Anais do SIMCAM 9 - Associação Brasileira de Cognição e Artes

Transcrição

Anais do SIMCAM 9 - Associação Brasileira de Cognição e Artes
Anais do
IX SIMCAM
Simpósio de Cognição e Artes Musicais
Marcos Nogueira, editor
Anais do
IX SIMCAM
Simpósio de Cognição e Artes Musicais
Universidade Federal do Pará
Valéria Cristina Marques, Coordenadora Geral
Belém, 27 a 30 de maio de 2013
Realização:
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ - UFPA
Reitor
Carlos Edilson de Almeida Maneschy
Vice-Reitor
Horácio Schneider
Pró-Reitor de Planejamento
Raquel Trindade Boges
Pró-Reitor de Administração
Edson Ortiz de Matos
Pró-Reitor de Relacões Internacionais
Flávio Augusto Sidrim Nassar
Pró-Reitor de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal
João Cauby de Almeida Júnior
Pró-Reitora de Ensino de Graduação
Marlene Rodrigues Medeiros Freitas
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação
Emmanuel Zagury Tourinho
Pró-Reitor de Extensão
Fernando Arthur de Freitas Neves
INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA ARTE
Diretor Geral
Celson Henrique Sousa Gomes
Diretora Adjunta
Benedita Afonso Martins
ESCOLA DE MÚSICA
Diretora
Valéria Cristina Marques
Vice-Diretora
Thais Cristina Santana Carneiro
Coordenador dos Cursos Técnicos da Escola de Música
André Alves Gaby
Coordenadora do Curso de Licenciatura Plena em Música
Cristina Mami Owtake
Coordenação do Curso de Licenciatura em Musica – Parfor
Ana Margarida Camargo
Coordenação dos Cursos Técnicos – Pronatec
Alessandra Ferreira Castro
Coordenação da Câmara de Ensino
Carlos Augusto Pires Vasconcelos
Coordenação da Câmara de Pesquisa
Alexandre Contente
Coordenação da Câmara de Extensão
Maria José Pinto da Costa de Moraes
Promoção:
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE COGNIÇÃO E ARTES MUSICAIS
Presidente
Beatriz Raposo de Medeiros
Vice-Presidente
Maurício Dottori
Secretária
Clara Márcia de Freitas Piazzetta
Tesoureiro
Antenor Ferreira Correia
Relações Públicas
Rael Gimenes Toffolo
Web Designer
Pedro Paulo Santos
COMITÊ CIENTÍFICO – SIMCAM9
Diretor
Marcos Nogueira
Coordenadores de Subárea
Antenor Corrêa
Clara Piazzetta
Luis Felipe Oliveira
Marcelo Gimenes
Rosane Cardoso Araújo
Sonia Ray
Pareceristas
Antenor Ferreira Corrêa, Beatriz Raposo de Medeiros, Caroline Brendel Pacheco, Clara Piazzetta, Clayton Vetromilla, Danilo Ramos, Diana Santiago, Graziela Bortz, Guilherme Bertissolo, Gustavo Gattino, Hugo Ribeiro, José Eduardo Fornari, Juan Anta, Leomara Craveiro de Sá,
Luis Felipe Oliveira, Marcelo Gimenes, Marcos Nogueira, Marcus Alessi Bittencourt, Maurício
Dottori, Maria Bernardete Castelan Póvoas, Marly Chagas, Noemi Ansay, Norton Dudeque,
Pauxy Gentil-Nunes, Regina Antunes Teixeira dos Santos, Rita de Cássia Fucci Amato, Rosane
Cardoso de Araújo, Rosemyrian Cunha, Sonia Ray, Thelma Alvares, Valentina Daldegan, Viviane Beineke
IX SIMPÓSIO DE COGNIÇÃO E ARTES MUSICAIS – SIMCAM9
(INTERNACIONAL)
Coordenação Geral
Valéria Cristina Marques
Presidente do Comitê Científico
Marcos Nogueira
Coordenação Executiva
Cristina Mami Owtake
Coordenação de Produção
Adriana Clairefont Melo Couceiro
Comissão Executiva
Ana Margarida Lins Leal de Camargo
Alexandre Contente
Rômulo da Mota Queiroz
Comissão de Comunicação
Filipe Leitão
Isac Rodrigues de Almeida
Comissão de Infra-Estrutura
Thais Cristina Santana Carneiro
Lucas Oliveira Negrão
Sérgio Roberto Damous Pereira
Raul Vitor Oliveira Paes
Comissão Artística
Joziely Carmo de Brito
Alessandra Ferreira Castro
Comissão Financeira
Rômulo da Mota Queiroz
Ailana Guta Rodrigues Vieira
Secretaria Geral
Flaviana Moraes Pantoja
Assistentes de Produção
André Wilkes Louzada D’Albuquerque, Brena Cristina Souza Cordovil, Camila Silva
Costa, Carlos Henrique Cascaes dos Santos, Diego Oliveira Quadros, Dhulyan Contente Paulo, Geraldo Carlos Silva de Sousa, Hézio Hiverlley Saldanha da Silva, Mara
Lúcia Sousa da Silva, Ozian de Sousa Saraiva, Rafael Barros Barbosa, Regiane Lúcia
Farias Freire, Rubens Estanislau Santos das Neves, Sandro dos Santos Santarém, Kezia Andrade Soares.
Produção Gráfica e Logomarca Simcam9
Filipe Leitão
CADERNO DE PROGRAMAÇÃO SIMCAM9
Diagramação
Mariane Smith dos Santos
Revisão
Valéria Cristina Marques
Cristina Mami Owtake
Ana Margarida Lins Leal Camargo
Adriana Clairefont Melo Couceiro
Filipe Leitão
SITE SIMCAM9
Coordenação e Design
Filipe Leitão
Desenvolvimento e Manutenção
Leandro Machado Sousa - Plugue.net
Conteúdo
Valéria Cristina Marques
Cristina Mami Owtake
Adriana Clairefont Melo Couceiro
Tradução
Rômulo da Mota Queiroz
Alexandre Contente
Apresentação
Prezado e prezada participante,
S
entimo-nos honrados e felizes com a sua presença na nossa cidade,
na nossa universidade. Mais do que participar do IX Simpósio de
Cognição e Artes Musicais – SIMCAM9 (Internacional), você está
participando de uma celebração: neste ano de 2013, comemoramos 50
anos de atividades musicais ininterruptas na Universidade Federal do Pará.
Receber você aqui, para o SIMCAM9 (Internacional), é mais do que
sediar um evento tão importante. É compartilhar com você e com todos,
esses momentos de alegria, de confraternização e de renovação de esforços
para a manutenção e a expansão dos nossos ideais de formação musical.
Dentre todas as áreas de pesquisa em música, a cognição musical tem
sido, desde sua origem, aquela que melhor acolhe e congrega todas as dimensões das atividades musicais. Sua natureza trans/multi/interdisciplinar
permite a abordagem dos fenômenos musicais em variadas e diversificadas
perspectivas, cada uma delas contribuindo, a seu modo, para a compreensão do complexo conjunto das atividades humanas às quais denominamos,
de alguma maneira, MÚSICA. Portanto, o fato de estarmos iniciando a
comemoração dos nossos 50 anos com o SIMCAM9 (internacional) é para
nós de extrema significância.
9
Ao possibilitar o encontro de alunos, professores, pesquisadores, profissionais e comunidade em geral com a produção nacional e internacional
na área de cognição musical, a realização do SIMCAM9, pela primeira vez
em Belém, marca o início de uma nova etapa na qual as ferramentas conceituais da cognição musical se tornam acessíveis a um número maior de pessoas da nossa região.
Por isso, queremos agradecer imensamente a todos os membros da
Associação Brasileira de Cognição e Artes Musicais (ABCM), na pessoa da
sua Presidente, Dra. Beatriz Raposo de Medeiros, pelo presente que nos
deram aceitando vir a Belém para compartilhar seus conhecimentos e experiências; ao comitê científico e a todos os pareceristas, liderados tão competentemente pelo Dr. Marcos Nogueira, por nos brindarem com seu valoroso trabalho; a todos os setores da Universidade Federal do Pará que apoiaram incondicionalmente a realização do evento; aos docentes, técnicoadministrativos e alunos da Escola de Música da Universidade Federal do
Pará, que com entusiasmo e dedicação participam da organização e da execução do SIMCAM9.
Em especial, queremos agradecer aos autores e aos convidados nacionais e estrangeiros pela generosidade de compartilhar seus conhecimentos.
De igual maneira, agradecemos a você, por sua carinhosa presença nesta
celebração.
Desejamos que esses dias sejam alegres e profícuos.
10
Esperamos que, ao nos despedirmos, tenhamos a certeza de que conseguimos revigorar e reforçar os laços que nos unem na ampliação e no
desenvolvimento dos estudos e das investigações na área de cognição musical na Região Norte brasileira e, consequentemente, em todo o Brasil: nosso
maior objetivo.
Estamos, de fato, extremamente felizes por você estar aqui.
Valéria Cristina Marques
Coordenadora Geral – SIMCAM9 (Internacional)
S
ete anos aproximadamente decorreram desde o primeiro SIMCAM,
idealizado e realizado por Beatriz Ilari, até a preparação inicial do
nono SIMCAM, quando sugeri à Valéria Marques o tema geral:
Estruturas cognitivas: tendências teóricas e empíricas.
E agora, oito anos depois do SIMCAM inicial, chegamos a mais uma
versão internacional do simpósio, desta vez, em meio à floresta amazônica e
à beira do rio Guamá. Trazer ainda mais a norte do Brasil este SIMCAM, já
é motivo de comemoração. Chegar a mais uma edição dos Anais do SIMCAM é mais um motivo para celebrarmos o trabalho da pesquisa em cognição musical que se renova no Brasil e recebe a contribuição de pesquisadores de outras partes do mundo.
Devidamente fortalecidos pelo espírito das celebrações, devemos aproveitar ao máximo nossa condição de participantes aqui e agora do SIMCAM 9 para contribuir ainda mais, em nossas discussões presenciais, com a
área de pesquisa em cognição e artes musicais no país. A escolha do tema
geral se pauta fundamentalmente sobre a ideia de abarcar diferentes visões
sobre cognição. As pesquisas de linhagem dualista, que separam a mente
abstrata do corpo físico, bem como as de linhagem integrativa, em que o
corpo é também estrutura cognitiva, teriam espaço sob o tema que busquei
ser genérico o bastante e para o qual evitei conceitos como “mente”, ou
qualquer outro que limitasse o tema a uma determinada visão em ciência da
cognição.
11
Em meio aos trabalhos deste ano, subjaz apenas tenuamente uma opção pelo cognitivismo tradicional, e muitas vezes o trabalho empírico ou o
estudo de caso, ou mesmo o experimental não evidenciam sua base teórica.
Assim, convido todos os participantes deste SIMCAM amazônico a discutir
a memória, o desenvolvimento musical, a performance musical, a gestualidade, os movimentos corporais, o ensino/aprendizado de música e a musicoterapia à luz da seguinte pergunta: o que o aspecto estudado explica sobre
as estruturas cognitivas da música?
Estou certa de que cumpriremos esta resposta ao longo dos quatro generosos dias de simpósio, dias esses vislumbrados há mais de um ano pela
organização local, a quem expresso meus agradecimentos, aqui, juntamente
com os agradecimentos ao Marcos Nogueira, diretor científico do simpósio.
Beatriz Raposo de Medeiros
Presidente da ABCM
12
com imensa satisfação que vemos, mais uma vez, o Simpósio de
Cognição e Artes Musicais, SIMCAM, agora em sua 9ª edição, trazer
a público um conjunto importante de comunicações de pesquisa nas
diferentes subáreas da Cognição Musical. Cumpre destacar dois fatos relevantes que marcam o evento, em 2013. Este ano o principal fórum brasileiro
de pesquisa em cognição musical completa sua passagem por todas as regiões do país, e os resultados não poderiam ser diferentes: a cada ano verificase uma participação mais consistente de pesquisadores radicados em todas
as regiões brasileiras. Isso concorre para a minimização de um dos principais problemas assinalados pelos órgãos públicos que regulam e fomentam
a pós-graduação e a pesquisa no país, qual seja o da notável assimetria dos
centros de pesquisa e da produção em pós-graduação no território nacional.
É com grande expectativa que vemos, portanto, na realização do SIMCAM
pela Universidade Federal do Pará o ponto de partida para uma participação crescente de pesquisadores da Região Norte em pesquisa cognitiva na
nossa área, de modo a que suas contribuições não tardem a se tornar efetivas.
É
O segundo fato a ser salientado é o significativo estreitamento dos laços da pesquisa brasileira em Cognição Musical com diversos centros de
pesquisa e pesquisadores estrangeiros, com especial destaque para os latino-americanos. Além das pesquisas apresentadas pelos convidados estrangeiros, o SIMCAM9 coloca em discussão trabalhos apresentados por colegas de Itália, Portugal, Argentina, Chile e Colômbia. Não à toa este ano
13
marca também o início de um processo de formalização de convênios e
acordos de cooperação da Associação Brasileira de Cognição e Artes Musicais, ABCM, com instituições da América do Sul dedicadas à pesquisa na
área. Entende-se como essencial a ampliação dessa rede para além do nosso
continente.
A comunidade científica encontrará nesta edição do Simpósio a publicação de pesquisas em: cognição musical e ergonomia; desenvolvimento
cognitivo, psicomotricidade e práticas motivacionais em educação musical;
musicoterapia; cognição e abordagem sistêmica em música; emoção e ansiedade em performance musical; memória e recepção da forma musical;
cognição musical, imagem e linguagem; atenção, decodificação e percepção
auditiva. Os trabalhos foram programados em sessões de apresentação oral,
durante o evento, considerando-se alguns critérios de afinidade temática.
Assim, os textos completos são aqui apresentados levando-se em conta esta
ordem de apresentação. Todo o conteúdo do presente volume, conhecido
durante o evento, será posteriormente disponibilizado no sítio eletrônico da
ABCM.
14
Merecem todo o nosso respeito e agradecimento a equipe organizadora da UFPA, representada por sua coordenadora geral, Drª. Valéria Cristina
Marques, pela iniciativa e esforço para realizar este evento tão significativo
para o desenvolvimento da área no país, e a diretoria da ABCM, na pessoa
de sua presidente, Drª. Beatriz Raposo de Medeiros, que vem obtendo conquistas importantes para a consolidação da principal entidade promotora
da pesquisa em Cognição Musical no país. Agradeço, pessoalmente, o convite para presidir o comitê científico do Simpósio, assim como a generosidade com que diretores de avaliação e pareceristas aceitaram a tarefa de
examinar os trabalhos submetidos.
Marcos Nogueira
Diretor Científico do SIMCAM9
Sumário
PROGRAMAÇÃO GERAL, 20
CONFERÊNCIAS, 25
Reinhard Kopiez
O audiovisual na performance musical como um desafio para a psicologia da música
Fred Cummins
Falando ao mesmo tempo: como podemos ser um ao falarmos
Marcela Lichtensztejn
Reabilitação neurológica e música: avanços em Musicoterapia
MESAS REDONDAS
Resumos, 31
PAINÉIS
Música, Memória e Emoção, 37
Coordenação: Marcelo Gimenes
Ronaldo da Silva, Ricardo Goldemberg, Marcelo Gimenes
Em busca de um modelo de memória aplicável à audiação notacional, 38
Ana Carolina Tenorio, Raquel Mendes Rochia Santos, Marcelo Gimenes
Emoção e ansiedade na performance musical, 50
Claudia Coutinho Liedke, Marcelo Gimenes
Educação musical e texturas - Uma abordagem multissensorial, 62
Motivação, Tecnologia e Criação Musical, 73
Coordenação: Rosane Cardoso de Araujo
Anna Rita Addessi, Rosane Cardoso de Araujo, Marina Maffioli, Fabio Regazzi, Gualtiero Volpe, e Barbara Mazarino
Designing the MIROR-Body Gesture framework for music and
dance creativity, 74
15
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Rosane Cardoso de Araujo, Anna Rita Addessi
Children's musical improvisation in an interactive/reflexive musical
context: an study, 95
Igor Mendes Krüger, Rosane Cardoso Araujo
O Processo de aprendizagem da composição musical em aulas coletivas por meio das experiências vicárias, 106
16
COMUNICAÇÕES ORAIS
Marcos dos Santos Moreira, Jairo Tadeu Brandão Ribeiro
Performance pianística: Cognição e movimentos articulares na execução em estudos, 119
Sara Moraes, Ana Paula Perfetto Demarchi
Avaliação ergonômica do trabalho dos violinistas da Orquestra Sinfônica da Universidade Estadual de Londrina (OSUEL), 127
Guilherme Bertissolo
Dinâmicas da experiência: abordagens para a relação músicamovimento, 139
Fernando Martins de Castro Chaib, João Catalão, Homero Chaib Filho
A influência do gesto na performance em percussão: Análise percentual de dados experimentais, 149
Fernando Martins de Castro Chaib, Homero Chaib Filho, João Catalão
A influência do gesto na performance em percussão: Análise fatorial
de correspondências sobre dados experimentais, 161
André José Rodrigues Jr
Desenvolvimento musical em crianças de 12 a 18 meses: um estudo
exploratório, 173
Aparecida Camargo, Rosane Cardoso Araújo, Tiago Madalozzo
O Projeto “Música & Cognição”, 183
Jessika Castro Rodrigues
Contribuições do aprendizado musical para o desenvolvimento da
área psicomotora de crianças com Transtorno do Espectro do Autismo, 194
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Tonia Gonzaga, Claudia Regina de Oliveira Zanini
Relações entre Música, Musicoterapia e desenvolvimento cognitivo
da criança com deficiência mental, 203
Ludmila Rodrigues da Silva, Claudia Regina de Oliveira Zanini
Música, Musicoterapia e Emoção em interfaces com a Cognição,
214
Amanda Veloso Garcia
Uma abordagem sistêmica em música, 225
Genoveva Salazar Hakim
Práticas de audição em agrupações musicais do Proyecto Curricular
de Artes Musicales, 238
Joziely Carmo de Brito
Desenvolvimento cognitivo musical da criança de cinco anos com
implicações ao ensino coletivo do violino, 250
Jonathan Guimarães e Miranda, Elizabeth Sumi Yamada, Sérgio Figueiredo
Rocha, Sonia Maria Moraes Chada
Ansiedade de performance musical entre estudantes de música de
Belém do Pará: investigação através da Escala K-MPAI, 261
Ana Ester Correia Madeira, Teresa Mateiro
Peculiaridades da motivação no contexto de uma aula de música,
273
Erico Artioli Firmino, José Lino Oliveira Bueno
Efeitos de modulações tonais súbitas e gradativas entre tonalidades
menores próximas e distantes sobre estimações subjetivas de tempo,
285
Marcelo Muniz, Maria Inês Nogueira
Emoção e significado em música: um novo olhar sobre as propostas
de Leonard B. Meyer, 297
Danilo Ramos, Adriano Elias, Elder Gomes da Silva
Cultura e memória: considerações sobre a recepção musical, 308
Regina Antunes Teixeira dos Santos, Cristina Capparelli Gerling
Considerações acerca do andamento: interpretações de pianistas
profissionais e pós-graduandos do Ponteio 45 de Guarnieri, 319
17
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
18
Leandro Gumboski
Interações entre A Generative Theory of Tonal Music e o Conceito
de Dissonância Métrica: para um novo modelo analítico, 331
Eduardo Fabricio Frigatti
No limite da terra fértil: breves considerações sobre o fracasso da
forma musical, 342
Pablo Sebastián Toledo, Juan Fernando Anta
Incidencia de la dispersión de las alturas en la inducción tonal, 350
Marcelo Fernandes Pereira
Escrita polifônica e desenvolvimento motívico contidos no Estudo
n.1 para violão de Camargo Guarnieri, revelados pelas considerações
de John Sloboda a respeito de streams de alturas, 361
Juan Pablo Emilio Robledo
Geração de intervalos musicais na fala em situações interacionais,
372
Andre Checchia Antonietti, Claudiney Rodrigues Carrasco
O entendimento da canção “Me deixas louca” na trilha musical do
seriado “A vida como ela é...”, 383
José Roberto do Carmo Jr
Gramática da interação Texto-Melodia na canção popular, 394
Paulo José de Siqueira Tiné
A estruturação poética da fraseologia em alguns exemplos de música
popular do Brasil, 405
Jose Eduardo Fornari
Aspectos sinestésicos da taxonomia do timbre musical, 417
Leandro Gumboski
Bulgarian Bulge, de Don Ellis: um estudo analítico, 428
Ana Lúcia Iara Gaborim Moreira, Antonio Deusany de Carvalho Junior
A escuta da mídia: um estudo sobre a percepção de sons e música,
440
Ana Carolina Rodrigues, Maurício Loureiro, Paulo Caramelli
Efeito do treinamento musical em diferentes modalidades da capacidade de atenção visual, 452
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Andre Sinico, Fernando Gualda, Leonardo Loureiro Winter
Ansiedade na performance musical: um estudo sobre flautistas, 464
Anderson Cesar Alves, Ricardo Dourado Freire
Expertise e motivação na performance musical, 477
Danilo Ramos, Juliano Carpen Schultz
A comunicação emocional entre intérprete e ouvinte no repertório
brasileiro para trombone e trompete, 489
Nery Borges, Werner Aguiar
Relação entre pontos de referência e tipos de memória no processo
de memorização do Estudo nº 7 para violão de Heitor Villa-Lobos,
500
Pablo da Silva Gusmão, Josemar Dias
Elaboração e validação de uma escala de autoeficácia para Percepção
Musical no ensino superior, 511
Graziela Bortz
Decodificando níveis estruturais no solfejo melódico tonal, 522
Favio Shifres, María Inés Burcet
Fatores expressivos e dramáticos na subjectiva estimação do tamanho dos intervalos melódicos, 533
Nayana Di Giuseppe Germano, Patricia Maria Vanzella, Mariana Elisa Benassi Werke, Maria Gabriela Menezes Oliveira
Categorização de ouvido absoluto em estudantes de música de nível
universitário das cidades de São Paulo e Brasília, 545
GRUPOS DE ESTUDO
Música, Cognição e Saúde, 559
Criação Musical e Cognição, 561
Semântica Cognitiva e Música, 563
19
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Programação Geral
Horário
27 de maio
Segunda-feira
28 de maio
Terça-feira
09:00
Sessões de
Comunicações Orais
Local: Atelier de Arte
11:05
Café com Arte
Local: Centro de Eventos
11:30
Conferência
“Speaking together how we
speak as one”
Fred Cummins (Irlanda)
Local: Centro de Eventos
12:30
Almoço
15:00
Credenciamento
Local: Centro de Eventos
16:00
Concerto Especial
Sonia Ray
Local: Centro de Eventos
Painel Temático 2
Local: Centro de Eventos
17:00
Abertura Oficial
Local: Centro de Eventos
Café com Arte
Local: Centro de Eventos
17:30
Conferência
“Audio-visual music performance as a challenge to music
psychology”
Reinhard Kopiez (Alemanha)
Local: Centro de Eventos
Mesa redonda
Reinhard Kopiez
Cristina Capparelli Gerling
Marcelo Gimenes
Local: Centro de Eventos
18:30
EMUFPA Jazz Band
Local: Centro de Eventos
Grupos de Estudo
Local: Atelier de Arte
19:30
Confraternização
Local: Centro de Eventos
Carimbolada
Local: Atelier de Arte
20
Painel Temático 1
Local: Atelier de Arte
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
29 de maio
Quarta-feira
Horário
30 de maio
Quinta-feira
09:00
Sessões de
Comunicações Orais
Local: Atelier de Arte
Sessões de
Comunicações Orais
Local: Atelier de Arte
11:05
Café com Arte
Local: Centro de Eventos
Café com Arte
Local: Centro de Eventos
11:30
Mesa redonda
Cristina Zamani
Cléo Monteiro Correia
Gustavo Gattino
Local: Centro de Eventos
Conferência
“Rehabilitación neurológica y
música: avances em
Musicoterapia”
Marcela Lichtensztejn
(Argentina)
Local: Centro de Eventos
12:30
Almoço
Encerramento
Local: Centro de Eventos
15:00
Assembleia da Associação
Brasileira de Cognição e
Artes Musicais (ABCM)
Local: Centro de Eventos
17:00
Café com Arte
Local: Centro de Eventos
17:30
Mesa redonda
Fred Cummins
Beatriz Raposo de Medeiros
Luiz Felipe Oliveira
Local: Centro de Eventos
18:30
Grupos de Estudo
Local: Atelier de Arte
19:30
Apresentação Artística
Local: Atelier de Arte
Saudosa Maloca: Travessia e
almoço na Ilha do Cumbu –
Rio Guamá
(Por adesão)
21
Conferências
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Conferência 1
O audiovisual na performance musical
como um desafio para a psicologia da música
Reinhard Kopiez
Graduou-se em violão clássico na School of Music in Cologne, recebeu seus
títulos de mestrado e doutorado em musicologia na Technical University in
Berlin. Vem atuando como professor de psicologia da música na Hanover
University of Music and Drama, na Alemanha, onde dirige o Hanover Music
Lab. Suas últimas publicações concernem aos seguintes assuntos: pesquisa
sobre a relação entre a performance musical e destreza manual; análises
historiométricas do repertório de Clara Shumann; o groove na música
popular e a avaliação da performance audiovisual. É coeditor do manualpadrão de Psicologia da Música na Alemanha (Musikpsychologie. Das neue
Handbuch, 2008, Rowohlt). Nos anos de 2009 a 2012, foi presidente da
European Society for the Cognitive Sciences of Music – ESCOM (Sociedade
Europeia para as Ciências Cognitivas da Música). Desde 2013, é editor do
periódico Musicae Scientiae.
25
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Conferência 2
Falando ao mesmo tempo:
como podemos ser um ao falarmos
Fred Cummins
26
O doutor Fred Cummins atualmente é codiretor de um programa irlandês
de pós-graduação em ciências cognitivas que oferece os níveis de mestrados e doutorados. Obteve seu título de doutorado em linguística e ciências
cognitivas na Universidade de Indiana (EUA) em 1997. Também completou um ano de pós-doutorado na Universidade de Northwestern (EUA, Evanston, IL) e no IDSIA (Istituto Dalle Molle di Studi sull'Intelligenza Artificiale), um laboratório de inteligência artificial em Lugano, na Suíça. O
foco original de sua pesquisa foi o ritmo da fala, que abordou utilizando
um paradigma experimental, através do qual destacou semelhanças entre
fenômenos aparentemente díspares que são observados no tempo da fala
e nos movimentos realizados com os membros do corpo. Desde então,
sua pesquisa tem abordado a coordenação individual e a coordenação entre os indivíduos. Cummins tem desenvolvido métodos experimentais para estudar a sincronização de habilidades específicas e tem investigado a
integração da linguagem do corpo (o modo de olhar, piscar, gesticular)
durante a fala. Recentemente, participou no desenvolvimento de um modelo dinâmico de mensuração do tempo de articulação o qual foi publicado nos influentes periódicos Psychological Review e Cognitive Science. A partir dos estudos realizados na Universidade de Indiana, Cummins vem empregando conceitos de sistemas dinâmicos e métodos de análise que contrastam com as abordagens computacionais e simbólicas, reminiscentes
das ciências cognitivas dos anos 80. O corpo de trabalhos experimentais
em desenvolvimento, portanto, serve como um amplo referencial de suporte às abordagens mais recentes sobre o comportamento e a experiência
humana. Os referenciais pós-cognitivos enfatizam o papel do corpo e sua
relação com o meio-ambiente, no sentido social e físico, empregando ferramentas da Matemática, dispostos também na Física Clássica, na Biologia
e nas Ciências Naturais em geral. As contribuições de Cummins ajudam a
estruturar abordagens dinâmicas, ecologicamente fundamentadas e encorpadas, a fim de se entenderem mente, cérebro e comportamento.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Conferência 3
Reabilitação neurológica e música:
avanços em Musicoterapia
Marcela Lichtensztejn
Mestre em Musicoterapia, formada pela New York University – NYU (EUA) e pela Universidad de Buenos Aires (Argentina), certificada em Abordagem Nordoff-Robbins de Musicoterapia Criativa. Pianista e educadora
musical (Conservatorio Nacional de Música Carlos López Buchardo –
Instituto Universitario Nacional de Artes – IUNA, Argentina). Certificada
pelo Colégio de Musicoterapeutas dos EUA (CBMT). Especialista em
crianças e adultos, com ênfase em reabilitação neurológica, lesão cerebral,
doenças neurodegenerativas, transtorno generalizado do desenvolvimento, músico-psicoterapia médica e tratamentos para a dor. Docente, pesquisadora, autora e conferencista internacional, seus trabalhos já foram apresentados nos EUA, Japão, Europa e América Latina. Membro do Comitê
Editor do Music and Medicine Journal, Sage Pub. Atualmente é Chefe do
Serviço de Musicoterapia e Diretora do Departamento de Terapias Baseadas nas Artes do Instituto de Neurología Cognitiva (INECO), Diretora e
docente do Curso de Pós-Graduação em Musicoterapia da Universidad
Favaloro. Integra a equipe de pesquisa do INECO nos estudos sobre música e estado de consciência mínima, doença de Alzheimer e transtornos
da linguagem e movimento.
27
Mesas Redondas
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Mesas Redondas
Resumos
Marcelo Gimenes
Alguns sistemas computacionais têm sido usados para gerar novas composições que simulam determinados estilos ou para a interação e performance
musical, em tempo real. Poucos sistemas, contudo, dedicam-se ao estudo da
evolução dos estilos musicais. Um deles, o sistema CoMA (Comunidades
Musicais Autônomas) adota a modelagem computacional, a fim de recriar
processos perceptivos e cognitivos humanos com o objetivo de simular a
emergência e a evolução de estilos musicais em mundos artificiais. Figuras
centrais desse sistema são os agentes inteligentes, que integram modelos baseados no mundo real (memória, personalidade, reprodução, ciclo de vida,
etc.) e têm a capacidade de interagir entre si e com o mundo exterior, executando tarefas como a criação de composições e improvisações. A identidade
musical dos agentes é analisada sob a ótica das transformações das suas
memórias que, ao mesmo tempo, determina e reflete visões de mundo em
constante mudança. Nesta palestra serão apresentados os fundamentos e os
principais componentes desta pesquisa.
Cristina Gerling
No trabalho intitulado “Exorcizando Demônios e Conversando com os Anjos: Preparando para tocar a Fantasia Wanderer de Schubert”, proponho
mostrar como a obra adquiriu os contornos expressivos e artísticos condizentes com a ocasião na qual foi apresentada- um recital de piano em série
de alto nível de excelência através de quarto ensaios públicos gravados. Nos
ensaios, dois alunos de pós-graduação assumiram o papel de professores e
anotaram as partituras com suas observações. Da mesma forma, um professor também contribuiu com anotações nas partituras e outro professor assistiu a cada um dos quatro vídeos, comentando sobre os vários aspectos da
performance. Trechos das gravações foram convertidos em gráficos para
medição dos tempos médios em cada ensaio. Os resultados apresentados
contêm uma descrição detalhada da rotina diária que antecedeu cada ensaio,
das gravações, dos comentários tanto dos alunos quanto dos professores,
convertidos em “guias de execução” (Chaffin, 2002). O cotejamento das informações reunidas possibilita acessar os resultados e proceder à verificação
da evolução da realização artística da obra.
31
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Beatriz Raposo de Medeiros
Cantar junto – ou em conjunto – é uma prática que demanda ao mesmo
tempo a sincronização de duas capacidades: a musical e a da fala. A melodia
de uma canção teria certa independência do seu texto (Peretz et al., 2003;
Serafine et al. 1986), uma vez que a primeira estaria no domínio da música e
o segundo, no domínio da linguagem (ou língua natural). No entanto, a tarefa de cantar em conjunto, para vários tipos de canção brasileira, é espontânea, natural e facilmente realizada. Na discussão desta mesa-redonda, gostaria de levantar algumas questões a respeito do ritmo, de modo geral, do ritmo na música – com exemplos do canto – e do ritmo na fala. A pergunta
fundamental da pesquisa que venho desenvolvendo é: o que a sincronização
pode nos revelar a respeito da nossa capacidade de integrar estruturas temporais diferentes como as da música e as da fala? Assumimos que, apesar de
serem diferentes quanto à organização temporal, uma capacidade pode se
adaptar à outra e defendemos a hipótese de que a organização temporal da
fala se adapta à da música. Proporemos ainda uma conceituação objetiva
tanto da síncope do samba – ou síncopa brasileira – como de ritmos binários não sincopados, mais facilmente encontrados no rock. Discutiremos a
relação entre sincronização e padrões rítmicos diferentes entre si no canto,
assim com tentaremos chegar a um conceito de ritmo que abarque os fenômenos temporais da língua e da música.
Luis Felipe Oliveira
32
Nas últimas décadas surgiram diversas abordagens que buscam compreender os fenômenos cognitivos sob enfoques não tradicionais no âmbito da ciência moderna e que, apesar de não serem unificados em suas agendas de
pesquisa, compartilham alguns pressupostos epistemológicos. Essas abordagens que estamos considerando como partes de um paradigma dinâmico
no estudo da cognição almejam superar posturas cognitivistas clássicas, internalistas, que ou carregam o fardo do dualismo cartesiano ou reduzem o
estudo de aspectos mentais a aspectos cerebrais. Em outras áreas da ciência
cognitiva, tais teorias e abordagens já se encontram razoavelmente inseridas
e dialogam de maneira evidente com posturas tradicionais; na área da cognição musical, ao contrário, encontra-se pouca literatura que trate a cognição
musical a partir de concepções dinâmicas. Esta apresentação, inicialmente,
apresenta algumas das motivações que parecem ser compartilhadas pelas
abordagens dinâmicas da cognição. Posteriormente, apresentamos, sinteticamente, quatro teorias que consideramos parte desse paradigma: a psicologia ecológica; o enacionismo; a cognição incorporada e situada; a teoria dos
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
sistemas dinâmicos. Por fim, elencamos algumas contribuições potenciais
para a área da cognição musical e destacamos alguns trabalhos decorrentes
das abordagens dinâmicas, explicitamente.
Cristina Zamani
El propósito de la ponencia será delinear las funciones cognitivas, comprender el perfil sensorial a nivel auditivo y la conducta musical que se evidencian
en los trastornos del espectro autista (TEA). Se expondrá la aplicación de
Musicoterapia basada en la práctica clínica en niños con TEA, desde una
perspectiva neurocognitiva y desde la concepción actual de las neurociencias. La Musicoterapia que incorpora técnicas de la terapia paraverbal utiliza
el uso de actividades rítmico-sonoro-musicales diseñadas específicamente
para promover la interacción socio-afectiva, comunicativa y favorecer el
despliegue de los procesos cognitivos. La música utilizada en esta modalidad
musicoterapéutica incorpora una línea melódica simple, armonías sencillas,
interválica especifica, canto conjunto, actividades duales dependientes
rítmico-sonoras, tiempo sincrónico, y el uso particular de los componentes
musicales (de manera singular o en combinación) complementadas con
metodologías actuales en el tratamiento de los TEA las cuales son elaboradas y presentadas dentro del juego interactivo musical entre la terapeuta y el
niño. Se mostrará a través de videos, la evolución de un niño con TEA durante 4 años de intervención en musicoterapia individualizada de abordaje
educativo-terapéutico en el cual se evidenciaran los procesos sonoromusicales y fases de adquisición de las conductas musicales que beneficiaron
al niño en el desarrollo de sus capacidades comunicativas, sociales, cognitivas y procesos creativos.
Cléo Monteiro França Correia
A compreensão das funções musicais tem sido objeto da pesquisa científica,
não apenas pelo fato de estas envolverem estruturas cerebrais específicas,
mas por serem, em grande parte, funcionalmente autônomas e independentes das relacionadas à linguagem verbal. A experiência musical não se resume
apenas à percepção e memória, mas está relacionada também ao aspecto
emocional. Os estudos sobre as respostas emocionais à música, através da
utilização das técnicas de neuroimagem, têm sido escassos, mas têm trazido
contribuições importantes sobre a compreensão da relação entre música,
emoções e cérebro. Pretende-se: 1)Avaliar o desempenho de pacientes com
doença de Alzheimer (DA) e controles nos testes de avaliação das funções
musicais; 2)Correlacionar os achados da avaliação da memória musical e-
33
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
mocional com a volumetria dos corpos amigdaloides e hipocampos em pacientes com DA e controles. Foram examinados pacientes com provável DA,
em fase inicial, e controles através dos Testes para Avaliação do Ritmo Espontâneo, das Funções Musicais e da Memória Musical Emocional, parte da
Bateria Neuropsicológica Breve (NEUROPSI), Teste de Memória Lógica e
o Mini-Exame do Estado Mental (MEEM). Realizou-se a volumetria das estruturas temporais mediais através da ressonância magnética. Foram avaliados 31 sujeitos: 16 controles e 15 pacientes com DA, matriculados no Ambulatório de Neurologia do Comportamento da disciplina de Neurologia da
UNIFESP- EPM. Os grupos eram semelhantes nas variáveis demográficas.
O grupo de pacientes com DA mostrou bom desempenho na maioria dos
testes perceptivos, com exceção do relacionado à duração sonora, mas apresentou comprometimento no Teste de Transposição Audiovisual. O ritmo
espontâneo foi mais rápido que nos controles. Quanto maior a volumetria
do corpo amigdaloide e hipocampo, maior o escore na rememoração autobiográfica, criação de imagens mentais e contextualização das músicas. Conclusões: Os resultados sugerem que precocemente na DA pode haver comprometimento da percepção do tempo. Por outro lado, a memória explícita
mostra-se prejudicada na fase inicial da doença, enquanto que a memória
musical mostra-se preservada principalmente para músicas familiares. Esses
dados permitem supor que a estimulação da memória musical pode se tornar um recurso possível para a reabilitação na DA.
Gustavo Gattino
34
Atualmente, busca-se a maioria das respostas sobre a relação música e cognição em estudos das neurociências. No entanto, outra corrente de estudo
vem sendo consolidada nos últimos anos: o estudo químico e biomolecular
da música na cognição humana. Os estudos químicos têm o seu foco principalmente nos neurotransmissores, hormônios e células de defesa. Dessa
forma, se investiga o efeito da música, a partir da quantidade dessas substâncias. Acredita-se que os efeitos de neuroimagem relacionados a música e
cognição sejam consequências de um processo que se inicia por meios químicos e moleculares. Para entender este paradigma emergente é preciso
buscar algumas repostas no estudo da Epigenética. O campo da Epigenética
estuda modificações do genoma, herdáveis durante a divisão celular, que
não envolvem uma mudança na sequência do DNA. As evidências sobre esse tema ainda são rudimentares. No entanto, acredita-se que este foco trará
grandes respostas sobre a relação música e cognição, com aplicação direta na
musicoterapia.
Painéis Temáticos
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
MÚSICA, MEMÓRIA E EMOÇÃO
Coordenação: Marcelo Gimenes
Em busca de um modelo de memória
aplicável à audiação notacional
Ronaldo da Silva
Ricardo Goldemberg
Marcelo Gimenes
Emoção e ansiedade na performance musical
Ana Carolina Tenorio
Raquel Mendes Rochia Santos
Marcelo Gimenes
Educação musical e texturas:
Uma abordagem multissensorial
Claudia Coutinho Liedke
Marcelo Gimenes
37
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Em busca de um modelo de memória
aplicável à audiação notacional
Ronaldo da Silva
Instituto de Artes - UNICAMP
[email protected]
Ricardo Goldemberg
Instituto de Artes - UNICAMP
[email protected]
Marcelo Gimenes
NICS -UNICAMP
[email protected]
38
Resumo
A prática da audiação notacional por músicos profissionais tem-se mostrado uma atividade relevante no estudo da obra musical. Sob o ponto de
vista da cognição musical, esta competência é fruto da atividade de memória, que pode ser melhor compreendida por meio de seus estágios funcionais: memória sensorial, memórias de curto e longo prazo, e memória de
trabalho. Diante de pesquisas que estabelecem a capacidade da memória
de curto prazo (MCP) em reter de 5 a 9 elementos de informação, estudos
recentes sobre a memória de trabalho visual (MTV) têm sugerido que a
capacidade do armazenamento de memória não diz respeito apenas a um
número fixo de elementos a serem levados à MCP, mas que torna importante levar em conta a diversidade e profundidade de informações que estes elementos trazem. O presente artigo apresenta o conhecimento que se
tem a respeito da capacidade da memória de trabalho visual e avalia sua
aplicabilidade frente à prática da audiação notacional, gerando questões
que serão investigadas em um estudo de natureza empírica.
Palavras-chave: audiação notacional, percepção musical, cognição musical
Towards a Memory Model Applicable to Notational Audiation
Abstract:The practice of notational audiation by professional musicians is
an important activity in the study of music. From the viewpoint of music
cognition, specifically, this competence is the result of the activity of the
memory, which can be best understood through its functional stages: sensory memory, short and long-termmemory, and working memory. Con-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
sidering investigations that established the capacity of the short-term
memory (STM) to retain 5-9 pieces of information, recent studies on visual working memory (VWM) have suggested that the capacity of memory
storage is not just about a fixed number of elements but the diversity and
depth of the information contained in these elements. This paper presents
knowledge about the capacity of our visual working memory and assesses
its applicability to the practice of notational audiation, generating questions that will be investigated in an empirical study.
Keywords: notational audiation, music perception, music cognition
1. Introdução
As pesquisas musicais que abordam a questão da memória muitas vezes investigam aspectos relacionados com a performance (Lisboa, Chaffin,
& Begosh, 2010), a memorização musical (Aiello & Williamon, 2002) e o
processo de leitura à primeira vista com o uso do instrumento (Sloboda,
1984). Um aspecto menos discutido, objeto do presente artigo, diz respeito
à leitura mental de uma partitura em que, no entender de Sloboda (1984, p.
222), o objeto da percepção é visual e não auditivo.
Talvez a leitura mental da partitura sem fins de performance imediata
possa ser considerada por alguns estudantes de música como uma atividade
sem sentido diante da urgência de ouvi-la soar através do instrumento. Há,
pelo menos três razões que apontam em sentido contrário a essas afirmações: uma emerge de pesquisas em neurociência, outra da saúde ocupacional e a última baseia-se na prática do estudo do instrumento.
No que diz respeito ao primeiro aspecto, Sacks (2007, p. 44) sugere
que “as imagens mentais deliberadas são claramente fundamentais para os
músicos profissionais”, afirmação esta sustentada a partir das considerações
efetuadas por Robert Zatorre e por Alvaro Pascual-Leone. O primeiro, depois de realizar estudos utilizando técnicas de neuroimagem, percebeu que
“imaginar música [...] estimula o córtex motor, e, inversamente, imaginar a
ação de tocar música estimula o córtex auditivo” (como citado em Sacks,
39
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
2007, p. 42). Além disso, Pascual-Leone (como citado em Sacks, 2007, p.
43) sugere que:
[...] a prática mental por si só parece ser suficiente para promover a
modulação de circuitos neurais envolvidos nas primeiras etapas do
aprendizado de habilidades motoras. Essa modulação não só resulta em acentuada melhora na execução, mas também parece deixar o
indivíduo em vantagem para aprender a habilidade com menos prática física. A combinação da prática física e mental leva a um aperfeiçoamento da execução mais acentuado do que a prática física sozinha.
De acordo com o ponto de vista da neurociência, a imaginação musical
ativa as regiões cerebrais responsáveis por ações específicas e complementares à prática musical, sendo uma oportunidade de otimização do tempo
de estudo diante do instrumento.
No tocante à saúde ocupacional, para Bortz (2011, p. 6), “o treinamento mental, entre outros benefícios, mostra-se como uma ferramenta de economia de esforços, utilizado anteriormente por músicos brilhantes e por
atletas [...] ferramenta esta que poderia evitar sofrimentos futuros”. Os sofrimentos a que ela se refere são a distonia focal, um distúrbio neurológico
que se caracteriza por movimentos involuntários gerados pelo excesso de
atividade muscular e estresse devido à demanda e cobranças profissionais.
40
A terceira razão que justifica o estudo mental da obra musical relaciona-se às oportunidades limitadas que o músico tem de estar diante do seu
instrumento a fim de estudá-lo. Silva (2010) destaca o relato de uma percussionista sinfônica que estudava mentalmente as obras a fim de agilizar o
estudo; “não era sempre que eu podia estar na frente de um tímpano”, comenta a musicista. Por outro lado, o estudo mental contribuiria para a criação da interpretação pessoal ao passo que, caso o instrumentista vá diretamente ao instrumento e se depare com suas limitações técnicas, esta seria
prejudicada.
Feitas estas considerações iniciais acerca da prática da leitura mental da
partitura, procuramos localizar modelos teóricos que expliquem o seu fun-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
cionamento sob o ponto de vista de processos cognitivos. A rigor, estudos
experimentais sobre o funcionamento da memória visual no ato da leitura
mental de uma partitura são praticamente inexistentes. Vale destacar, contudo, que o objetivo principal deste artigo é levantar questões iniciais sobre
um modelo de memória aplicável a audiação notacional, preocupando-se
por esclarecer conceitos, revisar a bibliografia específica, e revelar possível
caminho de pesquisa.
2. A Audiação notacional
Quando se fala da leitura mental da partitura, sugere-se que a eficiência
dessa ação esteja condicionada ao nível de compreensão auditiva do conteúdo musical grafado. O pesquisador norte-americano Edwin Gordon, especialista em educação musical nas áreas de Psicologia e Pedagogia Musical,
desenvolveu um termo que carrega em si esse conceito: audiação notacional. Preocupado em desvendar os caminhos da aprendizagem musical,
Gordon (2000) estabelece um paralelo entre o processo de aprendizagem
da linguagem verbal com o aprendizado da música. Segundo ele, haveria
quatro vocabulários que emergem no desenvolvimento natural de uma
criança: de maneira geral, primeiro se ouve (audição), em seguida aprendese a falar, após desenvolve-se a leitura, e por fim a escrita. Como uma maneira ideal para que seja operada a aprendizagem musical, Gordon (2000)
também nomeia quatro vocabulários específicos: audiação, performance,
leitura e escrita musical.
De acordo com a teoria desenvolvida por Gordon, “a linguagem (de
maneira verbal) e a música (de maneira sonora) são resultados da necessidade de comunicação. A fala e a performance são a maneira de se comunicar. E o que se comunica? O que está no pensamento” (Silva, 2010, p. 30).
Dessa forma “a audiação é para a música o que o pensamento é para a linguagem” (Gordon, 1999, p. 42). O autor acrescenta:
41
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Se você é capaz de ouvir um som musical e de dar um significado
sintático ao que você vê na notação musical antes mesmo de você
tocá-la, antes que alguém a toque ou, antes mesmo de você escrevêla, então você está procedendo a audiação notacional. (Gordon,
1999, p. 42)
Dessa forma, o estudo mental da partitura implica no processo da audiação notacional, que por sua vez é a emanação do “pensamento musical
inteligente” do leitor (Goldemberg, 1995, p. 2), sendo que nesse caso os
elementos musicais presentes na mente de quem “audia” são acionados por
meio da percepção visual. Mas a percepção visual é apenas uma força catalizadora para despertar imagens sonoras que foram anteriormente armazenadas com o auxílio da percepção auditiva. A fim de compreender esse processo, é importante analisar brevemente alguns aspectos sobre o funcionamento da memória.
3. A memória
42
Segundo Baddeley, Eysenck et al (2010, p. 9), “a memória não é um órgão único como o coração ou o fígado, mas uma aliança de sistemas que
trabalham juntos, permitindo-nos aprender com o passado e predizer o
futuro”. Para Davidoff (2001, p. 205), o termo memória, num sentido amplo, diz respeito a vários “processos e estruturas envolvidos no armazenamento e recuperação de experiências”. De acordo com Sternberg (2008, p.
156), a realização desse processo abrange “mecanismos dinâmicos associados com armazenagem, retenção e acesso à informação sobre a experiência
passada”.
Do ponto de vista estrutural, o processamento da memória é realizado
por inúmeras partes do cérebro. Segundo Miller (1956, p. 22), a “região
medial temporal é importante por formar, organizar, consolidar e recuperar
a memória, áreas do córtex são importantes para o armazenamento a longo
prazo de conhecimento sobre fatos e eventos e como esse conhecimento é
usado em situações cotidianas”.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
3.1. Tipos de memória
Baddeley, Eysenck e Anderson (2010, p. 6) esclarecem que, para fins
de compreensão do processo funcional, a memória pode ser classificada em
diferentes tipos, como a memória sensorial, a memória de curto prazo e a
memória de longo prazo: “nós distinguimos entre tipos de memórias como
um meio de organizar e estruturar nosso conhecimento sobre a memória
humana”.
3.1.1 Memória sensorial
O ambiente externo pode gerar estímulos que ingressam à consciência
via percepção tátil, olfativa, gustativa, auditiva (ecóica) e visual (icônica).
Todas elas possuem esquemas particulares de funcionamento, especialmente com respeito às estruturas de captação desses estímulos. No entanto,
a brevidade da permanência das informações retidas por essas vias de acesso têm-se mostrado como característica comum a todas elas. Por exemplo,
segundo Snyder (2000), as informações presentes na memória ecóica podem se perder após 3 a 5 segundos.
3.1.2 Memória de curto prazo
A memória de curto prazo (MCP) é o segundo sistema da memória
em que as informações são temporariamente armazenadas (Kalat, 1999).
De acordo com Davidoff (2001), seria o centro da consciência. Snyder
(2000) refere-se a ela como uma memória imediata, mas menos permanente, pois se as informações não forem repetidas elas se perdem após alguns
segundos (média de 3 a 5 segundos).
George A. Miller, psicólogo e pesquisador norte-americano, publicou
em 1956 na revista Psychology Review o artigo intitulado The magical number seven, plus or minus two: some limits on our capacity for processing informati-
43
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
on em que, após revisar inúmeros trabalhos sobre as limitações da memória
humana em receber, processar e relembrar informações, conclui seus apontamentos sugerindo que a memória imediata (MCP) possui uma capacidade de armazenagem de informações de 7, mais ou menos dois elementos.
Isto significa que além da capacidade temporal da MCP, há uma limitação
do número de informação que ela pode processar. Sternberg (2008, p. 164)
explica que “uma informação pode ser algo simples, como um dígito, ou
algo mais complexo, como uma palavra”. Mesmo sendo sequencias de dígitos ou combinações de dígitos formando-se em palavras ou grupos numéricos, somente seria possível retê-los na MCP se somarem entre 5 a 9 itens ou
blocos de informação (chunk).
Conforme Miller (1956, p. 10) observou, “uma vez que a extensão da
memória apresenta um número fixo de blocos (chunks), podemos ampliar o
número de dígitos de informação que eles contêm simplesmente através da
construção de blocos cada vez maiores, cada bloco contendo mais informações do que antes”.
Este modelo teórico proposto por Miller (1956) tem sido aplicado à
compreensão da MCP diante da manifestação musical. Snyder (2000, p.
31) ressaltou a grande complexidade do sistema auditivo em identificar
fonemas, palavras, sentenças, melodias, ritmos e frases, mesmo sendo localizadas com frequências e tempos diferentes. Se não fosse essa capacidade
cognitiva de formar agrupamentos sonoros e estabelecer seus conjuntos de
limites, ouviríamos um som único, sendo a soma da paisagem sonora de um
determinado momento.
44
Os limites dos agrupamentos melódicos, segundo Snyder (2000, p.
37) “são estabelecidos pelas mudanças da distância das alturas relativas
(intervalo), direção do movimento, ou ambas, enquanto que os limites dos
agrupamentos rítmicos são estabelecidos pelas mudanças no intervalo de
tempo entre os eventos e os acentos”.
Os blocos de informações armazenados pela MCP precisam continuamente ser reforçados na consciência, para que não caiam no “abismo in-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
sondável do esquecimento”, nas palavras de James (1931). Dessa forma, a
informação que não for perdida será conduzida à memória de longo prazo
(MLP).
3.1.3 Memória de longo prazo
A memória de longo prazo é indispensável no dia-a-dia das pessoas.
Nomes de ruas, compromissos, experiências vividas, conceitos, tudo o que
lembramos ou lembraremos um dia está ou estará inserida na MLP. Os
eventos que acontecem além de 3 a 5 segundos não podem ser relacionados
imediatamente, mas somente por meio de uma ação mental retrospectiva,
isto é, por meio da lembrança. Snyder (2000, p. 69) observa que “nossa
memória de longo prazo necessita ser inconsciente: se nela estivesse toda na
nossa consciência, não haveria espaço para o presente”.
No entanto, se as informações “arquivadas” na MLP não pudessem ser
recuperadas e trazidas de volta à consciência, seriam como as que foram
perdidas pela falta de reforço na MCP. Por isso, Sternberg (2008) compreende a memória de trabalho como um modelo integrador.
3.1.4. Memória de trabalho
O termo memória de trabalho foi utilizado pela primeira vez por Richard Atkinson e Richard Shiffrin, em 1968, para sustentar o pressuposto da
existência de um sistema que visa à manutenção temporária e a manipulação da informação com a utilidade de auxiliar na execução de inúmeras
tarefas complexas (Baddeley et al., 2010). Snyder (2000, p. 48) estabelece a
comparação: “a memória de trabalho se distingue da memória de curto
prazo na medida em que ela constitui-se de processos de ativação de inúmeros níveis, incluindo o foco de consciência, não somente armazenagem
de curto prazo”. Ele destaca, à seguir, que a memória de curto prazo é um
dos componentes da memória de trabalho.
45
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
3.2. Memória de trabalho visual (MTV) e a leitura mental da partitura
De acordo com pesquisas realizadas por George Alvarez (Universidade de Harvard), observou-se que a MCP, dentro da atuação da MTV não se
refere apenas ao tempo e à capacidade de armazenagem das informações
conforme sugerido por Luck e Vogel (1997). De acordo com Alvarez e
Cavanagh (2004, p. 109) “a variação no número de objetos que podem ser
armazenados contradiz com qualquer modelo de memória visual de curto
prazo que propõe que a capacidade é fixada apenas em termos de números
de objetos”.
As pesquisas de Alvarez e Cavanagh (2004), Bays, Catalao e Husain
(2009), Fougnie, Asplund e Marois (2010), Brady, Konkleet al (2011),
entre outros, trazem à tona a complexidade dos estudos da atuação da memória de trabalho visual, do qual busca-se neste artigo a transposição para o
ato da leitura mental da partitura musical. Segundo esse modelo de compreensão, a capacidade da memória de trabalho visual no âmbito musical
deve ser levada em conta não apenas pelos números de blocos presentes
simultaneamente, mas diante da diversidade e profundidade de informações que estes trazem.
46
Diante disso, é importante investigar se os parâmetros primários, altura
e ritmo (Snyder, 2000) poderiam manter uma boa ‘resolução’ na MTV
quando são apresentados juntamente com certos parâmetros secundários,
por exemplo: timbre, dinâmica, andamento, articulação, letra. Em outras
palavras, os parâmetros secundários não interferem na formação desses
agrupamentos melódico-rítmicos, e estes não tem sua retenção diminuída,
no foco da consciência, caso apresentem muitos itens a serem considerados?
3.3. Discussão e conclusões finais
Este artigo discute questões iniciais sobre a busca de um modelo aplicável ao desempenho da memória visual de trabalho na leitura de partitura
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
musical. Vê-se como uma possibilidade metodológica adaptar a abordagem
utilizadas por Alvarez e Cavanagh (2004), Bays, Catalao e Husain (2009),
Fougnie, Asplund e Marois (2010), Brady, Konkle e Alvarez (2011) a um
estudo quase-experimental no campo da música, por meio de testes com
músicos profissionais a serem convidados a audiarem diante do aparecimento de excertos musicais em etapas e níveis diferentes.
Seguindo os modelos originais, pode-se tomar como uma opção de aplicação dos testes, a apresentação numa tela de computador de agrupamentos musicais que contenham apenas os dois parâmetros primários
nomeados por Snyder (2000): a altura e o ritmo. A apresentação de cada
agrupamento na tela do computador seguiria um espaço de tempo entre
preparo, estímulo e retenção da informação, finalizando com as respostas
de questões dentro do período limite de retenção da memória de curto
prazo (9s.). Aos poucos, os testes seriam aprofundados com a inclusão de
outros parâmetros secundários (Snyder, 2000), como dinâmica e articulação, a fim de se verificar se a capacidade/qualidade de retenção da memória
de trabalho visual diminuiria com o aumento de informações.
Tendo como norte tais considerações, uma pesquisa nesta direção poderá ampliar a compreensão sobre a capacidade e qualidade de retenção das
informações musicais durante o processo de audiação notacional em músicos profissionais e buscará uma nova perspectiva para o avanço dos estudos
nos campos da cognição e percepção musical.
Referências
Aiello, R., Williamon, A. (2002). Memory. In R. Parncutt & G. E.
McPherson (Eds.), The science & psychology of music performance:
creative strategies for teaching and learning. New York: Oxford University
Press.
47
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Alvarez, G. A., Cavanagh, P. (2004). The capacity of visual short-term
memory is set both by visual information load and by number of
objects. Psychology Science, 15(2), 106-111.
Baddeley, A., Eysenck, M. W., Anderson, M. C. (2010). Memory. New York:
Psychology Press.
Bays, P. M., Catalao, R. F. G., Husain, M. (2009). The precision of visual
working memory is set by allocation of a shared resource. Journal of
Vision, 9(10), 1-11.
Bortz, G. (2011). A construção da representação sonora na mente do músico.
Paper presented at the Simpósio Internacional de Cognição e Artes
Musicais, Brasília.
Brady, T., Konkle, T., Alvarez, G. A. (2011). A review of visual memory
capacity: beyond individual items and toward structured
representations. Journal of vision, 1-34.
Davidoff, L. L. (2001). Introdução à psicologia (3nd ed.). Tradução de Lenke
Perez. São Paulo: Makron Books.
Fougnie, D., Asplund, C. L., Marois, R. (2010). What are the units of storage
in visual working memory? Journal of Vision, 10(27), 1-11.
Goldemberg, R. (1995). Música e linguagem verbal: uma análise comparativa
entre leitura musical cantada e aspectos selecionados da leitura verbal.
(Doutorado), Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
48
Gordon, E. E. (1999). All about audiation and music aptitudes. Musical
Educators Journal, 86(2), 41-44.
Gordon, E. E. (2000). Teoria da aprendizagem musical: competências,
conteúdos e padrões. Tradução de Maria de Fátima Albuquerque. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian.
James, W. (1931). The principles of psychology (vol. 1). New York: Henry
Holt and Company.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Kalat, J. W. (1999). Introduction to psychology. California: Brooks/Cole –
Wadsworth.
Lisboa, T., Chaffin, R., Begosh, K. T. (2010). Learning and memorizing in
music performance: the role of performance cues. Paper presented at the
International Seminar of the Commission For the Education of the
Professional Musician, Shanghai.
Luck, S. J., Vogel, E. K. (1997). The capacity of visual working memory for
features and conjuctions. Nature, 390, 279-281.
Miller, G. A. (1956). The Magical Number Seven, Plus or Minus Two:
Some Limits on Our Capacity for Processing Information. The
Psychological Review, 63, 81-97.
Sacks, O. (2007). Alucinações musicais: relatos sobre a música e o cérebro (L. T.
Motta, Trans.). São Paulo: Companhia das Letras.
Silva, R. d. (2010). Leitura cantada: um caminho para a construção da audiação
no músico profissional. (Mestrado em Música), Universidade Estadual
de Campinas, Campinas.
Sloboda, J. A. (1984). Experimental studies of music reading: a review.
Music Perception: an Interdisciplinary Journal, 2(2), 222-236.
Snyder, B. (2000). Music and Memory: An Introduction. Cambridge, MA:
Massachusetts Institute of Technology Press.
Sternberg, R. J. (2008). Psicologia cognitiva (R. C. Costa, Trans.). Porto
Alegre: Artmed.
49
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Emoção e ansiedade
na performance musical
Ana Carolina Tenorio
[email protected]
Instituto de Artes - UNICAMP
Raquel Mendes Rochia Santos
[email protected]
Instituto de Artes - UNICAMP
Marcelo Gimenes
[email protected]
NICS -UNICAMP
Resumo: Este artigo apresenta um panorama introdutório sobre as experiências emocionais evocadas pela música e como elas afetam a performance musical de cantores e instrumentistas. Em seguida, apresenta questões que devem ser levadas em consideração ao analisar e medir as emoções ligadas à música. Também mostra a maneira como são processadas
as emoções e o resultado disso no nosso corpo. Por fim, o artigo trata da
ansiedade na performance musical e apresenta algumas técnicas encontradas em pesquisas atuais que procuram minimizar sintomas corporais ligados diretamente à ansiedade.
Palavras-chave: emoção, ansiedade, performance musical
50
Emotion and Anxiety in Music Performance
Abstract: This paper presents an introductory overview about the emotional experiences evoked by music and how they affect the musical performance of singers and performers. It then presents issues that should be
taken into account when analyzing and measuring the emotions related to
music. It also shows how emotions are processed and their effect in our
body. Finally, the paper discusses the anxiety in musical performance and
presents some techniques found in current research seeking to minimize
bodily symptoms directly related to anxiety.
Keywords: emotion, anxiety, music performance
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
1. Introdução
Campos de estudo tradicionalmente distintos como a musicologia e as
neurociências têm cada vez mais procurado integrar-se a fim de desvendar
questões comuns como as que dizem respeito ao nosso envolvimento emocional com a música. Sob o ponto de vista do intérprete pergunta-se por
exemplo, até que ponto a execução musical, de um lado, seria capaz de controlar as emoções dos ouvintes ou, de outro, de que modo o envolvimento
emocional do intérprete afetaria a sua execução. Outras indagações preocupam-se em determinar se, para os músicos profissionais, envolver-se emocionalmente com a música em demasia e permitir respostas emocionais
autônomas levariam a uma incapacidade de executar. Afinal de contas, como e porquê as pessoas se envolvem com a música?
Sloboda (2005b) entende que a música seria capaz de evocar ou realçar estados emocionais pelos quais passamos, podendo intensificar ou liberar emoções já existentes. É comum ouvirmos afirmações como “ao ouvir
esta música eu me sinto em paz” ou então “esta música me deixa muito
feliz”. A música aqui toma o papel de agente de mudança, em que o indivíduo se desloca de um estado emocional para outro. Inversamente, a música
também pode levar o ouvinte a se entristecer uma vez que é capaz de evocar
determinadas situações vividas no passado. Entre os músicos profissionais
ouve-se com frequência a afirmação de que sentem uma “energia positiva”
quando estão no palco. Envolver-se emocionalmente com a música durante
uma execução poderia, por isso, fazer com que esses intérpretes consigam
atingir o público de um determinado modo.
Na área das neurociências, Damasio (como citado em Trainor &
Schmidt, 2003, p. 312) esclarece que as emoções são induzidas em um
número relativamente pequeno de estruturas cerebrais, em sua maioria subcorticais, pertencentes ao sistema límbico (amígdala, principalmente o
núcleo central, o hipotálamo e o prosencéfalo basal). Para este autor, as
emoções evoluíram através de mecanismos de adaptação evolutiva e executariam papel essencial na vida, como o amor para formar famílias e o medo
para se proteger do perigo. Além disso, todas as experiências são emocio-
51
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
nalmente marcantes e influentes nas reações emocionais em situações futuras, mesmo que o individuo não tenha mais acesso consciente à experiência
emocional original (idem).
De fato, os processos envolvidos com as emoções afetam as pessoas, de
um lado, através da liberação de moléculas químicas no sangue que atuam
em diversas partes do corpo e, de outro, através da propagação de atividade
neural para vários centros do cérebro e músculos. Como consequência
disso, as repostas fisiológicas às emoções (e.g., contrações musculares, alteração na respiração e frequência cardíaca, mudança do fluxo de sangue e
transpiração) são em geral bem aparentes, podendo variar de acordo com a
pessoa ou uma situação específica (Trainor & Schmidt, 2003).
2. Medindo emoções
Apesar de reconhecermos a relação de causa e efeito entre, de um lado,
ouvir ou tocar determinada música e, de outro, o despertar de determinadas
emoções, o principal problema enfrentado pelos pesquisadores da área diz
respeito a como medir as emoções causadas pela música. É difícil definir
com exatidão as emoções e a sua intensidade. Essa questão envolve diversos
fatores, como veremos a seguir.
52
2.1. Questões conceituais
A primeira questão a se considerar é a variabilidade inerente da resposta emocional, de um ouvinte para outro ou de uma ocasião para outra. Enquanto respostas emocionais a eventos não musicais estão ligadas ao comportamento (e.g., fugir em razão do medo), respostas emocionais ligadas a
eventos musicais são menos imediatas e tangíveis. Chorar ao ouvir uma
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
música, por exemplo, não significa que o ouvinte esteja triste; alguma lembrança do passado, ou sensação de paz podem provocar o choro.
Além disso, é importante considerar a variabilidade existente entre os
indivíduos não somente no que diz respeito a lembranças emocionais mas
também no que se refere a diferenças culturais. Afinal, conhecer uma determinada cultura musical possui estreita relação com nossa resposta emocional à música.
2.2. Questões metodológicas
Além das questões conceituais acima apontadas, é importante considerar que as emoções são, por natureza, imediatas. Emoções podem ser guardadas na memória, mas elas não duram por muito tempo após o fato que a
gerou, o que torna difícil a sua medição.
Um método comumente adotado é a anotação do comentário verbal,
descrevendo a emoção sentida. Outra possibilidade é convidar o ouvinte a
escolher, dentre uma lista de palavras, aquelas que melhor relacionam sua
resposta emotiva com a música ouvida. A dificuldade deste método é saber
se o ouvinte utiliza as palavras para descrever a emoção provocada pela
música ou para definir o que ele entende ser o caráter da música (Hevner,
1936 e Gregory & Varney, 1996, como citado em Trainor & Schmidt,
2003)
A fim de superar essas dificuldades, uma alternativa frequentemente utilizada para medir a intensidade da emoção tem sido o uso de métodos de
descrição não-verbal como a interação entre o ouvinte e um determinado
objeto (e.g., apertar uma almofada, mover um ponteiro) (Sloboda, 2005a).
Finalmente, ainda é possível utilizar o auto-relato em manifestações fisiológicas de forte emoção como o choro, por exemplo (Trainor & Schmidt,
2003).
53
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
2.3. Questões estruturais
Além das questões tratadas na seção anterior, existem questões adicionais que devem ser levadas em consideração ao se medir a resposta emocional da música como os aspectos estruturais concebidos pelo compositor
e as características de performance que cabem ao intérprete. De forma geral,
as pessoas costumam dizer que a tristeza é transmitida por calma, legato,
tempo lento, grandes desvios da métrica, ao passo que a felicidade é transmitida por agudos, tempo rápido, staccato e pequenos desvios de métrica
(Trainor & Schmidt, 2003).
Em qualquer hipótese, a avaliação da experiência emocional deve ser
cuidadosa. Há que se atentar ao fato de que algumas emoções possuem
diferenças muito sutis. A tristeza e a ternura, por exemplo, podem ser evocadas por características estruturais muito parecidas como o legato e o tempo lento.
3. Classificando as emoções
Conforme ressalta Sloboda (2005a), as emoções podem ser classificadas de acordo com diversos critérios, entre os quais, aqui destacamos, a
valência e a intensidade.
54
A valência pode assumir dois valores, positiva ou negativa. A valência
positiva está relacionada com um comportamento de aproximação (e.g., a
sensação foi boa) enquanto que a negativa, com um comportamento de
afastamento (e.g., a sensação não foi boa). O córtex pré-frontal ventormedial desempenha um papel na avalição de aproximação, apesar de o processamento emocional tender a ser mais lateralizado para a direito do que para
a esquerda, há evidencias de que a lateralização segue a valência com as
áreas pré-frontais esquerdas especializadas nas emoções positivas e áreas
pré-frontais direitas em emoções negativas. (Trainor & Schmidt, 2003). A
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
intensidade diz respeito a quanto determinada emoção afeta ou não uma
determinada pessoa.
4. A experiência emocional e sua relação com a cognição
A natureza da experiência emocional e sua relação com a cognição têm
gerado grande debate entre pesquisadores. Há os que aceitam a idéia de que
a avaliação cognitiva ocorreria em um primeiro momento enquanto que a
resposta emocional seria gerada em um momento posterior (Trainor &
Schmidt, 2003). Em outras palavras, a cadeia de eventos se iniciaria com os
processos cognitivos que codificam e classificam as informações do ambiente. Neste ponto de vista, as respostas emocionais seriam resultado desse
processo.
Para outro grupo de pesquisadores, as respostas emocionais seriam
uma atividade inconsciente do sistema nervoso autônomo, ou seja, o passo
inicial de um processo cognitivo que, posteriormente, as classifica e avalia.
Neste contexto, James (James, 1950) sugere que as respostas emocionais
seriam sensações associadas a uma resposta fisiológica.
5. As emoções e a ansiedade na performance musical
Uma das questões mais importantes para o intérprete, tanto profissional quanto amador, diz respeito à ansiedade resultante do “medo do palco”
(stage fright). De modo empírico, poderíamos afirmar que a ansiedade,
quando controlada, resulta em uma performance com mais “energia” ao
passo que, quando exagerada, pode comprometer a performance.
55
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Os sintomas gerados pela ansiedade são geralmente respostas fisiológicas negativas e ocorrem em situações de grande exposição ou competitividade (Lehmann, Sloboda, & Woody, 2007). Os sintomas da ansiedade na
performance são produzidos pela ativação do “sistema de emergência corporal” pelo ramo simpático do sistema nervoso autônomo, que é uma função adaptativa que prepara o corpo, por exemplo, para uma resposta atlética
e são semelhantes aos que o corpo realiza quando se sente ameaçado ou
com medo (Wilson & Roland, 2002).
O medo de palco pode começar cedo na vida dos músicos. Muitas vezes, o incentivo exagerado ou a cobrança dos pais pela carreira do filho,
chega ao ponto de limitar ou impedir a atuação deste no palco (Steptoe,
2001). Embora haja alguma redução da ansiedade com o aumento da idade
e experiência do músico, sintomas descritos por músicos consagrados como Artur Rubenstein e Horowitz e os populares Barbra Streinsand e John
Lennon atestam que o problema não está fundamentalmente ligado ao
talento ou à capacidade de interpretação (Lehmann et al., 2007). Wilson e
Roland (2002) propõem que um dos fatores que pode levar à ansiedade na
performance é o estresse situacional, o qual se relaciona com as pressões
ambientais e circunstâncias particulares de uma performance pública, audição ou competição. Identificar tais aspectos indutores de estresse poderia
ajudar a incorporação de estratégias para ajustar esses problemas.
56
De acordo ainda com Wilson e Roland (2002), os fatores que levariam
uma pessoa ansiosa a entrar em pânico no palco seriam (i) a superestimação da probabilidade de temer o evento, a (ii) superestimação da severidade
do evento temido, (iii) a subestimação dos recursos de apoio e (iv) a subestimação das ajudas possíveis (o que outras pessoas poderiam fazer para
ajudar).
A Tabela 1 abaixo relaciona as funções corporais adaptativas com as
respectivas sensações físicas, de acordo com estudos realizados por Lehmann et al (2007):
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Função corporal adaptativa
Taquicardia para aumentar o nível de
oxigênio nos músculos.
Glândulas secretam suor para ativação do
sistema de resfriamento corporal.
Aumento da atividade pulmonar, alargamento das vias aéreas para melhor suprimento de oxigênio.
Diminuição do fluxo de saliva.
Fluxo de sangue aumenta nos músculos e
diminui do sistema digestivo.
Pupilas dilatadas.
Músculos tensos, prontos para uma reação imediata.
Sensação
Palpitações.
Suor excessivo, palmas das mãos e testa
úmidas.
Falta de ar
Boca seca, nó na garganta.
“Borboletas no estômago”, náuseas.
Visão embaçada e problemas de foco.
Tensão, mãos trêmulas, tremores musculares.
Tabela 1. Como as mudanças físicas de excitação se traduzem em sintomas fisiológicos de ansiedade
(Lehmann et al., 2007)
6. Estratégias para enfrentar o “medo do palco”
Havendo uma predisposição geral para a ansiedade, para o perfeccionismo ou para o cultivo de ideias irrealistas sobre a própria performance, o
intérprete poderia beneficiar-se de tratamentos com abordagem cognitiva
(Lehmann et al., 2007). De acordo com Lehmann et al (2007), os sintomas
de ansiedade na performance também poderiam ser tratados com exercícios físicos e remédios. Além disso, é importante que o músico tenha uma
sensação de controle para se apresentar com confiança, tendo domínio da
música a ser executada e evitando situações geradoras de tensão. Connolly e
Williamon (2004, como citados em Ray, 2009), sugerem estratégias para o
treino mental como preparação para uma performance, com o objetivo de
não permitir níveis elevados de ansiedade, tais como:
a) relaxamento;
b) ensaio imaginário (visualização);
57
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
c) desenvolvimento de habilidades para situações específicas da performance;
d) uso de habilidades mentais para o aprendizado de longa duração e
preparação para as performances.
Ray (2009) recomenda atenção à escolha do repertório e adequação
ao nível técnico. Em outras palavras, o músico deve fazer um julgamento
real sobre a dificuldade da obra escolhida e a sua capacidade de execução e
levar em consideração o tempo de preparação técnica disponível da data da
escolha do repertório até o dia da apresentação. Além disso, outros fatores
que devem ser levados em consideração (Ray, 2009) são:
a) cuidar do corpo, através de preparação física e atenção à alimentação;
b) preparar-se emocionalmente, i.e., ter cuidados com a autoestima e
aspectos externos à música;
c) treinar a visualização da performance antecipadamente;
d) estabelecer previamente metas individuais a serem alcançadas;
e) treinar para não se inibir com a expectativa externa, ainda que proveniente de familiares e amigos;
f) realizar pré-recitais, especialmente no caso de programas inéditos e,
acima de tudo:
g) levar em conta a busca pelo prazer de tocar ou cantar, já que a opção
pela carreira musical geralmente leva em consideração o gosto pela arte e
não deve se tornar um fardo ao executante.
58
Terapias com o uso de medicamentos e acompanhamento psicoterápico também têm sido mencionadas pela literatura. Em trabalhos citados
por Wilson e Roland (2002) e Steptoe (2001), são relatados casos de músicos que fazem uso da auto medicação (drogas, álcool, valium e canabis)
com o objetivo de diminuir os sintomas da ansiedade. Wills e Cooper
(como citados em Wilson & Roland, 2002) porém afirmam que o uso não
supervisionado de tais medicamentos não é recomendado uma vez que
poderiam conduzir à dependência química.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Pesquisas realizadas por Clark & Agras e James & Savage (como citadas por Steptoe, 2001) mencionam o uso de tranquilizantes como buspirona, benzodiazepínicos e betabloqueadores. Contudo, a investigação com
grupos de controle usando placebo mostraram diferenças insignificantes
entre si, o que torna esses medicamentos pouco interessantes diante de
possíveis efeitos colaterais (e.g. insuficiência cardíaca).
Na área da psicoterapia, Wilson e Roland (2002) relatam casos de terapias comportamentais de dessensibilização sistemática, que envolvem
relaxamento muscular e a exposição gradativa a cenas que tipicamente evocam situações de ansiedade. Em um caso típico, um músico com ansiedade
e medo de palco poderia imaginar que está tocando uma peça fácil para um
amigo em sua sala de estudo. Uma vez confortável com essa situação, este
músico poderia imaginar estar tocando para duas pessoas numa grande sala
de ensaio. Gradativamente essas situações incluiriam um número maior de
pessoas estranhas até que o músico imaginasse estar tocando em um concerto.
Lehmann et al (2007) e Wilson e Roland (2002), citam ainda as terapias cognitivo-comportamentais, que são meios de reestruturação cognitiva
das formas habituais de pensamento do performer, como a hipnose e a
Técnica de Alexander (AT). Esta última baseia-se na auto percepção do
movimento e é aplicável a diversos casos como alívio de dores na coluna,
reabilitação após acidentes, melhora na respiração, posicionamento correto
ao tocar instrumentos musicais ou cantar, além de outros hábitos relacionados.
Algumas estratégias cognitivas são ainda propostas por Wilson e Roland (2002):
a) visualizar a ansiedade como positiva
b) autoanálise positiva
c) ensaios com imagens mentais
d) estabelecimento de metas
e) relaxamento
59
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
f) rotinas de pré-performance
g) estabelecer hierarquias para a ansiedade
h) estilo de vida saudável
i) atingir um estado de fluxo (equilíbrio entre desafios e habilidades).
7. Conclusão
A capacidade da música evocar emoções naqueles que a ouvem ou praticam é um fato extraordinário. Se, de um lado, essas emoções são em geral
positivas, de outro, sob o ponto de vista do intérprete, quando negativas,
podem gerar respostas fisiológicas às vezes incontroláveis, atrapalhar momentos que poderiam ser agradáveis ou até mesmo interromper carreiras
profissionais promissoras (Steptoe, 2001).
Desenvolver estratégias pessoais utilizando as propostas apresentadas
pela literatura pode ser extremamente benéfico para que o músico possa
evitar situações de ansiedade em suas performances. Apesar do avanço das
pesquisas nesta área, a dificuldade de encontrar parâmetros objetivos ainda
impõem obstáculos para alcançar resultados mais concretos. Aos muitos
avanços já realizados, o surgimento de tecnologias de imagem (e.g., ressonância magnética funcional) que possibilitam o estudo do cérebro de forma
menos invasiva certamente auxiliarão em futuras pesquisas.
60
8. Referências
James, W. (1950). The principles of psychology (1890). Nova York: Dover.
Lehmann, A., Sloboda, J., & Woody, R. H. (2007). Psychology for Musisicans:
Understanding and Acquiring the Skills. New York: Oxford University
Press.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Ray, S. (2009). Considerações sobre pânico de palco na preparação de uma
performance musical. In B. Ilari & R. C. Araújo (Eds.), Mentes em
música (pp. 158-178). Curitiba: Editora DeArtes.
Sloboda, J. A. (2005a). Emotional response to music: a review. In J. A.
Sloboda (Ed.), Exploring the musical mind. Oxford: Oxford University
Press.
Sloboda, J. A. (2005b). Empirical studies of emotional response to music. In
J. A. Sloboda (Ed.), Exploring the musical mind. Oxford: Oxford
University Press.
Steptoe, A. (2001). Negative emotions in music making: the problem of
performance anxiety. In P. N. Juslin & J. A. Sloboda (Eds.), Music and
Emotion, Theory and Research. Oxford: Oxford University Press.
Trainor, L. J., & Schmidt, L. A. (2003). Processing emotions induced by
music. In P. I. & R. J. Zatorre (Eds.), The cognitive neuroscience of music.
Oxford.
Wilson, G. D., & Roland, D. (2002). Performance anxiety. In R. Parncutt &
G. E. McPherson (Eds.), The science and psychology of music performance:
creative strategies for teaching and learning. Oxford: Oxford University
Press.
61
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Educação musical e texturas:
Uma abordagem multissensorial
Claudia Coutinho Liedke
Programa de Pós-Graduação em Música - UNICAMP
[email protected]
Marcelo Gimenes
Programa de Pós-Graduação em Música – UNICAMP
[email protected]
62
Resumo: Nos últimos anos, tem crescido o número de pesquisas buscando compreender como o cérebro humano processa e assimila informações provenientes de diferentes fontes sensoriais, bem como suas implicações em diversos aspectos do desenvolvimento cognitivo, incluindo os
processos musicais. Este artigo apresenta um panorama introdutório embasado na literatura atual sobre os aspectos teóricos que orientam nossa
pesquisa com a qual temos o intuito de investigar se crianças entre 7 e 10
anos teriam uma melhor apreensão dos diferentes tipos de texturas musicais através de experiências multissensoriais envolvendo o tato, a visão e o
movimento corporal. A proposta foi direcionada a esta faixa etária tendo
como fundamento as características do estágio piagetiano Operacional
Concreto, tais como reversibilidade e descentração, considerando que as
crianças nessa fase estruturam coerentes processos de construções mentais desde que vivenciados de forma concreta. As texturas apresentadas
têm como fio condutor o desenvolvimento do tecido sonoro ao longo da
História da Música Ocidental, partindo da monofonia dos gregos até a
“pluralidade” do século XX. Embora essa abordagem envolva elementos
extra musicais, ela tem por finalidade o desenvolvimento de uma compreensão musical mais aprofundada e dessa forma enriquecer a apreciação
musical das crianças e suas produções criativas.
Palavras-chave: cognição musical, experiência multissensorial, textura,
educação musical
Music Education and Textures - A Multisensory Approach
Abstract: In recent years, there has been a steady increase of research
seeking to understand how the human brain processes and assimilates information from different sensory inputs, along with implications on various aspects of cognitive development, including musical processes. This
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
paper presents an introductory review based in current literature on the
theoretical aspects that guide our research which aims at investigating
whether children between 7 and 10 years old would have a better understanding of different types of musical textures through multisensory experiences involving touch, vision and body movement. The proposal was
aimed at this age group based on the characteristics of the Piaget’s Concrete Operational stage, such as reversibility and decentration, considering
that in this phase children structure consistent processes of mental constructions as long as these are concretely experienced. The musical textures that will be addressed follow the history of western music development, from the Greek’s monophony to the “plurality” of the twentieth century. Although this approach involves non-musical elements, it aims at developing a deeper understanding of music and thereby enriching the appreciation of music and creativity.
Keywords: musical cognition, multisensory experience, texture, music
education
Introdução
Este artigo apresenta um panorama introdutório aos aspectos teóricos
que instruem nossa pesquisa e procura relacionar o uso de informações
extra musicais com a aprendizagem musical, mais especificamente no que
diz respeito à textura musical.
Na área educacional, já se tornaram tradicionais os métodos que reconhecem e exploram os benefícios de um “ensino multissensorial”
(Stephenson, 2002). O método introduzido por Montessori há noventa
anos, por exemplo, privilegia o uso simultâneo de experiências visuais, auditivas, táteis e cinestésicas (Seitz & Shams, 2008). Dalcroze, Kodaly, MeyerDenkmann, Paynter, Schafer e Wuytack (Ilari & Mateiro, 2011) são conhecidos na Educação Musical por adotarem uma abordagem multissensorial
em que elementos não auditivos como o movimento, recursos visuais e
linguagem são usados como ferramentas na formação de conceitos musicais.
63
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Pesquisas mais recentes nesta área (Maurer & Spector, 2009; Mitchel
& Weiss, 2011) procuram definir como o cérebro processa as informações
vindas simultaneamente de diferentes vias sensoriais. Segundo Levitin
(2010, p. 47), “cada vez que ouvimos um padrão musical novo, nosso cérebro tenta estabelecer uma associação por meio de quaisquer pistas visuais,
auditivas ou de outros sentidos”. Mitchel e Weiss (2011) demonstraram,
por exemplo, que a aquisição de uma informação como resultado da junção
de mais de um sentido é mais efetiva do que quando apenas um sentido é
estimulado. A compreensão da fala seria melhorada quando o ouvinte não
apenas ouve, mas também vê quem está falando (Giraud & Kriegstein,
2006; Sumby & Pollack, 1954).
De fato, o ser humano continuamente constrói uma representação interna do mundo (Dischinger & Kindlein Jr., 2010) através de processos
perceptivos em que os sentidos atuam de modo integrado (Seitz & Shams,
2008). Por essa razão, atividades multissensoriais podem proporcionar
diversos benefícios educacionais (Souza, Hentschke, Oliveira, Del Bem, &
Mateiro, 2002), como melhorar a compreensão e memorização (Luria,
1987).
O ensino musical multissensorial
64
É comum observarmos no universo educacional o uso da música em
grande parte como ferramenta no auxílio à assimilação de conteúdos não
musicais, em situações que abrangem desde o decorar fórmulas de física ao
reforço de condicionamentos como a “hora do lanche” ou “hora de ir para
casa”. De fato, diversos autores (Barreto, 2000; Ilari, 2003; Snyders, 1992;
Weigel, 1988) têm demonstrado que o contato com a música contribui
para diferentes aspectos do desenvolvimento sensorial.
Na direção oposta, como menciona a seção anterior, diversos pedagogos utilizaram estímulos extra musicais para reforço do conteúdo musical.
O método criado por Émile Jaques-Dalcroze, por exemplo, relaciona elementos musicais com movimentos corporais (Mariani, 2011). ZoltánKo-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
dály, com o objetivo de facilitar o aprendizado musical inicial, elaborou uma
sequência de gestos manuais, também conhecida como manossolfa, como
ferramenta na aprendizagem de alturas (Houlahan & Tacka, 2008), além
do uso de sílabas para cada figura rítmica (Silva, 2011).
Gertrud Meyer-Denkmann cria paralelos entre as propriedades do
som e suas “funções” (Souza, 2011, p. 238) a partir do uso de representações gráficas alternativas à notação tradicional, privilegiando os estímulos
visuais. Outros órgãos sensitivos como o paladar e o olfato também foram
explorados. Além das conhecidas esculturas sonoras (Schafer, 1991), Schafer propunha que seus alunos usassem diferentes fragrâncias nos braços de
modo que, ao deslizarem o nariz fosse obtido um “glissando” de odores
(Fonterrada & Murray, 2011, p. 299).
A textura musical
A despeito dos consideráveis avanços observados nesta área, grosso
modo, um dos aspectos que têm sido negligenciados na pesquisa acerca do
“ensino multissensorial” consiste na compreensão da textura musical. A
pesquisa que apresentamos neste artigo (atualmente em fase introdutória)
procura suprir esta lacuna e propõe investigar, precisamente, de que modo
uma abordagem multissensorial contribuiria para a compreensão do conceito de textura musical.
Michael Chion e Pierre Schaeffer (como citado em Falcón, 2011) entendem que o objeto sonoro pode ser organizado com base na quantidade
de planos sonoros, nas hierarquias existentes entre esses planos, e no relacionamento entre eles. A textura resultaria “da qualidade da matéria sonora
e os modos de organização a que esta é submetida” (Belloc, como citado em
Falcón, 2011).
Explorando algumas possibilidades de arranjo a partir de uma simples
melodia, como Frère Jacques, Newman (1984) identifica a existência de
algumas possíveis texturas. Entoada sem acompanhamento, tem-se a defi-
65
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
nição da monofonia, cantada como um cânone, da polifonia e, acompanhada por acordes de piano ou violão, da homofonia. Além desses tipos básicos
(monofonia, homofonia e polifonia), Falcon (2011) menciona a existência
de diversas outras texturas derivadas (como a figura-fundo, os blocos sonoros, a trama e a massa sonora, entre outros), que seriam formadas a partir de
variações ou combinações das texturas básicas.
Obviamente, a simples descrição das diferentes possibilidades de texturas musicais a partir da relação entre as vozes (ou de seus fatores culturais
e históricos) é insuficiente para compreender os benefícios que uma análise
do cenário auditivo poderia proporcionar. Para isso, seria necessário, segundo Schellenberg e Thompson (2002), uma análise mais aprofundada
sobre o conjunto de processos que permitem perceber e organizar informações acústicas em fontes ou eventos sonoros.
Um raro exemplo de uma abordagem multissensorial usada para a
compreensão do conceito de textura musical encontra-se no trabalho de
Schafer (1991). No livro “O Ouvido Pensante”, relata este autor a realização de experimentos em que ele e seus alunos referem-se à textura através
de “efeitos visuais aproximados” (e.g., caos, combustão, confusões, tumultuosissimamente, constelações, nuvens, blocos ou placas, cunhas e contornos). Além disso, foram criadas, com o uso de vozes, texturas corais relacionadas a elementos da natureza. Como fonte para improvisações corais,
foram utilizados poemas japoneses (Haiku).
A pesquisa
66
Na pesquisa apresentada neste artigo, propomos investigar a influência
da utilização de estimulação multissensorial na compreensão da textura
musical em crianças de 7 a 10 anos tendo como fio condutor o desenvolvimento da construção do tecido sonoro ao longo da história da música ocidental, desde a monofonia dos gregos (Grout & Palisca, 2001, p. 19) até
“multiplicidade sonora” do século XX (Griffiths, 1998, p. 183).
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
A faixa etária escolhida situa-se no estágio Operacional Concreto, de
acordo com o sistema proposto por Piaget:
Em um terceiro estágio aparecem as primeiras operações, mas as
chamo de operações concretas devido ao fato de que elas operam
com objetos, e ainda não sobre hipóteses expressadas verbalmente.
Por exemplo, há as operações de classificação, ordenamento, a
construção da idéia de número, operações espaciais e temporais e
todas as operações fundamentais da lógica elementar de classes e
relações, da matemática elementar, da geometria elementar e até da
física elementar. (Piaget, 1972)
Acerca dessa fase, Terra (2013) esclarece que, “embora a criança consiga raciocinar de forma coerente, tanto os esquemas conceituais como as
ações executadas mentalmente se referem (...) a objetos ou situações passíveis de serem manipuladas ou imaginadas de forma concreta.”
Sob o olhar construtivista de educação, Beyer (2000) entende que o
aprendizado se dá através de um processo de construção, por meio da constante interação que o “sujeito” mantém com o “objeto” (realidade) e com o
contexto sócio-cultural no qual está imerso. Em outras palavras, a construção de conceitos ocorre por meio de ações que a criança opera sobre os
objetos.
É também neste período que a criança adquire gradativamente a reversibilidade, ou seja, “a capacidade de pensar simultaneamente o estado inicial
e o estado final de alguma transformação efetuada sobre os objetos” (La
Taille, 1992, p. 17). Com relação a essa reversibilidade presente no pensamento operatório graças à passagem de um domínio figurativo para o operativo no desenvolvimento cognitivo musical das crianças, Beyer (2000)
aborda a dinamização das experiências que antes eram apenas unidirecionais:
A reversibilidade pode ser verificada também no binômio percepção-expressão, sendo que um retroalimenta o outro para os progressos sucessivos na música. Assim, a percepção musical é bidirecional. Também neste estágio a criança terá condições de ‘desmon-
67
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
tar’ a canção e montá-la novamente, analisando parte por parte e
apreendendo o funcionamento das relações entre elas. Desta forma
a criança inicia-se nas relações de conseqüência e nas noções de
verticalidade de uma melodia. (Beyer, 2000)
Segundo Beyer (2000), no estágio operatório concreto, a criança está
apta para o aprendizado da escrita musical, não necessariamente da simbologia convencional. Zenatti (como citado em Beyer, 2000) aponta que
“subjacente à capacidade de alfabetização musical encontram-se as estruturas cognitivas de seriação, classificação, relação e conservação. Necessita-se
das três primeiras para a formação gradativa do esquema de tonalidade”.
Metodologia
Os aspectos metodológicos do presente projeto são de ordem qualitativa, ou subjetivista que, segundo Freire (2010), “considera a realidade como uma instância em interação dialética com o sujeito ou mesmo como
resultante da percepção do sujeito e não como um fenômeno ‘em si’”. Pedagogos, como Meyer-Denkamnn, Paynter e Schafer (Ilari & Mateiro,
2011), incentivam atividades que promovam um desenvolvimento musical
através da experimentação sonora, composição, improvisação e criação de
arranjos. Segundo Bourdieu (2003), o grau de “competência artística” está
intimamente ligado ao conhecimento dos códigos da mensagem, no caso, a
obra musical, portanto, podemos deduzir que quanto mais os alunos dispuserem de familiarização com os elementos musicais, mais ferramentas terão
para o seu crescimento musical.
68
Tendo em vista os aspectos do desenvolvimento musical deste período
(estágio Operacional Concreto) como resultante da capacidade de abstração e assim compreensão do discurso musical, mas ainda fortemente ligado
a situações que remetam ao concreto, esta pesquisa investiga se a manipulação de diferentes materiais contribuiria para a percepção de diferentes possibilidades de textura. Indaga-se, por exemplo, se a manipulação de uma
corda, contribuiria para a percepção de uma melodia monofônica ou se o
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
manuseio de diversas linhas de lã auxiliaria na percepção da polifonia ou de
outras texturas derivadas.
Conclusão
Este artigo apresenta um panorama teórico introdutório acerca do tema central da nossa pesquisa, que procura relacionar o uso de informações
sensórias extra musicais com a aprendizagem musical, mais especificamente
no que diz respeito à textura musical. Sendo uma pesquisa ainda em fase
inicial e considerando o escopo deste artigo, não são expostos resultados
concretos. Apesar disso, acreditamos que a descrição das questões aqui
apresentadas poderão servir como ponto de partida para discussões e outras pesquisas de interesse nesta área.
Referências
Barreto, S. (2000). Psicomotricidade: Educação e Reeducação. Blumenau:
Acadêmica.
Beyer, E. (2000). Tendências Curriculares e a construção do conhecimento
musical na primeira infância. Paper presented at the IX Encontro Anual
da ABEM, Belém.
Bourdieu, P., & Darbel, A. (2003). O amor pela arte: Os museus de arte na
Europa e seu público. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo:
Zouk.
Dischinger, M., & Kindlein Jr., W. (2010). Metodologias de Análise da
Percepção Tátil em Diferentes Classes de Materiais e Texturas para
Aplicação no Design de Produtos Design & Tecnologia (pp. 28-38). Rio
Grande do Sul.
Falcón, J. (2011). Quatro Critérios para a Análise Musical Baseada na
Percepção Auditiva. (Mestrado em Música), Universidade Federal do
Paraná, Curitiba.
69
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Fonterrada, M., & Murray, R. (2011). Schafer: o educador musical em um
mundo em mudança. In T. Mateiro & B. Ilari (Eds.), Pedagogias em
Educação Musical (pp. 299). Curitiba: IBPEX.
Freire, V. (2010). Horizontes da Pesquisa em Música. Rio de Janeiro: 7Letras.
Giraud, A., & Kriegstein, K. (2006). Implicit Multisensory Associations
Influence Voice Recognition. http://www.plosbiology.org/
Griffiths, P. (1998). A Música Moderna: uma história concisa e ilustrada de
Debussy a Boulez. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
Grout, D., & Palisca, C. (2001). História da Música Ocidental (2nd Ed.).
Lisboa: Gradiva.
Houlahan, M., & Tacka, P. (2008). Kodaly Today: A Cognitive Approach to
Elementary Music Education. New York: Oxford University Press.
Ilari, B. (2003). A música e o cérebro: Algumas implicações do
neurodesenvolvimento para a educação musical. Revista da ABEM, 8,
7-16.
Ilari, B., & Mateiro, T. (Eds.). (2011). Pedagogias em Educação Musical.
Curitiba: IBPEX.
La Taille, Y. (1992). O lugar da interação social na concepção de Jean
Piaget. In Y. La Taille, M. Oliveira, H. Dantas & V. Piaget (Eds.),
Wallon: teorias psicogenéticas em discussão (13a. ed.) (pp. 11-22). São
Paulo: Summus.
70
Levitin, D. (2010). A Música no seu cérebro: a ciência de uma obsessão humana.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
Luria, A. (1987). The mind of a Mnemonist: A little book about a vast memory.
New York: Harvard University Press.
Mariani, S. (2011). Émile Jaques-Dalcroze: a música e o movimento. In T.
Mateiro & B. Ilari (Eds.), Pedagogias em Educação Musical. Curitiba.:
IBPEX.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Maurer, D., & Spector, F. (2009). Synesthesia: A New Approach to
Understanding the Development of Perception. 45(1), 175-189.
Mitchel, A., & Weiss, D. (2011). Learning Across Senses: Cross-Modal
Effects in Multisensory Statistical Learning. Journal of Experimental
Psychology: Learning, Memory, and Cognition, 37(5), 1081-1091.
Newman, G. (1984). Teaching Children Music: Fundamentals of Music and
Method. Iowa: WCB Publishers.
Piaget, J. (1972). Desenvolvimento e Aprendizagem sob o Enfoque da
Psicologia II (trad. Paulo Francisco Slomp). In C. S. Lavattelly & F.
Stendler (Eds.), Reading in child behavior and development. New York:
Hartcourt Brace Janovich.
Schafer, M. (1991). O Ouvido Pensante. São Paulo: Editora da UNESP.
Schellenberg, G., & Thompson, W. F. (2002). Cognitive Constrains on
Music Listening. In R. Colwell (Ed.), The New Handbook of Research on
Music Teaching and Learning (pp. 461-486). New York: Oxford
University Press.
Seitz, A., & Shams, L. (2008). Benefits of Multisensory Learning. Trends in
Cognitive Sciences, 12(11), 411-417.
Silva, W. (2011). Zoltán Kodaly: alfabetização e habilidades musicais. In T.
Mateiro & B. Ilari (Eds.), Pedagogias em Educação Musical. Curitiba:
IBPEX.
Snyders, G. (1992). A escola pode ensinar as alegrias da música? São Paulo:
Cortez.
Souza, J. (2011). Gertrud Meyer-Denkmann: uma educadora musical na
Alemanha pós-Orff. In T. Mateiro & B. Ilari (Eds.), Pedagogias em
Educação Musical. Curitiba: IBPEX.
Souza, J., Hentschke, L., Oliveira, A., Del Bem, L., & Mateiro, T. (2002). O
que faz a Música na Escola? - Concepções e Vivências de Professores do
Ensino Fundamental. Porto Alegre: Série Estudos, UFRGS.
71
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Stephenson, J. (2002). Characterization of Multisensory Environments:
Why Do Teachers Use Them? Journal of Applied Research in Intellectual
Disabilities, 15, 73-90.
Sumby, W., & Pollack, I. (1954). Visual Contribution to Speech
Intelligibility in Noise. Journal Acoust Society Am, 26, 212-215.
Terra, M. (2013). O desenvolvimento humano na teoria de Piaget.
Retrieved 29/01/2013, from
http://www.unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/d00005
Weigel, A. (1988). Brincando de Música: Experiências com Sons, Ritmos,
Música e Movimentos na Pré-Escola. Porto Alegre: Kuarup.
72
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
MOTIVAÇÃO, TECNOLOGIA E
CRIAÇÃO MUSICAL
Coordenação: Rosane Cardoso de Araujo
Designing the MIROR-Body Gesture framework
for music and dance creativity
Anna Rita Addessi
Rosane Cardoso de Araujo
Marina Maffioli
Fabio Regazzi
Gualtiero Volpe
Barbara Mazarino
Children's musical improvisation
in an interactive/reflexive musical context: an study
Rosane Cardoso de Araujo
Anna Rita Addessi
O Processo de aprendizagem da composição musical
em aulas coletivas por meio das experiências vicárias
Igor Mendes Krüger
Rosane Cardoso Araujo
73
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Designing the MIROR-Body
Gesture framework for
music and dance creativity
Anna Rita Addessi
[email protected]
Università di Bologna
Rosane Cardoso de Araujo
[email protected]
Universidade Federal do Paraná/CNPq
Marina Maffioli
[email protected]
Mousikè - Bologna
Fabio Regazzi
[email protected]
Università di Bologna
Gualtiero Volpe
[email protected]
Università di Genova
Barbara Mazarino
[email protected]
Università di Genova
74
Abstract: This paper introduces a pilot study carried out with children in
order to design and tune the movement analysis components of MIRORBody Gesture, a framework for music and dance exploration, based on the
“reflexive interaction” paradigm. Analysis is grounded on concepts from
Laban Movement Analysis. The pilot study includes recordings of several
activities where children perform movements addressing one of the Laban
Effort dimension. In particular, this initial study focuses on the Weight
dimension. MIROR-Body gesture is one of the three components of the
MIROR platform, developed in the EU-ICT project MIROR - Music
Interaction Relaying On Reflexion (ICT-Technology-enhanced Learning,
2010-2013).
Keywords: Miror-Body Gesture, reflexive interaction, music and dance
education
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Projetando a estrutura do MIROR-Body Gesture para a criatividade
em música e dança
Resumo: Este texto apresenta um estudo piloto realizado com crianças, a
fim de elaborar o design dos componentes de análise de movimento do
MIROR-Body Gesture, um sistema tecnológico para exploração criativa
da música e da dança, com base no paradigma "interativo/reflexivo". A
análise é baseada nos conceitos de Rudolf Laban para a Análise do
Movimento. O estudo-piloto inclui gravações de diversas atividades onde
as crianças executam movimentos abordando uma das dimensões do
conceito de “Effort” de Laban. Em particular, este estudo inicial centra-se
na dimensão do “peso”. O MIROR-Body Gesture é um dos três
componentes da plataforma MIROR, desenvolvido na União Européia –
ICT MIROR Project – Music Interaction Relaying on Reflexion (ICTTecnologia avançada de aprendizagem, 2010-2013).
Palavras-chave: MIROR-Body Gesture, interação reflexiva, música e
dança educação
This paper introduces a pilot study carried out with children in order to
design and tune the movement analysis components of MIROR-Body
Gesture, a framework for music and dance exploration, based on the
“reflexive interaction” paradigm. MIROR-Body gesture is one of the three
components of the MIROR platform, developed in the EU-ICT project
MIROR - Music Interaction Relaying On Reflexion (ICT-Technologyenhanced Learning, 2010-2013). This paper presents the MIROR platform,
the reflexive interaction paradigm, MIROR-Body Gesture, and the pilot
study carried out with the children.
1. The MIROR platform
The MIROR Platform is developed in the context of early childhood
music education. It acts as an advanced cognitive tutor, designed to
promote specific cognitive abilities in the field of music improvisation,
composition and body-gesture, both in formal learning contexts
(kindergartens, primary schools, music schools) and in informal ones (at
75
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
home, kinder centres, and so on). The “reflexive interaction” paradigm is
based on the idea of letting users manipulate virtual copies of themselves,
through specifically designed machine-learning software referred to as
interactive reflexive musical systems (IRMS). By definition IRMS are able
to learn and configure themselves according to their understanding of the
learner's behaviour. Originally conceived for working with musical input, in
MIROR the IRMS paradigm is extended with analysis and synthesis of
multisensory expressive gesture to increase its impact on musical pedagogy
of young children, by developing new multimodal interfaces. The MIROR
project aims primarily at developing the potential of the reflexive interaction
paradigm for the benefit of music education. This includes the design,
implementation and validation of concrete pedagogical scenarios in which
IRMS organize and stimulate the learning / teaching processes in the
domains of music improvisation, composition and body performance. The
MIROR Platform addresses music improvisation (MIROR
Improvisation), composition (MIROR Composition), and exploration
with/ of body gesture (MIROR Body gesture). The core architecture of the
MIROR platform is displayed in Figure 1. This paper focuses on the
MIROR-Body Gesture component and on a first eploratory study carried
out with the children.
camera
Miror inputs
midi
audio
Miror-impro
Core
applications
Miror-body
Miror
outputs
76
Miror-compo
Children UI
Miror-log
Teacher UI
Miror-web
Figure 1. The overall architecture of MIROR, with the various inputs, outputs, core
modules, and user interfaces.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
2. The reflexive intaraction paradigm
Interactive Reflexive Musical Systems, IRMS in short, were originally
conceived at the SONY Computer Science Laboratory in Paris (Pachet,
2003). The notion of IRMS was developed by experimenting with novel
forms of man-machine interactions, in which the user essentially
manipulates an “image” of himself/herself. Indeed, traditional approaches
in man-machine interactions consist of designing algorithms and interfaces
that help the user to solve a given, predefined task. Departing from these
approaches IRMS are designed without a specific task in mind, but rather as
intelligent “Mirrors”. Interaction with users is analysed by IRMS to build
progressively a (computational) model of the user in a given domain (such
as musical performance). The output of an IRMS is a “mimetic response” to
a user interaction. This general idea stemmed from a concrete project
dealing with musical improvisation, The Continuator (Pachet 2003, 2006).
An extensive series of exploratory studies was carried out with 3-5 yearold children since 2003. These studies showed that the IRMS paradigm not
only works with children but that it yields a novel and efficient approach to
learning/teaching, as it develops fascinating and spectacular child/machine
interaction. This pioneering work was followed by many others, for
example (Ferrari et al, 2006; Young 2006, Benghi et al. 2008). One of the
most implication of these experiments has been the exploitation of the
theoretical framework of the reflexive interaction paradigm and the
implementation of the MIROR Project.
The theoretical framework of the reflexive interaction paradigm
includes references from the myth of Echo (Ovid) to the more recent
semiological paradigmatic analysis (Ruwet 1966, Nattiez 1987) and the
theory of similarity perception in music listening (Deliège 2011, Toiviainen
2007). Thanks to its capacities to replicate the musical behavior and evolve
in an organic fashion with the user, IRMS translate into technological
design several theoretical concepts of learning development and the theory
of creativity. the theories on the mirror neurons (Rizzolatti et al., 2006); the
theories of infant musical development, based on the mechanism of
77
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
repetition/variation and affective attunment (Stern, 2004; Trevarthen,
2000; Imberty, 2005), and several pedagogical perspectives on young
children music education (McPherson, 2002; Young, 2004). In particular,
IRMS especially promote the “optimal experience” described by the Flow
Theory introduced by Csikszentmiahlyi (1996). IRMS generate very
complex reactions, where the children are expected to form differentiated
judgments about “self” and “others”. In literature, these forms of awareness
are considered crucial for the building of the child's identity. IRMS, by
means of their mirror effect, help towards the construction of a “musical
self”, or, as Turkle (1984) says, a “Second self”, where not only the machine
seems to think, but it also thinks like the user.
The MIROR platform owes to the Laban Movement Analysis (LMA),
elaborated by the Hungarian dance artist and theorist Rudolf Laban (18791958). This analytical approach is the basis of the expressive gesture analysis
implemented as a component of MIROR-Body Gesture. This relationship
between sound and movement through the Laban's aproach has been used
by other researchers, for example, Kistner (2010), Mullins (2009), Kohn &
Eitan (2009), Addessi & Maffioli (2002). The analysis of the interactive
processes between children and the system is based on the theory of flow
Csikszentmihalyi (1990), whereby the quality of engagement with the
child's system is evaluated from a motivational, creative and emotional
perspective. The relationship between flow theory and musical activities has
been the subject of other studies, such as studies of Addessi, Ferrari &
Carugati (2012); Custodero (2006); Addessi (2011), Araújo & Pickler
(2008).
78
3. The MIROR-Body Gesture framework
The basic concept of the paradigm of Reflexive Interaction is to establish a dialogue between the user and the machine, in which the user tries to
“teach” the machine his/her musical language. The effectiveness of such a
dialogue will be greatly increased by introducing the dimensions of expres-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
sivity and emotion. Movement and gesture are a first-class conveyor of expressivity and emotion in contexts such as music, where communication is
mainly non-verbal. The MIROR project includes the development of techniques for real-time analysis of expressive movement and gesture to further
develop the children capacity for improvisation, composition, and creative
performance. An innovative aspect of the MIROR project will be to endow
Interactive Reflexive Musical Systems with the capability of exploiting mechanisms of expressive emotional communication.
The MIROR Body-Gesture framework enables children to perform exploration of sound and of musical concepts by their body movements and
gestures. The framework can integrate exploration activities, with different
levels of complexity, spanning over different dimensions of sound and over
different music concepts. Teachers can control the performance of the activities and can customise the sounds used in them, according to their needs.
The framework can also save both the work of the children and the data
gathered during a session in order to provide teachers with tools for evaluation.
The architecture of the framework is sketched in Figure 2. Blue thick
arrows are sampled data stream that are processed by the prototype (the live
video and the motion capture data coming from the children interface, the
extracted motion features, the output audio stream). Red thin arrows are
commands the teacher provides through the teacher interface in order e.g.,
to select an exercise and its sound set and to start/stop the selected exercise.
Commands refer to the work within a session. Commands to create, load,
and close a session are also available, but they are not displayed in the figure.
Yellow thin arrows are parameters’ values and control signals the framework
generates depending on either the commands the teacher issues or the
localisation of the objects in the potter framework (draft, working, or final
area). These are used either to instantiate a specific exercise template (e.g.,
providing it with a specific sound to be processed) or to control other
modules (e.g., to associate the sound obtained by the child to the object she
is working on when the child freezes). The core of the architecture is the
79
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
crafting
ing module including components for movement and gesture analysis
and for mapping to sound and music. Indeed, children manipulate and craft
sounds by their movement. The pilot study in this paper addressed data
collection and analysis for designing the movement
ement and gesture component
of the crafting module based on concepts from Laban Movement Analysis.
The major input for MIROR Body-Gesture
Gesture is a Kinect sensor. Kinect is
a motion sensing input device by Microsoft for the Xbox 360 video game
console. Based around a webcam-style add-on peripheral for the Xbox 360
console, it enables users to control and interact with the Xbox 360 without
the need to touch a game controller, through a natural user interface using
gestures and spoken commands. Originally conceivedd for the Xbox, Kinect
can also be connected to a common personal computed and can provide it
with Motion Capture (MoCap) data.
80
Figure 2. Architecture of the MIROR-Body
Body Gesture framework
Kinect was chosen, instead of common video cameras, in order to simplify the set-up
set of the
MIROR Body-Gesture framework
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
This is particularly important, since the prototype needs to be installed
prospectively at schools or kindergartens. Indeed, Kinect can perform
background subtraction and motion tracking in almost non-controlled
environments, thus enabling to remove constraints such as the need of a
constant background and of constant lights. Moreover, Kinect does not need
to buy and install further hardware, it can track multiple users, and it provides
quite reliable 3D Motion Capture data. At the start-up Kinect still needs a
calibration phase requiring the user to stay still in front of the sensor in a predefined calibration pose (standing with arms raised). Yet, such a drawback is
minor with respect to the high benefit of working in non-controlled
environment. The implementation of MIROR Body-gesture is grounded on
the EyesWeb XMI platform (Camurri & Volpe, 2004; Camurri et al. 2005.
See in particular Volpe et al. 2012) (www.eyesweb.org).
4. Methodology
The integration of cross-disciplinary teams allows the creation of an effective spiral design approach characterised by the concept of interreliability. The results of one team, notably the technological team, influence
and are influenced by the results of another team (the psycho and pedagogical team). Different research methods and approaches are used (basic research, experimental, observation, action research): these factors enable to
study different aspects of a problem and to validate the results by means of
cross-control. Such a spiral model of design is fundamental in the field of early
child music education technology. This field demands a specific expertise on
the cognitive, affective and sensory-motor child development, infant musicality and music learning processes.
Concerning the MIROR-Body Gesture framework and the pilot study
introduced in this paper, the working team is composed by pioneer
investigators of expressive gesture analysis technology and by the leader of the
first studies with children and reflexive musical systems, which are experts in
cognitive musicology and music education. In order to implement the Laban
Movement Analysis, an expert in LMA and dance education was involved in
81
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
the project. This expertise was also assured by the collaboration with the
Mousikè Center in Bologna, specialised in children dance education based
on the Laban Movement Analysis (Maffioli, 2009; Zagatti, 2004).
The methodology is based on three levels of investigation:
1) Movement/sound connection: it represents the basic level of
implementation of the framework. A grid of correlation between Laban
movement parameters and musical features (shape, duration, sound, pitch)
was created.
2) Reflexive interaction: this level deals with the implementation of
several modes and rules of child/machine interaction, based on the reflexive
interaction paradigm.
3) Pedagogical settings: psychological conditions of children, role of
children, role of the teacher, role of the system, educational contexts and
methodological approaches.
5. The pilot study
82
The MIROR-Body Gesture framework is in its initial stage. Therefore, a
first aspect that needs to be investigated from a pedagogical perspective is the
correspondence between movements and sounds. To this aim, a video
archive addressing different parameters of Laban Movement Analysis
(Effort, Body, Shape, Space) is collected by videorecording children
performing movements and sounds. The video archive is complemented
with informal interviews with children. The pilot study introduced in this
paper focuses on the Weight component of Laban’s Effort, that may range
from light to heavy. In order to collect video and interviews, several activities
with children were organised, focusing on light/heavy movements. In order
to stimulate the experience of children around light/heavy, the children were
invited to perform several activities, including games, playing instruments,
and dancing. Several informal interviews were also performed.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Method
Participants: Children: 1 girl, 7 years old; 2 girls, 8 years old; 1 boy, 3
years old (he did not want to carry out the activities). The children dressed
light-colored clothing. Operators: The activities with the children were leaded by two teachers specialised in dance and music education with children.
Equipment: 1 computer, 1 Kinect, 2 videocameras; 1 fotocamera; musical instruments (drums and several different drumsticks); several pieces of
music recordings, suitable to be perceived as light or heavy .
Setting: The venue where the activities were carried out was the
Mousikè School, in Bologna. The room was 70 m2, one wall of the room was
covered with a dark curtain. 2 areas that represented 2 planets were created
on the floor, with white tape. One planet was in front of the dark curtain. The
Kinect sensor was in front to this planet, in order to capture the movements
of the children. In order to allow automatic analysis of video data, the
children dressed light-colored clothing to contrast with the dark
background.
Figure 3. Setting of the pilot study
Procedure: The organization of the activities began at 11 am. The
activities with the children happened between 14h00 and 16h00. The
consent forms signed by the parents of the involved children were collected.
The activities were recorded by 2 videocameras: one of them was connected
with an EyesWeb application recording the activity of the child in front to
the Kinect sensor (Fig. 3) and collected the data to be used for automatic
83
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
analysis; Another videocamera recorded all the activities and collected data
to be analysed by psycho-pedagogical team.
Sequence of activities with children:
Preparatory activities
Initially, some preparatory games were conducted with the objective to
help the children to explore heavy and light movements. In the game the
children imagined to be on “a planet”. On the “planet” the children
performed the activities (Fig. 4).
Initially, each child was asked to scream and whisper their names,
accompanying them with a movement of the whole body; first with a light
quality and then with a heavy quality. Finally, they were asked to do a light or
heavy movement omitting to pronounce their names. During these
activities, the children were suggested to try the movement and the voice
emission standing up or anyway in contact with the floor.
Then, activities of inventing smooth movements and heavy movements
guided by the voice, and activities of observations and imitation of the
movements of the feather (each child received a feather to play) were
performed, as well as activities with heavy movements guided only by the
voice. After performing different exercises, the children were invited to go on
a "different planet", which was another space prepared in the same room,
where they would extend the previous material focusing more on body
gesture.
84
Activities devoted to the MIROR-Body Gesture
In order to collect data suitable for designing the Laban analysis
component of the MIROR Body Gesture framework, video recordings of
children performing heavy and light movements were carried out. To this
aim, children were introduced to the activities that follow (Fig. 4).
Initially, children were asked to make a “sign of recognition”: raising
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
their right hand with palm forward, the children said their first name; raising
the left hand with palm forward, the children said the last name; turning their
hands (with the back to front), the children said their age. This initial activity
was performed in order to enable the Kinect sensor to calibrate properly; the
articulation of the activity is such that it allows for sufficient time for the
Kinect sensor to calibrate.
The first game was based on listening to pieces of music sometimes
smooth, sometimes heavy, so that the children could perform movements
with the music that they were hearing. The children, one at a time, entered
the “new planet” while the others waited outside in a “spaceship”. To make
the moves heavier or lighter, the children needed to prepare themselves,
rubbing a feather or a stone in different parts of the body, to become heavy or
light. By doing so, each time the child chose to turn heavy or light the
movement of a part of her body, or of the whole body. Some movement
actions were also tried out, such as walking, jumping, skipping, falling, and
spinning. These actions were performed following the idea of lightness and
heaviness.
