Anais do SIMCAM 10 - Associação Brasileira de Cognição e Artes

Transcrição

Anais do SIMCAM 10 - Associação Brasileira de Cognição e Artes
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FICHA CATALOGRÁFICA
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Anais do
SIMCAM 10
X Simpósio de Cognição e Artes
Musicais
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Luis Felipe Oliveira
editor
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Anais do
SIMCAM 10
X Simpósio de Cognição e Artes
Musicais
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Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP
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José Eduardo Fornari Novo Junior
Coordenador Geral
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Campinas, 26 a 29 de maio de 2014
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS – UNICAMP
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REITOR
José Tadeu Jorge
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VICE-REITOR
Álvaro Penteado Crósta
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PRÓ-REITORA DE PESQUISA – PRP
Gláucia Maria Pastore
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COORDENADOR DO CENTROS E NÚCLEOS - COCEN
Jurandir Zullo Junior
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COORDENADOR DO NÚCLEO INTERDISCIPLINAR DE COMUNICAÇÃO
SONORA – NICS
Jônatas Manzolli
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INSTITUTO DE ARTES – DEPARTAMENTO DE MÚSICA
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DIRETOR
Esdras Rodrigues Silva
CHEFE DE DEPARTAMENTO
José Augusto Mannis
COORDENADOR DA PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA
Antônio Rafael Carvalho dos Santos
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COORDENADOR DE GRADUAÇÃO EM MÚSICA
Fernando Augusto de Almeida Hashimoto
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EQUIPE DO CENTRO DE PRODUÇÕES (Ceprod)
Maio de 2014
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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE COGNIÇÃO E ARTES MUSICAIS
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PRESIDENTE
Beatriz Raposo de Medeiros
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VICE-PRESIDENTE
Maurício Dottori
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SECRETARIA
Clara Márcia de Freitas Piazzetta
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TESOURARIA
Antenor Ferreira Correa
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WEBMASTER
Pedro Paulo Santos
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RELAÇÕES PÚBLICAS
Rael B. Gimenes Toffolo
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COMITÊ CIENTÍFICO – SIMCAM 10
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PRESIDENTE
Luis Felipe Oliveira
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DIRETORIA CIENTÍFICA
Antenor Ferreira Correa, Beatriz Raposo de Medeiros,
Clara Márcia de Freitas Piazzetta, Marcos Nogueira,
Rosane Cardoso de Araújo, Sonia Ray
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PARECERISTAS
Adriano Chaves Giesteira, Ana Cristina Gama Dos Santos Tourinho, Andre Andre Brandalise
Mattos, Angelo Dias, Antenor Ferreira Correa, Any Raquel Souza Carvalho, Beatriz Ilari, Beatriz
Raposo de Medeiros, Carlos de Lemos Almada, Caroline Brendel Pacheco, Christian Alessandro
Lisboa, Cintia Campolina de Onofre, Clara Márcia Piazzetta, Claudia Claudia Regina Zanini,
Clayton Daunis Vetromilla, Cleo França Monteiro, Daniel Quaranta, Danilo Ramos, Diana
Santiago, Eduardo Gianesella, Edwin Ricardo Pitre Vasquez, Fernanda Albernaz, Gislene de
Araújo Alves, Graziela Bortz, Guilherme Bertissolo, Gustavo Gattino, Hugo Leonardo Ribeiro,
Indioney Rodrigues, Jorge Luiz Schroeder, José Davison da Silva Júnior, Jose Eduardo Fornari,
Juan Fernando Anta, Juan Valentin Mejia, Juliana Duarte Carvalho, Leomara Craveiro de Sá, Lia
Rejane Mendes Barcellos, Liana Arrais Serodio, Liliana Harb Bollos, Luis Felipe Oliveira,
Marcelo Gimenes, Marcos Fernandes Pupo Nogueira, Marcos Nogueira, Marcus Alessi
Bittencourt, Maria Bernardete Castelan Póvoas, Marly Chagas, Maurício Alves Loureiro, Mauricio
Dottori, Milson Casado Fireman, Ney Carrasco, Noemi Nascimento Ansay, Norton Dudeque,
Pauxy Gentil-Nunes, Rael B. Gimenes Toffolo, Regina Antunes Teixeira Dos Santos, Ricardo
Dourado Freire, Rita de Cássia Fucci Amato, Rodolfo Coelho de Souza, Rosane Cardoso de
Araujo, Rosemyriam Cunha, Sabrina Laurelee Schulz, Sonia Ray, Thelma Sydenstricker Alvares,
Valentina Daldegan, Viviane Beineke.
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X SIMPÓSIO DE COGNIÇÃO E ARTES MUSICAIS – SIMCAM10
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COORDENAÇÃO GERAL
José Eduardo Fornari Novo Junior
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COORDENAÇÃO ACADÊMICA
Adriana do Nascimento Araújo Mendes
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COORDENAÇÃO ARTÍSTICA
Maria José Dias Carrasqueira de Moraes
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APOIO GERAL
Elizabeth Fernandes
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APOIO À ORGANIZAÇÃO ACADÊMICA
Isadora Conte Pereira, Adriano Kenn Ichi Araújo Caldas,
Gerson Branco Abdala, Patrícia Kawaguchi,
Cesar Alexandre Henrique dos Santos
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APOIO À ORGANIZAÇÃO ARTÍSTICA
Ellen Stencel, Marina Machado, Francine Reis,
Giancarlo Staffette, Eliana Azano Ramos, Flávia Cavalcante
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ARTE
Ivan Avelar
Pedro Paulo Santos
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PATROCINADORES
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Fundo de Apoio ao Ensino, à Pesquisa e Extensão (FAEPEX)
da Pró-reitoria de Pesquisa (PRP) da UNICAMP
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Fundação ao Amparo da Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)
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Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
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Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014
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Apresentação
Assim como nos outros anos, porém mais marcadamente neste ano, acredito que tenha sido
tarefa complicada a de organizar os artigos em subtemas. Essa tarefa coube ao diretor do
comitê científico, Luis Felipe Oliveira, a quem agradeço imensamente, desde estas primeiras
linhas.
Apesar de serem as temáticas bastante variadas no espectro grande de cognição e artes
musicais, há sempre o enlace de uma com a outra, o nó de uma em outra, o arremate daqui
que pode ser o de acolá.
Sendo assim, apresentar estes Anais é como fazer um sobrevoo em que a paisagem é
feita de elementos que quase se fundem, portanto, difícil de mapear. Uma das razões disto, é
que não há ainda, uma linha mestra teórica de cognição que abrigue os muitos trabalhos que
contribuem para este SIMCAM. Na verdade, foram também contempladas, aqui,
contribuições mais diretamente ligadas às artes musicais do que à cognição musical. Isso nos
leva a entender que mantém-se a vocação do SIMCAM de ser o lugar de aproximação entre o
fazer musical e o conhecimento musical.
Chamou-me atenção, sobretudo, a preocupação com a questão de como o indivíduo
ouve a música e quais os elementos desta audição são processados, identificados e
armazenados, o que poderíamos ligar à questão mais lata da percepção. Tais elementos
estariam presentes tanto junto ao ouvinte que quer fazer significado da música, ou apenas a
escuta por prazer, quanto junto às questões da escuta na musicoterapia. O significado musical,
em estudos envolvendo a emoção na música e os gestos, é tema recorrente e que ganhou
destaque na argumentação dos autores. Outro assunto bastante tratado é o da memória, tanto
nas áreas que dizem respeito à musicoterapia, como naquelas que tratam da criação e
performance musical.
Há também trabalhos voltados para a aprendizagem, repertório e profissionalização
musical, tanto em termos mais psicológicos quanto naqueles de ordem prática do quotidiano
do músico. Questões antropológicas e culturais vêm à baila, realçando o fator identitário da
música ou a problemática de repertório.
Assim fundem-se temas e tópicos que vêm povoar nossas discussões do SIMCAM 10,
instalado na cidade de Campinas que comemora 240 anos, e sedia a UNICAMP, universidade
em que me formei em Linguística. Aproveito o ensejo para agradecer a acolhida e organização
deste SIMCAM ao José Eduardo Fornari e a toda a equipe de trabalho local da Universidade
de Campinas. Agradeço, também, a cada autora e autor de trabalho pela contribuição aos
Anais do décimo SIMCAM.
Finalizo, convidando a todas e todos a buscarem mais sobre cognição musical nestes
Anais e desejando ótimo SIMCAM, com o azul do céu de Campinas a nos iluminar.
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Beatriz Raposo de Medeiros
presidente da ABCM na gestão 2011 a 2014
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Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014
Apresentação
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Organizar a décima edição do Simpósio de Cognição e Artes Musicais, o SIMCAM10, foi
uma grande satisfação para mim. Brinco que a tarefa do organizador de um evento é similar à
de um cão pastor, ao guiar um grande número de ovelhas. O cão não é o dono do rebanho mas
deve coordenar a importante tarefa determinada pelo dono, zelando, guiando e tentando
satisfazer a todos. Agradeço assim o convite e a confiança que a Associação Brasileira de
Cognição e Artes Musicais (ABCM), através da Prof.ª Beatriz Raposo de Medeiros, depositou
ao me convidar para realizar esta tarefa. Coordenar um evento é, antes de tudo, lidar com
frequentes imprevistos. Em tal ambiente caótico pequenos ajustes podem significar grandes
mudanças. Eu me sinto confortável em tais situações, pois de fato esta é a essência da vida.
Muitas vezes, do aparente caos emerge a ordem. Isto sempre ocorre em organizações de
eventos. Creio que agindo de forma espontânea e vigilante pudemos fomentar esta autoorganização e assim atingir o ótimo resultado obtido na organização do SIMCAM10. Agradeço a participação das Prof.ª Adriana Mendes e da Prof.ª Maria José Carrasqueira,
bem como a todos os seus alunos que participaram, respectivamente, da organização
acadêmica e artística. Agradeço às equipes do CDC (onde a Débora gentilmente se prontificou
em ser a nossa mestre-de-cerimônias) e do Ceprod do Instituto de Artes (IA) da UNICAMP,
bem como à sua Direção, por viabilizarem a infra-estrutura e as amenidades para a
confortável realização deste evento. Agradeço ao NICS pelo apoio geral e, em especial, à
Elizabeth Fernandes, a Beth do NICS, pela dedicação de sempre.
O SIMCAM10 foi realizado com os recursos providos pelo NICS, FAEPEX, FAPESP e
CAPES. Os cartazes, folders e o transporte de alguns convidados foram pagos pelo NICS. O
material gráfico (faixas, banners, crachás, cadernos de resumo, canetas, pastas, etc.) foi pago
pelo FAEPEX / UNICAMP. As despesas de viagem e a estadia de todos os 13 convidados
foram pagas pela FAPESP (3 convidados estrangeiros e 2 do estado de São Paulo), bem como
pela CAPES (7 convidados que vieram de outros estados brasileiros). A CAPES também
pagou o transporte local (a van) que esteve disponível durante todo o evento. Os 9 coffeebreaks do evento foram pagos pelo Grupo Gestor de Benefícios Sociais (GGBS) da
UNICAMP. Toda a verba das taxas de inscrição dos participantes deste evento foi coletada e
administrada pela ABCM, que realiza todos os SIMCAMs, e gentilmente se prontificou a
pagar o coquetel de abertura do SIMCAM10.
Como num passeio de montanha-russa, que para alguns pode ser aterrorizante enquanto
que para outros é uma grande diversão, organizar um evento também pode ser interpretado de
modos diametralmente opostos. Para mim, organizar este evento foi uma estimulante tarefa.
Espero que os grandes benefícios que esta empreitada trouxe para mim se equiparem aos
benefícios proporcionados a todos os participantes e convidados do SIMCAM10.
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Até uma próxima oportunidade.
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José Eduardo Fornari Novo Junior
Coordenador Geral do SIMCAM 10
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Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014
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Apresentação
Devo iniciar a apresentação deste volume com um agradecimento à Associação Brasileira de
Cognição e Artes Musicais – ABCM. Agradeço especialmente a toda a diretoria da associação
e, em especial, à sua presidente, Beatriz Raposo de Medeiros, pela confiança creditada a mim
no exercício da função de diretor científico deste importante evento.
O complexo trabalho de avaliação dos trabalhos submetidos ao SIMCAM foi realizado
pela diretoria científica, conduzido de maneira exemplarmente transparente e responsável
pelos diretores de subárea, os quais são professores e pesquisadores de notória competência e
seriedade. Expresso minha sincera gratidão aos colegas Antenor Ferreira Correa, Beatriz
Raposo de Medeiros, Clara Márcia Piazzetta, Marcos Nogueira, Rosane Cardoso de Araújo e
Sonia Ray, diretores de subárea no SIMCAM 10. Este SIMCAM me é particularmente caro por ser sediado em uma instituição com a
qual possuo um vínculo bastante grande, especialmente por ser organizado pelo Núcleo
Interdisciplinar de Comunicação Sonora – NICS, centro de pesquisa no qual desenvolvi
minha pesquisa de doutorado. Sou especialmente grato a José Eduardo Fornari Novo Junior,
pesquisador do NICS, que se encarregou da coordenação geral do evento, contando com o
competente auxílio das professoras Adriana Mendes e Maria José Dias Carrasqueira de
Moraes, respectivamente nas funções de organização acadêmica e artística, e de Elizabeth
Fernandes, como secretaria geral do evento.
Apesar de ser uma edição nacional do SIMCAM, neste ano temos a bem-vinda
colaboração de pesquisadores estrangeiros ou residentes no exterior que nos presenteiam com
suas conferências. Da Argentina recebemos Silvia Malbran, importante nome vinculado ao
início dos estudos em cognição musical naquele país, especialmente nas áreas da psicologia
da música e nos estudos em percepção musical, e J. Fernando Anta, pesquisador em
psicologia da música que participa e colabora com o SIMCAM desde sua primeira edição. Do
Canadá, recebemos o brasileiro Marcelo Wanderley, investigador que se interessa por controle
gestual em síntese sonora e sensores e atuadores em instrumentos musicais digitais. Nossos
três conferencistas dialogam com pesquisadores brasileiros em três mesas redondas,
compostas por Adolfo Maia Jr., Danilo Ramos, Fernando Iazzetta, Jônatas Manzolli, Paulo
Bertolucci, Rael B. Gimenes Toffolo e Rosane Cardoso de Araújo. Nesta décima edição do Simpósio de Cognição e Artes Musicais, um número bastante
expressivo de trabalhos foi submetido e avaliado pelo comitê científico, composto 64 por
pareceristas. De um total de 61 trabalhos aprovados, temos a apresentação de 48
comunicações orais e 13 pôsteres. Devemos mencionar, considerando as seis subáreas de
pesquisa a partir das quais o SIMCAM se organiza cientificamente, que neste ano recebemos
trabalhos que se situam em regiões fronteiriças ou que dialogam com mais de uma dessas
subáreas. Nesse sentido, as comunicações orais foram organizadas pensando-se
prioritariamente nas tradicionais subáreas de pesquisa do SIMCAM, mas os trabalhos cuja
temática e proposta se conectavam mais a outras áreas do que àquelas a quem foram
submetidos foram alocados respeitando tal afinidade. No entanto, a estrutura dos Anais do X
Simpósio de Cognição e Artes Musicais permanece organizada pela divisão nas seis subáreas.
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Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014
Após todos os textos das comunicações orais, apresentamos também os textos dos pôsteres
submetidos ao simpósio.
Deixo aqui meus votos de que estes trabalhos contribuam de maneira significativa para
o crescimento e a consolidação das pesquisas brasileiras em cognição musical. Boas leituras!
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Luis Felipe Oliveira
Diretor Científico do SIMCAM 10
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Índice
Conferências
Conferência 1 – Musical Cognition today for cybernetic students
Silvia Malbran
18
Conferência 2 – Instrumentos Digitais Musicais
Marcelo Wanderley
19
Conferência 3 – Expectación: un eslabón clave entre cognición y emoción musical
J. Fernando Anta
20
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Mesas-redondas
Mesa-redonda 1 – Neurociência e Conhecimento Musical
Silvia Malbran, Rosane Cardoso de Araújo, Jônatas Manzolli
22
Mesa-redonda 2 – Música contemporânea, suas ferramentas e elementos cognitivos do discurso
musical
Marcelo Wanderley, Fernando Iazzetta, Rael B. Gimenes Toffolo
24
Mesa-redonda 3 – Cognição musical: emoção e memória
Fernando Anta, Paulo Bertolucci, Danilo Ramos Adolfo Maia Jr.
26
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Grupos de Estudos
Grupo de Estudos em Semântica Cognitiva e Música
Coordenadores: Marcos Nogueira e Guilherme Bertissolo
29
Grupo de Estudos em Música, Cognição e Saúde
Coordenadores: Clara Márcia Piazzetta, Gustavo Gattino, Shirlene Moreira, Tereza Raquel
Alcantara Silva
30
Grupo de Estudos em Grupo de Estudos em Sistemas Dinâmicos e Música
Coordenadores: Beatriz Raposo de Medeiros, Luis Felipe Oliveira
31
Grupo de Estudos em Grupo de Estudos Criação Musical e Cognição
Coordenadora: Sonia Ray
32
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Comunicações
Cognição Musical e Desenvolvimento da Mente Humana
Música e resiliência. Caminhos de transformação
Sandra Carvalho de Mattos
35
A autonomia e a formação inicial de professores de música
Simone Braga, Tais Dantas
40
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Contribuições da teoria vigotskiana para a educação musical
Silvia Cordeiro Nassif, Maria Flávia Silveira Barbosa
48
Análise interpretativa do documentário Tocar y Luchar sob a ótica da Teoria Social Cognitiva
Veridiana de Lima Gomes Krüger, Igor Mendes Krüger
57
Autorregulação da aprendizagem e aprendizagem cooperativa: um diálogo na formação do
violonista
Luan Sodré de Souza, Ana Cristina Tourinho
66
Motivação na prática musical de adolescentes: um estudo de levantamento
Rosane Cardoso de Araujo, Margaret Amaral de Andrade
74
Instrumento de avaliação de conhecimento dos elementos do som: aprendizagem musical em
contexto de inclusão
Teresa Cristina Trizzolini Piekarski, Valéria Lüders
82
O processo construtivista das competências articulatórias: uma análise pós-pesquisa
Vilma de Oliveira Silva Fogaça
89
Valoraciones del desarrollo auditivo musical de los estudiantes en prácticas curriculares y
extracurriculares
Genoveva Salazar Hakim
98
A improvisação na pedagogia pianística: ensino e aspectos cognitivos e psicológicos
Laura Longo, Adriana Aggio
107
Implicações da habituação, sensibilização e condicionamento clássico de Pavlov revistos por
Kandel no ensino da música
César Albino
116
Cognição Musical e Processos Criativos
Estudo exploratório acerca da imaginação musical: contribuições da Teoria Histórico-cultural Célio Roberto Eyng, Magda Floriana Damiani
124
Caminhando na Lua: recursos didáticos aplicados à iniciação ao piano
Marçal Fernando Castellão, Daniela Vilela de Morais
132
Discussão sobre as dificuldades no processo composicional da obra ‘Sonatina para Piano e
Fagote’
Willian Fernandes de Souza
140
O processo de preparação para performance dos alunos da banda marcial CPMG, Ayrton
Senna: um estudo sobre o impacto da ansiedade
Aurélio Nogueira de Sousa, Sonia Ray
148
A cognição em ambientes de performance: interações entre performer e ouvinte
Ana Luisa Fridman
154
Um estudo computacional do processo perceptivo da música de mixagem
Danilo V. Granato de Araújo, José Eduardo Fornari
162
Conceituação e adequação dos termos em inglês recall e serial recall ao português brasileiro no
contexto da performance musical
Anderson César Alves, Ricardo Dourado Freire
169
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Estratégias de estudo de estudantes de flauta transversal: uma abordagem cognitiva
Tilsa Isadora Julia Sánchez Hermoza
175
Teoria do fluxo, educação musical e a percepção de emoção em música por crianças de 6 a 10
anos
Kamile Levek, Diana Santiago
183
A improvisação como processo criativo na aprendizagem da clarineta
Rosa Barros, Ricardo Dourado Freire
191
Ensino de Violão para alunos não violonistas na Graduação em Música da Escola de Música da
UFBA: estratégias para desenvolver o aprendizado
Cristina Tourinho, Roberta Gurgel Azzi
199
Analizando la génesis de la creación musical: un estudio introspectivo
Sergio Murillo Jerez
207
Expectativa e surpresa: desdobramentos para o compor
Guilherme Bertissolo
218
Memórias Musicais: registro de um percurso formativo através da criação em sala de aula
Mônica Cajazeira Santana Vasconcelos, Naira de Brito Poloni
227
Breve análise do desenvolvimento sócio-cognitivo e comportamental no aspecto criativo musical
de alunos de música
Vilma de Oliveira Silva Fogaça
234
Atitude Gestual como agente cognitivo na música escrita para percussão
Fernando Chaib
244
O ouvido absoluto não facilita a memorização de melodias
Patrícia Vanzella,
253
Coeficientes melódicos da emoção na melodia tonal
José Roberto do Carmo Jr.
261
O tempo despendido na prática em condições específicas de privação de retroalimentação
sensorial
Michele Rosita Mantovani, Regina Antunes Teixeira dos Santos
269
O uso do corpo na preparação para performance
Felipe Marques de Mello, Sonia Ray
277
Em Busca de uma definição para o fenômeno do ouvido absoluto
Nayana Di Giuseppe Germano, Hugo Cogo Moreira, Graziela Bortz
285
Funções narrativas da música em jogos eletrônicos
Alexandre de Souza Ferreira da Silva Pinto
293
Duas abordagens de pesquisa experimental em percepção rítmica
Pedro Paulo Kohler Bondesan dos Santos
301
Percepção de emoções em música brasileira a partir da perspectiva do Expanded Lens Model: um
estudo preliminar
Danilo Ramos, Elder Gomes da Silva
308
!Cognição Musical e Processos Perceptivos
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A influência da expressividade musical na motivação para a escuta no repertório brasileiro para
piano
Danilo Ramos, Lizzie Maldonado Lessa, Reginaldo Marcos Nascimento
316
Influência do método de mensuração sobre respostas emocionais à música no contexto brasileiro
Danilo Ramos, Doris Beraldo, Thiago Tatsch
324
Leitura Textual, Leitura Musical e Audiação: Similaridades e Correspondências
334
!Cognição Musical e Ciências da Linguagem
Maria Lucila Guimarães Junqueira, José Eduardo Fornari
!Cognição Musical e Saúde
Jogos musicais, Transtorno do Espectro Autista e Teoria da Mente: um relato de experiência
Viviane Santos Louro
343
O Rock na Musicoterapia
Fernanda Franzoni Zaguini, Clara Márcia Piazzetta
351
Evidências do processamento auditivo-musical nos transtornos do espectro autista
Gustavo Schulz Gattino, Igor Ortega Rodrigues, Gustavo Andrade de Araujo
358
Cognição musical e saúde: musicoterapia na reabilitação da linguagem: estudo de caso
Maria Helena Bezerra Cavalcanti Rockenbach
364
Diálogos entre Musicoterapia e Neurociências: Música e Saúde
Clara Márcia Piazzetta
372
A Musicoterapia na preservação da memória de idosos institucionalizados
Ivany Fabiano Medeiros, Claudia Regina de Oliveira Zanini
380
A Marginalidade no Repertório para Percussão
Bruno Soares Santos
389
A Utilização de Princípios Gestálticos no Estudo da Música Armorial
Gilber Cesar Souto Maior, José Eduardo Fornari
396
Música e dança: conhecimentos artísticos e enunciados coletivos
Jorge Luiz Schroeder
405
Etnografia de um empreendedorismo em música: o caso de Sebastião Rodrigues e a banda
Squema Seis
Caio Mourão
414
!Cognição Musical e Estudos Culturais
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Pôsteres
A Rítmica Corporal de Ione de Medeiros como uma aliada ao desenvolvimento performático
orquestral
Abner Santana Bueno
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429
Contribuições da Psicologia Histórico-cultural ao estudo da aprendizagem musical de crianças
com deficiência intelectual
Melody Lynn Falco Raby, Valéria Lüders
437
Influência de dificuldades musicais em percepção e produção na memória operacional para
melodias
Mariana E. Benassi-Werke, Karen Wise, Marcelo V. Freire, Sarah Hawkins, Maria Gabriela M.
Oliveira
445
A experiência de fluxo na prática e estudo cotidiano do violão em alunos iniciantes
Anderson Roberto Zabrocki Rosa, Rosane Cardoso de Araújo
453
Crenças de autoeficácia de alunos de instrumento musical: uma pesquisa em andamento
Andréa Matias Queiroz
458
Sendo e tornando-se um baterista profissional: uma análise através do modelo Snowball Self Jean Felipe Pscheidt
465
Um Estudo sobre a Educação Musical e o Desempenho da Memória Autobiográfica em Idosos
José Davison da Silva Júnior, Diana Santiago
471
Investigação do desempenho em música: a prática e o talento vistos através de exemplos da
bibliografia específica
César Augustus Diniz Silva
479
A Expressividade na construção da performance musical: concepções e utilização de estratégias
por harpistas
Arícia Ferigato, Ricardo Dourado Freire
488
Memória de Trabalho e Solfejo
Ricardo Dourado Freire, Renata Fleury Centurión Ibarra
495
The influence of loudness and synchrony on pleasure during listening to the drumming section
of a Brazilian Samba School
Annerose Engel, Sebastian Hoefle, Marina Carneiro Monteiro, Jorge Moll, Peter E. Keller
501
Estabelecendo Relações entre Música do Renascimento Tardio e Prosódia Emocional
Carla Carolina Souza Leite Campinas
510
A multidisciplinary technology for the therapeutic support in Music Therapy
Elena Partesotti
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Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014
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Conferências
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Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014
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Conferência 1
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Musical Cognition today for cybernetic students
Silvia Malbran
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The state of the art about Musical Cognition shows new ways of information related to
how musical stimuli are perceived, processed, encoded and stored.
Advancements in the Neuroscience and the availability of digital sophisticated
tools are fruitful contributions to conceptualize, design and put into practice innovative
modes of treating musical knowledge. The existing familiarity with electronic devices
of children and youngsters pose new challenges for teachers who have to revise their
theories and methodologies.
The presentation will be focused on the author's musical research with little
babies and pre-graduate and postgraduate university students.
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Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014
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Conferência 2
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Instrumentos Digitais Musicais
Marcelo Wanderley
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Nesta apresentação discutirei alguns dos projetos de pesquisa desenvolvidos no
laboratório IDMIL (Input Devices and Music Interaction Laboratory) da Universidade
McGill, todos relacionados ao desenvolvimento e ao uso de instrumentos musicais
digitais (IMD). Entre eles, os projetos McGill Digital Orchestra (2005-2008) et Les
Gestes (2010-2013) que consistiram na criação de vários IMDs para performances em
grupo e com dançarinos. Discutirei em detalhe questões técnicas do desenvolvimento
destes instrumentos: a) sensores para a captação de gestos e movimentos, b) software
para a conexão entre os sinais obtidos pelos sensores e as entradas de algoritmos de
síntese sonora (mapeamento de dados), assim como c) técnicas de prototipagem rápida
como impressoras 3D, assim como aspectos da colaboração entre engenheiros e
artistas nos dois projetos. Finalmente discutirei a aprendizagem musical utilizando
estes instrumentos, principalmente no contexto do projeto McGill Digital Orchestra
que reuniu engenheiros, compositores e performers durante 3 anos e se terminou com
uma série de concertos de novas obras para IMDs.
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Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014
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Conferência 3
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Expectación: un eslabón clave entre
cognición y emoción musical
J. Fernando Anta
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La música nos provee de un entorno rico, sofisticadamente complejo en el cual
desarrollar experiencias significativas: estimula y desafía nuestras capacidades de
raciocinio y comprensión, nos sensibiliza frente al medio y los otros, promoviendo así
una formación integral de nuestra personalidad. Coincidentemente, un problema de
particular interés en la historia de los estudios psicomusicológicos ha sido el de
dilucidar cómo es que todo esto sucede. Sintéticamente, la pregunta ha sido ¿por qué la
música nos resulta interesante, sugestiva, irritante, o placentera, y no sólo de manera
circunstancial, sino en situaciones recurrentes y compartidas? Ciertamente, las
respuestas a esta pregunta son varias. Sin embargo, una de ellas ha sido
particularmente fructífera, y aún hoy impulsa la indagación tanto teórica como
empírica en la materia. Según esta respuesta, la música estimula tanto nuestras
competencias cognitivas como afectivas porque promueve nuestras expectativas acerca
de los eventos futuros; específicamente, acerca de qué eventos musicales ocurrirán
luego en una pieza, y cuándo ocurrirán. Básicamente, la idea es que la generación de
expectativas acertadas posibilita nuestra comprensión musical, y viceversa, mientras
que el juego entre su negación y su resolución regula nuestras respuestas afectivas
frente a la música. Los estudios que vengo realizando sobre el tema, en el ámbito de la
Facultad de Bellas Artes de la Universidad Nacional de La Plata (Ar), también dan
soporte a esta idea. Sin embargo, abren nuevas interrogantes. En particular, sugieren
que nuestras expectativas musicales distan de ser meramente esquemáticas, como se
sugiere habitualmente: por el contrario, parecen estar bastante circunscritas al material
considerado. Sugieren también que, pese a todo, nuestras expectativas no surgen del
material musical sin más, sino que se ven afectadas por los modelos conceptuales con
los que abordamos la experiencia de la música. Finalmente, sugieren que los
mecanismos cognitivos y afectivos asociados a la resolución/negación de las
expectativas musicales operan en gran medida de manera independiente, dando lugar a
juicios divergentes acerca de la experiencia. En la conferencia que brindaré en el
próximo SIMCAM me propongo compartir y someter a discusión estos hallazgos. El
objetivo será, una vez más, profundizar nuestra comprensión acerca de cómo la música
se vuelve significativa para nosotros.
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Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014
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Mesas-redondas
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Mesa-redonda 1
Neurociência e Conhecimento Musical
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Integración Cross-modal y Música
Silvia Malbran
Los primeros escritos acerca de la integración de las artes datan de los años cincuenta. En los
noventa y con el impacto de las nuevas tecnologías los psicólogos de la música advirtieron la
necesidad de reconsiderar aquellos incipientes aportes a la luz del impacto que el bombardeo
multimedial provoca en auditores y espectadores.
Los investigadores realizaron observaciones sistemáticas de las reacciones de sujetos de
diferente edad y condición ante productos artísticos especialmente seleccionados. Los
estudios mostraron que ciertos pasajes o fragmentos de determinadas realizaciones producían
un mayor impacto emocional en el receptor que el resto de la obra. Al analizar las relaciones
entre la música y la danza o la música y la escena se observó que el aumento de la
comprensión y concomitantemente de la emoción surgía en obras o pasajes que presentaban i)
una alta congruencia en los alineamientos temporales, ii) correspondencias estructurales y iii)
desarrollos paralelos entre las respectivas sintaxis discursivas. En tal sentido, para seleccionar
el material artístico target de los estudios de la autora se analiza previamente la confluencia de
las tres variables y el modo en que cada una de ellas interactúa con el resto.
En la mesa redonda se hará referencia a los estudios que el equipo de la autora viene
realizando en la Argentina con bebés y estudiantes de música de nivel universitario.
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Neurociências cognitivas e aprendizagem musical
Rosane Cardoso de Araújo
Nesta apresentação o objetivo geral é analisar as relações entre as neurociências cognitivas e a
aprendizagem musical. Por meio de um breve exame dos objetos de estudo das neurociências
e neurociências cognitivas, é apresentada a relação entre estas ciências com a aprendizagem
em geral e, na sequência, especificamente com a aprendizagem musical. A aprendizagem é
vista relacionada com as neurociências a partir das modificações que ocorrem no sistema
nervoso central (SNC) em decorrência de experiências na aquisição de informações. A
aprendizagem musical, por sua vez, considerada na relação com as neurociências cognitivas, é
abordada neste texto através de diferentes enfoques como a neuroplasticidade cerebral, o
desenvolvimento musical geral e a aquisição de habilidades musicais.
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Composição Interativa e Modelos derivados da Neurociência Computacional
Jônatas Manzolli
Esta palestra explora a convergência entre conceitos desenvolvidos no entorno da musica
contemporânea e as formulações que surgiram a partir de novos modelos da neurociência
computacional. Apontamos inicialmente que a composição musical evoluiu da notação
simbólica de alturas para expressão da organização interna do som. Isto pode ser observado
nas técnicas instrumentais expandidas que surgiram nos anos 40 até as estratégias
composicionais mais recentes que se utilizam de novas interfaces para expressão musical
(new interfaces for musical expression). Entretanto, a possibilidade de operar sobre a
dinâmica da organização interna do material sonoro em tempo real, adiciona novas dimensões
de informação musical e, consequentemente, introduz novas representações simbólicas. Nos
vamos discutir um ponto de vista conceitual e pratico no qual a chamada Teoria da Mente,
pode ser aplicada no desenvolvimento de novos sistemas que podem produzir material sonoro
no tempo, a partir da interação de modelos simples e independente de uma notação simbólica,
a priori. O segundo ponto de convergência que abordamos, faz um paralelo com o ponto de
vista que a construção de dispositivos de mundo-real (i.e. robôs) pode ser considerada como a
única forma de renovar a Teoria da mente. Para ilustrar nosso ponto de vista, apresentaremos
um artigo recente (Vershure & Manzolli, 2013) e um conjunto de sistemas musicais os quais
foram concebidos como experimentos de estética incorpora (situated aesthetics) derivados de
modelos cognitivos de interação implementados em modelos computacionais.
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Mesa-redonda 2
Música contemporânea, suas ferramentas e elementos
cognitivos do discurso musical
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Escolha de Ferramentas Tecnológicas para projetos Multi-disciplinares
Marcelo Wanderley
Com a dramática popularização recente de sensores de vários tipos (posição, velocidade,
aceleração, força, etc.) devido a seu uso em larga escala na indústria automobilística, mas
também em dispositivos como telefones portáteis, tabletes e consoles de jogo, hoje em dia vêse um importante aumento de seu uso em contextos musicais. Dois exemplos recentes de
dispositivos baseados em sensores criados para outros contextos mas amplamente usados em
música são o WiiMote (Nitendo) e a Kinect (Microsoft). Embora estes dispositivos sejam
muito úteis em várias situações musicais, a explosão de seu uso para a criação musical (cf. o
número de artigos na conferência NIME - New Interfaces for Musical Expression) levanta a
questão da necessidade de utilização destas ferramentas, isto é, são elas realmente a melhor
solução para um problema dado ou são estas usadas principalmente devido a sua
disponibilidade (facilidade de acesso e baixo custo)? Nesta mesa redonda gostaria de discutir
a influência da escolha das ferramentas técnicas no resultado musical, principalmente focando
na escolha de dispositivos baseados em sensores. Para isso citarei exemplos de projetos
musicais utilizando dispositivos similares e tentarei comparar a diversas soluções técnicas
empregadas, assim como a sua influência no resultado musical.
Cognição, experimento, experimentalismo
Fernando Iazzetta
Dentre as artes a música talvez tenha sido a que mais se prestou a uma formalização por parte
das ciências. Notamos não apenas o empréstimo de ferramentas estabelecidas por outros
campos – como estética, semiótica, etnologia, antropologia, sociologia, acústica,
psicoacústica, neurociência, ciências cognitivas, ciências da informação, computação -, mas a
música dispõe de uma disciplina bastante formal, a musicologia, dedicada especificamente a
ela. Em parte isso se deve à possibilidade de formalização, quantificação e hierarquização de
diversos elementos que constituem sua prática e possibilitam uma abordagem fenomenológica
que privilegia a investigação de aspectos perceptivos e cognitivos. Por exemplo, trabalhos tão
distintos como a teoria generativa de Lerdahl e Jackendoff ou a tipomorfologia de Pierre
Scheffer se apoiam nessa possibilidade de formalização para elucidar questões ligadas à
percepção sonora e musical a partir de um processo experimental. Essas abordagens
favoreceram o desenvolvimento de um ciclo de investigação que vai do pensamento dedutivo
ao indutivo, num processo análogo ao adotado pelas ciências naturais. E para que isso seja
eficaz, foi preciso trazer a música para dentro do laboratório, este espaço no qual aquilo que
se quer analisar é separado do seu entorno e observado a partir do espaço particular do próprio
laboratório.
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Partindo deste contexto, nesta apresentação iremos abordar o trabalho do NuSom Núcleo de Pesquisas em Sonologia da Universidade de São Paulo que tem como um de seus
principais objetivos interligar as práticas científicas e artísticas, buscando analisar as
produções musicais e artísticas dentro dos contextos habituais em elas que ocorrem. A ideia
de experimento funciona como um conceito chave para o Núcleo que busca atenuar a
distância entre a prática laboratorial e a prática artística, a partir de uma produção
experimental, balizada aqui pelo sentido que o termo adquire tanto nas ciências como nas
artes, e propondo que o experimento se confunda com o próprio acontecimento artístico. Ou
seja, buscamos realizar experiências que não reproduzem o que está no mundo, mas são as
próprias ações que criamos no mundo. Por um lado, isso traz uma abordagem empírica que se
aproxima do que alguns autores têm chamado de pesquisa performativa. Por outro, inverte o
sentido da pesquisa indutiva-dedutiva: ao invés de observarmos os fenômenos para conhecer
as causas e as leis que os regem, inventamos resultados para criar conjecturas sobre o seu
funcionamento. Nesta apresentação, após uma breve discussão acerca desses pressupostos de
investigação, apresentaremos alguns trabalhos realizados no âmbito do NuSom que pretendem
fundir as práticas artísticas e científicas e misturar as formas de elaboração do conhecimento.
Gradientes sonoros: uma abordagem cognitiva
Rael B. Gimenes Toffolo
O universo da composição musical contemporânea, principalmente quando se relaciona de
alguma forma com os estudos de cognição, tem especial interesse pela percepção; em como o
ouvinte percebe aquilo que foi proposto enquanto obra; como as significações emergem dessa
relação, entre tantas outras questões. Fica evidente que não há formas de estabelecermos
critérios biunívocos que relacionem o som e o que o percebedor por ventura constrói a partir
desse som sem que caiamos nas armadilhas do objetivismo ou do subjetivismo. Porém, como
diversos estudos da área de significação musical têm demonstrado, podemos pensar em
campos de possibilidade de significação que são emergentes do processo perceptual
concebido enquanto fenômeno, portanto resultante da relação entre ser/corpo e mundo. Tais
campos nos permitem pensar em limiares perceptivos que se relacionam com o nosso viver de
alguma forma. Gibson (1966, 1979) propõem que consideremos aquilo que está disponível à
percepção humana em uma escala determinada pelos limiares de nossos sistemas perceptivos.
Há uma escala em nível humano que difere da do nível físico tanto em dimensões micro,
quanto macroscópicas. Dentro desse contexto, quais seriam os limiares musicais mais gerais à
percepção humana e que poderiam ser generalizados para os diversos aspectos da significação
musical? O musicólogo austro-inglês Mosco Carner (1941) propõe metaforicamente que a
oposição básica entre tensão e relaxamento, enquanto movimento musical, esta relacionada a
características mais primais dos ritmos corporais. Nesse sentido, pretendemos extrapolar a
metáfora de Carner e relacioná-la com as proposições de consciência de Damásio.
Acreditamos poder demonstrar que os processos de regulação básico da homeostase em nível
de tronco cerebral que organizam os ritmos básicos do corpo – que por sua vez fazem com
que emerjam desse processo valorações positivas e negativas – podem fazer emergir limiares
e gradações conceituais por vezes opostas, que concebemos muitas vezes como variações
entre tensão e relaxamento no universo perceptual musical. Seria então possível chegarmos a
uma caracterização básica de quais são os elementos cognitivos mais globais disponíveis às
diversas formas de construção discursiva musical? Tais categoriais seriam suficientes? Como
um compositor poderia lidar com tais inquietações ó o que se pretendemos abordar nesta
conferência.
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Mesa-redonda 3
Cognição musical: emoção e memória
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¿No deberíamos recuperar las ‘sensaciones comunes’ que promueve la
música?
Fernando Anta
Sin duda, la experiencia musical tiene un componente emocional: en mayor o menor medida,
y según las circunstancias, la música nos compromete afectivamente, nos moviliza, y en ello
radica gran parte de su encanto. Ahora bien, en contraste con la sencillez de esta afirmación, la
empresa de conceptualizar dicho componente, de definirlo para su estudio y comprensión, no
ha sido nada sencilla. Por el contrario, ha dado lugar a una discusión que aún hoy dista mucho
de estar cerrada. Tradicionalmente, los estudios en el tema confiaron en modelos ‘discretos’
para avanzar sobre el problema, a partir de la idea de que la música promueve en nosotros
‘emociones básicas’. Sin embargo, estudios posteriores sugirieron que, en lo que a la
experiencia musical se refiere, las categorías ‘básicas’ de descripción de las emociones pueden
ser demasiado amplias o imprecisas. Alternativamente entonces, se implementaron modelos
‘dimensionales’ más o menos específicos de la experiencia musical. En la presente mesa
redonda argumentaré que, pese al avance que representan, estos modelos aún dejan de lado
algunas ‘sensaciones comunes’ que la música promueve en nosotros, largamente señaladas
tanto por la Teoría como por la Psicología Musical, y de una importancia capital para definir
la carga emotiva de una pieza. Luego, argumentaré que tales emociones se han dejado de lado,
al menos en parte, por haber sido apropiadas como categorías de análisis ‘neutras’ por los
estudios de corte cognitivista. Finalmente, argumentaré sobre la necesidad de devolver esas
‘emociones comunes’ al dominio afectivo de la experiencia musical y, entonces, de rever una
vez más cómo se integran cognición y emoción en música.
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Doença de Alzheimer, música e memória
Paulo Bertolucci
O modelo de memória supõe a existência de subsistemas até certo ponto independentes.
Assim, podemos falar na memória explícita semântica, para conceitos, episódica, para fatos, e
na memória implícita. Não se pode pensar na memória sem seus aspectos associados, como a
atenção e o colorido emocional. Na doença de Alzheimer (DA) são afetados precocemente os
subsistemas da memória explícita, a memória episódica mais que a semântica, pelo menos
numa fase inicial. No homem a memória musical tem uma extensa representação e vínculos
com o subsistema de memória implícita. Através desta ligação é possível tentar acessar
informações da memória explícita, e o estímulo musical poderia ser usado para estimular a
memória explícita. Em uma investigação preliminar verificamos que embora pacientes com
doença de Alzheimer identifiquem corretamente emoções, o conteúdo afetivo não aumenta a
chance de memorização. Por outro lado o mesmo grupo, quando submetido a estímulos
musicais, foi capaz de evocar memórias pessoais, desde que a música específica tivesse sido
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uma experiência prévia. Isto indica que a música não é um estímulo inespecífico e que
intervenções de reabilitação por musicoterapia deveriam levar em consideração a exposição
prévia e que o plano terapêutico deve ser individualizado. Evidências neste sentido, da
necessidade de individualização da abordagem musicoterápica também podem ser observadas
em relação ao tratamento dos distúrbios de comportamento na doença de Alzheimer.
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Emoções musicais: abordagens multidisciplinares
Danilo Ramos
As emoções desencadeadas pela música vem sendo estudadas desde a antiguidade.
Entretanto, somente a partir do início do século XX este objeto de estudo passa a ser
investigado de maneira mais sistemática pelos pesquisadores, especialmente na área da
Psicologia, a partir do surgimento de novas teorias que procuram explicar o porquê e
de que forma sentimos emoções durante a escuta musical. Neste sentido, algumas
abordagens consolidadas pela literatura científica da área para a mensuração das
emoções em tarefas de escuta musical serão consideradas, por meio da apresentação
dos principais modelos científicos elaborados nos séculos XX e XXI no intuito de
explicar os processos psicológicos envolvidos na comunicação emocional entre
compositor / intérprete e ouvinte. Também serão apresentados os principais resultados
dos estudos realizados pelos pesquisadores do GRUME - Grupo de Pesquisa Música e
Emoção, da Universidade Federal do Paraná, que procuram investigar os aspectos
psicológicos relacionados às emoções desencadeadas pela música, considerando o
contexto musical brasileiro. No final da apresentação, será promovido um debate na
busca por novas hipóteses a serem testadas em estudos futuros.
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Algumas Observações sobre a Teoria da Informação, Complexidade e
Cognição
Adolfo Maia Jr.
Apresentamos um breve resumo da Teoria da Informação de Shannon e discutimos alguns
pontos de aplicação da Teoria em música tais como: estilo e informação, complexidade da
linguagem sonora, cognição (do receptor) e estética. Também apresentamos um breve resumo
sobre correlação estatística.
Queremos então discutir questões tais como:
1) Que relação (ou correlação) deve existir entre a taxa de informação (sonora) e a
capacidade do receptor (audiófilo, em geral, um humano) de decodificar a mensagem
sonora? E complexidade da mensagem sonora e sua inteligibilidade (cognição)?
2) Como medir (definir uma medida) para informação semântica?
3) Um modelo em Teoria da Informação para interação da mensagem sonora com o
receptor. Os casos da repetição e do ruído. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/
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Grupos de Estudo
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Grupo de Estudos em Semântica Cognitiva e Música
Coordenadores
Marcos Nogueira
Guilherme Bertissolo
O Grupo de Estudo reunido pela primeira vez no SIMCAM 9 propõe para o SIMCAM 10
discutir as teorias cognitivas do sentido musical e o desenvolvimento de métodos descritivos
da forma musical. O referencial teórico abordado será, pois, essencialmente circunscrito à
semântica cognitiva e, em especial, vinculado à corrente enativista, discutindo: memória,
categorização, metáfora conceitual e sintaxe. Para as sessões do GE no SIMCAM 10 propõese, particularmente, o debate em torno do entendimento do processo semântico revelado em
nossas descrições proposicionais da experiência com a música, e serão bem-vindos todos os
interessados neste campo de conhecimento, sejam pesquisadores com trabalhos em
andamento, pesquisadores recém chegados ou mesmo graduandos e pós-graduandos que
desenvolvam ou pretendam desenvolver pesquisa neste domínio.
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Grupo de Estudos em Música, Cognição e Saúde
Coordenadores
Clara Márcia Piazzetta
Gustavo Gattino
Shirlene Moreira
Tereza Raquel Alcantara Silva
Este Grupo de Estudos integra estudos de Música, Cognição, Saúde e Musicoterapia. Com
início no SIMCAM de 2010 traz em destaque para os trabalhos de 2014 elementos para
discutir sobre as pesquisas realizadas nesse campo. O foco dos trabalhos está no entendimento
do uso da Música na Saúde e seus diferentes campos de atuação: no trabalho com pessoas do
espectro autista, paralisia cerebral, doenças neurodegenerativas, reabilitação pós lesão
neurológica e música e bem estar. Objetiva-se realizar uma revisão sistemática do tema nos
itens citados acima e assim ter um panorama desse complexo universo de pesquisas. A partir
disso ter subsídios para os debates, durante o evento, sob o olhar da Musicoterapia.
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Grupo de Estudos em Sistemas Dinâmicos e Música
Coordenadores
Beatriz Raposo de Medeiros
Luis Felipe Oliveira
Os conceitos e ideias mais disseminados e seguidos na área de estudos sobre cognição
evocam uma mente e uma representação mental de uma contraparte da ação ou de algo físico
no mundo. Normalmente podemos entender tais conceitos no âmbito do cognitivismo e
mesmo do representacionalismo. Embora majoritária, a corrente cognitivista não é a única
corrente para explicar a cognição humana. Há pelo menos duas correntes nos dias atuais, o
conexionismo e o dinamicismo, que defendem outros princípios para explicar as capacidades
humanas.
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Neste GE, trataremos de compreender melhor a relação que pode haver entre teorias de
sistemas dinâmicos (ou seja, dinamicismo) e música, ou mais precisamente aspectos
cognitivos dessa última.
Em outras oportunidades, como no SIMCAM do Rio de Janeiro (2010) e no de
Florianópolis (2012), tomamos, como ponto de partida, concepções dinâmicas da linguagem
para entender as bases da teoria dinâmica. Isso é penas um ponto de partida. Os pontos de
chegada podem ser outros, como aqueles que tentam explicar auto-organização, emergência
de padrões, entre outros princípios não dualistas. Toda a reflexão que busca entender como se
dão ações, comportamentos e pensamentos humanos de forma a integrar o físico ao abstrato
está na via dos sistemas dinâmicos.
Um sistema dinâmico envolve tempo e movimento. Não vamos detalhar as suas
explicações matemáticas, via equações, mas basta pensar, como exemplo, no movimento de
um pêndulo simples, ou mesmo na taxa de inflação ao longo do tempo. No caso do pêndulo,
sabemos que haverá mudanças na sua trajetória ao longo do tempo, em relação ao seu ponto
de partida, por exemplo. Ele estará mais ou menos distante desse ponto. No caso da inflação
(pensemos em apenas um produto/bem a adquirir, para facilitar a visualização de mudanças
no tempo), o que está em jogo é a variação do valor do produto em função do tempo.
A proposta deste GE é retomar abreviadamente o que já foi visto pelo grupo e alargar os
horizontes de estudos atuais que envolvam cognição musical e sistemas dinâmicos. Reflexões
dos participantes serão bem-vindas, assim como acréscimo de sugestão à bibliografia, não
muito extensa nessa área. Sugerimos, como leitura inicial, o artigo Towards a Musical Gesture
in the Perspective of Music as a Dynamical System, que se encontra na página http://icmpcescom2012.web.auth.gr/?q=node/67. Para acessar o artigo, basta usar o recurso de Localizar,
a partir do menu Editar, escrevendo o último nome da autora, Beatriz Raposo de Medeiros. O
artigo, que não é introdutório e não esgota o assunto, será utilizado apenas como um passo
inicial para outras referências e como um exemplo de ideia dinamicista em cognição musical.
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Grupo de Estudos Criação Musical e Cognição
Coordenadora
Sonia Ray
Objetivo Geral: identificar possíveis objetos de pesquisa em Criação Musical e Cognição
bem como procedimentos metodológicos pertinentes.
Histórico: Em 2010, meu primeiro ano à frente do GE Criação Musical e Cognição, o grupo
fez um levantamento da produção em Composição e Performance com referência a cognição
nos últimos 5 anos com base em publicações de periódicos afins, anais de congressos, teses e
dissertações defendidas e livros. Analisando os anais das 5 edições do SIMCAM foram
localizados 29 textos sobre performance e 12 sobre composição. Nos periódicos Música
Hodie, Permusi, Revista da ABEM, Claves e Em Pauta (de 2005 a 2009) foram localizados 14
trabalhos sobre performance e 17 sobre composição no contexto investigado. Nos anais dos
Congressos da ANPPOM (2005 a 2009) foram localizados 20 trabalhos sobre cognição e
performance e 13 sobre cognição e composição. A investigação nas dissertações e teses nos
PPGs não foi concluída, pois as informações dos últimos 5 anos não estavam completas nos
sites da maioria dos programas. Na reunião de 2010 a discussão foi aprofundada e optou-se
por definir descritores (palavras-chave) que auxiliassem pesquisadores da área a melhor
identificarem suas produções. Em 2012, a proposta do GE foi de discutirmos conceitos e
aplicações da cognição musical no processo de criação musical. Em sintonia com o tema do
SIMCAM 8, dividimos a discussão em duas etapas: trajetória (fundamentos da ciências
cognitivas, suas vertentes e estado da arte dos estudos brasileiros) e perspectivas (que
caminhos as pesquisas apontam para um futuro próximo e a médio prazo). As bases para
discussão foram publicações dos próprios anais dos SIMCAM (disponíveis no site da ABCM)
bem como textos selecionados. Como resultado, foi criado um grupo de discussão on-line que
não teve nenhum trabalho publicado. Contudo, as perspectivas levantadas nas discussões
apontaram para a necessidade de se discutir mais questões aplicativas a fim de
instrumentalizar os pesquisadores recém chegados à área e ampliar a visão dos já atuantes.
Em 2013 a proposta foi identificar possíveis objetos de pesquisa em Criação Musical e
Cognição, procedimentos metodológicos pertinentes, possíveis associações com
pesquisadores de outras áreas e formas de organização de grupos de estudo e de pesquisa
interdisciplinares. Pretende-se contribuir com o aprofundamento das questões de pesquisa que
têm sido apresentadas nos SIMCAMs nos últimos anos. Em 2014 continuaremos a discussão
em busca de maior aprofundamento dos temas discutidos no ano anterior.
Questões norteadoras do GE no SIMCAM 10:
Quais são os objetos de pesquisa em Criação Musical e Cognição?
Como fazer a melhor escolha de metodologia para pesquisas em Criação Musical e Cognição?
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Textos de referência para início das discussões:
BORÉM, Fausto; RAY, Sonia. Pesquisa em Performance Musical no Brasil no Século XXI: problemas, tendências e alternativas. In: SIMPÓSIO NACIONAL
DE PÓS-GRADUANDOS EM MÚSICA, 2., Rio de Janeiro, 2012. Anais... Rio de Janeiro: Unirio, 2012. p.121-168.
HERCULANO-HOUZEL, Suzana (2002). O Cérebro Nosso De Cada Dia: descobertas da neurociência sobre a vida cotidiana. Rio de Janeiro: Vieira & Lent.
ILARI, Beatriz. Cognição Musical: origens, abordagens tradicionais, direções futuras. In: Mentes em Música. Ilari, B. e Araujo, R.C. (Orgs). Curitiba: Deartes,
2009. Pgs. 158-178.
LEVITIN, D. (2007). This is your Brain in Music: the science of a humam obsession. Plume Book: New York.
RAY, Sonia (2005). Os conceitos EPM, Potencial e Interferência inseridos numa proposta de mapeamento de Estudos sobre Performance Musical. In:
Performance Musical e suas Interfaces. Sonia Ray (Org). Goiânia: Vieira/Irokun.
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Comunicações Orais
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Cognição Musical e
Desenvolvimento da Mente Humana
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Música e resiliência. Caminhos de transformação
Sandra Carvalho de Mattos
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. PUC-SP
[email protected]
Resumo: O artigo apresentado oferece considerações sobre a música, seu componente emocional e
como pode se tornar um importante suporte nos processos de resiliência para crianças em
sofrimento. Apesar dos inúmeros trabalhos que refletem a respeito da música e o comportamento,
carecemos de estudos direcionados à resiliência vividos pelo contato com a música. Utilizei como
exemplo o relato da pianista Zhu Xiao-Mei que sobreviveu à Revolução Cultural na China sem
nunca desistir de si mesma e do desejo de voltar a tocar. A música pode proporcionar um ponto de
apoio, um tutor de resiliência em momentos de tormento tanto físico quanto psicológico.
Palavras-chave: música, resiliência, cognição musical.
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Title: Music and Resilience. Paths of Transformation.
Abstract: The article hereby presented offers considerations regarding music, its emotional
component and how it can become an important support in the processes of resilience for suffering
children. Despite the numerous works which reflect music and behavior, there is a scarcity of
studies concerning the resilience lived by contact with music. I have used as an example the story
told by pianist Zhu Xiao-Mei, who survived China’s Cultural Revolution, without giving up on
himself and desire to play again. The music can provide a supporting point, a tutor of resilience in
moments of physical torment as well as psychological.
Keywords: music, resilience, musical cognition.
Este artigo apresenta reflexão sobre a música, seu forte componente emocional e o fato de que
ela pode tomar o papel de tutor de resiliência durante os processos de sofrimento.
Continuamente queremos ouvir música, queremos nos comover. A música é a linguagem da
emoção. Ela nos captura. As canções nos acompanham tanto nas festas quanto na solidão, e
mesmo quando estamos machucados procuramos músicas. Elas nos acalentam. Somos expostos a sofrimentos, embora nosso desejo seja a constante sensação de
segurança e conforto. Cotidianamente nas aulas de música deparamo-nos com crianças
feridas. O sofrimento, seja físico, psicológico, vindo de uma situação externa ou criado por
uma dinâmica de estresse, é expresso por apatia, ausência de sentimentos, fuga para dentro de
si mesmo. Parece que nada mais resta somente a ânsia por solidão. Crianças angustiadas
carregam histórias encobertas e maquiadas com a aparência o mais próximo do praticado pelo
grupo. Quando crianças feridas encontram a possibilidade de exprimir seus sentimentos por
meios aceitáveis socialmente, desenvolvem processos de reconhecimento e acolhimento de
sua expressão de dor.
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Resiliência é um termo usado inicialmente pela física para indicar a capacidade de
alguns materiais em absorver impactos e retornarem ao estado inicial. O estudo da resiliência
sob a ótica da psicologia iniciou com Martin Seligman (2004) e o movimento denominado de
psicologia positiva. Segundo o autor a palavra felicidade comporta um conceito muito
abrangente. Nossas expectativas podem ser mais precisamente nomeadas como procura do
bem estar. O foco de estudo de Seligman (2012) consiste em casos de pessoas que conseguem
se reerguer de processos danosos.
Muitas vezes é diante da dor que se instaura a potência do significado da vida, assegura
Negri (2007). Há pessoas que após viverem situações limites de dor e padecimento afirmam
que foi exatamente nesse momento é que encontraram forças para continuar a viver e emergir
de outra forma. Elas encontraram o fio que as alavancou para fora do sofrimento e que
transformou, num último instante, o teatro que parecia estar acomodado e o final anunciado.
Este é o fluxo da resiliência.
Deparamo-nos com músicos que contam suas histórias e percebemos que a música pode
favorecer o movimento de retorno à vida. Esses casos nos apontam para a importância do
estudo da resiliência e a utilização da música como possibilidade de transformação.
Na atualidade temos várias pesquisas importantes relacionadas à cognição musical e
notamos a lacuna quanto a estudos referentes à resiliência. Ouvimos música para nos distrair,
para nos expressar, para nos distanciar, e a utilizamos como forma de estudo. Observar a
relação entre a música, a comunicação das emoções e a reestruturação de crianças em
sofrimento é de extrema importância para a educação musical. Tocar um instrumento, além de
contribuir de forma significativa para o desenvolvimento de nossas vidas, causa um impacto
tanto intelectual quanto emocional. Sloboda (2005,2010) já o tem apontado em vários estudos
o quanto a música e os estados emocionais que influenciam na relação entre as pessoas e seus
efeitos na educação musical.
Neste artigo proponho que crianças que vivem estados de obstáculo emocional podem
encontrar na música suporte para enfrentar melhor as dificuldades e sobreviver a elas.
A música é um elemento nuclear de nossa identidade como espécie. Ouvimos música,
tocamos instrumentos, não exatamente porque queremos nos distrair ou nos divertir, mas sim
porque não podemos parar de fazer isso. Mesmo que tocar um instrumento fosse algo
proibido, e todos fossem destruídos, e não tivéssemos mais qualquer dispositivo para
reproduzir o som; ainda assim as canções permaneceriam em nossas cabeças, e
continuaríamos a utilizá-la para ordenar nossas ações e criar um senso estruturado do mundo
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em torno de nós, afirma Storr (1993). Nossos antepassados que sobreviveram e se
reproduziram passaram a nós essa preferência visceral.
Para Levitin (2008) somos uma espécie musical porque voltando a dez mil anos atrás,
nossos ancestrais também o eram. A música induz a um estado emocional tanto no performer
quanto na pessoa que está simplesmente ouvindo. Ela influencia em larga escala a
compreensão cooperativa além de levar informações importantes de uma geração para outra.
Nosso cérebro artístico permite a comunicação da paixão e da emoção.
Experimentos demonstram o quanto nosso humor direciona a avaliação das situações
que vivemos no cotidiano, segundo Steven Mithen (2011). De acordo com as emoções a que
somos expostos nossa avaliação sobre nós mesmos é atingida. Mesmo quando vivemos
situações negativas, nossa interpretação sobre ela pode ser transformada por meio da música. O autor apresenta uma experiência realizada de monitoramento de pressão sanguínea,
respiração, temperatura e movimento da pele que mostra o que ocorre quando somos
atingidos pelo som das músicas. Nosso corpo responde imediatamente. A música é avaliada
por nosso subconsciente da mesma forma que quando vemos uma cobra ou uma aranha. Ela é
automaticamente analisada e provoca uma resposta emocional. Ouvir uma peça musical pode
ser tão intenso que não somente traz memórias de uma experiência emocional no passado,
como o próprio movimento corporal resulta em um estado físico similar da emoção.
O estudo da música pode ser uma pressão na luta contra a angústia. Do vazio que a dor
causa nasce um novo acesso à liberdade: o prazer de criar um som. Suas repetições para
adquirir a técnica necessária para o avanço pode ser mais que isso para uma criança desolada.
Na repetição a criança adquire o controle de uma situação. Vive a sensação de continuar a ser
a si mesma, quaisquer que sejam as variações do meio. Somos atraídos repetição. Sacks
(2007) afirma que queremos o estímulo que a música nos causa e a recompensa de viver a
excitação esperada, por isso sentimos prazer ao repetir uma mesma canção várias vezes.
Para suportar melhor as adversidades precoces, a criança desenvolve um mundo íntimo
de criatividade onde se refugia da realidade que é muito pesada. A criatividade repara.
Transforma o sofrimento em obra de arte. O próprio engajamento artístico pode se tornar um
tutor de resiliência, conforme Cyrulnik (2012) nos aponta. Tutor de resiliência é alguém ou
algo que nos detém quando tudo desmorona. É uma mão que nos é oferecida para segurar.
O tamanho e a intensidade do sofrimento é algo bem relativo, afirma o autor (2009). O
estado de dor provavelmente é o mesmo em toda a humanidade, mas a expressão do tormento
e o remanejamento emocional do que causou o sofrimento depende dos tutores de resiliência
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dispostos em torno do ferido. Vários músicos relatam períodos de aflição em que foram
amparados pela música, entre eles Zhu Xiao-Mei (2008).
Esta destacada pianista da atualidade nasceu em Shangai em 1949, já aos oito anos de
idade tocava na radio e televisão de Beijing como criança prodígio. Ela narra como sua vida
mudou de forma dramática com o início da Revolução Cultural na China. Expõe as dificuldades que viveu, desde o campo de reeducação, as sessões de denúncia
e autocrítica, e até as pequenas fugas semanais para tocar piano em um lugarejo próximo,
somente por uma hora para não levantar suspeitas. Dizia a si mesma que estava fora da
realidade e não pensava senão em tocar música clássica. Apesar dos inúmeros sofrimentos
advindos do contexto histórico, mantem-se viva e não abandona a si mesma.
Agarrada à sensação de ainda ser um sujeito, de ser um ser dotado da capacidade de
liberdade interior e valor pessoal, transpõe os momentos de intensa dificuldade. Sua
constituição precoce, suas primeiras informações da vida impregnaram na menina um
temperamento, um estilo de comportamento que possibilitou na época da dificuldade e do
desequilíbrio, não se deixar arruinar, mas lançar mão de seus recursos internos e encontrar
saídas.
Deixa a China em 1976. Vaga pelos Estados Unidos à procura de sobrevivência
trabalhando e estudando. Aos poucos retorna ao seu centro pessoal entendendo sua própria
identidade cultural. Aos 40 anos realiza seu primeiro concerto profissional em Paris onde vive
até o momento. Xiao-Mei é um exemplo de sobrevivência e de resiliência. Ela nos demonstra
como a música exerce o papel de porto seguro em sua história.
Com depoimentos como o de Xiao-Mei podemos aprender a como sobreviver melhor
em situações difíceis, estar atentos às crianças ao nosso redor e criar possibilidades a que
possam expressar seus sofrimentos e a conviver com sua história. Poderemos contribuir de
maneira mais eficaz para que a música possa fortalecer os laços internos de cada um.
A arte é um caminho da perfeição técnica, mas a excelência é conseguida por um ser
humano que se emociona enquanto toca, enquanto canta, enquanto pratica. A música pode
reparar os ferimentos e ajudar a sobreviver.
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Referências
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XIAO-MEI, Zhu. O Rio e seu segredo. A pianista que desafiou Mao; tradução Rejane
Janowitzer. Rio de Janeiro: Objetiva. 2008.
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A autonomia e a formação inicial de professores de música
Simone Braga
Universidade Estadual de Feira de Santana
[email protected]
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Tais Dantas
Universidade Federal da Bahia
[email protected]
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Resumo: este artigo traz como proposta considerações a respeito da promoção da autonomia na
formação de professores de música, tendo como base as concepções defendidas por Angel Pérez
Gómez (1995) e a Teoria da Autodeterminação (Deci, Ryan, 1985). O texto apresenta algumas
perspectivas metodológicas utilizadas em um curso de licenciatura em música no Estado da Bahia,
nos componentes curriculares Canto Coral I, Expressão Corporal, Regência Coral II e III, Prática
de Ensino I, II e III e Fundamentos da Educação Musical I, II e III. As atividades realizadas
evidenciaram um maior envolvimento e interesse por parte dos estudantes, ao oportunizar o
desenvolvimento de uma atitude docente consciente, crítica e autônoma.
Palavras-chave: formação de professores, promoção da autonomia, educação musical.
!
!
Title: Autonomy and the initial training of music teachers
Abstract: this article presents considerations concerning the promotion of autonomy in music
teacher training, based on the concepts defended by Angel Pérez Gómez (1995) and the SelfDetermination Theory (Deci, Ryan, 1985). The paper presents some methodological perspectives
focusing on the development of autonomy in the training of music teachers. The aim of the work
was to take the student to develop an autonomous attitude as an essential part in the development
of their skills.The activities were developed in an undergraduate course in the State of Bahia, in
the curriculum components Choir I, Body Expression, Choir Conducting II and III, Teaching
Practice I, II and III and Foundations of Music Education I, II and III. The results showed a
greater involvement and interest of students, providing the opportunity for developing a conscious
teaching attitude, critical and autonomous, through realization of teamwork, group decision
making, articulation between theory with practice. The experience approached situations of
everyday profession and created opportunities for the appreciation of the teaching profession.
Keywords: music teacher training, promotion of autonomy, music education.
Introdução
Atualmente o campo de atuação do professor de música se caracteriza pela diversidade de
contextos, desde iniciativas do Terceiro Setor ao espaço escolar. Quanto a esta diversidade,
Queiroz e Marinho (2007) argumentam que a formação inicial deve emergir saberes aos quais
possibilitem que os egressos dos cursos de licenciatura em música lidem tanto com conteúdos
específicos da(s) música(s) quanto com dimensões metodológicas fundamentais para trabalhálas na realidade educacional do país. Dos saberes, conhecimentos e atitudes a serem desenvolvidos, destaca-se a autonomia
por possibilitar ao futuro profissional transitar nestes diferentes contextos e lidar com as
diversas peculiaridades existentes, a exemplo do espaço escolar. O desenvolvimento da
autonomia é que garantirá a transição por estes contextos diversificados. Neste sentido, este
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trabalho destaca a importância do desenvolvimento da autonomia na formação de professores
de música, através do relato de experiências vivenciadas em um curso de licenciatura em
música no Estado da Bahia. As experiências tiveram como base teórica as concepções
defendidas por Angel Pérez Gómez (1995) e a Teoria da Autodeterminação (Deci, Ryan,
1985).
!
Formação e autonomia
Apesar da área de Educação Musical brasileira possuir uma literatura significativa abordando
a formação de professores de música (ALMEIDA, 2007; ARAUJO, 2006; MOTA,
FIGUEIREDO, 2012), ainda carece de concepções, fundamentos e teorias que fundamentem
esta formação (CERESER, 2003). No entanto, há uma vasta literatura de área afins, como as
áreas de Educação e Psicologia, que pode servir de referência para pesquisas que discutam a
formação inicial dos professores de música e o desenvolvimento de habilidades e
competências profissionais relacionadas à autonomia, a exemplo das apresentadas a seguir.
!
Pérez Gómez: a prática reflexiva e a autonomia
Segundo Pérez Gómez (1995) a reflexão, ou construção do pensamento prático do professor,
articulado com os conceitos de escola, ensino e currículo, tornam-se importantes para a
formação inicial por possibilitar a compreensão dos processos de ensino e aprendizagem e a
promoção da qualidade de ensino na escola, ao trazer implicações na mudança de concepções
de formação.
Pensar na escola como um cenário significativo para a formação, implica em considerar
o contexto sociocultural da comunidade escolar, bem como o exercício coletivo da reflexão
sobre a prática docente dos envolvidos (licenciandos e professores) e a construção de uma
atitude profissional política, sobretudo, para defender a música como área de conhecimento na
escola. Na atuação nas escolas, estudantes em formação se experimentam como professores e
podem desenvolver a autonomia para lidar com situações diversas. Nesta perspectiva, o autor em parceria com Sacristán (2000), aponta três aspectos
fundamentais para serem considerados nesta concepção de formação docente, ao qual a
atitude da autonomia encontra-se implícita, quais sejam: 1) Aquisição de uma bagagem
cultural de orientação política e social, ao enfatizar as áreas de humanas como eixo central
dos conteúdos do curso: História, Políticas Públicas, etc; 2) Desenvolvimento de capacidades
de reflexão crítica sobre a prática; 3) Desenvolvimento de atitudes que exigem o compromisso
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político do professor, como intelectual transformador na aula, na escola, no contexto social,
com atitude de experimentação, generosidade e colaboração. !
A autonomia segundo a Teoria da Autodeterminação
A Teoria da Autodeterminação é uma macroteoria organísmico-dialética que concebe o ser
humano como um organismo orientado para o autocrescimento, com uma tendência inata para
se engajar em desafios em seu ambiente explorando suas potencialidades, capacidades e
sensibilidades (Deci; Ryan, 2004). As teorias organísmicas reconhecem que os ambientes
estão em constante mudança e que os organismos precisam ser flexíveis para se adaptar e se
ajustar a estas mudanças. Nesta dialética, tanto o indivíduo atua sobre o ambiente, como o
ambiente atua sobre o indivíduo (Reeve, 2006).
No campo da educação a TAD se volta principalmente para a promoção do interesse dos
alunos em aprender, a valorização da educação e o desenvolvimento da confiança nos
estudantes em suas próprias capacidades (Deci et al, 1991) ao propor a existência de três
necessidades psicológicas básicas: a necessidade de autonomia, a necessidade de competência
e a necessidade de pertencer ou de estabelecer vínculos. Para alcançar o bem-estar e a plena
saúde psicológica, torna-se essencial a satisfação destas três necessidades (Guimarães;
Boruchovitch, 2004).
Este trabalho destaca a necessidade de autonomia, que se refere à necessidade de
experimentar a vontade e liberdade psicológica de fazer escolhas. Ao experimentar a
autonomia, o indivíduo percebe que a escolha das experiências emana de si e possui
concordância com seus valores e interesses (Vansteenkiste et al, 2010). Um comportamento é
considerado autônomo (autodeterminado) quando o processo de tomada de decisão é guiado
pela escolha, interesse e vontade própria (Reeve, 2006). A necessidade de autonomia tem relação direta com a percepção do lócus de
causalidade interno. Para sentir-se autônomo o indivíduo precisa perceber que suas ações e
decisões emanam de vontade própria, sem a interferência de terceiros. Como coloca
Guimarães (2003), os indivíduos com tais características são ditos “origem”, apresentando
fortes sentimentos de causação pessoal, em decorrência disto apresenta um comportamento
intrinsecamente motivado.
É importante ressaltar que a autonomia, ora abordada, não está ligada à ideia de
independência ou individualismo. Ao contrário, os autores da TAD defendem que a ideia de
autonomia diz respeito aos conceitos de autogoverno, autodireção, autodeterminação, tendo
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como elementos centrais a vontade e a auto-regulação integradora (Gumiarães, 2003). Neste
sentido, Reeve e Halusic (2009) defendem que o professor deve refletir, identificar, nutrir e
desenvolver recursos internos dos alunos. Professores que apoiam a autonomia devem
promover ambientes de aprendizagem estruturados, fazendo com que os alunos percebam
fortes relações entre o que fazem e os resultados que obtêm. !
Perspectivas metodológicas no apoio à autonomia
Com o objetivo de fomentar tais aspectos, este trabalho traz algumas experiências com foco no
desenvolvimento da autonomia na formação docente. As perspectivas metodológicas foram
aplicadas em um curso de licenciatura em música no município de Salvador - Bahia. As
atividades didáticas foram desenvolvidas nos componentes curriculares Canto Coral I,
Expressão Corporal, Regência Coral II e III, Prática de Ensino I, II e III e Fundamentos da
Educação Musical I, II e III, procurando atender às demandas de seus programas, mas,
sobretudo, levar o licenciando ao desenvolvimento de uma postura autônoma como parte
essencial no desenvolvimento de suas competências.
!
Apresentação de Seminários Esta metodologia foi aplicada no componente curricular Fundamentos da Educação Musical
que é oferecido do segundo ao quarto semestre. Dentre outras atividades, a apresentação de
seminários possibilita aos estudantes o contato com novos conteúdos por meio do
planejamento e execução de aulas expositivas. Para esta atividade são selecionados artigos e
livros cujos temas estão inseridos no programa do componente. Os estudantes desenvolvem o
trabalho em equipe e é dada plena liberdade na maneira de executarem a tarefa e de acordo
com suas habilidades no planejamento, tomada de decisão em grupo, divisão de tarefas e
elaboração de material didático, assim, os estudantes têm a oportunidade de experimentarem a
autonomia. Ao final dos seminários a aula assume característica de aula dialógica,
oportunizando a discussão dos conteúdos abordados com a participação de todos os
estudantes, onde a construção do conhecimento leva em consideração suas experiências e
interesses.
!
Aulas práticas
O componente curricular Prática de Ensino desempenha papel fundamental nos cursos de
licenciaturas, por ser um momento em que os estudantes têm a possibilidade de desenvolver e
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potencializar competências como planejamento de aulas, pesquisa e seleção de materiais
didáticos e execução de aulas práticas, ao vivenciar as etapas de trabalho docente. As aulas
práticas são planejadas e executadas pelos estudantes em pares, simulando o contexto em que
estas aulas poderiam ser executadas (Educação Básica ou Terceiro Setor) aplicando conceitos
já trabalhados no componente Fundamentos da Educação Musical, de forma a aliar a teoria à
prática. Todas as atividades são desenvolvidas de forma a estimular a escolha, o interesse e as
competências individuais dos estudantes. Ao final das aulas é realizada uma avaliação coletiva
com reflexões as respeito das situações que se aproximam do cotidiano da profissão. Assim
são estimuladas as competências autonomia, de tomada de decisão, planejamento, iniciativa,
criatividade e valorização da profissão docente.
!
Oficinas de Regência
Dentre os objetivos desta atividade, as oficinas de Regência buscam integrar os componentes
curriculares Canto Coral, Expressão Corporal e Regência Coral. No Canto Coral I e na
Regência II, uma pequena parte do repertório desenvolvido, são trabalhadas peças específicas
para a formação de corais, tanto infanto-juvenil quanto adulto. Para os estudantes de Canto
Coral, o repertório é uma forma de auxiliar na leitura e acesso a partituras de canto coral, além
de conhecer formas musicais. Adicionada a vivência vocal, aspectos sobre a peça,
compositores, características estilísticas são analisadas sob a orientação dos estudantes de
Regência II. Com os estudantes deste componente, após estudo das peças, são fomentadas discussões
acerca das características dos arranjos, análise da estrutura musical, trechos mais difíceis,
extensão, possíveis vocalizes a serem trabalhados, para realizar planejamento para a aplicação
das mesmas, através de oficinas, dirigidas para os estudantes do Canto Coral I. Desta
preparação, há um cuidado também centrado no gestual da regência e no desenvolvimento de
técnicas de ensaio. Para isso, o componente curricular Expressão Corporal fornecer suporte
para um maior entendimento sobre o próprio corpo, tão importante para a atividade da
regência e da prática vocal. A prática da condução da oficina, além de favorecer o desenvolvimento de habilidades
pedagógicas musicais inerentes a regência, oportuniza o desenvolvimento de habilidades
extramusicais, sobretudo, da autonomia por meio da condução do ensaio, gestão da
aprendizagem dos estudantes do Canto Coral. Após a experiência, a partir do registro em
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vídeo, são realizadas reflexões e discussões sobre as práticas vivenciadas articuladas ao
processo de formação docente.
!
Realização de apresentações musicais escolares
Após a experiência introdutória vivenciada na Regência II, ao ministrar oficinas dirigidas para
os estudantes do Canto Coral I, os estudantes de Regência Coral III, são encorajados a realizar
um programa musical, através da atividade canto coral, ao envolver contextos educacionais
aos quais tem aproximidade. Como resultado da Lei 11.769/20081, uma parcela significativa
já está inserida na Educação Básica, sendo o espaço da preferência da grande maioria para a
realização do programa musical.
Nesta perspectiva, durante o semestre do desenvolvimento do componente, são
ofertadas orientações para a realização do programa musical no espaço escolar: 1) escolha e
justificativa do repertório (máximo cinco peças); 2) elaboração de um arranjo específico para
o grupo dentre o repertório a ser executado; 3) articulação do programa com o projeto
pedagógico escolar; 5) seleção da temática da programação. As orientações influenciam na
discussão acerca do que e como ensinar neste contexto. Nesta direção, ao escolher o repertório os estudantes devem apontar conteúdos e
atividades para o desenvolvimento do mesmo, o que os induz a realizar o planejamento
considerando esta atividade. Outra questão importante abordada é o desenvolvimento de uma
postura docente política, defendida por Pérez Gómez e Sácristan (2000). Os estudantes são
convidados a refletir e discutir a função da apresentação musical na escola e as possibilidades
que a mesma pode contribuir para a valorização da música como área de conhecimento. !
Resultados alcançados
Das atividades relatadas, observamos que o apoio à autonomia exerceu um papel importante
na aprendizagem dos estudantes. Sendo maior grau de envolvimento, comprometimento,
interesse e, sobretudo, valorização da educação musical. Todo o processo percorrido
oportunizou o desenvolvimento de uma atitude docente consciente, crítica e autônoma por
meio da realização de trabalho em equipe, tomada de decisão em grupo, articulação entre a
teoria à prática, vivência de situações que se aproximam do cotidiano da profissão, com o
objetivo de oportunizar a valorização da profissão docente. Destas habilidades desenvolvidas,
destacam-se as voltadas para o contexto escolar, visto que para a atuação neste espaço é
necessário a autonomia para definir conteúdos, atividades, planejamento, entre outros, para
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sistematizar e desenvolver uma prática musical, sobretudo, nas escolas públicas da Educação
Básica. !
Conclusão e implicações para a educação musical
No ambiente acadêmico, muitos fatores interagem para direcionar a autonomia nos
estudantes, como, as relações professor-aluno, o desempenho acadêmico, as expectativas
profissionais, a cultura escolar, as relações interpessoais, entre outros. Pesquisas sobre
autonomia no ambiente acadêmico vêm proporcionando informações importantes em relação
ao desempenho acadêmico. Reeve (2006) coloca que os ambientes que apoiam a autonomia
motivam os indivíduos a direcionarem seu comportamento e decidirem sobre como resolver
os problemas, indo de encontro a seus próprios interesses e valores. Dentre os benefícios
presentes em ambientes apoiadores da autonomia estão: incremento na motivação intrínseca e
competência percebida, emoções positivas, aprendizagem de alta qualidade, desempenho e
persistência. Quanto à profissionalização enquanto professores de música, ter a prática como eixo
desta formação, sobretudo, vivenciada no contexto escolar, oportuniza a articulação entre
teoria e prática, ao proporcionar o desenvolvimento de habilidades pedagógicas musicais.
Segundo Pérez Gómez e Sacristán (2000) o desenvolvimento de capacidades de reflexão
crítica sobre esta prática e de atitudes que exigem o compromisso político do professor, como
intelectual transformador na aula, na escola, no contexto social, contribuem para uma
formação concebida de forma autônoma, por meio de um processo cooperativo de ação e
reflexão, ao ultrapassar os limites da aquisição de conhecimentos meramente técnicos, ao
alcançar uma formação mais complexa, ao considerar a formação do profissional com
compromisso político, valores éticos e morais. Assim, ao considerar a importância da
autonomia na qualidade das aprendizagens e formação docente, ressaltamos a necessidade de
aprofundamento e ampliação de pesquisas sobre apoio à autonomia no ambiente acadêmico e
o contexto escolar como espaço para a formação, partir de outros enfoques e novos estudos.
!
Referências
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estudo com licenciandos. In: CONGRESSO DA ANPPOM, 17, 2007, São Paulo. Anais...
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!
1
Em 2008 foi homologada a Lei 11.769/2008 que estabelece a obrigatoriedade do ensino do conteúdo
música no componente curricular Arte.
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Contribuições da teoria vigotskiana para a educação musical
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Silvia Cordeiro Nassif
Universidade de São Paulo
[email protected]
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Maria Flávia Silveira Barbosa
Centro Universitário Adventista de São Paulo
[email protected]
!
Resumo: Este texto é parte de um estudo teórico que tem como principal objetivo investigar as
contribuições da psicologia histórico-cultural para a educação musical e apresenta um recorte
específico na psicologia vigotskiana. Partindo de alguns conceitos e noções fundamentais
amplamente difundidos no campo da educação musical, busca apresentá-los de maneira articulada
à totalidade da teoria, ressaltando seus pressupostos gerais. Entre os temas abordados, com maior
ou menor profundidade, estão a concepção de desenvolvimento humano, o conceito de cultura, as
relações entre desenvolvimento e aprendizagem, a importância da mediação semiótica, o conceito
de zona de desenvolvimento proximal, o papel do professor, a concepção de criação e imaginação,
a concepção de linguagem e a função do contexto social para o desenvolvimento musical. Além da
apresentação dos conceitos teóricos, o texto procura também, através de exemplos, estabelecer
pontes entre as formulações vigotskianas e as práticas pedagógico-musicais. Como principal
conclusão deste estudo, afirma-se o ganho educacional qualitativo nas apropriações teóricas de
Vigotski que não descartem suas premissas epistemológicas.
Palavras-chave: educação musical, psicologia histórico-cultural, teoria vigotskiana,
desenvolvimento musical.
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Title: Vigotsky’s Theory contributions to music education Abstract: This paper is part of a theoretical study whose main objective is to investigate the
contributions of cultural-historical psychology to music education and presents a specific
framework into Vigotsky’s psychology. Taking account of some fundamental concepts and notions
widely spread in the field of music education, this paper aims at presenting them as articulated to
the totality of the theory, highlighting its main general assumptions. Among the themes
approached, more or less deeply explained, are the concept of human development, the concept of
culture, the relations between development and learning, the importance of semiotic mediation, the
concept of zone of proximal development, the role of the teacher, the concept of creation and
imagination, the concept of language and the function of social context in music development. As
well as the presentation of the theoretical concepts, the paper also seeks, through the use of
examples, to establish connections between Vigotsky’s formulations and the pedagogical-musical
practices. The qualitative educational gain in the theoretical appropriations of Vigostky’s ideas
which do not eliminate its epistemological premises is affirmed as the main conclusion of this
study.
