também seus
habitantes. É necessário, portanto, buscar outras ferramentas teóricas que ajudem a
4
Cf. Jacobs, 2000.
Cf. Jencks, 1984.
6
IBGE, 2004 apud Martins, 2006, p.32.
5
3
compreender não só os ambientes precários dos conjuntos habitacionais, mas também as
pessoas que ali vivem e, principalmente, a relação que se estabelece entre ambos.
Estabelecendo contato com a demografia
Os instrumentos teóricos e conceitos para estudar as pessoas sujeitas a situações de risco
ambiental vêm sendo elaborados e discutidos há pelo menos trinta anos no campo de estudos
da demografia voltado para a relação entre população e meio ambiente. Nessa área, vários
conceitos-chave como perigo, risco, vulnerabilidade, adaptação e resiliência são usados
como demarcações para ajudar a compreender teoricamente os processos e significados que
conformam as situações de precariedade ambiental descritas anteriormente, bem como para
tentar criar métodos de medida e avaliação dos recursos que permitem melhorar ou piorar a
situação de diferentes grupos sociais.7 Interessante é perceber que, para esse campo do
conhecimento, vindo no sentido contrário, levanta-se nos últimos anos a importância da
espacialização dos conceitos trabalhados anteriormente de maneira abstrata passando-se ao
entendimento de que não apenas as populações, como se pensava inicialmente, mas também
os lugares podem estar vulneráveis ou expostos a riscos.8
Hogan (2006) lembra que a crise ambiental dos anos de 1970 pegou os demógrafos
despreparados, sem instrumentos teóricos e analíticos para lidar com a questão. Somente ao
longo dos anos seguintes é que são desenvolvidas metodologias e pesquisas que suprem essas
carências tentando relacionar população e meio ambiente. Entretanto, indo numa direção
diferente daquela apontada pelo debate ambiental num nível mais geral, os demógrafos não
vão se preocupar tanto com a questão da pressão do crescimento populacional sobre os
recursos naturais como elemento chave da crise ambiental como alardeiam os neomalthusianos. Para aqueles, a pressão demográfica agrava os problemas ambientais, mas não
é o fator determinante para que eles aconteçam.9 Os estudos da demografia sobre a relação
entre população e meio ambiente vão passar a se preocupar fundamentalmente com a
distribuição da população sobre o território, tentando analisar como cada um dos
componentes das dinâmicas demográficas (mortalidade/morbidade; fecundidade/natalidade;
migração) afeta e é afetada pelo meio ambiente.10 Essa “relação de mão dupla” como definiu
Hogan (1989, p. 72) abre uma perspectiva dialética para esse campo de estudos tentando
compreender não somente o lugar ou as populações, mas a relação que se estabelece entre
eles.
Risco Ambiental em lugar de Impacto Ambiental
Para Torres (2006) a ideia de impacto ambiental foi preponderante nos últimos anos para
descrever as relações entre as atividades humanas e o meio ambiente, constituindo-se no pilar
central do ordenamento jurídico ambiental brasileiro. Nossa legislação ambiental consolidou
o conceito de impacto ambiental11.
7
Marandola Jr. e Hogan, 2009, p.162
Id.,Ibid.
9
Hogan, 1989, p. 3
10
Id., 2006.
11
A resolução 001/86 do CONAMA instituiu a categoria impacto ambiental. Esse conceito consolidou-se
através dos estudos e relatórios exigidos pela legislação ambiental como o EIA (Estudo de Impacto Ambiental),
o RIMA (Relatório de Impacto de Meio Ambiente), o EIV (Estudo de Impacto de Vizinhança).