The second game consisted of the heavier or lighter imitation of
animals. One child at a time, entered “the planet”, made the “sign of
recognition,” and entered an “imaginary box”. The other children were
outside and made sounds using musical instruments to support in the
decision of moving heavily or lightly. At the end of the game, they had to
guess what animal was represented.
85
Figure 4. Activities wth children devoted to the MIROR-Body Gesture
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Activities with drums devoted to the MIROR-Body Gesture
The children explored the sounds of the drums with drumsticks. They
were asked to produce “light sounds” and “heavy sounds” and they played
sounds of “weak”(piano) and “high intensity”(forte), drumming with sticks.
Then they were asked to play “light sounds” with “accelerando” and
“rallentando”, and the same game was made with heavy sounds: they were
asked to preserve the sound (light or heavy), even if they changed the speed.
The aim of this game was to practice with sounds “light and heavy”, to make
explicit the concept of light and heavy, to discuss with children about light
and heavy sounds, and to collect the qualities of sounds according to what
the children thought (Fig. 5).
In order to put together sounds and movements, an other game was
realised. One girl comes into the “planet”, does the “sign of recognition”,
pretends to be an animal, while the other children play the drums with light
or heavy sounds, by following a director, while the child in the box has to
interpret through the body movements the sounds’ lightness and heaviness,
following the variations played by the friends with the drums (for example:
a butterfly flies in the sky when the drums produce light sounds, and then
becomes heavy, as if she had eaten a lot, when the drums produce heavy
sounds).
86
Figure 5. Acivities with drums and informal interview to the children
Activities with the interface of the MIROR-Body Gesture
Finally, the children were invited to observe the interface of the system
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
and to understand, by the different colours on the screen, when the system
recognizes and starts to capture the body movements of the subject in front
to the Kinect sensor (Fig. 6). They made experience with the interface and
the Kinect. They found that the computer picked up their images and the use
of the “kinect” was cause for great enthusiasm for the children.
Figure 6. Activity with the interface of the MIROR-Body Gesture
6. Results
In general way it was observed that all the activities were performed
with much joy and interest by the children. While the children were doing
the games, they were becoming more confident and freer in exploring their
movements.
The collection of data on heavy and light movements necessary for the
development of body gesture system was successful. Data includes:
-Live video (640x480, 30fps);
-Blobs of the tracked children;
-3D coordinates of body joints (head, neck, torso, waist, left collar, left
shoulder, left elbow, left wrist, left hand, left fingertip, right collar, right
shoulder, right elbow, right wrist, right hand, right fingertip, left hip, left
knee, left ankle, left foot, right hip, right knee, right ankle, right foot).
The accuracy of the measurements may depend on the environmental
conditions.
87
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
The data are being processed. Video and 3D coordinates will be
analysed in order to automatically classify movement as light or heavy. This
includes extraction of features (e.g., kinematical features, direction of
movement, amount of movement and so on). The features extracted from
the video recordings will be used for training a machine-learning model, e.g.,
a Support Vector Machine. A similar study performed on the Space
dimension of Laban’s Theory of Effort already obtained promising results,
yielding an accuracy rate of about 90%. The pilot study will thus be
exploited in a twofold perspective: (i) for understanding which features are
more relevant for distinguishing between heavy and light movements in the
specific context of children game playing, and (ii) to collect data for training
the models.
The analysis of the videos (movements and music analysis), emerged
the following qualities of the children movements and sounds dealing with
the Laban feature of Weight heavy/light:
LMA (Laban Movement Analysis)
Children's HEAVY movements
BODY:
parts of the body: legs and feet, + hands (fists);
action: stomping the ground with force,
marching, jumping on two feet with energy
SPACE:
direction: forward + left/right; Levels: above all
high, and deep; Extensions: Near; Path: above
all straight, but also curved
88
TIME:
Speed: above all normal and slow
WEIGHT:
Energy or Force: strong and heavy; Accents:
stressed; Degrees of tension: tense
FLOW:
Flux: interrupting + arresting; Action: stopped;
Control: intermittent; Body: motion
(marching)
Music Analysis
Children's HEAVY Sounds
Gestures to produce the sounds:
strong beats on the drum, with regular
time
strong beats on the drum, with
“crescendo” (between mp – ff) and
“accelerando”
Musical contents:
System of DURATION: with pulse, beat,
accent, both rallentando/accelerando
System of SOUND : timbre: dark, thick;
texture: dense; register: low; dynamic: very
strong; articulation: staccato, detached.
System of SHAPE: segmentation;
grouping of gestures, repetition/variations
of gestures
System of PITCH: only drums not tuned,
so we do not have this parameter
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
EFFORT:
Weight: firm; Time: susteined-sudden; Space:
direct; Flow:bound
Children's LIGHT movements
BODY:
Parts: full body, in particular the the legs, arms,
the hands, the wrists; Actions: slip, transfer of
weight, walking on tiptoe, waving his arms in a
symmetrical way, turning
SPACE
Directions: forward + left/right; Levels: high,
medium; Extensions: far; normal-big; Path:
straight-curved
TIME:
Speed: quick-normal-slow; Tempo: prestomoderato-lento
WEIGHT
Energy or Force-weak; light-normal; Accents:
unstressed; Degrees of tension: normal
FLOW
Flux: going; Action: continuous; Control:
normal-intermittent; Body: motion
EFFORT
Weight: gentle; Time: sustained-sudden; Space:
flexible-direct; Flow: free
Children's LIGHT sounds
Gestures to produce the sounds:
Rubbing the stick on the drum
Tapping lightly (gently) and slowly on the
drum.
Musical contents:
System of DURATION:
long durations,
without strong accent
System of PITCH:
only drums not tuned,so we do not have
this parameter
System of SOUND:
timbre: light, soft, thin; texture: rare ; register:
acute middle register;
dynamic: weak
articulation: legato
System of SHAPE:
no segmentation;
repetition, variation,
no contrast
This analysis and annotation of material by the psycho-pedagogical
team will also serve as ground truth for automatic analysis. A quantitative
analysis is being carried out by means the software Observer.
From the psycho-pedagogic perspective the interviews with the
children will be analysed in order to set the musical characteristics of light/
heavy. Analysis and set-up of the pedagogical setting and activities,
including set-up the setting for further experimental studies.
The results and the activities carried out so far allow us to collect and
experiment on several scenarios for children and MIROR Body Gesture-
89
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
BeSound, analyse Laban' Effort features heavy/light in children, analyse
heavy/light sound features in children, collect live videos to be used for
automatic analysis and system training by the technological partner, test
equipment, software, materials, space, share ideas and pedagogical issues
with the teachers of the primary and kindergarten schools about the
ecological setting for the experiments, the MIROR Body Gesture in the
school, activities of training teachers.
Conclusions
This paper introduced a pilot study carried out with children in order
to design and tune the movement analysis component of MIROR-Body
Gesture, a framework for music and dance exploration, based on the
“reflexive interaction” paradigm, implemented in the framework of the
MIROR Project. Analysis is grounded on concepts from Laban Movement
Analysis. The study will be exploited to implement exploration activities
where, for example, children can behave as an object or an animal trying to
reproduce their heavy or light movements, thus triggering corresponding
sounds. This would provide a goal-directed and playful approach to both
the exploration of qualities of sound and music and the invention of body
and musical compositions. The effectiveness of the prototype derived from
this pilot study will be evaluated in a second pilot study, including
observation of children trying the prototype, to be run in framework of the
MIROR project.
Acknowledgment
90
This study was partially supported by the EU-ICT Project MIROR
(Musical Interaction Relying On Reflexion, www.mirorproject.eu). The
Authors thank the Mousikè Center of Bologna, Italy, for hosting the
experimental activities with children.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
References
Addessi, A.R. (2011). The MIROR Project: Music interaction relying on
reflexion. In M. Dottori (Ed.), VII SIMCAM 2011 – Anais, Universidade de Brasilia, Brasilia, pp. 355-365.
Addessi, A.R. (2012). From Echo to the mirror neurons: Founding a systematic perspective of the reflexive interaction paradigm. In E.
Cambouropoulos, C. Tsougras, P. Mavromatis, & K. Pastiadis (Eds.),
Proceedings of the 12th International Conference on Music Perception and
Cognition (ICMPC) and the 8th Triennial Conference of the European Society for the Cognitive Sciences of Music (ESCOM), 23-28 July 2012,
Thessaloniki, Greece, 9-19.
Addessi, A.R., Maffioli, M.(2002). Segmentation et analyse dans l'éducation
à la créativité musicale et motrice. In M. Britta - M. Mélen (Eds), Musical Creativity. ESCOM, 10th Anniversary Conference. Proceedings, University of Liège.
Addessi, A.R., Pachet, F. (2005). Experiments with a musical machine: musical style replication in 3/5 year old children. British Journal of Music
Education, vol. 22(1), 21-46 (translation into Portuguese in: Cognição
& Artes Musicais, 2(1), 62-72, 2007).
Addessi, A.R., Pachet, F. (2006). Young children confronting the Continuator, an interactive reflective musical system. Musicae Scientiae, Special
Issue 2005-2006, 13-39.
Addessi, A.R., Ferrari, L., Carugati, F. (2012). Observing and measuring the
flow emotional state in children interacting with the MIROR platform.
In E. Cambouropoulos, C. Tsougras, P. Mavromatis, & K. Pastiadis
(Eds.), Proceedings of the 12th International Conference on Music Perception and Cognition (ICMPC) and the 8th Triennial Conference of the European Society for the Cognitive Sciences of Music (ESCOM), 23-28 July
2012, Thessaloniki, Greece, 20-30.
91
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Araújo, R. C., Andrade, Margaret A. (2011). Experiência de fluxo e prática
instrumental: dois estudos de caso. Da Pesquisa, 8, p. 553-563.
Araújo, R. C. Pickler, L. (2008). Um estudo sobre motivação e estado de
fluxo na execução musical. In: Anais do IV Simpósio de Cognição e artes
musicais. Disponível em
http://www.fflch.usp.br/dl/simcam4/anais_simcam4.htm
Benghi, D., Addessi, A.R. (2008). Teaching to improvise with the Continuator. 28th ISME Proceedings. Bologna, pp. 882-883.
Camurri, A., Volpe, G. (eds) (2004). Gesture-based communication in
human-computer interaction. Selected and revised papers of the 5th
International Gesture Workshop (GW2003), Lecture Notes in Artificial
Intelligence, LNAI no.2915, Springer-Verlag.
Camurri A., De Poli, G., Leman M., Volpe, G. (2005). Toward communicating expressiveness and affect in multimodal interactive systems for
performing art and cultural applications. IEEE Multimedia Magazine,
vol. 12(1), IEEE CS Press, pp. 43-53.
Cardoso De Araújo, R., & Addessi, A.R. (2012). A study about children's
musical improvisation in an interactive reflexive musical context. In
30th ISME World Conference on Music Education. Music Pædeia: From
Ancient Greek Philosophers Toward Global Music Communities.
Thessaloniki, Greece, 16-21 July 2012.
92
Custodero, Lori. A. (2006). Buscando desafios, encontrando habilidades: a
experiência de fluxo e a educação musical. In: B. Ilari (Org.). Em busca
da mente musical. Curitiba: Editora da UFPR, pp. 381-399.
Csikzsentmihalyi, M. (1996). Creativity: flow and the psychology of discovery
and invention. Harper Collins Edition, New York.
Deliège, I (2001). Introduction: Similarity Perception, Categorization, Cue
Abstraction. Music Perception, 18(3), 233-243.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Ferrari, L., Addessi, A.R., Pachet, F. (2006). New technologies for new music education: the Continuator in a classroom setting. Proceedings of
ICMPC9 and 6th ESCOM Conference. Bologna: Bononia University
Press, Bologna. (revised version in print on the International Journal of
Music Education).
Imberty, M. (2005). La musique creuse le temps. De Wagner à Boulez: Musique,
psychologie, psycanalyse. L’Harmattan, Paris.
Laban, R. (1980). The Mastery of Movement, London, Macdonalds & Evens
Limited, 4th Edition (orig. 1950).
Leman, M. (2007). Embodied music cognition and mediation technology, Cambridge, MA:MIT Press.
Kohn, D., Zohar, E. (2009). Musical Parameters and Children's Movement
Responses. Proceedings of the 7th Triennial Conference of European Society
for the Cognitive Sciences of Music (ESCOM 2009).
Maffioli, M.(2009). The gesture, the music, the artistic dimension of the
movement. MERYC2009. Proceedings, Bologna: Bononia University
press, pp. 641-648.
Mullins, S. (2009). Energetic Shaping In Spanish Flamenco: Movement
Analysis and Music, SEM-The 54th Conference Annual Conference of the
Society for Ethnomusicology, 2009.
McPherson, G., (ed)(2006). The child as musician: a handbook of musical
development. Oxford University Press, Oxford.
Nattiez J.-J.(1987). Musicologie générale et sémiologie. Paris: Bourgois.
Pachet, F. (2003). Musical interaction with style. Journal of New Music Research, vol. 32(3), pp. 333-341.
Pachet, F.(2006). Enhancing Individual Creativity with Interactive Reflexive Musical Systems. In I. Deliège, G. Wiggins (eds) Musical Creativity:
current research in theory and practice. Psychology Press, Hove.
93
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Pachet, F. MIROR: a software suite to study reflexive interactions in music
improvisation and composition. Paper in preparation.
Pachet, F., Addessi, A.R. (2004). When children reflect on their playing
style: The Continuator. ACM Computers in Entertainment, vol. 2(2).
Rizzolatti, G., Fogassi, L., Gallese, V.(2006). Mirrors of the mind. Scientific
American, 295, pp. 54-61.
Ruwet, N. (1966). Méthodes d’analyse en musicologie. Revue belge de Musicologie, 20, pp. 65-90.
Stern, D.(2004). The present moment in psychotherapy and in everyday life.
Norton, New York.
Trevarthen, C.(2000). Musicality and the intrinsic motive pulse: evidence
from human psychobiology and infant communication. Musicae Scientiae. Special Issue, 155-215.
Toiviainen, P. (Ed.)(2007). Similarity perception in listening to music. Musicae
Scientiae, Discussion Forum A/B.
Turkle, S. (1984). The second self: computers and the human spirit. Simon and
Schuster, New York.
Volpe, G., Varni, G., Mazzarino, B., Addessi, A.R. (2012). BeSound:
Embodied reflexion in childhood. IDC 2012 Proceedings, Germany.
Webster, P. R.(2007). Computer-based technology and music. In L. Bresler
(Ed). International handbook of research in arts education, vol. 2. The
Netherlands: Springer, pp. 1311-1328.
94
Zagatti, F.(2004). La danza educativa. Bologna: Mousikè Progetti.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Children's musical improvisation
in an interactive/reflexive musical context:
An study
Rosane Cardoso de Araujo
[email protected]
Universidade Federal do Paraná/CNPq
Anna Rita Addessi
[email protected]
Università di Bologna
Abstract: This paper introduces an study of the process of musical improvisation of two children in interactive/reflexive musical context. The
data were collected in Italy within the MIROR Project (Music Interaction
Relaying On Reflexion /Commission´s Seventh Framework Programme
of the European Union) polo at the University of Bologna. Several improvisational sessions were carried out in a primary school, with two 8 yearold children who played together a keyboard augmented with an interactive reflexive musical system, improved in the MIROR Platform. In this
study, children played several games with and without the system that organized responses to the various children musical interventions (melodic,
harmonic, rythmic) by imitating the children's musical style. The analysis
was based on the observation of video recordings collected during the sessions (2011), and was considered the elements of the flow experience
(emotion, concentration); the musical elements of the children’s experience, (the exploration ways of playing, exploration of the keyboard); music improvisation (repetition, variation, musical ideas, elaboration, musical
form, texture, musical gesture); and elements of social interaction between
children. The results analysed so far indicate that the children engaging in
interactive/reflective environments, and in the context of collective practice (in pairs), can generate a flow state, through intrinsic motivation and
creative musical practice.
Keywords: motivação, creativity, interactive/reflective musical context.
Improvisação musical de crianças em um contexto musical interativo/reflexivo: um estudo
Resumo: Este trabalho apresenta um estudo sobre o processo de improvisação musical de duas crianças em contexto musical interativo/reflexivo.
95
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Os dados foram coletados na Itália por meio do interactive/reflexive musical context. The data were collected in Italy within the EC-ICT MIROR
Project (Music Interaction Relaying On Reflexion /Commission´s Seventh Framework Programme of the European Union) pólo da
Universidade de Bolonha. Várias sessões de improvisação foram realizadas em uma escola primária, com duas crianças de 8 anos de idade que
brincavam juntos num teclado ampliado com um sistema musical interativo/ reflexivo musical, concebido pela Plataforma MIROR. Neste estudo,
as crianças realizaram jogos de improvisação com e sem o sistema, que organizava as respostas das crianças por meio de intervenções musicais (melódica, harmônica, rítmica) imitando o estilo de musical dos participantes.
A análise foi feita por meio da observação de gravações de vídeo recolhidas
durante as sessões (2011) e foram considerados nesta análise os elementos da experiência de fluxo(emoção, a concentração); os elementos musicais (formas de exploração por meio de jogos , exploração do teclado);
improvisação musical (variação, repetição, ideias musicais, elaboração,
forma musical, textura, gesto musical); e elementos de interação social entre as crianças. Os resultados indicam que as crianças envolvidas em ambientes interativos / reflexivo, e no contexto da prática coletiva (em pares),
podem vivenciar o estado de fluxo, por meio da motivação intrínseca e da
prática musical criativa.
Palavras-chave: Motivação, criatividade, contexto musical interativo/reflexivo
96
The MIROR Project (Musical Interaction Relying on Reflexion) is being
developed under the general coordination of Bologne University with the
following partners’ collaboration: Università degli Studi di Genova;
Goeteborgsa Universitet; National and Kapodistrian University of Athenas; The
University of Exeter; Sony France (SONY FRANCE S.A.) e Compedia Software & Hardware LTD as the part of the Commission´s Seventh Framework
Programme.
The project has as the main focus the development of a technological
PLATFORM programme that covers three technological interactive/reflexive systems that allow the child to take part on the activities of
composition, improvisation and sound manipulation and motor creativity
through the use of corporal movement. The MIROR Impro predicts the
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
reflexive interaction through musical improvisation; the MIROR Impro
follows reflexive interaction through composition; and the MIROR Bodygesture has its focus on motor skills creativity.
The interactive/reflexive musical systems (IRMS) were conceived by
SONY Computer Science Laboratory in Paris (Pachet 2004) and they have
been systematically investigated with children by Addessi & Pachet (2005;
2006); Addessi (et alii, 2006); Pachet (2004), among others.
The first phase of the MIROR project started with the MIROR Impro
experiments, were carried out with the collaboration of the universities of
Bologna, Exeter, Athens and Gotemburg. The MIROR Impro system is an
augmented system based on the Continuator, the first IRMS prototype.
The interactive/reflexive systems are characterised by the ability to respond
repeating the style of the child that plays a keyboard. The IRMS are noticed
by the player as a kind of “sound mirror” (Pachet 2004). This particular
type of technology is based on the reflexive interaction paradigm that has
proven to be quite efficient in the learning music sphere.
In this text we focused on a part of the research on the psychological
experiments carried out by the Bologna University team. The Bologna team
has worked with the psychological experiments on the MIROR Impro in
two phases that involved 24 children (Twelve 4 year-olds and Twelve 8
year –old ones). In the first part, the experimental protocol, the images registered the children interacting with the MIROR Impro system went
through a quantitative and statistical analysis process by using the Observer
software (© Noldus). In this phase by using a behaviour observation table
for the children, the flow experience (Csikszentmihalyi, 1999) lived by the
children during the interaction with the system was analysed and quantified.
The flow experience elements observed were focused attention, clear-cut
feedback, clear goals, control of situation and pleasure. On a second phase
were conducted micro-analysis processes of a quantitative character where
the listening behaviour/conduct, the creative processes and the integration
among the children were a few of the most explored elements.
97
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Therefore, in this presentation we introduced the results of a microanalysis process conducted via case study. The study was elaborated from
the analysis of the video of two children interacting with the MIROR Impro
system. The main objective for this study was to investigate the chidren’s
musical ideas construction with their interaction with or without the
MIROR Impro system confronting elements that may generate the flow
experience. The case study was based on the Torrance and Ball (1990)
categories about creativity and on Csikszentmihalyi on the Flow theory
(Csikszentmihalyi 2003, 1999, 1996, 1990). According to this author, the
"flow state" is generated from affective components of motivation that drive
the execution of an activity, favouring the persistence of the person in
his/her activity through components such as emotion, goals and cognitive
operations (concentration).
1. Methodology
The data for the carrying out of this study were collected in an Elementary school in the town of Casalecchio, Italy. In the complete protocol the
children taking part were filmed in three activity sections. Each section
maintained the 4 taks structure and following a randomly order: (A) task 1:
the child is alone and plays a simple keyboard; (B) task 2: the child is alone
and plays with the MIROR Impro; (C) task 3: the child is accompanied by
a friend and play the simple keyboard; (D) Task 4: the child and her friend
play using the MIROR Impro.
98
Around 200 tasks were analysed in the whole experimental protocol.
This study was carried out by analysing the videos from a section with 4
tasks that was carried out by two 8 year-old girls.
1.1 Creativity
According to Ostrower (1993) it is in the cultural context that man’s
creative nature develops. To this author the creativity is a potential
characteristic of a human being and not exclusive to a few. Ostrower
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
defends, therefore, a few ideas about creativity that are particularly relevant
to this study: a) that creative processes are interconnected in two levels of
human existence – individual and cultural; and b) that creating is forming
something, that is, creating a form of structuring.
Wechsler (1993) points to creativity as being understood as the result
of an interaction of cognitive processes, personality characteristics,
environmental variables and unconscious elements. This author explains
creativity through the combination among cognitive abilities, personality
characteristics and environmental elements.
The creative processes in the present case study were considered from
the children’s interactions both individual and collectively during the
activities of musical improvisation and the interaction with the simple
keyboard and the one with the MIROR Impro system. The activities
analysis was based in a few of Torrance (1966) and Torrance & Ball (1990,
1984) indicators for the evaluation of creatitivity. The authors point out 11
creativity indicators: the presence of emotion; fantasy; movement; ideas
combinations; resistence to closing; uncommon perspective; internal
perspective; humour; image richness; image colouring and expressive titles.
Our analysis was centered in 5 of those indicators that were considered
constant in all sections: the presence of emotion; fantasy, movement, ideas
combinations and internal perspective.
1.2 Emotion
Emotion is cited as a creativity factor by Torrance and Ball (1990), and
is also appointed by Csikszentmihalyi (1999) as a significative element for
the pleasurable involvement of the child in the activity. During the tasks it
was possible to identify several moments in which emotion (happiness,
euphoria) was clearly present during the improvisation practice. In
particular we have observed that emotion was a component present
especially when the children were interacting with the reflexive MIROR
Impro system. This enthusiasm the child felt with the reflexive system was
also appointed in past studies by Addessi & Pachet (2005, 2006). The
99
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
result, therefore, comes to reinforce the past studies on the reflexive
interactive system.
1.3 Fantasy
Fantasy was also an element present during the improvisation process,
in the interaction with the simple keyboard as well as with the reflexive
MIROR Impro system. An example of this finding was verified after a longer period of collective observation, where the children taking part, after
several musical creation experiments, found a sound model that they identified as a characteristic of “Horror movie”. Both girls shared this idea and
followed it for a period of time trying to find different combinations for the
construction of the “horror movie” idea. After that, the improvisation activity, they at last found a pattern for a “children movie”, so changing the image
(fantasy).
1.4 Movement and gesture
100
Figure 1: “gesture”
The indicator movement was considered in this study from the gestural creativity. According to Iazzeta (1997), the gesture is understood as a
movement capable of expressing something. It is, therefore, a movement
with a special significance, being more than a change in space, a corporal
action or a mechanical movement. According to this author, in music one
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
can think in a physical gesture, but also in a mental gesture that refers to the
physical gesture – in this case the movement. Godoy & Leman (2012,
p.xix) defend that the musical experiences “are intimately linked with experiences of movements”, and that is why they propose the expression “musical gestures” to identify the combination between sound and movement.
The authors defend the study on the relationship between movement and
music via musical gesture concept, affirming that: “We feel that the study of
musical gesture, as well as the mental images of musical gesture, is indeed
reshaping our conceptions of music and sound in general” (Leman & Godoy, 2012, p. 04)
In this study the creative element “movement”, visualized from the musical gesture, was evaluated as an intentional element used by the children to
create expressive and musical effects and to control the particular produced
sounds/sonorities. These procedures were observed in all tasks, from 1 to 4,
both alone and with the interaction with the MIROR Impro system.
1.5 Ideas combination and internal perspective
As to Torrance and Ball (1990) creativity indicators description of
“ideias combination” were equally observed in the activities of improvisation developed with the simple keyboard and with the MIROR Impro system. The exploration, in its turn, followed a pattern formerly studied by
Addessi & Pachet (2005; 2006), about the musical interaction with reflexive interactive system life cycle. During the interaction cycle the improvisation activities development, the activities carried out by the children
brought creative elements generated by combinations done in both the
individual as in the collective practice in the internal perspective category, as
pointed out by Torrance and Ball. As well as emphasized by Addessi and
Pachet (2006), the use of a reflexive-interactive system develops an individual creativity, but the group creativity as well. The observed elements were:
Initial elements of free exploration (in each phase): scales, glissandos
and clusters. Combined elements: Pattern search; Harmonic exploration;
101
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Pentatonic phrases creation; Creation of pentatonic phrases associated to
rhythmic and harmonic elements; Ostinato creation.
2. Quantitative data analysis
A quantitative analysis of the case study was carried out to measure the
duration of each creativity indicator. Figure 2 shows the data results
describing this analysis:
TASK 1 – The
TASK 2 - the child TASK3- with a
child alone (2’20”) alone with MIROR friend (23”23”)
Impro (2’34”)
TASK4- with a
friend, with
MIROR Impro
(6’21”)
EMOTION
0’06” = 4 %
1’17” = 50%
1’06” = 5%
2’36” = 41%
FANTASY
------
-----
0’24” = 2%
------
MOVEMENT
0’17” = 12%
-----
1’27” = 6%
1’34” = 25%
1’03” = 40%
5’54” = 21%
2’32” = 40%
IDEAS
0’29” = 21%
COMBINATION
Figure 2: quantitative analysis
The quantitative data provide the basis for the analysis of qualitative
data developed so far, showing that the elements “”emotion” and “ideas
combination” here described were observed in a more emphatic way when
the children were playing interacting with the MIROR Impro.
102
3. Creatitivy and flow
To Csikszentmihalyi (1999), the flow state is also a creative process.
So, in this study, we propose that some of the elements pointed out by the
authors Torrance and Ball (1990) as creativity indicators, can be verified as
the flow experience components as well. We have thus indicated, that some
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
relationships are found between the flow and creativity, and those are found
from observing the children’s improvisational processes with and without
the MIROR Impro system and are: (A) Practice structuring, that is, the
building of musical patterns based on Torrance and Ball (1990) categories
“combination of ideas” and “ internal perspective”, shows a process that
Csikszentmihalyi (1999) in his Flow Theory associates with establishing
clear goals. (B) Emotion – a state of joy, enthusiasm – defined by Torrance
and Ball (1990) as a component of the creative process, is also described by
Csikszentmihalyi (1999) as an element that constitutes the flow experience.
(C) Lastly, Torrance and Ball’s categories analysed in this text as
“movement” and “ fantasy” can be associated to a mental process that
involves especially a situation of great concentration. A process where the
psychic energy is focused solely on the activity so that the person is capable
of maintaining a high level of concentration, is, according to
Csikszentmihalyi, a key element to generate the flow state.
All these aspects related to the flow theory have been widely discussed
by Pachet (2004) and also about the flow machine, and by Addessi, Ferrari
and Carugati (2012) on the data experimental observation with the
children interaction with the flow machine.
4. Conclusion
This case study revealed aspects of the children’s musical improvisational practice under a creative point of view that reveals the relationship of
this process with the creativity indicators emotion; fantasy; movement;
ideas combinations; and internal perspective. The qualitative analysis of this
study shows that these benaviours are more evident when the child executes
the MIROR Impro system. These data support the hypothesis in which the
MIROR Project is based on, that is, that the reflexive interaction enhances
musical creativity. Apart from that we have brought the hypothesis of these
indicators being related to the flow indicators described by
Csikzemtmihalyi (1999). Thus, the study-case gives support to the idea that
103
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
the IRMS are the flow machine. The results analysed so far indicate that the
children engaging in interactive/reflective environments, and in the context
of collective practice in pairs, can generate a creative musical practice.
References
Addessi, A. R.; Pachet, F. (2006) Young children confronting the continuator, an interactive reflective musical system. Musical Scientiae, Special
Issue, 13-39.
Addessi, A. R.; Pachet, F. (2005) Experiments with a musical machine: musical style replication in 3/5 year old children. British Journal of Music
Education, vol. 22, 21-46.
Addessi, A. R. (2011) The MIROR Project: Music Interaction Relying On
Reflexion. In M. Dottori (ed), Proceedings of the 7th Simposio Internacional de Cognição e Artes Musicais (7SIMCAM), Brasilia.
Addessi, A. R. ;Ferrari, L., Carugati, F. (2012, no prelo). Children interacting
with the MIROR platform. Designing and testing a grid to measure the flow
experience. Music Perception Journal.
Addessi, A. R. ;Ferrari, L.; Carlotti, S.; Pachet, F. (2006). Young children
musical experience with a flow machine. In: M. Baroni et Al.(Eds), Proceedings of the 9th ICMPC, Bologna: Bononia University Press, cd-rom.
Csikszentmihalyi, M. (1990). Flow: The psychology of Optimal Experience.
New York: Harper e& Row.
104
Csikszentmihalyi, M. (1996). Creativity: Flow and the Psychology of Discovery
and Invention. New York: Harper Collins.
Csikszentmihalyi, M. (1999). A descoberta do fluxo. Psicologia do envolvimento
com a vida cotidiana. Rio de Janeiro: Rocco.
Csikszentmihalyi, M. (2003). Good Business: Flow, Leadership and Making
of Meaning. New York: Viking.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Godoy, R.; Leman, M. (2012). Musical Gestures: Sound, movement and meaning. London: Routledge.
Iazzetta, F.(1997). A música, o corpo e as máquinas. Revista OPUS, vol4, n.4.
agosto, p. 27-44.
Leman, M.; Godoy, R. (2012). Why study Musical Gestures? Musical Gestures: Sound, movement and meaning (3-12). London: Routledge.
Ostrower, F. (1993). Criatividade e processos de criação. Rio de janairo: Editora Vozes.
Pachet, F.(2004). On the design of Flow Machine. In: M. Tokoro (org), A
learning zone of one´s own: sharing representations and Flow in collaborative learning environments. Paris: IOS Press, p. 111-134.
Torrance, E. P., & Ball, O. E.(1984). The Torrance Tests of Creative Thinking
Streamlined (revised) manual, Figural A and B. Bensenville, IL: Scholastic
Testing Service, Inc.
Torrance, E. P., & Ball, O. E.(1990). Streamlined Scoring and Interpretation
Guide and Norms Manual Verbal and Figural Form B. Bensenville, IL:
Scholastic Testing Service.
Torrance, E. P. (1966). Torrance tests of creative thinking. Lexington: Personnel Press.
Weschler, S. (1993). Criatividade: descobrindo e encorajando. Campinas: Psy.
105
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
O Processo de aprendizagem da
composição musical em aulas coletivas
por meio das experiências vicárias
Igor Mendes Krüger
[email protected]
Universidade Federal do Paraná
Rosane Cardoso de Araújo
[email protected]
Universidade Federal do Paraná/ CNPq
106
Resumo: O tema deste artigo é sobre processo motivacional na aprendizagem da composição, em aulas coletivas. De acordo com a obra de Albert
Bandura, intitulada como “Teoria Social cognitiva”, verificamos que um dos
principais fatores que colaboram para a forma de se motivar a aprender
entre aulas coletivas, é a vivência de experiências vicárias, isto é, a aprendizagem por meio da observação e comparação com pares buscando uma melhor compreensão, sobre como ocorrem as experiências vicárias em aulas
coletivas de composição, definimos o objetivo geral desta pesquisa: investigar aspectos motivacionais relacionados às experiências vicárias no processo de aprendizagem da composição, em aulas ministradas em grupo,
em nível de graduação. Para alcançar este objetivo realizamos uma survey
de pequeno porte com alunos de um curso de Bacharelado em Composição Musical. Nesta survey, aplicamos um questionário com alunos/compositores para verificar as relações das experiências vicárias nas
tomadas de decisões composicionais de suas obras: no desenvolvimento
do senso crítico; bem como, na motivação pela busca de uma maior qualidade artística das obras apresentadas em classe.
Palavras chave: experiências vicárias, aulas coletivas de composição musical, motivação para aprendizagem
Abstract: The subject of this article is on the motivational process of
learning composition in group lessons. According to the work of Albert
Bandura, titled “Social Cognitive Theory”, we find that one of the main
factors that contribute to how to motivate yourself to learn from group lessons, is the experience of vicarious experiences, ie, learning by through observation and comparison with peers seeking a better understanding
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
about how vicarious experiences occur in group lessons in composition,
we set the goal of this research: to investigate motivational aspects related
to vicarious experiences in the learning process of composition, in classes
taught in group, at the undergraduate level. To achieve this goal we conducted a survey of small businesses with students of a course Bachelor of
Music composition in this survey, we applied a questionnaire to students /
songwriters to verify the relationships of vicarious experiences in making
compositional decisions of this works, the development of a sense critical,
as well as the motivation for the pursuit of greater artistic quality of the
works presented in class.
Keywords: vicarious experiences, group lessons in musical composition,
motivation of learning
1. Introdução
A aprendizagem da composição musical geralmente se dá em encontros individualizados entre o estudante e seu professor, o que possibilita
uma serie de discussões bastante profícuas sobre os resultados obtidos nas
composições e estudos composicionais apresentados pelo aluno. Porém,
em aulas individuais, as tomadas de decisões sobre correntes e objetivos
estéticos, formas de resolução de problemas técnico/composicionais, desenvolvimento do senso crítico do aluno/compositor e os critérios relacionados à qualidade artística das composições, ficam restritos aos conceitos e
pré-conceitos do professor, ou do aluno, geralmente sem oportunizar um
debate mais amplo e diversificado que conte com a participação de outros
compositores e estudantes de composição. Em contextos onde as aulas de
composição ocorrem em grupo, acreditamos que criam-se novas possibilidades de aprendizado, pois, cada aluno apresenta suas obras e compartilha
com seus colegas todas as suas tomadas de decisões, abrangendo escolhas
sobre a corrente estética onde se inserem suas obras, utilização de técnicas
composicionais e formas de resolução de problemas que encontrou para as
diferentes seções de suas obras, oportunizando aos colegas amplo debate
sobre o processo composicional.
107
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Nosso foco, neste estudo, não é discutir a eficiência das duas formas de
aulas de composição, individual ou em grupo, pois acreditamos que os alunos se motivam a compor e a aprender composição em ambos os modelos.
Pretendemos, nesta pesquisa, trazer como objeto de estudo a questão da
aprendizagem da composição em aulas coletivas. Nossa hipótese é que os
alunos/compositores se influenciam pelas composições apresentadas pelos
colegas de forma a utilizar elementos composicionais advindos de correntes
estéticas diferentes das quais estão habituados a utilizar em suas composições, assim como, utilizar técnicas composicionais as quais não estão familiarizados. Além disso acreditamos que as aulas de composição em grupo
podem ser um ambiente de incentivo para que cada aluno se esforce para
obter os melhores resultados artísticos possíveis em suas composições,
sabendo que estas serão apresentadas em sala perante os seus colegas, contribuindo assim para a formação e desenvolvimento do senso crítico sobre
composição musical e o fazer musical de forma geral.
108
Baseados na hipótese apresentada, acreditamos que as aulas de composição em grupo propiciam uma serie de fatores que contribuem para
motivar os alunos a aprender e realizar da melhor forma possível suas composições. Estes fatores motivacionais encontram referencias na obra de
Albert Bandura, intitula “Teoria Social Cognitiva”. Por meio desta teoria, o
autor afirma que as pessoas são influenciadas e influenciam o meio onde
vivem, pois “criam sistemas sociais para organizar, guiar e regular as atividades humanas” (Bandura, 2008, p.16). A teoria social cognitiva traz como
foco o comportamento humano, considerando a dinâmica das influências
vividas nos âmbitos comportamentais, pessoais e ambientais” (Pajares &
Olaz, 2008).
Segundo Pajares e Olaz (2008), na teoria social cognitiva um dos principais fatores que afetam o pensamento humano são as crenças de autoeficácia, que se formam através de diferentes fatores, como: experiências pessoais
de êxito, experiências vicárias, verbalizações persuasivas e por reações afetivas.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Neste trabalho, por tratarmos da aprendizagem da composição musical em aulas coletivas, nos ateremos às chamadas experiências vicárias, que
nas palavras dos autores ocorrem por meio da vivência do sujeito ao
“[...]observar outras pessoas executando as tarefas” (Bandura apud Pajares
& Olaz, 2008, p. 104). Ou seja, por meio da observação e comparação com
seus pares, as pessoas aprendem a desenvolver crenças, a enfrentar situações, a adquirir experiências diversas.
Baseados nas informações apresentadas até então, a questão que surgiu
como norteadora desta investigação, pôde ser sintetizada por meio da seguinte pergunta:“As experiências vicárias, vivenciadas durante as aulas de composição em grupo, realmente podem ser motivadoras para o processo de aprendizagem?” Nosso principal objetivo com este trabalho foi investigar aspectos
motivacionais relacionados às experiências vicárias no processo de aprendizagem da composição, em aulas ministradas em grupo, em nível de graduação.
Para a realização desta pesquisa, o método escolhido foi um levantamento de pequeno porte (survey de pequeno porte). Para isso, contamos
com a participação voluntária de oito alunos do curso de Bacharelado em
Composição Musical, da região sul do Brasil. Como instrumento de coleta
de dados, foi elaborado um questionário contendo questões referentes ao
aprendizado da composição em aulas coletivas.
A justificativa para esta investigação foi centrada na idéia de que um estudo que relacione a Teoria Social Cognitiva de Albert Bandura, especificamente do ponto de vista da vivência de experiências vicárias na composição musical, ainda é inédito do país. Tal estudo, portanto, pode trazer dados
relevantes tanto para a área da cognição musical, quanto para a área da educação musical, uma vez que trata sobre prática e ensino da aprendizagem da
composição, do ponto de vista psicológico/motivacional.
109
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
2. As experiências vicárias
Para tratar do objeto desta pesquisa – as experiências vicárias nas aulas
de composição em grupo – é relevante destacar as contribuições que a Teoria Social Cognitiva de Albert Bandura (1986, 1997, 2008) tem proporcionado para os estudos sobre motivação e música. No Brasil, vários pesquisadores têm desenvolvido pesquisas sobre música e motivação com base nos
estudos de Bandura, como, por exemplo, Cavalcanti (2009); Araujo, Cavalcanti e Figueiredo (2009; 2010); Cereser (2011); e Silva (2012). Estes
estudos têm trazido resultados importantes para as investigações sobre
motivação com foco em práticas de ensino, prática musical e aprendizagem.
Segundo Bandura (2008), a Teoria Social Cognitiva apresenta uma
perspectiva sobre o homem como agente, isto é o homem que age por meio
de prognósticos, planejamentos e é auto-regulador de suas atividades. Estas
ações, por sua vez, levam a um processo de autoconsciência funcional, no
qual o homem reflete sobre seus atos, sobre sua eficácia e sobre a integridade de suas ideias e pensamentos.
Pajares e Orlaz (2008) explicam que Bandura considera a capacidade
da auto-reflexão um aspecto de destaque da teoria social cognitiva. Segundo
os autores, é por intermédio da auto-reflexão “que as pessoas tiram sentido
de suas experiências, exploram suas próprias cognições e crenças pessoais,
autoavaliam-se e alteram o seu pensamento e seu comportamento” (Pajares
e Olaz, 2008, p. 101). Assim, o processo de auto-reflexão é o que gera as
crenças de autoeficácia no indivíduo. As crenças de autoeficácia, por sua vez,
são o núcleo central da teoria social cognitiva.
110
De acordo com Pajares e Orlaz (id), as crenças de autoeficácia são
“percepções que os indivíduos têm sobre suas próprias capacidades”, o que,
de acordo com os autores, influenciam fortemente todos os aspectos da
vida cotidiana. Os autores explicam que as crenças de autoeficácia são criadas a partir de quatro fontes principais: (a) experiência ou domínio; (b)
experiências vicárias; (c) persuasões sociais; e (d) estados somáticos e
emocionais. Dentro de nosso estudo, portanto, trazemos em relevo os pro-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
cessos de modulação do comportamento por meio do enfoque nas experiências vicárias.
As experiências vicárias são vivenciadas quando as pessoas observam
outros indivíduos executando diferentes tarefas. De acordo com Pajares e
Olaz (2008), este processo de modelação é especialmente importante na
construção do senso de autoeficácia.
Costa (2008) explica que, de acordo com os estudos de Bandura, a imitação é um dos elementos primordiais da aprendizagem e que o uso de
modelos instiga a aquisição de respostas novas. Sendo assim, o processo de
modelação, resultado de uma experiência vicária, pode ter três efeitos:
a)modelar padrões de respostas que não se encontram no repertório do observador, ou seja, através da observação de um modelo se pode prender novas respostas;
b)inibir ou desinibir respostas previamente aprendidas e que estavam “adormecidas”;
c)instigar o desempenho de respostas similares às respostas de
um modelo, que no caso, funcionam como pistas. (Costa, 2008,
p.129).
Estes efeitos, resultantes da experiência vicária, é que consideramos
plausíveis de verificação no contexto desta pesquisa. Por meio da investigação dos processos de aprendizagem da composição em grupo é possível
observar a modelagem de padrões de respostas; a inibição ou desinibição de
respostas aprendidas; e a instigação do uso de modelos considerados como
pistas nos processos de criação musical.
3.Apresentação dos Dados
Para este trabalho, realizamos uma Survey de pequeno porte. Segundo
Machado (2007, p.62), a survey é um método que “envolve a realização de
uma pesquisa de campo, na qual a coleta de dados é efetuada através da
aplicação de questionário ou formulário junto à população investigada.”
111
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Para a aplicação do nosso questionário de pesquisa, entramos em contato via email, com os responsáveis por um curso de Bacharelado em Composição Musical, assim como, com o chefe de departamento de uma instituição de ensino pública do sul do Brasil. Neste email, explicamos os objetivos
da pesquisa e pedimos permissão para aplicar o questionário com os alunos
desta instituição. Após aceita a solicitação para a realização da pesquisa,
fomos até a instituição, nos horários em que os alunos/participantes se
encontravam em aula, para aplicar o questionário. O questionário foi respondido por oito participantes voluntários, do curso de Bacharelado em
composição, no dia 16 de Janeiro de 2013, contando com alunos de três
turmas diferentes (2º, 6º e 10º semestres).
O questionário aplicado aos alunos/compositores apresentava cinco
questões objetivas. São elas:
(A) Ver os seus colegas propondo os objetivos estéticos das composições, contribui para a formulação dos objetivos estéticos de suas
obras?
(B) Assistir as sugestões do professor, sobre as possibilidades de resolução de eventuais problemas composicionais nas obras de seus
colegas, colabora com a resolução dos problemas composicionais
encontrados em suas obras?
(C) Quando um colega apresenta em uma de suas obras uma técnica composicional, a qual você não está familiarizado, você se motiva
a utilizar esta técnica em uma de suas próximas composições?
112
(D) Observar o trabalho composicional dos colegas durante as aulas, contribui para o desenvolvimento de seu senso crítico?
(E) O fato das aulas serem em grupo e você saber que o seu trabalho
será ouvido pelos colegas da turma, aumenta a sua vontade de compor obras de maior qualidade artística?
Para todas as questões mencionadas acima, os participantes tinham a
opção de escolher uma alternativa em escala Likert de cinco pontos com as
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
opções: Sempre, quase sempre, às vezes, raramente e nunca. Com isso, foi
possível realizar um levantamento estatístico sobre o quanto as experiências
vicárias contribuem para o aprendizado da população pesquisada.
Observando as respostas dos alunos/compositores para a questão A,
verificamos que, 100% dos entrevistados, mesmo que raramente (12,50%),
motivam-se a decidir sobre quais as correntes estéticas serão inseridas em
suas obras através de experiências vicárias. (ver tabela 1)
Tabela 1: Respostas da questão A
Já na questão B, observamos que todos os participantes aprendem a resolver problemas composicionais através das experiências vicárias com muita
freqüência, 50% dos entrevistados escolheram a resposta “Às vezes” e os
outros 50% escolheram as respostas “Sempre” e “Quase sempre”, sendo
25% para cada uma delas. (ver tabela 2)
Tabela 2: Respostas da questão B.
113
Para a questão C, 62,5% (25% “Sempre” e 37,5% “Quase sempre”) dos
entrevistados admitem sofrer grande influência para utilizar técnicas composicionais, às quais não estão habituados quando um de seus colegas de
classe utiliza uma destas técnicas em suas composições. Somente 12,5% dos
participantes responderam que “Nunca” se influenciam pelo trabalho de
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
seus colegas de classe para escolher novas técnicas composicionais para
suas composições (ver tabela 3):
Tabela 3: Respostas da questão C.
Podemos observar através das respostas obtidas na questão D, que todos os alunos (75% “Sempre” e 25% “Quase sempre”) admitem que as aulas
de composição em grupo, contribuem com muita frequência para a formação do senso crítico (ver tabela 4):
Tabela 4: Respostas da questão D.
114
Com a questão E, podemos observar que as aulas de composição musical em grupo, contribuem significativamente para a busca de uma maior
qualidade artística das composições apresentadas em classe. Pois, 87,5%
dos participantes responderam que com muita frequência (75% “Sempre” e
12,5% “Quase sempre”) o fato de saber que suas composições serão ouvidas
pelos colegas em classe, aumenta a vontade de realizar obras com maior
qualidade artística. Somente 12,5% dos entrevistados (um participante)
escolheram a opção “Nunca” como resposta para a questão E.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Tabela 5: Respostas da questão E.
4. Conclusão
Através das respostas obtidas em nosso questionário, coletadas com os
alunos de Bacharelado em Composição Musical, constatamos que para este
grupo, as experiências vicárias que ocorrem em aulas de composição coletivas, influenciam as tomadas de decisões composicionais, que dizem respeito à estética às quais as obras estão inseridas, escolhas de técnicas composicionais a serem utilizadas, além de exercitar e desenvolver o senso crítico
sobre composição musical e motivar a busca por melhores resultados artísticos.
Com a obtenção de resultados sobre como ocorrem às experiências vicárias no processo de aprendizagem da composição musical em aulas coletivas, poderemos colaborar com professores e gestores educacionais, para
que incluam em seus projetos pedagógicos atividades que estimulem os
alunos a aprender através destas experiências, colaborando com o aumento
da motivação dos alunos/compositores em pesquisar, estudar e consequentemente melhorar a qualidade artística de suas obras.
4. Referências
Araújo, R. C.; Cavalcanti, C. P. ; Figueiredo, E (2009). Motivação para aprendizagem e prática musical: dois estudos no contexto do ensino superior. ETD : Educação Temática Digital, v. 10, 249-272
115
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Araújo, R. C.; Cavalcanti, C. P. ; Figueiredo, E. (2010). Motivação para prática musical no ensino superior: três possibilidades de abordagens discursivas. Revista da ABEM, v. 24, 34-44.
Bandura, A. (1986). Social foundations of thought and action: a social cognitive
theory. Englewood Cliffs NJ: Prentice Hall.
Bandura, A. (1997). Self-efficacy: the exercise of control. New York: Freeman.
Bandura, A.; Azzi, R. G.; Polydoro, S. (2008). Teoria Social Cognitiva: Conceitos Básicos. Porto Alegre: Artmed.
Cavalcanti, C. R. P. (2009). Auto-regulação e prática instrumental: um estudo
sobre as crenças de auto-eficácia de músicos instrumentistas. (Dissertação de
Mestrado). Curitiba: UFPR.
Cereser, C. (2011). As crenças de autoeficácia dos professores de música. (Tese
de doutorado). Porto Alegre: UFRGS.
Costa, A. E. B. (2008). Modelação. In: A. Bandura; R. G. Azzi; S. Polydoro,
Teoria Social Cognitiva: Conceitos Básicos. Porto Alegre: Artmed.
Machado, L. M.; Maia, G.; Zambão A.; Labegain, A. C.; Fregate,B. (2007).
Pesquisa em Educação: Passo a Passo. Marília SP: Tecnologia e Educação.
Pajares, F.;Olaz, F.(2008). Teoria social cognitiva e auto-eficácia: uma visão
geral. In: A. Bandura; R. G. Azzi; S. Polydoro, Teoria Social Cognitiva:
Conceitos Básicos. Porto Alegre: Artmed.
116
Silva, R. R.(2012). Consciência de autoeficácia: uma perspectiva sociocognitiva
para o estudo da motivação de professores de piano. (Dissertação de Mestrado). Curitiba: UFPR.
Comunicações Orais
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Performance pianística:
Cognição e movimentos articulares na
execução em estudos
Marcos dos Santos Moreira
[email protected]
Universidade Federal de Alagoas - UFAL
Jairo Tadeu Brandão Ribeiro
[email protected]
Universidade Federal de Alagoas - UFAL
Resumo: Os instrumentistas, e pianistas em especial, tem, necessariamente em suas realidades profissionais, que lidar com o condicionamento físico e a atividade muscular, pressupostos e condições inerentes à preparação e realização da performance. Independentemente do nível, da estrutura corpórea de cada um desses músicos executantes e do repertório trabalhado, necessário é tal condicionamento e preparo da musculatura envolvida com a atividade pianística. Tal artigo propõe uma discussão tais atividades no gênero musical Estudos, mesmo concisa, mais pertinente.
Palavras-chave: Piano, Execução musical, Cinesiologia e Biomecânica.
A questão da técnica pianística, abordada cientificamente e embasada
na anatomofisiologia humana, somente se desenvolveu com mais evidência
a partir do século XIX. Verificaremos no tópico que contextualiza a pedagogia do Piano[1], embora alguns teóricos abordem a técnica pianística
considerando os importantes aspectos sociológicos, psicológicos e tantos
outros. Entretanto, não está no objetivo do trabalho o detalhamento de tais
aspectos ainda que eles, de alguma maneira, possam eventualmente ser
citados.
O presente texto, bastante introdutório, considera que esta abordagem
faz parte da realidade não somente dos executantes profissionais, mas também dos alunos e educadores-professores de piano. Em se tratando de técnica pianística, em especial a chamada técnica analítica, na maneira como
119
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
está será tratada no presente texto, é importante que se tenha na base de tal
abordagem o devido conhecimento de biomecânica e cinesiologia.
Na realidade, é o aspecto da fisiologia e da motricidade que está sendo
priorizado aqui. Técnica pianística pressupõe um conjunto complexo de
movimentos articulares e tais movimentos, em profundidade, só poderão
ser esclarecidos e bem entendidos mediante o entendimento da fisiologia
articular das playing-units[2], através das quais as coordenações musculares
da atividade pianística se processam.
Definindo tal análise, utilizamos tópicos de convergência através de
pontos distintos; a literatura médica e a musical. A análise fica em torno do
gênero musical: Os Estudos para Piano. Demonstramos assim, de forma
objetiva, tais relações deste tema relevante para o desenvolvimento no ato
do tocar.
Interfaces entre literaturas: a área médica, os Estudos e a pedagogia do
Piano
Os estudos pianísticos, mais precisamente o gênero Estudos, foram adaptados de acordo com a evolução do próprio instrumento. Para o compositor Liszt, “o Piano é o microcosmo da Música” (Watson: 1989, p.142) e
assim sendo as preocupações e mecânicas na composição musical e na
estrutura física só aumentaram no século XIX. O universo musical no qual
Liszt vivia necessitava de aprimoramentos e isso não somente na execução
instrumental, mas também na própria mecânica do piano. Na biografia do
referido compositor, Watson, biografo inglês, cita:
120
Com Liszt, a inovação [tecnológica do instrumento] está sempre a
serviço da expressão. Técnica é refinamento. Para ele era algo a ser
transcendido: a mecânica da música era secundária para a interpretação de seu conteúdo e para a transmissão desse conteúdo aos sentimentos do ouvinte. Isso não significa que não seja essencial uma
técnica verdadeiramente sólida, ou que seus frutos não sejam mostrados (Watson: 1989, p.144).
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Os Estudos a partir do romantismo deixaram de ser apenas uma aplicação preparatória para outros gêneros pianísticos. Incorporou-se a própria
arte da interpretação deixando de ser apenas um recurso mecânico para
outros estilos, mas incorporando em si mesmo a própria arte da virtuosidade.
Assim, esta herança da inquietação da perfeição na execução não se encontra apenas nos moldes dos estudos de Liszt. Percorre por uma linha,
digamos genética, que se inicia nos longínquos Gradus ad Parnasum de
Clementi no século XVIII aos estudos de Ligati no século XX. Citamos
toda a parte que permeia este espaço como os Estudos de Czerny, Schumann, Chopin, Kalkbrener, Burgmüller, Rachmaninov, Scriabin, Godowsky, entre outros. No âmbito nacionalista, por exemplo, temos Souza
Lima, Almeida Prado, Oswaldo Lacerda e Vieira Brandão. Como o Piano
brasileiro está essencialmente ligado à herança destes citados compositores,
dificuldades de execução em tais estudos pianísticos similares podem ser
encontradas, o que naturalmente demanda um certo cuidado na análise
das coordenações musculares a serem utilizadas e naturalmente no momento da performance.
Na história da própria execução instrumental, e naturalmente na pedagogia do piano, diversas obras contextualizam e evidenciam a interação
entre pontos da prática instrumental e o movimento utilizado. Tais exemplos foram citados em Famous Pianists & Their Technique de Reginald
R.Gerig (1974). Nesta obra, encontramos tratados e atitudes pedagógicas
de muitos pedagogos importantes de ações cognitivas relacionadas à técnica instrumental. Ludwig Deepe (1828 – 1890) [3], Theodor Leschetizky
(1830 – 1915) Rudolf Maria Breithaupt (1873 – 1945) e Tobias Mathay
(1858 – 1945).
Quanto ao tema propriamente dito, pelo menos dois cientistas abordaram a técnica pianística considerando a anatomofisiologia: Otto Rudolf
Ortmann (1899 – 1979) e Arnold Schultz (1903 – 1972):
121
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
[Ortmann] summarized: Time – relationship between muscular
contraction and duration of stroke may, therefore, be considered a
basic element of coordination….Force variations are directly related to speed variations; with an increase in speed there will come an
speed in force (GERIG: 1974, p. 425)[4]
Schultz´s important contribution to the technical literature centers
itself in two significant areas: the clarification and evaluation of the
various movement types used in all piano playing, and a thorough going study on the different muscular coordinations possible in finger technique. (Idem, 1974, p. 425).[5]
Assim, a fisiologia articular, de alguma maneira já se situava na literatura pedagógica pianística de séculos anteriores.
Literatura Médica: Cinesiologia e biomecânica
Naturalmente, a técnica instrumental, atividade psicomotora, relaciona-se com a escrita musical, atividade cognitiva, que, em determinadas situações, exige do executante não somente um alto nível de conhecimento
técnico-teórico, mas também uma boa preparação física e muscular, e não
somente isso: é necessário também que o músico-executante utilize e desenvolva o seu conhecimento proprioceptivo, biomecânico e sinestésico.
Primeiramente, necessária se faz uma definição a cerca do que vem a
ser cinesiologia. Hamill e Knutzen afirmam:
122
Em primeiro lugar, cinesiologia como o estudo científico do movimento humano pode ser um termo abrangente utilizado para a
descrição de qualquer forma de avaliação anatômica, fisiológica,
psicológica ou mecânica do movimento. (HAMILL e KNUTZEN:
2008, p. 4)
Paralelamente, biomecânica é:
O conteúdo da biomecânica foi extraído da mecânica, uma área da
física que consiste num estudo do movimento e no efeito das forças
incidentes em um objeto. Desse modo, ocorreu o surgimento da
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
biomecânica, o estudo da aplicação da mecânica a sistemas biológicos. A análise biomecânica avalia o movimento de um organismo
vivo e o efeito de determinadas forças sobre esse organismo. (idem:
2008, p.4).
Fig.1[6]
Na área musical, tais citações e ilustração, podem ser interpretadas na
medida em que a técnica pianística pressupõe a utilização de um conjunto
complexo de ações articulares das suas playing-units e o entendimento de
tais ações é fundamental para a construção e segurança do desempenho e
interpretação musical. Assim, a análise cinesiológica mediante o entendimento da natureza da ação articular na técnica pianística pode certamente
acelerar o estudo, em muitos casos exaustivo, e atender melhor às demandas da escrita musical bem como otimizar os resultados tão esperados em
termos dos mais diversos e ricos recursos do piano.
Movimentos
articulares na
atividade pianística
Análise do movimento
humano: cinesiologia e
biomecânica
O Gênero musical
Estudos para piano
Fig.2
Interfaces da Música
com a fisiologia
articular
123
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Normalmente, em suas muitas e repetidas horas de estudo, considerando-se também os momentos de execução, os instrumentistas são submetidos a uma grande carga de estresse de todo o tipo: emocional, psicológico e principalmente muscular, essa realidade os coloca susceptíveis a uma
série de distúrbios como, por exemplo, as afecções músculo-esqueléticas e
tendíneas, as compressões dos nervos periféricos e as distonias focais. Essa
última, por se tratar de problema que tem origem no sistema nervoso central, não será considerada na abordagem do trabalho. Basicamente são
comprometidas as seguintes estruturas, em se tratando de síndrome músculo-esquelética em músicos: músculo e tendão. Quanto às partes acometidas
por tais desordens, estudos realizados em músicos de um modo geral e
músicos de orquestra, pianistas inclusive, apontam para um maior nível de
ocorrência nas seguintes partes anatômicas: ombro, coluna cervical, coluna
dorsal, punhos e mãos, coluna lombar.
Conclusões
No caso dos Estudos ou quaisquer exemplo de obra virtuosística, comum de se exercitar mais explicitamente uma variedade maior de movimentos articulares, diversos trechos convergem para uma análise minuciosa
de interfaces entre temas que, embora distintos, se encontram principalmente nos aspectos técnicos conhecidos da área musical como, por exemplo: arpejos, escalas, notas dobradas, sextas dentre outros.
124
Enfim. Músicos executantes, particularmente pianistas, deveriam rever
suas atividades de execução, não apenas pela interpretação artística, mas sob
a ótica da saúde. Desta forma teriam mais consciência destes movimentos
articulares abordados que por conseqüência, traria segurança, cognição
corporal e resultados de desempenho mais satisfatórios na exposição da sua
arte interpretativa pianística.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Notas
[1] Escolhemos o gênero Estudos, apenas como uma referencia. Poderíamos focar quaisquer outros gêneros da literatura pianística relacionada a dificuldade técnica e utilização
específica do movimento. É relevante ressaltar que tal abordagem inclui também peças de
dificuldade técnica menor ou de qualquer nível. O Estudo como citamos é apenas um
recorte e por ser mais completa em relação aos pontos citados no texto.
[2] Unidades ou partes do corpo humano relacionadas à atividade pianística: mão, braço,
torso....
[3] Ludwig Deppe é considerado por muitos pedagogos do piano com sendo o pai da
técnica de peso.
[4] Ortmann resumiu: a relação de tempo entre a contração muscular e duração do golpe
pode, por conseqüência, ser considerada um elemento básico de coordenação. Variações
de força estão diretamente relacionadas a variações de velocidade; aumentando-se a velocidade, aumenta-se a força.
[5] A importante contribuição de Shultz para a literatura técnica está centrada em duas
áreas significantes: o esclarecimento e avaliação dos vários tipos de movimentos utilizados
em toda a atividade pianística e no estudo das diferentes coordenações musculares possíveis à técnica digital.
[6] Na figura 01 acima ilustrada visualiza-se a fisiologia da mão e antebraço (parte dorsal)
onde é possível visualizar alguns dos vários músculos relacionados às coordenações musculares dos movimentos da atividade pianística.
Referências:
Azevedo, C. A. (1996).Técnica pianística: uma abordagem científica. São João
da Boa Vista: Air Musical.
Bejani, FJ. (1933). Performing artists occupational disorders. In J. A. DeLisa
& B. M. Gans (Eds), Reabilitation medicine (pp. 1165-90) Philadelphia:
Lip – pincott.
Dawson, WJ. (1988). Hand and upper extremity problems in musicians:
epidemiology and diagnosis. Med Probl Perform Art, 3: 19- 21.
Hall, S.J. (1993). Biomecânica básica.Rio de Janeiro:Guanabara Koogan.
125
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
______. (2007). Ação pianística, desempenho e controle do movimento
– uma perspectiva interdisciplinar. Anais do III Simpósio de Cognição e
Artes Musicais. Salvador: EDUFBA, pp. 540-548.
Hamill, J & Khudzen,K. (1999). Bases biomecânicas do movimento humano.
São Paulo:Manole.
Newmark, J, Hochberg FH. (1987). “Doctor, it hurts when I play”: painfull
disorders among instrumental musician. Med Probl Perform Art, 2: 937.
Sakai N. (1992). Hand pain related to keyboard techniques in pianists. Med
Plob Perform Art; 7:63- 5.
Shumway-Cook, A; Woollacott, M. (2003). Controle motor: teoria e aplicações práticas. 2. ed. Barueri: Manole.
Uszler, M. et al. (1999). The well-tempered keyboard teacher. New York: Schirmer Books.
126
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Avaliação ergonômica do trabalho dos
violinistas da Orquestra Sinfônica da
Universidade Estadual de Londrina (OSUEL)
Sara Pinto da Costa de Moraes
[email protected]
Universidade Estadual de Londrina
Ana Paula Demarchi Perfetto
[email protected]
Universidade Estadual de Londrina
Resumo: Este estudo buscou identificar, por meio do método da Análise
Ergonômica do Trabalho (AET), os fatores de risco para a profissão de violinista de orquestra. Concluiu-se que a profissão oferece riscos físicos e
cognitivos que devem ser analisados para a criação de estratégias que facilitem e diminuam os riscos do trabalho desses profissionais.
Palavras-chave: Ergonomia; Ergonomia Cognitiva; Músicos; Violinistas.
Ergonomic Assessment of the Violinists of “Orquestra Sinfônica da
Universidade Estadual de Londrina” (OSUEL)
Abstract: This study aimed to identify, through the method of Ergonomic
Work Analysis (EWA), risk factors for the profession of orchestral violinist. It was concluded that the profession offers cognitive and physical risks
that must be analyzed for the creation of strategies to facilitate and reduce
the risks of their work.
Keywords: Ergonomics; Cognitive Ergonomics; Musicians; Violinists.
Introdução
Este trabalho teve como proposta a realização da avaliação ergonômica
do trabalho dos violinistas da Orquestra Sinfônica da Universidade Estadual de Londrina (OSUEL).
A OSUEL foi fundada em 1984 e está inserida nas atividades da Casa
de Cultura, pertencente ao Centro de Educação, Comunicação e Artes da
127
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Universidade Estadual de Londrina, Paraná. Os ensaios acontecem no período da manhã, geralmente das 8h30min às 12h totalizando aproximadamente 22h30min de ensaios semanais, salvo a última quinta-feira de cada
mês, quando ocorre o concerto mensal e em função disso, os músicos são
liberados na sexta após o concerto.
Dentre o naipe de cordas, apenas 9 são violinistas. Como este número
de músicos é insuficiente para atender a demanda de, por exemplo, uma
sinfonia, músicos são chamados para se juntarem à orquestra, por meio de
edital de Chamamento Público, de acordo com o repertório a ser trabalhado pelo maestro. Porém, este trabalho se deteve apenas aos 9 músicos violinistas concursados, excluindo da pesquisa os demais integrantes que participam da orquestra por meio de Chamamento Público. Desses 9 músicos
violinistas, 6 são do naipe de Primeiro Violino e 3 no naipe de Segundo
Violino.
Sabe-se que para ser um instrumentista profissional é preciso se
dedicar totalmente ao estudo do instrumento, tendo muitas vezes que se
abster de momentos de lazer em função de concertos e recitais e até mesmo
para estudar ou “tirar as músicas” para essas apresentações. Nessa profissão,
geralmente se acredita que o músico apenas se divirta, porém é difícil
imaginar o que se passa por trás das brilhantes apresentações. Em uma
orquestra, por exemplo, o extenso repertório com alto grau de dificuldade, a
exigência e pressão do maestro e do próprio músico, são fatores que levam
muitos músicos a desenvolverem doenças psicossomáticas como as
tendinites e até mesmo desgastes mnemônicos e estafa.
128
O violino, por ser um instrumento muito complexo, necessita de um
alto nível técnico para ser bem executado, exigindo do violinista horas de
estudo diário, além dos ensaios coletivos para atingir certo grau de
excelência. Somado a isso, os ensaios de orquestra exigem ativação da
memória de longo e curto prazo, concentração, percepção do ambiente,
tudo isso sem praticamente nenhuma possibilidade de mudança de função.
Em um ensaio de orquestra, o violinista se vê obrigado a se manter sentado
em uma cadeira sem possibilidade de mudança de postura, sem
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
possibilidade de interagir com os músicos ao seu redor e sem poder se
retirar do local do ensaio, a não ser em casos extremos. Esses fatores geram
desgastes. Sendo assim, este trabalho teve como objetivo verificar os fatores
de risco para a profissão de músico violinista de orquestra.
1. O Músico/Violinista
Quando se pensa em música, logo se pensa em prazer, equilíbrio
emocional e lazer, sendo assim difícil associá-la a doenças e fatores de risco
para o músico. Nos dias de hoje, o número de evidências de que os músicos
encontram-se expostos a fatores de riscos causadores de lesões relacionados
à profissão está aumentando (Trelha et. al., 2004), fazendo assim a dor ser
uma constante na vida desses profissionais (Oliveira; Vezza, 2010).
O surgimento de distúrbios psicossomáticos é frequente e os fatores
que geram esses distúrbios foram citados por Frank e Mülhen (2007) como
a pressão e expectativa – própria e do público, ansiedade de palco,
labilidade emocional, assim como o clima de trabalho e a concorrência.
Trelha (2004), concordando com Frank e Mühlen, relaciona as cargas
físicas e emocionais da própria atividade a esses distúrbios psicossomáticos
(Trelha et. al., 2004).
Para os violinistas de orquestra, o principal fator de risco, tanto físico
quanto cognitivo, são as diferenças acústicas quando ocorre a mudança de
local de ensaio e concerto, pois “exigem maior atenção para a parte musical
(esforço visual), concentração para a percepção sonora e contagem dos
compassos, além de alterações na interação com o instrumento (força e
postura corporal)” (Petrus, 2005).
Apesar do grande número de fatores de risco, os músicos não levam a
sério os problemas de saúde, tendo em vista a grande satisfação sentida por
meio da reação do público (Dimatos, 2007). Para agravar todos esses
fatores, a postura em relação ao instrumento é assimétrica e nãoergonômica (Frank; Mühlen, 2007), pois o violino é um instrumento
assimétrico e exige do músico movimentos diferentes nos braços. O braço
129
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
esquerdo segura o instrumento e os dedos da mão esquerda dedilham o
mesmo, demonstrando a música tocada. A mão direita segura o arco e retira
o som das cordas do violino, levando o braço direito para cima e para baixo,
de acordo com o som e a música tocada (Dimatos, 2007).
A quantidade de força e o movimento ao tocar, somados ao trabalho
de coordenação e motricidade fina, resultam na técnica individual do
instrumentista, elaborada através dos anos e fincada na memória sensitivomotora. O que determina se a técnica é mais ou menos desenvolvida são a
sequência de movimentos e tensões musculares fisiológicas, o que tem
papel importante na origem de problemas. Como exemplo, entre violinistas
existem métodos diferentes na postura dos dedos e da mão esquerda, o que
interfere diretamente no resultado musical e na carga sobre articulações e
músculos. (Frank; Mühlen, 2007)
As posturas irregulares constantemente adotadas durante o ato de
tocar, a falta de pausas regulares, a inadequação do mobiliário e a falta de
intervenção da fisioterapia na orquestra influenciam direta ou
indiretamente no risco de desenvolvimento de DORT’s (Subtil; Bonomo,
2012). Somados a isso, apenas o ato aparentemente simples de friccionar as
cordas de um instrumento para obter sons, organizados desta ou daquela
maneira, neste ou naquele estilo, encerra problemas essenciais para os
violinistas (Salles, 1998).
2. Análise ergonômica do trabalho (AET)
130
Compreender o trabalho é sempre um desafio, pois ele é fruto de um
emaranhado de variáveis que precisam ser apreendidas em um determinado contexto. (Abrahão et al., 2009). Por este motivo, dentro da ergonomia,
a escolha de um método adequado para observar estas variáveis é um fator
fundamental. Dentre os diversos métodos existentes, foi escolhido a Análise
Ergonômica do Trabalho.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Iida (2005) afirma que a Análise Ergonômica do Trabalho visa aplicar
os conhecimentos da ergonomia para analisar, diagnosticar e corrigir uma
situação real de trabalho (Ilda, 2005). Para isso, pressupõe a utilização de
distintas técnicas, cuja importância para a análise depende da problemática
e da configuração da demanda (Abrahão et al., 2009). É um método bastante aberto, uma vez que as ferramentas usuais da coleta de dados podem
variar, pois a sua escolha é feita em função da natureza dos problemas colocados no momento da demanda e evolui segundo os desafios do contexto,
já que os determinantes da tarefa são múltiplos, com diferentes facetas (Abrahão et al., 2009).
Esta metodologia, segundo Bouyer (2008) favorece a abertura da Janela fenomenológica, ou seja, nela há a possibilidade da exploração da experiência humana em situação de trabalho real com um grande rigor, portanto
dados que envolvem a forma como o próprio trabalhador vivencia e experimenta, internamente, as situações tomadas para o estudo.
Este método é realizado em cinco etapas: Análise da demanda, Análise
da tarefa, Análise da atividade, Formulação do diagnóstico e recomendações ergonômicas.
3. Discussão e resultados
No dia 12 de fevereiro de 2012, ocorreu um incêndio no Teatro Ouro
Verde, palco dos ensaios e concertos da OSUEL. Por sorte, apenas uma
pequena parte do arquivo de partituras se perdeu e todos os instrumentos
de grande porte que já ficavam no teatro, como os instrumentos de
percussão, os contrabaixos e os pianos foram salvos graças à ajuda de
voluntários. Apesar disso, a OSUEL ficou sem o espaço físico para a
realização dos ensaios, então a administração da orquestra, junto com a
direção da Divisão da Casa de Cultura, que é o Setor no qual a orquestra
está inserida, optaram por adaptar o cronograma da orquestra para não
interrompê-lo, transferindo as atividades para o Cine Teatro Com Tour,
que também pertence à Universidade Estadual de Londrina.
131
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Como o Cine Teatro Com Tour é um espaço utilizado principalmente
para a exibição de filmes, foi necessário realizar adaptações físicas no
ambiente para melhor atender as necessidades da orquestra. Dentre as
adaptações estão a instalação de 6 luminárias em cada lado do palco e a
colocação de lâmpadas acima da orquestra, já que o ambiente era escuro
para a visualização da partitura. Porém, apesar das modificações no
ambiente, houve grande insatisfação dos músicos, que afirmavam que a
iluminação, apesar de melhorada, ainda era ineficiente para a leitura da
partitura, obrigando-os a “forçar a vista” durante o ensaio.
Outro motivo de insatisfação com o novo local de trabalho foi o cheiro
de lixo do ambiente durante as primeiras horas da rotina diária de trabalho,
em função do lixo despejado por uma rede de supermercados no depósito
logo atrás do Cine Teatro Com Tour. Para resolver esse problema, a
vigilância sanitária foi chamada, sendo assim o supermercado multado e o
problema resolvido. O carpete existente no espaço também foi motivo de
descontentamento entre os músicos, pois alguns alegaram sentir sintomas
alérgicos.
A mudança de local de ensaio/concerto foi descrita por Petrus (2005)
como o principal fator de risco tanto físico quanto cognitivo, pois ocorre a
diferença acústica entre os ambientes, exigindo do músico “maior atenção
para a parte musical (esforço visual), concentração para a percepção sonora
e contagem dos compassos, além de alterações na interação com o
instrumento (força e postura corporal)”.
132
Após meses de ensaios no Cine Teatro Com Tour, os músicos de
cordas passaram a relatar dores na região da coluna em função da inclinação
do piso, típico de um cinema. Para tentar amenizar esse problema, peças de
madeira foram desenvolvidas somente para os primeiros violinos para
serem encaixadas na perna anterior esquerda das cadeiras, o que deveria
deixar a cadeira em plano reto, resolvendo o problema. Porém, não houve
nenhuma medição para o desenvolvimento dessas peças, que acabaram
ficando muito altas, inclinando a cadeira para o outro lado. Além disso, essas
peças não eram fixas, podendo estas se soltar da cadeira. Como
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
consequência, os músicos acabavam limitando os movimentos e desviando
a atenção do maestro, colegas e até à música em si. Como essas peças foram
criadas apenas para os integrantes do naipe dos primeiros violinos, um
integrante do segundo violino utilizou uma tábua de madeira para
minimizar o problema e manter-se mais confortável.
Um fator de grande desgaste cognitivo, não só entre os violinistas, mas
entre todos os músicos da orquestra é a mudança de maestro entre os
ensaios de cada temporada, já que a orquestra trabalha também com o
sistema de maestro convidado. Nesse sistema, nas primeiras semanas de
ensaio, o spalla passa a ser o maestro, para preparar a orquestra para a
chegada do maestro convidado, que ensaia apenas na última semana e rege
os concertos. Os músicos ficam acostumados à regência e à interpretação
do spalla e depois têm que se adaptar ao novo maestro, causando desgaste e
exigindo um grau maior de atenção na nova regência. Além disso, o spalla
acaba sendo sobrecarregado, pois tem que estudar toda a regência, além de
estudar as partes de orquestra.
Outro fator observado que também gera grande desgaste cognitivo é a
poluição visual nas partituras. Geralmente, a cópia tirada para cada estante
vem com arcadas impressas para facilitar a leitura e evitar que os músicos
parem o ensaio para anotarem a nova arcada. Porém, sempre há alterações
nessas arcadas, então os músicos são obrigados a escrever em cima da
marcação da cópia. Como resultado a partitura acaba ficando com riscos de
lápis em cima da arcada impressa e isso gera confusão na informação,
aumentando a possibilidade de erro e criando uma partitura poluída e
confusa.
As únicas três mulheres pertencentes ao naipe de violinos da orquestra
estão tocando por meio de edital de chamamento público, não podendo
então ser entrevistadas, o que implica dizer que apenas homens
participaram da pesquisa. Dos nove entrevistados, apenas um possui menos
de 42 anos de idade. Todos começaram cedo no instrumento com idades
variantes entre 6 e 14 anos e apenas um iniciou aos 18 anos, idade
considerada tardia para o aprendizado de um instrumento que exige muitos
133
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
anos e horas de dedicação.
Todos os entrevistados participaram de alguma orquestra antes de
entrar na OSUEL, contando as orquestras jovens, criadas geralmente nas
escolas de música e conservatórios, como prática para a vida profissional, e
até mesmo outras orquestras profissionais. Oito dos nove violinistas estão
na orquestra há mais de 17 anos e apenas um toca há apenas cinco anos.
Este é um fator importante a ser discutido, pois esses músicos estão há
bastante tempo desempenhando a mesma função em um cargo em que não
há a possibilidade de mudança de tarefa. Isso favorece a falta de motivação e
interesse no trabalho.
Todos os entrevistados iniciaram seus estudos em conservatórios de
música e possuem curso superior completo, porém apenas seis deles se
graduaram em curso de música. Desses seis, cinco são formados no curso
de licenciatura e apenas um em performance do violino. Isso pode ser
explicado pelo fato da cidade de Londrina não oferecer o curso de
bacharelado em instrumento, o que obrigou os músicos a procurarem um
curso relacionado às atividades que realizam, no caso, o curso de
licenciatura. Dos cinco que possuem pós-graduação, todos são na área de
música e apenas 2 possuem mestrado. Uma informação interessante é que
oito dos músicos só procuraram o curso de graduação depois de
ingressarem na orquestra.
134
Todos os entrevistados possuem outras atividades em paralelo à
orquestra, inclusive uns acumulam até mais de duas atividades. Cinco dão
aulas de violino, sete participam de grupos que tocam em eventos como
casamento e aniversários, três integram grupo de música de câmara, três
regem outras orquestras, um toca em grupos de jazz e choro e apenas um
realiza outra atividade não incluída nas atividades de música, a pintura.
Então, além do estudo individual para manter a técnica em dia, os estudos
do repertório tocados na orquestra e os ensaios, os violinistas ainda se
ocupam de outras atividades que acabam por roubar o tempo que seria
destinado ao descanso e relaxamento. As atividades como tocar em outros
grupos, seja de jazz, choro, música de câmara e reger outras orquestras,
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
requer disponibilidade de tempo de ensaio, estudo e análise dos respectivos
repertórios, o que acaba por sobrecarregar o músico de atividades. Com
isso, o músico passa mais tempo tocando o instrumento, lendo partituras,
corrigindo falhas, se concentrando na música, gerando um maior aumento
de sobrecargas tanto físicas quanto cognitivas.
Isso acorda com os dados coletados, confirmando que apenas um dos
violinistas nunca teve problemas relacionados ao trabalho como dor e
lesões. Quatro dos violinistas relataram ter tido tendinite em alguma região
do braço esquerdo, um relatou ter tido algum problema em antebraço
direito, um relatou disfunção da articulação temporo-mandibular, dois
desgastes da estrutura do ombro direito, um em cervical e um caso de estafa
psicológica com internação em função da proximidade de um concerto
específico.
De todos esses casos, apenas seis procuraram tratamento com
especialistas e apenas quatro realizaram sessões de fisioterapia. É
importante relatar que apesar do grande avanço e divulgação da fisioterapia,
ergonomia e pesquisas relacionadas à saúde do trabalhador, muitas pessoas
ainda não têm consciência da importância disso para a sua saúde e
qualidade de vida.
Foi perguntando aos músicos se eles sentiam algum tipo de
desconforto após os ensaios. Quatro relataram cansaço, três relataram
dores musculares na região da coluna e braços, um relatou dor de cabeça,
dois relataram dor na vista em função da iluminação do ensaio, sendo que
um deles afirmou se sentir estressado após os ensaios em função da
iluminação e do barulho excessivo. Foi relatado também tensão na região
cervical, um caso de fisgada em ombro direito, onde o músico afirmou que
ao longo do dia fica cada vez mais difícil levantar o braço para realizar
atividades diárias e houve um caso de zunido nos ouvidos.
Quanto às questões relacionadas à atividade prescrita e real, os
violinistas não encontraram problemas em definir. Todos acreditam que a
função do violinista é tocar o que lhe é exigido na orquestra e que para
135
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
conseguir isso, é necessário estudo de técnica e de repertório em casa.
Sabendo disso, está incluído no horário de trabalho dos músicos da
orquestra, duas horas no período da tarde justamente para esse fim, os
estudos.
Considerações finais
Com os dados analisados foi possível observar que os principais fatores
de risco para os violinistas de orquestra são a mudança de ambiente de
trabalho, a mudança de maestro, a estrutura do local do ensaio, a
iluminação inadequada e o barulho excessivo, o acúmulo de atividades não
relacionadas com a orquestra, o grande nível de auto cobrança em manter a
técnica em dia para executar da melhor maneira possível o repertório
exigido e a falta de motivação em função da falta de possibilidade de
mudança de função.
136
Para diminuir os problemas citados, sugerimos que sejam realizadas
palestras aos músicos sobre os benefícios do alongamento e que sejam
orientados a se alongarem antes e após cada ensaio/estudo e que se
alonguem sempre que possível durante os mesmos. Outra sugestão é inserir
luminárias nas estantes para melhorar a iluminação nas partituras. Para
amenizar o problema do alto volume sonoro, é possível realizar a compra de
biombos de acrílico desenvolvidos justamente para evitar que os músicos,
principalmente de cordas e madeira, tenham a exposição excessiva ao som.
Em relação à inclinação do piso, os encaixes de madeira podem ser medidos
e fixados nas mesmas para evitar acidentes. A mudança de sistema de
maestro convidado para a de maestro residente é um importante fator para
a diminuição do desgaste cognitivo dos músicos.
Os dados aqui levantados revelam o quão importante são os estudos
mais aprofundados e mais investimentos em pesquisas na área de
ergonomia e fisioterapia aplicada à profissão de músico no intuito de
facilitar a vida desses profissionais os quais exercem atividades que exigem
um grande esforço físico e cognitivo. A partir dos resultados dessas
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
pesquisas será possível o desenvolvimento de estratégias que facilitem a
vida e diminuam os riscos tanto físicos quanto cognitivos.
Referências
Abrahão, Julia. et al. (2009). Introdução à ergonomia: da prática à teoria. São
Paulo: Edgard Blucher.
Bouyer, Gilbert Cardoso. (2008). Ergonomia cognitiva e mente incorporada.
São Paulo: Edgard Blucher.
Dimatos, Ana Maria Massad. (2007). Condições de saúde e de trabalho de
violinistas da camerata Florianópolis. (Tese de Doutorado) - Curso de
Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis.
Frank, A.; Von Mühlen, C.A. (2007). Queixas musculoesqueléticas em
músicos: prevalência de fatores de risco. Revista Brasileira de Reumatologia. v. 47, n. 3, pp. 188-196, mai/jun.
Iida, Itiro. (2005). Ergonomia: Projeto e Produção. (2nd ed.). São Paulo: Edgarg Blucher.
Oliveira, C. F. C.; Vezza, F. M. G. (2010). A saúde dos músicos: dor na prática profissional de músicos de orquestra no ABCD paulista. Revista
Brasileira de Saúde Ocupacional. São Paulo, v. 35, n. 121, p. 33-40.
Petrus, A. M. F. (2005). Produção musical e desgaste musculoesquelético. Elementos condicionantes de carga de trabalho dos violinistas de uma orquestra.
(Dissertação de Mestrado em Engenharia de Produção). Universidade
Federal de Minas Gerais, Minas Gerais.
Salles, Mariana Isdebski. (1998). Arcadas e golpes de arco. Brasília:
Thesaurus.
137
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Subtil, M.M.L.; Bonomo, L.M.M. (2012). Avaliação fisioterapêutica dos
músicos de uma orquestra filarmônica. Per Musi, Belo Horizonte, v. 25,
n. Jan/Jun.
Trelha, C. S, et. al. (2004). Arte e saúde: freqüência de sintomas músculo
esqueléticos em músicos da Orquestra Sinfônica da Universidade Estadual de Londrina. Semina: Ciências Biológicas e da Saúde. Londrina, v.
25, pp. 65 – 72, jan/dez.
138
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Dinâmicas da experiência: abordagens para a relação música-movimento
Guilherme Bertissolo
[email protected]
Universidade Federal da Bahia/Bolsista CNPq
Resumo: Nesse artigo serão abordadas quatro possíveis feições para a relação entre música e movimento que mobilizam conceitos e pressupostos
das metáforas conceituais e dos esquemas imagéticos baseados na experiência corporal. As principais elocuções sobre do tema serão tecidas a partir
de uma literatura emergente que aplica a noção de esquemas imagéticos,
as metáforas conceituais, investigações oriundas das neurociências e mecanismos da memória para possibilitar insights e desdobramentos nas práticas musicais. O contexto de música e movimento permite descortinar estratégias de entendimento musical, além de oferecer um rico campo para
experimentações no domínio da criação. Nesse sentido, nossa pesquisa de
doutorado (no PPGMUS/UFBA) abordou a relação entre música e movimento no contexto da Capoeira Regional, onde não há a separação conceitual entre os domínios. Essa interação foi operacionalizada a partir da
inferência em campo de quatro conceitos que mobilizam a relação entre
música e movimento para a composição musical: ciclicidade, incisividade,
circularidade e surpreendibilidade.
Palavras-chave: Movimento em música, metáforas conceituais, esquemas imagéticos
Dynamics of experience: approaches for the music-motion relationship
Abstract: In this paper we will approach four views for the relationship between music and movement whose concepts and assumptions derived
from conceptual metaphors and image schemata based upon body experience. We will discuss the subject related to emergent literature which offers interesting insights and developments for music studies through the
notions of image schemata, conceptual metaphor, neuroscience researches and memory mechanisms. The context of music and movement allows
us to reveal strategies of musical understanding and represents a rich field
for experiments in music creation. Indeed, our PhD research (at
PPGMUS/UFBA) focused upon the relationship between music and
139
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
movement in the context of Capoeira Regional, where there is no conceptual separation between both domains. This interaction was engendered
by four concepts infered in the context whose application of music and
movement for composing music is intended: ciclicity, sharpness, circularity and surpreseness.
Keywords: movement in music, conceptual metaphor, image schemata
1. Introdução
O estudo das relações entre música e movimento tem se mostrado um
contexto prolífico na pesquisa. Abordaremos nesse artigo quatro incursões
no campo da teoria que abordam essa questão, pelo viés da experiência
corporal, veiculando aspectos relacionados às metáforas conceituais (Lakoff e Johnson 2002, 2003, 1999), os esquemas imagéticos baseados na
experiência (Johnson 1990), abordagens na neurociência e a memória.
2. Brower e os esquemas metafórico-musicais
140
Brower (2000) apresenta uma incursão sobre a noção de movimento
em música pelo viés das metáforas conceituais. Nesse artigo, a autora aborda temáticas que se relacionam com as noções de força e movimento, pelo
viés dos esquemas imagéticos e metafórico-musicais (Brower 2000, p. 324).
A autora afirma que “padrões musicais prestam-se a este tipo de mapeamento metafórico, sendo marcados por alterações de razão e intensidade
que se traduzem facilmente em força e movimento” (p. 324). Dessa forma,
o sentido musical está relacionado ao mapeamento de padrões ouvidos em
uma obra musical. Esses padrões são intra-obra, esquemas musicais e esquemas imagéticos, extraídos da nossa experiência corporal (p. 324).
Brower (2000, p. 327) aborda a experiência corporal como parâmetro
para metáforas conceituais em música: “nossa experiência corporal do
mundo físico (o domínio-fonte) para a música (o domínio-alvo) produzem
os conceitos metafórico-musicais de espaço musical, tempo musical, força
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
musical e movimento musical”. O mapeamento exerce um papel fundamental, já que mapeamos padrões dentro da própria música, veiculando
relações com esquemas musicais (mapeamentos intra-musicais) e esquemas imagéticos (mapeamentos inter-domínios). A experiência musical está
contaminada pela experiência do próprio corpo.
A autora propõe, pois, esquemas imagéticos mobilizados no entendimento musical: contêiner, ciclo, verticalidade, equilíbrio, relação centroperiferia e trajetória (Brower 2000, p. 326). Esses esquemas são relacionados com as proposições de Johnson (1990). A partir desse modelo, Brower
propõe esquemas metafórico-musicais para melodia, harmonia e estrutura
de frase, descrevendo cada um deles a partir dos esquemas imagéticos. Com
essas ferramentas, a autora discute a ideia de música como narrativa e apresenta aplicações práticas na análise de Du bist die Ruh, de Schubert.
Em um escrito mais recente, a autora aplica a noção de esquemas metafórico-musicais e espaço triádico de alturas sob o ponto de vista da teoria
neo-riemanniana (Brower 2008)1. Há o pressuposto de que nossa experiência de relações de alturas são governadas, pelo menos parcialmente, por
projeções metafóricas de padrões abstratos da nossa experiência corporal
(esquemas imagéticos), que podem ser representados graficamente. A partir de projeções metafóricas entre nossa percepção visual e aspectos da
tonnetz e outras abstrações geométricas da teoria neo-riemanniana, a autora
estabelece um corpus por sobre o qual fundamenta quatro análises: um
moteto do século XV, Haydn, Brahms e Wagner.
3. Spitzer: uma abordagem ampla para a metáfora no pensamento
musical
Spitzer (2004) oferece uma consistente visão panorâmica para o pensamento da metáfora em música, onde a noção de movimento em música é
discutida consistentemente: “a música se comporta como o corpo em movimento, e [...] ouvintes projetam suas experiências de movimento corporal
na sua audição de processos musicais” (Spitzer 2004, p. 10). Spitzer parte da
141
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
ideia de “ouvir como” (hearing as) de Wittgenstein para oferecer uma possibilidade de abordagem teórica que mistura conhecimento e percepção,
partindo da ideia de que a maneira como “conceitualizamos música não é,
em princípio, diferente da maneira como conceitualizamos o mundo” (p.
16).
Para o autor, a metáfora é vislumbrada a partir de três domínios principais: representação, linguagem e incorporação (embodiment) (Spitzer 2004,
p. 12). Pensar a metáfora como modelo para a experiência musical contradiz duas das principais ideias herdadas do pensamento objetivista aplicado
à musica: música não pode ser ouvida e música é abstrata (p. 15). O autor
cita três exemplos de articulação entre a superfície audível da música e sua
relação com esquemas musicais de nível básico, enfocando contraponto em
Bach, ritmo em Mozart e melodia em Beethoven.
É preciso salientar a interessante proposição de Spitzer a respeito do
esquematismo como pivô entre as ciências cognitivas e a estética musical
(Spitzer 2004, p. 54). De fato, como é uma literatura ainda recente e inicialmente não formulada para a aplicação em música, são poucas as incursões
sobre a sua influência no domínio da estética musical. O autor propõe a
perspicaz imagem dos esquemas imagéticos como dobradiça (hinge) entre
mapeamentos intra-musicais e inter-domínios (cross-domain) (p. 55-6).
Nesse sentido ele formula suas dobradiças entre pares: harmonia/pintura
(tendo como dobradiça o esquema centro-periferia); ritmo/linguagem
(sendo o esquema partes-todo a dobradiça); e melodia/vida (sendo trajeto,
path, a dobradiça).
142
Spitzer propõe, pois, um modelo tripartite: esquematismo, metáfora e
protótipos (categorias de nível básico projetadas em categorias superordenadas). Nesse modelo, o esquematismo é um elemento básico da experiência e do entendimento, por sobre o qual a metáfora se estabelece, na medida
em que representam um mapeamento inter-domínios. As categorias de
nível básico, relacionados aos esquemas da experiência, são projetadas em
categorias superordenadas.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Ao apresentar esse modelo, Spitzer aborda o artigo de Brower (2000).
Ele critica o alinhamento que Brower faz no conceito de esquemas metafórico-musicais, já que, segundo ele, metáfora e esquemas imagéticos são
instâncias diferentes. O anseio de Spitzer em oferecer um modelo filosófico
para o pensamento musical a partir da metáfora o faz tentar estabelecer
separações conceituais entre instâncias bastante tênues da experiência,
plenamente contaminadas no entendimento. Não há a separação tão delimitada entre metáfora conceitual e esquemas imagéticos. A questão é que
ambos são baseados na experiência, portanto contaminados. A crítica a
Brower, pela consideração do alinhamento entre metáfora e esquema, não
parece ser um elemento que possa invalidar ou mesmo por em xeque o
argumento oferecido por essa abordagem.
4. As perspectivas na neurociência da música
A neurociência da música, ou neuromusicologia, é um campo de estudo em franco desenvolvimento, que tem produzido resultados bastante
significativos no domínio do entendimento do fenômeno da música. Phillips-Silver (2009) oferece um interessante survey das perspectivas atuais que
consideram a imbricação entre música e movimento pelo viés da neurociência, no que concerne aos efeitos no cérebro de experiências possibilitadas
pelos domínios do corpo em movimento e auditivo.
A autora parte de um ponto de vista categórico afirmando de saída que
“movimento é uma parte intrínseca da experiência musical. Música e movimento co-ocorrem desde a primeira relação musical” (Phillips-silver
2009, p. 293-4). São apresentados diversos exemplos de correlação entre
música e movimento em vários contextos culturais, ocidentais e nãoocidentais, colimando na hipótese posteriormente provada. A ideia de que
nossas experiências cotidianas influenciam diretamente o nosso entendimento musical, pressuposto das abordagens baseadas nos esquemas metafóricos-musicais, é aventado pela autora quando afirma que “música é frequentemente uma experiência multi-sensorial, e estímulos sensoriais de
143
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
sons e movimento corporal moldam nossa definição conceitual de música”
(p. 294).
A autora formula questões de pesquisa que nortearão seu artigo: por
que música e movimento são tão inextricavelmente ligadas? Por que essa
interação é crucial para as etapas iniciais do desenvolvimento humano? Por
que se argumenta que todos os humanos virtualmente compartilham certas
capacidades musicais? O que pode a música fazer para o desenvolvimento
do cérebro? (Phillips-silver 2009, p. 294). A autora apresenta respostas e
insights para essas questões em quatro diferentes perspectivas.
Primeiramente, sob a égide das teorias evolucionistas e sob os pressupostos biológicos, a autora tece comentários sobre a importância da sincronização de movimentos com a música na experiência humana, desde a relação entre mãe e filho na primeira infância, até um estudo experimental que
demostrou influência entre escolha de parceiros e capacidades musicais e
em dança em um grupo adultos (Phillips-silver 2009, p. 295).
144
Uma segunda perspectiva diz respeito à percepção de pulso e sincronização de movimentos. A autora apresenta um interessante paradoxo relacionado aos ritmos sincopados que, ao inserirem pausas em tempos fortes e
operarem deslocamentos nos acentos, ironicamente acabam por representar uma forte sensação de sentimento de pulso. Há aqui uma discussão
sobre resultados de pesquisas empíricas que comprovaram o reconhecimento de padrões de pulso e a capacidade de reconhecimento de métrica
musical e impulsos sonoros simples, onde a sincronização é um aspecto
importante no entendimento. Há um foco em se entender as regiões do
cérebro afetadas no reconhecimento de pulsos e na habilidade de sincronização entre os movimentos corporais a esses estímulos. Uma importante
consideração nessa perspectiva é a descoberta de que os sistemas de audição e sensório-motor são integrados na percepção e entendimento musicais
(Phillips-silver 2009, p. 300). Essa assertiva reforça de maneira contundente
a ideia de que o entendimento, o significado e a conceituação musicais são
diretamente influenciados pelos domínios da experiência corporal cotidiana, refletidas nos esquemas metafórico-musicais.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Na terceira perspectiva é veiculada pela égide do desenvolvimento infantil, a partir de experiências de reconhecimento de padrões métricos e
pulsos musicais em crianças. Destaquemos a realizada pela própria autora,
que testou o interesse de crianças de sete meses de idade submetidas a padrões musicais, demostrando uma maior medida de interesse em padrões
rítmicos familiares, ou seja, aos quais eles haviam sido previamente submetidos através do movimento corporal (Phillips-silver 2009, p. 304). Resultados semelhantes foram obtidos com adultos, de maneira a sugerir, segundo a autora, que “música não é apenas o que nos faz mover, mas a maneira
como nos movemos molda o nós ouvimos” (p. 305). Ou seja, nossa percepção musical é um processo multi-sensorial e estruturas de entendimento
musical surgem do movimento.
Finalmente, a quarta perspectiva aborda a neuropsicologia, em especial
em relação a um distúrbio chamado amusia, uma anomalia congênita que
atinge 4% população mundial, onde um indivíduo é incapaz de reconhecer
uma melodia ou padrões melódicos. Um fato curioso é que a amusia não
afeta a capacidade de percepção métrica, de modo que em diversas culturas,
onde o ritmo é tão ou mais importante do que o domínio das alturas, não é
possível afirmar que uma pessoa portadora de amusia seja destituída de
entendimento musical.
A principal contribuição desse artigo no domínio dessa pesquisa é o
reconhecimento e legitimação da complexa e intricada interação dinâmica
entre música e movimento para os processos de significação musical e construção de estruturas de conhecimento, sob o ponto de vista do desenvolvimento e zonas de ativação do cérebro. A descoberta de que sistemas de
audição e sensório-motores são integrados nas habilidades de reconhecimento de padrões rítmicos e de sincronização, assim como as evidências de
que conceituamos e entendemos música a partir do movimento, demostram a pertinência da consideração da interação entre música e movimento
para a criação musical.
145
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
5. Movimento na memória: a abordagem de Snyder
Snyder aborda a questão do movimento em música a partir das metáforas e em especial pela sua articulação na memória, recuperando os temas
previamente discutidos. A metáfora ganha nesse contexto a dimensão da
memória. “Metáfora é a relação entre duas estruturas de memória” (Snyder
2000, p. 107). Nesse sentido, os “esquemas imagéticos podem dessa forma
servir como uma ponte entre experiência e conceituação” (p. 109). É justamente nesse contexto da experiência e sua articulação entre domínios, possibilitada pela memória, que os esquemas tem importância fundamental
nos processos cognitivos. Eles são tão básicos para a nossa ideia de como o
mundo funciona que são usados não apenas literalmente, mas também
metaforicamente para representar muitos outros tipos de ideias, mais abstratos. A relação entre a metáfora e a conceituação, para o autor, tem explicação em recentes descobertas na neurociência, que percebeu que a mesma
parte do cérebro responsável pelo senso de posição espacial também desempenha papel fundamental no estabelecimento de memórias de longo
prazo, o que explicaria o motivo de usarmos metáforas espaciais para entender conceitos abstratos (p. 110).
146
As ideias de Snyder oferecem um contexto bastante profícuo. É de
grande importância a sua consideração de que “entender possíveis conexões metafóricas entre música e experiência pode nos ajudar não apenas a
entender música, mas também a criá-la” (Snyder 2000, p. 111). O autor
discute a importância de categorias perceptuais (p. 83) e conceituais (p.
85). Os esquemas desempenham aqui um papel importante, tanto em sua
relação mais geral (p. 97) quanto com suas correlações com a música (p.
100).
A importância do movimento na teoria de Snyder é fundamental. Após
analisar as diversas instâncias da memória e esquemas cognitivos (como as
leis de proximidade, similaridade e continuidade) de agrupamento de elementos musicais, ele formula a ideia de esquemas imagéticos. Há uma pequena diferença de abordagem em relação a Brower, considerando ligeiras
variações de nomenclaturas.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
6. Considerações finais
A temática da relação entre música e movimento aplicada o compor
oferece um rico campo de desdobramentos criativos. Comentários sobre a
pesquisa do autor omitidos.
No Brasil, os escritos de Marcos Nogueira têm avançado no campo da
relação entre música e movimento para a composição. A sua abordagem
também ocorre pelo viés das metáforas. Segundo ele, “a questão central da
experiência de tempo em música é o entendimento do tempo como uma
nossa experiência no contato com a 'mudança' que é movimento” (Nogueira
2009, p. 758).
Em nossa abordagem na pesquisa de doutorado, formulamos um arcabouço conceitual oriundo da experiência no contexto da Capoeira Regional, onde não há a separação conceitual entre música e movimento. Com
esse arcabouço dialogou em diversos níveis, tanto teóricos, quanto aqueles
que dizem respeito diretamente ao compor, tais como ideias, materiais e
processos. Já que conceituamos e ouvimos música pela experiência corporal, os esquemas imagéticos e as metáforas conceituais são uma evidência
contundente para a pertinência da consideração das correlações entre aspectos cinéticos e musicais oriundos da Capoeira Regional como fonte de
ideias e processos para o compor.
Notas
[1] A teoria neo-riemanniana é uma corrente que estuda as relações entre centros tonais a
partir de engendramentos entre espaços de alturas, e suas possíveis interlocuções com
figuras geométricas em deslocamentos imagéticos. Maiores detalhes sobre a teoria neoriemanniana, cf. Cohn (1998).
147
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Referências
Bertissolo, G. (2013). Composição e Capoeira: dinâmicas do compor entre
música e movimento. (Tese de doutorado não publicada). Programa de
Pós-Graduação em Música da UFBA.
Brower, C. (2000). A Cognitive Theory of Musical Meaning. Journal of
Music Theory, 44 (2), 323–379.
_____. (2008). Paradoxes of pitch space. Music Analysis, 27/i, 51–106.
Cohn, R. (1998). Introduction to neo-riemannian theory: a survey and a
historical perspective. Journal of Music Theory, 42 (2), 167–80.
Johnson, M. (1990). The Body in the Mind: The bodily Basis of Meaning, Imagination, and Reason. Chicago: University of Chicago Press.
Lakoff, G. & Johnson, M. (1999). Philosophy in the Flesh: The Embodied
Mind and Its Challenge to Western Thought. New York: Basic Books.
_____. (2002). Metáforas da vida cotidiana. Campinas/São Paulo: Mercado das Letras/EDUC.
Nogueira, M. (2009). Metáforas de movimento musical. Anais do XIX Congresso da ANPPOM. Curitiba: Programa de Pós-Graduacao em Música
– UFPR.
Phillips-Silver, J. (2009). On the meaning of movement in music, development and the brain. Contemporary Music Review, 28 (3), 293–314.
148
Snyder, B. (2000). Music and Memory: an introduction. Cambrigde/London:
The MIT Press.
Spitzer, M. (2004). Metaphor and Musical Thought. Chicado/London: University of Chicago Press.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
A influência do gesto na
performance em percussão:
Análise percentual de dados experimentais
Fernando Martins de Castro Chaib
[email protected]
Universidade de Aveiro
João Catalão
[email protected]
Universidade de Aveiro
Homero Chaib Filho
[email protected]
Universidade de Aveiro
Resumo: Este artigo mostra como foi realizado um tratamento descritivo,
através de uma análise percentual, dos dados experimentais obtidos ao
observar a influência do gesto corporal sobre as sensações de continuidade,
suspensão e conclusão de um trecho musical em percussão. Dentro da
complexa relação estabelecida entre o percussionista e o texto musical
apresentado em grande parte das produções para percussão, procuramos
compreender até que ponto o corpo poderá ser um agente auxiliador no
processo de transmissão de sensações específicas sobre a música
executada em uma performance percussiva. A complexidade deste
processo experimental nos obrigou a dividir os resultados obtidos em dois
artigos. Este trabalho trata-se da 1ª parte de publicação dos dados
adquiridos e analisados a partir dos pesos percentuais.
Palavras-chave: Gesto; Percussão; Influência; Performance; Estatística
descritiva.
The Influence of Gesture on the Percussive Performance:
Descriptive Analysis of Experimental Data – Part I – Percentage
Approach
Abstract: This paper discusses the influence of corporal gesture on the
sensations of continuity, suspension and conclusion of a percussion
musical excerpt from a descriptive statistical analysis data obtained on a
specific experiment. From the complex relationship between the
percussionist and musical text displayed largely on percussion
149
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
productions, we seek to understand how far the motion body could be a
supportive agent in the process of transmission of specific feelings about
the music performed in a percussive performance. The complexity of this
experimental process forced us to divide the results into two articles. This
work comes from the 1st part of publishing data acquired since the
experiment exposed here also suffered a factorial analysis of
correspondences, can be found in the subsequent Article from this one ".
Keywords: Gesture; Percussion: Influence; Performance; Descriptive
statistic.
1. Introdução
Este artigo demonstrará uma análise estatística descritiva dos dados
adquiridos através da realização do experimento “Sensação de continuidade
de um trecho musical” (CHAIB et. al. 2012) [1]. Ao procedermos a Análise
Percentual dos Dados (APD), procuramos identificar os níveis de
influência em termos percentuais dos estímulos áudio (A), visual (V) e
audiovisual (AV) e gestos (expressivo – GE e técnico - GT) sobre as sensações
continuidade, suspensão e conclusão de um trecho musical, realizados em uma
performance percussiva em específico.
2. Análise Percentual dos Dados (APD).
150
O intuito desta análise foi o de observarmos as relações nas tabelas que
se seguirão, em termos percentuais, entre as linhas (onde estão os estímulos), entre colunas (onde estão as sensações) e entre linhas e colunas. Ressalta-se que esse tipo de análise limitou-se aos resultados deste experimento
em particular, sendo esta uma forma de ilustrá-los. Considerando os Fatores
Contextuais (CHAIB et. al. 2012: 242); os Estímulos, Indivíduos e Grupos
(CHAIB et. al. 2012: 241); os gestos (e - expressivo e t - técnico) e as respostas dos participantes no experimento, elaboramos uma Matriz para a
APD (Fig.1).
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Em Fig.1 podemos visualizar em cada linha os estímulos A, V e AV, para execução técnica (t) – ou gesto técnico GT- ou execução expressiva (e) –
gesto expressivo GE que geraram 36 respostas. Nas colunas podemos ver os
Fatores Contextuais F1 a F8, e as respectivas sensações de continuidade (a),
suspensão (b) e de conclusão (d). Cada elemento da tabela é o número de
respostas dadas para cada sensação, segundo cada estímulo. Baseados nos
dados dessa Matriz, elaboramos um conjunto de tabelas denominadas
Fig.2, Fig.3, Fig.4, Fig.5, Fig.6 e Fig.7. Em Fig.2, observamos que Fig.2a nos
indica nas colunas os fatores (F) subdivididos pelas sensações a, b e d e nas
linhas a representação dos estímulos, onde: I – Representa o total global, ou
seja, a soma de todas as respostas, independentemente do estímulo; II –
Representa o estímulo A no total global; III - Representa o estímulo V no
total global; IV - Representa o estímulo AV no total global.
Em Fig.3, observamos que Fig.3a ilustra nas linhas a representação do
total dos estímulos Ae + Ve + AVe para o gesto expressivo (GE) e At + Vt +
AVt para o gesto técnico (GT). Nas colunas estão representados os fatores
(F) subdivididos pelas sensações a, b e d onde foram computadas as
diversas percentagens que nos ajudaram a compreender tais resultados. Ela
demonstra os valores percentuais por fator (F) e sensação, na soma de
todos os estímulos em GE e GT. Em Fig.3b percebemos, nas linhas, cada
estímulo (A, V e AV) agregado a cada gesto (GE e GT) sendo que, nas
colunas, observamos os fatores (F) subdivididos pelas sensações de
continuidade (a), suspensão (b) e conclusão (d). Essa tabela nos indica os
valores percentuais totais em cada fator (F), por sensação, para cada
estímulo em GE e GT.
A tabela Fig.4 ilustra nas linhas cada estímulo (A, V e AV) agregado a
cada gesto (GE e GT). Nas colunas observamos os fatores (F). Apresenta-se,
nessa tabela, os valores percentuais por fator (F), sobre o total de cada
estímulo em GE e GT. Será dizer que, do total atribuído no experimento a
Ve, por exemplo, 34% das marcações desse estímulo correspondem a F8.
As tabelas Fig.5, Fig. 6 e Fig.7 ilustram, nas linhas, as somas de estímulos (A/V, A/AV ou V/AV) aliados ao GE e GT e, nas colunas, os fatores
151
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
(F1, F3, F4, F6 e F8) subdivididos pelas sensações a, b e d. As tabelas indicam os valores percentuais na soma dos estímulos em GE e GT, sobre o
total da sensação.
152
Fig.1: Matriz, onde: indivíduos (In.), Grupos (Gr.) e estímulos (Est.) nos Fatores Contextuais e sensações.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Fig.2: Apresenta Fig.2a e Fig.2b (valores percentuais - %).
Fig.3: Apresenta Fig.3a e Fig.3b (valores percentuais - %).
Fig.4: Valores percentuais (%) por fator (F), sobre o total de cada estímulo em GE e GT.
Fig.5: Valores percentuais (%) na soma de V e AV (V/AV) em GE e GT, no total da sensação.
153
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Fig.6: Valores percentuais (%) na soma de A e AV (A/AV) em GE e GT, no total da sensação.
Fig.7: Valores percentuais (%) na soma de A e V (A/V) em GE e GT, no total da sensação.
3. Interpretação dos índices percentuais
A análise feita a partir dos dados contidos na Matriz indicou que os
fatores F2, F5 e F7 obtiveram menor ocorrência de respostas aos estímulos,
sendo ao todo 5 marcações para F5 (menos de 1% do total) e 18 para F2 e
F7 (cerca de 3% do total). Em comparação com F8 (180 marcações, cerca
de 31% do total) ou F4 (144 marcações, 25% do total), F2, F5 e F7 foram
considerados sem muita influência para as sensações referentes aos
estímulos reproduzidos e/ou gestos executados. Desta feita, focamos as
nossas atenções sobre as situações onde foi possível estabelecermos uma
relação de efeito dos estímulos exibidos, acerca dos dados adquiridos. Os
fatores (F) que apresentaram pertinência para as análises foram F1, F3, F4,
F6 e F8. Observemos a seguir uma avaliação com uma abordagem
descritiva das respostas dadas em termos percentuais.
•
154
Comparação por sensação e fator (F) aliando todos os estímulos, em:
i. F1: A sensação de continuidade prevalece em F3, F4, F6 e F8,
perdendo peso para suspensão e conclusão apenas em F1. Em verdade,
a sensação de conclusão obteve maior peso apenas em F1 (45% das
marcações, contra 37% de suspensão e 18% de continuidade),
perdendo para as outras duas sensações nos restantes dos fatores
analisados. Há de se destacar que F1 representou ausência de
intervenção sonora do intérprete, ou seja momentos onde o
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
percussionista não esteve atuando, de forma direta ou indireta, sobre
o instrumento.
ii. F3 e F4: A sensação de continuidade obteve ligeira vantagem sobre
suspensão. Em F4 ocorreu um “empate técnico” com 44% das
marcações para continuidade e 43% para suspensão. Em F3 a diferença
aumenta um pouco, mas também podemos dizer que as respostas
sobre essas duas sensações foram bastante equiparadas, ficando
continuidade com 41% das marcações contra 37% de suspensão.
iii. F6: A sensação de suspensão teve ampla vantagem em relação às
outras sensações, figurando com 65% das respostas contra 27% de
continuidade e 9% de conclusão. Esse fator representou, dentre outras
características, a duração de execução da nota tocada (nesse caso, o seu
prolongamento através do rulo). Percebemos que esse atributo
expressivo em conjunção com as outras características poderá ser
um agente no despertar dessa sensação prevalente.
iv. F8: Esse fator obteve 61% das respostas para continuidade, 31% para
suspensão e 8% para conclusão. As 110 marcações para continuidade
mostram uma discrepância em relação aos outros fatores e demais
sensações. Há de se destacar a exata igualdade de ocorrências de
respostas, aliando todos os estímulos, para GE e GT para as
sensações de continuidade e suspensão (50% para cada gesto). Tendo a
sensação de conclusão significado ínfimo (14 marcações), admitimos
que pela igualdade das respostas em GE e GT – para os trechos sem
momentos bruscos de “ruptura”, “quebra”, “tensão”, etc. – o tipo de
gesto utilizado pelo percussionista não vem influenciar as sensações
dos trechos executados, existindo pouca relevância para a sensação
de conclusão.
•
Comparação por sensação de A em relação a V e AV em:
i. F1: A sensação de continuidade perde peso sobre o estímulo A em
relação aos estímulos V e AV. Observamos 23% das ocorrências para
155
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
o primeiro, enquanto anotamos 41% para o segundo e 35% para o
terceiro. Por outro lado, analisando a sensação de conclusão, o
estímulo A aparece com 33% das marcações contra 29% de V e 38%
de AV. Para a sensação de suspensão o estímulo A aparece com 37%
das respostas contra 40% de V e 23% de AV. É possível constatarmos
já, através desses resultados, certa relevância dos estímulos V e AV
para a sensação de continuidade dos excertos exibidos quando o
intérprete não intervém sonoramente no instrumento, uma vez que
A aparece com menos peso nessa sensação. Sobre as respostas
assinaladas dentro de cada estímulo A obteve apenas 13% na
sensação de continuidade contra 20% em AV, de forma isolada, e 21%
em V.
ii. F3: O estímulo A apresenta 33% das marcações em continuidade
contra 44% para AV e 22% para V. Para as outras sensações A
aparece com menores índices em relação aos outros dois estímulos.
Em suspensão, o estímulo V predomina com 54% das respostas. De
forma isolada, o estímulo A é mais influente que V em continuidade,
mas sendo menos ocorrente que AV nessa sensação. Nesse fator
observamos como o estímulo V interfere bruscamente na sensação
de suspensão quando o que está em evidência são as discrepâncias de
intensidade sonora. A postura do corpo do intérprete poderá ser um
agente causador desses resultados. Em F3, A sempre perde peso em
relação a pelo menos um dos estímulos que tem incorporado o
aspecto visual (V ou AV), o que não ocorre necessariamente com V.
156
iii. F4: O estímulo A causou menor influência para a sensação de
continuidade (27% contra 35% de V e 38% de AV). Porém, na
sensação suspensão, A exerce maior influência (38,7% contra 37% de
AV e 24% de V). Para a sensação de conclusão o estímulo A segue
obtendo maior índice de respostas (42%), o mesmo que para AV,
contra 16% de V. Deste Fator Contextual podemos atestar o fato de
que a falta de visibilidade da performance vem induzir no espectador
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
a uma maior tendência à interpretação de momentos musicais sem
prosseguimento, mas com características de “ruptura”, “quebra”, etc.
iv. F6: Para a sensação de continuidade o estímulo A segue contando
com menor influência em termos percentuais obtendo 25% das
respostas contra 44% de V e 31% de AV. Nesse fator, curiosamente,
A iguala-se a V em conclusão (20% para cada contra 60% de AV) e ao
estímulo AV em suspensão (31% contra 38 de V). Da mesma forma
que em F3 o estímulo V foi mais acionado na sensação de suspensão,
mas aparece também predominante em continuidade. Dentre os
fatores (F) analisados as respostas para a sensação de conclusão em F6
apontaram a maior disparidade em termos percentuais entre AV e os
outros estímulos.
•
Relação por sensação de A + V (A/V) ou A + AV (A/AV) para:
i. F1, F4 e F6 em continuidade: Nesses três fatores (F) o estímulo A,
somado a qualquer um dos outros dois estímulos, segue sendo
menos influente para essa sensação. Nesses fatores, em relação ao
estímulo A, os estímulos V e AV (conjuntamente ou em separado)
possuem maior influência na ativação de continuidade. Basta
percebermos que se, em F1, AV for o ponto em comum para A e para
V (A/AV e V/AV), o estímulo auditivo exercerá menor influência
que o visual para essa sensação. O mesmo ocorre em F4 e F6.
ii. F3 em continuidade: Contrariando os fatores F1, F4 e F6, a soma
dos estímulos A e AV, exerce maior influência nessa sensação do que
V + AV (V/AV). No entanto A/V perde peso nessa sensação para
V/AV.
iii. F1 e F4 em suspensão: O estímulo A somado ao V exerce maior
influência do que qualquer outra combinação de estímulos para F1.
Em F4, A surge como estímulo chave, uma vez que a soma do
mesmo com V ou AV gera uma combinação de estímulos
predominante sobre a sensação de suspensão.
157
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
iv. F3 e F6 em suspensão: A só aparecerá em maior evidência somado
ao estímulo visual, uma vez que o estímulo predominante nessa
sensação, em F3 e F6, é V. De outra forma, a soma de A com AV
perde peso.
v. F1, F3, F4 e F6 em conclusão: Em termos percentuais a soma A/AV
supera A/V em todos esses fatores. Nos fatores F1 e F3 A/V também
não supera a influência V/AV. Já em F4 os pontos percentuais para
essas duas últimas somas de estímulos, nessa sensação, são
exatamente iguais. A igualdade percentual aparecerá para A/AV e
V/AV em F6.