Keywords: music education, cultural-historical psychology, vigotsky’s theory, music development. Há algum tempo temos notado a presença de elementos da teoria vigotskiana em textos de
autores da educação musical1. Pensamos que a incorporação de novas concepções ao ideário
da educação musical seja bastante louvável, uma vez que pode ser identificada em nosso país
uma forte adesão à perspectiva cognitivista de filiação piagetiana, possivelmente reflexo do
poder de sedução que essa perspectiva exerceu, e tem exercido até hoje, no campo
educacional. Sem dúvida, os educadores musicais brasileiros que realizaram/realizam
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pesquisas e propuseram/propõem caminhos metodológicos a partir do referencial piagetiano
muito contribuíram/têm contribuído para o entendimento do processo de aprendizagem
musical – nesse caso, compreendido como construção do conhecimento musical (por
exemplo, Beyer, 1996; Kebach, 2007; Deckert, 2008). Entretanto, consideramos que o
contraponto ao ideário hegemônico é sempre benéfico; o diálogo no campo das ideias é
sempre enriquecedor. Nesse sentido, o interesse pelas obras do psicológio russo, ocorrida
mais fortemente na educação em geral a partir dos anos noventa e, na educação musical, nos
anos dois mil, parece trazer uma brisa de renovação. A adoção da teoria vigotskiana em estudos da área da educação musical pode, a nosso
ver, lançar luz sobre certas questões que outras teorias não esclarecem de modo suficiente ou
mesmo deixam de lado2. Não estamos postulando o uso “agregado” dessas teorias, sem levar
em conta os fundamentos que as distinguem, aproximando-as através que pontos
superficialmente convergentes. Ao contrário, o objetivo deste texto é justamente propor um
uso aprofundado e mais completo da teoria vigotskiana, elucidando certas concepções que,
uma vez compreendidas, acreditamos, podem trazer importantes contribuições para o campo
da educação musical3. Iniciaremos, então, esclarecendo alguns conceitos fundamentais que, a nosso ver,
marcam os contornos peculiares da teoria vigotskiana, trazendo-os para o campo da educação
musical. Voltar-nos-emos também para os conceitos vigotskianos mais comumente
encontrados nos textos de educação musical, procurando integrá-los à totalidade da sua teoria,
bem como a outros que podem também colaborar para a elaboração de propostas pedagógicas
musicais. !
Conceitos fundamentais da teoria vigotskiana Entre as contribuições mais originais de Vigotski, da qual possivelmente derivam todas as
outras, está a sua concepção de desenvolvimento humano. Em suas formulações (Vygotski,
2000), este autor postula a natureza histórico-social das funções psicológicas superiores4. Isso
significa dizer que todo o comportamento especificamente humano é constituído a partir de
relações sociais; relações que se estabelecem no âmbito da vida social organizada. Essa é a
marca distintiva de sua teoria: a historicidade no entendimento do desenvolvimento humano;
diferentemente de outras formulações que o entendem como resultado do amadurecimento de
estruturas já presentes no indivíduo ao nascer, ou como resultado da influência direta e
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unívoca do meio. Assim, o processo de desenvolvimento é assumido como a incorporação/
apropriação/internalização de modos culturais de ser, sentir, pensar, agir. Na teoria vigotskiana, então, o conceito de cultura ganha destaque e identifica-se com a
transformação da natureza pelo homem, através do trabalho conjunto. Para se adaptarem ao
meio em que vivem, os homens, ao invés de modificarem seu próprio organismo como fazem
as outras espécies animais, transformam a natureza; processo de adaptação indireta, que
caracteriza a passagem de uma condição estritamente biológica de existência para uma
condição cultural5. Nesse processo, o homem cria instrumentos materiais e psicológicos
(signos), que regulam o seu próprio comportamento. No curso de seu desenvolvimento – do
nascimento à vida adulta –, o indivíduo não pode contar somente com aquilo que lhe é
transmitido naturalmente, mas precisa se apropriar desses instrumentos e signos, resultado de
toda a experiência humana anterior (linguagens, ferramentas, objetos, hábitos etc.). A
apropriação pela criança desses instrumentos culturais promove uma reorganização psíquica
no sentido do autodomínio de seus processos de comportamento (Pasqualini, 2011). Não
sendo um dado natural, a apropriação só pode ocorrer através de relações sociais e históricas. Leontiev6 (1978) distingue os modos de adaptação humana em relação ao das outras
espécies animais, nos seguintes termos: a actividade animal compreende actos de adaptação ao meio, mas nunca actos de
apropriação das aquisições do desenvolvimento filogénico. Estas aquisições são
dadas aos animais nas suas particularidades naturais hereditárias; ao homem são
propostas nos fenómenos objetivos do mundo que o rodeia. Para as realizar no seu
próprio desenvolvimento ontogénico, o homem tem que apropriar-se delas; só na
sequência desse processo – sempre activo – é que o indivíduo fica apto para exprimir
em si a verdadeira natureza humana, estas propriedades e aptidões que constituem o
produto do desenvolvimento socio-histórico do homem (p. 167 – grifos do autor).
!
Essa apropriação do mundo que rodeia o indivíduo, condição para o seu pleno
desenvolvimento, contudo, não se realiza de maneira direta, mas mediada por signos e por
outros indivíduos. Isso significa que não é mundo objetivo enquanto tal que é internalizado no
processo de desenvolvimento, mas são as significações sociais nele contidas que vão sendo
absorvidas pela criança em desenvolvimento, num processo ativo através do qual elas vão,
gradativamente, se convertendo em significações próprias (Pino, 2005). Há, portanto, na
constituição do psiquismo humano, uma forte ênfase no que denominamos mediação
semiótica, conceito que deixa claro a importância, ao mesmo tempo, dos sistemas simbólicos
presentes em uma cultura (os quais condensam as significações de mundo desse grupo
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cultural) e das interações sociais (já que é a partir do contato com os membros da cultura que
a criança se apropriará desses universos simbólicos).
Com base nessas primeiras ideias vigotskianas sobre o desenvolvimento, já podemos
inferir a importância da educação (entendida de modo bastante amplo) para a constituição do
ser humano de modo geral, já que, de acordo com essa visão, sem alguma forma de
aprendizagem (formal ou informal) não há possibilidade de desenvolvimento psíquico.
Podemos inferir também a impossibilidade de qualquer forma de desenvolvimento musical
sem a apropriação dos “fenômenos objetivos do mundo” musical, mediada por outros
indivíduos em situações sociais de aprendizagem7. Nesse sentido, a educação musical (tomada
numa acepção ampla) não é vista como uma forma de fornecer estímulos com vistas a
despertar potenciais musicais latentes, mas como responsável, pelas práticas que propõe, pela
constituição (ou não), nos indivíduos, de uma certa forma de musicalidade. Depreende-se dessa visão da relação entre aprendizagem e desenvolvimento na qual a
primeira é condição para o segundo8, o papel crucial do professor de música, principal
mediador, nas situações formais de aprendizagem, das relações significativas que as crianças
vão construindo em relação à música. E, nesse sentido, as ações mediadoras do professor são
inúmeras e trazem consequências profundas para a aprendizagem musical. Desde a escolha
dos repertórios a serem trabalhados, o seu modo de apresentação, as propostas metodológicas
de trabalho sobre esses repertórios, até as relações pessoais valorativas que deixam
transparecer em relação às músicas e o modo como conduzem suas aulas etc., tudo isso vai
influenciar positiva ou negativamente no processo de desenvolvimento musical dos alunos.
Numa visão mais “macro”, também a escola desempenha uma função mediadora no
processo de aprendizagem musical que pode tanto colaborar quanto atrapalhar ou mesmo
impedir o desenvolvimento musical das crianças. Assim, por exemplo, o modo como a escola
disponibiliza e organiza os espaços para as aulas de música, a variedade e qualidade dos
materiais fornecidos, o empenho ou descaso em incorporar aos seus quadros de funcionários
profissionais especializados em música, o modo como coloca a música nos seus tempos
curriculares, todas essas ações também trarão consequências diretas ao ensino de música e,
portanto, ao desenvolvimento musical dos alunos dessa escola. Além da mediação, outro conceito vigotskiano, amplamente usado na educação em
geral e na educação musical em particular, é a chamada zona de desenvolvimento próximo (ou
proximal, como é mais conhecido)9. Trata-se de um conceito que aparece em Vigotski
diretamente articulado à sua concepção de desenvolvimento psíquico, porém seu “sucesso” e
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difusão nos meios educacionais foram tamanhos que ele acabou por se distanciar, em muitas
apropriações que dele foram feitas, das suas origens na psicologia histórico-cultural
(expressão usada para designar a vertente da psicologia à qual de filia esse autor).
Em suas formulações sobre o desenvolvimento, Vigotski (Vigotskii, 1988) estabelece a
distinção entre desenvolvimento real, definido por aquilo que uma criança já consegue realizar
sozinha, e desenvolvimento proximal, definido por aquilo que uma criança só consegue
realizar com o auxílio de uma pessoa mais experiente (que pode ser o professor ou outra
criança mais velha, por exemplo). Segundo esse autor, as ações que só podem ser realizadas
com auxílio ainda não fazem parte do repertório de aquisições da criança, mas estão bem
perto, provavelmente serão as próximas conquistas no seu desenvolvimento. É um conceito,
portanto, totalmente articulado à concepção social e mediada de desenvolvimento humano,
que enfatiza especificamente o poder de uma mediação bem realizada de fazer emergir uma
função psicológica ou capacidade em alguma área específica. Assim sendo, parte das
atribuições do professor seria justamente trabalhar na zona de desenvolvimento proximal
(ZDP) da criança, ocasionalmente propondo tarefas que estão um pouco além de suas
possibilidades momentâneas, mas sempre tendo o cuidado de participar ativamente dessas
situações de aprendizagem. A educação, em outras palavras, deveria procurar se adiantar ao
desenvolvimento e não esperar por ele. Em termos de educação musical, considerar a ZDP não significa “dar coisas difíceis”,
trabalhando repertórios complexos ou exigindo execuções tecnicamente acima das
possibilidades do aluno, como uma leitura superficial de Vigotski poderia dar a entender, mas,
a partir do entendimento da função da mediação social no desenvolvimento, o professor
efetivamente se colocar numa posição ativa e intervencionista no ensino, não tendo nenhum
receio, por exemplo, em proporcionar o contato com modelos a serem eventualmente imitados
pelo aluno. A aprendizagem por imitação (não confundir com adestramento ou aprendizagem
mecanicista) é, para Vigotski (Vigotskii, 1988), um caminho necessário e em total sintonia
com a ideia de ZDP10. Mais do que isso, a imitação é condição para o desenvolvimento da
criação, outra questão importante quando pensamos em educação musical.
A ideia de criação artística frequentemente aparece associada a outras, como intuição,
inspiração, genialidade etc. De acordo com a psicologia histórico-cultural, entretanto, a
possibilidade de criação não advém de lugares incertos, não é privilégio de poucos, mas uma
característica de todos os seres humanos, desenvolvida desde a infância e cujas raízes estão na
função psicológica da imaginação. A imaginação começa a surgir nas primeiras brincadeiras
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de “faz de conta” que a criança realiza na idade pré-escolar. Essas brincadeiras, inicialmente
são meras imitações de ações que fazem parte da experiência vivida, direta ou indiretamente,
pela criança. Com o desenvolvimento da imaginação, essas ações imitadas na brincadeira vão
se ampliando e incorporando elementos novos, num processo que sempre os articula a
elementos conhecidos e vivenciados. A brincadeira “faz de conta” é, para Vigotski (2009), a
origem da capacidade criadora do homem, a qual nasce, portanto, da experiência prática, da
vivência, da ação sobre o mundo conhecido e não de supostas capacidades a priori na criança.
Essa questão é particularmente importante para a educação musical, pois vemos, em muitas
abordagens metodológicas, propostas de trabalhar com a criação musical, mas sem fornecer
elementos prévios, apostando justamente numa criatividade inata. Ao contrário, para ser capaz
de criar músicas, uma criança precisa ter contato intenso com repertórios sonoros e musicais
variados, os quais serão modificados, transformados e reapropriados de inúmeras formas em
suas criações. Outra concepção importante para o campo da educação musical e que marca uma
diferença em relação a outras teorias é a concepção de linguagem. Consonante com suas
formulações acerca da origem social e histórica das funções psicológicas superiores, para o
autor russo, a linguagem não emerge do próprio indivíduo, em um processo natural, e
tampouco é apenas o resultado da estimulação do meio; sua origem é, igualmente, histórica e
social. De acordo com Pino (1993, p. 14), a linguagem “não nasce no indivíduo para depois
socializar-se, mas nasce na sociedade para depois individualizar-se. […] Na linguagem, mais
do que em outras funções psíquicas, é evidente que, antes de constituir-se como função do
sujeito falante, ela é uma produção dos homens e uma prática social”. Os homens, no curso de
sua evolução, criaram/criam sistemas de signos para representar-se e representar a realidade –
entre eles, a linguagem. E como criação humana – produção e prática social – a linguagem só
pode ser adquirida pelo indivíduo nas relações sociais. Na concepção vigotskiana, a
linguagem tem uma função constitutiva do nosso psiquismo: é ela que torna possíveis os
processos de conceitualização e elaboração de ideias (Pino, 1993). Trazer essa concepção de
linguagem para as reflexões e práticas em educação musical implica considerar, então, a
música como um sistema sígnico, criação humana, cuja apreensão só é possível nas relações
interindividuais. Nesse processo, é imprescindível a mediação de outros indivíduos que, já
tendo se apropriado eles mesmos da linguagem musical, podem partilhar com a criança as
significações musicais socialmente elaboradas. A compreensão musical só poderá advir de um
profundo e bem orientado mergulho no mundo da música.
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Considerações Finais
Para finalizar, gostaríamos de dizer que não é nossa intenção desvalorizar o trabalho de outros
autores da educação musical que têm procurado na teoria vigotskiana respaldo para uma
prática educacional mais significativa. Não estamos postulando a nossa leitura da teoria
histórico-cultural como verdade única, apenas desejamos alertar para a importância do uso
mais aprofundado e completo das ideias de Lev S. Vigotski (o que, é importante registrar,
também vem sendo feito por vários autores da educação musical que assumem a sua
perspectiva teórica). Acreditamos que o campo da educação musical terá muito a ganhar com
as concepções inovadores formuladas pelo autor russo: a historicidade no desenvolvimento
humano; a mediação semiótica na constituição do psiquismo; o modo como entende a relação
entre aprendizagem e desenvolvimento e o papel do professor; seus estudos sobre a
imaginação e a criação na infância e sobre a linguagem, e outras. Mas pensamos que é
necessário assumir essas concepções inseridas na totalidade da teoria para que elas possam
contribuir, efetivamente, para a superação de preconceitos há muito arraigados que afirmam a
música como privilégio de poucos, consolidando-a como direito de todos os indivíduos.
!
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comunidades de prática musical. Revista da ABEM, 21, 103-112.
1
Ver Mota (2003), Benedetti e Kerr (2008), Souza (2008), Barbosa e França (2009), Waslawick e Maheirie
(2009), Ramos (2011), França (2013), entre outros.
2 Também
para Hargreaves e Zimmerman (2006), a abordagem vigotskiana, pelas questões que coloca, tem
trazido contribuições importantes e recebido especial atenção nos estudos sobre ensino e aprendizagem das artes.
3
Não vai aqui nenhuma crítica a qualquer forma de apropriação que venha sendo feita de Vigotski. Apenas
reiteramos que, do nosso ponto de vista, a inserção desses conceitos na totalidade da teoria pode ser ainda mais
produtiva educacionalmente.
4 Vigotski
estabelece uma diferença entre funções psicológicas elementares ou primitivas e funções psicológicas
superiores. As primeiras vêm com a nossa herança biológica e são comuns a todas as espécies animais. As
funções psicológicas superiores são justamente aquelas que nos distinguem dos outros animais, que são
caracteristicamente humanas e têm sua origem em processos culturais: a atenção voluntária, a memória mediada,
a imaginação, a criação, as diferentes formas de linguagem etc.
5
É importante esclarecer que Vigotski não despreza o fundamento biológico na constituição do nosso psiquismo;
é sobre ele que se constituem as funções psicológicas superiores. O biológico, entretanto, não é,
necessariamente, um dado definitivo, uma vez que pode ser transformado pela cultura.
6 Alexis
N. Leontiev [1903-1979] e Alexander R. Luria [1902-1977] foram os principais colaboradores de
Vygotski.
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7
Embora considere a importância da aprendizagem informal para o desenvolvimento psíquico, Vigotski dá
especial relevância para a instrução formal, pois é ela que permitirá que a criança supere o que esse autor
denomina “conceitos espontâneos” (modos ingênuos de compreensão do mundo) e adquira os “conceitos
científicos” (formas fundamentadas e sistematizadas de compreensão dos fenômenos).
8 Vale
assinalar aqui uma inversão em relação a outras abordagens teóricas nas quais a aprendizagem dependa do
desenvolvimento e não conduza a ele.
9
Segundo Prestes (2010), a tradução mais apropriada para esse conceito vigotskiano é zona de desenvolvimento
iminente. Neste texto, porém, optamos por manter a forma mais conhecida entre os educadores musicais: zona de
desenvolvimento proximal e sua respectiva sigla, ZDP.
10
Contrariamente a essa posição, porém, muitas vezes vemos a noção de ZDP usada em contextos teóricos mais
próximos a concepções maturacionistas, que assumem uma certa autonomia do desenvolvimento em relação a
fatores externos.
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57
Análise interpretativa do documentário Tocar y Luchar
sob a ótica da Teoria Social Cognitiva
!
Veridiana de Lima Gomes Krüger
Universidade Federal do Paraná/CAPES/PROFCEM
[email protected]
!
Igor Mendes Krüger
!
Universidade Federal do Paraná/PROFCEM
[email protected]
Resumo: O objetivo do presente trabalho foi relacionar alguns depoimentos extraídos do
documentário Tocar y Luchar, lançado no ano de 2004 para as comemorações dos trinta anos do
projeto venezuelano mundialmente conhecido como El Sistema e as persuasões verbais, descritas
por Albert Bandura na “Teoria Social Cognitiva” (1986) como uma das quatro fontes de
desenvolvimento das crenças de autoeficácia dos indivíduos. Para dar conta do objetivo proposto,
realizamos uma pesquisa documental de caráter exploratório interpretativo, tendo como fonte de
dados o referido documentário. Este documentário teve como objetivo promover o sistema de
orquestras venezuelano tanto para seus participantes, comunidade e para a Venezuela em geral,
quanto para o restante do mundo. Portanto, foram gravados uma série de depoimentos de músicos
de renome internacional, como Simon Rattle, Plácido Domingo, Claudio Abbado, entre outros,
visando dar maior credibilidade aos êxitos obtidos por El Sistema em seus 30 anos de existência.
Através da análise dos dados, percebemos que as persuasões verbais descritas por Bandura na
Teoria Social Cognitiva como contribuintes para a formação de crenças de autoeficácia, e,
consequentemente aumento da motivação do indivíduo estão presentes no discurso dos
entrevistados. Palavras-Chave: El Sistema, Tocar y Luchar, persuasão verbal, pesquisa documental.
!
Title: Interpretative analysis of the documentary Tocar y Luchar from the perspective of social
cognitive theory
Abstract: The aim of this work was to relate some testimonials taken from documentary Tocar y
Luchar, released in 2004 for the commemoration of the thirty years of the Venezuelan project
globally known as El Sistema and verbal persuasions, described by Albert Bandura in "Social
Cognitive Theory" (1986 ) as one of four sources of development of self-efficacy beliefs of
individuals. To realize the proposed objective, we conducted a desk research interpretive
exploratory, with the data source said documentary. This documentary aims to promote the system
of Venezuelan orchestras both for its participants, community and Venezuela in general, and for
the rest of the world. So were a number of written testimonials from internationally renowned
musicians such as Simon Rattle, Placido Domingo, Claudio Abbado , among others, aimed at
giving greater credibility to the successes obtained by El Sistema in its 30 years of existence. By
analyzing the data, we realize that verbal persuasion described by Bandura on Social Cognitive
Theory as contributors to the formation of self-efficacy beliefs, and consequently increase the
motivation of the individual are present in the interviews.
Keywords: El Sistema, Tocar y luchar, verbal persuasion, documentary research.
!
!
Introdução
O Sistema Nacional de Coros y Orquestas Infantiles e Juveniles de Venezuela, que ficou
mundialmente conhecido como El Sistema, foi fundado em 1975 pelo maestro José Antonio
Abreu com o objetivo de adaptar a metodologia de ensino musical existente em outros países
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à realidade venezuelana através da prática coral e orquestral. Constitui-se de uma obra social e
cultural do estado venezuelano que atualmente atende cerca de 400 mil crianças, jovens e
adolescentes, em seus 285 núcleos de formação prática e teórica que estão distribuídos em
todo território venezuelano. Devido aos êxitos artísticos, sociais e educacionais que tem alcançado ao longo de seus
39 anos de existência, El sistema é considerado por diversas instituições internacionais como
um programa de educação musical e inclusão social único e digno de ser inplementado em
todas as nações do planeta. Em 1995 a UNESCO nomeou José Antônio abreu embaixador
especial para a criação de um sistema mundial de coros e orquestras, com o objetido de
difundir mundialmente a metodologia de ensino utilizada em El Sistema. Atualmente esta
metodologia já é utilizada como modelo por mais de 35 países.
É crescente o interesse de pesquisadores pelo projeto, mais especificamente pelos
fatores que contribuem com o êxito do mesmo, e também pela forma como projetos
inspirados em El Sistema estão sendo desenvolvidos ao redor do planeta. Muitas pesquisas
estão sendo realizadas sobre os programas inspirados no modelo venezuelano. Em 2013, foi
publicada uma revisão de literatura organizada por Creech et al (2013) com base em 130
pesquisas realizadas a nível mundial. As pesquisas estão sendo desenvolvidas sob as mais
variadas abordagens, nesta revisão os organizadores identificaram as seguintes categorias de
abordagens: questões sociais, emocionais e cognitivas; envolvimento familiar; participação e
impacto na comunidade; pedagogia; liderança e rede de empreendedorismo; qualidade das
atividades; progresso musical; inclusão; contextualização e carcterísticas culturais específicas
dos programas. Neste trabalho o foco de investigação é dado aos aspectos motivacionais presentes em
El Sistema e a forma como estes podem contribuir com o êxito do projeto. Nossa hipótese é
que a prática de ensino e aprendizagem em El Sistema garante alto nível de motivação,
podendo assim, ser um dos fatores que favorecem a obtenção de bons resultados artísticos,
sociais e educacionais pelo projeto. Pesquisas que propõem um diálogo entre psicologia/educação/música tem discutido
questões cognitivas, sociais e afetivas dos indivíduos a partir de teorias significativas no
campo dos estudos motivacionais. Segundo Araújo (2010) dentre as abordagens cognitivistas
pode-se destacar o estudo da autodeterminação, expectativa-valor, teoria do fluxo, as crenças
de autoeficácia, dentre outras. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/
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59
Nesta pesquisa o enfoque é dado à questões sociais e cognitivas, portanto, utilizamos
como suporte teórico a Teoria Social Cognitiva (1986) proposta por Albert Bandura mais
especificamente o que concerne as Crenças de autoeficácia (1997), que segundo Bandura
(1997) são as percepções dos indivíduos sobre suas próprias capacidades de desenvolver
determinadas atividades.
Segundo Bandura (1997), os julgamentos de autoeficácia de uma pessoa determinam
seu nível de motivação, pois é a partir desses julgamentos que a pessoa decide quanto esforço
e tempo dedicará a uma atividade e o quando será resistente frente à situações adversas. Por
exemplo, um aluno que está aprendendo a tocar violino, se ele não acreditar que possui
capacidade para aprender a tocar o instrumento provavelmente o seu nível de dedicação para
superar os desafios e alcançar um bom desempenho musical será reduzido. Se ao contrário, o
aluno acreditar que possui capacidade de aprender a tocar, a dedicação deste para superar as
jornadas de estudos necessárias para que se alcance um bom desenvolvimento musical será
elevada.
Ressalta-se nessa definição que se trata de uma avaliação ou percepção pessoal
quanto à própria inteligência, habilidades, ou conhecimentos etc., representados pelo
termo capacidade. Não é questão de se possuir ou não tais capacidades; não basta
que estejam presentes. Trata-se de a pessoa acreditar que as possua. Além disso, são
capacidades direcionadas para organizar e executar linhas de ação, o que significa
uma expectativa de “eu posso fazer” determinada ação. (BZUNECK, 2004, p. 116).
!
De acordo com Bandura (1997), estas crenças podem ser formadas pelo indivíduo a
partir da interpretação de quatro fontes principais: experiências pessoais de êxito, experiência
vicária, persuasão verbal e estados físicos e emocionais.
Assim, o objetivo do presente trabalho foi verificar a ocorrência de persuasões verbais
no documentário Tucar y Luchar, dirigido por Alberto Arvelo e lançado em 2004 com o
objetivo de contar a história de El Sistema. Para dar conta do objetivo desta pesquisa foi realizada uma pesquisa documental de
caráter exploratório interpretativo, que teve como fonte de coleta de dados o documentário
acima citado.
!
Persuasão Verbal No Brasil, pesquisas sobre música e motivação com base nas teorias de Bandura (1997)
apresentam subsídios importantes para a investigação da motivação com enfoque em diversas
áreas do ensino, aprendizagem e desenvolvimento musical. Como por exemplo, os trabalhos
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de Cavalcanti (2009); Araújo, Cavalcanti & Figueiredo (2009, 2010); Cereser (2011); Silva
(2012). Segundo Bandura (2008), a Teoria Social Cognitiva adota a perspectiva da agência. Ser
agente significa fazer as coisas acontecerem de maneira intencional, por meio dos próprios
atos, planejamentos, e é autorregulador de suas atividades, levando o homem a refletir sobre
seus atos, crenças, ideias e pensamentos. Segundo Bandura (2008), as características básicas
da agência humana envolvem aquilo que significa ser humano. As princiais características da
agência humana segundo Bandura são a intencionalidade; a antecipação; a autorreatividade e
a autorreflexão.
De acordo com Pajares e Olaz (2008), Bandura considera a capacidade da autorreflexão
como sendo a mais “distintamente humana” tornando-se um aspecto proeminente da teoria
social cognitiva , pois é “por intermédio da autorreflexão que as pessoas tiram sentido de suas
experiências, exploram suas próprias cognições e crenças pessoais, autoavaliam-se e alteram o
seu pensamento e comportamento” (Pajarez & Olaz, 2008, p. 101). Para Bandura (2008) as
crenças de eficácia pessoal são os mecanismos centrais da agência humana Segundo Bandura (1997) uma das fontes de desenvolvimento das crenças de
autoeficácia é através da persuasão verbal. Os indivíduos podem desenvolver a autoeficácia
quando, de alguma forma lhes for comunicado que eles têm competência para desenvolver a
atividade em questão. Persuasores desempenham papel importante no desenvolvimento das
crenças dos indivíduos, mas não devem ser confundidos com elogios ou louvores vazios. Os
persuasores devem cultivar as crenças do indivíduo em suas capacidades, transmitindo
confiança verbalmente, estabelecendo ou fortalecendo o senso de confiança do individuo em
suas capacidades pessoais.
Segundo Bzuneck (2004) as persuasões “serão realmente convincentes se partirem de
uma pessoa que goze de credibilidade e, principalmente, se houver a comprovação dos
fatos” (p.124). São estas persuasões que acreditamos se tornarem um fator importante para aquisição de
bons resultados em El Sistema. Cabe salientar que o documentário que foi analisado é
utilizado tanto para apresentar El Sistema para o exterior da Venezuela, quanto para os
próprios alunos do projeto. !
!
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Apresentação dos Dados Para o delineamento metodológico deste trabalho optamos pela realização de uma pesquisa
documental de caráter exploratório interpretativo. Segundo Gil (2002), “a pesquisa
documental vale-se de materiais que não recebem ainda tratamento analítico, ou que ainda
podem ser reelaborados de acordo com o objetivo da pesquisa” (p.45).
Os depoimentos contidos no documentário foram transcritos e posteriormente foi
realizada uma análise interpretativa, relacionando os dados transcritos às persuasões verbais
propostas por Bandura.
Abaixo apresentados os depoimentos extraídos do documentário que elogiam o impacto
social alcançado por El Sistema:
Cláudio Abbado, Diretor da Orquestra Juvenil Européia sobre El Sistema...
Quase ninguém sabe o que está acontecendo aqui na Venezuela, e para mim é o
melhor exemplo a ser seguido por todos os países... Desde o ponto de vista musical,
humanitário, social, cultural e político, é excepcional... Não acreditava que fosse um
nível tão alto de cultura. É fantástico (ABBADO IN ARVELO, 2004). !
Mark Churchill, Diretor do Conservatório New England sobre El Sistema... Esta é uma mensagem para o mundo, é o futuro da música, é um exemplo com o
qual todos podemos aprender... Pensamos em programas sociais ao prover de
comida, alojamento e atenção médica à quem não possui, e isto é importante, mas o
ideal de José Antonio Abreu que alimentando a alma das pessoas, encontrarão a
maneira de alimentar-se, de alojar-se a si mesmos, de encontrar as necessidades
básicas do homem, crescendo como homens de valor e empenho (CHURCHILL IN
ARVELO, 2004)
!
Eduardo Mata, Ex-Diretor da Orquestra Sinfônica de Dallas fala sobre o potencial das
orquestras juvenis...
!
As orquestras juvenis tem o potencial de mudar o perfil sociológico de um país com
características como as da Venezuela, Colômbia, Peru ou México. Este projeto é
fabuloso, fabuloso em si, e fabuloso também enquanto seu potencial de poder aplicar
em outros países (MATA IN ARVELO, 2004). O Diretor da Orquestra Sinfônica de Miani, Eduardo Marturet fala sobre a execução das
orquestras de El Sistema...
E com expressão da beleza venezuelana de uma forma pura, e o mais importante é
de uma forma boa, sem distinção de nenhum tipo, mas, com uma identidade. Essa
identidade venezuelana eu creio que dá o movimento, a sonoridade da orquestra
inclusive, uma execução impecável (MARTURET IN ARVELO, 2004).
!
Também encontramos depoimentos falando sobre a qualidade artística e a
expressividade dos venezuelanos: www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/
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O depoimento de Sir Simon Rattle sobre a apresentação da Orquestra Juvenil conduzida
por Gustavo Dudamel, um dos maestros formados em El Sistema...
Vocês tem aqui um dos mais talentosos jovens diretores que já conheci. Ter escutado
ontem uma orquestra tocando Tchaikovsky maravilhosamente, fraseando juntos e
comunicando-se mutuamente, é bastante incomum. (RATTLE IN ARVELO, 2004).
!
Outro depoimento de Sir Simon Rattle, agora sobre a apresentação da Orquestra
Infantil...
!
Vimos uma orquestra em que os pés de seus músicos não tocavam o solo
(literalmente). Escutei a menor orquestra do mundo dirigida por um dos maiores
diretores do mundo... Gustavo, tocando a Marcha Eslava e guiados por um menino
de oito anos e não entendo como uma criança de sua idade tenha tanta técnica no
violino. E especialmente vi no rosto de todos eles o que sempre acreditei que é a
música: alegria, comunicação e alegria (RATTLE IN ARVELO, 2004). O depoimento do tenor Plácido Domingo após assistir uma apresentação da Orquestra e
Coro Juvenil....
Quando entrei aqui no Teatro Teresa Carreño, não esperava entrar no céu e ouvir
estas vozes celestiais. A verdade é que nunca havia sentido uma emoção tão grande,
e senti não só pela emotividade deste momento, mas devo dizer também pela
qualidade (DOMINGO IN ARVELO, 2004). !
Abaixo o depoimento de Ronny Marcano, um aluno de trompete de El Sistema...
!
Eu tocava corneta porque no núcleo onde eu estava me deram por causa do meu
tamanho e minha idade... e depois fui a um seminário de trompete onde conheci um
trompetista da Filarmônica de Berlim, Thomas Klamur, que me escutou, disse que
minha sonoridade era boa e me trouxe este trompete (RONY IN ARVELO, 2004). O depoimento dos venezuelanos sobre Edcson Ruiz, contrabaixista formado em El
Sistema e que hoje é membro da Orquestra Filarmônica de Berlim... O que dizer de Edcson... que ele é o maior orgulho que nasceu aqui no bairro
Candelária, para nós é uma honra contar com um jovem talentoso como esse, uma
verdadeira estrela da arte, da música.
Um gênio para Venezuela, isso é uma coisa que não tem nome... Bom, eu estou conhecendo ele agora não, mas, ma verdade é um orgulho ter um
compatriota em uma orquestra tão importante (VENEZUELANOS IN ARVELO,
2004) Categorizamos também comentários a respeito das contribuições de El sistema para o
futuro da música:
Sir Simon Rattle, Diretor da Orquestra Filarmônica de Berlim fala sobre El Sistema...
!
Eu diria que nada é tão importante para a música, como o que está acontecendo aqui
na Venezuela (RATTLE IN ARVELO, 2004).
!
Parte do assunto, é que as crianças não esperam que as coisas sejam fáceis, assim,
estão ansiosos para trabalhar porque o que podem lograr, mas também estão mais
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capacitados para fazer melhor as coisas, porque não há esta sorte da cultura, da
crítica, há uma mudança, uma cultura por estímulo, e se algo vai mal, se alguém
comete um erro, todos riem disso, e todos sabem “Ok, isso não saiu bem, já saiu
melhor”, não existe uma cultura de culpa (RATTLE IN ARVELO, 2004). !
O depoimento abaixo foi feito Sir Simon Rattle ao El Sistema, e José Antonio Abreu leu
para os integrantes da Orquestra Juvenil...
Se alguém me perguntar onde está acontecendo algo importante para o futuro da
música... eu simplesmente diria, aqui, na Venezuela. Vocês não estão vendo isto,
porque já está acontecendo aqui há quase 30 anos e vocês estão acostumados. Mas
para alguém de fora como eu, é uma força emocional de tal poder, que precisaremos
de um tempo para assimilar o que estamos vendo e escutando... e nos dias atuais eu
digo, estamos vendo o futuro da música na Venezuela e isso é uma ressurreição
(ABREU IN ARVELO, 2004). Devido ao grande interesse que o sistema de orquestras venezuelano tem despertado
ao redor do planeta, inúmeros trabalhos acadêmicos, materias de jornais e revistas, entre
outros, tem difundio os seus êxitos nos campos sociais, educacionais e artistico/cultural.
Porém, poderiamos nos perguntar, sobre qual o impacto que todas estas publicações exercem
sobre a motivação dos alunos de El Sistema em permanecer estudando em seus núcleos, ou
sobre o quanto todas estas publicações podem exercer influência para motivar pessoas de
todas as partes do mundo a criarem núcleos inspirados no modelo venezuelano em suas
localidades? São perguntas as quais não temos dados suficientes para responder. Mas,
acreditamos que todas as incontáveis publicações referidas acima devam exercer uma
influência menor para a motivação dos alunos de El Sistema e para os seguidores do modelo
venezuelano ao redor do planeta do que os depoimentos de tantas personalidades da música
internacional gravados em vídeo. Baseados no que expomos no presente trabalho, acreditamos que as persuasões verbais
apresentadas no documentário possam influenciar positivamente o aumento das crenças de
autoeficacia dos alunos de El Sistema, assim como, influenciam pessoas ao redor do planeta a
criar núcleos inspirados no modelo venezuelano. Quanto à influência exercida por tais persuasões sobre pessoas de fora da Venezuela
que decidam seguir o modelo venezuelano, acreditamos que o que ocorra é um processo de
motivação através das experiências vicárias1, que é uma das fontes de desenvolvimento de
autoeficácia citada por Bandura na Teoria Social Cognitiva. Neste caso, acreditamos que as
persuasões verbais influenciem a motivação através de experiencias vicárias, pois, ao assistir
tantos elogios e constatações de êxitos direcionados aos venezuelanos, desperta-se a vontade
alcançar êxitos e reconhecimentos semelhantes. Estas experiências podem inclusive estar
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relacionadas com o crescente número de países que já implementaram programas orquestrais
inspirados no modelo venezuelano.
!
Considerações Finais
Com a realização deste trabalho foi possível observar que as persuasões verbais
descritas por Bandura como uma das quatro fontes de desenvolvimento de autoeficácia, estão
presentes no documentário Tocar y Luchar. O referido documentário teve como objetivo
promover o trabalho desenvolvido em El Sistema, tanto no interior da Venezuela, para os
participante do projeto, familiares de participantes e comunidade em geral,
quando no
exterior, para instituições que apoiam ou possam vir a apoiar o projeto, países que ainda não
possuem um sistema de orquestras, e público em geral. A ocorrência de persuasões verbais neste documentário nos leva a crer que este pode ser
considerado um veículo importante de estímulo para os alunos do projeto, uma vez que o
documentário é exibido para os alunos.
!
Referências Arvelo, A. (2004). Tocar y luchar [film]. Caracas, Venezuela: Fundación Musical Simón
Bolívar. Araújo, R.C; (2010). Motivação e ensino de música. In: Ilari, B; Araújo, R.C. (Org.) Mentes
em música. Curitiba: Editora UFPR.
Araújo, R. C.; Cavalcanti, C. P. ; Figueiredo, E (2009). Motivação para aprendizagem e
prática musical: dois estudos no contexto do ensino superior. ETD : Educação Temática
Digital, v. 10, p. 249-272
Araújo, R. C.; Cavalcanti, C. P. ; Figueiredo, E. (2010). Motivação para prática musical no
ensino superior: três possibilidades de abordagens discursivas. Revista da ABEM, v. 24,
pp. 34-44.
Bandura, A. (1986). Social foundations of thought and action: a social cognitive theory.
Englewood Cliffs NJ: Prentice Hall.
Bandura, A. (1997). Self-efficacy: the exercise of control. New York: Freeman. Bandura, A.;
Azzi, R. G.; Polydoro, S. (2008). Teoria Social Cognitiva: Conceitos Básicos. Porto
Alegre: Artmed.
Bzuneck, J.A.; Boruchovitch, E. (2004). A Motivação do Aluno: Contribuições da psicologia
contemporânea. Petrópolis: Editora Vozes. 3ª ed.
Cavalcanti, C. R. P. (2009). Auto-regulação e prática instrumental: um estudo sobre as crenças
de auto-eficácia de músicos instrumentistas. Dissertação de Mestrado. Curitiba: UFPR.
Cereser, C. (2011). As crenças de autoeficácia dos professores de música. Tese de doutorado.
Porto Alegre: UFRGS.
Creeh, A; González-Moreno, P.; Lorenzino, L.; Waitman, G. (2013). El Sistema and SistemaInspired Programmes: A Literatura review of research, avaluation and critical debates.
Califórnia: Sistema Global.
Gil, A. C. (2002). Como elaborar projetos de pesquisa. 4ªed. São Paulo: Atlas. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/
Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014
65
Pajares, F.;Olaz, F.(2008). Teoria social cognitiva e auto-eficácia: uma visão geral. In:
Bandura, A.; Azzi, R. G.; Polydoro, S. Teoria Social Cognitiva: Conceitos Básicos. Porto
Alegre: Artmed.
Silva, R. R.(2012). Consciência de autoeficácia: uma perspectiva sociocognitiva para o estudo
da motivação de professores de piano. Dissertação de Mestrado. Curitiba: UFPR.
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Notas
!
1 As
experiências vicárias são a observação da mesma atividade sendo realizada por outra (s) pessoas.
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Autorregulação da aprendizagem e aprendizagem cooperativa:
um diálogo na formação do violonista
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Luan Sodré de Souza
Universidade Federal da Bahia
[email protected]
!
Ana Cristina Tourinho
Universidade Federal da Bahia
[email protected]
!
Resumo: Este artigo pretende fazer um diálogo a respeito do conceito da autorregulação da
aprendizagem à luz da Teoria Social Cognitiva aplicada ao processo de aprendizagem do
violonista. Pretende-se fazer um contraponto com a aprendizagem cooperativa, traçando um
caminho pelo qual existe uma confluência entre estes dois processos de aprendizagem. A partir das
ideias desenvolvidas, o texto nos leva a refletir uma aprendizagem musical na qual tanto o
professor, quanto o aluno tem responsabilidades no processo de construção da aprendizagem e
ainda sugere um equilíbrio entre os momentos coletivos e individuais na aprendizagem do
instrumento musical. A aprendizagem cooperativa se mostra como um caminho possível para
aquisição de ferramentas autorregulatórias que são indispensável para a formação do
instrumentista, visto que estes profissionais passam bastante tempo em um momento de estudo
individual onde eles precisam auto gerenciar os seus processos de aprendizagem. Focado no
processo de construção da aprendizagem musical, e mais especificamente, na formação do
violonista, procura-se refletir a respeito de caminhos onde a formação do instrumentista seja mais
do que desenvolvimento de habilidades técnicas. Um caminho onde impere a formação do
indivíduo para as diversas demandas encontradas na profissão e na vida, levando em consideração
os conhecimentos prévios do indivíduo, as suas motivações, ambições, a troca com os seus pares e
o desenvolvimento da sua autonomia.
Palavras-chaves: autorregulação da aprendizagem, aprendizagem cooperativa, ensino de
instrumentos, ensino de violão, teoria social cognitiva.
!
Title: Self-regulation of learning and cooperative learning : A dialogue in formation of the
guitarist
Abstract: This paper aims at a dialogue about the concept of self-regulation of learning in light of
Social Cognitive Theory applied to the learning process of the guitarist . In order to make a
counterpoint with cooperative learning , tracing a path along which there is a confluence between
these two learning processes . The ideas developed , the text leads us to reflect a musical learning
in which both the teacher and the student has responsibilities in the construction of the learning
process and also suggests a balance between collective and individual moments in learning a
musical instrument . Cooperative learning is shown as a possible way to acquire self-regulatory
tools that are indispensable for the formation of the performer , as these professionals spend
enough time in a moment of self-study where they need to self-manage their learning processes .
Focused on the construction process of musical learning , and more specifically , in the formation
of the guitarist , seeks to reflect on ways that the formation of the instrumentalist is more than
development of technical skills . A path where reigns the formation of the individual to the various
demands encountered in the profession and in life, taking into account prior knowledge of the
individual, their motivations , ambitions , the exchange with their peers and develop their
autonomy.
Keywords: self-regulation of learning , cooperative learning , teaching tools , teaching guitar ,
social cognitive theory.
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A Formação do Instrumentista e a autorregulação da aprendizagem
O instrumentista passa boa parte do seu período de formação desenvolvendo trabalhos
solitários, visto que, são imprescindíveis os momentos de estudo individual para o seu
crescimento. Esta fase implica em concentração e bom direcionamento do esforço dispendido,
tarefa intransferível, visto que, é necessário que o estudante desenvolva habilidades que serão
maturadas a partir do seu estudo individual. Alguns pesquisadores buscaram entender o
processo de estudo do instrumentista, bem como a prática deliberada do instrumento musical.
Um significativo número de pesquisadores têm se dedicado a investigar a eficácia da
prática deliberada para a aquisição de alto nível de performance em diferentes áreas
de conhecimento. Segundo ERICSSON, KRAMPE E TESCH-RÖMER (1993, p.
368), a prática deliberada constitui-se de um conjunto de atividades e estratégias de
estudo, cuidadosamente planejadas, que têm como objetivo ajudar o indivíduo a
superar suas fragilidades e melhorar sua performance; a realização de tais atividades
requer esforço, não sendo, portanto, inerentemente prazerosa. Porém, os indivíduos
se vêm motivados a empreendê-las pelo avanço eminente que elas podem
proporcionar à sua performance (Santiago, 2006, p.53).
!
É neste momento imprescindível que acontecem os avanços e retrocessos considerando
que estudar de forma equivocada pode causar danos a técnica dos instrumentistas. Nestas
sessões são colocadas em prática as informações adquiridas em aulas, masterclasses,
conversas, observações e tantas outras possibilidades de aprendizado. Quando novas
informações são relacionadas com conhecimentos prévios, análises, e outras tantas conexões é
que de fato irá ser gerado um novo conhecimento aplicado no instrumento. Stefanelli (2009),
baseado em Sala e Goñi (2000) diz que "A aprendizagem é mais significativas na medida em
que o novo material for incorporado às estruturas de conhecimento do aluno e procurar
adquirir significado para ele a partir da relação com o seu conhecimento prévio". Desta forma,
são feitas conexões entre conhecimentos anteriores, novas informações e as descobertas no
momento da prática, o que irá resultar na construção de novos conhecimentos. Ainda
refletindo sobre o processo de estudo do instrumentista e a necessidade do seu momento de
prática, Santiago (2010) diz que: "Embora a definição de música e, por conseguinte, da prática
musical, varie de cultura a cultura, é da natureza humana que as habilidades psicomotoras
necessitem de exercício (ou prática) para se manterem num nível de excelência" (Santiago,
2010, p.131).
Sobre isto, Gabrielsson (como citado em Santiago, 2010), destaca dois principais
componentes relacionados ao alto nível da performance musical: a compreensão total da
música, sua estrutura e significado; e o domínio completo da técnica instrumental". O domínio
é atingido por meio da prática.
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Tomando como ponto de partida esta reflexão, destaca-se a importância da investigação
desse momento solitário do instrumentista, necessário para a construção da sua performance.
Nessa etapa o estudante desempenha diversos papeis. Sozinho, irá tomar decisões com relação
a seu processo de estudo incluindo a organização do trabalho e metas a serem alcançadas
realizando uma auto avaliação, isto é, neste momento ele é o seu próprio professor. Esse
processo possivelmente se perpetuará para o resto da sua vida profissional, ao decidir as peças
para novos programas de concerto, expandir o repertório e outras situações típicas que
envolvem decisões profissionais. Pensando na prática como autoinstrução, existem três fases
propostas por Jorgensen (como citado em Fonseca, 2010), são elas: planejamento e
preparação; realização, observação; e avaliação, que ainda podem ser subdivididas em mais
outras etapas. As estratégias de planejamento e preparação abrangem estratégias para seleção
de atividade, organização e estratégias para administração do tempo. As estratégias executivas
incluem estratégias de ensaio, estratégias para repartição da prática ao longo da sessão de
estudos e estratégias para a preparação de uma apresentação pública. Já as estratégias de
avaliação incluem o conhecimento, o controle e a regulação das estratégias como um todo.
Com estas premissas, destaca-se a importância do professor de instrumento buscar
desenvolver nos seus alunos a capacidade de autogerir seus estudos. Esse processo que pode
ser chamado de autorregulação da aprendizagem consiste na capacidade de auto
gerenciamento em várias situações do cotidiano. Durante toda a vida, em diversas áreas do
desenvolvimento muitos indivíduos naturalmente realizam este processo, como explica a
Teoria social Cognitiva:
O processo de auto-regulação está presente em todas as pessoas ao longo de toda sua
vida, sendo que quanto mais sofisticados seus repertórios comportamentais e suas
interações com o ambiente, mais complexos serão seus modos de atuação. Esse
processo opera por meio de um conjunto de três subfunções psicológicas que devem
ser desenvolvidas e mobilizadas para mudanças auto-diretivas voltadas aos objetivos
pessoais: a auto-observação, os processos de julgamento e a auto-reação (Bandura,
1986) (Polydoro; Azzi, 2008. p.152).
!
Na perspectiva da Teoria Social Cognitiva de Albert Bandura, teórico que vai subsidiar
as reflexões aqui apresentadas, a autorregulação é apresentada na perspectiva de "um processo
consciente e voluntário de governo, pelo qual possibilita a gerência dos próprios
comportamentos, pensamentos e sentimentos, ciclicamente voltados e adaptados para
obtenção de metas pessoais" (Bandura, 1991 como citado em Polydoro; Azzi, 2009, s/p). A
autorregulação está presente em diversas áreas do desenvolvimento humano, inclusive, em
processos de aprendizagem. Para Bandura, a autorregulação opera por meio de três processos
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que são: o auto monitoramento, os julgamentos avaliativos e as autorreações. As três
subfunções atuam de forma integrada e em interação com o ambiente. Em se tratando da
autorregulação da aprendizagem, a auto-observação permite que o indivíduo possa realizar
um auto exame e identificar as suas necessidades. No processo de julgamento, a partir das
detecções, o aluno irá buscar informações, fazer escolhas e buscar ações que possam suprir as
necessidades detectadas. Na autorreação, o aluno coloca em prática as ações na intenção de
reagir ao problema detectado. Esse ciclo se repete durante todo o tempo. (Polydoro; Azzi,
2009).
Zimmerman (como citado em Polydoro e Azzi, 2009), baseado nas ideias de Bandura,
concorda que o processo de autorregulação da aprendizagem é cíclico. Para ele, esse formato
de aprendizagem remete-se a pensamentos, sentimentos e ações autogeradas que são
construídas e ciclicamente aplicadas para aquisição de metas pessoais. Zimmerman elaborou
um modelo para organizar a autorregulação da aprendizagem que assim como o de Bandura,
propunha três fases cíclicas da autorregulação. Em cada fase ele acrescenta ao modelo
proposto por Bandura outras variáveis relacionadas diretamente com a aprendizagem. Uma
das fases ele chama de "Fase prévia" onde abrange a análise das tarefas e crenças
motivacionais, é importante que o aluno esteja motivado para ter êxito neste processo, e além
disso, a crença de auto-eficácia é de extrema importância para o sucesso da autorregulação da
aprendizagem, segundo Araújo (2010, p. 120), "uma relação significativa sobre o efeito da
crença de auto-eficácia no indivíduo é o processo de autorregulação". Uma outra etapa, ele
chama de "fase de realização", dentro desta etapa estão o autocontrole e a auto-observação. A
seguinte, ele intitula de "Autorreflexão" onde está contido o julgamento pessoal, reações e
auto-reações (Polydoro; Azzi, 2009).
Esse modelo sugerido por Zimmerman, mais tarde originou o PLEA (Planejamento,
Execução e Avaliação) defendido por Rosário (como citado em Polydoro; Azzi, 2009). Este é
um modelo cíclico intrafase. Ele diz que as três fases estão contidas dentro de cada uma. É
como se existissem micro fases dentro de cada macro fase, por exemplo: dentro do
"Planejamento" teria um PLEA, na "Execução" outro PLEA e na "Avaliação" mais outro
PLEA. Este formato deixa mais claro o processo de autorregulação da aprendizagem quando
tratamos do estudo de instrumentos musicais. Pois mostra que as tarefas de cada fase do
processo são planejadas, realizadas e avaliadas (Polydoro; Azzi, 2009).
O estudante de violão no seu processo de formação precisa planejar suas jornadas de
estudo, pois deve ter uma visão geral do que precisa fazer para chegar a determinado
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resultado musical. Após planejado o percurso a trilhar, é o momento de executar o que se
planejou. Nesta fase, o instrumentista é o seu próprio professor, já que, julga-se que este
processo ele fará sozinho. Ele é responsável por se auto-observar, detectar problemas e tomar
decisões com o objetivo de resolvê-los. É possível ver claramente o planejamento, a execução
e a avaliação nesta fase. A avaliação é indispensável, visto que, é a partir dela que o
instrumentista irá, perceber o que funcionou, o que não ficou à contento e redefinir o seu
estudo, ou seja, ré-planejar e começar um outro ciclo. Para Santiago (2006), é essencial o
desenvolvimento de habilidades autorregulatórias no instrumentista, baseada em Nielsen
(2001), ela diz que:
(...) Ainda um outro fator essencial para o estudo instrumental refere-se ao
desenvolvimento das “habilidades auto-regulatórias” pelo músico instrumentista, ou
seja, sua capacidade de planejar o próprio estudo e de se tornar participante ativo do
seu próprio processo de aprendizado musical (NIELSEN, 2001, p. 156). Dentre as
habilidades auto-regulatórias estão a capacidade de definir objetivos e de planejar e
escolher estratégias de estudos, bem como a capacidade de auto-avaliação,
autoinstrução e auto-monitoramento (NIELSEN, 2001, p. 165) (Santiago, 2006, p.
54-55).
Muitos fatores influenciam na autorregulação do indivíduo e por isso ela pode ser mais
ou menos acentuada em cada pessoa. Segundo a Teoria Social Cognitiva "o comportamento é
determinado a partir da interação contínua e recíproca entre as influencias ambientais,
pessoais e comportamentais: o modelo triádico" (Polydoro; Azzi, 2008. p. 151). Neste caso, a
história do indivíduo é fundamental para se entender o comportamento que ele tomará frente
aos desafios, bem como, o tipo de educação e os estímulos que ele recebe para desenvolver a
sua autonomia. A exemplo, posso citar alguém que foi condicionado a receber e executar
ordens, sem que ele pudesse tomar decisões e fazer escolhas frente às situações, esta pessoa
tende a ser menos autorregulada por ter sido condicionada a fazer apenas o que os outros
mandavam. É possível concluir que o ambiente em que o indivíduo interage é fundamental
para o desenvolvimento de habilidades autorregulatórias, sem deixar de falar no
temperamento de cada um.
(...)a noção de auto-regulação não implica em redução da influencia ambiental, pois
o contexto afeta os comportamentos da agência pessoal, como também interfere nas
próprias funções auto-regulatórias. Como indica Bandura (1986), isso ocorre por
meio de três grandes condições:
1. o ambiente contribui para o desenvolvimento das subfunções que compões o
sistema de auto-regulação, oferecendo parte do suporte para a aderência aos padrões
internos e facilita seletivamente a ativação ou desengajamento do processo de autoregulação;
2. a experiência (direta ou vicária) possibilita a aprendizagem de como e o que
observar, participar no estabelecimento dos padrões pessoais de julgamento;
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3. a experiência interfere na decisão do tipo e da força das auto-reações dirigidas à
própria conduta (Polydoro; Azzi, 2008. p.157).
É necessário que os estudantes adquiram ao longo da vida um repertório de experiências
que proporcionem suportes para futuras ações autorregulatórias. No caso do estudo do violão,
é importante que o aluno tenha um leque de informações a respeito da execução do
instrumento, para que nos momentos de estudo, possa tomar decisões e fazer escolhas com
base em suas informações. Desta forma, a figura do professor é indispensável, pois ele
instrumentalizará os alunos para os momentos particulares. Porém, o professor não é a única
fonte de instrumentalização, pois nos estudos os alunos não recorrem apenas aos
ensinamentos do seu professor, nestas horas também existem influências das suas leituras, dos
masterclasses, das conversas tidas com seus pares, de suas observações e do seu
conhecimento prévio. O professor ainda pode ajudar, conscientizando os alunos da
necessidade de organizar as suas sessões de estudo visando uma prática deliberada, além de
direcioná-los para uma prática focada e consciente, mostrando caminhos para tal.
!
Aprendizagem Cooperativa e a aquisição de habilidades autorregulatórias
"Aprendizagem é o resíduo da experiência. É o que fica conosco quando as atividades
acabam, as técnicas e a compreensão que nós obtemos". (Swanwick, 2003, p. 94).
Acreditando que a aprendizagem não é o professor que transfere para o aluno, e sim o
resultado de experiências vivenciadas pelos mesmos, o professor passa a ser aquele que irá
criar oportunidades de construção da aprendizagem. Segundo Paulo Freire (1996), "ensinar
não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua
construção". Desta forma, no caso do instrumentista a aprendizagem de fato acontecerá nos
seus momentos de estudo e a sala de aula passa a ser o local onde ele irá se abastecer de
experiências e informações. Estas, por sua vez, serão desenvolvidas e relacionadas com o
conhecimento prévio do educando, o resultado de todo este processo pode ser que gere um
novo conhecimento. Nem sempre o processo de aprendizagem do violão é entendido desta
forma, como reflete Tourinho (2007) defendendo o ensino coletivo de violão:
O professor de aulas tutoriais se baseia no modelo de Conservatório e defende a
atenção exclusiva ao estudante como a única forma de poder conseguir um resultado
efetivo. Pode-se argumentar em favor do ensino coletivo que o aprendizado se dá
pela observação e interação com outras pessoas, a exemplo de como se aprende a
falar, a andar, a comer. Desenvolvem-se hábitos e comportamentos que são
influenciados pelo entorno social, modelos, ídolos. (Tourinho, 2007, p. 2)
Pensando nisso, pode-se observar a aprendizagem cooperativa como uma forma de criar
oportunidades de construção da aprendizagem através da troca com os pares, além de ser um
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ambiente cheio de informações e ferramentas autorregulatórias, visto que, os acertos, as
dificuldades, as estratégias e os erros de cada participante do grupo se torna uma potencial
ferramenta autorregulatória.
Ao afirmar que o/a aluno/a constrói seu próprio conhecimento a partir de um
processo interativo, no qual o papel do/a professor/a é mediar entre o /a aluno/a e os
conteúdos, o construtivismo sugere a possibilidade de que, em determinadas
circunstancias, os alunos possam ser protagonistas desse papel mediador. Os alunos
também aprendem com os outros (Monereo, 2005, p. 11).
Stefanelli (2009), baseado em Cochito (2004) chega a conclusão que "esse tipo de
aprendizagem rege um modelo de aprendizagem democrática que beneficia a assistência
mútua de todos integrantes, pois eles se envolvem em diálogos, adquirem o espírito de
cooperação (...)". Quando o professor está fazendo considerações em relação a execução de
um dos alunos, todos os participantes da classe podem aproveitar as informações como
matérias primas para o seu momento de estudo que vem atrelado ao seu momento de
autorregulação da aprendizagem. A Aprendizagem Cooperativa é uma metodologia de ensino que utiliza as interações
entre os alunos como ferramenta para a construção do conhecimento. Esta alternativa de
ensino e aprendizagem potencializa as relações interpessoais na sala de aula, facilitando as
trocas de experiências, de dúvidas, de informações e de descobertas. Além disso, essa prática
permite que os alunos também se coloquem como responsáveis pela aprendizagem da turma.
Pode-se notar os processos de aprendizagem cooperativa através de formatos de aulas
que potencialize a interação entre os estudantes de violão como um contraponto aos
momentos necessários e solitários de estudo do instrumento e de autorregulação da sua
aprendizagem. Pensando nesta perspectiva, os dois momentos se completam. Não isentando a
responsabilidade do professor de prover informações e apresentar caminhos onde
instrumentistas possam trilhar, nem deixando de considerar a responsabilidade que cada
estudante tem na construção do seu aprendizado técnico-musical.
Conclusão
Como foi possível observar ao longo dessas reflexões existem diversos fatores que interferem
diretamente no processo de aprendizagem do instrumento musical. Concordando com a
conclusão de Santiago (2006), que "a prática deliberada e a aquisição de habilidades autoregulatórias são de extrema relevância para o desenvolvimento musical dos instrumentistas,
favorecendo o alcance de melhores níveis de performance instrumental ", e acreditando que o
processo de aprendizagem cooperativa é um caminho viável para a aquisição de habilidades
autorregulatórias, concluo que estes dois caminhos podem dialogar de forma bastante eficaz
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no processo de ensino e aprendizagem. Além disso, pode favorecer um equilíbrio entre um
momento solitário de estudo do instrumento e um momento rico em trocas, cooperação e
cheio de aprendizados que vão além dos musicais, como aquisição de habilidades sociais. Isso
pode levar o ensino de instrumento a expandir seus horizontes, caminhar da aquisição de
habilidades musicais, para aquisição de habilidades para a vida.
!
Referencias
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Música. (pp. 111-130). Curitiba: Ed. UFPR.
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não publicada, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo.
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Paulo: Editora Moderna. Tourinho, C. (2007). Ensino Coletivo de Instrumentos Musicais: crenças, mitos, princípios e um
pouco de história. Extraído de: http://www.abemeducacaomusical.org.br/Masters/anais2007/
Data/html/pdf/art_e/Ensino%20Coletivo%20de%20Instrumentos%20Musicais%20Ana
%20Tourinho.pdf.
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Motivação na prática musical de adolescentes: um estudo de levantamento
!
Rosane Cardoso de Araujo
UFPR/CNPQ
[email protected]
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Margaret Amaral de Andrade
UNESPAR – Campus I (EMBAP)
[email protected]
Resumo: O objetivo geral para esta pesquisa foi investigar a existência de elementos que compõe
a experiência do fluxo, descrita por Csikszentmihalyi, durante na prática musical de adolescentes
no estudo cotidiano. A teoria do fluxo tem como foco a motivação e qualidade do envolvimento do
sujeito na realização de diferentes atividades, por meio de elementos indicadores, como o prazer e
a concentração. O método utilizado foi o estudo de levantamento, cujo instrumento de coleta de
dados foi elaborado e testado inicialmente com um grupo de 12 jovens musicistas, sendo realizado
o Teste Multivariado de Significância. A versão final do questionário foi aplicada a um grupo de
35 estudantes adolescentes com idade entre 12 e 18 anos. Os dados coletados revelaram a
existência de vários elementos vinculados à experiência de fluxo na prática musical cotidiana dos
adolescentes, principalmente concentração, emoção e metas. O aspecto da motivação pessoal
associado com a escolha do repertório foi indicado por 80% dos estudantes como um fator muito
significativo.
Palavras-chave: estudo de levantamento, adolescentes, teoria do fluxo.
!
!
!
Title: Motivation in the musical practice of adolescents: A survey study
Abstract: In this research the main objective was to investigate elements of the Flow Theory, by
Csikszentmihalyi, in the musical practice of adolescents during the everyday study. The focus of
the Flow Theory is the analysis of the quality of the subject’s involvement in the accomplishment of
different activities, by means of elements as pleasure and concentration. The methodology
employed was a survey. The instrument for data collection was tested with 12 young musicians and
was applied Multivariate Test of Significance. The final version of the questionnaire was applied
with 35 adolescent students aged between 12 and 18 years. The results showed the existence of
elements linked to the experience of flow in the musical practice of everyday teenagers such as
concentration, emotion and goals. When associated the aspect of personal motivation with the
choice of repertoire, 80% of students reported this as very significant.
Keywords: survey, teenagers, flow theory.
1. Introdução
Pesquisas que envolvem motivação e música têm sido realizados com base em
diferentes referenciais como, por exemplo, os estudos sobre autoeficácia e autorregulação
(Bandura 1997; McPherson & McCormick, 2006; Ritchie & Williamon, 2011; McPherson &
Zimmerman, 2002; Miksza 2012); sobre a teoria da autodeterminação (Ryan & Deci, 2000;
Deci & Ryan 2000); sobre a teoria do fluxo (Czikszentmihalyi, 2003, 1999; Custodero 2005,
2006; Araújo 2008; Araújo e Andrade 2011; Stocchero e Araújo 2012), entre outros.
Neste estudo o referencial utilizado foi da Teoria do Fluxo de Czikszentmihalyi (2003,
1999, 1996, 1992, 1990). A questão que norteou esta investigação foi sintetizada na seguinte
pergunta: os adolescentes vivenciam em suas práticas musicais cotidianas os diferentes
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elementos descritos por Czikszentmihalyi que podem conduzir à experiência do fluxo e
consequentemente elevar a motivação para o estudo? Esta questão torna-se relevante à medida
que favorece a compreensão de fatores motivacionais intrínsecos na relação do jovem
estudante com sua prática instrumental. Neste sentido esta pesquisa foi realizada com o
objetivo de verificar a existência de elementos da “experiência do fluxo” na prática musical
cotidiana de 35 adolescentes com idade entre 12 e 18 anos. A metodologia usada foi um
estudo de levantamento conduzido por meio questionário aplicado para estudantes de música
de uma escola de música da cidade de Curitiba (sul do Brasil).
!
2. Teoria do Fluxo (Flow Theory) de Mihaly Csikszentmihalyi
De acordo com Csikszentmihalyi (1999) o estado de fluxo ocorre quando a realização de uma
determinada atividade é executada pelo sujeito num contexto de equilíbrio entre suas
habilidades e os desafios enfrentados. Assim, estando em equilíbrio (desafios e habilidades) o
envolvimento do indivíduo na atividade realizada possui uma alta probabilidade de gerar o
fluxo, isto é, um estado que mantém a mente concentrada a ponto de proporcionar a perda da
noção de tempo, sensação de bem estar e alegria.
Alguns componentes acompanham a experiência do fluxo e Csikszentmihalyi (1999)
cita especialmente as metas, a emoção e as operações mentais (operações cognitivas). O
estabelecimento de metas seria a primeira etapa para que em seguida o indivíduo atinja uma
etapa de concentração. As metas são os elementos que focalizam a energia psíquica do
indivíduo e se relacionam diretamente com a autoestima na dependência das expectativas e do
sucesso. Já as emoções, para Csikszentmihalyi (1999), são os elementos mais subjetivos da
consciência. Para o autor as emoções positivas, como felicidade, força ou alerta são estados
que ele denomina como de “negaentropia psíquica”, ou seja, uma entropia negativa na qual o
sujeito não precisa de atenção para refletir sobre si mesmo, auxiliando a liberação da energia
psíquica para a tarefa na qual se pretende investir. As operações mentais cognitivas
(particularmente a concentração), por sua vez, são realizadas, segundo Csikszentmihalyi
(1999), por meio do pensamento e, na experiência de fluxo, ordenam a atenção, gerando a
concentração.
A continuidade na vivência da experiência de fluxo proporciona ao sujeito a conquista
de uma personalidade autotélica, isto é, uma forma de enfrentar as situações com
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envolvimento e entusiasmo. A realização de uma atividade de forma autotélica “seria
realizada por si mesma, tendo a experiência como meta principal” (Csikszentmihalyi, 1999, p.
114).
Nesta pesquisa a utilização da teoria do fluxo como referencial de análise dos dados
favoreceu a verificação de diferentes elementos motivacionais envolvidos na prática musical
de adolescentes. As categorias de análise da pesquisa de campo levaram em consideração os
seguintes elementos: a concentração, a emoção, o estabelecimento de metas/estratégias, a
presença de indicadores que favorecem a personalidade autotélica (como autoconfiança e
crença nas capacidades) e também a motivação pessoal para a prática musical associada (ou
não) com o repertório estudado.
!
3. Metodologia
A metodologia utilizada foi o estudo de levantamento (ou survey). De acordo com Gil (2000)
e Babbie (1999), o estudo de levantamento é um delineamento exploratório que permite
verificar dados sobre comportamento de determinado grupo, por meio da interrogação direta.
Os participantes desta pesquisa foram 35 estudantes de diferentes instrumentos musicais,
adolescentes na faixa etária entre os 12 e os 18 anos regularmente matriculados em uma
escola de música da cidade de Curitiba (Brasil).
A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário elaborado e testado em
estudo piloto realizado com 12 jovens musicistas. A análise do instrumento de coleta de dados
foi orientada por meio de um Teste de Significância Univariado, indicando que as pontuações
mais altas foram encontradas nos itens "contribuição repertório", "concentração", "objetivos/
metas", bem como maior correlação entre os itens de "motivação para a prática" e
"emoção"(SS=0,6; MS=0,6; F=6,69; p=0,041). No estudo piloto, portanto, foram avaliadas a
confiabilidade e coerência interna das questões.
O questionário foi dividido em duas partes: (A) levantamento de dados para caracterizar
os participantes da pesquisa, com questões sobre idade, sexo, instrumento musical, quantidade
de horas de prática musical semanal e preferência de repertório; (B) escala Likert para avaliar
a incidência de elementos da experiência de fluxo na prática dos participantes: motivação,
concentração, metas/estratégias, crença nas capacidades, emoção.
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A aplicação definitiva do questionário1 foi realizada em turmas de aulas de teoria
musical, com alunos instrumentistas na faixa etária entre 12 e 18 anos, durante duas semanas
do mês de março de 2013. Responderam ao questionário 35 alunos.
!
4. Resultados
Dos 35 adolescentes participantes da pesquisa, 19 eram meninos e 16 eram meninas. A
maioria dos participantes, 18 alunos, eram adolescentes na faixa entre 15 e 18 anos; 15
adolescentes encontravam-se na faixa etária entre 12 e 14 anos; e dois adolescentes não
especificaram a idade. Os instrumentos musicais estudados pelos participantes foram: cordas
n=11; madeiras n=08; metais n=04; percussão n=02; piano n=09; voz n=01.
Quanto à rotina de estudo cotidiana, os 25 dos participantes (71%) afirmaram possuir
rotina de estudo “sempre”. Já 20 participantes (57%) declararam que possuíam rotina “às
vezes”. Nenhum respondente indicou “não” possuir rotina, o que significa que todos possuíam
o processo de estudo como um objetivo cotidiano (uma meta) que, para a vivência da
experiência do fluxo, é um importante indicador (Csikszentmihalyi, 1999).
A escala Likert aplicada para verificar a vivência dos adolescentes com elementos que
favorecem a experiência do fluxo foi organizada em 5 pontos (sempre, quase sempre, às
vezes, raramente e nunca), em 10 questões, sendo duas (questões) para cada categoria de
análise: Motivação; Concentração e perda da noção do tempo; Sentimento de competência/
autoconfiança; Metas e estratégias; e Emoção:
!
A) Motivação: Sobre a motivação dos adolescentes para estudar seus instrumentos a maioria
dos alunos (33 alunos = 94%) indicou que estavam “sempre” (13 alunos) ou “quase
sempre” (19 alunos) motivados. Nenhum respondente indicou “raramente” ou “nunca”.
Sobre a relação da motivação com o repertório (o repertório é decisivo para minha
motivação pessoal) a maioria (28 alunos = 80%) confirmou a relevância do repertório
para se sentir motivado, sendo que houve mais respostas no primeiro nível da escala
“sempre” (18 alunos), indicando, portanto, que o repertório é um fator muito significativo
para a motivação pessoal.
B) Concentração e perda da noção do tempo: Sobre estes dois elementos do fluxo, 33 alunos
(94%) indicaram que realizavam seus estudos “sempre” concentrados (ver gráfico 1). Já
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quando questionados sobre a experiência descrita por Csikszentmihalyi (1999) sobre a
“perda da noção do tempo”, 23 alunos (66%) indicaram vivenciar esta experiência
“sempre” e “quase sempre”; 8 alunos (23%) afirmaram que “às vezes” vivenciam e 4
alunos (11%) raramente. Nenhum aluno afirmou “nunca” passar por esta experiência.
sempre
quase sempre
às vezes
raramente
!
Gráfico 1: Concentração durante o estudo
C) Sentimento de competência/ autoconfiança: Estes itens foram avaliados considerando-se
a opinião dos participantes sobre suas habilidades de instrumentistas. Do total de 35
participantes, 23 alunos (66%) avaliaram que “sempre” ou “quase sempre” tocam bem
seus instrumentos, enquanto aos demais (12 alunos = 34%) especificaram que tocam bem
“às vezes”. Já quando questionados sobre o domínio técnico do instrumento, 30 alunos
(86%) assinalaram que “sempre” ou “quase sempre” têm um bom domínio técnico.
D) Metas e estratégias: 29 participantes (82%) afirmaram que “sempre” ou “quase sempre”
utilizam metas para gerenciar seus estudos. Sobre as estratégias, 32 alunos (91%)
afirmaram que “sempre” ou “quase sempre” as utilizam (ver gráfico 2).
sempre
quase sempre
às vezes
raramente
!
Gráfico 2: Uso de estratégia para melhorar o estudo do instrumento
E) Emoção: Por fim, as últimas questões respondidas eram sobre as emoções dos
participantes ao tocar o instrumento e ao tocar músicas que lhe agradavam. Sentimentos
de prazer/alegria ao tocar o instrumento foram citados por 31 alunos (88%). Já quando
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questionados sobre a sensação de tocar um repertório que gostavam, 32 alunos (92%)
afirmaram que “sempre” (30 alunos) e “quase sempre” (2 alunos), sentiam felicidade com
esta experiência.
!
5. Conclusão
A partir da observação dos resultados deste estudo foi possível constatar que os alunos
participantes desta pesquisa vivenciam, em suas práticas de estudo cotidiano, vários
elementos que, de acordo com Csikszentmihalyi (1999) podem gerar o fluxo. Por exemplo,
ao analisarmos a primeira categoria – a motivação para prática - foi possível verificar que os
índices foram mais elevados quando associados com o repertório executado, isto é, o
repertório é um fator decisivo para motivar. Da mesma forma o elemento “repertório” surge
na última categoria – a emoção – como um elemento de impacto, pois os índices da emoção
(felicidade), vinculados com a questão do repertório, foram maiores.
Outros elementos apontados por Csikszentmihalyi (1999) podem ser encontrados no
grupo pesquisado, indicando a possibilidade da experiência de fluxo foram a concentração e o
uso de metas e estratégias. As metas, conforme o autor aponta, é o primeiro passo para que o
estudante atinja um processo de concentração. As estratégias, por sua vez, são elementos que
corroboram com o direcionamento do estudo (metas) e igualmente favorecem a ordem na
consciência.
A maioria dos adolescentes mostrou-se consciente da necessidade da
organização do estudo e igualmente podemos associar estes resultados aos bons índices de
concentração indicados. Somente a questão da “perda da noção do tempo” – outro elemento
significativo da experiência do fluxo – não foi apontando com índices tão elevados quanto à
concentração.
Por fim a categoria sentimento de competência/ autoconfiança, que é indicado por
Csikszentmihalyi (1999) como uma das conseqüências da utilização das metas e da vivência
do fluxo nas experiências cotidianas, foi indicada com bons índices pela maioria dos
adolescentes. Esta categoria, por sua vez pode trazer também indicativos da personalidade
autotélica.
Esta pesquisa traz resultados que corroboram com os estudos sobre motivação, cognição
e música. Os resultados, portanto, apontam para: a) a necessidade de estratégias para a
sistematização do estudo, por meio de metas claras, como forma de melhorar a concentração e
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atingir a “negaentropia psíquica”, tornando mais fácil a fluência da energia psíquica para a
tarefa desejada; b) a necessidade da atenção para com a escolha do repertório do aluno, como
elemento essencial para motivação intrínseca e emoção “positiva”; e c) a atenção para com o
fortalecimento do sentimento de autoconfiança e competência do jovem musicista, por meio
do incentivo da busca de objetivos passíveis de serem atingidos, evitando assim preocupação
e ansiedade que levem à frustração.
!
6. Referências
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em Perspectiva, v. 1, [pp. 39-52].
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Csikszentmihalyi, M. (2003) Good Business: Flow, Leadership and Making of Meaning.
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Csikszentmihalyi, M. (1999). A descoberta do fluxo. Psicologia do envolvimento com a
vida cotidiana. Rio de Janeiro: Rocco.
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perspectiva da Teoria do Fluxo. Revista NUPEART, v. 10, [pp. 08-29].
!
1
Para a aplicação do questionário na escola de música foram tomadas providências quanto às questões éticas de
pesquisa e para que houvesse a devida autorização da direção da escola.
www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/
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Instrumento de avaliação de conhecimento dos elementos do som:
aprendizagem musical em contexto de inclusão
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Teresa Cristina Trizzolini Piekarski
Universidade Federal do Paraná – UFPR
Secretaria Municipal da Educação de Curitiba – SME
[email protected]
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Valéria Lüders
Universidade Federal do Paraná
[email protected]
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Resumo: Este artigo apresenta instrumento de avaliação construído para coleta de dados de
pesquisa em andamento. Tem como objetivo apresentar dados mensuráveis sobre o conhecimento
inicial e final dos participantes da pesquisa. Estes dados serão submetidos a tratamento estatístico e
serão utilizados para a análise e discussão dos dados coletados ao final da pesquisa. Laville &
Dionne (1999), Moreira & Caleffe (2008), Brito (2003), Hentschke & Del Ben (2003), Fonterrada
(2008) entre outros, dão suporte teórico para a construção deste instrumento de avaliação.
Palavras-chave: Instrumento de avaliação, aprendizagem musical, coleta de dados.
!
!
Title: Tool for evaluation of knowledge of the sound elements: music learning in the context of
social inclusion.
Abstract: This article presents an evaluation tool built for data collection of ongoing research. The
objective is to provide measurable data on the initial and final knowledge of the research
participants. These data will be statistically analyzed and will be used for the analysis and
discussion of the data collected at the end of the survey. Laville & Dionne (1999), Moreira &
Caleffe (2008), Brito (2003), Hentschke & Del Ben (2003), Fonterrada (2008) among others,
provide theoretical support for the construction of this evaluation tool.
Keywords: Evaluation tool, music learning, data collection.
Este artigo apresenta um instrumento para coleta de dados, construído especificamente para
pesquisa em andamento, referente ao conhecimento musical de estudantes com deficiência
intelectual, inseridos na classe comum do ensino fundamental. Por ser realizada com seres
humanos, a pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal
do Paraná, que emitiu parecer cosubstanciado1 favorável a sua realização.
O objeto desse artigo constitui-se de um instrumento de avaliação, aplicado aos
participantes do estudo, para verificar o conhecimento prévio destes estudantes a respeito dos
elementos do som, com base nos critérios de avaliação do município de Curitiba, antes do
início da ação da pesquisadora. O mesmo instrumento será aplicado ao final do processo para
avaliar a aprendizagem musical. A aplicação do instrumento de avaliação será individual
conforme protocolo de pesquisa também traçado para este fim. Os resultados da avaliação
inicial e final receberão tratamento estatístico por meio do ANOVA (análise de variância), que
possibilitará identificar o que os estudantes com deficiência intelectual2 e os estudantes sem
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deficiência intelectual3 sabem sobre os elementos do som, dando a informação dos dois
grupos e o que os estudantes dos dois grupos aprenderam após a intervenção pedagógica da
pesquisa. Santos (2010) aponta que se deve considerar a avaliação em música como processo, no
qual o professor deve utilizar diferentes formas de avaliar. Esta afirmação apresentada no
Caderno Pedagógico: critérios de avaliação de aprendizagem escolar da Secretaria Municipal
da Educação de Curitiba foi considerado ao longo da pesquisa em campo, na análise e
discussão dos dados, porém o instrumento de avaliação aqui apresentado, forneceu
informações iniciais do conhecimento do estudante sobre os elementos do som e sobre a
aprendizagem ao final do processo pedagógico desenvolvido pela pesquisadora.
Para que o instrumento de avaliação fornecesse os dados sobre o conhecimento inicial e
final sobre os elementos do som dos estudantes, e os mesmos pudessem ser tratados
estatisticamente para serem analisados levou-se em consideração: 1) parte dos estudantes não
era alfabetizada, sendo necessário o uso de imagens; 2) as imagens deveriam representar o
que se pretendia ser avaliado; 3) as imagens não podiam gerar equívocos relacionados ao
tamanho e proporção; 4) as questões relacionadas ao timbre deveriam ser respondidas após a
audição de trecho musical; 5) a duração do trecho musical, que não deveria deixar dúvida para
identificação do que foi solicitado; 6) as questões deveriam possibilitar ao estudante
identificar os elementos do som e 7) uma questão não deveria interferir visualmente em outra,
para não gerar dúvidas no estudante.
Deve-se destacar que o conteúdo “elementos do som” está presente no ensino da música
nas escolas do ensino regular, como também nas Diretrizes Curriculares de Curitiba.
Hentschke e Del Ben (2003) apontam que a altura, duração, timbre e intensidade são
elementos presentes na música. Mesmo que eles se refiram aos parâmetros sonoros, a sua
compreensão é importante, porque que constituem a “matéria-prima” da música, que é o som.
As autoras apontam as observações do musicólogo Jean-Jacques Nattiez que afirma que
independente da concepção que se tenha de música ou do que é considerado musical, sempre
se faz referência ao som, que é condição mínima, mas não suficiente para ser considerado
música.
O instrumento de avaliação se apresenta em três folhas de papel sulfite tamanho A4, na
posição paisagem. A primeira e a segunda folha possuem 3 retângulos com 5 imagens cada,
sendo que cada retângulo corresponde a uma questão; a terceira folha possui 2 retângulos com
o mesmo número de imagens. Para cada elemento do som, foram elaboradas duas questões, na
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sequência timbre, altura, intensidade e duração. A imagem que corresponde à resposta correta
de cada questão era marcada com um X. A pesquisadora apresentou uma a uma das questões,
deixando aparente para o estudante somente a questão a ser respondida.
Na questão 1 sobre o elemento do som timbre com foco em instrumentos musicais, o
estudante escutou um trecho musical4, devendo identificar que é um instrumento de sopro
entre as imagens de mulher, homem, criança tocando clarinete, criança tocando piano e
criança tocando tímpanos. A questão 2, sobre o elemento do som timbre com foco em vozes
humanas, o estudante escutou um trecho musical5 devendo identificar que é a voz de criança
entre as imagens de homem, criança tocando clarinete, criança tocando piano, criança tocando
tímpanos e crianças.
Não se podem confundir as questões acima com testes de musicalidade. Carl Seashore
se propôs a pesquisar a natureza da escuta musical, por meio de testes que visavam perceber a
capacidade da pessoa em discriminar os parâmetros sonoros isolados, além da capacidade de
retenção de ritmos e melodias simples. Por meio desses testes com sons sinoidais, sem
considerar a obra musical como um todo, Seashore (1919 como citado em Fonterrada, 2008),
acreditava que poderia identificar “talentos” musicais.
Já Bentley (1967 como citado em Fonterrada, 2008), fez uso de som produzido por
instrumento acústico partindo da premissa poderia também detectar talentos musicais. Podese falar de Gordon (1965 como citado em Fonterrada, 2008), que também tenta medir a
acuidade auditiva, sem que tenha vínculo à vivência musical. As duas questões apresentadas
no instrumento de avaliação, que envolve a escuta de trecho musical e a discriminação do som
escutado por meio de imagem, não visam mensurar a musicalidade do estudante, como
pretendiam Seashore, Bentley e Gordon. Elas objetivam saber se as crianças diferenciam
timbres e se propõe em registrar o conhecimento prévio, antes da ação pedagógica da
pesquisadora e o que aprendeu após as experiências que teve durante a pesquisa nas aulas de
música. Piekarski, Filipak e Ramos (2013) constataram que quando a criança tem alguma
informação sonora antes da realização de teste de percepção de timbres, possibilita que ela
tenha maior número de acertos. Os autores citam Wuytack e Palheiros, que afirmam existir
influência do meio sociocultural na percepção e a audição musical. Essas informações tornamse valiosas na análise qualitativa dos dados, pois em conjunto com os demais dados coletados
em campo, poderá se constatar os avanços após intervenção pedagógica da pesquisadora ao
final da pesquisa. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/
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A compreensão dos elementos do som e a experiência na manipulação e manuseio de
diferentes fontes sonoras ampliam a percepção e a consciência, “[...] porque permite vivenciar
e conscientizar fenômenos e conceitos diversos.” (Brito, 2003, p.26). Nesse sentido, espera-se
que após a experimentação, o manuseio de instrumentos e diferentes fontes de produção
sonora, atividades diversas de apreciação, execução nas aulas de música, o estudante seja
capaz de identificar diferentes timbres e suas fontes produtoras para responder ao instrumento
de avaliação e de utilizá-las em atividades de execução e criação musical.
As questões 3 e 4 referem-se à altura do sons. A questão 3 apresenta as imagens do
contrabaixo, violino, harpa, piano e violão, em que os estudantes devem marcar qual dos
instrumentos possui o som mais grave. A questão 4 apresenta as imagens da tuba, flauta
transversa, clarinete, fagote e trompete, sendo que os estudantes devem marcar o instrumento
de som mais agudo.
Nas questões sobre altura dos sons, utilizaram-se imagens de famílias dos instrumentos
musicais. Na comparação entre os instrumentos de corda (de arco, dedilhada e percutida)
deseja-se saber qual deles pode produzir o som mais grave e na comparação entre os
instrumentos das famílias de metais e de madeira (todos de sopro) deseja-se saber qual deles
pode produzir o som mais agudo. Este cuidado se deve ao fato de que a altura do som é muito
relativa, pois no mesmo instrumento musical temos possibilidade de produzir sons graves e
agudos. Ao utilizar como referência instrumentos musicais da mesma família, elimina-se o
que pode gerar engano sobre a altura do som em função da sua fonte produtora. As
observações da pesquisadora coletadas no momento da aplicação do instrumento de avaliação
são dados que devem ser considerados na análise qualitativa, pois segundo Lazzarini (1998),
sabe-se que o ouvido humano possui sensibilidade em frequências de 20 a 20K Hz e pode-se
observar uma variação muito grande da capacidade de percepção de alturas entre as pessoas.