8
4
Apesar da larga utilização do termo risco ambiental em campos específicos – como na
geologia, para designar áreas sujeitas a desmoronamentos – não há ainda um debate mais
amplo sobre a ideia de risco dentro do debate ambiental, inclusive no campo das ciências
sociais. Apesar disso, Hogan (2006) considera essa abordagem promissora no campo dos
estudos entre população e meio ambiente por ser capaz de revelar as consequências da
degradação ambiental sentidas de forma desigual por diferentes grupos sociais ou de maneira
desuniforme através do território. Torres concorda, comparando os dois conceitos:
[...] essa escolha de categorias tem amplas consequências para o estudo das questões
ambientais, particularmente para aquelas abordagens que têm as ciências sociais entre suas
disciplinas básicas de referência. Nesse sentido, o nosso argumento é que a categoria risco
ambiental pode ser particularmente importante para uma abordagem sociológica e
demográfica da questão ambiental, por nos permitir identificar e mensurar as diferentes
características sociais e demográficas dos vários grupos populacionais expostos a diferentes
tipos e graus de risco ambiental. Desse modo, a ideia de risco nos permite explicitar também
os impasses técnicos e os confrontos políticos inerentes à delimitação do problema em
termos espaciais e do número de indivíduos afetados. (TORRES, 2006, p. 54)
Torres (2006) aponta ainda os principais limites do uso da categoria impacto ambiental como
instrumento de análise dos efeitos das populações sobre o ambiente: em primeiro lugar, esse
instrumento refere-se sempre a sujeitos específicos, fontes primárias de algum dano
ambiental. Na prática isso serve ao Estado, como agente regulador, para controlar esses danos
nos termos da legislação, mas não corresponde à realidade vista por uma perspectiva mais
sistêmica. A partir dessa abordagem é possível perceber que o que acontece, principalmente
no meio urbano, é a ação simultânea de vários agentes, transformando o espaço físico,
gerando efeitos positivos e negativos no ambiente, o que não consegue ser detectado por este
instrumento. Em segundo lugar há o problema da área de influência do impacto ambiental,
que é definida de maneira arbitrária, tornando arbitrários os riscos, sua natureza e sua
distribuição no território. Essa é uma forma de definir quais riscos serão aceitáveis para certos
grupos sociais e não para outros. Por fim, existem as consequências não antecipadas das
políticas públicas. O problema está na capacidade limitada de previsibilidade dos impactos
levando-se em conta as dinâmicas variadas das políticas públicas e seus efeitos no território.
Nesse sentido as duas categorias impacto e risco situam-se em posições opostas no
enfrentamento da distribuição desigual dos efeitos negativos da degradação ambiental no
território, uma evitando-o e a outra o evidenciando. O risco ambiental é uma construção social
e seu estudo evidencia também como se dá a distribuição social dessas situações.
Torres (2006) reconhece que a operacionalização empírica de uma metodologia de
identificação de riscos ambientais é bastante complexa por problemas conceituais. A categoria
do risco define sempre um agente ameaçador e um agente ameaçado. Mas nem sempre a
noção do que seja um risco é a mesma para diferentes grupos sociais ou para diferentes
indivíduos num mesmo grupo, já que se trata de um conceito histórica e culturalmente
construído. Além disso, há sempre a possibilidade de cruzamento e sobreposição de riscos,
gerando a cumulatividade de riscos ambientais de origens diversas, o que dificulta mais ainda
sua leitura. Mesmo assim, o autor sugere um roteiro metodológico de cinco passos para
identificação de populações sujeitas a riscos ambientais no caso de fontes fixas de poluição
em casos de estudos em pequena escala, como é o caso do estudo sobre os conjuntos
habitacionais:
5
1 – Identificação de uma fonte/fator potencialmente geradora de riscos ambientais;
2 – Construção de uma curva de riscos;
3 – Definição de um parâmetro de aceitabilidade de risco;
4 – Identificação de uma população sujeita a riscos;
5 – Identificação dos graus de vulnerabilidade dessa população.
Além disso, para os estudos sobre populações em condição de risco, dados censitários como
oferta de água e esgoto bem como dados relativos às condições do domicílio (telhado,
paredes, piso), por exemplo, passam a ser utilizados como informação ambiental em si,
permitindo a elaboração de indicadores de “qualidade ambiental de domicílio” e a reflexão
sobre a maneira pela qual um determinado tipo de risco externo tende a afetar em maior ou
menor grau aquele domicílio ou grupo de domicílios12.
Marandola (2009) faz uma importante diferenciação entre a categoria risco e perigo. Segundo
ele ambos podem ter origem social, ambiental ou tecnológica, mas representam momentos
distintos e estão associados a ações distintas. O risco está associado à possibilidade de que um
evento ocorra e, portanto, seu estudo traz um olhar prospectivo, já que remete às estratégias
de planejamento urbano ambiental. Já o perigo é o evento em si, o hazard, e seu estudo serve
para se entender os processos que o produziram e de que forma ele se distribui no território.