•
Comparação por sensação de GT e GE sobre os estímulos V+ AV
(V/AV) em:
i. F1: Do total de respostas atribuídas na sensação de continuidade,
foram dadas 76% das marcações, sendo que 47% a GE e 25% a GT.
Para a sensação de suspensão as respostas foram as mesmas, 31%,
para GE e GT. No que diz respeito às sensações de conclusão, o
estímulo GT foi mais acionado possuindo 38% contra 29% de GE.
Aqui, observamos como o gesto corporal teve efeito nas respostas,
com maior tendência para a sensação de continuidade para GE,
quando o corpo exerce maior deslocamento e movimento no
espaço. Para a sensação de conclusão as respostas tenderam mais para
GT (38% contra 29% de GE).
158
ii. F3: Das respostas atribuídas à sensação de continuidade (67%), GT
obteve 41% das marcações contra 26% de GE. Na sensação de
suspensão (80%) GE prevalece, com uma pequena margem de
diferença, surgindo com 41% em relação a GT que aparece com
37%. A grande prevalência de GE ocorre na sensação de conclusão
(71% das marcações), ao passo que GT detém 7%. Contrariando as
análises sobre os outros Fatores Contextuais em relação a V/AV o GT
foi mais influente na sensação de continuidade, e o GE surge como
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
mais preponderante nas outras sensações com amplo predomínio
em conclusão.
iii. F4: Para V/AV, foram acionadas na sensação de suspensão 61,3%
das marcações enquanto que conclusão recebeu 60% e continuidade
73%. O GE influenciou 43% das marcações em continuidade, contra
30% de GT. Para suspensão GT obteve 39% das respostas contra 23%
de GE. Em conclusão GT recebeu 32% das marcações contra 26% de
GE. Nas relações entre gesto e estímulos em F1 e F4 diremos que, a
princípio, o GE obteve através dos estímulos V e AV maiores índices
de influência sobre a sensação de continuidade, ao passo que na
sensação de suspensão e conclusão o GT “equilibra” esse domínio.
iv. F6: O estímulo V/AV surge com 75% das marcações em
continuidade. O GE predomina figurando com 44% das respostas
contra 31% de GT. Destacamos a exata igualdade de pontos
percentuais para a sensação de conclusão, 40% para cada. Ademais, a
sensação de suspensão também obteve percentagens bastante
próximas sendo 36% para GT contra 33% de GE. O GE volta a ser
mais influente na sensação de continuidade nesse fator, ao passo que
para as outras sensações ocorre, entre os tipos de gesto, um equilíbrio
pouco observado em relação aos outros fatores (F).
6. Impressões finais
A APD evidenciou a influência dos movimentos corporais sobre as
sensações de continuidade, suspensão e conclusão de um indivíduo numa performance específica em percussão. Neste artigo pudemos constatar que o
aspecto visual (na forma de estímulo V ou AV) predominou nas sensações
de continuidade. Já o estímulo A apareceu com menores índices, para AV ou
para V, nessa sensação a partir dos Fatores Contextuais analisados. O aspecto
auditivo pareceu influenciar mais as sensações de suspensão e conclusão,
chegando mesmo a predominar em algumas situações.
159
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Nota
[1] Toda a metodologia utilizada no experimento “Sensação de continuidade de um trecho musical” está disponível no artigo “A influência do gesto em percussão: abordagem
performativa a partir de resultados preliminares de um experimento sensorial” (CHAIB et.
al. 2012).
Referências
Chaib.F.; Catalão, J.; Chaib Filho, H. (2012). A influência do gesto em percussão: abordagem performativa a partir de resultados preliminares de um
experimento sensorial. Anais do VIII SIMCAM (8º Simpósio de Cognição e
Artes Musicais), pp.238-252. CEART/UDESC. Florianópolis.
160
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
A influência do gesto na
performance em percussão:
Análise fatorial de correspondências
sobre dados experimentais
Fernando Martins de Castro Chaib
[email protected]
Universidade de Aveiro
Homero Chaib Filho
[email protected]
Universidade de Aveiro
João Catalão
[email protected]
Universidade de Aveiro
Resumo: Este artigo apresenta os resultados conclusivos das análises dos
dados recolhidos do experimento “Sensação de continuidade de um
trecho musical” (CHAIB et. al. 2012) através da técnica estatística Análise
Fatorial de Correspondências (AFC). O objetivo principal dessa análise foi o
de observar e constatar, através dos índices estatísticos, a influência do
gesto na transmissão de sensações de continuidade, suspensão e conclusão
captadas por um indivíduo sobre a performance em percussão. Os
resultados aqui apresentados permitem ao intérprete percussionista
delinear uma prática performativa onde a gestão dos gestos corporais
tornam-se fundamentais para a construção da sua performance. Através
das observações dos resultados poderemos perceber como a relação
cognitiva, sensorial e perceptiva entre o performer e o espectador não
podem ser ignoradas, correndo-se o risco de comprometer a qualidade do
resultado performativo final. Uma vez alcançado o objetivo principal , será
possível generalizar os resultados em performances realizadas sobre os
mesmos moldes das apresentadas no experimento.
Palavras-chave: Gesto; Influência; Performance; Percussão; AFC.
The Influence of Gesture on the Percussive Performance: Correspondence Factorial Analysis under Experimental Data
161
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Abstract: This paper presents the conclusive results of data analysis
collected from the experiment "Sensation of continuity of a musical
excerpt" (CHAIB et. al. 2012) through the statistical technique
Correspondences Factorial Analysis (CFA). The goal of this analysis was
to observe and verify, through statistical indices, the influence of gesture in
conveying sensations of continuity, suspension and conclusion taken by the
audience about the percussive performance. The results presented here
allow the percussionist follow a performativity practice where the
managing body gestures become fundamental for the construction of its
performance. Through the observations of the results we can see how the
cognitive relationship, sensorial and perceptual between the performer
and the audience cannot be ignored, thus running the risk of
compromising the quality of the performance’s final result. Once achieved
the main goal will be possible to generalize the results in performances
conducted on the same lines presented in the experiment.
Keywords: Gesture; Influence; Performance; Percussion; CFA.
1. Introdução
162
Este artigo apresenta os resultados da Análise Fatorial de
Correspondências (AFC) realizada sobre os dados obtidos no experimento
“Sensação de continuidade de um trecho musical” (CHAIB et. al. 2012) que
procurou evidenciar os níveis de influência do gesto sobre as sensações de
continuidade, suspensão e conclusão de um indivíduo, na performance
destinada à música para percussão [1]. Esse tipo de análise permite observar
o comportamento de uma variável ou grupos de variáveis em covariação
com outras. Seus resultados evidenciam regularidades no comportamento
de duas ou mais variáveis, incluindo a determinação de quando e como dois
ou mais grupos diferem em seu perfil multivariado. Isso nos permite admitir
que as relações estatísticas obtidas no experimento poderão manter-se em
eventos envolvendo a performance para percussão, que não apenas os aqui
reproduzidos.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
2. Sobre a AFC
A AFC, uma das técnicas de análise multidimensional [2], está dirigida
para a análise de tabelas de contingência composta de dados discreto que
representam contagem (nessa categoria não se enquadram dados contínuos como valores correspondentes a medidas de peso, altura, tempo, etc.).
Na AFC, a tabela de contingência é representada como uma matriz nxm
onde n é o número de variáveis e m o número de indivíduos. Seu conteúdo
é o número de ocorrências (p.e. número de vezes que se aperta uma tecla)
de um indivíduo em uma variável (se a sensação é de continuidade, suspensão
ou conclusão).
Aplicada a uma determinada tabela, a AFC gera fatores hierárquicos
(na verdade, eixos fatoriais que definem espaços bidimensionais;
tridimensionais; n-dimensionais) que agregam as variáveis ou indivíduos com
respectivos graus de pertinência. Nessa hierarquia, o primeiro fator retém a
maior quantidade de informações contida na tabela de contingência, é o de
maior peso; o segundo fator retém a segunda maior quantidade de
informação; o terceiro, a terceira maior quantidade, e assim por diante.
Sendo o plano um espaço bidimensional, cada par de fatores gerados forma
um plano. Aquele composto pelos dois primeiros fatores é o que agrega a
maior parte das informações contidas na tabela de dados e denomina-se
primeiro plano fatorial, sobre o qual, em geral, se atém a atenção de análise.
Enquanto resultado, poderemos através dos fatores observar como as
variáveis ou os indivíduos se relacionam; e no plano como variáveis e
indivíduos se relacionam em relação aos próprios fatores.
3. Análise dos dados
Os dados obtidos no experimento foram tratados para se constituir
uma tabela de contingência (Fig.1), onde: 1) as linhas correspondem, através
das execuções técnica (t) ou expressiva (e), aos estímulos fornecidos no
experimento realizado: auditivo (At e Ae), visual (Vt e Ve) ou audiovisual
(AVt e AVe); 2) as colunas correspondem às sensações de continuidade (re-
163
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
presentada pela letra a), suspensão ( pela letra b) e conclusão (letra d) em
cada Fator Contextual (representados pela letra F).
Assim, cada célula da tabela expressa o número de respostas dadas à
uma sensação dentro de um fator contextual devido a um estímulo. A execução da AFC foi feita sobre os dados dessa tabela utilizando-se o software
Statistical Analysis System (SAS) da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA). Para a execução desse software, as colunas da tabela
(Fig.1) foram denominadas Fnl, onde n varia de 1 a 8 e l são as letras que
representam as sensações. Assim, F1a representará a sensação de continuidade para o Fator Contextual F1 ou F4d representará a sensação de conclusão
no Fator Contextual F4.
Fig.1: Tabela de Contingência (matriz) utilizada na AFC.
Executado o SAS para essa tabela de contingência, a AFC engendra os
fatores (ou eixos) que geram um espaço vetorial, no qual os pontos da tabela são projetados (ver Fig.6). Cada fator gerado retém uma quantidade de
informação cuja soma, para todos os fatores é igual a quantidade de informação total contida na tabela inicial.
164
Os eixos fatoriais com maior quantidade de informação, são chamados
“fatores principais”, e são ordenados, decrescentemente, pela ordem de
importância. Os dois primeiros eixos fatoriais (os de maior peso), geram o
primeiro plano fatorial que é o que retém maior quantidade de informação
com respeito aos dados iniciais. Quando o primeiro plano fatorial retém
acima de 70% da informação total, considera-se que existe a informação
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
suficientemente boa para a realização da análise e estabelecimento das relações entre linhas e colunas da tabela de contingência.
A execução do SAS mostra que o primeiro plano fatorial reteve aproximadamente 74% da informação total, sendo que o primeiro eixo reteve
42,73% e o segundo 30,74% (Fig.2):
Fig.2: Primeiro plano fatorial.
Consideramos, assim, que o primeiro plano fatorial reteve informações
suficientes para a caracterização dos eixos fatoriais e o estabelecimento de
relações inter e entre as linhas (os estímulos) e as colunas (as sensações para
cada fator contextual). Para explicitarmos tais relações tipificaremos os dois
primeiros eixos em relação aos estímulos (linhas) e em relação às sensações
(colunas). O uso do termo “importância para a formação de um eixo” se
refere à caracterização com fins para a tipificação que permitirá a generalização dos resultados obtidos no experimento realizado.
4. Tipificação dos eixos fatoriais pelos estímulos (linhas)
Estudamos a contribuição relativa de cada estímulo para a formação
dos dois primeiros eixos fatoriais (peso associado à quantidade de informação retida por cada linha para a geração de um fator) e a maneira como
esses estímulos se correlacionam, indicada pelo sinal (+ ou -) de suas coordenadas no plano (Fig.3):
165
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Fig.3: Contribuição parcial das linhas (estímulos) para a formação do 1º e 2º fatores (eixos); sinais
das coordenadas nos eixos fatoriais.
Vê-se que os estímulos que mais contribuíram para a formação do
primeiro eixo (Eixo 1 em Fig.3) foram Ae, AVt e Vt, nesta ordem de importância. Sendo que, nesse eixo, os dois primeiros estímulos têm coordenada
com sinal positivo e a coordenada do terceiro estímulo sinal negativo. Assim, no que diz respeito ao primeiro fator, existe correlação positiva entre os
estímulos Ae e AVt e que têm correlação negativa com o estímulo Vt.
A correlação positiva entre duas variáveis implica na mesma forma de
variação entre elas: se uma aumenta, a outra também; se uma diminui, a
outra também. Já a correlação negativa implica em variações contrárias: se
uma aumenta a outra diminuirá e vice-versa.
166
Assim, o estímulo Ae provoca reação semelhante à provocada pelo estímulo AVt e que o estímulo Vt provoca reação inversa aos dois anteriores.
Ou seja, a magnitude das respostas dadas ao estímulo AVt é diretamente
proporcional à das respostas dadas devido ao estímulo Ae. Por outro lado,
as respostas dadas ao estímulo Vt têm magnitude inversamente proporcional às dadas aos estímulos Ae e AVt. Isso significa que, quando o indivíduo
ouve e vê, na execução técnica, dá respostas semelhantes às que dá para
audição da execução expressiva (Ae). Porém, quando apenas vê, na execução técnica (Vt), responde de maneira inversa da que quando ouve.
O segundo eixo fatorial (Eixo 2 em Fig.3) caracteriza-se pelos estímulos Ve (que possui coordenada negativa), AVe (com coordenada positiva)
At (com coordenada negativa), nesta ordem de importância para a geração
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
desse eixo. Para esse eixo fatorial, existe correlação positiva entre os estímulos Ve e At e negativa entre esses e o estímulo AVe.. Tal fato nos indica que
Ve e At provocam sensações semelhantes entre si e mutuamente distintas
de AVe.
Tais caracterizações nos permite tipificar o primeiro eixo fatorial como
“do estímulo Ae e AVt”. Os pontos correspondentes às colunas que tiverem
coordenadas positivas no primeiro eixo corresponderão a sensações causadas preponderantemente por esses estímulos. O segundo eixo pode ser
tipificado como “eixo associado ao GE (gesto expressivo)”, sendo que os
pontos correspondentes às sensações com sinal positivo em suas coordenadas do segundo eixo, serão causados preponderantemente pelo estímulo
AVe; as sensações com sinal negativo no segundo eixo, terão sido causadas
preponderantemente pelo estímulo Ve. Ou seja, o GE associa-se às sensações causadas pelos estímulos Ae e Ve, enquanto o estímulo Ve, corresponderá às sensações associadas à parte negativa do segundo eixo.
5. Tipificação dos eixos fatoriais pelas sensações (colunas)
A caracterização das colunas (as sensações expressas devido aos estímulos) permitirá observar quais tipos de sensações relacionam-se predominantemente aos estímulos ao associarmos as colunas aos eixos. Vê-se,
pela Fig.4, que as sensações de maior peso na formação do primeiro eixo
fatorial foram de suspensão (letra b) em F7, F8, F4, F3 e de conclusão (letra d)
em F4, nesta ordem de importância.
A correlação entre F7b, F4b e F4d é positiva (veja-se o sinal de suas
coordenadas), como também com Ae e AVt que mostram-se os principais
estímulos a causar essas sensações. Por outro lado, o sinal negativo das coordenadas das sensações F8b e F3b nesse primeiro eixo, indica que poderão
sofrer leves influências do estímulo Vt.
O segundo eixo fatorial tem como principais responsáveis pela sua
formação as sensações F8d, F2d, F8a, F5b, F6a e F6d, nessa ordem de im-
167
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
portância. Desde que as sensações F8d, F5b e F6d têm coordenadas positivas nesse eixo, estarão provocadas pelo estímulo AVe. Já, as sensações F6a,
F2d e F8a foram provocadas pelo estímulo Ve.
6. Interpretação do gráfico
Tendo sido feitas as tipificações dos dois primeiros eixos fatoriais, segundo estímulos e caracterizadas as sensações que têm maior importância
para o surgimento dos dois primeiros eixos fatoriais, ficamos habilitados
para a interpretação do gráfico do primeiro plano fatorial.
Observamos, porém, que os pontos no gráfico são projeções dos pontos originais definidos pela tabela de contingência. A AFC proporciona uma
medida, chamada qualidade de representação do ponto no plano, que nos
diz quão próximo ao plano está o ponto projetado. Essa medida varia de
zero a um: um ponto com qualidade de representação igual a 1, estará exatamente sobre o plano, mais firme será a relação entre o ponto e os eixos; a
qualidade de representação mais próxima de 0, mais distante do plano estará o ponto. Tal informação é importante para que não haja confusão ao se
estabelecer as relações entre pontos e eixos, na observação do gráfico desse
plano. A tabela Fig.5, traz, em ordem decrescente os valores para a qualidade de representação de linhas e colunas.
168
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Fig.4: Contribuição parcial das colunas (sensações) para a formação do 1º e 2º Eixos Fatoriais; sinais
das coordenadas nos eixos fatoriais.
Vemos que, à exceção de Vt e At, os demais estímulos estão muito bem
representados, o que permite estabelecer relações influência entre esses
estímulos e as sensações, próximas a eles, que também tiverem boa qualidade de representação. Assim, seguindo esse procedimento, poderemos
dizer qual estímulo provoca tal sensação e como esta sensação se correlaciona com as demais.
Como exemplo, tomemos a sensação F1d com qualidade de representação igual a 0,9. Pela observação do gráfico da AFC (Fig.6), notamos que
essa sensação se situa mais próxima do Eixo 2, pela parte positiva. Assim,
considerando a tipificação feita e a posição de F2a no gráfico, podemos dizer
que o estímulo AVe causou a sensação de continuidade em F2.
169
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Ao considerarmos a mesma tipificação e a posição de F6a no gráfico,
próximo ao estímulo Ve, observamos a sua influência para a sensação de
continuidade em F6.
Fig.5: Qualidade de representação para os estímulos e para as sensações no primeiro plano
fatorial.
170
Fig.6: Gráfico da AFC, onde: Dimension 1 = Eixo 1. Dimension 2 = Eixo 3.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Podemos dizer que as influências sofridas pelas sensações nos Fatores
Contesxtuais (F) variaram de estímulo para estímulo, sendo que Ae e AVt
tiveram mais peso nas sensações próximas ao Eixo 1 e Ve e AVe nas
sensações próximas ao Eixo 2. Os estímulos AVe e Ve condisseram com o
sentido de continuidade nos fatores F2 e F6. O Ve também surge como agente influenciador em F3, para a sensação de continuidade. Para F4 por
exemplo, a sensação de suspensão obteve maior influência em AVt. A sensação de continuidade em F4 também teve maior peso através desse mesmo
estímulo.
7. Considerações finais
Independentemente de ser GT ou GE, o estímulo audiovisual (AV) foi
o que surgiu com maior peso nos dois eixos, em relação a A e V, tendo
maior influência para as sensações de continuidade, suspensão e conclusão.
Tratando-se propriamente de música, era de se esperar que o estímulo A se
evidenciasse, porém, é realmente relevante o resultado referente ao
estímulo V. Percebemos que, por esse prisma, o aspecto visual não pode ser
ignorado na performance destinada à música para percussão. Sobre esse
ponto de vista e através dos elementos aqui apresentados, constatamos que
todos os estímulos (A, V e AV) e atitudes do gesto (GE e GT) presentes no
experimento causaram, sob distintos níveis, influência nas sensações de
continuidade, suspensão e conclusão a cerca dos trechos executados.
Nos resultados da AFC a expressividade da execução, representada por
GE, figurou com maior peso de influência representado pelos estímulos A,
V e AV. Já o GT surge como agente influenciador através do estímulo AV
(os estímulos V e A tiveram pouco peso e menores níveis de influência aliados ao GT). Outrossim F1 tem, na sensação de conclusão, maior influência a
partir do estímulo AVe. Desta feita afirmamos que, sendo GT ou GE, a
visualização dos movimentos corporais (estando em convergência ou não
com o estímulo auditivo) exerceram influência sobre as sensações de conti-
171
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
nuidade, suspensão e conclusão dos participantes do experimento sobre uma
performance percussiva.
Notas
[1] A metodologia utilizada no experimento está disponível em “A influência do gesto em
percussão: abordagem performativa a partir de resultados preliminares de um experimento
sensorial”. ANAIS do VIII SIMCAM (8º Simpósio de Cognição e Artes Musicais). CEART/UDESC. Florianópolis. (CHAIB et. al, 2012).
[2] Cujo tratamento teórico foi devido a Benzécri (LEBART et.al. 2000, p.67).
8. Referências
Batista J. M., e J. Sureda. (1987). Análisis de correspondencias y técnicas de
clasificación: Su interés para la investigación en las ciencias sociales y
del comportamiento. Infancia y Aprendizaje n.39/40, 171-186.
Chaib.F., J. Catalão e H. Chaib Filho. (2012). A influência do gesto em percussão: abordagem performativa a partir de resultados preliminares de
um experimento sensorial. Anais do VIII SIMCAM (8º Simpósio de Cognição e Artes Musicais). CEART/UDESC. Florianópolis.
Lebart L., A. Morinea e M. Piron. (2002). Statistique exploratoire multidimensionnelle. 3a ed. Paris: Dunod.
172
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Desenvolvimento musical em
crianças de 12 a 18 meses:
Um estudo exploratório
André José Rodrigues Jr
[email protected]
Universidade Braz Cubas – UBC
Resumo: Este trabalho tem como objetivo apresentar os resultados de
uma pesquisa que estudou o desenvolvimento musical em crianças de 12 a
18 meses. Por meio da pesquisa ação, observamos e analisamos o comportamento musical de dois bebês, Rayana e Lucas, entre 12 e 18 meses, alunos do pesquisador. Os resultados da pesquisa apontaram que as aquisições dos bebês são coerentes com teorias do desenvolvimento cognitivo
de Piaget, bem como com teorias do desenvolvimento musical de Delalande e Swanwick, sendo a mudança de foco do gesto motor para o gesto
sonoro uma das principais características do desenvolvimento musical
desta idade. O estudo mostrou que o desenvolvimento dos bebês também
é coerente com o pensamento de Vygotsky, já que o papel de professormediador foi fundamental nesse processo.
Palavras-chave: Música, educação musical, desenvolvimento musical, desenvolvimento cognitivo.
Musical Development in children between 12 and 18 months: A exploratory study
Abstract: This work aims to presents the results of a researching that have
studied the musical development in children between 12 and 18 months.
Through action research, we observed and analyzed the musical behavior
of two babies, Rayana and Lucas, between 12 and 18 months and who take
music lessons with the researcher. The results showed that the musical acquisitions of the babies are coherent with Piaget’s theory and also with
Delalande and Swanwick’s theories of musical development. The changing focus of the motor gesture to the sound gesture is one of the main features of musical development of this period. The study showed that babies' development is also consistent with Vygotsky's thinking, since the
teacher-mediator‘s role was relevant in this process.
Keywords: Music, music education, musical development, cognitive development.
173
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Introdução
A educação musical para bebês exerce em mim um grande fascínio. Há
quase oito anos trabalho como professor de música de crianças de zero a
três anos de idade. Em 2011, durante o curso de especialização em Educação Musical, desenvolvi uma pesquisa exploratória de caráter qualitativo
onde pudemos acompanhar e observar dois alunos nesta faixa etária: Rayana (15-18 meses) e Lucas (12-15 meses), por meio de uma pesquisa-ação,
com a participação ativa do pesquisador junto aos bebês. Durante as oito
semanas, o pesquisador “provocou” os bebês com atividades musicais. Essas
aulas foram filmadas e posteriormente, analisadas pelo pesquisador e sua
orientadora. Os dados foram então confrontados com o referencial teórico
estudado. O presente artigo tem como objetivo apresentar o resultado dessa pesquisa.
Como base para o estudo do desenvolvimento cognitivo da criança, utilizamos as ideias de Jean Piaget (1982) e Vygotsky (1984, 1989). Para
estudar o desenvolvimento musical da criança, optamos pelo “Modelo
Espiral de Desenvolvimento Musical” de Swanwick e Tillman (1986) e
pelas “Condutas da Produção Musical” de Delalande (1995), uma vez que
ambas têm como base a teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget e
também consideram alguns aspectos das ideias de Vygotsky acerca do desenvolvimento da criança.
174
Os estudos a respeito da interação entre visão, audição e outros sensores na percepção dos bebês, foram amparados pelos conceitos de Parentalidade Intuitiva (PAPOUSEK M, 1996) e de Musicalidade Comunicativa
(MALLOCH, 1999). Estes dois conceitos são considerados por Parizzi e
Carneiro (2011) como fundantes na educação musical no primeiro ano de
vida da criança e serviram como norteadores para o desenvolvimento de
nosso trabalho. Também abordamos os movimentos corporais e as manifestações vocais presentes nos dois primeiros anos de vida como formas de
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
o bebê se expressar e se relacionar com a música, partindo das pesquisas
feitas principalmente por Beyer (2004) e Parizzi (2009).
Durante as aulas percebemos um grande interesse por parte dos bebês
estudados. Eles permaneciam atentos durante quase toda a aula, o que não é
comum nessa idade, a menos que seja uma atividade de real interesse deles.
Dentro dessas aulas conseguimos perceber algumas relações entre os movimentos corporais e as manifestações vocais com o desenvolvimento cognitivo musical dos alunos.
Movimentos Corporais
Beyer (2004, p.334) classificou três tipos de movimentos em bebês entre 18 e 24 meses: vigilante inativo voluntário, o bebê pára corporalmente
para a escuta; movimento coordenado voluntário, os movimentos são ordenados em função das atividades propostas; movimento impulsivo, as ações são
desordenadas em relação à organização espaço-temporal própria das atividades propostas. Apesar de esta classificação ter sido feita em um estudo
com bebês entre 18 e 24 meses, percebemos a existência desses padrões de
comportamento também nos bebês envolvidos nesta pesquisa.
Durante as aulas, os bebês apresentaram essas três classes de movimento, sendo que a primeira, o vigilante inativo voluntário, foi frequente nos
momentos com alguma novidade como um instrumento, uma música ou
um som novo. Nestes casos, quando o aluno ficava sem movimentos corporais, podíamos perceber a atenção deles totalmente voltada para a fonte da
novidade: o professor, o instrumento ou os outros alunos.
É interessante notarmos que em vários momentos que estávamos utilizando os instrumentos musicais, a Rayana permanecia em estado de vigilante inativo voluntário explorando o instrumento musical, muitas vezes tocava
e parava para olhar o instrumento como se procurasse de onde vem o som,
fase que, para Piaget, é marcada pela busca da criança pela novidade. Ela
busca entender o som ao invés de se contentar com os movimentos corporais e reflete assim a mudança de interesse do gesto motor para o sonoro, o
175
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
que para Delalande e Swanwick representa uma das principais mudanças
no desenvolvimento musical da criança dessa idade. Isso não acontecia com
o Lucas que é três meses mais novo. Ele permanecia tocando e, quando
parava, focava sua atenção nos outros alunos ou nos professores ao invés de
observar o instrumento musical. Fazendo uma relação com as ideias de
Delalande, onde a criança passa de um interesse pelo gesto motor para um
interesse pela sonoridade, entendemos que os dois mostram-se em níveis
diferentes dentro do estágio de exploração. Enquanto o Lucas está com a
atenção voltada para o gesto motor a Rayana está mais voltada para o sonoro procurando a origem desse som no instrumento.
Percebemos a presença de movimentos impulsivos principalmente
quando a criança se identificava com a música, ou para chamar a atenção do
adulto e demonstrar a vontade de que continue. Ao reconhecerem uma
música, os bebês manifestam esse reconhecimento nos movimentos corporais. Estes movimentos não estão diretamente ligados à música ou atividade
em si, mas à identificação do aluno, ou seja, duas músicas podem ter ritmos
e andamentos totalmente diferentes e despertarem o mesmo movimento
nos alunos, pois se trata de um movimento mais ligado ao lado afetivo por
reconhecer a música do que pela música propriamente dita.
176
A terceira classe de movimentos, os movimentos coordenados voluntários
se mostraram presentes principalmente quando trabalhamos contrastes de
andamento ou em imitações sonoras e onomatopeias. Nos contrastes de
andamento, os bebês acompanhavam a mudança de andamento com o
corpo e com instrumentos musicais. Em músicas onde há onomatopeias e
imitações de movimentos corporais, essa classe também é constante. No
entanto, quando os gestos são novos ou difíceis de serem imitados, os bebês
permanecem em estado de vigilância inativa. Podemos perceber essa passagem por meio da música “Clac Clac Clac” (Ziskind, 2006) onde usamos
várias onomatopeias. Na primeira aula, a Rayana quase não imitou os gestos, pois eram todos novos para ela; na segunda aula, conseguiu imitar um
número maior de gestos; na sexta aula, ela imitou todos os gestos. Assim,
percebemos uma passagem da predominância de vigilância inativa voluntá-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
ria (primeira aula) para predominância de movimentos coordenados voluntários (sétima aula). Com o Lucas, também percebemos esse percurso.
Porém, como alguns gestos pareceram ser mais difíceis para ele imitar, predominou a classe de vigilância inativa voluntária.
É interessante notar que algumas imitações eram antecipadas principalmente pela Rayana, o que mostra que ela apenas por ouvir a música lembrava do movimento e não necessitava de um modelo para imitá-lo: uma
manifestação autêntica da imitação diferida (Piaget, 1982).
Portanto, os movimentos foram uma indicação de como a criança estava se relacionando com a música e com os sons. Nas músicas novas, os
bebês ficaram durante um tempo maior em estado de vigilância inativa
voluntária, o que acontecia também nos gestos mais complicados e difíceis
de imitar. Os movimentos estavam mais presentes nas músicas que as crianças reconheciam e gostavam, sendo que estes movimentos, algumas vezes, estavam relacionados a duas questões: à questão afetiva, pelo fato de os
alunos reconhecerem ou gostarem da música; às questões relacionadas à
música propriamente dita. Frente à utilização dos instrumentos musicais,
mesmo não sendo novidade para os alunos, eles se mostraram algumas
vezes em estado de vigilância inativa voluntária, principalmente a Rayana,
que é mais velha. Acreditamos ser um referencial de que nesse momento ela
está mais interessada nos sons e em de onde eles vêm, do que no gesto motor.
Manifestações Vocais
Parizzi (2009, p.117) afirma que ao completar um ano de idade, as vocalizações dos bebês trilham dois caminhos distintos, visando ora o canto,
ora a fala.
As vocalizações voltadas para a fala analisadas nas gravações das aulas
muitas vezes seguiram um padrão próximo ao “balbucio canônico” que se
caracterizam pela repetição de sílabas. Algumas vezes, apesar de o bebê não
falar a palavra em si, as cuidadoras intuitivamente atribuem um significado a
177
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
essas vocalizações, exercendo, assim, a parentalidade intuitiva (Ibidem),
Além disso, algumas vocalizações são parecidas com grito, podendo ser
uma manifestação de que a criança está gostando ou quer que algo continue, o que, segundo Piaget (1982) indica que a criança quer “prolongar um
espetáculo interessante”.
As músicas que mais tiveram manifestações vocais, tanto para o Lucas
quanto para a Rayana, foram as que tinham onomatopeias ou imitavam
sons do ambiente. Porém, as manifestações vocais assim como os movimentos corporais eram mais frequentes com músicas e sons que os alunos
eram capazes de reconhecer. No caso da música “Clac clac clac” (Ziskind,
2006), na primeira aula a Rayana fez apenas movimentos, na segunda aula
ela fez a primeira vocalização em um trecho, enquanto na sexta aula ela
vocalizou em quase todas as partes.
Algumas vocalizações também imitavam sílabas em destaque na música, o que segundo Parizzi (2009, p.118) pode ser notado a partir do segundo ano de vida do bebê. As vocalizações feitas pelas crianças tentando imitar
e acompanhar uma música que conheciam apareceram no final de alguma
frase musical e eram manifestações de curta duração onde prevalecia a sonoridade das vogais. Essas manifestações, porém, apareceram apenas na
Rayana. No Lucas, percebemos uma tentativa de imitar a sílaba na música
“A barata”, mas ele imitava apenas o gesto da boca, visto nos outros alunos e
nos professores, sem, entretanto, conseguir imitar o som.
178
Assim, percebemos que as manifestações vocais ocorrem com maior
frequência em onomatopeias e sílabas que tenham mais impacto sonoro,
como finais de frases. Além disso, ocorreram geralmente em músicas já
conhecidas pelas crianças e, com menor frequência, em músicas que são
novas para elas. Outro item que devemos levar em questão é a idade, já que
a Rayana, que é três meses mais velha que o Lucas, apresentou um número
bem maior de vocalizações, enquanto acompanhava as músicas.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Conclusões
Através da participação ativa do pesquisador, da contribuição das ADI´s (Auxiliar de Desenvolvimento Infantil) nas aulas, e da participação
dos outros bebês da turma, pudemos observar como ocorreu o processo de
mediação, que, para Vygotsky, é um dos fatores principais do desenvolvimento. Os bebês se mostravam mais interessados e participativos quando
nós os provocávamos com mudanças repentinas de andamentos, sons novos e movimentos corporais. É importante lembrar que essa mediação foi
realizada por movimentos corporais e manifestações vocais expressivas e
musicais, realizadas pelo professor. Assim, os recursos musicais característicos da musicalidade comunicativa criaram um ambiente no qual a audição, a
visão e outros sensores dos bebês puderam interagir, o que gerou um ambiente mais favorável ao desenvolvimento dos bebês.
Foi nítida a manifestação dos alunos quanto a capacidade para imitar,
tanto em imitações literais como em diversas tentativas de imitação, coerentes à teoria do desenvolvimento de Piaget. Os bebês conseguiram imitar
muitos movimentos que estavam fora do seu campo de visão como movimentos dos olhos e bocas, mas tinham mais facilidade nos movimentos
com os braços e as mãos. Também percebemos uma manifestação da imitação diferida, quando Rayana imitava alguns movimentos antecipando o
trecho da música que estávamos cantando.
Durante as atividades com instrumentos musicais, os dois alunos estudados não apenas tocavam, mas exploravam e observavam o instrumento
como se procurassem algo. Isso reflete outra característica principal nas
crianças de 12 a 18 meses, segundo a teoria de Piaget, que é a busca pela
novidade. Observamos essa característica também no interesse dos alunos
por sons e movimentos novos.
A mudança de foco do gesto motor para o gesto sonoro presente nas
ideias de Swanwick e Delalande como uma das principais mudanças no
desenvolvimento musical do primeiro estágio (exploração/materiais sonoros) também é percebido nas atividades com instrumentos musicais, quan-
179
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
do os alunos passam a se interessar mais pelo som do que pelo movimento.
Isso também aconteceu com a Rayana em algumas imitações vocais onde
ela repetiu uma vez com o gesto motor, depois interrompeu o gesto motor e
começou a adequar o som para que ficasse “mais parecido” com o som
realizado pelo professor.
Pudemos perceber as três categorias de movimentos corporais apresentadas por Beyer (2004), a saber: vigilante inativo voluntário, movimento
coordenado voluntário e movimento impulsivo. No geral, os movimentos coordenados voluntários estavam mais presentes nas músicas conhecidas pelos
bebês e com gestos motores e vocalizações fáceis de imitar. Frente a uma
música desconhecida, a um som ou movimento novo, os alunos permaneciam em estado de vigilante inativo voluntário, o que também acontecia
quando paravam para observar os outros alunos ou os instrumentos que
estavam tocando. Os movimentos impulsivos eram mais frequentes quando o aluno demonstrava interesse pela música ou atividade. Esses movimentos apresentavam uma organização rítmico-motora que segundo Parizzi (2009) está ligada à sensação de duração e são responsáveis pela consolidação da experiência do tempo na criança.
Os movimentos observados nos bebês foram parecidos, porém a Rayana tinha mais facilidade do que o Lucas em imitar sons fora de seu campo
visual, o que atribuímos à diferença de idade, já que ela é três meses mais
velha do que o Lucas.
180
As manifestações vocais, ao contrário dos movimentos corporais, foram bem diferentes nos dois alunos. As vocalizações da Rayana eram mais
voltadas para o canto, já as do Lucas foram, em grande maioria, voltadas
para a fala; porém observamos nele movimentos da boca análogos aos movimentos que fazíamos ao cantar. Acreditamos que, assim como com os
movimentos corporais, a diferença de idade foi o fator que diferenciou os
alunos neste aspecto, o que levou o Lucas a imitar mais os gestos motores,
enquanto a Rayana já estava imitando os gestos sonoros.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Assim, percebemos que os dois bebês estudados manifestavam grande
interesse pelas músicas, pelos sons e por movimentos novos. Porém, ao se
depararem com novidades (músicas, sons e movimentos desconhecidos),
eles permaneciam imóveis e atentos ao invés de se movimentarem ou vocalizarem. Conforme a música, o som ou movimento iam se tornando mais
familiares aos alunos, a frequência de imitações aumentava, sendo que as
imitações de movimentos corporais apareciam antes das imitações de manifestações vocais.
O contato com instrumentos musicais diversos e com diferentes tipos
de vocalizações e movimentos corporais propiciaram aos bebês um ambiente mais rico incentivando-os à observação e exploração sonora. Essa exploração gerou uma aquisição importante para o seu desenvolvimento
musical: a mudança do gesto motor para o gesto sonoro.
Epilogo...
Torna-se relevante acrescentar algumas questões finais.
É fundamental que o educador conheça o desenvolvimento cognitivo
e o desenvolvimento musical da criança. Sem esse conhecimento, torna-se
difícil perceber as conquistas de cada criança, conquistas essas que, se mediadas pelo professor, podem alcançar níveis ainda mais altos.
Entendendo em que estágio a criança se encontra e quais as características dessa fase, o educador consegue ter mais clareza das necessidades e
interesses do aluno, planejando assim propostas musicais que não ultrapassam as possibilidades das crianças, mas que também não subestimam a sua
capacidade. As manifestações musicais dependem também das aquisições
motoras e vocais, sendo que não é possível, principalmente nos primeiros
anos de vida, separar as aquisições musicais das demais aquisições do bebê.
É necessário, portanto, que o trabalho do educador musical considere não
apenas o desenvolvimento musical, mas também o cognitivo, integrando
essas duas vertentes do desenvolvimento.
181
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Referências
182
Beyer, Esther. (2004). Som e movimento: a influência da música nas ações
motoras dos bebês. Anais do XIII Encontro Anual da ABEM. Rio de Janeiro: ABEM.
Carneiro, Aline; Parizzi, Betânia (2011). Parentalidade Intuitiva e Musicalidade Comunicativa: conceitos fundantes da educação musical no primeiro ano de vida. Revista da ABEM, n. 25.
Delalande, François (1995). La música es um juego de niños. Buenos Aires:
Ed. Ricordi.
Malloch, Stephen N. (1999-2000). Mothers and infants and communicative musicality. Musicae Scientiae, Special Issue.
Papousek, H. (1996). Intuitive parenting: a hidden source of musical stimulation in infancy. In: I. Deliege e J. Sloboda, Musical Beginnings: origins
and development of musical competence. Oxford: Oxford University Press.
Parizzi, Maria Betânia. (2009). O desenvolvimento da percepção do tempo em
crianças de dois a seis anos: um estudo a partir do canto espontâneo. (Dissertação de doutorado). Faculdade de Medicina, Universidade Federal de
Minas Gerais. Belo Horizonte.
Piaget, Jean. (1982). O nascimento da inteligência na criança. Rio de Janeiro:
Ed. Zahar.
Swanwick, Keith. (1995). Música, pensamiento y educación. Madrid: Ed.
Morata.
Swanwick, Keith; Tillman June. (1986). The sequence of musical development: a study of children´s composition. British Journal of Music Education, v. 3, N. 3, Cambridge: Cambridge University Press.
Vygotsky, Lev S. (1984). A formação social da mente. São Paulo: Martins
Fontes.
______. (1989). Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes.
Ziskind, Hélio. (2006). Trem Maluco. São Paulo: MCD. 1 CD.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
O Projeto “Música & Cognição”
Aparecida Camargo
[email protected]
Universidade Federal do Paraná - UFPR
Rosane Cardoso Araújo
[email protected]
Universidade Federal do Paraná - UFPR
Tiago Madalozzo
[email protected]
Universidade Federal do Paraná - UFPR
Resumo: O presente estudo de caso descreve uma pesquisa em andamento no Programa “Semeando Inclusão Social” através do projeto “Música &
Cognição”, cujo objetivo é possibilitar a melhora na qualidade de vida de
crianças com paralisia cerebral, através de aulas de piano e musicalização.
O projeto “Música & Cognição” vem sendo desenvolvido por profissionais e voluntários vinculados à Universidade Federal do Paraná. Teve origem na percepção de que a baixa estima apresentada pelas crianças dificultava o aprendizado em diferentes aspectos da vida. Sendo a música a atividade escolhida em virtude de haver apresentado excelentes resultados em
experiência anterior sendo bem aceita pelas crianças. O presente estudo
de caso, conduzido por meio de observações, entrevista e análise documental, pretende destacar os resultados obtidos até o momento no Projeto “Musica & Cognição”, de forma a perceber as contribuições da proposta em análise como uma importante atividade na melhora da qualidade de
vida e cognição para as crianças do projeto em questão.
Palavras chaves: música e cognição, paralisia cerebral, crianças
183
1.Introdução
O presente trabalho é um estudo de caso sobre o projeto “Música &
Cognição”, o qual está vinculado ao programa “Semeando Inclusão Social”,
desenvolvido na Universidade Federal do Paraná. O projeto visa ensinar
crianças com paralisia cerebral hemiplégica ou diplégica, que fazem parte da
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
pesquisa com Toxina Botulínica A (TBA), a tocar piano. O propósito é
verificar se através do aprendizado da música – no caso, o piano – há diminuição da espasticidade, melhora na qualidade de vida e nas capacidades
cognitivas dessas crianças.
O programa “Semeando Inclusão Social” é uma iniciativa da Professora Dr.ª Lúcia Helena Coutinho dos Santos, a qual é responsável pelo ambulatório de espasticidade em Pediatria do Centro de Neurologia Pediátrica
do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná (CENEP/HCUFPR). O programa também está vinculado à Pró-Reitoria de Extensão e
Cultura da UFPR.
Para a apresentação do programa à comunidade foi desenvolvido um
catálogo em formato de cartilha. O catálogo/cartilha, nasceu da percepção
da necessidade das crianças em relação à autoimagem e a baixa estima “característica da população com paralisia cerebral, e de todos os indivíduos
que se veem diferentes na sociedade”. O mesmo tem em sua abertura um
texto escrito pela própria Dr. Lúcia Helena Coutinho dos Santos, a qual
sugeriu sua utilização para propiciar os necessários esclarecimentos sobre o
programa “Semeando inclusão social” e o projeto Música & Cognição.
184
O CENEP, referência na assistência à criança e adolescente com Paralisia Cerebral, segundo Santos (2009), possui um grupo de profissionais
composto por: neuropediatria, ortopedia infantil, fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, nutrição, psicologia, neuropsicologia, psicopedagogia, musicoterapia, odontologia, enfermagem, serviço social, administração, secretaria e voluntários, envolvidos na assistência, ensino e pesquisa.
Para Edgar Morin (2000), a transdisciplinaridade é a necessidade da união
de saberes no sentido de respeito à alteridade dos saberes e dos que utilizam
desses saberes, os seres humanos, como seres únicos e com direitos seja
qual for sua verdade, religião, sexo, cultura, raça etc (Nicolescu,1999).
O Projeto “Música e Cognição” está fundamentado em pesquisas realizadas recentemente pela neurociência e neuropsicologia, como (Deutsch
(2008); Levitin, (2010)) as quais apresentam os resultados que a música,
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
no caso em questão vivenciado através da musicalização e o aprendizado de
um instrumento musical, podem facilitar a aquisição de capacidades cognitivas em crianças e adolescentes típicas que sofreram injuria cerebral e ou
com sequelas de paralisia cerebral com vistas à melhora das capacidades
cognitivas e consequentemente na qualidade de vida.
Neste sentido, a questão norteadora para esta pesquisa foi baseada na
seguinte pergunta: como vem sendo desenvolvido este trabalho de musicalização através do piano com crianças portadoras de Paralisia Cerebral? O
objetivo geral é investigar por meio de um estudo de caso, a atividade de
musicalização realizada no âmbito de um projeto social – “Música e Cognição” – como um meio para auxiliar no tratamento de crianças com Paralisia
Cerebral do ponto de vista cognitivo e motor. Como objetivos específicos:
a) levantar dados sobre o programa “Semeando Inclusão Social” e sobre o
projeto “Música e Cognição”; b) verificar os principais resultados obtidos
até o momento com o projeto “Música e Cognição”.
A justificativa para esta pesquisa é trazer em relevo dados sobre este
trabalho pioneiro que vem sendo realizado pela equipe de professores/pesquisadores do CENEP, como forma de contribuição aos estudos
que trazem como foco a música e cognição em tratamentos de crianças
com Paralisia Cerebral.
2.Um pouco sobre a Paralisia Cerebral
Santos (2009) esclarece que a Paralisia Cerebral é um termo utilizado
para descrever indivíduos com dificuldades de movimento e postura, com
limitação nas atividades da vida diária (AVDS) decorrentes de alterações,
ou injurias não progressivas no cérebro fetal (antes do nascimento) ou
lactente (pós-parto). As consequências mais comuns e recorrentes são as
desordens motoras acompanhadas ou não de epilepsia, distúrbios sensoriais de percepção, cognição, comunicação e comportamento.
185
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
A espasticidade é a causa mais frequente de incapacidade em crianças
com Paralisia Cerebral. A tendência no decorrer do desenvolvimento é que
se torne mais incapacitante, pois, os membros afetados fazem um processo
de enrijecimento e fechamento em si mesmo devido ao encurtamento do
feixe muscular, podendo causar lesão óssea. Assim, quanto antes houver
intervenção, menores serão as perdas. A Toxina Botulinica A é utilizada
para reverter esse quadro e até minimizar a sua ocorrência. A substância
proporciona um relaxamento no músculo espástico que pode ser duradoura, permitindo à criança tenha as experiências motoras que lhe propiciarão
desenvolvimento.
O projeto Música & Cognição aliado a outros projetos visa atuar junto
à equipe médica no desejo de que a criança que recebe a Toxina Botulinica
A, condições de vivenciar experiencias motoras estimulantes que propiciem o aprender ou reaprender movimentos considerados o mais próximo
possível do padrão de “normalidade” para o(s) membro(s) afetado(o).
3.A toxina Botulínica do tipo A
A toxina botulínica do tipo A tem por característica liberar a musculatura do padrão de espasticidade possibilitando que a criança possa ter a
liberação da musculatura do membro afetado por um tempo do padrão
espástico, e com auxilio do membro sadio ou suporte tecnológico – seja o
computador, próteses ou órteses, por exemplo, as talas – que lhe possibilitem o tocar piano ou teclado.
186
Tocar piano no teclado, no caso do projeto “Música & Cognição”, foi
escolhido por ser uma atividade que utiliza as duas mãos e pede apoio com
a postura e os pés. Além disso, o teclado é de fácil acondicionamento e
transporte, contendo recursos que estimulam a curiosidade na sua utilização, enriquecendo a prática musical.
A música e a prática pianística, por ser uma atividade prazerosa e que
propõe se desenvolvam formas de utilização do corpo como um todo e do
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
intelecto, pode ser uma forma de liberar os músculos da tensão, criando
novas memórias, percepção de si mesmo e possibilitando novas experiências.
Neste ponto se encontra a importância do projeto Música & Cognição. A Toxina liberando o músculo espástico e auxiliada pelo trabalho da
música ao piano, pode criar memórias novas de movimento. Vale ressaltar,
a criança com Paralisia Cerebral tende a esquecer do membro paralisado.
Ao tocar piano ela precisará estar atenta e concentrada, e criando a necessidade de utilizar o membro paralisado ativará pela prática da música, as áreas
cerebrais como um todo de maneira prazerosa, construindo uma nova
consciência corporal. A criação de novas memórias de movimento através
da utilização do membro esquecido devido à lesão cerebral, segundo Zonta
(2009), podem se tornar memórias permanentes.
4.A paralisia cerebral e a atividade musical
Segundo Springer e Deutsch (2008) após pesquisas com músicos de
cérebros perfeitos e músicos que sofreram lesão cerebral, a ideia de que haja
um hemisfério cerebral para a música e outro para a fala não é está sendo
discutida. O que ocorre é que existem áreas cerebrais cujos aspectos são
para:
“o processamento musical que requerem julgamento sobre a duração, a ordem temporal, a frequência e o ritmo, envolvem diferencialmente o hemisfério esquerdo, enquanto o direito está diferencialmente envolvido quando são exigidos os julgamentos, sobre memória tonal, timbre, reconhecimento de melodia e intensidade”
(Deutsch, 2008, p.221).
Dado de suma importância para essa pesquisa, pois confirma ser a música
uma excelente ferramenta na melhora cognitiva por trabalhar o cérebro de
forma integral.
Justine Sergent (apud Deutsch, 2008), pesquisadora do Montreal
Neurological Institute, na província de Quebec no Canadá, realizou um
187
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
estudo observando três componentes durante a atividade cognitiva musical: tocar instrumento, ouvir escalas tocadas pelo próprio instrumentista ou
outra pessoa, e ler partitura. “A ativação associada a ouvir escalas musicais
foi no córtex auditivo dos dois hemisférios, e na região temporal superior do
hemisfério esquerdo, independentemente de as escalas terem sido tocadas
para o sujeito ou por ele” (Sergent, apud Deutsch, 2008, p.222). O ouvir
música, ativou as mesmas áreas, mas também ativou a região temporal superior direita, mostrando uma ativação bilateral do lobo temporal. Já a leitura de partitura musical “ativou o córtex visual dos lobos occipitais”, mas não
envolveu as áreas normalmente ativadas pelo processamento visual de palavras. Segundo a autora, ao invés disso, uma área na junção dos lobos occipital e parietal esquerdos, envolvida no processamento espacial, foi ativada,
sugerindo que em contraste com a leitura de palavras, as informações relevantes na notação musical são derivadas da análise da localização espacial
das notas na partitura, que é diretamente associada aos intervalos entre as
alturas do som.
Já ao se tocar teclado e ler partitura, duas regiões adicionais foram ativadas, uma delas segundo a autora é o lobo parietal superior dos dois hemisférios.
“Acredita-se que essa atividade represente transformações da notação musical no posicionamento visualmente guiado dos dedos envolvido na execução de uma peça musical. A outra área de ativação
envolveu a região do lobo frontal esquerdo (...) acima da área de
Broca” (Sergent apud Deutsch, 2008 p. 222).
188
Uma vez que a área de Broca cumpre um papel essencial na organização da sequência motora subjacente à produção da fala, Sergent sugeriu que
uma função semelhante seja cumprida pela área adjacente durante o desempenho no teclado. Esse estudo indicou que a leitura de partitura e seu
desempenho em um instrumento musical resultam na ativação de áreas
corticais distintas, porém, adjacentes àquelas subjacentes às operações verbais semelhantes.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Levitin (2010) estudioso da ciência da música sob a perspectiva da
Neurociência cognitiva – campo do conhecimento que faz conexão entre a
Psicologia e a Neurologia – é referência de fundamental importância. Sua
pesquisa mostra o efeito causado no cérebro humano pela prática de tocar
um instrumento musical lendo partitura, na pespectiva da plasticidade cerebral, e em especial no cérebro que sofreu lesões.
Um fato relevante para essa pesquisa, apresentado por Levitin, (2010)
refere-se à posssibilidade de o treinamento fazer com que parte do processamento musical se transfira do hemisfério direito (imagístico) para o esquerdo (lógico). Segundo o autor é um processo do desenvolvimento que
parece indicar uma maior especialização hemisférica.
5.1. Metodologia
A presente pesquisa é um estudo de caso sobre o trabalho realizado no
CENEP-HC UFPR, através do programa “Semeando Inclusão Social” e
mais especificamente sobre o projeto “Música & Cognição”. Para coletar os
dados foram utilizadas diferentes fontes, tais como, documentos sobre o
projeto, observações em campo e depoimentos de envolvidos com o
projeto.
5.1 O projeto “Música & cognição”
Sessenta crianças em atendimento no CENEP-HC UFPR foram
avaliadas e apresentavam irregularidades no desenvolvimento cognitivo,
então percebeu-se a necessidade de fazer alguma coisa para melhorar esse
quadro. Diante da situação, a médica idealizadora, juntamente a equipe de
profissionais da instituição referida, propôs o programa “Semeando
Inclusão social” do qual o Projeto “Música & Cognição” faz parte.
O projeto teve como proposta idealizadora o atendimento às crianças
com aulas práticas de piano, teoria musical no teclado eletrônico e aulas de
musicalização. Paralelamente, foi previsto também que as crianças teriam
189
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
participação como ouvintes e posteriormente como músicos ativos em
audições mensais. Ao final de cada ano os alunos seriam reavaliados pela
equipe da área da Psicologia e afins para a verificação do desenvolvimento
cognitivo tanto na música como em outras áreas do conhecimento. Através
de questionários seriam avaliadas, com o objetivo de verificar se houvera
melhora na qualidade de vida da criança e da família. Para viabilização do
projeto foram recebidos de doação da comunidade curitibana 23 teclados e
um piano, além de outros instrumentos de corda e sopro.
A primeira etapa do projeto foi prevista para ocorrer durante dois anos.
O projeto-piloto iniciou em maio de 2010, então com quatro alunos. Após
essa fase foram feitas adequações. A princípio a intenção era de que as aulas
acontecessem em grupo, no entanto, observando-se o baixo
aproveitamento das crianças, as aulas de teoria e prática no instrumento
foram alteradas para a modalidade individual, e iniciaram-se as aulas de
musicalização, em grupo. O início da segunda etapa ocorreu em setembro
de 2011. As crianças passaram a ter uma aula individual ao piano/teclado e
em seguida em grupo aula de musicalização.
190
As crianças selecionadas para o projeto tinham idade entre nove e dez
anos, e além das dificuldades motoras apresentavam também um quadro de
hiperatividade e déficit de atenção. Inicialmente as professoras eram
Henriqueta Garcez Duarte, como voluntária, e Ângela Nogarolli, professora
e musicoterapeuta do HC. Em seguida, com as adaptações e a necessidade
de mais professores outros integrantes se somaram ao quadro de
professores (que se mantém até 2013): Henriqueta Garcez Duarte, Leonor
Mello, Zélia Pizzato e Andrezza Guerra, todas voluntárias. Também
participam do projeto Ângela Caetano e Aparecida Camargo, como bolsista
extensão do curso de Música Bacharelado - UFPR, além de mais duas
alunas, também bolsistas pelo mesmo programa de bolsas, graduandas de
Terapia Ocupacional, Carolline Bazzani Dranka e Giovana Aline dos
Santos. A coordenadora do projeto “Música & Cognição”, continua sendo
Ângela Nogarolli, Musicoterapeuta e professora de música do HC-UFPR.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
5.2 Alguns resultados relatados no estudo de caso
Os dados sobre os primeiros resultados do projeto “Música & Cognição” foram coletados especialmente por meio de depoimentos. Em relato
sobre os benefícios da atividade musical para o filho, uma mãe disse que ele
fazia uso de medicamento de uso continuo e que, no fim de 2012, o médico
havia retirado a medicação, ele não precisa mais, dificil afirmar que seja
apenas por causa da música que esse fato se deu, eles são atendidos por uma
equipe multidisciplinar no CENEPE, no entanto o fato de melhor sociabilização na escola e a diminnuição da ansiedade e melhora da capacidade de
concentração, que também ocorreu, e foi relatado pela mãe, e percebido nas
aulas, sim pode ser em virtude das aulas de música.
Também sobre o desenvolvimento das demais crianças, inicialmente,
em conversa com os professores, eles relataram terem percebido que os
participantes estavam desenvolvendo as habilidades musicais muito lentamente. Após investigação foi percebida a falta de horas de estudo em casa.
Assim, em conversa franca e direta apresentou-se às crianças e aos pais a
importância da participação deles no projeto, e ainda, caso o mesmo seja
bem sucedido, outras crianças serão beneficiadas com a mesma oportunidade que eles estão tendo. Com isso se percebeu uma sensível melhora no
desenvolvimento em especial no instrumento. Na sequência, em relato dos
pais eles afirmaram que os filhos passaram a estudar pelo menos uma hora
por dia em casa.
Uma das professoras relatou que um aluno que é hemiplégico à direita,
demonstrou ser muito musical e ter facilidade no aprendizado do instrumento. Ela afirmou que após quatro meses ele começou a demonstrar interesse em utilizar os dedos da mão direita a qual tem paralisia, iniciando pelo
indicador, o qual ele utilizava sempre com a ajuda da mão esquerda. Ele foi
orientado pela professora para que na medida do possível utilizasse o dedo
sem o apoio, mas pela vontade, utilizando o cérebro para decidir, pois assim
o dedo aprenderia o movimento e iria praticá-lo intencionalmente. A professora relatou ter percebido que a cada semana ele adquiria mais força no
dedo e, ao final de 2012, percebeu-se que ele não mais precisava de apoio
191
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
para utilizar o dedo e já fazia uso do indicador da mão direita sem muito
esforço.
6.Conclusão
Os resultados relatados neste estudo de caso, sobre o projeto Música
& Cognição, trazem, portanto, dados relevantes para a comunidade científica tanto da área da Medicina quanto da área da Música e Cognição. Espera-se, por meio desta pesquisa, destacar a relevância sobre as pesquisas interdisciplinares que trazem contribuições significativas sobre aspectos cognitivos envolvidos na aprendizagem musical. O projeto “Música e Cognição”, embora ainda em andamento, é um projeto no qual já é possível vislumbrar dados enriquecedores sobre tais aspectos.
7.Referências
Andrade, Margaret Amaral de; Anete Susana Weichselbaum, Rosane Cardoso de Araújo. (2008). Critérios de Avaliação em Música: Um Estudo com licenciandos. R.cient./FAP, Curitiba, v.3, (p.53-67).
http://www.fap.pr.gov.br/arquivos/File/RevistaCientifica3/09_Rosa
ne_Anete_Margaret.pdf 21/12/2012 às 23:00
Araújo, Rosane. Motivação e ensino de música. In B. Ilari & R. C. Araújo
(org.), (2010), Mentes em música (pp.117-136) UFPr; Curitiba.
192
Csikszentmihalyi, Mihaly. (1999). A descoberta do fluxo. A psicologia do envolvimento com a vida cotidiana. Tradução Pedro Ribeiro. Rio de Janeiro;
Rocco.
Geralis, Elaine (org.). (2007). Crianças com Paralisia Cerebral guia para pais e
educadores. Segunda edição; Tradução – Maria Regina Lucena BorgesOsório. São Paulo. Artmed.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Ilari, Beatriz Senoi (Ed.). (2006). Em busca de uma mente musical, ensaios
sobre os processos cognitivos em música da percepção à produção. Curitiba.
UFPR.
Levitin, Daniel. (2010). A música no seu cérebro: a ciência de uma obsessão
humana. Tradução de Clovis Marques; 2ª ed. Rio de Janeiro. (Ed.) Civilização brasileira.
Morin, Edgar at all. Terra-patria. (2003). 4ª ed. (tradução; Paulo Neves).
Porto Alegre. (Ed.) Sulina.
Nicolescu, B. O manifesto da transdisciplinaridade. (1999) São Paulo; Trion.
Springer, Sally P. e Deutsch, Georg. (2008). Cérebro Esquerdo, Cérebro Direito Perspectivas da Neurociência Cognitiva. 5ª edição; Tradução – Dra.
Hildegard T. Buckup. São Paulo. Santos (Ed).
Zonta, Marise Bueno. (2009). Efeitos do tratamento da espasticidade com
toxina botulínica dotipo A na função motora grossa de lactentes com paralisia cere bral forma hemiplégica / Marise Bueno Zonta. – UFPR; Curitiba,
http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/handle/1884/19140/T
ese%20Marise%20Zonta.pdf?sequence=1 (10/08/2012)
193
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Contribuições do aprendizado musical
para o desenvolvimento da
área psicomotora de crianças com
Transtorno do Espectro do Autismo
Jessika Castro Rodrigues
[email protected]
Universidade Federal do Pará - UFPA
Aureo de Freitas Junior
[email protected]
Universidade Federal do Pará - UFPA
194
Resumo: Esta pesquisa tem como título Contribuições do aprendizado
musical para desenvolvimento da área psicomotora de crianças com
Transtorno do Espectro do Autismo. Compreendendo que o indivíduo
autista reage ao aprendizado musical, interessa saber os efeitos da educação musical na área psicomotora de estudante com Transtorno do Espectro do Autismo. Este estudo se justifica tanto por sua relevância social
quanto científica, no intuito de contribuir para a formação de uma sociedade mais justa e igualitária possibilitando, a crianças com necessidades
especiais, oportunidade de expressão artística por intermédio do cumprimento de um direito de cidadania, promovido por uma educação includente, sem distinção, além de contribuir para o desenvolvimento de estratégias que poderão estimular educadores a ressignificação permanente da
prática docente. O objetivo geral é analisar os efeitos da educação musical
na área psicomotora de estudante com Transtorno do Espectro do Autismo. A pesquisa é um estudo de caso e como técnica de coleta de dados
foi utilizados a observação direta espontânea e registros. Os resultados evidenciam que o aprendizado de música estimula o desenvolvimento na
área psicomotora de estudante com Transtorno do Espectro do Autismo
enquanto oportuniza a capacidade de expressão artística.
Palavras-Chave: Autismo; Educação Musical; Área psicomotora
Learning musical contributions to the development of psychomotor
area of children with Autism Spectrum Disorder
Abstract: This research is titled contributions to musical learning psychomotor development of the area of children with Autism Spectrum
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Disorder. Understanding the autistic individual reacts to musical learning,
interested in knowing the effects of music education in the area of psychomotor student with Autism Spectrum Disorder. This study is justified
both by their relevance as social science, in order to contribute to the formation of a more just and egalitarian society possible, children with special
needs, opportunity for artistic expression through the enforcement of a
right of citizenship, promoted by inclusive education, without distinction,
besides contributing to the development of strategies that will encourage
educators to reframe permanent teaching practice. The overall goal is to
analyze the effects of music education in the area of psychomotor student
with Autism Spectrum Disorder. The research is a case study and how data collection technique was used to record spontaneous and direct observation. The results show that learning music stimulates psychomotor development in the area of student with Autism Spectrum Disorder while
the ability to nurture artistic expression.
Keywords: Autism; Music Education; psychomotor area
A música em pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo
A música está presente nos diversos setores da vida, envolvendo toda e
qualquer distinção estabelecida. Koellreuter afirma que “A música é, em
primeiro lugar, uma contribuição para o alargamento da consciência e para
a modificação do homem e da sociedade” (Brito, 2001, p.26). Dessa forma,
a música se torna um meio indispensável de educação, oferecendo contribuição essencial à formação do ser humano.
A Educação Musical em nossos dias demonstra sua importância no
cenário brasileiro, cabendo também ser percebida no contexto de pessoas
com transtorno de desenvolvimento e dificuldade de aprendizagem, como
é o caso da pessoa com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA).
A palavra autismo foi utilizada pela primeira vez com Eugen Bleuler
(1857-1939), com o propósito de designar a perda de contato do indivíduo
com a realidade. Posteriormente Lorna Wing (1928) revela características
específicas que envolvem transtornos de interação social, da comunicação e
195
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
da função simbólica, formando o que se conhece por Tríade de Lorna
Wing.
Pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo apresentam um déficit motor associado às capacidades motoras gerais e finas, movimentos
estereotipados, postura e equilíbrio anormal, apraxia dos membros (desordem neuromotora que afeta severamente a realização de movimentos planejados e voluntários). Estes déficits foram descritos desde Kanner e Asperger:
Kanner (1943), quando publicou seus artigos a respeito do autismo, referiu-se a uma falta de coordenação motora geral, especialmente na marcha e Argerger (1994) falava mesmo em falta de coordenação fina, principalmente no que dizia respeito à escrita (Vasconcelos, 2007, p.48).
A música se revela como um meio de envolver pessoas, mesmo com diferentes graus de desenvolvimento, para realizarem atividades em grupo,
promovendo e aproveitando o potencial do indivíduo. Hentschke (2003)
declara que existe um preconceito com relação ao que é fazer música, proveniente da ideia de que o acesso ao conhecimento musical estaria restrito
aos talentosos e aos economicamente privilegiados. Mas revela que todos
são capazes de aprender e se expressar por meio da linguagem musical.
Louro (2006) acredita que o diferencial entre um aluno com deficiência e
um sem deficiência está no modo e no tempo em que cada um se apropria
do conteúdo proposto.
196
Compreendendo que o indivíduo autista reage ao aprendizado musical, interessa saber os efeitos da educação musical na área psicomotora de
estudante com Transtorno do Espectro do Autismo.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
O autista e a área psicomotora
Para se realizar o atendimento educacional do autista torna-se necessário tomar conhecimento do desenvolvimento global da criança, relacionando com as dificuldades enfrentadas pelos autistas.
O desenvolvimento se dá por meio do corpo onde o utiliza como
instrumento se valendo da capacidade de pensar e raciocinar, de se
comunicar e se relacionar com o outro, podendo se tornar independente.
Segundo Alves (2007, p. 122) a psicomotricidade é a “interação das diferentes funções motoras e psíquicas”. Os movimentos organizados e integrados atuam, em função das experiências vividas pelo sujeito, da qual Lussac (2008, p. 5) acredita que a ação é resultante de sua individualidade, sua
linguagem e sua socialização.
No intuito de compreender a psicomotricidade, Defontaine citado por
Lussac (2008, p. 5) apresenta a triangulação corpo, espaço e tempo. Esta
triangulação é destacada por De Meur & Staes na relação entre a motricidade, a mente e a afetividade facilitando a abordagem global da criança. (De
Meur & Staes, 1991, p. 5)
Para Jacques Chazaud, citado por Alves “a psicomotricidade consiste
na unidade dinâmica das atividades, dos gestos, das atitudes e posturas,
enquanto sistema expressivo, realizador e representativo do “ser-em-ação” e
da “coexistência” com outrem” (Chazaud apud Alves, 2003, p. 15).
Na área psicomotora trabalha segundo Pereira (2004) a coordenação
motora grossa: andar, sentar, etc. Coordenação motora fina: enfiar contas,
encaixar, empilhar, etc. Equilíbrio estático (parado) e dinâmico (em
movimento), lateralidade em si e em espelho, esquema corporal (nomes e
funções das partes do corpo).
A educação psicomotora acontece por meio do corpo e do movimento
da criança. Lussac (2008) quando cita o Currículos da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro explicita como acontece essa educação.
197
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
A criança é vista em sua totalidade e nas possibilidades que apresenta em relação ao meio ambiente, isto é, a educação deve ser feita em
função da idade e dos interesses das crianças. Desta forma, a passagem de uma fase para outra será gradativa e dentro do tempo próprio de cada criança. O professor deve acompanhar este tempo sem
tentar forçar uma antecipação. Por isso, a psicomotricidade tem
como ponto de partida o desenvolvimento psicológico da criança,
na medida em que acompanha as leis do amadurecimento do sistema nervoso através da mielinização. (Lussac, 2008, P.9)
Os indivíduos com transtorno autista apresentam um déficit motor associado às capacidades motoras gerais e finas. Estes déficits foram descritos
desde Kanner e Asperger e foram citados por Vasconcelos (2007)
Kanner (1943), quando publicou seus artigos a respeito do autismo, referiu-se a uma falta de coordenação motora geral, especialmente na marcha e Argerger (1994) falava mesmo em falta de coordenação fina, principalmente no que dizia respeito à escrita (apud. p.48)
Vasconcelos (2007) cita Safe Minds (2001, cit. Por Correia, 2006),
que refere que os indivíduos com PEA apresentam movimentos estereotipados, postura e equilíbrio anormal, apraxia (desordem neuromotora que
afeta severamente a realização de movimentos planejados e voluntários)
dos membros, descoordenação motora geral, e problemas com os movimentos voluntários.
Objetivo
198
Considerando estes fatos e em consonância com a questão central de
pesquisa, destaca-se como objetivo geral analisar os efeitos da educação
musical na área psicomotora de estudante com Transtorno do Espectro do
Autismo.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Metodologia
Para o alcance do objetivo proposto foi adotada a abordagem qualitativa devido à natureza subjetiva da pesquisa. Esta pesquisa é um estudo de
caso pela característica peculiar de investigação que envolve este processo,
procurando compreender o fenômeno pesquisado.
Para a realização desta pesquisa foi selecionado o Programa Cordas da
Amazônia (PCA) da Escola de Música da Universidade Federal do Pará
(EMUFPA), onde foi selecionada uma turma de intervenção com crianças
e adolescentes com transtorno autista e sem nenhum transtorno por ser
uma turma que adota a proposta de aulas de violoncelo em grupo.
A turma era composta por dez (n=10) estudantes, todos do sexo masculino, dentre eles três (n=3) com diagnóstico de autismo e sete (n=7) sem
diagnóstico de nenhum transtorno.
A clínica/intervenção de música aconteceu no período de 21 de setembro a 09 de dezembro de 2010. Na qual era atendida pelo turno da tarde
às terças e quintas. A duração de cada aula era de 45 minutos, havendo,
portanto, a carga horária semanal de 90 minutos.
Os estudantes foram iniciados musicalmente por meio da vivência lúdica, onde ao mesmo tempo em que aprendem a conhecer as notas, figuras
musicais, claves, compassos, pausas, ritmos e ler partituras, inicia-se o ensino do Violoncelo, sem os rigores técnicos importantes.
Desta turma foi selecionado um participante com idade de 11 anos
(no período da intervenção completou 12 anos) com diagnostico de autismo, alfabetizado e não iniciado musicalmente. No período da intervenção, estava cursando o 3º ano do Ensino Fundamental. O participante foi
diagnosticado com autismo aos 6 anos de idade, apresentando um déficit
cognitivo.
A turma recebeu um total de aulas equivalente a vinte duas (n=22),
sendo que o estudante autista compareceu a dezenove (n=19) aulas que
correspondem a 86.4% de presença.
199
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Como técnica de coleta de dados foi utilizada a observação indireta
que foi feita por meio de filmagem das aulas que foram degravadas para
observação nesta pesquisa.
Para a realização desta pesquisa, nas aulas de violoncelo contou-se com
a presença de um professor e um monitor com conhecimento acerca do
instrumento musical. A cada aula o monitor preenchia um relatório de observação o que também foi utilizado para esta pesquisa.
Como instrumento de coletas de dados foi utilizada a Escala de Áreas
de Aquisição do Desenvolvimento Global desenvolvida pelo prof. Ludgero
para avaliar alterações na área psicomotora em decorrência das aulas de
música. A escala foi desenvolvida para avaliar o desenvolvimento global de
crianças recém-nascidas até os 3 anos. A escala foi adaptada para a percepção do desenvolvimento global com ênfase na área psicomotora na aula de
música com atividades que sejam relacionadas à idade do estudante relacionando as principais dificuldades de um indivíduo com diagnóstico de
autismo.
A categorização dos comportamentos de base foi realizada pela observação e degravação do vídeo da primeira aula, realizado no dia 23 de setembro e o comportamento final pela observação e degravação do vídeo do
penúltimo dia de aula, dia 7 de dezembro.
Resultados
200
Observando os resultados ao categorizar o desenvolvimento do aluno
no período de três (n=3) meses foi verificado que na área psicomotora, em
relação às aulas de violoncelo apresentou melhoras quanto as dificuldades
relacionadas a síndrome, como na diminuição de movimento repetitivos e
estereotipados que já eram leves e se tornam quase imperceptíveis.
Pode-se observar que a maior dificuldade dele era na área de coordenação motora, onde não tinha o domínio da mão e dos dedos. No aprendizado do instrumento esta é uma exigência trabalhada. O estudante autista,
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
mesmo sendo mais lento que os outros, teve um grande êxito na realização
desta tarefa.
Quanto à posição da mão esquerda, o gráfico não demonstrar variação
de aprendizado devido a exigência de posições tecnicamente corretas que o
autista não demonstrou. Porém os movimentos da mão esquerda
aconteceram: a mão esquerda fez os movimentos no braço do violoncelo e
conseguia atingir a afinação porque o estudante seguia corretamente as
marcas coloridas colocadas no braço do violoncelo, podendo ser notada
uma reação positiva na área psicomotora em relação à mão esquerda.
Na mão direita, a pesquisa revela que a velocidade do aumento de
conteúdo prejudicou a captação pelo estudante. Apesar disto ele consegue
resultado positivo na qualidade do som. Isto pode ser uma demonstração
de que mesmo lentamente e com dificuldade na posição dos dedos, o
resultado cognitivo-motor foi alcançado.
O aprendizado de música estimula o desenvolvimento na área psicomotora de estudante com Transtorno do Espectro do Autismo enquanto
oportuniza a capacidade de expressão artística.
Os resultados alcançados nesta pesquisa, embora relevantes, não são
um fim em si mesmos. A continuidade destes estudos poderá seguir vertentes tão diversas quanto significativas como a elaboração de currículos adequados, métodos eficientes, técnicas abrangentes e recursos educativos
funcionais e, consequentemente, a formação continuada de professores
para que sejam estimulados a ressignificação permanente da prática docente.
201
Referências
Alves, F. (2003) Psicomotricidade: corpo, ação e emoção. Rio de Janeiro: Wak.
Brito, T. A. de. (2001). Koellreutter educador – o humano como objetivo da
educação musical. São Paulo: Petrópolis.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
______. (2008) Congresso Nacional. Lei Federal nº 9.394. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 20 de dezembro de 1996. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L9394.htm>. Acesso
em: 20 de jan.
De Meur, a. & Staes, L. (1991). Psicomotricidade: Educação e reeducação níveis
maternal e infantil. Editora Manole.
Louro, V. (2006). Educação Musical e deficiência: propostas pedagógicas. São
José dos Campos: Ed. do autor.
Lussac, R. (2008). Psicomotricidade: História, Desenvolvimento, Conceitos,
Definições e Intervenção Profissional. Universidade Castelo Branco.
Pereira, C. L. (2004) Áreas de Aquisição do Desenvolvimento Global. Power
Point – Material Didático Uepa,
Hentschke, L; Bem, L. D. (2003) (org.) Ensino de Música: propostas para
pensar e agir em sala de aula. São Paulo: Moderna.
Pereira, C. L. (2004). O Desenvolvimento Infantil e o Brinquedo. Revista
Comunicação Universitária.
______ (n.d.) Observação participante. In Infopédia [Em linha]. Porto:
Porto Editora, 2003-2010. [Consult. 2010-03-05]. Disponível na
www: URL: http://www.infopedia.pt/$observacao-participante.
Vasconcelos, T. (2007) Efeitos de um Programa Psicomotor em Indivíduos com
Perturbação do Espectro Autismo: Três estudos de Casos. Universidade do
Porto.
202
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Relações entre Música, Musicoterapia e
desenvolvimento cognitivo da criança
com deficiência mental
Tonia Gonzaga
[email protected]
Universidade Federal de Goiás - UFG
Claudia Regina de Oliveira Zanini
[email protected]
Universidade Federal de Goiás - UFG
Resumo: A proposta deste estudo é apresentar as relações existentes entre
a música, a musicoterapia e o desenvolvimento cognitivo da pessoa com
deficiência mental, uma vez que os sons acompanham todos os indivíduos
desde a formação intrauterina. Realizou-se um levantamento bibliográfico,
no qual se percebeu que, apesar de estruturalmente, todos os seres humanos possuírem os mesmos componentes para se desenvolver, funcionalmente, o indivíduo com deficiência mental exigirá mais tempo, compreensão e carinho para suas aquisições cognitivas ao longo da vida. Os resultados ressaltam que a musicoterapia, utilizando-se dos elementos musicais
no decorrer de um processo terapêutico, pode contribuir para o processo
de aquisições cognitivas, em especial do deficiente mental. Na musicoterapia, cada som trazido pelo indivíduo, de forma consciente ou inconsciente, pode estimular o processo contínuo de desenvolvimento de funções
cognitivas, entre outros aspectos, como a cognição social e as diversas inteligências.
Palavras-Chave: cognição, musicoterapia, deficiência mental
Relations between Music, Music Therapy and Cognitive Development of Children with Mental Disabilities
Abstract: The purpose of this study is to present the relationships between music, music therapy and cognitive development of persons with
mental disabilities, since the sounds accompany all individuals from training intrauterine. We conducted a literature review, in which it was realized
that, although structurally, all humans possess the same components to
develop, functionally, the individual with mental disabilities will require
more time, understanding and affection for their purchases along the cognitive life. The results indicated that music therapy, using the musical ele-
203
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
ments during a therapeutic process, may contribute to the cognitive process of acquisitions, particularly the mentally retarded. In music therapy,
sound brought by each individual, consciously or unconsciously, can
stimulate the continuous process of development of cognitive functions,
among other aspects, such as social cognition and the various intelligences.
Keywords: cognition, music therapy, mental deficiency
1. Introdução
A importância da música se revela na história da humanidade, marcando presença em diversas situações na vida do indivíduo. Pode ser a música
que relembre uma pessoa querida, a música que faz chorar por remeter a
um momento triste, a música dos enamorados, de réquiem e até a canção
que nina o bebê. A música está presente, inclusive, na vida intra--uterina por
meio dos movimentos peristálticos, batidas cardíacas etc. (Benenzon,
1985).
Bréscia (2003) pontua a seguinte citação de Platão (Filósofo grego,
427 – 347 a.C) :
A música não foi concedida aos homens pelos deuses imortais com
o único fim de lhes deleitar, agradavelmente, os sentidos, mas sim e,
sobretudo, para acalmar as perturbações da alma e os movimentos
tumultuosos que, necessariamente, experimenta um corpo, como o
nosso, cheio de imperfeições (p.26).
204
A mente transforma sequências de sons em experiências cognitivas e
estéticas significativas, que podem permanecer na memória por toda a vida
(Patel apud França, 2008).
A música pode influenciar o comportamento humano de tal forma,
que é possível melhorar o humor, acalmar a inquietação e a ansiedade, facilitando o sono e a alimentação, como também, contribuir para o bem-estar,
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
aumentando as chances de uma sobrevida maior (Trehub apud França,
2008).
Através da música é possível estabelecer relações. Sem que esta seja a
ideia primeira, quando pessoas dançam, cantam ou apenas ouvem uma
mesma música, de certa forma existe um relacionamento. Tais experiências
podem auxiliar na percepção de si mesmo e no aprofundamento da vida
pessoal (Bréscia, 2003).
Tendo em vista o relato de alguns autores como Amiralian (1975),
percebe-se que crianças com deficiência mental não possuem tal facilidade
para se relacionar ou se comunicar. Isso devido a dificuldades características
da deficiência mental, que gera dificuldade comunicativa, de socialização,
ou mesmo, de ordem cognitiva. Segundo o Código Internacional de Doenças (CID-10) o retardo mental pode ser definido como: leve, moderado e
profundo, à medida que se diagnostica o agravamento mental da criança.
No Brasil, em 2001, foi publicado como Decreto 3956/2001, o texto
da Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, onde, no seu
artigo 1º, define deficiência como [...] “uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada
pelo ambiente econômico e social”.
2. Breve Percurso Histórico sobre Deficiência Mental
Durante toda a história, nota-se o desconforto em lidar com o diferente. Este desconforto gerou medo, sofrimento, riscos e empecilhos ao desenvolvimento social. As pessoas diagnosticadas como deficientes eram excluídas e abandonadas.
Na Grécia Antiga, corpos de pessoas saudáveis eram cultuados, enquanto os corpos de pessoas com deficiência eram queimados (Platão,
2001).
205
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Kanner (apud Aranha, 2001), diz que a única serventia dos deficientes
mentais, encontrada na Literatura, é a de bobo ou palhaço, para diversão
dos senhores.
Por volta do século XVI, surgiram os primeiros hospitais psiquiátricos
que serviram apenas de depósitos humanos, onde os deficientes mentais
ficavam confinados.
No século XVIII, relata Pessot (1984), deficientes mentais passaram a
ser trancafiados em suas próprias casas, pois a família já não mais poderia se
isentar de responsabilidade e não mais atribuir a culpa a seres divinos e
mágicos. Deixar os deficientes mentais nos asilos, sem abandoná-los, tornou-se uma opção para muitas famílias que acreditavam proporcionar-lhes
condições de vida mais apropriadas, uma vez que nessas instituições os
deficientes mentais eram alimentados e não perturbavam a família. O mesmo autor afirma que até a metade do século XIX, a deficiência mental era
vista como alienação mental, loucura e doença; porém, com o passar do
tempo, surgem estudos sobre a aprendizagem das pessoas com deficiência
mental. Médicos, filósofos e pedagogos buscam respostas para as causas, na
esperança de encontrar uma solução.
Mudanças ocorreram ao longo do tempo, porém isso não significa que
o preconceito tenha sido eliminado, mas apenas foi amenizado. Vigotsky
recusava-se a denominar uma pessoa como deficiente, mas sim como diferente, uma vez que o olhar não era voltado àquilo que porventura faltasse no
indivíduo ou ao que ele jamais teria, mas acreditava que o desenvolvimento
aconteceria para todas as crianças (Daniels, 1993).
206
Para Vigotsky (1997), a sociedade limitava o deficiente mental muito
mais que sua patologia. Ele argumenta:
Não à deficiência por si mesma, não à insuficiência por ela mesma.
A criança com deficiência mental está formada não só por seus defeitos; seu organismo a reconhece como um todo. A personalidade
como um todo se equilibra e se compensa com os processos de desenvolvimento da criança. É importante saber não somente que en-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
fermidade tem uma pessoa, mas também que pessoa tem a enfermidade (p. 62).
Preocupados em identificar os tipos de apoio necessários para o amplo
desenvolvimento das potencialidades do deficiente mental, diversas categorias profissionais tem formado equipes multidisciplinares que podem ser
constituídas por: neurologista, fonoaudiólogo, psicólogos, musicoterapeuta, fisioterapeuta, entre outros, visando atendimentos inter ou transdisciplinares. Para Zurro et al (1991), multidisciplinaridade significa:
Um grupo de indivíduos com contributos distintos, com uma metodologia compartilhada frente a um objetivo comum, cada membro da equipe assume claramente as suas próprias funções, assim
como os interesses comuns do coletivo, e todos os membros compartilham as suas responsabilidades e seus resultados (p.29).
3. Objetivo Geral
Pesquisar como a Musicoterapia pode contribuir para o desenvolvimento cognitivo e melhoria na qualidade de vida da criança com deficiência
mental.
4. Metodologia
Desenvolveu-se pesquisa bibliográfica sobre a relação da Música e da
Musicoterapia com a cognição no desenvolvimento de pessoas com deficiência mental. Foram realizadas buscas em bancos de dados eletrônicos e na
bibliografia impressa sobre a influência da música nos processos mentais e
na deficiência mental.
5. Música, Musicoterapia e Desenvolvimento Cognitivo
Para que haja desenvolvimento intelectual, segundo Piaget (1964), é
necessária a existência de uma busca incessante por equilíbrio, por meio da
207
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
assimilação e acomodação, ou seja, a cada nova situação a que é exposto, o
indivíduo com deficiência mental se submeterá a um processo de equilibração com o meio do qual faz parte. Após este equilíbrio, é possível verificar
estruturas funcionais cada vez mais complexas. O autor reafirma este pensamento quando relata que:
A cada instante, pode-se dizer, a ação é desequilibrada pelas ações
que aparecem no mundo, exterior ou interior, e cada nova conduta
vai funcionar não só para restabelecer o equilíbrio, como também
para tender a um equilíbrio mais estável que o do estágio anterior a
esta perturbação (Piaget, Op.Cit., p.14).
Corroborando com o pensamento de Murakami (2007), em seu artigo O bem que a Música faz, quando afirma, “a música é o homem e o homem
é a música, pois ela toca o nosso inconsciente antes mesmo que tenhamos
chance de responder racionalmente a ela”, pode-se dizer que a música se
revela importante no desenvolvimento do ser humano como um todo. O
cérebro cria uma realidade de informações sensoriais e as aplica no comportamento inteligente (Kolb E Whishaw apud França, 2008).
Observando a presença inerente da música na vida da criança, acreditase no potencial terapêutico da musicoterapia, como uma forte aliada para
auxiliar no desenvolvimento cognitivo. Pensando nisso, o musicoterapeuta
busca, através de estímulos constantes, atingir o cérebro das crianças que
tenham algum tipo de deficiência ou síndrome, usando todos os elementos
da música, por meio de experiências musicais (Bruscia, 2000), como estratégia para compensar distúrbios da memória e também para auxílio para
estimular, aprender e reter informações.
208
Sadie (1994, p.638), afirma que: “crianças mentalmente deficientes e
autistas geralmente reagem à música, quando tudo o mais falhou”. Desta
forma, acredita-se que a música parte do indivíduo, de modo que sua patologia é expressa em sua produção, o que auxilia a focar no problema e buscar a promoção da mudança.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Na musicoterapia, considera-se o (s) paciente/cliente (s), o terapeuta
e a música que podem se combinar e interagir de diferentes modos. Entretanto, o elemento chave é a música e a interação cliente-música é o núcleo
central da musicoterapia que molda as dinâmicas de todas as outras relações (Bruscia, 2000).
Von Baranow (1999) esclarece que o conceito de música em musicoterapia é diferente do conceito formal ou do popularmente conhecido, que
privilegia a estética e a organização dos sons. É indiferente se os sons ou
músicas resultantes são bonitos ou feios, afinados ou desafinados, de boa ou
má qualidade, pois não são julgados segundo regras estéticas.
De acordo com a World Federation of Music Therapy (Ruud apud
Bruscia, 2000):
Musicoterapia é a utilização da música e/ou dos elementos musicais (som, ritmo, melodia e harmonia) pelo musicoterapeuta e pelo
cliente ou grupo, em um processo estruturado para facilitar e promover a comunicação, o relacionamento, a aprendizagem, a mobilização, a expressão e a organização (física, emocional, mental, social e cognitiva) para desenvolver potenciais e desenvolver ou recuperar funções do indivíduo de forma que ele possa alcançar melhor
integração intra e interpessoal e consequentemente uma melhor
qualidade de vida (p.286).
A musicoterapia é muito usada na educação especial, e existem pesquisas que comprovam hoje a sua eficácia, no equilíbrio emocional e psicológico do cliente/paciente com deficiência. De acordo com Uricoechea (apud
Sousa, 2007, p.11), “a pessoa com deficiência mental apresenta bons resultados diante do estímulo musical, tanto quanto pessoas ditas normativas”.
Estudiosos como Schullian e Shoen (1999) relatam que a música é
percebida pelo lado do cérebro que recebe os estímulos das emoções, sensações e sentimentos sem, ao menos, antes ser submetida à parte cerebral
responsável pela razão e inteligência. Desta forma, os mesmos autores destacam que:
209
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
A música contorna completamente os centros que envolvem a razão e a consciência, não depende das funções superiores do cérebro
para entrar no organismo, ainda pode excitar por meio do tálamo o posto da intercomunicação de todas as emoções, sensações e sentimentos. Uma vez que um estímulo foi capaz de alcançar o tálamo,
o cérebro superior é automaticamente invadido e, se o estímulo é
mantido por algum tempo, um contato íntimo entre o cérebro superior e o mundo da realidade pode ser desta forma estabelecido
(apud Oliver, 2007, p.70).
A música, segundo Olivier (2007), facilita a aprendizagem, por isso deve ser usada sábia e cuidadosamente, porque, a partir da escuta da música há
uma alteração do equilíbrio dos eletrólitos, podendo levar a mudanças de
humor, tanto positiva como negativamente, provando claramente a importância de um sério estudo e preparo para o seu uso.
Schullian e Shoen, citados por Oliver (Op. Cit) ressaltam que a “música é feita do material mais estimulante e poderoso conhecido entre os processos perceptivos. A música opera sobre a faculdade emocional humana
com mais intensidade e rapidez do que qualquer outro ato” (p. 39).
Para que a neuroplasticidade cerebral atinja o seu ápice, é importante
apresentar estímulos para o indivíduo o mais cedo possível, pois a infância é
o período em que, mais do que em qualquer outro, o cérebro está apto a
adquirir novas habilidades (Lima e Fonseca, 2004). Os estímulos musicais
devem ser utilizados desde a mais tenra idade, isto é, na primeira infância.
210
Formiga et al (2004) acreditam que o período essencial para iniciar a
estimulação é a partir de quatro meses. A estimulação não deve sofrer interrupção no seu processo de continuidade nos diferentes estágios ou sequência do desenvolvimento da criança. A necessidade da intervenção precoce é
fundamentada e justificada pela plasticidade neuronal, não somente pelos
seus benefícios, mas para que déficits cognitivos e comportamentais sejam
reduzidos ou até evitados.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
6. Breves Considerações
Procurou-se, com este estudo, tornar conhecido o potencial dos que
têm algum grau de deficiência mental e esclarecer que o objetivo da musicoterapia não é revelar talentos, mas buscar o resgate do potencial do paciente.
A música penetra, diferentemente, áreas da psiquê humana mais facilmente do que outras fontes de estímulos, tendo como resultado a manifestação da emoção, da sensibilidade, de timbres diversos, de ritmos, de melodias e de harmonias, numa espécie de linguagem emocional, levando-nos a
reagir em uma grande e variável escala, em áreas e percepções somente
experenciadas através dela (Von Baranow, 1999).
Pesquisadores como Uricoechea, Von Baranow, Bruscia, entre outros,
demonstram que não é utópico pretender buscar de dentro do paciente o
próprio resgate, mas que a música permite penetrar-lhe o âmago para que
isso aconteça, promovendo desenvolvimento cognitivo, interação social e
melhor compreensão.
Como já exposto anteriormente, há uma interação entre paciente/música/terapeuta sendo que a música é a chave que possibilita esta relação, além de permitir que o deficiente mental reaja de diferentes maneiras a
cada som por ele ouvido e sentido (Bruscia, 2000; Sadie, 1994).
Finalmente, por meio deste estudo, compreendeu-se que a Musicoterapia pode auxiliar o desenvolvimento cognitivo do deficiente mental, proporcionando-lhe melhor relação com a sociedade (cognição social), promovendo sua autoestima, melhorando sua qualidade de vida, além de contribuir para o contínuo desenvolvimento de funções cognitivas como a
percepção, a atenção e a concentração, bem como das demais inteligências
e habilidades.
Referências
Amiralian, M. L. T. M. (1986). Psicologia do Excepcional. Coleção: Temas
Básicos de Psicologia, v. 08, São Paulo: EPU.
211
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Aranha, M. S. F.. (2001). Paradigmas da Relação da Sociedade com as Pessoas
com Deficiência. UNESP- Marilia.
Benenzon, R.O. (1985). Manual de Musicoterapia. Rio de Janeiro: Enelivros.
Brasil (2001). Decreto N. 3956, de 8 de outubro de 2001. Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
contra as Pessoas Portadoras de Deficiência. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/d3956.htm.
Acesso em 25/01/ 2013.
Bréscia, V. P. L. (2003). Educação Musical: bases psicológicas e ação preventiva.
Editora Átomo. São Paulo: Edições PNA.
Bruscia, K. E. (2000). Definindo Musicoterapia. Tradução Mariza Velloso
Fernandez Conde. 2 ed. – Rio de Janeiro; Enelivros.
Daniels, H. (org.). (1993). Vigostsky em Foco: pressupostos e desdobramentos.
Papiros Editora, 4ª edição. Campinas, SP.
Formiga CKMR; Pedrazzanni ES; Tudella E. (2004). Desenvolvimentos
motor de lactentes pré-termo participantes de um programa de intervenção fisioterapêutica precoce. Rev. Bras. Fisioterapia. Vol. 08, nº 3.
França, C. C.. (2008). Predisposição e Desenvolvimento Musical na Primeira Infância: conexões entre a Neurociência e Psicologia Cognitiva
da Música. Revista da Associação Brasileira de Cognição e Artes Musicais.
UFPR – Vol. 3, n. 2. Curitiba: de Artes UFPR.
212
Lima, CLFA; Fonseca, LF. (2004). Paralisia Cerebral. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.
Murakami, C. D. (n.d.). Musicoterapia: O Bem que a Música faz. Disponível
em: <http://docs.com/13VI > Acesso em 25/01/2013.
Olivier, Lou de. (2007). Psicopedagogia e Arteterapia. Teoria e prática na aplicação em clínica e escolas. Rio de Janeiro: Editora WAK.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Pessot, I. (1984). Deficiência Mental: da Superstição à Ciência. São Paulo: T.A.
Queiroz, Editor, Ltda.
Piaget, J. (1999). Seis Estudos de Psicologia. Tradução: Maria Alice Magalhães
D’Amorim e Paulo Sérgio Lima Silva. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária.
Platão. (2001). A República. São Paulo: Martin Claret.
Sadie, S. (1994). Dicionário Grove de Música. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
Sousa, de T.P. (2007). A Musicoterapia como Auxílio na Comunicação de Pessoas com Deficiência Mental. (Monografia apresentada ao Curso de Bacharelado em Musicoterapia da Escola de Música e Artes Cênicas da
Universidade Federal de Goiás), UFG.
Vygotsky, L. (1997). Fundamentos de defectologia. Cuba: Editorial Pueblo y
Educación.
Von Baranow, A. L. V. M. (1999). Musicoterapia: Uma Visão Geral. Rio de
Janeiro: Enelivros.
Zurro, A. M., F., P., BAS, C. S. (1991). A equipe de cuidados de saúde primários:
manual de cuidados primários. Lisboa: Farmapress Edições.
213
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Música, Musicoterapia e Emoção em
interfaces com a Cognição
Ludmila Rodrigues da Silva
[email protected]
Universidade Federal de Goiás - UFG
Claudia Regina de Oliveira Zanini
[email protected]
Universidade Federal de Goiás - UFG
Resumo: O presente trabalho pretende compreender as relações entre
música, emoção e musicoterapia com os aspectos cognitivos dos indivíduos. Desenvolveu-se pesquisa bibliográfica sobre a relação entre música,
musicoterapia, emoção e a cognição. Realizou-se uma busca em bases de
dados eletrônicos e na bibliografia impressa sobre a influência da música
em nossas emoções. Teve-se como descritores os seguintes termos: “Música e emoção”, “Música e cognição” e “Música e coração”. Baseou-se em
autores como Lent (2001), Morin (1999), Lundy-Ekman (2004), Melo
(2011), Norman (2002), Correia (2009), Hanslick (1981), Gardner
(1999) e Bruscia (2000). Não se pretende elaborar conclusões, mas sim
explicitar que o “pensar junto”, “pensar com”, pode existir na junção dos
temas “música, emoção e cognição” e que existe um pano de fundo que os
deixam bem próximos. Assim, acredita-se que estudos inter e transdisciplinares serão cada vez mais bem-vindos para a ampliação dos pensares
em contextos que insiram música, musicoterapia, cognição, emoções e
neurociências.
Palavras-chave: música, musicoterapia, emoção e cognição.
214
Music, Music Therapy and Interfaces with Emotion in Cognition
Abstract: This study aims to understand the relationship between music,
emotion and music therapy with cognitive aspects of individuals. Developed literature review on the relationship between music, music therapy,
emotion and cognition. We conducted a search in electronic databases
and bibliography on the influence of music on our emotions. The descriptors terms was: "Music and emotion", "Music and cognition" and
"Music and heart." It was based on authors such as Lent (2001), Morin
(1999), Lundy-Ekman (2004), Melo (2011), Norman (2002), Correia
(2009), Hanslick (1981), Gardner (1999) and Bruscia (2000). This is not
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
to draw conclusions, but explain that "thinking together", "think", can exist
at the junction of the topics "music, emotion and cognition" and that there
is a background that make them very close. Thus, it is believed that interand transdisciplinary studies will increasingly welcome to think about the
expansion of the contexts in which to insert music, music therapy, cognition, emotion and neuroscience.
Keywords: music, music therapy, emotion and cognition.
1. Introdução
Pensar na idéia de que existe alguma relação entre a música e as emoções humanas é comum. Frequentemente os indivíduos utilizam termos
emocionais para se referir às músicas que escutam nos mais variados contextos vivenciados. Para Anderson (2005), citado por Lima, Iwamoto e
Destro Filho (2008), “a música favorece uma saudável expressividade emocional, a fluidez dos pensamentos e a serenidade das reflexões, induzindo
um estado de maior segurança” (p. 1387).
Existem variações de pensamento quando se fala em “música e emoção”. Podem-se citar dois argumentos do crítico musical alemão Eduard
Hanslick, defendidos no seu livro Do Belo Musical (1891), que as músicas
não podem nem provocar, nem tampouco exprimir emoções definidas, e da
Teoria dos afetos, constituída no período Barroco.
O primeiro argumento de Hanslick (1981) visa atacar a idéia de que a
música pode provocar emoções definidas. Formula-se de maneira bastante
simples, com o seguinte exemplo: se a música pudesse provocar emoções
definidas, então haveria uma relação causal necessária entre ela e a emoção
provocada no ouvinte; mas não há tal relação, uma vez que pessoas diferentes podem reagir com emoções diferentes à mesma música. O segundo
argumento ataca a tese de que a música pode exprimir ou representar emoções definidas. Parte da idéia de que as emoções têm um elemento intencional, ou seja, um conteúdo que envolve estados mentais, como crenças,
desejos, etc. Por exemplo: alguém sente medo caminhando durante uma
tempestade. Têm-se dois aspectos desta emoção: 1) a resposta fisiológica
215
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
da pessoa que a sente e 2) o elemento intencional, nomeadamente a crença
de que os raios podem matar.
Mesmo que os argumentos de Hanslick sejam interessantes e refutem
a idéia de que a música é absoluta, d'Aversa (2010) argumenta que a música
é um meio de provocar e exprimir emoções definidas. Ainda resta o fato de
que a música, de alguma maneira, afeta o ser humano emocionalmente.
Assim, parece ser relevante conhecer o processo das emoções pelo
qual o homem é afetado, por meio da música, e esclarecer a natureza destas
experiências a serem explicadas.
2. Objetivo Geral
Compreender as relações entre música, musicoterapia e emoção com
os aspectos cognitivos dos indivíduos (gregários por excelência).
3. Metodologia
Desenvolveu-se pesquisa bibliográfica sobre a relação entre música,
musicoterapia, emoção e a cognição. Realizou-se uma busca em bases de
dados eletrônicos, incluindo periódicos de música brasileiros, como: Revista
Brasileira de Música, Opus, Música Hodie e Permusi, e na bibliografia impressa
sobre a influência da música em nossas emoções. Teve-se como descritores
os seguintes termos: “Música e emoção”, “Música e cognição” e “Música e
coração”.
216
4. Resultados e Discussão
Lent (2001) explica que ouvimos sons em virtude de vibrações que são
conduzidas através do ar. Tais vibrações, na forma de ondas sonoras, são
transformadas em impulsos nervosos e levadas ao cérebro que as interpreta
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
como espécies diferentes de sons que levam, de algum modo, à experiência
de alguma emoção.
Como afirma Morin (1999, p. 131), “temos um cérebro mamífero
com o sistema límbico, que permitiu o desenvolvimento da afetividade;
enfim, temos o córtex e, sobretudo o neocórtex, que desenvolveu formidavelmente o cérebro do Homo sapiens.”.
Segundo Lundy-Ekman (2004), o termo límbico, que significa “limite”
poderia ser aplicado à atividade do sistema como um limite entre as áreas
conscientes e inconscientes do encéfalo. O sistema límbico é na verdade
uma estrutura cerebral, que muito embora não se tenha chegado a um consenso completo sobre ela, a maioria das autoridades inclui que as seguintes
áreas a constituem: hipotálamo, núcleos anteriores e mediais do tálamo,
córtex límbico, hipocampo, porção basal do prosencéfalo e amígdala, que
para LeDoux (1998), é a “sentinela emocional”.
Essa ideia de que as emoções residem nas características musicais aconteceu, principalmente , no período Barroco, baseada em uma antiga
analogia entre música e retórica. Os músicos da época buscavam novas
tendências de expressão musical e, nesse período, apareceu uma de suas
principais características, a busca por uma forma de linguagem musical que
servisse ao texto de maneira que os sons pudessem, de fato, exprimir os
sentimentos, como amor, ódio, felicidade etc. (Bukofzer, 1947)
Matthesson (1713), citado por Melo (2011) expõe a relação entre as
emoções e as tonalidades. É importante destacar que não há um consenso
com relação a este pensamento entre os compositores, portanto seguem
abaixo os quadros, informando qual é a visão sobre a emoção, a partir de
Matthesson e de outros compositores citados. ele:
217
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Figura 1 - Escalas Maiores e Sentimentos de acordo com quatro autores
Figura 2 - Escalas Menores e Sentimentos de acordo com quatro autores
É importante também perceber que, por mais que os autores não concordem, com relação à nomenclatura da emoção, de alguma forma, se aproximam de emoções como triste ou alegre. Deste modo, os tons menores
remetem-se à ideia de tristeza enquanto os maiores à ideia de alegria.
218
Segundo Norman (2002), afeto e cognição podem ser ambos considerados sistemas de processamento de informação, mas com diferentes funções e parâmetros operacionais. O sistema afetivo é crítico, associando
valência positiva ou negativa ao ambiente de forma rápida e eficiente. O
sistema cognitivo interpreta e dá sentido ao mundo. Cada sistema influencia o outro: algumas emoções - estados afetivos - são orientados pela cognição que é orientada pelo afeto, conclui o autor.
A mente humana é inacreditavelmente complexa e, embora os indivíduos basicamente tenham a mesma forma de corpo, também têm diferenças individuais significantes. Emoções, humores, características e personalidade são todos os aspectos e modos diferentes nos quais as mentes trabalham, especialmente ao longo do domínio emocional, afirma Norman
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
(2003). Emoções mudam comportamento relativamente a curto prazo,
porque elas respondem aos eventos imediatos. Emoções podem durar períodos relativamente curtos, minutos ou horas. Humores são mais ou menos duradouros, pode-se medir em horas ou dias.
Então, afinal o que é emoção? Para Lent (2001), a emoção é uma experiência subjetiva acompanhada de manifestações fisiológicas. Esse autor
ainda afirma que existem três grandes utilidades para as emoções: a sobrevivência do individuo, a sobrevivência da espécie e a comunicação social.
Ainda considera que existem dois grandes grupos de emoções, as positivas,
que geram prazer, e as negativas, que provocam desprazer. O medo, a ansiedade e o estresse, por exemplo, são emoções negativas, talvez em grau diferente da mesma experiência emocional.
Se a emoção tem a definição descrita acima, a música afeta o homem
emocionalmente “porque cria ambientes de humor aos quais reagimos em
um nível subconsciente e não verbal” (McClellan, 1994, p.143).
Os efeitos da música podem ser sentidos em diferentes ambientes e situações sociais. Correia (2009, p. 344) afirma que atingir as emoções é um
dos principais objetivos da música, e que por esta razão filmes, anúncios,
instituições religiosas, “crêem no fato de que o tipo certo de música pode
proporcionar, com sua imagem, mudanças emocionais no ouvinte”, podendo afetar inclusive as emoções para “melhorar o desempenho em corridas
de longa distância, na ginástica e em modalidades esportivas de competição,
aumentando a resistência física e contribuindo para o controle da dor”.
LeDoux (1998, p.24) ressalta que a mente humana não existe sem emoção e afirma: “as criaturas tornam-se almas de gelo - frias sem vida desprovidas de desejos, temores, tristeza, sofrimentos e prazeres”.
Um profissional que atua em processos terapêuticos que têm se tornado cada vez mais conhecido por participar de estudos envolvendo muitos
dos aspectos trazidos neste estudo (música, humores, emoções e processos
cognitivos) é o musicoterapeuta que, ainda precisa considerar em sua ação,
as diferentes nacionalidades e culturas.
219
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
A Musicoterapia, segundo Bruscia (2000), possui quatro métodos
principais, com propósitos terapêuticos, que são: improvisação, re-criação,
composição e audição. Segundo o autor, cada método possui objetivos e
variações e, em todos, há como serem trabalhadas particularmente as necessidades de cada paciente.
A música é a principal ferramenta de trabalho do musicoterapeuta. O
profissional acredita no potencial terapêutico da música, em seu alcance e
em suas possibilidades como reveladora e restauradora da alma humana,
como se observa na afirmação de Milleco Filho, Brandão e Milleco (2001):
“a musicoterapia pode ser definida como uma terapia auto-expressiva, que
estimula o potencial criativo e a ampliação da capacidade comunicativa,
mobilizando aspectos biológicos, psicológicos e culturais” (p. 80).
Para Novaes (2009), a música usa de símbolos para se constituir e esses símbolos são organizados, como explica:
A música é uma linguagem que organiza as freqüências sonoras utilizando elementos rítmicos, melódicos e harmônicos, em construções que podem ser simples, como o caso das canções (ou idéias
musicais lineares) até atingir complexidade multidimensional como a fuga . (Novaes, 2009, p.32)
Em Musicoterapia, a relação entre música e linguagem pode ser observada a partir de diferentes olhares. Langer apud Gardner (1999) assinala
que o papel da música na mediação da comunicação entre terapeuta e paciente e a expressão (comunicação) do paciente estabelece-se através do
aspecto musical. Para Ruud (1991):
220
Se a música é vista como uma representação não verbal da emoção ou a estrutura de uma emoção -, temos a possibilidade de nos ocupar de uma espécie de atividade comunicativa onde a música atua
como veiculo de comunicação direta como uma pessoa no nível
emocional ou, geralmente implícito, no nível natural (p. 167).
A música não comunica somente aquilo que é exclusivamente musical,
mas também pode incorporar outras modalidades de comunicação como
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
palavras, movimentos e imagens (Bruscia, 2000). Perez (apud Sakai; Lorenzzetti; Zancheta, 2004) afirma que no processo musicoterapêutico, a
pessoa entra em contato com sensações, estados de espírito, sentimentos e
emoções, expressando aspectos de sua vivência pessoal, abrindo uma nova
porta à sua existência, ao progresso e à transformação, tomando então
consciência de si por meio desta expressão.
Levitin (2010) acrescenta que uma parte crucial da emoção está na
métrica, ou seja, emoção e a métrica musical estão intimamente ligadas à
emoção, desta maneira unidas para que possamos sentir, desde o sentimento às reações físicas. Para o autor, a música comunica emocionalmente e
podem ocorrer sistemáticas violações das expectativas em qualquer domínio - alturas, timbre, contorno, ritmo, andamento.
As alterações no ritmo cardíaco e pulso, provocados pela música, levam ao pensamento de que a música e a emoção estão diretamente ligadas.
Segundo Hodges (apud Blasco, 1999) têm resultados diferentes, dependendo da experiência realizada, e, algumas vezes, são contraditórios, bem
como os resultados quanto às alterações na respiração. Zampronha (2002),
por sua vez, comenta que a emoção é influência da cultura. Assim, como se
pode perceber, a música, a emoção e a cognição estão intimamente ligadas e
se influenciam mutuamente, afetando os indivíduos (gregários por excelência).
5. Considerações finais
A partir dos dados pesquisados observou-se que, na medida em que a
música é também reflexo do cotidiano, das interações pessoais, faz-se necessário expandir, contrair, acelerar, retardar, fazer pausas e refletir. A única
maneira de se fazer sentir essas variações de tempo é por meio de um sistema cerebral, que extrai informações de quando é preciso fazer os acentos.
Concorda-se com Levitin (2010), quando acrescenta que uma parte crucial
da emoção está na métrica, ou seja, emoção e a métrica musical estão intimamente ligadas nos momentos de sentir e pensar.
221
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Não se pretende elaborar conclusões, mas sim explicitar que o “pensar
junto”, “pensar com”, pode existir na junção dos temas “música, emoção e
cognição” e que existe um pano de fundo que os deixam bem próximos.
Assim, acredita-se que estudos inter e transdisciplinares serão cada vez mais
bem-vindos para a ampliação dos pensares em contextos que insiram música, musicoterapia, cognição, emoções e neurociências.
Referências
Alencar, Eunice M. L. S. de & Virgolim, Angela M. R. (Org.) (1994). Criatividade: Expressão e desenvolvimento. Petrópolis: Vozes.
Bukofzer, M. F. Music in the Baroque Era – From Montiverdi to Bach.
W.W.Norton & Company.Icn.New York 1947.
Correia, C. M. F. (2009). Música, emoção e memória musical. In M. Nascimento (Coord.) Musicoterapia e a reabilitação do paciente neurológico.
São Paulo: Memnon.
Blasco, F. (1996). Evaluación de los efectos psicológicos de la música através de um diferencial semántico. Revista Brasileira de Musicoterapia (523) Ano I. Número 2. Rio deJaneiro: UBAM.
D'Aversa, R. A. S. (2012). Música e emoção. Acesso em:
<http://criticanarede.com/musicaeemocao.html>, disponível em:
29/10/2012.
222
Gardner, H. (1999). Arte, mente e cérebro: Uma abordagem cognitiva na criatividade. Porto Alegre: Artmed.
Gatti, P. (1997). A expressão dos afetos em peças para cravo de François Coupeirin (1668-1733). Universidade Estadual de Campinas – Instituto de
Artes.
Grout, D. V. e Palisca, C. V. (2007) História da música ocidental. Tradução:
Ana Luiza Maria, Lisboa, Gradiva.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Hanslick, E. (1994) Do Belo Musical (1891) Trad. A. Mourão. Lisboa: Edições 70.
Ledoux, J. (1998). O cérebro emocional [Tradução de Terezinha batista dos
Santos]. Rio de Janeiro : Objetiva.
Leinig, C. E. (1977). Tratado de Musicoterapia. São Paulo: Sobral Editora
Técnica Artes gráficas LTDA.
Lent, R. (2001). Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais da neurociência/Robert Lent. São Paulo: Editora Atheneu.
Levitin, D. J. (2010). A música no seu cérebro: a ciência de uma obsessão humana. (Tradução de Clóvis Marques). 2ª Ed. Rio de janeiro: Civilização
Brasileira.
Lima, E. de; Iwamoto, Eizo; Destro Filho, J. B. (2008). Musicoterapia no
processo cirúrgico de partos e os efeitos da música para as pacientes,
familiares e equipe médica. Anais do 21º Congresso Brasileiro De Engenharia Biomédica. Salvador.
Lundy- Ekman, L. (2004). Neurociência: fundamentos para reabilitação. (Tradutores Fernando Diniz Mundim, Vilma Ribeiro Souza Varga). Rio de
Janeiro: Elsevier.
Mattheson, J. (1993). Der Vollkommene Capellmeiter. Tradução e comentário de Harriss Ernest.EUA;UMI (Dissertation Services), Michigan,
UMT.
McClellan, R. (1994). O poder terapêutico da música. Tradução: Tomás Rosa
Bueno. São Paulo: Siciliano.
Melo, F. de. (2011). Teoria dos Afetos. Disponível em:
<http://historiadamusica2011. blogspot.com.br/2011/07/teoriados-afetos-teoria-dos-afetos.html>, Acesso em: 08/11/2012.
Milleco Filho, L. A.; Bandão R. M. R.E.; Milleco. R. P. (2001). É preciso Cantar: Musicoterapia, cantos e canções. Rio de Janeiro: Enelivros.
223
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Morin, E. (1999). Repensar a reforma, reformar o pensamento: A cabeça bem
feita. Instituto Piaget.
Norman, D. (2002). Emotion Design: attractive things work better. Interactions Volume 9 Issue 4 July, pp: 36-42.
______ Attractive Things Work Better. Revised February 24, 2003. Disponível: http://www.jnd.org Acessado em: 10/12/2012.
Ruud, E. (org). (1991). Música e saúde. São Paulo, Summus.
Sakai, F. A.; Lorenzzetti, C; Zanchetta, C. (2004). Musicoterapia corporal.
Anais da Convenção Brasil Latino América, Congresso Brasileiro e Encontro
Paranaense de Psicoterapias Corporais. 1., 4., 9., Foz do Iguaçu. Centro
Reichiano.
224
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Uma abordagem sistêmica em música
Amanda Veloso Garcia [1]
[email protected]
UNESP – Campus de Marília
Resumo: Muitas são as dificuldades que encontramos ao tentar compreender culturas diferentes da nossa. Ao tentar entender as diferentes práticas musicais, e os processos cognitivos e significativos que lhes acompanham, podemos acabar por lhes impor nossos próprios significados ou
por não abarcar a sua real complexidade. Dessa forma, diversos autores ligados a práticas etnomusicológicas de análise se dedicaram a pensar estes
problemas. Diante de tais preocupações, neste trabalho, pretendemos apresentar a possibilidade de a análise musical ser entendida a partir do
“pensamento complexo” nos moldes em que é apresentado por Edgar
Morin. Apresentaremos também alguns pontos centrais da perspectiva
ecológica de James J. Gibson: a hipótese do Princípio de Mutualidade, e os
conceitos de affordances, invariantes e nicho. Acreditamos que tais conceitos
se constituem de ferramentas adequadas para identificar padrões culturais
distintos. Desse modo, pretendemos mostrar o quanto uma abordagem
sistêmica da análise musical permite compreender melhor não apenas a
música e seus significados, mas principalmente os próprios organismos e
seu contexto. As práticas musicais de diferentes culturas decorrem de elementos que identificam estas, acreditamos que uma abordagem sistêmica
em música proporcionará compreender os sistemas em que estas se inserem bem como os organismos que as praticam e elementos de seu contexto. Defendemos que este tipo de análise pode enriquecer a compreensão
dos elementos característicos que identificam tais nichos culturais e permitir olhar para nossos próprios nichos musicais com outros olhos.
Palavras-chave: abordagem sistêmica, significado musical, relação organismo-ambiente
A Systemic Approach in Music
Abstract: There are many difficulties we encounter when trying to understand cultures different from our own. When trying to understand the different musical practices, and the significant processes that accompany these, we can eventually impose our own meanings to these or not include
their real complexity. Therefore, several authors have related the practice
ethnomusicological analysis devoted themselves to think these problems.
225
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
The face of such concerns, in this paper, we intend to present the possibility of musical analysis be understood from the "complex thinking" in the
way it is presented by Edgar Morin. We will also present some central
points of the ecological perspective of James J. Gibson: the hypothesis of
the Principle of Mutuality, and the concepts of affordances, invariants and
niche. We believe that these concepts are appropriate tools to identify distinct cultural patterns. We intend to show how a systemic approach to
music analysis allows not only better understand the music and its meanings, but also the organisms and its context. The musical practices of different cultures derive from elements that identify them, we believe that a
systemic approach to music will provide understanding the systems in
which they insert as well the organisms and elements of context. We argue
that this type of analysis can enrich our understanding of the characteristic
elements that identify such cultural niches and allow to look at our own
musical niche with new eyes.
Keywords: systemic approach, musical meaning, relation organismenvironment
1. Introdução
Buscar entender essas manifestações musicais de outros continentes
significa estudá-las, e estudá-las exige um conhecimento mais aprofundado da sociedade em foco, ao mesmo tempo que conhecer outras
civilizações é também emancipar-se das normas ao próprio redor, relativizando-as, para, inclusive, enxergar a própria cultura com outros
olhos, e, por conseguinte, ouvi-la com outros ouvidos. (Pinto, 2008, p.