Também o estudante pode demonstrar no momento de marcar a resposta se conhece o
instrumento musical, ou não, aqui já envolvendo a questão do conceito formado fora do
contexto formal de ensino da música.
Também se destaca que instrumentos musicais tanto de orquestra, quanto populares são
conteúdos de música que serão trabalhados durante a pesquisa de campo por meio da
apreciação de solos instrumentais, manuseio de imagens dos instrumentos, de vídeos, entre
outros. Nesse sentindo, ao final da ação pedagógica da pesquisadora espera-se que os
estudantes identifiquem a diferença entre agudo e grave nos instrumentos musicais com
imagens no instrumento de avaliação. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/
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As questões 5 e 6 se referem ao elemento do som intensidade. Foram utilizadas as
mesmas imagens de instrumentos de percussão para que o estudante marque na questão 5 o
instrumento que pode produzir o som mais forte e na questão 6 qual o instrumento musical
pode produzir o som mais fraco. As imagens utilizadas foram de kabuletê, pandeiro, ovinhos
(ganzá), ganzá (metal) e tímpanos. As questões possuem mudança na sequência das imagens
dos instrumentos. Todos os instrumentos que aparecem nas imagens das questões 5 e 6 foram vistos e
manuseados pelos estudantes de maneira exploratória, sem a intervenção pedagógica da
pesquisadora com exceção dos tímpanos antes da aplicação do instrumento de avaliação
inicial.6 Os estudantes terão contato com todos os instrumentos musicais durante a
intervenção pedagógica da pesquisadora, por meio de manuseio, de imagem e audição de
trechos musicais com o solo e em obras, que serão ouvidos em conjunto com outros
instrumentos.
As questões 7 e 8 referem-se à duração do som. Utilizou-se imagens de instrumentos
musicais de diferentes famílias por não gerarem conflito na interpretação do elemento do som
duração em função de sua fonte produtora. A questão 7 quer saber por meio da imagem, qual o instrumento que produz som longo,
que é a flauta transversa. Na questão 8, todos os instrumentos de sopro podem produzir sons
curtos, mas a única imagem que apresenta instrumentos capazes de só produzirem sons curtos
é a dos ovinhos. Nesse artigo, apresenta-se a seguir resultados parciais, obtidos na aplicação do
instrumento, em projeto piloto.
O teste ANOVA utilizado para comparar a porcentagem de respostas certas de cada
grupo de estudantes investigado (com e sem deficiência) sobre as variáveis timbre, altura,
intensidade e duração, de maneira geral, mostrou diferença na porcentagem de respostas entre
os grupos (F 23,2222; p=0,000119). O teste também mostrou diferença na porcentagem de
respostas entre os elementos (F 10,4632; p=0,000014). Não foram encontradas diferenças
com relação à interação grupo versus elemento.
Conforme a análise de variância, não houve diferença estatística significativa na
identificação de timbres e na identificação do elemento do som altura entre o grupo de
estudantes com deficiência intelectual e o grupo de estudantes sem deficiência intelectual.
Também constatou-se na análise de variância, que não houve diferença estatística
significativa na identificação do elemento duração. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/
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Já em relação ao elemento do som, intensidade, houve diferença estatística significativa
entre o grupo de estudantes com deficiência intelectual e o grupo de estudantes sem
deficiência intelectual (F 3,57; p=0,004).
O instrumento de avaliação descrito neste artigo não avalia os produtos musicais dos
estudantes participantes da pesquisa. Por meio deste instrumento, buscam-se dados que nem
sempre são visíveis por meio da observação direta. Os resultados do tratamento estatístico não
concluem a pesquisa (Laville & Dionne, 1999). Ele dá suporte para o estudo da aprendizagem
musical no que se refere ao conteúdo elementos do som, que também passará pela análise
qualitativa com os dados das filmagens, diário de campo e relatórios descritivos. O tratamento
estatístico dos dados coletados por meio do presente instrumento de avaliação, em conjunto
com os demais, com base no substrato teórico da pesquisa, permitirão checar a hipótese da
pesquisa. Desta maneira, se contribuirá para a Educação Musical e a produção científica em
geral, com reflexões sobre a inclusão desses estudantes nas classes comuns, rompendo com
paradigmas que dizem respeito à inclusão das pessoas com deficiência intelectual no contexto
da escola do ensino regular.
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Referências
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Brito, T. A. (2003). Música na educação Infantil. São Paulo: Peirópolis.
Fonterrada, M. T. de O. (2008). De tramas e fios: um ensaio sobre música e educação. 2ª. ed.
São Paulo: Editora UNESP; Rio de Janeiro: FUNARTE.
Hentschke, L., Del Ben L. (2003). Aula de Música: do planejamento à prática educativa. In:
Hentschke, L., Del Ben, L. (org.). Ensino de Música: propostas para pensar e agir em
sala de aula. São Paulo: Moderna. Laville, C., Dionne, J. (1999). A Construção do Saber: manual de metodologia da pesquisa
em ciências humanas. Adaptação de Lana Mara Siman. Porto Alegre: Artmed; Belo
Horizonte: Editora UFMG.
Lazzarini, V. E. P. (1998). Elementos de Acústica. Extraído de http://www.fisica.net/
ondulatoria/elementos_de_acustica.pdf Moreira, H., Caleffe, L. G. (2008). Metodologia da pesquisa para o professor pesquisador.
2.ed. Rio de Janeiro: Lamparina.
Piekarski, T. C. T., Filipak, R., Ramos, D. (2013, setembro). Efeitos do Manuseio de
Instrumentos Musicais sobre o Reconhecimento de Timbres em Crianças de 5 e 6 Anos.
Anais do Undécimo Encuentro de Ciencias Cognitivas de la Musica, vol.1, Número 1.
Buenos Aires, Argentina. pp. 267 – 271. Extraído de http://www.saccom.org.ar/
actas_eccom/vol1-1_contenido/piekarski_filipak_y_ramos.pdf Santos, C. dos. (2010). Música. In: Caderno Pedagógico: critérios de avaliação da
aprendizagem escolar. Secretaria Municipal da Educação. Curitiba: SME, 1, pp. 165-186.
Tomazini, C., Ishikawa; C. I. V. (2010). Avaliação Diagnóstica Psicoeducacional. In: Caderno
pedagógico: critérios de avaliação da aprendizagem escolar. Secretaria Municipal da
Educação. Curitiba: SME, 1, pp. 25-30.
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*Este texto tem vínculo com o Grupo de pesquisa PROFCEM/CNPq.
1 Parecer Cosubstanciado do Comitê de Ética em Pesquisa n.º 243.185 de 11 de abril de 2013.
2
Estudantes com deficiência intelectual frequentam a classe especial da unidade escolar onde ocorre a pesquisa.
3
Estudantes sem deficiência intelectual frequentam 5.º ano do ensino fundamental da unidade escolar onde
ocorre a pesquisa.
4
Nazareth, Ernesto. Apanhei-te cavaquinho. Intérprete: Augusto Meurer. In: A orquestra tintim por tintim.
Moderna: 2005. 1 CD, faixa 10, digital, estéreo.
5
Brinquedo cantado tradicional. Melodia e jogo de copos: Lourdes Joséli da Rocha Saraiva. In: Lenga la lenga.
Ciranda Cultural: 2006, 1 CD, faixa 1, digital, estéreo.
6 A pesquisadora
foi alertada pela equipe pedagógica-administrativa da escola, onde está sendo realizada a
pesquisa, da grande dificuldade em realizar reuniões com os pais dos estudantes. Assim, a pesquisadora utilizou
os instrumentos musicais como elemento motivador no dia que os estudantes foram convidados a participarem
das aulas de música, que fazem parte da pesquisa e levaram um bilhete para casa convidando os pais para uma
reunião onde seriam esclarecidos sobre a mesma e assinariam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,
documento exigido pelo Comitê de Ética em Pesquisa.
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O processo construtivista das competências articulatórias:
uma análise pós-pesquisa
!
Vilma de Oliveira Silva Fogaça
Universidade Federal da Bahia/Programa de Pós-Graduação em Música
Bolsista CAPES
[email protected]
Resumo: Este trabalho é fruto de uma reflexão e análise pós-pesquisa de mestrado. A pesquisa
(2010) teve por objetivo estudar o processo de construção das competências articulatórias de um
estagiário em Licenciatura em Música. Para a pesquisa, a formação deste passou pelo estudo
específico do referencial teórico da Abordagem PONTES que visava através dos resultados do
desenvolvimento destas competências articulatórias, que o estagiário promovesse um ensino
criativo de música e consequentemente, esse processo de ensino-aprendizagem musical
desenvolvesse a mente criativa musical dos seus alunos. A não focou no estudo dos processos
cognitivos que estavam implícitos nesta construção sofrida pelo estagiário. Atualmente, em
processo de escrita de tese para o doutoramento, o autor revisa o trabalho e nessa fase, atenta
para os aspectos cognitivos envolvidos. Assim, tece algumas considerações sobre o processo
construtivista das competências articulatórias e utiliza a teoria piagetiana para analisar e
esclarecer alguns eventos do transcorrer desse processo.
Palavras-chave: Abordagem PONTES, competências articulatórias, teoria piagetiana.
!
!
!
!
Title: The constructivist process of articulation competenciess: an analysis post facto
Abstract: This text is the result of a post facto analysis and reflection by the author on her
master thesis investigative study, which studied the process of building the articulatory
competencies of a student-teacher from the Music Education course, educated by the regular
music education methods and also had a specific specialization with the PONTES approach.
At that time (2010) the researcher aimed not only to develop the articulatory PONTES
competencies, but also that the student-teacher could promote a creative teaching of music and
consequently, this process of teaching and learning could develop the creative minds of his
students. The master degree study did not focus on the study of cognitive processes that were
implicit in the development of the student-teacher. Now, when the author is writing her doctoral
dissertation, she re-visits this work, and looks more deeply into the cognitive aspects. Consequently, the author of this text develops considerations about the constructivist process of
the articulatory competencies and uses the Piagetian theory to analyze and bring more light to
some events of the educational process.
Key-words: PONTES Approach, articulatory competencies, Piaget's theory.
Introdução
Em 2010, foi defendido por Fogaça o trabalho “Criatividade Musical: Abordagem PONTES
no desenvolvimento das competências articulatórias na formação do professor de música”
para a obtenção do título de mestre. A pesquisa teve por objetivo estudar o processo de
construção das competências articulatórias de um estagiário em Licenciatura em Música. Este
teve uma formação específica ao estudar o referencial teórico da Abordagem PONTES
(Oliveira, 2001, 2008), visando através dos resultados do desenvolvimento de competências
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articulatórias, promover um ensino criativo de música e consequentemente, que esse processo
de ensino-aprendizagem musical desenvolvesse a criatividade musical dos seus alunos. Durante o período da pesquisa, os aspectos cognitivos não foram observados
cuidadosamente, dado que o foco era a análise das construções das competências
articulatórias do ponto de vista pedagógico da formação acadêmica do licenciando e nos
resultados musicais e de aprendizado musical do processo de desenvolvimento da criatividade
musical dos alunos do mesmo. Todavia, desde o ano passado, no processo de escrita de tese,
esta autora, ao revisar e analisar seu próprio trabalho após um período de ‘descanso’ e
assentamento das informações, pode olhar mais cuidadosamente para os eventos cognitivos
implícitos ao processo, mas que são demonstrados com muita clareza.
As peculiaridades deste trabalho estão no fato de que em geral, os estudos de educação
musical, em especial os voltados para os aspectos cognitivos, são focados no desenvolvimento
dos conhecimentos e saberes dos alunos de música. Nesse caso, o foco é o professor de
música em formação e em pleno exercício docente. A experiência ocorreu durante seu estágio
supervisionado que é o período em que o licenciando experimenta a docência como atividade
curricular, seguido de orientação docente, que no caso, foi realizado pela própria pesquisadora
que atuou como orientadora de estágio.
!
Algo sobre a Abordagem PONTES
A Abordagem PONTES é um referencial teórico que vem sendo desenvolvido por Alda
Oliveira desde o ano de 2001, em colaboração com o grupo de pesquisa MeMuBa1. A
pesquisa foi inicialmente desenvolvida observando as estratégias de ensino dos mestres de
tradição cultural popular da Bahia (Brasil). Tentou identificar e compreender de que modo
esses mestres asseguravam, através de um processo de ensino-aprendizagem, a perpetuação e
manutenção de uma cultura. Durante esse período de observação e coleta de dados, Alda Oliveira atentou para ações
pontuais que promoviam a aproximação do mestre ao aprendiz, do novo saber ao saber que o
aluno já possuía, da tradição à novidade, que promovia que o processo fluísse de modo
contínuo em progresso a um resultado significativo de aprendizagem. Estas ações pontuais
foram identificadas como “articulações pedagógicas” ou, metaforicamente, ‘pontes’, que
segundo Oliveira: “Por articulação pedagógica entende-se todo o percurso no processo de
ensino e aprendizagem (movimento) em direção à construção do conhecimento necessário
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para solucionar problemas, que é realizado na práxis educativa entre indivíduos.” (Oliveira,
2008, p. 05). Aprofundando os estudos no tema “articulações pedagógicas”, Alda Oliveira propôs a
Abordagem PONTES (AP), que é definida como “[...] uma proposta de reflexão teórica
centrada na racionalidade prática, que visa ajudar na formação de professores de música,
desenvolvendo uma atitude docente interativa e colaboradora, através de articulações
pedagógicas no processo de ensino e aprendizagem.” (OLIVEIRA, 2008, p. 04). Assim,
PONTES é um acróstico formado pelas iniciais das ações pontuais articulatórias
(competências articulatórias) que Alda Oliveira denominou (e conceituou cada uma delas) de:
Positividade – Observação – Naturalidade – Técnica – Expressividade – Sensibilidade.
A partir das observações com os mestres da cultura popular, a pesquisa alcançou o
espaço acadêmico. Em 2008, Rejane Harder defendeu, no Programa de Pós-Graduação em
Música da Universidade Federal da Bahia (PPGMUS-UFBA), a primeira tese de
doutoramento embasada na Abordagem PONTES. Desde então, vem sendo realizadas no
âmbito do PPGMUS-UFBA, pesquisas em que AP tem sido o principal fundamento teórico
para estudar e aplicar os conhecimentos acerca do desenvolvimento das competências
articulatórias na formação do educador musical e no exercício do magistério musical. Essas
pesquisas foram vinculadas a outros temas de estudo como: formação do estagiário, teatro
musical, ensino do instrumento, musicalização infantil, ensino de música em contextos de
tradição cultural, criatividade musical, avaliação musical.
Hoje, existem duas pesquisas de doutoramento fundamentadas na AP sendo realizados:
Souza, que estuda as ‘pontes’ de professores de música em escolas de turno integral do ensino
fundamental e Fogaça que realiza uma pesquisa focada nos temas teóricos e filosóficos da
Abordagem PONTES, construindo uma análise crítica do desenvolvimento da mesma que é
propiciado pela autora da AP e membros do grupo de pesquisa. Também se concentra no
aprofundamento do conceito da competência articulatória “naturalidade”. A AP trata a formação do educador musical de modo amplo, global e profundo. A
proposta de uma pedagogia criativa é algo que está em seu cerne filosófico. Para isto, esta
formação pode ser uma experiência deveras marcante, proporcionando inclusive uma
ressiginificação de valores, posturas e princípios, não apenas os docentes, mas também, os que
dizem respeito à construção humana do indivíduo:
Lida com criatividade pedagógica, com postura docente, adequação e aproximação
estratégica aos alunos, às instituições, e também com o aproveitamento das
oportunidades (sinais que a vida e as próprias atividades dão a quem está envolvido)
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que aparecem durante a práxis educacional, entendida como relação dinâmica entre
teoria e prática, ou seja, teoria/prática. Nesta concepção o professor precisa ser
preparado de forma mais global e humana para aceitar as diferenças dos estudantes,
e tecnicamente, estar aberto às oportunidades que surgem diante dos seus olhos
(sinais) como docente e atento às características de cada contexto e de cada aluno
com o seu nível de desenvolvimento e interesses, aos diferentes repertórios, aos
diferentes problemas e situações junto a pessoas, instituições, contextos sócioculturais e repertórios. (Oliveira, 2008, p. 5).
!
É dada essa riqueza de processo formativo, que trabalho diretamente com reformulação
de
concepções,
conceitos,
revisão
de
valores,
condutas,
posturas,
princípios
e
consequentemente, caminha para um processo de autoconhecimento ao que se dispõe de fato
a mergulhar nessa concepção formativa, que eventos cognitivos significativos são notáveis,
ainda que posteriormente ao transcorrer da pesquisa, mas que, de tão rico que foi o processo,
nos trás esse novo olhar como mais uma possibilidade de aprendizado acerca dos processos
mentais envolvidos na formação com a Abordagem PONTES.
!
Breve apresentação do sujeito e do processo
O sujeito em questão foi participante de um estudo de caso da supracitada pesquisa.
Para proteger sua identidade, foi usado o pseudônimo de “Jean” durante o trabalho. Ele se
dispôs a participar de um processo formativo cujo referencial teórico que orientava a
construção das competências articulatórias era a AP e através do desenvolvimento destas
competências e da construção de uma pedagogia musical criativa, deveria ser promovido
durante seu estágio, o desenvolvimento da criatividade musical de seus alunos. O estágio foi
realizado no IMIT (iniciação Musical com Introdução ao Teclado), curso de extensão da
Escola de Música da UFBA.
No processo formativo ministrado pela pesquisadora (também orientadora-docente) com
o estagiário, foi realizada a leitura de material bibliográfico acerca da AP, análise e reflexão
das aulas, das ações e reações dos alunos, dos resultados musicais e principalmente, por parte
do estagiário, uma autorreflexão acerca de suas ações docentes e da identificação de suas
ações articulatórias em sala de aula. Durante a análise de dados, foi observado que o processo
se desenvolveu em três etapas distintas de formação, compreensão e aplicação desse
conhecimento e competências: “A análise de dados foi descrita em três etapas distintas, pois
se identificou no estágio do licenciando, três fases de desenvolvimento nas realizações de
‘pontes’ pelo estagiário.” (Fogaça, 2010, p. 72). São estas etapas que trazem notícias de como
se construiu mentalmente a construção das competências articulatórias em Jean. Análise será
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feita à luz da teoria piagetiana, que irá estabelecer os eventos mentais de Jean, ocorridos nas
etapas com os fenômenos de assimilação, acomodação e adaptação (Dolle, 2005, p. 73-84).
!
Etapa 1: Assimilação
A Etapa 1 da análise de dados (Fogaça, 2010, p. 77-104) descreve os dados coletados no
início do estágio de Jean, contabilizando cinco aulas. Esse período corresponde ao início
formativo do estagiário na AP, com leituras, reflexões e questionamento feito por ele,
inclusive, consultas à própria autora da AP, por intermédio do seu orientador. Jean parece
absorver bem os conceitos da AP, demonstrou compreensão quanto aos princípios e filosofias
e seguramente, pode-se afirmar que construiu articulações significativas em sala de aula, que
promoveram dentre outros ganhos para a aprendizagem dos alunos, conquistas importantes
para o desenvolvimento da criatividade musical, como a atenuação da inibição dos alunos
frente ao ato criativo musical e o encorajamento para realização de atividades criativas
musicais, resultando num comportamento que mudou de recusas constantes para atitudes de
se arriscarem e se empenharem em produzir criativamente.
Nessa etapa, percebe-se o processo denominado por Piaget de “assimilação”. Dolle
(2005) a descreve como: “incorporação de elementos do meio na estrutura” (p. 75), e cita
Piaget2: !
a relação que une os elementos a, b, c, etc., aos elementos x, y, z, etc., é, portanto,
uma relação de assimilação, quer dizer, o funcionamento do organismo não o
destrói, mas conserva o ciclo de organização e coordena os dados do meio de modo
a incorporá-los neste ciclo. (Piaget, 1977, p. 11 apud Dolle, 2005, p. 75).
A AP foi o novo “dado do meio” que foi agregado à estrutura que já havia
cognitivamente em Jean. A compreensão que Jean demonstrou verbalmente e por meio de
ações articulatórias pedagógicas-musicais em sala de aula, demonstrou que o processo de
assimilação foi realizado com sucesso. A AP aparentava estar conectada aos elementos que
antes já haviam no meio interior (mente) de Jean.
Entretanto, o processo de assimilação é seguido retroalimentado pelo processo de
adaptação. Esse processo, agora como algo cíclico, nem sempre poderá ser uma tarefa
confortável para o que sofre a construção de uma nova aprendizagem. Assim, deu-se o
desenvolvimento de características que definiram a Etapa 2.
!
Etapa 2: as tensões e conflitos do processo de acomodação e adaptação
A etapa 2 (Fogaça, 2010, p. 104- 141) é, a princípio descrita pela autora: www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/
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94
Esta etapa teve inicio no dia vinte e oito, do mês de abril, do ano de dois mil e nove
(28/4/2009) e é marcada pela escassez de articulações pedagógicas e musicais, após
um rico período na aplicação da Abordagem PONTES pelo estagiário em sala de
aula, que fez parte do seu processo de informação e formação no referencial teórico
da referida abordagem. (Fogaça, 2010, p. 104).
!
O pesquisador e orientador docente do estagiário, observou que as articulações
ocorridas não avançavam em qualidade, nem em quantidade. Isso despertou questionamentos
salutares à pesquisa, visto que segundo a orientadora da pesquisa, Alda Oliveira, ninguém
havia antes pesquisado as razões pelas quais as articulações não acontecem ou deixam de
acontecer. O fato é que, foram encontrados dados relevantes para este fenômeno.
A inquietude que foi gerada no pesquisador, foi levada ao estagiário que, após parecer
estar muito satisfeito com o próprio desempenho, à medida que o pesquisador-orientador
aprofundou os questionamentos acerca do entendimento e aplicação da AP pelo estagiário, e
além disso, começou a investigar quais conexões que ele fazia ao conhecimento acadêmico
prévio e como ele conciliava os princípios da AP com os saberes construídos anteriormente,
vários conflitos começaram a surgir.
O estagiário estava desenvolvendo uma aula coerente, seguindo um planejamento de
modo bem sucedido, os alunos encontravam-se motivados para as atividades criativas de
cunho improvisativo musical, o que poderia estar errado? O fato das articulações tenderem a
trazer algo novo para a aula, muitas vezes podem captar um evento imprevisto, um gesto
simbólico, uma pergunta, um argumento musical e desenvolvê-lo de modo criativo a ampliar
ainda mais os propósitos inicias da aula, ou até, mudar os caminhos, visto que as ‘pontes’ se
ligam também a eventos não esperados, gerando portanto, resultados não previstos. Esse era o
ponto. A pesquisadora-orientadora, então pôs-se a provocá-lo. Em um relato (idem, p. 115),
Jean demonstra estar absolutamente acomodado com o rumo de sua aula, não consegue pensar
em problemas que possam estar ocorrendo e não consegue ver, que no processo que ele foi
iniciado, não enxergar oportunidades para construir articulações é um problema, pois para
Oliveira (2008, p. 19), qualquer evento pode ser ponto de partida para a construção de uma
‘ponte’: uma música, uma argumentação, um silêncio, um sorriso, um gesto simbólico. Então,
era preciso provocar o incômodo no estagiário, ele precisava perceber que seu processo de
construção não estava acabado e sempre teria algo mais a fazer, como disse Freire: Nada do que experimentei em minha atividade docente deve necessariamente
repertir-se. Repito, porém, como inevitável, a franquia de mim mesmo, radical,
diante dos outros e do mundo. Minha franquia entre os outros e o mundo mesmo é a
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maneira radical como me experimento enquanto ser cultural, histórico, inacabado, e
consciente do inacabamento. (Freire, 1998, p. 55).
!
Esse acomodação comportamental e racional de Jean ia de encontro ao processo de
acomodação descrito Piaget: Se designarmos este resultado das pressões exercidas pelo meio
exterior [...] podemos dizer que a adaptação é um equilíbrio entre a assimilação e a
acomodação”. (ibdem apud Dolle, 2005, p. 75). É caminho de “abrir espaço” e modificar as
estruturas existentes até que, o novo elemento esteja agregado e conectado às estruturas
anteriores, e enquanto isto não ocorre, pode haver conflitos e tensões, na reflexão do exercício
de uma prática nova, por conta da resistência em modificar as estruturas anteriores. A pesquisadora-orientadora, após extensa investigação dialogal e análise de material
coletado (planos e descrição de aula, fichas de um observador independente, registros em
vídeo), chegou, juntamente ao estagiário à seguinte conclusão: o entendimento do estagiário
de que, o mais importante era apresentar uma aula condizente ao plano feito anteriormente,
que isso se chamava (segundo o próprio) “aula coerente” e que ele em algum momento
entendeu isto na academia, fez com que ele priorizasse o plano de aula de tal forma, a
sacrificar momentos que ele, inclusive sabia, que poderia, ser mais salutares ao processo de
ensino-aprendizagem musical e desenvolvimento da criatividade musical, do que a aula
planejada por ele. Todavia, ele não se sentia à vontade e seguro, para, surgindo em mente uma
‘ponte’ que o levasse a realizar um desvio no planejamento, ele estaria fazendo o que seria
“correto”. Aí entra em choque, o princípio da AP, que, lida com a criatividade pedagógica,
obviamente, trabalha muito com o inesperado e com o imprevisto, tirando muito proveito
destas oportunidades.
Assim o processo de adaptação não fluía. Dolle (2005) cita Piaget (1977) para explicar
o evento: “suponhamos [...] que, no meio, ocorre uma variação que transforma x em x’. Ou o
organismo não se adapta e há ruptura do ciclo, ou há adaptação, o que significa que o ciclo se
modificou fechando-se sobre si mesmo.” (idem apud Dolle, 2005, p. 75). O que se pode
deduzir disso é que em algum aspecto os princípios da AP, apesar de assimilados, estavam
encontrando rigidez das estruturas anteriores, que por algum motivo, não se permitiam
modificar, então houve, conforme previsto por Piaget, a “ruptura do ciclo”.
Era preciso promover a adaptação desse novo elemento ao meio, além da assimilação.
Com ações reflexivas e fundamentando teoricamente em diversos autores e experiências de
outros docentes e o apoio da autora da AP, o pesquisador-orientador auxiliou o estagiário a
flexibilizar seus conceitos e princípios, que ora, pareciam se comportar como dogmas.
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Etapa 3 e conclusão
A Etapa 3 começou efetivamente no início das aulas do segundo semestre do ano letivo
de 2009. O pesquisador considera para a pesquisa a relevância das ‘pontes’ no
desenvolvimento de uma pedagogia criativa musica e da criatividade musical dos alunos
(Fogaça, 2010, p. 142). O registro da Etapa 3 também consta que: “Etapa 3 traz os resultados
da medida tomada para que o estagiário tivesse um caminho alternativo e viável para a
construção de pontes de articulação em aula: a mudança da maneira de planejar a
aula.” (Fogaça, 2010, p. 142). Fica claro que então, a partir desse momento, houve uma
mudança nas estruturas cognitivas de Jean, refletida na mudança de planejar a aula, que até
então parecia ser um conhecimento tão solidificado nas estruturas mentais de Jean.
A partir de então, claramente percebe-se as conexões que Jean começa a realizar entre
os princípios da AP e os conhecimento prévios acerca da concepção do exercício docente.
Assim, realizando adaptações em seu modo de entender e agregando o novo saber ele
finalmente pode aos poucos se sentindo confortável e seguro com uma maneira nova de
pensar e agir em sala de aula, se sentindo à vontade para tomar decisões inusitadas em (que
geravam novas ‘pontes’) em prol do aprendizado musical do aluno.
Jean atingiu a adaptação e aos poucos, as competências articulatórias começaram a
surtir efeito significativo no aprendizado e no desenvolvimento criativo musical dos alunos,
bem como, passou a fazer sentido primordial na docência de Jean.
Dadas tantas
transformações e construções cognitivas significativas no estagiário, apesar do aspecto
cognitivo não ter sido o foco da pesquisa, hoje parece claro que de algum modo foi notado
pela pesquisadora, acerca desse aspecto. Tanto que nas “Recomendações” a pesquisadora
ressalta que para a aplicação da Abordagem PONTES, será necessário desenvolver, entre
outras coisas, flexibilidade, autoconhecimento, criatividade e alta-conectividade.3 Conclui-se portanto, que a Abordagem PONTES, nesse caso, promoveu um processo de
formação com profundas transformações cognitivas no estagiário em Licenciatura em Música.
Se um processo gera efeitos significativos na práxis pedagógica-musica, é porque antes,
promoveu novas conexões mentais no educador musical, em que ele agregou, ressignificou,
transformou e ampliou seus saberes docentes-musicais e significados de vida em prol do
aprimoramento do exercício de sua profissão como educador musical.
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Referências
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Dolle, J. M. (2005). Para compreender Jean Piaget. (2 ed.). Lisboa: Instituto Piaget.
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Fogaça, V. de O. S. (2010). Criatividade Musical: Abordagem PONTES no desenvolvimento
das competências articulatórias na formação do professor de música. Dissertação
(Mestrado em Música). Não publicado. Universidade Federal da Bahia, Salvador: 2010.
Freire, P. (1998) Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. (9. ed.). Rio
de Janeiro: Paz e Terra.
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Não publicado. Universidade Federal da Bahia, Brasil.
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Encontro Anual da ABEM, São Paulo. Oliveira, A. (2001). La enseñanza de la música: América Latina y el Caribe [Music Education
in Latin America and the Caribbean]. V. Fajardo & T. Wagner (Org.). Métodos,
contenidos y enseñanza de las artes en América Latina y el Caribe. Paris, UNESCO,
27-30 (in Spanish).
1
Grupo de pesquisa sobre Mestres da Música da Bahia, coordenado por Alda Oliveira cuja pesquisa é apoiada
pelo CNPq.
2
Jean Piaget (1977). La naissance de l’intelligence chez l’enfant.
3
Habilidade de realizar conexões entre vários elementos (professor, alunos, contexto sociocultural, repertório,
currículo, entre outros) e o tempo real (Fogaça, 2010, p. 231).
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Valoraciones del desarrollo auditivo musical de los estudiantes
en prácticas curriculares y extracurriculares
Genoveva Salazar Hakim
Universidad Distrital Francisco José de Caldas (UDFJC)
[email protected]
Resumen: En el PCAM de la UDFJC1, se han adelantado estudios que buscan comprender de qué
manera diversas prácticas musicales curriculares y extracurriculares aportan y se articulan en el
desarrollo de competencias auditivas de los estudiantes. En esta etapa, este estudio indaga en la
concepción y valoración que tienen estudiantes de diferentes énfasis del PCAM sobre sus
desarrollos auditivos en prácticas musicales curriculares y extracurriculares. La metodología es de
enfoque cualitativo y comprende: (1) la aplicación de entrevistas a estudiantes de los énfasis de
Dirección Musical, Interpretación Instrumental y Composición y Arreglos, y; (2) la definición y
aplicación de categorías de análisis y (3) la interpretación de resultados. El análisis se lleva a cabo
mediante categorías emergentes de las entrevistas y otras como función, contenidos y materiales
vinculados a las prácticas de audición, aplicadas en estudios precedentes. Los resultados se
interpretan con categorías como ontologías de la música, modos de conocimiento musical y
procesos transmodales y transdominio de la experiencia. Se presentan avances de aspectos de
fundamentación teórica y de la etapa de recolección y análisis de información. Palabras clave: desarrollo auditivo musical, procesos transmodales y transdominio, y modos de conocimiento musical.
!
Title: Musical listening skill assessments from students in curricular and extracurricular
practices.
Abstract: In the PCAM of the UDFJC, studies have been advanced in order to understand the
ways varied curricular and extracurricular musical practices contribute to and are articulated to
the development of students listening skills. At this stage, the study search the conceptions and
assessments that students of different Emphasis of the PCAM have about their own listening skills,
in curricular and extracurricular musical practices. The methodology follows a qualitative
approach and involves: (1) the application of interviews with students from the Emphasis of
Musical Conduction, Instrumental Performance, and Composition and Arrangement; (2) the
definition an application of analysis categories; and (3) the interpretation of results. The analysis
is done throw emerging categories taken from the interviews and from others, that have been used
in precedent studies, as functions, contents and materials linked to listening practices. The results
are interpreted with categories as music ontologies, ways of knowing music, and cross modal and
cross domain processes of experience. Advances in aspects of theoretical foundation and the stage
of data collection and analysis are shown in this text. Keywords: musical listening development, cross- modality and cross- domain processes, ways of
knowing music.
!
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La audición es una actividad implícita en diversos procesos de formación musical, de índole
curricular y extracurricular. En lo concerniente al desarrollo de habilidades auditivas
musicales, como puede observarse en estudios sobre musicalidad comunicativa (Español,
2010), este se inicia desde muy temprana edad y se continúa por procesos de enculturación e
instrucción, y en situaciones de aprendizaje de carácter formal e informal que involucran
modos de relación diversos frente al conocimiento (Green, 2009; Miñana, 2009).
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Estudios desarrollados en las últimas décadas, desde la cognición corporeizada,
permiten aproximarse a la naturaleza intersubjetiva del aprendizaje y a aspectos de la
comunicación humana en la edad más temprana. Al respecto, se observa que nuestra especie
comparte formas de comunicación entre el adulto y el bebé que involucran el habla, el gesto
corporal y el movimiento, las cuales son muy cercanas a ciertos niveles de estructuración
musical. Estas formas de comunicación, estudiadas bajo el concepto de Musicalidad
comunicativa, ofrecen una aproximación al entendimiento de las bases intersubjetivas en el
aprendizaje humano y musical. Puede decirse que la educación musical, al igual que otros
ámbitos de la cognición humana, se soporta en capacidades cognitivas que vienen de
nacimiento, y en relaciones esencialmente intersubjetivas. A su vez, la educación musical se concibe como un proceso que tiene lugar durante toda
la vida, mediante interacciones y compromisos diversos entre los individuos de una cultura y
su entorno. Uno de los factores que se señalan como fundamentales en el aprendizaje musical
es la enculturación. De acuerdo con Green (2009), la “enculturación o inmersión en la música
y en prácticas musicales del propio entrono, es un factor fundamental que es común a todos
los aspectos de aprendizaje musical, bien sea formal o informal.” Respecto del rol de la
enculturación en músicas tradicionales, Green señala: En la música tradicional de muchos países, los niños pequeños cotidianamente son
involucrados en grupos de actividades del hacer musical, tanto dentro de la casa
como por fuera de ésta, y casi siempre desde el nacimiento. Mediante esta inclusión
por parte de los adultos y de niños más grandes que los acompañan, ellos desarrollan
destrezas musicales en modos similares a como lo hacen con las destrezas
lingüísticas. (2009, p. 5-6)
!
En el contexto regional del Chocó en Colombia, un ejemplo de inmersión por parte de
bebés y niños muy pequeños se observa en las fiestas patronales de San Pacho, en Quibdó.
Durante las fiestas, muchas madres se incorporan con sus bebés en la procesión, u observan
desde la acera pasar a las bandas de música, de grupos de danza y de pantomima. Los niños
más chicos que ya caminan, van de la mano de algún adulto o sueltos moviéndose al ritmo de
la música que escuchan y de otros a quienes imitan. Es de señalar que en esta región, una
forma de inmersión fuerte en la música desde muy temprana edad es a través del movimiento
corporal y del baile. (Salazar, 2013a)
Green (2009) diferencia modalidades en la transmisión de las músicas según sean sus
tradiciones, en escenarios informales. Estas modalidades pueden ser el trabajo en solitario,
entre pares y maestro-alumno, y dejan ver relaciones diversas, unas más jerárquicas que otras,
frente a la autoridad sobre el saber. De acuerdo con Green:
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!
100
(…)
existen algunas diferencias cruciales entre la manera en que se transmite, por
un lado, en la mayoría de músicas campesinas y tradicionales, y, por otro, en gran
parte de músicas populares occidentales. Estas diferencias resultan ser muy
importantes para la educación musical. Estas diferencias incluyen, en primer lugar,
el hecho de que, contrariamente a como se da en la mayoría de ambientes
campesinos y tradicionales, muchos de los músicos populares en Occidente o en
culturas musicales occidentalizadas no están regularmente rodeados por una
comunidad de músicos adultos practicantes de músicas populares con quienes ellos
puedan hablar, escuchar, mirar e imitar, o ser iniciados en destrezas y conocimientos
relevantes. Por lo tanto, los músicos populares jóvenes tienden a comprometerse en
una cantidad importante de aprendizaje en solitario. En segundo lugar, se da una
diferencia en cuanto a la comunidad de práctica que está a disposición para los
músicos populares jóvenes, la tendencia es a que esta comunidad sea de pares más
que de ´músicos-maestros´, o de adultos más competentes. El significado de esto es
profundo, en la medida en que afecta el modo completo en el cual se transmiten
destrezas y conocimientos en el campo de la música popular, al quitar la carga de la
transmisión a una figura de autoridad, experto o miembro mayor de la familia, y
dejándola en gran medida en manos grupos de jóvenes aprendices. (2009, p.6)
En cuanto a procesos de socialización y a escenarios de aprendizaje, en ocasiones se enfatiza
en lo que musicalmente ofrece y valora una cultura “dada” y en la transmisión de tradiciones.
Esto puede conducir a concebir el aprendizaje como un producto de acciones unidireccionales
que van desde la cultura y la sociedad, en relaciones jerárquicas, hacia el individuo aprendiz.
Al respecto, Miñana (2009) menciona:
(…) hemos considerado durante años los procesos de socialización como
unidireccionales —desde la sociedad adulta hacia la infantil—, y hemos
sobrevalorado la importancia de los primeros años en la forma como vamos a vivir
en la edad adulta. El mismo concepto de “patrimonio” cultural o inmaterial arrastra
en su etimología la herencia paterna que, con activos —y también con pasivos— se
lega a las nuevas generaciones. Sin embargo, existen muchas evidencias en las
etnografías y en varios estudios sociológicos de que no siempre los niños, los
jóvenes o los aprendices necesitan de los adultos o de sus explicaciones, y que con
frecuencia es el mundo adulto el que termina cambiando como fruto de su
interacción y compromiso con las nuevas generaciones. !
A esta visión unidireccional de la socialización subyace una concepción objetivista de la
realidad, en donde el conocimiento y los significados de dicha realidad son concebidos como
preexistentes y provenientes de afuera. Por oposición, se tiene una visión de mayor
reciprocidad
en donde los conocimientos y los significados que otorgamos a nuestra
experiencia se construyen en las relaciones e interacciones que tejemos con el entorno. Al
respecto, Ingold, según Miñana (2009), señala:
“No sobreimponemos significado sobre un mundo (‘naturaleza’ o ‘realidad física’)
que pre-existe aparte de nosotros mismos, para vivir debemos habitar en el mundo, y
para habitar debemos ya relacionarnos con sus constituyentes. El significado está
inherente en esas relaciones” (Ingold, 1994b: 222) o mejor, se construye en esas
relaciones.
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En contraste con un enfoque unidireccional de la educación y de procesos de
socialización, se observan enfoques en donde el aprendizaje se propicia por las interacciones
de las personas (niños, jóvenes y adultos) en relaciones y en contextos que son dinámicos. De
allí, la necesidad de considerar los actos de aprendizaje más como acciones que se dan en
relaciones de reciprocidad entre el individuo y lo que le proporciona su entorno. En esta
perspectiva, es de resaltar para el aprendizaje consideraciones como: la inmersión del
individuo en comunidades de práctica, su compromiso con prácticas musicales diversas, las
valoraciones que se dan en torno a las prácticas del contexto y el tipo de relaciones
intersubjetivas que se generan. La complejidad de relaciones que se tejen entre los individuos y su entorno en actos de
aprendizaje musical es tenida en cuenta en la orientación dada a una serie de estudios que
venimos adelantando enfocados en el desarrollo de la audición musical. Los primeros
estudios, realizados entre los años 2010 y 2011, han visibilizado concepciones de desarrollo
auditivo desde las propuesta institucional y las prácticas docentes, en asignaturas de diversos
campos de la formación musical –instrumental, teórica, compositiva- (Agudelo et al. 2013;
Castillo et al. 2011; Salazar 2013a, 2013b Salazar et al. 2011, 2012). La aproximación a las prácticas de audición musical en los diversos escenarios
curriculares se ha realizado considerando aspectos como: (1) qué tipo de objetos, procesos y
experiencias son considerados música; (2) qué modos de conocimiento participan en las
prácticas auditivo-musicales; y (3) qué modalidades perceptuales y de la experiencia se
articulan e interactúan con la audición.
En el primer caso, se han abordado categorías en relación con ontologías de la música
en cuanto a: objeto, proceso y experiencia (Vargas et al., 2007; Vargas et al. 2008; Bohlman,
2001). Respecto de los modos de conocimiento musicales, se consideran las categorías
conocimiento proposicional o declarativo y conocimiento no proposicional, o procedimental
(Shifres, 2009; Stubley, 1992; Davidson & Scripp, 1992). En relación con de las modalidades
perceptuales y de dominios de la experiencia que confluyen en las prácticas de audición, se
acude a las categorías transmodalidad y transdominio, respectivamente (Johnson, 1987;
Zbikowski, 2002; Martínez 2005, 2009 y Shifres, 2008)
Por su parte, las categorías delimitadas para la sistematización y análisis de los datos
aplicadas en el estudio referido obedecen a preguntas como: para qué se llevan a cabo
prácticas de audición musical, qué aspectos de lo musical se conocen a través de la audición y
qué tipo de conocimientos, materiales y relaciones con objetos y personas se articulan con
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dichas prácticas. De esta manera, se aplican las categorías Función, Contenidos y Materiales
vinculados con las prácticas de audición (Agudelo et al. 2013; Castillo et al. 2011; Salazar
2013a, 2013b Salazar et al. 2011, 2012).
En este estudio se observó que la audición musical, en el ámbito curricular
es un
proceso que se propone y se da en coordinación con prácticas que involucran aspectos como:
la construcción y la aplicación de conocimientos conceptuales y procedimentales;
interacciones inter e intrapersonales con instrumentos y materiales de diversa índole; y la
inmersión bajo diversas formas de compromiso en músicas de tradiciones culturales variadas. No obstante, el panorama sobre las concepciones del desarrollo auditivo de los
estudiantes no se agota en la indagación sobre las propuestas y prácticas curriculares. Por
conversaciones y encuentros informales con los estudiantes, se sabe que son diversos los
escenarios e interacciones en los que ellos han participado previa y paralelamente al curso de
su carrera, lo cual puede facilitar el aprendizaje o en ocasiones entrar en conflicto con
propuestas metodológicas altamente formalizadas en las asignaturas.
Una segunda etapa de este estudio, en curso, se pregunta por las concepciones que
tienen los estudiantes de diversos énfasis frente a sus desarrollos auditivos tanto en contextos
curriculares como extracurriculares previos y paralelos a la realización de la carrera.
La
indagación en dichas concepciones podría arrojar luces a preguntas como: qué tipo de
destrezas auditivas han propiciado determinados escenarios e interacciones de aprendizaje
musical; de acuerdo con las necesidades de las prácticas musicales y pedagógicas de los
estudiantes, qué tipo de destrezas auditivas valoran; y cómo es la articulación o transferencia
de competencias auditivas entre los diferentes escenarios de formación y práctica. Es de esperarse que en un estudio sobre las concepciones y valoraciones de los
desarrollos auditivos de los estudiantes en escenarios curriculares y extracurriculares se
considere y se reconozca el valor que tienen los procesos tanto formales como informales de
aprendizaje.
De esta manera, se propone observar dichas valoraciones dentro de las
dinámicas sociales en las que han surgido, de acuerdo con los testimonios de los estudiantes. A fin de caracterizar lo curricular y lo extracurricular, se plantea la revisión de nociones
como lo formal y lo informal asociadas a prácticas, situaciones y estrategias de enseñanza y
de aprendizaje (Green, 2009, 2009ª; Folkenstad, 2006; Jenkins, 2011). Una revisión de estas
nociones
permitirá aprovecharlas para el análisis y nutrirlas de contenido a partir de las
particularidades y generalidades encontradas en nuestros contextos de formación y práctica
musical.
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Objetivo
El objetivo de este estudio es indagar por las concepciones que tienen estudiantes del PCAM
en cuanto a sus desarrollos auditivos musicales y a la valoración de dichos logros en el
contexto de prácticas curriculares y extracurriculares.
!
Método
La metodología aplicada es de enfoque cualitativo y contempla las etapas: (1) selección de
estudiantes a entrevistar y recolección de información mediante entrevistas; (2)
sistematización y análisis de información; y (3) interpretación de resultados.
Los estudiantes a entrevistar se seleccionaron bajo los siguientes criterios: (1) tener
representatividad de tres etapas de formación en la carrera: inicial (semestres I y II),
intermedia (semestres
V-VI) y final (semestres VIII-IX); (2) Tener en cada etapa
representatividad de estudiantes de cada uno de los Énfasis de la carrera : Interpretación
Instrumental, Composición y Arreglos, y Dirección Musical; y (3) dentro de los diferentes
énfasis y las etapas de formación, tener estudiantes que hayan estudiado en carrera
instrumentos asociados a las tradiciones musicales académica, popular y regional campesina.
Este estudio se encuentra en la etapa de análisis de las entrevistas. Por consiguiente, se
presentan resultados en torno a las etapas iniciales y de sistematización de información.
!
Resultados
Selección de estudiantes
De los criterios establecidos inicialmente para la selección de estudiantes, se pudo cumplir
con la mayoría. Sin embargo, se dio el caso de no contar en algunas etapas de formación con
el número de estudiantes estipulado para entrevistar. !
Recolección de información mediante entrevistas
Las entrevistas se realizaron con preguntas abiertas y las aplicaron estudiantes del PCAM,
bajo la orientación de la directora de la investigación. Los entrevistadores tuvieron
previamente una fundamentación básica en trabajo etnográfico y respecto del tema de estudio.
Se elaboró un listado de preguntas a fin de tener una guía de aspectos a indagar. Las
entrevistas se grabaron en audio y transcribieron por el equipo de estudiantes entrevistadores.
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Sistematización, análisis e interpretación de información
Las transcripciones de las entrevistas están en proceso de análisis con la ayuda del software
NVIVO10. Se cuenta con categorías de análisis e interpretación ya trabajadas en un estudio
anterior. De igual forma, también se trabaja a partir de categorías emergentes de los relatos
de los estudiantes en las entrevistas, que posibilitan establecer similitudes o diferencias según
sea la afinidad de contenido. Categorías de análisis delimitadas: Se tienen en cuenta
categorías y subcategorías
organizadas bajo los grupos Función, Contenidos y Materiales vinculados a las prácticas de
audición. Estas categorías se complementan con otras que aluden a tipos de aprendizaje, y a
escenarios de formación y práctica musical, teniendo como foco la valoración que dan los
estudiantes a sus desarrollos auditivos.
Categorías de interpretación: los resultados son interpretados bajo las categorías:
ontologías de la música, modos de conocimiento musical y procesos transmodales y
transdominio de la experiencia.
!
Conclusiones
Como ya se expresó, este es un estudio que se encuentra en su etapa de análisis. De los
resultados se espera aportar a la formulación de estrategias que tiendan a mejorar la conexión
entre expectativas, procesos y logros tanto desde la enseñanza como del aprendizaje en
nuestro contexto sociocultural. Este estudio, a su vez, aspira a movilizar supuestos frente a prácticas informales y
formales que conducen a la formación musical en relación con las tradiciones pedagógicas y
musicales académicas, populares y regionales.
!
Referencias
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Bohlman, Philip V. (2001) Ontologies of music. En N. Cook & M. Everist (Eds.), Rethinking
Music (pp. 17-34) Oxford: Oxford University Press. Castillo, F.; Salazar, G.; Agudelo, P.; y Bernal, M. (2011) Caracterización de las prácticas de
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institución pública de educación superior, del Distrito en Bogotá, Colombia.
1
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107
A improvisação na pedagogia pianística:
ensino e aspectos cognitivos e psicológicos
!
Laura Longo
Instituto de Artes – Unicamp
[email protected]
!
Adriana Aggio
Instituto de Artes – Unicamp
[email protected]
!
Resumo: Sentindo a necessidade de se encontrar novas formas do fazer musical que propiciem aos
alunos maior envolvimento, desenvolvimento e prazer no aprendizado do piano, buscamos em
autores como Gainza, Swanwick, Sloboda, Gardner, Cecília França e Moema Campos, entre
outros, respostas a indagações relativas à pedagogia pianística. Neste artigo procuramos abordar
questões relativas à improvisação no âmbito do ensino e nos aspectos cognitivos e psicológicos do
indivíduo. Por meio de alguns exemplos de improvisadores e reflexões a respeito de atividades
criativas, pretendemos demonstrar que um aluno de instrumento bem estimulado pode desenvolver
a habilidade de improvisar e obter vários benefícios musicais e extramusicais com estas práticas. Palavras-chave: improvisação, cognição, pedagogia pianística
Title: Improvisation in piano pedagogy: education and cognitive and psychological aspects
Abstract: Feeling the need to find new ways of music making that provide students with greater
involvement, development and enjoyment in learning the piano, we seek in authors as Gainza,
Swanwick, Sloboda, Gardner, Cecília França and Moema Campos, among others, responses to
inquiries relating to piano pedagogy. In this paper we address issues relating to improvisation in
teaching the cognitive and psychological aspects of the individual. Through some examples of
improvisers and reflections on creative activities, we intend to demonstrate that a well stimulated
student of instrument can develop the ability to improvise and get several musical and extra
benefits with these practices.
Keywords: improvisation, cognition, pianistic pedagogy.
Introdução
!
!
!
!
O grande pianista brasileiro Nelson Freire, no documentário feito por João Moreira Salles em
2003, expressou que adoraria saber tocar jazz, improvisar ao piano. É possível que outros
músicos formados por uma abordagem tradicional também partilhem deste sentimento. A
divisão de especialidades, em que há músicos que são intérpretes ou regentes, compositores
ou improvisadores, ou somente educadores, é algo relativamente recente. No Romantismo as
cadências dos concertos eram improvisadas pelo solista, e compositores e intérpretes como
Chopin e Liszt, por exemplo, eram também grandes improvisadores e educadores. O estudo das biografias de grandes músicos improvisadores da nossa história,
demonstra que todos tiveram ao longo da infância algum tipo de estímulo musical na família
ou no ambiente, o que contradiz a teoria de que saber improvisar seja um talento inato
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(Schroeder, 2005). Além disso, ainda não se encontrou nenhuma diferença genética entre
crianças talentosas e não talentosas musicalmente (Lehmann, Sloboda & Woody, 2007).
Neste texto consideramos improvisação como sendo o processo criativo no tempo real
da performance, em que o instrumentista toma decisões enquanto executa, ou seja, cria e toca
simultaneamente, e composição como o processo criativo no qual é possível escolher e
elaborar as ideias musicais, até que se finalize a obra, podendo, inclusive, decorrer de uma
improvisação.
Em todas as performances há algum elemento de improvisação, já que deve-se tomar
decisões que poderão dar significados diferentes a cada uma delas. Sendo a notação musical
algo incompleto, por necessitar de intérpretes que a transformem em som, possibilita várias
interpretações nos chamados signos mensuráveis e abstratos. Segundo Fuller (apud França,
2002) “(...) atividades criativas oferecem a oportunidade de exercitar a responsabilidade de
tomar decisões compasso a compasso, que deve moldar toda performance”.
Infelizmente, em algumas escolas de música, improvisar ou ‘tocar de ouvido’ ainda é
uma heresia, e o prazer de tocar pode desaparecer quando o enfoque se mantém apenas na
técnica instrumental e na notação musical, sem estimular a expressividade e criatividade do
aluno. Para Johnson e Cook este foco nas questões visuais é um fenômeno social: “A
sociedade institucionalizada de hoje é centrada na visão: o visual é privilegiado sobre o
auditivo e o oral para manter um regime de conhecimento-como-controle (...) a música de
‘arte’ está centrada no texto” (Johnson, 2002, apud Cook, 2007, p.100).
Embora a distinção entre habilidades ainda exista, vê-se grande abertura para uma
educação musical mais abrangente e universal. No modelo C(L)A(S)P de Swanwick, por
exemplo, as expressões Literature studies e Skill aquisition, traduzidas como conhecimento
teórico e notacional e aquisição de habilidades técnicas, são atividades de suporte às
atividades centrais de Composição, Apreciação e Performance, “mas podem facilmente (e
perigosamente) substituir a experiência musical ativa” (França, 2002, p.17), compreendendose composição, nesse contexto, como todas as formas de invenção musical.
Nessa tendência rumo a uma educação musical mais abrangente, surgiu na Inglaterra,
em 2004, um movimento chamado Musical Futures, para reformular a educação musical,
visando trazer para dentro das salas de aula, o ‘tocar de ouvido’, o improviso e o arranjo feito
em grupo. Lucy Green, cofundadora do Musical Futures, cita a existência cada vez maior de
músicos que ela chama de bi-musicais, ou seja, estão com ‘um pé’ na música clássica e outro
no jazz ou no improviso. Como exemplo, citamos a norteamericana Emily Bear, nascida em
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2001, que teve todo o suporte e estímulo necessários por parte da família, para desenvolver
suas habilidades musicais como pianista, surgidas bem precocemente. Pode-se vê-la, aos 10
anos, improvisando ao piano no Festival de Jazz de Montreux, e aos 11 anos tocando o
concerto de Schumann op. 54 para piano e orquestra, nos Estados Unidos, com a mesma
destreza. Vigotsky sugere que no jogo imaginativo, as crianças podem superar o nível
esperado para sua faixa etária (apud França, 2002, p.102-103). Pensamento reforçado pela
citação de Gainza sobre o estímulo à expressão genuína da criança:
A criança faz música respondendo a um impulso interno e a uma necessidade de
expressão genuína. Ela somente reage a estímulos externos quando sente que
coincide com seus próprios interesses. Por isso o ensino deveria tratar de despertar
essa necessidade, esse impulso, antes de pensar na atividade criadora em função dos
resultados possíveis (Gainza, 1983, p.5, trad. nossa).
!
O médico e musicista norteamericano Charles Limb, em palestra na TEDx MidAtlantic
em 2010, falou sobre suas pesquisas, que tratam sobre o funcionamento do cérebro durante a
improvisação, e experimentos em que utiliza aparelho de ressonância magnética funcional que
registra as atividades cerebrais. Ele constatou que estas atividades são diferentes quando se
toca músicas aprendidas e memorizadas anteriormente, e quando se improvisa. Durante a
improvisação a zona da criatividade e autoexpressão é ativada (pré-frontal medial), com
consequente desativação da zona de autocensura e inibição (pré-frontal lateral).
!
A improvisação e o ensino Muitos músicos têm facilidade e gostam de improvisar e criar, enquanto outros músicos veem
a improvisação e a composição como uma tarefa difícil e às vezes até inatingível. A diferença
pode estar no fato de que alguns as desenvolvem e outros não. Sabe-se que é possível
aprender a improvisar através de técnicas específicas, ou mesmo através de uma prática por
motivação própria.
Dalcroze escreveu sobre o aprendizado da improvisação em seu livro La Musique et
nous (1945); ainda hoje, esta disciplina é ministrada aos alunos na escola de música fundada
por ele em Genebra.
!
Muitos músicos não sabem improvisar, pois na sua infância diminuíram sua
sensibilidade original e traíram a imaginação insistindo em exercícios convencionais
que não tinham nenhuma relação com a musicalidade. (...) há quem acredite que a
faculdade de improvisar é um dom e que seria impossível desenvolvê-la ou despertála graças a estudos especiais. Isto é um grande engano (Dalcroze, 1945, In trad.
Poncet, 1981).
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Em estudos relatados por Sloboda no livro A Mente Musical (1985, p.271), as crianças
de 3 e 4 anos produzem canções espontâneas, muitas vezes elaboradas a partir de elementos
de canções aprendidas. Entretanto, à medida que aumenta a preocupação com a imitação, as
canções espontâneas vão se tornando mais raras. Se a criança demonstra uma capacidade
natural em criar e por diversas razões deixa de lado esse aspecto criativo, podemos notar a
grande importância que pode ter um educador musical, no sentido de estimular e proporcionar
situações para que a criança continue desenvolvendo sua capacidade criativa.
Gainza (2007, p.47) defende que a improvisação sempre deve ser trabalhada nas aulas
de instrumento:
Improvisar é como falar. Falar se aprende falando, improvisar se aprende
improvisando. A improvisação, atividade integrada ao processo de desenvolvimento
musical, é sinônimo de jogo, alegria, entretenimento, e também de exploração,
inquietude, curiosidade. O jogo musical começa muito antes da aprendizagem
sistemática da música e não deve interromper-se ao longo de todo o processo,
embora mude de qualidade e de sentido.
!
Podemos inferir, então, que é possível ensinar a improvisar. Gainza (2007, p.26) diz que
o processo da improvisação pode ser desencadeado por dois tipos de estímulos: (1) Musicais
(ou específicos); (2) Extramusicais (ou gerais). Os estímulos musicais são os relativos a
materiais ou estruturas sonoras; os estímulos extramusicais se referem a objetos, pessoas,
situações de todo tipo, ou condutas humanas, como exemplos: um passeio nas nuvens, um
diálogo de um macaco com um bicho preguiça.
Estes estímulos, portanto, darão um caminho a ser seguido, subentendendo-se que
improvisar não é apenas executar coisas aleatoriamente, mas que há um objetivo ou regra, um
pensamento sobre o que se está executando. Gainza (2007, p.28, trad. nossa) chama de ordem
ou orientação (consigna) a motivação dada ao aluno e a classifica pelo estilo ou tipo de
atividade: 1. Improvisação livre: improvisação espontânea. 2. (a)
Investigação – Exploração; (b) Prática (ejercitación): manipulação de materiais
sonoros e exercitação dos mesmos.
3. (a)
Descrição – relato; (b) Evocação: manipulação de objeto sonoro internalizado
com um roteiro a seguir e evocação de climas com estrutura indefinida.
4. (a)
Imitação (de um modelo); (b) Correspondências: imitação de um modelo
imediato ou internalizado e correspondências com outra linguagem.
5. Jogo com regras: determinar regras para tocar como numa brincadeira.
6. Automatismos motrizes e psíquicos: em primeiro plano, o acaso e o subconsciente,
deixando momentaneamente de lado a consciência mental e a consciência auditiva.
!
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111
O estímulo, dado pelo educador, deve estar de acordo com as possibilidades musicais e
técnicas do aluno ao instrumento, e levar em conta seu grau de espontaneidade. Pedir tarefas
que estão muito além da capacidade do aluno pode ser fator desestimulante e inibidor do
desenvolvimento musical. Seria, portanto, mais adequado iniciar este processo com atividades
simples, como criar uma pequena melodia e, à medida que se percebe a absorção de novos
conhecimentos e a segurança e confiança com que ele executa, poder-se-ia propor tarefas mais
complexas.
Sobre o desenvolvimento criativo, Moema C. Campos (2000, p.109) comenta que: “O
ato de improvisar tem seu desenrolar próprio, começando com a permissão do experimentar e
desenvolvendo-se de acordo com o domínio dos dedos, percepção auditiva, sensibilização e
conhecimento da linguagem musical”. Por outro lado, o ato de improvisar favorecerá o
desenvolvimento de determinadas habilidades que realimentarão a improvisação. Gainza
(2007, p.25, trad. nossa) sintetiza os objetivos específicos da improvisação da seguinte
maneira: (1) Aproximação e tomada de contato com o instrumento (e por seu intermédio, com
a música); (2) Aquisição dos elementos da linguagem musical; (3) Desenvolvimento da
criatividade; (4) Fortalecimento da técnica instrumental.
Campos (2000, p.109-110) comenta que: !
A improvisação deveria ser vivenciada juntamente com cada conceito teórico
introduzido. Se isso ocorresse, estaríamos, todos os músicos, improvisando no
mesmo nível de dificuldade técnica com que interpretamos peças de outros autores.
Tanto no aspecto teórico como no técnico, se a improvisação acompanhasse nosso
repertório, certamente estaríamos compreendendo com mais facilidade a linguagem
e os estilos musicais.
Gardner (1994, p.89) relata que: “Indivíduos que mais tarde se tornaram compositores
costumavam por volta dos 10 ou 11 anos, experimentar com as peças que estavam tocando,
reescrevendo-as, modificando-as, transformando-as em outra coisa – em uma palavra,
decompondo-as.”, demonstrando que o repertório aprendido pode ser fonte para novas ideias
e que a experimentação sobre o repertório conhecido pode favorecer o conhecimento dos
elementos musicais, a ponto de estimular outras atividades criativas.
Em entrevista a Santiago (2006, p.58), Berenice Menegale corrobora as palavras de
Gardner a respeito de transformações de peças musicais:
!
Até pequenas modificações numa peça simples que ela [a criança] está tocando é
possível fazer, sem preconceito, sem tirar o caráter ‘sagrado’ da música. Essas
sementezinhas podem ser importantes para a criança depois.
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A improvisação poderá ajudar o aluno a compreender elementos da linguagem musical,
os conceitos da música, que ali estiverem presentes. Então, se falamos de pulso, ritmo,
compasso, escala, acorde, fraseado, forma, andamento, expressão, gênero, estilo, todos estes
termos musicais podem ser trabalhados a partir da improvisação.
Um dos maiores desafios para os improvisadores é a necessidade de prestar atenção a
vários aspectos motores e musicais simultaneamente enquanto improvisam, incluindo
harmonia, melodia, ritmo, expressão, forma, e coordenação das mãos. Muitos improvisadores
reportaram poder monitorar um aspecto por vez de forma consciente (Heuer, 1996; Pashler &
Jonhston, 1998 apud Parncutt & McPherson, 2002, p.129). Por isso o ensino da improvisação
deve ser desenvolvido de forma gradual, até que se consiga controlar simultaneamente os
aspectos ali envolvidos. E então, enquanto a atenção está centralizada em um deles, os outros
podem acontecer inconscientemente ou automaticamente. Esse automatismo é necessário ao
improvisador mais experiente, para poupar recursos cognitivos a serem usados em decisões
mais importantes (Lehmann, Sloboda & Woody, 2007, p.134).
Um aspecto importante a ressaltar é que nas atividades de criação não há o certo nem o
errado, não há o feio nem o bonito, há uma expressão que se origina internamente e é
exteriorizada, e que pode trazer muitos benefícios para o desenvolvimento musical e
emocional do aluno ou indivíduo.
Vários fatores sociais e emocionais podem trazer bloqueio para o desenvolvimento da
criatividade como o medo do ridículo e da crítica, a baixa auto-estima, a dificuldade em lidar
com o erro. O educador tem papel fundamental de encorajar o aluno a ter confiança em si
próprio ao arriscar-se, criando um clima de confiança e respeito.
As possibilidades que podem surgir a partir das improvisações são várias e
imprevisíveis. Podem ser ideias para composição e podem aparecer elementos que
favorecerão a audição, a técnica, a expressão, o aprendizado de conceitos musicais. Como diz
França (1995) “Da experimentação e improvisação com materiais sonoros, as ideias se
expandem e gestos expressivos começam a aparecer. A partir desse ponto, as ideias são
selecionadas ou rejeitadas até serem organizadas dentro de uma estrutura musical, seja ela
notada ou não, de acordo com a necessidade ou possibilidade”.
!
Aspectos cognitivos e psicológicos
Para demonstrar a dinâmica entre os elementos que caracterizam o discurso, o pensamento e a
produção na música, Swanwick (2010, p.23) sintetizou estes elementos como
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fenômeno
Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014
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dinâmico da metáfora, considerando o termo metáfora de forma mais ampla, como uma
relação ou intersecção entre dois ou mais domínios, que provoca insights e reorganizações de
ideias. Ele dividiu esse processo dinâmico em três níveis: no primeiro as notas agrupadas
soam como melodias ou formas expressivas; no segundo as melodias criam novas relações
dando vida à música; e no terceiro a música informa a “vida do sentimento”. Embora esse
processo psicológico não seja visível e palpável, as evidências são muitas. No livro The
Science of Psychology of Music Performance (Parncutt & Mc Pherson, 2002, p.223), há um
capítulo sobre a comunicação emocional, escrito por Juslin e Persson, contendo uma tabela
onde estão relacionados sentimentos – como alegria, tristeza, raiva, afeto e medo – a um
conjunto de características musicais. A alegria, por exemplo, está associada a qualidades
sonoras, tais como: andamento rápido, timbre brilhante, staccatos e alta intensidade de som.
Embora existam músicas contendo staccatos e que não transmitam alegria, podemos nos
lembrar de alguns termos metafóricos como ‘pular de alegria’. A improvisação, sendo um
reflexo do que trazemos internamente, pode ser uma forma de trabalhar os próprios
sentimentos, de expressar a própria individualidade, ou de compreender melhor os
sentimentos implícitos em uma obra musical. “Música é um tipo de realidade virtual, às vezes
mais vívida do que a realidade comum” (Swanwick, 2010, p.62).
A vivência proporcionada pelas atividades criativas não se limita apenas aos resultados
sonoros do ato em si, mas vai muito além, conforme citado no livro The Science of
Psychology of Music Performance:
!
Alguns artistas descrevem um estado de êxtase quando se entregam a um momento
criativo, um estado de fluência (flow state) que propicia ir além do texto literal, mas
também além dos próprios limites cognitivos (...) Envolvidos pelo momento,
musicistas esquecem-se dos problemas, perdem a autoconsciência crítica, perdem a
noção do tempo, e eventualmente sentem que esta atividade está valendo
principalmente para seu próprio bem (Csikszentmihalyi & Rich,1997 apud Parncutt
& McPherson, 2002, p.119, trad. nossa).
Gainza (1990) sugere não restringir a atividade improvisatória a poucas formas, para
evitar que seja feita de forma mecânica e esteriotipada, perdendo assim, seu verdadeiro
sentido, e complementa: “O aluno improvisará para expressar-se, relaxar-se, gratificar-se, ou
para aprender.”
Swanwick sintetiza este estudo sobre os benefícios da improvisação no estudo do piano
e de qualquer outro instrumento quando diz: “O propósito da música não é, simplesmente,
criar produtos para a sociedade. É uma experiência de vida válida em si mesma, que devemos
tornar compreensível e agradável” (Swanwick e Jarvis, 1990, apud Swanwick, 2010, p.72).
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Considerações finais
Consideramos que a prática da improvisação tem uma função muito importante para o
indivíduo e deveria estar presente no ensino do piano. A partir das reflexões aqui mostradas
podemos inferir que, ao improvisar, regiões cerebrais são ativadas ou desativadas e esta
prática tem efeitos tanto no aspecto cognitivo quanto no psicológico. Da mesma forma, que a
prática da improvisação no piano constrói um relacionamento saudável com o instrumento,
livre de medos e bloqueios, podendo ir além do aprendizado musical, trazendo um equilíbrio
potencializado, pode constituir-se numa ligação com o instrumento e a música que perdure
por toda a vida.
Uma abordagem integrada no ensino do piano, incluindo a improvisação e a criação,
sem abandonar outros aspectos igualmente importantes, um ensino que estimule ouvir, tocar,
criar, e analisar, permitem que o aluno explore, sinta, descubra e adquira conhecimento. Além
de colaborar para a compreensão e interpretação da música de outros, ajuda o aluno a tomar
posse da linguagem musical e a poder expressar livremente sua própria música. Um professor
sensível poderá ajudar o aluno a expandir seus conhecimentos, sua criatividade, seu
desenvolvimento musical e, paralelamente, a promover a autoconfiança e a autoestima,
fazendo com que a música faça parte da vida deste aluno de forma prazerosa. !
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Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014
116
Implicações da habituação, sensibilização e condicionamento clássico de
Pavlov revistos por Kandel no ensino da música
!
César Albino
UNESP
[email protected]
!
Resumo: O artigo aborda a habituação, a sensibilização e o condicionamento clássico
desenvolvidos por Pavlov na década de 1930, revistos por Eric Kandel na década de 1960, e sua
aplicação no ensino da música. Sabe-se que alguns professores utilizam esse conhecimento de
forma intuitiva.
Palavras-chave: habituação, sensibilização, condicionamento clássico
!
Title: Implications of habituation, sensitization and classical conditioning of Pavlov reviewed
by Kandel in music education
Abstract: The article discusses the habituation, the sensitization and the classical conditioning
developed by Pavlov in the 1930s, reviewed by Eric Kandel in the 1960s, and its application in
music education. It is known that some teachers use this knowledge intuitively.
Keywords: habituation, sensitization, classical !
O cérebro humano parece ter uma inteligência autônoma para a música, possuindo circuitos
nervosos específicos para a informação musical. Atividades musicais diferentes como ouvir
música, tocar um instrumento, improvisar ou compor, são atividades complexas que utilizam
diferentes áreas do cérebro. Assim, a música como a palavra, é uma das atividades humanas
que mais exige de nosso aparato cognitivo. Charles Darwin acreditava que o comportamento humano tenha se desenvolvido a partir
do repertório dos animais que foram nossos ancestrais. A partir dessa ideia, surge o ponto de
vista de que poder-se-ia aplicar experimentos em animais e extrair dai modelos do
comportamento humano. Jean Piaget (1896-1980), biólogo e um exímio observador, formulou
muito de suas teorias a partir da observação do comportamento dos animais. Pavlov, na década de 1930, descobriu o condicionamento clássico, uma forma de
aprendizagem em que o animal aprende a associar uma resposta comportamental às
consequências dessa resposta. Esse processo, juntamente com a habituação e a sensibilização
foram revistos na década de 1960 por Eric Kandel que defendia que esses processos de
aprendizagem poderiam ser estudados tanto em animais quanto nas células nervosas
individuais. Em busca de um método que pudesse comprovar e explicar varias hipóteses que foram
levantadas, algumas mais corretas que outras, mas carentes de uma explicação
cientifica, Kandel testou na Aplysia1 três padrões de estimulação baseados no trabalho de
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Pavlov com cães para desenvolver três análogos da aprendizagem: a habituação, a
sensibilização e o condicionamento clássico. (Kandel, 2009, pg. 188)
!
Habituação, a forma mais simples de aprendizagem
A habituação ocorre quando o animal percebe um barulho repentino, por exemplo. Ele
responde com uma serie de mudanças defensivas em seu sistema nervoso autônomo. Se o
barulho é repetido varias vezes, o animal aprende que o barulho pode ser ignorado com
segurança. No entanto, se o barulho for interrompido durante certo período de tempo, e então
apresentado novamente, o animal voltará a responder a ele. A habituação nos ensina a
reconhecer estímulos recorrentes que podem ser ignorados com segurança. Ela permite que o
comportamento adquira foco, permitindo a se concentrar em estímulos novos ou associados
ao prazer e ao perigo. É portanto importante na organização da percepção. (Kandel, 2009, p.
190)
Após a repetição de um estimulo benigno, tanto o animal como a célula, deixam de
responder a ele. Kandel descobriu, estudando separadamente células da Aplysia2 a mecânica
da habituação aplicando um estímulo fraco a um feixe de axônios que conduz a uma célula
(R2), e repetindo o mesmo estimulo por dez vezes, observou que o potencial sináptico
produzido pela célula em resposta ao estimulo diminuía progressivamente com sua repetição.
Na décima vez, a resposta mostrava apenas um vigésimo da força inicial. A esse processo ele
chamou de depressão homossináptica, porque a depressão ocorreu no mesmo caminho neural
onde incidiu o estímulo. Após um determinado período sem estímulos (em um outro dia), ele
repetia a aplicação e a célula voltava a apresentar uma resposta semelhante à sua força inicial.
A esse processo ele denominou de recuperação da depressão homossináptica. (Kandel, 2009,
191-2)
A habituação em música é no nosso entender a prática repetitiva de exercícios, estudos,
peças e outros itens da música a qual os músicos se submetem. Para muitos, praticar inúmeras
vezes o mesmo exercício, ou um trecho musical, é a única forma de proceder. De fato, isso
funciona. Porém, como pudemos observar nas observações de Kandel, há um
enfraquecimento gradual da força sináptica. De fato, é possível se tornar um músico
empregando apenas essa forma de aprendizagem, porém, cada vez mais é menor o número de
pessoas que se submetem exclusivamente a esse treinamento.
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Sensibilização
A sensibilização é uma forma de medo aprendido: ela ensina o animal a prestar atenção e a
responder mais vigorosamente a quase todos os estímulos, após um estimulo ameaçador. Um
cão, após levar um choque na pata, exibirá respostas exageradas a um som que lhe era antes
familiar. Após a apresentação de um estimulo nocivo, tanto o animal sensibilizado como a
célula, respondem um pouco mais intensamente a todos os estímulos, inclusive os benignos.
Em experimento focando a sensibilização, Kandel aplicou um estimulo fraco ao mesmo
caminho neural utilizado no experimento anterior (habituação). Para induzir um potencial
sináptico que serviria como referência em relação à responsividade da célula, aplicou os
mesmo estímulos uma ou duas vezes e, em seguida, aplicou uma série de cinco estímulos
mais fortes (desagradáveis) a um caminho neural diferente à mesma célula. Após os estímulos
fortes, a resposta sináptica da célula ao primeiro caminho mostrou-se bastante aumentada,
indicando que as conexões sinápticas naquele caminho haviam se fortalecido, por cerca de 30
minutos (facilitação heterossináptica). A resposta amplificada deu-se devido à força maior
aplicada ao caminho diferente e não de um pareamento de estímulos fracos e fortes,
mostrando semelhanças com a sensibilização comportamental, uma forma não associativa de
aprendizagem. (Kandel, 2009, p. 189-90)
Entendemos a sensibilização como um reflexo natural ao mundo que nos cerca. A
qualquer sinal de perigo, todos nossos sentidos entram estado de alerta. Segundo Dissanayake
(2008), a aventura da experiência sensorial nos humanos, além de ter nos conduzido até o
atual estágio evolutivo, permitiu o desenvolvimento da compreensão da arte por meio dos
sentidos, proporcionando o que conhecemos por experiência estética. !
O trabalho do artista consiste precisamente em combinar e articular
dados sensórios simples (luzes, cores, sons) numa configuração que
carregue um significado maior do que a mera soma de pequenas
experiências sensoriais. A experiência estética proporcionada por sua
obra, assim, pode ser considerada uma experiência sensível, ou seja,
maior e mais complexa que a simples experiência sensorial, pois
portadora de um sentido, de uma significação que se espraia para além
dos estímulos elementares provenientes dos materiais empregados.
(Duarte, 2001, p.147)
João-Francisco Duarte Júnior, na obra, “O sentido dos sentidos” (2001), tece uma
crítica à regressão dos sentidos no Século XX:
Em suma, o que se procura apontar aqui, com relação ao saber
sensível, é que sua desvalorização ao longo dos tempos modernos
sofreu um vigoroso incremento em nossa contemporaneidade, e do
modo mais paradoxal. Isto é: na medida em que a sociedade industrial
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!
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sistematizou e ampliou seu ramo de negócios conhecido como
“indústria cultural”, visando produzir e vender quinquilharias
pretensamente estéticas, e os próprios artistas se deixaram iludir pelas
promessas da razão instrumental e de sua filha direta, a tecnologia,
destituindo a própria arte de seu aspecto sensível [...] , a educação da
sensibilidade humana passou sistematicamente a perder espaço no
cotidiano das pessoas. (DUARTE JR. 2001, 152) Duarte defende uma educação dos sentidos:
Aqui se insistirá, pois, na necessidade atual e algo urgente de se dar
maior atenção a uma educação do sensível, a uma educação do
sentimento, que poder-se-ia muito bem denominar educação estética.
Contudo, não nesse sentido um tanto desvirtuado que a expressão
parece ter tomado no âmbito escolar, onde vem se resumindo ao
repasse de informações teóricas acerca da arte, de artistas consagrados
e de objetos estéticos. [...] Deve-se entender estética, aqui, em seu
sentido mais simples, vibrar em comum, sentir em uníssono,
experimentar coletivamente. Portanto, voltar à aisthesis – ou à estesia,
em português – talvez seja uma paráfrase de Merleau-Ponty, com sua
volta “as coisas mesmas”: um dedicar-se ao desenvolvimento e
refinamento de nossos sentidos, que nos colocam face a face com os
estímulos do mundo. A educação do sensível nada mais significa do
que dirigir nossa atenção de educadores para aquele saber primeiro
que veio sistematicamente preterido em favor do conhecimento
intelectivo. (DUARTE JR. 2001, 13-4) !
A sensibilização está claramente ligada à escuta, porém, incorporando todos os sentidos
e não apenas a audição, de uma forma complexa, ou seja, com todo o potencial que essa
forma de aprendizagem está preparado a proporcionar. A força sináptica não é fixa, ela pode ser alterada de diferentes maneiras por diferentes
padrões de atividade. A sensibilização e o condicionamento clássico fortalecem a conexão
sináptica enquanto que a habituação enfraquece a conexão. Assim, a força da comunicação
sináptica entre células nervosas pode ser modificada durante muitos minutos ao se aplicar
diferentes padrões de estimulação derivados de protocolos de treinamento específico para o
comportamento aprendido em animais e uma segunda e mais importante: a sinapse pode ser
fortalecida ou enfraquecida por padrões de estimulação diferentes. (Kandel, 2009, p. 190)
!
!
O Condicionamento clássico O condicionamento clássico ocorre depois que um estimulo nocivo é aplicado e repetidamente
pareado com um estimulo benigno especifico. Nesses casos, o animal ou a célula respondem
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ao estimulo benigno tão intensamente quanto se ele fosse nocivo. Essa forma de
condicionamento ensina um animal a associar um estímulo desagradável com outro estímulo
que não provoca nenhuma resposta. O estímulo neutro deve sempre preceder o estímulo
aversivo e, consequentemente, passará a prenunciá-lo. Pavlov aplicava um choque à pata de
um cachorro como estimulo aversivo, induzindo o animal a afastar a pata numa resposta de
medo. Após parear o choque com o barulho de um sino (o sino tocava antes do choque), o cão
afastava a pata sempre que o sino tocava. É preciso transcender ao experimento e entender que, diante da complexidade das
atividades humanas, o condicionamento clássico deva ser aplicado de acordo com as
capacidades humanas. Não estamos lidando nem com cães. nem com máquinas. Interessa aqui
o comportamento das células diante das situações. Alguns professores de música3 aplicam
essa forma de aprendizagem sem sequer ter ouvido falar de Pavlov e seus experimentos com
cães. Sabe-se que a repetição mecânica funciona (habituação). Se você tem de tocar uma
passagem difícil, irá praticar a mesma em um andamento lento e ir gradualmente repetindo e
acelerando o andamento. Se está realizando essa atividade pela primeira vez4 em sua vida, irá
precisar de mais dias nessa disciplina, indo avançando pouco a pouco, até que em um dia,
consiga tocar o trecho. É possível até que tenha decorado o trecho.
Sabemos que isso
funciona e por isso assim fazemos. Foi utilizado estritamente a habituação.
Como seria realizar a mesma tarefa por meio da sensibilização? Primeiramente,
gostaríamos de salientar que, nas repetições sistemáticas realizadas, foi proporcionada por
você mesmo(a) uma experiência sensorial simultânea: você ouvia o que era tocado e
provavelmente gostava do que ouvia. Provavelmente ainda, você deve ter iniciado a dura
tarefa imbuído de uma vontade de tocar (bem) a peça, porque ouviu a mesma em alguma
situação especial em sua vida (experiência estética). Isso fez você suportar a dura rotina. Sem saber ainda, aplicou também o condicionamento clássico ao alterar o andamento do
trecho à cada vez que praticava! Essa pequena alteração no andamento, fez com que todas as
células envolvidas na atividade (caminho neural) estivessem “ligadas”, tornando todo o
processo mais eficiente, como demostrado nos experimentos de Kandel. Pudemos observar a eficiência desse “método” em aulas de saxofone. O aluno estava
habituado a tocar a escala cromática no instrumento. Poderia tocar aquilo sem grandes
dificuldades quantas vezes fossem necessárias. O professor então, resolveu tocar junto com o
aluno a mesma escala, porém, de forma diferente e inusitada, começando depois (cânone),
começando em outras notas, tocando tercinas enquanto o aluno tocava colcheias... (as
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possibilidades são infinitas). Nas primeiras vezes, o aluno se atrapalhava e não conseguia
tocar aquilo que já tocava sem problemas, mas bastaram algumas tentativas para superar o
problema. Ele fazia isso com os olhos arregalados, demonstrando estar a beira do pânico. Seus
sentidos (todos) estavam a todo vapor!
!
As sinapses
Lilian Albano nos apresenta a sinapse:
A comunicação dos bilhões de neurônios existentes no corpo
humano faz-se por meio de sinapses nervosas, que são o local (situado
nas extremidades dos neurônios vizinhos) por onde o estímulo
nervoso transmite-se de um neurônio para outro por meio de
mediadores químicos conhecidos como neurotransmissores
(glutamato, dopamina, serotonina, etc.). Assim, a informação e a
transmite para outra célula nervosa por meio dos axônios. A
informação, após ser codificada, trafega de um neurônio para outro
sob a forma de corrente elétrica. O impulso elétrico ao final de um
neurônio transforma-se em químico pela descontinuidade física entre
o axônio de um neurônio e o dendrito de outro, voltando a se
transformar em elétrico ao tingir o neurônio vizinho. Essa rede de
transmissão de informações inclui, portanto, os neurônios, as sinapses
nervosas, os neurotransmissores e os receptores, conferindo a este
processo a complexidade peculiar do funcionamento cerebral.
(Albano, 2013, p. 16)
!
Na aprendizagem, os neurônios envolvidos sofrem modificações
significativas e
duradouras após um período relativo de treinamento. A memória de curto prazo evolui de
forma gradativa e natural para a memória de longo prazo e faz isso por meio da repetição:
novamente, a prática leva à perfeição. Um padrão de estimulação concebido para mimetizar os padrões usados na indução da
aprendizagem em estudos comportamentais pode modificar a eficácia da comunicação de um
neurônio com outros. A força sináptica não é fixa, ela pode ser alterada de diferentes maneiras
por diferentes padrões de atividade [por isso se torna interessante modificar as estratégias e
situações, ao invés de manter sempre a mesma atividade da mesma forma]. A sensibilização e
o condicionamento clássico aversivo fortalecem a conexão sináptica enquanto que a
habituação enfraquece a conexão. Assim, a força da comunicação sináptica entre células
nervosas pode ser modificada durante muitos minutos ao se aplicar diferentes padrões de
estimulação derivados de protocolos de treinamento específico para o comportamento
aprendido em animais e uma segunda e mais importante: a sinapse pode ser fortalecida ou
enfraquecida por padrões de estimulação diferentes. O que mais impressionou a Kandel foi a
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prontidão com que a força das sinapses podia ser modificada pelos diferentes padrões de
estímulos, sugerindo que a plasticidade sináptica é inerente à própria natureza da sinapse
química, à sua arquitetura molecular. Ou seja, o fluxo de informação nos vários circuitos
neurais do cérebro podia ser modificado pela aprendizagem. Dai surge a frase ”não há habito
que não possa ser modificado pela aprendizagem” (Kandel, 2009, p. 193)
As bases da biologia molecular dos processos elementares foi o produto de um esforço
coletivo que combinou a análise comportamental com a neurociência celular e depois a
biologia molecular em um processo que durou mais de 50 anos. As descobertas de Kandel
aqui apresentadas (habituação e sensibilização), são provenientes de década de 1965. As
outras descobertas relacionadas à genética e a perduração da memória de longo prazo, e todo
o processo não teriam espaço para discussão neste artigo. Acreditamos no entanto, que as
informações aqui lançadas, apesar da vigência, possam trazer uma luz aos professores de
música, e que eles possam, a partir delas, incentivar seus alunos a uma prática mais eficiente e
divertida da música. !