Vulnerabilidade a que?
A vulnerabilidade é uma categoria de análise que deriva diretamente da ideia de risco. A
princípio define a condição de exposição e fragilidade de uma população em situação de risco.
Marandola (2009) reconhece o potencial que o conceito carrega, mas faz ressalvas ao seu uso
por ele ter se tornado “uma expressão idiomática retórica, servindo para expressar a retórica
da perda, evocando sensibilidades nostálgicas, ou a retórica da irracionalidade, trazendo
imagens da manipulação e controvérsia.” (MARANDOLA, 2009, p. 30.) Além disso, é
preciso destacar que a associação direta entre a degradação ambiental urbana e pobreza com
vulnerabilidade, feita muitas vezes, é uma simplificação perigosa, criando um nexo causal que
nem sempre corresponde à realidade. A categoria vulnerabilidade é neutra com mostra
Marandola (2009) e representa um qualitativo que envolve as qualidades intrínsecas do lugar,
das pessoas, dos grupos sociais e os recursos disponíveis.13
O conceito inova ao cruzar as perspectivas ecológica e materialista, como defendem
Marandola e Hogan:
Notam-se, de um lado, a influência de uma abordagem ecológica, que entende o meio como
um conjunto físico-social que influencia e é influenciado pela população, e, de outro, a
presença de postulados materialistas, que concebe a relação sociedade-natureza como um
devir histórico-social pautado pela produção contraditória e desigual do espaço e da
sociedade. (MARANDOLA, HOGAN, 2009, p. 163)
12
13
Torres, 2006.
Marandola e Hogan, 2009
6
Por isso, a ideia de vulnerabilidade permite um olhar circunstancial e contextual dos
fenômenos, abrangendo sua multidimensionalidade, oferecendo possibilidades de estudo que
vão muito além do que seria possível através da categoria impacto ambiental.
A pergunta “vulnerabilidade a que?” é primária nos estudos sobre riscos e perigos,
direcionada a grupos demográficos que estão sujeitos a determinados perigos, constituindo-se
como “populações em situação de risco”. Esta pergunta poderia se relacionar às características
da dinâmica demográfica ou à sua situação socioeconômica, ligadas ao ciclo vital, à estrutura
familiar ou aos aspectos migratórios do grupo em situação de risco14. Como mostram
Marandola e Hogan (2009), “o campo de população e ambiente acrescentou a dimensão
espacial à problemática, considerando a posição e a situação (relacionais e relativas)
componentes dos elementos que produzem perigos ou que fornecem condições de enfrentálos”.
Dois importantes conceitos derivam da ideia de vulnerabilidade no sentido a suscetibilidade
de certos grupos ou de certos lugares em relação aos efeitos negativos da degradação
ambiental. Um deles é a ideia de resiliência que caracteriza a capacidade de um grupo
populacional ou de um lugar em voltar ao estado anterior ao evento de degradação. O outro é
a adaptação, entendida como a capacidade de certos grupos ou lugares em alterar seu
comportamento, seu ordenamento territorial ou suas normas, em função de um evento
ambiental negativo15. Estes dois conceitos também são fundamentais no estudo sobre as
condições de precariedade dos conjuntos habitacionais periféricos porque podem ser
aplicados tanto aos ambientes como às populações.
Conclusão
Todos os conceitos trazidos aqui pela demografia para os estudos sobre populações e meio
ambiente são de grande utilidade para uma pesquisa empírica que pretende investigar os
grandes conjuntos habitacionais precários nas franjas das metrópoles brasileiras. Este estudo
deve ser construído a partir da relação entre o ambiente e as pessoas que ali habitam, tomando
como base, conjuntamente, as ideias de vulnerabilidade e risco. Como lembra Ayres (1997),
ambas trabalham com a suscetibilidade de sujeitos a agravos, mas a primeira é uma evolução
da segunda, já que se baseia no julgamento da suscetibilidade de certos sujeitos a agravos,
dado um certo conjunto de condições intercorrentes, enquanto a segunda estava focada em
calcular as possibilidades de ocorrência de certos agravos em relação a certos sujeitos,
abstraídas outras condições intervenientes. Um conceito não exclui o outro e, ao contrário,
completa-o.