07)
226
Diversos autores procuraram entender as relações entre música e cultura, privilegiando, em alguns casos, a influência de uma sobre a outra. Entre
tais autores podemos citar principalmente Platão, Nietzsche e Adorno. Para
Platão, a música era um elemento importante na educação dos cidadãos
gregos que tinham seu comportamento moldado por esta. Nietzsche, num
primeiro momento, vê a música como afirmação da vida. E, como decorrente da Indústria Cultural, em Adorno, a música é objetificada.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Tais abordagens, embora tragam diversos elementos interessantes, não
se mostram suficientes para compreender as diferentes culturas e consequentes práticas musicais. Indígenas, africanos, orientais, ocidentais, latinos,
entre outros, apresentam especificidades em suas práticas e experiências
musicais.
Diante disso, há pouco mais de cem anos, iniciou-se um movimento
que deixou em segundo plano questões como “o que é música?” para se
dedicar à compreensão do “por que a música é deste modo?”. Tal escola,
denominada de “Etnomusicologia”, que se consolidou a partir dos anos
1950 com a fundação da Society for Etnomusicology nos EUA, busca entender as práticas musicais como algo além do elemento sonoro de maneira
que a análise etnomusicológica não deve se limitar à estrutura do fenômeno
musical, mas dedica-se a entender os fenômenos culturais enraizados que
produziram tal comportamento musical. Como entende Merriam (1964, p.
7), autor de um dos clássicos da área The Anthropology of Music, “A música é
um produto do comportamento humano e possui estrutura, mas sua estrutura não pode ter existência própria se divorciada do comportamento que a
produz”. Neste contexto, a música não pode ser entendida apenas como
produto, mas como comportamento humano.
Diversos autores se ocuparam, e continuam se dedicando, ao estudo
da etnomusicologia de modo a romper com as barreiras eurocêntricas da
música, entre eles B. Nettl, C. Seeger, L. B. Meyer, entre outros; e, no Brasil,
R. J. M. Bastos, A. Seeger, A. T. Piedade, D. L. Montardo, etc, passando até
mesmo pela contribuição de Mário de Andrade na primeira metade do
século.
Entretanto, neste texto, a partir das preocupações elencadas por aqueles que se dedicam à etnomusicologia, procuraremos refletir principalmente
sobre nosso papel nessa compreensão acerca das diversas práticas culturais.
Para tanto, adotaremos o conceito de “complexidade” para compreender
tais processos, buscando apresentá-lo como uma das várias formas de justificar as preocupações enunciadas acima.
227
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Neste trabalho, procuraremos expor o “pensamento complexo” conforme apresentado por Edgar Morin (2000) de modo a oferecer meios de
abarcar as diferentes culturas musicais. Acreditamos que a adoção do viés
sistêmico propicia entender melhor não apenas a própria música, mas também os próprios organismos e, inclusive, nosso papel enquanto observadores além de proporcionar um novo olhar sobre nossa própria prática cultural.
Temos como objetivo ao utilizar ferramentas de análise do pensamento complexo pensar a dimensão estética de modo contextualizado com
ênfase nas relações significativas de nichos específicos. Haja vista que há
diferentes aspectos cognitivos envolvidos na experiência musical, para tal
abordagem contextualizada adotaremos quatro pontos centrais da perspectiva ecológica de James J. Gibson (1904 - 1979): a hipótese do Princípio de
Mutualidade, e os conceitos de affordances, invariantes e nicho. Acreditamos
que este tipo de análise pode enriquecer a compreensão dos elementos
característicos que identificam tais nichos.
2. O pensamento complexo
228
Morin (2000, p. 21) define o termo “sistêmico”, originário da palavra
“sistema”, como um “conjunto organizado de partes diferentes, produtor de
qualidades que não existiriam se as partes estivessem isoladas umas das
outras”. Para compreender em que contexto este conceito tem seu sentido,
enunciaremos os princípios centrais elencados pelo autor para caracterizar
o pensamento complexo. Para exemplificar tais princípios utilizaremos a
situação hipotética de um improviso musical executado por um dos músicos de um grupo com o acompanhamento dos demais.
O primeiro princípio apontado é o “Princípio sistêmico” (Morin, 2000,
p. 32). Com inspiração em Pascal, tal princípio concebe o todo como mais
– ou menos – que a soma das partes. É neste viés que temos o conceito de
“emergência”. Na interação entre elementos – partes – de um sistema podem surgir elementos novos e que não se encontravam em nenhuma das
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
partes isoladamente e nem se constituem da soma dos elementos. Sistemas
complexos podem ser caracterizados, de modo geral, como sistemas informacionalmente abertos compostos por conjuntos de relações entre elementos distintos que interagem entre si com funcionalidade. Para exemplificar podemos pensar no improviso musical: as notas que serão consideradas sonoramente agradáveis em um improviso dependerão daquilo que
está sendo tocado e, dessa forma, se um dos músicos errar as notas as condições se alteram. Nesse viés, o acaso tem seu papel bem como os indivíduos que executam a música com suas particularidades, pois o modo como
se executa pode alterar o sentido das notas. Uma nota por si só, fora de um
contexto, não será sonora ou não, pois o contexto é que determinará sua
função – agradável, tensa, desafinada, etc – na música. É a interação entre os
elementos da música executada que faz com que emerja esta relação, esta
não corresponde isoladamente a nenhum dos elementos envolvidos bem
como não diz respeito apenas à soma deles.
O segundo importante princípio é o “Princípio hologramático” (Morin, 2000, p. 32). Este visa explicitar a relação parte-todo de modo a entender que não apenas a parte está no todo, mas o todo também está nas partes.
Para compreender ta enunciação basta pensarmos no exemplo em questão:
ao improvisar o músico busca corresponder ao que está sendo tocado pelos
demais músicos, e isto influencia suas escolhas, do mesmo modo, este pode
inserir elementos novos que alteram o que os demais músicos estão executando. Como indica Morin (2000, p. 23), “Produzimos a sociedade que nos
produz” e, no caso que estamos utilizando como exemplo, o músico também produz os parâmetros que ditarão seu improviso. Dessa maneira, é
produtor e produto simultaneamente e não há uma causa única neste processo.
Com isto, é preciso que se altere a noção de causalidade clássica e, nesse viés, temos o terceiro princípio elencado, que é chamado de “Princípio
do anel retroativo” (Morin, 2000, p. 32-33). Pensada inicialmente por Norbert Wiener, tal ideia rompe com o princípio de causalidade linear que prega que todo efeito tem um causa proporcional. A causalidade defendida
229
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
pela teoria de sistemas complexos é chamada de causalidade circular porque entende que “o efeito atua retroativamente sobre a causa” (Morin,
2000, p. 22). No exemplo que estamos utilizando tal relação é evidente, pois
aquilo que os músicos de acompanhamento executam influencia o músicoimprovisador bem como este altera o que os primeiros tocam sendo influenciado por esta mudança também e assim sucessivamente.
Outro importante princípio é o “Princípio de auto-eco-organização”
(Morin, 2000, p. 33). Este indica que as ideias de dependência e autonomia
devem ser entendidas como ligadas. No exemplo supracitado, embora os
músicos executem individualmente seus respectivos instrumentos, aquilo
que executam depende do que os demais tocam que lhe oferecem os parâmetros de tonalidade e de ritmo. Logo, como ressalta Morin (2000, p. 04),
os conceitos de autonomia e dependência não podem ser separados, são
complementares.
O último princípio que ressaltaremos é o “Princípio da reintrodução
daquele que conhece em todo conhecimento” (Morin, 2000, p. 34). Consideramos este como um dos mais importantes, pois entende que “todo conhecimento é uma reconstrução/tradução por um espírito/cérebro numa
certa cultura e num determinado tempo” (Morin, 2000, p. 34).
230
Contudo, vemos que o pensamento complexo tem muito a contribuir
para a compreensão dos processos significativos e práticas musicais e seus
respectivos nichos culturais. Nesse viés, a música passa a ser vista como um
processo emergente de um sistema complexo e irredutível às suas partes
(organismos-ambiente). A ideia de que há práticas musicais “melhores” que
outras perde sentido, pois estas devem ser entendidas dentro de um contexto – sistema – que lhe é próprio. Além do que, o último princípio apresentado nos lembra que nosso aporte cultural interfere em nossas análises e,
dessa maneira, devemos enunciar nossos pressupostos e esforçar-nos ao
máximo em compreender outras culturas.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Uma vez que inserimos a música no domínio da complexidade, iremos
a seguir, com o auxílio da perspectiva ecológica de Gibson, oferecer ferramentas para identificar os processos significativos das distintas culturas.
3. A abordagem ecológica
Gibson (1966, 1979) propôs uma teoria – Teoria da Percepção Direta
– que tem em seu cerne o Princípio de Mutualidade e os conceitos de affordances, invariantes e nicho. O princípio de mutualidade corresponde à ação
recíproca que se desenvolve entre organismo e ambiente. Como ressalta
Gibson, “animal e ambiente formam um par inseparável. Cada um implica o
outro. Nenhum animal poderia existir sem um ambiente que o rodeia. Do
mesmo modo, embora não seja tão óbvio, um ambiente implica um animal
(ou, pelo menos, um organismo) a ser circundante” (1986, p. 8, tradução
nossa). Dessa forma, organismo e ambiente formam um sistema integrado.
Desta relação mútua de complementaridade decorre o que o autor
chama de affordance (Gibson, 1986, cap. 8). O autor define tal conceito
como “o que o ele (o ambiente) oferece ao animal, o que provê ou fornece,
seja benéfico ou prejudicial” (1986, p. 127, tradução e parênteses nossos).
As affordances constituem a informação significativa percebida diretamente
pelos organismos sem a mediação da representação – e, por isso, a teoria
Gibsoniana recebeu o nome de Teoria da Percepção Direta – e que oferecem possibilidades para a ação.
Como exemplifica Clarke a música proporciona uma gama de affordances: “música disponibiliza (affords) dança, adoração, trabalho coordenado, persuasão, catarse emocional, marcha, bater os pés, e uma miríade de
outras atividades” (2005, p. 38, tradução e parênteses nosso). A diferença de
affordances de um organismo para outro se deve à estrutura corporal e
história coevolutiva de autoajuste com o ambiente que disponibiliza determinadas informações significativas que constituem o nicho do organismo,
isto é, depende do sistema (organismo+ambiente) em que este está inserido.
231
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
O conceito de nicho é de extrema importância na abordagem gibsoniana. Para o autor, “nicho não é exatamente o mesmo que o habitat da espécie;
um nicho se refere mais para como um animal do que para onde ele vive. Eu
sugiro que um nicho é um conjunto de affordances” (1986, p.129). Dessa
forma, um nicho consiste numa junção do habitat de um organismo com
seu mundo próprio que se constitui de suas experiências, necessidades,
estrutura corporal, entre outros elementos que estabelecem as affordances
próprias de um organismo. E, nesse viés, o nicho diz respeito a possibilidades cognitivas de experienciar o mundo.
Aquilo que o organismo captará em uma música estará de acordo com
seu nicho musical que consiste no contexto musical do organismo que
pode ser formado pela soma dos sons ambientais do local em que vive,
repertório cultural e contextual, gostos musicais, interesses, práticas musicais, estrutura auditiva, treinamento formal de música, habilidades, e todos
aquelas práticas que fornecem os elementos para que o organismo perceba
os sons de um modo específico, ou seja, que fornecem um conjunto específico de affordances.
232
As affordances são resultado da recíproca evolução do sistema organismo-ambiente de modo que dependem da estrutura de ambos. Embora
algumas affordances estejam disponíveis para uma espécie inteira, cada
organismo tem um conjunto único de affordances: “Affordances são dependentes da estrutura do organismo. Esta estrutura tem sido referida como efetividades do organismo; o seu tamanho, forma, estrutura muscular,
capacidades de movimento, necessidades e sensibilidades que fazem a ação
no ambiente possível” (Windsor & Bézenac, 2012, 104, tradução nossa). É
importante ressaltar que affordances não são fixas ou estáticas, mas se constroem continuamente nesse acoplamento organismos-ambiente e, tanto
um quanto o outro, podem se alterar. Dessa forma, embora o organismo
pertença a um nicho musical específico, poderá, devido sua efetividade,
estar conectado a outros e ser passível de experienciar outros nichos musicais.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
O que tornam as affordances possíveis é a disponibilidade de informação significativa no ambiente. Esta consiste de padrões chamados por Gibson de invariantes (Gibson, 1986, p. 73-75). As invariantes se constituem de
propriedades do ambiente que mantém certo grau de permanência que
permite a um organismo identificá-las dentro de um sistema como um
padrão, de modo que as invariantes fornecem informação sobre algo. As
invariantes se constituíram de processos coevolutivos de longa duração e,
sendo assim, são inerentemente significativas e não precisam ser interpretadas, exceto quando se está fora de seu nicho. Estas podem ser de dois tipos:
estruturais, aquelas que são invariantes devido as suas características físicoquímicas; ou transformacionais, aquelas que são invariantes devido a seus
padrões de movimento, são invariantes na mudança.
Para entender tal relação pensemos na seguinte situação hipotética:
um disco de baião tocado nas ruas do centro de São Paulo. Ao perguntarmos para as pessoas qual o gênero da música que está tocando obteremos
diferentes respostas. Aquelas familiarizadas com o estilo logo de início perceberão algumas características tais como o conjunto de instrumentos específicos do estilo (triângulo, zabumba e sanfona), o ritmo da música com
seu acento específico, determinados assuntos nas letras, entre outros. Ainda
que o sujeito não conheça os nomes dos instrumentos ou qual a fórmula de
compasso, se já tiver ouvido o gênero poderá reconhecer o estilo e responder que se trata de um baião. Da mesma maneira, se o sujeito for músico,
captará além dessas invariantes, outras como a tonalidade característica do
estilo sabendo especificar qual é esta, a progressão de acordes utilizada, etc.
Entretanto, alguém que nunca ouviu um baião ou não tem familiaridade suficiente com o gênero não perceberá nenhuma dessas invariantes e é
provável que não saberá responder que estilo é este. Já um nordestino pode
identificar invariantes diferentes como o acento próprio do ritmo que permite a affordance dançar o estilo, ou perceber diversos elementos que são
significativos justamente por o sujeito compartilhar uma história evolutiva
com o contexto que está sendo contado ou com as pessoas que também
vivenciaram este contexto, como por exemplo, a seca, a fome, o calor, a mi-
233
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
gração para as capitais, etc. Nesse caso de identificação com a história contada, o sujeito pode captar affordances emotivas e, por exemplo, chorar.
Affordances irão diferir dependendo do contexto e da vivência prévia dos
organismos e, por isso, a música não pode ser entendida alheia a seu sistema
organismo-ambiente.
O estilo foi reconhecido a partir de invariantes auditivas que caracterizam o tipo de acento, tipo de ataque sonoro, timbre, tonalidade, entre outros. Há, por exemplo, invariantes estruturais, como o timbre dos instrumentos executados, e transformacionais, como o ritmo específico do gênero. As invariantes fornecem informação sobre algo, no caso, o gênero baião.
Affordances não se reduzem nem ao mundo físico nem ao organismo,
estas decorrem da relação – emergente – entre ambos. Nesse viés, tudo que
gera uma affordance é significativo para o organismo, em contrapartida, o
que o sistema perceptivo do organismo não está ajustado para captar não
possui significado para ele.
234
Isto reforça a ideia de que há diferentes formas de ouvir música nas culturas. Por exemplo, a música indiana utiliza escalas diferentes das ocidentais
e caracteriza-se pelo uso dos chamados comas, que são intervalos musicais
menores que o semitom, que é o menor intervalo existente na música ocidental. Devido a isso, em geral, tal música soa desafinada aos ouvidos ocidentais, porque estes ouvintes coevoluíram com o sistema tonal e têm hábitos de escuta decorrentes deste. Podemos dizer o mesmo da música dodecafônica sistematizada por Schöenberg. Tal música se caracteriza por se
utilizar do chamado sistema atonal, que tem este nome justamente por
contrariar os preceitos do sistema tonal. Tal música também causa estranheza àqueles acostumados ao sistema tonal. As relações entre as notas
estabelecida pela música tonal gera affordances aos ouvintes tais quais esperar a resolução de uma nota de tensão, ter a sensação de repouso quando o
primeiro grau da escala é tocado, e assim por diante, o que não se encontra
na música atonal.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Podemos considerar também as etnias que se utilizam da música como
prática ritual tais quais algumas etnias indígenas. A música indígena está
intrinsecamente ligada ao ritual e, por isso, requer o gesto e a dança em sua
execução, além de estar ligada a algo além da mera execução de um som.
Esta, dependendo do contexto, pode gerar affordances de socializar, cultuar
os deuses, se comunicar com os ancestrais, curar, catarse, exorcismo, magia,
entre outros.
É a partir do nicho musical que se torna possível ao organismo perceber determinados sons e não outros e, consequentemente, detectar determinadas invariantes e affordances. Como destaca Clarke, “Parte daquela
perspectiva (do sujeito) é totalmente individual – produto de habilidades,
necessidades, preocupações e história pessoal de um indivíduo percebedor”
(2005, p. 125, tradução e parênteses nosso).
Vemos, então, que a abordagem ecológica Gibsoniana oferece ferramentas adequadas para se pensar processos significativos musicais diferentes, pois permite identificar elementos significativos nas diferentes práticas
musicais de maneira que o que há para ser analisado dependerá daquilo que
o contexto (sistema organismo-ambiente) fornece e valoriza e não de preceitos defendidos por aquele que analisa.
Desse modo, consideramos a música como um sistema complexo no
qual cada elemento só ganha valor enquanto se relaciona com os demais.
Podemos exemplificar utilizando o caso do jazz. Alguns dos músicos afronorte-americanos mais importantes do gênero inseriram em sua forma de
tocar elementos da música africana com o objetivo de mostrar sua identificação com a revolução negra que estava ocorrendo. Assim, para compreender tal prática musical é preciso levar em conta este elemento e não apenas
as escalas, ritmos e notas executadas. Bem como para se analisar processos
significativos de outros jazzistas não se pode levar em conta apenas esses
preceitos.
235
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
4. Considerações finais
Procuramos argumentar, neste artigo, que a cognição musical se liga a
processos específicos de coevolução organismo-ambiente que resultam no
nicho de um sujeito. Neste âmbito, quando se trata de análise só podemos
considerar possibilidades de audição ou ouvintes específicos inseridos em
um contexto próprio.
Partindo da preocupação etnomusicológica de compreender a música
em seu próprio significado e não a partir dos significados que nós, enquanto
analisadores, lhes atribuímos; apresentamos, neste trabalho, algumas contribuições da abordagem sistêmica e da perspectiva ecológica. Acreditamos
que tal arcabouço teórico nos permite identificar os padrões das diferentes
culturas, e aqueles que nos ligam a estas, para tentar compreender seus processos significativos e entender melhor até mesmo nossos próprios processos.
Uma abordagem sistêmica da análise musical permite compreender
melhor não apenas as práticas musicais envolvidas, e seus respectivos processos cognitivos/significativos, mas principalmente os próprios organismos e seu contexto. As práticas musicais de diferentes culturas decorrem de
elementos que identificam estas, acreditamos que uma abordagem sistêmica em música proporcionará compreender os sistemas em que estas se
inserem bem como os organismos que as praticam e elementos de seu contexto. Tal tipo de análise pode enriquecer a compreensão dos elementos
característicos que identificam tais nichos culturais e nossos próprios nichos.
236
Nota
[1] Licenciada e bacharelanda em Filosofia.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Referências
Clarke, E. F. (2005). Ways of Listening: An Ecological Approach to the Perception of Musical Meaning. New York: Oxford University Press.
Gibson, J. J. (1986). The Senses Considered as Perceptual Systems. Boston:
Houghton Mifflin Company.
Merriam, A. (1964). The Anthropology of Music. Evanston: Northwestern
University Press, 1964.
Morin, E. (2000). Da necessidade de um pensamento complexo. In F. Martins & J. Machado (orgs.), Para Navegar no século XXI, tecnologias do imaginário e Cibercultura (2ª ed.). Porto Alegre: Sulina/Edipucrs.
Pinto, Tiago de Oliveira (2008). Etnomusicologia: da música brasileira à
música mundial. Revista Usp, São Paulo, n.77, p. 6-11.
Windsor, L. W.; Bézenac, C. Music and affordances. (2012). Musicae Scientiae, v. 16, n. 1, p. 102-120, Reino Unido.
237
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Prácticas auditivas em agrupaciones
del Proyecto Curricular de
Artes Musicales (PCAM)
Genoveva Salazar Hakim
[email protected]
Universidad Distrital Francisco José de Caldas (UDFJC)
Colômbia
Resumen: Desarrollar la audición musical es un objetivo frecuentemente
asociado con asignaturas teórico-musicales como Solfeo o Formación
Auditiva, entre otras. No obstante, es de suponer que en asignaturas de
formación instrumental, individuales y colectivas, también se desarrollan
competencias auditivas según sean los repertorios, los formatos instrumentales y las mediaciones involucrados en la performancia. Este estudio
se pregunta por las concepciones que se tienen de las prácticas de audición
en las asignaturas de interpretación instrumental Ensamble, incluyendo las
diferentes tradiciones propuestas en el currículo. El propósito es caracterizar las prácticas de audición musical en Ensambles de tradición académica, popular urbana y regional campesina en el PCAM. El procedimiento
implicó el análisis y la interpretación de datos obtenidos en documentos
institucionales y mediante trabajo de campo. Para el análisis se utilizaron
las categorías función, contenidos y materiales vinculados a las prácticas
de audición. Los resultados expuestos enfatizan en la caracterización de las
funciones de las prácticas de audición musical. Éstos son interpretados a
través de las categorías ontologías de la música, procesos transmodales y
transdominio y modos de conocimiento musicales.
Palabras claves: Audición en ensamble, procesos transmodales y transdominio, modos de conocer musicales
238
Listening practices in groups from The Proyecto Curricular de Artes
Musicales (PCAM)
Abstract: Developing music listening is a goal frequently linked with Music Theory subjects such as Solfege or Ear Training. However, it can be
supposed that subjects focused on individual and collective instrumental
education also develop skills according to repertoires, ensembles, and the
mediations involved in performance. This study investigates the conceptions of listening practices in subjects involving ensemble instrumental
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
performance, including different music traditions proposed in the curriculum. The purpose is to characterize the musical listening practices in ensemble courses of academic, popular and regional traditions in the undergraduate program of PCAM. The methodology involved the analysis and
interpretation of data obtained from institutional documents and through
field work. Three categories linked to musical listening practices were used
in the analysis: function, contents, and materials. The present results emphasize the characterization of listening practice functions. The results are
observed through interpretation categories such as music ontologies,
cross-modal and cross-domain processes, and ways of knowing music.
Keywords: Listening in ensemble, cross- modality and cross- domain
processes, ways of knowing music
En el ámbito de la educación musical formal, existen asignaturas de
corte teórico musical asociadas habitualmente al rol de desarrollar la audición musical: Solfeo, Entrenamiento Auditivo, Formación Auditiva y Gramática, entre otras. No obstante, el desarrollo de la audición musical no es
un propósito exclusivo de una asignatura de la malla curricular. Se trata de
un compromiso compartido entre diversos espacios de formación curriculares y extracurriculares.
Ha sido del interés de un grupo de docentes del PCAM de la UDFJC,
indagar por las concepciones que se tienen de las prácticas de audición
musical en diferentes asignaturas del Programa y en escenarios extracurriculares. Para tal propósito, se han desarrollado tres estudios entre los años
2008 y 2013 (Castillo, Salazar, Agudelo y Bernal 2011; Salazar, Castillo,
Bernal y Agudelo 2011 y 2012) [1] En este texto se expone parte los resultados concernientes a las concepciones de las prácticas de audición en la
asignatura Ensamble, centrándose en caracterizar las funciones que cumplen los procesos auditivos en este espacio.
En el PCAM, las asignaturas Música de Cámara, Talleres, Ensambles y
Electivas posibilitan a los estudiantes formarse musicalmente en prácticas
de ejecución instrumental en conjunto, a lo largo de los 10 semestres de la
239
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
carrera. Los formatos de práctica obedecen a intereses de la institución por
articular las realidades musicales del contexto regional, nacional y global a la
academia. Se da también la oportunidad de conformar agrupaciones según
las iniciativas de los estudiantes. Varias de estas agrupaciones han trascendido los escenarios académicos y han perdurado, alcanzando reconocimiento nacional.
La observación de los Ensambles permite aproximarse a las prácticas
de audición en la ejecución instrumental en conjunto, a la luz de diversas
tradiciones musicales. De acuerdo con el objeto de estudio de la carrera
(UDFJC, 2006), se abordan las tradiciones musicales académica, popular
urbana y regional campesina. Aspectos como el tipo de repertorio, el formato instrumental y las mediaciones involucradas en el montaje hacen parte
de los rasgos que caracterizan las tradiciones mencionadas.
Los Ensambles de tradición académica abordan repertorios de diferentes períodos de la historia de la música en Occidente. Los formatos consolidados son: Banda Sinfónica (BS), Orquesta de Cuerdas (OC), Coro (Co)
y el Ensamble de Música Contemporánea (EMCA). Una mediación típica
para el montaje del repertorio es el uso de la partitura, aunque en el EMCA
también es habitual el procedimiento de la improvisación libre.
240
Los Ensambles de músicas populares urbanas lo conforman la Big
Band (BB) y el Grupo de Cuerdas Andinas (GCA). El repertorio de la BB
se centra en el jazz, mientras que el GCA aborda músicas de la región andina colombiana y de otras regiones y países, y en ocasiones realiza montajes
de composiciones académicas. Estos Ensambles, si bien utilizan la partitura,
lo hacen con frecuencia de manera menos prescriptiva, especialmente en el
caso de la BB en donde la improvisación es característica. El formato del
GCA consta de una base similar a la estudiantina: guitarra, bandola andina y
tiple. Éste se modifica semestre a semestre incluyendo instrumentos eléctricos, de viento, percusiones, piano u otros posibles, según sean los estudiantes inscritos y la exigencia de los repertorios.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Dentro de la tradición regional campesina, están los Ensambles Grupo
Llanero (GLL) y Músicas Campesinas (MC). El repertorio utilizado por el
GLL corresponde a músicas de la región de los Llanos Orientales colombovenezolanos, o basadas en sus géneros y estilos de interpretación. EL repertorio de MC lo conforman principalmente piezas de tradición campesina
de la subregión andina cundi-boyacense (carranga) y de Santander (torbellino). En estos Ensambles el uso de la partitura no es relevante y se recurre
más a la utilización de estrategias como la transcripción musical “de oído”
realizada sobre el instrumento, a través de una grabación, o mediante la
comunicación directa entre el profesor y los estudiantes.
En cuanto a los formatos instrumentales, estos Ensambles tienen una
base estable. Para el caso del GLL, el formato se conforma de arpa, bandola
llanera, cuatro, bajo, maracas y canto. De manera similar a como ocurre con
el GCA, el GLL se amplía usando otros instrumentos según los estudiantes
que ingresan semestre a semestre. Por su parte, el formato de MC lo constituye el instrumental carranguero: requinto, tiple, guitarra, guacharaca, voz
solista y coro. Otros instrumentos se incluyen según los usos de la tradición.
Categorías de interpretación y de análisis
La aproximación a las prácticas de audición musical en los Ensambles,
ha tenido en cuenta aspectos como: (1) qué tipo de objetos, procesos y
experiencias son considerados música; (2) qué modos de conocer participan en las prácticas auditivo-musicales; y (3) qué modalidades perceptuales
y de la experiencia se articulan e interactúan con la audición.
En el primer caso, se abordan categorías en relación con ontologías de
la música, tales como: música como objeto, proceso y experiencia. Estas
categorías han sido aplicadas en estudios hechos en espacios de formación
teórico musicales (Vargas, López y Shifres 2007; Vargas y Chernigoy
2007). También han sido descritas por Bohlman (2001, p. 20), quien expone a su vez otras condiciones ontológicas de la música.
241
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
En cuanto a los modos de conocer musicales, se consideran las categorías conocimiento proposicional o declarativo, y conocimiento no proposicional, o procedimental (Shifres 2009 y Stubley 1992). El conocimiento no
proposicional da lugar a modos de comprender la música de los que sólo
podemos dar cuenta tocando, escuchándonos, moviéndonos, etc., pero no
hablando o utilizando códigos formales de comunicación musical como la
escritura, asociados a su vez a modos de conocimiento proposicional. (Shifres 2009). Otras categorías relacionadas son expuestas por Davidson y
Scripp (1992) quienes aluden a modos de conocer musicales como la producción, la percepción y la reflexión, y a dos condiciones de ejecución de
dichos modos, los cuales podrían asociarse al conocimiento no proposicional (en la ejecución) y a lo proposicional o declarativo (por fuera de o
posterior a la ejecución).
Respecto de las modalidades perceptuales y de dominios de la experiencia que confluyen en las prácticas de audición, se acude a las categorías
transmodalidad y transdominio, respectivamente. Estas categorías han sido
expuestas por Johnson (1987) desde la perspectiva de la cognición corporeizada y en el campo de la cognición musical han sido aplicadas en estudios
sobre procesos de formación de conceptos, construcción de conocimiento
y creación de significados musicales, por autores como Zbikowski (2002),
Martínez (2005, 2009) y Shifres (2008), entre otros.
242
Las categorías delimitadas para la sistematización y análisis de los datos, buscan responder los qué, los para qué y los cómo involucrados en las
prácticas auditivas. De tal forma se establecen las categorías Función, Contenidos y Materiales vinculados a las prácticas de audición, las cuales a su
vez se desglosan en subcategorías e indicadores.
En cuanto a la Función, se establecen subcategorías en relación con:
(1) Apropiación de aspectos estructurales musicales y (2) Producción. La
categoría Contenidos se organiza en tres grupos: (1) contenidos teórico,
técnico, interpretativo y contextual musicales; (2) contenidos procedimentales especialmente en relación con el análisis musical; y (3) contenidos en
cuanto a acciones tales como solfear, leer, improvisar, cantar o moverse. De
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
acuerdo con los materiales, hay grupos de subcategorías según apoyos,
autoría, fuente, dimensiones, naturaleza, lugar de uso y tradiciones musicales.
Metodología
La indagación de las prácticas de audición se llevó a cabo con las asignaturas que para en el año 2010 eran reconocidas institucionalmente como
Ensambles. Este proceso comprendió: (1) la fundamentación teórica y
metodológica para la delimitación de categorías de análisis e interpretación,
y para la elaboración de herramientas de recolección y sistematización de
información; (2) el trabajo de campo: recolección de información obtenida
mediante consulta a Programas de Asignatura (Syllabus), la aplicación de
Encuestas y Entrevistas a docentes, y Observación de Clases con registro
audiovisual; (3) el análisis de los recursos mediante la aplicación de categorías; y (4) la interpretación de resultados.
Syllabus. Ninguno de los Ensambles contaba con un Syllabus específico. En su lugar se consultó el documento Programas de Asignaturas del
PCAM el cual fue elaborado en su momento para la obtención del Registro
Calificado en el 2006. Este documento expone un programa general para
todos los Ensambles a traves de partes como: Nombre de los Ensambles y
Docentes encargados, Prerrequisitos y Correquisitos, Créditos, Presentación (Justificación), Objetivos, Aspectos metodológicos, Evaluación y Recursos.
Entrevistas y Encuestas. A todos los docentes de los Ensambles (N.:
8) se les aplicó la Encuesta y la Entrevista Estructurada, con preguntas relacionadas con las categorías de análisis.
Observación de clases. Para la observación de clases se seleccionaron
cuatro Ensambles bajo el criterio de representatividad de las tradiciones
musicales abordadas en el PCAM: Coro y Ensamble de Música Contemporánea- EMCA (tradición académica), Big Band (tradición popular urbana)
y Música Llanera (tradición regional campesina).
243
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Sistematización y análisis. Se elaboraron formatos para posibilitar la
adjudicación de categorías de análisis a Syllabus, Encuestas, Entrevistas y
descripciones de las observaciones de clases. El análisis tuvo en cuenta las
unidades propias a cada recurso. Se determinó el porcentaje de aparición de
las categorías por recurso y los datos cuantitativos se valoraron cualitativamente para observar tendencias de prácticas. A su vez, se llevó a cabo un
análisis cualitativo a partir de las respuestas de los docentes en las Entrevistas, para poder caracterizar con mayor profundidad las prácticas auditivas.
Resultados y conclusiones
De lo observado en los Ensambles, se extrae la siguiente caracterización de las prácticas de audición.
¿Para qué se escucha en la asignatura Ensamble? Esta pregunta se respondió desde la observación de la categoría función, en articulación con la
de contenidos y materiales.
Una de las características importantes de las prácticas de audición en
los Ensambles es la de posibilitar entender y apropiar rasgos estructurales y
estilísticos de las músicas abordadas, en función de comprender su performancia. Estos procesos tienen lugar especialmente durante la ejecución, de
tal forma que las maneras de entender y apropiar se basan en percepciones,
producciones y reflexiones en la acción. Lo anterior deja ver la preponderancia de conocimientos de carácter no proposicional, es decir, más procedimentales.
244
Aunque la performancia es objeto de estudio en esta clase, la aproximación predominante a su conocimiento no es a partir de concebirla como
un objeto externo. La performancia se vive más como experiencia construida intersubjetivamente en un escenario compartido como es la clase, en el
despliegue mismo de habilidades de ejecución.
Para esto, acciones como el monitoreo de la propia producción, la de
los otros y especialmente la del conjunto juegan un papel importante en la
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
ejecución. La audición es una modalidad de percepción que está en la base
del monitoreo de la ejecución, la que a su vez involucra otras modalidades
perceptuales. Esto deja ver la naturaleza transmodal o el cruce de modalidades de percepción requeridas para la ejecución en conjunto.
En asocio con el monitoreo está la imitación, la cual es mencionada en
relación con las prácticas de audición y con la adquisición de modelos de
ejecución. Si se piensa en qué es lo que se imita y cómo se produce eso a
imitar, la imitación también sería de naturaleza transmodal, por ejemplo, las
posiciones corporales en vínculo con la producción sonora.
En articulación con aspectos como la comprensión de rasgos estructurales y estilísticos está el uso de la transcripción, la cual a su vez es uno de los
propósitos de las prácticas de audición. La transcripción incluiría modalidades como el registro de información en partitura u otro medio externo, y
el “tocar de oído”.
Según sus usos, la transcripción puede observarse como un modo de
conocimiento proposicional: se transcribe en partitura o en otro medio
para analizar aspectos estructurales y estilísticos musicales a partir de la
observación del registro externo. El conocimiento de la estructura y del
estilo a este nivel puede ser demostrable mediante la verbalización y la representación gráfica, lo que a su vez se asocia a conocimientos de tipo proposicional. De lo anterior llama la atención la creación de una partitura
mediante la transcripción, como herramienta importante para el conocimiento de aspectos estructurales y estilísticos de músicas campesinas o de
improvisaciones en músicas populares que originalmente no tienen representación gráfica.
En el caso de formatos instrumentales de tradición regional campesina
en donde el uso de la partitura no es habitual, la transcripción “tocando de
oído” es un procedimiento inmediato y directo de captura de información.
Se capturan rasgos estructurales y estilísticos durante la ejecución, que tienen que ver con la producción del sonido en cuanto a cualidades tímbricas
245
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
en relación con el accionar sobre el instrumento (articulaciones, ataques,
posición de las manos).
El “tocar de oído” compromete tipos de conocimiento que tienen que
ver con procedimientos corporales, y de cualidades e intenciones sonoras
describibles y demostrables a través de la ejecución instrumental. En este
sentido, esta forma de ejecución musical puede verse como un modo de
conocimiento no proposicional.
Otra característica de las prácticas de audición importante en el Ensamble es la de desarrollar un tipo de escucha flexible y de interacción con el
entorno. Los sentidos dados a estas categorías, se relacionan con la posibilidad de estructurar un pensamiento musical, y de actuar, apreciar, valorar,
expresarse en y sobre diversas tradiciones musicales (formatos, estilos, mediaciones) y escenarios.
A la estructuración de pensamiento musical contribuye la discusión y
contrastación de experiencias logradas mediante la audición relacional de la
propia ejecución, la de los compañeros y la del conjunto. Se contrasta la
experiencia auditiva propia con la de los otros, en relación con las intenciones de los intérpretes, y con el apoyo de marcos de referencia conceptual,
estilístico y contextual, todo esto en el ámbito de la clase y de experiencias
curriculares por fuera de ésta.
246
Frente a lo anterior, se observa un propósito implícito del uso de la audición en función del desarrollo de competencias comunicativas, favorables
a la interpretación musical. Aquí, la interpretación puede entenderse en una
doble acepción. Por una parte, puede verse como expresión musical mediante la ejecución, en la que se demuestra el conocimiento de rasgos estilísticos y estructurales propios de las músicas abordadas. Por otra parte, la interpretación se entiende como la expresión verbal de lo experimentado
musicalmente mediante la escucha y la ejecución, en donde tiene cabida
referirse a los dominios emocional, perceptual, cognitivo, estético y valorativo propios y de los compañeros.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
De esta manera, se deja ver cómo las prácticas de audición en los Ensambles son un campo que posibilita reunir diversos dominios de experiencia, en actos de interpretación. A su vez, los actos de escucha propuestos en
torno a la interpretación, son la base de la interacción de modos de conocimiento no proposicionales, bien sea en la experiencia de escuchar tocando
o sin tocar, y proposicionales, a través de las declaraciones que se hacen
sobre lo escuchado o tocado.
Nota
[1] Los estudios sobre audición musical fueron formulados como proyectos de investigación por Genoveva Salazar en los años 2008, 2011 y 2012, y aprobados por el Centro de
Investigaciones y Desarrollo Científico de la Universidad Distrital Francisco José de Caldas (UDFJC). Los dos primeros se focalizan en las prácticas de audición musical desde la
perspectiva institucional y fueron desarrollados entre los años 2010 y 2012 por Genoveva
Salazar, Directora e Investigadora principal, y Francisco Castillo, Maria Del Pilar Agudelo y
Manuel Bernal, Investigadores Auxiliares, en el PCAM de la UDFJC. El tercer estudio está
en curso e indaga por las prácticas de audición desde la perspectiva de los Estudiantes, y es
desarrollado por Genoveva Salazar.
Referencias bibliográficas
Bohlman, Philip V. (2001). Ontologies of music. In N. Cook & M. Everist
(Eds.), Rethinking Music (pp. 17-34) Oxford: Oxford University Press.
Castillo, F.; Salazar, G.; Agudelo, P.; y Bernal, M. (2011). Caracterización de
las prácticas de audición musical en asignaturas de formación instrumental. In A. Guiena; P. Jaquier; M. Valles y M. Martínez (Eds.), Musicalidad Humana: Debates actuales en evolución, desarrollo, cognición e implicancias socio-culturales. Buenos Aires: SACCOM.
Davidson, L. and Scripp, L. (1992). Surveying the coordinates of Cognitive
Skills in Music. In R. Colwell (Ed.) Handbook of Research on Music
Teaching and Learning. New York: Schirmer Books.
247
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Johnson, M. (1987). The Body in the Mind: The Bodily Basis of Meaning, Imagination, and Reason. Chicago: The University of Chicago Press.
Martinez, I. C. (2005). La audición imaginativa y el pensamiento metafórico en la música. In F. Shifres (Ed.) Actas de Las I Jornadas de Educación
Auditiva. Buenos Aires: Universidad Nacional de La Plata.
______. (2009). Música, transmodalidad, intersubjetividad y modos de
conocimiento: Contribución a los aspectos no conceptuales a una
perspectiva corporeizada del conocimiento musical. Actas de la VIII
Reunión de SACCOM. Buenos Aires: SACCOM.
Salazar, G; Castillo, F; Bernal, M; y Agudelo, P (2011). Prácticas de audición en asignaturas teórico musicales y de contexto. In A. Guiena; P. Jaquier; M. Valles y M. Martínez (Eds.), Musicalidad Humana: Debates actuales en evolución, desarrollo, cognición e implicancias socio-culturales. Buenos Aires: SACCOM.
______. (2012). La audición musical en el espacio acadêmico: Instrumento Principal del Proyecto Curricular de Artes Musicales, Universidad Distrital Francisco José de Caldas. In M. Escobar y L. Gasparoni
(Compiladoras), Nuevos Paradigmas. Segundas Jornadas de la Escuela de
Música: Producción Musical, Interpretación, Docencia e Invetigación. Rosario: Universidad Nacional de Rosario.
Shifres, F. (2006). Comprensión transmodal de la expresión musical. Actas
de la V Reunión de SACCOM. Buenos Aires: SACCOM.
248
______. (Director) (2009). El oído musical: definición y desarrollo desde una
perspectiva intersubjetiva, situada, corporeizada y multimodal. (Programa
de Incentivos al Docente- Investigador del Ministerio de Educación de
la Nación en Argentina). Universidad Nacional de La Plata. (Documento facilitado por el Director del Proyecto).
Stubley, B. (1992). Philosophical foundations. In R. Colwell (Ed.), Handbook on Research on Music Teaching and Learning. New York: Schirmer
Books.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
UDFJC. (2006). Documento Solicitud de Registro Calificado de Programas
Académicos de Educación Superior. Proyecto Curricular de Arte Musicales
(Documento Institucional)
Vargas, G. y Chernigoy, L. (2007). Música como texto y música como ejecución en los programas de educación audioperceptiva de la UNR. In
M.P. Jacquier y A. Pereira Guiena (Eds.), Objetividad- subjetividad y música. Actas de la VII Reunión de SACCOM. Argentina: SACCOM, pp.
251-255.
Vargas, G; Shifres, F; López, I. (2007). Ontología de la música en la educación auditiva. Los modos de existencia musical que sustentan las
prácticas de enseñanza y las estrategias de aprendizaje. In M. Espejo
(Ed.), II Jornadas Internacionales de Educación Auditiva. Tunja: UPTC.
Zbikowski, L. (2002). Conceptualizing Music. Oxford: Oxford University
Press.
249
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Desenvolvimento cognitivo musical da
criança de cinco anos com
implicações ao ensino coletivo do violino
Joziely Carmo de Brito
[email protected]
Universidade Federal do Pará - UFPA
Resumo: Os tópicos de discussão a seguir representam um recorte da tese
apresentada como requisito obrigatório para obtenção do título de doutora em educação musical. Tendo como tema central o ensino coletivo do
violino para crianças de cinco anos, a pesquisa buscou investigar o desenvolvimento de aspectos técnicos, cognitivos e sociais ocorrentes durante o
processo de aprendizagem dessas crianças e de que forma as metodologias
aplicadas em sala poderiam ajudar o aprimoramento desses aspectos. A
pesquisa de campo teve duração de quatro meses, o que possibilitou, ao final do processo, a sistematização de uma metodologia específica para o
ensino coletivo do violino voltado para crianças de cinco anos. Neste artigo, o que se propõe é descrever brevemente o processo utilizado para a obtenção de respaldo científico no que se refere ao desenvolvimento cognitivo da criança de cinco anos com alusão ao ensino coletivo do violino. Para
isso, foi necessário reunir fundamentações teóricas e empíricas sobre desenvolvimento cognitivo infantil, cognição musical e suas implicações para
o ensino coletivo do violino.
Palavras-chave: ensino coletivo do violino, cognição musical.
250
Cognitive Development of the Five-Year-Old Child with Implications to Collective Violin Teaching
Abstract: The following discussion topics represent an excerpt of a thesis
presented as an obligatory requisite for obtaining the title of doctor in music education. Having as the main theme the collective violin teaching for
five-year-old children, the research aimed to investigate the development
of technical, cognitive and social aspects that occur during the learning
process of those children and how the methodologies used in the classroom might support the improvement of those aspects. The field research
had a four-month length, which allowed, at the end of the process, the systematization of a specific methodology for collective violin teaching for
five year-old children. In this paper, what is proposed is to briefly describe
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
the process used to obtain the scientific background with respect to the
cognitive development of the five-year-old child with reference to violin
collective teaching. For this, it was necessary to gather theoretical and empirical information about cognitive development of children, music cognition and its implications to violin collective teaching.
Keywords: collective violin teaching, music cognition
1 Introdução
Em estudos anteriores realizados com a classe de violino infantil da Escola de Música da Universidade Federal do Pará (EMUFPA) [1] busquei,
por meio de pesquisa bibliográfica e de campo, fundamentos teóricos e
empíricos que norteassem o ensino coletivo do violino para crianças de 5
anos. A busca para tentar propiciar um aprendizado dinâmico e eficaz, que
desenvolvesse não somente aspectos técnicos, mas também cognitivos e
sociais, resultou em um relato de experiência e na elaboração de uma metodologia específica para atender às necessidades da faixa-etária trabalhada.
Dando continuidade à busca por fundamentos teóricos, em trabalho
posterior [2] investiguei e cataloguei trabalhos científicos que discutissem o
ensino coletivo de cordas friccionadas, opção justificada pela escassez de
trabalhos voltados para o ensino coletivo específico do violino. Os resultados dessa investigação mostraram que os pesquisadores que tiveram seus
trabalhos catalogados buscaram, além do desenvolvimento técnico instrumental, o desenvolvimento cognitivo e social que o ensino coletivo de instrumentos de cordas friccionadas pode proporcionar aos alunos.
Partindo desses resultados, percebeu-se a necessidade de discutir os
aspectos cognitivos e sociais envolvidos no aprendizado coletivo infantil,
por entender que eles estão diretamente ligados ao processo de ensinoaprendizagem da criança que participa das aulas coletivas de violino da
EMUFPA. Por se tratar de um recorte da minha tese submetida como parte
da obtenção do título de Doutora em Educação Musical, apresento neste
artigo, uma breve explanação sobre o processo de investigação do desen-
251
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
volvimento cognitivo musical da criança de cinco anos e suas implicações
no aprendizado coletivo do violino.
2 Teoria sobre o Desenvolvimento Cognitivo de Jean Piaget
Jean Piaget é um dos pioneiros na tentativa de explicar de forma descritiva os processos de desenvolvimento cognitivo sob a forma sequencial de
estágios, levando em consideração desde o nascimento até o início da idade
adulta do ser humano, o que gerou quatro estágios divididos da seguinte
forma: sensório-motor de 0 a 2 anos (esquemas comportamentais); préoperatório de 2 a 7 anos (esquemas simbólicos); operações concretas de 7 a
11 anos (esquemas operacionais) e o das operações formais de 11 anos em
diante (esquemas operacionais) (Piaget, 2010, p.70).
Segundo Jean Piaget (2010), o desenvolvimento cognitivo do indivíduo ocorre por meio de esquemas (estruturas mentais construídas pelo indivíduo para processar e identificar informações sensoriais - estímulos) que se
constroem e se modificam através do processo de organização (processo
constante de combinação entre aperfeiçoamento de esquemas antigos e a
criação de novos esquemas) e adaptação (meio pelo qual o indivíduo ajusta
os esquemas ao ambiente após a organização destes). A adaptação acontece
por meio da assimilação (utilização dos esquemas existentes para processar
a nova informação reforçando e consolidando as estruturas cognitivas do
indivíduo) e da acomodação (para compreender as novas experiências o
indivíduo transforma os esquemas conhecidos buscando resolver conflitos
de informação naquele momento) (Shaffer, 2005).
252
Apesar de Piaget considerar que o desenvolvimento da criança acontece ordenadamente sob a forma de estágios definidos, a criança pode sofrer
influências ambientais e culturais gerando um retardamento ou aceleramento de seu desenvolvimento intelectual. Pode-se, assim, considerar que a
passagem da criança pelos estágios propostos por Piaget pode ocorrer de
forma não tão rígida considerando-se o desenvolvimento individual (Shaffer, 2005).
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Considerando que o meio pode gerar influências no desenvolvimento
intelectual da criança, uma proposta de ensino coletivo do violino pode
gerar perspectivas ao desenvolvimento de aspectos cognitivos, podendo
contribuir de forma positiva para o desenvolvimento da criança.
O público-alvo deste estudo foram crianças de cinco anos de idade;
sendo assim, o estágio que se utilizou como referência foi o período préoperacional. Uma compreensão mais ampliada das características da criança pré-operacional ajudou a identificar com mais precisão quais elementos
e aspectos deveriam ser estimulados nas aulas coletivas de violino dentro
das possibilidades da idade proposta para esta pesquisa.
2.1 A Criança do Período Pré-operacional e suas Características
De acordo com os estudos de Piaget, o estágio pré-operacional corresponde ao segundo período do desenvolvimento cognitivo humano e caracteriza-se pela predominância da percepção sobre a razão; o pensamento é
ilógico, concentrado em si próprio e divide-se em duas etapas: préconceitual, de dois a três anos, e o intuitiva de quatro a sete anos (Hargreaves, 1986).
Quando uma criança pré-operacional está brincando, ela utiliza o simbolismo para representar o que vê, o que torna a função simbólica o principal avanço desde período. A utilização de imagens para representar objetos,
lugares e pessoas e resultantede sensações visuais, auditivas ou de toque
invocadas internamente. O que ocorre na função simbólica é a utilização de
símbolos para dar significado a aspectos do mundo conhecidos até então
somente por meio da ação. A criança pré-operacional adquiriu a capacidade
de representar mentalmente objetos e eventos apesar de possuir uma forte
tendência a eventos perceptivos e motores (Shaffer, 2005; Hargreaves,
1986).
De acordo com estudos de Piaget (2001), destacam-se os seguintes tipos de representação simbólica: imitação indeferida (a criança pré-
253
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
operacional com base em experiências vividas reproduz símbolos mentais
que podem ser acionados e utilizados em ações presentes); jogo simbólico (a
criança constrói símbolos que são utilizados como forma de representação
e comunicação de desejos e necessidades do mundo, como por exemplo, a
utilização do faz-de-conta nas brincadeiras); desenho (representações gráficas com forte tendência do real, a criança desenha o que sabe, não o que
vê); imagens mentais (representações mentais da percepção que, no estágio
pré-operacional, são construídas de forma estática, sem movimento, semelhantes a desenhos ou fotografias); linguagem (para Piaget o desenvolvimento cognitivo promove o desenvolvimento da linguagem; para o desenvolvimento da linguagem, a criança precisa ter a capacidade de representar
internamente as experiências, o que desencadeia o desenvolvimento psicoemocional).
Para Piaget, “no momento da aparição da linguagem, a criança se acha
às voltas não apenas com o universo físico como antes, mas com dois mundos novos e intimamente solidários: o mundo social e o das representações
interiores” (Piaget, 2011). O desenvolvimento da linguagem “é uma conquista determinante para a consolidação de dois universos da criança préoperacional: o intelectual e o afetivo” (Chantal, 2007, p. 31),
254
Para Piaget (2010), o pensamento da criança no período préoperacional possui as seguintes características: egocentrismo (fazem de sua
perspectiva sua única referência de mundo, não reconhecendo pontos de
vistas externos), centração (diante de uma situação possui tendência a concentrar-se e centrar-se em apenas um aspecto por vez), estados e transformações (o pensamento é estático e rígido; como ignora as transformações intermediárias do pensamento, não relaciona os estados iniciais e os finais de
um processo), conservação (não compreende e não separa propriedades dos
objetos mesmo que estes tenham apenas sua aparência modificada) e operações lógicas (devido à falha de compreensão sobre conservação, apresenta
dificuldade em organizar ou agrupar hierarquicamente objetos em classes,
subclasses e dimensões quantitativas como altura e peso).
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Destacam-se, também, considerações acerca do desenvolvimento do raciocínio moral, que aqui aparece de forma pré-normativa, ou seja, a criança
pré-operacional baseia-se na obediência mais por medo da punição do que
por respeito ao próximo. A criança pré-operacional mostra claramente
consistência no ato de gostar e não gostar.
3. A Criança de Cinco Anos e o Ensino Coletivo da Música
De acordo com o tópico anterior, entende-se que a criança de cinco
anos se localiza, segundo a Teoria do Desenvolvimento Cognitivo de Jean
Piaget, no período pré-operacional cujas características, descritas anteriormente, possibilitam inicialmente, para o ensino coletivo do violino, perspectivas de desenvolvimento de percepção global e percepção auditiva específica com possibilidades de ações através da utilização dos parâmetros musicais (duração, altura, intensidade e timbre). Isto porque, de acordo com
Piaget (2001, 2011) percebe-se que, diferente da criança do período sensório-motor, a criança pré-operacional já possui capacidade de estruturar e
explorar pensamentos mais profundos.
Segundo Beyer (1988), a representação musical no estágio préoperacional ocorre devido a modificações transitórias significativas: inicialmente a música será assimilada por imagens, mais adiante por imagenssímbolos e com a função simbólica consolidada é que ocorre a representação final.
Obviamente, será necessária muita ação e reflexão por parte da criança
até esta conseguir evocar uma canção simples de forma completa. Irá primeiramente imitar sons, depois passagens principais da canção, em seguida
as extremidades, até adquirir a representação da música por inteiro. O jogo
simbólico, incluindo a relação entre significante e significado, desenvolve-se
neste período no que diz respeito a cada um dos parâmetros musicais (Beyer, 1988, p. 71).
255
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Por se tratar de uma pesquisa centrada na área da educação musical,
mais precisamente, da performance instrumental, utilizando-se como principio norteador autores que discutissem o conceito de psicologia da cognição musical (Ilari, 2006; Sloboda, 2008), buscou-se na psicologia do desenvolvimento musical teorias que pudessem, assim como a de Piaget, elucidar
aspectos referentes à idade proposta, o que respaldou o processo de compreensão sobre aspectos cognitivos investigados.
Nesta pesquisa, conforme descrito anteriormente, utilizou-se como referência os estudos de Jean Piaget (2001, 2011) como fundamento norteador para a compreensão das características dos processos mentais das crianças de cinco anos. Para selecionar teorias do desenvolvimento musical
que melhor se adequariam como base bibliográfica no estudo, foi de grande
importância estabelecer que todas tivessem suas bases teóricas apoiadas nos
estudos de Jean Piaget, mantendo-se, assim, coerência na linha de investigação.
Sendo assim, para respaldar a escolha das teorias do desenvolvimento
musical, utilizou-se como referência as pesquisas de Tourinho (2001),
Fonseca (2005), Maffioletti (2005), Chantal (2007), Barbosa (2009),
Gonçalves (2010). Ao todo foram selecionadas duas Teorias do Desenvolvimento Musical por entender que estas apresentaram aspectos em comum
que posteriormente foram utilizados, assim como os estudos de Jean Piaget,
como pontos norteadores durante a elaboração da metodologia utilizada na
pesquisa de campo. São elas: Teoria do Desenvolvimento Musical de Keith
Swanwick e de David Hargreaves.
256
4. Desenvolvimento Musical com Implicações ao Ensino Coletivo do
Violino para Crianças de Cinco Anos
Após a revisão das duas teorias, pode-se observar que a fonte de conhecimento da criança de cinco anos está relacionada diretamente com
suas experiências do dia a dia e as possibilidades de desenvolvimento de
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
aspectos cognitivos musicais, se estimulados de forma correta, valorizam
essas experiências, proporcionando um rico desenvolvimento intelectual.
As teorias apresentam coerência referente à descrição do comportamento musical e de como este se apresenta de forma regular nesta idade. A
valorização de experiências musicais ligadas às características da criança de
cinco anos beneficia o desenvolvimento cognitivo musical desta que, em
formação, passa para o próximo nível de desenvolvimento, mais confiante
em suas funções.
Com os processos de representações mentais mais definidos, ambas as
teorias acreditam que é possível trabalhar na prática elementos rítmicos
com melodias simples, utilizando-se de objetos informativos concretos à
realidade da criança. Vale ressaltar que também há, por parte das teorias,
uma preocupação pelo respeito ao tempo de aprendizado da criança, para
não causar aceleração ou desenvolvimento tardio.
Há também consenso no que se refere à importância de interações sócio-culturais no desenvolvimento musical, o que reforça a importância da
exploração de novas vertentes metodológicas que viabilizem a vivência de
aspectos sociais. Assim, com o intuito de promover uma formação com
perspectivas além da aquisição de habilidades técnicas, o ensino coletivo
praticado desde cedo pode estimular interações sociais que contribuirão
positivamente para vida em sociedade destas crianças no futuro.
Há formas criativas, prazerosas e ao mesmo tempo, eficientes de se
construir a técnica que irá alicerçar o aprendizado futuro, levando-se em
consideração, não somente aspectos técnicos em si, mas principalmente, os
aspectos humanos, bem como as relações entre ambos (Chantal, 2007, p.
67).
Nesse sentido, no ensino coletivo do violino para as crianças de cinco
anos, podemos dizer que, valorizar experiências rítmico-musicais na prática
com interação do ver, ouvir e tocar, favorece o desenvolvimento dos sentidos que são tão presentes na prática musical.
257
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
5. Considerações Finais
De acordo com discussões aqui apresentadas, podemos dizer que a
música pode gerar influência na formação cognitiva do indivíduo; sendo
assim, torna-se pertinente afirmar que uma proposta pedagógica para o
ensino coletivo do violino para crianças de cinco anos, se elaborada de maneira direcionada e respeitando as características dessas crianças, pode desenvolver aspectos cognitivos relevantes na formação desses indivíduos.
Para aprender a tocar o violino, necessita-se de técnicas que estimulem
a coordenação fina, o que evidencia a complexidade do ensinoaprendizagem da criança que se dispõe a aprender música. Para transformar
os desafios em grandes vitórias, necessita-se de uma união dos professores e
dos pais, para que, juntos, possibilitem ao aluno uma aquisição de conhecimento prazerosa e eficaz. Deve-se oportunizar uma formação baseada em
uma prática pedagógica musical que valorize e respeite o desenvolvimento
do indivíduo como um todo.
Notas
[1] Brito, Joziely. (2002). Iniciação musical através do violino com crianças de 5 anos. 2002. 62
f. Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade Estadual do Pará, Belém. 2002.
[2] Brito, Joziely. (2010). Ensino coletivo de instrumentos de cordas friccionadas: ca catalogação
crítica. 2002. 128 f. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Música –
MINTER – Universidade Federal do Pará/Universidade Federal da Bahia. Belém/Salvador. 2010.
258
Referências
Barbosa, Karla J. (2009). Conexões entre o desenvolvimento cognitivo e o musical: estudo comparativo entre apreciação musical direcionada e não direcionada de crianças de sete a dez anos em escolas regular. (Dissertação de
Mestrado), Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de
Minas Gerais, Belo Horizonte.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Beyer, Esther. (1988). A abordagem cognitiva em música: uma crítica ao ensino
da música, a partir da teoria de Piaget. (Dissertação de Mestrado em Educação não publicada), Programa de Pós-Graduação em Educação,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
Brito, Joziely. (2002). Iniciação musical através do violino com crianças de 4 e 5
anos. (Trabalho de Conclusão de Curso), Universidade Estadual do
Pará, Belém.
Brito, Joziely. (2010). Ensino coletivo de instrumentos de cordas friccionadas:
catalogação crítica. (Dissertação de Mestrado), Programa de PósGraduação em Música – MINTER – Universidade Federal do Pará/Universidade Federal da Bahia, Belém/Salvador.
Chantal, Kênia Adriane P. (2007). O ensino de violino no estágio préoperacional: um estudo piloto sobre o desenvolvimento técnico com considerações da psicologia cognitiva e do desenvolvimento. (Dissertação de Mestrado), Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
Fonseca, Maria Betânia Parizzi. (2005). O Canto Espontâneo da Criança de
Três a Seis Anos como Indicador de seu Desenvolvimento Cognitivo-Musical.
(Dissertação de Mestrado em Música) - Programa de Pós-Graduação
em Música da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
Gonçalves, Maria da Rocha. (2010). Estádios de desenvolvimento da apreciação musical: o que os intérpretes valorizam. (Dissertação em Mestrado em
Música), Departamento de Comunicação e Arte, Universidade de Aveiro.
Hargreaves, David J. (1986). The developmental psychology of music. Londres:
Cambridge Press.
Ilari, Beatriz Senoi. (2006). Em busca da mente musical: ensaios sobre os progressos cognitivos em música – da percepção à produção. Curitiba: Editora
UFPR.
259
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Maffioletti, Leda de Albuquerque. (2005). O conhecimento novo na composição musical infantil. (Tese de Doutorado em Educação), Programa de
Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre.
Piaget, Jean. (2001). Seis estudos de psicologia. (24. ed.). São Paulo: Editora
Forense Universitária.
______. (2010) A Formação do Símbolo na Criança. (4ª Ed.) Rio de Janeiro: LTC.
______. (2011). A Psicologia da Criança. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Difel, 2011.
Schaffer, David R. (2005). Psicologia do Desenvolvimento. São Paulo:
Cengage Learning.
Sloboda, John A. (2008). A mente musical a psicologia cognitiva da música.
Londrina-PR: Editora EDUEL.
Tourinho, Cristina . (2001). Relações entre os Critérios de Avaliação do Professor de Violão e uma Teoria de Desenvolvimento Musical. (Tese de Doutorado em Música), Programa de Pós-Graduação em Música, Universidade Federal da Bahia, Salvador.
260
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Ansiedade de performance musical
entre estudantes de música de Belém do Pará: investigação através da Escala K-MPAI
Jonathan Guimarães e Miranda
[email protected]
Universidade Federal do Pará - UFPA
Elizabeth Sumi Yamada
[email protected]
Universidade Federal do Pará - UFPA
Sérgio Figueiredo Rocha
[email protected]
Universidade Federal de São João del Rei - UFSJ
Sonia Maria Moraes Chada
[email protected]
Universidade Federal do Pará - UFPA
Resumo: A pesquisa em andamento visa investigar a prevalência da ansiedade relacionada à performance musical entre estudantes de música de
Belém. Os estudantes serão selecionados dentre aqueles regularmente
matriculados em cursos de música do Instituto Estadual Carlos Gomes, da
Universidade Federal do Pará (UFPA), e da Universidade do Estado do
Pará (UEPA), todos situados em Belém. Implicações, causas e possíveis
soluções também serão discutidos. A ansiedade de performance musical
(APM) caracteriza-se por manifestações físicas, cognitivas e comportamentais vinculadas à performance, que pode atingir músicos de diversas idades e níveis. O tema é pertinente, visto que uma parte significativa de estudantes e de músicos profissionais parecem sofrer dessa condição. A coleta de dados será feita com base na escala K-MPAI, devidamente validada
para a língua portuguesa. Estudos como este podem fornecer dados iniciais para o desenvolvimento de novas metodologias de ensino, servindo para encorajar a discussão sobre a existência do problema, suas possíveis
causas, assim como nortear a implementação de medidas terapêuticas que
possam minimizar as manifestações de ansiedade em estudantes de música.
Palavras-chave: ansiedade de performance musical, medo de palco, KMPAI
261
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Musical Performance Anxiety among music students of Belém do
Pará: investigation using the K-MPAI scale
Abstract: This ongoing research aims to investigate the prevalence of anxiety related to musical performance among music students in Belém. The
students will be selected among those regularly enrolled in music courses
from the Carlos Gomes State Institute, Federal University of Pará (UFPA)
and State University of Pará (UEPA), all located in Belém. Implications,
causes and possible solutions will also be discussed. The musical performance anxiety (MPA) is characterized by physical, cognitive and behavioral manifestations linked to performance that can impact musicians of all
ages and levels. The theme is relevant, since a significant proportion of
students and professional musicians seem to suffer from this condition.
Data collection will be done using the K-MPAI scale validated for Portuguese language. Studies like this can provide baseline data for the development of new teaching methodologies, helping to encourage the discussion about the existence of the problem, possible causes, and to guide implementation of therapeutic measures that could minimize the manifestations of anxiety in music students.
Keywords: musical performance anxiety, stage fright, K-MPAI
A Ansiedade de Performance Musical - APM
262
A ansiedade de performance musical já é reconhecida como um distúrbio de ansiedade, classificado como uma variante de fobia social no Manual
de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais publicado pela American Psychiatric Association (APA, 1994). Em inglês, é conhecida como Musical Performance Anxiety (MPA) e a tradução mais utilizada em português é
Ansiedade de Performance Musical (APM). A APM relaciona-se com o medo de se tocar em público, visto que envolve uma plateia e consequentemente uma avaliação de desempenho, inclusive do próprio intérprete. Essa
exposição pública pode causar um enorme estresse no músico podendo ou
não comprometer o seu trabalho interpretativo.
Até o momento não há uma definição padrão para o quadro de ansiedade de performance. Para Salmon (1990), a APM é uma apreensão persis-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
tente, associada ou não a um prejuízo real da performance, e que não é condizente ao nível de preparação do músico. Segundo Kenny (2008) a APM
se manifesta através de sintomas de ordem afetiva, cognitiva, somática e
comportamental.
A ansiedade de performance é comumente relacionada ao termo “medo
de palco”, mas não há um consenso em relação ao uso das terminologias.
Segundo Studer (2011) muitos autores utilizam os dois termos de modo
intercambiável, mas salienta que alguns estudiosos consideram a ansiedade
de performance uma versão agravada do medo de palco, enquanto outros
consideram o contrário, onde o medo de palco representaria uma versão
agravada da APM. Brugués (2009), por sua vez, defende que o medo de
palco é uma reação dentro da normalidade e que a APM é uma desordem
patológica, e sendo assim, necessita de tratamento. Neste trabalho a terminologia ansiedade de performance será utilizada como sinônimo de medo de
palco.
Existem vários graus de ansiedade de performance, podendo ocorrer
manifestações como boca seca, tremores nas pernas e mãos, e até náuseas,
vômitos e desmaios. Além desses sintomas físicos, podem estar presentes
ainda sintomas de ordem cognitiva e comportamental, como relatado nos
estudos de Barlow (2000).
Esse quadro pode atingir artistas em geral e não está necessariamente
associado à experiência de cada um ou ao nível de excelência da performance. Grandes celebridades manifestaram uma ansiedade elevada durante suas
carreiras. Podemos citar Vladmir Horowitz, Luciano Pavarotti, Sergei Rachmaninoff e muitos outros (Kenny, 2011).
As principais características da APM reunidas por Fehm (2006), baseando-se em vários pesquisadores são: irracionalidade, perfeccionismo e
pensamentos catastróficos negativos; sintomas físicos como tremores, sudorese e palpitações; problemas comportamentais, como o ato de evitar o
palco.
263
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Bruce e Barlow (1990, citado por Kenny, 2006) verificaram que pensamentos negativos sobre a performance podem ser mais destrutivos do que
as alterações físicas e comportamentais associadas. Frases e pensamentos
como: “eu odeio minha performance”, “eu nunca consigo”, “fico sempre
tenso”, “estrago tudo sempre”, “o que os outros estão pensando”, podem
expressar a presença de ansiedade de performance.
Ao contrário do que se possa pensar, nem sempre a APM é vivenciada
de forma negativa. Alguns estudiosos defendem que uma ansiedade, em um
certo nível, é essencial para otimizar uma performance e, ao contrário, um
alto nível de ansiedade acaba comprometendo o trabalho final (Wilson,
1997; Fehm, 2006). Essa idéia é defendida pela “Lei de Yerkes-Dodson”
que relaciona o nível de excelência da performance em função do estresse do
intérprete. Segundo essa lei, em um estado de pouco estresse a qualidade da
performance é baixa. Quando o estresse é muito elevado, a qualidade da
performance também é baixa, pois o cérebro se apresenta em um estado de
desorganização. O nível de estresse desejado seria o mediano, onde a performance teria maior possibilidade de alcançar o nível mais alto de qualidade. Abaixo, ilustração da curva invertida de Yerkes-Dodson.
264
Figura 1. Gráfico da Lei Yerkes-Dodson.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Kenny (2011) critica a Lei Yerkes-Dodson pelo fato dela ter sido baseada a partir de experimentos com camundongos e não com humanos, onde
o termo performance equivale somente a execução/desempenho de uma
tarefa, algo não necessariamente correspondente à complexidade que envolve a performance musical. O modelo não leva em consideração fatores
importantes como características individuais, características da tarefa e a
demanda da performance, como local, nível e ocasião. Segundo a autora
muitos autores utilizam a curva de Yerkes-Dodson incondicionalmente,
desconsiderando artigos mais recentes sobre sua aplicação.
A APM em jovens
Segundo Kenny (2006), crianças não exprimem um nervosismo tão
grande quanto pessoas mais velhas. Em geral elas adoram se apresentar não
se atendo aos erros em suas performances. Entretanto, as crianças estão absorvendo cada vez mais os problemas de adultos de forma precoce. Estudos
de Ryan (2004, citado em Kenny, 2006) mostram que estudantes de 12
anos de idade já demonstram traços de APM como em adultos. A principal
causa observada foi a possibilidade de cometer erros diante dos outros e
que a ansiedade aumentava de acordo com o tamanho da plateia e importância do evento. A autora também notou a existência de APM em crianças
de 3 a 7 anos.
Barlow (2000) relatou que jovens provenientes de ambientes de alta
cobrança artística e que até então não têm todas as ferramentas pessoais
desenvolvidas para suportar esse ideal artístico e competitivo, podem desencadear um perfil de APM.
Em jovens universitários de música também tem sido relatado um alto
grau de ocorrência de APM. Nesta fase há a preparação para uma carreira
profissional extremamente concorrida, onde os estudantes precisam desenvolver suas capacidades técnicas e musicais ao máximo. Esses fatores podem contribuir para a ocorrência de APM nesta faixa etária, que, se não
tratada ou prevenida, poderá causar grandes problemas na vida profissional
265
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
que se iniciará (Studer, 2011). Schröder e Liebelt (1999) pesquisaram 330
estudantes alemães entre 20 e 23 anos e constataram que 22,8% manifestavam um alto grau de ansiedade nas suas performances.
A American Psychiatric Association relatou que as mulheres são duas a
três vezes mais propensas a desenvolverem quadros de ansiedade (APA,
1994). Através da aplicação do questionário K-MPAI, Kenny (2006) também relatou que o sexo feminino é mais propenso à ansiedade, corroborando os resultados de outros autores, como e Schröder e Liebelt (1999).
O Estudo Proposto
Os estudos sobre a ocorrência, manifestações e implicações da ansiedade em performance musical foram realizados em sua grande maioria na
Europa, Estados Unidos e Austrália. Estudos sistemáticos sobre o tema no
Brasil ainda são escassos. Belém é uma cidade com longa tradição musical.
Estará a ansiedade de performance presente nos estudantes de música de
Belém? Em que nível ela se dá?
266
O objetivo geral do estudo é investigar a ocorrência de ansiedade de
performance entre estudantes de música de Belém do Pará. O estudo compreenderá alunos dos cursos técnicos do Instituto Carlos Gomes e da Escola de Música da UFPA, assim como alunos do curso de bacharelado em
música da Universidade do Estado do Pará e Fundação Carlos Gomes.
Essas instituições são as responsáveis por formar estudantes de nível técnico
e superior em Belém, logo são as fontes de pesquisa mais sistematizadas.
Facilidade de acesso a essa população, aceite dos diretores das instituições e
interesse dos estudantes estão sendo imprescindíveis para o bom andamento da pesquisa.
Os objetivos específicos são: averiguar quais as manifestações físicas e
cognitivas mais frequentemente associadas à ansiedade de performance;
avaliar comparativamente os níveis de ansiedade por gênero, instrumento e
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
faixa etária; averiguar se os estudantes estão tendo oportunidades suficientes de se apresentarem.
Metodologia
A coleta de dados será feita através da escala K-MPAI (Kenny Music
Performance Anxiety Inventory), um dos diversos instrumentos de investigação em ansiedade. Esta escala foi escolhida por estar devidamente validada
para a língua portuguesa (Rocha et al., 2011; Rocha, 2012) e por sua aplicabilidade ampla, sem restrição quanto ao instrumento que o participante
executa. A escala foi baseada na Teoria de Barlow, abordando componentes
cognitivos, físicos e comportamentais. Barlow e colaboradores (Barlow et
al., 2000, 2004, Wilamowska et al., 2010) propõem um modelo com três
componentes para explicar o desenvolvimento de distúrbios de ansiedade.
O primeiro componente seria uma vulnerabilidade biológica generalizada,
que representaria o fator genético/hereditário. O segundo componente
seria o que eles chamaram de vulnerabilidade psicológica generalizada,
provinda de experiências vividas na infância em ambiente estressante e
imprevisível, associadas ou não a um relacionamento parental que prejudique o desenvolvimento de estratégias eficientes para lidar com as situações
geradoras de ansiedade. Os autores argumentam que a predisposição genética em conjunto com a vivência de situações imprevisíveis e de difícil controle pode deixar o indivíduo mais susceptível ao desenvolvimento de ansiedade generalizada e/ou depressão diante de eventos estressantes desencadeantes (Wilamowska et al., 2010). O terceiro componente do modelo
refere-se a uma vulnerabilidade psicológica específica, representando um
componente aprendido, onde uma determinada situação, objeto ou estado
somático interno passa a ser vivenciado com muita ansiedade já que é tido
como algo potencialmente ameaçador, mesmo que objetivamente isso não
o seja. Este último componente irá definir os sintomas mais específicos do
distúrbio. Sendo assim, o questionário aborda essas variáveis no teor das
perguntas utilizadas. A escala possui 9 fatores estruturantes em sua avaliação: depressão/descrença; preocupação, medo; ansiedade somática pré-
267
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
performance; empatia dos pais; memória; transmissão hereditária de ansiedade; avaliação minuciosa por si e pelos outros; e controle (Kenny, 2011).
Após a aplicação da escala K-MPAI haverá a aplicação de um questionário complementar para avaliar algumas hipóteses levantadas, haja vista
que o questionário K-MPAI avalia um perfil quantitativo da ansiedade. O
questionário complementar investigará alguns fatores como: frequência de
apresentações públicas, aumento ou diminuição no número de suas apresentações em dado tempo, prática de subir ao palco como fator favorável
para o crescimento ou decaimento da ansiedade musical, manifestações
físicas e cognitivas mais frequentemente associadas à performance musical e
existência de oportunidades suficientes para a performance musical de estudantes. Através deste questionário poderá-se-á sondar alguns possíveis
fatores relacionados à ansiedade musical no contexto regional.
Pretende-se realizar o estudo em uma amostra de 150 estudantes.
A análise estatística será feita segundo os protocolos da escala K-MPAI
utilizando-se de programas estatísticos como o Prism e BioEstat. Os resultados serão apresentados em tabelas, gráficos e figuras. Os grupos de dados
serão expressos como médias e desvios padrão (dispersão estatística).
Resultados preliminares
Através de um estudo piloto realizado com a aplicação da escala KMPAI compreendendo uma amostra de 20 instrumentistas (12 homens e 8
mulheres) obteve-se dados preliminares expostos na tabela abaixo.
268
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Figura 2. Resultados da análise estatística descritiva por idade, tempo de estudo, escores gerais e por
gênero obtidos através da escala K-MPAI.
Por esses dados, 25% da amostra possuem escores da escala K-MPAI
acima de 141 (valor do percentil 75%), sendo estes estudantes os mais propensos a terem problemas com APM. No estudo de Rocha et al. (2011), o
escore K-MPAI correspondente ao percentil 75% foi de 136 em uma amostra de 218 musicistas da cidade mineira de São João del Rei.
Neste estudo piloto, não houve diferença estatisticamente significativa
nas médias de escores entre homens e mulheres (♂=107,2 ± 35,5; ♀=122,6
± 23,9; teste t, p= 0,29). Uma análise de correlação não mostrou associação
entre nível de ansiedade na escala K-MPAI e o tempo de estudo ou idade
(correlação de Pearson, p>0,05). Ressalta-se que a amostra utilizada ainda
foi pequena (n=20), e que estes resultados podem ser diferentes no estudo
final onde se pretende alcançar um n maior (150).
Pretende-se que estudo final sirva para melhorar a conscientização e o
conhecimento dos intérpretes e educadores sobre a ansiedade de performance, permitindo-lhes lidar com maior propriedade com esse quadro e
assim potencializar uma formação mais sadia e otimizada dos estudantes.
Espera-se que os resultados finais possam fornecer um panorama da
ansiedade de performance no contexto local, gerando dados iniciais que
permitam adaptações e criação de novas metodologias de ensino, e a ado-
269
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
ção de medidas terapêuticas que possam minimizar as manifestações físicas,
comportamentais e cognitivas de ansiedade em estudantes de música.
Referências
American Psychiatric Association. (1994). Diagnostic and statistical manual
of mental disorders. Washington, DC: American Psychiatric Association.
Barlow, H. (2000). Unraveling the mysteries of anxiety and its disorders
from the perspective of emotion theory. American Psychologist, 55,
1247-1263.
Barlow, D. H., Allen, Laura B., Choate, M. L. (2004). Toward a Unified
Treatment for Emotional Disorders. Behavior Therapy, 35, 205-230.
Bruce, T. J., Barlow, D. H. (1990). The nature and role of performance
anxiety in sexual dysfunction. In H. Leitenberg (Ed.). Handbook of
social and evaluation anxiety, 357-384. New York: Plenum. Citado em
Kenny, D. T., Osborne, M. S. (2006). Music performance anxiety: New
insights from young musicians. Advance in Cognitive Psychology, 2(2-3),
103-112.
Brugués, A. O. (2009). Music Performance Anxiety: A Review of the Literature.
(Tese), Medizinischen Fakultaet der Albert-Ludwigs-Universitaet,
Freiburg i. Br.
Fehm, L., Schmidt, K. (2006). Performance anxiety in gifted adolescent
musicians. Journal of Anxiety Disorders, 20, 98-109.
270
Kenny, D. T. (2008) Music Performance Anxiety. International Handbook of
Musicians Health and Wellbeing. Citado em Brugués, A. O. (2009). Music Performance Anxiety: A Review of the Literature. (Tese),
Medizinischen Fakultaet der Albert-Ludwigs-Univ. Freiburg i. Br.
Kenny, D. T. (2011). The Psychology of Music Performance Anxiety. Oxford:
Oxford University Press.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Kenny, D. T.; Osborne, M. S. (2006). Music performance anxiety: New
insights from young musicians. Advance in Cognitive Psychology, 2(2-3),
103-112.
Rocha, S. F. (2012). Ansiedade na performance musical: estudo molecular de
associação e validação da escala de “K-MPAI”. (Tese), Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo.
Rocha, S. F.; Neto, E. D.; Gattaz, W. F. (2011). Ansiedade na performance
musical: tradução, adaptação e validação do Kenny Music
Performance Anxiety Inventory (K-MPAI) para a língua portuguesa.
Revista de Psiquiatria Clínica, 38(6), 217-21.
Ryan, C. (2004). Gender differences in children's experience of musical
performance anxiety. Psychology of Music, 32(1), p. 89-103. Citado em
Kenny, D. T.; Osborne, M. S. (2006) Music performance anxiety: New
insights from young musicians. Advance in Cognitive Psychology, 2(2-3),
103-112.
Salmon, P. (1990). A psychological perspective on musical performance
anxiety: a review of the literature. Medical Problems of Performing Artist,
5, 2-11.
Schröder, H.; Liebelt, P. (1999). Psychologische Phänomen und
Bedingungsanalysen zur Podiumsangst von Studierenden.
Musikphysiologie und Musikermedizin an Musikhochschulen, 6, 1-6.
Studer, R.; Gomez, P.; Hildebrandt, H.; Arial, M.; Danuser, B. (2011). Stage
fright: its experience as a problem and coping with it. Int Arch Occup
Environ Health DOI 10.1007/s00420-010-0608-1.
Wilamowska, Z. A., Thompson-Hollands, J., Fairholme, C. P., Ellard, K. K.,
Farchione, T. J., Barlow, D. H. (2010). Conceptual background,
development, and preliminary data from the unified protocol for
transdiagnostic treatment of emotional disorders. Depression and
anxiety, 27, 882–890.
271
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Wilson, G. D. (1997). Performance anxiety. The social psychology of music.
Oxford University Press, p. 229–248, Oxford. Citado em Studer, R.;
Gomez, P.; Hildebrandt, H.; Arial, M.; Danuser, B. (2011). Stage fright:
its experience as a problem and coping with it. Int Arch Occup Environ
Health DOI 10.1007/s00420-010-0608-1.
272
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Peculiaridades da motivação no
contexto de uma aula de música
Ana Ester Correia Madeira
[email protected]
Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC
Teresa Mateiro
[email protected]
Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC
Resumo: O presente trabalho é um estudo de caso realizado com uma
professora de música com o objetivo de discutir e contribuir para os estudos sobre motivação nas aulas de música do currículo escolar. Como ponto de partida foram consideradas as pesquisas realizadas no ensino fundamental que, de alguma forma, abordaram questões sobre o desempenho escolar dos alunos e o papel do professor no processo motivacional.
Os dados foram coletados por meio de observações de aulas e entrevistas
com a professora. A análise teórica pautou-se na definição do termo “motivação” e suas vertentes na educação escolar, considerando os tipos de
motivação, as estratégias motivacionais, a figura influente do professor em
sala de aula e a sua relação com os alunos. Os resultados mostram a escolha do repertório, a valorização dos alunos como agentes ativos, a parceria
da professora de música com a professora de classe e os estímulos positivos dados aos alunos pela professora como os aspectos que mais motivaram os alunos a participar das atividades propostas nas aulas.
Palavras-chave: educação musical, motivação, ensino fundamental
Peculiarities of Motivation in the Music Class Context
Abstract: This paper is a case study conducted with a music teacher in order to discuss and contribute to the studies on motivation in music classes.
A starting point was to search for researches carried out in elementary
school that somehow raised questions about student’s school performance, and teacher's role in the motivational process. Data was collected
through classroom observations and interviews with the teacher. The theoretical analysis was based on the definition of the term "motivation" and
its variations in school education context, considering the types of motivation, motivational strategies, the influence of the teacher in the classroom
and the relationship between teacher and students. The results show that
273
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
the choice of repertoire, the acknowledgment of students as active agents,
the partnership between the music teacher and the class teacher as well as
the positive stimuli from the teacher are aspects that motivated students to
participate more during class.
Keywords: music education, motivation, elementary school
1. Introdução
O objetivo deste trabalho é discutir e contribuir para os estudos sobre
motivação nas aulas de música tendo como objeto de pesquisa a percepção
de uma professora sobre uma de suas aulas que foi ministrada para uma
turma do quarto ano do ensino fundamental [1]. Para tanto, procurou-se
responder à seguinte pergunta: Na perspectiva da professora de música,
quais são os aspectos de sua aula que motivam os seus alunos a participar
das atividades propostas?
274
Revisando a literatura na área da educação encontraram-se cinco tipos
de publicações: aquelas que estudam o processo motivacional do aluno; as
que estudam o processo motivacional do professor; as que focam a influência do professor na motivação do aluno; as que avaliam instrumentos de
medida em motivação e, por fim, os estudos teóricos. Em educação musical,
grande parte dos trabalhos trata sobre o porquê e o como os estudantes e
músicos se envolvem com o estudo da música. Verificou-se que muitos
estudos sobre a motivação apresentam definições das teorias psicológicas
(Teoria da Autodeterminação, Teoria da Expectativa-Valor, Teoria do
Fluxo e Teoria da Autoeficácia e Autorregulação), considerando-as fundamentais para a discussão dos dados obtidos como, por exemplo, a pesquisa
de Araújo (2010) na área de educação musical.
Como ponto de partida para o desenvolvimento desta pesquisa foram
considerados os estudos que, de alguma forma, abordaram questões sobre o
desempenho escolar dos alunos (Paiva, & Boruchovitch, 2010; Martinelli,
& Genari, 2009; Martini, & Del Prette, 2005; Henstschke et al, 2009; Pizzato, 2009; Rocha, 2006) e o papel do professor no processo motivacional
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
(Oliveira, & Alves, 2005; Veríssimo, & Andrade, 2001; Price, 2010; Machado, 2004; Russell, 2005), ambos realizados no contexto escolar com
turmas do ensino fundamental. Esses trabalhos contribuíram para entender,
por um lado, as estratégias motivacionais adotadas pela professora participante deste estudo e, por outro, os aspectos que levam os alunos a se motivarem para se engajarem nas tarefas desenvolvidas em sala de aula.
2. Motivação na sala de aula
O fenômeno que melhor representa o potencial do aluno para alcançar
objetivos nas atividades realizadas em sala de aula é a motivação intrínseca,
de acordo com Guimarães e Bzuneck (2002). Ela é entendida como uma
disposição nata na busca de algo novo para trabalhar as próprias habilidades. O fato de a pessoa desenvolver uma determinada atividade está relacionado ao seu interesse que, de alguma forma, gerou grande satisfação em
realizá-la. A motivação intrínseca no contexto escolar desperta o interesse
para a aprendizagem, ou seja, os alunos ficam altamente engajados nos conteúdos apresentados e nas atividades propostas.
De acordo com Eccheli (2008), a motivação intrínseca é resultado da
extrínseca, isto é, o aluno, ao sair da escola, continuará procurando e pesquisando sobre aquele conteúdo que foi apresentado e desenvolvido durante a
aula. Assim, a motivação extrínseca se configura numa forma de incentivo e
poderá gerar crescente autonomia até chegar à motivação intrínseca. Essa
motivação não parte do aluno, mas de fatores externos, como “a obtenção
de recompensas materiais ou sociais, de reconhecimento, ou com o objetivo de atender a comandos ou pressões de outros, ou ainda para demonstrar
competência ou valor” (p. 2).
Entendendo esses conceitos, existem algumas estratégias motivacionais que podem orientar os professores em sala de aula destacadas por alguns autores, entre eles Bzuneck (2010): “o significado e relevância das
tarefas; características motivadoras inerentes a essas tarefas; o complemento, como o uso de embelezamentos e reações dos professores às tarefas
275
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
cumpridas e avaliadas” (p.13). Dessa forma, o aluno é motivado quando vê
significado e importância nas atividades apresentadas, já que muitas delas
possuem valor maior para algumas pessoas, por gerar engajamento com um
fim em si mesmo, o que é entendido por motivação intrínseca.
As características motivadoras, entendidas como níveis de dificuldade
de que as atividades precisam dispor, fazem parte da segunda estratégia
proposta por Bzuneck (2010). Se a atividade for simples demais poderá
gerar tédio. Demonstrar a relevância da aprendizagem não é o suficiente
para que os alunos se sintam motivados, pois, além disso, as atividades devem ser estimulantes e, por consequência, desafiadoras. A terceira estratégia
compreende os complementos da aula, como os embelezamentos, ou seja,
táticas inerentes ao ensino que auxiliam no desenvolvimento dos alunos
durante as atividades. Por fim, o feedback do professor, positivo ou negativo,
correspondente às tarefas realizadas pelos alunos, é indicado como mais
uma estratégia pedagógica.
276
Com relação à figura influente do professor em sala de aula, Tapia e Fita (2001) apontam que a interação é um dos aspectos essenciais no processo de ensino e aprendizagem. Essa relação acontece por meio das mensagens que o docente transmite a cada aluno antes, durante e depois da atividade realizada. Lisboa e Koller (2004) afirmam que a função do docente
não é somente ensinar conteúdos, mas ser um agente da educação, de forma a promover a cidadania. Na mesma direção, Guimarães (2004) destaca
a importância da interação social para o aluno, pois isso faz com que ele se
sinta pertencente ao lugar no qual está inserido. A escola é um dos contextos mais importantes para que isso aconteça, o que pode fortalecê-lo ou
enfraquecê-lo perante as dificuldades inerentes a essa fase do desenvolvimento. O conteúdo não deve ser o foco do professor, mas sim as relações de
amizade estabelecidas em sala de aula. Se o docente souber trabalhar com
isso, favorecendo ambas as partes, o sucesso de uma aula estará encaminhado.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
3. A realização da pesquisa
Uma professora de música de uma escola da rede pública de ensino
constituiu-se no estudo de caso deste trabalho. Os primeiros contatos
ocorreram por meio do correio eletrônico para combinar alguns pontos
importantes como a data do primeiro encontro, a turma que seria
observada (4º ano), o horário da aula e os documentos necessários que
autorizavam frequentar a escola e realizar a pesquisa proposta.
Saber, na perspectiva da professora, quais foram os fatores que mais
motivaram os alunos a participar da aula música foi o objetivo principal e,
para esta finalidade, foram realizadas duas entrevistas, além da observação
de cinco aulas. O período da coleta de dados aconteceu durante os meses
de agosto e setembro de 2012. A entrevista semiestruturada (Triviños,
1987) foi realizada em agosto e a entrevista de estimulação de recordação
(Loizos, 2002; Rowe, 2009) no final de setembro.
Para a entrevista de estimulação de recordação selecionou-se aula
onde mais atividades musicais foram realizadas e os alunos reagiram mais
naturalmente frente à câmera. O material foi todo transcrito e os dados
organizados em categorias: formação e experiência profissional da
professora; características da escola; e, aula de música. Desses, apenas
alguns temas foram selecionados para este trabalho.
Para maior credibilidade e confiabilidade [2] desta pesquisa a
identidade dos alunos e professores participantes foi preservada. Todos os
nomes são fictícios. As transcrições das entrevistas foram revisadas pela
professora e o consentimento para filmagem e fotografia foi devidamente
assinado pelos responsáveis.
4. Apresentação e discussão dos resultados
4.1. A motivação e a participação dos alunos
É comum os professores associarem a motivação à disciplina dos
alunos em sala de aula. A professora Helena não une estes termos, pois para
277
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
ela as crianças permanecem disciplinadas quando ouvem umas às outras.
Ela enumera quatro fatores principais que justificam a participação ativa de
seus alunos: o canto como atividade fundamental, a presença da professora
de classe nas aulas de música, a escolha de um aluno como ajudante do dia e
o esquema de estrelinhas.
O repertório musical tem ajudado no bom andamento da aula e
fortalecido o engajamento dos alunos, pois grande parte é sugestão deles,
diz a professora. Cantar essas músicas é uma ação que não depende apenas
do interesse deles, mas também da necessidade e do desejo. Araújo (2010)
destaca que em tudo o que o ser humano faz ele deposita motivação, ainda
que seja em diferentes graus de intensidade. Segundo Helena, o momento
mais marcante das aulas é quando os alunos estão cantando. De acordo
com Guimarães e Bzuneck (2002) o fato de a pessoa desenvolver uma
atividade com satisfação, significa que ela está relacionada ao seu interesse.
A constante presença e colaboração da professora Karen é um fator
determinante para o sucesso da aula. Ela toca teclado, participa das
atividades e tem uma postura bem firme com os alunos. As duas professoras
trabalham com os quartos anos dos dois períodos (matutino e vespertino)
e, assim, ao longo do ano desenvolvem diversos projetos. Esta parceria
confirma o que foi destacado na pesquisa de Oliveira e Alves (2005) sobre
o “bom professor” ser aquele que se envolve com o trabalho e em resposta à
sua dedicação obtém a motivação nos alunos.
278
O esquema das estrelinhas é uma ideia que tem como objetivo
melhorar a participação dos alunos em todas as matérias. Eles são
premiados com estrelas por seu desempenho e isso tem gerado um ótimo
resultado, diz Helena. Essa ação está relacionada à motivação extrínseca que
acontece por meio de reforços ou recompensas externas (Eccheli, 2008;
Tapia, & Fita, 2001). No entanto, é preciso ter cuidado para que os alunos
não condicionem as suas atitudes em função das estrelinhas, pois a
recompensa deve estar relacionada à qualidade da aprendizagem e não
somente à execução das tarefas.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
4.2. Os desafios da professora na sala de aula
O número de alunos em sala de aula e o ensinar os alunos a ouvir uns
aos outros foram os desafios, referentes à turma do quarto ano, destacados
pela professora. Muitos alunos em sala de aula requer uma dinâmica
diferente. Trabalhar com dez alunos não é o mesmo que trabalhar com
trinta. Segundo Tapia e Fita (2001) trabalhar com seres humanos implica
conhecê-los individualmente e em sala de aula implica também reconhecer
os tipos de alunos: os curiosos, os conscienciosos, os sociáveis e aqueles que
buscam vencer os desafios. Muitas vezes, um indivíduo pode deter
características de mais de um desses tipos e se o docente souber interagir e
negociar com eles, todos irão aprender ao entender a importância do que
lhes foi apresentado de ambos os lados.
Referente à ação de ouvir, Helena coloca que quando a criança está
ouvindo uma peça, ela precisa saber o que está procurando nessa audição,
principalmente quando não conhece a música, pois se não for orientada, ela
não prestará atenção no que está ouvindo. O maior desafio é criar um
ambiente que motive os alunos a cantar e também ouvir o que o colega está
cantando. De acordo com Lisboa e Koller (2004) dentre as funções do
docente, uma delas é ser agente da educação, promovendo a cidadania
entre os alunos. Para os autores, é preciso oferecer às crianças a
oportunidade da convivência social no dia a dia de forma a permitir que se
comuniquem e que haja reciprocidade entre elas. Assim, as relações de
poder entre os alunos estarão equilibradas e eles entenderão a importância
de escutar uns aos outros e saber a hora certa de contribuir.
4.3. Planejamento e estratégias motivacionais em sala de aula
A professora Helena ressalta que procura variar as atividades e atitudes,
pois entende que se forem repetitivas chegará um momento em que os
alunos não vão aguentar mais, gerando tédio, conforme Bzuneck (2010).
279
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Em suas aulas além de cantar, ela procura ensaiar as músicas com o
acompanhamento de instrumentos musicais, levar filmes relacionados ao
conteúdo, realizar aulas ao ar livre, provocar os alunos à reflexão, fazer
comentários sobre o desempenho, dar créditos aos interesses deles, etc.
O professor deve estar preparado para imprevistos, ou seja, ter sempre
um “plano B”, diz Helena. A preparação de uma aula também prevê o
tempo dedicado a cada atividade, pois muitas questões devem ser levadas
em conta como o fato de alguns alunos serem mais rápidos que outros para
terminar a tarefa. Nota-se que esses aspectos sublinhados pela professora é
fruto de um processo reflexivo, pois ela mencionou que depois das aulas
costuma analisar o que funcionou ou não. Assim, a variação de atividades é
a principal estratégia que a professora usa para motivar os alunos em sala de
aula, da mesma forma como foi destacado no trabalho de Russell (2005).
Em seu estudo Russell (2005) evidenciou o quanto é importante ter
um planejamento estruturado na escolha do conteúdo e na aplicação das
atividades. Na estruturação da aula o docente deve pensar em momentos
conectados do início ao fim, dando sentido ao conteúdo transmitido. Além
disso, a lógica e continuidade das atividades geram o bom andamento da
aula e, consequentemente, chama as crianças a se engajarem nas atividades.
A autora destaca a importância de, numa aula de música, não considerar
apenas o comportamento e a interação social dos alunos, mas ponderar
sobre o planejamento do professor, os conteúdos com os quais ele trabalha
e os objetivos atrelados a eles e, por fim, como o docente aplica e desenvolve
as atividades planejadas.
280
Considerações finais
Neste trabalho, o objetivo foi o debate, voltado à perspectiva da
professora de música atuante numa escola pública, evidenciando os fatores
que mais motivam os alunos durante a aula. Os resultados mostraram a
motivação e a participação dos alunos, os desafios, as estratégias no
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
planejamento de Helena e sua parceria com a professora da classe como os
temas aludidos pela docente.
Haja vista os resultados colhidos, as reflexões decorrentes do processo
de pesquisa e da análise dos dados foram variadas. Entretanto, ficou claro o
quanto valorizar o interesse dos alunos e torná-los agentes ativos que
auxiliam e tomam decisões é necessário e eficaz para o bom andamento em
sala de aula. Destaca-se, ainda, a parceria da professora Helena com a
professora da classe.
Nem todos os docentes trabalham com a possibilidade de parcerias
interdisciplinares. No entanto, considerando que Karen convive vinte horas
semanais com o quarto ano, a presença dela gera um resultado diferente nas
aulas de música, pois, de acordo com Helena, ela tem mais controle da
turma. Isso é devido ao fato de ela estar com os alunos por muito mais
tempo e os conhecer melhor, sabendo identificar o porquê de cada situação,
auxiliando a professora de música. Neste caso, essa parceria funcionou para
o trabalho de ambas as docentes, considerando que elas pensaram e fizeram
o projeto para a classe, em conjunto. Pensamos que este é um ponto de
destaque em todo o processo motivacional discutido neste trabalho.
A partir desta investigação sobre motivação, realizada na aula de
música, são abertos muitos caminhos para futuras pesquisas na área.
Surgem opções de aprofundamentos científicos como a relação entre
professor e aluno, considerados determinantes para o engajamento do
discente em sala de aula, bem como novas estratégias que também poderão
ser consideradas pertinentes ao ensino de música.
Notas
[1].Este trabalho é um recorte de uma pesquisa mais ampla. Ver Madeira (2012).
[2].Foram observadas as determinações da Resolução nº 196 de 1996 CNS/MS que fixa as
Diretrizes e Normas Regulamentadoras sobre Pesquisa Envolvendo Seres Humanos.
281
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Referências
Araújo, R. C. (2010). Motivação e Ensino de Música. In B. S. Ilari, & R. C.
Araújo (Orgs.), Mentes em Música, 111-130. Curitiba: Editora da
UFPR.
Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196/96. Diretrizes e
Normas Regulamentadoras sobre Pesquisa Envolvendo Seres Humanos.
Extraído em: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_96.htm.
Bzuneck, J. A. (2010). Como Motivar os Alunos: Sugestões Práticas. In E.
Boruchovitch, J. A. Bzuneck, & S. E. R. Guimarães (Orgs.), Motivação
para Aprender: Aplicações no Contexto Educativo, 13-70. Petrópolis:
Editora Vozes.
Eccheli, S. D. (2008). A Motivação como Prevenção da Indisciplina. Revista
Educar, 32, 199-213. Curitiba: Editora da UFPR.
Guimarães, S. E. R. (2004). Necessidade de pertencer: Um motivo humano
fundamental. In E. Boruchovitch, & J. A. Bzuneck (Orgs.),
Aprendizagem: Processos Psicológicos e o Contexto Social da Escola, 177199. Petrópolis: Editora Vozes.
Guimarães, S. E. R., & Bzuneck, J. A. (2002). Propriedades Psicométricas de
uma Medida de Avaliação da Motivação Intrínseca e Extrínseca: Um
Estudo Exploratório. Revista Psico-USF, 7, 1, 1-8.
282
Hentschke, L., Santos, R. A. T., Pizzato, M., Vilela, C. Z., & Cereser, C.
(2009). Motivação para Aprender Música em Espaços Escolares e
Não-Escolares. Revista Educação Temática Digital, 10, Edição Especial,
85-104.
Lisboa, C., & Koller, S. H. (2004). Interações na Escola e Processos de
Aprendizagens: Fatores de Risco e Proteção. In E. Boruchovitch, & J.
A. Bzuneck (Orgs.), Aprendizagem: Processos Psicológicos e o Contexto
Social da Escola, 201-224, Petrópolis: Editora Vozes.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Loizos, P. (2002). Vídeo, Filme e Fotografias como Documentos de
Pesquisa. In M. W. Bauer, & G. Gaskell (Orgs.) Pesquisa Qualitativa
com Texto, Imagem e Som: Um Manual Prático, 137-155, Petrópolis:
Editora Vozes.
Machado, D. D. (2004). A Visão dos Professores de Música sobre as
Competências Docentes Necessárias para a Prática PedagógicoMusical no Ensino Fundamental e Médio. Revista da ABEM, 11, 37-45.
Madeira, A. E. C. (2012). “Todo Professor é um Herói”: o Professor e a
Motivação na Aula de Música. Trabalho de Conclusão de Curso,
Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis.
Martinelli, S. C., & Genari, C. H. M. (2009). Relações entre Desempenho
Escolar e Orientações Motivacionais. Revista Estudos de Psicologia, 14, 1,
13-21.
Martini, M. L., & Del Prette, Z. A. P. (2005). Atribuições de Causalidade e
Afetividade de Alunos de Alto e Baixo Desempenho Acadêmico em
Situações de Sucesso e de Fracasso Escolar. Revista Interamericana de
Psicologia, 39, 3, 355-368.
Neves, E. R. C.; & Boruchovitch, E. (2004). A Motivação de Alunos no
Contexto da Progressão Continuada. Revista Psicologia: Teoria e
Pesquisa, 20, 1, 77-85.
Oliveira, C. B. E., & Alves, P. B. (2005). Ensino Fundamental: Papel do
Professor, Motivação e Estimulação no Contexto Escolar. Revista
Paidéia, 15, 31, 227-238.
Paiva, M. L. M. F., & Boruchovitch, E. (2010). Orientações Motivacionais,
Crenças Educacionais e Desempenho Escolar de Estudantes do
Ensino Fundamental. Revista Psicologia em Estudo, 15, 2 381-389.
Pizzato, Miriam S. (2009). Motivação em Aprender Música na Escola: um
Estudo sobre o Interesse. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
283
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Price, G. (2010). Em Direção à Autenticidade: Encontro com a Diferença.
Caderno Cedes, 30, 80, 56-71.
Rocha, T. D. (2006). As Motivações e as Expectativas de Alunos das Séries
Iniciais do Ensino Fundamental com Relação a uma Oficina de Flauta
Doce: Um Survey de Pequeno Porte. (Trabalho de Conclusão de Curso),
Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis.
Rowe, V. C. (2009). Using Video-Stimulated Recall as a Basis for Interviews: Some Experiences from the Field. Music Education Research, 11,
4, 425-437.
Russell, J. (2005). Estrutura, Conteúdo e Andamento em uma Aula de
Música na 1ª Série do Ensino Fundamental: Um Estudo de Caso sobre
Gestão em Sala de Aula. Revista da ABEM, 12, 73-88.
Tapia, J. A., & Fita, E. C. (2001). A Motivação em Sala de Aula. São Paulo:
Edições Loyola.
Triviños, A. N. S. (1987). Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais – A
Pesquisa Qualitativa em Educação: o Positivismo, a Fenomenologia, o
Marxismo. São Paulo: Editora Atlas.
Veríssimo, D. S., & Andrade, A. S. (2001). Estudo das Representações
Sociais de Professores de 1a a 4a Série do Ensino Fundamental sobre a
Motivação do Aluno e o Papel do Erro na Aprendizagem. Revista
Paidéia, 11, 20, 73-83.
284
Vilela, C. Z. (2009). Motivação para Aprender Música: o Valor Atribuído à
Aula de Música no Currículo Escolar e em Diferentes Contextos.
(Dissertação de Mestrado), Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Efeitos de modulações tonais súbitas e
gradativas entre tonalidades menores
próximas e distantes sobre
estimações subjetivas de tempo
Erico Artioli Firmino
[email protected]
Programa de Psicobiologia - USP
José Lino Oliveira Bueno
[email protected]
Programa de Psicobiologia - USP
Resumo: O presente estudo investigou através de experimento a influência de modulações tonais entre tonalidades menores sobre estimações
subjetivas de tempo. As modulações apresentadas foram do tipo próximasúbita, distante-súbita e distante-gradativa. Cada participante escutou um
estímulo musical modulatório de 20 segundos e depois estimou sua duração. O método utilizado foi o da reprodução implicando em repetição silenciosa da duração através de cronômetro. O paradigma utilizado foi o
retrospectivo implicando que o participante foi avisado a respeito da estimação temporal somente depois da escuta musical. Os resultados mostram que, em ambiente tonal exclusivamente menor, tal como em ambiente tonal exclusivamente maior, modulações tonais distantes eliciam estimações temporais menores do que modulações tonais próximas, e também que modulações tonais distantes súbitas eliciam estimações temporais menores do que modulações tonais distantes gradativas. Os resultados são discutidos sob a perspectiva do modelo Fração de Desenvolvimento Esperado (FDE) de Firmino e Bueno (2008), bem como de outros
modelos de tempo subjetivo, memória e cognitivo-musicais pertinentes.
Palavras-chave: modulações tonais, tonalidades menores, tempo subjetivo, modelos
Effects of Sudden and Gradual Tonal Modulations between Close
and Distant Minor Keys on Subjective Time Estimation
Abstract: The present study investigated by experiment the influence of
tonal modulations between minor keys on subjective time estimations.
The presented modulations were of types close-sudden, distant-sudden,
285
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
and distant-gradual. Each participant listened to a 20-second long modulating musical stimulus and then estimated its duration. The utilized
method was the reproduction implying silent repetition of duration
through stopwatch. The utilized paradigm was the retrospective implying
that the participant was warned about time estimation only after musical
listening. The results show that, within exclusively minor key environment
in the same way of the exclusively major one, the distant tonal modulations elicit shorter time estimations than close ones, and also that sudden
tonal modulations elicit shorter time estimations than gradual ones. The
results are discussed under perspective of Expected Development Fraction Model (FDE) by Firmino and Bueno (2008), as well as under other
relevant models of subjective time, memory, and music-cognitive based.
Keywords: tonal modulations, minor keys, subjective time, models
1. Introdução
286
Na música ocidental tradicional tonal, a tonalidade é o ambiente composicional de larga-escala induzido por notas e acordes musicais, bem como
a modulação é o procedimento de mudança de uma tonalidade para outra
(Schoenberg, 1922/1999). Ao delimitar seções formais de uma peça musical, a modulação tonal desdobra inevitavelmente desenvolvimento temporal. Por essa razão, é possível supor que, tal como representações espaciais
se mostram adequadas para o entendimento da realidade psicológica das
tonalidades (e.g., ciclo de quintas, mapas tonais, hélix, torus, etc.; e.g., Krumhansl, 1990) também uma contraparte temporal deve estar envolvida
(Firmino & Bueno, 2012). Essa impressão de tempo passível de ser inferida
a partir de medidas diretas de comportamentos de estimação temporal é
denominada tempo subjetivo (Zakay, 1990; veja também Bueno, Firmino,
& Engelmann, 2002).
Firmino e Bueno (2008) investigaram se a modulação tonal afeta o
tempo subjetivo. Quatro grupos de participantes escutaram uma de quatro
progressões de acordes musicais com duração de 20 segundos cada: sem
modulação, permanecendo na tonalidade Dó maior, C; modulação súbitapróxima, modulando nos últimos acordes de Dó maior para Fá maior, CF;
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
modulação súbita-distante, modulando nos últimos acordes de Dó maior
para Sol bemol maior, CGb; e modulação gradativa-distante, partido de Dó
maior, passando por Mi bemol maior, e chegando em Sol bemol maior, CEbGb
através de vários acordes para cada estágio modulatório. Cada participante
escutou um único estímulo musical e depois estimou sua duração. O método utilizado foi o da reprodução implicando em repetição silenciosa da duração através de cronômetro. O paradigma utilizado foi o retrospectivo implicando que o participante foi avisado a respeito da estimação temporal somente depois da escuta musical (Zakay, 1990). Firmino e Bueno (2008)
obtiveram que a modulação súbita-distante elicia a subestimação mais acentuada, em contraste com a modulação súbita-próxima que elicia a subestimação menos acentuada. Outro dado relevante é o de que a modulação
súbita-distante elicia estimação temporal mais curta do que a modulação
gradativa-distante. Os autores enunciaram, então, que modulações tonais
eliciam subestimações temporais em função inversa a distâncias entre tonalidades com impacto maior para modulações súbitas.
O alongamento do tempo subjetivo tem sido explicado principalmente pela quantidade ou a complexidade da informação armazenada na memória (Ornstein, 1969), pela demanda de atenção exigida pelo estímulo
e/ou a tarefa experimental (Hicks, Miller, Gaes, & Bierman, 1976), e pela
quantidade de informação contextual circundando o estímulo e a tarefa
(Block & Reed, 1978). No entanto, esses influentes modelos de tempo
subjetivo não explicam os dados encontrados por Firmino e Bueno (2008).
O conhecimento da tonalidade e do tempo deve ser adquirido através
de aprendizagem implícita na medida que parecem ser aprendidos através
de exposição passiva, por longo prazo e incidentalmente (Boltz, Kupperman, & Dunne, 1998; Tillmann, Bharucha, & Bigand, 2000). Assim, o tempo musical em questão se aproxima do conceito de memória semântica de
Schacter e Tulving (1994). O modelo multi-componente para a memória
operacional de Baddeley (2010) afirma que a informação a ser lembrada
deve ser recuperada de modo a prevenir o seu esvanecimento em curto
prazo, e que qualquer som é verbalmente processado pelo componente alça
287
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
fonológica. No entanto, ambos os estímulos e as respostas de Firmino e
Bueno (2008) são não-verbais. Os autores propuseram, então, a mediação
de um processo de memória operacional implícita mantendo informações
não-verbais e não-visuais ou exclusivamente musicais. Adicionalmente, o
modelo MUSACT de Bharucha (1987) afirma que tonalidades distantes
são remotamente esperadas, bem como o modelo contraste de Jones e
Boltz (1989) afirma que eventos ocorridos antes do esperado eliciam subestimações temporais.
288
Nessa perspectiva, Firmino e Bueno (2008) propuseram, então, o modelo Fração de Desenvolvimento Esperado (Modelo FDE) afirmando o seguinte: se uma distância entre tonalidades é percorrida, um desenvolvimento temporal esperado é evocado. Esse desenvolvimento é maior do que a
duração percebida. Essa desproporção ou fração é aplicada sobre a duração
percebida, levando ao encurtamento do tempo. No decurso da escuta musical, a modulação tonal é induzida por meio do dispositivo memória operacional implícita musical. Em eixos de espaço (para distâncias tonais) e de
tempo, a permanência tonal é implementada através de função constante e
a mudança de tonalidade é implementada através de função parabólica. Um
dispositivo de expectativa representa através de vetores as expectativas elevadas ou decrescidas para cada momento de permanência ou modulação
tonal. O conteúdo da expectativa é o tempo virtual. Em um dispositivo de
memória semântica, três modos de expectativa e tempos virtuais são processados: o efeito local, referindo-se à influência da penúltima tonalidade sobre a
última; o efeito global, referindo-se à influência da primeira tonalidade sobre
a última; e o efeito desenvolvimental, referindo-se ao acúmulo de expectativas
locais evocadas ao longo de toda a música escutada. Firmino, Bueno e Bigand (2009) confirmaram as predições do Modelo FDE para modulações
tonais reversas. Eles encontraram que modulações tonais reversas distantes
(CGbC) eliciam estimações temporais menores do que modulações tonais
reversas próximas (CFC).
O presente estudo observou os efeitos de modulações tonais súbitas e
gradativas para tonalidades próximas e distantes em ambiente tonal exclusi-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
vamente menor para todas as condições. Isto é, em analogia às condições
experimentais de Firmino e Bueno (2008) foram apresentadas aos participantes as seguintes progressões de acordes: sem modulação, permanecendo na tonalidade Dó menor, Cm; modulação súbita-próxima, modulando
nos últimos acordes de Dó menor para Fá menor, CmFm; modulação súbitadistante, modulando nos últimos acordes de Dó menor para Sol bemol menor,
CmGbm; e modulação gradativa-distante, partido de Dó menor, passando
por Mi bemol menor e chegando em Sol bemol menor, CmEbmGbm, através
de vários acordes para cada estágio modulatório. Desse modo, o princípio
de encurtamento temporal para afastamento tonal previsto pelo Modelo
FDE foi testado em ambiente menor. Por um lado, o Modelo FDE foi construído sobre bases empíricas provindas exclusivamente de tonalidades maiores; por outro, Firmino e Bueno (2008, p. 286) mencionam que os constructos teóricos do modelo são extrapoláveis também para ambiente menor. Assim, Firmino (2009) esboçou um primeiro passo de extensão do
Modelo FDE para tonalidades menores, em decorrência ao resultado empírico encontrado de que modulações ao longo do ciclo de terças menores
(e.g., CAmA), isto é, envolvendo tonalidades relativas e homônimas, eliciam
estimações temporais menores do que modulações ao longo do ciclo de
quintas (e.g, CGDA). Para a formatação do eixo espacial do Modelo FDE,
as medidas para as distâncias intertonais foram adaptadas dos modelos
cognitivo-musical de Krumhansl (1990) e teórico-musical de Lerdahl
(2001). O presente estudo pretendeu, então, reunir bases empíricas adicionais com a finalidade de verificar as hipóteses levantadas pelo Modelo FDE
e de inferir possibilidades de ajustes ao mesmo, se pertinentes.
2. Método
2.1. Participantes e Procedimento
Participaram voluntariamente 86 universitários, 39 homens e 47 mulheres, entre 18 e 30 anos, da Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP),
com audição normal e sem treinamento musical. Eles escutaram, através de
289
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
fone de ouvido, uma de quatro progressões de acordes. Em seguida, os participantes foram requisitados a reproduzir retrospectivamente sua duração.
Apertaram, subsequentemente, as teclas “início” e “fim” do teclado extra,
marcando com bipes o início e o fim de um intervalo temporal de silêncio,
que deveria corresponder à duração da música escutada. Assim, foram apresentadas as seguintes instruções: antes da escuta: “Você vai apertar a tecla
‘play’ para escutar uma música bem simples através do fone de ouvido.
Quando a música acabar, você tira o fone de ouvido e eu passo as instruções
seguintes. Coloque o fone de ouvido de modo confortável e pode começar
quando quiser”; depois da escuta: “Você vai apertar a tecla ‘início’ e vai deixar o tempo passar. Quando você achar que o tempo que está passando
ficou igual ao tempo da música escutada, você vai apertar a tecla ‘fim’. Coloque o fone de ouvido e comece quando quiser”. A duração média entre o
término do estímulo e o início da estimação temporal (i.e., tempo de resposta) foi de 25,145 segundos. As distâncias intertonais definiram as variáveis entre-grupos.
2.2. Equipamentos e Materiais
290
O experimento foi realizado em uma sala fechada da biblioteca da
UNAERP com iluminação adequada e isolamento acústico. Os equipamentos utilizados foram os seguintes: (1) um note-book PC com o software
WaveSurfer para disparo dos estímulos e bipes e registro dos tempos de
resposta e de estimação; (2) um teclado num lock extra com a tecla “0” em
azul e escrito “play” para disparo do estímulo, bem como as teclas “+” e “enter”, respectivamente, em verde escrito “início” e em vermelho escrito “fim”,
para reprodução temporal—todas as demais teclas estavam em preto; e (3)
um fone de ouvido fechado Koss R80. O bipe (Dó central senoidal de
261,625Hz, 70dB e 50 milisegundos) foi utilizado para o participante saber
que suas reproduções temporais foram registradas pelo computador. Os
estímulos de 20 segundos e o bipe foram construídos através do software
Csound 4.19 (taxa de amostragem: 44100Hz; resolução: 16bits; modo:
mono). Os estímulos constituíram-se de progressões de 29 acordes enca-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
deados segundo as regras típicas da harmonia tradicional ocidental (Schoenberg, 1922/1999): controle CmCmnão-modulação, com permanência em Dó
menor; CmFmsúbita-próxima, com modulação súbita de Dó menor para Fá menor;
CmGbmsúbita-distante, com modulação súbita de Dó menor para Sol bemol menor;
e CmEbmGbmgradativa-distante, com modulação gradativa partindo de Dó menor,
passando por Mi bemol menor, e chegando a Sol bemol menor. A teoria musical prevê Ebm como equidistante de Cm e Gbm. Nos estímulos CmFm e
CmGbm, as modulações são súbitas porque ocupam apenas os últimos três
acordes e não há confirmação da tonalidade destino. No estímulo
CmEbmGbm, a modulação é gradativa porque: nos acordes 1 a 9, estabelece-se a tonalidade Cm; nos acordes 10 a 14, faz-se a modulação para a tonalidade Ebm; nos acordes 15 a 19, estabelece-se a tonalidade Ebm; nos acordes 20 a 24, faz-se a modulação para a tonalidade Gbm; e nos acordes 25 a
29, estabelece-se a tonalidade Gbm. Todos os acordes foram tríades (acordes) maiores ou menores sem omissão e dobramento de nenhum de suas
três notas. Adotou-se o temperamento igual para a escala de alturas (razão
de semitom: 21/12; Dó central: 261,625Hz). As notas musicais foram acusticamente constituídas por tons de Shepard (1964) conforme Firmino e
Bueno (2008), que permitem o efeito psicoacústico de obscurecimento dos
movimentos horizontais das vozes extremas soprano e baixo.