Referências
Albano, L. (2013) Aspectos neurológicos do processo de memorização. In Memória,
performance e aprendizado musical: um processo interligado, Lima, Sonia Albano (org.).
Jundiai: Paço Editorial.
Dissanayake, E. (2008). Homo musicus: how music began. Washington.
Duarte, J. F. (2001) O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível. Curitiba: Criar Edicões.
Kandel, E. (2009). Em busca da memória: o nascimento de uma nova ciência da mente. São
Paulo: Companhia das Letras.
Lima, L. O. (1980). Piaget para principiantes. São Paulo: Summus.
Meulders, M. (2010). Música e cérebro In Viagem extraordinária ao centro do
cérebro,Vincent, J. D. (org.). Rio de Janeiro: Rocco.
Rousseau, J. J. (1781/1973). Ensaio sobre a origem das línguas. São Paulo: Abril Cultural. 1
Aplysia: uma lesma-marinha gigante, que é controlado por um pequeno número de células nervosas de grandes
dimensões, possibilitando seu estudo em laboratório com o animal vivo e em ação, por isso muito empregada em
estudos neurológicos.
2
Uma lesma-marinha gigante, que possibilitou estudos invasivos em suas células.
3
Eu me incluiria nessa lista.
4
Relembrar uma atividade é bem mais fácil que aprendê-la, sem ter tido contato anterior.
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Cognição Musical e
Processos Criativos
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Estudo exploratório acerca da imaginação musical:
contribuições da Teoria Histórico-cultural !
Célio Roberto Eyng
UNIOESTE – FBE
[email protected]
!
Magda Floriana Damiani
PPGE/FaE/UFPel
[email protected]
!
Resumo: A imaginação, enquanto objeto de estudo, vem sendo analisada a partir de diferentes
posicionamentos teóricos. Tendo como referência a Teoria Histórico-cultural, o presente texto
analisa o modo de atuação da imaginação musical – compreendida como a capacidade de
combinar impressões sensoriais armazenadas anteriormente na memória, com a intenção de criar
frases musicais inéditas. Tais impressões sensoriais são consideradas como resultantes de um
processo de mediação por instrumentos materiais e semióticos. Com o intuito de iniciar um estudo
exploratório sobre a imaginação musical desse ponto de vista teórico, realizaram-se protocolos
verbais de sessões de gravação de solos instrumentais do músico/pesquisador, durante um período
de nove dias consecutivos, buscando-se identificar os tipos de imagens mentais musicais por ele
desenvolvidas. A análise preliminar desses protocolos sugere que as suas imagens mentais
musicais combinavam diferentes aspectos (visual, auditivo e motor) de sua ação externa
interiorizada no decorrer do seu aprendizado e de sua prática musical. Por sua vez, considera-se
que a imaginação musical não pode ser estudada de maneira isolada, sem estabelecer relações com
outras funções psicológicas como o raciocínio, a percepção e a memória, dentre outras. A
continuidade desta pesquisa envolverá coleta de dados relativos a outros músicos, especialmente
guitarristas, no sentido de investigar a interdependência entre a formação de conceitos, a imagética
e o desenvolvimento da imaginação musical. Palavras-chave: imaginação musical, mediação, processos criativos, Teoria Histórico-Cultural,
formação de conceitos.
!
Title: Exploratory study of musical imagination: contributions of Historic-Cultural Theory
Abstract: Imagination , as an object of study has been analyzed from different theoretical
viewpoints. Based on Historical-cultural theory, this paper analyzes the mode of action of musical
imagination - understood as the ability to combine sensory impressions previously stored in the
memory, with the intention of creating novel musical phrases . These sensory impressions are
considered as resulting from a process mediated by material and semiotic tools. In order to initiate
an exploratory study of musical imagination from such theoretical point of view, verbal protocols
were written during composing sessions of instrumental solos by the musician/researcher, over a
period of nine consecutive days, seeking to identify the types of musical imagery developed by him.
Preliminary analysis of these protocols suggests that his musical imagery combined different
aspects of his internalized external action in the course of his training and his musical practice
(visual, auditory, and motor). The process suggests that musical imagination cannot be studied in
isolation, without establishing relations with other psychological functions, such as reasoning,
perception, and memory, among others. The continuation of this research will involve collecting
data from other musicians, especially guitarists, to investigate the interdependence between the
formation of concepts, mental imagery and the development of musical imagination.
Keywords: musical imagination, mediation, creative processes, Historical-cultural Theory,
conceptual learning.
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A imaginação e a imagética musicais
Vygotski (1993), principal expoente da Teoria Histórico-cultural (THC), argumentava que,
nos primórdios da psicologia científica, o estudo da imaginação se constituía um enigma
insolúvel. No intuito de explicar o funcionamento da imaginação, a escola associacionista
(atomista) reduzia-a à memória, considerando que a existência de algumas imagens provoca a
formação de outras, a elas associadas. Por sua vez, a psicologia idealista considerava que
funções como a memória e a percepção eram casos particulares da imaginação. Ao contestar
ambas as posições, Vygotski (1993) argumentava que o fundamento básico desse processo
psicológico é que “a imaginação não repete em formas e combinações iguais impressões
isoladas, mas constrói novas séries, a partir das impressões anteriormente acumuladas” (p.
423). Vygotski (1993) seguiu a tradição psicológica de sua época ao distinguir a imaginação
reprodutora, que pode ser interpretada como a própria memória, porque consiste na “atividade
da psique com a qual reproduzimos na consciência uma série de imagens que percebemos por
meio de nossos sentidos” (p. 423), da imaginação combinatória ou criadora, baseada na
capacidade de combinação dessas imagens anteriormente internalizadas e armazenadas na
memória, resultando em “uma nova imagem, inexistente anteriormente” (Vygotski, 1993, p.
423). Esses dois conceitos parecem ser aplicáveis ao campo musical quando se analisa o uso
das expressões “imagética musical” (mental imagery)
e “imaginação musical”, que
costumam aparecer nos trabalhos que discutem o assunto (Clark, Williamon & Aksertijevic,
2012; Hargreaves, MacDonald e Miell, 2012; Sachs, 2007). Considera-se que o primeiro
conceito se equaciona com o de imaginação reprodutora e o segundo com o de imaginação
criadora. Assim, a imaginação musical poderia ser entendida, em termos da THC, como a
capacidade de combinar impressões sensoriais sonoras, armazenadas anteriormente na
memória, com a intenção de criar frases musicais inéditas; e a imagética musical, como
produto da imaginação reprodutora – ou seja, da memória – por meio da “recriação de sons já
existentes” (Hargreaves, MacDonald e Miell, 2012, p. 4). De acordo com Clark, Williamon & Aksertijevic (2012, p. 351) “a imagética musical,
do jeito que é utilizada pelos músicos, envolve não somente sons, mas também o movimento
físico requerido para criar sons, a imagem da partitura ou do instrumento, e as emoções que o
músico gostaria de expressar na performance”. Também Lehmann (1997) – em estudo sobre
as estratégias utilizadas por músicos para o aperfeiçoamento da prática e performance
musicais – identificou três formas diferentes de representações mentais para memorizar e
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compreender uma estrutura musical: a visualização (visualization), que envolve a imagem
mental da partitura ou do movimento necessário à execução instrumental; a audição
(audition), por meio da qual o músico é capaz de ouvir internamente os sons sem produção
sonora concomitante; e o “ouvido fotográfico” (photographic ear), ou seja, a capacidade de
evocar mentalmente trechos da música com o intuito de visualizar e ouvir, internamente, notas
individuais memorizadas. De acordo com o autor, tais representações mentais podem ocorrer
tanto isoladamente quanto em combinação. Cabe perguntar quais seriam os fatores que
influenciam na produção dessas formas de representação mental: o tipo de instrução musical a
que o indivíduo foi submetido? As ações do músico durante o aprendizado? As
especificidades do instrumento musical praticado? Neste trabalho, com base na THC, parte-se da hipótese de que a imagética musical é
formada por meio de processos mediados, sendo essa imagética a base para combinações
inéditas, ou seja, para a imaginação musical. Um dos pressupostos básicos da THC é de que a
relação dos seres humanos com o mundo é sempre mediada por instrumentos físicos ou
psicológicos, que fazem parte de sua cultura; ela nunca é uma relação direta (Vygotski, 1995).
Os instrumentos físicos são as ferramentas de trabalho que, na área musical, são, por exemplo,
os instrumentos musicais e os computadores. Os instrumentos psicológicos, de acordo com
Vigotski (1999, p. 93), “são criações artificiais; estruturalmente, são dispositivos sociais e não
orgânicos ou individuais; destinam-se ao domínio dos processos próprios ou alheios [...]”. A
linguagem, a representação gráfica dos sons e todo tipo de signos convencionais são exemplos
de instrumentos psicológicos. Assim, supõe-se que o tipo de representação mental
predominante seria fruto do processo de mediação vivenciado pelo músico para formar sua
imagética musical. Pode ocorrer a combinação de mais de um tipo de imagem mental,
quando, por exemplo, o músico ouve e visualiza internamente o movimento necessário para a
execução da nota musical. Seguindo as idéias de Lehmann (1997), antes mencionadas, pode-se pensar que em um
músico familiarizado com a leitura musical tradicional, o processo de interiorização poderia
ser mediado pela representação mental dos signos da partitura. Por sua vez, naquele que não
lê música com frequência, a mediação poderia ser realizada pela visualização interna dos
gestos empregados na execução instrumental.
Parece ser possível supor que diferentes
combinações podem surgir de acordo com as mediações materiais e semióticas que
prevaleceram no decorrer do aprendizado e da prática do músico, como a audição interna dos
sons concomitante aos signos ou os gestos imaginados. Mas qual seria o papel da instrução
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musical na formação dessas representações e, consequentemente, na imaginação musical, no
ato de compor?
Com base na THC, supõe-se que, para o desenvolvimento da imaginação musical,
também são determinantes as experiências musicais anteriores do sujeito, que foram mediadas
por ferramentas ou instrumentos materiais (os próprios instrumentos musicais) e/ou
semióticos (as representações das notas, acordes, variações de dinâmica, dentre outras) e que
compõem a imagética musical desse sujeito. Tendo como base estas ideias e com o objetivo
de coletar dados iniciais para a realização de uma pesquisa mais ampla sobre a imaginação
musical, apresentam-se, a seguir, dados de um estudo empírico exploratório inicial que
pretendeu lançar luz sobre alguns aspectos do processo de imaginação musical, com base nas
percepções de um músico, durante seus processos compositivos.
!
Estudo exploratório
O estudo exploratório, conforme argumentação de Gil (2002, p. 41), tem como objetivo
“proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a
constituir hipóteses. Pode-se dizer que estas pesquisas têm como objetivo principal o
aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuições”. O estudo exploratório realizado
ocorreu no período compreendido entre 05/03/2013 e 13/03/2013 e consistiu na realização de
sessões de auto-observação com escrita de protocolos verbais1, durante a composição de solos
de guitarra, com a finalidade de produzir material para um CD de Rock. O sujeito da
investigação é do sexo masculino, tem 35 anos e possui formação musical teórica –
Licenciatura em Educação Artística – Música, concluída em 2002. Atualmente, o músico atua
como vocalista, guitarrista e pianista em uma banda de rock.
O trabalho compositivo dos solos instrumentais foi realizado de forma individual, a
partir de bases harmônicas compostas previamente. As sessões de gravação tiveram duração
média de duas horas e aconteceram diariamente. No decorrer do processo criativo, foram
gravados desde as improvisações iniciais até o resultado final. Após as gravações e a audição
de cada um dos trechos gravados, registros manuscritos, em que eram descritos os processos
mentais – como juízos, raciocínios e imagens mentais musicais – que o sujeito percebeu terem
ocorrido antes, durante e depois da composição dos solos – iam sendo produzidos, para
acompanhar esse processo compositivo. Os dados desses protocolos verbais foram
submetidos a um processo de análise de conteúdo (Bardin, 1977) que buscou estabelecer
núcleos de sentido que permitissem entender tal processo, desde o ponto de vista de seu autor.
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Análise dos protocolos verbais
O tipo de imagem mental musical auto-observado pelo músico, tanto na imagética quanto na
imaginação – e que foi constante durante o trabalho criativo – envolveu a audição interna dos
sons concomitante aos gestos imaginados de pressionar as cordas da guitarra nas diferentes
regiões do braço do instrumento musical, o que pode ser classificado, segundo Lehmann
(1997), como uma combinação da visualização com audição interna. Supõe-se que tais
imagens mentais musicais ocorreram dessa forma devido às aprendizagens e ações do músico
no uso do instrumento musical (ele toca violão e guitarra desde a infância), que intercalavam
momentos com visualização dos dedos no braço da guitarra, principalmente da mão direita (o
músico é canhoto), com momentos em que fechava os olhos ou evitava visualizar o
movimento das mãos. Por sua vez, a visualização mental dos gestos concomitante à audição
mental dos sons ocorreu de maneira abreviada durante o processo criativo, isto é, foram
representadas na mente apenas as pontas dos dedos sobre as cordas do instrumento. Conforme
explanação de Vigotski (2009), a imaginação (e a imagética) opera por meio da dissociação,
processo que consiste em fragmentar o todo complexo em partes, sendo que “algumas delas
destacam-se das demais; umas conservam-se e outras são esquecidas” (p. 36). Durante a redação dos protocolos verbais buscou-se especificar tanto o ato de imaginar
quanto o ato de raciocinar, para que se pudesse diferenciar a imaginação (produção de
imagens mentais musicais) do raciocínio (elaboração de juízos e raciocínios verbais). Dessa
forma, teve-se a intenção de analisar ações mentais envolvidas no processo de criação de um
solo instrumental relacionando-as com as ações materiais de gravar motivos e frases musicais.
Abaixo, transcrevem-se os protocolos verbais da composição de dois chorus: Antes de começar as gravações da próxima música começo a imaginar o fraseado do
solo e a escala que será utilizada sem o auxílio do instrumento. Segue a
experimentação com o próprio instrumento para que surjam novas possibilidades de
criação melódica (protocolo verbal, 06.03.13).
!
O ato de imaginar soluções para a tarefa de criar um solo instrumental começou sem o
auxílio do instrumento musical. Pelo fato de que o músico internalizou, no decorrer do seu
aprendizado musical, o gesto utilizado na execução das notas com a audição mental
concomitante, torna-o capaz de experimentar frases musicais mentalmente, desprovido do
contato direto com a guitarra elétrica. No entanto, conforme descrito acima, o músico
necessita da prática instrumental para fomentar novas soluções melódicas por meio da
improvisação e testar a adequação daquilo que imaginou. Além das mediações instrumentais
físicas, a imaginação musical sofre a influência de mediações semióticas, como signos e
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129
conceitos musicais correlacionados (nota, escala, compasso, arpejo, tríade, dentre outros), que
contribuem na busca de soluções para a tarefa proposta. Na continuidade da descrição se
observa a influência das mediações semióticas:
Pela manhã imaginei algumas frases contrastantes para a música. Agora, à tarde,
começo a gravar e desenvolver o trabalho de criação do solo. A primeira frase é
salpicada e na sequência subo numa escala ascendente o mais legato possível para
cair numa tríade em Lá maior e na volta para Mi reaproveito o material da primeira
frase. Na cadência Si – Lá – Mi – Si7 utilizo o motivo rítmico da primeira frase com
o final da sessão bastante legato. Não me agrada. A volta para Mi (compassos 7 e 8)
soa muito repetitiva e monótona. Começo a imaginar outra solução. Surge a imagem
de uma quebra rítmica (penso que pode ser o motivo rítmico que será utilizado para
organizar a próxima sessão). Não me agrada a última nota da sessão. Prefiro utilizar
as mesmas notas, mas com uma díade. Aperfeiçoo a técnica na frase 1. Mantenho a
ideia original e altero o motivo na cadência Si – Lá. Prefiro menos notas com
acentuação rítmica para manter coerência entre as frases. Agora imagino como pode
começar a segunda sessão do solo. A subida para a próxima região do braço parece
mais coerente; também parece interessante soar numa tonalidade menor. Proponho
uma frase rítmica com díades. A primeira tentativa parece muito aglomerada de
notas. Considero que o solo da segunda sessão deve começar com uma frase rítmica
muito intensa. A primeira tentativa de continuidade me agrada na subida para Lá,
mas os compassos 7 e 8 não me satisfazem. Vem-me a imagem de um arpejo em Mi
maior na região extrema do agudo. Experimento várias vezes as soluções
encontradas por meio do improviso (protocolo verbal, 07.03.2013).
Os procedimentos adotados pelo músico durante o processo criativo de linhas melódicas
estão relacionados à tradição musical de compor valendo-se do encadeamento de motivos
com o objetivo de formar frases. Ele busca contrastar as frases musicais com o intuito de
evitar a monotonia. Assim, se na primeira sessão o músico enfatiza a elaboração melódica, na
segunda sessão a ênfase recai nos aspectos rítmicos. Tal lógica compositiva remete à instrução
acadêmica, às lições de análise e composição musical vivenciadas pelo músico, no bojo da
tradição musical erudita, o que pressupõe a apropriação de conceitos musicais sistematizados. A função propedêutica da imaginação – que permite antecipar soluções mentalmente e
combinar novas frases – é intercalada com juízos e raciocínios que ocorrem após a audição
das frases gravadas. De forma anacrônica, imaginação e raciocínio se intercalam enquanto
ações mentais importantes para o trabalho criador. Contudo, o músico-pesquisador constatou,
por meio da auto-observação, que as imagens mentais musicais que ocorriam durante a
composição dos solos instrumentais não representavam tão somente o gesto empregado na
execução do instrumento musical, mas o conceito correlacionado. Nesse sentido, num plano
sincrônico, a imaginação não estaria desprovida da influência do raciocínio lógico-verbal, pois
quando o músico imagina um arpejo ou uma escala, a representação mental do som e do gesto
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empregado na sua execução está imbuída de relações intervalares relativas à tonalidade e às
progressões harmônicas. Assim, considera-se que a imaginação musical não pode ser estudada de maneira
isolada, sem estabelecer relações com outras funções psicológicas como o raciocínio, a
percepção e a memória, dentre outras. Vygotsky (1993, p. 436) considera a imaginação como
uma das formas mais complexas de atividade psíquica, justamente por envolver “a união real
de várias funções em suas peculiares relações”. Para o autor, todas as funções psicológicas
superiores – ou seja, aquelas que caracterizam os seres humanos, diferenciando sua mente
daquela de outros animais – estão organizadas em um sistema, exercendo influências, umas
sobre as outras. Dessa forma, pensa-se que a imaginação deve ser estudada levando em conta
esse aspecto, pois “são características desse sistema as conexões e relações interfuncionais
que predominam dentro dele” (Vygotski, 1993, p. 436). No momento, com base no estudo exploratório aqui inicialmente discutido propõe-se,
como hipótese de pesquisa, a interdependência entre a formação de conceitos e o
desenvolvimento da imaginação musical, esta tendo como ponto de partida a imagética
armazenada na mente do compositor. Tal suposição baseia-se também na posição teórica de
Vygotski (1996, p. 207): (...) a imaginação e a criatividade relacionadas com a livre elaboração dos elementos
da experiência, sua livre combinação, exige como premissa indispensável a
liberdade interna do pensamento, da ação, do conhecimento que tem alcançado tão
somente os que dominam a formação de conceitos. !
!
Considerações finais Tendo como referência a Teoria Histórico-cultural, o presente texto analisou a imaginação
musical, compreendendo-a como a capacidade de combinar impressões sensoriais
armazenadas anteriormente na memória, com a intenção de criar frases musicais inéditas. Tais
impressões sensoriais, por seu turno, são internalizadas pela mediação de instrumentos
materiais e semióticos. A partir da análise inicial do estudo exploratório realizado conclui-se
que as imagens mentais musicais combinam diferentes aspectos (visual, auditivo e motor) da
ação externa do músico interiorizada no decorrer do seu aprendizado e prática musical, o que
fornece um substrato sensorial tanto para a imagética quanto para a imaginação. Supõe-se que
a formação de conceitos pode ter implicações no desenvolvimento da imaginação musical.
Todavia, pelo fato de que os dados foram obtidos pelo próprio pesquisador, durante sua
prática compositiva, torna-se necessário identificar e analisar tipos de imagens mentais
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musicais produzidos por outros músicos, em tarefa semelhante, no caso a composição de
solos instrumentais na guitarra elétrica para bases harmônicas de Rock, para que os achados
desta pesquisa possam tornar-se mais robustos.
!
Referências
Clark, T., Williamon, A., & Aksertijevic, A. (2012). Musical imagery and imagination: The function, measurement, and application of imagery skills for
performance. In Hargreaves, D., Miell, D., & Macdonald, R. (2012). Musical
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New York: Oxford University Press. Bardin, L. (1977). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70. Gil, A. C. (2002). Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Editora Atlas. Hargreaves, D., Miell, D., & Macdonald, R. (2012). Musical imaginations: multidisciplinary perspectives on creativity, performance, and perception. New York:
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Sachs, O. (2007). Alucinações musicais: relatos sobre a música e o cérebro. São Paulo: Companhia das Letras.
Vigotski, L. S. (1999). Teoria e método em psicologia. São Paulo: Martins Fontes.
Vigotski, L. S. (2009). Imaginação e criação na infância. São Paulo: Ática.
Vygotski, L. S. (1993). Obras escogidas. Tomo II. Madrid: Visor. Vygotski, L. S. (1995). Obras escogidas. Tomo III. Madrid: Visor.
Vygotski, L. S. (1996). Obras escogidas. Tomo IV. Madrid: Visor.
1
O sujeito da pesquisa é o primeiro autor deste trabalho.
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Caminhando na Lua: recursos didáticos aplicados à iniciação ao piano
!
Marçal Fernando Castellão
Universidade Vale do Rio Verde
[email protected]
!
Daniela Vilela de Morais
Universidade Vale do Rio Verde
[email protected] !
Resumo: Este relato de experiência procurou explorar a iniciação musical ao piano, refletindo
sobre a importância da realização de atividades que antecedem a prática da leitura musical. Foram
expostas duas situações de aprendizagem de uma mesma obra, dando enfoque aos processos
pedagógicos que preparam e conduzem o aluno à leitura consciente do pentagrama. Observamos
uma otimização no processo de aprendizado e maior engajamento do aluno em relação aos
aspectos expressivos da performance.
Palavras chave: iniciação ao piano, leitura de partitura, práticas criativas.
!
Title: Walk on the moon: teaching resources applied to the piano for initiation
Abstract: This experience report aims to explore the musical introduction to the piano enhanced
the importance of conducting activities that precede the practice of musical reading. Two
approaches situations of the same work were exposed, focusing on pedagogical processes that
prepare the student and lead him to conscious reading of the pentagram. We observed an
optimization in the process of learning and greater student engagement for the expressive aspects
of the performance.
Keywords: introduction to the piano, reading scores, creative practices
!
O paradigma da leitura no ensino do piano na atualidade
!
A habilidade de leitura de partitura apresenta, atualmente, uma posição central no aprendizado
de música em geral e no aprendizado de instrumentos musicais, sobretudo o piano, cuja
tradição de ensino, proveniente da cultura europeia de conservatório, ainda prima por este tipo
de habilidade e pelo desenvolvimento da técnica instrumental (França & Azevedo, 2012;
Moreira, 2007; Teles, 2005; Fonseca & Santiago, 2005 e 1993; Botelho, 2005). A supervalorização da leitura de partitura pode ser evidenciada em todas as fases do
aprendizado musical, desde a iniciação através dos métodos disponíveis para o aprendizado
do instrumento até a observação dos exames de seleção dos Vestibulares de algumas
instituições do país1 que privilegiam questões que envolvem o conhecimento da leitura e
escrita musical no pentagrama.
Consideramos que a partitura, embora seja uma grande auxiliadora da memória e
possibilite uma primeira forma de análise musical segundo Swanwick (1994), seja apenas um
entre os vários conhecimentos pertinentes ao aprendizado do piano, e a sua utilização no
ensino depende de algumas habilidades e competências aprendidas previamente. Em função
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disso, educadores musicais, como Swanwick (1994, 2003) e Gordon (2000) incentivam os
professores a postergar o início do aprendizado da leitura na educação musical e/ou
instrumental e empregar uma fase de preparação para ela. Nesse sentido, muitos métodos de ensino do piano se propuseram a elaborar atividades
para cumprir tal objetivo2. Essas atividades foram chamadas de pré-leitura e envolvem o uso
de clusters em diversas regiões do teclado, conhecimento da sua geografia, nome e ordenação
de notas, aprendizado de músicas compostas de dois a cinco sons ensinadas por imitação ou
de ouvido e a leitura gráfica ou relativa com uso de bigrama, trigrama e o pentagrama,
posteriormente. É precisamente esta fase do aprendizado que este trabalho pretende abordar para
fornecer algumas sugestões de ensino e aprendizagem do instrumento a serem trabalhados
com o aluno antes do seu contato com a partitura, contribuindo, deste modo, para uma
vivência musical sólida e significativa. Entendemos, aqui, que uma vivência musical sólida e
significativa é aquela cujas atividades propostas colocam o aluno em contato direto com o
fenômeno musical e o permite experienciar a música em seus mais refinados aspectos
expressivos, tais como dinâmica, agógica, timbres, forma e caráter, contribuindo para uma
tomada de consciência e compreensão sobre os aspectos expressivos e estruturais durante a
execução. Segundo Zagonel (1992), a expressão está ligada diretamente ao gesto físico, e a
associação entre o gesto físico e o som gera o gesto musical, que é o fenômeno que permite o
executante moldar, na mente, estruturas musicais diversas de acordo com o seu entendimento.
Teles (2005, p. 7), considera que “a compreensão a respeito dos gestos pianísticos3 pode-se
tornar um elemento de fundamental importância na construção de uma execução pianística
consistente”, com o que concordamos. Um dos caminhos que possibilitam o aprendizado do repertório sugerido, sem o recurso
da leitura, é a imitação. Alguns autores como Teles (2005) e Zagonel (1992) defendem o uso
da imitação como ferramenta para a aprendizagem musical rica e significativa. Teles (2005, p.
21) declara que “muitos pedagogos e psicólogos tratam a imitação como sendo um processo
de aquisição de conhecimento” uma vez que “traz à tona as qualidades especificamente
humanas da mente e leva a criança a novos níveis de desenvolvimento” (Vygotsky, 1998, p.
129). O registro das peças, elaborados pelo professor e aluno, se mostra como um recurso
valioso para a percepção das estruturas contidas na música, que serão evidenciadas no papel.
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Botelho (2002, p. 40) recomenda que deve-se “permitir que o aluno descreva a música com os
seus próprios recursos – uma notação que seja lógica com sua percepção e vivência, como
demonstraram os estudos relatados”. Autores como Swanwick (1994) e Gainza (2009) recomendam o uso da improvisação
na prática do ensino de música. Gainza (2009, p.11) entende que improvisação é uma
atividade que consiste na execução musical instantânea produzida por um indivíduo ou grupo.
Acreditamos que através da improvisação temos uma possibilidade de aprofundar o
aprendizado da obra e permitir uma maior compreensão sobre a música em si e sua execução.
Gainza (2009, p. 14) ainda corrobora esta assertiva ao considerar que “o jogo com as
estruturas sonoras e musicais (melodias, ritmos, harmonias, formas, estilos, etc) conduz a
internalização das mesmas”. É dessa maneira que podemos inserir a criação/improvisação nas
aulas de piano, não como mero recurso ilustrativo, mas como ferramenta imprescindível e
fundamental na construção de conhecimento musical (França e Swanwick, 2002, p. 09) e de
repertório de possibilidades pianísticas e musicais. É o que pretendemos evidenciar a seguir.
Portanto, este artigo pretende compartilhar uma prática de ensino musical aplicada à
fase anterior ao aprendizado da leitura, fornecendo uma experiência didática que contemple
não somente a decodificação de símbolos, mas também possibilite contato direto com
aspectos interpretativos, tais como dinâmicas, texturas e timbres e a consciência desses
elementos pelo aluno. Acreditamos que uma experiência musical abrangente contribui para o
entendimento dos processos cognitivos envolvidos na habilidade de leitura e ajudam a
prevenir a “mecanicidade” da aprendizagem musical que o foco na leitura tende a gerar.
!
Metodologia
!
Pretendemos mostrar, neste relato, duas situações de aprendizagem de uma mesma peça
musical, composta por Castellão (2010), um dos autores deste trabalho, e que envolvem
quatro aspectos principais, a saber: 1) a performance baseada no ensino do gesto musical; 2) a
imitação como recurso de aprendizagem das músicas; 3) a utilização da criação/improvisação
como ferramenta para o refinamento interpretativo; 4) e o registro da obra pelo aluno ou
professor como produto de análise e compreensão do que foi executado. A peça apresentada aqui faz parte de um conjunto de peças compostas por Castellão
(2010, obra não publicada), com o objetivo de possibilitar ao aluno uma exploração do
instrumento e seus recursos expressivos, assim como possibilitar o uso amplo do teclado, dos
pedais, a exploração de dinâmicas, de timbres e variações na agógica. Outro objetivo das
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composições é estimular a consciência do aluno sobre a relação entre o movimento realizado
e o resultado sonoro obtido promovendo, assim, a formação de uma concepção sobre o gesto
musical. A peça escolhida para a realização das duas abordagens de ensino relatadas aqui foi
“Caminhando na Lua”, cuja partitura consta na Figura 1:
!
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Figura 1 – Partitura da peça “Caminhando na Lua” (Castellão, 2010).
Situação de aprendizagem 1
O primeiro relato diz respeito a T., uma aluna adulta, na época, em 2012, com 27 anos, que
iniciou seus estudos de piano há 3 anos com um dos autores deste trabalho. O foco do trabalho com a aluna foi a performance baseada no ensino do gesto musical, a
composição como recurso para o refinamento interpretativo e o registro da mesma como
produto de análise e compreensão do que foi executado (tanto da peça estímulo quanto da sua
composição). Depois de trabalhada a peça com T., o que levou uns dois ou três meses até a
performance atingir certa qualidade musical, foi proposto que a aluna compusesse e
escrevesse sua peça, a partir dos materiais sonoro-musicais e do movimento utilizado na peça
estímulo. Durante o aprendizado, foi realizada uma análise estrutural da música4 de modo que
a aluna identificou frases e associou o gesto expressivo às mesmas. !
Resultados e Discussão – Situação de Aprendizagem 1
!
Como produto, obteve-se uma peça que reflete o entendimento de T., do ponto de vista
musical, técnico e simbólico da peça estímulo, mas com a sua identidade. A partitura de “A
Espera”, escrita à mão por T., é reproduzida na Figura 2 a seguir:
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Figura 2 – Partitura de “A Espera”, criada por T. (2012).
Observamos que T. utilizou os mesmos baixos, e na mesma ordem da peça original, bem
como as mesmas notas do tecido melódico, apenas modificando sua ordenação. A aluna já
havia improvisado livremente a partir de “Caminhando na Lua”, de modo que, em duas ou
três tentativas, “A Espera” ficou pronta. Após a criação de “A Espera”, a aluna utilizou
movimentos mais relaxados e conscientes– embora “Caminhando na Lua” utilizasse o mesmo
movimento – e mostrou cuidado maior com a sonoridade e os finais de frase, ou seja, houve
atenção ao refinamento musical e à expressividade.
Pelo fato de a performance de “A Espera” não estar vinculada à leitura, notamos que T.
pôde se concentrar mais na música que criava, o que colocou os movimentos físicos e
expressivos a serviço dela. Isso mostrou, também, que a aluna já havia entendido o
movimento de “Caminhando na Lua”, mas que precisava estar no controle musical para que
esse movimento adquirisse naturalidade e, consequentemente, a expressão musical fosse
natural e nítida. Podemos concluir que as duas peças foram retroalimentadas uma pela outra, somando
contribuição e gerando compreensão musical5.
!
Situação de Aprendizagem 2
!
O segundo caso é de A., um aluno, à época, em 2012, com 08 anos de idade. O aluno
aprendeu “Caminhando na Lua” por imitação, improvisou e compôs sobre o motivo, fez
escolhas interpretativas/expressivas diversas e, assim como T., efetuou o registro da obra
como produto de compreensão do que foi executado. O diferencial em relação à T. foi que A.
realizou um registro gráfico de algo que não foi composto por ele, pois ainda não havia tido
contato com a leitura de partitura. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/
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O aprendizado da peça se deu pela observação da performance da professora
concomitante a uma observação minuciosa das frases que compõem a música, bem como sua
relação com a questão expressiva e gestual do ato de tocá-la. A escrita da partitura foi realizada por A. somente quando a performance atingiu
maturidade expressiva e gestual, o que coincidiu com a memorização da mesma. Assim, o
registro da partitura não foi o disparador do aprendizado da mesma, mas a consequência dele. !
Resultados e Discussão – Situação de Aprendizagem 2
!
Após a professora, sob análise de A., escrever a primeira frase, o aluno deu sequência à escrita
da segunda e da terceira frase. Perguntas, tais como ‘como fica a escrita do baixo em relação à
da melodia que está sobre ele’?, ‘posso escrever as notas umas sobre as outras ou tenho que
dar um espaço? Por que?’, ‘tenho que colocar as famílias, para indicar as alturas?’,
acompanharam o processo de escrita do aluno. A professora, por meio destas perguntas,
provocou associações entre o gesto da performance, o gesto manual das alturas realizado em
seguida e a transposição para a escrita gráfica. Todas as marcações de arco de frase e a
dinâmica da última nota foram identificadas e realizadas por A. A partitura escrita pelo aluno
consta na Figura 3:
!
!
Figura 3 – Partitura de “Caminhando na Lua”, escrita por A. (2012)
O que se pode perceber é que A. só conseguiu efetuar o registro da partitura após
compreender a estrutura da peça, sem o qual o auxílio da professora teria sobrepujado a tarefa
de escrita por A. Após a escrita, A. demonstrou maior autonomia na execução da peça,
minimizando as falhas de memória. Arriscamos dizer que, tendo compreendido o gesto físico,
o gesto expressivo, e associado isto à análise estrutural e expressiva da peça, a escrita, da
forma como se deu, contribuiu para reforçar esses dispositivos de aprendizagem, tornando a
performance mais segura, tanto do ponto de vista técnico quanto expressivo. Assim como T.,
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percebemos um refinamento do gesto expressivo na execução de “Caminhando na Lua”, após
a tarefa de escrita da partitura. O processo da escrita, portanto, foi o foco, exigindo de A uma nova forma de pensar e
significar a música, diferente de quando o aluno aprendeu apenas por imitação.
!
Considerações finais
!
O presente artigo pretendeu compartilhar duas situações de aprendizagem musical de uma
mesma peça, abordando a fase anterior ao contato com a leitura de partitura, conhecida como
pré-leitura. A revisão de literatura apontou a necessidade de se trabalhar atividades que
prescindem da habilidade de leitura musical, no entanto, pouquíssimos exemplos de prática
foram encontrados. Além disso, houve certa discrepância, na literatura, entre teoria e prática,
no que diz respeito à necessidade de realização de um trabalho anterior ao contato com a
leitura para fornecer uma “experiência musical” ao aluno e as atividades propostas que
consistiam, principalmente, em realizações de gráficos de grave, médio e agudo e a execução
de canções de dois a cinco sons.
Na tentativa de integrar atividades de criação, apreciação (escuta da própria
performance ou a do professor) e análise, procuramos demonstrar um ensino que privilegia
sobretudo o entendimento dos mecanismos técnicos e expressivos da execução e que nos
servem como preparação para o contato com a leitura a posteriori. Em função do exposto acima, percebemos alcances comuns em ambas as situações de
aprendizagem: o aprendizado da peça desvinculado da leitura no pentagrama, quando ainda
em maturação por meio da observação minuciosa como subsídio à imitação, da criação como
processo de compreensão da obra original, do uso da escrita musical consciente – seja ela
convencional ou não – agregaram maior significado ao aprendizado das peças e promoveram
uma compreensão musical mais consistente. Desta forma, acreditamos que o aprendizado da leitura convencional, que porventura
ocorra futuramente, tenha, por meio de abordagens como estas, uma preparação que envolva
não somente os atributos da leitura (noção de movimento sonoro e o automatismo de notas),
mas os atributos da análise (percepção de estruturas musicais e suas qualidades expressivas) e
compreensão musical (consciência das relações estruturais e expressivas da música). !
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Referências
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Botelho, A.G. (1976). Meu piano é divertido. São Paulo: Ricordi. Botelho, L. P. (2002). As implicações psicológicas e musicais da iniciação à leitura ao piano.
Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
Fonseca, M. B. P., Santiago, P. F. (1993). Piano-Brincando: atividade de apoio ao professor.
Belo Horizonte: Segrac. França, C. C. (1995). Composição, performance e audição na educação musical. Monografia.
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
França, C. C., Swanwick, K. (2002). Composição, apreciação e performance na educação
musical: teoria, pesquisa e prática. Em Pauta, 13, n. 21, 5-41. Porto Alegre. França, M. F., Azevedo, S. L. (2012). Por uma mudança de paradigma na iniciação musical ao
piano. Revista da Abem, 20, n. 27, 141-148. Londrina.
Gainza, V. (2009). La improvisación musical. Buenos Aires: Ricordi Americana.
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tradicionales para el aprestamiento y la ensenãnza del piano y los teclados em general.
Buenos Aires: Musimed.
Gordon, E. E. (2000). Teoria de aprendizagem musical: competências, conteúdos e padrões.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Kreader, B. et al. (1996a.). Piano lesson. 1-4 Milwaukee: Hal Leonard.
____________. (1996b.). Piano solos. 1-4. Milwaukee: Hal Leonard. ____________. (1996c.). Piano technique. 1. Milwaukee: Hal Leonard.
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Tourinho. São Paulo: Moderna.
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Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
Vygotsky, L. S. (1998). Pensamento e linguagem (2ª. ed). Tradução de Jeferson Luiz
Camargo. São Paulo: Martins Fontes.
Zagonel, B. (1992). O que é gesto musical. São Paulo: Brasiliense.
!
1 Percebemos
tal característica nas provas de vestibulares consultadas das seguintes instituições: FUVEST
(2013), UNICAMP (2013), UFSCAR (2013) e UNESP (2012).
2 Tivemos acesso aos métodos Divertimentos (2003), Piano Brincando (1993), Palitos Chinos (1986) e
Educação Musical Através do teclado (1985).
3A autora entende o gesto pianístico como a associação entre o gesto motor ou físico e o gesto musical,
definido por Zagonel.
4Entendemos, aqui, a compreensão musical como a comunhão entre o gesto físico e sonoridade/material
sonoro gerando e sendo revelada pela expressão musical consciente.
5 O termo análise presente neste artigo foi tomado em Swanwick (1994, p.59). O autor considera que
analisar é tomar uma seção da experiência intuitiva ampla direcionando o foco para esse ângulo. !
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Discussão sobre as dificuldades no processo composicional da obra
‘Sonatina para Piano e Fagote’
!
Willian Fernandes de Souza
UFRJ
[email protected]
!
Resumo: O presente artigo oferece uma discussão acerca das dificuldades mencionadas no
relatório feito concomitante à obra Sonatina para Piano e Fagote de minha autoria. A discussão
prioriza a análise do processo composicional através do olhar sobre o trecho composto e especula
sobre a solução encontrada. Com isso, pudemos observar que os momentos de dificuldade
coincidiram com pontos estruturais ou de contraste textural na peça. E que ainda, forneceram
ideias musicais extras que são usadas posteriormente na composição.
Palavras-chave: processo composicional, dificuldades, protocolo de composição, psicologia
cognitiva
!
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Title: Discussion of compositional process’s difficulties of the work ‘Sonatina para Piano e
Fagote’
Abstract: This paper presents a discussion about the difficulties mentioned in the report of my
composition Sonatina para Piano e Fagote. This provides information, denominated by the
cognitive psychology, as protocol. The discussion highlights the compositional process beyond the
scope of determined passages and speculates about the solution reached. We have observed that
the moments of difficulties coincide with structural points or with textural contrasts in piece. Thus,
those moments have provided extra musical ideas used later.
Keywords: compositional process, difficulties, compositional protocol, cognitive psychology
Através do relato verbal do compositor sobre sua própria obra é possível abrir discussões
sobre o entendimento da mente musical criativa. Tais relatos já são feitos há muito tempo
pelos compositores e podemos encontrá-los sob diversas formas: cartas para amigos, músicos
e afins; ou mesmo, o próprio compositor escrevendo sobre sua obra, como em ensaios ou
livros; e também não é recente o estudo que prioriza o entendimento da gênese de uma obra
em detrimento de uma análise do produto final. Sabemos que, “em meados do século XIX,
Gustav Nottebohm (1817/1882), talvez inspirado pelos avanços daquela disciplina de seu
país, demonstrou a importância da análise profunda dos cadernos de rascunhos onde
Beethoven registrou ideias, trechos e esquemas de suas obras”. (Toni, 2007, p.111.) Hoje, em
vários centros de pesquisa,
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(…) o estudo dos processos de criação dos compositores possuem uma área
denominada, em inglês, de Creative Process, linha de trabalho que possui
metodologia muito próxima à Critique Génétique francesa, designação restrita à
Literatura e com produção expressiva no Brasil sob a designação de Crítica
Genética. Embora a metodologia não seja nova, uma vez que comum à teoria
literária e à tradição da filologia alemã. (ibid., p.110-111.)
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Além destas linhas de pesquisa, encontramos nas ciências cognitivas, particularmente na
psicologia, um nicho de estudo para os relatos verbais. John Sloboda (1986), com
pressupostos da psicologia cognitiva, abre a discussão. Citando Nisbet e Wilson (1977),
Sloboda mostra os problemas provenientes desse tipo de abordagem:
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Os relatos destas pessoas são caracterizados pela insistência em dizer que (a) os
estímulos influentes são completamente obscuros – o indivíduo não faz ideia de
quais foram os fatores que conduziram à solução; e (b), até mesmo o fato de um
processo estar ocorrendo é desconhecido do indivíduo antes do momento em que a
solução aparece na consciência. (Nisbet & Wilson apud Sloboda, 2008, p.159)
Entretanto, Sloboda diz que “apesar de tal pensamento desestruturado ser difícil de ser
lembrado, há evidências de que ele não é inconsciente”. (op. cit., p.160). E que “há muitos
aspectos do processo que estão abertos à inspeção e ao controle conscientes”. (ibid., p.159)
Portanto, partindo da teoria de resolução de problemas, um ramo da psicologia cognitiva,
Sloboda vislumbra no protocolo feito em tempo real pelos compositores, fonte para análise.
Pois, “se pessoas são requisitadas a verbalizarem seus processos no momento, elas poderão
fazê-lo; mas a memória para estes eventos esvai-se muito rapidamente”.1 (ibid., 1986, p.122)
Assim, “obteremos o quadro mais detalhado, analisando as verbalizações feitas
concomitantemente ao ato”. (ibid., 2008, p.180)
Dessa forma, tomaremos como objeto de estudo uma composição de minha autoria,
denominada Sonatina para Piano e Fagote2, e o relatório feito em tempo real
concomitantemente à ela. Apresentaremos assim, apontamentos e comentários sobre as
dificuldades mencionadas no relatório para verificar quais foram suas soluções e especular por
que estas teriam ocorrido. Para tanto, foi necessário cotejá-las com uma breve análise do
trecho em questão. Assim, encontramos cinco momentos onde há menção a algum travamento
ou dificuldade no processo da composição. Porém, por uma questão de espaço selecionamos
três delas3. A dificuldade foi vista como uma situação onde havia uma pronta saída, e o
travamento como uma situação de dificuldade excessiva, onde a priori não se vislumbrava
continuação4.
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1. Primeiro momento
O primeiro momento destacado revela um impedimento em continuar compondo, isto é,
um travamento. Esse período de estagnação, que vai do dia 30 de maio a 14 de junho5, é
explicitado no relato6 da seguinte maneira:
Elevar a tessitura do piano com nota pedal e inserir o movimento cromático no
fagote (no mesmo registro do piano para mascarar) e executar a subida cromática no
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piano até alcançar a escala cromática em 3 vozes (fg., piano m.d., piano m.e.).
Contudo, a criatividade travou nesse momento (comp. 53).
E no dia 5 de Junho, o impedimento ainda persistia: “Tentei continuar, mas não
consegui”. Vale a pena nos atermos ao trecho musical para entender um pouco mais o porquê
do travamento. Como dito no diário, há uma subida cromática de compasso em compasso,
realizada pelo piano a partir do c.45, e o fagote realiza movimentos cromáticos em
semicolcheias a partir do c.48. No c.50, há uma estabilização entre as vozes dos movimentos
cromáticos que ora são paralelos ora contrários em permanência por quatro compassos. Essa
permanência textural causa aí certa saturação repetitiva, solicitando mudança.
No dia 7, começa-se a vislumbrar possíveis caminhos para a continuação do trecho:
“Pensei numa possível junção entre fragmentação do discurso e nota-longa e numa possível
gradação dessas notas longas até o movimento mais lento. (…) Além disso, em paralelo,
realizar uma contração intervalar até chegar em segundas menores para terminar a seção”. E
no dia 13 surge outra ideia: “Também visualizei uma opção mais curta: continuar na mesmo
figuração e adensar intervalarmente e fazer uma pausa brusca para iniciar nova seção
(segundas menores) lenta”. Em suma, objetiva-se duas opções para a continuação: a união dos
procedimentos de diluição rítmica e contração intervalar; ou o procedimento de contração
continuando na mesma figuração e estabelecendo uma parada brusca. A primeira opção foi
escolhida7, como o trecho apresentado na fig. 1 demonstra.
A resolução se deu empiricamente ao piano, como demonstra o diário: “Estruturei, mas
não funcionou. Ao contrário, fui fazendo ao piano. Aparentemente deu certo”. O resultado
(fig.1) foi a diluição rítmica através da inserção gradual de notas longas juntamente com a
contração em segundas menores. Se nos detivermos à esta questão intervalar, notaremos que
acontece com mais evidência a partir do c.54, quando a mão direita do piano desce uma
oitava. Em seguida, no c.55, a relação intervalar vertical apresenta um predomínio de 3ªM,
3ªm e 2ªM8. No próximo compasso, um predomínio de 2ªM e 2ªm. E nas últimas quatro notas
do c.58, temos apenas 2ª menores. A reiteração da contração e a finalização do trecho
acontecem no c.63, onde há quatro alturas: Fá, Fá#, Sol, Sol#.
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Fig. 1- Trecho do travamento já realizado.
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2. Quarto momento
O quarto momento revelou uma dificuldade que levou três dias para ser resolvida. No dia 16
de agosto, está escrito no diário:
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Acredito que vou continuar com essa ideia um pouco mais minimalista, mais
singela, com o fagote fazendo uma espécie de recitativo. (…) Escrevi do c. 130 até
146. (…) Penso em desmantelar um pouco o ritmo (como no começo, mas não sei
como). (…) Agora penso uma espécie de transição sem ainda uma definição do que
virá.
Se nos detivermos ao trecho musical (fig.2), observaremos uma mudança textural.
Também notaremos, do c.130 a 145, a utilização do mesmo grupo de notas da introdução
antecedendo tal mudança. Além disso, há uma estabilização em relação ao registro tanto do
fagote quanto do piano. Ao final do interlúdio, cs. 146 a 148, vemos a presença dos
instrumentos em solo. O fagote repete a frase do piano terminando com nota longa (Dó#) que
será um pivô, porém oitava abaixo, para mudança de seção.
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Fig.2- Compassos 146 a 151 – Mudança textural.
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Em seguida, percebe-se que o movimento angular no piano e a nota longa no fagote são
elementos do interlúdio que se mantém na nova seção. Contudo, existe uma mudança da
tessitura aguda para a média tanto do piano quanto do fagote e o ritmo se torna fragmentado
como no início da peça. Dessa forma, o piano contrasta, através da articulação e do ritmo
fragmentado, com a subseção anterior.
Talvez a dificuldade enfrentada fosse a busca9 por onde continuar na composição, além
de certa saturação repetitiva. Como descrito anteriormente, há uma configuração textural
bastante homogênea nos cs. 130 a 145 que leva ao esgotamento do material harmônico
proveniente da introdução. A solução encontrada foi:
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Alargarei algum motivo para ter uma base para construir os motivos fragmentados. (…)
Tentarei fazer um contraponto implícito na voz mais grave do zigue-zague. Pegarei, do
tema, os dois acordes que giram em torno de Mi@ (comp. 21) para aumentá-los e
continuar.
Extraindo material do tema e modificando-o, foi possível se deter ao manejo da
harmonia. A resolução acontece no dia 18 de agosto: “A escolha dos acordes se deu por
tentativa e simpatia (sempre tocadas ao piano)”.
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3. Quinto momento
Já no quinto momento, acontecido no dia 22 de agosto, houve uma dificuldade em relação à
busca por algo novo que aconteceu na fase final da composição, assim descrito no diário:
“Coloquei na mão direita a melodia [fig.4] a qual eu havia trabalhado nos compassos 149-164
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[fig.3]. (…) Acho que a busca por algo novo me atrapalha nesse momento, vou continuar
escrevendo sem essa preocupação”.
Fig.3- Melodia na mão esquerda do piano nos cs.158 a 164 (a mesma melodia dos c.149 a 164).
!
Fig.4- Mudança rítmica.
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Se nos detivermos ao trecho composto (fig.4), veremos uma mudança textural não
mencionada no relato. O acompanhamento do piano (fig.3) em mínimas passa para a mão
direita num ritmo novo, um ritmo em semicolcheias com colcheias sincopadas. Ainda assim,
talvez não satisfeito com essa mudança rítmica, há uma busca10 por ‘algo novo’. A partir de
então, não há menção no diário de novas inserções de elementos. Contudo, se observarmos a
partitura, acontece a aparição de outro ritmo, mais a frente no c.171, também sincopado,
geralmente associado a uma brasilidade. Este novo ritmo vem preencher um espaço para que
se possa realizar o movimento de contração de registros. Novamente aqui, vemos que a busca
pelo o que apresentar só foi possível pelo fato do esgotamento do material utilizado até então.
4. Considerações das dificuldades.
Para o primeiro momento de dificuldade, surgiram duas opções: a diluição rítmica com
contração ou uma parada brusca com contração. A primeira é usada topicamente e a segunda
no c.129, clímax da obra. Trata-se de uma tomada de decisão importante, pois ela define dois
pontos culminantes (ou seja, estruturais) da peça. Além disso, a opção da diluição permitiu
um contraste gradual levando a uma seção mais lenta abrindo para outras possibilidades
expressivas da peça: conduz para um alargamento temporal e um caráter mais longo, denso e
pesado.
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Sumarizando os cinco momentos de dificuldades analisados, mostraremos, utilizando o
gráfico que o piano roll (fornecido pelo Software Sonar) oferece, onde esses momentos
aconteceram e para onde as ideias musicais sobressalientes migraram:
Fig.5- Gráfico formal mostrando a origem do problema e a migração de algumas das ideias de solução.
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Assim, constatamos que as situações onde há menção às dificuldades, coincidem com
pontos de mudança textural e que, com exceção do primeiro, marcam o início de uma nova
subseção. Esses momentos, com exceção do último, apresentam alto grau de redundância,
levando a certa sensação de saturação.
5. Considerações finais.
Com a proposição de Sloboda em analisar as verbalizações feitas no momento em que elas
ocorrem, verificamos que, as evidências de que o pensamento desestruturado não tão é
inconsciente e que há aspectos do processo abertos à inspeção e ao controle conscientes, se
mostra coerente. Pois, voltando à problemática apontada por Nisbet & Wilson pode-se
verificar, especificamente no processo composicional da Sonatina para Piano e Fagote, que:
•
em (a) – “de que o indivíduo não faz ideia de quais fatores conduziram a solução” – a
constatação de que o fator que levou à solução foi o contraste (mudança) textural.
•
em (b) – “de um processo estar ocorrendo é desconhecido do indivíduo antes do
momento em que a solução aparece na consciência” – que é realmente difícil saber a
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forma como acontece. Contudo, observamos que nestes momentos de dificuldade
houve a geração de ideias musicais além da utilizada topicamente.
Considerando que tais considerações se remetem à composição de minha autoria,
dessa forma correspondendo à uma abordagem subjetiva, sugerimos buscar em relatos desse
tipo se estas dificuldades ocorrem da mesma maneira, ou se não, que outras problemáticas e
considerações podem surgir.
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Referências
Fernandes, Willian (2013). A composição musical entre a realização prática e sua narrativa:
um estudo de caso. Dissertação de Mestrado. UFRJ. Disponível em https://
w w w . a c a d e m i a . e d u / a t t a c h m e n t s / 3 1 9 8 2 5 4 8 / d o w n l o a d _ fi l e ?
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ODQwNSw1NTA2NzQ0
Slododa, J. (2008). Composição e Improvisação. A mente musical: A psicologia Cognitiva da
Música. Londrina: Eduel.
________. (1986). Composition and Improvisation. The musical mind: the cognitive
psycholgy of music. Oxford: Clarendon Press.
Toni, F. C. (2007). A musicologia e a exploração dos arquivos pessoais. Revista de História,
157, 101-128. Extraído de http://www.revistasusp.sibi.usp.br/pdf/rh/n157/a06n157.pdf
1
Tradução nossa.
2
A partitura foi anexada pelo sistema de submissão como documento suplementar. Os documentos
anexados estão em anonimato.
3 A discussão
das cinco dificuldades está em minha dissertação de mestrado, Vale ressaltar que nossas
considerações finais abrangem as cinco mencionadas.
4
Isto se reflete no período de permanência em cada momento, pois as dificuldades duraram no máximo
dois ou três dias; e o travamento durou quinze dias.
5 A composição
foi feita no ano de 2011.
6
O relato está posto no anexo da dissertação e também anexado pelo sistema de submissão como
documento suplementar.
7 A segunda
opção foi utilizada posteriormente no clímax da seção A’, no c.129.
8
Para evidenciar a contração, a relação intervalar é vista da nota mais grave para intermediária e depois
da intermediária para a mais aguda.
9
Interessante notar que no momento de especulação criativa surge uma ideia que será utilizada a partir do
c.174. No diário, “Surgiu-me a ideia de usar o motivo zigue-zague na textura. Mas deixarei isso para depois”.
10 Ainda
nesse momento de busca, surge a ideia de um ‘parêntese lento’: “Vislumbrei o recurso de
aumentar a densidade e colocar um parêntese ‘lento’ para terminar mais rápido”. De fato, esta ideia será usada
posteriormente: o aumento da densidade mencionado no diário faz parte dos cs.165 a 181; e o parêntese ‘lento’
fazendo parte dos cs.182 a 189. Já “terminar mais rápido” corresponde à codeta.
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O processo de preparação para performance dos alunos da banda marcial
CPMG, Ayrton Senna: um estudo sobre o impacto da ansiedade
Aurélio Nogueira de Sousa
UFG
[email protected]
Sonia Ray
UFG
[email protected]
Resumo: Este texto aborda o processo de preparação da performance dos alunos das bandas de
música de Goiânia, tendo como objetivo geral o impacto que a ansiedade pode causar neste
processo. Esta pesquisa foi dividida em dois momentos: A primeira foi uma breve revisão da
literatura sobre ensino coletivo de instrumentos de banda e processo de musicalização nas bandas
de música no Brasil. A segunda, foi uma pesquisa de campo na qual se deu a aplicação do
inventário K-MPAI (Rocha et al, 2011) e da consulta específica sobre prática de performance nas
bandas de música de Goiânia.
Palavra-Chave: preparação da performance, ansiedade na performance, bandas de música em
Goiânia.
1. Introdução
O trabalho vem relatar processo de preparação da performance dos alunos das bandas de
música de Goiânia, sobretudo se tratando do impacto que a ansiedade pode causar neste
processo. O estudo da ansiedade é comum a diferentes áreas do conhecimento, como
medicina, esportes, artes e música (SINICO; GUALDA, LOUREIRO, 2013). Há alguns anos já se
percebia que a música começara a buscar apoio em outras áreas do conhecimento como a
psicologia e as neurociências, como consequência de uma constante preocupação por
parte dos intérpretes com o preparo para a performance (RAY, 2005). Na realidade das bandas
marciais, observa-se que alunos e professores precisam lidar com problemas de ordem
psicológica que interferem de várias formas no processo de ensino-aprendizado (SOUSA; RAY,
2007).
O objetivo geral do trabalho é detectar qual o impacto causado pela ansiedade nos
alunos desta banda mencionada. Este texto trata particularmente na Banda Marcial do C. E. da Policia Militar de Goiás, Ayrton Senna, e é um recorte do trabalho principal em andamento.
A metodologia foi dividida em duas etapas principais. Revisão da literatura sobre ensino
coletivo de instrumentos de banda e sobre o processo de musicalização nas bandas de música
no Brasil. A segunda, pesquisa de campo na qual se deu a aplicação do inventário K-MPAI
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(ROCHA et al, 2011) e da consulta específica sobre prática de performance nas bandas de
música de Goiânia.
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2. Revisão da literatura sobre ensino coletivo de instrumentos de banda e sobre processo
de musicalização nas bandas de música em Goiás
A breve revisão de literatura sobre o ensino coletivo de instrumentos e processos de
musicalização nas bandas de música no Brasil começa por Kandler (2012), que aponta as
diferenças metodologias de musicalização de cada banda, as duas bandas analisadas são as
únicas que desenvolvem apreciação musical. Silva (2011) discute a extensão da função do
ensaio e também abarca questões pedagógicas que contribui na qualidade dos ensaios
realizados nas bandas de música escolares brasileiras. Sulpicio e Guglielmetti (2011) apontam
a falta de formação musical adequada dos professores de banda, a pouca oferta de literatura
específica sobre ensino de música em bandas, e a falta de cursos acadêmicos de música
voltados para a formação de regentes de banda. A necessidade de conhecer os processos de
ensino e aprendizagem de música a partir das práticas pedagógicas variadas é destacada por
César (2011). Já Maura Penna (2008) relata que a musicalização na escola deve ser orientada
e destinada a todos, promovendo a participação mais ampla na cultura socialmente produzida
dos alunos.
Quanto ao processo de musicalização em bandas, pode-se ressaltar Keith Swanwick
(2003) que aborda varias formas de avaliação que o professor pode utilizar com seus alunos e
também a auto-avaliação como recurso pedagógico que está presente na atuação de vários
regentes de banda em Goiânia (SOUSA
E
RAY, 2007). Por tudo isso, o estudo de psicologia
está se apresentando cada vez mais necessário não apenas como ferramenta de ensino, mas
também como um recurso de aprendizado. Não somente proporciona a detecção de hábitos a
serem corrigidos (ou modificados) no aprendizado do instrumento como também se
transforma em ferramenta de autoavaliação, nesse sentido, elemento indispensável para o
aprimoramento do artista (KAMINSKY & RAY, 2012). Pode-se justificar esta relação entre cognição e pedagogia da performance musical no
trabalho que vem sendo desenvolvido na cidade de Goiânia com as bandas marciais do
pesquisador Aurélio Sousa, o qual tem estudado este tema a partir do processo de preparação
da performance e o impacto da ansiedade nos alunos de uma banda marcial da cidade de
Goiânia. O impacto da ansiedade dos alunos de banda de música de Goiânia mostrou-se, de
forma geral, moderado, uma vez que não há relatos de lesões graves nem de descontinuidade
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da prática em consequência da ansiedade. Contudo, há indícios de níveis de ansiedade, de
moderado para alto com ocorrências paralelas ao surgimento de dores e, ainda, associados à
falta de informações sobre psicologia da música e cuidados com o corpo na prática musical.
Este quadro reforça a premissa maior deste trabalho que é a importância e a necessidade de
associação de outras áreas do conhecimento como a psicologia e as neurociências como partes
integrantes e constantes no preparo da performance de intérpretes (SOUSA & RAY, 2013).
Na discussão sobre música e educação na escola Brasileira, Marisa Fonterrada (2005)
aponta a herança da educação musical dos Jesuítas, e o ensino de música e ensino de canto
como sinônimo para o seu desenvolvimento ao longo do século XX. Tereza Mateiro e Beatriz
Ilari (2011) discutem concepções das pedagogias musicais do século XXI, suas formas de
pensar o ensino de música, e apontam a dificuldade da escolha de um método certo. A falta de
material pedagógico adequado para desempenho da banda, as dificuldades financeiras para
aquisição de métodos e musicas, e a falta de interesse dos alunos, são fatores que faz com que
o ensino aprendizado das bandas do estado de Goiás comprometam e gerem algum tipo de
lacuna quando este aluno oriundo da banda passe por um processo seletivo em uma
universidade de música no Brasil. Toda essa problemática é destacada por Leão e Bertunes
(2013). !
3. Aplicação do inventário K-MPAI (Rocha et al, 2011) e consulta específica sobre
prática da performance
O Inventário K-MPAI (Kenny Music Performance Anxiety Inventory) é composto por 40
questões que visam medir níveis de ansiedade na performance musical. Foi traduzido para
português em 2011 e é aqui utilizado com a autorização do autor da validação brasileira. A
medição é feita por uma escala de 0 a 240 pontos. Recentemente a escala foi redimensionada
em três níveis onde: baixo = até 90 pontos, moderado = entre 90 e 138 pontos, e alto = acima
de 138 pontos (RAY et ali., 2013). O erro de estimação é de aproximadamente 11%. A
consulta busca completar informações específicas da prática diária do instrumentista de forma
que se conheça como ele lida com aspectos técnicos, físicos e emocionais da prática musical
em 11 questões de resposta mista. A aplicação foi realizada em dois dias durante os ensaios da
banda. A duração da consulta a cada encontro foi de aproximadamente 2 horas e cada sujeito
demorou em média 30 minutos pra responder. A banda participante é composta por 40
integrantes divididos em instrumentos de metais e percussão, onde 39 alunos participaram da
aplicação do questionário, e o termo de consentimento foi entregue para o coordenador
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pedagógico e o maestro titular da banda onde eles aprovaram e consideram a aplicação do
questionário.
A consulta busca conhecer melhor o histórico e os hábitos dos alunos de bandas na
prática diária em performances, tendo por base pesquisa anterior que mostrou que a maioria
dos alunos de bandas de Goiânia é diretamente influenciado pela sua realidade social e
familiar que é interligada a todos os aspectos de sua vida musical (SOUSA, 2010). A consulta
aplicada na Banda Marcial do C. E. da Policia Militar de Goiás, Ayrton Senna, mostrou que
90% dos sujeitos sentem desestimulados com suas condições financeiras e 70% relatam que
sofre com a falta de bom instrumento para estudar. As questões foram construídas no formato
semiaberto como mostra o quadro abaixo. !
5- Você já desenvolveu algum tipo de lesão no exercício da sua atividade musical?
Sim (
!
!
) Não (
)Se sim, qual (is): __________________________________
Quadro 1: questão extraída da consulta dos alunos da banda CPMG Ayrton Senna
4. Apresentação e Discussão dos Resultados
Foram coletadas 39 amostras (95%) de uma população de 40 sujeitos membros da Banda
Marcial do C. E. da Policia Militar de Goiás, Ayrton Senna. 12 (30%) sujeitos apresentaram
baixo nível de ansiedade, 15 (35%) sujeitos apresentaram nível moderado de ansiedade e 12
(30%) sujeitos apresentaram nível alto de ansiedade.
Na consulta específica 99,2% dos sujeitos disseram que estudam instrumento musical ha
menos de 5 anos. Apenas 5% estudam mais que 2 horas por semana. 60% realizam algum tipo
de alongamento diariamente. 40% dos entrevistados não realiza nenhum exercício físico
regularmente e 25% dos que fazem exercícios o fazem tendo como prioridade a busca por
maior resistência física. 80% dos entrevistados relataram que nunca tiveram nenhum tipo de
lesão física na prática do instrumento musical e 20% relataram que tiveram lesões como dor
na mão, formigamento na boca e dores nos dedos. 50% relataram que não se informam sobre
lesões e 50% procuram se informar com seu professor de instrumento. Contudo, 50% dos entrevistados já sentiram dores localizadas. Quanto ás práticas
corporais 50% conhecem Hatha Yoga e Pilates, 20% conhecem todas as praticas corporais, e
30% não conhece nenhum tipo das praticas citadas. 100% dos entrevistados nunca cursaram a
disciplina de psicologia da música. 40% dos entrevistados realizam seu intervalo entre 30 e 60
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minutos, sendo que em sua grande maioria os outros 60% se dão entre os primeiros 30
minutos ou entre 60 e 90 minutos. 95% dos entrevistados realizam intervalos regularmente,
porém não usam este tempo para atividades de alongamento ou de concentração. 70%
costumam tomar água e os demais conversam com os colegas ou se dedicam para o estudo de
passagens difíceis de uma determinada música.
As relações entre ansiedade e a prática diária dos entrevistados mais relevantes é a
pouca informação sobre estudos de psicologia da música, sendo que o nível de ansiedade e
moderado para alto em mais de 50% da comunidade entrevistada, indicando que a informação
sobre estratégias de lidar com a ansiedade poderia mudar este quadro. Umas das principais
causas do impacto da ansiedade é a possibilidade de cometer erros diante dos outros e que a
ansiedade aumenta de acordo com o tamanho da platéia e a importância do evento,
(MIRANDA; YAMADA, FIGUEIREDO, MARIA, 2013).
Outro fator que gera grandes indagações e que os sujeitos consultados tem pouco
conhecimento sobre psicologia da performance, outro fator observado e a falta de atividades
físicas diárias, desenvolvendo algumas lesões especificas de instrumentistas de metais, o que
justifica o surgimento de dores localizadas em 20% dos sujeitos. Em diálogos com o professor
maestro e os professores de naipes pude observar que não há uma grande preocupação sobre
questões da pratica corporal no dia a dia dos estudos dos alunos.
5. Considerações Finais
O impacto da ansiedade no processo de preparação para a performance dos alunos da Banda
Marcial do Colégio Estadual da Policia Militar do Estado de Goiás, Ayrton Senna, mostrou-se
de forma geral moderado, uma vez que não há relatos de lesões especificas de instrumentistas
de metais por não terem uma estudo ou acompanhamento de atividade físicas diárias, o que
gera uma descontinuidade da prática em função da ansiedade. Portanto, observamos que o
nível de ansiedade acontece nos alunos desta banda sendo que paralelamente lesões, dores,
falta de atividade física e a falta de informação sobre psicologia da música e sobre cuidados
do corpo na prática musical, são agravantes que se destacaram na comunidade desta banda
analisada. Como se vê, esta pesquisa vem reforçar a importância de trabalharmos o
conhecimento musical associado com outras áreas do conhecimento, como a psicologia e as
neurociências, para obtermos melhores resultados no constante preparo da performance de
intérpretes. !
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6. Referencias CÉSAR, Mauro Cislaghi. A Educação Musical no projeto de Bandas e Fanfarras de São José
(SC): três estudos de caso. Revista da Abem, Londrina, v.19, n.25 p.63-75, janeiro-julho,
2011.
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154
A cognição em ambientes de performance:
interações entre performer e ouvinte
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Ana Luisa Fridman
Escola de Comunicações e Artes/USP
[email protected]
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Resumo: O artigo apresenta um estudo reflexivo sobre as relações cognitivas existentes dentro
de processos criativos que envolvem uma performance musical. Nestas relações propõe-se uma
atenção especial ao receptor/ouvinte envolvido em um ambiente de performance, citando
exemplos de interação entre performer e ouvinte em contextos diversos. Os exemplos aqui
apresentados fazem parte de uma pesquisa anterior de doutoramento e ao final do artigo é
descrita uma proposta original de interação performer/ouvinte realizada em 2013 durante o
XXIII congresso da ANPPOM. O estudo aqui apresentado está amparado nos conceitos de
affordances e embodied mind que iniciam o artigo.
Palavras-chave: affordances, processos cognitivos, interação performer/ouvinte.
!
!
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Title: Cognition in performance environments: interactions between performer and listener
Abstract: The article presents a reflexive study about the cognitive relations within creative
processes involving a music performance. In these relationships we propose a special attention
to the receiver/listener involved in a performance environment, citing examples of interaction
between performer and listener in different contexts. The examples presented here are part of an
earlier doctoral research and at the end of this article we describe an original proposal of
interaction performer/listener held in 2013 during the XXIII Congress of ANPPOM. The study
presented here is supported on the concepts of affordances and embodied mind mentioned at the
beginning of the article. Keywords: affordances, cognitive processes, interaction performer/listener.
Introdução
A abordagem cognitiva que se refere ao receptor/ouvinte, especialmente quando inserido em
um ambiente de performance, costuma ser menos frequente nos estudos que abordam a
performance musical. Pensando em tratar de processos cognitivos que abordam as interações
que podem ocorrer entre performer e ouvinte, trazemos alguns exemplos e reflexões sobre o
assunto. Considerando o ouvinte como parte ativa de uma performance e o meio em que estão
performer e ouvinte como um meio cognitivo, iniciamos nosso artigo definindo os conceitos
de affordances e embodied mind. Nesse sentido, propomos que o ouvinte pode ser visto não
apenas como um indivíduo de “ouvidos atentos”, mas também como um ser envolto em suas
relações sensoriais e corporais durante uma performance. Alguns dos materiais especificados
aqui fazem parte de pesquisa de doutorado concluída em 20131, que estuda alguns
procedimentos encontrados
nas músicas não ocidentais para, entre outros, discutir as
abordagens cognitivas que envolvem a corporalidade. Nesse sentido, os exemplos contidos
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aqui fazem parte dessa pesquisa anterior e aqui ilustram também um possível desdobramento
da mesma.
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A corporalidade associada a processos cognitivos: affordances e embodied mind
O aspecto da corporalidade nos estudos sobre o conhecimento humano é hoje bastante
discutido em reflexões sobre o corpo como mediador do conhecimento de um indivíduo
através de seu contato com um determinado meio. A ideia de interação com o meio foi
estabelecida no conceito de affordances, proposto por Gibson, segundo o qual “As
affordances do ambiente são os materiais que este oferece ao indivíduo, e que estes podem ser
utilizados para o bem ou para o mal2” (1979, p.127). Sobre as possíveis reflexões a partir das
interações entre o indivíduo e um determinado ambiente, considerando suas affordances
“Gibson propõe que, em qualquer interação entre um agente e um determinado ambiente, as
condições ou qualidades inerentes a cada ambiente definem as ações que o agente vai executar
neste ambiente3” (Greeno, 1994). Desse modo, o ambiente modifica o indivíduo, que por sua
vez modifica o ambiente, estabelecendo relações cognitivas dinâmicas, baseadas na ação e na
incorporação do que é oferecido em um determinado ambiente. Esta ideia de Gibson
modificou o conceito que se tinha do conhecimento, tratado anteriormente como estático e
independente de suas possíveis interações contextuais. Nessa abordagem do conhecimento em
ação e reação com um determinado ambiente, o corpo do indivíduo passou a ter um papel de
extrema importância nessa inter-relação. A ideia do corpo como meio ativo para a construção
do conhecimento é conhecida hoje por embodied mind, sendo que esta concepção tem sido
amplamente discutida na atualidade. O conceito da embodied mind começou a ser tratado na
metade do século XX em
áreas do conhecimento como a filosofia, a fenomenologia, a
educação e a sociologia. Citando os estudos da neurociência, o conceito de embodiment ou
corporificação foi recentemente tratado em estudos de Francisco Varela (1946-2001), George
Lakoff (1941- ), Robert Turner (1946- ) e Steven Johnson (1968- ), entre outros, sendo
definido como a integração entre corpo físico ou biológico com o corpo fenomenológico ou
experiencial, sugerindo uma junção entre corpo e mente, numa rede que integra o pensar, o
ser e o interagir com o mundo ao seu redor (Varela, Thompson e Rosh, 2001, p. xviii). Um
outro ponto incutido no conceito de embodied mind é a ideia de que o conhecimento adquirido
de forma particular, ou seja, cada indivíduo pode ter uma relação corpo/mente diferenciada a
partir de um mesmo conceito. Cada indivíduo pode incorporar, traduzir e expressar conceitos
de forma única, na qual a “compreensão corporificada é sempre aquela formada a partir de um
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determinado ponto de vista, e portanto sempre parcial, ainda que esta compreensão permaneça
profundamente nossa4” (Bowman In Bresler, 2004, p.30). Pensando que o meio que envolve o
performer e o ouvinte pode funcionar como um todo de cognição e interatividade, com
affordances que agem diretamente e unicamente sobre cada indivíduo – seja ele performer ou
ouvinte – citamos a seguir exemplos que caminham nessa direção. !
Interação entre performer e ouvinte no gênero tarab
Utilizando um exemplo que ilustra possíveis interações entre o performer e ouvinte nas
músicas não ocidentais, citamos o exemplo do tarab, um dos gêneros encontrados na música
tradicional árabe. A palavra tarab pode referir-se tanto ao gênero da música tradicional árabe
quanto a uma sensação geral relacionada ao êxtase, que é a característica marcante desse tipo
de manifestação musical. No tarab o ouvinte é considerado como um participante ativo e
primordial para alcançar esse êxtase5 junto ao performer. Nos moldes da música tradicional
europeia, é comum pensar o ouvinte que vai a um concerto, por exemplo, relacionando a
escuta ao seu aspecto cerebral, ou seja, o ouvinte pode ter conhecimentos teóricos sobre o
gênero musical que está escutando. Isso estabelece a diferença entre o estágio inicial de
apenas ouvir sem conhecimentos prévios e o escutar relacionado aos conhecimentos sobre o
que se ouve. No gênero tarab não existe essa distinção, sendo que a palavra sama, que define
a escuta, envolve os estágios de ouvir e escutar ao mesmo tempo6. Neste gênero o ouvinte
participa ativamente de um processo criativo e pode se expressar livremente durante uma
performance. No ápice da participação do ouvinte o público pode bater palmas, cantar e
dançar durante uma performance, para que esta termine em um estado de êxtase absoluto. A
improvisação no tarab, tem portanto um papel crucial nesse processo, sendo que, nesse caso,
a improvisação é associada ao ato de compor durante a performance.
!
Efetivamente, na forma completa do tarab, seu desempenho depende de três fatores
inter-relacionados: primeiro, um repertório emocionalmente significativo de recursos
de composição partilhados pelos participantes no processo de tarab, em segundo
lugar, a habilidade do artista de tarab de possuir "alma" e ser capaz de conduzir seu
desempenho a um estado adequado de êxtase, e terceiro, a disposição musical do
ouvinte e sua sensibilidade de comunicação através de intervenções afetivomusicais durante a performance.7 (Racy In Russel, Nettl, 1998, p.103)
!
Ressaltamos aqui não apenas a participação do ouvinte na performance de tarab, mas
também os critérios que envolvem essa participação. Nesse gênero o ouvinte precisa de
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conhecimentos prévios e sua intervenção não é feita aleatoriamente, mas sim de uma forma
emocionalmente comprometida com um estado de êxtase almejado tanto pelo ouvinte quanto
pelo performer. O ouvinte tem então recursos para interagir de acordo com suas emoções, mas
há regras para estas intervenções, incluindo o respeito mútuo entre performer e ouvinte para
chegarem juntos ao êxtase. Com estas observações não estamos sugerindo diretamente esse
tipo de manifestação de uma audiência durante uma performance, mas sim a participação de
um ouvinte comprometido com uma escuta atenta. Consequentemente, tanto o performer
quanto o ouvinte podem se preparar para uma performance. !
Aula do curso Creative Ensemble, Guildhall School of Music and Drama
Tratando da interação entre performer e ouvinte sob outro ponto de vista, trazemos um
exemplo dentro de um contexto formativo de pós-graduação. O exemplo que trazemos aqui
está inserido no curso Creative Ensemble , que faz parte do mestrado em Leadership
oferecido pela Guildhall School of Music and Drama8 e consiste em um grande espaço para o
desenvolvimento de processos criativos. Neste trecho vamos exemplificar a colaboração de
Dinah Perry, professora do departamento de artes cênicas da Guildhall School of Music and
Drama. Esta colaboração trouxe à tona a importância de intervenções de artistas de áreas
distintas em processos criativos, além de contribuir para propostas que acabaram por envolver
o ouvinte durante a performance. Para termos uma ideia da intervenção da professora Dinah
Perry, citamos uma das sessões de criação que pudemos presenciar. Nessa sessão cada grupo
tinha que elaborar uma composição a partir de um pequeno texto de livre escolha. Este texto
poderia ser extraído de algum material existente ou criado pelo grupo. Em um dos grupos com
o qual a professora Perry trabalhou, foi trazido o seguinte trecho, elaborado pelos
participantes: "Daqui de cima, todos parecem brinquedos de corda”9
O grupo, formado por três cantoras, uma flautista, um oboísta e um pianista, apresentou
uma versão vocal a três vozes feita a partir do trecho. Em seguida, a flautista, o oboísta e o
pianista faziam uma improvisação instrumental que dava continuidade ao canto. Amostramos
o trecho em versão vocal apresentada pelo grupo:
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Fig.1. Arranjo vocal elaborado pelos alunos da Guildhall School
A professora Perry então pediu para que o grupo discorresse sobre o que gostaria que a
peça representasse, que imagem cada um via a partir da frase que havia escolhido. A imagem
geral desse grupo era de pessoas observando o movimento de uma grande cidade, do
distanciamento, de uma certa melancolia que o tema trazia. Dinah Perry pediu então para que
os demais alunos que assistiam ao processo de criação desse grupo incorporassem uma
personagem, pensando em pessoas que andam pela cidade. Depois, a professora Perry pediu
que, enquanto o grupo realizasse a peça, as outras pessoas interferissem e interagissem
sonoramente utilizando as personagens como inspiração, movimentando-se entre os
instrumentistas. Depois dessa aula, os integrantes desse grupo repensaram a peça e
trabalharam separadamente até o momento de apresentação final desse processo, um evento
que reuniu composições de todos os alunos do mestrado em Leadership. No dia da
apresentação a plateia foi convidada a andar no palco e assistir a apresentação em movimento,
interagindo sonoramente se assim o desejasse. As cantoras realizaram a primeira parte da peça
em cima de cadeiras e, na improvisação instrumental que se seguia, os dois instrumentistas de
sopro andavam também ao redor do palco, junto com os ouvintes/participantes da plateia, e
convidavam todos para se sentarem livremente no palco até a improvisação terminar. Ao final,
o som e o movimento foram cessando aos poucos, até que todos – músicos e plateia –
sentissem o final da peça como um todo. Observamos que a plateia envolveu-se totalmente
com a performance desse grupo, sendo que houve uma sensação geral de que todos estavam
participando da peça colaborativamente, interferindo em sua sonoridade final. !
Improvisação interativa a partir de uma canção adaptada para compassos assimétricos
A proposta que vamos descrever ocorreu dentro da sessão de apresentações artísticas do
XXIII congresso da ANPPOM, realizado em 2013 em Natal, e representa um primeiro
desdobramento da pesquisa de doutorado mencionada na introdução deste artigo. Durante
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essa performance, propusemos algumas improvisações baseadas em parâmetros rítmicos
complexos ao piano, na qual o ouvinte também podia interagir sonoramente a partir de um
material que lhe era ensinado, utilizando voz, palmas e pés. A improvisação que vamos
descrever aqui parte de uma melodia africana da Tanzânia, chamada Kalêle10, ilustrada
abaixo:
!
!
Fig. 2. Canção Kalêle
!
Depois de mostrar a versão original para a plateia, apresentamos a versão “assimétrica”
da mesma canção, construída a partir de uma estrutura de dois compassos ternários e um
quaternário (3/4+3/4+4/4), usando pés e palmas em lugares determinados (fig.3). Propusemos
então que a plateia realizasse a estrutura abaixo enquanto um pianista improvisava. Podemos
notar que a estrutura apresentada possui alguns espaços para que os participantes pudessem
interagir com o pianista se assim o desejassem, ou apenas mantivessem a estrutura proposta.
!
!
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!
Fig. 3. Variação da canção Kalêle, utilizada como base para improvisação
Nessa proposta retomamos o conceito de embodied mind e affordances dirigidos
especialmente para a cognição corporificada de parâmetros rítmicos complexos, que também
norteiam a pesquisa mencionada em nossa introdução.
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160
Considerações finais
O que desejamos mostrar nesse artigo é um caminho que aponte para a criação de
ambientes interativos, tanto de performance quanto formativos, nos quais a participação e a
conversa com o ouvinte seja considerada e trabalhada. Atentamos também para a necessidade
de se formar o ouvinte para adentrar nesse tipo de ambientação de “corpo inteiro”, sendo que
o processo de cognição que mencionamos aqui é mais do que cultural ou informativo. Ao
pensarmos no ouvinte interagindo durante uma performance, não nos referimos apenas ao
ouvinte que age a partir da cognição estrutural ou formal de um determinado gênero. Aqui
pensamos no ouvinte envolvido emocionalmente em uma performance e no performer atento
ao gesto sonoro e motor do ouvinte. Nossas considerações finais então representam muito
mais um início do que uma finalização. O início de uma ideia de música que não invalida a
performance tradicional, mas acrescenta outros formatos de estar em um ambiente sonoro.
Um formato de ambientação sonora colaborativa, que favoreça a cognição em seu aspecto
mais amplo.
!
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Schaeffer, P. (1994). Tratado dos Objetos Musicais. Brasília: Edunib.
1
Diálogos com a música de culturas não ocidentais (“XXX”), finalizada em 2013.
2
“The affordances of the environment are what it offers the animal, what it provides or furnishes, either for good
or ill”
3
“Gibson proposed that in any interaction between an agent and the environment, inherent conditions or
qualities of the environment allow the agent to perform certain actions with the environment”
4
“Embodied understanding is always the view from somewhere, and therefore always partial; yet it remains
profoundly ours”
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5
Na música árabe, o êxtase atingido especificamente pelo performer é denominado de saltanah.
6
Nesse trecho é interessante citar a contraposição da ideia de escuta em sua totalidade – incutida na palavra
sama – com os estágios de escuta propostos por Pierre Schaeffer, em seu Traité des objets musicaux (1966),
descritos como: ouvir, escutar, escutar conscientemente e compreender. A comparação ressalta mais uma vez o
aspecto holístico da música não ocidental e o atomístico da música ocidental, embora chame a atenção para a
importância de ambos os aspectos para se pensar a escuta musical, a nosso ver/ouvir.
7
“In effect, the full shape of a tarab, performance depends on three interrelated factors: first, an emotionally
meaninful stock of compositional devices shared by participants in the tarab process; second, the skill of the
tarab artist who possesses “soul” and may be able to render his performance in an appropriate ecstatic state;
and third, the listener’s musical disposition and sensitivity communicated through direct emotional-musical
input.”