A consideração de categorias como vulnerabilidade ambiental ou socioambiental e sua
antecessora, risco ambiental representa um grande avanço para os estudos sobre população e
meio ambiente e ajuda compreender os processos que historicamente constroem essas
situações. Por isso, torna-se necessário para estes estudos evitar a centralidade do conceito de
impacto ambiental, devido à série de limitações que este apresenta e que já foram discutidas.
Entretanto, como a legislação trabalha basicamente apoiada nessa categoria, boa parte da base
de dados levantada sobre o ambiente construído nos últimos vinte anos se fez nesses moldes.
14
15
Marandola e Hogan, 2009.
Marandola, 2009.
7
É importante nesse sentido, saber fazer uso desse material, contrapondo-o sempre a estudos
baseados em parâmetros socialmente mais completos.
Fatores de degradação ambiental iguais atingem diferentes grupos sociais de forma distinta.
Talvez o maior salto que o conceito de vulnerabilidade permite é o de conseguir fazer a
leitura de que para riscos iguais e perigos iguais, diferentes grupos sociais podem ter
vulnerabilidades distintas. De fato, o conceito de vulnerabilidade só foi construído porque os
perigos de toda ordem não são igualmente distribuídos, o que quer dizer que os lugares e as
pessoas não sofrem igualmente os efeitos negativos da degeneração urbana e ambiental. A
avaliação da vulnerabilidade ambiental na periferia da metrópole é, portanto, um passo
importante para compreender como se dão as relações entre o ambiente precário que a
caracteriza e as populações que ali vivem, mediados pelo território edificado dos grandes
conjuntos habitacionais.
8
Referências
ACSELRAD, H. Vulnerabilidade Ambiental, Processos e Relações. Comunicação ao II
Encontro Nacional de Produtores e Usuários de Informações Sociais, Econômicas e
Territoriais,
FIBGE,
Rio
de
Janeiro,
24/08/2006.
Disponível
em
<http://www.ibcperu.org/doc/isis/11342.pdf> acessado em 29/06/2012.
BOLAFFI, G. Habitação e Urbanismo: o problema e o falso problema. In MARICATO, E.
(org.) A Produção Capitalista da Casa (e da Cidade) no Brasil Industrial. São Paulo:
editora Alfa-Omega, 1979.
JACOBS, J. Morte e Vida de Grandes Cidades. Trad. Carlos S. Mendes Rosa. São Paulo:
Editora WMF Martins Fontes, 2000.
JENCKS, C. A. The Language of Post-Modern Architecture. Londres: Academy Editions,
1984. (4a. edição).
HOGAN, D.J. População e meio ambiente. Textos NEPO 16. Campinas: UNICAMP, 1989.
HOGAN, D.J. A Relação entre População e Ambiente: Desafios para a Demografia. In:
TORRES, H., COSTA. H. (orgs.). População e Meio Ambiente: Debates e Desafios. São
Paulo: Editora SENAC, 2000. p. 21-52.
MARANDOLA JUNIOR, E. Tangenciando a vulnerabilidade. In HOGAN, D. J.;
MARANDOLA JUNIOR, E (orgs.). População e mudança climática: dimensões humanas
das mudanças ambientais globais. Campinas: NEPO/UNICAMP; Brasília: UNFPA, 2009. p.
29-52.
MARANDOLA JUNIOR, Eduardo; HOGAN, Daniel Joseph. Vulnerabilidade do lugar vs.
vulnerabilidade sociodemográfica: implicações metodológicas de uma velha questão. Revista
Brasileira de Estudos Populacionais, Rio de Janeiro, v. 26, n. 2, p.161-181, jul. 2009.
MARTINS, M.L.R. Moradia e Mananciais: tensão e diálogo na metrópole. São Paulo:
FAUUSP/FAPESP, 2006.
MEDEIROS, Sandra Raquel Fernandes Queiroz. BNH: Outras perspectivas. Anais da 1ª.
Conferência Nacional de Políticas Públicas contra a Pobreza e a Desigualdade. Natal,
novembro de 2010.
TORRES, Haroldo. A demografia do risco ambiental. In TORRES, Haroldo; COSTA,
Heloisa Soares de Moura (Orgs.). População e meio ambiente: debates e desafios. 2ª. ed.
São Paulo: SENAC São Paulo, 2006. p. 53-73.
9