3. Resultados e Discussão
A Tabela 1 mostra médias e desvios padrões de reproduções (estimações) temporais retrospectivas para cada grupo de participantes referentes
às progressões de acordes modulatórias. Todas as médias das estimações
para as modulações (CmFm, CmGbm e CmEbmGbm) são menores do que a
do controle não modulatório (Cm). A menor média é a da modulação súbita distante (CmGbm), seguida da modulação gradativa distante
(CmEbmGb), e depois da modulação súbita próxima (CmFm). Todos esses
efeitos são confirmados pela ANOVA e o pelo teste post-hoc Holm-Sidak,
F(3,82) = 20,8 p < 0,05 (MSE = 365,07).
291
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Médias (s)
Desvios Padrões (s)
Cmnão-modulação
27,831
5,271
CmFmsúbita-próxima
24,738
3,789
CmGbmsúbita-distante
17,913
4,051
CmEbmGbmgradativa-distante
21,985
3,505
Estímulos
Tabela 1. Médias e desvios padrões de reproduções temporais retrospectivas para quatro progressões
de acordes de 20 segundos que desdobram modulações entre tonalidades menores.
Os dados mostram que modulações tonais súbitas e gradativas entre
tonalidades menores afetam estimações subjetivas de tempo. Esses resultados também confirmam o principio mais importante do Modelo FDE de
Firmino e Bueno (2008) de que, quanto maior é a distância entre as tonalidades envolvidas, menores serão as estimações temporais, com impacto
maior para modulações súbitas.
292
Diferentemente, o modelo tamanho de armazenamento de Ornstein
(1969) prevê que quanto maior o número de informações e a complexidade armazenadas na memória, mais o tempo subjetivo será alongado. O
modelo atencional de Hicks et al (1976) prevê que quanto maior a demanda atencional decorrente do estímulo ou da tarefa, maior será o alongamento temporal. E o modelo mudança contextual de Block e Reed (1978) prevê
que quanto mais informações contextuais houver ao redor do estímulo na
circunstância experimental, maior será o alongamento de tempo. Assim, se
se hipoteticamente supusesse que o aumento da distância intertonal implicasse aumento da quantidade e complexidade da informação constituinte
da modulação, induzindo, por sua vez, uma maior quantidade de reservas
de memória ou de atenção, esperar-se-ia, então, alongamento do tempo
subjetivo correspondente. Entretanto, os resultados desse estudo contradizem essas suposições. Além disso, como não houve variação contextual nas
condições experimentais do presente estudo, o modelo mudança contextu-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
al também não explica os resultados encontrados. Contudo, isso não quer
dizer que processos de memória e de atenção não estejam envolvidos, mas
podem estar envolvidos de outra maneira.
Ao longo da vida, as pessoas aprendem de forma implícita a linguagem
verbal, a linguagem musical tonal e o tempo subjetivo (Boltz et al, 1998;
Tillmann et al, 2000). O Modelo FDE diz respeito ao estágio final ideal de
aprendizagem cognitiva de tonalidades e modulaçôes em humanos adultos
(Firmino e Bueno, 2008; veja também Bharucha, 1987). Ao escutar uma
composição musical modulatória, o ouvinte espera, baseado em seu conhecimento implícito, um desenvolvimento temporal adequado à distância
intertonal percorrida: quanto maior a distância, mais longo é esse desenvolvimento. Essa projeção espaço-temporal é guardada na memória semântica
musical (veja também Schacter & Tulving, 1994), ao passo que a duração
percebida é guardada na memória operacional implícita musical (veja também Baddeley, 2010). Esse desenvolvimento esperado parece ser maior do
que a duração percebida, e esse efeito é ainda mais contundente quando a
modulação é súbita. Por ocasião da tarefa de estimação, a desproporção (ou
“fração”) entre o desenvolvimento esperado e a duração percebida é aplicada sobre a duração percebida, resultando em encurtamento relativo e sistemático do tempo.
A colaboração relevante e original dos presentes resultados concerne
ao processamento cognitivo-temporal de tonalidades menores em percurso
modulatório sugerindo extensão correspondente ao Modelo FDE. O trabalho de Firmino e Bueno (2008) não contempla experimentalmente tonalidades menores, e o Modelo FDE proposto por eles não é formalmente
desdobrado para exemplificar o processamento das mesmas, embora os
autores mencionem tal possibilidade. Complementariamente, Firmino
(2009) amplia o Modelo FDE formatando o eixo espacial com medidas
adaptadas de Krumhansl (1990) e Lerdahl (2001), a fim de se contemplar
todas as 24 tonalidades maiores e menores existentes. No entanto, porque a
ampliação do Modelo FDE foi destinada imediatamente para explicar as
estimações temporais devidas às modulações tonais ao longo dos ciclos de
293
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
quintas e terças menores, não foi feito o detalhamento refinado necessário
dessas medidas para contemplar modulações em ambiente tonal exclusivamente menor. Desse modo, é justamente nesse ponto que os dados desse
estudo podem contribuir: a regularidade empírica e estatística encontrada
pode sugerir ajustes precisos e cruciais ao Modelo FDE. Formalmente,
esses ajustes poderão capacitar o Modelo FDE para o processamento espaço-temporal de modulações “para” e “através de” quaisquer tonalidades.
Finalmente, quando combinados a essa perspectiva teórica do Modelo
FDE, os presentes resultados incentivam heuristicamente ainda possíveis
futuras pesquisas experimentais e teóricas a propósito de explorações musicais modulatórias envolvendo regiões tonais maiores e menores.
Referências
Baddeley, A. (2010). Working memory. Current Biology, 20(4), 136-140.
Bharucha, J. (1987). Music cognition and perceptual facilitation: a connectionist framework. Music Perception, 5(1), 1-30.
Block, R. A., & Reed, M. (1978). Remembered duration: evidence for a
contextual-change hypothesis. Journal of Experimental Psychology: Human Learning and Memory, 4, 656-665.
Boltz, M., Kupperman, C., & Dunne, J. (1998). The role of learning in remembered duration. Memory and Cognition, 26(5), 903-921.
294
Bueno, J. L. O., Firmino, E., & Engelmann, A. (2002). Influence of generalized complexity of a musical event on subjective time estimation. Perceptual and Motor Skills, 94, 541-547.
Firmino, E. A. (2009). Dimensões Cognitivas Espaço-Temporais do Senso Tonal da Música. (Tese de Doutorado não publicada). Departamento de
Psicologia, Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto.
Firmino, E. A., & Bueno, J. L. O. (2008). Tonal modulation and subjective
time. Journal of New Music Research, 37(4), 275-297.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Firmino, E. A., & Bueno, J. L. O. (2012). Representação do modelo fração
de desenvolvimento esperado contextual como ferramenta analítica
para peças musicais modulatórias: aplicação sobre o “Prelúdio n. 9 op.
28” de Chopin. Anais do IV Encontro de Musicologia de Ribeirão Preto.
Departamento de Música, Universidade de São Paulo em Ribeirão
Preto.
Firmino, E., Bueno, J. L. O., & Bigand, E. (2009). Travelling through pitch
space speeds up musical time. Music Perception, 26(3), 205-209.
Hicks, R. E., Miller, G., Gaes, G., & Bierman, K. (1976). Concurrent processing demands and the experience of time-in-passing. American Journal of Psychology, 90, 431-446.
Jones, M., & Boltz, M. (1989). Dynamic attending and responses to time.
Psychological Review, 96, 459–491.
Krumhansl, C.L. (1990). Cognitive Foundations of Musical Pitch. New York &
Oxford: Oxford University Press.
Lerdahl, F. (2001). Tonal Pitch Space. Oxford & New York: Oxford University Press.
Ornstein, R. (1969). On the Experience of Time. Harmondsworth, U.K.: Penguin.
Schacter, D., & Tulving, E. (1994). What are the memory systems of 1994?
In D. Schacter, & E. Tulving, Memory Systems (pp. 1-38). Cambridge:
MIT Press.
Schoenberg, A. (1922/1999). Harmonia (M. Maluf Trans.). São Paulo:
Editora Unesp.
Shepard, R. N. (1964). Circularity in judgements of relative pitch. Journal of
the Acoustical Society of America, 36, 2346-2353.
Tillmann, B., Bharucha, J., & Bigand, E. (2000). Implicit learning of tonality:
a self-organizing approach. Psychological Review, 107(4), 885-913.
295
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Zakay, D. (1990). The evasive art of subjective time measurement: Some
methodological dilemmas. In R. A. Block (Ed.), Cognitive models of psychological time (pp. 59-84). New Jersey: Lea Publishers.
296
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Emoção e significado em música:
um novo olhar sobre as propostas de
Leonard B. Meyer
Marcelo Muniz
[email protected]
Universidade de São Paulo – USP
Maria Inês Nogueira
Resumo: Em 1956, Leonard B. Meyer publicou o livro “Emotions and
meanings in music”. O problema do significado musical e das respostas afetivas à música é abordado na obra segundo ponto de vista objetivo, pautado na formação de expectativas, de forma a situar parte da fruição musical no território probabilístico. Embora o trabalho de Meyer traga, ainda
hoje, questões relevantes tanto para o universo da cognição musical como
para a musicologia, sendo amplamente citado em ambas as áreas, pouco se
tem discutido acerca de suas propostas originais. O presente estudo objetiva buscar no arcabouço científico atual, substrato neural que embase suas propostas, visando contribuir para a compreensão do aspecto específico
da fruição musical abordado na obra. A partir do final dos anos 1990, estudos utilizando tomografia por emissão de pósitrons e ressonância magnética funcional, identificaram, durante a audição de música tonal, ativação de sistemas de gratificação geralmente associados a comportamentos
motivados, como alimentar, sexual, ou uso de drogas recreativas. Os sistemas de gratificação têm sido diretamente relacionados à predição e geração de respostas hedônicas, sendo que a análise detalhada dos seus mecanismos evidenciou suporte adequado à hipótese de formação de expectativas segundo modelagem probabilística. A análise utilizada encontrou,
assim, consonância entre as hipóteses de Meyer e as pesquisas neurocientíficas relacionadas aos mecanismos de gratificação, sugerindo os últimos
como possível substrato neural subjacente ao aspecto de fruição proposta
por Meyer.
Palavras-chave: emoção, expectativa em música, fruição musical, mecanismos de recompensa
Emotion and meaning in music: An updated view on Leonard B.
Meyer proposal’s
297
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Abstract: In 1956, Leonard B. Meyer published the book “Emotions and
meaning in music”. In that book the issue of musical meaning and affective responses to music is discussed on an objective point of view, which
one relays on the concepts of formation of expectations that take place on
musical enjoyment according to probabilistic terms. Although the work of
Meyer brings, even today, relevant insights to both the musical cognition
world and musicology, as far as it is widely quoted in these areas, little has
been discussed about the original proposals. The present study, aims to
find the neural substrate in the current scientific framework that could
support that proposal, aiming to contribute to the understanding of specific aspects approached in that work. The appropriated subsides came from
late 1990s studies using positrons emission tomography and functional
magnetic ressonance imaging techniques carried out during tonal music
listening. The data demonstrated activation of rewarding systems, generally associated with goal-directed behaviors as eating and sexual ones or use
of drugs of abuse. The rewarding systems have been related to prediction
and generation of hedonic responses. The detailed analysis of its mechanisms revealed a suitable suport to probabilistic modeling of the expectation formation hypothesi’s. This analysis reveals agreement between Meyer's hypothesis and neuroscientific researchs related to rewarding mechanisms suggesting the latter as the possible neural substrate underlying the
enjoyment aspect proposed by Meyer.
Keywords: emotion, expectation in music, musical enjoyment, reward
mechanisms
Introdução
298
O livro “Emotions and meanings in music” de Leonard B. Meyer
(1956) é um dos mais importantes trabalhos publicados no campo da cognição musical, tratando de questões centrais, ainda nos dias de hoje, tanto
para musicologia, como para a cognição musical.
Por meio de cuidadosa construção argumentativa, Meyer (1956) aborda a comunicação musical tratando conteúdo intelectual e emocional
como duas faces de um mesmo processo psicológico, diluindo, tal qual a
visão cognitivista atual, a suposta polaridade existente entre razão e emoção,
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
vinculando, ainda, a emergência de significados e respostas emocionais à
música, à construção de expectativas, e, assim, situando ambos os processos,
no território das probabilidades.
Embora o trabalho de Meyer (1956) seja frequentemente citado em
publicações da área, pouca atenção tem sido dispensada às suas propostas
originais. Entende-se, no entanto, que as proposições, situadas segundo
delimitações adequadas, tomadas como uma, dentre as diversas peças de
um mosaico que constitui a representação mental que sustenta a fruição
musical, revelam um aspecto único inerente à escuta da música tonal.
Pesquisas diversas, por outro lado, no campo das neurociências, evidenciam, durante a escuta de música tonal, a atuação de sistemas neurais
relacionados à formação de expectativas e emoção, passíveis de serem modelados probabilisticamente, alinhando-se assim às hipóteses originais de
Meyer (1956).
O presente trabalho é parte de pesquisa desenvolvida na dissertação de
mestrado do autor e propõe a análise da pertinência da relação entre o substrato neural atribuído à escuta tonal e as propostas de Meyer (1956), visando contribuir para a ampliação da compreensão do processo de fruição
musical.
Música, emoção e significados
O problema do significado musical e das respostas emocionais à música é abordado por Meyer (1956) a partir de sua identificação no âmago de
duas linhas distintas de posicionamento estético: formalismo e expressionismo. Segundo Meyer (1956), formalistas, como Hanslick, por exemplo,
entendem o significado musical como exclusivamente intelectual e com
origem no interior do próprio material musical. Os expressionistas, por sua
vez, entendem o significado musical como de ordem emocional, passível de
deflagrar sentimentos e emoções no ouvinte. A origem do significado para
os expressionistas, no entanto, é entendida segundo dois pontos de vista: o
299
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
absolutista, que entende a emergência do significado com origem nas relações intramusicais, e o referencialista, que entende o significado como algo
que aponta para fora do material musical.
Tanto formalistas quanto absolutistas têm problemas em responder de
que modo conteúdo intelectual e emocional, respectivamente, vêm a emergir do universo abstrato do qual se constitui o material musical. A dificuldade estaria relacionada ao entendimento equivocado do conceito de significado. Meyer (1956) aponta para duas classes de significados: designativos e
incorporados. O significado designativo é o mais comumente empregado,
como quando uma palavra aponta para algo de natureza diferente dela própria. No significado incorporado, por outro lado, antecedente e consequente
apontam para elementos de mesma natureza, como quando “uma luz no
horizonte prenuncia o início do dia”. Na música, a emergência de significado incorporado se dá pela interpretação das relações entre seus elementos
internos em suas devidas hierarquias, ou seja, pelo entendimento da relação
entre notas, frases, períodos ou seções, por exemplo. É a esse tipo de significado, incorporado, ao qual Meyer (1956) orienta sua argumentação [1].
300
Uma vez que a música tonal é constituída por um conjunto finito de
elementos discretos (notas musicais), manipulados segundo padrões determinados e organizados segundo divisões temporais estabelecidas, podese entender o sistema, como um todo, como um sistema probabilístico,
onde o material musical é tomado por espaço amostral, como conjunto de
possibilidades, e os padrões, estabelecidos pelo estilo, como conjunto de
probabilidades. O sistema entendido como probabilístico, possuindo “caminhos” mais prováveis, ou cursos “naturais” de desenvolvimento, é alinhado por Meyer (1956) à teoria da informação [2], segundo a qual a quantidade de informação é inversamente proporcional à probabilidade de ocorrência.
Assim, significado musical e respostas emocionais, bem como suas
respectivas magnitudes, emergiriam, segundo Meyer (1956), pelo bloqueio
ou retardamento do fluxo natural da informação, ou seja, pela introdução de
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
elementos menos prováveis no lugar de mais prováveis, alinhando significados e respostas emocionais aos preceitos da teoria da informação.
A formação de expectativas pelo ouvinte seria moldada pela formação
de hábitos de escuta. Assim, elementos normalmente mais recorrentes seriam incorporados como mais esperados que elementos menos recorrentes,
de forma que a escuta e a formação de expectativas se construiria de acordo
com a oferta estatística de material musical, pressupondo assim, aprendizado. A emergência de significados e respostas emocionais por parte do ouvinte se daria pela “diferença” entre o evento esperado e o evento real.
Mecanismos neurais subjacentes à escuta musical
Um aspecto importante na base das formulações de Meyer (1956) é a
ideia de que as respostas emocionais deflagradas pela música compartilham
dos mesmos processos psicológicos envolvidos na geração de todo o espectro de respostas emocionais de um modo geral. Assim, é de se esperar que,
ao se identificar mecanismos neurais subjacentes a respostas emocionais à
musica, estes, sejam mecanismos também envolvidos na geração de respostas emocionais de um modo geral.
Nesse sentido, uma série de estudos de imageamento realizados a partir do final dos anos 1990 corroborando a hipótese de compartilhamento
de Meyer (1956), revelaram, durante o processo de audição musical, ativação efetiva de mecanismos de gratificação (ou recompensa), geralmente
associados à comportamentos motivados, como alimentar, sexual ou uso de
drogas recreativas, bem como regiões límbicas e paralímbicas, geralmente
associadas à respostas emocionais (Blood et. al, 1999; Blood e Zatorre,
2001; Brown et. al. 2004; Menon e Levitin 2005 ). Menon e Levitin (2005)
identificaram, ainda, a associação entre liberação de dopamina e resposta do
núcleo acumbente à música, enquanto que Salimpoor et. al (2011) observou que a antecipação de uma recompensa abstrata pode resultar na liberação de dopamina em vias anatômicas diferentes das associadas a prazer.
301
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Os mecanismos de recompensa compreendem três componentes
formados por substratos neurais parcialmente dissociáveis relacionados à
motivação, aprendizado e hedonia, tendo a dopamina como principal modulador (Berridge e Kringelbach, 2008). Grosso modo, pode-se pensá-los
como mecanismos moldados pela evolução, primordiais para manutenção
basal do indivíduo (ao atuar, por exemplo, sobre o comportamento alimentar), e preservação da espécie (ao atuar sobre comportamento sexual), que
foi, posteriormente, cooptado, na linhagem humana, para atuação em comportamentos mais abstratos como, por exemplo, a fruição estética.
A capacidade de fazer previsões é uma função intimamente ligada aos
mecanismos de recompensa. Um animal faminto que alcança uma presa,
ativa os mecanismos de recompensa que reforçam o comportamento bem
sucedido pela alteração do peso de determinadas sinapses, ao mesmo tempo em que geram resposta hedônica, influenciando o comportamento no
aspecto motivacional. Ao avistar, posteriormente, uma presa, o animal utiliza o conhecimento previamente adquirido (aprendizado), favorecendo o
sucesso da nova ação. O momento entre o avistar a presa e, efetivamente,
captura-la é marcado por um momento de expectativa, construída sobre
todo o arcabouço de experiências passadas. Assim, pode-se entender o aprendizado como um processo de mudanças comportamentais baseadas na
atualização contínua das predições (Schultz, 2010).
302
A codificação de expectativas a partir de estímulos externos pode ser
observada por meio do monitoramento individual de neurônios dopaminérgicos. Durante processo de aprendizado Pavloviano, observa-se, com
monitoramento de tais neurônios, que suas respostas fásicas migram temporalmente, do momento da recompensa para o momento do estímulo
condicionado e, em casos nos quais o estímulo condicionado é apresentado
e a recompensa não entregue, há depreciação da atividade basal no momento seguinte ao qual deveria ter sido entregue a recompensa (Schultz, Dayan
e Montague, 1997). Em contexto experimental onde a entrega das recompensas variou segundo probabilidades pré-estipuladas, Fiorillo et al (2003)
observaram que a magnitude das respostas dopaminérgicas variaram de
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
forma inversamente proporcional à probabilidade de recebimento de recompensa, evidenciando o caráter de codificação preditiva passível de modelagem probabilística.
Acredita-se que os neurônios dopaminérgicos envolvidos no processamento de recompensa codifiquem a estimativa de erro entre evento atual
e evento futuro pelo ajuste paulatino e quantitativo das forças sinápticas até
que o evento possa ser previsto com acurácia (Glimcher, 2011).
A atividade neuronal baseia-se no fluxo de íons para dentro e para fora
da célula, o que faz com que pequenas correntes elétricas se estabeleçam e
variem, de forma padronizada, entre a membrana da célula e o meio externo. A introdução de microeletrodos no interior ou adjacências da célula
permite medir a atividade de neurônios individuais, como no caso dos estudos com neurônios dopaminérgicos relatados. A atividade de grupos de
neurônios pode gerar variações de corrente elétrica com amplitude suficiente para serem detectadas por eletrodos no escalpo, técnica chamada de
eletroencefalografia (EEG).
Diversas técnicas vêm sendo empregadas para estudos envolvendo expectativa musical, dentre as quais, os ERP's (Event-Related Potentials), que
utilizam EEG como medida. Besson e Faïta (1995) encontraram, utilizando
ERP, um potencial elétrico elicitado quando notas incongruentes são detectadas em uma melodia. O pulso surge 600ms após a detecção, e, por ser
positivo é chamado de P600. O estudo revelou que o P600 varia proporcionalmente ao grau de incongruência da nota em relação ao contexto tonal, além de apresentar amplitude relativa maior para os sujeitos experimentais músicos e excertos musicais conhecidos, em relação a sujeitos não músicos e excertos não familiares.
A existência de um pulso elétrico responsivo a incongruências pressupõe, por si só, expectativa. A variação proporcional da amplitude do pulso
em função do grau de incongruência, no entanto, aponta para um tipo de
expectativa moldada probabilisticamente, uma vez que determinados elementos (no caso notas musicais) são “mais esperados” do que outros ele-
303
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
mentos. Assim, observa-se, a princípio, consonância entre os dados experimentais e a escuta dirigida segundo expectativas, proposta por Meyer
(1956). Uma vez que os dados experimentais revelam também modulação
de amplitude relativa do pulso em função da experiência musical e familiaridade com o material musical, é possível também apontar para um tipo de
escuta construída sob influência da magnitude de exposição.
Nesse sentido, estudos comportamentais utilizando linguagem artificial demonstram que a simples exposição à sequências de sons ou fonemas é
suficiente para internalização de regras de construção gramaticais, pela
identificação (não consciente) das probabilidades transicionais entre os
elementos (Saffran et al, 1999), corroborando a hipótese de formação de
expectativas de acordo com a oferta estatística de estímulos, ou, formação
de hábito de escuta.
Discussão
304
O desenvolver musical (tonal), tomado como fluxo contínuo de informação, gerido probabilisticamente em função do estilo, possibilitando
geração de expectativas durante a escuta, como proposto por Meyer
(1956), envolve, necessariamente, mecanismos de aprendizado e predição,
visto que as expectativas são moldadas pela relação entre experiências passadas e probabilidades futuras. Uma vez que os mecanismos de recompensa
atuam de forma conjunta para um mesmo estímulo, expectativas atendidas,
simultaneamente, reforçam comportamento e são recompensadas com
resposta hedônica. Assim, sugere-se que a formação de expectativas moldada por exposição seja suportada pelos mecanismos neurais compreendidos
pelos sistemas de recompensa.
Meyer (1956) atribui, no entanto, a emergência de significado e respostas afetivas à música, à obliteração ou retardo do fluxo natural de informação.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Embora a verificação estrita desse tipo de comportamento necessite de
estudos futuros, há como formular uma hipótese plausível com a utilização
dos parâmetros disponíveis até então. Sabe-se que em contexto onde há
incerteza com relação à recompensa (como ocorre na música tonal), há
incremento de atividade dopaminérgica sustentada que varia proporcionalmente à incerteza (Fiorillo et al, 2003). Assim, a previsão de um evento
faz aumentar o nível médio de dopamina no sistema. Meyer (1956), no
entanto, observa que, na música, os desvios ou retardos no curso natural são
sempre posteriormente resolvidos. Pensando-se no contexto da audição de
música tonal, a predição de um determinado evento causaria um pico de
dopamina. O não atendimento da expectativa gerada, em função de um
retardo, causaria depleção da atividade dopaminérgica engendrando tendência à diminuição de dopamina no sistema. A ocorrência posterior do
evento seria tomada como recompensa não prevista, causando um novo
pico de dopamina. Pode-se pensar que, se o intervalo de tempo entre a “não
recompensa” e a recompensa for suficientemente curto para que o nível de
dopamina não retoaja ao basal, haverá somatória do pico de dopamina
gerado pela recompensa “não prevista” com o nível residual de dopamina
resultante da predição não atendida, gerando um pulso dopaminérgico
maior do que o normal numa situação de expectativa atendida o que, possivelmente, implicaria no incremento de resposta hedônica [3] e, por conseguinte, incremento do prazer subjetivo.
Assim, entende-se haver sustentação para as proposições de Meyer
(1956) no corpus de conhecimento científico atual, sugerindo-se papel protagonista dos mecanismos de recompensa nos processos envolvidos nesse
aspecto específico de fruição.
Há, entretanto, necessidade de futuras investigações específicas que
possam estabelecer com mais acurácia a amplitude de validade das assertivas. Entende-se, no entanto, que o resgate das hipóteses de Meyer (1956), e
sua validação efetiva, tragam à tona um aspecto peculiar inerente à música
tonal, sendo sua caracterização de extrema importância para futuros estudos que abarquem a fruição musical de forma mais abrangente.
305
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Notas
[1]Meyer trata especificamente da música tradicional ocidental, de forma que as
referências feitas à música no decorrer do texto referem-se também a esse repertório.
[2]Para maiores detalhes acerca das relações entre música e teoria da informação
propostas por Meyer, recomenda-se a leitura de: Meyer, L. B. (1957). Meaning in music
and information theory. Journal of Aesthetics and Art Criticism 15:412–424
[3]Embora a dopamina tenha papel fundamental no processo de recompensa, a elicitação
de respostas hedônicas têm sido associadas à ação do opióide endógeno µ-opióide no
núcleo acumbente (Smith et al, 2011). Assim, aumento de dopamina no núcleo
acumbente quando detectado, por exemplo, pela utilização de monitoramento por
tomografia por emissão de pósitrons (PET), (como em Salimpoor et al 2011) deve ser
considerado mais como indicador, de forma parcimoniosa, do que como ação de um
efetor.
Referências
Berridge K. C., Kringlebach M. L. (2008). Affective neuroscience of pleasure: reward in humans and animals. Psychopharmacology 199, 457–
480.
Besson, M., & Faïta, F. (1995). An event-related potential (ERP) study of
musical expectancy: Comparison of musicians with nonmusicians.
Journal of Experimental Psychology: Human Perception and Performance,
21, 1278–1296.
Blood, A.J., Zatorre, R.J. (2001). Intensely pleasurable responses to music
correlate with activity in brain regions implicated in reward and emotion. PNAS, vol. 98 no. 20, 11818–11823.
306
Blood, A.J., Zatorre, R.J., Bermudez, P., Evans, A.C. (1999). Emotional responses to pleasant and unpleasant music correlate with activity in
paralimbic brain regions. Nature Neuroscience, vol.2 no. 4, 382–387.
Brown, S., Martinez, M.J., Parsons, L.M. (2004). Passive music listening
spontaneously engages limbic and paralimbic systems. NeuroReport,
vol. 15 no.13, 2033–2037.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Fiorillo, C.D. et al. (2003). Discrete coding of reward probability and uncertainty by dopamine neurons. Science, 299, 1898–1902.
Glimcher, P. W. (2011). Understanding dopamine and reinforcement
learning: The dopamie reward prediction error hypotesis. PNAS, vol.
108 suppl.3, 15647-15654.
Menon, V. & Levitin, D.J. (2005) The rewards of music listening: Response
and physiological connectivity of the mesolimbic system. NeuroImage
vol. 28, no.1, 175-184.
Meyer. L. B. (1956). Emotion and Meaning in Music. University of Chicago
Press, Chicago.
Saffran, J. R., Johnson, E. K., Aslin, R. N., & Newport, E. L. (1999). Statistical
learning of tone sequences by human infants and adults. Cognition, 70,
27–52.
Salimpoor, V.N., Benovoy M., Larcher K., Dagher A., Zatorre R.J. (2011).
Anatomically distinct dopamine release during anticipation and experience of peak emotion to music. Nature Neuroscience, vol.14 no.2, 257–
262.
Schultz, W, Dayan P, Montague P. R. (1997). A neural substrate of prediction and reward. Science, 275, 1593–1599.
Schultz, W. (2010) Dopamine signals for reward value and risk: basic and
recent data. Behavioral and Brain Functions, 6, 24.
Smith, K. S., Berridge, K. C. e Aldridge, W. (2011). Disentangling pleasure
from incentive salience and learnind signals in brain reward circuitry.
PNAS vol. 108 n. 27, 255-264.
307
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Cultura e memória:
considerações sobre a recepção musical
Danilo Ramos
[email protected]
Universidade Federal do Paraná - UFPR
Adriano Elias
[email protected]
Universidade Federal do Paraná - UFPR
Elder Gomes da Silva
[email protected]
Universidade Federal do Paraná - UFPR
Resumo: O objetivo deste trabalho é discutir algumas questões a respeito
da recepção das obras musicais a partir da literatura científica das áreas de
cognição, sociologia e neurociência. A música é tratada como um sistema
distinto, mas não independente da sociedade que a produz e recebe. Desta
forma, a recepção musical é vista como uma experiência incorporada, na
qual não é possível destituir o contexto e a própria trajetória do ouvinte.
Logo, os processos de enculturação têm um papel importante durante experiência musical, na medida em que tais processos proporcionam a construção e a manutenção de um habitus de escuta. Isso parece estar ligado à
memória, que, ao ser evocada, traz consigo uma série de elementos, como
fatores afetivos e contexto de ação. A partir desta discussão, sugere-se que
os pesquisadores em Cognição Musical levem em conta a maneira pela
qual os indivíduos experienciam a música no cotidiano, pois esta parece
ser uma variável a ser considerada em estudos envolvendo respostas à tarefas de escuta musical.
Palavras-chave: cultura, memória, recepção musical.
308
Culture and memory: considerations about the music reception
Abstract: The purpose of this work is discussing some issues regarding
the reception of musical works from the scientific literature in the domain
of cognition, sociology and neuroscience. Music is treated as a distinct system, but not independent from the society that produces and receives it.
Thus, the reception music is seen as an incorporate experience, in which it
is not possible dismiss the context and the listener's own trajectory. Hence,
the processes of enculturation play an important role during the music ex-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
perience because these processes provide the construction and maintenance of a habitus of listening. This seems to be linked to memory, in
which, when invoked, brings a number of important elements, such as affective factors and the context of action. From this discussion, we suggest
that researchers in Music Cognition consider the way people experience
music in everyday life, because this seems to be a variable to be considered
in studies involving responses to musical listening tasks.
Keywords: culture, memory, music reception.
1. Introdução
Como recebemos uma obra musical? Esta mesma experiência pode ser
compartilhada por outras pessoas de uma mesma comunidade ou esta
recepção é algo essencialmente pessoal? Neste trabalho, discutimos alguns
pontos para estas reflexões, procurando trazer contribuições de áreas como
a Cognição, Sociologia e a Neurociência.
2. Música e cultura
As relações entre música e sociedade parecem constituir um ponto de
grande importância para o estudo da cognição musical (North & Hargreaves 2008 como citado em Ilari, 2010). De um modo geral, existem duas
formas de compreender essas relações: a partir da suposição de que, como
outras manifestações artísticas, a música seja uma representação da sociedade e, por outro lado, de que música e sociedade constituam sistemas
distintos, porém não totalmente independentes.
A ideia de que a cultura seja um simulacro da sociedade está presente
em Adorno (2009), na medida em que o autor supõe sentidos e significados ideais para as práticas e produtos artísticos. Como observou Dahlhaus
(1983, p. 153), aquele que recebe o produto musical, recebe a seu modo.
Em outras palavras, é possível que a recepção da obra musical projete não
somente os significados pressupostos à obra, mas também a própria experiência do ouvinte. Desta forma, determinado hino nacional, por exemplo,
309
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
pode possuir uma dimensão simbólica mais ou menos definida entre os
cidadãos daquele país, ao passo que a Sinfonia nº 2 de G. Mahler pode oferecer outras possibilidades de experiências subjetivas e particulares.
Para DeNora (2000, p. 2),
[…] o trabalho de Adorno representa o desenvolvimento mais significativo no século XX para a ideia de que a música é uma "força"
na vida social, um material de construção da consciência e da estrutura social. Mas porque não fornece aparelhos para ver estas coisas
como elas realmente acontecem, o trabalho de Adorno também
tem o poder de frustrar; o seu trabalho não oferece suporte conceitual para ver a música no ato de exercício inconsciente, nenhuma
consideração de como a música entra em ação [1].
Deste modo, apoiada em autores como Howard Becker, Richard Peterson, Samuel Gilmore e Adele Clarke, DeNora (2000) sugere que a música constitui um sistema particular, mas não independente, que se encontra, por sua vez, intimamente articulado com a sociedade. Assim, a recepção
da obra musical não ocorre somente a partir de seu significado intrínseco,
mas estabelece relações diretas com o ouvinte e seu contexto.
310
De modo similar, Nogueira (2010) tratou a recepção da obra musical
como uma experiência incorporada, da qual é impossível destituir a forma,
o conteúdo e a própria experiência do ouvinte. Segundo o autor, “[…] se a
música oferece uma representação, não é uma representação da experiência
objetiva, mas do nosso entendimento dessa experiência. Aquilo que a música pode comunicar não é, meramente, um pensamento, mas uma experiência” (Nogueira, 2010, p. 39).
Neste sentido, considerando a experiência musical enquanto uma experiência incorporada, pode-se questionar quais são os mecanismos empregados durante a percepção relacionados ao seu contexto social. Embora
ainda não seja possível determinar com precisão a totalidade destes mecanismos [2], porque, muitas vezes, tratam-se de experiências pessoais, efêmeras e não-lineares, ao menos um destes já vem sendo estudado pela et-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
nomusicologia e pela cognição musical: a enculturação ou aculturação
(Thompson & Balkwill, 2010, Sloboda, 2008, Hargreaves & Zimmerman,
2006, Hargreaves, North & Tarrant, 2006, Balkwill & Thompson, 1999).
De um modo geral, os dois termos têm sido utilizados para definir o mesmo
conceito em estudos de cognição musical, embora a literatura apresente
uma diferença sutil para sua utilização em contextos mais amplos. Aculturação é a dinâmica de incorporação de uma determinada cultura em detrimento de outra, como utilizado por Barros (2011), em que o prefixo “a”
indica a negação da cultura oprimida. O conceito tem sido de grande interesse para áreas como a etnomusicologia e a antropologia cultural, principalmente no contexto de colonialismo e globalização. Enculturação, por
outro lado, tem a ver com o processo de inclusão de determinado indivíduo
em sua própria cultura (cf. Thompson & Balkwill, 2010), o que a torna um
tema interessante para os estudos de psicologia do desenvolvimento musical. Alguns autores da área de cognição se referem frequentemente a este
processo por aculturação, como Hargreaves e Zimmerman (2006). Neste
trabalho, contudo, será usado o termo enculturação em seu sentido estrito.
Os estudos sobre enculturação têm sido relevantes para a compreensão do desenvolvimento musical na infância e adolescência, principalmente
no que tange à preocupação com a preferência musical (Hargreaves, North
& Tarrant, 2006) e aquisição de habilidades (Sloboda, 2008). Para Hargreaves e Zimmerman (2006), a enculturação ocorre durante toda a vida do
indivíduo, de modo espontâneo, mediado pelo contexto cultural e familiar.
Contudo, a exposição às estruturas musicais, conforme sugerido por Parncutt (2006), ocorre desde período pré-natal, principalmente a partir dos
sons uterinos, do ambiente externo e da fala materna, que carrega informações importantes sobre prosódia, ritmo e acentuações.
Becker (2010) traz à tona uma questão interessante quando questiona
os modos de escuta e a pesquisa em comunicação emocional em música. O
que há de errado na metodologia empregada no Ocidente? Para a autora,
Nada, se a intenção é descrever as respostas afetivas para performances descontextualizadas por ouvintes americanos ou europeus de
311
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
classe-média, ouvindo música enquanto estão sentados silenciosamente. A situação de laboratório pode refletir o hábito de muitos
ouvintes ocidentais, possivelmente ainda mais agora do que no passado, já que muito da escuta musical ocorre ligada a fones de ouvido em vez de performances ao vivo. (Becker, 2010, p. 128) [3].
Neste sentido, a autora sugere a existência de um papel importante da
cultura e do contexto social sobre os modos de escuta e recepção da obra
musical. A recepção, desta forma, perpassa pelo contexto sociocultural e
pessoal do ouvinte, engendrada pela memória e seu habitus (Becker, 2010,
2004) [4]. Um caso que parece contribuir para ilustrar esta visão é aquele
retratado pelo documentário Latcho Drom (Gatlif, 1993), que mostra a
trajetória do povo Romani, desde o norte da Índia até à Espanha. Sua trilha
sonora possui formas estruturais particulares, mas assume diferentes instrumentações para cada uma das regiões onde se instalou (Egito, Hungria,
Romênia, dentre outras). Se o contexto interfere nas formas, há também, de
certo modo, uma memória coletiva cultivada pelos laços familiares e culturais, o que torna suas manifestações musicais diferenciadas, porém, fortemente enraizadas em seus habitus.
A partir deste contexto, qual seria, então, o papel da memória (individual ou coletiva) para a recepção da obra musical? É o que se discute na
próxima sessão deste trabalho.
3. Memória
312
Os modos de percepção, compreensão e reação a estímulos do mundo
físico são circunscritos por lembranças de eventos experienciados, ou seja,
pela memória (Wiggins, 1995, p. 465). Para o autor:
[...] a memória experiencial faz parte daquilo que faz das pessoas o
que são, envolvidas que estão em levar a vida que levam: pois a
memória experiencial é aquilo que coloca o seu ser sob a influência
cognitiva e afetiva daquilo que fez e foi no passado; e isto faz parte
do princípio da atividade par excellence de pessoas.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Um olhar sobre o conceito de memória sob o viés da neurociência, Izquierdo (2010, p. 21) afirma que existe um processo de tradução entre a
realidade das experiências e a formação da memória respectiva; e outro
entre esta e a correspondente evocação. Não obstante, o autor postula que
fatores afetivos, o contexto de ação e a combinação entre ambos influenciam na aquisição e na evocação de lembranças. Representações mentais, tais
como o reconhecimento de melodias, cadências, frases e formas musicais
surgem da relação entre o passado (nossas lembranças) e o presente da
obra (eventos que estão a se desenrolar no tempo). Desta forma, constatase que “o tempo não é unidimensional, simples, mas denso, o que sugere a
presença maciça de um passado que se desdobra no presente e avança em
direção ao futuro” (Seincman, 2001, p. 32).
Segundo Jäncke (2006), ao ouvir um simples contorno melódico, várias estruturas específicas da memória são ativadas. Em primeiro lugar, frequências são identificadas e organizadas sequencialmente pela memória de
trabalho; a informação decodificada interage com os conhecimentos já
armazenados na memória de longa duração e, por fim, torna-se significativa
ou não. Segundo Weinberger (2004, como citado em Rizzon, 2009, p. 25),
os sons que escutamos e lembramos são igualmente significativos para a
mente, uma vez que tanto para ouvir como para imaginar ouvir uma melodia, são as mesmas áreas nos lobos temporais que são ativadas. Tal constatação sugere que as impressões e representações formadas a partir da recepção de um estímulo não geram significados apenas para o que é percebido.
Tal significação deriva da estrutura e atividade cognitiva de cada indivíduo.
4. Considerações finais
Neste trabalho foram discutidas algumas questões referentes à recepção da obra musical. Se a música não é uma representação ideal da sociedade, tampouco constitui um sistema independente de seu contexto de produção e recepção. A experiência musical está intimamente ligada a um processo de enculturação, o qual envolve uma memória experiencial. Assim,
como sugere Damásio (1996, p. 127),
313
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Todos possuímos provas concretas de que sempre que recordamos
um dado objeto, um rosto ou uma cena, não obtemos uma reprodução exata, mas antes uma interpretação, uma nova versão reconstruída do original. Mais ainda, à medida que a idade e experiência se
modificam, as versões da mesma coisa evoluem.
314
Na tentativa de ilustrar esta assertiva de Damásio, em um estudo feito
por Ramos e Bigand (no prelo), participantes realizavam tarefas de escuta
musical devendo, em seguida, relacionar cada trecho musical ouvido com o
grau de familiaridade que possuíam, em uma escala de 0 a 10. Os trechos
foram divididos em dois grupos: trechos conhecidos do repertório tradicional francês e trechos desconhecidos, compostos pelo próprio pesquisador, com estrutura harmônica e rítmica idêntica aos trechos originais, porém, com mudanças de contorno melódico. Um questionário foi apresentado antes a cada participante, com questões sobre a maneira pela qual eles
experienciam a música. Os dados foram analisados considerando os participantes como pertencentes a dois grupos: participantes que relataram
experienciar a música de maneira mais objetiva, como “escuto música sempre do mesmo jeito: ouço porque me dá prazer” e participantes que relataram experienciar a música de maneira mais subjetiva, como “para cada escuta musical, presto atenção em um parâmetro; às vezes sou mais analítico, às
vezes escuto e não presto atenção em nada e isso depende da música que
estou ouvindo”. Uma análise de variância mostrou a influência do tipo de
escuta do participante sobre o nível de familiaridade dos trechos musicais
(F 2,889; p=0,036). Um post-hoc Newmann Keuls mostrou diferenças entre
os níveis de familiaridade musical julgada para os trechos desconhecidos
entre participantes que relataram experienciar a música de maneira subjetiva e os participantes que relataram experienciar a música de maneira objetiva (p=0,0288). Estes resultados mostraram que o tipo de escuta interferiu
nas respostas: enquanto os participantes de escuta objetiva consideraram os
trechos musicais criados pelo próprio pesquisador como sendo pouco familiares, as respostas dos participantes de escuta subjetiva apresentaram
índices um pouco mais elevados. Estas diferenças sugerem que o primeiro
grupo pode ter dado mais atenção ao fator enculturação, ou seja, ao sistema
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
estrutural em que a música estava inserida (o tonal ocidental). Neste sentido, todas as músicas podem ter “soado parecidas”, já que a escuta era objetiva. Os participantes do segundo grupo (o da escuta subjetiva) pode ter
considerado suas respostas levando em conta o fato de já terem ouvido ou
não cada uma das músicas apresentadas no estudo, pois, uma vez que a
escuta era subjetiva, estes participantes consideraram os trechos não tradicionais como desconhecidos. Estes resultados, aliados aos pressupostos
encontrados na literatura científica sugerem que os pesquisadores em cognição musical deem uma importância maior à maneira pela qual os indivíduos experienciam a música em seu cotidiano, uma vez que esta variável
parece ter grande influência sobre as respostas a tarefas de escuta musical
em estudos feitos em laboratório.
Notas
[1] “Adorno's work represents the most significant development in the twentieth century
of the idea that music is a 'force' in social life, a building material of consciousness and social
structure. But because it provides no machinery for viewing these matters as they actually
take place, Adorno's work also has the power to frustrate; his work offers no conceptual
scaffolding from which to view music in the act of trainning unconciousness, no consideration of how music gets into action.”
[2] Danilo Ramos e Adriano Elias, autores deste trabalho, vêm desenvolvendo uma pesquisa sobre o papel das experiências pessoais sobre as respostas emocionais de músicos e
não músicos. O estudo encontra-se em fase de coletas de dados e seus resultados deverão
ser publicados em breve.
[3] “Nothing, if the intent is to describe the affective responses to decontextualized performances by middle-class American or European listeners listening to music while seated
quietly. The laboratory situation may reflect the habit of many current Western listeners,
possibly even more so now than in the past, as so much musical listening takes place attached to headphones rather than at live performances.”
[4] O conceito de habitus utilizado por Becker (2010, 2004) descende de Pierre Bordieu,
que o descreve como as disposições prévias para pensar e agir (Bordieu, 2012).
315
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Referências
Adorno, T. W. (2009). Introdução à sociologia da música: doze preleções teóricas. (F. R. M. Barros, Trad.). São Paulo: Ed. UNESP.
Balkwill, L. L. & Thompson, W. F. (1999). A cross-cultural investigation in
the perception of emotion in music: psychophysical and cultural cues.
Music Perception, 17(1), 43-64.
Barros, J. A. (2011). Raízes da música brasileira: uma introdução à história da
música erudita no Brasil. São Paulo: Editora Hucitec.
Becker, J. (2004). Deep Listeners: Music, Emotion and Trancing. Bloomington:
Indiana University Press.
Becker, J. (2010). Exploring the habitus of listening: anthropological perspectives. In P. N. Juslin & J. A. Sloboda (Ed.). Handbook of Music and
Emotion: Theory, Research, Applications. New York: Oxford University
Press.
Bordieu, P. (2012).O poder simbólico. (F. Tomaz, Trad.). Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil.
Dahlhaus, C. (1983). Foundations of music history. Cambridge: Cambridge
University Press.
Damásio, A. (1996). O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano.
(D. Vicente & G. Segurado, Trad.). São Paulo: Companhia das Letras.
DeNora, T. (2000). Music in everyday life. New York: Cambridge University
Press.
316
Gatlif, T. (1993). Latcho Drom [filme]. Paris: KG Productions: Dist. Acteurs
Auteurs Associés. 1 filme (103 min), sonoro, legenda, color., 35 mm.
(anamorphic).
Hargreaves, D. J.& Zimmerman, M. (2006). Teorias do desenvolvimento
da aprendizagem musical. In B. S. Ilari (Org.). Em busca da mente musi-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
cal: ensaios sobre os processos cognitivos em música – da percepção à produção. Curitiba: Ed. UFPR.
Hargreaves, D. J., North, A. C. & Tarrant, M. (2006). Musical preference
and taste in childhood and adolescence. In G. E. McPherson (Ed.). The
Child as Musician: A handbook of musical development. New York: Oxford University Press.
Ilari, B. S. (2010). Cognição musical: origens, abordagens tradicionais,
direções futuras. In B. S. Ilari & R. C. Araújo (Orgs.). Mentes em música.
Curitiba: Ed. UFPR.
Izquierdo, I. (2011). Memória. Porto Alegre: Artmed.
Jäncke, L. (2006). From cognition to action. In E. Altenmüller, M.
Wiessendanger & J. Kesselring (Orgs), Music, motor control and the
brain. New York: Oxford.
Nogueira, M. (2010). A semântica do entendimento musical. In B. S. Ilari &
R. C. Araújo (Orgs.). Mentes em música. Curitiba: Ed. UFPR.
Parncutt, R. (2006). Prenatal development. In G. E. McPherson (Ed.). The
Child as Musician: A handbook of musical development. New York: Oxford University Press.
Ramos, D. & Bigand, E. (no prelo). Effects of musical familiarity on time
perception. Acta Psychologica.
Rizzon, F. G. (2009). Os mecanismos da memória na construção do pensamento
musical. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio
Grande do Sul, Brasil.
Seincman, E. (2001). Do tempo musical. São Paulo: Via Lettera.
Sloboda, J. A. (2008). A mente musical: a psicologia cognitiva da música. (B. S.
Ilari & R. S. Ilari, Trad.). Londrina: EDUEL.
317
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Thompson, W. F.; Balkwill, L.-L.(2010). Cross-cultural similarities and
differences. In P. N. Juslin & J. A. Sloboda (Ed.). Handbook of Music and
Emotion: Theory, Research, Applications. New York: Oxford University
Press.
Wiggins, D. (1995). Lembrando diretamente. (M. I. P. Limonge, J. L. da
Silva & C. K. Moreira, Trad.) In J. Hopkins & A. Savile (Orgs.), Psicanálise, mente e arte: na perspectiva de Richard Wollheim. Campinas, SP:
Papirus.
318
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Considerações acerca do andamento:
interpretações de pianistas profissionais e
pós-graduandos do Ponteio 45 de Guarnieri
Regina Antunes Teixeira dos Santos
[email protected]
Instituto de Artes, UFRGS
Cristina Capparelli Gerling
[email protected]
Instituto de Artes, UFRGS
Resumo: Manipulação no andamento de uma obra musical relaciona-se
ao potencial expressivo na interpretação de uma dada obra. A literatura de
ciência da performance aponta para dois comportamentos do intérprete
frente à alteração do andamento: (i) o escalonamento uniformemente relativo dos aspectos temporais ou (ii) ajuste de micro variações temporais.
Nesse contexto, questionamos escolhas e controle de andamento em uma
peça contendo várias reapresentações de uma mesma seção: essa manipulação é decorrente do grau de controle técnico, de decisões interpretativas
ou de nível de expertise? O Ponteio no. 45 de Guarnieri, de estrutura binária (ABA´B´A´´B´´) foi preparado por cinco pianistas e cinco alunos de
pós-graduação. A maioria dos participantes adotou um andamento mais
rápido para a seção A, e um andamento mais lento para a seção B, do que
aquele solicitado pelo compositor. Do ponto de vista de densidade de notas, os estudantes mostraram-se mais restritos à manipulação desse parâmetro em comparação a pianistas profissionais. A alternância de andamento entre as seções A e B revelou distintos grupos quanto ao andamento adotado na reapresentação das seções. Pianistas parecem ousar mais
nas decisões de andamento, afastando-se dos valores referentes ao padrão
(performance nominal). Fortes correlações (R > 0,9989), eliminando as
notas alargadas ou aceleradas, foram observadas nas performances das 10
primeiras notas da seção A, indicando que a maioria dos intérpretes detém
uma articulação rítmica muito regular, sem se arrojar a inflexões temporais.
Palavras-chave: inflexões rítmicas, andamento, performance musical
319
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Reflections on tempo: interpretation of Guarnieri´sPonteio 45 by
professional pianists and graduate students
Abstract: Variations on tempo have been related to potential expressivity
on the performance of a given piece. The literature on the science of performance accounts for two behaviors from the musician viz-a-viz alteration of the tempo: (i) relative uniform scaling of the temporal aspects of
the performance or (ii) fitting through temporal microvariations. In this
context, our questioning was if the choice and control of tempo in the performance of a piece, which contained a section presented several times,
was a matter of technical control, interpretative decisions or expertise level. Ponteio # 45 from Guarnieri, bearing a binary structure
(ABA´B´A´´B´´) was prepared by five pianists and five graduate students. Most of the sample adopted a faster tempo for section A, and a
slower one for section B, in comparison to that demanded by the composer. From the note density point of view, the students were shown to be
more restricted in tempo manipulation in comparison to the professional
pianists. Tempo alternance between sections A and B revealed distinct
groups. Pianists seemed to adopt more daring tempo decisions, getting
away to the reference values (nominal performance). Strong correlations
(R > 0.9989), eliminating the outliers note, were observed taking into account the attack of the first ten notes in section A, indicating that most of
the pianists keep a very regular rhythmic articulation, without altering the
timing significantly.
Keywords: timing, tempo, musical performance
1.Introdução
320
Manipulações de andamento, intensidade, timbre, articulação, assim
como variações de altura (no caso do vibrato) constituem característica do
potencial expressivo na interpretação de uma dada obra musical. Para
Thompson (2009) essas características de expressão encontram-se na representação mental da estrutura musical a ser acionadas por intérpretes
dotados de habilidades performáticas desenvolvidas e dominadas. Dessa
forma, poder-se-ia considerar que propriedades tonais ou rítmicas de uma
dada peça musical implicam certo perfil expressivo - por exemplo, certas
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
flutuações de intensidade e de andamento estão sujeitas a variações individuais de cada intérprete.
Dentre os parâmetros potenciais a serem explorados em uma performance, o efeito da escolha do andamento parece estar diretamente relacionado com a expressividade. Na literatura, existem duas hipóteses acerca da
relação andamento/expressividade. A primeira delas diz respeito ao fato de
que aspectos temporais da performance são escalonados uniformemente
quando o andamento altera-se (Repp, 1994). Em outras palavras, as durações das notas executadas são mantidas nas suas proporções relativas. Uma
contra evidência foi também proposta na literatura, na argumentação de
que alterações no andamento não acarretam alterações proporcionais de
valores, mas sim pode ocorrer um ajuste de micro variações temporais com
vistas o conferir expressividade (Desain & Honing, 1994; Friber & Battel,
2002; Timmers et al, 2002).
Em pesquisas anteriores (vide, por exemplo, Santos & Gerling, 2012),
concluímos que dentre uma série de parâmetros presentes na performance
musical, o andamento escolhido pelo intérprete foi o parâmetro-chave que
afetava a manipulação dos demais parâmetros (contorno melódico, textura,
articulação, dinâmica, timing e coerência global) na avaliação perceptiva de
músicos-ouvintes (proficientes ou experts). Esses estudos, já concluídos e
realizados com estudantes de graduação e pós-graduação, mostraram que
as decisões interpretativas decorreram do nível de expertise de músicos em
formação. A literatura, conforme acima descrito, apresenta duas alternativas
na descrição do fenômeno de manipulação do tempo na performance. A
partir disso, e com base em pesquisas anteriores realizadas pelo nosso grupo, surgiu-nos o questionamento acerca da relação entre alteração e manutenção (ou não) do andamento. Até que ponto a reapresentação de uma
dada seção é realizada sob o mesmo andamento? E esse comportamento é
decorrente do grau de controle técnico ou de decisões interpretativas? No
presente manuscrito descrevemos os resultados de uma pesquisa envolvendo a preparação do Ponteio no. 45 (Com Alegria) de Guarnieri por músi-
321
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
cos profissionais e estudantes de pós-graduação, em termos de escolha e
manipulação do andamento visando atingir uma interpretação artística.
2. Método
Amostras: cinco pianistas profissionais e cinco estudantes de pósgraduação voluntários preparam o Ponteio no. 45 por um período arbitrário. A escolha do Ponteio deveu-se pelos seguintes critérios: (i) peça curta
(65 compassos) e pouco exigente em termos técnico-pianísticos; (ii) estrutura binária (ABA’B’A’’B”).
O registro ocorreu após solicitação do próprio voluntário, em sentir-se
preparado para a gravação. As performances foram realizadas em um Disklavier® (Yamaha). Para a gravação, o voluntário permaneceu sozinho e
pode gravar até sentir-se satisfeito. A gravação escolhida pelo intérprete foi
submetida à análise. Após o registro, foi realizada uma entrevista semiestruturada acerca de decisões interpretativas na preparação da obra. As gravações (MIDI) foram tratadas pelos softwares FL Studio 9®, SoundForge Pro
10.0® e SonicAnalyzer 2.0®.
3. Resultados e Discussão
322
Estruturalmente, o Ponteio no. 45 contêm seis seções claramente delineadas, constituídas essencialmente de uma seção A, que é posteriormente
repetida com modificações ( = 100); e uma seção B, mais lenta ( = 80),
também retomada com modificações. A Figura 1 apresenta o andamento
adotado pelos participantes.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Figura 1. Andamento adotado pelos participantes na performance do Ponteio 45 de Guarnieri. PG =
pós-graduando; P = pianista profissional; Padrão = performance nominal.
De acordo com a Figura 1, existe um consenso entre os participantes
da diferença de andamento entre as seções A e B, que se alternam. Entretanto, percebe-se claramente que a maioria dos participantes adotou um andamento mais rápido para seção A, e um andamento mais lento para a seção
B, que aquele indicado pelo compositor. Não se pode negligenciar que a
indicação de andamento, por mais que esteja sugerida na partitura, está
sujeita a micro variações em termos interpretativos em função tanto da
própria estrutura implícita nas frases, como do andamento considerado e
realizado pelo instrumentista. Tais micro variações seguem um padrão
acelerando-ritardando (Gabrielsson, 1999), além dos ritardandi explícitos
em finais em cada seção que ocorre no Ponteio no. 45 de Guarnieri. Há um
consenso na literatura que essas variações no andamento (no fluxo global)
são importantes para o caráter do movimento emocional de uma peça (vide, por exemplo, referências em Gabrielsson, 1999). Na amostra investigada, de acordo com os depoimentos, a tendência parece ser que a escolha do
andamento foi ditada pela própria estrutura e indicação de caráter da obra, e
não um uso (restrito) da indicação metronômica.
323
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
A Figura 2 ilustra a razão entre os andamentos adotados na alternância
das seções A e B, em suas três apresentações. De acordo com a Figura 2,
algumas tendências podem ser observadas. Três pianistas (P2, P3 e P5)
diminuem a razão de andamento nas transições entre as (re)apresentações
das seções A e B. Essa diminuição, poderia ser decorrente de uma diminuição do andamento de A ou de um aumento do andamento da seção B. No
caso de P3, esse aumento é atingido pelo aumento subtil do andamento da
seção B (54, 59 e 61 bpm). Para P2 e P5, essa queda relativa da razão de
andamentos é decorrente essencialmente da diminuição da seção A, a cada
reexposição. Três casos tiveram a tendência a aumentar a razão ou aumentar e atingir um plateau: PG2, PG4 e P4. Os demais oscilaram, aumentando
o andamento na segunda apresentação de A e diminuindo-o na terceira.
324
Figura 2. Razão entre os andamentos adotados nas transições A para B pelos participantes na performance do Ponteio 45 de Guarnieri. PG = pós-graduando; P = pianista profissional.
Gabrielsson e Lindström (2010) apontam outro aspecto: a questão do
andamento subjetivo, com vistas a conferir uma dada emoção, que se encontra relacionado não apenas ao andamento metronômico, mas também à
densidade de eventos sonoros e outras características rítmicas que interagem com esse parâmetro. Nesse sentido, para esses autores, ao invés de
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
expressar o andamento em termos de batidas por minuto, é mais aconselhável expressar o número de notas por segundo executadas pelo intérprete.
A Tabela 1 apresenta os dados de densidade de notas executadas pelos
intérpretes, nas seis seções.
Intérprete
Densidade de notas (notas/s)
A
B
A´
B´
A´´
B´´
P1
2,45
2,37
2,22
2,13
2,95
1,64
P2
2,99
1,57
2,77
1,75
2,62
1,08
P3
2,45
1,53
2,49
1,63
2,81
1,23
P4
2,89
2,45
3,27
2,53
3,13
1,49
P5
3,35
1,39
3,54
1,65
3,45
1,08
Média
2,86±0
,38
1,86±0
,50
2,86±0
,54
1,93±0
,38
2,99±0
,32
1,30±0
,25
PG1
2,69
1,75
2,89
1,62
3,33
1,19
PG2
2,53
1,45
2,66
1,43
2,87
0,95
PG3
2,88
1,67
2,94
1,65
3,23
1,21
PG4
2,63
1,66
3,03
1,74
3,31
1,78
PG5
2,38
1,78
2,54
1,83
2,57
1,33
Média
2,62±0
,19
1,66±0
,13
2,81±0
,20
1,65±0
,15±
3,06±0
,33
1,29±0
,30
Padrão
2,57
2,13
2,65
2,19
3,06
1,58
Tabela 1. Densidade de notas na performance do Ponteio no. 45 de Guarnieri. P = pianista profissional; PG = pós-graduando; Padrão = performance nominal.
No presente caso, o cálculo da densidade de notas na performance da
seção A (Com Alegria) ficou na faixa de 2,6-3,1 notas/s para as seções A, e
1,3-1,9 para as seções B, confirmando a relação já observada na determinação do andamento escolhido em comparação com o padrão (A = 2,5-3,1 e
325
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
B = 1,5-2,2 notas/s). Esse valor é aquém daquela densidade relatada por
Bresin e Friberg (2011) cuja média foi de 4,98 para a manipulação da emoção de alegria. No presente caso, na seção A, o aumento observado no valor
de densidade de notas pode ser em parte justificado pelo aumento de notas
nessa última seção (A = 37, A´= 35 e A´´= 44 notas). No caso da seção B,
onde o número de notas varia de: 16 para B, 46 para B´ e 19 para B´´. Cálculos percentuais de desvio em relação à performance nominal entre os
todos participantes, apontam que a seção B´ é aquela que apresenta a mesma direção (desvio negativo, ou seja, performance um pouco mais lenta que
o padrão nominal) entre todos os intérpretes. A seção B´ assume um relevância temática mais intensa ao apresentar um trabalho de improviso sobre
a melodia de B, conforme comportamento demonstrado pelos intérpretes,
em termos de densidade de notas.
Ainda com relação à Tabela 1, os estudantes parecem terem se atido
mais à manutenção do andamento do que a exploração desse aumento de
densidade de notas, comportamento esse contrário no caso dos pianistas
profissionais, em que houve um aumento no valor médio de densidade de
notas. Gabrielsson (2009) salienta que andamento e densidade de notas
podem desempenhar um fator aditivo em termos de potencial de excitação
mais elevado, como é o caso entre as relações entre estrutura musical e o
caráter “Com Alegria” desse Ponteio 45.
Uma análise multivariada por escalonamento multidimensional
(MDS) permitiu identificar proximidades e distanciamos entre os intérpretes, levando em conta os andamentos adotados em cada uma das seções. O
mapa perceptual encontra-se representado na Figura 3.
326
1,0
P5
0,8
0,6
Andamento A
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
P4
0,4
PG3 PG4
0,2
PG1
-0,8
-0,6
-0,4
Razao A/B
0,0
-0,2
0,0
0,2
0,6
0,8
1,0
Padrao
-0,2
PG2
0,4
P1
-0,4
P4
-0,6
P3
PG5
Figura 3. Razão entre os andamentos adotados nas transições A para B pelos participantes na performance do Ponteio 45 de Guarnieri. PG = pós-graduando; P = pianista profissional.
Cabe salientar que as duas dimensões assinaladas nos eixos do mapa
perceptual são interpretações obtidas através da análise e comparação sistemática dos dados de cada variável e de cada caso. No presente trabalho, a
abcissa foi interpretada como sendo a razão entre os andamentos A/B, o
que confirma os dados representados na Figura 2, onde P1 e P4 manipulam
uma razão de andamentos muito próxima daquela do padrão (andamentos
respectivos solicitados pelo compositor). A ordenada foi interpretada como
sendo o andamento adotado nas seções A, que parecem configurar, para os
intérpretes investigados, como fator de gerenciamento (ou diversidade)
entre os andamentos das seções no desdobramento temporal do Ponteio
45. Os resultados sugerem ainda que os pianistas participantes parecem
ousar mais nas decisões de andamento, haja vista que se encontram posicionados relativamente afastados do padrão com relação à ordenada (andamento A). Por outro lado, nessa dimensão, os estudantes agrupam-se
327
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
próximo ao valor esperado (padrão), muito embora, a totalidade de estudantes demonstrou falta de gerenciamento entre os andamentos (razão
A/B). Apenas dois dos pianistas (P1 e P4) demonstraram um equilíbrio
entre essa razão, muito próxima daquela requisitada pelo compositor.
328
Os resultados apontados no MDS sugerem que a performance da seção A e suas reapresentações necessitam uma investigação mais aprofundada. Cabe salientar que as 10 primeiras figuras dessa seção são praticamente
idênticas (em termos de altura, ritmo e articulação) nas outras apresentações (exceto com Sol em A’ ao invés de Sol em A e A’’). Correlacionando
o tempo nominal com aquele dispendido na performance das 10 primeiras
notas da seção A, observa-se que os intérpretes podem ser reunidos em
quatro grupos. O primeiro deles faz um allargando entre as notas 4 e 6, retornando ao tempo inicial a partir da nota 7. O segundo grupo realiza um
acelerando entre as 4 a 6, compensando posteriormente e ajustando-se ao
tempo nominal. Nas duas situações, o ajuste no ataque das notas parece ser
decorrente da indicação de crescendo nesse trecho da partitura. Dois estudantes (grupo III) realizaram a performance muito próxima da nominal.
Apenas um estudante (grupo IV) oscilou entre alargando e acelerando. De
uma forma geral, a fator de correlação para os três primeiros grupos, eliminando as notas alargadas ou aceleradas, forneceu altíssimos indícios de
correlação (R> 0,9999), ou seja, isso indica que a maioria dos intérpretes
dessa amostra detém uma articulação rítmica muito regular, sem se arrojar a
inflexões temporais. Isso pode sugerir que as pequenas inflexões temporais
sejam mais favorecidas quando a formatação global do andamento esteja
mais delineada deliberadamente pelo intérprete. Nesse sentido, acredita-se
que a hipótese da existência da variança temporal na mudança de andamento seja a mais provável na performance. Essa hipótese, ainda não plenamente comprovada, vem sendo defendida pelas pesquisas de Honing (2005).
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
4. Considerações Finais
No presente estudo, pudemos constatar que o andamento local na reapresentação de uma dada seção altera-se em função da densidade de notas.
Esse comportamento deve ser resultante tanto de controle técnico, como
de decisões interpretativas. Dessa forma, os presentes resultados apontam
para a importância da escolha do andamento global e local (seções), em
obras com alternância (e variações) entre seções A e B, na manipulação das
inflexões rítmicas na performance artística. Além do andamento metronômico e do andamento subjetivo, a posição de uma referida seção na peça
acaba também afetando as variações de andamento global em função de
eventos estruturais ocorridos e variados ao longo da peça. Nesse conjunto
de dados não foi possível evidenciar aspectos referentes ao nível de expertise. Talvez, pesquisas envolvendo uma amostra maior, incluindo estudantes
graduandos iniciantes, possam contribuir na elucidação desse questionamento.
Agradecimentos
Agradecemos ao CNPq pelo financiamento (Projeto Universal
472652/2012-5).
Referências
Bresin, R., Friberg, A. (2011). Emotion rendering in music: Range and characteristic values of seven musical variables. Cortex, 47, 1068-1081.
Desain, P., Honing H. (1994). Does expressive timing in music performance scale proportionally with tempo.Psychological research, 56, 285292.
Friberg, A., Battel, G.U. (2002). Structural Communication. In: R. Parncutt,
G. E. McPherson (Eds.), The science and psychology of music performance,
199-218. New York: Oxford University Press.
329
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Gabrielsson, A. (1999). The performance of music (2nded.). In: D.
Deutsch (ed.) Thepsychology of music (pp. 501-602). San Diego: Academic press.
Gabrielsson, A. (2009). The relationship between musical structure and
perceived expresson . In: S. Hallam, I. Cross, M. Thaut. The Oxford
handbook of music psychology (pp. 141-150). New York: Oxford University press.
Gabrielsson, A., Lindström, E. (2010). The role of structure in the musical
expression of emotions. In P. N. Juslin, J. A. Sloboda (Eds.), Handbook
of emotion: Theory, research, applications (pp. 367-400) . New York: Oxford University press.
Honing, H. (2005). Timing is tempo-specific. Anais da International Computer Music Conference, 359-362. Barcelona, Espanha. Barcelona: UPF.
Repp, B.H. (1997).The effect of tempo on pedal timing in piano performance.Psychological Research, 60, 164-172.
Thompson, W. F. (2009). Music, thought, and feeling.Understanding the Psychology of Music. New York: Oxford University Press.
Santos, R.A.T., Gerling, C.C. (2012) Ways of knowing and types of
knowledge: How do students approach a new piece of music? International Journal of Music Education, v. 30, 195-210.
330
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Interações entre
A Generative Theory of Tonal Music e o
Conceito de Dissonância Métrica:
para um novo modelo analítico
Leandro Gumboski
[email protected]
Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC
Resumo: Em 1983, com A Generative Theory of Tonal Music (GTTM),
Lerdahl e Jackendoff lançaram as bases de uma teoria que procura dar suporte às análises da música tonal fundamentadas na percepção auditiva.
Na mesma década, Krebs (1987) repensava o conceito de dissonância
métrica, analisando, também, o repertório clássico-romântico a partir de
tal conceito. Torna-se pertinente, portanto, o debate entre ambas as teorias, na medida em que o conceito firmado por Krebs (1987, 1999) contraria algumas regras desenvolvidas por Lerdahl e Jackendoff (1983). Dessa
forma, este artigo intenta examinar relações entre as teorias apresentadas,
introduzindo a discussão de uma nova abordagem analítica. O modelo de
análise proposto busca utilizar as regras para determinar estruturas de agrupamentos e estruturas métricas formuladas por Lerdahl e Jackendoff
(1983) para então, com essas estruturas já definidas, examinar as relações
métricas conforme a teoria de Krebs (1987, 1999). Os resultados demonstram que análises feitas a partir deste novo modelo analítico exibem
resultados precisos, não só em estudos de música tonal, mas também de
outros idiomas musicais.
Palavras-chave: A Generative Theory of Tonal Music, Lerdahl e Jackendoff,
Dissonância Métrica, Harald Krebs
Interactions between A Generative Theory of Tonal Music and the
Concept of Metrical Dissonance: toward a new analytical model
Abstract: In 1983, publishing A Generative Theory of Tonal Music
(GTTM), Lerdahl and Jackendoff laid the groundwork for a theory that
seeks to support the analysis of tonal music based on aural perception. In
the same decade Krebs (1987) rethought the concept of metrical dissonance analyzing from this concept the classical-romantic repertoire as
well. Therefore, it is appropriate the discussion between both theories
331
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
since the concept executed by Krebs (1987, 1999) contrary to some rules
determined by Lerdahl and Jackendoff (1983). Thus this paper aims to
examine the relationship between the presented theories introducing the
discussion of a new analytical approach. The proposed analytical model
seeks to use grouping and metrical rules developed by Lerdahl and
Jackendoff (1983), and then, already with those structures defined, to observe metrical relationships from the Krebs (1987, 1999) theory. The results demonstrate that analyzes made from this new analytical model show
accurate results in studies of tonal music and also other music idioms.
Keywords: A Generative Theory of Tonal Music, Lerdahl and Jackendoff,
Metrical Dissonance, Harald Krebs
1. Introdução
Das muitas questões que devem ser tratadas com primazia para o desenvolvimento da pesquisa em Música é o diálogo entre as diferentes linhas
de pesquisa que a representam. A Cognição Musical tem contribuído com
diversos eixos temáticos, dentre eles o da Teoria e Análise. O estudo de
processos perceptivos vem reafirmando, transformando e gerando novas
tendências no campo da Teoria e Análise Musical, porque “muitos conceitos teóricos [...] têm recebido verificação empírica” [1] (Dibben, 2003, p.
193). Entretanto, Dibben (2003) também observa que, enquanto certos
“constructos teóricos parecem mesmo ser ouvidos, outros parecem ter
pouca relação com as experiências dos ouvintes” (p. 193).
332
Refutando alguns aspectos de A Generative Theory of Tonal Music
(GTTM), de Lerdahl e Jackendoff (1983), alguns autores (e.g. Cambouropoulos, 1997; Erut & Wiman, 2012) procuram apresentar novos modelos
analíticos, enquanto outros propõem estender a própria teoria gerativa (e.g.
Halle & Lerdahl, 1993), ou mesmo examinar tal teoria sob outro prisma,
como o da Teoria Musical (e.g. Temperley, 2000) ou o da Etnomusicologia
(e.g. Dibben, 2003). O presente artigo busca introduzir a discussão de uma
possível reformulação de algumas regras de GTTM, estendendo esse mode-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
lo analítico sob a perspectiva dos conceitos de consonância e dissonância
métrica, conforme desenvolvidos por Krebs (1987, 1999).
2. Dissonância Métrica
Embora Krebs (1987, 1999) desenvolva o conceito de dissonância
métrica com um viés teórico, notamos em suas explanações que esse é um
constructo que pode ser percebido pelo ouvinte. A própria taxonomia de
dissonâncias métricas apresentada por Krebs (1987, 1999) deriva de aspectos perceptivos. Dessa forma, a articulação da dimensão puramente teórica
com as características cognitivas é diligenciada pelo próprio autor.
Em 1987, Krebs discutiu pela primeira vez o termo dissonância métrica repensando a ideia de dissonância rítmica apresentada por Maury Yeston. Para Krebs (1987, 1999) o que caracteriza um trecho musical metricamente consonante é a ausência de não alinhamento entre os níveis métricos. “A dissonância métrica, ao contrário da consonância”, acrescenta
Krebs, “requer a presença de ao menos três níveis” (1987, p. 103): o menor
nível métrico [2] e mais dois níveis superiores com algum grau de não alinhamento entre eles.
Em vista disso, Krebs (1987, 1999) distingue, primeiramente, dois
principais tipos de dissonância métrica: 1 – quando dois níveis métricos
não são múltiplos ou fatores um do outro e; 2 – quando dois níveis métricos são idênticos, mas um está deslocado temporalmente em relação ao
outro [3]. A notação a seguir (Figura 1) exemplifica a tipologia explicada.
333
Figura 1. Exemplos dos tipos 1 e 2, respectivamente, de dissonância métrica.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Ambos os exemplos da Figura 1 utilizam a notação de estruturas métricas proposta por Lerdahl e Jackendoff (1983): o primeiro exemplo representa uma hemiola, classificada dentro do tipo 1, enquanto o segundo exemplo exerce o tipo 2 de dissonância métrica. Nota-se que os exemplos da
Figura 1 violam certas regras definidas por Lerdahl e Jackendoff (1983). Na
próxima seção deste texto serão discutidas algumas possíveis adaptações
dessas regras, a fim de integrar o conceito de dissonância métrica em
GTTM.
Há uma segunda dicotomia que abarca tanto a tipologia de dissonâncias métricas como a de consonâncias métricas. Essa dicotomia tem uma
relação imediata com GTTM, dado que ela deriva de um princípio da Gestalt: a lei da continuidade. Para Krebs (1987, 1999), uma consonância ou
dissonância é direta quando os níveis métricos emergem de fenômenos
sonoros simultâneos, e, indireta quando diferentes níveis métricos “não
estão sobrepostos, mas meramente justapostos” (Krebs, 1987, p. 105), ou
seja, quando um determinado nível métrico finda com a aparição de um
segundo nível métrico diferente. “A dissonância indireta existe por causa da
nossa tendência como ouvintes em manter um pulso estabelecido por um
curto tempo depois de este ser, na verdade, interrompido.” (Krebs, 1999, p.
45).
334
Krebs (1999) desenvolve a taxonomia de dissonâncias métricas com
outras classificações que, todavia, não serão trazidas para discussão neste
trabalho por serem estudadas pelo autor sob o prisma do intérprete e não
do ouvinte exclusivamente. Destaca-se ainda que, em casos de dissonâncias
métricas, “os dois níveis conflitantes são raramente ouvidos como tendo
igual significância; um dos níveis é normalmente ouvido como sendo primário [4], o outro ou outros como secundário” (Krebs, 1987, p. 105).
Por fim, é intrigante que o conceito de dissonância métrica tenha sido
utilizado para explicar uma parte significativa do repertório tonal (e.g. Grave, 1995; Krebs, 1999), porque é exatamente o idioma musical com que
Lerdahl e Jackendoff (1983) trabalham, isto é, trata-se do idioma do qual
parte e para o qual se destina a teoria desenvolvida pelos autores. É válido,
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
consequentemente, buscar uma coerência entre ambas as partes com a
reformulação de algumas regras de GTTM, tendo em vista que a teoria de
Krebs (1987, 1999) não oferece suporte para determinar sistematicamente
as estruturas métricas possíveis de um trecho musical, mas unicamente um
modelo para se analisar relações métricas. Assim, com GTTM determinamse sistematicamente as estruturas de agrupamentos e estruturas métricas e,
através dos conceitos firmados por Krebs (1987, 1999), examinam-se as
relações métricas.
3. Repensando regras de GTTM
Na teoria de Lerdahl e Jackendoff (1983), para determinar estruturas
de agrupamentos e estruturas métricas, há dois grupos de regras: para caracterizar a boa formação de estruturas de agrupamentos (GWFR) e de estruturas métricas (MWFR) e, para impor preferência a determinadas estruturas de agrupamentos (GPR) e estruturas métricas (MPR). GWFR 4 e
MWFR 2 interferem diretamente no resultado de análises de relações de
consonância e dissonância métrica, pois tais regras impõem a existência
unicamente de estruturas metricamente consonantes.
Para Lerdahl e Jackendoff, conforme GWFR 4, “se um grupo G1 contém parte de um grupo G2, G1 precisa conter todo o G2” (1983, p. 38).
Krebs denomina “dissonância de agrupamento” (1999, p. 31) o tipo 1 de
dissonância métrica porque estruturas assim classificadas apresentam intersecções entre os agrupamentos, ou seja, violam GWFR 4. Portanto, para
uma interação entre as explanações de Krebs (1987, 1999) e GTTM, é preciso refutar GWFR 4.
No enunciado de MWFR 2 Lerdahl e Jackendoff (1983) afirmam que
“todo tempo [5] em dado nível precisa também ser um tempo em todos os
níveis menores presentes naquele ponto da peça” (p. 72). Visando abranger
o conceito de dissonância métrica, no presente estudo MWFR 2 é acatada
como segue: quando os tempos de um dado nível forem também tempos em
todos os níveis métricos menores presentes naquele ponto da peça, tal trecho é me-
335
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
tricamente consonante; quando os tempos de um dado nível não forem necessariamente tempos em todos os níveis métricos menores presentes naquele ponto da
peça, tal trecho é metricamente dissonante.
Observando as análises feitas por Krebs (1999), nota-se que, em trechos metricamente dissonantes, os níveis métricos contrastantes são executados de maneira que ao menos um parâmetro sirva de referência para o
ouvinte distingui-los, e.g., mão direita e mão esquerda do piano (registro),
diferentes instrumentos de percussão (timbre), entre outros. London
(2012) nota que “diferenças de timbre podem ajudar a delinear níveis rítmicos [diferentes]” (p. 100). Evidentemente, quanto mais parâmetros para
distinguir os níveis métricos contrastantes, mais clara é a dissonância métrica. É importante lembrar ainda que, em casos de dissonância métrica indireta, mesmo havendo pouca diferença nos parâmetros entre os níveis contrastantes (e.g. uma única linha melódica), a própria mudança de estrutura
métrica será percebida pelo ouvinte como dissonância métrica, existindo
somente de forma temporária em sua mente.
Cabe recomendar que, com o modelo de análise ora proposto, as partes que compõem o todo de um trecho musical sejam analisadas separadamente, partindo do princípio de que o ouvinte percebe o todo, mas pode
ouvir também as partes individualmente se houver parâmetros de referência para isso, atentando ao limite de situações em que esse princípio é válido. Quando as estruturas métricas das partes estão alinhadas, temos, no
todo, uma consonância métrica direta. Para procurar dissonâncias métricas
indiretas a análise deve considerar a sequência de diferentes estruturas métricas.
336
Reitera-se, então, que se deve considerar a presença de GPR e MPR,
também, nas partes que compõem o todo de um trecho musical. Onde os
efeitos de GPR e MPR forem mais acentuados, mais facilmente os níveis
métricos diferentes serão percebidos separadamente. Deve-se considerar,
ainda, que um estudo prévio da partitura de um trecho musical metricamente dissonante pode guiar nossa percepção auditiva desse mesmo trecho
(sobre a “escuta analiticamente informada”, ver London, 2007, pp. 9-11).
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
4. Uma nova regra para GTTM: MPR 11 (Estereofonia)
Este trabalho propõe, ainda, uma nova regra dentro do grupo MPR. Esta regra sustenta que a estereofonia entre níveis métricos diferentes pode ser
mais um parâmetro de referência para o ouvinte. O enunciado da nova
regra é o seguinte: onde dois níveis métricos diferentes emergem, simultaneamente, de uma estereofonia, eles preferivelmente são percebidos, também, individualmente.
MPR 11 pode ser levada em consideração no procedimento composicional. Em obras que fazem uso do processo de phase-shifting, por exemplo,
as frases deslocadas temporalmente podem gerar dissonâncias métricas do
tipo 2 se tal deslocamento provocar um não alinhamento entre níveis métricos. Neste sentido, MPR 11 determina que os dois níveis métricos contrastantes de uma dissonância do tipo 2 podem ser percebidos individualmente se houver um efeito acentuado na diferença de parâmetros como
registro, timbre e estereofonia entre as frases contrastantes. Assim, além de
surgir “para o ouvinte uma terceira frase musical” (Traldi, 2012, pp. 410411), este poderia continuar percebendo ambas as frases fatoriais. Ouvindo
comparativamente, por exemplo, Clapping Music, de Reich, em monofonia,
e, entre 12min 55s e 13min 35s de Variations for Trumpet (1968), de Don
Ellis, versão de estúdio em estéreo, nota-se que no primeiro caso somente o
todo – “a terceira frase musical” – é evidente, entretanto, em relação à segunda peça as considerações apresentadas acima parecem ter uma maior
valia.
Finalmente, é sintomático que, normalmente, o objetivo último de um
processo de mixagem é fazer com que cada parte que compõe o todo possa
ser reconhecida pelo ouvinte. Destarte, defende-se que o trabalho de edição
do áudio de uma composição com esse fim deve ser visto como um processo de criação, i.e., da própria composição, tendo em vista a influência da
estereofonia na percepção das estruturas de agrupamentos e estruturas
métricas.
337
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
5. Algumas análises
Concluindo este artigo, trechos de duas peças compostas por Don Ellis
são analisados seguindo as propostas levantadas ao longo deste texto. Nas
figuras abaixo, os números e as letras escritas na pauta indicam as GPR que
determinam limites entre agrupamentos, segundo a teoria de Lerdahl e
Jackendoff (1983). Os exemplos a seguir fazem parte do repertório que o
autor deste artigo tem pesquisado, mas certamente estruturas metricamente dissonantes podem ser encontradas em inúmeros outros idiomas musicais.
O primeiro exemplo foi extraído da peça The Tihai (1968). Trata-se de
uma sobreposição de três quadros métricos com timbres diferentes, gerando uma dissonância direta do tipo 1. Na Figura 2, pode-se observar o não
alinhamento entre os níveis métricos. Nota-se que, com a repetição dessas
estruturas, a cada seis compassos os níveis são completamente realinhados,
característica que pode ser reconhecida auditivamente. Pode-se afirmar que
o nível métrico primário, neste contexto, está representado pelo segundo
nível da parte dos saxofones, tendo em vista que este nível métrico – alternando entre e . – é estabelecido primeiro no decorrer da peça.
338
Figura 2. Dissonância métrica direta do tipo 1.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
O próximo exemplo é um excerto de Strawberry Soup (1971). A Figura
3, exemplificando uma dissonância indireta do tipo 1, é uma redução para
piano da mudança de metro que ocorre em todos os chorus dessa peça de
Ellis. Não há alteração na fórmula de compasso, mas auditivamente é possível reconhecer a mudança da subdivisão 3222 (9/8) para 333322
(12/8+2/4), bem como o reajuste com o acréscimo de valores no final do
chorus. A dissonância é indireta porque o ouvinte tem a tendência de manter
o metro já estabelecido (9/8) por um curto espaço de tempo. Pode-se sustentar também que o acréscimo de valores no final do chorus é inesperado
para o ouvinte se sua percepção já identificar o novo metro; portanto, ali há
igualmente uma dissonância indireta. Na Figura 3, somente níveis maiores
de agrupamentos e menores da estrutura métrica estão indicados na análise.
Figura 3. Dissonância métrica indireta do tipo 1.
Estudando possíveis interações entre os escritos de Lerdahl e Jackendoff (1983) e Krebs (1987, 1999), este artigo apresentou uma nova abordagem analítica. Os exemplos anteriormente exibidos demonstram que o
objetivo é ampliar a teoria gerativa abarcando não só a música tonal, mas
também outros idiomas musicais. Os resultados ainda demonstram que
uma análise sistemática – com as regras de Lerdahl e Jackendoff (1983) –
para determinar as estruturas de agrupamentos e estruturas métricas é também útil e, possivelmente, mais precisa do que uma abordagem empírica.
Dessa forma, recomenda-se a utilização destas propostas em estudos posteriores, procurando dar continuidade à discussão sobre universais musicais
introduzida por Lerdahl e Jackendoff (1983, pp. 278-302), atentando para
339
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
possíveis estruturas metricamente dissonantes em diferentes idiomas musicais.
Notas
[1]Todas as traduções ao longo do presente artigo foram realizadas pelo autor.
[2] Denominado, por Krebs, nível de pulso. Logo, o nível de tactus, para Lerdahl e Jackendoff (1983), estaria normalmente acima do nível de pulso.
[3] Krebs intitula, respectivamente, os dois tipos de dissonâncias como “dissonância de
agrupamento e dissonância por deslocamento” (1999: pp. 31-45).
[4] O nível primário está diretamente relacionado à ideia de tactus, no sentido de ser o nível
proeminente. Logo, pode-se afirmar que um nível primário também existe em estruturas
metricamente consonantes.
[5] O termo beat está sempre traduzido como tempo neste artigo.
Referências
Cambouropoulos, E. (1997). Musical Rhythm: A Formal Model for Determining Local Boundaries, Accents and Metre in a Melodic Surface.
Music, Gestalt, and Computing Studies in Cognitive and Systematic Musicology, 277-293.
Dibben, N. (2003). Musical Materials, Perception, and Listening. In M.
Clayton, T. Herbert, R. Middleton (Ed.), The Cultural Study of Music: A
Critical Introduction. Florence, Kentucky: Routledge.
Erut, A. S., Wiman, F. A. (2012). Grouping Spectrum: toward a redefinition
of the concept of musical understanding. Anais do 8º Simpósio de Cognição e Artes Musicais, SIMCAM 8, 19-26.
340
Grave, F. (1995). Metrical Dissonance in Haydn. The Journal of Musicology,
Vol. 13, No. 3, 168-202.
Halle, J., Lerdahl, F. (1993). A Generative Textsetting Model. Current Musicology, 55, 3-23.
Krebs, H. (1987). Some Extensions of the Concepts of Metrical Consonance and Dissonance. Journal of Music Theory, Vol. 31, No. 1, 99-120.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Krebs, H. (1999). Fantasy Pieces: Metrical Dissonance in the Music of Robert
Schumann. New York: Oxford University Press.
Lerdahl, F., Jackendoff, R. (1983). A Generative Theory of Tonal Music. Cambridge: The Massachusetts Institute of Technology.
London, J. (2007). Temporal Complexity in Modern and Post-Modern
Music: A Critique from Cognitive Aesthetics. International Orpheus
Academy for Music & Theory. Disponível em
http://people.carleton.edu/~jlondon/.
London, J. (2012). Hearing in time: psychological aspects of musical meter. New
York: Oxford University Press.
Temperley, D. (2000). Meter and Grouping in African Music: A View from
Music Theory. Ethnomusicology, Vol. 44, No. 1, 65-96.
Traldi, C. A. (2012). O processo de phase-shifting criado por Steve Reich em
obra para percussão e eletrônicos em tempo real. Anais do 8º Simpósio
de Cognição e Artes Musicais, SIMCAM 8, 409-413.
341
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
No limite da terra fértil:
breves considerações sobre o
fracasso da forma musical
Eduardo Fabricio Frigatti
[email protected]
Universidade Federal do Paraná - UFPR
Resumo: O movimento do serialismo integral revolucionou todos os parâmetros da composição e da escuta musical. Movidos pela necessidade
de se reinventarem, os compositores que participaram desse movimento
utilizaram técnicas composicionais que afastassem ao máximo a interferência da memória – por remeter à tradição musical – do processo de criação. Embora esse radicalismo tenha gerado uma gama ampla de novas
possibilidades sonoras e sintaxe musical, sofreu duras críticas não só por
fundamentar o ato criativo em sistemas herméticos, mas também por gerar uma música de difícil escuta, com grande disparidade entre sua realidade sonora e sua lógica estrutural. Assim, o presente artigo discute a dificuldade da escuta da produção musical do serialismo integral baseado na
percepção da forma musical. Para tanto, analisa os textos em que o compositor francês Pierre Boulez discorre sobre sua estética, seus procedimentos técnicos e sua concepção de forma; e contrapõe suas ideias a de compositores contemporâneos.
Palavras-chave: Serialismo Integral – Forma Musical – Memória
342
At the edge of the prolific land: brief comments on the failure of the
form
Abstract: Integral serialism transformed all the parameters of composing
and listening. Composers who took part in this movement were led by a
necessity of reinventing themselves. They employed techniques of composition aiming to push away all the interference of the memory – which
was accepted for representing musical tradition – from the process of creation. Even though this radical movement created a wide range of new possibilities of sounds and musical syntaxes, it suffered severe critics for two
mains reasons: it based the creative act in hermetic systems and it created a
hard listening style of music with a huge discrepancy between the real
sound of the piece and its logical structure. In this way, this article discusses the difficulty of the listening of this pieces produced by the integral seri-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
alism as result of the perception of the musical form. For that, this paper
analyses the texts in which the French composer Pierre Boulez talks about
his aesthetic, his technical procedures and his conception of form; and also
contrasts his ideas and his contemporaries.
Keywords: Integral serialism – Musical Form - Memory
Da eliminação da memória à incompreensibilidade
Após a Segunda Guerra Mundial, o desejo de mudança e a negação da
tradição – não de modo pejorativo, mas vislumbrando novas possibilidades
– levaram os compositores mais jovens a buscarem sonoridades desconhecidas e novas técnicas composicionais. Entre os movimentos com essa ambição, encontra-se o Serialismo Integral. Embora o compositor estadunidense Milton Babbitt tivesse composto em 1947 obras dentro dessa tendência, foi o grupo serialista europeu, liderado por Pierre Boulez, que ganhou maior notoriedade e exerceu maior influencia nos anos seguintes.
A gênese da técnica composicional deste grupo está relacionada às
pesquisas de Oliver Messiaen – sobretudo as concretizadas em Quatre Études de rythme – e dos desdobramentos de alguns procedimentos adotados
por Anton Webern – como a escrita rarefeita, que desaguaria no pontilhismo, e as técnicas composicionais empregadas em suas Variations for Orchestra Op. 30. Sob o ponto de vista estético, sobretudo no que concerne ao
começo radicalmente novo, os debates, embora prolíficos, ainda não são
esclarecedores. Ainda assim, é possível apontar fatores importantes: a tendência para uma racionalização, mesmo uma abordagem matemática, das
artes naqueles anos; e o desejo de começar novamente, cujo principal obstáculo eram as memórias musicais, a tradição (Brindle, 1975; Morgan,
1991).
Comentando o processo de criação de Structures pour deux pianos, Boulez (1992) relata o desejo que tinha de apagar de seu vocabulário absolutamente todo vestígio do tradicional, no que diz respeito tanto às figuras e
frases quanto ao desenvolvimento e à forma; e reconquistar, paulatinamen-
343
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
te, elemento por elemento, de tal modo que se pudesse criar uma síntese
inteiramente nova. O compositor francês também almejava criar um sistema único que gerasse o material e não o obrigasse a recorrer a procedimentos distintos de diferentes compositores – o sistema de alturas de um, o
princípio rítmico de outro e, de um terceiro, a ideia de forma (Boulez,
1992). Em suma, “a uniformização da linguagem exigiu uma total renovação dos valores ‘semânticos’; o questionamento do vocabulário em todos os
níveis obrigou-me a procurar uma unidade fundamental” (Boulez, 1992. p.
70).
Começar novamente exigiu neutralizar a memória do compositor durante a criação, pois sua mente, em geral, cria somente com o que suas memórias lhe sugerem. O compositor tende a remontar padrões musicais
familiares e isto deveria ser evitado (Brindle, 1975). Corroborando tal afirmação, Boulez diz, ao comentar o processo de criação de Structures:
De que maneira acreditei poder eliminar do meu vocabulário todo
vestígio do tradicional? Confiei a inúmeras organizações a responsabilidade pelos diversos graus do trabalho criativo. Depois de escolher a situação material já existente [1], dei-lhe, por meio de uma série de números, uma autonomia total, sobre a qual eu apenas precisava exercer maior influência de uma maneira descompromissada,
superficial, de modo que estes mecanismos automáticos não entrassem em desordem. (Boulez, 1992. p. 71).
344
Eliminar a memória musical pessoal do processo de criação era uma
tentativa de extirpar todo vestígio do vocabulário tradicional, ao menos em
teoria, pois alguns parâmetros ainda eram decididos subjetivamente. De
qualquer modo, naqueles anos, a total organização era o único modo de se
criar a tabula rasa sobre a qual se poderia erguer uma nova música.Tais
procedimentos permitiriam gerar novas sonoridades completamente diferentes do que já se ouvira antes (Brindle, 1975).
Entretanto, mesmo que seja inegável a contribuição das pesquisas serialistas para ampliação do repertório sonoro e das possiblidades de escuta,
sua escrita excessivamente hermenêutica sofreu duras críticas: notação
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
demasiadamente complicada para ler e executar; um emprego casual e não
controlado dessas novas sonoridades, que, em geral, resultavam em músicas
menos interessantes que os sistemas que a geraram, e que levavam frequentemente à ruptura da capacidade de compreensão por exigir um esforço
excessivo da memória e percepção do ouvinte (Brindle,1975).
Comentando os contrastes de dinâmica típicos da escrita serialista,
Brindle (1975) diz:
O contraste de dinâmica e as diferentes formas de ataque são um
aspecto essencial da música moderna, mas a mudança perpétua envolve o grande perigo de o contraste passar despercebido, e, portanto, não ter valor. Em muitos casos do serialismo integral, nos quais
as dinâmicas são alocadas individualmente para cada nota por algum serial ou mecânico processo, tem-se a impressão que o compositor não somente perdeu todo senso prático do que é musicalmente apropriado, mas dá ao intérprete uma tarefa impossível.
Mais adiante, sobre emprego de excessivas permutações, afirma:
Se elas [permutações] são usadas para obter variantes da série dodecafônica, tão logo começam, qualquer ‘unidade’ temática memorável das notas da série voam com o vento [...] Como a mente não
pode compreender infinitas mudanças, ou mesmo lembrar mais do
que um punhado de variações, poucas permutações são tão boas
quanto muitas (Brindle, 1975).
Mesmo Boulez (1992; 2008) reconhece – ao menos parcialmente – as
limitações do método e afirma a impossibilidade do ato de compor não
poder ser assimilado ao fato de se fazer a justaposição de encontros estabelecidos estatisticamente. Contudo, a produção musical predominante do
serialismo integral, e uma parte considerável da que lhe sucedeu, não assimilaram somente as novas sonoridades e sintaxe, mas também uma tácita
estética da destruição que se instaurara – oriunda do desejo schoenberginiano da destruição das aparências–, desaguando, assim como a música do
serialismo integral, em uma música de saturação sonora e, em muitos casos,
mnemonicamente impossível. “O esforço do ouvido, necessário para dar
345
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
forma à música, tornou-se inútil, pois a forma possível é a do caos e da destruição” (Dottori, 2005. p. 257).
O cerne da forma musical
De modo explícito ou implícito, a função da memória na escuta de
uma obra é um tema a muito recorrente nos livros de composição e estética,
além de ter-se tornado um ponto chave para compreensão do fenômeno
musical. Não é por coincidência que, ao longo do século XX, as questões
que estavam na base do formalismo musical – emergente na segunda metade do século XIX – migraram progressivamente para o domínio da teoria
da percepção e da psicologia cognitiva, tornando-se tópicos centrais da
pesquisa musical em ciência cognitiva contemporânea. A compreensão de
que a audição musical é uma experiência que se dá no tempo, cujo papel da
memória é primordial para sua organização, é compartilhada por diversos
autores formalistas (Brelet, 1957; Dottori, 2005; 2012; Junchaya, 2010;
Nogueira, 2010). Tal conclusão tem implicações diretas em como se compreende a forma. Segundo tal concepção, a percepção da forma está profundamente vinculada à experiência de escuta ao longo do eixo temporal, o
qual supõe recordar na memória os eventos sonoros e relacioná-los na
mente, cumprindo expectativas ou gerando surpresa (Junchaya, 2010; Nogueira, 2010; Dottori, 2005; 2012).
346
Essas relações são construídas por eventos que são categorizados e recategorizados – ou seja, identificados, catalogados e hierarquizados – à
medida que a peça avançada. A compreensão da forma global requer a mediação de eventos simples, agrupamentos e figurações frásicas, para então
constituir-se de representações categorizadas na memória de longo-prazo
(Nogueira, 2010). A relação entre o que se ouviu, o que se ouve e o que se
ouvirá é feita na memória de curto-prazo pela memória de trabalho; da qual,
ao contrário da anteriormente citada, tem-se consciência e, portanto, apresenta um limite na quantidade de processamento de informações – em
torno de sete elementos, variando entre dois para mais ou para menos. Se
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
esta ultrapassa seu limite, a informação velha dá lugar à nova. As informações, que estão no foco de atenção, são selecionadas do depósito sensorial,
que as recebe do sistema sensorial e ficam armazenadas por alguns segundos até que as relevantes sejam deslocadas para o foco de atenção e relacionadas às outras memórias. (Foster, 2011).
A memória é fundamental para compreender-se a música, pois “os padrões que controlam e ordenam os eventos musicais numa forma temporal
e inteligível são regidos por nossa habilidade em reconhecer identidades e
inferir constância” (Nogueira, 2010. p. 134). Ou seja, categorizar e construir
relações.
Do estruturalismo hermenêutico às considerações
A música serialista, e boa parte da música de vanguarda pós-quarenta,
propõe uma construção e escuta fundamentada na estrutura, no “[...] conjunto de relações que são desenhadas do material musical em um trabalho e
usadas em sua ordem interna ou organização, independentemente do momento no tempo no qual elas acontecem ou são percebidas” (Gieseler apud
Junchaya, p. 3). Por outro lado, reduz a importância da forma global, de
contorno gestáltico, entendida como “[...] o modo como uma obra musical
é mostrada no tempo, o qual pode ou não fazer óbvia ao ouvinte sua estrutura, mas através de uma série de procedimentos o deixa ter uma ideia dela”
(Gieseler apud Junchaya, 2010. p. 3).
Embora Boulez trate a noção de forma em seus textos, ele tende a enfocar a discussão nos aspectos estruturais – como na ideia de estrutura estática ou dinâmica –, pois entende que a forma global como única a cada
obra, tornando-se, portanto, inviável sem a análise de cada caso (Boulez,
1992). E, apesar dele estar consciente da necessidade de organizar a música
no tempo para fazê-la compreensível, o compositor francês entendia que
qualquer resultado formal, se estruturado pelo compositor, era válido (Boulez, 1992; Junchaya, 2010). Assim, como muitos vanguardistas, Boulez crê
que a forma se justifica pela força de estruturação da peça, que precisa ser
347
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
coerente e lógica, mas não necessariamente governada por uma sucessão de
eventos no tempo (Junchaya, 2010).
Este enfoque na estrutura local, sobretudo do serialismo integral, em
detrimento da forma, dificulta a possibilidade do ouvinte em construir relações entre as diversas partes e compreender o todo, por duas razões centrais: pelo fato dessas estruturas serem regidas por formantes – conjunto de
critérios de escolhas, para usar a terminologia de Boulez – que deveriam
criar campos notáveis dentro de uma grande estrutura (Boulez, 1992), mas
que ao abusar de gestos complexos extrapolam a capacidade da memória
em identificar padrões importantes, e, assim, levam o ouvido ao fracasso na
tentativa de categorizá-los e hierarquizá-los; e, em segundo, por não conseguir criar relações de pequenas estruturas, inviabiliza relações na memória
de longo prazo. Essa música não se torna difícil de ouvir pelo universo de
novos sons que gerou, mas sim pelo fracasso em propor uma forma global
que se desenvolve no tempo àquele que a escuta.
Cabe ressaltar que a postura assumida por Boulez e seus partidários foi
guiada por uma decisão estética, da qual – embora não tivesse sido discutida a fundo no momento de criação das primeiras peças do movimento
serialista integral, devido à crucial demanda por inovações técnicas – tinham consciência das potencialidades, limitações e riscos (Boulez, 1992).
Nota
[1] Grifo do próprio autor. Boulez se refere ao fato de ter utilizado a série empregada por
Messiaen em Quatre Études de rythme.
348
Referências
Brelet, Giséle. (1957). Estética e Creación Musical. Trad. Leopoldo Hurtado.
Buenos Aires: Hachette S. A.
Brindle, Reginal Smith. (1975). The New Music: the avant-garde since 1945.
Bristol: Oxford University Press.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Boulez, Pierre. (1992). A música hoje 2. Trad. Geraldo Gerson de Souza. São
Paulo: Ed. Perspectiva.
______. (2008). Apontamentos de Aprendiz. Trad. Stella Moutinho; Caio
Pagano; Lidia Bazarian. São Paulo: Ed. Perspectiva.
Dottori, Maurício (2012). Santo Agostinho e as canções de ninar. Anais do
8º Simpósio de Comunicações e Artes Musicais, (Ed. M. Dottori), 173182. Florianópolis: Universidade do Estado de Santa Catarina.
______. (2005). De Gêneros, de Macacos, e do Ensino da Composição
Musical. In Anais do 1º Simpósio de Cognição e Artes Musicias, (Ed. M.
Dottor, Beatriz Ilari e Rodolfo Coelho de Souza), 246-259. Curitiba:
Departamento de Artes da Universidade Federal do Paraná.
Foster, Jonathan K. (2011). Memória. Trad. Camila Werner. Porto Alegre:
L&PM.
Junchaya, Rafael L. (2010). Musical form after the avant-garde revolution: a
new approach to composition teaching. International conference Beyond
the Centres: Musical Avant-gardes since 1950. Tessaloniki, Greece, 1-3
July. Disponível em http://btc.web.auth.gr/
Morgan, Robert P. (1991). Twentieth-Century Music: a history of musical style
in modern Europe and America. New York: Norton.
Nogueira, Marcos. (2010). Condições de um formalismo musical contemporâneo. Música em perspectiva. Vol. 3 n. 2. (111-137). Curitiba-PR:
Programa de pós-graduação em música UFPR.
349
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Incidencia de la dispersión
de las alturas en la inducción tonal
Pablo Sebastián Toledo
Facultad de Bellas Artes, Universidad Nacional de La Plata (UNLP)
Juan Fernando Anta
[email protected]
Facultad de Bellas Artes, Universidad Nacional de La Plata (UNLP)
Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas
Argentina
Resumen: En el presente estudio se analizaron datos recolectados en Anta (en evaluación) en una tarea de inducción tonal en la que los participantes debían identificar la tónica de fragmentos de melodías tonales originales y distorsionadas. Un elemento de distorsión consistió en incrementar
la distancia (en semitonos) que había entre las notas, es decir, su dispersión en el registro. En Anta (en evaluación) se observó que esta distorsión
provocó una merma en la capacidad de los oyentes de identificar la tónica
de los fragmentos. Los análisis aquí realizados sugieren que la causa de esta
merma fue el incremento de la dispersión local de las notas (i.e., de la distancia media que separaba a cada nota de la siguiente), no de su dispersión
global (i.e., de la distancia media que separaba a cada nota de todas las
otras notas del fragmento).
Palabras clave: Inducción tonal – dispersión local – dispersión global
350
Incidência da dispersão das alturas na indução tonal
Resumo: Neste estudo foram analisados dados coletados em Anta (em
avaliação) em uma tarefa de indução tonal em que os participantes tinham
que identificar a tônica de fragmentos de melodias tonais originais e distorcidas. Um elemento de distorção foi aumentar a distância (em semitons) que existia entre as notas, i.e., sua dispersão no registro. Anta (em avaliação) observou que esta distorção provocou uma diminuição na capacidade dos participantes para identificar a tônica dos fragmentos. As análises realizadas aqui sugerem que a causa desta diminuição foi o aumento da
dispersão local das notas (ou seja, da distância média que separava cada
nota da seguinte), não da sua dispersão global (ou seja, da distância média
que separava cada nota de todas as outras notas do fragmento).
Palavras-chave: Indução tonal – dispersão local – dispersão global
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
1.Introducción
La inducción tonal, es decir, el proceso por el cual se identifica la tonalidad de una pieza, es un componente clave de la experiencia del oyente: su
resultado, la tonalidad identificada, determina cómo el oyente comprende
las notas y acordes que componen la pieza, las tensiones que generan y,
entonces, cuáles son los momentos de apertura y cierre del discurso musical
(Salzer, 1952 [1995]; Lerdahl, 2001; ver también Krumhansl, 1996). Dada
la importancia de la inducción tonal, una pregunta clave en los estudios
psicomusicológicos es cómo se lleva a cabo: ¿cómo identifican los oyentes
la tonalidad de una pieza? Las respuestas a esta pregunta son diversas. Sin
embargo, se las puede agrupar en torno de dos tipos de modelos de inducción tonal, usualmente denominados modelos funcionales y distribucionales
(ver Brown, 1988; Temperley, 2007; ver Anta, 2011).
Según los modelos funcionales (e.g., Browne, 1981; Brown & Butler,
1981), los oyentes identifican la tonalidad de una pieza a partir de su vector
de clases de intervalos, y del orden de sus componentes. El vector indica
cuáles son los intervalos más ‘raros’ (i.e., menos frecuentes) en la pieza, los
que, por su rareza, permitirían al oyente ‘ubicarse en la escala’; el orden de
las clases de altura que forman los intervalos reforzaría la tonalidad establecida, en tanto enfatice resoluciones típicas –e.g., sensible-tónica. Por ejemplo, la Figura 1-A muestra un fragmento de la melodía del op. 89-XVI de
Franz P. Schubert El vector de clases de intervalos que se extrae del pasaje es
2-5-4-3-6-1, lo cual significa que a partir de las clases de altura disponibles
pueden inferirse 2 intervalos de segunda menor, 5 de segunda mayor, 4 de
tercera menor, etc. Cómo muestra el vector, sólo puede inferirse 1 tritono,
entre las clases Re y Lab, el cual es propio de las tonalidades Mib mayor y
Mib menor (o, por enarmonía, de las tonalidades La mayor y La menor). El
tritono, entonces, permitiría al oyente inferir que las clases Re y Lab son
respectivamente la sensible y la subdominante de la tonalidad pues, en el
351
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
modo mayor, se forma sólo entre esos grados de la escala. Finalmente, dada
la presencia del Sol (y, del Mib), los modelos funcionales concluyen que los
oyentes percibirán el fragmento en Mib mayor, lo cual, ciertamente, perece
una predicción acertada.
Figura 1. Tres fragmentos melódicos con el mismo vector de clases de intervalos, orden, y distribucion de clases de alturas. Fragmento A: tomado del Op. 89-XVI de Schubert, y utilizado como
estímulo en Anta (en evaluación). Fragmento B: versión distorsionada de A donde la dispersión local
es similar pero la dispersion global aumenta. Fragmento C: versión distorsionada de A donde la
dispersión local aumenta pero la dispersion global es similar.
352
Como lo sugiere el ejemplo anterior, los modelos funcionales de inducción tonal pueden ser muy simples y efectivos. Pero, ¿qué sucedería si en
la melodía en vez del Re, la sensible, ocurriera el Reb, como cromatismo que
resuelve en la submediante Do? El tritono que se inferiría entonces sería
Reb-Sol, sugiriendo que la tónica es Lab. Sin embargo, aún con semejante
cambio la melodía parece estar en Mib mayor: ¿tiene sentido este parecer?
Los modelos distribucionales indican que sí, en tanto que consideran que la
clave para la inducción no está en las relaciones interválicas que se establecen entre las clases de altura, sino en cómo las clases de altura se distribuyen
según algún criterio de cantidad.
El modelo de Krumhansl-Schmuckler (ver Kurmhansl, 1990), por
ejemplo, uno de los modelos distribucionales más populares, postula primero que los oyentes son sensibles a cómo se distribuyen las clases de altura
en una u otra pieza según su duración total acumulada. Segundo, que tras
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
sucesivas audiciones de piezas tonales, internalizan sus ‘distribuciones típicas’, las cuales representarían el concepto mismo de tonalidad. La Figura 2
muestra las distribuciones que se asumen como típicas para las tonalidades
mayores y menores. Y tercero, que los oyentes asignan a una pieza la tonalidad (o ‘distribución típica’) que arroja el mayor coeficiente de correlación
para con la distribución de sus clases de alturas. Por ejemplo, para el fragmento mostrado en la Figura 1, cuya distribución de clases de alturas también se muestra en la Figura 2, el modelo asigna la tonalidad de Mib mayor,
pues el coeficiente más alto se alcanza cuando se correlaciona la distribución típica del modo mayor con la distribución de la pieza ordenada a partir
del Mib. De manera interesante, el modelo predice que la tónica seguirá
siendo Mib si en el fragmento se cambia el Re por el Reb, según se especulaba más arriba. Sin embargo, paradójicamente, si se cambia el Mib por el
Sib predice que la tonalidad será Solm, pues ya no aparece la clase que hacía
de tónica (mientras que los modelos funcionales aún predicen la tonalidad
de Mib mayor).
Aunque de manera sintética, los ejemplos analizados ilustran cómo
operan los modelos funcionales y distribucionales de inducción tonal. Ilustran también cuán ‘falible’ pueden ser. La identificación de sus falencias nos
llevó a la siguiente pregunta: en lo que a la altura refiere, ¿la inducción tonal
se basa sólo en información acerca de las clases de eventos que componen
una pieza, ya sean estas clases de intervalos o de alturas? En los ejemplos
arriba discutidos, una u otra melodía (con el Re o el Reb, con o sin el Mib)
seguía sugiriendo la tonalidad de Mib, aún cuando (según los modelos
funcionales y distribucionales) la información sobre sus clases de eventos
no lo hacía. Surgió entonces la hipótesis de que, al menos en parte, la inducción tonal debía basarse también en información acerca de los intervalos y
alturas per se: esto es, acerca de los patrones de altura que presentan los
materiales musicales tonales (Anta, 2011). Efectivamente, disponíamos de
evidencia de que incluso pequeños patrones de altura, tales como un salto
ascendente de cuarte justa (que sugiere la relación dominante-tónica), son
fuerte indicadores de la tonalidad (Vos, 1999). Además, disponíamos de
353
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
evidencia tanto previa (e.g., Deutsch & Boulanger, 1984) como recolectada
en por nosotros (Anta, 2013) de que, al menos cuando se trata de materiales melódicos, las notas a distancia de octava no siempre se perciben como
equivalentes, lo cual sugería que la función tonal de las alturas no siempre se
traslada a las clases. Ello reforzaba la hipótesis de que la inducción tonal
debía basarse, al menos en parte, en los patrones de altura que presenta una
secuencia dada.
Figura 2. Izquierda: distribuciones de clases de altura típicas de piezas tonales (después de Krumhansl, 1990); 1= tónica. Derecha: distribución en los fragmetnos de la Figura 1.
354
Para testear esta hipótesis, realizamos una serie de estudios (Anta,
2012, en evaluación) en los cuales los oyentes debían identificar la tónica de
fragmentos melódicos que presentaban patrones tonales ‘enteros’ o ‘rotos’:
esto es, en su estado original, como aparecen en el repertorio, o con sus
notas desordenadas en el tiempo y/o dispersas en el registro. Es importante
notar que, al romper los fragmentos tomados del repertorio, se conservaban
sus vectores de clases de intervalos y sus distribuciones de clases de altura,
pero se eliminaban los patrones de conducción típicos de una melodía tonal
(e.g, las resoluciones dominante-tónica de cuarta justa se reemplazaban por
saltos ascendentes de oncena) – ver Figura 1. Sintéticamente, los resultados
mostraron que la habilidad de los oyentes de identificar la tónica ‘correcta’
(i.e., la que seleccionaban más para los fragmentos originales) decrecía significativamente de la condición original a la desordenada, pero también de
una y otra de estas condiciones a las condiciones en las que las notas se
dispersaron en el registro.
Ahora bien, el efecto del (des)orden de las clases de altura sobre la inducción tonal era, a la luz de las hipótesis funcionalistas, esperable. El efecto
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
de la dispersión registral, sin embargo, fue más novedoso. No obstante ello,
surge una interrogante sobre este efecto: la merma en el acierto de la tónica,
¿se debió a que la distancia entre cada nota y la siguiente se incrementó al
romper los patrones originales, o a que en general las notas (sucesivas o no)
quedaron más distantes entre sí? El problema refiere a la distinción entre lo
que podemos denominar dispersión local y dispersión global, respectivamente, de las alturas en el registro. Obsérvese, por ejemplo, los fragmentos
B y C mostrados en la Figura 1. El Fragmento B tiene una dispersión local
similar a la del Fragmento A (t = 1.00, p = .34), pero una dispersión global
mayor (t = 3.12, p < .01), porque las notas iniciales y finales han quedado
muy separadas en el registro. Como contrapartida, el Fragmento C tiene
una dispersión local mayor que el A (t = 2.33, p < .05), debido a los saltos
recurrentes, pero una dispersión global similar (t = 1.82, p > .05), debido a
su registro relativamente estrecho. Entonces, la variabilidad que observamos en nuestros estudios en el grado de acierto en la identificación de la
tónica, ¿se debió a la variabilidad –aumento- en la dispersión local de los
fragmentos distorsionados, o en la dispersión global? En el presente estudio
se abordó esta interrogante.
2.Método
Para abordar la interrogante planteada, nos basamos en los datos recolectados en Anta (en evaluación). En este estudio se realizaron dos experimentos en donde, como se anticipó más arriba, los participantes (35 en
cada estudio) debían identificar la tónica de diversos fragmentos melódicos.
En ambos experimentos había fragmentos originales (i.e., tomados del repertorio) y versiones distorsionadas de los mismos, por alteración del orden
de las notas y por incremento de su dispersión registral –medida en semitonos. La diferencia fue que los participantes del experimento 1 escucharon
los fragmentos con el ritmo propio de cada original, mientras que los del
experimento 2 escucharon los fragmentos con un ritmo de pulsos constantes. Para el presente estudio se tomaron los porcentajes de acierto promedio
obtenidos en la identificación de la tónica en cada uno de los dos experi-
355
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
mentos y se planeó un análisis de regresión jerárquica múltiple para cada
grupo de datos por separado.
Las variables explicativas generadas para introducir en la regresión fueron cuatro. Primero, la variable ORDEN, que codificó el orden de las clases
de altura, original o no. Segundo, TONICIDAD; esta variable se creó porque un examen preliminar sugirió que unos fragmentos en los que no aparecía la clase de tónica habían promovido, por ese hecho, un porcentaje de
acierto menor que los fragmentos restantes. La tercera variable fue DISPERSIÓN LOCAL; esta variable cuantificó la distancia promedio en semitonos entre cada nota y la siguiente de cada fragmento. Finalmente, la cuarta
variable fue DISPERSIÓN GLOBAL, la cual cuantificó la distancia promedio en semitonos entre cada nota y todas las otras notas en cada fragmento.
Estas variables se introdujeron en la regresión en 3 pasos. En el paso 1 se
introdujo ORDEN, en el 2 se introdujo TONICIDAD, y en el 3 se introdujeron simultáneamente las dos variables ‘objetivo’ de este estudio, DISPERSIÓN LOCAL y DISPERSIÓN GLOBAL. Además, en los pasos 1 y 2 el
método de regresión fue ‘introducir’, mientras que en el paso 3 fue ‘hacia
adelante’, de modo tal de permitir primero el ingreso en la ecuación de la
variable objetivo más eficiente en términos estadísticos, y luego de la variable objetivo restante, pero sólo en el caso de que fuese estadísticamente
significativa.