8
A Guildhall School of Music and Drama está sediada em Londres e possui um departamento especialmente
focado em relações de transculturalidade na música. Durante o período de doutoramento pudemos aplicar
propostas de improvisação em alunos de mestrado durante intercâmbio de 20 dias em janeiro de 2012.
9
"From above, everybody look like wind-up toys"
10
Em um dos cursos realizados na Guildhall School, o pesquisador participou de um trabalho de composição
com músicos da Tanzânia, onde a melodia de Kalêle foi ensinada para o grupo.
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162
Um estudo computacional do processo perceptivo da música de mixagem
!
Danilo V. Granato de Araújo
NICS – IA - UNICAMP
[email protected]
!
José Eduardo Fornari
NICS - UNICAMP
[email protected]
Resumo: Grande parte da produção musical popular da atualidade advêm da extensiva exploração
de processos criativos e improvisacionais da mixagem musical, onde diversos arquivos de som
(musicais ou não) são utilizados a fim de criar uma peça ou performance musical. Este trabalho
estuda alguns aspectos perceptuais desse estilo musical. Através da utilização de 4 descritores
acústicos de baixo-nível (Beat Track, Harmonic Pitch Class Profile, Loudness e Spectral Centroid)
este experimento analisou duas peças de renomados DJs (Moby e Sven Vath), de modo a extrair e
analisar aspectos sonoros que caracterizam e distinguem tais performances. Os resultados destas
análises são aqui descritos e discutidos.
Palavras-chave: mixagem, descritores acústicos, DJ, cognição.
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Title: A Computational Study on the Perceptual Process of Mixing Music
Abstract: Most of the popular music production nowadays come from the extensive exploration of
creative and improvisational processes of music mixing, where several sound files (musical or not)
are merged together to create a new musical performance. This paper studies some perceptual
aspects of such musical style. Through the usage of 4 low-level acoustic descriptors (Beat Track,
Harmonic Pitch Class Profile, Loudness and Spectral Centroid) our research examined two pieces
of renowned DJs (Moby and Sven Vath), in order to retrieve and analyze acoustic aspects that
characterize and distinguish this style of performance. Results of these analyzes are here
presented, described and discussed.
Key-words: mixing, acoustic descriptors, DJ, cognition.
1. Introdução
O advento do registro imaterial da música, através do processo de gravação sonora,
aproximou a música das artes plásticas. O material sonoro – antes imaterial, efêmero e
intangível – agora na forma de arquivo sonoro, passou a exprimir propriedades concretas e
tangíveis, podendo ser armazenado, transformado e indefinidamente copiado. Uma das
transformações sonoras mais simples e freqüentes é a técnica mixagem. Esta permite
combinar, no domínio do tempo, em diferentes proporções e durações, arquivos sonoros
diversos, gerando assim um novo objeto sonoro que, apesar de ser uma criação original,
possui características perceptuais da sonoridade de seus predecessores. Com o avanço
tecnológico, a técnica de mixagem passou a ser realizada em tempo-real, podendo ser
explorada com propósitos artísticos, em performances musicais, de onde surgiu uma nova
prática musical, aqui referida por “música de mixagens”. A prática desta é referenciada à
atuação do Disc Joquey, ou DJ, o profissional que inicialmente lidava com arquivos musicais,
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Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014
163
em seus primórdios registrados na forma de discos de vinil. Atualmente o DJ é visto como um
artista performático que realiza uma meta-performance musical, onde através de técnicas
como a mixagem, cria uma nova performance derivada de performances anteriormente
realizadas e registradas na forma de arquivos sonoros. A análise computacional aqui apresentada trata de uma investigação inicial do processo
perceptivo deste estilo musical, através do estudo da mixagem criada pelos DJ's e suas
transições, utilizando técnicas pessoais e específicas às suas performances. Este estudo propõe
uma observação analítica de alguns processos perceptuais através de sua correspondência
cognitiva com os dados coletados por meio de algoritmos computacionais conhecidos como
“descritores de baixo-nível”, ou LLD (Low-Level Descriptors). Estes foram escolhidos com
base no padrão MPEG-7, que descreve e utiliza 17 descritores de baixo nível, conforme
especificado em Sikora (2005). Os arquivos sonoros aqui analisados, são gravações de mixagens (performances de
DJs) realizadas ao vivo por dois DJs de reconhecimento internacional e de carreira extensa e
consolidada. Estes são: Moby (www.moby.com) e Sven Vath (http://www.cocoon.net/). As
performances foram selecionadas, primeiramente, por terem sido realizadas de modo
tradicional, ou seja, através da reprodução de discos de vinil, e registradas ao vivo, o que
minimiza
a
possibilidade
da
utilização
de
arquivos
digitais
pré-editados
ou
computacionalmente manipulados. Em segundo lugar, as duas mixagens trabalham o conceito
de interpolação musical Lazzarini (2010), explorando artisticamente a passagem entre
arquivos sonoros de diferentes músicas, o que remete ao fator criativo artístico
especificamente desenvolvido e explorado pelos DJs.
A performance analisada de Moby foi retirada de uma gravação ao vivo de 1994, do
programa “Essential Mix” da rádio inglesa BBC. Este arquivo está disponibilizado
gratuitamente no perfil do site: www.soundcloud.com do blog “Everybody Wants To Be The
DJ” (http://goo.gl/MVgD6u). A performance analisada de Sven Vath foi gravada em 2012,
durante o festival “Boiler Room” (http://goo.gl/5zsK2O) um famoso encontro de DJs e
aficionados que ocorre anualmente em Berlim. !
2. Análise Computacional
Os algoritmos LLD utilizados na analise computacional dos 2 arquivos sonoros das
performances dos DJs foram selecionados da biblioteca “Low Level Features“ do software
gratuito de análise sonora: Sonic Visualiser (www.sonicvisualiser.org), desenvolvido e
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mantido pela Queen Mary, University of London. Os descritores escolhidos pra realizar essa
análise foram: 1) Beat Track (BT), 2) Harmonic Pitch Class Profile (HPCP), 3) Loudness, e 4)
Centróide Espectral Linear (CSL). Estes são detalhados abaixo, juntamente com a
apresentação dos resultados de suas medidas. !
2.1 Beat Track (BT)
A extração da informação de BT é dada por um descritor de detecção de pulso musical (onset
detection), tal como em Lartillot (2008). Nas 2 mixagens analisadas, utilizou-se como
parâmetros um número de janelas por bloco de 16.348 e um janelamento de 1.024 pontos,
cada janela equivalendo a uma amostra de áudio com cerca de 23ms (numa taxa de
amostragem típica de 44.100Hz). Tais valores foram definidos principalmente em relação à
pequena duração de cada janela, uma vez que aqui se buscava detectar as oscilações de
andamento ocorridas durante uma “virada” (transição entre arquivos musicais), o que muitas
vezes pode ser quase que imperceptível. A função de detecção de onset definida para esta
análise foi baseada na diferença de janelas da análise espectral do sinal de áudio.
!
(a) BT do arquivo: Moby Essential Mix (1994) – 26m a 28m30s
(b) BT do arquivo: Sven Vath Live at Boiler Room (2012) – 1h6m00s a 1h07m30s.
Figura 1: Análises do BT
Ambos os gráficos, das 2 performances, da Figura 1 apresentam progressão de BT
similar, sendo a de Moby (Figura 1a) é mais irregular, enquanto que a de Sven (Figura 1b) é
mais regular, mesmo entre viradas. Pode-se considerar o fato de que a mixagem realizada por
Moby explorou a interpolação e as inserções musicais durante mais tempo e de forma distinta
à de Sven Vath, utilizando também de citações da faixa sucessora antes mesmo da mistura
efetiva dos arquivos sonoros. Este é um fator de grande importância, pois as interpolações
rítmicas são fundamentais para variações dos dados coletados pelos descritores. Considerando
que ambas são ótimas performances, percebe-se que a geração de um sentido de continuidade
no âmbito musical em cada virada é um elemento perceptível importante neste estilo de
criação, o que sugere uma busca à homogeneidade cognitiva. Pode-se assim concluir que uma
boa virada deve prover, na maioria das vezes, a manutenção de uma progressão rítmica linear,
aspecto este que ambos os artistas aqui estudados realizaram com evidente competência. !
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165
2.2 Harmonic Pitch Class Profile (HPCP)
HPCP é um descritor que coleta dados temporais multi-dimensionais de alturas musicais
(pitch). Este foi desenvolvido por Gomez (2004) e é baseado no descritor Pitch Class Profile
(PCP) desenvolvido por Fujishima (1999). O objetivo principal do HPCP é determinar a
tonalidade musical. A extração da informação de HPCP das mixagens analisadas utilizou
como parâmetros um número de janelas por bloco de 8.192 e um janelamento de 1.024
pontos, calculada via função de Blackman - Seijas (2013). Tais valores foram definidos
empiricamente, de acordo com o que se constatou durante o experimento, em termos da
necessidade de detalhamento da imagem final da análise (Figura 2), onde a extensão do
espectro de frequências foi reduzida para a extensão da audição humana (20Hz - 20KHz). O
intuito desta análise foi propiciar a visualização da variação das alturas musicais (frequências
dos principais componentes espectrais), especialmente durante o processo das mixagens. !
(a) HPCP do arquivo: Moby Essential Mix (1994) – 26m a 28m30s
!
(b) HPCP do arquivo: Sven Vath Live at Boiler Room (2012) – 1h6m00s a 1h07m30s.
Figura 2: Análises do HPCP
Como pode-se observar, os espectrogramas relativos às informações de HPCP
apresentaram resultados
interessantes e ricos de informações. Vê-se na Figura 2 a nítida
subdivisão das viradas entre faixas durante as mixagens dos DJs: 1) a pré-mixagem (presença
apenas de uma faixa), 2) o meio (momento principal da virada aonde ocorre a interpolação
entre duas faixas) e 3) o momento pós-mixagem (posterior ao final da virada, onde o DJ
permanece tocando apenas a faixa sucessora).
Na amostra sonora da mixagem realizada por Moby, o período de pré-mixagem é
representado entre os momentos 26m e 27m10s (tempo total: 01m10s). O período entre
27m10s e 28m10s é o meio da mixagem e momento de fusão sonora (tempo total: 01m). A
partir de 28m10s, até o fim da amostra, o espectro retrata novamente uma faixa individual,
nesse caso a segunda, o que caracteriza o momento final de pós-mixagem (tempo total: 20
segundos). Na mixagem realizada por Sven Vath, podemos definir como período de prémixagem o período representado entre 01h04m30s e 01h06m20s (tempo total: 01m50s). O
período entre 01h06m20s e 01h07m00s apresenta o meio da mixagem e o momento de
mistura dos sons (tempo total: 40s). A partir de 01h07m00s até o fim da amostra, o espectro
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retrata novamente uma faixa individual, nesse caso a segunda, o que caracteriza o momento
de pós-mixagem (tempo total: 30s). Pode-se observar visualmente que mesmo com o
momento de transição e a modificação completa entre as faixas, ambas as mixagens
retratadas, apresentam um aspecto em comum: a região espectral é mantida relativamente
próxima durante todo o decorrer da amostra juntamente com a proximidade da segmentação
rítmica, já mencionada na análise anterior. Essa informação pode significar que boas
mixagens entre as faixas apresentam HPCP mais contínuos e menos segmentados,
contribuindo para a congruência, sutileza e homogeneidade durante o sequenciamento dos
elementos musicais envolvidos na mixagem do DJ.
!
2.3 Loudness
Loudness é a grandeza psicoacústica que trata da percepção da intensidade sonora. Como
diversas grandezas subjetivas, a percepção da intensidade sonora não é linear, mas comportase de modo aproximadamente exponencial e é dependente da frequência da componente
sonora. Existem diversas abordagens e escalas para a determinação do valor de Loudness,
desde o simples cálculo do RMS (Root-Means Square) do sinal de áudio janelado, até a
utilização de escalas específicas, como a phon e a sone – Stevens (1936). O descritor de
Loudness utilizado neste experimento é apresentado em Glasberg (2006) onde se utilizou
8.192 janelas de áudio, de 1.024 pontos, cada. O janelamento também foi do tipo Blackman.
!
(a) Loudness do arquivo: Moby Essential Mix (1994) – 26m a 28m30s
(b) Loudness do arquivo: Sven Vath Live at Boiler Room (2012) – 1h6m00s a 1h07m30s.
Figura 3: Análises do Loudness.
Os resultados apresentados nos gráficos da Figura 3 mostram a variação e o
desenvolvimento da percepção da intensidade sonora no decorrer das duas mixagens. É
interessante observar que no caso de Loudness houve maior variação entre os arquivos
sonoros do que nas análises dos outros descritores aqui utilizados. Enquanto que a mixagem
efetuada por Moby apresenta uma curva de Loudness pouco variante e estável no decorrer de
toda a virada (o que sugere que durante todo o período decorrido não houve alterações
drásticas, ou significativas, de intensidade sonora) a mixagem efetuada por Sven Vath, em
contrapartida, apresenta uma curva, do mesmo parâmetro, com uma variação considerável,
especialmente durante os momentos de transição entre faixas onde observa-se movimentos
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167
ascendentes durante a virada, e posteriormente, permanecendo fixo, em um valor superior,
após a mudança completa de faixa.
!
2.4 Centróide Espectral (CS)
A Centróide Espectral (CS) descreve a mediana (tendência central) da frequência do espectro
e costuma ser utilizada para caracterizar a percepção do "brilho" de um som - Grey (1978). A
extração computacional dessa informação, ao longo do tempo, utilizou 8.192 janelas de áudio,
cada qual com 1.024 pontos, janeladas pela função do tipo Blackman.
!
(a) CSL do arquivo: Moby Essential Mix (1994) – 26m a 28m30s
(b) CSL do arquivo: Sven Vath Live at Boiler Room (2012) – 1h6m00s a 1h07m30s.
Figura 3: Análises do CSL.
Ambos os gráficos retratam uma curva estável de CS, com leves variações. As poucas
variações drásticas refletem os curtos períodos de transição das faixas utilizadas na mixagem.
Supõe-se aqui que a uniformidade da curva CS esteja vinculada à percepção de uma boa
virada de DJ, ao interpolar as faixas de modo homogêneo, e aproximando-se da relação
perceptual abordada em HPCP. Considerando esta hipótese, pode-se supor que os melhores
DJs tenham uma capacidade subjetiva (intuitiva) de selecionar faixas musicais que, ao serem
mixadas, apresentem pequena variação da curva de CS e assim, propiciem uma maior
percepção de homogeneidade acústica, na passagem entre as faixas musicais.
!
3. Conclusão
A análise computacional das amostras sonoras das performances dos DJs demonstrou ser uma
poderosa ferramenta para observação de aspectos perceptuais deste estilo musical. Apesar
disso, nota-se que ainda existem poucos trabalhos acadêmicos focados no estudo dos aspectos
psicoacústicos e cognitivos da música de mixagem.
Observou-se que a análise computacional utilizando descritores de baixo-nível
possibilita a visualização dos momentos de alteração perceptual, que são normalmente
exploradas apenas por métodos subjetivos e acusmáticos de escuta musical. Disso vem a
constatação do potencial de desenvolvimento de pesquisas que viabilizem a visualização e a
consequente discriminação dos aspectos perceptuais da mixagem musical. Tais resultados
sugerem futuros desenvolvimentos para esta pesquisa, tais como: 1) a utilização destes e de
outro descritores para a identificação autoral nas faixas individuais da música de mixagem, o
que é atualmente uma área que encontra-se virtualmente inexplorada; e 2) o estudo de suas
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168
possíveis relações cognitivas vinculadas ao conceito de entrainment, conforme definido por
Shifres (2006), que trata do processo espontâneo pelo qual diversos eventos regulares – como
os eventos rítmicos isócronos, de acentos distintos – se interagem, de modo a se ajustarem até
eventualmente se acoplarem em fase, apresentando uma periodicidade em comum.
4. Referências
Fujishima, T. (1999). Realtime chord recognition of musical sound: a system using Common
Lisp Music, ICMC, Beijing, China, 1999, pp. 464–467.
Glasberg, B.R., Moore B.C.J., (2006) Prediction of absolute thresholds and equal-loudness
contours using a modified loudness model, J. Acoust. Soc. Am. 120: 585-588.
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Shifres, F. (2006). “Tocar juntos: ¿Entrainment, Comunicación o Comunión?” En Sonido,
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março de 2014).
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169
Conceituação e adequação dos termos em inglês recall e serial recall ao
português brasileiro no contexto da performance musical
!
Anderson César Alves
UFF
[email protected]
!
Ricardo Dourado Freire
UnB
[email protected] Resumo: Atualmente nos deparamos com problemas relacionados a várias possibilidades de
tradução dos termos recall e serial recall para o português. Em algumas situações, as traduções
não transmitem o real significado da palavra no contexto original, criando distorções na
compreensão dos conceitos e sua aplicação na performance musical. Neste artigo serão discutidas
as possíveis traduções das palavras recall e serial recall para o português brasileiro e a aplicação
destes conceitos na performance musical.
Palavras-chave: recall, serial recall, performance musical
!
Title: Conceptualization and adequacy of the English language terms recall and serial recall to
Brazilian Portuguese in the context of cognitive performance.
Abstract: Nowadays, we deal with issues regarding the many possibilities in translating the terms
recall and serial recall to the portuguese language. In some situations, the translations do not
communicate the actual meaning of the words in their original context, leading to distortions in
the understanding of the concepts and in their application in musical performance. In this article,
we will discuss the possible translations of the terms recall and serial recall to brazilian
portuguese and the application of these concepts in musical performance.
Keywords: recall, serial recall, musical performance
!
!
A utilização direta de anglicismos na pesquisa em música no Brasil oferece problemas
semânticos que, muitas vezes, não contribuem para o esclarecimento do conteúdo original do
conceito proposto. O uso direto de termos da psicologia cognitiva, originais em inglês, pode
ocasionar possíveis distorções pelo uso com base no senso comum. A ambiguidade nas
possibilidades de tradução e utilização deve ser evitada e a discussão deste artigo focará nas
possibilidades de tradução dos conceitos de recall e serial recall e sua aplicação na área de
performance musical e cognição.
Este trabalho tem por objetivo central apresentar o conceito de recall e serial recall,
discutindo suas implicações no contexto da pesquisa em performance no Brasil, por meio de
discussão teórica da literatura em dicionários de inglês, dicionários de psicologia e com
teóricos da psicologia cognitiva que lidam com os termos recall e serial recall em música,
como Seashore (1938), Sloboda (2005), Hébert & Peretz (1997); Deutsch (1999), Kosslyn &
Smith (2007). Dessa forma, pretende-se compreender o sentido das palavras no seu contexto
original e propor uma tradução que possa colaborar para seu entendimento e sua
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170
aplicabilidade nos estudos sobre a performance musical no Brasil. Neste caso, podemos
considerar performance musical como:
uma arte multidisciplinar por excelência, uma vez que se conecta com outras
linguagens e outros saberes, no intuito de expressar a sua dimensão sintática,
semântica e pragmática. Para a sua compreensão e execução ela se apropria de
elementos diversos assimilados de outras áreas de conhecimento, [...] e de outras
ciências, com o intuito de desenvolver aptidões físicas, mentais e psicológicas que
interagem não só no momento da execução e do aprendizado musical como também,
na formação harmoniosa da personalidade humana (Lima, 2003, p.26-27). !
O processo de codificar e armazenar as informações na memória, assim como as formas
de acessar estas informações na memória é objeto de estudo importante na psicologia
cognitiva segundo Kosslyn & Smith (2007), e os mesmos processos de armazenamento e
acesso as informações também podem ser utilizados na performance musical. Os sistemas
sensoriais captam as informações musicais e as armazenam na memória. Uma das formas de
acessar essas informações musicais armazenadas na memória se dá por meio de referências
melódicas ou rítmicas, porém a pesquisa de Hébert & Peretz (1997) aponta que a qualidade do
acesso à informação armazenada na memória obteve melhores resultados através de
referências melódicas ao invés de rítmicas.
Pesquisa de Hashtroudi (1983) sobre recall na performance musical apresentou dois
resultados: o primeiro é relacionado ao nível do processamento profundo da informação
musical resulta na melhor qualidade do recall
do que o processamento superficial, e em
segundo lugar, o nível de processamento da informação musical é o fator determinante na
qualidade do recall. Pesquisadores como Franks et al. (2000) e Roediger & Guynn (1996) evidenciaram em
suas pesquisas que os músicos desenvolvem estratégias naturais de recall , que podem ocorrer
pela utilização das informações musicais intrínsecas na própria música. Segundo Roediger &
Guynn(1996) o processo de aprendizagem de musical sob orientação efetiva de um professor
de música pode ativar o processamento profundo que codificará os elementos da própria
estrutura musical dentro das estruturas cognitivas. O estudo bem elaborado fornece elementos
intrínsecos para a codificação da peça musical, e com isso pode corroborar para melhorar o
recall da performance musical. Dessa forma, a combinação entre nível de processamento profundo da informação
musical com as estratégias desenvolvidas pelos músicos em codificar as informações musicais
a partir de elementos intrínsecos na própria música pode ser um elemento que corrobora para
a melhora efetiva na qualidade do recall. Portanto, o nível de processamento da informação
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171
musical e as estratégias intrínsecas desenvolvidas pelo performer para codificar a informação
musical a partir dos próprios elementos da música pode melhorar a qualidade do recall na
performance musical.
!
Recall
A análise teórica do uso dos termos recall e serial recall nos contextos originais em inglês
podem ser aplicados na performance musical com o intuito de buscar os termos correlatos
utilizados em português. A discussão teórica desenvolvida neste trabalho seleciona os
principais teóricos e estabelece uma conceituação referencial para servir de paradigma para a
escolha de termos que melhor representem a tradução desse conceito para o português.
A partir dos termos originais da psicologia cognitiva e dos trabalhos na área de
psicologia da música, podemos verificar que recall refere-se a uma ação cognitiva e não a
uma habilidade, uma ação que acessa a informações codificadas e armazenadas na memória.
Considerando uma ação, a palavra utilizada na tradução deve criar o mesmo tipo de imagem.
Neste caso, a característica principal do recall é conhecer as formas e os diferentes tipos de
acesso e recuperação das informações armazenadas na memória e, assim, ter melhores
rendimentos, obtendo uma melhora efetiva nos resultados da performance musical. A versão
mais esclarecedora do termo recall apresenta a palavra “recuperação” como uma unidade
semântica que demonstra tanto uma melhor tradução como uma melhor aplicação nos estudos
em performance musical. Seashore (1938), em seu livro Psychology of Music, publicou doze regras para o
aprendizado eficiente em música. Na terceira regra, o autor descreve a teoria da primeira
impressão, na qual a performance musical deve ser elaborada por meio do estudo profundo e
deliberado da primeira impressão, tornando-a definitiva e permanente. As repetições futuras
devem ocorrer através da recuperação dessa primeira impressão, evitando, assim, a
reimpressão.
Na sétima regra, Seashore destaca a importância de se praticar somente por meio da
recuperação. A construção de uma primeira impressão profunda, e a associação dessas
impressões com imagens, é o que progressivamente permitirá que a prática seja realizada de
memória, não necessitando do auxílio visual.
Sloboda (1985) realizou um experimento com oito adultos que transcreveram melodias
populares. Os dados foram analisados e a proposta foi demonstrar o processo de “estruturação
do conhecimento na memória musical”. Para a realização dessa pesquisa, foram escolhidos
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172
quatro músicos e quatro não músicos. Foram apresentadas oito sequências de temas
populares, e cada um dos participantes ouviu as sequências de trechos por seis vezes. Após a
apresentação dos temas, os entrevistados cantaram o conteúdo ouvido anteriormente, que foi
gravado pelo pesquisador. A análise empírica dos dados ocorreu por meio da transcrição das
gravações dos recalls melódicos apresentado pelas oito pessoas pesquisadas.
Concluiu-se, dessa forma, que as recuperações melódicas melhoraram de acordo com o
número de repetições, diferentemente das recuperações rítmicas, que não obtiveram melhoras
efetivas ainda que através de várias tentativas. Outra importante conclusão da pesquisa foi a
ocorrência da preservação da estrutura métrica, o que leva a crer que ela é a principal estrutura
para a compreensão melódica. Já as recuperações harmônicas apresentaram melhores
resultados naqueles que já possuíam experiência musical. Comprovou-se ainda que não houve
melhoras significativas no processo de recuperação que utilizou mais de seis tentativas.
!
Serial Recall
O conceito serial recall utilizado em materiais verbais poderá ser replicado também em
materiais musicais, pois a curva de posição é a mesma para ambos os casos (Deutsche, 1980;
Roberts et al. apud Mishra, 2011). Efeitos como o comprimento de uma lista e a posição de
uma lista em correta recuperação de memória são tipicamente estudados usando a recuperação
serial (Young, 1962). A recuperação na correta ordem serial é um desafio para a sequência de
produção de tarefas, tais como performance musical ou discursos verbais (Lashley, 1951), no
qual as ações devem ser geradas em série durante a sequência de produção. Indivíduos podem processar informações seriais complexas quando essas são
entendidas e organizadas sistematicamente pelos observadores. Dois aspectos de
processamento do serial recall são enfatizados, no qual, primeiramente, os músicos têm uma
tendência natural em agrupar padrões seriais em sequências ou trechos que são armazenados
em padrões unitários, e o segundo aspecto é que há hierarquização dos trechos categorizados.
Pesquisas sobre serial recall foram apresentadas com materiais verbais, pois materiais
com significado são mais facilmente processados e lembrados do que materiais sem
significado. Sequências de palavras que formam sentenças são recuperadas com mais
facilidade (Miller, 1956 apud Cowan et al. 2004). O princípio de organização das estruturas
seriais é adquirido nos padrões estabelecidos na própria estrutura (Restle & Brown, 1970).
Pesquisas com materiais verbais comprovaram que o processo de serial recall ocorre
por meio de agrupamentos temporais (Bower & Winzenz, 1969). A pesquisa de Restle &
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Brown (1970) utilizou padrões temporais em música, que consistia em inserir pausas entre os
agrupamentos temporais, e os resultados apontam que por meio desse processo houve melhora
efetiva na recuperação serial das informações armazenadas na memória.
Dessa forma, fica evidente que mesmo em pesquisas com materiais verbais, o processo
de armazenamento serial das informações ocorre por meio de agrupamentos intrínsecos na
própria estrutura do material, ou seja, o processo de armazenar essas informações pode
ocorrer por meio de agrupamentos temporais intrínsecos da própria estrutura desse material. Na pesquisa de Deutsch (1980), um ditado musical foi aplicado a músicos treinados,
que tiveram que anotar e recuperar sequências tonais organizadas hierarquicamente. A análise
dos resultados apontou que sequências de estruturas tonais foram codificadas e recuperadas
com alto nível de precisão e que a segmentação temporal teve efeitos significativos na
performance, justificando, assim, que a aproximação temporal é independente da estrutura
tonal. Indivíduos criam regras e combinações, seja por estrutura de sequências, seja por
sequências temporais, o que evidencia a hipótese de que materiais tonais são codificados em
diferentes níveis.
O agrupamento temporal é fator importante no processamento das sequências e, dessa
forma, pode-se concluir que, se o agrupamento temporal trabalhar em conjunto com as
sequências das estruturas, reforçaria os resultados de uma melhora efetiva na performance.
Além disso, observou-se que o conflito entre agrupamento das sequências temporais e
sequências das estruturas resultará em um declínio no processo de serial recall, prejudicando
o resultado da recuperação serial na performance musical.
!
Conclusão
O estudo indica uma série de palavras correlatas e possíveis na tradução e utilização no
português dos termos recall e serial recall. No entanto, conforme proposto por Seashore
(1938), a palavra “recuperação” pode ser utilizada com o sentido de recuperação das
impressões codificadas e armazenadas na memória, e, segundo pesquisa de Deutsch (1980), o
sentido de “recuperação serial”, utilizada originalmente em materiais verbais, também poderá
ser utilizado em tarefas envolvidas na performance musical, além de que a recuperação em
ordem serial ocorre por meio de sequências próprias hierarquicamente organizada dentro das
estruturas musicais e também por sequências temporais inerentes à própria música.
Processos cognitivos musicais envolvem-se no armazenamento das informações na
memória, e a forma de acessar essas informações codificadas e armazenadas se dá por meio
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de estudos deliberados em recall e serial recall. E estabelecer formas de acessar as
informações na memória podem auxiliar na melhora efetiva da performance musical.
!
Referências bibliograficas
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Journal of Experimental Psychology, v. 80, n. 2.
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175
Estratégias de estudo de estudantes de flauta transversal:
uma abordagem cognitiva
!
Tilsa Isadora Julia Sánchez Hermoza
Instituto de Artes, UNICAMP [email protected]
Resumo: Este trabalho apresenta resultados parciais de uma pesquisa em andamento realizada no
Curso de Mestrado em Música. Neste artigo foi realizada uma abordagem cognitiva acerca das
estratégias de estudo de cinco estudantes de flauta transversal de uma Instituição de Ensino
Superior. Os relatos coletados por meio de entrevistas foram analisados segundo o modelo
proposto pela análise de conteúdo de Laurence Bardin (2008). Como resultado parcial, foi
constatado que a maioria dos participantes adotou no seu estudo diário, estratégias propostas pelo
modelo de ensino tecnicista que prioriza o desenvolvimento técnico do intérprete, deixando em
segundo plano o pensamento sobre a performance, a qual pode abrir possibilidades para a reflexão
acerca da aprendizagem de uma prática eficaz, onde a técnica, a expressividade e a interpretação
caminham juntas, o que pode otimizar o tempo e a qualidade de seus estudos e execução das obras
estudadas.
Palavras-chave: estratégias de estudo, performance flauta transversal.
!
Abstract: This paper presents partial results from a master´s degree research in progress. This
research has been realized through a cognitive approach about the strategies of practice of five
students of flute from a music college in Brazil. The reports were collected through the semistructured interview, and were analyzed according to the model of content´s analyze proposed by
Laurence Bardin (2008). As partial result, was verified that the most of the participants has
adopted in their daily practice strategies that have been proposed by the model of technicist
education from the conservatories, what priorities the technical development of the interpreter
instead to propose a performance that enables thoughts about an effective practice, it means, those
can enable the monitoring of the results of the learning, and an expressive interpretation from the
early practice of the instrument.
Keywords: study strategies, flute performance.
Introdução
“Aprender a aprender”, de acordo com Silva & Sá (1993, p. XX), representa um processo
fundamental na construção do papel ativo do aluno, o qual é possível por meio do uso de
estratégias.
Segundo Jorgensen (2004) as estratégias podem definir-se como: “pensamentos e
comportamentos utilizados durante a prática musical, as quais influem na maneira como são
selecionados, organizados, integrados e ensaiados os novos conhecimentos e habilidades
presentes no estudo diário do instrumento”.
No entanto, com a adequação do ensino metodizado proposto pelo modelo tecnicista e
adotado por grande parte das Instituições de Ensino Superior (IES), as habilidades de
decodificação da partitura assim como a excessiva atenção à técnica, tem sido predominantes
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!
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176
na realização da interpretação musical, deixando de lado a realização de um estudo reflexivo e
consequentemente a própria concepção de musicalidade do intérprete.
Nesta pesquisa foram observadas as maneiras pelas quais os estudantes de flauta
planejam o seu estudo diário, cientes de que o instrumentista no seu estudo individual utiliza,
consciente e inconscientemente, estratégias para solucionar problemas ocorrentes durante a
execução das obras estudadas.
!
Revisão Bibliográfica
Grande parte dos instrumentistas, nas etapas iniciais dos estudos, enfrentam dificuldades no
momento do aprendizado do repertório e, consequentemente, dificuldades também em sua
preparação para a performance. A compreensão musical, afinação e musicalidade muitas
vezes são deixadas de lado para dar maior atenção aos aspectos e dificuldades mecânicas da
performance (Parakilas, 1999; Swanwick, 1994),
além dos aspectos rítmicos e
reconhecimento das notas.
De acordo com Santos (2011), com o ensino profissionalizante do modelo tecnicista
proposto pelo conservatório, do qual sucederam transformações profundas no modelo europeu
de pedagogia musical, a formação técnica do instrumento entrou em primeiro plano, fazendo
com que os aspectos “operacionais” “passassem a ser estudados isoladamente com mais
profundidade e também com certo descompromisso em relação a seus propósitos artísticos”.
Esse modelo de ensino atualmente presente em conservatórios e em diversas IES (Fucci
Amato, 2006) tem levantado implicâncias relacionadas ao fato de não contemplar o aluno
como ser atuante, reflexivo e criativo, em detrimento à aquisição de habilidades específicas
restritas ao mero tecnicismo. Sobre isto Esperidião expõe:
Ao professor competia à responsabilidade de transmitir os saberes e conhecimentos
durante o processo de aprendizagem e ao aluno competia adquirir as habilidades necessárias
para a execução instrumental. Com essa intenção, os programas davam primazia à prática
instrumental e os conteúdos eram compartimentados em disciplinas organizadas de modo
linear, em sequências e fragmentos. (Esperidião, 2003)
Autores no campo do aprimoramento da performance ( Barry, Hallam 2002,Williamon,
Jørgensen
2004)
vem
desenvolvendo
pesquisas
que
buscam
auxiliar
estudantes
instrumentistas no uso adequado de estratégias de estudo. Jørgensen (2004) considera a prática individual importante para a formação do
performer, já que com o decorrer da experiência aliada à prática correta, o estudante definirá
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177
as suas próprias estratégias de estudo. Da mesma maneira, durante o estudo individual devem
ser determinados objetivos e cumpri-los em função de sustentar um estudo eficaz. “Indivíduos
que planejam o que fazer – e sabem por que eles fazem algo e o que eles desejam realizar –
podem fazer sua seção prática mais eficiente” (Jorgensen, 2004, p. 89).
!
Metodologia:
Para a realização deste estudo foram observados cinco estudantes de uma IES, no qual
três deles cursam o de bacharelado em música e dois cursam licenciatura em música. Foi
observado que a média do grupo em estudo de flauta é de 5 anos, sendo que os níveis
relacionados à execução do instrumento variavam entre o quarto e oitavo semestre de cada
curso.1
A coleta de dados foi realizada por meio de uma entrevista estruturada e buscou
compreender os procedimentos utilizados no estudo diário através da análise do seu discurso.
Inicialmente os candidatos responderam questões referentes à sua formação musical,
com intuito de traçar o perfil do sujeito da pesquisa. Posteriormente, foi realizada a entrevista
estruturada,2 teve o propósito de observar no discurso do participante relatos acerca das
estratégias utilizadas no estudo diário do instrumento.
Assim, para perceber os significados que emergem dos relatos proferidos, foi escolhido
como método a análise qualitativa de conteúdo categorial, temático e frequêncial proposto
pela professora francesa Laurence Bardin (2008) no seu livro “Análise de Conteúdo”.
Resumimos este procedimento como:
(...) um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando
obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do
conteúdo das mensagens indicadores (quantitativos ou não) que
permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de
produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens. (BARDIN,
2008, p. 44).
!
A análise de conteúdo propõe, então, que a informação seja tratada em função de torna-
la acessível e manejável, ao ponto em que possa ser feita representações condensadas e
explicativas.
!
Posterior à exploração das entrevistas coletadas, passamos a codificá-las. De acordo
com Bardin (2008), a codificação se refere a transformar o texto bruto por meio de recortes, a
fim de que o material trabalhado atinja um grau de representação do conteúdo. As ferramentas
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que tornarão possíveis a identificação e a retirada do texto são as Unidades de Contexto e as
Unidades de Registro.
A Unidade de Registro (UR) são células significativas podendo ser uma palavra, uma
frase ou um tema. Nesse caso, foram extraídas do significado dado às respostas dos
participantes.
A Unidade de Contexto (UC) “serve de unidade de compreensão para codificar à
unidade de registro e corresponde ao segmento da mensagem cujas dimensões são maiores do
que aquelas da unidade de registro” (Ibid., p. 133).
A categorização tem como objetivo principal proporcionar “uma representação
simplificada dos dados brutos” (Ibid., p. 147). De acordo com a autora, “as categorias são
classes que reúnem um grupo de elementos […] sob um título genérico, agrupamento esse
efetuado em razão de caraterísticas comuns desses elementos” (Ibid., p.145).
Por se tratar de um artigo baseado em uma pesquisa de mestrado ainda em andamento,
serão apresentados os resultados parciais correspondentes à análise de conteúdo da categoria
I. “Desafios na Integração dos conhecimentos musicais teóricos e práticos no no estudo de
flauta” e da categoria II. “Considerações sobre o pensamento tecnicista: aspectos sobre o
estudo de mecanismos”.
!
CATEGORIA I: Desafios na Integração dos conhecimentos musicais teóricos e práticos
no estudo de flauta
U.C.1 A formação acadêmica: pontos positivos:
ur 1 Disciplinas são fundamentais para o desenvolvimento integral
S5 “Acredito que estas disciplinas sejam indispensáveis e essenciais para o crescimento
como músico em geral, não apenas como intérprete, e nos servem para abrir as nossas mentes
e os nossos ouvidos para o mundo musical que não está constituído apenas de notas”.
S1 “Acredito que tais matérias são essenciais pelo fato de que estão presentes na música
em si”.
S4 “As disciplinas que levamos enriquecem nosso conhecimento de mundo e
consequentemente otimizam a performance musical”.
!
U.C 2 Importância da prática do solfejo:
ur 1 Como precaução/prevenção daquilo que vai acontecer na peça
S5: “Geralmente faço uma leitura mentalmente, olhando rapidamente onde terei mais
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problemas de dedilhados, dinâmicas e afins”.
S3: “Solfejo para que antes de tocar já tenha entendido quais as notas que são para ser
tocadas. É muito legal de se fazer, se não solfejar, erro”.
S4: “Realizo solfejo prévio em voz alta a fim de focar a minha atenção para a divisão
rítmica e para as frases”.
ur 2 Como treinamento de passagens onde apresentam dificuldades rítmica ou melódica
S1: “Em alguns trechos solfejo mentalmente, em outros tento cantar. Alguns com
finalidade de ritmo, outros de melodia ou fraseado”.
S2: “Solfejo o ritmo em voz alta. Faço isso para facilitar a leitura, sobretudo se o nível
de dificuldade rítmica for alto”.
!
CATEGORIA II: Considerações sobre o pensamento tecnicista: Aspectos sobre o estudo
de mecanismos
U.C.: Estudo de técnica
ur 1: É o sustento para a construção da música.
S4: “Seriam os alicerces de uma construção, o que sustenta, a primeira parte, aquela que
ninguém vê, mas que segura a construção em pé”.
S1: “Acredito que são uma base para aprimoramentos técnicos, melódicos, etc. De
peças que iremos interpretar”.
ur 2: Analogia do estudo de técnica com preparo físico-muscular do esportista.
S5: “Como um atleta precisa aquecer e fazer seus exercícios diários para alcançar certa
resistência e preparo físico para a realização de alguma atividade, acredito que estes
exercícios (os exercícios de técnica), de certa maneira, também contribuem da mesma forma
para nós, músicos”.
ur 3: É uma necessidade.
S5: “(...) mas como nem sempre é possível conseguir tempo para todo o estudo, dou
prioridade para a parte técnica (…) os exercícios diários são necessários para que consigamos
realizar nossas atividades”.
ur 4: Considera muito importante.
S2: “(os exercícios de técnica) são importantes porque, em minha opinião, são
completos. Abrangem todos os assuntos técnicos da flauta”.
ur 5: Dificultam a realização de uma performance expressiva.
S5: “Procuro pensar na parte interpretativa desde o começo, mas acredito não conseguir
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alcançá-la porque a preocupação com a parte técnica é mais forte”.
S2: “Prefiro deixar por último (a busca da musicalidade). Resolvo os problemas técnicos
primeiro”.
!
Resultados Parciais:
Apresentaremos então uma primeira síntese interpretativa das entrevistas, categorizadas a fim
de esclarecer os eixos temáticos abordados por essas duas categorias.
A categoria I formou-se a partir das duas primeiras perguntas feitas aos entrevistados,
nas quais foram abordadas questões a respeito do estudo diário do instrumento e também
aspectos das disciplinas obrigatórias para os estudantes de graduação, como, por exemplo,
análise, solfejo e percepção musical.
Observamos que nos relatos dos participantes existe uma consciência acerca da
importância das disciplinas teóricas obrigatórias da grade curricular do curso de graduação e
licenciatura em música. A necessidade de cursar certas disciplinas foi destacada como um
facilitador da compreensão musical, que pode ser interpretada por aspectos que vão além da
simples decodificação de signos.
As habilidades necessárias para construir uma melhor qualidade na performance podem
ser adquiridas por meio de práticas que estão presentes na formação profissional, por exemplo
nas matérias que exercitam habilidades aurais (como no caso da percepção e o solfejo) e de
análise. Em relação a este posicionamento, de Paula (2004, p.31) afirma “Não há dúvida de
que o fazer musical exige do instrumentista capacitação específica, demandando que, durante
sua formação, sejam adquiridas diversas habilidades que o qualificam para o exercício da
performance”.
Nos relatos dos participantes, a prática do solfejo realizada no estudo diário foi
considerada como uma das estratégias para a leitura à primeira vista sem o instrumento,
necessária para criar uma visão da música como um todo e identificar situações de dificuldade
rítmica e melódica. Reforçando esta postura, Regina Teixeira et al. (2003, p.30) ressalta a
importância da leitura cantada na formação superior: “ (..) no contexto da formação
profissional de musico em nível superior, cabe a leitura musical permitir a interpretação
qualitativamente distinta da musica expressa através de símbolos em uma partitura, e não
apenas executa-la de maneira mecânica”.
A categoria II “Considerações sobre o pensamento tecnicista: aspectos sobre o estudo de
mecanismos técnicos”, surgiu em função das respostas obtidas por meio da pergunta Os dados
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181
aqui contidos revelaram que para os entrevistados a questão que gera maior preocupação no
desenvolver do seu estudo está relacionada à aquisição e à manutenção da técnica. Por isto, a
maior parte do tempo do estudo individual persiste em manter a tradição do emprego do
estudo mecânico e de aquecimento (escalas, arpejos, sonoridade).3 Esta priorização ao estudo de técnica pode revelar a maneira com que os estudantes
lidam com padrões normativos vivenciados ao longo de sua formação, sabendo que a metade
dos participantes desta pesquisa iniciaram e adquiriram formação musical pelo sistema de
ensino conservatorial.
Finalmente na unidade de registro 5, a qual surgiu das respostas obtidas às perguntas 4 e
5 da entrevista, foram apresentadas dificuldades numa prática que envolva o exercício da
musicalidade desde etapas iniciais do estudo.
!
Discussão
Este artigo procurou compreender a maneira em que estudantes de flauta planejam as suas
sessões de estudo diário. Observamos que uma das estratégias mais citada pelos participantes
revela a adequação ao molde de ensino tecnicista e em relação a isto nos perguntamos, será
esta a principal estratégia para construir um estudo mais eficaz? Susam Hallam (2001) afirma
que para progredir na prática instrumental, primeiramente é necessário desenvolver
habilidades que auxiliem no monitoramento dos resultados da aprendizagem. Do mesmo
modo, Jorgensen (2004) afirma que estudo individual é um momento de autoaprendizagem,
pois com a ausência do professor os estudantes devem monitorar-se constantemente e elaborar
as suas próprias estratégias.
Tendo como norte tais considerações, propomos uma reflexão em busca de tornar mais
abrangente o estudo da técnica instrumental, compreendendo além de aspectos fisiológicos da
execução e realização de movimentos distintos, aspectos expressivos na interpretação
instrumental. Da mesma maneira, o emprego de um processo consciente no estudo diário que
possibilite a definição de metas, monitoramento das atividades e avaliação crítica de
resultados durante a performance pode contribuir para manter o instrumentista focado nos
estudos e realizar uma prática que também permita o exercício da musicalidade desde etapas
iniciais do estudo.
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Referências:
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BARDIN, L.(2008). Análise de conteúdo (70nd ed.). Lisboa: www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/
Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014
182
BARRY, Nancy H; HALLAM, Susan. Practice. In: PARNCUTT, Richard;MCPHERSON,
Gary. (2002). The science & psichology of music performance: creative strategies for
teaching and learning (pp.151-166). Nova York, 2002: Oxford University Press.
ESPERIDIÃO, N. (2002). Educação profissional: reflexões sobre o currículo e a prática
pedagógica dos conservatórios (v. 07/set., pp. 67-74). In: Revista da ABEM. Porto Alegre: FUCCI AMATO, Rita de Cássia. (2006). Educação pianística: o rigor pedagógico dos
conservatórios (v. 06, pp. 75-96). In: Música Hodie. Goiânia: UFG. HALLAM, Susan. (2001). The development of expertise in young musicians: strategy use,
knowledge acquisition and individual diversity, music education research. (v. 03, pp.
7-23). ______________. (2009). Motivation to Learn. In S. Hallam, I. Cross, & M. Thaut, (Eds.)
The Oxford Handbook of Music Psychology (pp. 285-294). Oxford: Oxford University
Press.
JORGENSEN, Harald. (2004). Strategies for individual practice. In: WILLIAMON, A.
Musical excellence: strategies and techniques to enhance performance. Oxford: Oxford
University Press, 2004. p. 85-103.
PARAKILAS, J. (1999). Piano Roles: three hundred years of life with the piano. New Haven:
Yale University Press. NASCIMENTO, Sônia. (2003). Educação profissional: novos paradigmas, novas práticas (v.
08/mar, pp. 69-74). In: Revista da ABEM. Porto Alegre:
PAULA, Lucas de; BORGES, Maria Helena. (2004). O ensino da performance musical: uma
abordagem teórica sobre o desenvolvimento dos eventos mentais relacionados às ações e
emoções presentes no fazer musical (v. 04, pp. 29-44). In Musica Hodie. SANTOS, L. O. (2011). A chave do artesão: um olhar sobre o paradoxo da relação mestre/
aprendiz e o ensino metodizado do violino barroco. Tese de Doutorado em Música do
Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
SANTOS, Regina Antunes Teixeira dos; HENTSCHKE, Liane; GERLING, Cristina
Capparelli. (2003). A prática de solfejo com base na estrutura pedagógica proposta por
Davidson e Scripp (v. 09, pp. 29-41). In: Revista da ABEM. Porto Alegre
SWANWICK, K. (1994). Ensino instrumental enquanto ensino de música (v. 4/5, pp. 7-14).
In: Cadernos de estudo: educação musical
1
Este trabalho adotará a sigla S para sujeito, seguido do número correspondente à ordem cronológica da
realização das entrevistas. Assim, S1 corresponde ao primeiro participante da pesquisa.
2
A entrevista estará disponível nos anexos da dissertação de mestrado, a qual será publicada até finais de
2014.
3 Isto
foi afirmado nas falas dos participantes, por exemplo quando o S5 revela que por não dispor muito tempo
na sessão de estudo diário, prefere priorizar o estudo de mecanismos técnicos
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183
Teoria do fluxo, educação musical e a percepção de emoção em música por
crianças de 6 a 10 anos
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Kamile Levek
Universidade Federal da Bahia
[email protected]
!
Diana Santiago
Universidade Federal da Bahia
[email protected]
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Resumo: O presente estudo piloto buscou observar características da teoria do fluxo em atividades
musicais de improvisação, composição e execução com alunos de 6 a 10 anos da turma de
Conjunto Instrumental do curso de Musicalização Infantil da UFBA, do ano de 2013. O
estudo também verificou a percepção de emoção em música pelas crianças ao ouvirem suas
próprias composições. De acordo com a observação de vídeos gravados durante algumas aulas, 3
das 6 características do fluxo foram identificadas: 1) Concentração intensa e focada no presente
momento da ação; 2) Imersão na ação; 3) Senso de controle da ação. Com relação à percepção de
emoção em música, a maioria das crianças participantes (87,5%) perceberam a emoção de alegria
ao ouvirem suas próprias composições. Portanto, é possível que atividades musicais como
composição, execução e improvisação, que estimulam a criatividade, sejam capazes de gerar
características relevantes do fluxo, e possivelmente gerar emoções positivas.
Palavras-chave: educação musical, teoria do fluxo, percepção, criatividade, emoção em música.
!
!
Introdução
Quando se está envolvido em criatividade, o ser humano se sente mais completo que em
outros momentos (Csikszentmihalyi, 2013). Muitos educadores musicais e pesquisadores de
outras áreas vêm estudando o fenômeno da criatividade, pois é criando e inovando que a
sociedade evolui, em diversos aspectos. Sendo arte, a música está diretamente relacionada
com a criatividade. Estudiosos e educadores musicais buscam maneiras de estimular essa
competência em seus alunos. Sabe-se que a educação musical pode e deve ser criativa, sendo
possível explorar e desenvolver a capacidade das crianças em sua melhor maneira,
motivando-as e realizando atividades capazes de estimular essa competência. Muitos
estudiosos da psicologia e da psicologia da música vêm contribuindo para o tema (ver
Csikszentmihalyi, 2013; Nakamura, Csikszentmihalyi, 2009; Simonton, 2009; Coleman,
2010), como o pesquisador húngaro Mihalyi Csikszentmihalyi, que desenvolveu a teoria do
fluxo, teoria esta que envolve a criatividade, a motivação, a emoção, entre outros elementos
fundamentais para o desenvolvimento humano.
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184
Teoria do Fluxo
Vários pesquisadores de áreas distintas têm estudado a Teoria do Fluxo - Flow Theory.
Segundo Adessi et al (2006), pesquisas sobre a teoria foram desenvolvidas nos anos 80 e 90,
em laboratórios de Csikszentmihalyi e colegas na Itália. As pesquisas nessa época adotaram o
"Experience Sampling Method" (ESM), que utilizava pagers para coletar amostras cotidianas,
aleatoreamente. Outras áreas também se interessaram pelo conceito do fluxo, que teve também
um grande impacto fora da academia, como no esporte profissional, na cultura popular, no
comércio, e na política. Atualmente, alguns pesquisadores estudam também o fluxo para o
desenvolvimento de jogos educativos (ver Abrantes & Gouveia, 2007; Adessi et al, 2006).
O estado de fluxo é a experiência na qual o prazer no desenvolvimento de determinada
atividade é proporcionado por meio do equilíbrio entre as habilidades do sujeito e o nível dos
desafios enfrentados, a ponto de gerar um alto grau de concentração e satisfação pessoal (ver
Cardoso & Araújo, 2010). Permite também, a quem está sob o seu efeito, sentir-se divertido,
envolvido e satisfeito com o que está a fazer. Esta satisfação tem como efeito positivo fazer
com que o indivíduo seja encorajado a repetir e a concentrar-se na tarefa proposta (Abrantes
& Gouveia, 2007).
Segundo Nakamura & Csikszentmihalyi (2009), o estado é provocado a partir de
elementos afetivos diretamente envolvidos com a motivação, que direcionam uma
determinada atividade, executada com bastante concentração e emoção. O fluxo aparece
quando o sujeito está completamente envolvido na realização dessa atividade, que lhe gera um
desafio capaz de ser cumprido (Cardoso & Araújo, 2010).
Algumas características são observadas quando se está no estado de fluxo: fonte: Nakamura & Csikszentmihalyi, 2009
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185
Teoria do Fluxo e a Educação Musical
Como foi dito anteriormente, o fluxo pode estar diretamente ligado com a criatividade, com a
motivação e com a emoção. Com relação à educação musical, pode-se considerar a
improvisação e a composição atividades que estimulam a criatividade (Tafuri, 2006), o que
pode ser observado no segundo semestre de 2013, nas aulas de Conjunto Instrumental do
Programa de Musicalização Infantil da UFBA. Portanto, existe a possibilidade de crianças
experenciarem o fluxo em aulas de musicalização, já que as características da teoria condizem
com algumas reações das crianças durante as aulas. O presente estudo, piloto, buscou verificar
a experiência do fluxo por crianças de 6 a 10 anos de idade, em atividades de composição,
improvisação e execução, assim como a percepção de emoção em música com relação às suas
próprias composições criadas em aula.
!
Metodologia
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Amostra
Participaram do estudo 8 crianças matriculadas no Programa de Musicalização Infantil da
UFBA, especificamente da turma de Conjunto Instrumental (6 a 10 anos de idade) do segundo
semestre de 2013.
!
Procedimento
Durante o processo composicional e de execução, alguns vídeos foram feitos com a finalidade
de observar as características da teoria do fluxo por parte dos alunos. Para verificar a percepção de emoção em música foi utilizada uma folha de respostas.
Todos os participantes foram testados em sala de aula, na presença da professora (e
pesquisadora) e do professor, já que as aulas do Conjunto Instrumental são ministradas em
duplas. Cada criança recebeu uma folha de respostas, giz de cera, e instruções verbais para a
realização da atividade. O teste foi realizado com o consentimento dos pais ou responsáveis. !
Instrumento de coleta de dados
Os vídeos foram captados pela professora (pesquisadora) com a finalidade de registrar
atividades de composição, improvisação e execução, o que resultou na gravação de pequenos
trechos das aulas.
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A folha de respostas foi baseada em um estudo realizado anteriormente (ver Levek,
2012), contendo quatro carinhas expressivas, correspondentes a cada estímulo musical,
desenvolvidas pela artista Mayli Colla. As carinhas expressivas foram desenvolvidas com o
intuito de representar as quatro emoções consideradas básicas: alegria, tristeza, medo e raiva,
respectivamente. !
Figura 1: carinhas expressivas (fonte: Levek, 2012)
!
As crianças deveriam marcar a carinha correspondente à emoção percebida de acordo
com o estímulo musical ouvido.
!
Estímulos musicais
Os estímulos musicais utilizados no estudo foram compostos por crianças, em aula. Um dos
estímulos foi composto pela própria turma participante (Composição 2), já que o curso de
Conjunto Instrumental envolve criação de arranjos, composições e improvisações. O outro
estímulo foi composto pela turma de Conjunto Instrumental do semestre anterior (composição
1), sendo que alguns alunos participaram da composição das duas músicas, pois cursaram os
dois semestres. As músicas compostas pelos alunos foram gravadas durante uma das aulas,
pela professora (pesquisadora) e executadas pelos próprios alunos. O programa de gravação
utilizado foi o Logic Express 9. A captação foi realizada com dois microfones (Shure SM58,
Shure SM57).
!
Instrumentação das composições
Os instrumentos musicais utilizados na Composição 1 (semestre 2013.1) foram: 1 xilofone
baixo, 1 xilofone contralto, 1 xilofone soprano, 1 surdo, 1 caixa clara, 1 metalofone, 2
metalofone sopranos, 1 escaleta. Nove alunos estavam presentes no dia da gravação.
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Os instrumentos musicais utilizados na Composição 2 (semestre 2013.2) foram: 2
triângulos, 2 tambores em forma de "pirulito", 1 bongô, 1 cajon, 1 xilofone baixo. Sete alunos
estavam presentes no dia da gravação.
Cabe citar que nem todos os alunos do curso participaram da gravação, mas todos os
que realizaram o teste haviam participado da Composição 2.
!
Resultados
!
Resultados - vídeos
VT1 (IMG_0521. MOV) - Composição em pequenos grupos O grupo filmado continha 4 crianças e a eles foi dada a tarefa de realizar uma composição
rítmica, utilizando apenas a semínima, pausa de semínima e colcheia, em 8 tempos. O grupo
decidiu que cada criança iria compor dois tempos. Os alunos mostraram-se bastante imersos na atividade, especialmente uma das crianças
que repetia sua célula rítmica diversas vezes. Pode-se perceber com a observação do vídeo
que os alunos apresentaram 3 das 6 características da teoria do fluxo (Nakamura &
Csikszentmihalyi, 2009): 1) Concentração intensa e focada no presente momento da ação; 2)
Imersão na ação; 3) Senso de controle da ação.
!
VT2 (IMG_0522. MOV), VT3 (IMG_0523. MOV) - Execução das composições
realizadas em pequenos grupos Aos alunos foi solicitado que tocassem suas composições, com instrumentos de percussão à
sua escolha (de acordo com a disponibilidade), com a finalidade de se ouvirem e de mostrar o
que tinham feito para os colegas do outro grupo, e vice versa. Nessa atividade, também foi
possível reconhecer algumas características do fluxo, perante os dois grupos, de maneira
similar. As características identificadas foram: 1) Concentração intensa e focada no presente
momento da ação; 2) Imersão na ação; 3) Senso de controle da ação.
!
VT3 (IMG_0806. MOV) - Improvisação Individual
Ao fim das aulas do Conjunto Instrumental as crianças têm um momento de relaxamento,
onde, por vezes, era solicitado a uma das crianças que tocasse uma música criada por ela, para
aquele momento. Pode-se observar, neste momento de improvisação, as mesmas
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características identificadas nos vídeos 1 e 2 (VT1 e VT2): 1) Concentração intensa e focada
no presente momento da ação; 2) Imersão na ação; 3) Senso de controle da ação.
!
VT4 (MOV07147MPG) - Composição do grande grupo
Às crianças foi dito que iriam criar uma música. Alguns alunos questionaram, pois queriam
criar a música em dupla. Houve um pouco de discussão por parte das crianças para a escolha
dos instrumentos que cada um iria tocar na composição, já que muitos alunos queriam tocar o
mesmo instrumento (nesse caso, o cajon). A brincadeira do Uni-duni-tê resolveu a questão.
Para organizar o grupo a professora (pesquisadora) criou um diálogo com os alunos,
perguntando:
- O que uma música precisa para ser música?
Aluno 1: Notas musicais.
- O que mais?
Aluno 1: Sentido.
Aluno 2: Ritmo.
Aluno 3: Um nome.
- Mas vocês vão começar essa música como?
Alunos 4 e 5: Com triângulo.
A criação seguiu com pequenas orientações, sendo direcionada por meio de perguntas,
para os próprios alunos definirem a forma, células rítmicas, texto, melodia, etc. Durante o
processo de composição, que durou aproximadamente 17 minutos, pode-se observar as
mesmas características do fluxo observadas nos outros vídeos: 1) Concentração intensa e
focada no presente momento da ação; 2) Imersão na ação; 3) Senso de controle da ação.
!
Resultados - percepção de emoção em música
De acordo com o teste realizado em aula sobre a percepção de emoção em música pelas
crianças alunas do Conjunto Instrumental, pode-se verificar que 7 das 8 crianças testadas
(87,5%) perceberam (ou sentiram) alegria ao ouvir as duas músicas, enquanto apenas 1
criança (12,5%) percebeu a emoção do medo ao ouvir a música composta pelas crianças do
semestre anterior, assim como apenas 1 criança (12,5%) percebeu a emoção de raiva ao ouvir
a composição de sua própria turma.
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Cabe citar que a criança que percebeu a emoção de medo não havia participado da
composição da música ouvida, já que a criança era uma das que não faziam parte da turma do
semestre anterior (semestre 2013.1).
!
Discussão De acordo com a observação dos vídeos, pode-se sugerir que as atividades musicais de
composição, execução e improvisação com crianças as levam a experenciar características
relevantes da teoria do fluxo. Contudo, não se pode afirmar que durante essas atividades as
crianças realmente experenciaram o fluxo, já que três das características da teoria não
puderam ser percebidas (1. perda da consciência do eu; 2. a atividade é intrinsicamente
recompensadora; 3. sensação que o tempo passa mais rápido que o normal). Com relação à análise das folhas de resposta sobre a percepção de emoção em música,
pode-se verificar que a grande maioria dos alunos percebeu alegria ao ouvir as composições
feitas por crianças. Portanto, é possível que a atividade de composição seja capaz de gerar
alegria nas crianças, já que quando ouviram suas composições perceberam a emoção de
alegria. É possível também que as crianças reconheçam e se identifiquem com composições
de outras crianças, já que nem todos os alunos que ouviram as músicas da presente pesquisa
eram os seus compositores (composição do semestre anterior). Contudo, sabe-se que a criatividade está diretamente ligada com a emoção. É possível
que o ser humano possa atingir seu maior potencial se estiver imerso em atividades que
estimulam sua criatividade, e lhe trazem alegria e prazer. Se atividades musicais são capazes
de gerar alegria nas pessoas, é possível que a música seja uma ferramenta capaz de estimular a
criatividade e experiências de fluxo, não apenas relacionadas à música, mas à vida de maneira
geral. O presente estudo buscou analisar a experiência do fluxo (que está diretamente ligada
com a criatividade, motivação e emoção) nas aulas de Conjunto Instrumental do curso de
Musicalização Infantil da UFBA, do ano de 2013, assim como a percepção de emoção em
música por crianças, ao ouvirem composições próprias e de outras crianças. Futuros estudos
deverão ser realizados a fim de contribuir ainda mais com o tema, que é bastante espinhoso e
de difícil mensuração e avaliação. Além disso, existem poucos estudos relacionados quando
os sujeitos de pesquisa são crianças, o que torna fundamental novas pesquisas na área.
!
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A improvisação como processo criativo na aprendizagem da clarineta
Rosa Barros
Aluna de mestrado na Universidade de Brasília – UnB
[email protected]
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Ricardo Dourado Freire
Universidade de Brasília
[email protected]
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Resumo: O presente trabalho é um recorte da pesquisa de mestrado que trata da aprendizagem da
clarineta por meio da improvisação. O objetivo foi discutir a literatura sobre improvisação nos
contextos da cognição, criatividade e aprendizagem musical buscando definir e clarificar o
problema explicitado de modo a possibilitar um maior direcionamento dos estudos sobre o
assunto. Foram abordadas questões sobre o processo criativo, improvisação livre e idiomática e
aprendizagem instrumental. Como conclusão, observou-se a necessidade de novos estudos sobre a
improvisação na aprendizagem instrumental, mais especificamente na aprendizagem da clarineta,
bem como estudos que apontem caminhos e metodologias que auxiliem professores e estudantes a
incluir atividades criativas em seus cotidianos musicais.
Palavras-chave: improvisação, processo criativo, aprendizagem, clarineta.
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Title: Improvisation as a creative process in learning the clarinet
Abstract: The present work is part of a master’s research about clarinet learning through
improvisation. The objective was analyze the literature regarding improvisation in contexts of
cognition, creativity and musical learning seeking to define and clarify the problem explicit to
enable deeper studies on the subject. Questions about the creative process, and idiomatic free
improvisation and instrumental learning were addressed. In conclusion, there is a need for further
research into improvisation in instrumental learning, specifically learning the clarinet, as well as
studies that point paths and methodologies that help teachers and students to include creative
activities in their everyday musical. Keywords: improvisation, creative process, learning, clarinet.
!
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O conceito de improvisação dentro da área de música tem sido objeto de elaboração de estilos
de performance, cada estilo estabeleceu seu próprio vocabulário e sintaxe musicais. A
improvisação também foi incorporada às metodologias e propostas de educação musical ativa,
nas quais o centro do processo é o aprendiz e a aprendizagem é construída a partir do
conhecimento do estudante. Neste artigo, serão discutidos os conceitos de criatividade,
oriundos da psicologia e da pedagogia, assim como conceitos de improvisação conforme as
práticas de performance, buscando estabelecer um referencial teórico para discussão deste
assunto.
Os conceitos de criatividade foram discutidos tanto na área de psicologia quanto a área
da educação e reconhecem a importância em promover o desenvolvimento do pensamento
criativo. Na área da psicologia não existe consenso sobre o que significa ser criativo, mas há
uma semelhança nas definições de criatividade, compreendendo-a como um processo que
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envolve a emergência de um produto novo, que pode ser uma ideia ou invenção original
(Alencar; Fleith, 2003). Para Burnard (2006), criatividade refere-se aos processos que ocorrem:
[...]dentro de várias unidades sociais e culturais, bem como da influência de pais e
cuidadores no núcleo familiar, ou na interface dos contextos sociais com amigos e
colegas dentro e fora das comunidades escolares e como membros de múltiplas
culturas [...]. (Burnard, 2006, p. 354) !
Na área de pedagogia, as teorias construtivistas partem da ideia que o conhecimento é
construído ativamente pelos aprendizes e que educar consiste em proporcionar-lhes
oportunidades de atividades criativas, que sustentam o processo de construção do saber. (Fino,
2004). A educação musical acompanhou as mudanças da educação geral, autores como Gordon
(2003), Elliot (1995), Miner (2007) e Swanwick (2003) consideram importante que
professores de música estimulem a imaginação dos alunos e seus potenciais criativos, dandolhes conhecimentos e habilidades para utilizar as ideias produzidas para promover reações
espontâneas e criativas. Os autores defendem que a participação em atividades musicais
criativas ajuda os estudantes a tornarem-se plenamente envolvidos com a música, estimulando
a criatividade, a percepção, a sociabilidade, desenvolvendo conceitos estéticos e criando
hábitos de audição crítica. A criatividade na área de educação musical foi explorada por diversas metodologias
como Kodaly, Orff e Dalcroze, entre outras, que incorporaram atividades como a composição,
a improvisação e o arranjo em suas propostas. No Brasil, essas metodologias europeias foram
enriquecidas com características próprias da nossa cultura como ritmos baseados nos gêneros
brasileiros e nas melodias folclóricas (Paz, 2013).
No entanto, são poucas as
metodologias que vinculam atividades criativas à
aprendizagem instrumental. Cislaghi (2011) afirma que, mesmo nos dias atuais, a
aprendizagem dos instrumentos de sopros ocorre, muitas vezes, sob os preceitos do que se
conhece como ensino tradicional, focado na aquisição de habilidades, conhecimentos
específicos, cujos conteúdos encontram-se nos materiais e métodos, aplicados por um
professor especialista. Busca-se resultados pré-determinados e há pouco ou quase nenhum
espaço para atividades de criação (Libâneo, 1994). Sendo assim, é possível notar que existe
um amplo campo de estudos a ser explorado na aplicação dos conceitos de criatividade na
aprendizagem instrumental. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/
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A partir das considerações acima, um questionamento veio à tona: como a improvisação
pode ser compreendida como processo criativo no contexto da aprendizagem instrumental?
Frente ao exposto, para contribuir com as discussões sobre a criatividade em música, este
trabalho visou conhecer com mais profundidade o processo criativo na aprendizagem
instrumental, tendo a clarineta e a improvisação, como focos principais desse estudo. A clarineta foi escolhida devido ao fato dos autores serem clarinetistas e ministrarem
aulas de iniciação do instrumento. A opção de utilizar a improvisação como atividade
norteadora para as aulas de clarineta tem três razões principais. Primeiro, o processo criativo
que se passa na mente de um aluno é geralmente inacessível para o pesquisador, mas uma
performance improvisada, criada no momento da aula ou no palco pode ser facilmente
observada. Segundo porque muitos gêneros de improvisação são fundamentalmente
colaborativos e a observação desta colaboração no palco, no ensaio ou nas aulas é
relativamente simples em comparação com as dificuldades de observar a atividades
colaborativas em outros contextos (Sawyer, 2000). Por fim, a improvisação é aplicável aos
mais diversos conteúdos musicais.
Doravante, surgiu a necessidade de compreender com mais profundidade a
improvisação como processo criativo e de que forma ela se apresenta na aprendizagem da
clarineta. Sendo assim, o objetivo deste estudo é realizar uma revisão bibliográfica acerca dos
processos cognitivos que envolvem a aprendizagem da clarineta por meio da improvisação. A
proposta é fazer um levantamento do material já publicado e analisar de forma crítica essas
publicações de modo a identificar relações, contradições, lacunas e/ou inconsistências na
literatura, seguindo os critérios estabelecidos por Ríos (2009). !
Improvisação e composição: características e diferenças entre processos cognitivos
Considerando que a improvisação é um recurso que favorece a criatividade e pode ser
explorada em muitos contextos, é importante salientar que, além dela, outras possibilidades de
atividades como a composição e o arranjo, por exemplo, também são consideradas pelos
autores Miner (2007), Schaefer (2003) e Swanwick (2003) como eficientes no
desenvolvimento do processo criativo. Os autores destacam a importância da improvisação e
da composição como formas de criação em música. No entanto, estas atividades são distintas
e exigem habilidades diferentes. (Miner, 2007) Para Sloboda (2008), tanto o improvisador quanto o compositor precisam ter um
conjunto de padrões correlatados que possam ser usados, porém o autor considera que "a
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tônica do processo composicional parece ser o trabalho de moldar e aperfeiçoar ideias
musicais. Embora um ideia possa surgir espontaneamente, 'sem ser chamada' e
instantaneamente, seu desenvolvimento subsequente pode levar anos". Miner (2007)
considera composição como o ato de gerar ideias e encontrar as melhores formas de
apresentá-las. Muitas vezes, os compositores escrevem suas ideias usando a notação musical,
dessa forma as ideias podem ser lembradas, examinadas e reavaliadas até que se chegue à
composição final. Azzara (2006) considera que a improvisação é uma expressão espontânea de ideias
musicais significativas. Os elementos-chave de improvisação incluem personalização,
espontaneidade, antecipação, previsão e interação.
Toda a história do desenvolvimento da música é acompanhada de manifestações
improvisatórias e, atualmente, a improvisação possui duas vertentes bem definidas:
improvisação livre e idiomática. Cada uma dessas vertentes possuiu um universo próprio de
valores, características e particularidades. A improvisação idiomática está preocupada
principalmente com a expressão de uma linguagem como, por exemplo, jazz, flamenco ou
barroco, assumindo a identidade e os valores daquele idioma. Improvisação não-idiomática
está liberta de tais pré-requisitos, uma vez que não está amarrada a nenhum principio da
tradição musical e é comumente chamada por alguns autores de improvisação livre. O ímpeto
para a improvisação livre surge de uma tendência de radicalização dos princípios de
renovação constantes na prática musical e desemboca num questionamento amplo, por vezes
filosófico, educacional e em última análise, político (Bailey, 1993).
!
Processos criativos e improvisação musical Criatividade musical pode ser compreendida como o processo cognitivo através do qual,
consciente e inconscientemente, organizam-se padrões musicais familiares em ordens
estranhas ou novas. Esse processo requer dois tipos de pensamento: um que gera uma série de
novas ideias musicais e outro que escolhe entre essas ideias e as coloca junto, de uma forma
que faça sentido musical (Gordon, 2003).
O processamento cognitivo durante uma execução musical criativa, como uma
improvisação, é bastante diferente do processamento cognitivo que ocorre durante a execução
de uma música previamente aprendida. Quando esta segunda acontece, partes do córtex préfrontal são ativados, de maneira que se pode associar este tipo de atividade com o
processamentos cognitivos típicos da atividade escolar, como planejamento, a implementação
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gradual de tarefas e a resolução de problemas de esforço. Entretanto, para improvisar, um
músico tem de ser capaz de gerar e selecionar ideias musicais em tempo real, sustentando o
fluxo da invenção e fazendo uso de um modelo que é fornecido externamente pela cultura
Sloboda (2008). Gordon (2003) e Azzara (2006) consideram que a improvisação musical é equivalente
ao discurso verbal, pois durante uma conversa, os interlocutores geram respostas originais a
estímulos verbais e não-verbais improvisando sobre um determinado assunto a ser discutido.
Nesse sentido, Sloboda (2008) compara a improvisação musical com a habilidade verbal de
recontar estórias equiparando a estrutura da estória com a forma da música. Para o autor, as
duas atividades possuem o mesmo tipo de demanda cognitiva.
Cabe notar, que as descrições de improvisação dos autores citados apontam para a
improvisação idiomática, pois esta possui estruturas melódicas e harmônicas reconhecíveis e
portanto pode ser comparadas à conversa ou a habilidade de recontar estórias. !
Improvisação e aprendizagem
Nos últimos anos, a aprendizagem criativa em música tem evoluído tanto em quantidade
como em qualidade, Beineke (2012) considera que: "o conceito de criatividade psicológica,
bastante difundido na área de educação musical, focaliza os processos de aprendizagem das
crianças, valorizando suas descobertas e a maneira como elas interpretam e (re)criam
conhecimentos." Muitas vezes, as crianças podem ser observadas ouvindo música e respondendo
espontaneamente à essa audição, seja fazendo o seu próprio tipo de música, cantarolando
palavras sem sentido ou batendo com mãos ou pés. Essas reações espontâneas podem ser
compreendidas como um processo musical criativo. (Miner, 2007)
Para Gordon (2003) e Azzara (2006), improvisação na música é análoga à conversa na
linguagem. O processo de aprendizagem da música é o mesmo que o processo de
aprendizagem de uma língua. Ao aprender uma língua, as crianças absorvem as informações
contidas em seu ambiente e naturalmente desenvolvem a capacidade de falar. Em primeiro
lugar há o desenvolvimento do vocabulário, em seguida partes de frases, até que se aprende a
usar frases completas. Da mesma forma, na música, as crianças aprendem a responder e criar
musicalmente por meio do desenvolvimento do vocabulário, de padrões musicais individuais
e em seguida, em canções ou peças completas. O desenvolvimento desses vocabulários segue
um processo semelhante para o desenvolvimento de vocabulários linguísticos. Ao aprender
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uma língua ,naturalmente as crianças assimilam os padrões de palavras e frases de seu
ambiente, tanto através de instrução informal quanto formal e o mesmo acontece com a
música (Gordon, 2003; Azzara 2006).
Seguindo essa mesma linha de argumentação, Azzara (2006) sugere que existe uma
relação forte entre audição, criação, leitura, escrita e análise musical. O autor considera que
cada uma delas tem o potencial de influenciar a outra de maneira significativa quando
apresentadas no contexto da improvisação. Sendo assim, é possível aprender a ler e escrever
música com compreensão, entendendo a música documentada na partitura por meio do
contexto que o aluno criou improvisando. É importante lembrar que a notação é a
documentação de um processo criativo e aprender a ler e escrever música deve ser
apresentado à luz da criatividade. Quando os músicos se expressam, colocando juntos os seus
próprios pensamentos musicais na improvisação, eles podem criar, desenvolver e refletir sobre
ideias musicais (Azzara, 2006).Por isso, é importante que a aprendizagem musical possa
promover essas reações naturais, espontâneas e criativas para a música. A participação em
atividades musicais criativas ajuda as crianças a tornarem-se mais plenamente envolvidas com
a música tanto na infância quanto na vida adulta ( Elliott , 1995).
Nesse contexto, há um amplo campo de estudos a ser explorado no que se refere a
aprendizagem da instrumental e mais especificamente à aprendizagem da clarineta por meio
da improvisação. Algumas publicações relacionadas à aprendizagem do jazz, como a de
Gaspar e Lopes (2011), ressaltam principalmente as questões referentes às práticas de escalas
e arpejos com a finalidade de aprender a linguagem jazzística. No campo da iniciação,
publicações que tratam especificamente da clarineta não foram encontradas. Contudo, o
método "Da Capo Criatividade" de Joel Barbosa (2008) propõe atividades de improvisação
para os instrumentos de banda desde a primeira aula, explorando tanto a improvisação
idiomática, a partir de uma melodia aprendida, quanto a improvisação livre, por meio da
exploração dos recursos de técnica expandida do instrumento.
!
Discussão
Pode-se aprender a improvisar em qualquer nível, como um iniciante, sem educação
instrumental anterior ou conhecimento musical, e como músico profissional. Para os leigos, a
improvisação é uma possibilidade de descobrir e desenvolver talentos ocultos. Para os
músicos treinados, a improvisação pode proporcionar experienciais totalmente novas e
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estimulantes. Pode-se improvisar em qualquer combinação pensável ou impensável de
instrumentos (Stenstron, 2009).
Os professores podem incentivar esse tipo de reação espontânea, estimulando a
imaginação dos alunos e, ao mesmo tempo, dando-lhes conhecimentos e habilidades para usar
as ideias produzidas para ouvir, entender e criar outros tipos de música. (Miner, 2007) No entanto Withcomb (2013) destaca que enquanto alguns professores de música
incluem a improvisação com sucesso em suas aulas, outros têm medos de enfrentar esses
desafios. Cabe notar que, no estudo de Withcomb (2013), as atitudes dos professores
entrevistados em relação à improvisação foram muito positivas, porém esses mesmos
professores apontaram obstáculos ao tentar incorporar improvisação, como por exemplo, falta
de tempo, falta de experiência de improvisar e falta de treinamento para ensinar improvisação. !
Conclusão
A revisão da literatura mostra que suporte para empreendimentos criativos, como a
improvisação, tem sido evidentes na educação musical. Práticas de improvisação se mostram
benéficas para os aprendizes em muitos aspectos de sua aprendizagem musical. Atividades
musicais espontâneas permitem que os alunos possam expressar sentimentos e ideias,
podendo combinar as habilidades de executar, ouvir e analisar. A improvisação dá aos
estudantes a capacidade de criar ideias musicais únicas e diferentes.
Enquanto as configurações de aprendizagem mais tradicionais oferecem muito em
termos de desenvolvimento técnico, do ponto de vista cognitivo, percebe-se que a
improvisação demanda um maior esforço criativo, na medida em que as partes do cérebro
acessadas são distintas. As abordagens na improvisação podem incluir a experimentação de
sons diferentes em um ou mais instrumentos sem limites de forma e possibilidades sonoras
como acontece na improvisação livre, ao mesmo tempo, pode explorar o desenvolvimento de
padrões musicais como tonalidade e harmonia em determinado um estilo particular como
acontece na improvisação idiomática. Os professores podem estimular a criatividade na sala de aula por meio da mescla de
processos de improvisação, proporcionando um ambiente seguro e acolhedor que valoriza as
ideias dos alunos oferecendo oportunidades para que estes improvisem livre ou
idiomaticamente em uma variedade de estilos musicais, conforme sugere a literatura.
Contudo, a revisão bibliográfica demonstrou que alguns professores não se sentem preparados
para incluir a improvisação em suas aulas. Diante do exposto, um grande desafio se apresenta
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para pesquisas posteriores que é como preparar os professores de instrumentos para incluir a
improvisação e outras atividades criativas em suas aulas.
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Ensino de Violão para alunos não violonistas na Graduação em Música da
Escola de Música da UFBA: estratégias para desenvolver o aprendizado
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Cristina Tourinho
Escola de Música da UFBA
[email protected]
Roberta Gurgel Azzi
Faculdade de Educação da UNICAMP
[email protected]
Resumo: Estudantes de cursos de música frequentemente são compelidos a aprender um segundo
instrumento durante a graduação. Muitos cursos não estão aparelhados para oferecer a diversidade
de opções (cordas, sopros, percussão) necessária e, por este motivo, o violão, instrumento de baixo
custo, facilidade de transporte e polivalente (solista e acompanhador) é muito procurado como
Instrumento Suplementar na Escola de Música da Universidade Federal da Bahia (EMUS-UFBA).
Assim, neste artigo, vamos examinar de que forma o violão, em aulas coletivas como “Instrumento
Suplementar”, está sendo utilizado por estudantes não violonistas dos diversos cursos de
graduação em Música na EMUS-UFBA. Serão descritos os procedimentos realizados com o
objetivo de que os estudantes possam desenvolver a leitura e percepção aplicadas ao instrumento,
bem como construir repertório em solo e em conjunto, determinado por suas capacidades
individuais. O estudo se apoiou na Teoria Social Cognitiva de Albert Bandura e tentou organizar,
com os dados empíricos disponíveis, estratégias que permitissem aos estudantes se apropriarem de
formas eficazes na promoção de sua aprendizagem.
Palavras-chave: autoeficácia, aprendizagem de instrumento musical, aprendendo violão.
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Title: The teaching of the guitar to non-player guitar students in an undergraduate course in
Music by the Music School of UFBA: strategies to promote learning
Abstract: Students of Music in an undergraduate course often are compelled to learn a second
instrument during their undergraduate course. Many courses are not able to offer a diversity of
instruments (strings, wind instruments, percussion) which should be offered and thus, the guitar, a
cheaper instrument, easier to be transported and more versatile (students can play solo or
accompanying someone), is very much requested as a Suplementar Instrument at the Music School
of Universidade Federal da Bahia (EMUS-UFBA). That said, in this article, we will present an
initial study of the analysis about ways to explore the teaching of the guitar to non-players as way
to develop the autonomy of the learner, in the light of the Social Cognitive Theory of Albert
Bandura. The teaching of the guitar here discussed happened in many collective classes as
“Suplementar Instrument”, a mandatory subject for non-player students of many undergraduate
degrees in the Music School at UFBA-EMUS. We will describe the procedures taken as the
objective of the students so that they could develop reading and the perception applied to the
instrument, as well as build their repertoire solo and as a group, based on their individual
capacities. The study is drawn upon the Social Cognitive Theory of Albert Bandura and tried to
organize with the empirical data available some strategies that would allow the students to take
over the efficient ways to promote learning.
Keywords: self-efficacy, musical instrument learning, learning guitar.
Aporte teórico e revisão bibliográfica Os pressupostos e princípios que iluminam este trabalho estão alicerçados na Teoria Social
Cognitiva (TSC) formulada por Albert Bandura (1986). Com aplicabilidade em diferentes
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campos do conhecimento, estudos no campo da música começam a mencionar a TSC e seus
constructos (Cereser & Hentschke, 2009; Kruger & Araújo, 2013; Brazil & Tourinho, 2013;
Gama & Dias, 2013). O grupo de pesquisa Formação e Atuação de Profissionais em Música
(FAPROM) da UFRGS vem também utilizando a Teoria Social Cognitiva, assim como vários
estudantes concluintes de Mestrado e Doutorado da UFRGS a adotaram como referencial.
(http://www.ufrgs.br/faprom/ptb_publicacoes.php). Dentre eles, os trabalhos de Mendes e
Cernev (2013), Cereser (2011) e Hentschke e Cereser, (2009) se preocupam em dialogar com
a concepção teórica de Bandura.
!
Objetivos e suas ligações com o referencial teórico
A teoria de Albert Bandura é relativamente recente. Em 1986 o autor reuniu suas ideias e
investigações, renomeando sua teoria como Teoria Social Cognitiva. Esta teoria vem sendo
apropriada e usada por diversos segmentos como educação, esportes e gerenciamento.
Segundo Bandura (2008, p. 15) as pessoas “criam objetivos para si mesmas e preveem os
resultados prováveis de atos prospectivos para guiar e motivar seus esforços adequadamente”.
Aplicado este princípio ao contexto de aprendizagem instrumental, entendemos ser necessário
compreender quais são os objetivos dos estudantes e também estimar junto com eles um
provável resultado de estudos. No semestre UFBA 2013.2 procurou-se detectar objetivos individualizados no estágio
inicial do contato professor-aluno, cuidando para que os mesmos fossem guiados para o
melhor aproveitamento possível da disciplina. A forma e o tempo de estudo dedicados ao
instrumento estariam então refletidos no melhor desenvolvimento musical do estudante, de
acordo com a previsão de um planejamento flexível. Então, permitir maior flexibilidade no
estabelecimento de metas e condução das condições para atingi-las permitiria conhecer como
o aluno lidaria com as condições de aprendizagem.
A TSC e sua discussão sobre autorregulação da aprendizagem, especialmente a partir do
detalhamento encontrado nos estudos de Schunk (2008), nos direciona a pensar sobre a
perspectiva do estudante no campo da música. Consideramos que, dentro das escolhas feitas
em um curso de graduação, que está preparando o indivíduo para o seu futuro profissional e
ganho de subsistência, as pessoas precisam aprender a planejar as condições para seu
aprendizado, estabelecer objetivos pessoais a curto e médio prazo, e também a se autorregular.
Isto implica em um posicionamento proativo, bem diferente do estudante de séries iniciais,
que geralmente adota uma atitude passiva de aprendiz.
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201
Entre os objetivos educacionais dos cursos de graduação, a promoção do
desenvolvimento da consciência crítica e o estudo consciente do instrumento devem
desenvolver no aluno o comportamento de constantemente se perguntar o para que, por que e
como desenvolver atividades. Esta postura frente ao desafio de aprender um novo instrumento
pretende que o aluno evite estudar mecanicamente e sem objetivos definidos, como
frequentemente fazem os amadores ou iniciantes. No senso comum, as escolhas pessoais precisam ser feitas para trazer satisfação e
autorrealização. Contudo, considera-se que o processo de aprendizagem de um novo
instrumento requer certa dedicação antes que se consigam resultados efetivos. A TSC pode
ajudar aos professores a pensar condições de ensino que promovam o desenvolvimento de
alunos enquanto agentes de sua própria aprendizagem. Ao considerar que as pessoas podem
ser agentes de suas ações, ou seja, atuar com intencionalidade em sua ação, elas se tornam
autoinvestigadoras do próprio funcionamento (Bandura, 2008, p. 43). O papel do professor na promoção de condições que provoquem no aluno o
desenvolvimento de agência (expressão de Bandura) nas atividades de aprendizagem da
música é crucial, pois precisa proporcionar meios para um estudo consciente e estimulador e
que ofereça possibilidades de desenvolvimento para uma aprendizagem autorregulada. Neste
sentido, conhecer o aluno, acompanhá-lo em seu processo de aprendizagem e oferecer
estratégias de estudo para prática são algumas das condições que devem estar presentes em
processos de aprendizagem de instrumentos musicais. A seguir, vamos apresentar algumas
informações e estratégias utilizadas em uma disciplina (Violão, Instrumento Suplementar) em
2013, na EMUS-UFBA. O objetivo deste trabalho pode ser descrito como um estudo inicial
de exploração de estratégias de ensino de violão para não violonistas em direção ao
desenvolvimento da autonomia do estudante, à luz da TSC.
Para descrever as condições em que a disciplina foi realizada e que permitam ao leitor
situar-se, vamos iniciar com a apresentação do perfil dos alunos, seguido de uma descrição
dos objetivos da disciplina, das atividades realizadas e dos critérios de avaliação.
!
Perfil dos alunos O perfil dos estudantes foi bastante diversificado no que tange à aprendizagem anterior do
instrumento. Em sua totalidade, no segundo semestre de 2013, todos eles, ao se matricularem
na disciplina, tocavam acordes e podiam acompanhar músicas da mídia em variados graus de
dificuldade. Apenas 20% não conhecia a localização das notas no instrumento, isto é, apesar
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202
de conhecerem a leitura musical nem sempre associavam o que tocavam com a leitura na
partitura. Metade tocava peças de média dificuldade, a exemplo de Sons de Carrilhões, mas
tinha dificuldade em ler à primeira vista melodias muito simples (que utilizavam semínimas e
colcheias, por exemplo). Em nosso primeiro contato detectamos que o aprendizado não associava a leitura
musical, sendo mais comum usar modelos audiovisuais, como ver amigos tocando ou
aprender utilizando gravações. De forma geral, os alunos do segundo e terceiro semestre de
Licenciatura e de Bacharelado em Instrumento possuem ainda pouca fluência na leitura
musical, exceção para os alunos de Composição. Apenas um aluno tocava peças de um
repertório tecnicamente mais exigente, como a “Fuga BVW 1006” (Bach) e “La
Catedral” (Barrios) e não possuía nenhuma dificuldade de leitura à primeira vista.
A frequência às aulas semanais se deu de forma regular, sendo que os 25 alunos foram
distribuídos em sete grupos; houve apenas uma desistência e uma perda por falta. Pode-se
dizer que o grupo monitorou sua própria presença, visto que os estudantes assinavam lista
semanal e estavam sempre informados de até quantas aulas poderiam faltar.
!
Objetivos da disciplina
Na ementa da disciplina, acessada no site da UFBA em 27/12/2013, reza que deveria ser dada
“Oportunidade de conhecimento e experimento das particularidades do violão, visando
fluência no domínio do instrumento através do estudo e execução das peças em nível de
dificuldade elementar”. Sendo assim, o primeiro passo foi o preenchimento de um
questionário de sondagem, que incluiu dados para contato e uma avaliação diagnóstica. Em
seu primeiro contato com o professor e colegas, o estudante tocou e fez uma leitura simples à
primeira vista, o que balizou o seu conhecimento musical aplicado ao instrumento. A
dificuldade do repertório coletivo e individual ficou determinada pela condição individual de
cada estudante, sendo as peças escolhidas de comum acordo entre estudante e professor.
O professor entendeu a disciplina como eminentemente prática, embora fossem feitas
conexões e frequentemente dadas informações acerca de períodos e estilos, por exemplo. Mas
as atividades estiveram centralizadas na performance instrumental, sendo utilizadas as
execuções de peças do repertório violonístico, fossem melodias cifradas ou escritas em
partituras, introdução à improvisação e utilização de recursos específicos do violão, como
pizzicatos, harmônicos, tambora. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/
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203
Como os horários dos cursos na EMUS-UFBA incluem aulas nos três turnos, foi
praticamente impossível agrupar estudantes pelo mesmo nível de conhecimento e habilidade
instrumental. Os sete grupos foram preenchidos com até quatro estudantes por hora, de acordo
com a disponibilidade de horário dos mesmos. Coube ao professor estruturar a classe e fazê-la
funcionar, de acordo com o material humano disponível. Desta forma, as aulas se
desenrolaram em um misto de classe coletiva e masterclass, agregando diferentes
experiências e níveis de execução musical. Procurou-se não fracionar a aula em atendimentos
individuais, sendo as atividades feitas coletivamente, em sua grande maioria. Quando
necessário, os atendimentos individuais foram realizados no formato de pequenos
masterclass, com explicações dirigidas explicitamente a todos os presentes.
!
Estratégias de ensino
Conteúdos como alongamento, aquecimento e técnica, leitura à primeira vista, repertório
individual e coletivo estiveram ligados essencialmente aos objetivos de perceber, aprender,
recordar, refletir e transferir aprendizados para novos conteúdos e materiais. Estes tiveram
tempos diferenciados, dependiam do planejamento e do interesse dos estudantes. Levou-se em
conta a motivação dos alunos com um determinado repertório ou atividade. Como as aulas
eram coletivas e para pessoas com diferentes níveis de habilidade motora, houve empenho
para que todo o grupo estivesse envolvido. Assim, tarefas de ensino como tocar um arpejo de
cordas soltas para trabalhar a sonoridade ou uma escala foram realizadas em diferentes
andamentos, tocados no dobro da velocidade por quem pudesse tocar mais rápido. Nas
escalas, usou-se a repetição de notas com aumento do valor da subdivisão ou mesmo escalas
mais rápidas enquanto outros tocavam a mesma escala em notas longas. Utilizaram-se várias
técnicas de mão direita, como diferentes combinações de dedos e também sincronia mão
direita-mão esquerda, isto é, tocar forte fazendo o mínimo de pressão com a mão esquerda. A
sonoridade foi outro ponto técnico explorado, com recomendações de como lixar e cuidar das
unhas.
Na leitura à primeira vista, geralmente, procurou-se peças simples e curtas, tonais, tendo
em mente a previsibilidade harmônica. Foram utilizados também arranjos para várias vozes,
com alternância dos estudantes em vozes diferentes a cada rodada de leitura. Ainda com peças
à primeira, vista explorou-se o campo harmônico, formação de acordes e cifras. O repertório
individual obedeceu ao gosto e preferência dos estudantes. Existiu uma solicitação muito
grande de peças brasileiras, principalmente chorinhos e arranjos de música popular urbana.
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Avaliação
Cada um dos estudantes teve acesso semanal à sua ficha individual, onde assinava presença. A
cada mês o professor colocou uma nota e um comentário breve acerca do desempenho
individual. Assim, todos estiveram cientes da impressão geral do seu desempenho produzido.
Por exemplo, dois estudantes diferentes recebiam a mesma nota numérica, 7, mas com
comentários específicos, que poderiam se referir tanto à assiduidade quanto ao desempenho.
Foram marcadas três gravações para as peças estudadas. As gravações foram feitas na 5ª, 10ª e
15ª aula, sempre em audições públicas. Os vídeos das gravações foram disponibilizados para
todos, e também foi solicitado que os estudantes escrevessem um pequeno parágrafo
respondendo a três questões, por e-mail: a) Como me senti tocando em público? b) O que
gostei de minha performance na peça que toquei? c) O que posso melhorar para a próxima
vez? Considerações sobre os depoimentos serão apresentados a seguir.
!
Discussão
Segundo Luckesi, “A avaliação da aprendizagem escolar se faz presente na vida de todos nós
que, de alguma forma, estamos comprometidos com atos e práticas educativas. [...] todos,
estamos comprometidos com esse fenômeno que cada vez mais ocupa espaço em nossas
preocupações educativas” (2000). Para a performance musical de graduandos em que o violão
não é o instrumento principal, necessita-se determinar com antecipação quais seriam os
resultados esperados, visto que estes indivíduos não possuem o tempo exigido para dedicação
ao instrumento como em um curso de bacharelado. Pelo perfil individual traçado no início da
disciplina e pelos diferentes níveis de habilidade instrumental, os objetivos já ficariam, de
certa forma, estabelecidos. Mas a possibilidade de surpresa de desempenho nas aulas de
instrumento é sempre muito grande. Assim, estudantes com pouca experiência se sentiram
suficientemente motivados para se dedicarem a peças que exigiram bastante estudo, que
representaram um desafio técnico e musical. Outros se aplicaram para melhorar a leitura à
primeira vista, corrigir problemas técnicos, de sonoridade, cuidar das unhas adequadamente.
Pelo menos dois estudantes compraram instrumentos novos que, embora instrumentos de
fábrica, eram superiores aos que possuíam anteriormente.
Em relação à autoavaliação os estudantes se perceberam nas gravações com uma
impressão muito diferente daquela que tinham guardado na lembrança após tocar. “Pensei que
tinha saído bem pior” avaliou M, corroborando com a tendência a maximizar o erro de notas.
E.E. se sentiu apoiado pelos colegas quando estes se ofereceram para acompanhar a peça que
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205
ele ia tocar sozinho e confessava ter “receio de errar apesar de ter estudado”. E.S. pediu para
incluir uma peça que havia tocado no primeiro semestre, porque “estava bem segura e isso me
dará mais confiança”, declarou. Pelo menos dois estudantes não tocaram sozinhos, alegando
não estarem preparados para isso. Um dos estudantes, J.H., desenvolveu de forma
impressionante a leitura aplicada ao instrumento e melhorou a sonoridade e a posição da mão
direita, incentivado pelo professor e pelos colegas, que apoiaram e incentivaram seus
esforços.
Todos estes aspectos (musicais, comportamentais) podem ser apoiados na TSC e na
intencionalidade do professor em conduzir as classes de forma a estimular a premissa de
Bandura, de que criamos objetivos e prevemos atos que possam guiar e motivar os nossos
esforços adequadamente. Os diferentes níveis de cognição, habilidade motora e predisposição
de cada um dos estudantes em cada turma poderiam ser considerados um entrave por muitos
professores. Neste caso, foi tomado como uma vantagem, isto é, aproveitaram-se as
experiências diversificadas para estimular a auto-observação e aprendizagem. Esclareceu-se
que cada um seria comparado consigo mesmo, com o seu próprio desenvolvimento, estudo e
aplicação. As gravações individuais mostraram o avanço individual a cada registro, e mesmo
quando o avanço não havia sido significativo, sempre algum aspecto positivo foi destacado
pelo professor.
Para o próximo semestre as audições prosseguirão gravadas, agora no horário da classe,
para evitar que os alunos precisem se deslocar fora do horário da aula, o que impediu a
participação de alguns estudantes. Os estudantes declararam estar motivados com uma
apresentação formal e sugeriram temas de estudo para o próximo semestre, com peças
brasileiras e ritmos nordestinos (baião, xaxado, forró). Espera-se que a TSC possa contribuir
para a sistematização de procedimentos em classe que permitam aos estudantes um
aproveitamento pleno de suas potencialidades enquanto instrumentistas.
!
Lista de Referências:
!
BANDURA, A. (2008). “O sistema do self no determinismo recíproco”. In: BANDURA, A.;
AZZI, R. G. & POLYDORO, S. Teoria Social Cognitiva: conceitos básicos. Porto Alegre:
Artmed. BRASIL, M. & TOURINHO, C. (2013). As crenças de autoeficácia e a criação de arranjos
coletivos para aulas de violão. Anais do V SISPEM. Disponível em http://www.scribd.com/doc/
193167587/As-crencas-de-autoeficacia-e-a-criacao-de-arranjos-para-aulas-coletivas-deviolao. Acesso em 02/02/2014.
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206
BZUNECK, J. A. (2010). “Como motivar os alunos: sugestões práticas”. IN:
BORUCHOVITCH, E. & GUIMARÃES, S.E.R. (Orgs). Motivação para aprender: temas
atuais e aplicações no contexto educativo. Petrópolis: Vozes.
CERESER, C. & HENTSCHEKE, L. (2009). A escala de crenças de autoeficácia dos
professores de música para atuar no contexto escolar. Anais XVII Congresso Nacional da
Associação Brasileira de Educação Musical e 15º Simpósio Paranaense de Educação
Musical, Londrina – PR.
GAMA, P. da S. & DIAS, J. (2013). Elaboração e validação de uma escala de autoeficácia
para percepção musical no ensino superior. Anais IX Simpósio de Cognição e Artes
Musicais (pp. 512-521).
KRUGER, I. M. & ARAUJO, R.C. de. (2013). O processo da aprendizagem musical em aulas
coletivas por meio das experiências vicárias. Anais IX Simpósio de Cognição e Artes
Musicais (pp. 107-115).
LUCKESI, C. C. (2000). O que é mesmo o ato de avaliar a aprendizagem. Revista Pátio,
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http://www.ufrgs.br/faprom/ptb_publicacoes.php. Acesso em 31/01/2014.
SCHUNK, D. H. (2009) Goal Setting. Education.com. Disponível em <http://
www.education.com/reference/article/goal-setting/>. Acesso em 27 de ago. 2013.
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https://alunoweb.xxxx.br/SiacWWW/ExibirEmentaPublico.do?
cdDisciplina=MUSB60&nuPerInicial=20091
www.teoriasocialcognitiva.net
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Analizando la génesis de la creación musical: un estudio introspectivo
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Sergio Murillo Jerez
Universidade Federal do Paraná–UFPR
[email protected]
Resumen: En la descripción parcial del proceso creativo de una pieza para piano “Difracción”, en
la cual, se relata los aspectos de la creación musical, ‘anteriores’ al momento en que se piensan las
sonoridades, se destaca la percepción de la realidad como vehículo para conformar diversas formas
de experiencia. Se parte del principio de que la percepción de las cosas en el mundo o la aprensión
de ideas son concebidas por modos de introspección y no como referencias. Se considera que esas
introspecciones suscitan y orientan diversos procesos o herramientas que están relacionadas al
crear compositivo y que son interdependientes de estados mentales, como imágenes, sensaciones,
afectos, impresiones y memoria. De este modo, se contempla una aproximación compositiva a
partir de la valorización de la percepción, imaginación y de los sentidos, además, se vislumbra el
desarrollo de órdenes y estructuras por medio de sensibilidades y sensaciones, lo que posibilita la
creación de patrones de imágenes, campos imagéticos para componer, crear o recrear realidades
musicales cognitivas presentes en nuestro entorno y en nosotros mismos.
Palabras clave: percepción, composición, fenómeno
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Title: Analyzing the genesis of musical creation: an introspective study
Abstract: In the creative process of partial description of a piano piece “Difracción” on wich
aspects of music, past, creating the moments when it sounds think is related, emphasizes the
perception of reality as a vehicle to bring about various forms of experiences. It starts from the
principle that the perception of things in the world or the apprehension of ideas are conceived as
ways of insights and not as references. It is considered that these insights will arouse and guide the
various processes or tools that concern the compositional creativity and are interdependent from
mental states, such as images, sensation, feelings, impressions and memory. Thus, a
conceptualization of the composing starting from an assessment of perception, imagination and the
senses is entertained, and the development of structures or orders by means of sensations and
sensibilities is considered. This allows for the creation of images patterns, of imagistic field, to
compose, create or recreate musical and cognitive realities that are present in our surroundings
and ourselves.
Keywords: perception, composition, phenomenon La realidad en que vivimos se nos presenta, en parte, como un manojo de “conciencias” —
sensaciones,
emociones,
impresiones,
interpretaciones
—
produciendo
formas
de
conocimientos necesarias para interactuar consigo mismo y con el mundo. Esos modos de
conocer la realidad, en la medida que se complementan e interactúan, sufren modificaciones,
dan origen a diversas formas de experiencia. Esas ideas implican en la formación de un
horizonte conceptual e instrumental, a partir del cual y en el cual sea posible realizar,
principalmente, a través de las experiencias sensitivas y perceptivas, intercambios de
experiencias entre compositor y su entorno, visual y sonoro. Según esto, la percepción de
experiencias sensibles, junto con operaciones de la imaginación y de la memoria, son
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fundamentales para configurar la creación de parámetros de construcción y de materiales
sonoros en el proceso compositivo. Para Merleau-Ponty (2006) “el pensamiento objetivo ignora el sujeto de la percepción”.
La causa de ese pensamiento objetivo es dada, según Merleau-Ponty, “en un mundo hecho
como medio de cualquier acontecimiento posible”, en que la percepción es tratada “como uno
de sus acontecimientos” (Merleau-Ponty, 2006, p. 279). De ese modo, la sensación deja de ser
un elemento real de la consciencia, pues el acto de percibir se abstrae [1]. Las sensaciones son
en parte estados o maneras de ser en el mundo, y como tales, no deberían ser comprendidas
aparte de un contexto de cognición más global, en que el ser humano es parte y se relaciona
con su medio. “El universo que conocemos no es universo sin nosotros, sino con
nosotros” (Morin, 2000, p. 142). Existen diversas sensaciones que pueden ser tomadas como
materiales de un proceso creativo, desde sensaciones táctiles, visuales y auditivas, hasta
tensiones generadas por ruidos fuertes y repentinos, o incluso por el cuerpo expuesto a
velocidades extremas, entre otros. El significado de estas sensaciones se presenta en un
ámbito interpretativo que conduce a experiencias e interrelaciones fenomenológicas, es decir,
es necesario vivirlas para crear una percepción de esos eventos que, a la vez, comprometen
una serie de sensibilidades percibidas en el acto. Es en ese ámbito propiamente dicho que
comienza la creación, como un intercambio de experiencias de la consciencia, en el que caben
hábitos, valores, ideas, emociones etc. En ese ‘trueque’ es posible reconstruir las imágenes
percibidas y como ellas se articulan en el proceso compositivo, en la medida en que hay una
continua interacción recíproca entre el compositor y su mundo. Merleau-Ponty explica que
nuestra aprensión del mundo no se da como un primer acontecimiento, en el cual se puede
aplicar, por ejemplo, la categoría de la causalidad. Esta aprensión se realiza, al contrario,
como una recreación o una reconstrucción del mundo en cada momento (Merleau-Ponty,
2006). Esta posibilidad de recreación, no sólo posibilita la reconfiguración de la percepción de
las cosas, también, permite transformar el contenido aprendido a partir de un punto de vista
artístico. Sin embargo, es necesario que exista el ímpetu por descubrir nuevos modos de
existencia de las cosas y, sobretodo, una “tendencia fundamental del ser humano de
experimentar una impresión estética en ciertas circunstancias reales y vitales” (Simondon,
2007, p. 198). Es en ese sentido que es posible aludir a lo verdadero, que se origina, en parte,
como un proceso subjetivo de creación, y no a partir de materiales pre configurados que
determinan la “competencia” musical (Buckinx, 1998) del trabajo realizado. !
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209
La pieza “Difracción” [1]
El proceso creativo que se presenta aquí, resultó de la asimilación de fenómenos de la
realidad, impresiones, sensaciones, afectos, imaginación y memorias, que al desarrollarse
sobre un tratamiento estético musical, alcanzaron otras realidades o dimensiones. “Cada
mundo singular es un posible mundo real. Y ese mundo real es, también, el mundo vivido por
los hombres” (Dufrenne, 1973, p. 46) — que, a partir de la actividad estética, transforma sus
ideas por medio de la organización y configuración de experiencias cognitivas en estructuras
complejas. En la búsqueda de sentidos y significados como experiencia estética, se siguió el punto
de vista del filósofo francés Gilbert Simondon (2007), para quien la actividad estética se
origina de una forma “espontánea” de percepción y organización de los seres y de sus
maneras de ser en la naturaleza. En sus palabras:
En efecto la realidad estética, no puede ser entendida con propiedad ni como objeto
ni como sujeto […] la realidad estética no está separada del hombre ni del mundo
[…] no es ni herramienta ni instrumento […] hay una belleza de las cosas y de los
seres, una belleza de las maneras de ser, y la actividad estética comienza por
percibirla y organizarla, respetándola cuando esta es producida naturalmente (2007,
p. 201) !
Esa realidad, organizada en su estética, es originaria de la sensación, de la realidad de lo
sensible, que sin duda está entrelazada con el hombre y con el mundo. Los contenidos estéticos que en principio moldearon y sirvieron para desarrollar la pieza
(que serán mencionados más adelante), son ajenos a los elementos musicales convencionales,
como: alturas, ritmo, melodías y acordes. Sin embargo, los elementos que fueron utilizados
para generar el material sonoro de la pieza — antes de tener contacto con el lápiz y el papel,
inclusive con el piano — corresponden de cierto modo a un orden “pre-musical”. Esos
aspectos pre-musicales en Difracción, ocurren en diferentes niveles del pensamiento o ideas y
son los materiales que generaron la percepción global estética de la pieza. En la tercera parte de la Phenomenology of aesthetic experience, Dufrenne (1973)
describe el objeto estético a través de tres planos noemáticos: el sensible, el del objeto
representado y el del mundo expreso. A estos tres planos noemáticos corresponden, los
niveles de presencia, de representación y de reflexión, como se ilustra en la figura 1. Pero, lo
que interesa aquí es exponer, dos de esos tres estados de consciencia mencionados, presentes
en Difracción, que corresponden, principalmente, a los materiales pre-musicales; el de la
representación e imaginación y el de la reflexión y sentimiento en la percepción general. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/
Figura 1 Planos noemáticos
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!
Figura 1: Nivel de la Reflexión y sentimiento en la percepción general de la pieza.
La concepción presente en Difracción es definida, en parte, por la convergencia de
reflexiones estéticas construidas a partir de imágenes de naturaleza musical y configuraciones
de la imaginación, (que serán abordados en el siguiente nivel) y que pertenecen de manera
latente a la memoria. Esta concepción se originó de modo fragmentado, poco antes de
comenzar con la escritura de la pieza.
El primer aspecto relevante a tratar en este nivel corresponde a un proceso de
acumulación, “oposición y convergencia” de informaciones y conocimientos que fueron
siendo adquiridos desde el inicio de mi curso de grado hasta la conclusión de Difracción en
2012. Son temas musicales que fueron elaborados en un contexto perceptivo más global, que
abarca determinadas estructuras y formas de organización del sistema tonal y del pensamiento
atonal. Esas primeras ideas presentes en la composición de la pieza, siendo trabajadas
anteriormente en otras piezas, generaron aspectos relacionados no solamente con la
composición musical, sino también a los sentimientos y percepciones que emergen de
interactuar con las realidades vividas en diferentes contextos, ya que en el hombre parece
haber una “necesidad fundamental […] de asimilar experiencias tanto de su entorno como de
sus procesos psicológicos internos” (Bohm, 2005, p. 19). La asimilación de esas experiencias
trajo nuevas ideas para la composición.
Durante mi curso de grado, el aprendizaje teórico y práctico de formas de pensamiento
y valores presentes en el sistema tonal, posibilitó alcanzar experiencias musicales
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211
significativas dentro del sistema tonal. En algunas ocasiones, el desarrollo de esos
fundamentos musicales fue importante para que, en aquella época, pudiese reflexionar sobre
mi proceso de composición que para ese entonces, estaba más o menos conformado por un
sistema de reglas de carácter convencional de organización jerárquica de sonidos. Esa
reflexión fue importante para cuestionarme, hasta qué punto, el sistema tonal me podría ser
útil para manifestar ciertas experiencias perceptivas que rebasaban aquellas reglas de
organización sonora.
Aunque, esa reflexión sería abandonada de manera provisional posteriormente, tuvo una
función muy importante en otros momentos del proceso compositivo, pues con el pasar del
tiempo, mi curiosidad e imaginación la desintegraron en diversos fragmentos, debido que,
“toda experiencia vivencial, antes de más nada, es un proceso, así, las relaciones entre las
vivencias son relaciones entre procesos” (Piana, 2001, p. 144). Fue a través de esos
fragmentos que se volvió posible conectar sensaciones pertenecientes a diferentes momentos
de la consciencia. En ciertos momentos creativos, fue posible vivenciar esos contenidos de
diversas maneras en tiempo y espacio. A pesar de ser fragmentadas, pero no desvinculadas de un gran todo, esas ideas
permitieron, posteriormente, crear una serie de conexiones temporales asociadas a un espacio
ficticio, y de ese modo, generar una diversidad de experiencias perceptivas entrelazadas. Por
consiguiente, esos fragmentos, al ser reconfigurados en la mente y, al mismo tiempo,
constituirse como complemento de un todo, pudieron formar un “pensamiento estético” —
pensamiento que según Simondon (2007), “mantiene el recuerdo implícito de la unidad” (p.
197). Simondon (2007), también argumenta que ciertos “nudos claves”, que se destacan de
una maraña de cosas en la realidad vivida, pueden formar potencialmente una “red” de
pensamientos de naturaleza estética. En ese sentido, “pasiva” por algún tiempo, pero
conectada a una red de pensamientos, afectos, percepciones y memorias, aquella reflexión
sobre las limitantes de la tonalidad fue relevante, posteriormente, para alcanzar la percepción
estética global de Difracción.
!
Pensamiento atonal
Tanto los recuerdos relativos a los límites que el sistema tonal trajo consigo al trabajo
compositivo, como la asimilación gradual de materiales y formas de organización del
pensamiento atonal, fueron fundamentales para la apertura de una nueva perspectiva de
elaboración musical.
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212
No obstante, ese nuevo abordaje en relación a los materiales — que envuelve un
replanteamiento del pensamiento en relación a los procesos compositivos — afectó en parte el
proceso creativo. El trabajar con nuevos paradigmas que colocaron a prueba habilidades y
desempeños, conllevó a una serie de sentimientos que parecían rechazar los avances de la
composición de la pieza. Las impresiones que permanecieron de esa experiencia fueron
relevantes para enriquecer el proceso creativo, pues ellas sirvieron para cuestionar la
experiencia estética durante la realización de Difracción. En ese mismo contexto, el
relacionamiento con el nuevo procedimiento compositivo me llevó a experimentar nuevas
posibilidades de organizar los materiales sonoros durante las actividades prácticas. Sin
embargo, al liberarme de las reglas que limitaban el proceso creativo y la vivencia de
experiencias perceptivas más amplias en el ámbito de la música, ocurrió principalmente una
dificultad en comprender y organizar esos materiales en el ámbito de la escucha y de la
vivencia estética.
De cierto modo, esa experiencia generó una frustración y un sentimiento de
inconformidad hacia las formas de pensamiento atonal, de manera similar a lo que había
ocurrido anteriormente en relación a las limitaciones presentadas por el sistema tonal para
desarrollar mis ideas en la composición. La dificultad de no poder crear imágenes mentales
sonoras — desde la perspectiva del nuevo paradigma — para articular la forma musical,
conllevó a nuevas reflexiones que fueron poco a poco incorporándose, también de modo
fragmentado a las experiencias temporales y espaciales vividas por la imaginación y por los
sentimientos.
Las reflexiones dadas a partir de la descripción de las experiencias presentadas, a pesar
de representar en parte una inconformidad con la realidad musical vivida hasta el momento,
apuntan a una compleja red de sentimientos y percepciones que tuvieron una función
importante en la maduración de las propuestas introducidas en el proyecto de creación de la
pieza. Además, la reflexión sobre esos aspectos, buscaba establecer una posición en la cual
fuera posible atisbar más de cerca estas experiencias y así organizar los materiales sonoros a
partir de sensaciones. Según Dufrenne (1973), de lo que se trata “es recuperar la apariencia,
para descubrir nuevos significados […], la cual es la fuente de la experiencia vivida.” (1973,
p. 370). En ese sentido, dentro de ese nivel de conciencia que Dufrenne (1973) propone,
podemos percibir que existe una oscilación entre la actitud crítica y la sentimental, pues se
observa con cierto tipo de objetividad el proceso creativo.
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Nivel de la representación e imaginación
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Existen diversas imágenes mentales que participaron en el proceso pre-musical de
Difracción. Esas imágenes constituyen un acto de percepción y de imaginación creativa y
normalmente ocurren en un ámbito mental pre-verbal (Bohm, 2005), de imágenes y
sensaciones no continuas. Así, muchas veces fue difícil lograr una descripción precisa de
estas. No obstante, de alguna manera latente esas imágenes se formaron, generando una
representación del objeto estético Difracción.
La primera imagen que surgió, es descrita de manera aproximada, como una imagen
central, compuesta por dos líneas divergentes, en movimiento, que se dirigen hacia planos
distintos y que convergen sucesivamente en un “fondo” indescriptible. La relación de esa
imagen con el proceso creativo es muy importante en la medida que ella fue el [destello]
encargado de conectar las dos realidades distintas, vividas por mí en diferentes contextos. Es
decir, las dos reflexiones sobre el pensamiento tonal y atonal que se fragmentaron en el
tiempo.
Esa imagen compuesta por dos líneas convergentes se mostró como una percepción
clara, auténtica. Conforme la clasificación de Bohm (2005, p.39) al respecto de las formas de
percepción intuitiva y lógica, ese destello (flash) puede ser comprendido — de un punto de
vista del fenómeno — como un tipo de imagen que escapa completamente a una visión
objetiva o discernible de la realidad. Según Bohm (2005) este tipo de flash constituye un acto
de percepción que opera normalmente en un ámbito mental pre-verbal. Caracterizado como
[único] acto generador de imágenes nuevas y no derivadas de la memoria, es un caso de
percepción total en el que se incluye, también, la percepción estética, la percepción de
emociones; y es claro que, en ese sentido, su totalidad no puede ser descrita y analizada
apropiadamente por el lenguaje (Bohm, 2005). Sin embargo, aunque esa imagen carezca de
objetividad visible, ella se presenta como dice Simondon, cargada de una objetividad estética:
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La impresión estética […] hace que el conjunto de los actos del pensamiento sea
capaz de superar los límites de su dominio para evocar la realización del
pensamiento en otros dominios […] La impresión estética implica sentimiento de la
perfección completa de un acto, perfección que le da objetivamente un resplandor y
una autoridad por la cual se convierte en un punto destacable de la realidad vivida,
un nudo de la realidad experimentada. (Simondon, 2007, p. 198)
!
En Difracción, aquel tipo de percepción comprendido como un destello estético
condensa de manera fugaz experiencias, memorias y sensibilidades, en una sola impresión.
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Aunque, de acuerdo con Dufrenne (1973), este proceso debe ser mediado por la “imaginación,
que acciona tal conocimiento convirtiendo aquello que es adquirido como experiencia en algo
más concreto” (1973, p. 348).
Sin embargo, Bohm (2005) dice que no se debe confundir aquella imagen — en la que
convergen dos líneas — como el resultado de un proceso de imaginación. En Difracción, ella
es caracterizada como el único acto generador de nuevas imágenes no derivadas por la
memoria. En la medida que surge aquel flash, “la imaginación podría disfrazarla, debido a su
capacidad de mezclar lo percibido con lo imaginado” (Dufrenne, 1973, p. 370). Pero esa
percepción auténtica debe ser destacada como una “percepción real, aquella que sólo quiere
ser percepción, sin dejarse seducir por la imaginación, que invita a deambular en torno al
objeto percibido o por el intelecto, que para dominar el objeto procura reducirlo a
determinaciones conceptuales” (Dufrenne, 2004, p.80).
La relación de aquellas experiencias de reflexión (noemas) y la percepción original de
las líneas convergentes, originó una dialógica imagética interna en pro de la organización y
estructuración de percepciones, sentimientos, memorias y pensamientos — que provenientes
de una experiencia global, alcanzaron una impresión estética. Además, esa impresión no fue
un fenómeno que surgió de una actitud o disposición [2] indeterminada del compositor. Existe
un ímpetu consciente en el creador, una voluntad artística mediada por un imperativo estético,
que conduce a ciertas formas, que ya estaban predestinadas a realizarse. Al respecto, Brelet
(1957) dice:
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El artista no está dirigido por fuerzas inconscientes e impersonales que escapan a su
voluntad: en lo más profundo del artista el psicólogo debe reconocer la presencia de
una voluntad estética que organiza toda la vida espiritual en función de la misma.
(Brelet, 1957, p. 23).
La percepción de aquel destello se distingue de otras formas imagéticas traídas por la
memoria. Sin embargo, de ella se originaron un conjunto de imágenes que fueron trabajadas
en la imaginación. De ese conjunto de imágenes, se destacan tres que surgieron a partir de, y
en asociación con, la percepción de las líneas divergentes: (1) la imagen de un movimiento
polifónico que es característico de la pieza; (2) el movimiento de ondas del sonido difractadas
en el espacio, imagen que determinó el nombre de la pieza — en cuanto a este tipo de
asociaciones, Bohm (2005) expone la teoría de que las ideas científicas más profundas y
generales sobre el espacio, el tiempo y la organización de materia, se basan en gran medida en
la abstracción de la experiencia sensorial, principalmente visual y táctil. Esta visión está
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relacionada a la noción de que las ciencias y las artes presentan, en común, formas
estructurales paradigmáticas del pensamiento humano (Kuhn, 1970) — y (3) la imagen de los
dedos moviéndose en direcciones contrarias o de manera divergente en el teclado — que
aparece principalmente en la introducción de la pieza y posee valor temático. Figura 2.
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Figura 2: Imagen condensada en la notación musical
Ese conjunto de imágenes muestran que ciertas características de la pieza se basaron en
posibles asociaciones de la música con otros dominios perceptivos. Todas esas imágenes
moldeadas por la imaginación fueron determinantes en el proceso de escritura de la pieza y,
como tales, presentan, proporcionalmente, un papel determinante en la formación de los
diferentes planos de su estructura.
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Figura 3 Estructura del proceso creativo de Difracción
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La importancia de esas imágenes se da por el hecho de que ellas producen un orden
jerárquico, de ese modo, ellas configuran la pieza en el tiempo. Así, las reflexiones estéticas y
los fragmentos percibidos formaron un primer orden jerárquico. El segundo orden
corresponde a la percepción auténtica; y el tercer orden es derivado de un conjunto de
imágenes asociadas al segundo orden. La figura 3 ilustra la relación de las jerarquías con
relación al proceso de gestación.
La creación de estructuras y paradigmas es un proceso fenomenológico, una actividad
interna que ocurre antes del umbral de la experiencia consciente (Bohm, 2005). La estructura
sería, en esencia, una jerarquía de órdenes en varios planos. En Difracción, particularmente,
las diferentes capas o planos de la estructura, perceptibles en la composición, fueron
trabajados de forma jerárquica. Planos y jerarquías recibieron grados distintos de importancia
durante la elaboración musical, pasando por variaciones continuas durante el proceso de
construcción de la pieza y de acuerdo a la incorporación de nuevas imágenes y conceptos. Por
ejemplo, las imágenes de escritura polifónica, derivadas del segundo orden y que son
originarias de las líneas convergentes, sirvieron para desarrollar eventos musicales
particulares, y al mismo tiempo para articular el proceso de escritura de una manera mucho
más fluida, facilitando la creación y afectando el orden de las ideas ya establecidas. Se puede
decir que la creación de la pieza generó jerarquías y no lo contrario.
Es claro que me concentré en buscar, aspectos de la creación musical anteriores,
inclusive, al momento en que se piensan las sonoridades. Por ser un asunto poco estudiado,
hay en él un gran número de sugestiones, muchas de ellas relativamente originales. Por otro
lado, algunas de ellas pueden posibilitar muchos desdoblamientos en trabajos posteriores.
Considero que la búsqueda para experimentar la realidad sin desconfiar de nuestros
actos de percepción, sin reducirlos a una suma de acontecimientos psicológicos o categorizar
los fenómenos percibidos como resultados separados de nuestros sentidos permitió, a lo largo
de ese proceso, profundizar la percepción de tal modo que realidades distintas puedan estar
asociadas; y así abitarlas dentro de procesos creativos. Se destaca en Difracción, que la
convergencia de diferentes realidades no implica una fusión total de los diversos elementos
constitutivos de la composición, ni siquiera de las imágenes creadas para generar la
continuidad, fluencia y cierre de la forma en el tiempo. Por lo tanto, se entiende que la
experiencia de esas percepciones e introspecciones es fundamental para la síntesis de
sonoridades.
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Por último, es de considerar, que la complejidad en que nuestros pensamientos
construyen redes para mantenerse conectados a través de los tiempos vividos por la
conciencia, trae potencialidades para estructurar todo un proceso creativo. Referencias
Merleau-Ponty, M. (2006). Fenomenología da percepção (3ª ed.). Trad. Carlos Alberto
Ribeiro de Moura. São Paulo: Matins Fontes.
Nogueira, M. (2009). Da ideia à experiência da música. Claves. 7-21. Extraído de http://
www.ccta.ufpb.br/claves/pdf/claves07/claves07.pdf. Le Moigne, J, L; Morin. (2000). A inteligência da complexidade (3ª ed.). Trad. Nurimar Maria
Falci. São Paulo: Pierópolis.
Simondon, G. (2007). El modo de existencia de los objeto técnicos. Trad. Margarita Matinez,
Pablo Rodriguez. Buenos Aires: Prometeo Libros.
Buckinx, B. (1998). O pequeno pomo. Trad. Álvaro Guimarães. Cotia: Ateliê Editorial.
Dufrenne, M. (1973). Phenomenology of aesthetic experience. Northwestern University Press.
_______. (2004). Estética e folosofia (3. ed.). Trad. Roberto Figuerelli. São Paulo, Brasil:
Perspectiva.
Bohm, D. (2005). On creativity. Tylor and Francis e-Library. London.
Piana, G. (2001). A filosofia da música. Trad. Antonio Angonese. Baurú, SP: Edusc.
Brelet, G. (1957). Estética y creación musical. Trad. Leopoldo Hurtado. Buenos Aires:
Hachette S.A.
Kuhn, T. S. (1970). A estrutura das revoluções cientificas. São Paulo: Perspectiva.
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[1] La pieza es del mismo autor de este escrito y fue escrita a mediados del 2012.
[2] Al proponerse descubrir la estructura de la percepción por la reflexión, el intelectualismo
desarrolla la noción de juicio, que es frecuentemente tratado como aquello que le falta a la
sensación para volverse una posible percepción. Quiere decir, que la sensación deja de ser el
elemento real de la consciencia, y el sujeto de la percepción es ignorado”. Es de señalar que
“en la fenomenología de Merlau-Ponty, al contrario, la percepción es siempre corpórea, de
manera que el cuerpo está siempre saturado con su objeto al percibirlo, y eso contradice
cualquier distinción entre el acto perceptivo y su objeto”. (Nogueira, 2009, p. 18)
[3] Cabe resaltar aquí, que lo indeterminado, para la fenomenología no ofrece sensación, pues
es subjetivo.
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Expectativa e surpresa: desdobramentos para o compor
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Guilherme Bertissolo
Programa de Pós-Graduação em Música/Universidade Federal da Bahia
[email protected]
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Resumo: Nesse artigo enfocarei as noções de expectativa e surpresa em música, de modo a
possibilitar possíveis aplicações em composição musical. Inicialmente, discutirei um campo
teórico emergente que aborda a expectativa e a surpresa pelo viés dos estudos em cognição, do
aprendizado estatístico e da memória. Em seguida, proporei uma abordagem sobre os quatro tipos
de surpresas descritos por David Huron, sugerindo aplicações composicionais para cada uma deles
em trechos de obras musicais.
Palavras-chave: Expectativa, Surpresa, Composição Musical.
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Title: Expectation and surprise: unfoldings for music composition
Abstract: In this paper I shall focus the notions of expectation and surprise in music, in order to
propose possible applications in music composition. First, I will discuss an emergent theoretical
field which approaches expectation and surprises in music through cognition studies, statistical
learning and memory. After that, I shall propose a discussion about the four David Huron's types
of surprise, suggesting compositional applications for each of them in excerpts of musical works.
Keywords: Expectation, Surprise, Music Composition.
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1. Introdução
Os padrões de expectativa e surpresa em música são articulados em uma complexa rede de
relações entre informações prévias e condições realizadas no ato da escuta de uma obra
musical. É a partir da formulação de uma expectativa que se pode surpreender musicalmente.
É preciso o estabelecimento de um padrão capaz de projetar o movimento da expectativa. Sem
expectativa não há surpresa. É nessa articulação que reside a noção de surpreendibilidade,
formulada no contexto da pesquisa de doutorado Composição e Capoeira: dinâmicas do
compor entre música e movimento (Bertissolo, 2013).
Nesse artigo, propomos discutir algumas noções que abordam o domínio da expectativa,
buscando oferecer um terreno fértil para desdobramentos criativos em composição musical.
Primeiramente, discutiremos algumas abordagens na teoria para, finalmente, abordar os quatro
tipos de surpresa em Huron (2006) com exemplos de aplicação em obras musicais1.
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2. A expectativa e surpresa na teoria da música
A expectativa está no centro da teoria de Meyer. Para ele, “o significado musical incorporado,
em resumo, é um produto da expectativa” (Meyer, 1956, p. 35). Ele discute a expectativa a
partir da ideia de tendências, como padrões de respostas automáticas, naturais ou aprendidas.
Sua abordagem é influenciada pela psicologia da Gestalt, em especial a lei da pregnância (p.
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86), da boa continuidade (p. 92), o princípio do retorno (p. 151) e da noção de realização
(completion) e fechamento (p. 128). Meyer aborda esses princípios norteadores para analisar
melodia, harmonia e métrica: a melodia sobre o prisma do movimento no preenchimento de
lacunas, o ritmo através do reconhecimento de agrupamentos em estruturas derivadas dos pés
gregos (p. 105), e a tonalidade pela ideia de desvio (p. 215).
Meyer, diferencia o que ele chama de inesperado da surpresa, já que quando há uma
expectativa, o inesperado é sempre considerado uma possibilidade, não sendo completamente
surpreendente (p. 29). Nesse sentido as condições de uma expectativa ativa não são as mais
favoráveis para a surpresa, sendo esta mais intensa quando aquela não existe, “onde, em razão
de não estar havendo inibição de uma tendência, a continuidade é esperada” (p. 29). Essa
definição é, em certa medida, paradoxal. Se a continuidade é esperada, há expectativa. É
possível não haver expectativa na escuta? Concordamos com Meyer na assertiva de que a
surpresa é mais intensa quando a continuidade é esperada, ou seja, quando a expectativa é de
continuidade de um padrão, que é rompido por uma ação que causa surpresa.
Samer Abdallah e Mark Plumbley (2009) enfocam a informação dinâmica medida por
procedimentos estatísticos, oriundos da teoria da informação, em um modelo baseado em
cadeias de Markov. Os autores citam Meyer como ponto de partida para sua abordagem,
mencionando uma genealogia para o estudo da expectativa em música, remetendo a Hanslick.
A tese básica do artigo é a de que qualidade e estados subjetivos, entre eles a surpresa, a
tensão e o interesse/atenção na escuta, estão fortemente relacionadas com medidas da teoria
da informação. A abordagem dos autores “explicitamente considera o papel do observador na
percepção, e mais especificamente, considera estimativas de entropia, etc, com respeito a
probabilidades subjetivas” (p. 90 – grifo original). A hipótese do artigo é de que quando um
sujeito ouve uma peça de música, ele mantém um modelo estatístico dinamicamente evolutivo
que o habilita a fazer previsões sobre como a peça continuará, baseando-se tanto na sua
experiência prévia de música quanto no contexto imediato da peça. Enquanto os eventos se
desdobram, ele revisa seu modelo e consequentemente seu estado de crença probabilística,
que inclui distribuições preditivas sobre observações futuras (p. 90-1).
A partir desses pressupostos, os autores propõem medidas de informação dinâmica
construídas, baseadas em princípios gerais de inferências estatísticas; a construção de modelos
computacionais que emulam respostas do cérebro humano ao responder a estímulos musicais;
e, finalmente, constroem um modelo computacional para certos campos restritos do
julgamento estético (p. 31). Uma interessante consideração é a de que essas ferramentas
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poderiam ser relevantes “para entender e modelar processos criativos”, bem como “teriam
aplicações em ferramentas para composição auxiliada por computador” (p. 114).
Um dos principais pontos desse artigo é a discussão sobre processos de medida de
interesse ao considerar organizações muito determinísticas ou caóticas. Segundo os autores, é
necessário um equilíbrio entre ordem e caos, unidade e diversidade, não de maneira precisa e
correta, mas dependente de cada caso (p. 94).
Há que se salientar aqui a consideração de que a surpresa engendra a quebra de um
equilíbrio. Em seu artigo sobre a aplicações musicais para metáforas conceituais e esquemas
imagéticos baseados na experiência, Brower (2000) combina aspectos dos esquemas de
equilíbrio, verticalidade e centro-periferia (figura 1). Qualquer mudança de distribuição
tornará a força atuante sobre um lado do corpo temporariamente desequilibrada em relação à
sua oposta, resultando em um impulso para ajustar a posição do corpo de modo a restabelecer
o equilíbrio (Brower, 2000, p. 330-1). A surpreendibilidade é a quebra de um equilíbrio
dinâmico, que revisa nossas condições de escuta, previsibilidade e expectativa.
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Figura 1: Esquema para a relação centro-verticalidade-equilíbrio conforme Brower (2000, p. 330)
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É importante salientar que estamos aqui no domínio da percepção ativa, ou seja, um
ouvinte mobiliza o aparato sensitivo de modo a direcioná-lo para os aspectos mais
promissores no fluxo musical (Abdallah; Plumbley, 2009, p. 95). Os autores empreendem um
esforço para estabelecer dez diferentes medidas de informação para padrões de surpresa e
previsibilidade (p. 97). Assim, propõem um modelo para experimentos baseados em cadeias
de Markov (p. 98).
Algumas questões fundamentais são levantadas no artigo. Uma delas é a de que a
surpreendibilidade é um dos aspectos que moldam a percepção do tempo, representando uma
poderosa ferramenta para modelamento formal. Outro importante aspecto diz respeito à
subjetividade, já que o modelo considera também o estado de mente do ouvinte a começar a
ouvir a peça e o quanto ele aprende durante a escuta. Finalmente, há que se salientar que o
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que se estabelece na escuta e na articulação entre expectativa e surpresa é uma negociação
entre aspectos prévios, que vão desde as condições perceptivas do ouvinte ao iniciar a audição
até convenções de estilo e sistemas composicionais preexistentes, e o aprendizado
estabelecido no ato da escuta, que permite uma negociação entre passado, presente e futuro no
fluxo temporal da obra. Aqui podemos destacar a importância capital das estruturas de
memória, alvo do trabalho de Snyder (2000), que parte também das metáforas conceituais e
esquemas imagéticos baseados na experiência do corpo.
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3. Huron e algumas possíveis aplicações composicionais
Huron (2006) empreende uma incursão ampla e bem fundamentada sobre a expectativa em
música, formulando uma teoria por ele intitulada ITPRA. Essa teoria parte do pressuposto de
que existem cinco sistemas de resposta evocados pela expectativa: imaginação, tensão,
predição, reação e avaliação (daí a origem da sigla de ITPRA) (p. 7-15). Na figura 2, o autor
demostra a articulação dessas instâncias no tempo.
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Figura 2: Diagrama esquemático do curso do tempo da Teoria da Expectativa ITPRA,
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de Huron (2006, p. 17)
A nossa capacidade de gerar expectativa é produto de aprendizado estatístico em relação
aos eventos mais comuns na música que estamos mais familiarizados. Nesse sentido, é
possível estabelecer bases estatísticas para diversas ocorrências musicais e a relação com o
aprendizado (p. 71). Essas bases estatísticas são mais efetivas quando aplicadas a um estilo
mais tradicional, ou a um sistema expositivo mais codificado. De fato, Huron propõe insights
interessantes ao mencionar dados estatísticos sobre movimentos melódicos, como por
exemplo, proximidade entre notas, intervalos comumente ascendentes ou descendentes (p.
76), tendência à inércia (p. 77), ou tendências de preenchimento de lacunas como na
abordagem de Meyer (p. 80) e a ideia de organização em arco (p. 85); sobre tonalidade, como
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por exemplo qualias de cada grau da escala (p. 145), estatísticas para aparecimento de graus
da escala em melodias em tonalidades maiores (p. 148) e menores (p. 149), probabilidade de
continuação diatônica (p. 158) e cromática (p. 159), na probabilidade de progressões de
acordes na música Barroca (p. 251) e em canções populares (p. 253); e, finalmente, no tempo,
como nas organizações hipermétricas (p. 180), nas suas possibilidades de antecipação (p.
249), ocorrências métricas (p. 195), e suas tendências (p. 244).
A condição para a geração e frustração de expectativas está na memória. Nesse ponto do
livro, Huron cita Brower e Snyder para desenvolver a ideia de que expectativas ocorrem na
memória. Assim, o autor propõe quatro fontes para expectativa e surpresa oriundas de tipos de
memória: a esquemática, ligada à memória de longo prazo; a verídica, ligada à memória
episódica; a dinâmica, ligada à memória de curto prazo; e a consciente, ligada à memória de
trabalho.
As surpresas esquemáticas são aquelas em que eventos não conformam padrões de lugar
comum, como estilo, por exemplo (p. 270). O autor cita como exemplos aspectos
composicionais (o fagote como solista), formais (iniciar-se uma obra orquestral com um solo)
e instrumentais (registro superagudo) dos compassos iniciais da Sagração da Primavera, de
Stravinsky. Ele também cita como exemplos contextuais a possibilidade da ocorrência de
elementos extramusicais, tais como a situação de se ouvir Canto Gregoriano em um elevador,
ou um conjunto de Mariachi em uma catedral. As cadências deceptivas e mediantes
cromáticas são também estratégias mencionadas (p. 270-5).
A ideia de uma surpresa esquemática, na acepção de Huron, depende de esquemas
musicais prévios. Os contextos composicionais da música do século XX suprimiram grande
parte dos esquemas como referência unívoca de relações. Ao mencionar tais esquemas,
estamos referindo à melodia, harmonia tonal, ritmo, formas e técnicas instrumentais. Nesse
sentido, uma obra que replicasse hoje as feições do exemplo da Sagração da Primavera,
provavelmente não representaria qualquer tipo de surpresa. De fato, o uso de técnicas
estendidas, a composição que aplica a textura como determinante da forma, a forma como
elemento a porteriori no processo do compor, princípios harmônicos derivados de operações
pós-tonais aplicados ao contexto da Capoeira Regional, rítmica complexa, estratégias
comumente aplicadas na pesquisa que deu origem a esse artigo (Bertissolo, 2013), podem até
sugerir, mas não podem ser univocamente consideradas surpresas esquemáticas no contexto
da música contemporânea.
As surpresas verídicas são aquelas em que eventos não conformam na obra, ou em
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padrões dela, em aspectos familiares ao ouvinte (p. 275). A estratégia do uso sistemático de
citações musicais é citada como exemplo efetivo. Huron menciona um exemplo do
compositor Peter Schickele, que altera um final inusual e ousado de Beethoven, do tema de
violoncelo do segundo movimento da Quinta Sinfonia, em um final altamente previsível e
banal, mudando a função do tema e causando humor pela distorção de um material musical
familiar. Segundo Huron, as surpresas verídicas mais comuns estão na atividade dos
intérpretes e não dos compositores (p. 277). Os exemplos são erros de performance e nuances
interpretativas realizadas diferentemente de uma interpretação fixas (gravação) na qual o
ouvinte está familiarizado. A surpresa verídica pode ser mencionada na articulação entre os materiais derivados da
Capoeira Regional no caso dessa pesquisa. Os diversos conteúdos melódicos, rítmicos e
gravações derivadas do contexto foram mobilizados em processos tais como transformação
gradual, distorções, cortes estratégicos, derivação, etc. Nesse sentido, podemos citar a
complexa articulação entre padrões mais ou menos reconhecíveis relacionados ao Hino da
Capoeira, mobilizados em m'bolumbümba 42, para berimbau e eletrônica em tempo real.
Nesse caso, a projeção de expectativa em relação ao Hino seria frustrada pela operação de
rotações que distorcem a referência inicial. A surpreendibilidade é o ímpeto para a
composição dessa obra e é articulada em diversos dos seus materiais e processos.
Surpresas dinâmicas são aquelas em que eventos não obedecem expectativas criadas no
curso da escuta da própria obra. No domínio da composição musical, esse é o campo onde
podemos interferir de modo mais direto, já que “na surpresa dinâmica, a música é construída
de maneira que a obra em si mesma estabelece algumas expectativas específicas da obra que
são então violadas” (p. 278). Os exemplos mencionados por Huron são um acorde em
fortíssimo marcado por Haydn no tema do segundo movimento da Sinfonia Surpresa, de
Haydn, que se sobressai em um contexto pianíssimo (p. 278); e a antecipação do ataque em
tempo fraco na repetição do tema do quarto movimento da Nona Sinfonia, de Beethoven (p.
279). O que está veiculado nesse dois exemplos é a surpresa incidindo sobre o que e quando.
É no domínio das surpresas dinâmicas que podemos elencar exemplos de aplicação da
noção de surpreendibilidade de modo mais eficaz. Em Fumebianas Nº 1, excerto da figura 3,
observe que apresento na linha do violoncelo um padrão de cinco notas em semicolcheia. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/
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Figura 3: Surpreendibilidade em Fumebianas Nº 1
Nesse contexto, ao se operar a repetição do padrão, o ouvinte projeta a expectativa de
que ele se realinhará dentro de 5 tempos (já que 5 tempos X 4 semicolcheias = 20
semicolcheias, e 4 X 5 semicolcheias do padrão = 20 semicolcheias). Entretanto, ao projetar
essa expectativa, passo a desenvolver um processo de adição de unidades rítmicas de
semicolcheia (nota Lá, inicialmente), gerando uma complexa teia de eventos em métricas não
regulares e imprevisíveis. Perceba que o aparecimento dos acentos obedece às marcações na
nota Lá, o que, pelo deslocamento operado nas adições, ocorre de maneira irregular e também
colabora com a quebra da expectativa em direção à nossa noção de surpreendibilidade.
A quarta fonte, a surpresa consciente é mencionada (p. 270), mas não é discutida ou
exemplificada. Ela seria produto de eventos que não conformariam pensamentos ou
conjecturas explícitos sobre o que ocorreria em uma obra musical. O autor menciona ainda a
surpresa “Garden Path”, oriunda de uma definição linguística (teoria do labirinto), quando
uma parte inicial de uma sentença precisa ser reanalisada em função do poder desordenador e
ressignificador do seu final. O exemplo é a dubiedade rítmica do início da Sonata para Piano,
Op. 14, Nº 2, de Beethoven, que, apesar de escrita em métrica ternária, organiza-se de forma
binária nos primeiros compassos, causando uma dubiedade que remete à ideia de
ressignificação da parte inicial de uma sentença pela interferência da parte final (p. 280).
Nesse sentido, também no domínio de m'bolumbümba 4, é preciso salientar as
estratégias operadas pela eletrônica em tempo real, que expandem as possibilidades
instrumentais do berimbau e por vezes projetam sonoridades e texturas oriundas de realidade
acústicas capturadas no ato da performance. Assim, por vezes o ouvinte é submetido à ideia
de labirinto, ao veicular a escuta em um processo na ilusão de que seja oriundo do
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225
instrumento acústico, mas em seguida ele é distorcido e implica na consideração de que essa
memória foi driblada e precisa ser reavaliada o fluxo musical.
!
4. Considerações finais
A expectativa e a surpresa em música representam importantes elementos para a criação de
mundos em composição musical. As abordagens pela memória (Snyder 2000), pelos domínios
metafóricos (Spitzer 2004, Nogueira 2009) e pelos esquemas imagéticos (Brower 2000)
representam uma alternativa ao formalismo, com grande potencial para aplicação em
composição musical, em especial para o ensino, já que permitem discutir experiências
criativas que extrapolam aspectos meramente pessoais, poéticos, de gosto ou de
direcionamento estético.
Finalmente, é preciso mencionar as restrições de aplicabilidade de alguns pontos da
teoria de Huron para a criação contemporânea, especialmente aqueles mencionados pela sua
ideia de crítica ao modernismo (Huron 2006, p. 350-3). Não é pressuposto que o compositor
contemporâneo deva ser guiado pela criação de prazer na plateia, tampouco que deva lidar
com estilos preestabelecidos, a não ser criticamente como mencionado por Lima (2012, p. 25)
com o seu vetor de criticidade no compor. A ideia de que o aprendizado estatístico molda a
expectativa não necessariamente implica na ideia de que fórmulas mais comuns devam ser
mais efetivas ou prioritariamente buscadas. É justamente no âmbito do estabelecimento de
lógicas ou de subversão delas que se estabelece o ato do compor música. !
Referências
Abdallah, S. e Plumbley, M. (2009). Information dynamics: patterns of expectation and
surprise in the perception of music. Connection Science, 21 (2-3), 89–117. Bertissolo, G. (2013). Composição e Capoeira: dinâmicas do compor entre música e
movimento. Tese de Doutorado não publicada. Programa de Pós-Graduação em Música da
UFBA.
Brower, C. (2000). A Cognitive Theory of Musical Meaning. Journal of Music Theory,
44 (2), 323–379.
Johnson, M. (1990). The Body in the Mind: The bodily Basis of Meaning, Imagination, and
Reason. Chicago: University of Chicago Press.
Lakoff, G., e Johnson, M. (1999). Philosophy in the Flesh: The Embodied Mind and Its
Challenge to Western Thought. New York: Basic Books.
_____. (2003). Metaphors we live by. Chicago/London: University of Chicago Press.
Lima, P. (2012). Teoria e prática do compor I: diálogos de invenção e ensino. Salvador:
EDUFBA. Meyer, L. (1956). Emotion and Meaning in Music. Chicago: Chicago University Press. Nogueira, M. (2009). Metáforas de movimento musical. Anais do XIX Congresso da
ANPPOM. Curitiba: Programa de Pós-Graduação em Música da UFPR.
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226
Ramos, D.; Elias, A. (2014). A incessante espera pelo futuro: uma introdução sobre
expectativas geradas pela dimensão rítmica em música. PERCEPTA: Revista de Cognição
Musical. No prelo.
Snyder, B. (2000). Music and Memory: an introduction. Cambrigde/London: The MIT Press.
Spitzer, M. (2004). Metaphor and Musical Thought. Chicago/London: University of
Chicago Press.
1
É importante mencionar o contexto de aplicação das metáforas conceituais (Lakoff e Johnson 1999, 2003) e
dos esquemas imagéticos (Johnson 1990) para as formulações teóricas sobre expectativa e surpresa em
música. É importante mencionar os escritos de Spitzer (2004) e Marcos Nogueira (1999) pela consistente
abordagem nesse âmbito, representando um interessante contexto teórico para a composição musical; bem
como de Ramos e Elias (2014), que, por sua vez, realizaram uma instigante incursão sobre a expectativa no
domínio do ritmo, abordando inclusive alguns dos autores que serão discutidos a seguir.
2
Todas os materiais mencionados estão disponíveis na tese (Bertissolo, 2013) e no site http://
guilhermebertissolo.wordpress.com.
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Memórias Musicais: registro de um percurso formativo
através da criação em sala de aula
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Mônica Cajazeira Santana Vasconcelos
UFBA/UEFS
[email protected]
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Naira de Brito Poloni
UFBA
[email protected]
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Resumo: O objetivo deste relato de experiência é apresentar um trabalho desenvolvido no
componente curricular “Fundamentos da Educação Musical I” em Programa de Pós Graduação em
Música a partir da experiência de duas discentes, uma do mestrado acadêmico e a outra do
mestrado profissional. Neste artigo o foco será a relação entre as memórias de vida e de natureza
autobiográfica, a partir da recordação de acontecimentos que evocaram estados emocionais
positivos e negativos no percurso formativo e de elaboração de uma atividade de criação em ambas
as experiências. A atividade teve como objetivo principal a construção de uma criação musical,
não necessariamente seguindo os padrões convencionais, uma partitura livre, um “mapa” relativo
ao percurso formativo dos discentes, representando as experiências musicais adquiridas e
distribuídas ao longo de uma linha de tempo cronológica. A troca de experiências permitiu uma
reflexão sobre a representação sonora da trajetória pessoal e de formação profissional. Como
resultado, notou-se a integração de diversas interlocuções entre variados perfis musicais de
vivências dos discentes.
Palavras-chave: memórias, histórias de vida, criação.
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Title: Musical Memories: record of a training path by creating in room class
Abstract: The objective of this report is to present an experience of work in curriculum component
"Foundations of Music Education I" in the Graduate Program in Music from the experience of two
students, one academic and one professional master's degree. In this article, the focus will be the
relationship between life memories and autobiographical nature, from the recollection of events,
which evoked positive and negative emotional states in the formative process, and drafting of a
creation activity in both experiments. The activity aimed to the construction of a musical creation,
not necessarily following conventional standards a free sheet music, a "map" on the training
course for students representing musical experiences and distributed along a line of chronological
time. The exchange of experiences allows a reflection on the sound representation of personal
background and training. As a result, it was noted the integration of several dialogues between
profiles varied musical experiences of students.
Keywords: memories, life`s history, creation.
Introdução
Em meios acadêmicos, simpósios, congressos, encontros de vivencias, reuniões de pesquisa
científica, os estudos com relatos autobiográficos tem crescido no campo educacional.
Abordados em relatos de experiências e/ou metodologia de trabalho docente, percebe-se a
construção de conhecimento científico através das memórias.
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Segundo estudos as histórias de vida, ou seja, a narrativa dos seres humanos em torno
das experiências vividas tem sido utilizada em diferentes áreas das ciências humanas e da
formação de professores, através da contextualização de seus princípios epistemológicos e
metodológicos à formação do adulto a partir dos saberes experienciais, de participação e
testemunho (Souza, 2006).
Desde início de 1990, no Brasil, os estudos das narrativas autobiográficas passaram a
ser estudadas no campo de atuação educacional como movimento de investigação-formação
em pesquisas centradas nas memórias e autobiografias de professores.
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[...] a memória tem, para Benjamin, a função de efetivar a compreensão do passado
pelo presente, num processo constante de construção e reinterpretação. E o tempo é,
para Benjamin, uma atualização das experiências, sentimentos, vivências e
representações do sujeito na ‘agoridade’ da lembrança, ou numa visão aristotélica: o
tempo é a medida do movimento.
A Memória é, nesse sentido, a base para a elaboração, para a constituição de um
ponto de vista sobre uma dada realidade, em que o sujeito, assim como um pintor ou
desenhista, a partir da sua óptica, da sua perspectiva, descortina e representa à luz do
presente o amplo horizonte do passado. (Walter Benjamin citado em Vieira, 2007, p.
26-27).
A pesquisa biográfica preocupa-se como “os indivíduos-alunos dão à sua experiência de
formação e [...] com a relação com o saber que eles constroem e o lugar ocupado pelas
aprendizagens e saberes na sua relação com eles próprios, com os outros e com o mundo”.
(Delory-Momberg, 2011, p.55). A experiência biográfica permite a construção de relações
entre o saber e a formação discente, contribuindo no processo de ensino aprendizagem: os
saberes são contextualizados, são conduzidos de forma que os indivíduos representam suas
experiências no convívio acadêmico e social, absorvem as aprendizagens e saberes através de
suas próprias construções, relacionando-as consigo mesmo, com os colegas e com as
diversidades.
!
Memória autobiográfica e Histórias de Vida: Prática de formação na Pós Graduação
O termo memória autobiográfica refere-se à habilidade de recordar de forma consciente,
experiências individuais vividas no passado. Envolve várias capacidades cognitivas, desde
aquela que permite lembrar fatos pessoais do cotidiano, até escrever um livro da própria vida,
porém a recordação de eventos pessoais é o seu objeto de estudo por excelência (Brewer,
1986; Rubin, 1998 citado em Gauer; Gomes, 2006). Dos episódios que se vive pessoalmente e
cuja memória é duradoura, alguns são recordados com grande facilidade, mais do que outros
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eventos que se repetiram inúmeras vezes. Mesmo que tenha ocorrido uma única vez, esses
episódios podem ser recordados de forma detalhada e vívida após anos ou décadas. Segundo
estudos nas áreas da neurociência e da psicologia cognitiva, a memória autobiográfica poderá
ser entendida “como um tipo especial de articulação de memória, emoção e julgamento. Essa
articulação é o que propicia a nós conhecermos o mundo e a nós mesmos, e nos apropriarmos
de nossa experiência de uma maneira aparentemente singular na natureza.” (Gauer; Gomes,
2008, p.509).
Segundo Pineau (2011), as histórias de vida em formação é um meio de perceber um
trajeto de vida em construção. Trazemos conosco experiências pessoais, vividas em contextos
variados, influências familiares, educativas, profissionais, culturais e religiosas. É uma carga
que envolve memória e emoção, experiências que muitas vezes nos marcam negativamente, e
passamos por elas vazios, não reflexivos, sem significado. As histórias de vida são uma
democratização do poder da expressão, que cria um espaço social para reflexão, para a
construção e para a (re)construção nos espaços acadêmicos de graduação e pós graduação.
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Ao considerar a cultura, se circunscrevemos a memória como criação de valores e
símbolos, a nossa relação com o ausente, e a formação e expressão identidárias não
constituiriam um enigma a ser decifrado. Todavia, o sujeito vive em contextos. De
suas relações e tensões nesses contextos emerge a sua história, que foge à
qualificação do uno, ancorando-se ou permanecendo à deriva de suas múltiplas
experiências. Percebe-se que, para compreender a problemática da identidade, o
trânsito passa pela percepção de imaginários temporais, referências fundamentadas
para se responder a questões da própria identidade: o que fomos e quem somos.
(Ferreira; Grossi, 2007, p. 54)
Este relato sistematiza experiências de formação no contexto de duas discentes no curso
de mestrado no Programa de Pós Graduação de Música da UFBA, uma no espaço do
mestrado acadêmico e a outra no recém implantado, mestrado profissional. A elaboração de memoriais em percursos formativos tem sido cada vez mais utilizada
como ferramenta pedagógica na formação inicial e continuada, oportunizando cada docente
registrar, refletir e reconstruir sua formação e suas práticas de formação. Uma das propostas
desenvolvidas no componente curricular “Fundamentos da Educação Musical I” foi a
construção de um memorial descritivo, onde cada discente narrou os percursos de vidaformação musical, frisando os aspectos da atuação como músico e como docente. Cada sujeito
elaborou uma representação de suas experiências musicais, distribuídas ao longo de uma linha
de tempo, de forma livre (fotografias, vídeos etc) e que demonstrasse “pistas” para a
elaboração de uma atividade criativa através de uma composição musical.
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Figura 1 – Exemplo de linha de tempo. Fonte: do Autor
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Na experiência da discente do mestrado profissional (idade: 31 anos), a partitura
musical foi criada livremente, inspirada nos processos de partitura e composição/criação de
Murray Schafer (1991), que defende a criação de partituras desde o início do ensino musical,
por criação de desenhos/símbolos feitos pelos alunos. “É preciso aperfeiçoar os modos de
apreensão do som pelo homem, valorizar sua importância, e fazer um profundo trabalho de
conscientização a respeito de seu impacto no ambiente”. (Fonterrada, 2011, p.278).
O esboço da partitura foi pensado em relação ao tempo cronológico, dividido em três
décadas. Inicialmente sua criação foi construída a partir de lembranças musicais, o interesse
era mostrar desde as fases de formação inicial até à prática de formação docente. Em seguida
foram criados sons para eventos não didáticos (em que a autora descreve problemas
educacionais vividos em aulas de música), outros sons para os trabalhos como educadora
musical e citações de melodias de algumas músicas de sua formação até a universidade. A
composição que resultou nesse trabalho intitulou-se “Musicanda”, possuindo quatro
movimentos com a duração de 4’33 (quarto minutos e trinta e três segundos) em homenagem
a John Cage, um dos mais controversos e influentes compositores do séc. XX, que rejeita os
princípios convencionais da criação musical a favor de uma abordagem radical baseada na
improvisação e na construção aleatória de sons. Cada movimento foi pensado em grandes fases, vivida pela autora, os sons foram
criados com timbres e texturas simples e complexas, conforme cada fase. Funcionando quase
como um baixo ostinato (som que se repete enquanto a melodia acontece), no caso seriam as
citações de algumas músicas, sons criados para representar o trabalho com educação e em
momentos que a aprendizagem musical não passou por um bom processo de ensinamento.
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Após os primeiros testes de gravação, as citações de compositores e os sons característicos de
cada momento foram escolhidos, por último os sons de trabalho com educação musical e
ensinamentos sem didática adequada.
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Figura 2 – Partitura livre (influência de Schafer). Fonte: Do autor
!
A experiência da segunda discente foi moldada a partir da integração de algumas
linguagens artísticas além da música: as artes visuais e a poesia. O processo criativo resultou
numa edição de vídeo que constou: 1) A Música (o áudio): uma partitura tradicional e ao
mesmo tempo livre, contendo fragmentos de peças musicais aliado a “novos sons” que
criassem ambiências que mostravam que em todo percurso de formação houveram momentos
de incertezas, inseguranças, crises e conflitos, além da inserção também de uma composição
inédita de autoria da mesma discente, produto de um outro componente curricular da Pós
Graduação; 2) Artes Visuais e Novas tecnologias: inserção de uma escultura de arame feita
pelo artista Juraci Dórea1 utilizando técnica de animação; 3) Poesia: as palavras filosóficas de
‑
um poema intitulado “Estudo 165"de Antônio Brasileiro2 que relata a subjetividade do ser
‑
humano com “suas teogonias, seus dramas, seus soluços”.
Considerações Finais
Escrever histórias de vida e narrar experiências autobiográficas, compostas por recordações
pessoais, educativas e profissionais permitem partilhar aprendizagens e saberes no convívio
acadêmico e social.
Essas práticas pedagógicas apresentam experiências que envolvem a formação de
sujeitos, em espaços diferenciados, a partir de uma perspectiva criativa e de uma abordagem
biográfica.
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Neste artigo faz-se referência de como um modelo de atividade composicional e
criativa, inspirada na narrativa de memórias, com reflexões individuais e do grupo,
contribuem na formação dos professores. Nota-se a integração e a interação, desenvolvendo a
percepção, reflexão dos discentes no espaço da sala de aula e na construção da identidade
pessoal e social. Coopera com a aproximação entre docente e discente favorecendo possíveis
indagações futuras, formando indivíduos pensantes e reflexivos.
Envolve também várias capacidades cognitivas e emocionais. No processo de
recordação consciente de eventos, tanto através das narrativas dos memoriais de formação
como pelas imagens e pelas composições evocaram emoções e sentimentos de reviver os
acontecimentos tanto aqueles que foram agradáveis (realizações, influências, maturidades,
referências etc.), como desagradáveis (frustações, procrastinação, decepções, perdas etc).
!
Referências
Alencastro, L.da S.(2009). Relações entre estilo cognitivo verbal-visual, recordação e
expressão narrativa de eventos autobiográficos. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre,
UFRGS, Inst. de Psicologia, Programa de pós graduação em Psicologia do
Desenvolvimento.
Delory-Momberg, C. (2011). Os desafios da pesquisa biográfica em Educação. In: Souza, E.
C. de. (org.). Memória, (Auto) Biografia e Diversidade: questões de método e trabalho
docente (pp.43-58). Salvador, EDUFBA.
Ferreira, A. C. e Grossi, Y.de S. (2007). Da memória: com a venda nos olhos. In: Silva, I. de
O. e Vieira, M. L.(org.). Memória, Subjetividade e Educação. (pp. 54). Belo Horizonte,
MG: Argvmentvm; Três Corações, MG: Unicor.
Re Gauer, G. & Gomes, W.G. (2006). A experiência de recordar em estudos da memória autobiográfica: aspectos fenomenais e cognitivos. Memorandum, 11, 102-112. Extraído de http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a11/gauergomes01.
Souza, E. C. de (2006). A arte de contar e trocar experiências: reflexão teórico- metodológicas
sobre história de vida em formação. Revista Educação em Questão, v.25, nº 11, jan./ abril
(pp. 23 – 39). Natal.
Schafer, R. M. (2001). A afinação do mundo. (Trad. Fonterrada, M. T. O). São Paulo: Editora
UNESP.
___________________. (1991). O ouvido pensante (Trad. Fonterrada, M. T. O; Silva, M.R.G;
Pascoal, M. L.). São Paulo: Fundação Editora UNESP.
Vieira, M.L. A metaforização da memória ou a Dialética da rememoração em Walter
Benjamin. In: Memória, Subjetividade e Educação. (pp. 26-27). Belo Horizonte, MG:
Argvmentvm; Três Corações, MG: Unicor.
1
Juraci Dórea, arquiteto e artista plástico, nasceu em Feira de Santana, Bahia, em 15 de outubro de 1944.
Idealizou o Museu de Arte Contemporânea de Feira de Santana. Mestre em Literatura e Diversidade Cultural
pelaUniversidade Estadual de Feira de Santana (março de 2003). Dedica-se às artes plásticas desde o começo dos
anos 60 e já participou de numerosas exposições no Brasil e no exterior.http://www.uefs.br/nes/juracidorea/
interno.php?secao=biografia
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2
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Antônio Brasileiro é escritor e artista plástico. Tem cerca de vinte livros publicados (poesia, ensaio, conto,
romance), destacando-se entre eles:Caronte (romance, 1995), Antologia poética (1996), Da inutilidade da poesia
(ensaio, 2002), Poemas reunidos (2005) e Dedal de areia (poesia). Como artista plástico, fezcerca de 70
exposições. Doutor em Letras, ensina na Universidade Estadual de Feira de Santana, onde reside
atualmente.http://a-brasileiro.blogspot.com.br/
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Breve análise do desenvolvimento sócio-cognitivo e comportamental no
aspecto criativo musical de alunos de música
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Vilma de Oliveira Silva Fogaça
Universidade Federal da Bahia/Programa de Pós-Graduação em Música
Bolsista CAPES
[email protected]
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Resumo: Este trabalho é fruto de uma reflexão e análise pós-pesquisa de mestrado. A pesquisa
desenvolvida por Fogaça(2010) teve por objetivo estudar o processo de construção das
competências articulatórias de um estagiário em Licenciatura em Música, cuja formação passou
pelo estudo específico do referencial teórico da Abordagem PONTES, que visava através dos
resultados do desenvolvimento destas competências articulatórias, que o estagiário promovesse
um ensino criativo de música e consequentemente, esse processo de ensino-aprendizagem
musical desenvolvesse a mente criativa musical dos seus alunos. A pesquisa não focou no
estudo dos processos cognitivos que estavam implícitos no desenvolvimento da criatividade
musical dos alunos. Todavia, para a realização da pesquisa de doutorado, os dados obtidos
durante a pesquisa de mestrado estão sendo revistos e analisado por outras óticas, dentre elas, a
sócio-cognitiva. Sendo assim, esse trabalho se propõe a demonstrar e explicar brevemente, o
desenvolvimento das competências criativas musicais e a construção e de um perfil
comportamental propício ao desenvolvimento da mente criativa musical por parte dos alunos do
estagiário mencionado, que foram alcançados através de suas ações pedagógicas articulatórias.
Palavras-chave: criatividade musical, aprendizagem musical, articulações pedagógicas
musicais.
!
!
Title: Short analysis of the socio-cognitive and behavioral development in the musical creative
aspect of music students
Abstract: This text is the result of a post facto analysis and reflection by the author on her
master thesis (2010) investigative study, which studied the process of building the articulatory
competencies of a student-teacher from the Music Education course, educated by the regular
music education methods and also had a specific specialization with the PONTES approach
and intended to promote a creative music teaching in trainee and consequently, this process of
music teaching and learning develop creative musical minds of his students. The research did
not focus on the study of cognitive processes that were implicit in the development of musical
creativity of students. However, for the attainment of a PhD research, data obtained during the
master’s research are being reviewed and analyzed by other point of view, among them, the
socio-cognitive one. Thus, this study aims to demonstrate and briefly explain the development of
creative musical skills, as well as, an appropriate behavioral profile to the development of
trainee students creative musical minds mentioned, which were achieved through their
pedagogical articulation actions.
Keywords: musical creativity, musical learning, musical pedagogical articulations.
Introdução
Em 2010, foi defendido por Vilma Fogaça o trabalho “Criatividade musical: abordagem
pontes no desenvolvimento das competências articulatórias na formação do professor de
música” para a obtenção do título de mestre. A pesquisa teve por objetivo estudar o processo
de construção das competências articulatórias de um estagiário em Licenciatura em Música,
cuja formação foi complementada com o estudo específico do referencial teórico da
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Abordagem PONTES (Oliveira, 2001, 2008) que visava através dos resultados do
desenvolvimento de competências articulatórias, que o estagiário promovesse um ensino
criativo de música e consequentemente, esse processo de ensino-aprendizagem musical
desenvolvesse a mente criativa musical dos seus alunos. Durante o período da pesquisa, o foco foi a análise das construções das competências
articulatórias do ponto de vista pedagógico da formação acadêmica do licenciando e nos
resultados musicais e de aprendizado musical do processo de desenvolvimento da criatividade
musical dos alunos do mesmo. Os aspectos cognitivos, tanto do processo de construção das
competências articulatórias do estagiário, quanto do desenvolvimento da criatividade musical
de seus alunos, não foram observados detalhadamente. Todavia, desde o ano passado, no
processo de escrita de tese, a autora ao revisar e analisar seu próprio trabalho, após um
período de ‘descanso’ e assentamento das informações, pode olhar mais cuidadosamente para
os eventos cognitivos implícitos ao processo, mas que são demonstrados com muita clareza.
Assim, será realizado com base em dados de uma pesquisa de mestrado concluída, uma
breve análise do “caminho” de desenvolvimento não apenas da mente musical dos alunos do
estagiário, mas também, de uma postura e comportamento favoráveis à manifestação de sua
musicalidade e criatividade musical, do surgimento de um indivíduo capaz de propor seu
próprio discurso musical.
!
Criatividade e Abordagem PONTES
A Abordagem PONTES é um referencial teórico que vem sendo desenvolvido por Alda
Oliveira desde o ano de 2001, em colaboração com o grupo de pesquisa MeMuBa1, que
inicialmente observou as estratégias de ensino dos mestres de tradição cultural popular da
Bahia (Brasil), e tentou identificar e compreender de que modo esses mestres asseguravam,
através de um processo de ensino-aprendizagem, a perpetuação e manutenção de uma cultura.
Assim, Oliveira atentou para ações pontuais que promoviam a aproximação dos saberes de
tradição do mestre ao aprendiz. Essas ações pontuais foram identificadas como “articulações
pedagógicas” ou, metaforicamente, ‘pontes’, que segundo Oliveira: “Por articulação
pedagógica entende-se todo o percurso no processo de ensino e aprendizagem (movimento)
em direção à construção do conhecimento necessário para solucionar problemas, que é
realizado na práxis educativa entre indivíduos.” (Oliveira, 2008, p. 05). Aprofundando os estudos no tema “articulações pedagógicas”, Alda Oliveira propôs a
Abordagem PONTES (AP), que é definida como “[...] uma proposta de reflexão teórica
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centrada na racionalidade prática, que visa ajudar na formação de professores de música,
desenvolvendo uma atitude docente interativa e colaboradora, através de articulações
pedagógicas no processo de ensino e aprendizagem.” (OLIVEIRA, 2008, p. 04). Assim,
PONTES é um acróstico formado pelas iniciais das ações pontuais articulatórias
(competências articulatórias) que Alda Oliveira denominou (e conceituou cada uma delas) de:
Positividade – Observação – Naturalidade – Técnica – Expressividade – Sensibilidade.
A partir das observações com os mestres da cultura popular, a pesquisa alcançou o
espaço acadêmico. Em 2008, Rejane Harder defendeu a primeira tese de doutoramento
embasada na Abordagem PONTES no Programa de Pós-Graduação em Música da
Universidade Federal da Bahia (PPGMUS-UFBA). Desde então, vem sendo realizadas, no
âmbito do PPGMUS-UFBA, pesquisas em que AP tem sido o principal fundamento teórico
para estudar e aplicar os conhecimentos acerca do desenvolvimento das competências
articulatórias na formação do educador musical e no exercício do magistério musical. Essas
pesquisas foram vinculadas a outros temas de estudo como: formação do estagiário, teatro
musical, ensino do instrumento, musicalização infantil, ensino de música em contextos de
tradição cultural, criatividade musical, avaliação musical. Hoje, existem duas pesquisas de
doutoramento fundamentadas na AP sendo realizados: Souza, que estuda as ‘pontes’ de
professores de música em escolas de turno integral do ensino fundamental e Fogaça que
realiza uma pesquisa focada nos temas filosóficos e teóricos da Abordagem PONTES,
construindo uma análise crítica do desenvolvimento da mesma, que é auxiliado pela autora da
AP (Alda Oliveira) e pelos membros do grupo de pesquisa. Esta pesquisa também se
concentra no aprofundamento do conceito da competência articulatória “naturalidade”. É importante considerar que no caso da pesquisa a ser colocada neste trabalho, houve
uma comunhão de princípios e objetivos entre a AP e o tema “criatividade”, pois “criatividade
pedagógica”, que também é fundamental para o desenvolvimento da criatividade musical, está
no cerne da proposta da AP, que entre outras construções objetivadas: Lida com criatividade pedagógica, com postura docente, adequação e aproximação
estratégica aos alunos, às instituições, e também com o aproveitamento das
oportunidades (sinais que a vida e as próprias atividades dão a quem está envolvido)
que aparecem durante a práxis educacional, entendida como relação dinâmica entre
teoria e prática, ou seja, teoria/prática. (Oliveira, 2008, p. 5).
Começando…
!
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Como foi dito, foi realizado um estudo de caso com um estagiário no contexto já supracitado,
com uma turma que começou o ano letivo com oito alunos e terminou com seis alunos, entre
08-10anos de idade. O sujeito estudado se dispôs a participar de um processo formativo
específico acerca AP e através do desenvolvimento de competências articulatórias e da
construção de uma pedagogia musical criativa, deveria proporcionar durante seu estágio, o
desenvolvimento da criatividade musical de seus alunos. O estágio foi realizado num curso de
extensão da Escola de Música da Universidade Federal da Bahia. O sujeito em questão foi
participante de um estudo de caso da supracitada pesquisa. Foi usado o pseudônimo de “Jean”
para nos referirmos ao sujeito durante o trabalho. O processo formativo ministrado pela
pesquisadora (também orientadora-docente) junto ao estagiário, realizado (entre outras ações)
através da leitura de material bibliográfico acerca da AP, análise e reflexão das aulas, dos
resultados criativos musicais dos alunos, da observação do comportamento do aluno frente às
atividades de cunho criativo musical (improvisação musical) e também, da autorreflexão do
estagiário acerca de suas ações docentes e da identificação de suas ações articulatórias em sala
de aula. O processo descrito a seguir, encontra-se registrado no Capítulo 3 – Análise de
Dados, da referida dissertação de mestrado (Fogaça, 2010, p. 77-205).