3.Resultados
356
La Tabla 1 resume los resultados del análisis de regresión de los datos
promedio de cada experimento de Anta (en evaluación). Como puede
observarse, los resultados fueron similares para uno y otro experimento. Si
bien TONICIDAD no fue significativa para explicar los datos del experimento 2, en uno y otro conjunto de datos la variable ORDEN sí lo fue. Más
importante aún, la variable de dispersión que contribuyó a explicar los datos
fue DISPERSION LOCAL. Esto es, los datos en general fueron explicados
fundamentalmente por la variabilidad en el orden de las notas, y en el mon-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
to de dispersión local. Con respecto a esta última variable, nótese como el
valor de ß correspondiente es negativo, lo que indica que los porcentajes de
acierto en la identificación de la tónica decrecieron a medida que la dispersión local de las notas en los fragmentos se incrementaba, y viceversa.
Paso 1
Experimento 1
Total
Δ R2ajus 2
R ajus
.33**
.33**
ORDEN
Experimento 2
Total
Δ R2ajus 2
R ajus
.10n.s. .10n.s.
ß
ß
.60**
ORDEN
ORDEN
.60**
ORDEN
.38n.s.
TONICIDAD
.24n.s.
TONICIDAD
.17n.s.
Paso 2
.03**
Paso 3
.21***
ORDEN
.36**
.38n.s.
-.01n.s.
.57***
.18*
09n.s.
.27*
.61***
ORDEN
.39*
TONICIDAD
.31*
TONICIDAD
.24n.s.
DISPERSION LOCAL
-.49**
DISPERSION LOCAL
-.44*
Nota: n.s. = no significativo; *p<.05; **p<.01; ***p<.001.
Tabla 1. Resumen del ajuste de los modelos de regresión a partir de los datos de Anta (en evaluación)
4.Conclusiones
Durante décadas, los estudios psicomusicológicos acerca de la inducción tonal se centraron en la incidencia de las clases de eventos de altura
que componen una pieza, las clases de intervalo en el caso de los modelos
funcionales (e.g., Brown y Butler 1981), o de alturas en el caso de los modelos distribucionales (e.g., Kurmhansl, 1990 ). Nuestros estudios recientes
(Anta 2012a, en evaluación) indican que, si bien las hipótesis funcionales y
distribucionales son válidas, para comprender más cabalmente cómo opera
la inducción tonal debe tenerse en cuenta también los intervalos y alturas
musicales per se de una secuencia, más específicamente, el orden de las notas
357
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
y cuán dispersas están en el registro. Acerca de este último factor, sin embargo, no era claro si lo que incidía sobre la inducción tonal era la dispersión
local de las alturas de la secuencia, o su dispersión global. Los resultados del
presente estudio sugieren que la inducción tonal es afectada básicamente
por la dispersión local de las alturas.
Específicamente, los resultados aquí obtenidos sugieren que la ruptura
por dispersión en el registro de las relaciones locales que ocurren en las
melodías del repertorio tonal, al menos como aparecen representadas en
melodías de Schubert, merma la capacidad del oyente de inferir las relaciones tonales que puede haber entre ellas. Además, sugieren también que las
relaciones globales que aleatoriamente pueden surgir de esa ruptura, debido
a la segregación de nuevas líneas melódicas con la creciente dispersión de
las notas (ver Bregman, 1990), no suman ni restan un porcentaje significativo a esa merma.
358
Desde una perspectiva más general, los resultados soportan la idea de
que la inducción tonal es, al menos en parte, un proceso de reconocimiento
de patrones. Esto tiene fuertes implicancias no sólo para los estudios en
percepción musical, sino también en educación. Sugiere la validez de diversas ‘reglas’ tradicionales en la enseñanza del contrapunto y la armonía (i.e.,
resolución de sensibles, equilibrio en el registro de las voces, etc.). Además
ello tiene fuertes implicancias para los estudios en análisis y composición
musical. Al sugerir que para que las melodías tonales suenen como tal sus
notas deben estar relativamente próximas en el registro, sugieren también
que para que las melodías atonales suenan como tal (i.e., para que no permitan la identificación de una tónica), sus notas deben estar más dispersas. De
manera interesante, disponemos de evidencia preliminar que sugiere la
validez de esta presunción (Anta, 2012b). En suma, la evidencia reciente
acerca de la incidencia de la dispersión de las alturas en la inducción tonal
proyecta un camino promisorio hacia el logro de una comprensión cabal
del proceso de inducción. Se espera que el presente estudio estimule la
investigación psicomusicológica en esa dirección.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
5.Agradecimientos
Este trabajo fue soportado por el Concejo Nacional de Investigaciones
Científicas y Técnicas de Argentina, y por subsidios de la UNLP a J. F. Anta.
6.Referencias
Anta, J. F. (2011). Patrones tonales, generalización por clases, y representación de la tonalidad: un modelo de cognición tonal dependiente del
contexto y el aprendizaje. Epistemus, en prensa.
Anta, J. F. (2012a). Claves perceptuales de la tonalidad y la atonalidad. Arte e
Investigación, 8, 10-15.
Anta, J. F. (2012b). El repertorio de intervalos utilizados diferencia a la
música tonal de la atonal. Actas de las 6a Jornadas de Investigación en Disciplinas Artísticas y Proyectuales; Facultad de Bellas Artes, Universidad
Nacional de La Plata.
Anta, J. F. (2013). Exploring the influence of pitch proximity on listener’s
melodic expectations (unpublished). En revisión.
Anta, J. F. (2013). Pitch: a Key Factor in Tonality Induction (unpublished).
Bregman, A. 1990. Auditory scene analysis: The perceptual organization of
sound. Cambridge, MA: MIT Press.
Brown, H. (1988). The interplay of set content and temporal context in a
functional theory of tonality perception. Music Perception, 11, 371-407.
Brown, H., & Butler, D. (1981). Diatonic trichords as minimal tonal cuecells. Theory Only, 5 (6 & 7), 39-55.
Browne, R. (1981). Tonal implications of the diatonic set. Theory Only, 5 (6
& 7), 3-21.
Deutsch, D., & Boulanger, R. C. (1984). Octave equivalence and the immediate recall of pitch sequences. Music Perception, 2, 40-51.
359
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Krumhansl, C. L. (1990). Cognitive foundations of musical pitch. New York:
Oxford University Press.
Krumhansl, C. L. (1996). A perceptual analysis of Mozart’s Piano Sonata K.
282: Segmentation, tension, and musical ideas. Music Perception, 13(3),
401–432.
Lerdahl, F. (2001). Tonal pitch space. New York: Oxford.
Salzer, F. (1952 [1995]): Audición estructural. Coherencia tonal en música.
Barcelona: Labor.
Temperley, D. (2007). Music and Probability. Cambridge, MA: MIT Press.
Vos, P. G. (1999). Key implications of ascending fourth and descending
fifth openings. Psychology of Music, 27, 4-17.
360
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Escrita polifônica e
desenvolvimento motívico contidos no
Estudo n.1 para violão de Camargo Guarnieri,
revelados pelas considerações de John Sloboda
a respeito de streams de alturas
Marcelo Fernandes Pereira
[email protected]
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - UFMS
Resumo: Este trabalho objetiva revelar a polifonia e o desenvolvimento
motívico implícitos na partitura do Estudo n.1 para violão de Camargo
Guarnieri (1907 – 1993). O problema da pesquisa parte de uma contradição: o estilo eminentemente contrapontístico do autor – atestado na maioria das publicações a respeito de suas obras -, parece, em uma primeira
leitura das obras para violão, ter sido preterido. Abordamos tal problema a
partir do fenômeno auditivo denominado streaming de alturas, estudado
previamente por cientistas como Miler e Heise (1950), Meyer (1956) e
Van Norden (1975). Esse fenômeno, segundo tais estudos, é natural do
ser humano e baseia-se na capacidade do mesmo de agrupar psicologicamente diferentes sons em planos distintos, formando assim, “correntes”,
mesmo que esses sons venham de uma mesma linha melódica. Contudo,
para as análises deste artigo, nos serviremos dos comentários de Sloboda
(1975) acerca do fenômeno auditivo em questão, articulando-os ao conceito schenkeriano de melodia composta.
Palavras-chave: Melodia composta; Streaming de alturas; Estruturação
musical
Polyphonic writing and motivic development contained in the Camargo Guarnieri’s Study n.1 for guitar, revealed by John Sloboda
considerations about Streams of heights
Abstract: This study aims to reveal the polyphony and motivic development implicit in the score for the Study n.1 for guitar composed by Camargo Guarnieri (1907-1993). The research problem starts in a contradiction: the highly contrapuntal style of the author - certificated in most
publications about his work - it seems, at a first reading of works for guitar,
361
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
have been passed over. We approach this problem from the auditory phenomenon called streaming heights, previously studied by scientists as
Heise and Miller (1950), Meyer (1956) and Van Norden (1975). This
phenomenon, according to these studies, is natural for human beings and
is based on their ability of grouping psychologically different sounds in different planes, thus forming "chains", even though these sounds come from
a single melodic line. However, for the analyzes in this article, we will serve
the comments from Sloboda (1975) on the auditory phenomenon in
question, linking them to the Schenkerian concept of melody composed.
Keywords: Composed melody; Streaming heights; Musical structuring
1.Introdução: problematização e interações teóricas
362
Camargo Guarnieri é um compositor conhecido por sua preferência
polifônica (Grossi, 2002, p.31) e em sua produção para piano, sua polifonia
é bastante explícita, tanto na pequena forma (como ponteios e outras peças
de caráter) como nos concertos para orquestra e na Sonata (1972). Outra
característica da escrita de Guarnieri é a obsessão pelo desenvolvimento
dos materiais, como nos atesta Tacuchian (2001, p. 448): “a técnica do desenvolvimento é um dos mais típicos recursos do compositor. Em suas mãos, qualquer motivo ganha proporções inimagináveis.” Entretanto, ambas as características não são encontráveis em uma primeira leitura das partituras dos Estudos para violão. Nos três estudos da série, encontramos um fluxo contínuo
em colcheias poucas vezes interrompido, que não denota nem elaboração
motívica, nem tampouco escrita contrapontística cerrada. Dessa forma, nos
perguntamos: teria o compositor aberto mão de seu estilo pessoal ao se
aventurar a escrever para um instrumento que pouco conhecia? Ou tais
preferencias - polifônica e de desenvolvimento motívico -, estariam presentes de forma implícita nas peças? Para responder a tais questionamentos,
propomos a análise da peça para violão que aparenta ter a escrita mais linear
de Guarnieri: o Estudo n. 1 (1958), no qual até a tradicional escrita violonística a três partes (melodia, acompanhamento e baixo) é preterida, havendo
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
inclusive, trechos monódicos nos quais a duração do baixo sequer é especificada.
Sendo assim, nossa análise procurará revelar a possível polifonia implícita no Estudo n. 1 através de do conceito de streaming de alturas - previamente estudado por cientistas como Miler e Heise (1950), Meyer (1956) e
Van Norden (1975) e comentado por Sloboda (2008, p 199 a 217). O
conceito de streaming de alturas é bastante amplo e engloba diversos fenômenos perceptivo-musicais, mas, neste trabalho, consideraremos o aspecto
que trata da possibilidade de uma única linha melódica ser percebida como
duas ou mais “correntes” ou linhas, permitindo que uma “única voz” seja
percebida como um discurso polifônico (Sloboda, 2008, p.208). Essa possibilidade de percepção está condicionada a diversos fatores como a velocidade de execução dessa linha, a angulação dos intervalos, a periodicidade de
ocorrência das variações, entre outros, e ainda segundo Sloboda (2008, p.
213), trata-se de um mecanismo primitivo de percepção humana que extrapola o ambiente da música de concerto. O mesmo autor salienta o fato
de que os músicos tem consciência desse processo auditivo psicológico
desde muito tempo, uma vez que fora usado “com frequência pelos compositores, especialmente do período barroco” (ibidem, p. 208). Em outras palavras,
compositores se valeram de tal capacidade humana para elaborarem um
tipo de escrita artificiosa que induz a audição polifônica de materiais contidos em uma única linha. Essa escrita, ao mesmo tempo linear e polifônica
foi notada também pelos teóricos, dentre os quais, destacamos Heinrich
Schenker, que conceituou esse tipo escrita como melodia composta. Uma
variação schenkeriana do conceito de melodia composta é o coral elaborado
que se resume a um tipo de escrita na qual toda uma estrutura polifônica é
atendida por um único arpejo, como, por exemplo, ocorre no Prelúdio n.1,
em Dó maior do 1º volume do Cravo bem temperado de J. S. Bach.
A melodia composta schenkeriana, segundo Forte e Gilbert (1992, p.
127), apresenta diferentes planos sonoros em uma mesma linha, formando
assim a “pseudo” estrutura polifônica já comentada acima. Dentro dessa
teoria, uma melodia composta pode variar com relação ao espaço e à continu-
363
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
idade (1992, p. 135), ou seja, alguns planos sonoros podem ser menos frequentes que outros. Também pode ser mais ou menos densa, de acordo
com a proximidade ou distâncias de tessitura entre os planos. Como podemos ver, o aspecto aqui assinalado do fenômeno auditivo “streams de alturas” e o conceito de melodia composta forjado por Schenker são bastante
convergentes. Em resumo, encontramos dentro da teoria schenkeriana, um
mecanismo que indica do ponto de vista analítico-musical uma escrita linear que pode ser percebida de forma polifônica e Sloboda, por sua vez, demonstra – a partir de experiências de outros cientistas -, como o cérebro liga
diferentes planos melódicos que se interpolam dentro de tal melodia. Tratase, em última instância, da sensação de prolongamento de uma determinada nota ou harmonia, que segue soando psicologicamente sobre as notas ou
acordes subseqüentes facultando a formação de diferentes planos na mente
do ouvinte (Forte e Gilbert, 1992, p. 202) [1]. Uma vez realizada essa pequena introdução teórica, passemos á análise do Estudo de Guarnieri, buscando os streamings de alturas, a fim de classificarmos os materiais que compõe cada plano sonoro e de verificar se tais materiais são desenvolvidos pelo
compositor no decorrer da peça.
2.Análise do aspecto polifônico do Estudo n.1 para violão de Camargo
Guarnieri
364
Como já explicitado, esta análise objetiva responder às questões principais decorrentes da problematização e, portanto, não pretendemos – nem
temos espaço – para empreender uma análise que abarque toda a peculiar
linguagem - sobretudo formal e harmônica - imbricada na peça em questão.
Apenas para situar o leitor, informamos tratar-se de uma peça curta, com
cinquenta e três compassos, na tonalidade de Fá menor. Apesar de o centro
tonal estar claramente estabelecido a princípio e no final, há muitos trechos
de indefinição. Formalmente falando, notamos um período de exposição
dos materiais (compassos 1 a 12), e uma espécie de reexposição ao final
(compassos 44 a 53), que reitera a exposição - com diferenças em relação a
esta - sob um pedal de tônica. O trecho entre a exposição e a reexposição
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
(compassos 13 a 43) pode ser entendido como um desenvolvimento que
tem seu ponto culminante no compasso 24 e se encerra com um trecho
cadencial altamente energético (compassos 41 e 42). Abaixo temos a citada
exposição (compassos 1 a 12).
Fig. 1: compassos 1-12. do Estudo n.1 de Guarnieri
Nele, observamos um arpejo contínuo de colcheias guiado por uma lenta e diatônica
progressão de baixo, que tem seu ponto culminante no compasso 8. Esse arpejo – que à
primeira vista soa como um só bloco - pode ser dividido em dois streams de alturas: o primeiro, acéfalo, contendo os motivos principais da peça (normalmente nas notas ímpares
de cada compasso) e um segundo, que constitui uma voz intermediária (incidindo quase
sempre nas colcheias pares ou partes fracas do tempo) e que forma um contraponto com a
melodia. O exemplo abaixo apresenta uma transcrição do trecho em questão feita pelo
autor deste artigo.
365
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Fig. 2 - compassos 1 - 12: trecho reescrito de forma a evidenciar a independência melódica das vozes
contidas na melodia composta
Como dissemos, esse trecho é determinante para a obra, pois afirma de
forma inequívoca a tonalidade e fornece a estrutura e material melódico que
serão desenvolvidos nos 41 compassos restantes. A separação dos dois
planos do arpejo através de uma leitura dos streams de alturas nos revela que
há uma melodia composta de dois planos, apoiados por um baixo. Este
baixo, por sua vez, se apresenta como uma condução melódica lenta, porém
independente, cujo ponto culminante se encontra no compasso 8. Assim,
por sua característica melódica, a linha do baixo se configura como um
terceiro plano do discurso polifônico, confirmando assim o raciocínio contrapontístico do compositor, em três planos - agora claramente observáveis,
graças a uma leitura que considerou os streams de alturas.
366
A este ponto, já nos é possível dizer tratar-se de uma peça contrapontística - uma vez que tal textura polifônica a três vozes permeia praticamente
toda a peça – contudo, nos falta confirmar se os materiais expostos são de
fato desenvolvidos ao longo da obra.
3.Análise do aspecto motívico do Estudo n.1 e conclusão do artigo
Ainda tratando da exposição, notamos na transcrição acima que a voz
superior é iniciada com o motivo principal – um motivo curto de três notas
que nada mais é do que um fragmento de arpejo - apresentado no primeiro
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
compasso e repetido no segundo. Esse motivo – doravante chamado M 1 é variado nos compassos 3, 5, 7 e 8, não retornando à nota inicial da bordadura, mas mantendo o contorno melódico original. Nos compassos 4 e 6,
encontramos um novo motivo, também de três notas, porém ascendente,
com estrutura interválica terça/segunda, que neste artigo será denominado
através da sigla M2.
Já no compasso 10, vemos uma fusão dos dois primeiros motivos apresentados. A voz intermediária, no mesmo trecho, também apresenta motivos de quatro notas, sendo que nos compassos de 1 a 4 e de 6 a 7, seu contorno acompanhará o perfil do motivo principal. Apenas no compasso C5
notamos que a melodia da voz intermediária consiste em uma escala diatônica ascendente de quatro notas.
Entre os compassos 13 e 21 (exemplo abaixo), o manejo dos materiais
apresentados na exposição – obtidos a partir da separação dos streams de
alturas - é notável, pois o contorno melódico do M1 reaparece desenvolvido
de várias maneiras na voz principal, nos compassos 13 a 17 e nos compassos
20 e 21, conforme exemplificado a seguir:
Fig. 3 – compassos 13, 14: M 1
Fig. 4 - compassos 20 e 21: M 1
Fig. 5 - compasso 17: forma mais desenvolvida do M 1
O desenho direto do M2 (com um salto de terça e uma segunda) também aparece desenvolvido e invertido, como podemos notar no exemplo
abaixo (observe o intervalo de terça em meio ao movimento escalar).
367
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Fig. 6 – compassos 18 e 19: a inversão ampliada do M2
Já nos compassos 22 e 23(exemplo abaixo), temos uma forma mais desenvolvida do M 1, pois a pausa que tornava todos os motivos acéfalos, até
então, é preenchida, resultando em um motivo tético de seis notas em desenho de bordadura dupla no compasso 22 e em uma grande bordadura
ascendente no compasso seguinte. Esse tipo de bordadura também é comparável à linha do baixo, dos doze compassos iniciais, o que reforça a tese de
que tal linha não se configura apenas como uma condução harmônica.
Fig. 7 – compassos 22 e 23: forma mais desenvolvida do M1
Podemos dizer que o M 1, com seu caráter de bordadura, seja o mais
utilizado na peça, ocorrendo ainda nos compassos 25, 27, 28, 30 e 32. Por
outro lado, o salto de terça encontrado no M2 é parte integrante das ampliações às quais assinalamos derivar do M 1, como podemos observar nas três
últimas figuras acima e no compasso 28, exemplificado a seguir.
368
Fig.8 – variações do M1 encontradas nos compassos 25, 27 e 28
Já os compassos 36 a 39 podem ser entendidos como inversões variadas do M2 e pela direção, podemos afirmar o mesmo dos motivos dos
compassos 24 e 26, apesar do caráter improvisatório desses compassos.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Fig.9 – melodia da voz superior do C 39
Não seguiremos a tratar das interações motívicas nos últimos compassos, uma vez que estes constituem a reexposição variada dos materiais iniciais - e obviamente os materiais motívicos foram intencionalmente preservados pelo compositor. Cremos, portanto, que neste ponto já tenhamos
alcançado o objetivo inicial do artigo, uma vez que ficou claro que o autor
desenvolve continuamente os motivos expostos no início da peça, o que
denota sua preocupação em dar unidade ao Estudo.
O caráter improvisatório da obra e o aspecto minimalista dos materiais
temáticos - pequenas bordaduras ou escalas, sem variações rítmicas – nos
levaram a uma análise que considerasse as expansões motívicas de forma
livre. Isso poderia gerar algum tipo de crítica, no sentido de invalidar a análise, uma vez que os materiais são muito simples e que seus desenvolvimentos são quase atemáticos – ou seja: escalas, apojaturas e bordaduras. Acentuando tal crítica, notamos que, muitas vezes, ambos os motivos se fundiram. Quanto a essa possível altercação, lembramos que o compositor, durante sua fase de estudante, foi aluno de Lamberto Baldi (1885 – 1979), e
exercitou exaustivamente através de técnicas neoclássicas como contraponto e desenvolvimento motívico (Egg, 2010, P. 65); ou seja: as inversões e
possíveis fusões dos dois principais motivos não passam de procedimentos,
que sabemos terem sido objeto de manipulação do compositor no seu período estudantil - fato ratifica o resultado de nossas análises. Sendo assim,
reiteramos de forma conclusiva, que os processos de desenvolvimento motívico aqui expostos, apenas foram evidenciados após a separação dos streams de alturas e que tal separação possibilitou também a constatação do
caráter polifônico da peça.
Como um epílogo, outras considerações de Sloboda sobre o streams
são igualmente aplicáveis sobre essa peça: uma delas consiste no fato de que
369
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
“o reconhecimento musical reforçaria a tendência de agrupar por alturas (Sloboda, 2008, p.212). Em outras palavras, um trecho ou fragmento comum ao
receptor é melhor percebido - quando interpolado em streams - do que
trechos muito angulosos ou compostos por elementos completamente
estranhos. Dessa forma, a intenção de se separar a melodia em diferentes
streams passa a demandar a utilização de elementos motívicos que facilitem
essa separação. Logo, a preferência do autor em trabalhar pequenos fragmentos de acordes ou escalas, mantê-los no decorrer da peça e alternar
cromatismo com diatonismo se mostra bastante coerente com a intenção
de que os dois diferentes planos sejam compreendidos em paralelo. Tal
observação deve ser entendida dentro do contexto de um compositor modernista que tencionava expandir sua linguagem musical, sem se atrelar ao
que se lhe apresentava como vanguarda em seu tempo - eis então sua solução pessoal.
Notas
370
[1] Flo Menezes em seu Apoteose de Schoenberg: tratado sobre as entidades harmônicas
(2001, p. 28) corrobora com essa teoria do prolongamento psicológico de uma nota, que se
torna ser passível de relacionamento com outras notas posteriores, formando planos distintos de relacionamento e também Charles Rosen em A geração romântica (2001, p. 400 e
401) trata da questão associação psicológica de diferentes planos melódicos em obras de
Chopin.
[2] Quando caminho pela rua lado a lado com você / Me deixas louca / E quando escuto o
som alegre do teu riso que me dá tanta alegria / Me deixas louca / Me deixas louca quando
vejo mais um dia pouco a pouco entardecer / E chega a hora de ir pro quarto escutar as
coisas lindas que começas a dizer / Me deixas louca / Quando me pedes por favor que
nossa lâmpada se apague / Me deixas louca / Quando transmites o calor de tuas mãos pro
meu corpo que te espera / Me deixas louca / E quando sinto que teus braços se cruzaram
em minhas costas / Desaparecem as palavras, outros sons enchem o espaço / Você me
abraça, a noite passa / Me deixas louca.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Referências
Forte, Allen; Gilbert, Steven E. (1992). Introducción al Análisis Schenkeriano.
Trad. Pedro Purroy Chicot. Barcelona: Editorial Labor.
Egg, André Castro. (2010). Fazer-se Compositor: Camargo Guarnieri 1923 –
1945. Tese (Doutorado em História) USP, São Paulo.
Guarnieri, M. Camargo. (1961). Estudo no. 1. Milano (Itália): Ricordi.
Grossi, Alex Sandra de Souza. (2002). O idiomático de Camargo Guarnieri
nos 10 Improvisos para piano. 2002. 205 f. Dissertação (Mestrado).
USP, São Paulo.
Sloboda, John A. A mente musical: a psicologia cognitiva da música. (2008).
Trad. B. Ilari e R. Ilari. Londrina, PR: EDUEL, 2008.
Tacuchian, Ricardo. (2001). O sinfonismo guarnieriano. In F. Silva (Org.).
Camargo Guarnieri: o tempo e a música (447-463). Rio de Janeiro: Funarte; São Paulo: Imprensa Oficial.
371
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Generación de intervalos musicales en el
habla en situaciones interaccionales
Juan Pablo Robledo[1]
[email protected]
Esteban Hurtado
Domingo Román
Felipe Prado
Carlos Cornejo
Pontificia Universidad Católica de Chile
372
Resumen: En el presente trabajo se explora la relación entre interacciones
empáticas e intervalos musicales en la prosodia vocal. Considerando el fenómeno de la Convergencia Fonética y literatura existente acerca de intervalos musicales en el habla, se espera que una actitud empática entre dos
interlocutores se traduzca en razones matemáticas entre sus tonos fundamentales, similares a las de los intervalos musicales. Para ello se trabajó con
las conversaciones de 12 díadas asignadas a dos condiciones experimentales definidas como Empática y No-Empática. Se analizaron las mencionadas razones matemáticas y se compararon por condición a través de análisis estadísticos descriptivos e inferenciales cuyos resultados avalan la hipótesis inicial. Se encontraron diferencias entre condiciones en cuanto a la
distribución de intervalos musicales (iguales o mayores, o bien menores
que una Tercera Menor), que no son suceptibles de explicarse a través de
diferencias en las características vocales de los individuos de cada condición, sino que parecen emerger de un fenómeno genuinamente interpersonal, que dice estrecha relación con el fenómeno psicológico de la empatía.
Palabras clave: cognición musical, intervalos musicales, interacción, prosodia, empatía
Abstract: This paper explores the relation between empathy and musical
intervals in speech prosody. Considering the phonetic convergence phenomenon and previous literature about musical intervals in speech, it was
expected that a two-party empathic conversation would translate into
mathematical ratios among its fundamental frequencies, similar to those of
musical intervals. Speech streams from conversations of 12 dyads randomly assigned to two experimental conditions defined as Empathic and Non-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Empathic were extracted. Mathematical ratios per condition were analyzed and compared statistically. The results show differences between
conditions in terms of the distribution of the musical intervals (equal to, or
greater or less than a minor third), which cannot be explained by differences in the vocal characteristics of the individual members of each condition. Instead, they seem to emerge from a genuinely interpersonal phenomenon which shows close relationship with the psychological phenomenon of empathy.
Keywords: music cognition, musical intervals, interaction, prosody, empathy
1. Introducción
Múltiples e interesantes relaciones se han encontrado durante las últimas décadas entre comunicación humana y fenómenos de orden musical.
Algunos ejemplos son el rol de la música en la evolución filogenética de la
comunicación en la especie humana (Cross, & Woodruff, 2008), la relación
entre habilidades interpersonales básicas y la conducta musical (PhillipsSilver y Keller, 2012), así como la importancia del contorno melódico en la
interacción vincular bebé-cuidador (Trehub, 2003; Trainor y Desjardins,
2002). Dentro del área de las interacciones humanas, la gran mayoría de los
trabajos (como es el caso de las tres últimos referencias) que abordan el rol
de la prosodia en términos musicales lo hacen a nivel de contorno de la voz,
dejando de lado las relaciones entre frecuencias, es decir, los intervalos musicales. Esta omisión puede ser importante, pues se ha demostrado que la
escucha de intervalos musicales (Tabla 1) tiene un importante impacto
psicológico desde edades tempranas y durante toda la vida (Oelmann y
Laeng, 2008; Schellenberg y Trehub, 1999). Excepciones a esta tendencia
general son algunos experimentos recientes (Bowling, Sundararajan, Han, y
Purves, 2012; Curtis y Barucha, 2010) que han sondeado el rol de los intervalos musicales en el habla. Sin embargo, estos estudios también abordan el
fenómeno a nivel unipersonal, reportando relaciones entre los intervalos y
el tono afectivo desde los que fueron emitidos.
373
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Tabla 1. Intervalos
rvalos musicales en afinación justa. Se presenta su distancia en semitonos (s/t) respecto
de una nota dada, la razón matemática entre frecuencias (en Hertz) que les subyace, y el valor numénum
rico de dicha razón.
Por otro lado, en fonética se han reportado diversos fenómenos prosópros
dicos en interacciones diádicas reales, en particular a nivel de Frecuencia
Fundamental o F0 (Johnson, 2003). Entre ellos, es de especial interés la
llamada Convergencia Fonética (Kim y Horton, 2011),
), consistente en la acomodación progresiva de la distancia (en Hz) entre la F0 de un hablante, y
la de su interlocutor. Recientemente fue reportada una estrecha relación
entre el nivel de empatía compartida por dos interactuantes y la ConverConve
gencia Fonética que éstos despliegan durante la interacción (Quezada,
Robledo, Cornejo, y Román, 2012). Es decir, un fenómeno interaccional
como lo es la empatía tiene un correlato a nivel de relaciones entre frecuenfrecue
cias en la prosodia vocal.
374
La empatía ha sido concebida básicamente como un experimentar
experimen el
mundo desde la perspectiva de un otro (Bohart y Greenberg, 1997). Esta
experiencia se ha planteado a nivel cognitivo (Gallagher y Frith, 2003),
emocional (Hoffman, 1987), corporal (Decety e Ickes, 2011), y contextual,
como es la Hipótesis Empatía-Altruismo,
truismo, en la que la empatía está directadirect
mente ligada a la percepción de un otro en situación de necesidad (Stocks
et al., 2009).
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Considerando que la distancia en Hz entre dos F0 no es sino una razón
matemática, tal como lo es la relación entre dos tonos que generan un intervalo musical, y dado el precedente de la importancia de los intervalos musicales y su presencia en el habla humana a nivel unipersonal, parece razonable explorar tales acomodaciones recíprocas de F0 desde una perspectiva
musical. De esta manera, en el presente experimento estudiamos la generación interaccional de intervalos musicales.
2. Método
2.1 Participantes
−
Veinticuatro estudiantes universitarios entre 18 y 26 años ( x = 20
años) conformaron la muestra. Un primer requerimiento para participar en
el experimento fue que los participantes de un mismo registro no se conocieran entre sí. Cumplido este requisito, se asignó aleatoriamente a los sujetos
a dos condiciones experimentales: la Condición Empática (CE) y la Condición No Empática (CNE). De esta manera, resultaron 12 díadas, distribuidas en 6 grabaciones para la CE y otras 6 correspondientes a la CNE. El
género de las duplas fue debidamente balanceado, resultando -con una
excepción- en cada condición 2 parejas de sexo femenino, dos masculinas, y
dos mixtas. El promedio de edad en la CE fue de 19,2 años, mientras que en
la CNE fue de 20,9.
2.2 Materiales y procedimientos
El lugar de registro fue el Laboratorio de Interacción y Fenomenología
de la Escuela de Psicología de la P. Universidad Católica de Chile. Como
primer requisito de su participación, se pidió a los participantes que leyeran
y firmaran un consentimiento informado. Acto seguido, se les solicitó que
contestaran una versión traducida del cuestionario Toronto Empathy Questionnaire (TEQ, Spreng, McKinnon, Mar y Levine, 2009), con el fin de evaluar el grado de empatía (entendida como rasgo de personalidad) de los par-
375
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
ticipantes y así descartar eventuales diferencias en los niveles basales de
empatía entre las condiciones experimentales.
En ambas condiciones, los participantes interactuaban en díadas contestando secuencial y mutuamente 10 preguntas contenidas en 10 tarjetas.
Estas preguntas procedían de una adaptación del cuestionario Fast Friends
(Aron, Aron, Vaollone, y Bator, 1997, que posibilita a los participantes conocerse mutuamente al compartir algunos eventos de vida de progresiva
significatividad, culminando en la pregunta 9 con el relato de las circunstancias en las que experimentaron el terremoto que afectó a Chile en febrero de
2010, siguiendo la Hipótesis Empatía-Altruismo (Stocks et al., 2009). La
manipulación que diferenció las dos condiciones experimentales radicaba
en las instrucciones que recibían las díadas de cada grupo: en la CE, los
estudiantes debían responder a las preguntas de la manera más espontánea
posible y escuchando atentamente a sus interlocutores para tratar de conocerlos lo más que pudiesen. Por el contrario, en la CNE se advertía a los
interactuantes que uno de ellos podía recibir, en la tarjeta que contenía la
pregunta, la instrucción de mentir. Ambos sets de tarjetas contenían sin
embargo la misma instrucción: decir la verdad en todas las respuestas. Se
asumió que esta manipulación causaría en la CNE una distancia entre los
interlocutores que mermaría su disposición a aproximarse empáticamente
al otro, generando diferencias consistentes entre condiciones.
Las emisiones de cada participante durante las conversaciones fueron
registradas en canales separados con micrófonos individuales headset SYSTEM 8 Audio-Technica y posteriormente digitalizados a través de la tarjeta
de sonido externa Scarlett 8i6 Focusrite.
376
2.3 Hipótesis
Dada la manipulación experimental y teniendo como precedente el
hecho de que experiencias interpersonales empáticas tienen correlatos a
nivel de F0 (Quezada et al., 2012), se hipotetizó que se observarían diferencias entre las condiciones en las razones entre las F0 de los dos interlocuto-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
res, considerando tales razones en la lógica de los intervalos musicales tal
como se ha hecho hasta ahora a nivel unipersonal. Es decir, que la variedad
de intervalos generados entre los interlocutores diferirá sustantivamente de
una condición a otra.
2.4 Análisis
Se analizaron las grabaciones de cada sujeto correspondientes a las
preguntas 1 y 2, ubicadas al comienzo de la interacción y a la mencionada
pregunta 9. Cada uno de los 72 archivos .WAV (2 sujetos x 3 preguntas x 6
díadas x 2 condiciones) fueron revisados exhaustivamente a través del software Audacity para eliminar segmentos o equívocos. Teniendo los audios
correspondientes a cada pregunta y cada sujeto, se procedió a analizarlos a
través del software Praat (Boersma y Weenink 2011). Posteriormente se
generó un script capaz de extraer de un archivo .WAV su moda, mínimo y
máximo (expresados en Hertz) correspondientes a la totalidad de las emisiones de F0. Con esta información, se calculó la razón matemática entre la
moda de F0 de un sujeto y la su interlocutor durante la interacción de una
pregunta dada, considerando la moda como la emisión más presente y estable durante tal segmento. A continuación, se asignó categóricamente tales
razones a intervalos musicales, considerando todos los incluidos en el rango
de una octava, exceptuando la octava misma. De esta manera, fue posible
apreciar en términos musicales la relación global entre las distancias en
términos de pitch de las emisiones vocales de dos interlocutores.
2.5. Resultados
El Gráfico 1 muestra la distribución de intervalos correspondientes a la
CE y CNE. Se observa una notoria diferencia respecto de los intervalos
presentes menores a una Tercera Menor (Un, m2 y M2), y los iguales o
mayores a tal razón (m3, M3, p4, Tt, P5, m6, M6, m7, M7). Tal diferencia
entre condiciones se aprecia mejor al separar en tales grupos los intervalos,
377
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
como se aprecia en el Gráfico 2. Se realizó una prueba chi-cuadrado
cuadrado para la
tabla de contingencia que contiene los intervalos menores a una tercera
menor (m3) y aquellos iguales o mayores a dicha razón, que se dieron en
cada condición. La diferencia del tamaño
año de ambos grupos no sólo se inviinv
erte de una condición a otra, sino que además resulta estadísticamente sigsi
nificativa
ficativa [χ(1)=4.7652, p=0.02904]. Para descartar que estos resultados
sean explicados por la simple variabilidad de emisiones de los sujetos entre
ent
ambas condiciones –esto
esto es, que el rango de emisiones de los sujetos de la
CE hubiese sido mayor que la contraparte de la CNE-,, se calculó el rango de
emisiones de cada sujeto (pitch máximo vs. mínimo extraído de la totalidad
de sus emisiones) en semitonos.
Gráfico 1. Distribución de intervalos musicales extraídos de las preguntas 1, 2 y 9, separados por
condición.
378
Gráfico 2. Frecuencia de intervalos presentes en dos agrupaciones en cada condición. “Int<m3”
“
indica el grupo de los intervalos menores a una tercera menor (m3), “Int≥m3”
≥m3” aquellos iguales o
mayores a una m3.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Estos valores se compararon entre la condición empática y no empática mediante una prueba t de Student de muestras independientes asumiendo igualdad de varianza. No hubo evidencia de que un grupo expresara
mayor rango tonal que el otro [t(22)=0.5583, p=0.5822].
3. Conclusiones
Nuestros resultados respaldan la hipótesis inicial: la distribución de intervalos musicales que emergen entre dos personas que interactúan es diferente (y aún contraria) según si la conversación es o no empática. En las
conversaciones de la CE tienden a generarse intervalos musicales en prácticamente todo el rango de posibilidades de intervalos musicales contenidos
en la octava. Inversamente, en la CNE las mencionadas razones se acotan
fundamentalmente a aquellas menores a una Tercera Menor (m3). Interesantemente, la diferencia fundamental en la distribución de intervalos entre
condiciones sigue el mismo patrón reportado por Bowling et al. (2012) y
Curtis y Barucha (2010) quienes ubican de distintas maneras la Tercera
Menor como punto de discriminación a nivel unipersonal. En nuestro caso
esto se expresa a nivel de intervalos generados a partir del pitch de dos personas distintas. La relación entre estos dos niveles (uni e interpersonal)
podrá ser mejor comprendida a la luz de un segundo análisis de los registros
realizado actualmente a nivel de una unidad lingüística más fina.
Nuestros resultados son importantes en tanto evidencian coordinaciones reales y espontáneas en los contornos melódicos del habla de sujetos
en conversaciones espontáneas. Este hallazgo es nuevo en la investigación
de la comunicación en el marco de la cognición musical, que se ha centrado
fuertemente en el nivel individual en vez del interaccional. Adicionalmente,
el sonido analizado en prácticamente la totalidad de los estudios relacionados es generado en situaciones sociales ficticias (actuado, recitado, etc.),
proviniendo en este caso de un discurso que se dirigió espontáneamente a
un interlocutor físicamente presente. En segundo lugar, nuestros resultados
379
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
sugieren la percepción y procesamiento del sonido del habla del otro como
entregando un mensaje “musical”, paralelo al mensaje lingüístico. Finalmente, nuestro estudio contribuye a entender el fenómeno de la empatía y el uso
de los intervalos musicales no como procesos que ocurren aisladamente en
las mentes de sujetos distintos, sino más bien como algo que emerge de
éstos.
Notas
[1] Autor para correspondencia (email: [email protected]). Este estudio fue financiado por el
Fondo Nacional Científico y Tecnológico (FONDECYT-CHILE) a través del proyecto
Fondecyt 1100863.
[2] El éxito de esta manipulación está confirmado por los estadísticos reportados en Carré,
D., Iglesias, G., Paredes, J., Hurtado, E. & Cornejo, C. (submitted).
Referencias
Aron, A., Melinat, E., Aron, E.N., Vaollone, R. y Bator, R. (1997). The experimental generation of interpersonal closeness: A procedure and some
preliminary findings. Personality and Social Psychology Bulletin, 23, 363377.
Boersma, P. y Weenink, D. (2011). Praat: doing phonetics by computer
[Programa computacional]. Version 5.3.19, obtenido en mayo de
2012 desde http://www.praat.org/
Bohart, A.C. y Greenberg, L.S. (1997). Empathy reconsidered: New directions
in psychotherapy. Baltimore: United Book Press
380
Bowling, D.L., Sundararajan, J., Han S., y Purves D. (2012). Expression of
Emotion in Eastern and Western Music Mirrors Vocalization. PLoS
ONE 7(3): e31942. doi:10.1371/journal.pone.0031942
Carré, D., Iglesias, G., Paredes, J., Hurtado, E. & Cornejo, C. (s/d). Does
interactional context influence empathy? (unpublished)
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Cross, I. & Woodruff, G. E. (2008). Music as a communicative medium. In
Botha, R. & Knight C. (Eds.) The Prehistory of Language, Oxford: Oxford University Press.
Curtis, M., y Barucha, J. (2010). The Minor Third Communicates Sadness
in Speech, Mirroring its use in Music. Emotion, 2010, Vol. 10, No. 3,
335–348
Decety, J. & Ickes, W. (2011). The social neuroscience of empathy. Cambridge:
MIT Press.
Gallagher, H.L y Frith, C.D. (2003). Functional imaging of ‘theory of mind’.
Trends Cogn. Sci, 7(2), 77-83.
Hoffman, M. L. (1987). The contribution of empathy to justice and moral
judgment. In N. Eisenberg y J. Strayer (eds.), Empathy and its development (pp. 47-80). Cambridge: Cambridge University Press.
Johnson, K. (2003). Acoustic and Auditory Phonetics, 2ª ed. Oxford: Blackwell.
Kim, M. y Horton, W.S. (2011). Phonetic convergence in spontaneous
conversations as a function of interlocutor language distance. Laboratory Phonology, 2, 125-156.
Oelmann, H. & Laeng, B. (2008). The emotional meaning of harmonic
intervals. Cognitive Processing, 10, 113-131.
Phillips-Silver, J., y Keller, P.E. (2012). Searching for roots of entrainment
and joint action in early musical interactions. Frontiers in Human Neuroscience, 6, 26.
Quezada, C., Robledo, J.P., Cornejo, C. y Román, D. (2012). Empatía y
convergencia del tono fundamental. Revista de Lingüística Teórica y Aplicada, 50 (2), 145-65.
Spreng, R.N., McKinnon, M., Mar, R. y Levine, B. (2009). The Toronto
Empathy Questionnaire: Scale development and initial validation of a
381
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
factor-analytic solution to multiple empathy measures. Journal of Personal Assessment, 91(1), 62-71.
Schellenberg, E. & Trehub, S. (1999). Natural Musical Intervals: Evidence
From Infant Listeners. Psychological Science, 7, 272-277.
Stocks, E., Lishner, D. y Decker, S. (2009). Altruism or psychological escape: Why does empathy promote prosocial behavior? European Journal of Social Psychology, 39(5), 649-665.
Trainor, L. y Desjardins, R. (2002). Pitch characteristics of infant-directed
speech affect infants’ ability to discriminate vowels. Psychonomic Bulletin & Review 2002, 9 (2), 335-340
Trehub, S. (2003). The developmental origins of musicality. Nature Neuroscience 6, 669 – 673
382
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
O entendimento da canção “Me deixas louca” na trilha musical do seriado
“A vida como ela é...”
Andre Checchia Antonietti
[email protected]
Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
Claudiney Rodrigues Carrasco
[email protected]
Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
Resumo: Este trabalho pretende analisar a articulação dramáticonarrativa das dez inserções da canção Me deixas louca, de Armando Manzanero e Paulo Coelho, presentes em quatro episódios do seriado “A vida
como ela é...”. O mapeamento de todas as inserções da canção e de sua
versão instrumental mostra que a canção pode complementar a ação das
personagens, reafirmar informações sobre o que se mostra em cena, antever aspectos da trama ou criar ambiência para o desenvolvimento da cena.
Palavras-chave: articulação dramático-narrativa, canção em seriado de
TV, Me Deixas Louca
The Understanding of the song Me deixas louca in “A vida como ela
é...” music soundtrack
Abstract: This paper aims to analyse the dramatic-narrative articulation in
ten insertions of the song Me deixas louca, composed by Armando
Manzanero and Paulo Coelho, inserted in four episodes of the series “A
vida como ela é…” The analyses of all the song insertions and its instrumental version showed that the song can complete the character actions,
reassert scene informations, anticipate aspects of the plot or create ambience for the scene development .
Keywords: dramatic-narrative articulation, song in television series, Me
Deixas Louca
383
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Este trabalho tem por objetivo fazer uma reflexão sobre a canção Me
deixas louca no seriado “A vida como ela é...” baseado nos fundamentos da
teoria musical para o audiovisual, da dramaturgia e da articulação poética
deste tipo de produto.
1. A trilha musical de “A vida como ela é...”
“A vida como ela é...” foi um seriado apresentado semanalmente dentro
do programa dominical Fantástico, exibido pela Rede Globo de Televisão
no período de 31 de Março a 29 de Dezembro de 1996. Composto de 40
episódios com duração média de 9 minutos, o seriado apresenta em cada
unidade uma história baseada em um conto de Nelson Rodrigues, publicado no jornal “A Última Hora”, de 1951 a 1961. As tramas dos contos recriam temas relativos à fidelidade, ciúme, amor, sexo e moralidade da época. A
série foi reapresentada, em 1997, aos sábados, em julho de 2000 inserida no
talk show diário Programa do Jô e em 2012 no Fantástico novamente, em
comemoração ao centenário de Nelson Rodrigues. A produção musical do
seriado é de Roger Henry e direção musical de Mariozinho Rocha.
A trilha musical de “A vida como ela é...” apresenta dezoito canções.
Onze destas canções estão presentes na coletânea comercializada pela Som
Livre, lançada em 1996 durante a primeira exibição do seriado, que ainda
conta com uma música instrumental utilizada na abertura. A trilha musical
do seriado também apresenta ainda música instrumental que pode ser dividida em dois grupos: versões instrumentais das canções da trilha musical e
músicas instrumentais originais.
384
2. A canção como parte da narrativa na teledramaturgia
Para Cláudia Gorbman, “a música no cinema tem como função principal
envolver emocionalmente o espectador, desarmando o seu espírito crítico e colocando-o ‘dentro’ do filme”. Acaba, assim, criando ambientes que facilitem o
envolvimento do espectador, ajudando a diminuir a consciência da nature-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
za tecnológica do discurso fílmico, reforçando sensações e sentimentos
com clichês psicológicos, harmonizando os ouvidos e os olhos do espectador. (Gorbman, 1987) O mesmo pensamento pode ser aplicado para a
canção quando inserida em produtos de teledramaturgia.
A articulação dramático-narrativa, criada a partir da associação da canção e da imagem em um produto audiovisual, pode ser analisada a partir de
duas ópticas. A primeira delas leva em consideração a consciência do autor
no momento da execução. Denomina-se autor aquele que tem o poder de
decisão sobre o produto audiovisual enquanto este está sendo feito. Ao
decidir a inclusão de uma canção, o autor (aqui podendo se materializar na
figura do produtor musical, do sonoplasta ou do diretor) tem processos
conscientes que refletem a articulação dramático-narrativa da mesma na
obra. Os sentidos pretendidos pelo autor refletem a obra em si, a canção, as
imagens e as decisões de direção. Ao escolher uma canção, o produtor musical traz seu conteúdo significante à narrativa. O sonoplasta em decisão
conjunta ao diretor pontua os momentos em que este suporte deve acontecer. Já o diretor, durante o processo de gravação das imagens e, de posse da
canção, pode antever e decidir sobre as articulações pretendidas. E, ainda
assim, muitos significados neste processo são criados sem pretensão.
A segunda óptica de análise leva em consideração o espectador. O entendimento das relações dramático-narrativas criadas de forma consciente e
inconsciente pelo autor muda de posicionamento durante a exibição do
produto. Ele não será mais entendido da forma com que se pensou na execução. Tudo será agora reflexo da consciência do espectador. As relações
dramático-narrativas, existentes na obra, serão entendidas de forma diferente em cada faixa etária de espectador, levando em conta sua localização
geográfica, sua classe social, seu nível de formação e o repertório de situações vividas e/ou observadas pelo mesmo, principalmente como reflexo
direto de sua contemporaneidade. Aquilo que foi pensado na execução
como uma relação dramático-narrativa clara pode ser ignorada pelo expectador que vive em uma realidade muito diferente da retratada pelo produto.
385
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
É preciso também levar em consideração os níveis de percepção que cada
espectador tem quando ouve uma canção.
A percepção da música em uma trilha sonora de produto audiovisual
deve passar por dois níveis distintos: o sensorial e o intelectual. Não estamos aqui querendo estabelecer os fundamentos psicológicos da percepção
musical. Isso foge ao escopo de nosso trabalho e de nossas especialidades,
ainda que seja matéria muito rica para os pesquisadores dessas áreas científicas. A nós interessa apenas compreender como se dá a articulação poética
da música nos produtos audiovisuais e, para tanto, é preciso levar em consideração, ainda que simplificadamente, os níveis perceptivos do espectador.
Assim, podemos observar que existe um aspecto da percepção musical que
se dá imediatamente como resposta emocional do espectador, sem que haja
pensamento consciente, intelectual, da informação musical por ele recebida. Em paralelo, existe um processamento que se dá mais lentamente, que é
justamente a reflexão consciente sobre essa informação musical recebida.
A canção ainda tem um fator que complica esse processo: a presença
da letra. O entendimento da letra passa pela compreensão de seu sentido
literário e sua sonoridade. As palavras, sua formação métrica e sua estruturação poética. De mesma importância, a gestualidade oral do cantor cria
uma sonoridade característica, reflexo de sua forma de entender o texto
cancional, agregando sentidos explícitos e implicitos à canção. Desta forma
o ouvinte não precisa entender exatamente o que se diz, mas a maneira com
que o cantor interpreta a canção é determinante para sua compreensão.
386
2.1. Análise da Canção Me deixas louca [1]
O entendimento de uma canção passa pela localização e definição de
dois papéis materializados em seu conteúdo: o locutor e o destinatário.
(Tatit, 1986)
O locutor é aquele que diz a mensagem, que detém o conhecimento
dos fatos e que vai explanar sobre eles. Materializado na figura do cantor, o
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
locutor é o senhor do assunto a ser tratado na canção. Seu papel é participativo quando ele é parte do assunto que está tratando, em primeira pessoa do
singular ou plural, narrando algo que foi alterado pelas suas ações e pensamentos. O locutor será observador quando este não faz parte do que está
dizendo, em terceira pessoa do singular ou plural. Neste caso ele descreve
somente uma ação ou situação da qual ele assume posição passiva. O destinatário é a figura que não se materializa na canção. Ele não é a pessoa que
escuta o locutor cantando, e sim para quem a mensagem está sendo direcionada. Seu papel é participativo quando suas ações são diretamente ligadas à fala do locutor. O destinatário pode também ser meramente ouvinte e
não ter relação nenhuma com o que é dito na canção.
Pode-se propor uma forma de análise para a canção a partir da localização dessas figuras e de seu posicionamento. O posicionamento das duas
figuras mostra como a mensagem pretende ser passada. Em alguns exemplos, esses papéis podem se alterar durante a mensagem. Uma análise dos
versos revela seu sentido literário, possibilitando assim um entendimento
primário do que se quer dizer. Tudo isso influenciado pela gestualidade oral
do intérprete. Gestualidade oral é a "a maneira como cada cantor equilibra as
tensões da melodia somada às tensões linguísticas, construindo um universo de
sentidos para a canção, valendo-se também das possibilidades timbrísticas" (Machado, 2007). O entendimento de uma canção não passa somente pelo
sentido literário de sua letra, mas também pela forma que cantor explicita
esses sentidos utilizando a voz. Numa adaptação própria, gestualidade oral é
o sentido que se dá ao conteúdo a partir da emissão vocal.
E é com esses pontos de partida que se pretende o entendimento da
canção Me deixas Louca. Versão de Paulo Coelho para a canção “Me Vuelves Loca”, de Armando Manzanero, esta canção é a ultima gravação feita
por Elis Regina e foi lançada inicialmente na coletânea nacional da telenovela “Brilhante” em 1981. Neste bolero, o locutor participativo da canção fala
ao destinatário participativo sobre todas as sensações que ele sente relativas
ao amor que os dois compartilham. E todas essas situações levam o locutor
à loucura, à falta de senso e pensamento comum aos apaixonados. Basta que
387
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
eles andem lado a lado, que ele escute o sorriso do objeto amado para que
seu senso se dissipe. O entardecer que traz as coisas lindas ditas pelo destinatário, o pedido de apagar a luz, o calor que se transmite pelos corpos, os
braços que se cruzam nas costas, tudo faz com que as palavras do locutor
desapareçam e que outros sons encham o espaço. E assim, ao passar da
noite, cada vez mais o locutor perde seus limites. A gestualidade oral utilizada por Elis Regina aqui agrega aos versos da canção uma sensação que, ao
relembrar cada uma das coisas que ela passa ao lado do amado, seus sensos
se perdem. Isso fica representado na sensação de “amolecimento” da voz,
que soa como um misto de manha erótica e pedidos sexuais, mostrando
que o todo o caminho que se tem desde o encontro com o ser amado ao
sexo metaforicamente explicitado na canção contribui para essa perda de
suas amarras éticas, sexuais e morais.
3. A Articulação Dramático-Narrativa de Me deixas louca
A canção interpretada por Elis Regina aparece em 4 das 74 inserções
de canção presentes do seriado. A versão instrumental da canção aparece 6
vezes. Essas inserções acontecem em 4 episódios distintos.
388
O primeiro episódio onde a canção está inserida é sexto do seriado intitulado “O Homem Fiel”. Nele, a personagem principal Malvina questiona
o namorado Simão sobre fidelidade. E este diz que sua fidelidade é comprovada por ter asma, o que o torna um debilitado para conseguir ter uma amante. Todo o episódio se desenrola com Malvina percebendo que a fidelidade do namorado, algo que ela acha muito bom, vai se tornando ruim
com o passar do tempo, pois a asma não os deixa ter momentos de intimidade. O episódio se finaliza com ela iniciando um caso com um exnamorado Quincas para que ela possa ter a intimidade que a asma lhe priva
com o agora marido. Temos neste episódio 2 inserções da versão instrumental de Me deixas louca e 1 inserção da versão cantada.
A primeira inserção instrumental de Me deixas louca acontece na sequência onde o romance entre Malvina e Simão começa a se estabelecer.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
De possa da informação que a fidelidade do namorado está comprovada
devido a sua condição de asmático, Malvina começa a conviver com a presença da asma e suas consequências. Todas as tentativas de beijos e carinhos que Malvina tem são interrompidas pelas crises asmáticas de Simão. A
música aqui, ainda não apresentada com a letra, cria um clima de romance
proveniente de seu arranjo e ainda fica marcada com algumas falas do narrador e ação das personagens. A música ainda fica marcada também por
uma prévia da frustração futura de Malvina, pois as duas vezes que ela tenta
beijar Simão, ele tem um ataque de asma. A segunda inserção da versão
instrumental de Me deixas Louca acontece depois do casamento dos dois.
Malvina tenta consumar o casamento com o sexo, mas a asma a impede. A
música aqui pontua mais ainda a vontade e gosto de Malvina pelo beijo. E é
nesta cena que fica claro que talvez ela não consiga saciar seus desejos de
beijos e sexo, afinal a cena e a música são interrompidas pelo grito de Simão,
mandando-a dormir. A inserção da versão cantada de Me Deixas Louca, já
preparada pelas duas inserções instrumentais discutidas acima, acontece na
sequência onde Malvina liga para Quincas e decide iniciar o caso com ele.
Eles se encontram em um local discreto e fazem sexo. A música aqui, agora
cantada, primeiramente sinaliza que o desejo de Malvina será consumado
com Quincas. Os versos da canção enquanto os dois conversam ao telefone
reiteram que as ações dele a deixa louca. E no momento em que ela chega
ao apartamento e eles começam a se despir, a canção já deixou claro que é
ali que ela vai consumar seu desejo.
O segundo episódio que contem inserções de Me deixas louca é o décimo segundo do seriado, intitulado “Para sempre desconhecida”. O personagem principal, Andrezinho, é um homem de beleza indiscutível. Isto deixa o colega Peixoto, um deficiente físico, tão incomodado que este diz que
existe uma mulher no mundo que nunca ficaria com André. Guardando a
informação a sete chaves, Peixoto faz com que André se apaixone por essa
figura desconhecida e não mais se interesse por outras mulheres. Por vingança, Peixoto não conta quem é a mulher. E André vai à loucura quando
Peixoto morre em um acidente levando o nome de sua amada com ele.
389
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Temos nesse episódio 2 inserções da versão cantada da canção e 1 inserção
de sua versão instrumental.
390
A primeira inserção da versão cantada de Me deixas Louca acontece na
sequência onde Andrezinho tenta imaginar como é a mulher descrita por
Peixoto. Ao telefone Andrezinho insiste que Peixoto conte para ele quem é
a mulher. A canção aqui delimita o sentimento que Andrezinho começa a
criar perante a mulher misteriosa que Peixoto diz conhecer e que não se
interessaria por ele. Como o locutor da canção, Andrezinho começa a pensar e imaginar como seria essa mulher, e a canção acrescenta que ele também pensa em como seria seu encontro com ela, sobre como ele imagina o
sorriso e como ele perde seus limites enquanto sonha encontra-la. A segunda inserção da versão cantada de Me Deixas Louca acontece na sequência
em que uma mulher está no quarto de Andrezinho, se despindo para ele, e
ele não tem nenhum interesse por ela. O narrador diz que naquele momento André reconhece que está apaixonado por alguém desconhecido. Nesta
inserção a canção serve para reiterar a posição de apaixonado do protagonista. Enquanto em cena uma mulher de beleza facilmente identificavel se
despe para ele e ele não se interessa, a canção relembra o espectador, devido
à sua primeira inserção, de que ele não quer a mulher que se oferece a ele
por estar apaixonado pela desconhecida. A inserção da versão instrumental
de Me deixas louca acontece após as duas inserções analisadas acima. Ela
acontece na sequência onde Peixoto se nega a dizer para Andrezinho quem
é a mulher. O narrador diz que Andrezinho não mais se gabava de sua beleza e que passava horas numa meditação, até receber uma notícia. A versão
instrumental nessa inserção continua reiterando os sentimentos de Andrezinho pela desconhecida. Enquanto temos a informação pelas imagens e
pela fala do narrador de que ele não é mais a mesma pessoa, o espectador é
lembrado que o motivo que o levou a mudar desta forma é a paixão que ele
está sentindo. Além disso, essa inserção engana o espectador para a conclusão do episódio. Essa cena leva o espectador a pensar que a conclusão será
para que Andrezinho conheça a mulher. Só que a música acaba no momen-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
to em que ele recebe a noticia de que Peixoto morreu e leva com ele o segredo de quem é a mulher.
O terceiro episódio onde temos inserções de Me deixas louca é o trigésimo primeiro intitulado “Terezinha”. Nele a personagem principal homônima se vê às voltas da insistência de sua madrasta para que ela se case com
um senhor velho e abandone seu namorado Xavier. No final, após ser largada por Xavier e aceitar o casamento com Seu Elias, Terezinha ateia fogo no
corpo todo. Neste episódio temos somente a inserção de uma versão instrumental da canção. A inserção da versão instrumental de “Me Deixas
Louca” acontece na sequencia onde Xavier está numa boate, flertando com
uma mulher. O narrador diz que ele flertava com essa mulher que não correspondia porque ele não tinha dinheiro. A música aqui simplesmente
complementa a diegese, já que está sendo executada na boate.
O quarto episódio a conter inserções de Me deixas louca é o trigésimo
segundo, intitulado “Curiosa”. O personagem principal, Serafim, é levado a
perceber atráves do amigo Carvalhinho que Jandira, a esposa de seu colega
Paiva, está flertando com ele. Esse reconhecimento faz com que os dois
iniciem um caso. Sem entender muito o que está acontecendo, Serafim
acaba se tornando amante de Jandira. Após a primeira noite de amor, Jandira revela que queria somente uma experiência para comprovar que amava
mesmo o marido. Neste episódio temos duas inserções da versão instrumental da canção e uma inserção de sua versão cantada.
A primeira inserção da versão instrumental de Me Deixas Louca acontece na sequência onde Jandira e Serafim se beijam no parque, em seu primeiro encontro. A música aqui, além de criar o clima de romance entre o
casal, também engana o espectador. Ela indica que o romance entre Serafim
e Jandira que vai se concretizar, quando na verdade já faz referências às verdadeiras intenções dela, que serão reveladas no final do episódio. A segunda
inserção da versão instrumental da canção acontece na sequência onde o
primeiro encontro sexual de Serafim e Jandira vai acontecer. Jandira chega
ao apartamento de Serafim, eles se beijam. Eles fazem sexo. Jandira se mostra insatisfeita ao fim. A música aqui continua enganando o espectador que,
391
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
através dela, está sendo levado a acreditar de que Jandira deseja Serafim
como nunca. Porém, com expressão de descontente ao final da sequência,
Jandira começa a mostrar que não tem esse interesse pelo amante. E a música prepara então a entrada da versão cantada e a revelação das verdadeiras
intenções da personagem. A inserção da versão cantada de Me deixas louca
acontece na sequência final do episódio. Nela Jandira, depois de explicar seu
plano sobre a curiosidade do sexo com outro homem, vai embora deixando
o cheiro de seu perfume no ar e desiludida com o pecado. E, ao chegar em
casa, Jandira se entrega apaixonada ao marido. A inserção da canção, já
preparada pelas duas inserções de sua versão instrumental, revela para o
espectador a verdadeira motivação de Jandira. Os versos da canção indicam
por quer Jandira perde os sensos, quem ela espera todos os dias. As inserções da versão instrumental, que criavam um clima de romance entre Jandira e Serafim, agora são entendidas como parte do plano que esta tinha de
saber se outro homem poderia ser mais interessante que o marido. E o marido, por ser especial, é o único que pode a ouvir confessar que esperar por
ele, que andar ao seu lado, que ouvir seu sorriso a deixa louca.
6. Considerações Finais
392
A canção Me deixas louca no seriado “A vida como ela é...” é um exemplo significativo de como a canção se comporta na trilha musical do seriado.
Temos quatro tipos de inserções da canção: as que funcionam como complemento às ações da personagem, as que reafirmam aspectos da cena, as que
anteveem algo da trama e as que criam a ambiência necessária para que o
meio onde a ação acontece seja mais crível. As inserções das versões instrumentais das canções se comportam dentro destas mesmas funções, preparando a entrada da canção cantada ou reiterando o que a canção já pontuou em inserção anterior. A importância da música na articulação poética
do audiovisual é imensa. Ela se relaciona tanto com aspectos palpáveis da
obra, como com os aspectos subjetivos, aquilo que não vemos ou ouvimos
diretamente, mas que se constrói em nossa psique a partir das relações humanas, da progressão dramática, do enredo, entre outros. Assim, sua impor-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
tância transcende os aspectos puramente musicais. Ela permeia a trama e as
ações das personagens e sutilmente se torna, ela mesma, uma personagem a
mais nessa trama.
Nota
[1] Quando caminho pela rua lado a lado com você / Me deixas louca / E quando escuto o
som alegre do teu riso que me dá tanta alegria / Me deixas louca / Me deixas louca quando
vejo mais um dia pouco a pouco entardecer / E chega a hora de ir pro quarto escutar as
coisas lindas que começas a dizer / Me deixas louca / Quando me pedes por favor que
nossa lâmpada se apague / Me deixas louca / Quando transmites o calor de tuas mãos pro
meu corpo que te espera / Me deixas louca / E quando sinto que teus braços se cruzaram
em minhas costas / Desaparecem as palavras, outros sons enchem o espaço / Você me
abraça, a noite passa / Me deixas louca.
Referências
Gorbman, C. (1987). Unheard Melodies: Narrative Film Music. Indiana: Indiana University Press.
Machado, R. (2007). A voz na canção popular brasileira : um estudo sobre a
Vanguarda Paulista. Campinas: (Dissertação de Mestrado) – Universidade Estadual de Campinas.
Tatit, L. (1986). A canção: Eficácia e Encanto. São Paulo: Atual Editora.
393
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Gramática da interação Texto-Melodia
na canção popular
José Roberto do Carmo Jr
[email protected]
Universidade de São Paulo - USP
Resumo: No presente trabalho discutimos a mútua interferência entre
unidades prosódicas e melódicas na palavra cantada. Diversos estudos
(Hayes, 1989; Halle, 2005; Carmo Jr, 2012) mostram que a estrutura melódica pode afetar a cadeia linguística, seja pela epêntese silábica, pelo deslocamento acentual, pelo bloqueio à ditongação, à degeminação e à elisão,
entre outros processos fonológicos. Por outro lado, a prosódia da fala pode também determinar certas alterações na linha melódica, emprestando a
esta certos traços verbais do que resultam melodias caracteristicamente
vocais, como o mostram inúmeros exemplos de compositores como Adoniran Barbosa, Jorge Benjor e Noel Rosa. A hipótese central da nossa investigação sustenta que a mútua interferência entre melodia e palavra não
é aleatória, mas obedece a certas restrições gramaticais. Embora não existam regras explícitas para o alinhamento entre texto e melodia, a frequência com que o compositor recorre a certos padrões somente pode ser explicada se supusermos um sistema de princípios por trás de toda e qualquer canção.
Palavras-chave: canção popular, prosódia, fonologia.
394
Textsetting grammar in pop songs
Abstract: In this paper we propose an investigation on the interference
between linguistic and melodic units observed in songs. Previous studies
(Hayes, 1986; Halle, 2005; Carmo Jr, 2012), have shown that melodic
structure may affect the linguistic string in several ways: syllabic epenthesis, stress shifting, blocking of diphtongation, elision and degemination,
among other phonological processes. On the other hand, the prosody of
speech may also determine changes in the melodic lines, giving them
some verbal features from which there result typical vocal melodies. These
kinds of melodies can be found in songs by Adoniran Barbosa, Jorge
Benjor and Noel Rosa, to mention a few. The central hypothesis of this investigation is that the mutual interference between music and words is not
random; rather it is governed by some grammatical constraints. Of course,
the composers do not consult a grammar book to find out how to match
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
melodies with words. However, the frequency in which those composers
follow certain patterns can only be explained if we suppose the existence of
a grammatical system behind any and all songs.
Keywords: pop song, prosody, phonology
1. Introdução
A palavra cantada resulta da sobreposição da estrutura métricoentoativa da fala e da estrutura rítmico-melódica da música. Sob certos
aspectos, e dentro de certos domínios, cadeia falada e cadeia melódica
compartilham as mesmas propriedades. Ambas são hierarquias n-árias de
constituintes (Nespor & Vogel, 1986; Lerdahl & Jackendof, 1983), e seus
elementos terminais, nota e sílaba (núcleo) respectivamente, são ambos
portadores de tom, duração e intensidade. Isso não faz com que texto e
melodia sejam mutuamente transparentes. Ao contrário, não há palavra
cantada na qual o texto não se veja afetado pela melodia ou em que a melodia não seja modificada pelo texto. Como veremos adiante, há certos contextos nos quais os componentes da gramática (sintaxe, morfologia, fonologia) tornam-se invisíveis para o componente melódico e a palavra cantada
parece então poder violar processos usualmente observados na variedade
falada, em quaisquer dos seus registros. Isso significa que certas construções
são aceitas quando cantadas mas não o são quando faladas. É claro que não nos
referimos aqui aos aspectos normativos da língua, assim como não está em
questão que uma construção seja mais ou menos adequada que outra. Porém, os dados observados nos levam a indagar por que certas construções
soam antinaturais quando faladas (isto é, são fonologicamente agramaticais), mas passam despercebidas quando cantadas. A descrição dessa aparente agramaticalidade da palavra cantada pode contribuir para um melhor
entendimento da fonologia do português brasileiro, além de iluminar a
complexa e pouco conhecida relação entre música e linguagem.
395
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
2. Histórico do problema
Segundo Halle (1993, 2005) a palavra cantada é um objeto composto
que combina dois objetos simples, texto e melodia, cada qual com sua própria estrutura. Esta combinação recebe o nome de textsetting e depende
fundamentalmente de duas propriedades que texto e melodia compartilham entre si: (1) ambos apresentam uma estrutura de constituintes, e (2)
ambos apresentam unidades dotadas de proeminência relativa. Na perspectiva de Halle, o estudo da palavra cantada consiste na descrição do alinhamento entre constituintes musicais e linguísticos (constituency matching) e
do alinhamento entre proeminências musicais e linguísticas (prominence
matching). Halle caracteriza a boa formação da palavra cantada com base no
grau de compatibilidade entre os grupos e entre as proeminências. Uma
canção será bem formada quando não violar certos princípios como, por
exemplo, o princípio do desalinhamento acentual (ver adiante). Investigações sobre a canção popular brasileira mostram que em se tratando de música tonal, há uma estreita relação entre as funções harmônicas da melodia e
os núcleos de palavras lexicais (Carmo Jr, 2012). Na melodia tonal que
serve de base à canção popular moderna, as células harmônicas parecem
associar-se preferencialmente às cabeças das palavras lexicais, repelindo as
palavras funcionais. Além disso, os dados mostram que há uma forte associação entre frase entoacional e a frase melódica formada por uma cadeia de
duas células harmônicas contíguas. Um modelo de interação texto-melodia
teria, então, ao menos quatro níveis, cada um deles associando diferentes
componentes linguísticos e musicais:
396
1 - a nota (N) alinha-se necessariamente à sílaba (σ);
2 - o pulso (P) associa-se ao pé (K), podendo ou não reestruturá-lo;
3 - o núcleo da célula harmônica (C) atrai a sílaba mais proeminente
de uma cabeça lexical (nome, adjetivo, verbo e advérbio), estendendo seu domínio à frase fonológica (PhP);
4 - por fim, o enunciado melódico (E) tende a associar-se à frase entoacional (IP) e, consequentemente, ao verso.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Tal interação pode ser esquematicamente representada como segue
(Figura 1):
Figura 1. Interação melodia-prosódia.
Em vista do não-isomorfismo entre essas duas hierarquias, a sobreposição entre a estrutura métrico-entoativa da fala e a estrutura rítmicomelódica da música está sujeita a certos ajustes, seja de um ou de outro lado,
de modo a satisfazer às duas condições de boa formação da palavra cantada.
São estas condições que explicam a ocorrência de deslocamentos acentuais,
o bloqueio de processos fonológicos ou a inserção de sílabas e/ou notas
epentéticas, etc., que não podem ser explicados apenas em termos linguísticos ou musicais, mas que decorrem exatamente do mútuo condicionamento entre estes dois componentes.
3. Condições de boa formação da palavra cantada.
3.1 Nota – sílaba
Em Carmo Jr (2012), a relação fundamental entre texto e melodia não
é concebida entre constituintes, mas entre os núcleos dos constituintes. Os
constituintes prosódicos recebem uma representação parentetizada e devem ser alinhados aos núcleos dos elementos melódicos de acordo com
duas condições de boa formação: o princípio de alinhamento de terminais e o
princípio de associação de não-terminais. O princípio de alinhamento afirma
397
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
que “cada elemento terminal da cadeia melódica (nota) deve ser alinhado a
um e apenas um constituinte terminal da cadeia prosódica (sílaba) e viceversa.” (Carmo Jr, 2011:12). Esse princípio estabelece a relação biunívoca
fundamental (e apenas aparentemente óbvia) entre nota e sílaba. Assim, a
sílaba epentética (1) per.gun.tei => *per.gun.te.ej em Asa Branca ou a degeminação (2) su.a.a.sa => *su.a.sa em O Rouxinol são decorrências diretas do
princípio de alinhamento de terminais. Veja-se:
Fig. 1 Asa Branca (Luiz Gonzaga & Humberto Teixeira)
Fig.2 O rouxinol (Gilberto Gil)
3.2 Pulso – Pé prosódico
398
O princípio de alinhamento faz referência apenas às unidades terminais, nota e sílaba, sem qualificá-las. O princípio explica porque ocorrem
reestruturações que aumentam ou diminuem o número de sílabas do texto,
mas não explica a alteração da qualidade prosódica destas. Quando a cadeia
de sílabas é alinhada à cadeia de notas, os núcleos das divisões da melodia
(pulso, célula, enunciado) atraem os núcleos dos constituintes prosódicos
(palavra, frase fonológica e frase entoacional), de onde resulta uma associação entre proeminências melódicas e proeminências linguísticas. A mais
básica dessas associações por atração ocorre entre os pulsos da melodia (P)
e as sílabas acentuadas do pé prosódico (K). A regra geral é a de que o pulso
tem a capacidade de atrair o acento silábico. É o pulso que determina a distribuição do acento, de modo que sílabas a ele associadas são mais proeminentes que sílabas não alinhadas. Quando o princípio de associação é violado ocorre o que Halle e Dell (2009) denominam desalinhamento acentual:
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Desalinhamento acentual: sejam S e s duas sílabas quaisquer, em
qualquer ordem, e seja S acentuada e s não-acentuada. Haverá um
desalinhamento acentual se S e s forem sílabas adjacentes num
mesmo verso e o pulso incidir sobre s, mas não incidir sobre S.
(Halle & Dell, 2009:6)
Para representar adequadamente a relação entre pulso e acento a grade
estrutural deve receber uma linha com os pulsos abaixo da linha das notas.
A cada pulso estará associada uma sílaba proeminente, grafada em caixa alta.
Assim, em (3) há desalinhamento acentual OU.tro => ou.TRO porque P está
associado a s (tro) e não está associado a S (ou).
Fig. 3 Retrato em branco e preto (Tom Jobim & Chico Buarque)
Dado que o pulso atrai o acento, ele tem o poder de reestruturar o pé
prosódico. Em Tempo de estio o ritmo ternário transforma-se em binário
pela associação com o pulso, QUE.ro.co.MER => que.RO.co.MER; em
Carinhoso, ao contrário, é o pé binário que se transforma em ternário,
meu.CO.ra.ÇÃO => MEU.co.ra.ÇÃO.
3.3 Célula – Frase fonológica
A relação pulso-acento, fundada em critérios exclusivamente rítmicos,
explica apenas parcialmente a distribuição de proeminências na canção. Por
exemplo, no primeiro verso de Cajuina (4), as sílabas MOS e TI destacamse claramente das demais.
Fig.4 Cajuína (Caetano Veloso)
399
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
400
O deslocamento acentual em e.xis.TIR.mos => e.xis.tir.MOS ocorre
porque a sílaba MOS se associa a um pulso, e este atrai o acento. A questão
reside em saber por que o acento desloca-se para a direita MOS e não para a
esquerda XIS, se ambas as sílabas estão igualmente associadas ao pulso. Em
princípio, não há direcionalidade no desalinhamento acentual (Halle &
Dell, 2009:6), de modo que XIS e MOS deveriam ser igualmente
acentuadas. No entanto, MOS e TI destacam-se das outras sílabas do verso
porque cada uma está associada ao núcleo de uma célula harmônica. A
melodia da canção popular é tonal, ou seja, apoia-se numa sucessão de
acordes. A célula musical é uma unidade a um tempo harmônica (há apenas
um acorde para cada célula), rítmica (o núcleo da célula coincide com a
cabeça de um compasso musical) e melódica (muitas vezes a célula tem um
perfil melódico que se repete ao longo da melodia). Por essa razão, a notasílaba associada ao núcleo da célula é proeminente em relação às demais.
Assim como a melodia é ritmicamente demarcada pelos pulsos – os quais
percebemos intuitiva e naturalmente quando batemos os pés ou as mãos
acompanhando uma melodia –, ela é também harmonicamente demarcada
pelos núcleos das células, que são percebidos como os lugares onde, entre
outras coisas, o violonista troca de acordes e o contrabaixista toca a nota
mais longa da linha do baixo. Na verdade, este é um componente
fundamental da aquisição da linguagem musical. Uma das competências
básicas do músico, mesmo o iniciante e amador, consiste em reconhecer as
unidades que compõem a cadeia melódica. É essa competência que
usualmente chamamos “tocar de ouvido”. Assim, no verso de Cajuína, as
duas células contém os acordes de Dó menor e Fá menor e são representadas
por um terceiro nível dentro da hierarquia melódica, C (4a).
Fig.4a Cajuína (Caetano Veloso)
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Os dados preliminares sugerem que a relação da célula com o
componente linguístico envolve informação de ordem morfológica. Os
núcleos das células atraem os núcleos das palavras lexicais, ou seja, nomes,
verbos, adjetivos e advérbios. No primeiro verso de Cajuína as três palavras
lexicais (existir, ser, destinar) formam três frases fonológicas. O mesmo
ocorre no décimo verso de Anunciação (5), onde temos três palavras lexicais
(anunciar, sino, catedral).
Fig.5 Anunciação (Alceu Valença)
3.4 Enunciado melódico – Frase entoacional
Carmo Jr (2012) assume a hipótese de que existe uma predicação
musical e que tal predicação decorre da concatenação entre pelo menos
duas células harmônicas, cujos núcleos são preenchidos por funções
harmônicas distintas manifestadas por diferentes acordes. Na medida em
que tais funções harmônicas encabeçam os núcleos de duas células
contíguas, estabelece-se uma predicação musical elementar, ou seja,
instaura-se um percurso mínimo, uma direcionalidade no fluxo da melodia.
O núcleo de um enunciado melódico coincide com a célula mais à direita e
usualmente é seguido de pausa. Muitas vezes, o núcleo atrai a sílaba mais
proeminente de uma frase entoacional. Nesses casos (como nos exemplos
acima), o limite do enunciado melódico é determinado pelo alinhamento
célula-pulso-nota, o qual por sua vez coincide com a sílaba mais
proeminente do verso, pois é simultaneamente o núcleo da palavra
prosódica, frase fonológica (PhP) e frase entoacional (IP). Desse modo, o
núcleo do enunciado melódico coincide com a coluna mais alta da grade
estrutural. Daí a naturalidade com a qual o enunciado melódico se associa à
frase entoacional, que por sua vez tende a servir de base para a construção
401
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
do verso na canção popular. É o caso, para dar apenas dois exemplos, dos
versos iniciais de Felicidade (6) e Gita (7).
Fig.6 Felicidade (Lupicínio Rodrigues)
Fig.7 Gita (Raul Seixas)
4. Conclusão
402
O problema que está na origem deste ensaio diz respeito à possibilidade ou não de nos servirmos de modelos linguísticos como um recurso auxiliar na análise de melodia musical. Até que ponto um olhar linguístico sobre
a melodia musical poderia auxiliar o musicólogo a aprimorar seus métodos
e ferramentas de análise? E, por que não, em que medida esse tipo de pesquisa interdisciplinar poderia contribuir para nosso conhecimento da língua. Acreditamos que o problema aqui proposto representa apenas uma
das faces de outro, mais amplo, acerca da abrangência dos modelos linguísticos e da natureza semiótica da música e das línguas naturais. Nossa investigação teve como ponto de partida a busca de uma hipotética hierarquia
melódica, que suspeitávamos ser similar à hierarquia prosódica das línguas
naturais. Nossos resultados mostram que a melodia exibe sim uma estrutura hierárquica, porém ela se diferencia da hierarquia prosódica na medida
em que não possui constituintes claramente delimitados. Em função disso,
e diferentemente dos domínios prosódicos, as estruturas melódicas pedem
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
uma representação em grade, que não faz referência aos limites das unidades.
Referências
Abaurre, M. B. (1996) Acento frasal e processos fonológicos segmentais.
Letras de Hoje, n.31 (2), p. 41-50.
Bisol, L. (1993) Sândi vocálico externo. Gramática do português falado (2138). Campinas: Editora da UNICAMP, vol.2.
Bisol, L. (1996) O sândi e a ressilabação. Letras de Hoje, 31/2, p.159-168,
Porto Alegre.
Bisol, L. (2001) Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro. Porto
Alegre: EDIPUCRS.
Carmo Jr, J.R. (2012). Sobre a gramática da palavra cantada. Caderno de
Estudos Linguísticos 54:2, p. 205-222.
Halle, J. & Lerdahl, F. (1993). A Generative Textsetting Model. Current
Musicology 55, 3–26.
Halle J. (2005). Text, Tune and Metrical Form [online], www.johnhalle.com.
Halle, J. e Dell, F. (2009). Comparing Musical Textsetting in French and in
English Songs. In Jean-Louis Aroui (Ed.), Toward a Typology of Poetic
Forms, John Benjamins: Amsterdam.
Hayes, B. (1989). The prosodic hierarchy in meter. In P. Kiparsky & G.
Youmans (eds.), Phonetis and phonlogy, Rhythm and meter (201-260).
Orlando: Academic Press.
Lerdahl, Fred & Ray Jackendoff (1983). A Generative Theory of Tonal Music.
Cambridge, MA: MIT Press.
Massini-Cagliari, G. (2008). Das cadências musicais para o ritmo lingüístico: uma análise do ritmo lingüístico do português arcaico, a partir da
403
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
notação musical das Cantigas de Santa Maria. Revista da ABRALIN, v.
7, 9-26.
Nespor & Vogel (1986) Prosodic Phonology. Dordrecht: Foris Publications.
404
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
A estruturação poética da fraseologia
em alguns exemplos de
música popular do Brasil
Paulo José de Siqueira Tiné
[email protected]
Instituto de Artes, UNICAMP
Resumo: Este artigo trata de uma proposta de analogia entre a construção
fraseológica e a construção poética. A partir de tal proposta, as estruturas
fraseológicas da música do repertório popular brasileiro tonal podem ser
entendidas como análogas a certas estruturas poéticas propondo-se, a partir de tal analogia, duas novas categorias fraseológicas forjadas a partir de
tal interpretação.
Palavras-Chave: fraseologia, estrutura musical, estrutura poética, música
popular.
Abstract: This article deals with a proposed analogy between poetic construction and musical phraseology. From such a proposal, phraseological
structures of tonal music of Brazilian popular repertoire can be understood as analogous to certain poetic structures proposing, from this analogy, two new phraseological categories forged from such an interpretation.
Keywords: phraseology, musical structure, poetic structure, popular music of Brazil.
1.Introdução
“... a linguagem é ela mesma o apelo mais elevado e, por parte, o apelo
primordial. É a linguagem que, primeiro e em última instância, nos
acena a essência de alguma coisa. (...) O co-responder, em que o homem escuta propriamente o apelo da linguagem, é a saga que fala no
elemento da poesia. Quanto mais poético um poeta, mais livre, ou seja,
mais aberto e preparado para acolher o inesperado é o seu dizer...”
(Martin Heidegger)
405
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Na obra “Fundamentos da Composição Musical” de A. Schoenberg
(1991, p. 51), o autor faz um interessante paralelo entre música e linguagem. Como muitos outros autores de diferentes maneiras [1], o autor coloca qual seria o verdadeiro objetivo da música para ele: “O real propósito da
construção musical não é a beleza, mas a inteligibilidade”. Para justificar tal
propósito, o autor dá ênfase na repetição, ou seja, confere à repetição o status de fator gerador da inteligibilidade, ainda que do ponto de vista composicional Schoenberg pareça buscar exatamente o oposto no período do
atonalismo livre.
Por consequência, a repetição de motivos, frases, antecedentes e de seções inteiras são fatores geradores de inteligibilidade, ainda que, segundo o
autor, a repetição excessiva corra o risco da monotonia. Nesse contexto,
abundam analogias com a linguagem verbal. A própria teoria musical toma
de empréstimo diversos conceitos gramaticais ligados a esse modo de comunicação. Conceitos como “frase”, “linguagem composicional”, “idiomático” são alguns exemplos disso. E essa relação entre música e linguagem
pode trazer contribuições importantes ao campo da cognição musical.
“Seria de se esperar, portanto, que qualquer introdução do estudo
da música nas disciplinas cognitivas envolvesse de alguma forma
uma relação com a linguagem; de fato (...) a relação entre música e
linguagem parece sempre necessária e natural, dentro da literatura
sobre cognição musical.” (Mello, 2003, 89)
2.Justificativas
406
Este artigo traz resultados parciais da pesquisa de doutorado na qual o
autor trabalhou com a hipótese da analogia com a arte poética como elemento estruturador da fraseologia musical. Não que a poesia esteja necessariamente presente como texto, mas a organização dos materiais se dá, pelo
menos numa primeira instância, de maneira poética. Por isso, aqui, o motivo musical e suas repetições poderiam ser vistos como análogos às rimas,
aliterações ou assonâncias [2] e não como um elemento gerador da inteli-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
gibilidade. Mesmo as repetições de frase poderiam ser vistas com esse objetivo, o de rimar musicalmente.
Dentro da perspectiva teórica tradicional trabalhei, normalmente com
as seguintes categorias fraseológicas: Estruturas Binárias classificadas como
Período ou Sentença [3] (regulares ou irregulares) e Estruturas Ternárias
[4] (regulares e irregulares), baseados em Schoenberg (1991), Stein (1979)
e Zamacois (1985). Dentro dessas categorias, podem se desenvolver subgêneros como o das “cadeias de frases” no caso da sentença (a a’a” etc.) e da
barform (a a b) como uma das possibilidades de estrutura ternária, baseados
em Green (1964, p.51 e 80).
Alguns pesquisadores já apontaram para tal paralelo entre a fraseologia
musical e a versificação poética, nesse caso, na tradição musical ioruba do
Benin.
Se a anáfora é vista como a reiteração de vocábulo em posição de dominância sintática, poderíamos nós reescrever esta definição em termos musicais, no que concerne aos termos /a/ das frases, como a
reiteração de uma estrutura em posição de dominância métrica [...] No
caso musical, a reiteração de /a/ cria uma inusitada correspondência entre a realização métrica ocidental e a ioruba. (Lacerda, 2001)
Tomando como base as pesquisas e práticas pedagógicas do autor na
área da música popular, diversos exemplos poderiam ser classificados dentro daqueles modelos preexistentes, ainda que cada exemplo possua características próprias e únicas. A partir das possibilidades apresentadas (estruturas binárias, ternárias), a maioria das canções analisadas pelo autor (TINÉ, 2001) se assentam em alguns padrões formais pré-existentes como o da
Canção de Uma só Parte (A), Formas Binárias (AB), derivadas (por exemplo:
AA´) e Ternárias (ABA) [5], sendo o B visto ora como outra estrutura em
tonalidade diferente, ora como uma Seção Média Contrastante, e, por fim, a
forma rondó (ABACA) encontrada, por exemplo, em diversos choros. Além disso, para tais possibilidades formais, é de grande importância verificar
a forma da gravação ou arranjo, pois é nele que a obra musical de cunho
popular/comercial se dá do ponto de vista fenomenológico.
407
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Como colocado, a escolha dos exemplos se deu, por um lado, pela pesquisa de doutorado realizada pelo autor e, por outro, pela prática pedagógica da análise musical aplicada a exemplos de música popular. Entre 2005 e
2008 o autor lecionou o mencionado curso no antigo CEM - Tom Jobim
(atual EMESP- Escola de Música do Estado de São Paulo). Foi nesse curso
que as categorias fraseológicas supracitadas foram aplicadas em exemplos
daquele vasto repertório. No entanto, em certo ponto, eles não se encaixavam completamente [6]. Nesse curso tratava-se, também, de se analisar
diversas atividades musicais significativas de gêneros ligados à música popular principalmente instrumental como o Frevo e o Choro, análise de improvisações, arranjos em geral e de canções e standards de jazz. Esse curso serviu parcialmente como uma espécie de laboratório para o doutorado e os
exemplos apresentados nesse artigo foram retirados, como comentado, da
tese do autor (Tiné, 2008). Nesse, além da prática mencionada, incluiu uma
série de exemplos étnicos dos gêneros cocos, catimbó, capoeira, candomblé
e cantoria foram transcritos a fim de se buscar uma antecedência dos procedimentos modais nos compositores populares, analisados no capítulo IV,
Edu Lobo (cujo trecho é citado aqui), Baden Powell e Milton Nascimento.
Entretanto, a análise dos procedimentos fraseológicos foi realizada em paralelo ao do modalismo. Por fim, nessa sobreposição de elementos fraseológicos, estruturas poéticas, modalismo - principalmente aquele encontrado na
música nordestina -, pelos exemplos encontrados, há um desembocar, quase que natural, em parte dos procedimentos da música de Hermeto Pascoal,
na medida em o multi-instrumentista parece atingir um novo fazer musical
que, entretanto, não deixa de ter sua base no desdobramento de procedimentos musicais do nordeste, principalmente a Cantoria.
408
A partir da proposição de Mello (2003, 86) por um nível de cognição
musical que permanece como “sons musicais não-categorizáveis nominalmente” entre um nível estrutural e outro sonoro, a investigação do presente
artigo encontra-se nesse primeiro nível, a saber, o linguístico, ainda que, em
pesquisas futuras, possa ter outros desdobramentos. Essa ampliação da
fraseologia musical proposta aqui se encontra justificada na medida em que
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
parte dos estudos sobre cognição musical propõe justamente estudar os
fundamentos epistemológicos da teoria musical.
3.Alguns Exemplos
A abordagem de canções com letra, ou seja, canções com o texto poético presente, pode clarear ainda mais a relação mais a relação entre a métrica
e fraseologia. Em muitos exemplos a quadra poética [7] permanece análoga
às estruturas binárias do período ou sentença (Schoenberg, 1991) e as sextilhas e tercetos com a estrutura ternária (Zamacois, 1985). Há que se ter em
conta que, de uma maneira geral, dentro das manifestações étnicas não há
uma dissociação desses termos, quer dizer, não há a composição destes em
separado, eles são criados, ou às vezes improvisados ao mesmo tempo. O
caso da Cantoria Nordestina (Ramalho, 2000) é significativo, pois, para
uma mesma melodia são improvisados diferentes versos que, via de regra,
obedecem a uma mesma métrica. Apresento como exemplo disso um trecho transcrito retirados da tese do autor do CD A Arte da Cantoria: Ciclo do
Cangaço, faixa 2. Ela se baseia na Sextilha, ou seja, a estrofe possui seis versos
de sete sílabas (Goldenstein, 2005). Portanto, a Estrutura Ternária formada
pelas frases a, b e b’ é consequência direta do uso da Sextilha. O mesmo vale
para os padrões conhecidos entre os repentistas como “Oito pés ao quadrão” e “Dez pés ao Quadrão” [8]. Os números apontam os traços cadenciais em relação ao modo.
409
Exemplo 1: Cantoria
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Nota-se, nesses casos, a ascendência do canto silábico sobre o melismático, que se estende dos campos étnicos aos populares nos exemplos estudados. Na verificação da transposição de tais elementos pelos autores populares estudados na tese (Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Edu Lobo,
Milton Nascimento e Baden Powell), percebe-se que a melodia foi criada
primeiro, para, posteriormente, ser acrescida a letra. Nesse caso, normalmente, uma irregularidade fraseológica é correspondida por uma irregularidade métrica. É importante ressaltar o papel que o responsório exerce no
sentido de adaptar certas inconstâncias métricas de algumas estruturas
poéticas em regularidades fraseológicas, procedimento muito presente em
manifestações populares em geral. Observe o quadro abaixo com a comparação entre métrica, rima e fraseologia da parte A de “Arrastão” (Edu Lobo
& Vinícius de Moraes). Nesse caso o verso corresponde à frase musical,
mas a rima não condiciona o contraste fraseológico e, sim, a métrica, que,
sendo sempre a mesma, termina por se conformar às repetições – frases a,
a’, a” e a’”cadencial –, enquadrando-se, então, à estrutura da Sentença na
forma de cadeia de frases.
Letra
Ê, tem jangada no mar
410
Métrica Rima Frases
(7) a
final
Frase a
Ê (ie, iêi) hoje tem arrastão (7) b
Frase a’
Ê, todo mundo pescar
(7) a
Frase a”
Chega de sombra João
(7) b
Frase a”’ (frase cadencial)
2 – 7 +1
Quadro 1 Arrastão: seção A.
A partir das categorias apontadas e da analogia proposta, proponho a
possibilidade de mais duas possibilidades categóricas fraseológicas forjadas
a partir da prática de análise musical desse tipo de repertório e sua reflexão.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
3.1 Verso Branco Enquanto Categoria Fraseológica Musical
Propus, como apontado, pensar as estruturas citadas (Binárias – Período e Sentença/Ternárias) como possibilidades de quadras e tercetos musicais, respectivamente. Baseando-se na analogia proposta e no sentido de
ampliar as possibilidades estruturais, pode-se pensar em uma estrutura
musical análoga ao Verso Branco [9], na qual as frases se mantêm na métrica
(quatro frases para Período ou Sentença e três para Estrutura Ternária),
porém, com ausência de repetição fraseológica. Como exemplo dessa possibilidade, apresento a seção A do frevo Freio a Óleo [10], de 1950, do compositor pernambucano José Menezes. Observa-se que nenhuma frase se
repete, apenas o motivo dos anacruses do 2º e 10º compassos e, apesar disso, a quadratura está perfeita, com quatro frases em 16 compassos, incluindo a frase cadencial que finaliza a seção. Por outro lado, pode-se considerar a
terceira frase c como uma variação da frase a (a’), o que colocaria tal estrutura dentro do esquema do período. Talvez esta ausência de repetição fraseológica seja uma característica importante de alguns frevos, como na seção A
de Duda no Frevo (Senô), Gostosinho e Gostosão (Nelson Ferreira) e Corisco
(Lourival Oliveira), possibilidade esta que deve ser aprofundada em outra
pesquisa.
411
Exemplo 2: Freio a Óleo: seção A.
Poderia se dizer, portanto, que a seção A de Freio à Óleo é uma Estrutura Binária em “verso branco”.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
3.2 Verso Livre Enquanto Categoria Fraseológica Musical
Dentro desse contexto de referência, o compositor e multiinstrumentista alagoano Hermeto Pascoal parece criar uma interessante
possibilidade em suas composições, que chamei de “verso livre musical”.
Diferentemente do verso branco, o verso livre caracteriza-se pela ausência
de rima e métrica (Goldstein, 2005, p.36). No álbum Brasil Universo (1986),
o autor realiza na última faixa (“Calma de Repente”) uma espécie de improvisação verbal com associação livre de ideias e de métricas preestabelecidas,
uma espécie de “repente livre”. É o que o autor parece transpor para o nível
musical puro na obra São Paulo, 9 de Julho, uma das 366 músicas de seu
Calendário do Som (Pascoal, 2000). Além da análise fraseológica, o exemplo
3 apresenta a cifra “transliterada” na pauta.
412
Exemplo 3: São Paulo, 9 de Julho
Nota-se que até o final da frase d no 11º compasso não há nenhuma
repetição fraseológica. É somente a partir do 12º compasso com a sequên-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
cia de três frases e e derivadas, que há uma pequena estrutura ternária regular ocupando 6 compassos. É essa ausência de repetição fraseológica que
caracterizariam o verso livre musical dos 11 primeiros compassos. Apenas o
motivo x, e suas derivações, faz uma conexão desses mesmos compassos e
os seis últimos (do 12º ao 17º). Nota-se também que toda melodia está
baseada num único modo de FA dórico, muito embora o compositor o
harmonize das mais variadas maneiras. Ou seja, o autor realiza uma composição coerente sem lançar mão de repetições fraseológicas até o 11º compasso e sem abdicar ao uso de um modo diatônico. Além disso, leva às últimas consequências as possibilidades idiomáticas, ligadas às tradições popular e jazzística de harmonização, além do uso do traço melódico nordestino
característico 6+1. Outras composições de Hermeto parecem atuar na
mesma direção, como Ilha das Gaivotas e Mestre Radamés [11], por exemplo.
O dado importante a apontar nesse procedimento de Hermeto é o fato
de que a ausência de repetição fraseológica e seccional não foi acompanhada pela atonalidade como foi característico período correspondente da
segunda escola de Viena, fato que poderá ser verificado por futuras pesquisas.
4. Considerações Finais
Concluindo, a partir dos apontamentos e análises realizadas, somente
através de uma busca em campo inter-disciplinar pode-se acomodar a proposta aqui sugerida. Portanto, os campos da teoria musical, revistos através
da linguística e cognição musical como propõe Mello (2003), apontariam
para a maturação dos pontos aqui levantados no sentido de uma busca por
algo que reúna música e poesia como elementos estruturantes e estruturados mutuamente, o que altera o entendimento e, portanto, a percepção e
cognição da música através da analogia proposta.
413
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Notas
414
[1] “Acredito que a composição não se ensina. Entretanto, o que sempre trabalhei em
classe foi o entendimento da música enquanto linguagem [grifo nosso]. É necessário aprender a falar. E para isso é fundamental que se pratique essa linguagem. Em minhas aulas
partia da base pessoal de cada aluno, que chamo de ‘acontecimento acústico’, e procurava
transformá-lo em um ‘acontecimento linguístico’. Sem isso não é possível compor.” Entrevista de Willy Correa de Oliveira concedida à Revista Concerto. Ano XI. N. 115, março de
2006. “
[2] Ver Goldstein, Norma: 2005, Cap. 7 e 8.
[3] “A estrutura do início determina a construção da continuação (...). Se o início é uma
frase de dois compassos, a continuação (C. 3 e 4) pode ser tanto uma repetição exata quanto uma repetição transposta (...) A estruturação do início determina a construção da continuação. O período difere da sentença pelo fato de adiar a repetição. A primeira frase não é
repetida imediatamente, mas unida a formas-motivo mais remota (contrastantes), perfazendo, assim, a primeira metade do período: o antecedente. Após esse elemento de contraste, a repetição não pode ser muito adiada, a fim de não colocar em perigo a compreensibilidade.” Shoenberg, 1991, 48.
[4] “Tanto a frase como cada um de seus grupos componentes são binários quando constam de duas divisões principais – sejam períodos ou grupos de períodos – e ternários quando
constam de três. A estrutura de um grupo não prejudica a nenhuma dos demais.” Zamacois,
1985, 19.
[5] Stein, 1979, p. 57 – 74.
[6] Como, por exemplo, nas seções A de Lamentos de Pixinguinha e Wave de Tom Jobim,
por exemplo. Tratam-se, ambas, de Estruturas Ternárias, uma de 24 outra de 12 compassos
respectivamente, formadas por 3 frases cada. Entretanto, não há repetição fraseológica que
as faça encaixar no modelo da barform, por exemplo
[7] Estrofe poética de quatro versos cada (Goldenstein, 2005).
[8] Estrofes de oito e dez verso de 7 sílabas (redondilha maior) respectivamente.
[9] O verso branco se dá quando a métrica da poesia é mantida mas não há rima entre os
versos.
10] Songbook de Frevos. Recife: Secretaria de Cultura e Turismo, 1998.
[11] Obras gravadas respectivamente nos álbuns Só Não Toca Quem Não Quer (1989) e
Lagoa da Canoa do Município de Arapiraca (1984).
Referências Bibliográficas
Green, Douglass M. (1964). Form in Tonal Music: an introduction to analysis.
New York: Holt Rinehart and Wiston Inc.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Goldstein, N. (2005). Versos, Sons, Ritmos. São Paulo: Ed. Ática, 13. ed.,
2005.
Lacerda, Marcos Branda. Música de culto nagô-iorubá e a Barform. Anais do
XIII Encontro Nacional da Anppom. Belo Horizonte, V. 1, 2001. p. 308315.
Mello, Marcelo. Reflexões sobre Linguística e Cognição Musical. Dissertação de
Mestrado. UNICAMP, Campinas, 2003
Ramalho, Elba Braga. Cantoria Nordestina: Música e Palavra. São Paulo:
Terceira Margem, 2000.
Schoenberg, Arnold. Fundamentos da Composição Musical. Trad. Eduardo
Seincman. São Paulo: EDUSP, 1991.
Stein, Leon. Structure and Style. Miami: Summy-Birchard Inc., 1979.
Tiné, Paulo José de Siqueira. Três Compositores da Música Popular do Brasil:
Pixinguinha, Garoto e Tom Jobim. Uma análise comparativa que abrange o
período do Choro a Bossa Nova. Dissertação de Mestrado. ECA-USP,
São Paulo, 2001.
______. Procedimentos Modais da Música Popular do Brasil: do campo étnico
do nordeste ao popular da década de 1960. Tese de Doutorado. ECAUSP, São Paulo, 2008.
Zamacois, J. Curso de Formas Musicales. Barcelona: Ed. Labor, 1985.
Discografia
A Arte da Cantoria: Ciclo do Cangaço. (s/d). São Paulo: Instituto Itaú Cultural.
Pascoal, Hermeto. (1984). Lagoa da Canoa do Município de Arapiraca. São
Paulo: Som da Gente.
______. (1985). Brasil Universo. São Paulo: Som da Gente.
415
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
______. (1989). Só Não Toca Quem Não Quer. São Paulo: Som da Gente.
Partituras
Pascoal, Hermeto. (2000). Calendário do Som. São Paulo: Ed. Senac Instituto Cultural Itaú.
Songbook de Frevos. (2003). Recife: Prefeitura da Cidade do Recife, 2003.
416
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Aspectos sinestésicos da
taxonomia do timbre musical
José Fornari
[email protected]
NICS - UNICAMP
Resumo: Pode-se dizer que o timbre musical é conhecido pela inefabilidade de sua classificação. No entanto, a percepção auditiva é capaz de analisá-lo e a cognição humana consegue facilmente identificar, reconhecer e
relembrar uma infinidade de timbres distintos, desde os da voz humana,
até os timbres dos instrumentos musicais. Porém, sua taxonomia normalmente esvaece frente às tentativas de catalogar seus aspectos estruturais independentes. Para isso, valem-se os músicos e os sonoplastas de
uma classificação baseada em predicados emprestados de outros sentidos
humanos, como a visão e o tato. Desse modo, estes indivíduos classificam
os timbres através de aspectos cujos atributos não advêm do sentido da
audição, mas que apresentam propriedades sinestésicas. Este trabalho pretende investigar alguns desses aspectos do timbre que são comumente utilizados no meio musical, e que advêm primordialmente das sensações visuais e tácteis. Estes foram aqui chamados de aspectos sinestésicos do
timbre musical. Foram realizados três experimentos de classificação de aspectos sinestésicos do timbre. É aqui descrito o último desses experimentos, que envolveu a participação de 40 voluntários que classificaram 16
amostras sonoras de instrumentos musicais em cinco aspectos sinestésicos distintos. Os resultados alcançados são aqui apresentados, explicados
e discutidos.
Palavras-chave: timbre, sinestesia, taxonomia
Synaesthetic Aspects of Musical Timbre Taxonomy
Abstract: It's arguable to say that timbre is also know for its ineffable classification. Nevertheless, auditory perception is capable of analyze it and
human cognition can effortlessly identify, recognize and remember a myriad of distinctive timbres, since from the human voice till the ones of musical instruments. However, this taxonomy usually evanesces when trying to
conceive their independent aspects. For that, musicians and sound designers borrow a classification from other human senses, such as vision
and touch. This way they classify timbre aspects with features that do not
417
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
belong to the auditory experience. This work aims to study some of these
aspects commonly used in music business, the ones who are mostly associated with visual and tactile sensations. They are here called synaesthetic
aspects. This work presents 3 experiments on the classification of
synaesthetic aspects of musical timbre. It is described here the last and
broader one, involving the participation of 40 volunteers that listened to
16 sound samples and classified them in terms of 5 synaesthetic aspects.
The results are here presented, explained and discussed.
Keywords: timbre, synethesia, taxonomy
1. Introdução
418
Quando se observa a representação gráfica da forma de onda no domínio do tempo de uma amostra sonora, como a gravação de uma música,
percebe-se que tal representação pictórica exibe apenas uma diminuta fração dos aspectos sonoros presentes neste registro do sinal acústico. Ao
selecionarmos um pequeno trecho desta representação gráfica, de alguns
poucos milisegundos, e a expandirmos (zoom in), passamos a visualizar
novas informações sonoras, tal como a natureza quase-periódica deste sinal,
que anteriormente encontrava-se encoberta dada a diferença em ordem de
grandeza da exibição anterior, que descrevia a envoltória da magnitude
daquele sinal acústico, em toda a sua duração. Se quisermos verificar as
componentes espectrais (os parciais ou harmônicos) que compõem um
trecho daquele sinal, temos que nos valer de outras formas de representação, que não as do domínio do tempo, tal como a representação sonora
através de um espectrograma, que descreve, de forma limitada (no tempo e
na frequência), as componentes espectrais daquele sinal. No entanto, a
audição humana é plenamente capaz de perceber simultaneamente os aspectos sonoros em diferentes ordens de grandeza, tal como o Loudness
(percepção da intensidade sonora), o Pitch (percepção da fundamental do
sinal sonoro) e o Timbre (percepção das componentes espectrais). Estes
são conhecidos como aspectos psicoacústicos e ocorrem em escalas diminutas de tempo, em intervalos anteriores à avaliação cognitiva da informa-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
ção sonora. Estes são aspectos livres de contexto musical, estando no domínio pré-cognitivo da sensação dos aspectos sonoros, anterior à formação da
memória de curto-prazo. Em MIR (Music Information Retrieval) estes aspectos são chamados de descritores de baixo-nível (low-level acoustical features)
(Zhang & Raś 2007). Como tal, os aspectos que compõem o timbre não
são triviais de serem descritos semanticamente, apesar de sua sensação
auditiva apresentar-se de modo bastante nítido. Por isso talvez exista a natural tendência de se tentar catalogar tais aspectos sensoriais através de sua
correlação com a sensação de outros sentidos, como o a visão e o tato. Note-se que tais sentidos são menos atrelados ao tempo que a escuta. A percepção auditiva recebe um fluxo contínuo e irrefreável de informações ao
longo do tempo. Já a visão e o tato tem controle sobre a taxa de informação
temporal recebida. Exemplificando, podemos observar um objeto com
pleno controle de onde focalizaremos o foco de nossa atenção visual. Similarmente, podemos perceber a textura de uma superfície com pleno controle do gesto que determina a taxa de coleta de dados desta sensação táctil. No
caso da audição não temos controle sobre o a ordenação temporal dos
eventos sonoros. Sequer temos controle sobre optarmos por escutar (não
“tampamos” os ouvidos com a mesma facilidade com que “fechamos” nossos olhos). Do mesmo modo como ocorre com o olfato, a audição é um
sentido prioritário a nossa sobrevivência. Desse modo, estamos constantemente monitorando o mundo exterior através destes sentidos, sem interrupções e em tempo-real.
2. Os Aspectos Sinestésicos do Som
O primeiro experimento procurou identificar intuitivamente os atributos que se considera como sendo componentes básicas do timbre. Destacou-se: 1) Distribuição da magnitude espectral, 2) Ataque e decaimento
sonoro e 3) Tremolo e vibrato. A distribuição espectral de um som trata da
evolução das componentes espectrais de frequência ao longo do tempo. O
Ataque trata da percepção da taxa de variação da energia da magnitude do
espectro sonoro e carrega importante informação para a identificação do
419
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
som (Zhang 2007). O Tremolo / vibrato diz respeito a uma variação aproximadamente periódica e identificável (que ocorra num período e amplitude de variação suficiente para ser identificado pela cognição) da variação da
amplitude sonora (chamado de “Tremolo”) ou da variação da frequência
sonora (chamado de “vibrato”) de uma grande parte dos componentes
espectrais ao longo do tempo (Mauch 2011).
420
O segundo experimento procurou estudar a contribuição da variação
de articulação do instrumentista na variação do timbre. Sabe-se que a distribuição espectral contribui para a identificação do Timbre, tanto para timbre
de instrumentos melódicos; quando o espectro é pouco variante; como
para sons percussivos sem altura definida; quando não se identifica periodicidade do sinal sonoro. Em instrumentos com altura definida a etapa estacionário do som precede o momento do Ataque. O momento estacionário
(steady-state) é considerado como aproximadamente periódico e apresenta
a magnitude deste espectro menos variante. Em termos de identificação
sonora, sabe-se da importância do Ataque no reconhecimento de um Timbre (Berger 1964). Normalmente é no momento do Ataque que se tem a
maior concentração de componentes espectrais de um som. As componentes de maior mobilidade e variação ocorrem nos primeiros instantes da
geração do estímulo sonoro. No caso do som musical gerado por um instrumento com altura definida (por exemplo, como a nota de um piano), o
Ataque é o momento considerado como sendo aperiódico. Por ser um
momento tão curto e ao mesmo tempo tão rico em informação espectral, o
Ataque é algumas vezes definido como uma forma de “impressão digital” do
timbre deste instrumento e, portanto, essencial para a sua identificação
através da audição. As variações naturais da amplitude e da frequência das
componentes sonoras são características que muitas vezes estão inconscientemente associadas à atuação de um interprete humano. Em processos
automáticos de música computacional, como em execuções de sequências
musicais através de aplicativos em softwares, a inserção de tais variações
contribui para inserir certa “humanização” ao som gerado neste instrumento, contribuindo assim para o acréscimo de uma sensação de expressividade
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
musical, baseada na imperfeição natural do som gerado por um instrumentista humano. Tal atributo também serve como uma forma de marca de
identificação timbrística características da geração sonora dos respectivos
instrumentos musicais, ou de suas articulações padrão, tal como o característico vibrato de um violino, ao prolongar uma nota contínua, ou de um
trompete, na medida em que o fôlego do trompetista se esvai. Tais atributos
foram investigados através de experimentos que são descritos a seguir.
O terceiro experimento investigou cinco aspectos distintos do Timbre
musical. Estes foram inicialmente escolhidos por fazerem parte do jargão de
músicos e sonoplastas, ao tentarem se referir à características particulares de
um timbre musical (Disley 2006). Estes são aqui referidos como aspectos
sinestésicos por serem associadas a sensações de outros sentidos humanos,
como o tato e a visão. Este experimento foi realizado com a participação de
40 voluntários. Os cinco aspectos sinestésicos analisados neste experimento foram: 1) AM (Áspero-Macio), 2) OB (Opaco-Brilhante), 3) VC (Vazio-Cheio), 4) CD (Compacto-Disperso) e 5) CC (Cinza-Colorido).
O aspecto AM faz referência a uma característica sonora chamada na
literatura de Roughness (Hollins 2007). A sensação de aspereza de um som é
resultante da existência de parciais com amplitudes muito próximas dentro
de uma mesma banda-crítica da percepção, o que impede que a membrana
basilar consiga distinguí-los claramente. Isto gera uma sensação timbrística
que se assemelha a sentidos visuais e táteis, na presença de uma superfície
áspera (ou macia). O aspecto OB pode ser considerado fisicamente como a
carência ou a ênfase das frequências na região médio-aguda do espectro
sonoro, Do ponto de vista sinestésico, esta se refere ao aspecto visual de um
objeto ou superfície brilhante (ex: metal), ou o seu oposto, uma superfície
opaca (ex: madeira). O aspecto VC diz respeito ao predicado que é acusticamente caracterizado pela ênfase ou ausência de frequências da região
grave (20-300Hz). Em termos sinestésicos esta pode ser relacionada a uma
referência tátil, de um objeto murcho (vazio) ou túrgido (cheio), como um
balão. O aspecto CD é caracterizado pelo grau de clareza da percepção
simultânea de múltiplas fundamentais do som musical. Estes são parciais
421
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
destacados ao longo do espectro de frequências que podem resultar na sua
audição de forma distinta, mesmo que temporalmente simultâneos, o que
traz a sensação de uma dispersão espectral. Pode-se ter como exemplo de
timbres opostos, com relação a esta dimensão, o timbre do piano (compacto) e o timbre de um sino, ou de um steel drum (instrumento musical caribenho) como timbre disperso.
Por fim, o aspecto CC é caracterizado pela densidade de componentes
espectrais na região média do som (entre cerca de 300Hz a 800Hz). Esta
qualidade timbrística pode ser associada ao estímulo visual do matiz de
cores; cinza para um timbre descolorido ou frio, e colorido para o timbre
colorido ou quente.
3. Parte Experimental
422
A parte experimental deste estudo consiste de três experimentos. Os 2
primeiros analisaram aspectos timbrísticos gerais; o primeiro experimento
analisou aspectos da dinâmica e o segundo, aspectos da tessitura. O último
experimento analisou 5 aspectos sinestésicos, onde 40 voluntários participaram. Estes escutaram gravações de estímulos sonoros e estabeleceram
julgamentos referentes aos aspectos sinestésicos. Este experimento teve
como objetivo investigar cinco aspectos sinestésicos do timbre. Conforme
dito anteriormente, estes são: 1) AM (Áspero-Macio), 2) OB (OpacoBrilhante), 3) VC (Vazio-Cheio), 4) CD (Compacto-Disperso) e 5) CC
(Cinza-Colorido). Participaram deste experimento 40 voluntários; 27 homens e 13 mulheres. Os voluntários tinham idade entre 18 e 55 anos; a
média de idade era 22 anos. Dos 40 voluntários, 27 relataram que tocam
algum instrumento musical ou cantam, enquanto que 13 pessoas disseram
não tocar nenhum instrumento musical ou cantavam. De todas as pessoas,
34 afirmaram gostar de música orquestrada (tocada com instrumentos
musicais dos quais iriam julgar os aspectos timbrísticos), um não soube
responder (se gostava ou não) e cinco disseram não gostar de música orquestrada.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Aos voluntários coube julgar a qualidade timbrística relativa aos 5 aspectos, atribuindo notas em valores inteiros, entre 1 e 5, sendo 1 o primeiro
extremo da dimensão e 5 o outro extremo. Exemplificando, na dimensão
OB, 1 representa a opacidade total, enquanto 5 representa o brilho total. Os
números intermediários (2, 3 e 4) representam os intervalos intermediários,
proporcionais deste aspecto. A fim de facilitar o entendimento dos voluntários em relação ao julgamento que deveriam realizar, foram criados 5 cartazes, com logos representando os extremos de cada aspecto sinestésico. Estes
cartazes eram dispostos na frente de cada voluntário durante o julgamento
das 16 amostras sonoras. Além disso, também preparamos exemplos sonoros para representar os extremos de cada aspecto sinestésico. No caso do
aspecto AM, o áspero foi exemplificado por um trecho de aproximadamente 30 segundos da canção: "What a Wonderful World" interpretada por Louis
Armstrong. Pedia-se para cada voluntário atentar para a característica timbrística de aspereza da voz deste cantor. Em seguida, tocava-se a mesma
canção, dessa vez interpretada por Katie Melua; uma cantora americana
com a voz cujo timbre é considerado bem “macio”. Desse modo, pretendiase estabelecer o contraste entre os extremos da mesma dimensão sem, no
entanto, se valer de exemplos com amostras sonoras de outros instrumentos musicais tais como aqueles que seriam julgados, o que poderia influenciar o julgamento dos voluntários.
Para o teste foram tocadas amostras sonoras de 16 instrumentos musicais básicos encontrados numa orquestra sinfônica. Pretendeu-se escolher
um instrumento representante de cada família orquestral (cordas, madeiras,
metais e percussão). Cada amostra tinha aproximadamente 5 segundo de
duração. Todos os instrumentos tocaram a nota dó da escala, sendo esta
executada em diferentes oitavas, de acordo com a tessitura característica de
cada instrumento.
Os dados foram coletados através de um questionário preenchido pelo
monitor, para cada voluntário isoladamente. Utilizou-se o mesmo equipamento (computador e fones de ouvido) para todos os voluntários, a fim de
garantir que as características timbrísticas permanecessem suficientemente
423
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
próximas para todos os voluntários. As duas primeiras questões do questionário colhiam informações pessoais de cada participante, contendo também dados sobre suas experiências e predileções musicais. Em seguida, o
monitor executava o exemplo de cada dimensão e explicava o que deveria
ser julgado. Por fim, iniciava-se a sessão de coleta de dados. O monitor executava uma amostra sonora, pausava e anotava a nota atribuída pelo voluntário para cada dimensão que estava sendo julgada. Cada voluntário escutava a sequência de 16 amostras para cada dimensão que estava julgando.
Desse modo, cada voluntário escutava a sequência 5 vezes. A Tabela 1 mostra o resultado das médias gerais dos 40 voluntários para os 5 sinestésicos.
424
4. Discussão e Conclusões
Ao analisar os detalhes dos julgamentos dos 40 voluntários, constatouse que, ao comparar os resultados dos voluntários do sexo masculino com
os resultados dos voluntários do sexo feminino, as avaliações gerais foram
parecidas. No entanto, a diferença mais relevante entre os dois gêneros, foi
em relação ao número de repetições da audição das amostras sonoros para
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
se estabelecer o julgamento. Em média, os homens solicitaram cerca de
50% mais repetições do que as mulheres, a fim de estabelecerem suas notas.
Comparando os voluntários que tocam algum instrumento musical ou
cantam, com aqueles que não tocam nem cantam, houve uma diferença
significativa nas avaliações, onde os voluntários não músicos tenderam a dar
notas normalmente menos variantes (mais próximas de 3) que os voluntários músicos. Além disso, os músicos solicitaram cerca de 53% mais repetições das amostras para estabelecer seus julgamentos, do que os não músicos.
Na comparação entre voluntários que apreciam música orquestrada
com aqueles que não apreciam, foi encontrada a maior discrepância de
julgamentos. Além dos voluntários que não apreciam música orquestrada
tenderem a atribuir notas mais próximas do meio da escala (no caso, 3)
estes solicitaram 5 vezes menos repetições pra estabelecerem os seus julgamentos, em contraste aos voluntários que apreciam música orquestrada.
Ao se analisar as médias gerais das notas atribuídas pelos voluntários –
os valores inteiros entre 1 e 5, conforme visto na Tabela 1 – verificaram-se
os fatos descritos a seguir. Em AM, o instrumento considerado com possuidor do timbre mais áspero (com valor médio de 1,1) foi o contra-fagote. O
instrumento considerado com timbre mais macio (4,1) foi o vibrafone. O
instrumento com maior neutralidade nessa categoria foi o corne-inglês
(3,0). Em OB, a tuba foi considerada a mais opaca (1,7) enquanto que o
glockenspiel foi avaliado como sendo o mais brilhante (4,4). O instrumento
mais próximo da neutralidade nesta categoria foi o corne-inglês (3,1). Em
VC, os voluntários classificaram o xilofone com o timbre mais vazio (1,9).
O contra-fagote e a tuba foram similarmente considerados com timbre
mais cheio (4,2). O instrumento que ficou mais próximo da neutralidade foi
o clarinete (2,9). Em CD, os instrumentos com os timbres mais compactos
foram o trombone e o xilofone (ambos com 2,3). Já o contra-fagote, o glockenspiel e o vibrafone, foram considerados os de timbre mais disperso
(3,6). Os instrumentos com os timbres mais neutros foram o violino e o
trompete (3,0). Em CC, o timbre mais cinza foi o xilofone (2,5). O timbre
425
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
mais colorido foi o contra-fagote (3,5), e os timbres mais neutros foram os
do: oboé, corne-inglês, trombone e xilofone (3,0).
Observou-se, nos dois últimos aspectos, uma menor variação das notas
atribuídas pelos voluntários, onde as médias apresentadas foram maiores do
que 2 e menores do que 4. Isto parece sugerir uma maior dificuldade em
classificar o timbre dos instrumentos musicais apresentados neste experimento utilizando tais aspectos, o que nos faz supor que talvez estes dois
aspectos não sejam, de fato, independentes. Também constatou-se que o
instrumento que obteve maior número de solicitações para repetição, ao
longo do experimento, foi o xilofone, com uma média de 5,3 repetições por
voluntário. Os instrumentos com menor número de repetições foram o
piccolo, o trompete e o glockenspiel. Supõe-se aqui que um maior número
de repetições para atribuir a nota de um aspecto sinestésico implica maior
dificuldade do voluntário em julgar os aspectos deste timbre. Uma possível
explicação para o motivo pelo qual o xilofone teve o maior número de repetições é que este possui o menor tempo de duração, o que deve provocar no
voluntário uma indefinição e a consequente necessidade de repetir a audição desta amostra por diversas vezes antes de julgar um valor para cada
aspecto sinestésico.
Agradecimentos
426
O autor agradece a participação dos 40 voluntários cujos julgamentos
compuseram o corpo experimental deste trabalho. O autor também agradece a participação do aluno bolsista Pedro Ghoneim que atuou na parte
teórica e experimental deste trabalho, bem como foi o monitor da coleta de
dados da parte experimental. Sua participação foi possibilitada por uma
bolsa TT1 da FAPESP relacionada ao projeto do autor, processo
2010/06743-7.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Referências
Berger, K. (1964) Some Factors in the Recognition of Music. The Journal of
the Acoustical Society of America, EUA, n.10, 1888-1891.
Disley, A.C., Howard D.M., and Hunt A.D., (2006) Timbral description of
musical instruments. International Conference on Music Perception and
Cognition (61-68). Bologna, Italy.
Hollins M., Bensmaïa S. J. (2007). The coding of roughness. Canadian Journal of Experimental Psychology 61 (3), 184-195.
Mauch M., Hiromasa Fujihara, Kazuyoshi Yoshii, Masataka Goto. (2011)
Timbre and Melody Features for the Recognition of Vocal Activity and
Instrumental Solos in Polyphonic Music. Proceedings of the 12th International Society for Music Information Retrieval Conference, ISMIR.
Zhang, X., Raś, Z.W. (2007). Analysis of Sound Features for Music Timbre
Recognition. MUE 2007. Proceedings of the IEEE CS International Conference on Multimedia and Ubiquitous Engineering, April 26-28.
427
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Bulgarian Bulge, de Don Ellis:
um estudo analítico
Leandro Gumboski
[email protected]
Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC
Resumo: Bulgarian Bulge é uma peça que integra os álbuns The New Don
Ellis Band Goes Underground (Ellis, 2006 [1969]) e Tears of Joy (Ellis, 2005
[1971]) do trompetista e band leader norte-americano Don Ellis. A composição é baseada na música de dança folclórica búlgara Sadovsco Horo
(Leviev, 1972). Conforme Stoyan, Manolova e Buchana (2012), a música
tradicional búlgara apresenta estruturas métricas complexas, normalmente compreendidas como alternâncias de valores lentos (3) e rápidos (2).
Tal particularidade é identificada por Lerdahl e Jackendoff (1983) que reconhecem nesse tipo de manifestação musical a existência de espaçamentos não iguais entre tempos no nível métrico de tactus. Dessa forma, o presente artigo procura analisar a obra Bulgarian Bulge, fundamentado nas regras para determinar estruturas de agrupamentos e estruturas métricas desenvolvidas por Lerdahl e Jackendoff (1983). Algumas considerações
formuladas ao longo deste estudo apoiam-se em uma verificação auditiva
por parte do autor desse trabalho. Observa-se, ainda, o grau de coerência
entre as estruturas métricas notadas pelo compositor e a percepção auditiva das mesmas.
Palavras-chave: Don Ellis, Bulgarian Bulge, estruturas de agrupamentos,
estruturas métricas
428
Don Ellis’ Bulgarian Bulge: an analytical study
Abstract: Bulgarian Bulge is a piece that appears in The New Don Ellis Band
Goes Underground (Ellis, 2006 [1969]) and Tears of Joy (Ellis, 2005
[1971]) albums of American trumpeter and band leader Don Ellis. The
composition is based on Sadovsco Horo, a Bulgarian folk dance music
(Leviev, 1972). According to Stoyan, Manolova and Buchana (2012) Bulgarian traditional music presents complex metrical structures generally
understood as alternations of slow (3) and quick (2) values. This feature is
identified by Lerdahl and Jackendoff (1983) who recognize in this kind of
musical expression the existence of unequal time spans in tactus level. Thus
this article seeks to analyze the work Bulgarian Bulge based on the rules for
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
determining grouping and metrical structures developed by Lerdahl and
Jackendoff (1983). Some considerations throughout this study are based
on the author’s listening of the piece. Furthermore, it is observed the degree of consistency among metrical structures written by the composer
and the aural perception of such structures.
Keywords: Don Ellis, Bulgarian Bulge, grouping structures, metrical structures
1. Considerações iniciais
Donald Johnson Ellis (1934-1978) foi um eminente trompetista,
compositor e band leader norte-americano das décadas de 1960 e 70. A
incipiente pesquisa sobre sua obra revela a presença de elementos musicais
extraordinários para o contexto do jazz. Fenlon (2002) declara que há uma
grande influência da música clássica indiana na obra de Ellis, mas não mostra em detalhes como esse influxo pode ser observado. Perkins (2000),
elegendo três composições de Ellis para analisar, apresenta considerações
mais plausíveis sobre o elemento indiano no trabalho do band leader norteamericano.
Conforme descrito por Fienberg (2004), o interesse de Ellis por novas
sonoridades se manifesta logo no início de sua carreia como compositor.
Strait (2000) demonstra que a gênese de procedimentos composicionais
encontrados no trabalho para big band – produção pela qual a obra de Ellis é
mais conhecida – pode ser observada nas primeiras peças escritas pelo
compositor, estas para jazz combo. Intrigantemente, afirma-se com frequência que Ellis buscou uma nova sonoridade para a sua produção na música
de outras culturas, sobretudo a música clássica indiana, como destaca Berendt (2009). Entretanto, a música folclórica búlgara e de regiões vizinhas
também foi alvo de muito interesse de Ellis em suas produções a partir de
meados da década de 1960.
Bulgarian Bulge é fruto dessa atenção à música do leste europeu. A peça
foi primeiramente gravada no disco The New Don Ellis Band Goes Under-
429
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
ground (Ellis, 2006 [1969]), versão essa que será estudada neste artigo. Uma
segunda gravação disponibilizada comercialmente é encontrada no álbum
Tears of Joy (Ellis, 2005 [1971]). No encarte do álbum Underground não
constam informações sobre a criação das peças. Contudo, no encarte de
Tears of Joy, Ellis descreve a seguinte narrativa sobre a origem de Bulgarian
Bulge:
Alguns anos atrás eu recebi uma carta de um homem da Bulgária que
tinha ouvido a [nossa] banda nos programas de jazz “Voice of America” de
Willis Conover. Nós iniciamos uma correspondência e ele me enviou algumas gravações de música folclórica búlgara [...]. Cá estavam músicos
folclóricos tocando música de dança em fórmulas de compasso que eu
nunca tinha ouvido. Eu estava tão impressionado que transcrevi o número
que se tornou Bulgarian Bulge [1]. (Ellis, 2005).
O homem da Bulgária a que Ellis se refere é Milcho Leviev, compositor
e pianista de jazz que integrou a Don Ellis Orchestra no início da década de
1970. Na citação acima, Ellis afirma que transcreveu uma música folclórica
búlgara, arranjando-a, posteriormente, para a formação de sua big band. No
seu livro The new rhythm book (Ellis, 1972), o autor reitera que a estrutura
métrica de Bulgarian Bulge “é um padrão folclórico búlgaro” (p. 45).
Compreende-se, portanto, que, em algum grau, Bulgarian Bulge surgiu
a partir de Sadovsco [2] Horo, uma música folclórica búlgara (Leviev, 1972).
Significantemente, os valores rítmicos de Bulgarian Bulge “derivam da percepção de Ellis das divisões rítmicas de ‘Sadovsco Horo’” (Fienberg, 2004, p.
231).
430
Em conformidade com Stoyan, Manolova e Buchana (2012), as estruturas rítmicas da música folclórica búlgara são, geralmente, compreendidas
como alternâncias de valores lentos (3) e rápidos (2). Dessa forma, Fienberg acrescenta que “embora Ellis estivesse aparentemente trabalhando
puramente a partir da sua percepção auditiva da peça, [...] ele estava correto
ao expressar o componente rítmico básico como sendo grupos de 2 e 3”
(2004, p. 231).
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Comumente o menor nível métrico da música folclórica búlgara é notado em semicolcheia. Lerdahl e Jackendoff (1983) acrescentam que há
uma regularidade métrica neste nível, mas o nível de tactus [3] é irregular,
correspondendo, normalmente, ao nível de unidades rápidas e lentas (neste
caso, e .Œ respectivamente). Por vezes, o segundo nível métrico é ainda
regular, sendo notado em colcheias. É esse o caso de Bulgarian Bulge, em
que as semicolcheias são executadas tão rapidamente que soam, para ouvintes treinados no idioma tonal, como ornamentos – mordentes, na maior
parte dos casos. Os compassos em Bulgarian Bulge variam entre 33 e 36
pulsos no segundo nível (). O tactus, embora extremamente rápido, está –
para o autor deste trabalho – um nível métrico acima alternando entre unidades lentas (3 – .) e rápidas (2 – ), portanto, sendo um nível irregular [4].
Esta peça está entre os “metros compostos” explanados por Singer (como
citado em Lerdahl & Jackendoff, 1983) e omitidos no exemplo de Lerdahl e
Jackendoff (1983, p. 98), pois a estrutura de Bulgarian Bulge combina diferentes grupos exibidos na Figura 1, que sintetiza as estruturas métricas mais
comuns na tradição folclórica búlgara:
Figura 1. Estruturas métricas mais comuns na música folclórica búlgara, conforme Singer (como citado em Lerdahl & Jackendoff, 1983, p. 98): L – unidade lenta (3); R – unidade rápida (2).
A notação de Ellis explicita os agrupamentos e a estrutura métrica por
ele pretendidos. Examinando a edição manuscrita publicada pela UNC Jazz
Press (Ellis, 1969?), os compassos de 33 pulsos estão subdivididos em dois
grandes grupos com 15 (RRRR LRR – 7 unidades) e 18 (RRRLR LRR – 8
unidades) pulsos. Os compassos com 36 pulsos estão escritos como dois
idênticos grandes grupos de 18 pulsos (8 unidades cada). A subdivisão
interna desses grupos será analisada adiante, procurando observar o nível
431
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
de coerência entre as estruturas escritas por Ellis e a percepção dessas estruturas seguindo as regras de Lerdahl e Jackendoff (1983).
2. Esquema formal de Bulgarian Bulge
Segundo Ellis, Bulgarian Bulge “alterna entre 33 e 36 quando você menos
espera” (citado em Orton, 2010, p. 340). A mudança de fórmula de compasso é sempre acompanhada de transformações melódicas. Dessa maneira, a forma de Bulgarian Bulge é facilmente reconhecida auditivamente, como esboça a Figura 2. O quadro abaixo expõe a segmentação apresentada
pela composição a partir da performance do álbum Underground (Ellis,
2006), ilustrando a quantidade de pulsos por compasso de cada trecho.
Cada um desses trechos é claramente percebido pelo ouvinte como um
grande agrupamento.
Figura 2. Esquema formal de Bulgarian Bulge.
432
Todos os trechos das seções A e A’ apresentam dois compassos. Na seção B, cada trecho é composto por quatro compassos. Logo, o solo de Ellis é
um improviso sobre doze ciclos de 33 pulsos. Com exceção desse solo,
todos os solos foram escritos pelo compositor. Assim, a seção B, incluindo o
trecho com drum fills [5], e os temas a e b, foram escolhidos para análise em
função da maior relevância e complexidade que tais trechos demonstram.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
3. a: o tema de Bulgarian Bulge
A estrutura de a é composta por dois compassos que diferem apenas
no gesto cadencial. Como demonstra a Figura 3, a subdivisão escrita por
Ellis não corresponde à subdivisão alcançada pelas regras de Lerdahl e Jackendoff (1983). O tema a, seguindo as regras dos autores, apresenta a seguinte estrutura: 323 323 | 32 32 232, em vez da estrutura 2222 322 |
22232 322, que era a esperada.
Sendo habitual em análises gerativas, nas Figuras 3 e 4, as regras que
impõem limites entre agrupamentos (Lerdahl e Jackendoff, 1983, pp. 4355) estão indicadas, em seu respectivo local, logo abaixo da pauta. As regras
mais significantes para determinar a estrutura métrica (Lerdahl e Jackendoff, 1983, p. 74-96) estão indicadas ao lado de tempos dessa estrutura,
justificando-os em locais de relativa ambiguidade. Visando facilitar a leitura
das análises, segue o enunciado das regras que se fizeram necessárias neste
estudo:
Agrupamentos: 1 – “evite análises com grupos muito pequenos – o
menor, o menos preferível” (Lerdahl & Jackendoff, 1983, p. 43); 2b – proximidade entre pontos de ataque; 3a – mudança de registro; 3d – mudança
de duração; 4 – intensificação; 5 – simetria. Metro: 1 – paralelismo; 2 –
tempo forte no início; 4 – ênfase; 5a – início de um evento de altura relativamente longo; 5f – início de uma harmonia relativamente longa.
Salientando que o andamento de Bulgarian Bulge é muito rápido, algo
em torno de Œ= 240, sustenta-se aqui, fundamentado nas considerações de
London (2012, pp. 27-46), que o andamento da peça está próximo de um
limite tolerável para considerar que as regras de Lerdahl e Jackendoff
(1983) têm total validade. Destaca-se, ainda, que as estruturas de agrupamento e métrica concebidas são coerentes com a estrutura apresentada pela
superfície melódica. Contudo, considerando o todo de Bulgarian Bulge, i.e.,
ouvindo a superfície melódica junto com seu acompanhamento, alguns
pontos da estrutura métrica exposta na Figura 3 parecem perder a credibilidade e, contrariamente, a subdivisão dada por Ellis se torna mais explícita.
433
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Figura 3. a: a subdivisão escrita foi imposta por Ellis, mas não corresponde à subdivisão apresentada pela superfície melódica, conforme as regras de Lerdahl e Jackendoff (1983)
Curiosamente, juntando os dois últimos grupos – 32 e 232 – em um
único grupo 32232, somente a estrutura métrica auferida pelas regras de
Lerdahl e Jackendoff (1983) encontra-se no esquema de Singer (Figura 1),
explanado anteriormente. A subdivisão escrita por Ellis só pode ser identificada no mesmo esquema (Figura 1) se o grupo com 18 pulsos estiver subdivido de maneira diferente. Essa mesma característica pode ser examinada
em b.
4. b
434
A estrutura de b é composta por dois compassos que também se diferenciam somente no gesto cadencial. Entretanto, cada um desses ciclos com
36 pulsos demonstra uma subdivisão simétrica (18:18). Conforme mostra
a Figura 4, a estrutura métrica obtida através das regras de Lerdahl e Jackendoff (1983) é bastante semelhante à subdivisão escrita por Ellis; a diferença está exatamente no gesto cadencial.
Observando o terceiro ( / .) e quarto (.. / . / ) níveis métricos,
constata-se que o primeiro grande grupo com 18 pulsos segue similarmente
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
a subdivisão pretendida pelo compositor, diferindo apenas quanto aos grupos da subdivisão: 222 | 32 322. Entretanto, o segundo grande grupo com
18 pulsos demonstra a subdivisão 222 | 32 232, que pode ser identificada
no esquema de Singer (Figura 1) se houver uma ligeira modificação na
subdivisão dos grupos (32232).
Figura 4. b: a subdivisão escrita foi imposta por Ellis, correspondendo parcialmente à subdivisão apresentada pela superfície melódica, conforme as regras de Lerdahl e Jackendoff (1983)
É interessante enfatizar que, seguindo rigorosamente a regra 3 para a
boa formação de estruturas métricas – “em cada nível métrico, tempos fortes são espaçados com dois ou três tempos de intervalo” (Lerdahl & Jackendoff, 1983, p. 69) – em Bulgarian Bulge nunca haverá um grupo com
mais do que três unidades lentas (3) e/ou rápidas (2) – terceiro nível – se
considerarmos a estrutura métrica até o quarto nível, pois somente os espaçamentos com dois ou três tempos são permitidos, independentemente do
nível métrico. É no quinto nível que uma quantidade maior de unidades
lentas e rápidas pode ser agrupada, ainda que a subdivisão exercida pelo
quarto nível continue existindo. Dessa forma, as subdivisões escritas no
corpo deste texto conseguem representar o terceiro (as unidades 3 e 2),
quarto (com os espaços entre agrupamentos de unidades 3 e 2), e quinto
(com o símbolo |) níveis métricos.
435
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
5. B: Ellis solo e drum fills
O solo improvisado de Ellis exibe uma superfície melódica muito menos ornamentada, tendo o nível de colcheias como o menor nível métrico,
se notado em 33/8 (para transcrição completa do solo, ver Fienberg, 2004,
pp. 228-229). O enfoque, aqui, é dado sobre a fidelidade com que as estruturas de agrupamento e métrica seguem a subdivisão proposta pelo compositor (a mesma de a). Neste caso, a sequência dos valores 232 da primeira
parte do grupo com 18 pulsos (22232) tende a ser subdividida segundo a
regra de agrupamentos 2b, que impõem um limite entre o 3 e o 2, devido à
distância dos pontos de ataque. Assim, teríamos a subdivisão 22 23 | 23 22
que, contrariamente à subdivisão escrita por Ellis, encontra-se no esquema
de Singer (Figura 1).
A subdivisão 22 23 | 23 22, todavia, viola a regra 4 para estruturas métricas, que recomenda a identificação de tempos metricamente fortes onde
há algum tipo de ênfase dinâmica. É intrigante, portanto, que a unidade
lenta (3) quase sempre seja enfatizada na música búlgara (Leviev, 1972),
pois o próprio esquema de Singer (Figura 1) e as considerações de Stoyan
et al (2012) demonstram que nem sempre a unidade lenta é – ou deveria
ser percebida como – a unidade metricamente mais forte do ciclo rítmico.
436
A falta de informação para o ouvinte no trecho com drum fills o torna
um dos pontos mais complexos da peça. Indubitavelmente é impossível
para o ouvinte perceber a subdivisão da estrutura métrica unicamente a
partir de tal trecho e as regras de Lerdahl e Jackendoff (1983) comprovariam o fato. Aqui, importa lembrar-se da tendência que o ouvinte apresenta
em manter a estrutura previamente ouvida e identificada, como discute
London (2012). Porém, neste caso é justo afirmar que mesmo havendo
essa tendência, é importante que um ouvinte ocidental continue efetivamente marcando a subdivisão da estrutura métrica. No idioma big band é
comum e mesmo esperado, sobretudo em trechos de drum fills, que existam
síncopes e, embora Bulgarian Bulge não faça uso de síncopes neste trecho, as
notas acentuadas tendem a ser percebidas como tal, dificultando a percepção da subdivisão métrica.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
6. Considerações Finais
Conquanto o presente artigo tenha ressaltado aspectos da percepção
de Bulgarian Bulge, é relevante recomendar que a mesma composição seja
analisada sob a perspectiva da interação entre cognição e estudos culturais,
com ênfase na performance. Ellis, referindo-se à facilidade com que seu
amigo e pianista búlgaro interpretava a peça, declara que o padrão métrico
em “33 (e 36) é só como um 4/4 para Leviev” (2005).
Em relação à interpretação de Sadovsco Horo, sob o título de Bulgarian
Bulge, gravada pela Ellis Orchestra, Leviev assegura que são “músicos, milhares de milhas longe da Bulgária, tocando essa música como se fossem nativos dela!” (1972, p. 92). Seria, então, um ponto de partida explorar o processo pelo qual Ellis treinava as estruturas rítmicas de Bulgarian Bulge: “porque o padrão é muito rápido, é quase como memorizar uma melodia, só
que neste caso você está memorizando o sentido de um ritmo” (Ellis, 1972,
p. 46).
Notas
[1] Todas as traduções ao longo deste texto foram realizadas pelo autor.
[2] As transliterações mais comuns são “Sadovsko” e “Sadowsko”, mas neste artigo se mantém a forma como Ellis e Leviev utilizavam o termo: “Sadovsco”.
[3] A definição de tactus adotada neste artigo é descrita por Lerdahl e Jackendoff (1983):
“o tactus está invariavelmente entre aproximadamente 40 e 160 beats per minute, e [...] não
pode estar muito longe do menor nível métrico” (p. 73).
[4] Nota-se que, em função do rápido andamento ( = 240), o tactus de Bulgarian Bulge se
torna um caso sui generis, pois o nível métrico proeminente ultrapassa os limites indicados
por Lerdahl e Jackendoff (1983).
[5] Do inglês “preencher”, é um termo comum no vocabulário de bateristas, referindo-se a
rápidos solos, quase sempre improvisados, entre notas acentuadas executadas homofonicamente por outros instrumentos.
[6] Na música búlgara, tem destaque o instrumento de percussão tupan, similar à zabumba,
tendo como principal função marcar a estrutura métrica base, normalmente acentuando as
unidades lentas (3) (Leviev, 1972). Ellis transcreveu essa acentuação para todos os instrumentos de sua big band.
437
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Referências
Berendt, J. E. (2009). O jazz do rag ao rock. São Paulo: Perspectiva.
Ellis, D. (1969?). Bulgarian Bulge. (Partitura e partes). Greeley, Co: University of Northern Colorado Jazz Press.
Ellis, D. (1972). The new rhythm book. North Hollywood: Ellis Music Enterprises.
Ellis, D. (2005). Tears of Joy. (Digital, estéreo). CD 927. New York:
Wounded Bird Records.
Ellis, D. (2006). The New Don Ellis Band Goes Underground. (Digital,
estéreo). CD 9889. New York: Wounded Bird Records.
Fenlon, S. P. (2002). The exotic rhythms of Don Ellis. (Tese de Doutorado).
Baltimore: The Institute of the John Hopkins University. Extraído de
http://www.donellismusic.com.
Fienberg, G. A. (2004). It doesn’t have to be sanctified to swing: A musical biography of Don Ellis. (Tese de Doutorado). Pittsburg: University of Pittsburg.
Lerdahl, F., Jackendoff, R. (1983). A generative theory of tonal music. Cambridge: The Massachusetts Institute of Technology.
Leviev, M. (1972). Odd Meters in Bulgarian Folk Music. In D. Ellis, The new
rhythm book (pp. 88-92). North Hollywood: Ellis Music Enterprises.
438
London, J. (2012). Hearing in time: psychological aspects of musical meter. (2
ed.). New York: Oxford University Press.
Orton, K. (2010). In search of Don Ellis: forgotten genius. (Volume 1). Alpharetta, Geórgia: Unibook.
Perkins, W. L. (2000). Don Ellis’ use of “new rhythms” in his compositions: The
Great Divide (1969), Final Analysis (1969) and Strawberry Soup (1971).
(Tese de Doutorado). Los Angeles: University of California.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Stoyan, P., Manolova, M., Buchana, D. A. (2012). Bulgaria. In Grove Music
Online. Extraído de http://www.oxfordmusiconline.com.
Strait, T. J. (2000). The rhythmic innovations of Don Ellis: An examination of
their origins as found in his early works. (Tese de Doutorado). Greeley:
University of Colorado.
439
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
A escuta da mídia:
um estudo sobre a percepção
de sons e música
Ana Lúcia Iara Gaborim Moreira
[email protected]
Universidade de São Paulo - USP
Antonio Deusany de Carvalho Júnior
[email protected]
Universidade de São Paulo - USP
440
Resumo: O presente artigo apresenta uma investigação sobre a percepção
de sons e música no nosso cotidiano, tendo como base os conceitos de
paisagem sonora e ecologia acústica estabelecidos por Murray Schafer no
Canadá e aprofundados por Marisa Fonterrada, no Brasil. Além de analisar o modo como essa percepção se dá a nível cognitivo e psicológico, afetando as pessoas até no âmbito emocional, consideramos a influência dos
meios de comunicação de massa na produção e reprodução sonoromusical. Em nossa pesquisa, constatamos que a escuta consciente dos sons
e a prática da memorização musical - que há de ser importante principalmente no âmbito do estudo da Música - tende a ser cada vez menos exercida rotineiramente pelas pessoas, tendo em vista que estas passam a dar
cada vez menos atenção às informações sonoras que as rodeiam nos espaços físicos extremamente ruidosos que frequentam, ou restringem sua audição a músicas pré-selecionadas em seus próprios aparelhos eletrônicos
de difusão musical - como IPods e MP4s. Fundamentando esta discussão,
este trabalho traz ainda os resultados de uma pesquisa realizada na Internet com músicos e não-músicos a respeito da percepção sonora cotidiana,
além da interpretação dessas informações sonoras, em especial o que é veiculado nos rádios e TVs: a música da mídia, que apesar de tão presente na
nossa paisagem sonora, chega a passar despercebida, sobretudo por uma
porção da sociedade que detém de um mínimo de formação musical.
Palavras-chave: paisagem sonora, percepção musical, música da mídia
Listening to the media: a study on the perception of sounds and music
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Abstract: This paper presents an investigation into the perception of
sounds and music in our everyday lives, based on the concepts of soundscape and acoustic ecology established by Murray Schafer in Canada and
deepened by Marisa Fonterrada in Brazil. Besides analyzing how this perception occurs in a cognitive or psychological way also affecting people on
the emotional scope, we considered the influence of the mass media in
producing and reproducing of sound and music. In our research, we found
that the habit of listening to the sounds consciously and also the practice
of musical memorization (which is especially important in the study of
music) tends to be exercised less routinely by the people due to their less
attention to information related to sounds in the extremely noisy spaces
that surround them, or their own restriction of hearing the songs preselected on their electronics like iPods and MP4s. Aiming to further substantiate this discussion, this work also brings the results of a survey applied on the Internet with musicians and non-musicians about their everyday perception of sound and also their interpretation of sound information, especially what is aired on radios and TVs: the music from the
media, that even though is so close in our soundscape, it goes unnoticed,
especially by a portion of society that has a minimum of musical training.
Keywords: soundscape; musical perception; music from the media
1. Introdução
A pesquisa sobre a produção e recepção de sons e música desenvolvida
pelo compositor canadense Murray Schafer no século XX, que deu origem
ao conceito de paisagem sonora, aliada seu trabalho como educador musical nas décadas de 1960-1970, se reflete nos dias de hoje, levando-nos a
repensar as relações do homem com o seu ambiente acústico. Podemos
dizer que o excesso de estímulos sonoros, lançados diariamente no nosso
meio, faz com que sons passem a ser naturalmente abstraídos, incorporados
à rotina. Já a reprodução de música de maneira ilimitada, sobretudo nos
meios de comunicação de massa, muitas vezes faz com que ouvir música se
torne um ato banal que acompanha as tarefas diárias – principalmente para
os não músicos. Nesse contexto midiático que invade a paisagem sonora, há
ainda que se considerar a recepção musical proveniente da associação entre
441
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
música e imagem, que interfere diretamente no processo de escuta. Rodolfo
Coelho de Souza comenta esta questão:
o disco, o rádio, o gravador, o cinema e a televisão tornaram ubíqua
a presença da música, banalizando sua recepção. A familiaridade
excessiva do som parece ter favorecido uma diminuição do esforço
da abstração dos ouvintes na escuta musical. Passamos a “ver” música, em vez de “ouvir” música, substituindo os paradigmas cognitivos tradicionais da recepção de sons, pelos da recepção de imagens.
(Souza, 2007, p.17)
Levando em conta todos esses aspectos, procuramos construir uma
possível paisagem sonora contemporânea brasileira, como ponto de partida
para o estudo da percepção musical, realizando uma pesquisa na Internet
com um público formado por músicos e não músicos. Para isto, foi elaborado um questionário com dez questões simples:
1. Quais são os SONS que você mais escuta no dia-a-dia?
2. Onde você mais os escuta?
3. Como os sons afetam a você?
4. O que é RUÍDO para você (musicalmente, textualmente, no ambiente...)?
5. Em sua opinião, qual é a música mais tocada na mídia atualmente?
6. Como essa música afeta você e o seu dia-a-dia?
7. Qual foi a música mais tocada na mídia no ano passado?
8. Qual sua idade?
9. Qual sua profissão?
10. Onde você reside atualmente?
442
Tal questionário, que levou os participantes a refletirem sobre sua própria escuta, utilizou-se da tecnologia “Google Docs”, especificamente do
serviço de questionário online, disponibilizado para ser respondido entre os
meses de maio e junho de 2012. Foi divulgado a partir de contatos pessoais
dos pesquisadores por e-mails e enviado a associações musicais; um link do
questionário também foi divulgado e compartilhado na rede social Facebook. Informou-se que as respostas do questionário seriam parte de uma pes-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
quisa de pós-graduação em Música, de forma que todos os participantes
seriam colaboradores desta pesquisa. Ao todo, foram obtidas 250 respostas,
abrangendo pessoas com e sem formação musical.
Pelo fato de a maioria das questões permitir respostas subjetivas, a análise dos dados foi realizada a partir de diversos artifícios: no caso das questões de número 1, 2, 3, 4 e 6, foi realizada a contagem das palavras ocorridas
nas respostas, sendo agrupadas em um segundo momento para a elaboração de dados quantitativos. Posteriormente, foi feita uma análise a partir da
leitura de todas as respostas, encontrando relações semânticas entre as palavras no contexto da questão. Já para as questões restantes (5, 7, 8, 9 e 10),
apenas a contagem das ocorrências das palavras foi realizada, tendo em vista
a objetividade das respostas.
Algumas questões se referiam aos dados pessoais dos participantes, para que se pudesse traçar o perfil do público consultado. Dentre o total de
participantes, com a variação de idade entre 16 e 79 anos, houve 28% de
professores, sendo 8% destes atuantes na área de música. O restante se dividiu entre: 13% de músicos, 9% de estudantes, 6% de pedagogos, 3% de aposentados, e os 41% remanescentes em outras profissões diversas, como
artistas, profissionais liberais, militares, funcionários públicos e de empresas
privadas. Houve colaboração de participantes de todas as regiões do país,
residentes em diversos estados e até mesmo em outros países (Chile e Portugal), sendo a grande maioria residente em Mato Grosso do Sul, São Paulo
e Paraíba. Isto compôs uma boa amostra da população brasileira, tendo em
vista a restrição de divulgação do questionário para pessoas com um mínimo de instrução e com acesso à Internet.
Foram obtidas informações interessantes e peculiares sobre a paisagem sonora atual – que tem pontos em comum e pontos característicos de
cada estado ou região brasileira -, principalmente pelo fato de que a maioria
das pessoas que responderam ao questionário não tem formação musical.
Essas informações serão apresentadas e discutidas a seguir, seguindo o pensamento de Schafer (2011a, p. 25): “o que o analista da paisagem sonora
precisa fazer, em primeiro lugar, é descobrir seus aspectos significativos,
443
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
aqueles sons que são importantes, por causa de sua individualidade, quantidade ou preponderância".
2. Construindo uma paisagem sonora contemporânea
Considerando a primeira questão, constatou-se que os sons humanos
são os mais escutados, com 22.5% das respostas contendo palavras como
choro, respiração, vozes de pessoas do próprio convívio, entre outras. Em
segundo lugar ficaram os sons de ambientes urbanos como construção,
lojas, máquinas, ônibus e outras palavras referentes ao mesmo contexto, que
tiveram 21% de ocorrência. Palavras voltadas à tecnologia, como computador, notebook, Internet, agrupadas com outras do mesmo contexto atingiram um total de 14.3%. Referências a música e instrumentos musicais tiveram um total de 12.8%. Citações sobre o ambiente doméstico, como eletrodomésticos e utensílios de cozinha, tiveram um equivalente de 11%.
Sons do campo e de animais obtiveram 8.5% de ocorrência. As palavras
telefone e celular alcançaram 6.6% e os 3.3% restantes foram formados por
nomes de locais e empreendimentos.
444
Em “O ouvido pensante”, Schafer (2011b, p.107) também analisa as
mudanças na paisagem sonora, em três momentos: nas culturas primitivas,
na época pós-revolução industrial e no século XX. Sendo mais contemporâneo ao nosso tempo, o século XX apresenta a predominância de sons de
utensílios e tecnologia (68%), em seguida os sons humanos (26%) e, em
pequena parcela percentual, os sons naturais (6%). Chegamos a um resultado bem semelhante em nossa pesquisa, se somarmos os percentuais de
palavras relacionadas aos sons urbanos, à tecnologia, à música (em diversos
meios de reprodução e difusão) e instrumentos musicais, eletrodomésticos
e utensílios de cozinha, telefones e celulares. Sendo assim, há consonância
entre as pesquisas apesar de regiões e datas distintos.
Com relação aos locais onde os sons são mais ouvidos, foram identificados quatro grupos de ambientes citados. Referências a locais residenciais
tiveram uma maioria de 39.2%. Ambientes urbanos ficaram em segundo
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
lugar, com 31.1%. Ambientes de trabalho fizeram parte de 22.9% das respostas, enquanto locais como igreja, bar e ambientes de estudo (escolas,
faculdades) foram citados em 6.8% das respostas. Podemos analisar esse
resultado como o reflexo do atual ambiente onde a maioria dos participantes da pesquisa reside e trabalha, isto é, nas grandes cidades.
Sobre os efeitos dos sons percebidos pelas pessoas, em um âmbito psicológico, também foram identificados quatro grandes grupos de palavras
em um mesmo contexto. Palavras com uma conotação negativa, como
irritação, aborrecimento e incômodo fizeram parte de quase metade das
respostas, ocorrendo em 47% delas. Tranquilidade, aconchego, prazer e
outras palavras do mesmo gênero ocorreram em 32% das respostas. Houve
16% de ocorrência de referências a abstração, costume, hábito e indiferença.
Por fim, a ocorrência das palavras dor, náusea, saúde, sofrimento e tonturas
foram tratadas isoladamente, somando um total de 5% de ocorrência nas
respostas.
Interessante é observar que, como o questionário ofereceu a possibilidade de livre expressão dos participantes, houve muitos tipos de manifestações e comentários de repulsa, com relação ao modo como os sons afetam
o dia-a-dia: “acho que é de fato estressante porque vivo a procurar oásis de
‘silêncio’ ” (músico, 34, Campo Grande/MS); “incomodado com o ruído
constante” (estudante, 28, São Paulo/SP); “agonia, desespero, vontade de
silencio” (veterinária, 34, Osasco/SP); “às vezes são perturbadores. Eu preferia escutar os passarinhos” (professora, 58, Manaus/AM); “afetam diretamente meu estado de humor. Dependendo do que escuto, fico irritada,
atarantada, agitada, deprimida ou introspectiva” (professora, 43, Goiânia/GO); “tento me abstrair” (musicista, 66, Fortaleza/CE).
Por outro lado, algumas respostas demonstraram que as pessoas não
atentam aos efeitos do som em suas rotinas: “não penso, já estão interiorizados no meu cotidiano” (corretora, 56, Jundiaí/SP); “estou tão acostumada com todos esses sons que nem me incomodam. Consigo me desligar
muito fácil de sons que se repetem continuamente” (musicista, 31, Curiti-
445
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
ba/PR); “a maioria passa desapercebido [sic], por serem constantes.” (engenheiro, 64, Nilópolis/RJ).
Esse processo de conscientização da influência dos sons em nosso
meio integra o campo da ecologia sonora, abordado por Fonterrada
(2004), que consiste no “estudo da relação entre o homem e os sons ambientais, discutindo de que modo se dá essa relação” (p. 9). Segundo a autora,
esta questão - que, por sua amplitude, não será abordada neste trabalho - é
interdisciplinar e implica não só em questões médicas e legais, mas “devem
ser vistas em seus aspectos políticos, econômicos, educacionais, culturais,
sociais e artísticos” (p. 46).
3. O ruído
A questão sobre ruído confundiu os participantes, devido ao próprio
conceito de ruído ser utilizado em diversas áreas e ser algo dependente de
contexto. No entanto, foi interessante constatar que a maioria das pessoas
não se dá conta do ruído que as envolve no dia-a-dia. Analisando as respostas obtidas e relacionando suas semelhanças, foi feita uma classificação em
seis grupos:
a) confusão de conceitos - algumas respostas se aproximaram mais
do conceito de som: “é tudo que provoca vibração, e está na sintonia
de codificação do aparelho auditivo”. (comerciante, 48, Araçatuba/SP);
446
b) tentativa de conceituação - alguns estabeleceram o ruído como
um som indefinido (professora, 39, Ponta Porã/MS) ou desordenado (professora, 58, Manaus/AM);
c) conotação negativa - constituiu a maioria das respostas, como algo
desagradável: “algo que chega nos seus ouvidos e causa desconforto”.
(téc. gestão previdenciária, 33, Santos/SP);
d) significado além do sonoro - induzidos pela questão, alguns comentaram sobre o ruído fora do âmbito sonoro: “musicalmente: ins-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
trumentos estridentes, letras e vozes vazias de significado; textualmente- significado xulo, que nada me acrescenta; no ambiente- sons
altos e/ou repetitivos”. (professora, 61, Natal/RN);
e) interpretação pessoal - algumas pessoas definiram o ruído considerando sua opinião como divergente de outras pessoas: “nada que
eu escolha para ouvir” (professora, 45, Goiânia/ GO);
f) aproximação do conceito schaferiano - poucas respostas apresentaram elementos que se aproximam dos conceitos de música definidos por Schafer, escritos por pessoas com formação musical: “um tipo de som que na maioria das vezes não é pensado como um som
musical. Como, por exemplo, o som de uma britadeira”. (músico, 25,
Rio de Janeiro – RJ).
Schafer não estabelece uma definição precisa sobre o ruído, mas apresenta algumas afirmações que puderam ser encontradas de forma semelhante nesta pesquisa e que podem servir de embasamento para discussões
no âmbito da educação musical, no sentido de conscientizar sobre a poluição sonora que se apresenta no cotidiano: “ruído é o som indesejável, (...)
não há outro meio de definí-lo (...). É qualquer som que interfere (...). Para o
homem sensível aos sons, o mundo está repleto de ruídos” (2011b, p.56)
4. A música da mídia
Ouvir música passou a ser uma atividade corriqueira, embora, segundo
Pederiva e Tristão (2006, p.85), seja “uma tarefa extremamente complexa,
já que engloba diferentes padrões, associações, emoções, expectativas, (...)
envolve um conjunto de operações cognitivas e perceptivas”. Considerando
a influência da música da mídia na atualidade, como um elemento que
constitui a experiência musical da maioria das pessoas - principalmente nãomúsicos -, o questionário trouxe duas questões que procuravam verificar o
quanto as “canções da mídia” [1] vivem na mente do público em geral, para
o qual ela é direcionada.
447
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
A maioria das respostas para a música mais ouvida em 2011 e em 2012
foi "não sei" ou “não me lembro”, sendo 45.7% em 2011 e 49.8% em 2012 –
o que vem demonstrar o quanto a música da mídia pode ser considerada
como “comercial”, ou seja, preparada para consumo imediato, para ser convertida em shows, CDs e DVDs. Em segundo lugar, também nos dois anos,
músicas cantadas por Michel Teló (em especial, “Ai, se eu te pego”) ficaram
com 24% de ocorrência em 2011 e 20.8% em 2012. Na terceira posição
houve uma variação entre os anos, com Luan Santana alcançando 11% das
ocorrências em relação ao ano passado e João Lucas e Marcelo chegando
aos 20.5% de citações em 2012. Outros cantores de estilos variados apareceram na lista, mas sem tanta proximidade do terceiro lugar, agrupando-se
todos os restantes num total de 19.3% em 2011 e 8.9% em 2012. É importante ressaltar que todas as músicas citadas, bem como seus autores e/ou
intérpretes, se encontram no contexto da música popular e sua divulgação é
feita principalmente pelas rádios e emissoras de televisão brasileiras.
Especificamente em relação à música mais tocada no ano de 2012 [2],
foi questionado como ela afeta o dia-a-dia das pessoas. Agrupando as respostas em três padrões, foram verificados 47.8% de citações negativas sobre
a música, com referência a palavras como irrita, enjoa, revolta, transtorna e
frusta. Houve 34.7% de comentários neutros sobre a música, insinuando
indiferença, ignorar ou vê-la passar despercebida. Os 17.5% restante das
respostas comentaram sobre o fato de a música trazer lembranças boas,
estar associada a um sentimento agradável, descontrair e fazer parte do
gosto musical das pessoas, isto é, profundamente ligada às suas emoções.
448
5. Considerações finais: reflexões sobre a escuta do cotidiano
A proposta de responder a um questionário com o intuito de colaborar
com o desenvolvimento da pesquisa em questão levou os participantes a
refletirem sobre sua concepção de escuta e sobre a influência dos sons e
música no cotidiano. Estas reflexões se inserem no campo da percepção
musical, com o propósito de despertar a consciência sonora, de desenvolver
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
uma plena consciência auditiva em músicos e não músicos. Segundo Fonterrada,
para falarmos de música, é preciso considerar o som e sua presença
no meio ambiente. É preciso, também, reconhecer sua importância
para o homem, pois vivemos imersos num mundo sonoro (...). Não
prestamos muita atenção nos sons que produzimos, ou que escutamos. De algum modo, estamos sempre lidando com sons, mas
nem sempre temos consciência dessa capacidade. (2004, p. 8)
O desenvolvimento da percepção musical é um processo gradual que
pode se iniciar na infância, com o estímulo à percepção dos sons do cotidiano e sua classificação em parâmetros de intensidade, duração, altura e timbre. No entanto, a grande maioria das pessoas que hoje se encontram em
fase adulta não passou por um processo de musicalização na infância ou não
teve acesso ao estudo musical, onde pudesse ser despertada uma escuta
crítica e seletiva que posteriormente levaria a uma melhor percepção dos
sons estruturados na música. Em geral, a escuta de sons do cotidiano se
confunde com a própria escuta musical, considerando o quanto a música
está presente em diversos momentos e situações do dia-a-dia, sobretudo
com a grande propagação musical que vivenciamos, conforme comenta
Carvalho:
os meios de comunicação e difusão cultural provocam uma constante renovação na percepção do ouvinte de música, na medida em
que estão sempre fazendo experiências com regras comunicativas e
buscando avançar na tecnologia de confecção dos novos produtos
musicais e nos mecanismos de interação desses produtos com seus
consumidores. (1999, p.3)
Com base na pesquisa aqui apresentada, podemos afirmar que a percepção musical tem sido fortemente influenciada pela música da mídia e,
indo mais além, podemos concluir que essa música constitui um material
musical que não objetiva seu estudo aprofundado, nem visa contribuir para
o desenvolvimento da percepção; pelo contrário, a difusão desta música
449
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
está mais ligada a questões que transcendem o próprio estudo da música - e
que ultrapassam os limites deste artigo.
Schafer (2011a, p.17) afirma que “a paisagem sonora atingiu o ápice da
vulgaridade em nosso tempo”. Esta mesma afirmação se aplica em nossos
dias, uma vez que a música da mídia predomina em nossa paisagem sonora
e desse modo, a atenção ao que é de fácil execução e assimilação tornou-se
algo intrínseco à cultura. Esse fator afeta toda uma concepção musical no
senso comum, principalmente por não estimular percepções mais efetivas e
detalhadas, que poderiam levar os indivíduos a adquirir um ouvido pensante, com fins de apreensão e compreensão.
Não se trata de ignorar os sons que estão à nossa volta, mas de uma reeducação dos ouvidos. Segundo Schafer (2011a, p.29), “a única proteção
para os ouvidos é um elaborado mecanismo psicológico que filtra os sons
indesejáveis, para se concentrar no que é desejável”. A realização desta pesquisa, portanto, além de revelar o interesse de um público leigo nas reflexões sobre o tema, com certeza, pôde contribuir para mostrar a necessidade
da reeducação musical no Brasil.
Notas
[1] O conceito de “canções da mídia” é um complexo que resulta da cultura na qual ela está
inserida, e se refere às canções compostas com o objetivo de serem gravadas em disco e
reproduzidas no rádio (Valente,2004, p.1-2)
[2] Reportagens divulgadas na Internet, como a que se encontra disponível em
http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_number-one_hits_of_2012_(France) confirmaram os dados da pesquisa.
450
Referências
Carvalho, José J. (1999). Transformações na sensibilidade musical contemporânea. Brasília. Disponível em:
http://www.ccs.ufsc.br/~geny/musics/_transformacoes.pdf
Fonterrada, Marisa T. O (2004). Música e meio ambiente: ecologia sonora. São
Paulo: Ed. Irmãos Vitale.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Pederiva, Patrícia L. M., Tristão, Rosana M. (2006). Música e cognição.
Ciências e Cognição, vol.9, Disponível em:
http://www.cienciasecognicao.org/pdf/v09/m346117.pdf
Schafer, Raymond M. (2011a). A afinação do mundo. 2.ed. São Paulo: Ed.
Unesp.
Schafer, Raymond M. (2011b). O ouvido pensante. 2.ed. São Paulo: Ed. Unesp.
Souza, Rodolfo Coelho (2007). Aspectos da abstração na cognição musical
e imagética. Ictus - Periódico do PPGMUS/UFBA, Vol. 8, No 1.
Valente, Heloísa. A. D. (2004). Música é informação! - Música e mídia a
partir de alguns conceitos de Paul Zumthor. V Congresso da IASPM-LA.
451
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Efeito do treinamento musical em
diferentes modalidades da
capacidade de atenção visual
Ana Carolina Oliveira e Rodrigues
[email protected]
Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG
Maurício Alves Loureiro
[email protected]
Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG
Paulo Caramelli
[email protected]
Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG
452
Resumo: A influência da música sobre a função cerebral tem sido alvo da
investigação de neurocientistas e músicos desde a década de 1990. Muitos
estudos têm demonstrado a existência de processos de neuroplasticidade
cerebral, estruturais e funcionais, decorrentes da prática musical prolongada, os quais podem produzir diferenças cognitivas entre músicos e não
músicos. Nosso objetivo geral consistiu em investigar se o treinamento
musical intensivo poderia estar associado a aumento da capacidade de atenção visual, em três modalidades – seletiva, dividida e sustentada. Músicos (n = 38), membros permanentes de duas importantes orquestras brasileiras, e não músicos (n = 38), profissionais e estudantes de diversas áreas
do conhecimento, equiparados em relação à idade, gênero e escolaridade,
foram submetidos a quatro testes neuropsicológicos: três testes de atenção visual e um teste de tempo de reação simples, os quais avaliaram tempo de reação e acurácia. Os músicos mostraram melhor desempenho em
quatro variáveis dos três testes de atenção visual, envolvendo tempo de reação e acurácia. Tal desempenho não pode ser explicado por melhor integração sensório-motora, uma vez que não houve diferença entre os grupos
no teste de tempo de reação simples. Além disso, foram verificadas correlações significativas entre idade de início dos estudos musicais e algumas
variáveis dos testes de atenção visual. Nossos resultados sugerem haver
maior capacidade de atenção visual, em diferentes modalidades, em músicos. Este estudo poderá contribuir para demonstrar possíveis benefícios
cognitivos do treinamento musical prolongado.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Palavras-chave: treinamento musical, atenção visual, neuroplasticidade
Effect of musical training on different modalities of visual attention
ability
Abstract: Recognition of the influence of music on cerebral function has
incited neuroscientists and musicians to investigate the connections
between these two areas since the 1990’s. Many studies have
demonstrated structural and functional cerebral neuroplastic processes as
a result of long-term musical practice, which in turn may produce
cognitive differences between musicians and non-musicians. We aimed to
investigate if intensive musical training could be associated with improved
visual attention ability, on three different modalities – selective, divided
and sustained attention. Musicians (n = 38), permanent members of two
major Brazilian orchestras, and non-musicians (n = 38), professionals and
students from several fields, matched on age, gender and education, were
submitted to four neuropsychological tests: three visual attention tests and
one simple reaction time test, which measured reaction time and accuracy.
Musicians showed better performance relative to non-musicians on four
variables of the three visual attention tests, involving reaction time and
accuracy. Such advantage could not be explained by better sensorimotor
integration, since there was no difference between groups in the simple
reaction time test. Moreover, significant correlations between age of
beginning of musical studies and some variables of visual attention tests
were verified. Our results suggest augmented visual attention ability, on
different modalities, in musicians. This study may contribute to
demonstrate possible cognitive benefits of long-term musical training.
Keywords: musical training, visual attention, neuroplasticity
1. Introdução
Mesmo que todos os indivíduos tenham contato ou estejam
envolvidos, de alguma forma, com a atividade musical em suas rotinas
diárias, eles o fazem com esforço e tempo limitados. Por outro lado, poucos
indivíduos se tornam músicos profissionais, mediante prática prolongada e
iniciada precocemente. Assim, segundo Münte et al. (2002), os músicos
representam um modelo único para o estudo das alterações plásticas no
453
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
cérebro humano, considerando a complexidade do estímulo envolvido –
música – e o grau de exposição a ele. Nas últimas décadas, muitas pesquisas
têm descrito, em músicos, alterações neuroplásticas encefálicas, estruturais
e funcionais, decorrentes da prática musical prolongada, envolvendo
diversas regiões, tais como corpo caloso (Schlaug et al., 1995), córtex motor
(Amunts et al., 1997), córtex somatossensitivo (Elbert et al., 1995), córtex
auditivo (Pantev et al., 1998) e hipocampo (Herdener et al., 2010).
Tais processos de neuroplasticidade estrutural e funcional verificados
em músicos poderiam influenciar suas funções cognitivas, produzindo
também diferenças entre músicos e não músicos. Várias pesquisas (e.g.
Rauscher & Zupan, 2000; Vaughn, 2000; Schellenberg, 2004; Piro & Ortiz,
2009) têm relatado, em crianças, associações positivas entre o estudo formal da música e capacidades cognitivas pertencentes ao domínio não musical, como raciocínio verbal, matemático e visual-espacial, bem como inteligência geral.
Embora os efeitos do treinamento musical sobre funções cognitivas
tenham sido mais bem documentados em crianças, estudos envolvendo
adultos também têm mostrado diferenças entre os grupos em diferentes
domínios cognitivos, especialmente em relação à cognição visual. Têm sido
demonstradas, por exemplo, associações positivas entre treinamento musical e capacidades visuais-espaciais (Brochard et al., 2004), capacidades
oculo-motoras (Gruhn et al., 2006), atenção visual (Rodrigues et al., 2007),
balanceamento da atenção visual-espacial (Patston et al., 2007) e processamento visual de detalhes (Stoesz et al., 2007).
454
O objetivo deste estudo consistiu em investigar se o treinamento musical prolongado poderia estar associado a aumento da capacidade de atenção visual em três modalidades – seletiva, dividida e sustentada. A atenção
seletiva refere-se à capacidade de direcionar a atenção para uma determinada porção do ambiente, enquanto os demais estímulos à sua volta são ignorados. A atenção dividida corresponde à capacidade de atender concomitantemente a duas ou mais fontes de estimulação. Já a atenção sustentada
equivale a um estado de prontidão para detectar e responder a alterações de
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
estímulos (Muir, 1996). Embora outros estudos tenham investigado direta
ou indiretamente a capacidade de atenção visual em músicos e não músicos, tais pesquisas não consideraram, de forma mais ampla, diferentes modalidades desta capacidade cognitiva, o que foi possível no presente trabalho. Como a prática musical envolve, em momentos distintos, diferentes
demandas atencionais, questionamos se o treinamento musical poderia
exercer efeitos positivos semelhantes em mais de uma modalidade da capacidade de atenção visual.
2.Métodos
2.1 Participantes
Dois grupos de voluntários participaram do estudo: 38 músicos (idade
= 33,3 ± 7,6 anos; 31 homens e 7 mulheres) e 38 não-músicos (idade = 31,3
± 5,6 anos; 25 homens e 13 mulheres), equiparados em termos de idade
(t(74) = 1,29; p = 0,200), gênero (X2(1) = 2,44; p = 0,118) e escolaridade
(t(74) = -0,59; p = 0,556).
O grupo dos músicos foi composto por 23 instrumentistas de cordas e
15 instrumentistas de sopros, membros permanentes de duas importantes
orquestras brasileiras – Orquestra Filarmônica de Minas Gerais e
Orquestra Sinfônica de Minas Gerais. O tempo de estudo individual com
instrumento por dia variou de 1 a 8,5 horas (média = 3,2 ± 1,2) e a idade de
início dos estudos musicais, de 4 a 20 anos (média = 9,6 ± 4,4). O tempo de
prática musical total e o tempo de prática musical com orquestra variaram
de 11 a 37 anos (média = 23,0 ± 6,7) e 4 a 26 anos (média = 13,9 ± 6,0),
respectivamente.
O grupo dos não músicos foi composto por profissionais e estudantes
de diversas áreas do conhecimento. Todos os não músicos declararam não
ler partitura atualmente. Entretanto, seis indivíduos relataram já ter
recebido algum tipo de educação musical formal com prática de leitura de
partitura na infância, adolescência ou início da idade adulta. Porém, em
nenhum destes casos o tempo total de estudos musicais foi superior a um
455
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
ano e seis meses. Além disso, cinco indivíduos mencionaram tocar algum
instrumento musical, sem regularidade, atualmente. Todos os voluntários
forneceram consentimento escrito para participação na pesquisa, a qual foi
aprovada pelo Comitê de Ética local.
2.2 Procedimento de avaliação
Anteriormente à aplicação dos testes neuropsicológicos para avaliação
da capacidade de atenção visual, foram administrados os seguintes formulários: questionário sociodemográfico, para caracterização de cada indivíduo;
Escala de Sonolência Epworth (Johns, 1991), para avaliação da sonolência
diurna; e parte do Mini International Neuropsychiatric Interview (Sheehan et
al., 1998), para investigação de possíveis transtornos psiquiátricos. Não foi
verificada nenhuma diferença significativa entre músicos e não-músicos em
relação à sonolência diurna (t(74) = -1,95; p = 0,055) e horas de sono por
noite (t(74) = 1,06; p = 0,293). Além disso, não houve indício de Episódio
Depressivo Maior e Dependência / Abuso de Álcool para nenhum indivíduo.
Para avaliação da capacidade de atenção visual, nas três modalidades,
foram elaborados testes neuropsicológicos computadorizados com o
auxílio do programa E-Prime (Schneider et al., 2002). Todos os estímulos
visuais foram exibidos em um monitor de 1280 x 800 pixels, posicionado a
uma distância de 55 centímetros (cm) do voluntário.
456
O teste de atenção visual seletiva consistiu na apresentação aleatória de
60 quadros de estímulos, contendo, cada um deles, um estímulo-alvo na
parte superior da tela e, abaixo dele, um conjunto de cinco estímulos
similares entre si e em relação ao estímulo-alvo. A tarefa do indivíduo era
responder, o mais rápido possível, se o estímulo-alvo estava ou não
presente, de maneira idêntica, no conjunto de estímulos, pressionando as
teclas “1” ou “2” respectivamente. A duração média do teste foi de 3
minutos e 30 segundos. O teste de atenção visual dividida consistiu na
apresentação da letra “X” em três possíveis condições (“X”, “XX” ou
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
“XXX”), no centro da tela, e/ou de outra letra, apresentada acima do ponto
central. Ao longo do teste, foram exibidos aleatoriamente 90 quadros de
estímulos, sendo 30 quadros com apenas a letra “X”, 30 com a letra “X” e
outra letra, e 30 com apenas outra letra. As tarefas do sujeito eram
responder, o mais rápido possível, ao aparecimento de “X”, “XX” e “XXX”,
pressionando as teclas “1”, “2” ou “3” respectivamente (tarefa 1), e contar
mentalmente, dizendo ao final do teste, quantas vezes a letra “A” havia sido
apresentada (tarefa 2). A duração média do teste foi de 3 minutos. O teste
de atenção visual sustentada consistiu na apresentação, no centro da tela,
dos números “1”, “2” ou “3” ao longo da apresentação alternada dos
símbolos “+” e “=”, cuja frequência aumentava gradativamente. A tarefa do
indivíduo era responder, o mais rápido possível, ao aparecimento de “1”, “2”
e “3”, pressionado as teclas “1”, “2” ou “3” respectivamente. A duração média
do teste foi de 5 minutos. Foi também elaborado um teste de tempo de
reação simples, com o objetivo de avaliar a capacidade motora geral dos
indivíduos, uma vez que um melhor desempenho nos testes de atenção
visual poderia ser explicado por uma melhor integração sensório-motora. O
teste de tempo de reação simples consistiu na apresentação do símbolo “*”,
no centro da tela, em intervalos de tempo variados. A tarefa do indivíduo era
responder, o mais rápido possível, ao aparecimento de “*”, pressionando a
tecla “1”. A duração média do teste foi de 1 minuto.
2.3 Análise estatística
Primeiramente, a normalidade de cada variável medida foi verificada
utilizando-se o teste Kolmogorov-Smirnov. A comparação entre as médias de
dois grupos de indivíduos foi feita aplicando-se o teste t de Student para
amostras independentes ou o teste não paramétrico U de Mann-Whitney, de
acordo com a distribuição dos dados. A correlação entre o desempenho dos
músicos nos testes e a idade de início dos estudos musicais foi verificada
através do teste de Pearson e do teste de Spearman, também de acordo com
a distribuição dos dados. Para a comparação de gênero foi aplicado o teste
Qui-Quadrado. Adotou-se a probabilidade de significância de 5% (p < 0,05)
457
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
em todos os testes.
3. Resultados
Como mostra a Tabela 1, os músicos apresentaram melhor
desempenho em quatro variáveis dos testes de atenção visual: acurácia no
teste de atenção seletiva (t(74) = 2,00; p = 0,049), tempo de reação na tarefa
1 e número de erros na tarefa 2 no teste de atenção dividida (t(74) = -2,26;
p = 0,026 e U = 493,50; p = 0,011, respectivamente), e tempo de reação no
teste de atenção sustentada (U = 406,50; p = 0,001). O desempenho nas
demais variáveis foi semelhante entre os grupos. Não foi verificada diferença
significativa entre músicos e não músicos no teste de tempo de reação
simples (t(74) = -1,86; p = 0,067). No grupo dos músicos, foram
observadas correlações significativas entre a idade de início dos estudos
musicais e o desempenho em três variáveis dos testes de atenção visual:
tempo de reação no teste de atenção seletiva (r = 0,36; p = 0,026), tempo de
reação na tarefa 1 do teste de atenção dividida (r = 0,37; p = 0,022) e tempo
de reação no teste de atenção sustentada (r = 0,39; p = 0,016). Tais
correlações sugerem melhor desempenho, nos três testes de atenção visual,
de músicos que iniciaram mais cedo seus estudos musicais.
458
Tabela 1. Comparação entre músicos e não-músicos nos testes de atenção visual e tempo
de reação simples. Os valores p referem-se ao teste t de Student, exceto os marcados com *,
os quais se referem ao teste U de Mann-Whitney. Os valores p em destaque indicam diferenças significativas (p < 0,05).
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
4. Discussão
Os músicos apresentaram melhor desempenho em relação aos não
músicos em quatro das sete variáveis dos testes de atenção visual: acurácia
no teste de atenção seletiva, tempo de reação na tarefa 1 e número de erros
na tarefa 2 no teste de atenção dividida e tempo de reação no teste de
atenção sustentada, o que sugere maior capacidade de atenção visual, em
diferentes modalidades, em músicos. É interessante observar que as
diferenças significativas encontradas entre músicos e não músicos, embora
não tenham envolvido todas as variáveis, não se restringiram a uma
modalidade de atenção, mas, sim, foram verificadas nos três testes de
atenção visual – seletiva, dividida e sustentada. Como não houve diferença
significativa entre os grupos no teste de tempo de reação simples, o melhor
desempenho dos músicos nos testes de atenção não pode ser atribuído
simplesmente à melhor capacidade de integração sensório-motora. Os
resultados sugerem, portanto, a existência de processos atencionais mais
eficientes em músicos.
Nosso estudo anterior (Rodrigues et al., 2007), embora tenha tido
como meta a avaliação da capacidade de atenção visual, de forma geral, em
músicos e não-músicos, enfatizou a avaliação da capacidade de atenção
visual dividida. Entretanto, é preciso ressaltar que esta seria apenas uma das
modalidades atencionais demandadas na rotina profissional dos músicos,
especificamente durante a prática musical em conjunto, que envolve a
necessidade constante de atenção simultânea a diversos tipos de estímulos
visuais, como partitura, instrumento e movimento corporal. O estudo
individual com instrumento, por outro lado, exige atenção visual seletiva, já
que em tal situação os músicos precisam também direcionar a atenção à
leitura da partitura, o que requer percepção de detalhes. Além disso, em
outras situações, como ensaios e concertos de longa duração, os músicos
necessitam de atenção visual sustentada, aliada à atenção dividida, sendo
importante a manutenção de um estado de prontidão para detectar e
responder a vários estímulos.
459
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Portanto, a prática musical, considerada particularmente no âmbito da
rotina de orquestras profissionais, requer, em momentos distintos,
diferentes demandas de atenção, podendo envolver também, em
determinadas situações, a participação simultânea de mais de uma
modalidade atencional. Assim, nosso estudo propôs a investigação de
diferentes modalidades da capacidade de atenção visual, abordagem que
não havia sido realizada até então, a fim de verificar se resultados similares
poderiam ser observados em diferentes modalidades atencionais, o que foi,
de fato, corroborado por nossos dados.
De modo geral, nossos resultados podem ser considerados
consistentes com os estudos de Brochard et al. (2004), Gruhn et al. (2006),
Patston et al. (2007), Rodrigues et al. (2007) e Stoesz et al. (2007), os quais
demonstraram capacidades cognitivas visuais aumentadas em músicos.
460
Quanto às correlações significativas encontradas entre idade de início
dos estudos musicais e desempenho nos testes de atenção, os dados
sugerem que quanto mais precoce o início da prática musical, maior tende a
ser a eficiência dos processos atencionais. Como ressaltam Pantev et al.
(1998), a reorganização cortical induzida pela aprendizagem ocorre de
acordo com o padrão de experiências sensoriais vivenciadas durante a
prática de uma habilidade. Assim, o início precoce da prática musical seria
capaz de induzir maior reorganização do córtex cerebral, o que poderia
refletir em capacidades cognitivas aumentadas. Vários estudos têm
demonstrado correlações significativas entre idade de início dos estudos
musicais e aspectos estruturais e funcionais do cérebro (e.g. Elbert et al.,
1995; Schlaug et al., 1995; Amunts et al., 1997; Pantev et al., 1998).
Entretanto, ainda não é possível afirmar, de maneira consistente, a relação
entre tal fator e a capacidade de atenção visual.
Embora apresente limitações, esta pesquisa pode contribuir para a
crescente literatura que tem fornecido evidências comportamentais sugerindo a existência de processos de neuroplasticidade cerebral como resultado da prática musical prolongada, além de gerar possíveis implicações para
as áreas de saúde e educação.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Referências
Amunts, K., Schlaug, G., Jäncke, L., Steinmetz, H., Schleicher, A.,
Dabringhaus, A., Zilles, K. (1997). Motor cortex and hand motor skills:
structural compliance in the human brain. Human Brain Mapping, 5,
206-215.
Brochard, R., Dufour, A., Després, O. (2004). Effect of musical expertise on
visuospatial abilities: evidence from reaction times and mental imagery. Brain and Cognition, 54, 103-109.
Elbert, T., Pantev, C., Wiendbruch, C., Rockstroh, B., Taub, B. (1995). Increased cortical representation of the fingers of the left hand in string
players. Science, 270, 305-307.
Gruhn, W., Litt, F., Scherer, A., Schumann, T., Weib, E., Gebhardt, C.
(2006). Suppressing reflexive behaviour: saccadic eye movements in
musicians and non-musicians. Musicae Scientiae, 10, 19-32.
Herdener, M., Esposito, F., di Salle, F., Boller, C., Hilti, C. C., Habermeyer,
B., Scheffler, K., Wetzel, S., Seifritz, E., Cattapan-Ludewig, K. (2010).
Musical training induces functional plasticity in human hippocampus.
Journal of Neuroscience, 30, 1377-1384.
Johns, M. W. (1991). A new method for measuring daytime sleepiness: The
Epworth Sleepiness Scale. Sleep, 14, 540-545.
Muir, J. L. (1996). Attention and stimulus processing in the rat. Cognitive
Brain Research, 3, 215-225.
Münte, T., Altenmüller, E., Jäncke, L. (2002). The musician’s brain as a
model of neuroplasticity. Nature Reviews Neuroscience, 3, 473-478.
Pantev, C., Oostenveld, R., Engelien, A., Ross, B., Roberts, L. E., Hoke, M.
(1998). Increased auditory cortical representation in musicians.
Nature, 392, 811-813.
461
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Patston, L. L. M., Hogg, S. L., Tippett, L. J. (2007). Attention in musicians is
more bilateral than in non-musicians. Laterality, 12, 262-272.
Piro, J. M. & Ortiz, C. (2009). The effect of piano lessons on the vocabulary
and verbal sequencing skills of primary grade students. Psychology of
Music, 37, 1-23.
Rauscher, F. H. & Zupan, M. A. (2000). Classroom keyboard instruction
improves kindergarten children’s spatial-temporal performance: a field
experiment. Early Childhood Research Quarterly, 15, 215-228.
Rodrigues, A. C., Guerra, L., Loureiro, M. (2007). Visual attention in
musicians and non-musicians: a comparative study. Proceedings of the
3rd International Conference on Interdisciplinary Musicology, Tallin,
Estônia. Disponível em: URL: http://www-gewi.unigraz.at/cim07/index2.htm.
Schellenberg, E. G. (2004). Music lessons enhance IQ. Psychological Science,
15, 511-514.
Schlaug, G., Jäncke, L., Huang, Y., Staiger, J. F., Steinmetz, H. (1995). Increased corpus callosum size in musicians. Neuropsychologia, 33, 10471055.
Schneider, W., Eschman, A., Zuccolotto, A. (2002). E-Prime User’s Guide.
Pittsburgh: Psychology Software Tools Inc.
462
Sheehan, D. V., Lecrubier, Y., Sheehan, K. H., Amorim, P., Janavs, J., Weiller,
E., Herqueta, T., Baker, R., Dunbar, G. C. (1998). The Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI): The development and validation of a structured diagnostic psychiatric interview for DSM-IV
and ICD-10. Journal of Clinical Psychiatry, 59, 22-33.
Stoesz, B., Jakobson, L., Kilgour, A., Lewycky, S. (2007). Local processing
advantage in musicians: evidence from disembedding and constructional tasks. Music Perception, 25, 153-165.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Vaughn, K. (2000). Music and mathematics: modest support for the oftclaimed relationship. Journal of Aesthetic Education, 34, 149-166.
463
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Ansiedade na performance musical:
um estudo sobre flautistas
Andre Sinico
[email protected]
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS
Fernando Gualda
[email protected]
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS
SARC/QUB
Leonardo Loureiro Winter
[email protected]
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS
464
Resumo: A presente pesquisa tem como objetivo estudar a ansiedade na
performance musical através da identificação de diferenças nos níveis de
traço e estado de ansiedade em flautistas. Os participantes da pesquisa foram membros da Associação Brasileira de Flautistas (ABRAF). No total,
142 membros responderam a um questionário online contendo vinte
questões das quais oito foram analisadas estatisticamente e relatados seus
resultados neste artigo. Os participantes informaram também sobre gênero, idade, anos de estudo da flauta, nível de proficiência (profissional, estudante e amador) e as situações que lhes induzem à ansiedade como: masterclass, recital e concurso. De acordo com a literatura, alguns fatores musicais podem ser considerados como estratégias de enfrentamento para lidar com a ansiedade na performance musical como: familiaridade com o
repertório, habilidade de leitura à primeira vista, prática deliberada, expressão musical e memorização. Os resultados sugerem que flautistas do sexo
masculino exibiram alta incidência de ansiedade na performance musical
(APM), flautistas profissionais podem lidar melhor com a APM e a situação de performance mais estressante não se correlacionou com a APM entre os 142 flautistas.
Palavras-chave: Psicologia da Performance, Ansiedade na Performance
Musical, Fatores de Ansiedade, Flautistas
Abstract: This research focuses on identifying differences in trait and state
anxiety levels in flute players. The participants of this research were members of Brazilian Flute Association (ABRAF). In total, 142 flute players an-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
swered an online questionnaire. Eight of twenty questions are reported in
this paper. The participants reported on gender, age, years of flute practice,
proficiency level (professional, student, and amateur), and their most anxiety-inducing situation (masterclass, recital, and competition). According
to the literature, some musical factors can lead to decrease in music performance anxiety. Some musical factors that can be considered as coping
strategies are familiarity with repertoire, sight-reading skills, deliberate
practice, musical expression, and memorization. Results suggest that male
flute players exhibited higher incidence of music performance anxiety
(MPA), professional flute players may cope better with MPA, and the
most stressful performance situation did not correlate with MPA in those
142 flute players.
Keywords: Psychology of Performance, Music Performance Anxiety,
Anxiety Factors, Flute Players
Introdução
A ansiedade é um estado psicológico e fisiológico caracterizado por
componentes somáticos, emocionais, cognitivos e/ou comportamentais
geralmente associadas com atividades que demandam habilidades, concentração e autoavaliação. Segundo Barlow (2000), ansiedade é:
uma única e coerente estrutura cognitivo-afetiva dentro de nosso
sistema motivacional defensivo. No centro desta estrutura está uma
sensação de incontrolabilidade focada em futuras ameaças, perigo
ou outros eventos potencialmente negativos (Barlow 2000 apud
Kenny 2011, 22).
Embora a ansiedade tenha sido estudada principalmente na área da
psicologia, ela pode estar presente em diferentes campos de conhecimento
como medicina, esportes, artes e música. De acordo com Kenny (2003), a
performance musical requer do músico um alto nível de proficiência em uma
extensa área de habilidades que inclui destreza motora fina e coordenação,
concentração e memorização, estética e habilidades interpretativas. Obter
proeminência musical requer execução próxima à perfeição exigindo anos
de treinamento, prática solitária [1], além de constante e intensa auto-
465
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
avaliação (Kenny et al 2003, 760). Estes elementos, inerentes à atividade
musical, podem contribuir para o desenvolvimento de efeitos negativos da
ansiedade entre músicos profissionais, estudantes e amadores.
A. Causas da Ansiedade na Performance Musical
Segundo Valentine (2002), três fatores contribuem para a ansiedade
na performance musical: a pessoa; a tarefa e a situação (Valentine 2002, 172).
A pessoa refere-se aos aspectos da personalidade de cada indivíduo como introversão versus extroversão, independência, sensibilidade, ansiedade, dentre outras - que possam vir a exercer quaisquer influências no comportamento. Contudo, o comportamento depende da interação entre as
qualidades pessoais, físicas e ambiente social (Deary 1993 apud Kemp 1999,
25). Desse modo, o comportamento pode ser compreendido como reação
à soma dessas interações.
O nível de ansiedade na performance é proporcional a tarefa: quanto
mais difícil a tarefa, maior a ansiedade. A tarefa pode ser compreendida e
composta por alguns fatores musicais que podem influenciar na apresentação musical, dentre eles encontram-se o repertório, a leitura à primeira vista,
o estudo e o ensaio, a expressão musical e a memorização. Wilson (2002)
acrescenta que a ansiedade na performance também pode estar associada à
falha de domínio da tarefa ou, para Fehm (2005), a execução de tarefas que
excedem a capacidade do executante (Fehm 2005 apud Kenny 2011, 62).
466
Quanto aos fatores que geram ansiedade na execução, há certas situações que são relativamente mais estressantes para os executantes, independentemente de suas suscetibilidades individuais (Wilson 1999, 231). Essas
situações também foram apontadas e comparadas por Hamann (1982) de
forma antagônica: a apresentação solo versus apresentação em grupo, apresentação pública versus estudo, concurso versus apresentação por prazer,
apresentação de obras difíceis ou mal preparadas versus aquelas que são
fáceis, familiares ou bem aprendidas (Hamann 1982 apud Wilson 1999,
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
232). Assim sendo, pode-se dizer que a primeira situação de cada grupo
pode gerar mais ansiedade no executante do que a segunda situação, por
deixá-lo mais exposto e vulnerável a uma situação de risco.
B. Traço e Estado de Ansiedade
O aspecto da ansiedade como característica individual pode ser apresentado de duas maneiras: o traço e o estado de ansiedade [2]. Kemp considera que o traço de ansiedade pode ser visto como sendo uma predisposição geral a ser ansioso e o estado de ansiedade varia de acordo com os tipos
de situação em que eles se encontram (Kemp 1999, 33). Contudo, Kemp
(idem) explica que o traço e o estado de ansiedade não são facilmente separáveis, quer conceitualmente, quer em termos de medição. Já Spielberger
(1983) e Lazarus (1991) definiram estado de ansiedade como uma resposta emocional não prazerosa ao lidar com situações ameaçadoras ou perigosas - o que inclui avaliação cognitiva de ameaça como um precursor para o
seu surgimento - enquanto que traço de ansiedade refere-se às diferenças
individuais estáveis em tendências para reagir com o aumento do estado de
ansiedade antecipando uma situação de perigo (apud Tovolic 2009, 492).
Essa tendência é consistente em uma ampla gama de situações e é temporariamente estável (ibid). No entanto, o traço de ansiedade é caracterizado
como uma disposição geral de experienciar estados transitórios de ansiedade sugerindo que essas duas construções - traço e estado de ansiedade estão inter-relacionadas (Spielberger 1999 apud Tovolovic 2009, 500).
Segundo Kemp (1996), músicos apresentam maior predisposição para
a ansiedade do que outras pessoas que não são artistas. A predisposição a
ser ansioso (em todos os aspectos da vida), torna o indivíduo susceptível à
ansiedade na performance e o traço de ansiedade pode ser uma característica
inerente da pessoa. A pesquisa também sugere que uma personalidade ansiosa resulta do acúmulo de certas experiências de vida (Kemp 1999, 96).
Um estudo realizado por Kemp (1996) concluiu que homens apresentam, invariavelmente, uma pontuação mais elevada em introversão e em
467
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
alguns aspectos de independência que mulheres. Por outro lado, as mulheres tendem a ser mais sensíveis e ansiosas que os homens. São padrões de
traços de ansiedade em gênero que contribuem para o que percebemos
como a diferença, não somente em termos mais abstratos de personalidade,
mas em nossas predisposições a se comportar de certas maneiras e para
responder às circunstâncias de certa maneira (Kemp 1996, 108). Assim
sendo, Wilson (1999) conclui que os indivíduos que são geralmente ansiosos, introvertidos e propensos a fobias sociais estão mais propensos a sofrer
de ansiedade na performance musical (Wilson 1999, 231).
C. Ansiedade e Gênero
Kenny et al. (2003) ao analisarem estudos sobre ansiedade na performance musical, concluíram que as mulheres são dois terços mais propensas
a sofrer de ansiedade que os homens (American Psychiatric Association,
1994; Lewinsohn, Gotlib, Lewinsohn, Seelwy & Allen, 1998) e esta relação
parece manter-se na Ansiedade em Performance Musical (APM), onde estudos demonstram que as mulheres tem ansiedade na performance musical
significativamente maior que os homens (Huston 2001; Osborne & Franklin 2002; Sinden 1999).
468
Kinrys e Wygant (2005), em uma pesquisa conduzida nos Estados Unidos apontaram que mulheres possuem um risco substancialmente maior
de desenvolver transtornos de ansiedade ao longo da vida comparados aos
homens e evidência observou um aumento em geral da severidade dos
sintomas, comportamento crônico e comprometimento funcional em mulheres com transtornos de ansiedade em comparação aos homens. Os autores também apontam que as razões para o aumento do risco no desenvolvimento de transtornos de ansiedade em mulheres ainda são desconhecidas
e ainda necessitam ser adequadamente investigados. Além disso, os fatores
genéticos e hormônios reprodutivos femininos podem desempenhar papeis
importantes na expressão destas diferenças de gênero. No entanto, evidências de diferenças de gênero nas respostas aos tratamentos dos transtornos
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
de ansiedade ainda são inconsistentes e amplamente inconclusivas. Entretanto, Abel e Larkin (1990) observaram em seu estudo sobre estudantes
universitários de música que os homens mostraram um aumento maior da
pressão sanguínea, enquanto que as mulheres apresentaram grande aumento nos sentimentos de ansiedade, ilustrando tanto as diferenças de gênero e
o fato de que as diferentes manifestações de ansiedade, frequentemente não
correspondem.
E. Ansiedade e Situação
Situação de performance é uma ampla fonte de ansiedade na performance musical. Lehmann (2007) afirma que o elemento mais significante de
uma situação de performance é a presença da plateia. A intimidação representada por rostos anônimos em uma sala de concertos pode ser igualada à
de uma plateia menor, porém com ouvintes mais experientes (Lehmann et
al. 2007). Segundo Valentine (2004), um número de estudos têm demonstrado o efeito da situação como gerador de ansiedade na performance musical. Leblanc (1997) encontrou ansiedade em auto-relatos de músicos de
banda do ensino médio que aumentaram significativamente em três distintas situações de performance: executar um solo isoladamente em uma sala de
estudo; em uma sala de estudo com o pesquisador presente e com quatro
pesquisadores e músicos presentes (Leblanc 1997 apud Valentine 2004,
172-73).
Brotons (1994), ao pesquisar a influência de uma situação avaliativa através da presença de um júri e sua influência na ansiedade de músicos,
concluiu que não foram relevantes a situação onde os executantes e os jurados estavam à vista um dos outros ou quando o executante estava atrás de
um biombo para que os executantes e os jurados não tivessem conhecimento um da identidade do outro (Brotons 1994 apud Valentine 2004, 173).
Outro estudo demonstrou a interação entre características de personalidade e situação (Cox & Kenardy 1993). Reafirmando as palavras de Wilson (1999), artistas com fobia social eram muito mais ansiosos do que à-
469
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
queles com não fobias sociais em ambiente solo, enquanto houve pouca
diferença entre eles em situações de grupo ou prática.
Finalmente, a ação individual ou coletiva dos fatores acima descritos
podem desencadear a ansiedade em músicos durante a preparação e na
performance musical.
II. Método
A. Descrição dos Participantes
Os participantes da pesquisa foram membros da Associação Brasileira
de Flautistas (ABRAF). Nesta pesquisa aplicou a técnica não probabilística
de amostra por conveniência. Os participantes foram contatados pela ABRAF por e-mail com a finalidade de obter um maior número possível de
flautistas de diferentes níveis de proficiência no instrumento. No total, 142
flautistas aceitaram participar da pesquisa, dos quais 77 homens e 65 mulheres. Questionados sobre seu nível individual de proficiência, os participantes
se declararam pertencentes aos seguintes níveis de proficiência: profissional
(n = 52), estudantes (n = 68) e amadores (n = 22).
470
Tabela 1. Média dos anos de idade e estudo.
A média de diferença de idade não foi significante entre amadores e
profissionais. Estudantes eram aproximadamente uma década mais jovem
que amadores e profissionais, com diferença de idade altamente significante
(p < 0.001). Diferenças entre os três grupos em relação à média de anos de
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
prática da flauta também foram significantes. O flautista mais jovem relatou
ter 13 anos de idade e o mais idoso, 77 anos de idade.
B. Materiais e Procedimentos
Baseado em Valentine (2002) e Wilson (2002), um questionário online foi desenvolvido tendo como finalidade estudar os três fatores que contribuem para a ansiedade na performance musical: a pessoa, a tarefa e a situação. Especificamente, oito das vinte questões foram apresentadas para abordar quatro áreas gerais [3]:
• Questões 1 a 4: sexo, idade, tempo de estudo de flauta, nível de proficiência;
• Questões 5 e 6: traço e estado de ansiedade;
• Questões 7 e 8: situação e nível de ansiedade.
Nas questões de 1 a 3 os participantes foram requisitados a especificar
o gênero, idade e número total de anos de estudo na flauta. A questão 4
ofereceu três opções de resposta para nível de proficiência (profissional,
estudante ou amador). As questões 5, 6 e 8 foram classificadas de acordo
com a série de cinco pontos da escala Likert [4]. Na questão 5, os participantes avaliaram a freqüência em que se sentem ansiosos no dia-a-dia (geralmente, as vezes, sempre, raramente, nunca). Na questão 6, os participantes foram questionados a relatar quão ansiosos se sentem ao tocar flauta em
público, da seguinte forma: nunca, raramente, às vezes, geralmente e sempre. A questão 7 reportou a situação de maior ansiedade (masterclass, recital,
concurso) e a questão 8 requereu aos participantes classificar o nível de
ansiedade na situação (muito alta, alta, moderada, baixa e muito baixa) que
consideram mais estressante para a performance (masterclass, recital ou concurso). Os dados analisados por meio do questionário on-line foram analisados estatisticamente.
471
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
III – Resultados
A. Traço e Estado de Ansiedade
A diferença entre a média dos níveis de traço e estado de ansiedade foi
altamente significante (∆ = 0.648, p < 0.001), o que sugere que flautistas
reportaram maiores níveis de ansiedade durante a performance pública em
frente à uma plateia do que no dia-a-dia. Esta foi a premissa principal deste
trabalho. As próximas seções comparam quais efeitos podem ser relatados a
este aumento no traço e estado de ansiedade.
B. Gênero
472
As diferenças das médias estatísticas em traço de ansiedade relatadas
entre homens e mulheres foram altamente significantes (∆ = 0.703, padrão
de erro = 0.212, p < 0.001). Todavia, as diferenças das médias no estado de
ansiedade não foram significantes. Estes resultados refletem a literatura
previamente discutida em que mulheres relatam maior nível de ansiedade
no dia a dia. Contudo, mulheres não apresentam diferenças significativas no
traço de ansiedade em comparação aos homens. Estes resultados sugerem
que flautistas do sexo masculino podem sofrer mais de ansiedade na performance musical que mulheres ou que os dados fornecidos pelos participantes
foram super-estimados. Diferenças entre traço e estado de ansiedade dentro
dos dois grupos de gênero, demonstram que homens apresentam um aumento maior de nível de ansiedade relatada (∆ = 0.852) que as mulheres (∆
= 0.355).
C. Nível de Proficiência
A pesquisa sistematicamente revela que flautistas profissionais relatam
um significante menor estado de ansiedade que estudantes e amadores.
Este resultado é apoiado pela evidência que as diferenças no traço de ansie-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
dade entre estes três grupos não é significante. Todavia não é possível inferir
se os flautistas profissionais minimizaram ou se estudantes e amadores exageraram em seus relatos sobre seu estado de ansiedade. Além disso, variadas
pesquisas não suportam resultados significativos (p = 0.070) no nível significante adotado nesta pesquisa (a = 0.050) e o resultado pode mudar com
maior número de participantes.
Tabela 2. - Média nível do traço e estado de ansiedade.
D. Situação de Performance Mais Estressante
Os três grupos de flautistas de acordo com sua situação de performance
mais estressante não apresentou diferença significante no estado de ansiedade quando comparados em nenhum dos contextos da análise multivariada (considerando todos os efeitos), nem como efeito isolado (análise univariada).
IV. Conclusão
Resultados sugerem que flautistas do sexo masculino exibiram maior
incidência de ansiedade na performance musical. Flautistas profissionais
tendem a lidar melhor com a ansiedade na performance musical, fato comprovado nas pesquisas anteriores. A situação de performance mais estressante não se relacionou com a APM entre os 142 flautistas. Trabalho futuro
inclui a aplicação deste questionário em diferentes grupos de instrumentistas (pianistas, violinistas, violonistas e cantores), a fim de comparar diferen-
473
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
ças em outros níveis de ansiedade em situações de performance mais estressantes, bem como as abordagens de tratamento preferenciais e a prática
deliberada como estratégia para lidar com a ansiedade na performance musical em relação aos flautistas.
Notas
[1] A prática solitária pode ser compreendida como estudo individual deliberado.
[2] Segundo Kenny (2003), traço e estado de ansiedade foram os fatores mais frequentemente mencionados na etiologia de todas as formas de ansiedade na performance (Humar
1999; King, Mietz, Tinney, & Ollendick 1995; Little 1999) (Kenny et al 2003, 759).
[3] Este artigo relata as questões de 1 a 8. Trabalho futuro está planejado para abordar as
questões de 9 à 20 que se centram nos sintomas de ansiedade (cognitivo, comportamental,
emocional e fisiológico) e abordagens de tratamento (psicoterapia, farmacoterapia, técnica
de Alexander, biofeedback, exercícios físicos e álcool), bem como os fatores musicais e
prática deliberada foram considerados como possíveis estratégias de enfrentamento para a
ansiedade na performance musical.
[4] A escala Likert ou escala de Likert é um tipo de escala de resposta psicométrica usada
habitualmente em questionários, e é a escala mais usada em pesquisas de opinião. Ao
responderem a um questionário baseado nesta escala, os perguntados especificam seu nível
de concordância com uma afirmação.
Referências Bibliográficas
Abel, J. L., & Larkin, K. T. (1990). Anticipation of performance among musicians: physiological arousal, confidence, and state anxiety. Psychology
of Music, 18, 171-182.
474
Brotons, M. (1994). Effect of performing conditions on music performance
anxiety, and performance quality. Jornal of Music Therapy, 31, 63-81.
Cox, W. J., & Kenardy. J. (1993). Performance anxiety, social phobia, and
setting effects in instrumental music students. Journal of Anxiety Disorders, 7, 49-60.
Kemp, A. E. (1996). The musical temperament: Psychology and Personality of
Musicians. New York: Oxford University Press, 108-120.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Kenny, Diana T. (2011). The Psychology of Music Performance Anxiety,
15-82. New York; Oxford University Press.
Kenny, D. T., Davis, P., & Oates, J. (2003). Music performance anxiety and
occupational stress amongst opera chorus artists and their relationship
with state and trait anxiety and perfectionism. Journal of Anxiety Disorders, 18, 757-77.
Kinrys, G., & Wygant, L. (2005). Transtornos de ansiedade em mulheres:
gênero influencia o tratamento? Revista Brasileira de Psiquiatria, 27(supl
II), S43-50.
Lazarus, R. S. (1991). Emotion and adaptation. London: Oxford University
Press.
Leblanc, A., Jin, Y. C., Obert, M., & Siivola, C. (1997). Effect of audience on
music performance anxiety. Journal of Research in Music Education, 45,
480-486.
Lehmann, A. C., Sloboda, J. A., & Woody, R. H. (2007). Managing Performance Anxiety. Psychology for musicians: understanding and acquiring the
skills. 145-162. New York: Oxford University Press.
Lin, P., Chang, J., Zemon, V., & Midlarsky, E. (2008). Silent Illumination: a
study on Chan (Zen) meditation, anxiety, and musical performance
quality. Psychology of Music, 36, 139-155.
Spielberger, C. D. (1983). Manual for the State-Trait Anxiety Inventory (Form
Y). Palo Alto, CA: Consulting Psychologists Press.
Steptoe, Andrew. (2004). Negative Emotions in Music Making: The Problem of Performance Anxiety. In P. N. Juslin, J. A. Sloboda (Ed.), Music
Emotion (291-307). New York: Oxford University Press.
Tovilovic, S., Novovic, Z., Mihic, L., & Jovanovic, V. (2009). The role of trait
anxiety in induction of state anxiety. Psihologija, 42 (4), 491-504.
475
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Valentine, E. (2004). The fear of performance. In J. Rink (Ed.), Musical
Performance: A Guide to Understanding (168-182) Cambridge: Cambridge University Press.
Williamon, Aaron. (2004). A guide to enhancing musical performance. In:
A. Williamon (Ed). Musical Excellence – Strategies and techniques to enhance performance (3-18) New York: Oxford University Press.
Wilson, Glenn D. (1999). Performance anxiety. In D. Hargreaves, A. C.
North (Ed), The Social Psychology of Music. 229-245. Oxford: Oxford
University Press.
Wilson, G.D., Roland, D. (2002). Performance Anxiety. In R. Parncutt &
G.E. McPherson (Ed.), The Science and Psychology of Music Performance:
Creative Strategies for Teaching and Learning. Oxford: Oxford University
Press.
476
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Expertise e motivação
na performance musical
Anderson César Alves
[email protected]
Universidade de Brasília - UnB
Ricardo Dourado Freire
[email protected]
Universidade de Brasília - UnB
Resumo: Neste artigo, será apresentado o conceito de expertise, o desenvolvimento das gerações de teorias sobre expertise, fundamentado a partir
de pesquisas na psicologia cognitiva, e a aplicação da expertise no contexto
musical. Serão também discutidos os conceitos fundamentais relacionados ao desenvolvimento da expertise musical como: motivação para o estudo, motivação intrínseca e extrínseca e motivação parental. A partir dos
referenciais teóricos de Frensch e Sternberg (1989), Ericsson (1993),
Newell e Simon (1972), Newell, Shaw, & Simon (1958), Chase e Simon
(1973) e Galvão (2001), será discutido os conceitos e o desenvolvimento
da expertise na performance musical. Atualmente, o estudo sobre expertise é
centrado em mecanismos e processos de aquisição e refinamento de habilidades e aprendizado, e o foco central da pesquisa em expertise é entender
como um indivíduo atinge a excelência na performance musical.
Palavras-chave: expertise, expertise musical, motivação
Expertise and motivation in Music Performance
Abstract: This article presents the concept of expertise and the theories of
expertise related to music cognition. The discussion includes aspects of
musical expertise such as: motivation for practice, intrinsic motivation, extrinsic motivation and parental motivation. The theoretical framework is
based on Frensch and Sternberg (1989), Ericsson (1993), Newell and
Simon (1972), Newell, Shaw, & Simon (1958), Chase and Simon (1973),
and Galvão (2001). Nowadays, the research in expertise aims to investigate the mechanisms of learning and the process of acquisition and refinement of abilities. The focus of the research is to understand how individuals can achieve excellence in musical performance.
Keywords: expertise, musical expertise, motivation
477
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Os pesquisadores Frensch e Sternberg (1989) definiram expertise como a “capacidade, adquirida pela prática, de desempenhar qualitativamente
bem uma tarefa particular de um domínio”. Expertise é relacionada a processos de acúmulo de conhecimento e de mecanismos para monitorar os processos cognitivos, como forma de desempenhar um conjunto de tarefas de
forma eficiente, sendo um processo desenvolvido a longo prazo, resultado
de experiências e práticas extensivas (Feltovich, Prietula, & Ericsson, 2006).
Experts possuem habilidades para reestruturar, reorganizar e refinar as representações do conhecimento, muitos conhecem mecanismos necessários
para utilizar habilidades em seus ambientes de trabalho (Ericsson & Lehman, 1996).
Ericsson e Kintsch (1995) apontam que o fator essencial para o desenvolvimento da expertise em diferentes domínios dá-se por meio do acúmulo
e do aumento dos padrões complexos na memória e que o conhecimento
do expert pode ser evocado rapidamente na memória de longo prazo. O
domínio do conhecimento adquirido tem sido a explicação mais relevante
para entender as performances experts. O conhecimento expert é representado em um formato elaborado que permite o acesso rápido a informações
relevantes e apoio flexível às tarefas de domínio específico (Boshizen &
Schimidt, 1992). O conhecimento musical compreende não somente o
conhecimento sobre peças musicais, mas também mecanismos cognitivos
de como representar e manipular o conhecimento relevante na memória.
478
Desenvolvimento dos estudos sobre expertise
No contexto da psicologia cognitiva, a pesquisa sobre expertise apresenta três gerações de teorias. A primeira foi influenciada pelos trabalhos iniciais de Newell, Shaw e Simon (1958). Essa teoria partia da hipótese que um
expert era alguém habilidoso para lidar com métodos heurísticos de forma
geral, ou seja, era capaz de reduzir as repostas de um problema de forma
criativa.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
A segunda geração teórica buscou estudar a resolução de problemas e
verificar os mecanismos que integram os processos de memória, atenção e
raciocínio. Nesse caso, o conhecimento procedimental se tornou fundamental para as pesquisas de Newell e Simon (1972). A segunda geração de
teoria tinha como base a arquitetura cognitiva dos sistemas de produção
serial, que foi uma nova regra incorporada às regras de resolução de problemas (Newell, 1973).
A terceira geração apresentou o conexionismo simbólico como forma
de pensar a expertise. Os modelos conexionistas funcionam como meio de
processar a informação e são interconectados a uma rede neural. A luz da
perspectiva conexionista, os experts possuem habilidades de encontrar a
melhor solução para um problema sem a necessidade de realizar uma pesquisa de ordem serial (Vicente & Groot, 1990). Os princípios conexionistas
fornecem mecanismos para implementar o conteúdo endereçável no sistema de recuperação da memória (Hinton & Anderson, 1981).
Os pesquisadores Salomon e Perkins (1989) apontaram a importância
de pensar sobre a expertise a partir dois tipos de experts. O primeiro é o expert
de rotina, que é o indivíduo capaz de resolver tipos de problemas rotineiros
com rapidez e precisão, porém, nesse caso, existem limitações na capacidade de lidar com novos problemas. A segunda definição é relacionada ao
expert adaptativo, que é o indivíduo capaz de criar procedimentos que provêm de seu conhecimento expert. A expertise adaptativa é desenvolvida por
meio de um entendimento conceitual profundo de um domínio específico.
Na área de música, podem ser considerados experts os músicos que apresentam um desempenho excepcional, muitas vezes designados como
virtuoses instrumentais. Solistas de projeção internacional são aceitos como
experts nas áreas de piano, violino, violoncelo e canto. No caso de instrumentos que não possuem um repertório solista tão variado, as posições de
solistas orquestrais são as funções que apresentam o maior grau de respeito
e valorização, como os experts instrumentais de viola, contrabaixo, flauta,
clarineta, oboé, fagote, trompa, trompete, trombone, tuba e percussão.
479
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
De acordo com a pesquisa do Ericsson et al (1993), são necessárias, pelo menos, 10 mil horas de prática deliberada para que um indivíduo possa
atingir o nível de performance expert. Uma das características principais da
expertise musical é a habilidade de reter e refinar as representações mentais,
como forma de monitorar e ter controle sobre a performance. Essas habilidades permitem ao músico ter acesso simultâneo aos resultados da performance e, consequentemente, descrever sobre as sequências mediadoras de
pensamento (Ericsson, 1991).
O conhecimento musical expert é resultado da prática deliberada individual de longo prazo. Dessa forma, a prática não se relaciona somente à
aquisição da expertise, é também relacionada à manutenção da expertise por
longos períodos (Ericsson & Smith, 1991; Ericsson et al, 1993; Ericson,
2003; Sloboda et al, 1996). Esses autores relatam que o estudo da prática
deliberada tende ser maçante e desestimulante pela demanda dos esforços
exigidos. Com isso, faz-se necessário desenvolver estruturas motivacionais
como forma de sustentar o foco na prática deliberada, mantendo, assim, o
nível de performance expert por longo prazo (Gomes, 2008).
Motivação e expertise
480
A motivação é um processo psicológico fundamental para o aprendizado e que auxilia na aquisição de comportamento que proverá melhor
forma do indivíduo usar todo seu potencial e realizar seus objetivos pessoais
(McPherson & O`Neill, 2002). O construto psicológico motivação pode
influenciar tanto na qualidade do aprendizado quanto nos resultados desse
aprendizado (Hurley, 1993). Motivação pode ser considerada como um
elemento necessário para a realização de uma tarefa e para atingir a excelência, sem necessidade de recompensas externas (Ormrod, 2004).
Hidi e Harackiewicz (2000) apresentam a hipótese de que criar elementos para o estudante ter mais controle sobre seu aprendizado é um
importante mecanismo para aumentar e desenvolver o interesse situacional
em interesse constante de longo prazo. McPherson e Renwick (2000) pes-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
quisou 133 estudantes de música com idade entre 7 e 9 anos. Os resultados
mostraram que o desenvolvimento musical é influenciado pelos valores e
expectativas individuais, e que o resultado do aprendizado musical das crianças é diretamente relacionado à vontade do aluno em tocar um instrumento musical. Assim, a melhora efetiva desse aprendizado musical é relacionado à vontade individual, independente da quantidade de horas praticadas.
Stipek (1996) aponta que tarefas desafiadoras podem estimular a motivação intrínseca, porém, há a necessidade de que as avaliações externas
sejam minimizadas, pois quanto maior forem essas avaliações, menor será o
controle e o desenvolvimento da percepção do aluno. O efeito das avaliações externas depende do tipo de critério usado para julgar a performance.
Stipek (1996) expõe dois critérios comparativos para julgar a performance.
O primeiro tem como base a comparação de referência, que ocorre por
meio da comparação da performance do aluno com um referencial estabelecido. O segundo é o critério normativo, que se baseia na comparação da
performance com as regras estabelecidas; no critério de comparação normativo, há a tendência de diminuir o nível de motivação do aluno.
Ao considerar que a expertise musical é alcançada após dez anos de prática deliberada, a motivação pode ser considerada fundamental para manter
o foco nesse estudo de longo prazo. A motivação é elemento chave para
sustentar os esforços que a prática deliberada exige.
A motivação intrínseca e extrínseca são termos relacionados à natureza
interna e externa de um indivíduo. A motivação intrínseca é derivada de
tarefas ou experiências individuais, e a motivação extrínseca é resultante de
forças externas ao indivíduo (Ormrod, 2004). Motivação intrínseca se refere à motivação que pode ser desencadeada pelo prazer pessoal, que contrasta com a motivação extrínseca, que pode ser manipulada por reforços de
contingência, ou seja, pelo desejo de recompensas externas ou como forma
para evitar alguma punição (Guay et al, 2010). Preparar uma peça musical
com a finalidade de crescimento profissional pode ser considerado como
motivação intrínseca, enquanto preparar uma peça musical para uma audi-
481
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
ção ou aprovação em um concurso é considerada como motivação extrínseca.
Deci e Ryan (1985) apresentam que a motivação intrínseca é sustentada pela autodeterminação e mantida por meio de desafios. Aponta-se que
a motivação intrínseca pode se apoiar na satisfação espontânea, que é inerente no efeito de “ação volitiva” (a ação necessária para executar a tarefa).
Nessa mesma pesquisa, considera-se que a motivação intrínseca, se comparada à motivação extrínseca, produz melhores resultados de aprendizado.
Porém, pesquisa de Hidi e Harackiewicz (2000) contesta a afirmação de
que recompensas externas prejudicam a motivação intrínseca e a relação
entre motivação intrínseca versus motivação extrínseca depende do envolvimento e da complexidade da tarefa; logo, a combinação entre motivação
intrínseca e extrínseca pode trazer melhoras efetivas à performance. A motivação intrínseca pode ser considerada como um elemento importante para
sustentar a prática por longo prazo (Hallam, 2002).
482
Recompensas usadas como forma de controlar o comportamento tendem diminuir o nível de autodeterminação de um indivíduo (Decci et al,
1999). O autor aponta que os professores podem utilizar recompensas em
certas ocasiões sem que haja danos, embora deva ser utilizada com precaução para que a boa performance do aluno não seja atrelada à recompensas
externas. A motivação extrínseca é movida por meio de recompensas externas, porém, se a tarefa for extremamente desafiadora, é possível que a motivação extrínseca se transforme em intrínseca, pois, dessa forma, o indivíduo
pode ter a chance de mostrar suas capacidades. Tarefas intrinsicamente
motivadoras dividem certas estruturas e características emocionais (Csikzentmihalyi, 1990). A combinação entre nível de desafio versus nível das
habilidades pessoais é um fator que pode ajudar na melhora efetiva da performance musical.
O desenvolvimento do aprendizado musical é um processo que demanda investimentos financeiros e investimento de tempo, e o apoio familiar é um elemento fundamental para o desenvolvimento da atividade musical (Howe et al, 1996). Na mesma linha de pesquisa Olszewski et al (1987)
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
apoia a ideia de que os pais desempenham um papel fundamental no direcionamento de seus filhos na escolha de certas atividades.
Pesquisa de Howe, Davidson, Moore e Sloboda (1996) entrevistou
250 pais de crianças envolvidas no estudo de um instrumento musical, e os
resultados dessa pesquisa apontam que o envolvimento dos pais no treinamento musical dos filhos era uma condição fundamental para o comprometimento das crianças com a prática musical. Dessa forma, os pais desempenham um importante papel na iniciação e na sustentação do treinamento
musical das crianças pelo período necessário para desenvolvimento musical.
Pesquisa de Howe et al (1996) aponta que os pais de crianças bem sucedidas nos estudos musicais eram totalmente envolvidos com os estudos
de seus filhos e expõe uma tendência natural, que se refere ao maior envolvimento dos pais no processo musical, durante o período das aulas de música de seus filhos. Porém, pesquisa de Kemp (1996) aborda uma preocupação com o fato dos pais usarem as habilidades das crianças, como forma de
satisfação pessoal, e aponta que a pressão externa é prejudicial ao desenvolvimento de habilidades musicais, e pode, no futuro, gerar desistência dessa
criança pelos estudos musicais.
O apoio parental enfatiza valores motivacionais intrínsecos, enquanto
o apoio extrínseco tende a diminuir a motivação intrínseca da criança. Tanto a motivação intrínseca quanto a motivação extrínseca são necessárias
para sustentar o processo de aprendizado por períodos prolongados, sendo
o apoio parental um importante aspecto para o sucesso do aprendizado da
criança (Gottfried & Fleming, 2001). Esse apoio desempenha uma função
motivacional, que é importante para persistência e envolvimento da criança
na realização de tarefas complexas (Olszewski et al, 1987).
483
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Conclusão
A psicologia cognitiva define expertise como a prática de desempenhar
uma tarefa de forma qualitativa, relacionada ao acúmulo de conhecimento
derivado de práticas elaboradas e extensivas. Um indivíduo expert pode ser
definido como alguém que apresenta um alto nível em suas performances
musicais. A aquisição e o refinamento do conhecimento expert demanda
tempo, e essa hipótese é apoiada nas pesquisas de Ericsson, de que é necessário 10 mil horas de prática deliberada para se atingir a performance expert.
Atualmente, a pesquisa sobre expertise não se limita somente à resolução de problemas. A abordagem dos estudos sobre expertise concentra-se
nos processos cognitivos relacionados à aquisição do aprendizado e aos
mecanismos para monitorar e controlar a estruturação desse conhecimento. Hoje as pesquisas sobre expertise trabalham com os processos de aquisição de conhecimento, com os processos cognitivos envolvidos na aquisição
e mantêm foco central em entender como é desenvolvida a expertise na
performance musical.
O construto psicológico motivação pode ser importante para sustentar
os esforços que a prática musical exige. Essa motivação pode ser desenvolvida por mecanismos internos ou intrínsecos ao indivíduo, ou por mecanismos externos ou extrínsecos ao indivíduo. A motivação parental é um
importante aspecto para o início, ajudando no desenvolvimento e na sustentação da prática musical das crianças. Pode-se observar que não existe
expertise sem uma combinação de fatores de motivação intrínseca e extrínseca na formação de um músico de alto nível.
484
Referências
Boshuizen, H. P. A., & Schimidt, H. G. (1992). On the role of biomedical
knowledge in clinical reasoning by experts, intermediates and novices.
Cognitive Science, 16, 153-184.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Csikszentmihalyi, M. (1990). Literacy and intrinsic motivation. Daedalus,
119, 115-140.
Chase, W. G., Simonm H. A. (1973). Perception in chess. Cognitive Psychology, 4, 55-81.
Deci, E. L., Ryan, R. M. (1985). Intrinsic Motivation and Self Determination in
human behavior. New York: Plenum Press.
Deci, E. L., Koestner, R., & Ryan, R. M. (1999). A meta-analytic review of
experiments examining the effects of extrinsic rewards on intrinsic motivation. Psychological Bulletin, 125(6), 627–668.
Ericsson, K. A., Krampe, R. T., & Tesch-Römer, C. (1993). The role of deliberate practice in the acquisition of expert performance. Psychological
Review, 100 (3), 363–406.
Ericsson, K. Anders; Kintsch, Walter. Long-term working memory.
Psychological Review, 102(2), Apr 1995, 211-245.
Ericsson, K. A., & Smith, J. (Eds.). (1991). Toward a general theory of expertise. Prospects and limits. Cambridge, MA: Cambridge University
Press.
Ericsson, K. A.; Krampe, Ralf T.; Tesch-Römer, Clemens. (1993). The role
of deliberate practice in the acquisition of expert performance. Psychological Review, 100(3), Jul, 363-406.
Ericsson, K. A., & Lehmann, A. C. (1996). Expert and exceptional performance: Evidence of maximal adaptation to task. Annual Review of
Psychology, 47, 273-305.
Ericsson, K. A. (1996). The Acquisition of Expert Performance in the Artes and
Sciences, Sports and Games. Mahwah, New Jersey: Lawrence Erlbaum
Associates.
Feltovich, P. J., Prietula, M. J. & Ericsson, K. A. (2006). Studies of Expertise
from Psychological Perspectives. In Anders Ericsson, N. Charness, P. J.
485
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Feltovich e R. R. Hoffman (Eds.), The Cambridge Handbook of Expertise
and Expert Performance. Cambridge: Cambridge University Press.
Frensch, P. A., & Sternberg, R. J. (1989). Expertise and intelligent thinking:
when is it worse to know better? In R. J. Sternberg (Ed.) Advances in the
psychology of human intelligence. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, v. 5, p. 157-188.
Galvão, A. C. T. (2001). Teoria das significações: consequências para a
psicologia social. Anais do XI Encontro da Associação Brasileira de Psicologia Social, v.1. p. 25 - 25, Florianópolis, SC.
Gottfried, A. E., Fleming, J. S.; Gottfried, A. W. (2001). Continuity of
academic intrinsic motivation from childhood through late
adolescence: A longitudinal study. Journal of Educational Psychology,
93(1), Mar 2001, 3-13.
Guay, F., Chanal, J., Ratelle, C. F., Marsh, H. W., Larose, S., & Boivin, M.
(2010). Intrinsic, identified, and controlled types of motivation for
school subjects in young elementary school children. British Journal of
Educational Psychology, 80(4), 711-735.
Hallam, S. (2002). Musical Motivation: Towards a Model Synthesising the
Research. Music. Education Research, 4(2), 225-244.
Hidi, S., & Harackiewicz, J. M. (2000). Motivating the academically unmotivated: A critical issue for the 21st century. Review of Educational Research, 70(2), 151–179.
486
Hinton, G. E., Anderson, J. A. (1984). Parallel models of associative memory,
Hillsdales Erlbaum.
Howe, M. J. A; Davidson, J. W., Moore, D. G., & Sloboda, J. A. (1996), The
role of parental influences in the development of musical performance.
British Journal of Developmental Psychology, 14: 399–412. doi:
10.1111/j.2044-835X.1996.tb00714.x
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Hurley, C. G. (1993). Cognitive achievement motivation research and
young musicians: A review of the literature. Dialogue in Instrumental
Music Education, 17, 17-31.
Kemp, A. (1996) The musical temperament: Psychology and Personality of
Musicians. Oxford University Press, Oxford.
McPherson, G. E., Renwick, J. M. (2001). A longitudinal study of selfregulation in children's musical practice. Music Education Research,
Taylor & Francis.
Newell, Allen; Shaw, J. C.; Simon, Herbert A. (1958) Elements of a theory
of human problem solving. Psychological Review, 65(3), May 1958,
151-166.
Newell, A. e Simon, H.A. (1972). Human problem solving. Englewood Cliffs,
N.J.: Prentice Hall.
Newell, A. (1973). Production Systems: Models of Control Structures. In .
W. Chase (Ed.), Visual Information Processing, 463–526. San Diego,
Calif.: Academic.
Ormrod, J. (2004). Human Learning. Merrill Prentice Hall. Upper Saddle
River: Ed. Columbus.
Olszewski, P., Kulieke, M. & Buescher, T. (1987). The influence on the
family environment on the development of talent: A literature review.
Journal for the Education of the Gifted, 11 (1), 6-28.
Salomon, G. B; Perkins, D. N. (1989). Rocky roads to transfer: Rethinking
mechanisms of a neglected phenomenon. Educational Psychologist, 24,
113-142.
Schraw, G., & Moshman, D. (1995). Metacognitive theories. Educational
Psychology Review, 7, 351-371.
Stipek, D. J. (1996). Motivation and instruction. In D. C. Berliner & R. C.
Calfee (Eds.), Handbook of Educational Psychology (pp. 85–113). New
York: Macmillan.
487
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Simon, H. A., & Newell: A (1958). Heuristic problem solving: The next
advance in operations research. Operations Research, 6 (JanuaryFebruary):l-10.
Sloboda, J. A. et al (1996). The role of practice in the development of expert
musical performance. Br. J. Psychol. 87, 287–309.
Vicente, Kim J.; de Groot, Adriaan D. (1990). The memory recall
paradigm: Straightening out the historical record. American Psychologist, 45(2), Feb, 285-287.
488
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
A comunicação emocional
entre intérprete e ouvinte no
repertório brasileiro para
trombone e trompete
Danilo Ramos
[email protected]
Universidade Federal do Paraná - UFPR
Juliano Carpen Schultz
[email protected]
Universidade Federal do Paraná - UFPR
Resumo: O propósito desta pesquisa foi avaliar os processos psicológicos
que regem a comunicação das emoções em performances musicais de peças do repertório brasileiro executadas por trombonistas e trompetistas. A
pesquisa foi dividida em quatro etapas: (a) gravação de trechos musicais
de trombonistas e trompetistas em que eles acreditem desencadear as emoções Alegria, Tristeza, Serenidade e Raiva a seus ouvintes; (b) descrição do código acústico empregado pelos instrumentistas em cada trecho
musical; (c) exposição do material gravado a ouvintes músicos; (d) compilação de respostas emocionais dos ouvintes sobre cada trecho musical
apresentado, feitas por meio de escalas de diferencial semântico (alcance
1-9), referente às emoções acima mencionadas. Os resultados indicaram
um grau de acurácia semelhante na comunicação emocional entre intérprete e ouvinte para a emoção Alegria para ambos os grupos. Esta acurácia
não foi encontrada para as emoções Raiva, Serenidade e Tristeza: uma análise de variância mostrou que as respostas emocionais para os trechos
cuja intenção era comunicar a emoção Raiva foram distintas entre trombonistas e trompetistas. O mesmo teste mostrou confusão na acurácia da
comunicação emocional dos trechos cuja intenção era comunicar Serenidade e Tristeza, especialmente nos trechos executados pelos trombonistas. Os resultados desta pesquisa foram discutidos à luz do Brunswikian
Lens Model.
Palavras-chave: Comunicação emocional; música brasileira; trombone;
trompete.
489
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
The Emotional communication in Brazilian repertoire for trombone
and trumpet
Abstract: The purpose of this research was evaluating psychological processes involved in emotional communication through musical performances in pieces from Brazilian repertoire performed by trumpet and
trombone players. The research was divided into four stages; (a) recording of musical excerpts performed by trombonists and trumpeters that
they believed to trigger Happiness, Angry, Sadness and Serenity to their
listeners; (b) description of the acoustic code employed by performers in
each musical excerpt; (c) exposure of the recorded material to musicians
listeners; (d) compilation of emotional responses from listeners to each
musical excerpt presented, done through semantic differential scales
(range 1-9), referring to the emotions above. Results indicated a similar
accuracy degree in emotional communication between performer and listener referring to the emotion Happiness for both groups. This accuracy
was not similar to Anger, Serenity and Sadness: an analysis of variance
showed that emotional responses from excerpts whose intention was to
communicate Anger were different between trombonists and trumpeters.