Ao iniciar o estágio, a primeira ação tomada foi uma sondagem realizada pelo estagiário
acerca do perfil da turma. O que ele encontrou foi “a dificuldade em conseguir que os alunos
se dispusessem a participar das atividades de criação musical2 [...]” (idem, p. 78). Assim, foi
pensado que o primeiro passo seria, através da realização de ‘pontes’, criar um ambiente
favorável e acolhedor para o desenvolvimento e recepção dos resultados dessas atividades,
que pudessem “se arriscar” com alguma segurança e menos timidez. Alencar (1986) considera
essa construção de contexto de suma importância no desenvolvimento da personalidade
criativa: “na medida ainda que os traços associados à criatividade, como espontaneidade,
curiosidade, independência, iniciativa, forem cultivados e reforçados no meio social onde o
indivíduo se acha inserido, produções criativas terão mais chances de ocorrer.” (1986, p. 38).
Então, aos poucos os alunos foram compreendendo que esta atividade fazia parte da
rotina da aula de música e se adaptando à realidade de que todos estavam sujeitos a ela. As
atividades de improvisação rítmicas se desenvolviam de modo mais espontâneo e o aluno que
porventura não quisesse se arriscar ganhava o apoio dos demais. Esse é um traço
comportamental importante, pois a mudança de comportamento não foi somente em relação
ao próprio momento criativo, mas também ao momento criativo do outro, o que demonstra
que eles estavam encontrando a importâncias da atividade para todo o grupo. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/
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238
!
Improvisação melódica: novos desafios, conquistas e compressões
Como os alunos já estavam confortáveis com as atividades de improvisação rítmica, aos
poucos, os elementos melódicos iam sendo inseridos: primeiro ao metalofone, depois ao piano
e teclados. Quando esse processo começou a ser iniciado, o comportamento de inibição dos
alunos voltou a aparecer, dessa vez, justificado com questões de estética. A grande questão era
o pré-julgamento que, provavelmente, não iria ficar bonito’, pois eles achavam que não
tinham competência para fazê-lo. Portanto, era preciso fazê-los ganhar confiança e isso exigia
mudanças profundas em termos de autoestima, autoconfiança e apreço pelo que eles
produziam musicalmente. Atenuar o fator inibidor era fundamental pois, segundo
Nachmanovitch, ao falar do papel da “musa” (que propõe) e do “revisor” (que dispõe) na vida
do artista, pode-se considerar do aprendiz de arte: “Se o artista julga seu trabalho antes que
haja algo a julgar, ocorre um bloqueio ou uma paralisia. A musa é criticada antes mesmo de se
manifestar.” (1990, p. 123).
Após vários trabalhos com improvisações em escala pentatônica oriental, foram dados
inícios aos trabalhos que não seguiam exatamente uma determinação de escala ou modo,
apesar de, espontaneamente, serem realizadas produções na escala diatônica de Dó Maior.
Durante esse período, a turma também estava aprendendo diversos conteúdos teóricos
musicais agregados à prática de performance e jogos musicais, atividades de apreciação
musical e unido a isso, o exercício com o desenvolvimento de expressão de suas opiniões e
críticas acerca de seus próprio trabalhos musicais, dos colegas e de todo material que era
apreciado em sala de aula. Assim, quando foi iniciada essa nova etapa no desenvolvimento da
criatividade musical da turma, eles já tinham um material de conhecimento musical em mente,
que no início não possuíam.
O que ocorreu novamente durante o início de um novo processo criativo musical com a
introdução de novos elementos, parecia haver desequilibração e voltar ao estado anterior: não
de conhecimento, mas de comportamento. Pensando em termos piagetianos, o que estava em
assimilação (segundo Dolle (2005, p. 75) “assimilação” é o processo de agregar um elemento
novo ao meio pré-existente, transformando-o, sem destruí-lo) e a acomodação-adaptação3, em
termos de conhecimento, se concluía. Os alunos demonstravam manutenção da compreensão
de novos conhecimentos musicais, inclusive, expressando-os em suas criações musicais.
Todavia, em termos comportamentais, sempre havia uma desestruturação de atitudes por parte
dos alunos, que lembram as primeiras fases do processo como: inibições e recusas.
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239
Sempre era preciso recomeçar um trabalho pedagógico-articulatório nesse sentido que
resultava em consequências positivas, mas, era preciso que elas se estruturassem de modo
mais permanente. Quando eles começaram a realizar as improvisações ao piano, isso foi um
ponto positivo, pois eles gostavam do instrumento e fazer a atividade nele era algo motivador.
Então, o piano passou a ser usado com maior frequência. Outro recurso utilizado foi
aproveitar absolutamente tudo que o aluno expressava musicalmente e também mostrar que
até brincando se podia fazer uma improvisação, mostrar simplicidade no processo. Em uma
cena, uma aluna se recusou a fazer a atividade que consistia em sentar-se ao piano e
improvisar com os colegas assistindo, que encenavam estarem em um concerto, com direito a
aplausos no final. Então, a pesquisadora-orientadora realizou uma intervenção pedindo que ela
fizesse alguma “coisinha” ao piano, todavia: [...] sua intenção não foi banalizar o procedimento (improvisar), nem o seu produto
(música), mas demonstrar simplicidade e conseguir algum material musical que ela
encontrasse um caminho para desenvolvê-lo. Muitos improvisos começam com
notas aleatórias que irão desenvolver frases, motivos ou até mesmo, temas, à medida
que a exploração sonora acontece. (Fogaça, 2010, p. 159).
!
Mafiolletti (2005) também está de acordo com o fato de que uma ação despretensiosa
poderá tornar-se em uma atividade criativa musical producente e que o fato de nos
esforçarmos para proporcionar ao aluno um ambiente favorável para a criação musical, que o
sentimento de conforto frente a esse processo esteja acontecendo dentro dele:
Entretanto deixar livre para criar não é o mesmo que se sentir livre para criar. Para
orientar as crianças que diziam não ter idéias sobre o que fazer nos momentos livres
para criar, pensei em como eu mesma fazia para improvisar. Eu sentava ao piano e
tocava qualquer coisa; quando fazia algo interessante, voltava a esse ponto e repetia
o que tinha feito para trabalhar melhor a idéia [...]. (p. 38).
!
De qualquer forma, nesse período, a maior parte da turma já estava começando a
apresentar sinais de que conquistas do desenvolvimento da personalidade criativa musical
estavam se estruturando. Demonstravam curiosidade durante as atividades, o número de
recusas havia diminuído consideravelmente e com frequência, pediam mais uma “rodada” da
atividade.
!
Um exemplo significativo de desenvolvimento
Fogaça (2010, p. 163-166) relata a cena de um início de aula inusitado. O estagiário chegou
em sala de aula e o aluno Paulo (pseudônimo) estava tocando teclado, ele improvisava um
motivo melódico. O estagiário pediu que ele repetisse e nesse momento chegaram outros
colegas que aprovaram o motivo e disseram que gostariam de tocar. O motivo era levemente
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jazzístico, e todos queriam desenvolvê-lo. Paulo ficou muito feliz com a recepção de sua
criação musical e a chamou de Black Jack.
Assim, promovendo diversas ‘pontes’ com esse instante e esse material musical
produzido pelo aluno, Jean passou a utilizar o Black Jack todas as aulas, sempre
desenvolvendo ou aprimorando algum conteúdo musical, seja teórico ou prático
(performático). A turma gostou de fato desse motivo e ele se tornou uma espécie de refrão
para o que passou a ser chamado de “rondó improvisativo”, em que cada um realizava sua
improvisação após esse refrão e depois ele era tocado novamente para dar continuidade. Os
avanços em termos de complexidade foram muitos. Começando com o metalofone e com
improvisações completamente livres, aos poucos, os alunos começaram a entender o sentido
de frase e de finalização dentro do modo maior, naturalmente eles improvisavam melodias que
ao final pediam uma cadência perfeita. Depois foi pedido que as improvisações durassem
quatro ou oito compassos, primeiro sem abordar o termo técnico (compasso) todavia,
posteriormente, esse recurso foi usado para explicar o conteúdo. Depois, colocou-se uma base
harmônica ao piano, e os alunos, independente se sua improvisação acompanhar ou não a
harmonia, deveriam tocar simultaneamente a ela. Aos poucos, os alunos foram desenvolvendo
uma percepção interior de caminho harmônico e a maioria teve sucesso em conseguir realizar
improvisações completamente adequadas à harmonia implícita no motivo original.
Depois desse processo, iniciou a fase em que o Black Jack era tocado no metalofone,
Jean executava a base harmônica no teclado e cada aluno realizava uma improvisação ao
piano. As improvisações ao piano eram nesse formato ou estilo livre, sem o refrão. Essa fase
foi rica em manifestações de estruturação de aprendizagem musical e desenvolvimento de
novos conhecimentos, ainda que não tivessem sido abordados de modo sistemático pelo
estagiário. Assim, na busca de solução para os problemas encontrados para expressarem sua
idéia musical, os alunos que tinham alcançado um nível alto de prazer nas atividades criativas
musicais, eles não se contentavam em abandonar suas idéias, eles arriscavam meios de tornalas viáveis. Por conta disto, vários conteúdos que não contavam no primeiro ano desse curso
de extensão foram abordados, pois havia uma necessidade musical dessas crianças em ampliar
o conhecimento e demonstravam já estarem prontos para receber novos saberes e que já
tinham estruturas que pudessem desenvolver de modo significativo esses saberes. Muitas
ZDPs (Zona de Desenvolvimento Proximal)4 foram abertas e Jean soube articular novos
conhecimentos com a necessidade que os alunos apontavam estes e o potencial de cada um
em desenvolvê-lo. Assim, conteúdos como: divisão de compasso, tom e semitom, passagem
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de dedo, cruzamento de mãos (esses dois últimos de execução e performance), foram
abordados a partir de necessidades trazidas pelos fazeres criativos musicais dos alunos do
estagiário.
!
Conclusão
Após esses resultados, o pesquisador concluiu que a Abordagem PONTES foi uma importante
ferramenta na construção de competências articulatórias do estagiário e viabilizando com
sucesso o desenvolvimento da mente e da personalidade criativa musical de seus alunos. De
fato, dar liberdade é bem diferente que o aluno se sinta livre e seguro o suficiente para se
expor em atos criativos musicais. As questões comportamentais e emocionais devem ser
tratadas com seriedade e delicadeza ao mesmo tempo. Foi um trabalho interior intenso por
parte do estagiário em manter sua própria motivação (com o apoio do pesquisador-orientador)
diante de tantas recusas por um longo período de tempo, todavia o docente deve estar
preparado para esses entraves e ter em mente estratégias para superá-los.
Quanto ao desenvolvimento da criatividade musical, ficou evidente que as articulações
realizadas pelo estagiário, segundo sua formação na AP, foram fundamentais para os alunos
vencerem as dificuldades iniciais de inibição, falta de interesse nas atividades de improvisação
e falta de estima com a própria produção criativa musical (entre outras), os alunos avançaram
em termos de aprendizagem musical de tal forma que foram além do que propunha o
conteúdo programático para aquele ano desse curso de extensão, isso, atendendo às
necessidades e vontade pessoal de cada um em resolver os problemas que suas idéias musicais
traziam, como desafio para a realização de sua produção criativa musical. Por fim, conclui-se
que todo o processo foi bem sucedido, começando pelos aspectos pedagógicos até a condução
do processo de desenvolvimento da mente criativa musical do aluno de música.
!
Referências
Alencar, M. E. S. de. (1986) Psicologia da criatividade. Porto Alegre: Artes Médicas.
Dolle, J. M. (2005). Para compreender Jean Piaget. (2 ed.). Lisboa: Instituto Piaget.
Fogaça, V. de O. S. (2010). Criatividade Musical: Abordagem PONTES no desenvolvimento
das competências articulatórias na formação do professor de música. Dissertação
(Mestrado em Música). Não publicado. Universidade Federal da Bahia, Salvador: 2010.
Harder, R. (2008). A Abordagem PONTES no ensino de instrumento: três estudos de caso.
Tese (Doutorado em Música) Não publicado. Universidade Ferderal da Bahia, Brasil. Maffioletti, L. de A. (2005) Diferenciações e integrações: o conhecimento novo na
composição musical infantil. Tese (Doutorado em Música). Não publicado. Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: 2005. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/
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242
Nachmanovicth, S. (1990) Ser criativo: o poder da improvisação na vida e na arte. (3 ed.)
São Paulo: Summus Editorial. Oliveira, A. (2008). Pontes educacionais em música. Texto apresentedo e distribuído no 17º
Encontro Anual da ABEM, São Paulo. Oliveira, A. (2001). La enseñanza de la música: América Latina y el Caribe [Music Education
in Latin America and the Caribbean]. V. Fajardo & T. Wagner (Org.). Métodos,
contenidos y enseñanza de las artes en América Latina y el Caribe. Paris, UNESCO,
27-30 (in Spanish).
1
Grupo de pesquisa sobre Mestres da Música da Bahia, coordenado por Alda Oliveira cuja pesquisa é apoiada
pelo CNPq.
2 As
atividades de criação musical era de cunho improvisativo, começando com improvisações rítmicas
(evoluindo em proposta de complexidade), depois melódicas em escala pentatônica e por fim melódicas livres e
com acompanhamento harmônico.
3
Evento em que a estrutura se modifica e se adapta, ou seja, se equilibra, com o novo elemento trazido pelo
meio (Dolle, 2005, p. 75).
4
Oliveira (2008, p. 9) ressalta a importância desse conceito criado por Vygotsky dentro dos princípios de
atuação da AP, e que em outras palavras seria a distância do nível de potencia que um indivíduo tem de
solucionar um problema de modo independente e o nível de possibilidade de potencial que possa ser
desenvolvido nele, para que ele solucione novos problemas com a intervenção de um adulto ou outros colegas.
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Cognição Musical e
Processos Perceptivos
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244
Atitude Gestual como agente cognitivo na música escrita para percussão
!
Fernando Chaib
!
Instituto Federal de Goiás (IFG)
[email protected]
Resumo: O artigo discorre sobre o conceito de atitude do fenômeno gestual como veículo
comunicativo na performance percussiva. Faz-se primeiramente uma breve explanação de cunho
antropológico sobre a aplicação desse conceito no quotidiano do indivíduo. Posteriormente
incorporamos as relações de atitudes gestuais no fazer musical percussivo. Através da ilustração de
alguns exemplos musicais (obras de David Lang, Tan Dun, Mário Laginha e François BernardMâche), buscou-se demonstrar de que maneira as atitudes do gesto poderão interferir nas vias
cognitivas de compreensão e comunicação da plateia em determinadas performances musicais.
Palavras-Chave: gesto, atitude, cognição, música para percussão, performance.
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Title: Gestural Attitude as cognitive agent in works for percussion
Abstract: This paper discusses concepts of the gestural attitudes as a communicative vehicle under
percussive performance, performing a brief anthropological overview about it. Subsequently
becomes an observation on the relationship between gestural attitudes incorporating them in
percussive music making. Through the illustration of some musical examples (works by David
Lang, Tan Dun, Mário Laginha and François Bernard-Mâche), we sought to demonstrate how the
gestural attitudes may interfere on the cognitive process of understanding and communication of
the audience at certain musical performances.
Key-Words: gesture, attitude, cognition, percussion music, performance. 1. Introdução Pesquisas realizadas sobre o fenômeno gestual e suas relações cognitivas abrigam discussões
em diversas áreas científicas. Nas Artes, observamos como são recentes os estudos que
relacionam o gesto com o fenômeno sonoro em específico: “We are only in the beginning of
more systematic studies of gestural affordances of music sound, and needless to say, there are
very many theoretical and methodological challenges here” (Godøy, 2010, p.122). Dentre as atuais pesquisas realizadas sobre esse tema, nos chama a atenção a relação do
gesto e de suas atitudes perante os fatores cognitivos presentes na transmissão de um
conteúdo musical em uma performance percussiva. Observaremos de que forma as atitudes
dos gestos podem dinamizar a ação do intérprete, atuando nos processos cognitivos de
comunicação, referente aos materiais performativos oferecidos ao público.
!
2. Atitudes do gesto
De acordo com Rudolf Laban a compreensão do movimento vem “por intermédio da
descoberta das atitudes que prevalecem em relação aos fatores de movimento, ou estão
ausentes, numa dada sequência de movimentos” (Laban, 1978, p.170). Percebe-se por esta
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afirmação como o conceito de atitude é condição si ne qua non para o papel comunicativo do
movimento enquanto fenômeno gestual. Por outro lado, Morris nos diz que: “[...] muitos
gestos são, pela sua própria natureza, capazes de abranger uma vasta gama de mensagens
associadas” (Morris et al. 1979, p.23). Assim, um gesto realizado com a mão contendo as
pontas dos dedos todas juntas apontadas para cima (Fig.1) poderá significar dúvida,
quantidade, crítica, etc., dependendo da região onde o mesmo é subentendido. A situação
constituída no momento em que o gesto ocorre também poderá ser um fator determinante de
interpretação do mesmo. Um exemplo será o acenar do punho cerrado com dedo polegar
levantado e apontado para cima (Fig.1.2): !
Fig.1: Pontas dos dedos juntas, apontadas para cima. Fig.1.2: polegar para cima com o punho
cerrado.
A ilustração Fig.1.2 significa, em geral, um sinal de aprovação. No entanto, quando esse
gesto é realizado no decorrer de uma situação de perceptível reprovação torna-se evidente
uma certa atitude de ironia no gesto transmitido. Nessa perspectiva o transmissor, através da
conjuntura estabelecida no momento da sua ação, passa a ter um forte ingrediente de
implementação no gesto pois, dependendo da sua atitude, poderá alterar o seu significado. A postura corporal talvez seja o meio mais primitivo de se observar as atitudes de um
indivíduo. Não é incomum taxarmos certas interpretações de mecânicas no sentido de o
intérprete estar administrando a sua execução (e, por consequência, o resultado musical).
Mesmo executando-se tudo o que está na partitura de uma forma sistemática, somos capazes
de dizer que a interpretação não trouxe emoção ou que houve um distanciamento entre o
intérprete e a obra ou entre o intérprete e a plateia. Também conseguimos perceber pela postura corporal do intérprete se a obra está bem
preparada. Apenas com o seu corpo o músico é capaz de transmitir um estado de nervosismo
ou calma, o que certamente conduzirá o público a adquirir uma sensação de incômodo ou
bem-estar: “[...] con sorprendente frecuencia, las personas imitan las actitudes corporales de
los demás” (Davis cit. Scheflen, 2009, p.126). O público poderá assumir uma posição de
desinteresse e insegurança ou conforto e prazer ao perceber e aceitar essa atitude no
intérprete. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/
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Se numa visão antropológica (social) e coreográfica (artística) as atitudes aplicadas
sobre o gesto são capazes de pluralizar o sentido da mesma ação, em música não será
diferente. Podemos perceber a ocorrência de atitudes gestuais capazes de gerarem diferentes
interpretações acerca das informações transmitidas:
We may say that musical gestures are in a certain sense objective, but our attitudes
towards them is subjective and may vary quite significantly. In other words, just
imagining a case of a simple interval, for someone it is “just an interval”, for another
one it may be a “cell” or a “motive” and somebody else may consider it even a
“theme”, etc. Probably each one will have it own true, approaching the interval with
different perspective (Bachrata, 2011, p.57).
!
O comentário acima trata das atitudes aplicadas ao gesto musical, citando como
exemplos “motivos” ou “temas”. Mas se construirmos uma leitura contributiva para a
performance e a interpretação musical começamos a perceber que o próprio gesto corporal do
intérprete também se munirá de atitudes para usufruir de maiores requisitos no desempenho
de sua performance. Na performance percussiva a atitude do gesto será determinante e perceptível sob
diversos aspectos. Uma obra de percussão múltipla, por exemplo, poderá gerar distintas
relações entre instrumentos e instrumentista. A atitude do intérprete diante da montagem será
determinante para transmitir ao espectador um sentido de homogeneidade ou heterogeneidade.
Assim, deve-se levar em conta a preocupação tímbrica, funcional e de fluidez da performance
e da obra. As atitudes com as quais o percussionista lida com os instrumentos que compõe a
sua montagem ditará o desenvolvimento da sua performance, bem como a transmissão do
conteúdo musical. Relativamente aos eventos sonoros, as mesmas poderão ser constatadas
através da espacialização e exploração tímbrica sobre os instrumentos. Uma outra forma da
agir do percussionista dar-se-á do ponto de vista corporal. Fatores como energia (força) e
níveis de tensão/relaxamento do corpo poderão evidenciar distintas atitudes tomadas pelo
intérprete no momento da performance. !
3. O conceito de atitude, aplicado na performance para percussão, em relação à
espacialização da montagem
A obra Water Music for Solo our Four Percussionists (2004), de Tan Dun, permite a
possibilidade de mudança de certas atitudes através das versões solo e para quarteto1. Apesar
de o texto musical manter-se igual para as duas versões, o mesmo poderá ter o seu discurso
alterado por assumir atitudes diferentes diante das hipóteses de performance. Contudo, fatores
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composicionais e materiais (notação, partitura e instrumentos sugeridos como fontes de
exploração sonora), seguem sendo os mesmos. Nesta obra exploram-se elementos geralmente
colocados em segundo plano na produção musical tradicional, como a questão visual (luz e
espaçamento) e movimento corporal em conformidade com a montagem. A forma da obra
poderá ser outro fator atingido, uma vez que na versão a solo é admitida a alteração da ordem
das seções, permitindo-se a subtração de algumas partes com a intenção de a performance não
perder a sua fluidez em função da sistematização de execução das vozes em conjunto. Aqui discutiremos a espacialização da performance em quarteto. São sugeridas duas
alternativas de montagens, evidenciando atitudes distintas sobre a espacialização (Dun, 2004).
Uma, com vistas à performance realizada em palco estilo italiano (Fig.1.3) 2:
!
Fig.1.3: Performance de Water Music for Solo our Four Percussionists (2004), de Tan Dun: palco estilo
!
italiano.
A outra proposta de espacialização tem como finalidade a realização da obra num
espaço estilo galeria. No caso desta última será praticamente impossível, à versão solo,
explorar o efeito estéreo quadrifônico, notoriamente exequível em uma versão para quarteto3.
Observando a Fig.1.44 torna-se evidente a existência, no espaço estilo galeria, um maior
distanciamento entre os intérpretes além de uma diferente disposição do público.
Como consequência, nesse tipo de performance, existe uma maior espacialização do
som o que permite ao público identificar diferentes nuances de fraseados além da
convergência e fusão tímbrica entre as partes executadas. De fato, o público percebe a massa
do som na performance estilo galeria de forma diferente. As informações sonoras aparecem
de todos os pontos da sala (pela frente, por detrás e pelos lados). Outro fator interessante a ser
observado é que, através dessa perspectiva, será possível captar distintas relações visuais e
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sonoras de dentro do público. Isso ocorre porque nessa disposição, a plateia tem maior
mobilidade e possibilidade de acomodações menos “ortodoxas” em relação ao palco italiano.
O ângulo de visão e consequentemente o resultado sonoro obtido terão distintos níveis de
apreciação para a plateia em relação ao palco italiano (conFigurado como mais tradicional).
!
Fig.1.4: Performance de Water Music for Solo our Four Percussionists (2004), de Tan Dun:
Perspectiva entre os percussionistas1, 2 e 3 no estilo galeria (espectadores dentro do perímetro das
montagens).
!
3.1 O conceito de atitude, aplicado na performance para percussão, em relação ao corpo
e à montagem: Sensação de fluência em frases com eventos sonoros discrepantes
Em muitos casos o distanciamento tímbrico entre instrumentos de percussão dificulta a
realização de ligaduras de frases ou até mesmo a criação de um sentido de fluência ou
ininterrupção de um trecho musical. O ritmo escrito muitas vezes pode contribuir para isso,
uma vez que notas longas escritas para instrumentos de pouca reverberação podem conduzir a
uma sensação de interrupção ou conclusão em trechos que, a partir de uma análise
interpretativa, deveriam indicar uma ideia de continuidade. A obra Phènix (1982), de François
Bernard-Mâche (para vibrafone e 9 membranofones) possui trechos que alternam motivos
entre os instrumentos de lâmina e de peles, gerando frases compostas por distintos sons (Ex.
1):
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Ex.1: Phènix (Bernard-Mâche, 1982: 02). 2º sis. Linha de cima: peles. Linha de baixo: vibrafone.
!
Sugerimos aqui a utilização do corpo para auxiliar na percepção da frase. Familiarizarse com a disposição dos instrumentos na montagem é fundamental para a construção desses
gestos. A obra foi executada pelo autor sob duas perspectivas distintas de montagem5 (Fig.1.5
e Fig.1.6):
!
Fig.1.5
Fig.1.6
Em Fig.1.5 os instrumentos de pele estão suspensos acima do nível do instrumento,
dispostos na posição vertical sob um ângulo de +/- 45º. Nessa montagem o percussionista
realiza um leve movimento para frente e para trás nas transições entre os membranofones e o
vibrafone. Em Fig.1.6 as peles estão suspensas ao mesmo nível do vibrafone, numa posição
horizontal (perpendicular ao chão) e/ou ligeiramente inclinadas para o intérprete.
Destaquemos que nessa montagem o movimento das pernas, tronco e cabeça do intérprete
será mais necessário e exigido pela disposição dos instrumentos (mais distantes das lâminas
do vibrafone). A fluência dos gestos torna-se fundamental para um sentido de frase uno.
De acordo com os estudos do movimento corporal que discutem a
forma linear,
curvilínea ou circular (Laban, 1978) acreditamos que a sua utilização, em congruência com
os eventos sonoros, permitirá um complemento à expressividade do intérprete na transmissão
do trecho musical e nos processos cognitivos do público. Nas constantes transições de
posições do corpo diante do instrumento e também por questões interpretativas, poderão ser
transmitidas e verificadas mudanças de expressões próprias pensadas para a performance. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/
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3.2 O conceito de atitude, aplicado na performance para percussão: visualizações de
intervenções sonoras pontuais
Neste subitem ilustraremos a possibilidade de visualização de intervenções sonoras pontuais
em trechos onde a massa de som é homogênea e ruidosa, dificultando a localização auditiva
dessas intervenções em uma performance. A obra Este pássaro não é preto (2002), de Mário
Laginha e escrita para sete percussionistas, possui um trecho considerável escrito apenas para
pratos tocados por todos os intérpretes (Ex.1.2).
No momento em que os intérpretes tocam ao mesmo tempo, lado a lado e ajoelhados ao
chão (Fig.1.7), a aglomeração de sons dos pratos dificulta a percepção das mensagens sonoras
transmitidas individualmente, sendo mais perceptível em termos auditivos o resultado do tutti.
!
Ex.1.2: Este pássaro não é preto (Laginha, 2002 ). Parte geral, p.21. C.c.161-164.
O ritmo constante, além da prevalência de dinâmicas e técnicas de exploração tímbrica
similares, causa uma massa sonora uniforme e particular. A ideia será fazer com que os pontos
culminantes individuais escritos pelo compositor (acentos), em diferentes momentos e por
distintos intérpretes, surjam dentro da massa sonora que se mantém estática ritmicamente. Fig.1.7: Drumming G.P. Performance de Este pássaro não é preto (Laginha, 2002).
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A forma linear (Laban, 1978) poderá auxiliar na transmissão dessa ideia musical. Ao
aproveitar o movimento dos pulsos para a execução de notas mais fortes, o intérprete será
capaz de realçar o evento sonoro de destaque (acento) fazendo com que o membro
responsável por esse ataque realize um gesto linear. Consequentemente através dessa ação, o
movimento do pulso (e do braço, eventualmente) será mais destacado, diferenciando o
desenho que a baqueta fará no espaço em relação às outras (subirá e/ou descerá mais). A sua
forma (reta ou circular) dependerá da interpretação coletiva uma vez que não há ligaduras de
frase ou qualquer outra indicação de expressividade. O importante aqui é fazer com que os
pontos culminantes sejam mais facilmente identificáveis. Ao utilizarmos o corpo na sua totalidade na performance percussiva, devemos abdicar
de uma suposta hierarquia que possa transparecer dos membros superiores e cabeça em
relação às outras partes, pois existem outras possibilidades de o gesto e suas atitudes
contribuírem para a percepção desses eventos sonoros. Segundo Blom e Chaplin “even when
there is only one tiny part of the body moving, the rest of the body serves as background for
that part and so is active in a visual way” (Blom e Chaplin, 1989, p.16). Por tanto, caso a
interpretação convencione que os movimentos dos braços não devem ser excessivos, a cabeça
ou o tronco poderão salientar os acentos através de rápidos movimentos.
!
4. Considerações Finais
Entendemos que a atitude do gesto na música escrita para percussão aparece como aspecto
fulcral na concepção das ações gestuais estabelecidas na construção de uma performance
percussiva e no “jogo” cognitivo estabelecido entre intérprete/público. Desta forma,
dependendo das intenções gestuais performativas construídas, o percussionista poderá
usufruir desse conceito para a construção da sua performance em conformidade com o
conteúdo musical que se queira transmitir. 5. Referências BACHRATA, P. (2011) Gesture Interaction in Music for Instruments and Electroacoustic Sounds. Tese de
Doutorado. Departamento de Comunicação e Arte, Universidade de Aveiro. Aveiro.
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Anais do X Simpósio de Cognição e Artes Musicais – 2014
252
ZAMPRONHA, E. (2000/2006) Recycling, Collaging, Sampling. São Paulo: Edição do autor. 1
Não é raro encontrarmos esse tipo de atitude no repertório percussivo. Recycling, Collaging, Sampling
(2000/2006), de Edson Zampronha pode ser executada a solo ou com até seis percussionistas. A obra Onze (n.d)
de Marco Antônio Guimarães pode ser executada a solo ou com um número indeterminado de percussionistas.
2
Simantra Grupo de Percussão na Casa da Cultura de Santa Comba Dão (Portugal), em 24/02/2012.
3
Salvo com a utilização de sonorização estérea (amplificadores, microfones, canais, etc.).
4
Simantra Grupo de Percussão no Auditório do Departamento de Comunicação e Arte da Universidade
de Aveiro (Portugal), em 09/03/2012.
5 A montagem
feita por XXX (fig.1.5) utilizou roto-toms em performance realizada em Novembro de
2010 no VI Festival Internacional de Outono 2010, (Aveiro, Portugal). A montagem fig.1.6 utilizou tom-toms em
performance realizada por XXX em Fevereiro de 2011 no IMPULS’11 - 7th International Ensemble and
Composers Academy for Contemporary Music (Graz, Áustria).
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253
O ouvido absoluto não facilita a memorização de melodias
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Patrícia Vanzella
Universidade de Brasília – Departamento de Música [email protected]
!
Michael Weiss
University of Toronto – Department of Psychology
[email protected]
!
Glenn Schellenberg
University of Toronto – Department of Psychology
[email protected]
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Sandra Trehub
University of Toronto – Department of Psychology
[email protected]
!
Resumo: Um estudo recente investigou o desempenho de adultos em uma tarefa de memória
musical e mostrou que melodias vocais são mais lembradas que melodias instrumentais. Usando
uma tarefa semelhante, o presente estudo buscou investigar a memória musical de músicos e de
não-músicos e, em seguida, comparou o desempenho de músicos portadores e não portadores de
ouvido absoluto. Todos os participantes, na primeira fase do experimento, ouviram melodias
desconhecidas, apresentadas em diferentes timbres (piano, voz, marimba e banjo).
Subsequentemente, os participantes foram testados no reconhecimento das melodias apresentadas
na primeira fase quando misturadas a melodias inéditas. Os resultados mostraram, em primeiro
lugar, que músicos tem uma memória para melodias melhor do que não-músicos. Mostraram
também que o desempenho de músicos com e sem ouvido absoluto não difere em uma tarefa de
reconhecimento de melodias. E, por fim, indicaram igualmente que, mesmo entre músicos, as
melodias vocais são lembradas com mais facilidade que as instrumentais.
Palavras-chave: memória musical, processamento vocal, ouvido absoluto
!
!
!
Title: Absolute pitch does not guarantee better memory for melodies
Abstract: A recent study compared the performance of adults on a task of musical memory and
showed that sung melodies are better remembered than instrumental melodies. Using a similar
task, the present study investigated the musical memory of musicians and non-musicians and also
compared the performance of musicians with and without absolute pitch. In the first phase of the
experiment, participants listened to unfamiliar melodies presented in different timbres (piano,
voice, marimba, and banjo). Subsequently, participants were tested on the recognition of
previously heard melodies intermixed with new ones. The results showed that musicians have
better memory for melodies than non-musicians. The performance of musicians with and without
absolute pitch did not differ in the recognition task. And, finally, both among musicians and nonmusicians, vocal melodies were more remembered than instrumental melodies.
Keywords: musical memory, vocal processing, absolute pitch
Introdução
O processamento tonal entre músicos pode apresentar características individuais bastante
distintas. Músicos portadores de ouvido absoluto (OA), por exemplo, são capazes de produzir
e/ou identificar notas musicais sem nenhuma referência externa (Parncutt & Levitin, 2001),
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enquanto não portadores dessa habilidade necessitam de alguma nota de referência para serem
capazes de identificar ou entoar uma determinada altura musical. Indivíduos com OA possuem
uma espécie de memória tonal intrínseca e imediatamente associam qualquer frequência
sonora a um rótulo específico (ex: 440 Hz = lá), enquanto músicos sem OA não são capazes
disso (Bermudez & Zatorre, 2009).
O ouvido absoluto não é, contudo, a maneira usual de perceber alturas musicais. Na
realidade, em grande parte da população, incluindo músicos, a altura de uma nota musical é
percebida através do que se convencionou chamar de ouvido relativo. É o ouvido relativo que
nos permite identificar uma melodia familiar quando tocada ou entoada em diferentes
tonalidades e que nos permite detectar quando alguém canta ou toca uma nota errada. O
ouvido relativo é, portanto, um modo de processamento musical mais relevante que o OA.
O OA pode conferir algumas vantagens a quem o possui, como por exemplo ajudar a
imaginar uma nota antes de tocá-la (em instrumentos onde as notas não estão prontas ou não
podem ser visualizadas) ou cantá-la (sobretudo em obras atonais). No entanto, a literatura
descreve que portadores de OA tem mais dificuldade de realizar tarefas que requerem a
utilização de ouvido relativo, tais como, por exemplo, tocar um instrumento que esteja em
uma afinação diferente da convencional, cantar ou tocar em uma tonalidade diferente da
tonalidade escrita em uma partitura ou mesmo reconhecer uma melodia transposta (Miyazaki,
1992, 1993, 1995, 2004; Miyazaki & Rakowski, 2001).
Entre músicos, a prevalência de portadores de OA varia de 5 a 50% (Wellek, 1963;
Chouard & Sposetti, 1991). Nem todos os portadores de OA, no entanto, conseguem
identificar notas musicais com a mesma acurácia. Essa capacidade pode variar
significativamente, por exemplo, de acordo com o timbre do estímulo sonoro (Takeuchi &
Hulse, 1993; Bachem, 1937). Estudos focalizados nas associações entre timbre e identificação
de tons mostram que notas em timbre de piano são as mais fáceis de identificar, enquanto
aquelas emitidas como tons puros (sem harmônicos) são mais difíceis (Miyazaki, 1989; Athos
et al., 2007; Baharloo et al., 1998; Lockhead & Byrd, 1981). Um estudo mais recente mostrou
que, para grande parte dos portadores de OA, tons emitidos pela voz humana são ainda mais
difíceis para identificar do que tons puros (Vanzella & Schellenberg, 2010). A significância
biológica da voz para o ser humano possivelmente seja parte importante na explicação do
achado deste último estudo citado. Além da informação tonal, a voz pode carregar
informações linguísticas e paralinguísticas (ex: identidade, estado emocional do emissor, etc.)
e é possível que essas informações interfiram na habilidade do portador de OA de identificar
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as notas.
Na literatura científica não são poucos os trabalhos que tem apontado para a importância
biológica da voz. Há inúmeras evidências de que sinais biologicamente significativos para
uma determinada espécie, como cantos ou vocalizações, são processados de maneira
preferencial entre seus membros (Ghazanfar et al., 2007; Perrodin, Kayser, Logothetis, &
Petkov, 2011; Belin, Zatorre & Ahad, 2002; Gunji et al., 2003). Nessa perspectiva, seria muito
plausível imaginar que um timbre biologicamente tão significativo para o ser humano como a
voz, com seu status de instrumento musical original, pudesse influenciar no processamento
musical (Mithen, 2005). É surpreendente observar, no entanto, que a maioria das pesquisas
em cognição musical tem utilizado estímulos de baixa significância biológica - como sons
instrumentais ou, ainda com mais frequência, sons digitalizados.
Nesse contexto, Weiss et al. (2012) conduziram um estudo no qual buscaram determinar
se um estímulo biologicamente significativo como a voz humana poderia facilitar a
memorização de melodias. Seus resultados mostraram que melodias cantadas são
efetivamente mais lembradas do que melodias instrumentais. Como o referido estudo não
selecionou os participantes de acordo com sua formação e experiência musical, decidimos
desenhar o presente experimento, utilizando tarefa semelhante, porém no qual pudéssemos
comparar tanto o desempenho de músicos com o de não-músicos, como o desempenho de
músicos com e sem OA.
No presente estudo, usamos como estímulos uma série de melodias desconhecidas,
originárias do folclore irlandês, apresentadas em quatro timbres distintos. O experimento
constou de duas fases: exposição e teste. Na fase de exposição, foi apresentada uma sequência
de melodias. Na fase teste, foi apresentada outra sequência de melodias, na qual melodias
inéditas foram intercaladas às melodias que já haviam sido apresentadas na fase anterior do
experimento e os participantes julgavam se já as haviam ouvido ou não anteriormente.
Nossas hipóteses eram as seguintes: em primeiro lugar, pelo fato da voz ser
biologicamente relevante para seres humanos, possivelmente também entre músicos (com e
sem OA) a memória de melodias vocais seria superior à memória de melodias instrumentais.
Em segundo lugar, pelo fato de indivíduos com treinamento musical usualmente apresentarem
desempenho superior a indivíduos sem treinamento em vários testes de cognição musical
(Schellenberg & Weiss, 2013), esperávamos que nosso grupo de músicos também
apresentasse melhor desempenho do que nosso grupo de não-músicos em uma tarefa de
reconhecimento de melodias. Por fim, como o que importa para o processamento melódico é
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na realidade o ouvido relativo e não o OA, uma vez que o que define uma melodia são suas
relações intervalares e não a altura absoluta das notas que a compõem, esperávamos que os
sujeitos portadores de OA, apesar de possuírem uma memória intrínseca para alturas
musicais, não apresentariam memória melódica superior à de não portadores de OA.
!
Metodologia
Participantes: O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto
de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo. Os participantes foram recrutados
através de anúncios em universidades em São Paulo e Brasília e através de listas de
participantes de outros estudos sobre OA realizados anteriormente. Trinta e oito músicos
(Midade = 28.3, SDidade = 9.3, 19 do sexo feminino) e vinte não-músicos (Midade = 27.4, SDidade
= 7.4, 14 do sexo feminino) participaram do estudo.
Foram considerados músicos aqueles que possuíam no mínimo cinco anos de
treinamento formal em seu instrumento principal (M = 14.3, SD = 6.6, variação 5 – 40 anos).
Entre os músicos, metade (n=19) eram portadores de OA. Os não portadores de OA (Midade =
26.8, SDidade = 7.2, 9 mulheres) tinham uma média de 11.7 anos (SD = 4.8, variação = 5-20
anos) de treinamento musical formal, e os portadores de OA (Midade = 29.8, SDidade = 10.9, 10
mulheres) tinham uma média de 16,8 anos (SD = 7.4, variação = 6 – 40 anos) de treinamento
musical. Foram qualificados como não-músicos os participantes que receberam menos de dois
anos de aulas de música (M = 0.4, SD = 0.2, variação = 0 – 2 anos).
!
Estímulos e Materiais: Os estímulos do presente estudo são uma expansão do conjunto de
melodias utilizadas por Weiss et al. (2012), aumentando o conjunto para 48 melodias gravadas
em quatro timbres: piano, banjo, marimba e voz feminina (entoando a sílaba “lá”). As
dezesseis melodias folclóricas adicionais foram registradas utilizando os métodos descritos
em Weiss et al. (2012). A mesma cantora gravou as melodias vocais. Da mesma forma que no
estudo anterior, as alturas nas melodias vocais foram corrigidas no Melodyne (Celemony
Inc.), software que preserva as características vocais naturais, mas corrige o nível médio da
afinação de cada nota, garantindo a mesma afinação para voz e instrumentos.
Os experimentos foram realizados em ambientes silenciosos em São Paulo e Brasília,
com a presença do responsável pelo experimento. Os estímulos foram apresentados por meio
de fones de ouvido da marca Sony, modelo MDR-710.
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Procedimento: O experimento consistia em duas fases: exposição e teste. Na fase de
exposição, o participante ouvia uma sequência de 24 melodias (seis em cada timbre)
apresentadas de maneira randômica. Após ouvir cada uma das melodias, o participante
indicava, clicando na tela do computador, quanto aquela melodia lhe agradava. Para isso,
usava uma escala de 1 (não gosto) a 5 (gosto) apresentada na tela do computador. Esse
procedimento tinha por objetivo maximizar a atenção do participante às melodias e também
possibilitar posteriormente uma avaliação sobre uma potencial influência das preferências
timbrísticas sobre a memória. A fase teste consistia na apresentação de uma sequência de 48
melodias, na qual melodias inéditas se intercalavam, também de modo aleatório, às melodias
apresentadas na primeira fase do teste. O participante julgava, logo após ouvir cada uma das
melodias da fase teste, se a mesma lhe era ou não familiar. Para isso, usava uma escala de 1
(com certeza melodia nova) a 6 (com certeza melodia antiga). O timbre de uma mesma
melodia não variava entre a primeira e a segunda fase do experimento.
Antes da realização do experimento, os participantes assinaram termo de consentimento
livre e esclarecido. Entre a primeira e a segunda fase do experimento, preencheram um
questionário com seus dados demográficos e informações sobre sua formação e experiência
musical. Ao final do experimento, realizaram um teste de ouvido absoluto (teste utilizado em
Vanzella & Schellenberg, 2010).
!
Resultados
Teste de ouvido absoluto: Foram considerados portadores de OA os músicos que obtiveram
uma pontuação igual ou superior a 19 respostas corretas (de um total de 24) em ao menos um
dos quatro timbres do teste de OA (MTotal = 20.49, SD = 0.56). Foram considerados não
portadores de OA os músicos que obtiveram pontuação igual ou inferior a 17 respostas
corretas em todos os timbres do teste de OA (MTotal = 7.86, SD = 0.74). A título de referência,
um desempenho aleatório em 24 tentativas corresponde a seis respostas corretas; uma
pontuação igual ou maior que 11 é considerada um desempenho melhor do que o acaso,
conforme determinado por uma aproximação unicaudal da distribuição normal para a
distribuição binomial sem correção de continuidade.
!
Reconhecimento das melodias: Para cada participante, oito escores foram calculados como
médias de escores de reconhecimento de melodias em cada timbre (voz, piano, banjo,
marimba) e nível de exposição (melodia antiga, melodia nova). Os oito escores são: Voz,
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Piano, Marimba, Banjo (nova e antiga; ex. Voz-Nova, Voz-Antiga, etc.). Cada um desses
escores representou a média de seis melodias. Por exemplo: o escore para Voz-nova de cada
participante representou a média das seis melodias vocais novas. Para avaliar o seu grau de
certeza com relação ao ineditismo ou não da melodia, o participante usou a escala de 1 à 6
mencionada anteriormente. Seu escore para Voz-nova foi calculado, portanto, fazendo-se uma
média de cada uma de suas indicações. Assim, se para cada uma das seis novas melodias ele
indicou 4, 3, 6, 2, 4, 2, seu escore Voz-nova seria 3,5. Quanto mais altos os escores, mais
certeza de que as melodias já haviam sido escutadas.
Em seguida usamos os escores acima para calcular quatro escores de diferença, um para
cada timbre, nos quais os escores para melodias novas foram subtraídos dos escores das
melodias antigas (escores positivos são indicativos de memória; escore máximo=5). Por
exemplo: escore Voz-Antiga menos escore Voz-Nova = escore de diferença do timbre vocal.
Um modelo de efeitos mistos de análise de variância (ANOVA) foi utilizado para
comparar esses escores de diferença, com a condição de musicalidade (n = 20 não-músicos, n
= 38 músicos) como variável entre-indivíduos e a condição de timbre (voz, piano, banjo,
marimba) como variável intra-indivíduos. Observou-se um efeito robusto relativo à
musicalidade, F(1, 56) = 10.218, p = .002, partial η2 = .154, visto que o desempenho na tarefa
de memorização foi no geral melhor para o grupo de músicos (M = 2.104, SEM = 0.132) do
que o de não-músicos (M = 1.438, SEM = .138). Houve também um efeito importante
relacionado ao timbre, F(1, 56) = 27.772, p < .001, partial η2 = .332. Este efeito deveu-se a
escores mais altos, ps < .01 (corrigidos por comparações múltiplas utilizando o método de
Bonferroni), para a voz (M = 2.374, SEM = .155) do que para cada instrumento: piano (M =
1.759, SEM = .127), banjo (M = 1.764, SEM = .128), ou marimba (M = 1.601, SEM = .144),
que não diferiram um do outro, ps > .7. Por fim, não houve interação entre musicalidade e
timbre, F < 1, ou seja, ambos os grupos apresentaram padrões semelhantes de resposta
(escores de reconhecimento mais elevados para as melodias vocais que as instrumentais).
Subsequentemente, por meio de uma outra ANOVA, comparou-se o desempenho de
músicos com e sem ouvido absoluto na tarefa de reconhecimento de melodias (não-músicos
foram excluídos dessa análise). A variável entre indivíduos foi o status Ouvido Absoluto
(músicos com OA, músicos sem OA) e a variável intra-indivíduos foi o timbre (voz, piano,
banjo, marimba). Além do efeito principal robusto do timbre, evidente na análise anterior (ou
seja, a vantagem vocal), não houve outros efeitos: músicos com e sem OA não diferiram
quanto ao desempenho no reconhecimento em geral, F < 1, e não houve interação entre o
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status de OA e o timbre F < 1. Em resumo, não foram encontradas evidências que OA
influencie a memória para melodias na presente tarefa.
!
Conclusões
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Neste estudo investigamos a memória musical de músicos e não-músicos utilizando uma
tarefa de reconhecimento de melodias. Ao contrário de prática recorrente observada em
grande parte dos estudos em cognição musical, utilizamos estímulos vocais, ao invés de
apenas estímulos instrumentais ou sintetizados. Essa escolha nos permitiu obter algumas
informações sobre memória melódica a partir da comparação do efeito de estímulos com
maior e menor significância biológica. A importância da voz humana no processo de
memorização melódica ficou evidente em nossos resultados: tanto músicos como não-músicos
mostraram mais facilidade em recordar melodias que lhes foram apresentadas no timbre vocal
do que nos timbres instrumentais. Por outro lado, na comparação dos timbres instrumentais
entre si, nenhum deles mostrou um processamento preferencial. Isto é, não houve
preponderância de um timbre instrumental específico no processo de reconhecimento das
melodias. Apesar de ainda não serem evidentes os mecanismos que levam nosso cérebro a
tratar o timbre vocal de forma preferencial, este estudo deixou claro que o timbre dos
estímulos pode ser uma variável importante em termos de suas consequências para ouvintes
humanos.
Conforme esperávamos, a memória melódica de músicos mostrou-se superior à de não
músicos no conjunto dos timbres apresentados. Vários estudos na literatura tem relatado
desempenho melhor de músicos do que não-músicos em uma série de tarefas auditivas, sejam
elas musicais ou de outra natureza (Schellenberg & Weiss, 2013). Nossos resultados
corroboram, portanto, dados da literatura.
Por fim, em busca de um melhor entendimento sobre a memória musical de indivíduos
que apresentam diferentes modos de processamento tonal, comparamos o desempenho de
músicos com e sem OA. Em primeiro lugar, encontramos mais uma vez o “efeito voz”. Em
ambos os grupos, melodias vocais foram mais lembradas que melodias instrumentais.
Também não houve diferença entre esses grupos com relação à memorização das melodias
instrumentais. Além disso, com relação à capacidade de reconhecer melodias em geral, não
houve diferença de desempenho entre músicos com e sem OA. Em outras palavras, possuir
ouvido absoluto não facilita (mas também não dificulta) a memória para melodias.
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261
Coeficientes melódicos da emoção na melodia tonal
!
José Roberto do Carmo Jr.
Universidade Federal do Paraná
[email protected]
Resumo: Valência e ativação são conceitos básicos na moderna teoria das emoções (Russel, 1980).
Todas as emoções básicas, como a alegria, a tristeza, a ira, etc. podem ser consideradas como
representações lexicais dos diferentes graus de valência e ativação, que são contínuos (Barret,
2006). Como se sabe, a música não é capaz de expressar conteúdos conceituais, mas talvez seja
capaz de expressar graus de valência e ativação. Neste estudo, exploramos essa hipótese através da
análise de quarenta canções do Beatles. Nós assumimos que a valência é: (i) inversamente
proporcional à taxa de elocução, (ii) diretamente proporcional à extensão da tessitura, e (iii)
apresenta uma correlação estatística significante com o modo (maior ou menor). Nesse sentido,
taxa de elocução, tessitura e modo podem ser considerados coeficientes musicais de um conteúdo
emocional. Dado que os coeficientes são expressos numericamente (i.e. número de semitons,
número de sílabas por minuto) eles podem ser tomados como a medida do conteúdo emocional de
uma melodia. Para testar tal hipótese, coletamos dados de uma enquete realizada na Internet sobre
o perfil emocional de canções dos Beatles. Foram mensurados os coeficientes melódicos de vinte
canções consideradas “tristes” e vinte outras consideradas “alegres”. Resultados preliminares
sustentam a hipótese de que há uma forte correlação entre valência, de um lado, e taxa de
elocução, tessitura e modo, de outro. Palavras-chave: canção popular, coeficientes melódicos, emoção.
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Title: Text setting grammar in pop songs
Abstract: Valence and arousal are basic concepts of the modern theory of emotions (Russell,
1980). Any basic emotion, such as joy, sadness, anger, etc, can be seen as the lexical or conceptual
representation of different degrees of valence and arousal, which are dimensional and continuous
in nature (Barret, 2006). As we know, music is not able to express conceptual contents, but perhaps
it can at least map the degrees of arousal and valence. This study explores this idea through the
analysis of forty Beatles melodies. We hypothesize that the valence is (i) directly proportional to
the singing rate, (ii) inversely proportional to the pitch range and (iii) has a statistically significant
correlation with the mode. Thus, singing rate, pitch range, and mode can be considered melodic
coefficients of the musical emotional meaning. As the coefficients are expressed by numbers (i.e.,
the number of semitones, the number of syllables per minute), they can be used to measure the
emotional content of a melody. To test this hypothesis, we gathered data from two Internet surveys
about the emotional content of Beatles songs. In this pilot study we measured and analyzed the
melodic coefficients of twenty songs judged “sad” by the informants, and twenty songs judged
“happy”. Our preliminary results support the hypothesis that there is a strong correlation between
valence on one side, and singing rate, pitch range and mode on the other. Keywords: pop song, melodic coefficients, emotion
O problema
A música parece ser uma linguagem especializada na expressão da emoção (Mithen,
2005:267). Ouvir uma canção é perceber uma cadeia de sons associada a um certo estado
emocional, que atua como seu significado. Mesmo quando o principal efeito da música é de
ordem fisiológica, como no caso da dança, ainda assim há um componente emocional a ela
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associado. Pelo fato de ter um grande poder de penetração na psique, a música pode nos
remeter a conteúdos emocionais básicos ou primitivos de uma maneira muito mais eficaz e
direta que a língua o faria, e talvez por essa razão dificilmente encontramos pessoas a ela
indiferentes. A emoção pode ser abordada seja por um ponto de vista categorial, seja por um
ponto de vista contínuo (Ekman, 1992; Russel, 1980; Juslin & Sloboda, 2009). Do ponto de
vista categorial, as emoções comportam-se como estados discretos que são nomeados como
“alegria”, “tristeza”, “medo”, etc. Baseado num experimento sobra a resposta emocional
associada às expressões faciais, Paul Ekman (1992) mostrou que, a alegria, a tristeza, o medo,
a cólera, a repugnância e a surpresa são transculturais, ou seja, são estados emocionais
reconhecíveis entre sujeitos pertencentes a diferentes culturas. Quaisquer que sejam as
emoções básicas e qualquer que seja seu número, parece haver um consenso quanto ao fato de
elas serem manifestações discursivas de estados contínuos e profundos do sujeito. Trabalhos
como os de Russel (1980), Watson e Tellegen (1985) e sobretudo Barret (2006) mostram que
há um nível basal comum a todas as emoções, no qual um número reduzido de variáveis
contínuas dariam conta das flutuações das emoções lexicalizadas. Estas variáveis contínuas
são a valência (atratividade ou repulsividade) e a ativação (calma ou excitação). Ou seja, os
estados emocionais admitem um estrato superficial – categórico e discreto –, constituído pela
emoções lexicalizadas, sob o qual se abriga um estrato profundo constituído por grandezas
contínuas. Nesse sentido, a valência e a ativação são primitivos emocionais. Eles estão na base
de toda e qualquer emoção, mas não se confundem com elas.
A valência, que pode ser
definida como o grau de atratividade ou repulsividade associado ao objeto pelo sujeito e está
na base de distinções categóricas como alegria/tristeza e irritação/encantamento. A ativação,
por outro lado, constitui a dimensão energética associada a qualquer emoção e está na base de
oposições categóricas como serenidade/encantamento (ambas eufóricas) e melancolia/
irritação (ambas disfóricas). A figura a seguir representa esquematicamente a relação entre
emoções e primitivos emocionais (fig.1).
Figura 1. Relação entre emoções discretas e primitivos emocionais
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Valência e ativação são grandezas ortogonais, o que significa que a toda valência está
associado um grau de ativação e a todo grau de ativação está associada uma valência. Assim,
por exemplo, embora a alegria e a satisfação sejam ambas valências positivas (eufóricas), a
primeira tem um grau de ativação maior que a segunda. Do mesmo modo, irritação e tristeza
possuem valências negativas (disfóricas), mas diferem pelo grau de ativação, maior na
primeira e menor nas segunda. !
Hipótese dos Coeficientes Musicais
Na melodia tonal grandezas musicais (tom, andamento, etc) e primitivos emocionais são
mutuamente dependentes, ou seja, diferenças no significante (grandezas musicais) espelham
diferenças no significado (primitivos emocionais) e vice-versa. A primeira hipótese que
defendemos neste trabalho é a de que os primitivos emocionais se correlacionam com quatro
grandezas musicais: andamento, dinâmica, tessitura e modo. Essas grandezas serão
consideradas coeficientes musicais dos primitivos emocionais e receberão as seguintes
denominações: (1) o andamento ou coeficiente cinemático (Cc) é a medida da velocidade com a qual é
executada uma melodia e aqui é tomada como o número de sílabas por minuto;
(2) a tessitura ou coeficiente entoacional (Ce) constitui a extensão tonal da melodia de
uma canção, ou seja, a diferença em semitons entre a nota mais grave e a mais aguda,
inclusive;
(3) o modo ou coeficiente modal (Cm) está diretamente relacionado à valência. Na
música popular (com raras exceções) encontramos apenas os modos maior e menor, aos quais
atribuiremos arbitrariamente os valores Cm = +1 (melodias em modo maior) e Cm = -1
(melodias em modo menor);
(4) a dinâmica ou coeficiente dinâmico (Cd) é o correlato acústico da ativação. Sua
unidade de medida é o Sone (μS). !
Hipótese da distribuição dos coeficientes
Há relações específicas entre os primitivos emocionais e os coeficientes musicais. A valência,
que mede a atratividade ou repulsividade do objeto associado à emoção está diretamente
ligada ao andamento, ao modo e à tessitura. A expressão da valência positiva (eufórica) está
quase sempre associada ao andamento acelerado e à tessitura estreita e vice-versa. Sabe-se
também que o modo menor tem um efeito de sentido disfórico, favorecendo sua associação à
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valência negativa. Por outro lado, o grau de ativação associado à emoção não parece
relacionado a estes coeficientes, mas apenas à dinâmica, que mede a intensidade da emoção.
Dadas as limitações de espaço desta apresentação, no limitaremos a analisar o papel dos três
primeiros coeficientes na produção de efeitos de sentido emocionais.
Uma vez que a variação da valência é diretamente proporcional à variação do
andamento (quanto maior a valência, maior o andamento), inversamente proporcional à
extensão da tessitura (quanto maior a valência, menor a tessitura) e diretamente proporcional
ao modo (valência positiva está associada ao modo maior e vice-versa), ou seja, dado que a
um único primitivo emocional estão associados três coeficientes musicais, é possível reduzir
estes últimos a um único valor numérico, que chamaremos Coeficiente Tensivo da Melodia
(Ct), segundo a fórmula (1):
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(1) C =t Cm +(C c/C e) !
Dois exemplos ilustrarão este ponto. Se tomarmos duas canções conteúdo emocional
claramente distintos como, por exemplo, Twist and shout (2) e Because (3), teremos os
seguintes resultados:
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(2) C =t Cm +(C c/C e)= (+1)+ 138/8= 17,25 !
(3) C =t Cm +(C c/C e)= (− 1)+79 /19= 3,15 Vê-se que fórmula expressa sinteticamente a solidariedade entre os coeficientes modal,
cinemático e entoacional (significante) e sua correlação com a valência (significado). Nossa
percepção intuitiva do conteúdo tímico das duas canções, confirmada por testes de percepção
(ver adiante) afirma que Twist and shout é eufórica e Because disfórica, e esta percepção é
retratada pelos valores que emanam do seu significante, 17,25 para a primeira e 3,15 para a
segunda. Tomemos agora, como segunda ilustração, a primeira (4) e a segunda parte (5) da
canção Garota de Ipanema, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, que apresentam um claro
contraste no que diz respeito ao conteúdo emocional. Aplicando-se a fórmula do coeficiente
tensivo aos valores das duas partes da melodia obtemos o seguinte resultado:
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(4) C =t Cm +(C c/C e)= (+1)+ 82/8= 11,25 (5) C =t Cm +(C c/C e)= (+1)+ 82/15= 6,46 Observa-se que a fórmula expressa a diferença a primeira parte, mais eufórica
(Ct=11,25), a segunda, menos eufórica (Ct = 6,46). Convém salientar que a fórmula do
coeficiente tensivo não é uma equação matemática, dedutivamente encontrada, mas a simples
reprodução sintética e simbólica de uma relação aproximada entre grandezas do significante
musical. Em outras palavras, assim como outras fórmulas empíricas (como a fórmula do
“peso ideal”, por exemplo, que associa peso, estatura, sexo e faixa etária) a fórmula do
coeficiente tensivo retrata de maneira rudimentar certas relações aproximadas entre diferentes
grandezas. Se andamento, tessitura e modo se associam para expressar a valência, a dinâmica,
por outro lado, expressa de maneira independente o grau de ativação. Parece que a hipótese
mais simples (que naturalmente deverá ser aferida e testada) consiste em supor que,
independentemente da valência, ou seja, da maior ou menor atratividade do objeto, a
competência do sujeito para entrar em conjunção com o objeto se reflete num certo nível de
intensidade, associado à valência mas independente dela. O sujeito pode desejar o objeto mais
ou menos, com maior ou menor intensidade. !
Representação dos coeficientes
Ao reduzir as variáveis andamento, modo e tessitura a uma única grandeza, a fórmula do
coeficiente tensivo permite que estabeleçamos uma relação biunívoca entre duas variáveis
independentes do plano do conteúdo (valência e ativação) e duas variáveis independentes do
plano da expressão (coeficiente tensivo e coeficiente dinâmico). A partir desse procedimento é
possível tomar cada par de variáveis independentes como dois eixos de um plano cartesiano
(x, y). O estudo piloto que realizamos para investigar as relações entre primitivos emocionais e
coeficientes musicais baseou-se num corpus de 40 canções dos Beatles. Nossos dados provêm
de duas enquetes realizadas na Internet com as questões “Quais as mais tristes canções dos
Beatles e quais as mais alegres?”. Estas questões foram respondidas por 42 informantes, com
206 “votos” (cada informante podia apresentar uma listas de canções). As 40 canções
selecionadas para análise, 20 em cada grupo, foram as que receberam mais votos em termos
absolutos. Na classe das canções tristes, as mais votadas pelos informantes foram Because,
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You’ve got to hide your love away, The long and widing road, You never give me your money,
Julia, Yer blues, Hey Jude, Golden Slumbers, Free as a bird, Let it be, For no one, The fool
of the hill, Yesterday, She is leaving home, While my guitar gently weeps, Eleanor Rigby,
Strawberry fields forever, Girl, In my life e Nowhere man. Já a lista das canções mais alegres
na opinião dos informantes contém Two of us, Penny Lane, Getting better, Hello goodbye,
Good day sunshine, Honey pie, Do you want to know a secret, Martha my dear, Back in the
USSR, Yellow submarine, She loves you, Lucy in the Sky with Diamonds, I wanna be your
man, All my loving, Octopus’s garden, Here comes the sun, I’ve just seen a face, Please please
me, Eight days a week e Twist and shout.
A partir da seleção da lista das 40 canções, passamos à etapa da coleta e análise dos
dados musicais. Através da análise das partituras obtivemos os valores dos coeficientes modal
(modo) e entoacional (tessitura), e a partir das gravações originais obtivemos os valores dos
coeficientes cinemático (andamento) e dinâmico (intensidade). Assim, para ficarmos nos
exemplos extremos, a melodia de Because apresenta uma ampla tessitura (19 semitons), em
tonalidade menor (-1) e é interpretada num andamento desacelerado (79 Bpm). Aplicando a
fórmula da valência, obtemos o valor 3,15. No extremo oposto temos a canção Twist and
Shout, que apresenta tessitura estreita (8 semitons), em tonalidade maior (+1) e andamento
acelerado (138 Bpm), de onde resulta o valor 17,25. Em outras palavras, o conjunto de 40
canções tem Coeficientes tensivos que variam entre 3,15 (Because) e 17,25 (Twist and shout).
Este resultado é coerente com a classificação dada pelos informantes, que classificaram a
primeira como “triste” e a segunda “alegre”. Mas a operacionalidade dessa metodologia
somente será válida se os valores tensivos corresponderem, ainda que aproximadamente, às
duas classes apresentadas pelos informantes, ou seja, espera-se que as canções consideradas
tristes apresentem valores tensivos baixos e aquelas consideradas alegres valores tensivos
altos. Vejamos agora o resultado que estes valores aferidos nos oferecem em termos de
tensividade das linhas melódicas. A figura a seguir (figura 2) ilustra os dois grupos de
canções:
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Figura 2. Coeficiente tensivo das canções do corpus.
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O eixo vertical corresponde ao coeficiente tensivo (0 a 20) e o eixo horizontal às
quarenta canções do corpus. As primeiras vinte canções (em azul) correspondem às canções
consideradas “tristes” pelos informantes, as últimas vinte (em vermelho) as consideradas
“alegres”. Vê-se que a fórmula empírica proposta produz um resultado relativamente
conforme com os dados dos informantes. Há uma estreita região comum, cujo coeficiente
tensivo varia entre 6 e 8, na qual o algoritmo não distingue as canções consideradas “tristes” e
“alegres”. De fato, enquanto os informantes produzem um resultado categorial (pois são
convidados a classificar as canções em duas categorias), a fórmula produz um resultado
gradual. Quando a enquete apresenta ao informante a questão sobre canções tristes ou alegres,
há aí uma oposição exclusiva implícita (ou exclusivo). O informante tem que decidir por uma
ou por outra possibilidade excluindo a outra. Por outro lado, o algoritmo trabalha com
grandezas numéricas e pode distribuir as canções em quaisquer pontos entre os extremos
“triste” e “alegre”, tornando visível uma região de neutralização, na qual os traços do plano da
expressão não são tão característicos. Trata-se de uma oposição participativa (ou inclusivo).
Será esta talvez uma marca do estilo pop, se comparado ao “excessos” do rock and roll e do
estilo romântico?
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Referências
Colombetti, G. (2005) “Appraising Valence”, Journal of Consciousness Studies, 12, No. 8–10,
pp. 103–126.
Ekman, P. (1992) An argument for basic emotions. Cognition & Emotion, 6, 169-200.
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Gerling, C. C.; Santos, R. A. T.; Domenici, C. (2008) “Reflexões sobre interpretações
musicais de estudantes de piano e a comunicação de emoções”, In: Musica Hoje, v.8, n.1,
p. 11-25.
Goertzel, Ben (2004) A General Theory of Emotion in Humans and Other Intelligences.
Greimas & Fontanille (1993) Semiótica das paixões. São Paulo:Ática.
Mithen, S. (2005) The Singing Neanderthals. The origin of Music, language, Mind and Body.
London: Phoenix. Russel, (1980) “A circumplex model of affect”, Journal of Personality and Social Psychology,
39,p. 1161-78. Tatit, L.(1994) Semiótica da Canção: Melodia e Letra. São Paulo: Escuta.
Zentner, M. R. & Eerola, T. (2009). Self-report measures and models. In Juslin, P. & Sloboda,
J. (Eds).Handbook of Music and Emotion, pp. 187-221. Oxford University Press: Oxford,
UK.
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O tempo despendido na prática em condições específicas de privação de
retroalimentação sensorial
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Michele Rosita Mantovani
Instituto de Artes - UFRGS
[email protected]
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Regina Antunes Teixeira dos Santos
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Instituto de Artes - UFRGS
[email protected]
Resumo: O presente estudo teve como objetivo investigar o tempo despendido na abordagem
inicial de peças para piano por estudantes de diferentes níveis acadêmicos, submetidos a condições
especificas de estudo com privação de retroalimentação visual, aural e cinestésica. Estudantes de
música (N = 12) da graduação (iniciantes, meio e final de curso) e de pós-graduação, seguindo um
delineamento experimental tipo hierárquico foram submetidos a quatro condições de estudo: (i)
Condição A: Decodificação Visual com retroalimentação cinestésica e privação da
retroalimentação auditiva; (ii) Condição B: Decodificação Visual com a privação das
retroalimentações aural e cinestésica (prática mental); (iii) Condição C: Decodificação Aural com
retroalimentação cinestésica e privação da retroalimentação visual da partitura (“tocar a música de
ouvido”); (iv) Condição D: Decodificação Aural sem retroalimentação cinestésica com a privação
das retroalimentações visual e cinestésica. Em A, contatou-se relativo efeito do nível acadêmico no
tempo de prática entre os participantes de início, meio e fim de curso. Na condição B, não houve
efeito do nível acadêmico. Na condição C, houve efeito relativo entre os participantes de início e
fim de curso e pós-graduação. Na condição D, ocorreu também o efeito relativo entre os
participantes de início e fim de curso e pós-graduação.
Palavras-chave: modalidades sensoriais, condições de prática, performance.
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Title: Spent time in practice under specific conditions of sensorial feedback privation Abstract: The present study aimed at investigating the time of practicing spent during the initial
approach to piano pieces by students belonging to different academic levels, submitted to specific
studying conditions with visual, aural and kinesthetic feedback privation. Undergraduate and
graduate students (N = 12) belonging to different academic levels (freshman, sophomore and
senior) were submitted to four different studying conditions: (i) Condition A: visual decodification
with kinesthetic feedback and privation of auditory feedback; (ii) Condition B: visual
decodification with privation of auditory and kinesthetic feedbacks (mental practice); (iii)
Condition C: auditory decodification with kinesthetic feedback and privation of visual feedback
from the score (`playing by ear`); (iv) Condition D: auditory decodification without kinesthetic
feedback and privation of visual and kinesthetic feedbacks. In A, there was a relative effect of the
academic level in time spent in practice among the participants from the beginning, middle and
end of the course. In condition B, there was no effect of the academic level. In condition C, there
was a relative effect among the freshmen, seniors and graduate students. In condition D, relative
effect among the freshmen and seniors, and graduate students.
Keywords: sensorial modalities, practicing conditions, performance.
Introdução
Aprendizagem musical, do ponto de vista psicológico, envolve o processamento da memória.
Modelos e pesquisa da psicologia da memoria têm-se preocupado em esboçar esse fenômeno
em termos de decodificação, armazenamento e recuperação. Segundo Ginsborg (2005), o
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270
armazenamento sensorial consiste na recepção de estímulos extraídos do ambiente, por meio
dos sentidos, ou seja, das modalidades sensoriais. Para Gruhn (2005), as informações que
percebemos através dos sentidos, fazem-nos perceber e atribuir-lhes significados, de acordo
com o nosso conhecimento prévio e de nossas representações mentais. Para Aiello e
Williamon (2002), as memórias (e representações) visuais, aurais e cinestésicas estão
amplamente conectadas ao conhecimento semântico musical, pois dependem da compreensão
da estrutura musical, da harmonia e de outros aspectos musicais para serem formadas. Assim,
nas atividades de preparação de uma dada peça no instrumento, o músico vai lidar com tipos
de representações e modalidades sensoriais que vão ajudá-lo, em dependência de seu nível de
expertise, a formatar o produto que esta sendo preparado.
Segundo Chaffin, Logan e Begosh (2009), a memória motora ou cinestésica permite que
ações sejam executadas automaticamente a partir da retroalimentação sensorial das
articulações, músculos e receptores sensíveis ao toque Os músicos se referem a este tipo de
memória como ter a música “nas mãos”, um conhecimento implícito que, para ser acessado,
precisa da execução física ao instrumento. A memória visual funciona como uma espécie de
memória “fotográfica”, referente à lembrança da partitura, como saber a localização exata de
uma determinada passagem na página, tanto quanto à lembrança postura corporal no
instrumento (como as mãos sobre o teclado), como em forma de uma representação espacial.
(Ginsborg, 2005, p. 13). Para Chaffin, Logan e Begosh (2009), a memória auditiva permite
que as pessoas “escutem” melodias em suas cabeças independentemente das outras
modalidades sensoriais. Na construção de uma performance musical, a memória auditiva
auxilia o instrumentista a imaginar e criar referências sonoras no direcionamento das linhas,
assim como nas intenções de expressão. Uma abordagem empregada por pesquisadores acerca da memória em música diz
respeito às restrições de retroalimentação aural, visual e/ou cinestésica. A literatura tem
colocado a importância da representação mental para a performance do expert (Lehmann &
Ericsson, 1997). Outro aspecto evidenciado na literatura da prática mental para construção de
representações motoras e auditivas (Lehmann, 1997). Por exemplo, Highben e Palmer (2004)
investigaram o efeito de dois tipos de prática mental (aural e motora) na aprendizagem de uma
peça não-familiar para uma performance. Os autores concluíram que pianistas com
habilidades aurais bem desenvolvidas foram menos afetados nos testes de memorização pela
remoção da retroalimentação aural durante a prática. A imagem aural mais precisa foi
considerada importante para a performance de memória. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/
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A maioria dessas pesquisas investiga o efeito da privação de retroalimentações sensórias
na performance de memória. Ao nosso conhecimento, ainda não foi estudado a privação
dessas modalidades na abordagem inicial de uma peça. Dessa forma, o presente estudo teve
como objetivo investigar o tempo despendido na abordagem inicial de peças para piano por
estudantes de diferentes níveis acadêmicos, submetidos a condições específicas de estudo com
privação de retroalimentação visual, aural e cinestésica. !
Método
Uma amostra de 12 voluntários, estudantes de piano com média de idade de 22,58 ± 3,42),
participaram deste estudo. O delineamento experimental adotado foi do tipo hierárquico
(nested design) e levou em conta dois fatores: (i) quatro condições de estudo com privação
das retroalimentações sensoriais, a saber: Condição A: Decodificação Visual com
retroalimentação cinestésica e privação da retroalimentação auditiva; Condição B:
Decodificação Visual com a privação das retroalimentações aural e cinestésica, ou seja, estudo
também denominado de prática mental; Condição C: Decodificação Aural com
retroalimentação cinestésica e privação da retroalimentação visual da partitura, ou seja, “tocar
a música de ouvido”; Condição D: Decodificação Aural sem retroalimentação cinestésica com
a privação das retroalimentações visual e cinestésica, isto é, sem ler a partitura e sem tocar. (2)
Quatro níveis de desenvolvimento acadêmico: (i) Início de curso (1º a 3º semestre),
codificados como I1, I2 e I3) ; (ii) Meio de curso ( 4º a 6º ), M4, M5 e M6; (iii) Fim de curso (
7º e 8º semestre), F7, F8 e F9; (iv) Pós-Graduação (PG), participantes cursando mestrado e/ou
doutorado, PG10, PG11 e PG12. O
estimulo foi constituído de quatro trechos, de cerca no máximo 24 compassos,
extraídos de sonatas de Haydn, distribuídos como medida randômica em um quadrado latino
para melhor distribuição e realizado em triplicata. Em cada condição de estudo, os
participantes ficaram sós em uma sala e puderam estudar a peça estipulada por tempo
indeterminado, até sentirem-se satisfeitos(as) e/ou considerar a peça como estudada. As
técnicas de coleta de dados foram: (a) registro da performance da peça com todas as
retroalimentações sensoriais reagregadas; (b) entrevista semiestruturada cujo roteiro
contemplou questões referentes às estratégias desenvolvidas, o foco de atenção e tipo de fonte
perceptiva recorrida. Cada pianista realizou quatro encontros para o experimento, que geraram quatro
performances gravadas, e, consequentemente, quatro entrevistas semiestruturadas para cada
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participante. Considerando as 48 situações de coletas, o conjunto de dados resultou num total
de 48 performances e 48 entrevistas. Os dados foram transcritos e tratados qualitativamente e
quantitativamente. Para maiores detalhes, vide Mantovani (2014).
!
Resultados e Discussões
O tempo despendido na realização das tarefas pode funcionar como um indício tanto do grau
de facilidade/dificuldade enfrentado pelo participante em uma dada condição de estudo, assim
como de seu grau de expertise. Estima-se que tarefas mais difíceis ou níveis mais elementares
de expertise (iniciante, por exemplo) possam exigir mais tempo em sua execução. Não se
pode negligenciar que esse tempo despendido pode ser afetado por aspectos tais como nível
de concentração e engajamento dos participantes, bem como a qualidade almejada do produto
a ser atingido em cada condição. Dessa forma, a variável tempo foi analisada sob dois
aspectos, inter-relacionados: a natureza da condição de estudo e o nível acadêmico. A Figura 1
apresenta o tempo gasto pelos participantes dispostos em cada condição de estudo.
A Figura 1 aponta que as condições A e B foram aquelas em que foi despendido o
menor tempo de prática entre todos os níveis acadêmicos. Em ambas as condições (A e B), o
tempo de preparação dos estudantes foi bastante similar, haja vista a mediana de 12 e 10 min
resultante em cada condição, respectivamente (observada no detalhe dos diagramas de caixa
da Figura 1 a e b). Na condição A, dez dos doze participantes realizaram o estudo em média
de 11,90 ± 5,76 min e mediana de 12 min. Dois participantes de início de curso levaram um
tempo significativamente superior em comparação com os demais níveis, apesar de
considerarem a tarefa fácil, configurando-se como observações extremas (outliers), conforme
ilustração do diagrama de caixa correspondente. Na condição A, pode-se observar uma
tendência de diminuição do tempo gasto para realização do estudo à medida que desloca-se
dos participantes de início aos de fim de curso (indicada pela curva tracejada). Esse
comportamento sugere um potencial efeito do nível acadêmico nessa condição de estudo. O
tempo médio dos participantes de pós-graduação foi maior que a média dos participantes de
meio e fim de curso. Nesse caso, não se pode negligenciar que os participantes de pósgraduação dispõem de um nível de expertise mais diferenciado que lhes possibilitam a
perseguir um nível qualitativamente diferenciado de realização, e isto pode ter ocasionado um
tempo maior de estudo. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/
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Figura 1. Efeito do nível acadêmico no tempo despendido na prática em cada condição de estudo: (a)
Condição A; (b) Condição B; (c) Condição C; (d) Condição D. I = Inicio de curso; M = Meio de curso; F =
Fim de curso; PG = Pós-graduaçao. No detalhe, diagrama de caixa, considerando o conjunto de dados
para determinada condição de estudo. N = 12.
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Para a condição B (Figura 1), o nível acadêmico também não influenciou no tempo de
estudo: com exceção do participante I1, todos os outros pianistas (N=11) realizaram a tarefa
numa margem de tempo próxima, com média de 11,36 ± 6,10 min. e mediana de 10 min.
Onze pianistas (inclusive o pianista I1) já haviam realizado este tipo de estudo em outras
situações, em geral com uma peça já aprendida, e apenas um pianista (participante M5) disse
nunca ter estudado desta forma, o que também não afetou a média de tempo de estudo nesta
condição. O nível acadêmico, porém, refletiu-se na percepção sobre a tarefa: todos os
pianistas de inicio e meio de curso e um pianista da pós-graduação (participante PG11)
consideraram-na difícil, enquanto que os demais pianistas de fim de curso e pós-graduação,
fácil. Para as condições C e D (Figura 1), pode-se observar que a maior dispersão no tempo
de estudo ocorre entre os estudantes do nível de meio de curso (media de 39,45 ± 13,9 min,
mediana 37, para a condição C e para a condição D, a média é de 39,3± 29.5 min, mediana de
39). Na condição C, pode-se considerar que a experiência prévia com este tipo de atividade
também colaborou para a homogeneidade do tempo em relação aos níveis acadêmicos: dos
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doze participantes, dez deles relataram que já aprenderam a tocar alguma música “de
ouvido” (os dez participantes afirmaram ter aprendido músicas do repertório popular e apenas
quatro dentre esses afirmaram ter aprendido também músicas do repertório erudito); dois
participantes de meio de curso (M4 e M5), nunca haviam estudado desta forma. Nota-se ainda
que, além da experiência com este estudo, nesta amostra investigada, a média de tempo
despendido na tarefa foi menor quanto maior o nível acadêmico (exceto para os participantes
de meio de curso, conforme mencionado anteriormente). Em relação à condição D, observa-se
(Figura 1) que a média de tempo despendido reduziu à medida que o nível acadêmico
aumentou, porém com resultados diferenciados, conforme dito anteriormente. Cabe salientar
que o tempo fora afetado pela dificuldade dos participantes em realizar a tarefa sem o
instrumento e pela ênfase na transcrição da gravação por parte de todos os pianistas, o que
consequentemente inibiu o foco sobre a performance e levou a exaustão e desistência de 8
participantes. O relato abaixo exemplifica estas impressões:
!
!
Eu não consigo, sem o piano eu fico sem chão e aí eu bloqueio, eu não consigo
ouvir, eu tento, eu não consigo. Eu não acertei nenhum ritmo, não acertei nada. Eu
me sinto sem um pedaço mesmo. (...) eu tô frustrada, na verdade. Porque eu fiquei
pensando, “ah, tirei de ouvido com o instrumento, sem o instrumento não vai ser tão
difícil”. Mas eu me senti totalmente sem referência. (Condição D, F9, p. 20)
PG10 e os demais pianistas (I2, I3, M4, F8 e PG12) foram os únicos a executarem a
peça no piano num resultado bastante próximo ao da gravação.
Em termos de facilidade/dificuldade na realização da condição D, o nível acadêmico
não é foi fator influente: todos os pianistas consideraram a tarefa difícil e nenhum deles
relatou total satisfação com a performance, excetuando um pianista (PG12) que considerou a
tarefa fácil e sentiu-se satisfeito com sua performance. Todos os pianistas (exceto PG12)
também relataram não terem vivenciado nenhuma experiência semelhante além da realização
de ditados durante as aulas de percepção musical cursadas na graduação. O conjunto de dados foi analisado por escalonamento multidimensional (MDS), que é
um método de estatística inferencial exploratória, feito através de dados de similaridade (ou
dissimilaridade) que indicam, através de medidas numéricas ou por ordenação, o quanto são
próximos ou percebidos como semelhantes os objetos (estímulos) em estudo (Hair et al.,
2009). A Figura 2 mostra o MDS resultante do tempo gasto pelo conjunto de participantes nas
quatro modalidades. Dessa forma, de acordo com o mapa perceptual resultante, interpretou-se
a abscissa como sendo o recurso de áudio e de partitura, enquanto a ordenada, como sendo o
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275
recurso de teclado. Em outras palavras, esses recursos correspondem aos canais aural e visual
(abscissa) e cinestésico (ordenada). Segundo a Figura 2, a condição A encontra-se próxima da
condição B (similaridade) na dimensão áudio/partitura, mas próxima da condição C, na
dimensão teclado, distinguindo-se (por dissimilaridade) da condição D. Relação análoga
existe entre a condição B com as condições A e D. O mapa perceptual resultante comprova a
disposição do delineamento metodológico da presente pesquisa em termos de disposição
(similiaridade / afastamento), bem como de complementaridade de modalidade perceptivas
0,8
0,6
0,4
A
C
0,2
(com) Partitura
(sem) Audio
-0,8
(com) Teclado
envolvidas.
(sem) Partitura
(com) Audio
0,0
-0,6
-0,4
-0,2
0,0
0,2
0,4
0,6
0,8
B
-0,4
-0,6
-0,8
(sem) Teclado
-0,2
D
!
Figura 2. Mapa perceptual obtido por escalonamento multidimensional.
Considerações Finais
Pode-se afirmar que na condição A, contatou-se relativo efeito do nível acadêmico no tempo
de prática, visto que houve uma redução na quantidade despendida à medida que o nível
acadêmico aumentava entre os participantes de início, meio e fim de curso. Na condição B,
não houve efeito do nível acadêmico sobre o tempo de realização da tarefa. Na condição C,
houve efeito relativo do nível acadêmico no tempo de prática entre os participantes de início e
fim de curso e pós-graduação, onde o tempo decresceu à medida que o nível acadêmico
aumentou. Na condição D, ocorreu também o efeito relativo do nível acadêmico no tempo de
prática entre os participantes de início e fim de curso e pós-graduação, onde o tempo
decresceu à medida que o nível acadêmico aumentou. Em suma, na amostra investigada, as condições de privação apresentaram efeitos
peculiares em relação ao tempo despendido na prática tanto em termos de níveis acadêmicos
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276
como de competências pessoais. Considerando que tais privações limitaram a qualidade dos
produtos atingidos, propõe-se que essas condições de estudo aqui investigadas possam vir a
complementar a atividade da prática instrumental e/ou atividades de percepção musical.
!
Agradecimentos
Os autores agradecem ao CNPq pela bolsa de mestrado concedida e ao financiamento (Projeto
Universal 472652/2012-5).
!
Referências
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277
O uso do corpo na preparação para performance
!
Felipe Marques de Mello
PPG-UNESP
[email protected]
!
Sonia Ray
UFG e PPG-UNESP
[email protected]
!
!