The same analysis showed confusion in the accuracy of emotional communication for excerpts whose intention was to communicate Sadness
and Serenity, especially in excerpts performed by trombonists. Results
were discussed in the lights of Brunswikian Lens Model.
Keywords: Emotional communication; Brazilian music, trombone,
trumpet.
1. Introdução
490
Juslin e Persson (2002) definem comunicação emocional em situações às quais o performer possui a intenção de comunicar uma emoção específica ao ouvinte. A concordância entre a emoção pretendida pelo performer e a emoção percebida pelo ouvinte durante uma escuta musical é definida como acurácia da comunicação emocional (Juslin, 2001). Assim, uma
comunicação acurada ocorre quando a intenção emocional expressa pelo
performer é compreendida pelo ouvinte. Por esse motivo, a expressão e o
reconhecimento da emoção devem ser sempre estudados de maneira integrada (Juslin & Persson, 2002). O Brunswikian Lens model, adaptado por
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Juslin (1995) é um modelo científico desenvolvido para tentar explicar os
processos mentais envolvidos na comunicação das emoções musicais. Os
performers expressam emoções específicas por meio de pistas acústicas (por
exemplo, andamento, nível sonoro, timbre,
re, articulação, entre outras). As
emoções musicais supostamente são reconhecidas por ouvintes que usam o
mesmo código para o julgamento sobre a intenção emocional do intérprete
durante suas performances musicais. Estes processos foram estudados tot
mando-se como base o repertório musical erudito europeu ocidental (Jus(Ju
lin, 2001).
Figura 1:: Pistas acústicas encontradas por Juslin (2001) na comunicação de emoções no repertório
musical erudito ocidental.
491
A intenção emocional expressa pelo performer somada às intenções originais do compositor representam a expressão emocional de todo o conco
teúdo da performance.. O conteúdo destas intenções pode ser mensurado
por meio do cálculo preciso do conjunto de pistas acústicas (pedaços de
informação) que são usadas por compositores e performers durante a execuexec
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
ção musical (Juslin & Persson, 2002). Entretanto, segundo Juslin e Persson
(2002), as pistas acústicas acima descritas dependem do instrumento utilizado em tarefas de comunicação emocional (Juslin & Persson, 2002), uma
vez que cada instrumento possui ergonomia distinta, cujos gestos podem
contribuir para a comunicação de diferentes emoções. O trombone e o
trompete são instrumentos da família dos metais. Estes instrumentos têm
sido frequentemente empregados em bandas marciais, na improvisação
jazzística e em contextos musicais populares brasileiros (Tinhorão, 1998),
diferentemente de outros instrumentos musicais ligados a contextos musicais eruditos europeus. O objetivo deste estudo, portanto, é avaliar os processos psicológicos que regem a comunicação das emoções em performances musicais de peças do repertório brasileiro executadas por trombonistas
e trompetistas.
2. Método Experimento I
Participantes: 12 participantes (6 trombonistas e 6 trompetistas) com
idades entre 27 e 38 anos (média=31,5), com pelo menos 10 anos de experiência em estudos sistematizados destes instrumentos.
492
Material: o experimento foi realizado em uma sala isolada acusticamente, com tratamento acústico interno. À frente do músico havia um pedestal com um microfone da marca Behringer, modelo B-2 Pro, a interface
de áudio usada era da marca M-Audio, modelo Fast Track Pro, que estava na
sala técnica. Sobre uma mesa, havia quatro envelopes que continham o
nome das emoções a serem representadas. A interface estava conectada ao
notebook Macbook White. O software utilizado foi o Logic Pro 9.
Procedimento: os participantes foram contatados com quatro semanas
de antecedência e informados sobre as tarefas que deveriam executar no dia
do experimento. Os participantes foram agendados individualmente, no dia
e horário que melhor lhes conviesse. A cada participante era pedido que
sorteasse uma emoção (por meio dos cartões dentro dos envelopes) e exe-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
cutasse a música que ele acreditasse desencadear tal emoção a seus ouvinouvi
tes, procedendo da mesma forma com as outras emoções.
Análise de dados: um júri composto por três juízes (um trompetista,
trompetis
um trombonista e um pesquisador da área Cognição Musical) ouviu 40
trechos selecionados das gravações e analisou sintaticamente cada trecho,
descrevendo as pistas acústicas relacionadas à estrutura
trutura musical de cada
trecho.
2.1 Resultados Experimento I
A Figura 2 indica as pistas acústicas utilizadas nas performances dos
trompetistas e trombonistas participantes do estudo:
493
Figura 2: Resumo da análise sintática dos juízes sobre os trechos musicais executados pelos trombonistas e
trompetistas
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
2.2 Discussão Experimento I
Os resultados do presente estudo mostraram diferenças entre o código
acústico descrito no Brunswikian Lens Model e o código acústico baseado
nos trechos musicais dos trombonistas e trompetistas para as músicas brasileiras. Assim, novas pistas acústicas associadas à estruturas musicais relacionadas à música brasileira foram contempladas ao código acústico original
descritas no modelo. Conforme a Figura 2, para a emoção Alegria, o modo e
o andamento empregado foram semelhantes entre os dois grupos de instrumentos e, as diferenças aconteceram com pistas mais sutis. Segundo
Dalla Bella, Peretz, Rousseau e Gosselin (2001), estas são as duas pistas
mais preponderantes na comunicação das emoções musicais. Uma das
características mais marcantes nas performances dos trombonistas foi o uso
de ritmos tipicamente brasileiros. Neste sentido, a sincopa, presente em
diversos estilos musicais brasileiros são elementos que não estão presentes
no modelo apresentado por Juslin (2001).
Para expressar a emoção Raiva, os trombonistas utilizaram o atonalismo, o que não aconteceu com os trompetistas, que se mostraram indecisos
quanto à utilização dos modos. O andamento foi uma pista que não ficou
muito bem definida para ambos os instrumentistas. Porém, houve uma
tendência ao uso de andamento rápido, o que entra em concordância com
código acústico sugerido pelo Brunswikian Lens Modeli na comunicação
desta emoção.
494
Quanto à emoção Serenidade, o modo utilizado por trombonistas e
trompetistas diferiu para a comunicação desta emoção: enquanto os trombonistas usaram predominantemente o modo maior, somente metade dos
trompetistas empregaram este modo (a outra metade usou predominantemente modos menores). O uso das demais pistas foi semelhante para os
dois grupos de instrumentistas.
Para a emoção Tristeza, os grupos de instrumentistas utilizaram pistas
acústicas semelhantes entre si. Tais pistas entraram em concordância com o
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
código acústico sugerido pelo Brunswikian Lens Model, com exceção da
dinâmica a região de frequência, em que o modelo sugere usar uma dinâmica mais branda e uma região de frequência mais grave, o que não ocorreu no
presente estudo.
3. Método Experimento II
Participantes: 23 participantes músicos com média de idade de 21,8
anos, matriculados em cursos de graduação da cidade de Curitiba-PR.
Material: O software para a montagem, aplicação e registro dos dados
do experimento foi o E-prime. Foram utilizados 40 trechos gravados no
experimento I, com 20 segundos de duração cada um. Os computadores
usados para a coleta de dados foram da marca Lenovo. Os trechos foram
ouvidos por meio de fones de ouvido Philips modelo SHP 1900. O experimento contou com a participação de 4 a 6 participantes por sessão.
Procedimento: após assinarem o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, aprovado pelo Comitê de Ética da UFPR, os participantes
recebiam as instruções: “Vocês escutarão alguns trechos musicais e, após a escuta
de cada trecho, atribuirão notas de 1 (pouca emoção avaliada) a 9 (forte presença
da emoção avaliada) em relação às emoções que perceberem durante a escuta. Os
números entre 2 e 8 significavam nuances entre um extremo e outro da escala.
Todos os trechos musicais serão avaliados em quatro escalas emocionais, sendo
elas: Alegria, Raiva, Serenidade e Tristeza. Após o término da tarefa, vocês responderão um questionário complementar. Podemos começar?”. A ordem de apresentação das escalas emocionais e dos trechos musicais foi randomizada entre
os participantes, que levaram, em média, 25 minutos para o término do
experimento.
Análise de dados: O teste ANOVA foi empregado para comparar as
médias dos julgamentos emocionais dos trechos musicais seguindo o design
experimental 2 (instrumentos) x 4 (emoções). Um post-hoc Newman Keuls
fez uma análise pareada entre grupos.
495
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
3.1 Resultados experimento II
A Figura 3 indica as médias das respostas emocionais dos ouvintes em
relação aos trechos musicais gravados no Experimento I por trombonistas e
trompetistas para comunicarem emoções específicas.
Figura 3: Médias das respostas emocionais (alcance 1-9) dos ouvintes em relação aos trechos
musicais gravados no Experimento I por trombonistas e trompetistas para comunicarem emoções
específicas.
Após a aplicação do teste ANOVA, não foram encontradas diferenças
estatísticas entre respostas emocionais para os trechos gravados por trombonistas e trompetistas para a comunicação da emoção Alegria. Este resultado sugere uma alta acurácia na comunicação entre performer e ouvinte
referente a esta emoção, para ambos os instrumentos.
496
Após a aplicação do teste ANOVA, diferenças estatísticas foram encontradas entre respostas emocionais para os trechos gravados por trombonistas e trompetistas para a comunicação da emoção Raiva (F=6,705;
p=0,000208). Este resultado sugere que o grau de acurácia na comunicação
da emoção Raiva foi diferente entre trombonistas e trompetistas. Além
disso, o post-hoc Newmann Keuls não indicou diferenças entre as médias dos
julgamentos das emoções Alegria e Raiva para os trechos referentes a emo-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
ção Raiva executados ao trompete, indicando que os trompetistas tiveram
uma acurácia menor do que os trombonistas no processo de comunicação
emocional.
Para os trechos referentes à emoção Serenidade, o teste ANOVA não
indicou diferenças estatísticas entre as médias das respostas emocionais dos
ouvintes entre os trechos executados por trombonistas e trompetistas. O
post-hoc Newmann Keuls não apresentou diferenças entre as médias das
respostas emocionais das emoções Serenidade e Tristeza para os trechos
gravados no trombone com a intenção de comunicar Serenidade, indicando que os trombonistas comunicaram a emoção Serenidade de maneira
confusa (os trechos foram entendidos pelos ouvintes como sendo tristes).
O teste ANOVA não indicou interação entre instrumento e emoção
para os trechos referentes à emoção Tristeza. O post-hoc Newmann Keuls
não apresentou diferenças entre as médias das respostas emocionais das
emoções Tristeza e Serenidade para os trechos executados ao trombone
com a intenção de comunicar Tristeza, indicando que os trombonistas
comunicaram esta emoção de maneira confusa (os trechos foram entendidos pelos ouvintes como sendo serenos).
3.2 Discussão experimento II
De modo geral, ambos os instrumentos conseguiram comunicar a emoção Alegria aos seus ouvintes. Tal emoção apresentou os resultados mais
consistentes e homogêneos em comparação às outras emoções.
Os resultados referentes aos trechos representantes da emoção Raiva
indicaram que houve diferença entre os trombonistas e trompetistas no
processo de comunicação emocional: os trechos executados pelos trombonistas apresentaram scores mais altos que aqueles executados pelos trompetistas. Além disso, houve confusão por parte dos ouvintes entre a compreensão das emoções Raiva e Alegria nos trechos referentes à Raiva executa-
497
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
dos pelos trompetistas. Isso indica que a emoção Raiva foi comunicada de
maneira mais acurada pelos trombonistas.
Para os trechos em que os performers tinham a intenção de comunicar a
emoção Serenidade, os resultados indicaram que não houve diferença entre
os scores de trombonistas e de trompetistas, mas houve uma confusão por
parte dos ouvintes no que tange a compreensão dessa emoção. Os trompetistas foram mais eficazes no processo de comunicação da emoção Serenidade.
Os resultados referentes a emoção Tristeza indicaram que houve diferença entre as médias das respostas emocionais dos ouvintes entre os trechos executados no trombone e no trompete. Trechos executados no
trompete obtiveram scores maiores nas respostas emocionais do que os
trechos executados pelos trombonistas para tal emoção. Além disso, houve
confusão na compreensão dos ouvintes entre as emoções Tristeza e Serenidade, indicando que os trompetistas foram mais eficazes no processo de
comunicação emocional de Tristeza.
4. Conclusão
498
De modo geral, parece haver duas pistas acústicas que são fundamentais e determinantes no processo de comunicação emocional: o andamento
e o modo. As outras pistas, consideradas mais sutis, podem atenuar ou acentuar as emoções intencionadas pelos intérpretes na comunicação emocional com seus ouvintes. O uso de elementos não contemplados pelo código
acústico do Brunswikian Lens Model (ritmos brasileiros e a síncope) não
afetou o julgamento emocional dos ouvintes. Isso mostra que a música
brasileira pode contribuir para uma ampliação do modelo em que esta pesquisa foi baseada.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
5. Referências
Dalla Bella, S., Peretz, I., Rousseau, L. & Gosselin, N. (2001). A developmental study of the affective value of tempo and mode in music. Cognition, 80: B1-B10.
Juslin, P. N. & Lindström, E. (2011). Musical expression of emotions: modeling listeners’ judgments of composed and performed features. Music
Analysis, 29, 334-364.
Juslin, P. N. & Persson, R. S. (2002). Emotional communication. In:
Parncutt, R. & McPherson, G. E. (Eds.). The science and psychology of
music performance: strategies for teaching and learning (pp. 219-236).
New York: Oxford University Press.
Juslin, P. N. (2001). Communicating emotion in music performance: a
review and a theoretical framework. In P. N. Juslin & J. A. Sloboda
(Eds.). Music and emotion: theory and research. New York: Oxford University Press.
Tinhorão, J. R. (1998). História social da música popular brasileira. São Paulo:
Editora 34.
499
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Relação entre pontos de referência e
tipos de memória no processo de
memorização do Estudo nº 7 para violão
de Heitor Villa-Lobos
Nery Borges
[email protected]
Universidade Federal de Goiás - UFG
Werner Aguiar
[email protected]
Universidade Federal de Goiás - UFG
[email protected]
Resumo: Neste artigo, abordamos a relação entre os diferentes pontos de
referência e os tipos de memória empregados na memorização musical no
Estudo nº 7 de Heitor Villa-Lobos para violão solo. Após a análise da partitura e leitura da obra ao instrumento foram mapeados os pontos de referência pelos seguintes aspectos: estrutural, expressivo, interpretativo e básico.
Estes foram relacionados com as memórias analítica, visual, auditiva e sinestésica na medida em que mantém maior ou menor grau de afinidade.
Os pontos de referência foram determinados e classificados com base na
bibliografia apresentada no decorrer do texto e na auto observação do intérprete durante a preparação da obra para a performance pública. A relação com os tipos de memória foi feita buscando eleger o canal de percepção que desempenha maior influência na memorização dos determinados
pontos de referência.
Palavras-Chave: pontos de referência, canais de percepção musical, memorização do Estudo nº 7 de Villa-Lobos, tipos de memória
500
Relationship Between Reference Points and Types of Memory in the
Process of memorization Study No. 7 for Guitar by Heitor VillaLobos
Abstract: In this article, we discuss the relationship between different
landmarks and the memory types used in memorizing the Study No. 7 by
Heitor Villa-Lobos for solo guitar. After the score analysis and reading the
work on the instrument we mapped reference points based on the following aspects: structure, expressiveness, interpretation and basic technical or
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
mechanical features. These were related with analytical, visual, auditory
and kinesthetic memories as they maintain greater or lesser degree of affinity. The landmarks were determined and classified based on the literature
presented throughout the text and the interpreter self observation during
preparation for public performance. The relationship with types of
memory was made by seeking to elect the channel that perception plays a
greater influence on memorization of certain landmarks.
Keywords: landmarks, channels of music perception, memorization of
Study No. 7 by Heitor Villa-Lobos, memory types
1. Introdução
A motivação deste artigo vem do desejo de racionalizar o processo de
memorização de uma obra a fim de tornar possível seu enraizamento na
memória de maneira perspicaz e de garantir o fluxo da performance. A prática da performance musical de memória é recorrente entre os performers
concertistas na atualidade, na qual o solista executa a obra sem o auxílio da
partitura tendo apenas a memória como referência durante a performance.
Mas esta prática, embora habitual entre os solistas, não é uma tarefa fácil,
pois, de acordo com Chaffin (2009), exige organização e reflexão do intérprete durante a preparação da obra.
Portanto, o desenvolvimento de estratégias de memorização através da
elaboração de sistemas de recuperação de informações é ponto fundamental na preparação do repertório, sendo assimilados por diferentes canais de
retenção de informações, sejam eles sensoriais ou intelectuais. Independentemente dos canais de percepção utilizados, quanto identificamos o caminho a ser trilhado para uma memorização efetiva, mais fácil será o processo
de recordação. Logo nos primeiros contatos com a obra, nossa mente inicia
um processo de reconhecimento e armazenamento de informações referentes aos dados que a constituem. Essas informações são percebidas por
diferentes tipos de memória que se somarão para a maturação da obra,
tornando possível a performance.
501
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Autores como Kaplan (1987), Provost (1992) e Williamon (2002) afirmam que a memorização musical é baseada em quatro tipos de memórias: memória visual, imagem da partitura e tudo que pode ser visualizado
durante o estudo (movimentos e posturas de dedos, mãos e braços); memória auditiva, responsável por reter os sons; memória sinestésica, parte
mecânica da performance e que memoriza os movimentos físicos; memória
lógica, intelectual ou analítica, responsável pelo entendimento da estrutura
da obra, além de realizar a interação entre as memórias sensoriais.
Os pesquisadores Gordon (2006), Hughes (como citado em Williamon, 2002) e Fernández (2000) apresentam a seguinte divisão no treinamento da memória: visual, sinestésica e auditiva. Estas são chamadas de
memórias sensoriais e podem ser trabalhadas separada ou concomitantemente a fim de se obter uma memorização satisfatória. De acordo com
Provost (1992), nem sempre os estudantes utilizam todos os canais de
percepção no processo de memorização da obra, gerando insegurança e
possíveis lapsos de memória durante a performance. Ele reforça que muitos
estudantes igualam memorização com a repetição de uma parte ou seção
até conseguir tocar sem o uso da partitura, fator que nem sempre funciona,
deixando o intérprete vulnerável a possíveis lapsos de memória.
502
Além do uso dos sentidos na memorização, Chaffin e Logan (2006) e
Ginsborg (2004) acreditam que é fundamental conhecer os limites
estruturais e os elementos composicionais que constituem a obra. Para tal é
necessário que o intérprete realize uma fragmentação da mesma, seja por
sinais expressivos, por aspectos interpretativos, por elementos
composicionais ou até mesmo por dificuldade técnica, formando assim suas
próprias ideias e conceitos. As divisões estabelecidas durante a análise
prévia da obra geram pontos de apoio para a memória, que neste texto os
chamaremos de pontos de referência.
Chaffin e Logan (2006) abordam alguns pontos de referência para a
recuperação do fluxo da obra. Este recurso permite que o instrumentista
mantenha o foco e a concentração durante a execução da obra. Os pontos
de referência servem como “marcos” criados pelo intérprete e permitem
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
que ele se localize pela sua disposição no decorrer da performance. Estes
pontos podem ser: estruturais, relacionados à estrutura da obra;
expressivos, caracterizados pelas mudanças de caráter da obra, como
andamento, dinâmica ou textura; interpretativos, locais onde o intérprete
precisa manter especial atenção, devido a suas escolhas interpretativas;
básicos, aspectos técnicos e mecânicos da obra.
A identificação destes pontos e sua classificação é importante
ferramenta no enraizamento da obra a partir da sistematização de um mapa
mental dos passos a serem trilhados. Os pontos de referência se constituem
assim em suporte para que não ocorram eventos não planejados e
involuntários, bem como lapsos de memória durante a performance.
Estratégias eficientes de memorização empregam múltiplas memórias
e sua coincidência a pontos de referência permitem o mapeamento da obra
por meio de diferentes canais de retenção de informações, visto que cada
ponto de referência pode ter uma maior afinidade com um tipo específico
de memória. O mapeamento dos diferentes pontos facilitará a recordação
efetiva da obra (Chaffin, 2009).
Com base nos autores relacionados acima levantamos as seguintes
questões: como identificar pontos de referência para o mapeamento de
uma obra? Como relacionar esses pontos com os tipos de memória? Quais
as contribuições destas relações?
Nosso objetivo é estabelecer a relação entre diferentes pontos de referência responsáveis pelo mapeamento mental do Estudo nº 7 de Heitor VillaLobos e os tipos de memórias envolvidos em seu processo de memorização.
Para isso foi realizado o mapeamento da obra com o intuito de estabelecer
os pontos de referência estruturais. O segundo passo foi identificar alguns
pontos de referências expressivos, interpretativos e básicos. Todos os pontos foram relacionados aos tipos de memória ou canais de retenção de informações que possuem maior relação para o processo de memorização e
fluxo da obra. Portanto, a cada ponto de referência, nos cabe avaliar quais
503
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
são suas particularidades e como eles podem contribuir para o mapeamento e execução da obra.
2. Pontos de referência
2. 1. Pontos de referência estruturais
Os pontos de referência estruturais são definidos pela estrutura formal
da peça. Para Ginsborg (2004) esta forma de mapear a obra envolve uma
visão geral da mesma, desde pequenos elementos geradores como motivos
e incisos até frases, seções, modulações, ritornelos e outros aspectos da
estrutura formal. Na maioria das vezes estes pontos tem maior afinidade
com a memória analítica, por mapearem a obra morfologicamente.
Gráfico 1: Estudo nº 7 de Heitor Villa-Lobos. Pontos de referência estruturais.
504
O gráfico acima nos fornece informações estruturais do Estudo nº7,
com o intuito de mapear a obra para a memorização. Deste modo, estabelecemos os pontos de referência estruturais coerentemente às divisões da
obra em Trechos (T) (que podem ou não coincidir com a morfologia fraseológica) e Seções (S). A delimitação de cada divisão deve ser compreendida como um ponto de referência. Os três últimos compassos não caracterizaram uma seção, mas a coda, a qual pode ser tratada em si mesma como
um ponto de referência. O gráfico demonstra um total de 12 pontos de
referências de caráter estrutural e se constitui como um panorama geral da
obra para a memorização
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
2. 2. Pontos de referência expressivos
Envolvem todos os pontos que definem uma mudança na expressividade da obra, ou seja, aqueles pontos em que a obra apresenta diferenças de
dinâmica, andamento, nuances timbrísticas e agógica. Estes pontos são
definidos através da interpretação de sinas e indicações presentes na partitura.
A obra estudada apresenta algumas indicações de intensidade, por exemplo, o crescendo do c. 3. Outros de andamento, como podemos ver nos
compassos 30, 32 e 54, onde o compositor usa a expressão allarg. Porém,
voltamos nossa atenção a pontos de relevância para o mapeamento mental
do performer na sua concepção musical, aqueles que constituem um ponto
estratégico, demonstrando um caráter musical completamente diferente do
que vinha sendo executado. Há três pontos que denotam um nível mais
intenso de atenção e coincidem com o início das grandes seções. Eles apresentam mudanças de andamento e caráter da seção, constituindo-se assim
em pontos de referência expressivos. Na grande seção A, a expressão Très
Animé, aparece sobre o primeiro compasso indicando que o compositor
deseja um caráter bastante movimentado em toda a seção. Para a grande
seção B que inicia no c. 13 o compositor sugere algo mais lírico e cantabile,
com menos animação através da expressão Moins. A Seção C apresenta a
indicação Piu mosso, sobre o c. 41, indicando que o andamento adquire um
caráter bem mais rítmico, aliás como demonstra a própria figuração.
Seção A:
505
Seção B:
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Seção C:
Ex. 1: Estudo nº 7 de Heitor Villa-Lobos. Compassos iniciais das três Seções
O material musical diferente em cada seção contribui para sua respectiva caracterização. Na Seção A, os movimentos escalares e as progressões ascendentes em bordaduras contribuem com caráter muito animado,
sugerido pelo compositor. A Seção B, além de possuir a expressão acima
ilustrada, também possui uma textura homofônica, com a melodia, primeiro
na voz superior e posteriormente na voz inferior. O compositor tem o cuidado de demonstrar esta hierarquia através da direção das hastes e da acentuação. Este caráter propicia ao intérprete maior liberdade de expressão,
não exigindo um ritmo tão vigoroso. Já o material da Seção C nos transmite
visualmente um caráter rítmico e vigoroso do que as outras duas seções,
reforçado com a expressão presente em seu inicio.
Portanto, esses pontos de referência expressivos se conjuntam aos
principais pontos de referência estruturais e com a memória visual (sinais
de expressão e figuração). Desse modo, tornam mais evidente e marcante a
apreensão dos trechos e consequentemente, facilitam a memorização, assim
como a manutenção do controle consciente da execução.
506
2. 3. Pontos de referência interpretativos
Os pontos de referência interpretativos são aqueles pontos da obra em
que o intérprete escolhe para ressaltar alguns aspectos importantes da obra.
Estes são por ele deliberados na construção de sua performance com o
intuito de atingir o resultado sonoro desejado para um determinado trecho.
Nem sempre a partitura apresenta todas as informações necessárias para
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
interpretação. Nesse caso, o intérprete realiza suas próprias escolhas interpretativas. Estas podem envolver diferentes aspectos tais como: fraseado,
mudanças de timbre, agógica, microdinâmica, entre outras variáveis. Para
ilustrar pontos de referência interpretativos no Estudo nº 7, usaremos o primeiro sistema da Seção B, primeiro expondo a versão original, sem anotações e posteriormente o mesmo trecho com anotações decorrentes das
escolhas musicais feitas durante a preparação da obra.
Ex. 2: Estudo nº 7 de Heitor Villa-Lobos. Início da Seção B, primeiro com notação original e depois
com anotações do intérprete.
As anotações realizadas no exemplo acima remetem a escolhas interpretativas do performer e demonstram o resultado discursivo que pretende
imprimir ao trecho. Estas escolhas podem aparecer anotadas ou simplesmente estarem enraizadas na memória após a prática do trecho por algumas
vezes, sempre atento à concatenação do sentido discursivo do trecho a ser
ouvido, o que nos leva a crer que o mapeamento destes pontos de referência
se constituem na conjunção dos aspectos estruturais decisivamente sustentados pela memória auditiva.
2. 4. Pontos de referência básicos
Estes pontos se situam em trechos da obra que apresentam dificuldades técnicas, os “pontos críticos” no processo de elaboração da performan-
507
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
ce. São marcados como pontos de referência básicos, os trechos em que o
intérprete precisa dedicar atenção para resolver um determinado problema
técnica, seja ele caracterizado por um salto de mão esquerda, uma escala
rápida, um trinado constante, um arpejo rápido ou qualquer demanda técnica que dificulte a execução do trecho.
No Estudo nº 7, encontramos alguns pontos que merecem devida atenção e que servem como exemplos de pontos de referência básicos. Logo na
Seção A, podemos encontrar momentos de difícil resolução técnica, por
exemplo, os movimentos escalares dos compassos 1, 5 e 11. Estes são caracterizados por escalas descendentes que vão da corda mais aguda à corda
mais grave do instrumento, exigindo atenção do performer durante a execução, devido às dificuldades técnicas que apresenta, tais como a troca de
corda com velocidade, clareza e sincronia entre as mãos etc.
Ex.3: c. 1 do Estudo nº 7 de Heitor Villa-Lobos. Ponto de referência básico.
508
Outro momento que merece à atenção do performer, por apresentar
complexa passagem técnica, é o trecho entre os cc. 46-54. Este apresenta
trinados executados na primeira corda enquanto o dedo 1 mantém uma
meia pestana que se desloca por diferentes posições do braço do
instrumento através de saltos. Para ilustrar esta passagem utilizaremos
como exemplo o trecho entre os cc. 51-55, por apresentar os trinados de
maneira mais intensa.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Ex. 4: cc. 51 -55 do Estudo nº 7 de Villa-Lobos. Ponto de referência básico.
Os pontos aqui mencionados caracterizam ponto de referência básico
por advirem da complexidade de execução. Estes pontos exigem mais
tempo de dedicação do intérprete ao instrumento para que possam ser
executados devidamente. Portanto, usa a memória sinestésica como
principal canal de retenção de informações, baseando-se na repetição e
treinamento mecânico.
3. Considerações Finais
Através do estudo analítico e reflexivo observamos que cada diferente
ponto de referência implica em maior afinidade com um tipo de memória
específico, tornando fundamental ao papel do performer em dar o
tratamento adequado a esta associação no processo de memorização de
uma nova obra. Também ressaltamos que a interação entre os dois aspectos
da memorização musical discutidos neste artigo são ferramentas que
contribuem para o entendimento e desenvolvimento de padrões
conscientes de abordagem da performance de memória fazendo com que o
intérprete focalize sua atenção nos respectivos aspectos. Destaca-se assim a
importância de praticar estes aspectos para que sejam contornadas no palco
possíveis situações de “embaraço”. A utilização de diferentes canais de
retenção de informação viabilizará a performance de memória bem
sucedida. Para finalizar, devemos lembrar que a intenção desta reflexão não
é enfocar um tipo de memória e anular as outras, mas sim levar em
509
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
consideração a conjunção de diferentes pontos de referência para tornar
mais claras as decisões e as razões de determinado ponto requererem
atenção na caracterização de marcos de suporte para a execução.
Referênciais
Chaffin, Roger; Logan, Topher. (2006). Practicing perfection: How concert
soloists prepare for performance. Advances in Cognitive Psychology. v.2 n.
2-3 (pp. 113-130).
Chaffin, Roger; Lisboa, Tânia; Logan, Topher; Begosh, Kristen T. (2009).
Preparing for memorized cello performance: The role of performance
cues. Psychology of Music. v.38 n.2 (p. 1-28).
Fernández, Eduardo. (2000). Técnica, mecanismo y aprendizaje: Una invetigación sobre como llegar a ser guitarrista. Uruguay, Ediciones ArtMontevideo.
Ginsborg, Jane. (2004). Strategies for memorizing music. In A. Williamon.
Musical excellence: Strategies and techniques to enhance performance (123142). Oxford. Oxford University Press.
Gordon, Stewart. (2006). Mastering art of performance: A primer for Musicians. New York: Oxford University press, Inc.
Kaplan, José Alberto. (1987). Teoria da aprendizagem pianística: Uma abordagem psicológica. Porto Alegre: Editora Montevideo.
510
Provost, Richard. (1992). The art and technique of practice. San Francisco:
Guitar solo publications.
Villa-Lobos, Heitor. (1953). Estudo nº 7. 12 Estudos para Violão. M.E 9333.
Pariz. Max Eschig.
Williamon, Aaron. (2002). Memorizing music. In. Rink, John. Musical performance: a guide to understanding. Cambridge: Cambridge university
press. (pp. 113-126).
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Elaboração e validação de
uma escala de autoeficácia para
Percepção Musical no ensino superior
Pablo da Silva Gusmão
[email protected]
Universidade Federal de Santa Maria - UFSM
Josemar Dias
[email protected]
Universidade Federal de Santa Maria - UFSM
Resumo: Segundo pesquisas recentes, os alunos de cursos superiores de
música tendem a perceber a disciplina de Percepção Musical como especialmente desafiadoras. Essa avaliação da própria capacidade para a realização de tarefas é descrita pelo construto da autoeficácia, e pode ser essencial para identificar problemas relacionados com a motivação e a autorregulação para aprendizagem acadêmica. Elaboramos e validamos uma escala psicométrica para a mensuração das crenças de autoeficácia específicas
para percepção musical. A escala apresentou índices muito bons de confiabilidade, e a análise de componentes principais comprovou a hipótese inicial de que o construto é composto de subconstrutos específicos.
Palavras-chave: percepção musical, crenças de autoeficácia, escalas psicométricas
Development and validation of a self-efficacy scale for aural skills in
college level
Abstract: According to recent research, college students majoring in music tend to see Aural Skill classes as particularly challenging. This judgment
of self-capacity for task performance is described by the self-efficacy construct, and it can be essential to identify problems related to academic motivation and self-regulation of learning. We developed and validated a psychometric scale for measuring the self-efficacy beliefs that are specific to
aural skills. The scale resulted in a good reliability index, and the principal
component analysis confirmed the initial hypothesis that the construct is
composed of specific subconstructs.
Keywords: aural skills, self-efficacy beliefs, psychometric scales
511
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
1. Introdução
O ensino de Percepção Musical vem sendo investigado nos últimos
anos, e algumas pesquisas apontam conclusões em comum: Otutumi
(2008) havia observado que 60% dos professores entrevistados, os quais
ministravam esta disciplina em cursos superiores de música de universidades brasileiras, acreditavam que os alunos apresentam dificuldades por não
terem tido boa formação de base anterior (Otutumi, 2008, p. 10). Em uma
pesquisa qualitativa, Gusmão aponta que nenhum dos alunos entrevistados
havia estudado solfejo ou ditado antes de ingressarem no curso superior de
música (Gusmão, 2011, p. 126). Muitas vezes, a disciplina passa a ser vista
pelo aluno como um obstáculo difícil de ser vencido, agravado pela percepção negativa que seus próprios colegas fazem da matéria, e assim perpetuando um ciclo de preconceito e evasão do estudo da percepção musical.
Desse modo, não é surpreendente que os alunos apresentem crenças negativas quanto à suas capacidades de aprenderem e desenvolverem habilidades perceptivas, e que essas crenças influenciem a motivação para o estudo,
uma vez que os “estudantes que acreditam que irão experimentar muita
dificuldade compreendendo a matéria estão propensos a ter um baixo sentido de eficácia para sua aprendizagem” (Schunk, 1991, p. 9).
512
Esta pesquisa buscou elaborar e validar uma escala psicométrica, projetada para mensurar as crenças de autoeficácia para a disciplina de percepção
musical. A autoeficácia diz respeito “às crenças que as pessoas têm em suas
capacidades de atingir certos objetivos” (Bandura, 1997) e os objetivos,
nesse caso, podem ser muito variados, pois a disciplina é complexa, e envolve diversas sub-habilidades (solfejo, ditado melódico ou harmônico, leitura
rítmica, etc.), para as quais o aluno pode ter diferentes crenças.
Nossa hipótese era a existência de um construto psicológico que refletisse as crenças de autoeficácia para a realização de atividades envolvidas nas
disciplinas de percepção musical. Partimos do princípio de que mesmo que
tal construto pudesse ser medido de uma forma consistente, ele deveria
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
permitir sua decomposição em construtos de domínios mais específicos.
Ilustrativamente, um aluno pode ter uma forte crença de autoeficácia para a
leitura e execução rítmica (se vem utilizando a leitura na sua prática instrumental há anos), mas não ter confiança na sua capacidade de compreender
uma melodia escutada a ponto de escrevê-la (por falta de orientação ou
prática na formação musical). Desta forma, acreditamos que o construto
seja composto das crenças de autoeficácia para conjuntos de habilidades
específicas relacionadas a, por exemplo, melodia, harmonia, ritmo, ou até
mesmo discriminação de unidades elementares e descontextualizadas, como intervalos ou acordes isolados.
2. Instrumentos de coleta de dados e participantes
Os participantes foram 67 alunos matriculados nos cursos de música
de uma universidade pública da região sul que ainda não haviam concluídos
as quatro disciplinas de Teoria e Percepção Musical. Destes, 55 estavam
cursando as disciplinas de percepção de segundo e quarto semestre, enquanto os outros nove haviam reprovado em uma disciplina de semestre
ímpar e estavam aguardando para refazê-la no semestre seguinte, e três
deveriam estar cursando a disciplina, mas não haviam se matriculado.
Segundo Bandura (2006), os itens na escala de eficácia devem refletir o
construto investigado e estar relacionados à capacidade percebida, construídos de modo a questionar aquilo que o aluno acredita que consegue realizar. As respostas devem registrar a força de suas crenças de eficácia em uma
escala que vai da completa incapacidade a um número que representa a
força máxima (escala likert). Além disso, as instruções devem estabelecer o
contexto particular de cada domínio, para que os respondentes julguem
suas capacidades no momento presente, e não suas capacidades potenciais
futuras.
A escala de autoeficácia elaborada nesta pesquisa continha 20 itens a
serem respondidos circulando o número correspondente, de 1 a 7, ao grau
de confiança para realização da tarefa. Quatro subescalas foram elaboradas:
513
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
a) Compreensão/execução melódica (envolvendo questões relacionadas a
solfejo e ditado melódico); b) Compreensão harmônica (envolvendo questões relacionadas a ditado harmônico e reconhecimento de funções harmônicas em uma progressão); c) Discriminação de elementos isolados
(envolvendo o reconhecimento de intervalos, tipos de acordes, etc.); e d)
Leitura e execução rítmica (a uma e a duas vozes). Abaixo estão os itens que
compunham cada subescala, juntamente com seu código abreviado. A instrução no início da página era: “Responda numa escala de 1 a 7 o quanto
você se sente CONFIANTE para realizar as atividades abaixo”. As questões
foram ordenadas aleatoriamente segundo a numeração indicada:
Subescala de compreensão/execução melódica:
514
1 – Cantar com precisão uma escala menor harmônica no seu registro vocal (M1.escala menor);
5 – Ouvir uma melodia tonal de quatro compassos no mesmo grau
de dificuldade da sua última prova de ditado e escrevê-la (M2.ditado
tonal);
9 – Cantar com precisão uma escala de tons inteiros no seu registro
vocal (M3.tons inteiros);
14 – Solfejar, à primeira vista, uma melodia em modo maior semelhante a da sua última prova (M4.solfejo maior);
15 – Reconhecer auditivamente se a nota mais aguda de um acorde é
a fundamental, a terça ou a quinta (M5.nota aguda);
18 – Solfejar, à primeira vista, uma melodia em modo menor semelhante a da sua última prova (M6.solfejo menor);
Subescala de compreensão harmônica:
10 – Ouvir uma progressão harmônica de seis acordes e anotar os
graus em numerais romanos (H1.graus);
12 – Ouvir uma progressão harmônica de quatro acordes e identificar a função de dominante (H2.dominante);
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
13 – Ouvir uma progressão harmônica de quatro acordes e identificar a função de predominante (H3.predominante);
16 – Ouvir uma progressão harmônica de seis acordes e escrever a
voz da soprano (H4.soprano);
17 – Ouvir uma melodia de 12 compassos e reconhecer se ela terminou na mesma tonalidade que começou (H5.tonalidade);
19 – Ouvir uma progressão harmônica de 8 acordes e identificar
quais exercem as funções de predominante e dominante
(H6.funções);
20 – Ouvir uma progressão harmônica de seis acordes e escrever a
voz do baixo (H7.baixo);
Subescala de discriminação de elementos isolados:
2 – Reconhecer uma série de 10 intervalos melódicos ascendentes
até uma oitava (E1.ascendente);
4 – Reconhecer uma série de 10 intervalos harmônicos até uma oitava (E2.harmônico);
6 – Reconhecer com precisão os tipos de 10 acordes (E3.acordes);
8 – Reconhecer uma série de 10 intervalos melódicos descendentes
até uma oitava (E4.descendente);
Subescala de leitura e execução rítmica:
3 – Executar, à primeira vista, uma leitura rítmica no mesmo grau de
dificuldade do ritmo da melodia de “parabéns a você”
(R1.parabéns);
7 – Executar, à primeira vista, uma leitura rítmica a uma voz, com
quatro compassos semelhantes a das suas últimas provas (R2.uma
voz);
11 – Executar, à primeira vista, uma leitura a duas vozes, com quatro
compassos semelhantes a das suas últimas provas (R3.duas vozes);
515
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
3. Confiabilidade da escala
Seguindo a orientação de Bandura (2006), testamos a confiabilidade da
escala, ou seja, sua consistência interna (calculando o coeficiente α de
Cronbach), e obtivemos um coeficiente α=0,938, sendo que os níveis aceitáveis são os que estão acima de 0,70. Os coeficientes α de Cronbach, para
as subescalas de compreensão harmônica, discriminação de elementos
isolados, compreensão/execução melódica e leitura e execução rítmica
foram, respectivamente, α=0,928, α=0,849, α=0,879 e α=0,785.
A subescala para leitura e execução rítmica apresentou o α mais baixo, e
a análise demonstra que existe uma questão que mais interferiu negativamente neste valor. O valor do α seria 0,860 se a questão relativa a “executar à
primeira vista um trecho com dificuldade semelhante a parabéns a você”
fosse eliminada do questionário. Esta discrepância pode ser compreendida,
pois a questão se refere a um nível absoluto de dificuldade, o qual pode não
representar um desafio para turmas mais avançadas. Uma vez que turmas
de diferentes semestres foram observadas, é possível que a resposta a esse
item não correlacione com a confiança dos alunos para atividades cuja dificuldade percebida remetia à última prova realizada, pois as turmas mais
avançadas não veem esta tarefa com o mesmo nível de desafio do que suas
últimas avaliações.
4. Validade da escala
516
Testamos a validade da escala, realizando uma análise de componentes
principais com rotação oblimin direto. Para definir se as subescalas eram
apropriadas para uma análise fatorial, dois testes estatísticos foram empregados. O primeiro é o teste de esfericidade de Bartlett, que examina a interindependência das escalas. O teste de Bartlett, χ2(190)=1024,35 com
p<0,001, indicou que a correlação entre os itens era grande o suficiente para
uma análise de componentes principais. O segundo teste é a medida de
Kaise-Meyer-Olkin (KMO), que examina se o tamanho da amostra é adequado. A medida KMO deve estar acima de 0,5 e o valor obtido para a esca-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
la de autoeficácia para percepção musical foi de 0,86, demonstrando que a
amostra era adequada.
A rotação empregada foi do tipo oblíqua, oblimin direto, pois a hipótese
pressupunha um certo grau de correlação entre os componentes (a autoeficácia para compreensão melódica pode influenciar na autoeficácia para
compreensão harmônica, e vice-versa, por exemplo). A análise de componentes principais resultou, com a regra Kaiser, em quatro componentes, os
quais explicam 72,34% da variância total (Tabela 1). Ao verificar as questões com maiores carregamentos para cada componente, verificamos que
estes se alinham exatamente às subescalas elaboradas. Este resultado é de
extrema importância para a área, pois sugere fortemente a possibilidade de
mensuração das crenças de autoeficácia para percepção musical, enquanto
demonstra que estas crenças são suficientemente discrimináveis para cada
sub-habilidade envolvida.
Componente
1
2
3
4
H2.dominante
,908
,045
-,102
,120
H3.predominante
,900
-,098
-,158
,109
H6.funções
,894
-,078
-,037
-,035
H1.graus
,733
-,253
,060
,021
H7.baixo
,693
,025
,206
-,032
H4.soprano
,616
,030
,465
-,106
H5.tonalidade
,592
,081
,330
,048
E1.ascendente
,202
-,839
-,002
-,068
E2.harmônico
,017
-,835
,122
,017
E4.descendente
-,014
-,780
,187
,088
E3.acordes
,168
-,529
-,142
,506
M4.solfejo maior
-,019
,087
,818
,221
M6.solfejo menor
,041
,183
,795
,262
M1.escala menor
,079
-,160
,687
-,041
M3.tons inteiros
,035
-,268
,643
-,022
M2.ditado
,036
-,285
,635
,009
M5.nota aguda
,290
-,216
,522
-,040
517
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
R3.duas vozes
-,049
-,155
,065
,862
R2.uma voz
-,033
-,053
,245
,810
R1.parabéns
,248
,228
,019
,591
Tabela 1 – Análise de componentes principais: carregamento de fatores após rotação oblíqua
5. Os escores de autoeficácia
Os valores específicos obtidos pelas respostas dos alunos claramente
dependem das características de cada turma observada. Fatores relacionados à formação musical de cada pessoa podem ter efeitos diferentes sobre a
confiança do aluno para a realização das várias atividades relacionadas à
percepção musical. Nas turmas investigadas nesta pesquisa, constatamos
que a confiança dos alunos era maior para atividades relacionadas à leitura e
execução rítmica (Tabela 2). Parece natural que assim seja, uma vez que o
aspecto rítmico da leitura da partitura está presente no estudo do instrumento, enquanto a audiação musical, ou seja, o processo de audição interior
com compreensão musical, talvez não seja vista como tão necessária, ou não
seja encorajada em aulas de instrumento durante a iniciação musical.
518
Em segundo lugar está a confiança para a discriminação de elementos
isolados. Esta atividade é, provavelmente, a menos musical entre as que
foram investigadas, pois trata do reconhecimento de relações elementares
praticamente desprovidas de significação musical. Entretanto, o índice de
confiança dos alunos para esta tarefa foi o segundo mais alto, talvez por ser
uma atividade relativamente mais fácil de ser praticada. Afinal, existem inúmeros softwares para o treinamento repetitivo de identificação de intervalos.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Média
5,16
4,42
4,89
5,37
4,96
Discriminação de elementos isolados
Compreensão/execução melódica
Compreensão harmônica
Leitura e execução rítmica
Média de todas as subescalas
Desvio padrão
1,13
1,32
1,36
1,25
1,02
Tabela 2 – Médias dos escores de autoeficácia
As atividades relacionadas à compreensão e execução melódica e harmônica, que são mais complexas e ricas em significado musical, são as que
tiveram índices de confiança mais baixo. Esta complexidade provavelmente
tem parte nesse resultado, assim como a relativa falta de familiaridade com a
atividade. Muitas vezes, o contato musical que inicia em escolas de música
ou com professores particulares é bastante focado à técnica instrumental, e
o desenvolvimento da leitura da partitura se concentra em aspectos imediatamente necessários ao instrumento, deixando o desenvolvimento da audiação em segundo plano.
Família de instrumento
Discriminação de
elementos isolados
Compreensão/execução
melódica
Compreensão
harmônica
Leitura e execução
rítmica
Média de todas as
subescalas
Arco
Sopros
Teclado
Percussão
Violão/guitarra
Canto
5,15
5,06
5,31
5,06
5,25
5,25
4,69
4,29
4,87
3,92
4,10
4,89
5,30
5,04
5,32
3,64
4,74
5,00
5,42
5,92
5,74
6,67
4,88
5,67
5,14
5,08
5,31
4,82
4,74
5,20
Tabela 3 – Médias dos escores de autoeficácia por família de instrumento
519
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
De fato, alguns resultados demonstram a relação entre o tipo de instrumento estudado e as crenças de autoeficácia para atividades específicas
de percepção musical. A Tabela 3 mostra, por exemplo, que alunos de canto
têm maior confiança para atividades de compreensão e execução melódica
enquanto alunos de teclado se sentem mais confiantes para atividades relacionadas à compreensão harmônica. Alunos de percussão possuem confiança drasticamente maior para atividades de leitura e execução rítmica do
que para atividades de compreensão melódicas ou harmônicas. Talvez estes
resultados demonstrem, para os educadores musicais e professores de instrumento ao nível de iniciação musical, a importância de uma educação
musical integrada, que desenvolva a inteligência musical como um todo ao
invés de apenas habilidades técnicas instrumentais.
6. Considerações finais
A escala das crenças de autoeficácia para percepção musical elaborada
nesta pesquisa demonstrou-se altamente consistente e válida para a medição dos construtos de interesse. A análise fatorial corroborou a hipótese de
que existem crenças de autoeficácia específicas para habilidades distintas
relacionadas à percepção musical, mas que são de todo modo, integradas
em um construto maior, o da autoeficácia para percepção musical.
520
Entretanto, a escala ainda precisa ser ajustada e alguns itens reformulados. Em particular, existe o problema do nível de dificuldade absoluto versus relativo. Bandura (2006) ressalta que as questões devem apontar para
tarefas desafiadoras. Itens que focam em um nível absoluto (como a questão do ritmo de parabéns a você) criam demasiada especificidade, o que
impede a generalização da crença investigada para uma habilidade geral.
Por outro lado, as questões que envolvem níveis relativos de dificuldades
estão formuladas com base no contexto acadêmico da disciplina, ou seja,
apontando à dificuldade de provas anteriores. É necessário buscar formulações que consigam transcender o contexto acadêmico, de modo a permitir
a investigação das crenças de autoeficácia de percepção musical em popula-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
ções de músicos que não estão, necessariamente, cursando a disciplina de
percepção musical.
Ressalta-se, por fim, as aplicações deste tipo de escala nas pesquisas relacionadas à efetividade de didáticas específicas de percepção musical, assim
como a relação entre autoeficácia e autorregulação da aprendizagem, o que
pode estar por trás dos problemas de motivação apontados pelas pesquisas
recentes na área.
Referências
Gusmão, P. S. (2011). A aprendizagem autorregulada da percepção musical
no ensino superior: uma pesquisa exploratória. Opus, v. 17, n. 2, 121140.
Bandura, A. (1997). Self-efficacy: The exercise of control. New York: W. H.
Freeman.
Bandura, A. (2006). A guide for constructing self-efficacy scales. Self-efficacy
beliefs of adolescentes, adolescence and education, n.1, p. 307-337.
Otutumi, C. (2008). Percepção musical: situação atual da disciplina nos cursos
superiores de músca. (Dissertação de mestrado em Música). Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
Schunk, D. H. (1989) Self-efficacy and achievement behaviors. Educational
Psychology Review, v.1, n3., p. 173-208.
521
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Decodificando níveis estruturais
no solfejo melódico tonal
Graziela Bortz
[email protected]
Instituto de Artes, UNESP
Resumo: O trabalho comenta brevemente algumas estratégias utilizadas
em aulas de solfejo na decodificação de alturas para, em seguida, discutir
questões de direção e movimento envolvidos na leitura à primeira vista de
música tonal. Acredita que essas questões devam ser endereçadas desde o
primeiro contato com uma nova partitura e constrói argumentos baseados
no estudo de camadas estruturais envolvidas na composição tonal. Utiliza
para isso ferramentas da teoria schenkeriana e seus conceitos de linha e
baixo fundamental, ilustrando ambiguidades de interpretação que podem
existir até mesmo em solfejos simples, como o início da canção Der Entfernten, D. 350 de Franz Schubert, cujo primeiro período é apresentado no
livro de solfejo de Ottman (1995). Conclui afirmando que as sutilezas de
interpretação não devem ser desconsideradas nas mais variadas disciplinas, das aulas de percepção e teoria às de performance e que tampouco a
teoria deve ser reservada apenas às aulas teóricas para que, de fato, as experiências musicais se tornem interdisciplinares.
Palavras-chave: análise schenkeriana, interpretação musical, solfejo tonal
522
Decoding Structural Levels in Tonal Sight Singing
Abstract: After briefly commenting upon strategies used to decode pitches in sight singing lessons, the work discusses questions about musical direction and movement involved in tonal sight singing. The author believes
that those questions should be addressed on the very first contact with a
new music part, and builds arguments based on structural layers involved
in tonal compositions. It uses tools of schenkerian theory and its concepts
of fundamental line and bass in order to illustrate ambiguities that can exist
even in very simple solfeges, as it appears in the beginning of the song Der
Entfernten, D. 350 of Franz Schubert, whose first period is presented on the
sight singing book by Ottman (1995). It concludes affirming that subtleties of interpretation should be considered in a variety of disciplines, from
ear-training and theory to performance lessons. By the same token, theory
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
studies should not be reserved to theory classes only, so that, in fact, musical experiences could become interdisciplinary.
Keywords: schenkerian analysis, musical interpretation, sight singing
1. Introdução e objetivos
A estratégia de se solfejar música tonal com números descrita em Bortz
& Brolo (2009, p. 533) pode ser bastante eficaz para se tomar consciência
da hierarquia melódica dos graus da escala. Ainda que a melodia apresente
cromatismos que apontem ou não modulações, uma vez que a tonalidade
principal permaneça clara, o exercício permanece válido para melodias do
repertório dos séculos XVIII e XIX, excetuando-se o cromatismo extremo
do romantismo tardio.
A estratégia complementar a esta primeira, que envolve a transposição
de uma dada melodia memorizada para outros tons seguindo-se o ciclo de
quintas, também descrita em Bortz & Brolo (2009, p. 533), procura trabalhar o domínio deste tipo de percepção melódico-harmônica conhecida
como ouvido relativo.
Em Bortz (2010, p. 4-7), a análise prévia do extrato a ser solfejado é sugerida como ferramenta para o preparo do solfejo tonal de maneira a antecipar caminhos harmônicos e, assim, prever dificuldades e pontuações, tais
como alterações cromáticas, modulações, grandes saltos e cadências, entre
outros.
Estas três estratégias mencionadas rapidamente acima englobam, na
verdade, prática e teoria. Enquanto a análise formal, melódica e harmônica
oferece a possibilidade do pensamento encaminhar a performance, o contrário também é possível através da prática da improvisação como ferramenta
de aquisição do conhecimento teórico.
Entretanto, nota-se que apenas o pensamento técnico a respeito das
funções melódicas das notas na escala ou seu papel em determinada função
harmônica não tem sido suficiente para que a leitura melódica se torne
523
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
musical. Embora não seja nossa intenção, aqui, discutir as diversas facetas
do que é considerado musical, ater-nos-emos às preocupações do teórico
Heinrich Schenker quanto à interpretação. Suas principais questões ao
abordar uma obra musical tonal eram: 1) de onde parte o movimento; 2)
para onde este movimento se direciona e 3) qual o caminho percorrido
(Schenker, 1979; Salzer, 1952, p.11; Forte, 1959).
São importantes questões teóricas que, no entanto, não ocorrem com
frequência no primeiro contato com a decifração de uma partitura nova
(para não dizer no início dos estudos musicais), como é o caso do exercício
do solfejo melódico, seja qual for seu nível de dificuldade. Obviamente, se o
solfejo apresenta alto nível de complexidade, a questão da direção naturalmente é deixada para uma abordagem posterior. No entanto, nota-se em
sala de aula que, mesmo em solfejos que estão aquém das habilidades dos
alunos, a direção é considerada por eles menos importante. Em outras palavras, por mais que os alunos tenham superado questões gramaticais, tais
como decifrações de alturas, tempos e subdivisões rítmicas, optam por não
utilizar o pensamento interpretativo o qual costumamos chamar de fraseado, nuance ou direção.
Isso pode se dever ao fato de tais questões gramaticais exigirem grande
energia cognitiva e as questões interpretativas acabam por ser adiadas. No
entanto, se nos fizermos as questões levantadas por Schenker ao abordarmos a leitura de uma nova obra, seja no simples exercício de solfejo ou numa obra complexa da literatura musical, perceberemos que as decisões
quanto à direção musical podem se tornar difíceis ao nos depararmos com
certas dúvidas.
524
Mostraremos, a seguir, como tais questões se apresentam no repertório e proporemos possíveis soluções interpretativas utilizando ferramentas
da análise schenkeriana. Para isso, utilizaremos como ilustração a canção
Der Entfernten, D. 350 de Franz Schubert.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
2. Pressupostos teóricos e procedimentos
Schenker acreditava que música deveria ser analisada utilizando-se
símbolos da própria escrita musical. Por isso, preferiu utilizar gráficos que
pudessem mostrar, com esses símbolos, o desdobramento composicional
(Auskomponierung) da estrutura mais básica à composição propriamente
dita, assim como o movimento no sentido oposto, que é a análise que parte
da composição à redução à sua estrutura fundamental. Para se chegar a esta
estrutura, passa-se pela superfície, mais parecida com a composição propriamente dita, e por uma ou mais camadas intermediárias, traduzidas em
gráficos que representam o que ele chamou de planos frontal, intermediário(s) e fundamental (Fraga, 2011; Schenker, 1979; Neumeyer &Tepping,
1992; Forte & Gilbert, 1982; Forte, 1952).
2.1 Análise parcial de Der Entfernten, D. 350 de Franz Schubert
Abordemos um extrato da canção Der Entfernten, D. 350 de Franz Schubert, que se encontra transposta para Réb maior em clave de tenor no
método de solfejo de Ottman (1995, p. 117). Utilizaremos, nos exemplos, a
tonalidade original, Mib maior.
A canção tem, originalmente, vinte compassos. No livro de solfejo de
Ottman (1995), aparecem os oito primeiros compassos da melodia (Figura
1). Temos assim, o primeiro período paralelo composto de duas frases, no
qual a primeira frase apresenta cadência suspensiva como suporte ao segundo grau melódico e a segunda, cadência autêntica perfeita.
525
Figura 2: Compassos 1-8 da melodia da canção Der Entfernten, D. 350, de Franz Schubert, cópia da
edição das Obras Completas (1895)
Voltemos à primeira questão de Schenker: de onde parte o movimento? Schenker desenvolveu seu conceito de estrutura fundamental, que en-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
globa a linha principal e o baixo [1]. A linha fundamental (Urlinie) se apresenta na forma de uma escala descendente que parte de uma nota pertencente à tríade de tônica – a nota primária [2] – e resolve na tônica (Schenker, 1979, p. 13-14). Em outras palavras, numa dada melodia, existem notas
que são estruturais e outras ornamentais, estas últimas ligadas à superfície
da música. Por superfície, não se deve entender que sejam menos importantes, mas é na superfície e nas camadas intermediárias que encontramos
resposta à terceira questão de Schenker: qual o caminho percorrido (elaboração) para se alcançar a meta do movimento musical? A meta, em música
tonal dos séculos XVIII e grande parte do XIX, é sempre a tônica em seu
estado na cadência autêntica perfeita: baixo e soprano na tônica.
Para se chegar a esta linha fundamental, são levadas em consideração
algumas questões, entre as quais, embora não necessariamente a mais importante, é o grau de proeminência de uma nota da tríade. No caso da melodia inicial de Der Entfernten, tende-se a escolher o quinto grau (5) [3], seja
pelo seu número de aparições ou por sua posição métrica em tempo forte.
Poderíamos também pensar em 3 como nota primária. Esta dúvida necessariamente teria que ser solucionada analisando-se a canção completa, incluindo o acompanhamento de piano e o segundo período da peça, o que
faremos mais adiante. Por hora, consideraremos apenas a melodia dos oito
primeiros compassos, como ocorre em Ottman (1995).
Outras considerações importantes para se escolher a nota primária
são: 1) ela deve ser consonante com o baixo; 2) deve ser seguida por graus
conjuntos até sua resolução na tônica. Na melodia em questão, ambas preenchem esses requisitos [4].
526
Sabemos que, de acordo com a teoria schenkeriana, a harmonia de
subdominante, quando precedida e seguida da tônica, funciona como uma
extensão desta última e não é propriamente um acorde independente. Ou
seja, é uma harmonia de prolongamento da tônica, o que justamente ocorre
entre os cs. 1 e 3 desta canção. Sendo Sib (5) a nota primária, Láb funciona
como nota de passagem entre Sib e Sol.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Se Láb fosse interpretado como nova vizinha [5] de 3 (Sol), todo o
primeiro compasso, que já é uma expansão da tríade de tônica através de
notas de passagem, seria uma ornamentação de Láb. Nesse caso, os dois
primeiros compassos seriam um prefixo de Sol. Láb aparece como nota
acentuada por ser a mais longa até então [6]. Assim mesmo, preferimos
considerá-la como um prolongamento da tônica via nota de passagem (Figura 2), uma vez que, ao menos nestes oito primeiros compassos, não há
motivo para considerar Sib e Láb como prefixos de Sol [7]. Note-se o agrupamento das colcheias na escrita do primeiro e quinto compassos, que
tendem a dar maior ênfase aos tempos fortes.
Assim, observamos nos quatro primeiros compassos, que a direção da
melodia é guiada até a cadência suspensiva, que Schenker chama de interrupção. Em outras palavras, ocorre uma interrupção do movimento da linha
fundamental 2, que é seguida da retomada da nota primária seguindo até a
conclusão. Desta maneira, ocorre o movimento melódico 5-4-3-2// 5-4-32-1.
Figura 3: Redução da melodia dos primeiros oito compassos de Der Entfernten, D. 350 de Franz
Schubert à camada intermediária
Podemos observar que, mesmo com poucos elementos, sem o acesso
ao acompanhamento original ou à peça completa, podemos chegar a algumas conclusões parciais sobre a direção da melodia. Pode-se argumentar
que essa análise é desnecessária, que a simples intuição é capaz de levar às
mesmas conclusões e execuções. No entanto, levantamos dois argumentos
contrários a este: 1) a prática nos tem mostrado que a primeira, segunda ou
mesmo terceira leitura de alunos de graduação de qualquer ano (portanto
com já alguma experiência de leitura) é quase sempre musicalmente desin-
527
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
teressante se a questão do movimento não for ventilada; 2) ao observar a
análise, com ou sem a realização do gráfico, deparamo-nos com algumas
dúvidas que podem resultar em diferentes realizações na interpretação,
mesmo numa melodia muito simples como a abordada neste texto. Se, por
exemplo, escolhêssemos 3 como nota primária, e considerássemos os primeiros dois compassos como prefixo de Sol, evitaríamos a ênfase nas notas
Sib e Láb para que pudéssemos movimentar todo esse início em direção à
nota Sol.
2.2 Análise completa de Der Entfernten, D. 350 de Franz Schubert
Na Figura 3, apresentamos a melodia e o baixo da peça dos cs. 1 a 18
no primeiro sistema e o gráfico com a camada intermediária no segundo
sistema.
528
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Figura 4: Baixo, melodia e análise em gráfico da canção Der Entfernten, D. 350 de Franz Schubert, cs.
1-18
O baixo no primeiro período da peça confirma nossas expectativas de
interpretação harmônica e reforça nossas escolhas quanto à linha estrutural
nos primeiro oito compassos. No entanto, a parte contrastante da peça que
se inicia no c. 9 traz algumas novidades: a harmonia de dominante sobre o
baixo Sib permanece ativada a partir deste ponto até o c. 17, assim como a
nota Fá na melodia dos cs. 9 a 13. As cadências de engano dão suporte consonante a 3 nos cs. 14 e 16, embora indiquem uma expansão da dominante,
uma vez que a tensão promovida pela harmonia de dominante e pelo grau
melódico 2 somente é resolvida na cadência autêntica perfeita no c. 18
(Neumeyer & Tepping, 1992, p. 25-26). Ou seja, a cadência autêntica do
primeiro período da peça pertence à camada intermediária, e não àquela
fundamental. Os últimos dois compassos, que não aparecem na ilustração,
são um poslúdio do piano e prolongam a tônica final.
529
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
3. Conclusão
É possível chegar-se a algumas conclusões preliminares sobre direção e
movimento melódicos sem que se tenha a visão da obra completa, embora
o ideal seja examinar a peça em sua totalidade. As ferramentas de análise
schenkeriana podem auxiliar na percepção da linha fundamental da melodia antes de se realizar o solfejo e, com isso, na compreensão da hierarquia
das notas envolvidas no desenho melódico. Ao escolhermos a linha fundamental como sendo 5-4-3-2-1, cabe ao intérprete deixá-la clara na execução
e, acima de tudo, dar movimento à peça a partir dela.
A escolha de 5 como nota primária na melodia inicial pode resultar em
ressaltar o movimento a partir de Sib no c.1, o que pode ser realizado através de acento agógico, ressaltando em seguida Láb e Sol dos cs. 1 e 2 até
chegar a 2 na cadência interrompida do c. 4. O movimento se repete para
alcançar a cadência autêntica perfeita. No entanto, se escolhêssemos 3, todo
o início até o c. 3 funcionaria como um prefixo, mudando o resultado na
performance. São sutilezas que muitas vezes desconsideramos nas aulas de
percepção e relegamos às aulas de performance, da mesma maneira que tendemos a deixar a teoria para as aulas de teoria e, desta forma, perdemos a
excelente oportunidade de tornar nossas experiências interdisciplinares de
fato.
530
Notas
[1] Ele não desconsidera outras linhas, que julga subordinadas àquela fundamental. Estas
pertencem às camadas que aparecem nos gráfico dos planos frontal ou intermediários.
Além disso, essas linhas podem ser prolongadas por arpejos, que por sua vez podem ser
conectados por notas de passagem As linhas ainda podem receber ornamentações através
de notas vizinhas: bordaduras, simples ou duplas, e escapadas, ou ainda notas ornamentais
por salto (salto consonante). Para maior detalhamento de prolongamentos melódicos,
verificar Forte & Gilbert (1982).
[2] Preferimos o termo nota primária à nota inicial, como utilizado por Fraga (2011). A
maioria dos termos em português aqui utilizados concordam com o glossário de Fraga
(2011, p. 111-114), com exceções que serão ressaltadas quando for o caso.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
[3] Para diferenciar claramente os graus da linha fundamental dos graus referentes ao
arpejo fundamental do baixo – I-V-I, Schenker convencionou o uso de números arábicos
com acento circunflexo para os primeiros.
[4] Embora no exercício de solfejo não tenhamos o baixo dado, não é difícil deduzir que a
melodia que se inicia em Sib requer o baixo Mib como suporte.
5] Schenker utiliza este termo para se referir à aproximação melódica à nota principal.
Costumamos usar os termos bordadura ou escapada, dependendo de sua ocorrência
melódica. Nota vizinha se refere a ambos. Fraga (2011, p. 19) utiliza o termo tom vizinho,
que preferimos evitar para não confundir com a aproximação das tonalidades por ciclo de
quintas.
[6] Embora os gráficos schenkerianos não abordem o ritmo, uma vez que este era considerado por ele como parte da superfície, isto não quer dizer que fatores rítmicos não influam
nas escolhas sobre o que pertence à estrutura ou à superfície no desdobramento da composição. Muitos dos schenkerianos atuais (Rothstein, 1989; Lester, 1986; Samarotto,
1999) utilizam o ritmo para esclarecer o significado melódico-harmônico de um momento
musical no contexto complexo da composição.
[7] Prefixos da nota primária são possíveis. No entanto, raramente ocorrem por graus
conjuntos descendentes. Não faria, logicamente, sentido pensar que 3 viesse precedido por 5
e 4 sem que estes fossem considerados parte da linha fundamental.
4. Referências
Bortz e Brolo. (2009). Percepção musical e improvisação: Um estudo dirigido. Anais do V Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais Simcam 5, 530-534.
Bortz. (2010). Contextualização musical no treinamento auditivo: Transferindo memórias à prática musical. Anais do VI Simpósio de Cognição e
Artes Musicais – Simcam 6, 1-8.
Forte, A. (1959). Schenker's conception of musical structure. Journal of
Music Theory, 3/1, 1-30.
Forte, A. & Gilbert, S.E. (1982). Introduction to schenkerian analysis. New
York: Norton.
Fraga, O. (2011). Progressão linear: Uma breve introdução à teoria de Schenker.
Londrina: Eduel.
531
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Lester, J. (1986). The rhythms of tonal music. New York: Schimer.
Neumeyer, D. & Tepping, S. (1992). A guide to schenkerian anaylisis. Englewood Cliffs: Prentice Hall.
Ottman, R. W. (1995). Music for sight singing. Upper Saddle River: Prentice
Hall.
Rothstein, W. Phrase rhythm in tonal music. New York: Schirmer, 1990.
Samarotto, F. (1999). Strange dimensions: regularity and irregularity in
deep levels of rhythmic reduction. In C. Schachter & H. Siegel (Ed.),
Schenker studies 2 (pp. 222-238). Cambridge: Cambridge University
Press.
Schenker, H. (1979). Free Composition. Vol III. (E. Oster, Trad.). New York:
Longman. (Trabalho original publicado em 1935).
Salzer, F. (1952). Structural hearing: Tonal coherence in music. New York:
Dover.
532
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Factores expresivos y dramáticos
en la estimación subjetiva del
tamaño de los intervalos melódicos
Favio Shifres
[email protected]
Universidad Nacional de La Plata, Argentina
María Inés Burcet
[email protected]
Universidad Nacional de La Plata, Argentina
Resumen: Este estudio se propone observar la incidencia que tendrían
factores no estructurales que intervienen en la ejecución musical, en la
ponderación del tamaño de los intervalos melódicos. Para ello se realizó
un test en la que los sujetos (N=191) debían estimar el tamaño de una serie de intervalos melódicos en el tiempo real de la ejecución de una pieza
musical de alto contenido expresivo-dramático, involucrando diferentes
modalidades sensoriales en el momento de la escucha. Los resultados
permitieron advertir que además de ciertos factores estructurales contextuales (como por ejemplo lo escuchado en las frases previas), ciertos aspectos expresivos y dramáticos podrían estar incidiendo en la percepción
de su tamaño. A pesar de que un mismo intervalo fue ponderado significativamente como de mayor tamaño en su aparición más destacada dramáticamente en todas las condiciones, ciertas cuestiones metodológicas impiden vincular esas diferencias exclusivamente a factores no estructurales.
Se critican tales problemas y se proponen alternativas para el abordaje de
un nuevo experimento.
Palavras-chave: Intervalo melódico – tamaño subjetivo– expresión
Expressive and dramatic factors in subjective size estimation of melodic intervals
Abstract: This study aims to monitor the impact of non structural factors,
which are entailed in expressive musical performance, in subjective measuring of melodic intervals. A test was run in which subjects (N = 191) had
to subjectively estimate the size of a series of melodic intervals in the realtime during the performance of a music piece with high expressive and
dramatic content, involving different sensorial modalities across four ex-
533
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
perimental conditions. Findings showed that expressive and dramatic aspects could be influencing the perception of size. However some contextual structural attributes (such as the serial position in the chain of focused
intervals during the trial) could have incidence in such appreciation. Although an interval was significantly estimated as larger than another identical one when dramatic and expressive context was more prominent, in all
the conditions, certain methodological issues prevent link these differences only to non-structural factors. We criticize such problems and propose alternatives for addressing a new experiment.
Keywords: melodic interval – subjective size - expression
1. Introducción
534
El concepto de intervalo musical alude a relaciones teóricas que pueden establecerse entre dos sonidos de acuerdo con la altura de cada uno de
ellos. A pesar de su carácter teórico, esas relaciones parecen tener una incumbencia psicológica. En el marco de la Teórica Práctica de la Música,
desarrollada a partir de la necesidad pedagógica de formar músicos prácticos, desde la edad media (Wason, 2002), el intervalo se define como la
relación entre dos alturas de acuerdo con la posición relativa de ellas en
relación con una escala de referencia. Así, por ejemplo, la relación entre una
frecuencia de 220 Hz y otra de 440 Hz es, en el contexto de la música tonal,
la distancia de 8ª, porque de acuerdo con dicho sistema, la primera altura se
ubica a 8 grados de la escala de referencia de la segunda altura. Se dice que
esta noción de intervalo entendido como distancia recoge un aspecto perceptual, ya que tendemos a imaginar dos sonidos como más alejados en un
espacio psicológico virtual cuanto más difieren en altura. Esta manera virtual de conceptualizar la relación entre los sonidos encuentran un fundamento plausible en la Teoría de la metáfora conceptual, según la cual existen
construcciones metafóricas de origen sensoriomotríz que permiten comprender dominios abstractos de la experiencia humana en términos de dominios más concretos y sensibles (Lakoff y Johnson 1999; Zbikowski,
2002; Gibbs, 2008). Al entender la relación de alturas como distancia se
puede establecer una medida (en términos de grados de una escala de refe-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
rencia) como modo de describirla objetivamente (Leman, 2008; XXX, en
prensa). Sobre esta quimera de objetividad se ha construido una buena
parte de la pedagogía musical (XXX, 2007), en la que el concepto de intervalo ocupa un lugar privilegiado (XXX, 2012).
Sin embargo, el ejercicio musical cotidiano nos dice que la medida no
alcanza para caracterizar la experiencia del intervalo (XXX, 2012; XXX, en
prensa). Así puede ocurrir que consideremos dos intervalos como diferentes, aunque sepamos que sus medidas son iguales. La tradición cognitivoestructuralista de la psicología de la música, en línea con la musicología
objetivista del siglo XX, vincula estas diferencias experienciales con atributos estructurales de esos intervalos en el contexto de las obras musicales
estudiadas. Así, por ejemplo, se abordó sistemáticamente el estudio de la
incidencia de atributos estructurales, intrínsecos y contextuales, de los intervalos, tales como el jerarquía tonal de los sonidos involucrados, la posición métrica, la direccionalidad o el registro. En este marco, por ejemplo,
Russo y Thompson (2005) mostraron que los intervalos ascendentes son
percibidos como más grandes que los descendentes en registro agudo, y los
intervalos descendentes son percibidos como más grandes que los ascendentes en el grave.
Más recientemente, algunos autores han propuesto hipótesis sobre la
influencia de otros factores contextuales podrían incidir en la estimación
subjetiva del tamaño del intervalo. En sintonía con estudios en lingüística
pragmática, Thompson, Russo & Livingstone (2010) demostraron que las
expresiones faciales son importantes para la percepción de la música. Particularmente, tales expresiones de los intérpretes inciden significativamente
en la emoción comunicada al oyente (Correia Salgado, 2001; Thompson,
Graham & Russo, 2005). Entre otras cosas, las expresiones faciales de los
cantantes reflejan la dimensión del intervalo cantado (Thompson y Russo
(2007). Las expresiones del rostro de los cantantes podrían estar reflejando
la medida del intervalo como secuela de la demanda técnico-vocal. Pero
también como consecuencia de la comunicación de un contenido emocio-
535
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
nal vinculado al intervalo cantado, como proponían las teorías clásicas sobre significado musical (Cooke 1959).
En síntesis, se asume que un oyente estima el tamaño del intervalo en
correspondencia con la medida objetiva que se desprende de considerar los
grados de la escala que involucra Pero asimismo esa estimación dependería
de otros factores. Estos pueden ser estructurales (registro, contexto armónico, relaciones tonales, posición métrica, configuración rítmica, etc.) o no
estructurales (gestos, movimientos, etc.). Aunque la tradición estructuralista vincula también a estos últimos con la medida objetiva (asumiendo, por
ejemplo que los gestos se corresponden con problemas propios de la ejecución que los factores estructurales ocasionan), resulta relevante estudiar la
incidencia de factores no estructurales desvinculados de los problemas
técnicos de ejecución. Este trabajo se propone avanzar en esta dirección
observando la incidencia de factores expresivos y dramáticos propios de la
ejecución que no están vinculados a los problemas técnico-estructurales. Se
estudian las estimaciones de tamaño de los intervalos melódicos en la ejecución cantada a la luz del contexto expresivo de la pieza musical y de las
modalidades sensoriales involucradas en el momento de la escucha.
2. Método
2.1. Sujetos
191 estudiantes universitarios iniciales de música participaron en el
experimento.
536
2.2. Estímulos
Se seleccionó el aria O mío babbino caro de Gianni Schicchi de Puccini
por su particularidad de desplegar grandes intervalos melódicos con gran
potencial expresivo, algunos de los cuales fueron elegidos como target para
la ponderación subjetiva de su tamaño por parte de los sujetos. Y presentar
giros melódicos iguales con texto diferente, por lo tanto con diferente ex-
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
presión dramática (Figura 1). Esto permite comparar los intervalos por su
contenido dramático manteniendo sus características estructurales.
Se registró en video a una soprano profesional cantando la pieza
acompañada por la grabación de la versión orquestal (Brightman, 1997)
brindando el marco tonal. A pesar de que esa banda instrumental se escucha en la grabación, su nivel de intensidad es bajo, de modo de que la línea
melódica cantada quedó notablemente en relieve. La imagen de este video
se denominó imagen a, y el sonido, sonido a.
Figura 1. Partitura de la melodía de O mio babbino caro (Puccini). En rojo los intervalos target del test.
Luego se seleccionó una filmación (imagen b) de un paisaje de montaña con un suave movimiento de la cámara que brindaba una imagen
dinámica, cuyos movimientos no estaban directamente vinculados a ningún
aspecto sonoro. La banda instrumental que sirvió de base a la cantante en el
537
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
video tomado se denominó sonido b. Finalmente se grabó una versión
MIDI de la melodía de la figura 1 sobre la misma base orquestal, de modo
de controlar la variable dinámica y presentar todos los sonidos con la misma
intensidad. La variable timing pudo ser controlada, porque la base orquestal
grabada imponía cierta variabilidad de timing impidiendo ecualizarlo. Esta
grabación se denominó sonido c.
Combinando imágenes y sonidos, se obtuvieron 4 videos para las diferentes condiciones del experimento: Video 1: imagen a y sonido a; Video
2: imagen b y sonido a; Video 3: imagen b y sonido b; Video 4: imagen b y
sonido c. Para indicar a los oyentes el intervalo cuyo tamaño debían estimar
(intervalo target), los videos 1 y 2 fueron señalizados visualmente con la
aparición en tiempo real del texto que la cantante articulaba en los dos sonidos que conformaban cada intervalo seleccionado (Figura 2a). En los
videos 3 y 4, debido a que la melodía era instrumental, sin texto, los intervalos seleccionados fueron señalizados con círculos que aparecían en el momento en que sonaba cada nota (Figura 2b).
a
b
Figura 2. Señalización visual de los intervalos target en los estímulos audiovisuales.
538
2.3. Aparatos
La cantante fue filmada con una cámara JVC digital. Todos los estímulos fueron procesados con el programa Final Cut Pro (para Mac). Los ejemplos fueron reproducidos a través de un proyector a una pantalla de tamaño
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
cinematográfico en un micro-cine, el sonido fue amplificado desde la computadora para adecuarlo a las dimensiones de la sala.
2.4. Procedemiento
La prueba constó de 5 ejemplos. En cada uno de ellos se señalaban 5
intervalos target (25 ponderaciones, así algunos intervalos target fueron
ponderados 2 veces y otros 3). Los sujetos escuchaban dos veces cada
ejemplo: la primera para ubicar los intervalos target, y la segunda para ir
ponderando el tamaño de cada uno de ellos. Se les pidió que estimaran el
tamaño de cada intervalo target marcando una cruz en un segmento horizontal de 100 mm de largo, cuyo extremo izquierdo representaba muy pequeño y el derecho muy grande. Previamente escuchaban una vez la pieza
completa para familiarizarse, y hacían un ensayo a manera de aprestamiento
con un ejemplo extra (en los que se señalaban otros intervalos que luego no
fueron tomados en la prueba, los intervalos 10 y 11 de la figura 1).
2.5. Diseño
Los sujetos fueron distribuidos aleatoriamente en 4 condiciones. En la
condición 1, los sujetos veían y escuchaban a la cantante (video 1). En la
condición 2, veían el paisaje (imagen b) y escuchaban a la cantante (video
2). En la condición 3, veían el paisaje y escuchaban la versión instrumental
expresiva (video 3) y en la condición 4, veían el paisaje y escuchaban la
versión instrumental MIDI (video 4). Los test fueron tomados en
pequeños grupos y los 5 ejemplos fueron presentados de manera aleatorizada en cada grupo.
3. Resultados
Se tomó la medida de cada segmento de la planilla de respuestas desde
el extremo izquierdo hasta la cruz, dando el valor de la estimación en una
539
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
escala de 0 a 100. Por razones de espacio se reportan aquí solamente los
resultados para los intervalos target 7 y 8. Se trata de una 3ª menor entre Fa5
y Lab5. La melodía se repite, pero el texto y la situación dramática cambian
notablemente. Es la primera aparición de este intervalo (intervalo 7), el
personaje Lauretta se muestra ingenua y aparentemente feliz por su decisión de casarse. Por el contrario, es su segunda aparición (intervalo 8), Lauretta ya ha revelado su intención de suicidarse si su padre no permite la
boda, y el carácter de la situación cambia totalmente al decir que “sufro y me
atormento”. Los intervalos 7 y 8 se ponderaron 3 veces a lo largo de la prueba, dos de ellas en el mismo ejemplo, y la tercera vez en dos ejemplos por
separado. De esta manera el foco de atención sobre el intervalo 8 estaba
puesto, en los dos primeros ejemplos, de inmediato luego de escuchar el
intervalo 7. Por el contrario en la última ponderación, el intervalo 8 sucedía
al 6 (que es una 8ª). Este dato del diseño es importante porque la ponderación del tamaño del intervalo podría estar relacionada con el tamaño real de
los otros intervalos target. Así, se podría suponer que si un sujeto escucha un
intervalo mayor antes, va a tender a “achicar” su ponderación del intervalo
que escucha después, debido a que ese intervalo es “relativamente” más
pequeño.
540
Teniendo en cuenta esto se realizó un ANOVA de Medidas Repetidas
(2x3x4), tomando al intervalo (7 y 8) y la ponderación (1, 2 o 3) como factores intra-sujetos y la condición (1, 2, 3, y 4) como factor entre-sujetos. Los
resultados muestran que el factor intervalo resultó altamente significativo
(F[1-187] = 98.681; p<.000), siendo la media de la estimación subjetiva del
tamaño del intervalo 7 de 48.072 y la del intervalo 8 de 58.35. Esto muestra
que a pesar de ser exactamente iguales desde el punto de vista estructural, el
segundo intervalo es estimado siempre como más grande. El factor ponderación también resultó altamente significativo (F[2-187] = 10.047; p<.000), siendo significativa la diferencia entre la primera ponderación y las dos restantes, y no significativa la diferencia entre la segunda y la tercera ponderación.
Esto denota que los oyentes tendieron a estimar el tamaño de la 3ª menor
en cuestión como más grande luego de atender a la octava, que luego de
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
atender a un intervalo más pequeño (a una cuarta o una tercera mayor). El
factor intersujetos condición también resultó significativo (F[3-187] = 4.004; p
= .009). Un test post-hoc (Tukey HDS) reveló diferencias significativas
entre la condición 3 (media C3 = 46.347) y las otras tres condiciones (media C1 = 57.092; media C2 = 54.478 y media C4 = 54.926) . Se ve entonces
que, en la versión instrumental expresiva, los sujetos tienden a considerar
los saltos como más pequeños. Finalmente arrojó una significación marginal la interacción intervalo y condición (F[1-3]=2.746; p = .044). La figura 3
muestra que la mayor diferencia entre el intervalo 7 y el 8 se da en la condición 3, y la menor diferencia en la condición 4.
Figura 3. Medias de las estimaciones de tamaño de los intervalos 7 y 8 en las cuatro condiciones de la
prueba.
4. Discusión
En este trabajo se propuso observar la incidencia de factores expresivos
en una tarea de estimación de la dimensión de los intervalos. Para ello se
analizaron la poderaciones subjetivas del tamaño de dos intervalos estructuralmente iguales localizados a lo largo de una melodía, en 4 condiciones
diferentes. La diferencia entre las medias del tamaño asignado para uno y
otro intervalo reflejan que, aun cuando la teoría considera que se trata del
mismo intervalo, no se perciben como similares, y esto podría deberse tanto
a su localización dentro del discurso, refiriéndonos especialmente a la esti-
541
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
mación de la medida de los saltos anteriores, como a factores expresivos
propios de la ejecución de cada uno.
Debido a que en todas las condiciones la estimación subjetiva del intervalo 7 fue significativamente menor que la del intervalo 6, lo que hace
desestimar la influencia de factores estructurales, pero que no se obtuvieron
las diferencias previstas para las cuatro condiciones, se ponen de manifiesto
algunos problemas metodológicos. En primer lugar las mayores diferencias
observadas entre los intervalos comparados en la condición 3 contradicen
la predicción. Esto puede deberse a que para esa condición se utilizó el arreglo orquestal que cambia la instrumentación del intervalo 7 al 8, y fundamentalmente lo cambia de octava. Este cambio no permite desestimar dicho aspecto estructural. A su vez, la condición 4 también se alejó de la predicción. En este caso la imposibilidad de ecualizar el timing pudo haber
incidido en ese alejamiento, ya que son numerosos los estudios que indican
que el timing es una variable expresiva decisiva a la hora de influir sobre
aspectos estructurales (Repp 1998). Es necesario por lo tanto construir un
estímulo en el que tanto dinámicas como timing resulten ecualizados.
5. Referencias
Brightman, S, (1997). Sarah Brightman & London Symphony Orchestra,
TheTimeless. EastWest Records. GmbH 0630-19066-2, track 12.
Cooke, D. (1959). The Language of Music. New York: Oxford University
Press.
542
Correia Salgado, A. G. (2001). Contributo para a Comprennsao de Alguns
dos processos perceptivos e cognitivos implicados no
reconhecimiento da expressao da emocao facial e vocal no canto. In F.
Shifres (Ed.). La Música en la Mente. Buenos Aires: SACCoM, s/p.
Gibbs, R. (Ed.) (2008). Cambridge Handbook of Metaphor and Thought.
New Yoirk: Cambridge University Press.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Lakoff, G. & Johnson, M. (1999). Philosophy in the flesh. New York: Basic
Books.
Leman, M. (2008). Embodied Music Cognitivon and Mediation Technology.
Cambridge, MA & London: The MIT Press.
Repp, B. H. (1998). A microcosm of musical expression. I. Quantitative
analysis of pianists’ timing in the initial measures of Chopin’s Etude in
E major. Journal of The Acoustical Society of America, 104 (2), 10851100.
Russo, F. A. & Thompson, W. F. (2005). An interval size illusion: The influence of timbre on the perceived size of melodic intervals. Perception &
Psychophysics, 67 (4), 559-568.
Schifres, F. (2007) La Educación Auditiva en la Encrucijada. Algunas reflexiones sobre la Educación Auditiva en el escenario de recepción y
producción musical actual. En M. Espejo (Ed.) Memorias de las II Jornadas Internacionales de Educación Auditiva. Tunja, Colombia.
UPTC, pp.64-78.
______. (unpublished). Descripciones Musicales. In F. Shifres & M. I.
Burcet (Coord.) Escuchar y Pensar la Música. Bases Teóricas y Metodológicas. Colección “Libros de Cátedra” de la Editorial Universitaria de La
Plata. Secretaría Académica UNLP.
Schifres, F. & Burcet, M, I. (2012). Escuchar Intervalos (?) Medición vs.
Experiencia. In F. Shifres (Ed.). II Seminario sobre Adquisición y Desarrollo del Lenguaje Musical en la Enseñanza Formal de la Música. (Actas) (5966).Buenos Aires: SACCoM.
Thompson, W. F; Graham, P. & Russo, F. A. (2005). Seeing music performance: Visual influences on perception and experience. Semiotica, 156,
203-227.
Thompson, W.F. & Russo, F.A. (2007). Facing the music. Psychological
Science, 18, 756-757.
543
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Thompson, W.F.; Russo, F.A. & Livingstone, S.R. (2010). Facial expressions of singers influence perceived pitch relations. Psychonomic Bulletin
& Review, 17(3), 317-322.
Wason, R.W. (2002). Musica Practica: music theory as pedagogy. In T.
Christensen (Ed.) The Cambridge History of Western Music Theory.
Cambridge: University Press, 46-77.
Zbikowski, L. M. (2002). Conceptualizing Music. Cognitive Structure, Theory
and Analysis. Oxford: University Press.
544
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Categorização de ouvido absoluto
em estudantes de música de
nível universitário das cidades de
São Paulo e Brasília
Nayana Di Giuseppe Germano
[email protected]
Instituto de Artes da UNESP
Patricia Maria Vanzella
[email protected]
Departamento de Música da UnB
Mariana Elisa Benassi Werke
[email protected]
Psicobiologia/UNIFESP
Maria Gabriela Menezes de Oliveira
[email protected]
Psicobiologia/UNIFESP
Resumo: O ouvido absoluto (OA) é um traço cognitivo raro caracterizado pela capacidade de identificar a altura de qualquer nota musical sem referência externa. Este trabalho teve como objetivo fazer um levantamento
estatístico da prevalência de alunos com OA em cursos de música de sete
instituições de nível superior nas cidades de São Paulo e Brasília e, ao
mesmo tempo, propor uma categorização para os diferentes tipos de OA
identificados. Participaram desta pesquisa 731 estudantes, dos quais 47
(6.42%) declararam possuir OA. Algum aspecto genético parece ter relevância para a aquisição do OA, pois entre os estudantes que se declararam
portadores do fenômeno, 37.5% afirmaram possuir familiares músicos
também portadores desse traço cognitivo, enquanto que dentre os estudantes que se declararam não portadores, apenas 7.77% alegaram possuir
familiares com essa habilidade. O início dos estudos musicais precoce parece também ser decisivo para a aquisição do OA, pois 74.46% dos alunos
declarados portadores de OA iniciaram seus estudos entre 3 e 10 anos de
idade, enquanto apenas 39.04% dos alunos declarados não portadores iniciaram seus estudos com a mesma idade. A compreensão do desenvolvimento deste traço cognitivo pode ajudar no aprimoramento dos métodos
atuais de ensino da percepção musical.
545
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Palavras-chaves: Ouvido Absoluto, Prevalência, Percepção Musical
Prevalence of Absolute Pitch in Music Schools of São Paulo and Brasília
Abstract: Absolute pitch (AP) is a rare cognitive trait defined as the ability
to identify the pitch of any musical note without external reference. The
objective of this research was to assess the prevalence of AP among undergraduate music students in São Paulo and Brasília and to suggest a categorization for the different types of AP identified. This study surveyed 731
students of seven Brazilian music schools in colleges and universities.
Among this pool of students, 47 (6.42%) declared to possess AP. Genetics
seems to influence the acquisition of this cognitive trait, as amongst the
students who declared to possess the ability, 37.5% have relatives with AP,
whereas amongst those who declared to be non possessors, only 7.77% allegedly have AP possessors in their family. The early beginning of musical
training also seems to facilitate the acquisition of AP, as 74.46% of those
who declared to have AP begun their musical studies between 3 and 10
years of age, whereas only 39.04% of those who declared to be non possessors begun their studies at the same age. The study of this ability can shed
light into the mechanisms involved in the acquisition of this cognitive trait
and help to improve current methods of ear training.
Keywords: Absolute pitch, Prevalence, Musical Perception
546
1. Introdução
O ouvido absoluto (OA) é um traço cognitivo caracterizado pela capacidade de identificar a altura de qualquer nota musical isolada usando
rótulos como dó (261 Hz) e/ou de produzir uma nota musical específica
(através do canto, por exemplo) sem nenhuma referência externa. (Bachem, 1937; Baggaley, 1974; Ward, 1999). Estima-se que a prevalência de
OA na população em geral seja de 1/10.000 (Bachem, 1955; Takeuchi e
Hulse, 1993). Entre músicos, a prevalência parece ser de 5 a 50/100, sendo
que a maior concentração encontra-se entre estudantes de música asiáticos
(Welleck, 1963; Chouard e Sposetti, 1991; Gregersen et al., 1999). Assim
como a linguagem, o OA parece se desenvolver durante um período crítico
que ocorre nos primeiros anos de vida (Ward, 1999). Músicos que iniciam
cedo seu treinamento musical, em geral antes dos seis anos de idade, têm
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
maior propensão a desenvolver a habilidade do que os que começam mais
tarde (Sergeant, 1969; Welleck, 1963).
Alguns estudos descrevem diferenças significativas entre portadores de
OA quanto à percepção de alturas, especialmente no que se refere à sensibilidade em relação ao timbre e ao registro, assim como diferenças no grau de
acuidade ao nomear ou produzir tons musicais (Bachem, 1937). Com base
nas pesquisas de Bachem podemos definir como ponto de partida que existem diferentes tipos de OA, porém um estudo mais detalhado sobre as
peculiaridades do funcionamento e das características deste traço cognitivo
ainda mostra-se necessário, tendo em vista, por exemplo, que a própria
definição de OA ainda se encontra longe de ser consensual entre os autores
pesquisados. Com esta questão em mente, em 2007 foi iniciada uma pesquisa que investigou a prevalência de portadores do fenômeno, realizando
também a categorização dos diferentes tipos de OA encontrados em estudantes de música brasileiros. Os dados foram obtidos com base em questionários aplicados nos cursos de Bacharelado e Licenciatura em Música em
universidades paulistanas e na Universidade de Brasília cuja questões visavam apurar aspectos específicos da aprendizagem musical, existência de
familiares músicos e características individuais do ouvido absoluto dos
alunos investigados.
2. Objetivos
O objetivo deste trabalho foi dar prosseguimento à pesquisa de prevalência e categorização do OA iniciada no ano de 2007 em Brasília (Vanzella
et al., 2008), aplicando o questionário desenvolvido para aquela pesquisa
em instituições de ensino superior em Música da cidade de São Paulo a fim
de verificar a prevalência de estudantes portadores de OA nesta cidade e, ao
mesmo tempo, categorizar os diferentes tipos de ouvidos absoluto identificados.
547
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
3. Materiais e Métodos
O protocolo utilizado consistiu primeiramente na assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, seguido de coleta de informações sobre a identificação do sujeito participante e, finalmente, na aplicação
de um questionário de 33 perguntas. As questões visavam apurar 1) a prevalência do OA entre estudantes de música de nível universitário; 2) a relação
entre OA e a idade de início do treinamento musical; 3) particularidades
quanto à percepção auditiva entre aqueles que se declararam portadores de
OA (em relação à sensibilidade a diferentes timbres, ao registro, à produção
vocal e quanto ao tempo de reação para a nomeação de tons); 4) o tipo de
treinamento musical recebido por estudantes portadores e não portadores
de OA quanto à notação musical e solfejo; 5) a presença desta habilidade
cognitiva em membros da família daqueles que afirmaram ser portadores
de OA.
Tal questionário foi aplicado nas seguintes instituições: Universidade
de Brasília (UnB), Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
(UNESP), Centro Universitário Uni FIAM-FAA, na Faculdade Santa Marcelina (FASM), Faculdade Integral Cantareira (FIC), Universidade de São
Paulo (USP) e Faculdade Paulista de Artes (FPA).
4. Resultados
548
Dos 731 estudantes que participaram da pesquisa (UnB, UNESP, FAAM, FASM, FPA, FIC e USP [1]), apenas 47 declararam ter com certeza
OA. Os demais disseram não possuir a habilidade (529 alunos) ou não ter
certeza (155 alunos).
PREVALÊNCIA DE PORTADORES DE OUVIDO ABSOLUTO
GRUPOS
ALUNOS
Portadores
47 (6.42%)
Não Portadores
529 (72.36%)
Incertos
155 (21.20%)
TOTAL
731 (100%)
Tabela 1. Prevalência de ouvido absoluto [2]
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
De acordo com os dados coletados, podemos perceber que o número
de estudantes de música que se declararam portadores de OA (6.42%) é
muito menor do que o número de estudantes de música que se declararam
não portadores de OA (72.36%). Apesar de nossos dados corroborarem
estudos anteriores que afirmam que a prevalência de portadores de OA
entre músicos seja de 5 a 50/100 (Welleck, 1963; Chouard e Sposetti,
1991; Gregersen et al., 1999), não podemos negligenciar a alta porcentagem de estudantes que declararam não ter certeza de possuir esse traço
cognitivo (21.20%).
A idade de início dos estudos de música parece influenciar na manifestação do OA:
Idade
De 3 a 6
anos
De 7 a 10
anos
De 11 a 15
anos
De 16 a 20
anos
Depois dos
21 anos
TOTAL
IDADE DE ÍNICIO DOS ESTUDOS DE MÚSICA
Portadores
Incertos
16 (34.04%)
28 (18.18%)
Não Portadores
44 (8.42%)
19 (40.42%)
49 (31.81%)
160 (30.65%)
11 (23.40%)
56 (36.36%)
209 (40.03%)
1 (2.12%)
13 (8.44%)
84 (16.09%)
0 (0%)
8 (5.19%)
25 (4.78%)
47 (100%)
154 (100%)
522 (100%)
Tabela 2. Idade de início dos estudos de música [3]
Comparando a idade de início dos estudos de música entre o total de
estudantes portadores de OA e o total de estudantes não portadores de OA,
verificamos que os grupos diferem estatisticamente (x2 = 17.1, p < 0.05) [4],
isso sugere que a idade de início precoce dos estudos musicais pode determinar a aquisição do OA. A Anova seguida do teste de Tukey para números
diferentes mostrou que a média de idade de início do treinamento musical
549
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
do grupo dos portadores de OA é inferior à dos grupos dos não portadores
e estudantes incertos F(2.719) 16,178 (p < 0.0001). Os últimos dois grupos
não diferem estatisticamente.
Podemos ver a média de idade dos 3 grupos no gráfico que se segue:
Idade
Média de Idade
16
14
12
10
8
6
4
2
0
13,685
9,715
8,21
11,11
8,36
14,755
12,26
9,765
6,705
Com Ouvido
Absoluto
Estudantes
Incertos
Sem Ouvido
Absoluto
Gráfico 1. Média e +/-- desvio padrão da média da idade de início dos estudos de música.
música
diferente dos outros 2 grupos. Teste de Tukey posterior à Anova.
550
P< 005
Dos 294 voluntários que disseram possuir familiares músicos, apenas
30 declararam ter um ou mais
ais parentes com OA. Dentre os voluntários
portadores de OA, 37.05% revelaram ter parentes também portadores; já
no grupo de não portadores de OA, apenas 7.77% disseram ter familiares
portadores. Esses dados contrastantes tornam os dois grupos diferentes
estatisticamente
statisticamente (x2 = 15.11, p < 0.05), e corroboram estudos anteriores que
afirmam que a manifestação do OA está possivelmente associada a fatores
genéticos (Gregersen et al., 2000; Profita et al., 1988; Baharloo et al., 1998).
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Seu familiar que é músico
possui OA?
Sim
Não
Não sei
TOTAL
FAMILIARES MÚSICOS
PORTADORES
NÃO PORTADORES
9 (37.5%)
10 (41.66%)
5 (20.83%)
24 (100%)
21 (7.77%)
144 (53.33%)
105 (38.88%)
270 (100%)
Tabela 3. Tabela feita apenas com estudantes que declararam possuir parentes músicos na família.
Tais estudantes foram questionados se tais parentes eram ou não portadores de OA.
5. Discussão
No total dos alunos das sete universidades que se declararam portadores de OA, pôde-se observar, através da análise das respostas fornecidas no
questionário, a existência de particularidades com relação à percepção auditiva. Tais particularidades devem-se, sobretudo, às seguintes variáveis:
• Timbres de maior ou menor facilidade de reconhecimento (46.8%
declararam possuir dificuldades com alguns timbres).
• Registros de maior ou menor facilidade de reconhecimento. O registro com maior facilidade de reconhecimento é o registro médio
(assinalado 36 vezes). O registro agudo foi o segundo mais assinalado como fácil de reconhecer (34 vezes) e o registro grave se mostrou
como o de maior dificuldade de reconhecimento (assinalado apenas
24 vezes).
• Tempo de reflexão necessário para o reconhecimento da nota ouvida. Do total de estudantes declarados portadores de OA, 89.18%
declararam reconhecer a nota ouvida imediatamente ou com no máximo 3 segundos de reflexão [5].
• Precisão na identificação das notas (erros de meio tom ou até erros
de mais de meio tom). A maioria dos estudantes declarados portadores de OA responderam que eventualmente cometem erros de semitom (54.05%), 15 dos alunos pesquisados declararam acertar sem-
551
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
pre (40.54%), e ainda 2 deles disseram eventualmente errar por mais
de meio tom (5.40%).
• Capacidade de produzir vocalmente qualquer tom sem referência
externa. A maioria dos alunos declarados portadores
tadores de OA
(55.55%) e os estudantes incertos de possuir a habilidade (61.29%)
alegam que conseguem cantar a nota solicitada com precisão, mas
somente após um pouco de reflexão [6].
5.1. Categorias
É importante ressaltar que nosso estudo é baseado apenas
apena em depoimentos, e nesse sentido, seria interessante que futuramente fossem feitos
testes que pudessem avaliar empiricamente as afirmações fornecidas pelos
voluntários. É imprescindível, portanto que vejamos as categorias aqui sus
geridas apenas como preliminares.
inares. A classificação dos diferentes tipos de
OA que estamos propondo foi realizada com base nas variáveis mencionamencion
das acima. Sendo assim definimos cinco categorias de OA e duas subcatesubcat
gorias que englobam alguns dos estudantes já contemplados nas categorias
categor
anteriores.
O quadro a seguir revela a porcentagem de alunos em cada categoria:
Categorias
4.4% 6.6%
OA Preciso
26.6%
552
44.4%
17.7%
OA Preciso
Limitado
OA Quase
Preciso
Gráfico 2. Categorias dos tipos diferentes de OA feitas a partir de dados coletados
coletado [7]
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Ouvido Absoluto Preciso: Portadores de OA que apresentam grau
absoluto (ou total) de acuidade, ou seja, que nunca cometem erros
(nem mesmo de semitom) na identificação de notas, que não apresentam nenhum tipo de dificuldade referente ao registro ou timbre e
que apresentam tempo de resposta de até 3s. Além disso, todos conseguem cantar imediatamente ou após um pouco de reflexão qualquer nota solicitada (sem referência externa).
Ouvido Absoluto Preciso Limitado: Portadores de OA que apresentam características semelhantes aos classificados no grupo acima
(nunca cometem erros e realizam a identificação de alturas em até 3
segundos), porém, reportam limitações em relação a timbre e/ou registro.
Ouvido Absoluto Quase Preciso: Portadores de OA que se enquadram nesta categoria eventualmente cometem erros de semitom,
identificam uma nota em até 3 segundos, apresentam dificuldade de
reconhecimento em até dois timbres, nenhuma ou apenas uma limitação de registro e conseguem cantar uma nota solicitada imediatamente ou após um pouco de reflexão (sem referencia externa).
Ouvido Absoluto Não Preciso: Portadores de OA que declararam
errar eventualmente por 1 tom se enquadram nessa categoria. Conseguem reconhecer uma nota em até 3 segundos.
Ouvido Absoluto Não Imediato: Essa categoria é dedicada aos alunos portadores de OA que necessitam de um tempo maior que a
média para o reconhecimento de tons (mais de 3 segundos, chegando até a 15 segundos).
5.2. Subcategorias
Os alunos apresentados nas duas subcategorias que se seguem já estão
presentes em alguma das categorias descritas acima. O intuito das subcate-
553
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
gorias é realçar algumas características específicas de alguns dos portadores
de OA.
Ouvido Absoluto Não Cantável: Os alunos que se enquadram nessa
subcategoria alegaram incapacidade de cantar uma nota solicitada sem
referência externa, mesmo após reflexão. Estes alunos reconhecem uma
nota ouvida em até 3 segundos e não apresentam um padrão quanto à habilidade na identificação de notas [8]. Apresentam limitações para timbres
diversosw [9] e quase todos apresentam limitação para o registro grav3
[10]. Quatro alunos (8.8%) se enquadram nessa categoria.
Ouvido Absoluto Limitado para o Timbre da Voz: Tal subcategoria é dedicada aos alunos que declararam ter dificuldade apenas para o timbre da voz e facilidade para todos os outros. Esses alunos reconhecem tons
imediatamente, acertam sempre ou erram eventualmente por meio tom e
não possuem dificuldade em nenhum registro [11]. Cinco alunos (11.1%)
se enquadram nessa categoria.
554
Notas
[1] Pesquisa realizada com alunos matriculados nos cursos de graduação das faculdades
mencionadas nos anos de 2007 a 2011.
[2] Todos os gráficos e tabelas presentes neste artigo se referem a dados coletados em
estudantes de música matriculados nas sete universidades mencionadas (UnB, UNESP,
FAAM, FASM, FPA, FIC e USP).
[3] Um estudante que declarou não ter certeza de ser portador de OA e sete estudantes
que se declararam não portadores de OA não responderam a questão e por isso foram
eliminados dessa tabela.
[4] O qui-quadrado, simbolizado por x2, consiste numa ferramenta estatística para a comparação de variáveis independentes com observações discretas. Em nosso trabalho, o teste
foi utilizado para a comparação das frequências observadas para cada um dos grupos,
observando se estes diferem ou se são equivalentes.
[5] Imediatamente ou com até 3 segundos de reflexão são consideras respostas muito
rápidas, o que nesse estudo agruparemos como semelhantes.
[6] Nesse caso, um pouco de reflexão significa um tempo razoavelmente longo (por volta
de 10 segundos ou mais, podendo chegar até 1 minuto).
[7] Categorias baseadas nos depoimentos de apenas 45 alunos declarados portadores de
AO. Dois alunos ficaram de fora dessa etapa, pois deixaram muitas questões em branco.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
[8] Um estudante disse acertar sempre as notas, dois alegaram errar por meio tom e ainda
um deles declarou errar eventualmente por mais de meio tom.
[9] Um aluno declarou não apresentar limitação para nenhum timbre.
[10] Um aluno declarou não apresentar limitação para nenhum registro.
[11] Um aluno declarou apresentar dificuldade no registro grave.
6. Referências
Bachem, A. (1937). Various types of absolute pitch. Journal of the Acoustical
Society of America, 9, 146-151.
Bachem, A. (1955). Absolute pitch. Journal of the American Acoustical Society
of America, 27, 1180-1185.
Baggaley, J. (1974). Measurement of absolute pitch. Psychology of Music, 22,
11-17.
Baharloo, S. et al. (1988). Absolute pitch: an approach for identification of
genetic and nongenetic components. American Journal of Human Genetics, 62, 224-231.
Chouard, C. H. & Sposetti, R. (1991). Environmental and electrophysiological study of absolute pitch. Acta Otolaryngologica, 111, 225-230.
Grerersen, P. K. et al. (1999). Absolute pitch: prevalence, ethnic variation,
and estimation of the genetic component. American Journal of Human
Genetics, 65, 911-913.
Gregersen, P.K., Kowalsky, E., Kohn, N., Marvin, E. W. (2000). Early childhood music education and predisposition to absolute pitch: Teasing
apart genes and environment. Am J Med Genet, 98, 280–282.
Profita, J., Bidder, T. G. (1988). Perfect Pitch. American Journal of Medical
Genetics, 29, 763-771.
Sergeant, D. (1969). Experimental investigation of absolute pitch. Journal of
Research in Music Eduacation, 17, 135-143.
555
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Takeuchi, A. H., Hulse, S. H. (1993). Absolute pitch. Psychological Bulletin,
113 (2), 345-361.
Vanzella, P.; Benassi-Werke, M. G. M.; Oliveira M. E. (2008). Incidência e
Categorização de Ouvido Absoluto em Estudantes de Música da Universidade de Brasília. Anais do SIMCAM4 – IV Simpósio de Cognição e
Artes Musicais (46-53).
Ward, W. D. (1999). Absolute Pitch. In D. Deutsch (Ed.). The Psychology of
Music (pp. 265-298). San Diego: Academic Press.
Welleck, A. (1963). Musikpsychologie und Musikaesthetik: Grundriss der
systematischen Musikwissenschaft. Frankfurt: Akademischer Verlag.
556
Grupos de Estudo
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
MÚSICA, COGNIÇÃO E SAÚDE
Debatedores:
Rosemyriam Cunha, UNESPAR - FAP
Tereza Raquel Alcântara Silva, UFG
Shirlene Vianna Moreira, UBAM
Noemi Nascimento Ansay, UNESPAR - FAP
Clara Márcia Piazzetta, UNESPAR – FAP
Cléo Monteiro França Correia, UNIFESP – SP
Gustavo Gattino, UBAM
Sinopse:
Tem por objetivo articular contribuições advindas do campo de
conhecimento da Musicoterapia com aspectos relacionados ao cérebro, à mente e à música. As atividades desse grupo tiveram início
em 2010, com o objetivo de estudar todas as publicações de musicoterapeutas nos Anais dos SIMCAMs. Na ocasião, os trabalhos se
desenvolveram sob o título Música, Cognição e Musicoterapia. Esse “meta estudo” resultou em quatro categorias: I – Estruturas sonoro-musicais e o funcionamento cerebral; II – Música e dinâmica
do pensamento; III – Vivência dos parâmetros e Elementos sonoro-musicais; IV – Música e interação social. Em seu último encontro, em 2012, a proposta de estudo enfocou dois aspectos: Música e
Plasticidade Cerebral, e Música e Cognição Social. Para o SIMCAM 9 o tema a ser abordado será especificamente o da Plasticidade Cerebral. Desta forma, pretende-se fazer uma aproximação dos
trabalhos realizados no âmbito da Musicoterapia Neurológica, que
envolvem a primeira categoria destacada em 2010. Trataremos assim dos efeitos neurofisiológicos, neuroquímicos e neuromoleculares da música no cérebro, a partir de atividades musicoterapêuticas
específicas. Sabe-se que tanto a escuta como a execução musical ativam várias áreas cerebrais envolvidas nos processos emocionais,
559
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
cognitivos e sensório motores, além de ativar uma série de neurotransmissores e genes relacionados a proteínas do cérebro. Entendemos que a ampliação do conhecimento desses mecanismos
permite a ação mais efetiva da musicoterapia, que visa, através do
sonoro-musical, a respostas funcionais que permitem ao indivíduo
a ampliação do seu grau de autonomia e uma melhor qualidade de
vida. São bem-vindos ao debate todos os interessados neste campo
de conhecimento, sejam pesquisadores com trabalhos em andamento, pesquisadores recém-chegados ou mesmo graduandos e
pós-graduandos que desenvolvam ou pretendam desenvolver pesquisa neste domínio.
Textos de referência:
Altenmuller, E & Schlaug G. (2013). Neurologic music therapy: The
beneficial effects of music making on neurorehabilitation. In The
Acoustical Society of Japan.
Koelsch, S. (2009). The Neurosciences and Music III—Disorders
and Plasticity: Ann. N.Y. Acad. Sci. 1169: 374–384 (2009).
doi: 10.1111/j.1749-6632.2009.04592.x _c 2009 New York
Academy of Sciences.
Koelsch,S.; Siebel S. Walter. A (2005). Towards a neural basis of music perception. Trends in Cognitive Sciences Vol.9 No.12 December Ensevier.
560
Moreira et al. (2012). Neuromusicoterapia no Brasil: aspectos terapêuticos na reabilitação neurológica. In Revista Brasileira de
Musicoterapia.
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
CRIAÇÃO MUSICAL E COGNIÇÃO
Coordenação:
Sonia Ray, UFG
Sinopse:
O objetivo geral do trabalho a ser desenvolvido é identificar possíveis objetos de pesquisa e seus procedimentos metodológicos na
confluência de Criação Musical (considerando-se práticas composicionais e performance musical) e Cognição. Em 2010, o grupo já
coordenado pela profª. Sonia Ray fez um levantamento da produção bibliográfica em composição e performance musicais, dos últimos 5 anos, que tinham como referência processos cognitivos.
Consideraram-se publicações periódicas, anais de congressos, teses
e dissertações defendidas e livros. Analisando-se os anais das cinco
primeiras edições do SIMCAM, foram encontrados 29 artigos sobre performance e 12 artigos sobre composição; nos periódicos
Música Hodie, Permusi, Revista da ABEM, Claves e Em Pauta (de
2005 a 2009) foram encontrados 14 trabalhos sobre performance e
17 sobre composição, no contexto investigado; nos anais dos Congressos da ANPPOM (2005 a 2009) foram encontrados 20 trabalhos sobre cognição e performance e 13 trabalhos sobre cognição e
composição. A investigação nas dissertações e teses dos programas
de pós-graduação não foi concluída, pois as informações dos últimos 5 anos não estavam completas nos sites da maioria dos programas. Na reunião de 2010, a discussão foi aprofundada e optouse por definir descritores (palavras-chave) que auxiliassem pesquisadores da área a melhor identificar essas produções. No último
ano, 2012, a proposta do GE foi de discutir conceitos e aplicações
da cognição musical no processo de criação. Em sintonia com o
tema do SIMCAM 8, dividiu-se a discussão em duas etapas: trajetória (fundamentos da ciências cognitivas, suas vertentes e estado da
arte em estudos brasileiros) e perspectivas (que caminhos as pesquisas apontam para um futuro próximo e a médio prazo). As bases
561
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
para discussão foram publicações dos próprios anais dos SIMCAM
(disponíveis no site da ABCM), bem como textos selecionados.
Como resultado, foi criado um grupo de discussão on-line que não
teve nenhum trabalho publicado. Contudo, as perspectivas levantadas nas discussões apontaram para a necessidade de se discutirem
mais questões aplicativas, a fim de instrumentalizar os pesquisadores recém-chegados à área e ampliar a visão dos já atuantes. A proposta de trabalho no SIMCAM 9 é identificar objetos, procedimentos metodológicos e possíveis associações com estudos de outras
áreas, como estratégia de organização de grupos de pesquisa interdisciplinares. São bem-vindos ao debate todos os interessados neste
campo de conhecimento, sejam pesquisadores com trabalhos em
andamento, pesquisadores recém-chegados ou mesmo graduandos
e pós-graduandos que desenvolvam ou pretendam desenvolver
pesquisa neste domínio.
Textos de referência:
Borém, Fausto; Ray, Sonia. Pesquisa em Performance Musical no
Brasil no Século XXI: problemas, tendências e alternativas. In:
SIMPÓSIO NACIONAL DE PÓS-GRADUANDOS EM
MÚSICA, 2., Rio de Janeiro, 2012. Anais... Rio de Janeiro: Unirio, 2012. p.121-168.
Ilari, Beatriz. Cognição Musical: origens, abordagens tradicionais,
direções futuras. In: Mentes em Música. Ilari, B. e Araujo, R.C.
(Orgs). Curitiba: Deartes, 2009. Pgs. 158-178.
562
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
SEMÂNTICA COGNITIVA E MÚSICA
Coordenação:
Marcos Nogueira, UFRJ
Sinopse:
Grupo de Trabalho proposto para o SIMCAM 9. Discutirá as teorias cognitivas do sentido musical e o desenvolvimento de métodos
descritivos da forma musical. Enfocará o dimensionamento da descrição da experiência do sentido musical e da comunicação do seu
entendimento, originado no modo particular com que experimentamos a vocalização e a ação corporal espaço-temporal como implicações de estruturas de sentido “pré-conceituais”, imaginação e sentimentos. O referencial teórico abordado será, pois, essencialmente
circunscrito à pesquisa cognitiva e tem como centro teorias contemporâneas que discutem conceitos como memória, categorização,
metáfora e sintaxe. A opção pelo viés da pesquisa cognitiva como
principal referência metodológica a ser discutida demonstra a assunção de que a música é uma competência cerebral e corporal,
pois os padrões de fluxo e refluxo, de tensão e distensão, são estruturas experienciais da música aprendidas pelo corpo e reconhecidas
em outras experiências incorporadas, similarmente estruturadas. A
semântica cognitiva e, particularmente, a descrição das estruturas
abstratas de imagem na memória permite vislumbrar novas perspectivas para o estudo do sentido musical. Para as sessões do GE no
SIMCAM 9 propõe-se, particularmente, o debate em torno do entendimento do processo semântico revelado em nossas descrições
proposicionais da experiência com a música e serão bem-vindos
todos os interessados neste campo de conhecimento, sejam pesquisadores com trabalhos em andamento, pesquisadores recémchegados ou mesmo graduandos e pós-graduandos que desenvolvam ou pretendam desenvolver pesquisa neste domínio.
563
Anais do IX Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2013
Textos de referência:
Bregman, Albert S. (1999). Auditory scene analysis: the perceptual
organization of sound. Cambridge, MA: MIT Press.
Gibbs, Raymond W. (2006). Embodiment and cognitive science.
Cambridge: Cambridge University Press.
Johnson, Mark. (1990). The body in the mind: the bodily basis of
meaning, imagination, and reason. Chicago: University of
Chicago Press.
564

Documentos relacionados

Anais do SIMCAM 10 - Associação Brasileira de Cognição e Artes

Anais do SIMCAM 10 - Associação Brasileira de Cognição e Artes Araújo Alves, Graziela Bortz, Guilherme Bertissolo, Gustavo Gattino, Hugo Leonardo Ribeiro, Indioney Rodrigues, Jorge Luiz Schroeder, José Davison da Silva Júnior, Jose Eduardo Fornari, Juan Fernan...

Leia mais