Resumo: O presente texto aborda estratégias utilizadas por instrumentistas quanto ao uso do corpo
na preparação para performance musical. A metodologia adotada consiste em um levantamento
bibliográfico baseado em uma pesquisa em andamento. Inicialmente, foca-se a utilização de
técnicas de aquecimento, alongamento e fortalecimento muscular e sua importância para o músico
performer. Em seguida, é abordada a preparação para a utilização do corpo em relação aos gestos
físicos presentes na realização da performance. Conclui-se que enquanto técnicas de alongamento,
aquecimento e fortalecimento muscular são cada vez mais utilizadas, ainda há pouca ênfase na
preparação prévia dos gestos físicos utilizados pelo músico na performance.
Palavras-chave: preparação para performance, uso do corpo na performance musical, cognição
musical, gesto físico na performance.
Title: The use of the body in performance preparing
!
!
Abstract: The present work discusses strategies used by instrumentalists on the use of the human
body when preparing for musical performance. The methodology includes a bibliographical study
based on an ongoing research. Initially, the focus will be on the use of warming, stretching and
strengthening exercises and their importance to the performer followed by the preparation for the
use of the body - physical gestures presented in the performance. Final consideration implies that
while stretching, warming and strengthening exercises techniques are more and more used there is
still little emphasis on a previous preparation of the gestures used by the musician during a
performance.
Keywords: performance preparation, body use in musical performance, musical cognition,
physical gesture in performance.
Introdução
No início do século XXI, o estudo do corpo envolvendo a preparação para performance tem
se ampliado significativamente. Isto é uma consequência do crescimento das pesquisas na área
da psicologia da performance e, sobretudo, do fortalecimento da ABCM e do surgimento da
ABRAPEM, entidades que estimulam as pesquisas nesta subárea da música. Estudos que
relacionam corpo e performance têm se destacado na literatura fora do Brasil desde o final do
século XX. Entre os principais autores, destacam-se Jane Davidson e Eric Clarke, os quais são
referências para os estudos de cognição e performance musical.
Os trabalhos relacionados ao corpo se desdobram, principalmente, em duas linhas de
pesquisa distintas. A primeira refere-se ao aquecimento, alongamento e fortalecimento
corporal como meio de prevenção de problemas musculares (Andrade e Fonseca, 2000; Ray,
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278
2002; Poderiva, 2004; Ray e Marques, 2005; Santiago, 2005; Vieira, 2008; Ray, 2009; Vieira,
2010). A segunda aborda o movimento do corpo na interpretação e expressão musical (Clarke,
1999; Davidson, 1999, 2002, 2012; Zavala, 2012; Póvoas, 2009, 2012; Domenici, 2013). No tocante ao uso do corpo como prevenção de problemas físicos, estudou-se a
literatura disponível em língua portuguesa, vez que esta conta com a maior parte das
pesquisas relacionadas ao alongamento, aquecimento e fortalecimento muscular do músico.
No que diz respeito ao gesto físico, foram analisadas publicações em português e inglês. No
entanto, ambas abordam predominantemente a relação entre movimento corporal e
expressividade musical, sendo poucas as referências que tratam da preparação dos gestos
físicos do músico. Assim, o presente trabalho expõe uma revisão de literatura sobre esses dois
principais assuntos referentes ao uso do corpo na preparação para performance musical e a
importância dessa preparação corporal tanto para a prevenção de problemas físicos quanto
para a expressividade musical.
!
Alongamento, aquecimento e fortalecimento muscular
Os problemas relacionados à condição física do músico não são incomuns, porém também
não são naturais. Diversos intérpretes consagrados já tiveram sérios problemas físicos e,
muitas vezes, estes acarretaram o fim de suas carreiras. Assim, as pesquisas relacionadas à
preparação corporal e psicológica estão crescendo bastante nos últimos anos, principalmente
nesse início do século XXI. Fatores apontados como responsáveis pelos problemas físicos dos músicos “[...] estão
separados em três grandes grupos: sobrecarga muscular, problemas de natureza psicológica e
situações que contribuem para o agravamento do stress físico.” (Andrade, 1986, apud Andrade
e Fonseca, 2000, p. 120). A sobrecarga muscular pode se dar por três motivos: o aumento do
tempo destinado ao instrumento, o aumento das atividades musicais e até mesmo a adaptação
a um novo instrumento (p. 118). Os problemas de natureza psicológica podem ocasionar
ansiedade, medo de palco (p. 120) ou pânico de palco (Ray, 2009), bem como tensões
musculares. “O tensionamento em instrumentistas pode ser causado pela alta carga de
estresse, predispondo à ansiedade.” (Poderiva, 2004, p. 96). Por fim, as situações que
contribuem para o agravamento do estresse físico estão ligadas principalmente a duas causas:
a sobrecarga de trabalho ou de apresentações e a utilização inadequada do instrumento
(Andrade e Fonseca, 200, p.120), a qual pode envolver problemas de postura, entre outros.
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279
De acordo com um estudo realizado por Andrade e Fonseca (2000, p. 125), foram
levantadas quatro hipóteses que podem ser consideradas as principais causas do estresse físico
do músico. Para estes autores, a primeira alternativa diz respeito à postura, não
necessariamente ao instrumento. A segunda envolve a postura do músico com o instrumento,
que se apresenta com vícios técnicos e excesso de tensão. A terceira hipótese abriga as lesões
relacionadas com vícios técnicos, porém não ligados à postura e sim à tensão e contraturas
musculares, sobrecarga articular ou neuromuscular. Finalmente, a última alternativa faz
referência às doenças orgânicas.
Davidson (1999, p. 81) demonstra que a tensão corporal pode acarretar diversos efeitos
psicológicos e fisiológicos negativos ao intérprete e, em casos extremos de estresse, pode
impossibilitar a carreira do músico devido a bloqueios absolutos. Sendo assim, torna-se
necessário que no momento de preparação do intérprete e das obras musicais ocorra uma
interação entre corpo e mente, gerando confiança e autocontrole ao músico.
Como visto no estudo de Andrade e Fonseca, nem todos os fatores se referem ao uso do
instrumento. O primeiro aponta problemas posturais do músico sem o instrumento, de tal
forma que este problema não deve afetar apenas músicos. Dessa forma, algumas alternativas
como a utilização da Técnica de Alexander, ou, até mesmo, estabelecer alguns exercícios
diários de alongamento e aquecimento (Ray e Marques, 2005) podem ser fundamentais para a
boa saúde do músico.
Ray (2002, pg. 73) utiliza como exemplo os “Phases Warm-up Exercises”, de Diana
Gannett, para demonstrar a importância do aquecimento muscular para a prática musical.
Além do aquecimento, é importante ressaltar o alongamento e fortalecimento muscular. O
primeiro é importante para o aumento da flexibilidade dos movimentos musculares e o
segundo “[...] garante a musculatura a condição de suportar os movimentos do corpo.” (Ray e
Marques, 2005, p. 1223), já que muitas vezes o músico não possui uma musculatura adequada
para realizar passagens que dependem de um esforço físico maior e que consequentemente
geram lesões musculares.
Santiago (2005, p. 1471), através de um estudo de Fry (1986), explica que um
intervalo de 5 minutos entre períodos de estudos de 20 a 30 minutos promove a recuperação
muscular e das juntas. Nesse caso, tudo indica falta de preparação física. Conforme descrito
no estudo supracitado de Ray e Marques, o fortalecimento muscular também deve estar
presente na preparação do músico, evitando assim os desconfortos físicos durante a
preparação para performance, bem como durante a própria performance. Poderiva (2004, p.
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280
96) complementa que a atividade musical “[...] requer um bom condicionamento físico,
alongamentos específicos e pausas sistemáticas”.
Poderiva (2004) destaca ainda a importância do estudo e do desenvolvimento corporal
como parte fundamental da preparação para performance (p. 55). Outro fator importante para
a prevenção de problemas físicos do músico destacado pela autora é o controle respiratório,
pois a oxigenação das células inibe a descarga do ácido lático no organismo, diminuindo
assim a presença da dor (p. 97). Tendo em vista que a preparação corporal é fundamental para a prática musical, existem
alguns estudos sobre o uso da técnica de Alexander para os músicos. Nesse sentido, exercícios
de alongamento e aquecimento, mesmo que não diretamente voltados para músicos, podem
ser de grande importância. Vieira (2008) estuda o uso da Técnica de Alexander em
violonistas, porém seus estudos podem servir para os músicos em geral. A autora deixa claro
que “[...] o corpo é uma consciência de aprendizado em si.” (p. 273) e enfatiza que o
movimento corporal não deve estar ligado ao processo de imitação e sim através do
aprendizado sobre o próprio corpo. Para Vieira (2010), a Técnica de Alexander “[...] propõe o
controle consciente de todos os aspectos envolvidos na atividade, o que leva a um melhor
desempenho físico.” (p. 158), além de quebrar o ciclo vicioso de tensões.
Ray e Marques (2005) ensinam que “[...] o aquecimento e o alongamento muscular das
principais articulações do corpo podem ser conseguidos simultaneamente através de
movimentos amplos, lentos e coordenados com a respiração.” (p. 1225). Ademais, como foi
destacado por Vieira (2008) em seu estudo sobre a Técnica de Alexander, todo esse processo
deve ser feito através da consciência do músico sobre o seu próprio corpo.
A preparação física não está ligada apenas aos aspectos de aquecimento, alongamento e
fortalecimento muscular, mas também deve estar presente no processo de preparação gestual
de uma performance musical. O corpo precisa estar bem preparado para realizar todos os
movimentos necessários para o músico se expressar no palco. Como se pretende demostrar
adiante, a expressão musical caminha junto com a expressão corporal.
!
O gesto corporal na performance Através de vários estudos realizados por autores estrangeiros, desde o final do séc. XX, na
área de psicologia da música e, recentemente, por autores brasileiros preocupados com essa
seara, vem se destacando a utilização do gestual do músico como um fator importante para a
expressividade musical. Esse gestual, voluntário ou involuntário, demonstra que, além da
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281
mente, o corpo também auxilia a expressão musical tanto do ponto de vista do público quanto
do próprio músico.
Algumas áreas, como a música de câmara, já se utilizam do gesto físico com maior
propriedade, de tal forma que a comunicação visual gera suportes para a sincronia e expressão
musical. Clarke (1999, p. 66) compreende as comunicações visuais (movimentos do corpo,
expressões faciais e também a respiração) como fatores fundamentais para a comunicação
entre os músicos, seja no momento de acertar os “pontos de apoio” da obra ou até mesmo para
auxiliar em fatores expressivos.
Tais comunicações podem ser caracterizadas em dois grupos: as verbais e as não
verbais. Estas se mostram fundamentais no momento da performance, já que nesse momento
não há possibilidades de diálogos (Davidson, 1999, p. 84). A preparação gestual, seja
respiratória, facial ou motora, é importante para o entendimento entre os músicos, podendo
ser previamente preparadas e treinadas durante os ensaios. A comunicação não verbal não
auxilia apenas os intérpretes, mas conferem também ao público informações fundamentais
para o entendimento da obra. Para o público, as “movimentações expressivas” realizadas pelo
intérprete facilitam as percepções da obra musical, indicando para os mesmos a intenção
musical do intérprete (Davidson, 1999, p. 86). Contudo, para a preparação corporal para a prática musical, necessário se faz um treino
repetitivo.
Nesse sentido, Davidson (1999) escreve sobre as competências motoras. De
acordo com a autora, com “[...] uma prática sistemática, [os movimentos] se apuram e
automatizam até que não seja mais necessária uma atenção específica a cada movimento
durante a performance musical.” (p. 82). Assim, pode-se concluir que a memória muscular
tem grande importância para a realização da performance. Essa memória não está ligada
apenas aos movimentos técnicos do instrumento, mas também a movimentos corporais que
auxiliam a expressão musical. Póvoas, no entanto, descreve que os gestos físicos
racionalizados tornam a realização dos movimentos corporais mais objetiva (Póvoas, 2009, p.
225). Portanto, no momento de preparação para performance, deve existir uma prática
sistemática e ao mesmo tempo consciente de cada movimento realizado pelo intérprete.
Somente assim o indivíduo será capaz de utilizar os movimentos físicos como um meio de
expressão musical.
Diferentemente de alguns autores da psicologia da música que sugerem a expressão
como um fenômeno apenas mental (Clarke, 1999, p. 71), Clarke entende que o movimento
físico influencia diretamente a expressividade no momento da performance musical (p. 72). O
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282
mesmo autor destaca que o corpo está ligado à sensibilidade musical (p. 70). Por derradeiro,
Clarke demonstra, através de um estudo de Davidson, que diversos movimentos também
podem ser considerados expressivos, porém não práticos, tornando-se movimentos
desnecessários no que se refere à produção dos sons do instrumento.
Grande parte desses movimentos corporais são realizados de maneira inconsciente. Eles
são espontâneos, vez que estão relacionados à intenção mental do intérprete, não podendo ser
desligados e acionados a qualquer momento (Davidson, 1999, p. 83). Por outro lado, estudos
mais recentes demonstram que os movimentos podem ser treinados e inseridos de acordo com
a intenção do intérprete (Zavala, 2012). Importa ressaltar que Póvoas (2006, apud Póvoas
2012), ao mencionar a importância da preparação dos movimentos corporais, alerta que um
padrão mal organizado pode prejudicar a execução musical.
Para Clarke (1999), uma performance musical em alto nível “[...] requer uma
combinação notável de competências físicas e mentais.” (p. 62). De outra parte, Werktreue
(como citado em Domenici, 2013, p. 82) define uma performance ideal como uma
demonstração de controle do corpo, evitando expressões faciais e movimentos espontâneos.
Nessa trilha, este autor defende que todo movimento utilizado pelo intérprete que “[...]
extrapola o absolutamente necessário à realização da obra deve ser evitado, ocultado ou
desconsiderado [...]” (p. 82). Portanto, dever-se-ia coibir qualquer artifício que ameace a
integridade da obra musical, afirmando a autoridade do compositor. Entretanto, através de
revisões de literatura e de pesquisa de campo, Davidson (1999, 2002, 2012) demonstra que o
corpo do intérprete, ou seja, a expressão corporal, afeta diretamente a imagem do público em
relação à obra musical.
A utilização de gestos físicos na performance tem demonstrado, através de trabalhos
desde o final do século XX, ser uma ferramenta de expressão musical que afeta tanto o músico
quanto o público em geral, o que torna as pesquisas sobre a preparação corporal importantes
não apenas para a saúde do músico, mas também para os mesmos se expressarem.
!
Conclusão
Da revisão de literatura sobre os dois temas referentes ao uso do corpo na preparação para
performance, que será aprofundada com o andamento da pesquisa, podem-se extrair algumas
conclusões parciais. A principal é que diversos recursos podem ser utilizados para a
preparação física do músico. No tocante à prevenção de problemas físicos, concluiu-se que
alguns cuidados, tais como o alongamento, aquecimento, fortalecimento muscular e até
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mesmo a respiração estão sendo cada vez mais utilizadas e que devem receber maior atenção
por parte dos músicos, vez que podem evitar grande parte dos problemas físicos que lhes
acometem, além de auxiliar em uma longa e saudável carreira musical.
Em relação à utilização de gestos físicos na preparação para performance, a revisão de
literatura permitiu constatar que há um crescimento significativo dessa área, no Brasil, nos
últimos anos, sendo que no exterior tais pesquisas são realizadas desde o final do século XX.
Entretanto, as pesquisas relacionadas à preparação gestual para a performance musical não
costumam conferir ênfase à preparação propriamente dita. Estas publicações tratam da
importância do movimento corporal como um fator expressivo do músico, bem como o fato
de que este movimento corporal possibilita ao público uma maior compreensão da obra
musical. Apesar disso, alguns estudos relatam que uma preparação consciente dos gestos
físicos pode acarretar diversos ganhos no que se refere à expressividade musical.
!
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construção da interpretação da peça para piano solo “Sul re” de Héctor Tosar. Dissertação
de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
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Em Busca de uma definição para o fenômeno do ouvido absoluto
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Nayana Di Giuseppe Germano
Instituto de Artes da UNESP
[email protected]
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Hugo Cogo Moreira
Psiquiatria / UNIFESP
[email protected]
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Graziela Bortz
Instituto de Artes da UNESP
[email protected]
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Resumo: O fenômeno do Ouvido Absoluto (OA) é um tema bastante curioso e estudado por
pesquisadores de diversas áreas: músicos que em geral se interessam em descobrir como
portadores de OA se relacionam com a música, ou neurocientistas que estudam as peculiaridades
da memória humana. Este trabalho se propõe a discutir questões de cunho teórico em relação aos
problemas e dificuldades na definição do fenômeno do OA. Com esta finalidade em mente,
abordaram-se as definições fornecidas por diversos autores, que quando comparadas deixam claras
as divergências na compreensão do OA, com muitos aspectos não consensuais. Além disso, muitas
destas definições são curtas e sucintas, não abarcando todos os aspectos ligados ao fenômeno. Um
bom entendimento das problemáticas envolvidas na definição do OA, de todas as peculiaridades
associadas ao fenômeno, é etapa essencial para todo estudo consistente e bem sedimentado desta
habilidade.
Palavras-Chave: ouvido absoluto, constructo, taxonomia, critérios. !
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Title: Seeking a Definition for the Absolute Pitch Phenomenon
Abstract: The phenomenon named Absolute Pitch is a very interesting subject studied by
researchers of many fields: musicians in general who are interested in finding how AP-possessors
relate to music or neuroscientists who study the human memories´ peculiarities. This paper
discusses theoretical aspects regarding problems and difficulties in defining AP. For this purpose,
the different definitions given by many authors are compared, making clear the divergences over
the comprehension of AP phenomenon, with many non-consensual aspects. Moreover, many
definitions are short and succinct, unable to embrace all aspects related to the phenomenon. A
good solid grasp of all the questions related to the definition of AP and all the peculiarities
associated to the phenomenon constitutes a key step for every consistent and well-grounded study
of this ability.
Keywords: absolute pitch, construct, taxonomy, criteria. Introdução
O fenômeno do Ouvido Absoluto (OA) tem sido objeto de estudo desde o século XIX. Em um
intervalo de cento e trinta anos, de 1860 a 1990, cerca de cem artigos foram publicados sobre
o assunto. Nas últimas décadas, contudo, houve um aumento significativo de pesquisas sobre
o tema, com a publicação de, pelo menos, mais outra centena de artigos (Levitin, 2006). Esta
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habilidade ou traço cognitivo peculiar é corriqueiramente definido sucintamente como: traço
cognitivo caracterizado pela capacidade de identificar a altura de qualquer tom isolado usando
rótulos como dó (261 Hz) e/ou de produzir um tom específico (através do canto, por exemplo)
sem nenhuma referência externa. (Bachem, 1937; Baggaley, 1974; Ward, 1999).
Estudar o fenômeno do OA é importante tanto para músicos quanto para neurocientistas
que têm como campo de estudos a memória e os mecanismos neuronais humanos, pois é uma
capacidade intrigante e até desafiadora para ambas as áreas. Músicos que estudam o fenômeno
geralmente buscam entender de que forma portadores de OA se relacionam com a música, se
há diferenças musicais relevantes entre portadores e não portadores do fenômeno, se para a
aprendizagem musical o OA é essencial, se os portadores possuem facilidade maior que não
portadores em certos exercícios de percepção musical, se há um treinamento eficaz para a
obtenção do OA, etc. Já a neurociência busca no estudo do fenômeno investigar se a memória
de longo prazo para tons está relacionada com o OA (Levitin, 1994) e até mesmo se há
relações entre o processamento da fala e o processamento de alturas (se estes são processados
no mesmo local no cérebro, por exemplo) (Benassi-Werke et al, 2010).
Em testes de hipóteses em que se pretende comparar grupos distintos de sujeitos no que
tange uma dada habilidade (como, por exemplo, desempenho em tarefas de memória de longo
prazo envolvendo sujeitos com ou sem ouvido absoluto), ambas as medidas envolvidas em tal
verificação devem ser precisas, acuradas, fidedignas e válidas, como a medida que se deseja
comparar e o que distingue um sujeito como pertencente de um grupo ou não. No caso do
exemplo acima citado, as duas variáveis envolvidas (desempenho em tarefa de memória e
“status” de pertencimento ou não ao grupo) compartilham de uma similaridade: são
fenômenos/constructo1 latentes; ou seja, não observáveis diretamente.
Para classificar alguém como “portador de OA”, da mesma forma que classsificar
alguém como deprimido, ou como portador de esquizofrenia ou como superdotado, faz-se
necessário que critérios que definam tal manifestação sejam avaliados. A falta de definição de
critérios e a testagem desses como consequências da existência de um dado fenômeno por
meio de procedimentos/técnicas estatísticas apropriadas podem comprometer os resultados. Nessa comunicação, tratar-se-á da natureza do que se chamou de consensuais e não
consensuais para descrever as convergências e divergências na definição dos critérios do
fenômeno do OA.
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Critérios utilizados para a definição do fenômeno do OA e suas variações
Existem várias características atribuídas ao fenômeno do OA, algumas são consensuais entre
os autores, outras não são. É consensual atribuir ao OA relação direta com a memória de
longo prazo (Parncutt & Levitin, 2013; Deutsch, 2002; Miyazaki & Ogawa, 2006), uma vez
que o fenômeno se manifesta a partir da associação de uma determinada frequência com o
nome da nota aprendida pelo portador. Também é consensual definir o fenômeno como uma
forma de processamento auditivo que segmenta o contínuo das alturas em categorias estáveis
(Bachem, 1937; Deutsch, 2002). Muitos são os parâmetros não consensuais abordados em diferentes estudos. Tais
parâmetros muitas vezes foram descobertos por meio de testes auditivos elaborados pelos
próprios autores. Grande parte dos estudos aponta para o fato do OA ser um fenômeno de
reconhecimento de tons imediato, no qual os portadores identificam a frequência solicitada
auditivamente em até três segundos (Theusch, Basu & Gitschier, 2009), porém algumas
pesquisas sugerem que talvez parte dos portadores de OA necessite de um pouco de reflexão
para a identificação de uma frequência solicitada, sendo que essa reflexão varia de cinco
segundos podendo chegar, em casos mais extremos, a quinze segundos. (Germano et al,
2013).
Apesar de vários testes serem feitos com base em sons senoidais, muitos autores
afirmam que é uma característica do OA possuir algumas ou muitas limitações para timbre, de
fato, uma pequena parcela dos portadores de OA são capazes de reconhecer frequências em
todo e qualquer timbre (Bachem, 1937; Vanzella & Schellenberg, 2010; Germano et al, 2013).
Além disso, embora o som senoidal seja muito utilizado por ser considerado um “som neutro”
(pois não possui nenhum harmônico, somente uma única frequência), sua utilização é
controversa, principalmente porque o reconhecimento da frequência depende da sua
intensidade (Stevens, 1935).
A habilidade de identificação das frequências de acordo com o registro no qual os
estímulos são emitidos é outra variável adotada por alguns autores para a distinção entre os
diferentes tipos de OA. A dificuldade em determinado registro não é considerada um critério
para classificar um voluntário como não portador, uma vez que um grande número de
portadores de OA possui algum tipo de dificuldade em relação a este parâmetro sonoro
(Bachem, 1937; Germano et al, 2013).
Vários pesquisadores consideram erros de ½ tom como acerto parcial em testes, ou seja,
tais erros são considerados aceitáveis, constituindo outro critério importante para a definição
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do OA. Apenas uma pequena parcela das pessoas consideradas portadores de OA é capaz de
identificar com grande precisão todas as notas do total cromático (Vanzella & Schellenberg,
2010), havendo grande interesse no estudo das razões pelas quais este tipo de erro é tão
comum.
A questão da voz é muito polêmica em meio aos estudos sobre o OA. Alguns estudos
apontam que poucos portadores de OA são capazes de cantar uma nota solicitada sem
referência imediatamente, outros portadores necessitam de um pouco de reflexão e ainda há
portadores que não conseguem cantar mesmo refletindo (Bachem, 1937; Germano et al, 2013;
Parncutt & Levitin, 2013). Há ainda estudos que apontam que o reconhecimento auditivo de
timbres não vocais são mais fáceis de serem identificados pelos portadores de OA, pois a voz
é processada automaticamente por um mecanismo específico (associado à linguagem), o que
pode interferir na identificação de alturas (Vanzella & Schellenberg, 2010).
Outro critério não consensual sobre a definição do OA diz respeito à quantidade de
frequências rotuladas por uma pessoa. Por exemplo, alguns estudos consideram que o
reconhecimento de apenas uma nota sem referência (normalmente o Lá 440 Hz) pode ser
entendido como um tipo de OA (Bachem, 1937).
A existência de tantos critérios não consensuais na definição da habilidade do OA
levanta a seguinte dúvida: o que é OA? Dessa forma, parece prudente questionar: quais são os
critérios usados para definir tal habilidade? Ainda, pode-se perguntar se o OA comporta-se de
forma dicotômica: ou seja, dividindo a população entre aqueles que possuem e aqueles que
não possuem tal habilidade. Em suma, questiona-se não apenas os critérios para a avaliação
desse fenômeno, mas também a natureza do mesmo. Dada a não normatização de critérios
para a definição de tal fenômeno, será que diversas pesquisas realizadas até hoje estão
medindo o mesmo fenômeno cognitivo chamado de OA? Esta discussão taxonômica é
relevante, pois é necessária a utilização de critérios para definir um dado fenômeno. Esses
critérios devem ser inequívocos, discriminativos e acurados o suficiente para que seja possível
medir de forma confiável o fenômeno em questão (no caso, o OA). A inclusão ou exclusão de
um ou mais critérios modifica a concepção teórica de um dado modelo. Esse processo de
seleção ou não de diferentes critérios para a composição de um modelo podem fornecer
evidências de quão bom (ou não) os próprios critérios o são para a descrição e testagem do
ajustamento e pertinência teórica desse fenômeno latente (ou seja, que não é observável
diretamente). O uso de testes, escalas e avaliações não validadas para explorar um fenômeno
cujos próprios critérios não convergem para uma solução que seja testável (modelos são
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passíveis de teste) dificulta, ou mesmo impossibilita o diálogo entre pesquisadores, além de
comprometer a interpretação dos resultados de experimentações, uma vez que diferentes
constructos podem estar sendo medidos.
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Delimitação da habilidade cognitiva
Procurando uma definição mais completa e precisa da natureza do OA, podemos começar nos
questionando sobre a natureza desse fenômeno latente, ou seja, se este é um fenômeno/
modelo dicotômico, contínuo ou híbrido. Se o OA for um fenômeno dicotômico, ele seria uma
bipartição entre possuir ou não a habilidade (em outras palavras, estar vivo implica em não
estar morto e vice-versa), dessa forma, não existe uma gradação da habilidade. Se o OA for
um fenômeno contínuo, ele seria pensado com uma linha ininterrupta sem divisões em sua
extensão, tendo num extremo a inexistência de qualquer habilidade de percepção musical e
noutro extremo a posse de grande quantidade do traço lantente (ou seja, uma audição
extremamente acurada). Por fim, se o OA for considerado um fenômeno híbrido, os sujeitos
poderiam ser definidos como portadores e não portadores de OA, porém, dentro de cada uma
dessas classes, a habilidade perceptiva possuiria um espectro contínuo, ou seja, dentro tanto
da classe de sujeitos portadores como não portadores de OA, existiriam aqueles com maior e
menor habilidade de percepção.
Parece que a maioria dos autores propõe que o OA é um constructo categórico de
classes (embora não utilizem esta terminologia). Por exemplo, o estudo de Bachem (1937),
aponta a existência de diferentes graus ou níveis de ouvido absoluto. Takeuchi & Hulse
(1993) também descrevem diferenças significativas na percepção de tons entre os portadores
de OA, tanto no que se refere à extensão da sensibilidade a timbres e registros como no que se
refere ao grau de precisão e consistência na identificação e produção de tons. Apesar de
muitos autores definirem o OA exclusivamente com base no reconhecimento auditivo, há
outros aspectos que podem ser considerados para a elaboração de uma definição do OA. Por
exemplo, a memorização da relação entre uma frequência e um rótulo também pode ser
avaliada a partir da emissão vocal. Este aspecto pode ser medido pelo canto de uma nota
solicitada sem referência, uma capacidade não muito recorrente entre os portadores de OA
(Germano et al, 2013). A capacidade de emissão vocal sem referência está presente em
diversas definições de OA, como no caso do dicionário Grove de Música, que propõe: Ouvido Absoluto é a habilidade seja de identificar o croma (classe de
altura) de qualquer tom isolado usando rótulos como Dó 261 Hz ou
apenas Dó (Ouvido Absoluto “passivo”), ou a capacidade de
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reproduzir um croma específico – por exemplo, cantando ou ajustando
a frequência de um gerador de senóide – sem referência externa
(Ouvido Absoluto “ativo” Bachem, 1937; Baggaley, 1974; Ward,
1982). Ambas as habilidades podem ser chamadas de “Ouvido
Absoluto para tons – Tone-AP”. O OA pode também envolver o
reconhecimento seja de perceber se uma peça familiar é tocada no tom
correto (passivo) ou cantar uma canção familiar na tonalidade correta
(ativo), essa habilidade é conhecida como “Ouvido Absoluto para
músicas – piece-AP”. (Parncutt & Levitin, 2013).
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A maior parte dos pesquisadores dedicados ao estudo do OA elaboram testes capazes de
medir a audição (especificamente a capacidade de identificação de frequências) em diversas
situações, os quais são utilizados tanto para a separação entre portadores e não portadores de
OA como para a classificação dos portadores em diferentes classes (Bachem, 1937; Takeuchi
& Hulse, 1993; Germano et al, 2013). Estes testes contribuem para o aumento do
conhecimento sobre este fenômeno e expande a bibliografia existente, fornecendo
informações sobre medições de diversos aspectos relacionados ao OA, tais como: quais são os
timbres mais fáceis no reconhecimento de alturas, se a idade do portador tem ou não
relevância na aquisição do fenômeno, se o OA funciona sempre da mesma forma para todos
os portadores, o que o cérebro de um portador possui de diferente do cérebro de um não
portador. É comum nos depararmos com autores que tendem a restringir a habilidade do OA
somente para músicos, algo compreensivo, uma vez que é com músicos que os testes podem
ser aplicados com maior precisão. No entanto, alguns pesquisadores destacam a possibilidade
da existência desta habilidade em não músicos (Levitin, 2000). O tipo de teste feito com esses
grupos não pode ser o mesmo teste aplicado em músicos, pois é de se supor que os
voluntários não saberiam como rotular nomes de notas do mesmo modo que um músico o
faria. Em não músicos, os testes realizados se resumem em solicitar ao voluntário que cante
uma peça (canção ou melodia) na altura correta (original) sem referência externa (Levitin,
2000). Outra preocupação fundamental na elaboração e avaliação de testes relativos ao OA
refere-se à possibilidade de que o voluntário utilize outras habilidades na realização da tarefa
solicitada. No caso do reconhecimento de tons, a atuação do Ouvido Relativo (OR) é uma
preocupação real, talvez impossível de ser totalmente eliminada destes testes (Ward, 1982;
Costall, 1985), embora a identificação de respostas lentas possa ser considerada evidências
confiáveis do uso do OR (Bachem, 1954). www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/
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291
Os critérios usados para definir o fenômeno do OA são diversos, algumas vezes
totalmente contrários entre diferentes autores. Faz-se necessário que cada um dos critérios e
modelos propostos sejam estudados e avaliados no que tange à acurácia, precisão,
dimensionalidade e estrutura da concepção teórica adotada. No entanto, isto somente é
possível se forem utilizados critérios e testes de modelos por meio de uma área da estatística
conhecida como modelagem de equações estruturais2 (Bollen, 1989). Do ponto de vista
teórico, a definição do fenômeno do OA per se carece de critérios e testagem dos mesmos. O
aprimoramento de um modelo demanda uma maior exploração conceitual e paradigmas que
busquem isolar os elementos pertinentes a tal percepção auditiva. Nesta linha de raciocínio,
observa-se que há ainda muito a ser pesquisado sobre a natureza do fenômeno do OA.
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Referências
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America, 9: 146-151. Bachem, A. (1954). Time Factors in Relative and Absolute Pitch Determination. JASA, xxvi,
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Howell, I. Cross and R. West, London, 189–208. Deutsch, D. (2002). The Puzzle of Absolute Pitch. Current Directions in Psychological
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Levitin, D. J. (2006). This is your brain on Music. New York: Dutton.
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Online. http://www.oxfordmusiconline.com:80/subscriber/article/grove/music/00070
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Vanzella, P.; Schellenberg, E.G. (2010) Absolute Pitch: Effects of Timbre on Note-Naming
Ability. Dorothy Bishop, University of Oxford, United Kingdom. Plos One, Volume 5.
Ward, W.D. (1982). Absolute Pitch. The Psychology of Music, ed. D. Deutsch (New York,
1982, 2/1999), 265–298.
Ward, W. D. (1999). Absolute Pitch. In D. Deutsch (Ed.). The Psychology of Music. San
Diego: Academic Press, (pp.265-298). 1 Aquilo
que é elaborado ou sintetizado com base em dados simples, especialmente um conceito: os
constructos da ciência.
2
Técnica estatística multivariada que permite avaliar, simultaneamente, relações entre múltiplos
construtos.
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Funções narrativas da música em jogos eletrônicos
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Alexandre de Souza Ferreira da Silva Pinto
Programa de Pós-Graduação em Música - UFRJ
[email protected] Resumo: O presente artigo busca expor os resultados parciais do desenvolvimento de um método
de análise de funções narrativas da música em produtos audiovisuais interativos e, em especial, em
jogos eletrônicos. A pesquisa em questão tem como estudo de caso as funções narrativas das
músicas do jogo Super Mario brothers, de acordo com a teoria narrativa desenvolvida por Annabel
J. Cohen, em seu The functions of music in multimedia: a cognitive approach. Fica demonstrado o
caráter imprescindível da música na construção da narrativa do jogo e sua contribuição para a boa
fluência das ações e decisões de seus usuários.
Palavras-chave: funções narrativas, música de jogos eletrônicos, composição para audiovisual.
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Abstract: This paper presents the partial results of research about an analytical method of
narrative functions of music in audiovisual and interactive production, especially in video games.
In this stage, the research is focusing on a case study of the narrative functions of the songs from
Super Mario brothers, according to the narrative theory developed by Annabel J. Cohen, discussed
in her The functions of music in multimedia: a cognitive approach. I try to show the essentiality of
music in the construction of the narrative of the game and its contribution to the good fluency of
the users’ decisions and actions.
Keywords: narrative functions, videogame music, audiovisual composition.
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1. Introdução
Em 2004, segundo o site da revista Isto é: Dinheiro, a indústria de games já superava a
indústria do cinema e se tornava a maior indústria de entretenimento do mundo (Isto é:
Dinheiro, 2004). O Brasil encontra-se em pleno desenvolvimento na área e, em 2012, de
acordo com o site do Sebrae (www.sebrae2014.com.br), já ocupava o quarto lugar como
maior mercado do mundo no segmento de jogos digitais, com 35 milhões de usuários (Sebrae,
2014).
Apesar dos números da indústria de games, a história dos jogos eletrônicos é recente.
Em 1958, Willy Higinbotham criou o Tennis programming, também conhecido como Tennis
for two, que foi considerado o primeiro jogo eletrônico já feito. O jogo não possuía som, era
processado por um computador analógico e jogado por meio de um osciloscópio (Reis, 2005,
p. 44). O jogo Space invaders, lançado pela Taito, em 1978, foi o primeiro jogo eletrônico a
possuir “música de fundo”. Tratava-se de apenas quatro notas graves e cromáticas tocadas em
loop. A interação entre música e imagem era notável, pois as notas marcavam a marcha dos
alienígenas e aceleravam de acordo com o progresso do jogador (Collins, 2005, p.2).
O presente artigo investiga as funções narrativas da música na mídia audiovisual, e
dedica especial escopo no estudo de caso do jogo Super Mario brothers. O termo “narrativa”
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é aqui entendido tal como tratado por Muniz Sodré: “um discurso capaz de evocar, através da
sucessão de fatos, um mundo dado como real ou imaginário, situado num tempo e num
espaço determinados.” (1988, p.75)
!
2. Funções da música em uma narrativa
Annabel J. Cohen é professora do departamento de psicologia da University of Prince Edward
island, no Canadá, e possui uma extensa pesquisa na área de percepção e cognição musical,
com extensão para multimídia. Sua pesquisa na área inclui artigos como Understanding
musical soundtracks (1990) e How music influences the interpretation of film and video:
approaches from experimental psycology, music as a source of emotion in film (2005). Cohen
aborda em seu artigo The functions of music in multimedia: a cognitive approach (1998) as
possibilidades funcionais da música em multimídia pela perspectiva da psicologia. Segundo a
autora, recentes pesquisas na área de neurofisiologia e psicologia indicam que a música ativa
funções específicas do cérebro que são separáveis dos domínios verbais e visuais, e estabelece
oito categorias em que as funções narrativas da música podem ser organizadas.
!
• Função de mascaramento: Segundo a autora, a música mascara sons indesejáveis
de três formas. A primeira forma é baseada em pesquisas da psicoacústica, que
indicam que sons graves mascaram sons agudos. A segunda forma de mascarar sons
indesejáveis, de acordo com Cohen, está relacionada às pesquisas de Albert Bregman
(1993 apud Cohen, 1998) e William Gaver (1993 apud Cohen, 1998), que
demonstram que ouvintes desejam escutar eventos coerentes. A música, por
apresentar um discurso coerente, ocupa a limitada atenção auditiva que de outra
forma seria dissipada por sons estranhos. A terceira forma apresentada pela autora
observa que sons misturados em uma sequência de sons são mais difíceis de serem
detectados. Nesse caso, independentemente da superposição ou da extensão de
frequências, a presença da música dificulta a audição de outros sons.
• Função de fornecer continuidade: Cohen salienta que a música é som organizado
no tempo, e essa organização ajuda a conectar eventos diferentes em outros
domínios. Assim, uma interrupção na música pode sinalizar uma mudança na
narrativa ou, reciprocamente, a música contínua pode também indicar a continuidade
do tema corrente. A música, segundo a autora, funciona como um tipo de “cola” que
vai conectando eventos multimídia de diferentes domínios em uma só direção. A
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função de continuidade ou interrupção da ação é uma técnica comum da composição
musical para filmes.
• Função de direção da atenção: A autora observa que os estímulos visuais e
auditivos podem ser descritos em duas dimensões, sendo elas “significado” e
“características estruturais”. Cohen observa que, quando os padrões auditivos
sincronizam mimicamente com os padrões visuais, a atenção é direcionada para esse
padrão visual, mais que para outro que não seja congruente com a informação
auditiva.
• Função de induzir humor ou sentimento: Cohen aponta as pesquisas de
Pignatiello, Camp e Rasar (1986 apud Cohen, 1998) como evidências da capacidade
que a música possui de alterar o humor ou o sentimento de um espectador. Os autores
citados selecionaram e compilaram trechos de músicas que consideravam tristes,
alegres ou neutras. Após a apresentação da fita, os entrevistados completaram cartões
colocando como estavam se sentindo. Ficou claro com o julgamento do resultado que
a música tinha alterado seus sentimentos na direção esperada. Cohen coloca a
necessidade de distinguir a “indução de sentimento” e a “comunicação de
significado”. A autora aponta que a “indução de sentimento” muda a forma como
uma pessoa se sente, enquanto a “comunicação de significado” apenas transmite a
informação. • Função de comunicar significado: Segundo Cohen, diferentes características da
música transmitem significado emocional. Por exemplo, tristeza é transmitida por
andamento lento, contornos melódicos descendentes, notas graves e modo menor, e
felicidade é transmitida por andamento rápido, “acelerandos”, notas agudas e modo
maior (Levi, 1982; Trehub, Cohen, Gerriero, 1985 apud Cohen, 1998). A autora
verifica que a comunicação de significado emocional ou significado por associação
(épocas, culturas e eventos) é particularmente efetiva em situações ambíguas. • Função de auxílio à memória: A autora observa que a música pode assumir o
significado daquilo que ela acompanha. Esta é a racionalização da técnica operística
conhecida como leitmotiv (Gorbman, 1987; Gregory, 1995 apud Cohen, 1998).
Cohen coloca que um motivo musical pode significar um indivíduo, um tema, de tal
modo que na ausência do indivíduo ou de pistas visuais, a música sozinha fará o
espectador imaginar o indivíduo ou o tema.
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• Função de estímulo e atenção focal: Cohen coloca que, de acordo com o modelo
em que a mente possui locais separados para componentes da música, é um simples
fato que onde há música, mais áreas do cérebro estão ativas. Uma maior atividade do
cérebro pode aumentar a concentração no foco de atenção primário e filtrar
distrações como o entorno do monitor ou tela, pessoas nas proximidades, ou o
desconforto de uma cadeira. O alto nível de estímulos pode fazer crescer o impacto
da experiência multimídia, fazendo com que ela pareça real.
• Função de estética musical: A autora alerta que uma música não atraente pode
perturbar o ouvinte e que certas características da personalidade podem determinar se
um indivíduo pode ou não lidar com uma música de fundo. Cohen exemplifica
apontando que uma pessoa introvertida pode precisar ou querer menos estímulos, e
!
que uma música de fundo pode não aumentar a experiência multimídia a este nível.
As classificações criadas por Cohen coincidem com os trabalhos de outros autores da
área, como Johnny Wingstedt (2005) e Randy Thom (1999), mas seu artigo se destaca pela
ausência de uma visão unicamente técnica dessas funções. As classificações criadas pela
autora são fruto de pesquisas na área de percepção e cognição realizadas por ela e por outros
pesquisadores. Esse conjunto de fatores tem justificado o caráter referencial que os resultados
da pesquisa de Annabel J. Cohen têm para o desenvolvimento do método analítico empregado
na presente pesquisa.
!
3. As funções narrativas da música em Super Mario Bros
A escolha do jogo Super Mario brothers como estudo de caso no presente artigo tem como
base a importância que o jogo alcançou na história dos jogos eletrônicos. Segundo o site
Nintendo World, o jogo foi considerado pelo instituto britânico Onepoll como o melhor jogo
eletrônico de todos os tempos (Andrade, 2010). Em 2010, em comemoração ao aniversário de
25 anos de lançamento do jogo, uma avenida do bairro Arcosur, em Zaragoza, na Espanha,
recebeu o nome de Super Mario Bros (Nintendo World, 2010). Uma matéria disponível no
site da emissora de televisão Bandeirantes apresenta o jogo em questão como o segundo jogo
eletrônico mais vendido de todos os tempos (Sarda, 2012).
A história do jogo, segundo consta no seu manual, começa quando os Koopas, famosos
pelo uso de magia negra, invadem o reino dos cogumelos e transformam seus habitantes em
pedras, tijolos e plantas. A única pessoa capaz de desfazer o feitiço é a princesa Toadstool,
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297
filha do rei cogumelo, que se encontra nas mãos do rei Koopa. Mario, o herói da história,
ouve sobre a situação e sai em uma missão para libertar a princesa Toadstool e restaurar o
reino dos cogumelos. O jogo nos apresenta um total de dezoito efeitos sonoros, seis músicas e
seis pequenas “fanfarras”. Entende-se aqui por “música” as composições musicais de maior
duração, e por “fanfarra” os pequenos motivos temáticos reincidentes. A análise funcional do
jogo aqui desenvolvida visou apenas às músicas e fanfarras, considerando o quadro de
funções narrativas acima exposto.
Super Mario brothers é um jogo dividido em oito mundos, cada um possuindo quatro
fases. A tela de abertura do jogo não possui música ou sons, o que pode representar a falta de
necessidade de músicas que cumpram a função de mascaramento. As músicas overworld,
underworld, underwater e castle são responsáveis pelo papel de “música de fundo” de todas
as fases do jogo, cada uma delas aparecendo em cenários específicos. A especificidade de uso
dos temas musicais proporciona um caráter de função de auxílio à memória. As quatro
músicas supracitadas também apresentam características da função de prover o efeito de
continuidade, pois, ao trocar de cenário durante uma mesma fase, a música é interrompida por
um efeito sonoro e muda de acordo com o novo cenário. A música Starman acontece quando o jogador absorve uma “estrela” que proporciona
invencibilidade temporária. A música age em conjunto com um estímulo visual (luzes piscam
e são emitidas pelo corpo do personagem principal), o que se caracteriza como função de
direção de atenção. A particularidade do tema, que atua como um leitmotiv, também
caracteriza a função de auxílio à memória.
A última música, Ending theme, aparece apenas no fim do jogo, surgindo para apontar a
vitória do jogador. A música possui características presentes na função de induzir humor ou
sentimento, pois o mesmo busca realçar a sensação de conquista pós confronto com o vilão do
jogo. Ending theme, assim como as outras músicas, é particularmente utilizado em um caso
específico, caracterizando também a função de auxílio à memória.
Hurry up fanfare é uma fanfarra que aparece para observar que o tempo para conclusão
da fase está acabando. Logo após seu término, o tema da fase em vigência volta acelerado,
apressando e gerando ansiedade no jogador. A fanfarra hurry up possui características da
função de auxílio à memória e de fornecer continuidade, enquanto todos os temas que
ocorrem após a fanfarra tornam-se parte da função de induzir humor ou sentimento.
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!
298
Figura 1: Fases overworld, underworld, underwater e castle.
Castle victory ocorre ao final das últimas fases de todos os mundos, logo após derrotar o
vilão responsável pelo castelo. O objetivo da fanfarra citada é a sinalização do fim da fase. A
mesma apresenta características presentes na função de auxílio à memória e na função de
fornecer continuidade.
A fanfarra Mario theme é apenas um pequeno trecho do tema Overworld, e é utilizada
em conjunto com uma animação que aponta a transição de uma fase para outra. As
características da fanfarra são representadas pela função de fornecer continuidade.
Death fanfare é uma fanfarra utilizada para indicar a morte do personagem principal.
Sua especificidade na utilização sugere a função de auxílio à memória, enquanto a interrupção
e a mudança repentina que ocorre de um tema qualquer para a fanfarra Death, além da
consequente volta ao início da fase, ou para o game over, sugere a função de fornecer
continuidade.
A fanfarra game over é usada para indicar o fim do jogo e a derrota do jogador. Game
over acontece sempre após a fanfarra Death e sua utilização específica para a situação sugere
a função de auxílio à memória, enquanto a mudança de fanfarras e sua consequente mudança
para a tela que ilustra a derrota sugere a função de fornecer continuidade.
!
4. Conclusões parciais
A análise funcional aplicada ao conteúdo musical do jogo Super Mario brothers mostrou a
importância da função de auxílio à memória para um jogo eletrônico, função observada em
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299
todas as inserções musicais do jogo. O mesmo ocorre com a função de proporcionar
continuidade, que mostra a necessidade de garantir conexão entre os eventos da narrativa de
um jogo eletrônico. A presente pesquisa vem propondo elucidar questões pertinentes à composição musical
de jogos eletrônicos e, em especial, do jogo Super Mario brothers, dando especial atenção à
investigação da identificação de funções narrativas da música ao longo do jogo. Os resultados
parciais já apontam para evidências de efetividade do conteúdo musical para o bom uso de
produtos audiovisuais interativos como os jogos eletrônicos, bem como para o caráter
imprescindível desse conteúdo com respeito ao necessário auxílio à memória. Os resultados
até este ponto obtidos também provocaram a implementação de nova etapa da pesquisa, que
visa à investigação das relações de elementos do fluxo musical, tais como contornos
melódicos, timbre e ativação rítmica, com os efeitos narrativos pretendidos pelo roteiro do
jogo em questão. !
Referências
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www.nintendoworld.com.br/2681-ARTIGOS-SUPER-MARIO-BROS-O-MELHORGAME-DA-HISTORIA, em 15/01/2014.
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fifth international conference on music perception and cogntion.
Collins, K. (2005). From bits to hits: video games changes its tune. Film international #12, v.
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Junior, J. L. S. (2010). Super Mario bros. Há 25 anos nas nossas vidas. Acessado em http://
www.nintendoworld.com.br/2744-ARTIGOS-SUPER-MARIO-BROS.-HA-25-ANOSNAS-NOSSAS-VIDAS!, em 15/01/2014.
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http://www.nintendoworld.com.br/2830-ARTIGOS-SUPER-MARIO-BROS.-GANHOU-NOMEDE-RUA-NA-ESPANHA, em 15/01/2014.
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300
Reis, G. (2005). Videogame: história, gêneros e diálogo com o cinema. Dissertação (Mestrado
em comunicação). Programa de pós-graduação em comunicação, UNIMAR, Marília.
Sarda, G. (2012). Top 10 jogos mais vendidos de todos os tempos. Acessado em http://
www.band.uol.com.br/gameover/reviews/retro.asp?e=100000550152, em 16/01/2014
Sebrae. (2012). Brasil tem o maior mercado de games do mundo em 2012. Acessado em
http://www.sebrae2014.com.br/Sebrae2014/Alertas/Brasil-tem-o-maior-mercado-de-gamesno-mundo-em-2012#.Uyzxe_ldWSp, em 16/01/2014
Sodré, Muniz. (1988). Best-seller: a literatura de mercado. São Paulo: Ática, 2a. ed. Thom, R. (1999). Designing a movie for sound. Acessado em http://www.filmsound.org/, em
21/01/2014.
Wingstedt, J. (2005). Narrative music: towards an understanding of musical narrative
functions on multimedia. Tese (Doutorado em música). Escola de música da Universidade
de Tecnologia Lulea, LTU, Lulea.
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301
Duas abordagens de pesquisa experimental em percepção rítmica
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Pedro Paulo Kohler Bondesan dos Santos
Escola de Comunicações e Artes, USP
[email protected]
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!!
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Resumo: Neste artigo vamos apresentar duas abordagens de pesquisa experimental em música,
visando uma reflexão sobre suas possibilidades de aplicação, o que constitui nosso objeto de
estudo de doutoramento. Para cada estratégia, comentamos um artigo correlato especifico. A
primeira, a Entrevista trata de uma aproximação mais tradicional, com apresentação de exemplos
musicais para apreciação dos sujeitos e avaliação estatística dos resultados obtidos. A
singularidade do artigo escolhido é abordar a influencia da interação entre fatores estruturais (ritmo
e alturas) e fatores da performance (articulação e andamento) na percepção de anacruses. A
segunda estratégia trata das evidencias a respeito da possibilidade da captação direta em
eletroencefalograma (EEG) do sincronismo neuronal (neuronal entrainment) associado à pulsação
e à métrica musical. Encerramos discutindo as vantagens de cada estratégia na nossa pesquisa em
andamento.
Palavras-chave: EEG, pesquisa experimental, percepção, ritmo.
Title: Two strategies of experimental research on rhythmic perception
Abstract: In this article we address two approaches for experimental research in music, targeting
a reflection on their application possibilities, as is our object of study PhD. For each strategy, we
comment a specific correlate article. The first, the interview comes to a more traditional approach,
presenting musical examples for consideration of subjects and statistical evaluation of the results.
The uniqueness of the chosen article is to discuss the influence of the interaction between
structural factors (rhythm and pitch) and performance factors (articulation and tempi) in the
perception of anacruses. The second approach dealing with evidence regarding the possibility of
direct neuronal entrainment uptake in electroencephalogram (EEG) associated with the pulsating
and musical meter. We finished discussing the advantages of each strategy in our ongoing
research.
Keywords: EEG, experimental research, perception, rhythm.
1. Introdução
A pesquisa experimental em percepção do ritmo musical tem se beneficiado muito do
desenvolvimento das neurociências e da neuropsicologia. Em virtude do avanço tecnológico
tanto computacional quanto na modernização e na ampliação ao acesso de equipamentos de
diagnóstico por imagens do cérebro, esse campo de estudos atualmente tem gerado
conhecimento tanto para a área de música, quanto ela própria tem sido usada como paradigma
para se estudar a cognição humana.
Nesse sentido, o mecanismo da percepção do ritmo musical, apesar de apresentar-se
ainda com muitos aspectos a serem desvendados, já conta com um corpus de conhecimento
considerável, tendo sido acumulado de forma mais sistematizada a partir dos anos 1970.
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Neste artigo, apresentamos duas abordagens de pesquisa experimental em música,
visando uma reflexão sobre suas possibilidades de aplicação, o que constitui nosso objeto de
estudo de doutoramento.
A primeira, trata de uma aproximação mais tradicional, com apresentação de exemplos
musicais para apreciação dos sujeitos e avaliação estatística dos resultados obtidos. A
singularidade desta abordagem refere-se ao estudo sobre fatores estruturais (p.ex., intervalos
duracionais) que influem na percepção de anacruses, estudando, em principio, a variação de
uma estrutura básica CLL (curto-longo-longo) e LCC (longo-curto-curto).
A segunda abordagem trata das evidências a respeito da possibilidade da captação direta
em eletroencefalograma (EEG) de sincronismo neuronal (neuronal entrainment) associado à
pulsação e à métrica musical.
Esta captação é obtida através da técnica de Potenciais
Relacionados a Eventos (ERP – Event Related Potential) com o uso de estímulos ambíguos,
que não tendem para nenhuma interpretação métrica especifica.
Esta técnica EEG de Potenciais Evocados de estado estável (steady state Evoked
Potential) no estudo do sincronismo neuronal para pulso e métrica musical tem indicado uma
maneira segura e não invasiva de observar o comportamento da percepção frente a estímulos
musicais estruturados a partir da perspectiva do ritmo mais tradicional, presente na música
popular e na música de tradição européia ocidental na qual persiste uma hierarquia temporal
com agrupamentos de unidades e subunidades em sua grande maioria binária ou ternária.
!
2. Estratégia 1: Entrevista
Consiste na apresentação de exemplos sonoros a sujeitos e coleta da apreciação deles em
relação aos estímulos. Focaremos essa estratégia, apoiados em experimento realizado sobre a
percepção de anacruses (LONDON, CROSS, & HIMBERG, 2009). Neste artigo, intitulado
The Effect Structural and Performance Factor in the Perception of Anacruses contendo dois
experimentos, foram elaborados 36 estímulos, com exemplos musicais em que a estrutura
rítmica consistia em duas seqüências básicas de três intervalos temporais: CCL e LCC
(proporções de 1:1:2 e 2:1:1 respectivamente). O objetivo foi avaliar a influência da interação
entre fatores estruturais (ritmo e alturas) e fatores da performance (articulação e andamento)
na percepção de anacruses. A hipótese era de que a percepção anacrúsica recairia
principalmente sobre a estrutura CCL, onde se presume que o acento tético seja
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predominantemente percebido na nota longa, ou então no som inicial e o final desta
seqüência conforme as regras de preferencia onde a tendência é acentuar o primeiro e o último
sons de um grupo de três ou mais sons. (POVEL & OKKERMAN, 1981) .
Estes dois experimentos consistiam na participação de sujeitos em três níveis de
expertise musical (menos de 5 anos de estudo, de 5 a 10 anos de estudo e mais de 10 anos),
onde o primeiro consistia em verificar as interações das duas estruturas rítmicas sem melodia
e com vários tipos de estruturas melódicas (ascendentes, descendentes, com graus conjuntos,
com saltos intervalares) e em andamentos distintos. O segundo experimento aproveita os
resultados do primeiro para refinar a avaliação do efeito do aumento do andamento na
percepção das anacruses.
O sujeitos foram convidados a ouvir os estímulos e percutir com palmas o tempo das
melodias, em momentos em que percebessem que o alinhamento de suas frases com o acento
forte indicando se a percepção foi anacrústica ou não-anacrústica, como se pode observar no
Exemplo 1.
!
!
Exemplo 1: Observa-se a mesma melodia com duas interpretações e níveis métricos distintos; a de cima
em interpretação anacrúsica (acento métrico fora de fase com o inicio da melodia) e a de baixo com
!
interpretação não-anacrúsica (em fase com a melodia).
No experimento 1, com estímulos isotônicos, foram encontrados indícios de que os
padrões CCL são mais sensíveis a mudanças de interpretação na interação com diferentes
andamentos, havendo grande impacto na mudança de sua percepção de tético para anacruse,
quando adicionada qualquer estrutura melódica. (LONDON, CROSS, & HIMBERG, 2009, p.
110) No experimento 2, verificou-se haver uma mudança sistemática na percepção da
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anacruse à medida que o andamento aumenta. (LONDON, CROSS, & HIMBERG, 2009, p.
111)
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3. Estratégia 2 : Mapeamento do "neural entrainment" através de EEG
O conceito de “entrainment“, seria “um processo biológico que compreende na sincronia
adaptativa de oscilações internas da atenção com um evento externo.¨ (JONES, 2009: 83),1.
Conseqüentemente, o “Neural Entrainment“ decorre de teoria aceita atualmente, onde os
neurônios sincronizam com estímulos cíclicos externos, oscilando na mesma freqüência.
Partindo desses pressupostos, o experimento descrito no artigo Tagging the Neuronal
Entrainment to Beat and Meter (NOZARADAN et al., 2011) que poderia ser traduzido como
algo próximo de “Mapeando a sincronização neuronal para o beat e a métrica” descreve a
observação da sincronização neural através do EEG e também acaba por mapear as
características do seu ciclo como binário ou ternário.
No experimento a estratégia de utilização do EEG foi eficaz na medida em que
apresenta um estímulo acústico com pulsação de 2.4Hz, ou 144 BPM (batidas por minuto) e
fisicamente neutro, ou seja, que não privilegia acentuações ciclicamente binárias ou ternárias
e no entanto pede para os sujeitos imaginarem acentuações indutoras de métricas com base
primeiramente em dois e depois em três. O artificio utilizado foi medir o comportamento do
impulsos gerados no cérebro por estímulos auditivos externos chamados Potenciais Evocados
(EP, Evoked Potentials), mais precisamente com a técnica de Potenciais Relacionados a
Eventos, (ERP, Event Related Potentials). Estes, são observáveis através Eletroencefalograma
(EEG), e da Ressonância Magnética (MEG), as “duas principais técnicas de estudo da
dinâmica do processamento auditivo no cérebro humano”.2 (LARGE, 2008: 118)
O resultado obtido nas imagens geradas pelo EEG demonstram representações cerebrais
diferentes para cada uma das métricas imaginadas. Assim a leitura possível é que as diferentes
imagens da codificação cerebral obtida para cada um dos ciclos harmônicos do estímulo
original (2.4Hz, ou 144 BPM) seja o binário (1.2Hz ou 72BPM) ou o ternário (0.8Hz ou
48BPM), indicam a compatibilidade com um mapeamento da qualidade de sincronização
realizada pelos sujeitos.
Esta abordagem de potenciais evocados de estado estável (Steady State Evoked
Potential) no estudo do sincronismo neuronal para pulso e métrica musical tem indicado uma
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maneira eficiente de observar o comportamento da percepção frente a estímulos musicais
estruturados a partir da perspectiva do ritmo mais tradicional, presente na música popular e na
música de tradição européia ocidental na qual persiste uma hierarquia temporal com
agrupamentos de unidades e subunidades em sua grande maioria binária ou ternária.
!
3.1 Potenciais Relacionados a Eventos
A técnica Event Related Potentials (ERP) inicialmente foi nomeada de Evoked Potentials
(EP) ou Potenciais Evocados porque eles eram ¨potenciais elétricos evocados por estímulos
(em oposição aos ritmos espontâneos EEG)¨ (LUCK, 2005, p. 6) Posteriormente com o
desenvolvimento da Neurociência Cognitiva, conjuntamente com o incremento na capacidade
de processamento computacional, ganhou maior reconhecimento, e sua importância está
ligada a alta resolução temporal em relação às duas outras técnicas mais modernas que são a
Ressonância Magnética Funcional (fMRI, Funcional Magnetic Ressonance Imaging) e a
Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET, Positron Emission Tomography), sendo
considerada um complemento à estas últimas (LUCK, 2005, p. 6).
Em resumo, entre os sinais pós-sinápticos captados dos disparos das redes de neurônios
cerebrais, os potenciais elétricos evocados por estímulos (auditivos, visuais, etc...) contem
uma forma característica de onda análoga, cujas componentes são classificadas de acordo com
a latência e a natureza dos picos (positivos ou negativos) em que são registradas após a
ocorrência do estimulo original. Por exemplo, o pico inicial nos primeiros 100 ms da onda
evocada representam a resposta neuronal para o sinal físico provocado pelo estímulo,
chamado também de P1 ou P100 (P para positivo) e de componente ¨exógeno¨, ou seja, que
depende mais das características de fatores externos. Já aqueles picos que ocorrem mais
tardiamente por volta dos 300 ms (P3 ou P300), por exemplo, a componente da resposta
sensorial é considerada ¨endógena¨, pois depende mais de fatores internos. (LUCK, 2005, p.
11)
!
Conclusão
A estratégia da Entrevista para a avaliação da percepção de estímulos, constitui a base de
qualquer avaliação digamos, “subjetiva” de um estímulo físico. Ela revela o tipo e o nível de
interpretação que o sujeito faz do sinal físico que lhe é apresentado. Porem, no caso de
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estímulos musicais, indivíduos sem uma formação musical podem não distinguir
declaradamente a diferença de um ciclo binário de outro ternário, e isso nos leva a um
questionamento: a diferenciação entre um metro ternário de um binário contida em estímulos
externos, pode ser ouvida e processada mesmo que não seja conscientemente notada? Ou
significa apenas que o sujeito musicalmente leigo não distingue nominalmente as diferenças
(apesar de alguma maneira ¨percebe-las¨) e com algum treinamento ele pode ser capaz de
nomear adequadamente um ou outro?
Como se dá neurofisiologicamente a interpretação da métrica musical e a conseqüente
sincronização do sujeito com o estímulo acústico externo?
A capacidade de perceber ou distinguir uma pulsação cíclica estaria vinculada
diretamente a um nível mais alto de processamento da informação no cérebro? Nesse ponto
uma questão interessante se coloca: até onde o processamento de um estimulo físico sonoro
cíclico é resultado da ontogenia? Em outras palavras, o processamento de um sinal acústico
em ciclo binário como tal é inato ou aprendido? Se é um pouco de cada, o quanto ou em que
parte, é resultado de sua interação com o meio?
Nesse sentido a estratégia de avaliação através da técnica ERP, pode ser a mais eficiente
em revelar diferenças na codificação de sinais binários e ternários. E isto decorre da sua maior
precisão temporal em relação ao PET e ao fMRI que demandam muito mais processamento
computacional no registro temporal dos dados.
O tipo de experimento com Potenciais Evocados de Nozaradan abre caminho para
interessantes desdobramentos, indicando talvez a possibilidade de observar a interpretação
realizada por um sujeito, e dizer como seu cérebro codificou este estimulo, em qual categoria
ele classificou o sinal, no caso, binário ou ternário.
As conseqüências desses tipo de desenvolvimento para o campo da música são
interessantes, na medida em que poderemos por exemplo calibrar melhor a interpretação
musical no sentido tanto de diminuir as ambigüidades rítmicas na leitura de obras musicais,
quanto no sentido contrario, aumentando o grau de ambigüidades métricas para provocar uma
escuta mais ativa e participante do público ouvinte.
!
Referências
JONES, M. R. (2009). Musical Time. In S. Hallam, I. Cross, & M. Thaut (Eds.), Oxford Handbook of Music
Psychology (Oxford Library of Psychology). OXFORD UNIVERSITY PRESS.
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LARGE, E. W. (2008). Resonating to musical rhythm: theory and experiment. In Psychology of time (pp.
189-232).
LONDON, J., CROSS, I., & HIMBERG, T. (2009). The Effect Structural and Performance Factor in the
Perception of Anacruses. Music Perception: An Interdisciplinary Journal , 27 (2), 103-120.
LUCK, S. J. (2005). An introduction to the event-related potential technique. MIT Press.
NOZARADAN, S., PERETZ, I., MISSAL, M., & MOURAUX, A. (2011). Tagging the Neuronal Entrainment to
Beat and Meter. The Journal of Neuroscience , 31 (28), 10234-10240.
POVEL, D.-J., & OKKERMAN, M. (1981). Accents in equitone sequences. Perception & Psychophysics , 30
(6), pp. 565-572.
1
¨(...) Entrainment is a biological process that realizes adaptive synchrony of internal attending
oscillations with an external event. (...)¨
2 (...)Electroencephalography
(EEG) and magnetoencephalography (MEG) are the two main techniques
for studying the temporal dynamics of auditory processing in the human brain (...) (LARGE, 2008: 218)
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Percepção de emoções em música brasileira a partir da perspectiva do
Expanded Lens Model: um estudo preliminar
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Danilo Ramos
Universidade Federal do Paraná
[email protected]
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Elder Gomes da Silva
Universidade Federal do Acre
[email protected]
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Resumo: o objetivo deste trabalho foi investigar respostas emocionais de músicos e não-músicos a
partir da perspectiva do Expanded Lens Model. Participaram deste estudo 20 músicos e 23 nãomúsicos, os quais julgaram a percepção das emoções Alegria, Raiva, Serenidade e Tristeza a
trechos musicais do repertório brasileiro, por meio de uma escala numérica de 0 a 10. Para cada
emoção investigada, o teste estatístico ANOVA foi aplicado para comparar as respostas emocionais
dos ouvintes por meio do design experimental: 2 x grupos (músicos versus não músicos) 4 x
repertório (música de concerto europeia, música de concerto brasileira, música popular brasileira e
música de tradição oral/regional brasileira). Os resultados demonstram que não houve diferença no
julgamento entre o grupo de músicos e não-músicos para quaisquer emoções ou repertórios. No
âmbito dos repertórios entre si, apenas os julgamentos para a emoção Raiva apresentaram
diferenças estatísticas marginais entre os grupos. Novas pesquisas são recomendadas,
especialmente sobre a emoção Raiva, no intuito de explicar os processos psicológicos envolvidos
nas respostas emocionais de ouvintes músicos e não músicos no repertório brasileiro.
Palavras-chave: Expanded Lens Model, música brasileira, respostas emocionais à música.
!
Title: Perception of emotions in Brazilian music throug Expanded Lens Model perspective: a
!
!
preliminar study.
Abstract: the purpose of this work was to investigate emotional responses from musicians and
nonmusician through Expanded Lens Model perspective. 20 musicians and 23 nonmusicians
judged the perception of Happiness, Angry, Serenity and Sadness to Brazilian musical excerpts,
through emotional scale (range: 0-10). To each emotion investigated, an analysis of variance was
run to compare emotional responses from listeners through experimental design: 2 groups
(musicians and nonmusicians) 4 x repertoire (Western classical music, Brazilian classical music,
Brazilian popular music and Brazilian traditional music). Results showed that no statistical
differences among judgments were found between groups to any emotion or repertoire. By
considering the repertoire per si, only judgments of Angry presented a marginal statistical
difference between groups. New researches are recommended, especially about Angry, in order to
explain psychological processes involved in emotional responses to Brazilian Music by musicians
and nonmusicians listeners. Keywords: Expanded Lens Model, brazilian music, emotional responses to music.
Introdução
A emoção tem sido objeto de um grande número de estudos realizados em música, sobretudo
nas últimas décadas. Diferentes abordagens e perspectivas têm sido providenciadas para a
compreensão dos processos ligados à comunicação emocional em música, dentre os quais o
Expanded Lens Model, que pressupõe a utilização de códigos musicais chamados pistas
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309
acústicas por compositores e intérpretes com o intuito de promover a comunicação de
emoções como a Alegria, a Raiva, a Serenidade e a Tristeza (Juslin & Lindström, 2010; Juslin
& Timmers, 2010). Entretanto, a maior parte dos estudos nesta área tem considerado apenas o
repertório de concerto de tradição europeia ou, em menor frequência, a música pop ou jazz
(Becker, 2010). Estes estudos não consideram de maneira sistemática a influência da relação
entre o repertório musical envolvido e o ambiente no qual o sujeito está inserido, o que
dificulta a compreensão deste aspecto da experiência musical.
Seriam as pistas acústicas descritas do Expanded Lens Model (Juslin & Lindstroom,
2010) universalmente empregadas para a comunicação emocional ou teriam uma
especificidade cultural? E, supondo que as vivências cotidianas proporcionadas pelo ambiente
no qual o sujeito está inserido interfiram de fato na comunicação emocional, a expertise
musical poderia exercer também alguma influência sobre a percepção de emoções? Estas são
as principais perguntas que nos levaram a realizar este estudo preliminar, no qual se
apresentam aqui os principais resultados.
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Metodologia
Participantes: 43 indivíduos participaram deste estudo, sendo 20 músicos (14 homens, 6
mulheres) e 23 não-músicos (9 homens, 14 mulheres). A média de idade dos participantes
músicos variou entre 19 e 29 anos (média 23 anos), enquanto para não-músicos a variação
ocorreu entre 20 e 32 anos (média 26 anos). O tempo de estudo musical dos participantes
músicos variou entre 4 e 20 anos (média 10 anos). Os participantes foram recrutados
conforme a legislação vigente1.
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Materiais e equipamentos: foram utilizados 10 computadores da marca Dell (processador
Intel Dual Core 2.4GHz, 1GB RAM, 500GB HD), 1 notebook da marca Sony linha Vaio
(processador Intel Core i5 2.5GHz, 4GB RAM, 500GB HD), 10 fones de ouvido da marca
Phillips modelo SHP1900 e 1 pen drive da marca Kingston (4GB). Os trechos musicais foram
editados com o auxílio do programa Sound Forge Audio Studio 10.0. Para o mapeamento das
pistas acústicas, foi utilizado um questionário virtual produzido com auxílio da ferramenta
Formulário da plataforma GoogleDocs e aplicado junto a estudantes do GRUME - Grupo de
Pesquisa Música e Emoção da Universidade Federal do Paraná. A tarefa experimental foi
preparada e aplicada com a suíte E-Prime 2.0 (E-Studio e E-Run) em uma sala silenciosa, com
paredes lisas, de forma a não distrair os participantes durante a realização da tarefa. Para
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310
tabulação e análise de dados, foram utilizados os programas E-Merge (da suíte E-Prime 2.0),
Microsoft Excel 2013 e Statistica 8.0.
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Material musical: foram utilizados 64 trechos musicais de 20 segundos, distribuídos entre
quatro repertórios (música de concerto europeia, música de concerto brasileira, música
popular brasileira e música de tradição oral/regional brasileira). Dentro de cada repertório
foram incluídos quatro trechos musicais para cada uma das quatro emoções investigadas no
estudo: Alegria, Raiva, Serenidade e Tristeza. Os trechos musicais foram selecionados a partir
de uma revisão das pistas acústicas do Expanded Lens Model e dos demais indicadores não
contemplados pelo modelo, como, por exemplo, as letras das canções populares ou as
características das manifestações tradicionais às quais as músicas estejam ligadas. Desta
forma, no âmbito de cada repertório foram incluídos 16 trechos, sendo quatro por emoção. A
música de concerto de tradição europeia foi utilizada com o intuito de fornecer uma linha de
base para a análise e discussão dos dados. Os trechos utilizados para esta categoria foram
retirados do estudo de Peretz, Gagnon e Bouchard (1998), já que sua eficácia para a
comunicação emocional é conhecida pela literatura científica2.
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Procedimento: os trechos foram divididos em dois lotes possibilitando a realização do
experimento em um tempo considerado curto (média aproximada: 19 minutos para ambos os
grupos). Todos os trechos foram apresentados de maneira aleatória. Além disso, foram criadas
quatro ordens de apresentação das emoções a serem julgadas (p. ex., Tristeza, Serenidade,
Alegria e Raiva) de modo a não condicionar as respostas dos participantes. As ordens de
apresentação das escalas emocionais também foram distribuídas de maneira aleatória. Todos
os participantes julgaram a taxa de percepção das quatro emoções para cada um dos trechos
apreciados em seu lote, mesmo que o trecho tenha sido escolhido em função de uma
determinada emoção-alvo. Entretanto, neste trabalho apresentamos e discutimos somente os
resultados dos julgamentos para as emoções-alvo. Por exemplo: para os trechos musicais que
foram selecionados para a categoria Alegria, foram analisadas apenas as respostas emocionais
da emoção Alegria entre os grupos e repertório. O mesmo procedimento foi empregado para
as demais emoções investigadas. A taxa de percepção foi avaliada pelos participantes em uma
escala de 0 a 10, em que 0 representou [emoção] não percebida e 10 representou [emoção]
muito percebida.
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Análise de dados: os dados foram submetidos ao teste estatístico ANOVA com medidas
repetidas. O post hoc utilizado foi o Newman-Keuls. Foram consideradas diferenças
estatísticas significativa níveis de p < 0,05. O delineamento experimental utilizado para os
testes ANOVA e post hoc Newman-Keuls foi específico para cada emoção. Assim, para a
emoção Alegria, por exemplo, os testes foram aplicados considerando as médias dos
julgamentos da emoção-alvo entre os repertórios e grupos de participantes (2 grupos x 4
repertórios). Estes procedimentos foram repetidos para cada uma das demais emoções (Raiva,
Tristeza e Serenidade).
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Resultados e Discussão
A Figura 1 apresenta a média dos julgamentos para a emoção Alegria. O teste ANOVA não
indicou diferenças significativas entre os grupos de músicos e não-músicos, repertórios ou na
interação entre estes dois fatores.
Figura 1. Médias dos julgamentos da emoção-alvo Alegria.
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A Figura 2, por sua vez, apresenta a média dos julgamentos para a emoção-alvo Raiva.
De um modo geral, o teste ANOVA indicou diferenças entre os repertórios estudados,
independente dos grupos de participantes (F = 2,88; p = 0,04). Entretanto, estas diferenças
não foram identificadas com o post hoc Newmann Keuls para esta variável em questão.
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Figura 2. Médias dos julgamentos da emoção-alvo Raiva.
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A Figura 3 apresenta a média dos julgamentos para a emoção-alvo Tristeza, para qual
tanto o teste ANOVA não revelou diferenças significativas no âmbito dos grupos ou
repertórios, ou, ainda, na interação entre estes dois fatores.
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Figura 3. Médias dos julgamentos da emoção-alvo Tristeza.
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Por fim, a Figura 4 apresenta a média dos resultados dos julgamentos para a emoçãoalvo Serenidade. Como nos resultados anteriores, o teste ANOVA não revelou diferenças
significativas entre os grupos, repertórios ou na interação entre estes dois fatores.
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Figura 4. Médias dos julgamentos da emoção-alvo Serenidade.
A partir dos dados levantados neste estudo, foi possível concluir que músicos e nãomúsicos parecem perceber igualmente as emoções comunicadas pela música no repertório
brasileiro, tanto quanto no repertório de tradição europeia. Além disso, as emoções Alegria,
Serenidade e Tristeza não apresentaram diferenças significativas no julgamento em quaisquer
dos repertórios estudados. A emoção Raiva, por outro lado, apresentou uma diferença
marginal e, neste sentido, pode-se supor que este resultado tenda a ser consistente. Em relação a escuta musical, os resultados encontrados sugerem, portanto, que músicos
e não-músicos parecem ter uma participação semelhante no ambiente em que estão inseridos
e por isso estariam igualmente hábeis em perceber as emoções comunicadas em música no
repertório brasileiro. De fato, como Rogoff (2005) e Valsiner (2012) pontuaram, o
desenvolvimento cognitivo acontece essencialmente em um dado ambiente, em uma troca
permanente entre o indivíduo e seu contexto sociocultural. Para Bordieu (2012), ainda, todo
indivíduo constrói seu habitus – disposições herdadas e transformadas constantemente a partir
destas relações – o que poderia explicar o motivo pelo qual ambos os grupos apresentaram
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respostas parecidas, já que pertencem a um mesmo contexto sociocultural que pode, então, ter
originado habitus de escuta semelhantes.
Com relação aos repertórios musicais empregados, os julgamentos para cada um deles
em relação às emoções Alegria, Serenidade e Tristeza não apresentaram diferenças
significativas, reforçando a validade do Expanded Lens Model, mesmo que a variedade do
emprego de certas pistas acústicas possam ter influenciado a percepção emocional dos
ouvintes entre os diferentes tipos de música empregados. Embora seja cedo para apresentar
uma taxonomia das pistas acústicas utilizadas para comunicação emocional em música
brasileira, os resultados do presente trabalho apresentam um caminho para uma análise mais
sistemática de tais pistas, devido à coerência entre os julgamentos. Outras análises necessitam
ser realizadas considerando o julgamento das emoções entre si em comparação com a
emoção-alvo. Este estudo continua em andamento e uma análise mais apurada dos dados em
relação a análise das respostas emocionais das emoções que não sejam as emoções-alvo está
sendo feita. O resultados destas análises serão publicadas em breve. Ademais, são necessários
também novos estudos, sobretudo no que diz respeito à emoção Raiva, talvez por meio da
exploração de outras pistas acústicas não contempladas pelo Expanded Lens Model ou por
meio da ampliação da amostragem dos trechos musicais e dos ouvintes, na busca pela
obtenção de dados mais consistentes.
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Considerações finais
Os resultados preliminares deste estudo indicam que o ambiente cultural no qual o indivíduo
está inserido pode exercer um papel importante para a percepção de emoções em música,
independente da a expertise musical do sujeito, uma vez que as emoções Alegria, Serenidade
e Tristeza ofereceram julgamentos mais homogêneos. Entretanto, pelo fato de os dados do
presente estudo apresentarem uma heterogeneidade das respostas emocionais para a emoção
Raiva em função do repertório musical empregado e do nível de conhecimento musical dos
participantes, a realização de estudos mais aprofundados sobre respostas emocionais à música
envolvendo esta emoção parece ser necessária. Além disso, conforme pontuado anteriormente,
outras análises estatísticas mais aprofundadas estão sendo feitas no presente estudo, nas quais
se espera publicá-las futuramente, com o intuito de aprofundar as discussões aqui levantadas.
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Agradecimentos
Agradecemos à CAPES, à Universidade Federal do Acre e aos membros do GRUME - Grupo
de Pesquisa Música e Emoção da Universidade Federal do Paraná, pelo suporte à realização
desta pesquisa, bem como a todas as pessoas que gentilmente se disponibilizaram a participar
do experimento.
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Referências
Becker, J. (2010). Exploring the habitus of listening: anthropological perspectives. In: P. N.
Juslin & J. A. Sloboda (Eds.), Handbook of Music and Emotion: Theory, Research,
Applications (pp.127-157). New York: Oxford University Press.
Bordieu, P. (2012). O poder simbólico. Trad.: Fernando Tomaz. 16ª Ed. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil.
Juslin, P. N. & Lindström, E. (2010). Musical Expression of Emotions: Modelling Listerners’
Judments of Composed and Performed Features. Music Analysis, 29, 334-364.
Juslin, P. N. & Timmers, R. (2010). Expression and communication of emotion in music
performance. In: P. N. Juslin & J. A. Sloboda (Eds.), Handbook of Music and Emotion:
Theory, Research, Applications (pp.453-489). New York: Oxford University Press. Peretz, I., Gagnon, L. & Bouchard, B. (1998). Music and emotion: perceptual determinants
immediacy and isolation after brain damage. Cognition, 68, 111-141.
Rogoff, B. (2005). A natureza cultural do desenvolvimento humano.Trad.: Roberto Cataldo
Costa. Porto Alegre: Artmed. Valsiner, J. (2012). Fundamentos da psicologia cultural: mundos da mente, mundos da vida.
Trad.: Ana Cecília de Sousa Bastos. Porto Alegre: Artmed.
1Dados
do projeto na Plataforma Brasil do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP): Música e
emoção no contexto brasileiro.
2Os
trechos musicais empregados no presente estudo podem ser acessados em < http://goo.gl/J2zPmZ>.
O mapeamento das pistas acústicas presentes nos trechos em questão foi produzido com o auxílio de um
questionário virtual aplicado junto aos membros do GRUME - Grupo de Pesquisa Música e Emoção da
Universidade Federal do Paraná e seu resumo pode ser visualizado em <http://goo.gl/6Q4hNe>. As pistas
comumente referenciadas pelo Expanded Lens Model, por fim, podem ser encontradas no trabalho de Juslin e
Lindström (2010).
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A influência da expressividade musical na motivação para a escuta no
repertório brasileiro para piano
Danilo Ramos
Universidade Federal do Paraná
[email protected]
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Lizzie Maldonado Lessa
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Universidade Federal do Paraná
Reginaldo Marcos Nascimento
Universidade Federal do Paraná
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Resumo: O objetivo deste estudo foi verificar se a percepção da expressividade da performance
musical pode influenciar a motivação para a escuta. Um experimento foi realizado com
participantes não músicos, cujas tarefas eram ouvir trechos musicais e em seguida preencher
escalas de diferencial semântico (alcance 0-10) relacionada ao nível de expressividade da
performance e logo após ouvir os mesmos trechos musicais e preencher e mesma escala, porém,
relacionada ao nível de motivação para escuta. Cinco trechos musicais do repertório erudito
brasileiro, executados ao piano, com duração de 20 segundos foram selecionados e apresentados
de forma aleatória, em três versões: trechos executados por pianistas profissionais, trechos
executados por pianistas em formação e trechos MIDI, totalizando 15 trechos musicais. O teste
ANOVA mostrou que há relação entre o nível de expressividade e o de nível de motivação para a
escuta em função da expertise musical dos pianistas. Neste sentido, quanto mais expressiva foi
considerada a performance musical, mais os ouvintes relataram querer ouvi-la novamente. Palavras-chave: expressividade musical; motivação para a escuta; expertise musical.
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!
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Title: Musical expressivity influences motivation to listening musical tasks in Brazilian repertoire
for piano
Abstract: The purpose of this study was verifying if the perception of the performance musical
expressivity could influence the motivation for listening musical tasks. An experiment was made
with nonmusicians participants, whose tasks involved listening to musical excerpts and filling in a
semantic differential scale (range 0-10) related to the level of performance expressivity and
listening to the same musical excerpts and filling in the same scale, but in relation to level of
listening motivation. Five music excerpts from Brazilian classical repertoire played on piano, with
20 seconds duration were selected and presented in a random order in three versions: played by
professional pianists, played by piano students and excerpts played by MIDI, totalizing 15 musical
excerpts. An analysis of variance showed a relation among the level of expressivity and the level of
listening motivation in function of the musical expertise from participants. In this sense, more
expressive was considered the musical performance, more participants related to want listening to
it again.
Keywords: musical expressivity; listening motivation; musical expertise.
Introdução O hábito de ouvir música acompanha o ser humano desde o ventre materno ao longo de toda a
sua vida, nas suas experiências sociais, emocionais, culturais e educacionais (Gembris &
Davidson, 2002). A música é capaz de expressar emoção, beleza, movimento, energia, tensão,
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fé religiosa, identidade pessoal, condições sociais, sendo que componentes emocionais estão
presentes em todas estas manifestações musicais (Juslin & Person, 2002). Neste sentido, as
pessoas parecem usar a música para regular, liberar e reforçar as emoções que o indivíduo está
sentindo, visando desfrutar de um momento para confortar-se ou para aliviar o estresse (Juslin
&Västfjäll, 2008). Tanto os relatos biográficos quanto estudos empíricos acerca do estudo das
emoções desencadeadas pela música sugerem que os músicos muitas vezes tem a intenção de
transmitir emoções aos ouvintes. Isso se dá através da maneira expressiva de tocar, o que
muitos artistas consideram como o aspecto mais importantes da performance musical (Juslin
& Person, 2002). Assim, dominar a habilidade de expressar emoção em música é uma
competência importante para um artista (Woody, 2000).
A comunicação expressiva da performance musical pode compreender vários aspectos
de um caminho complexo, em que as informações podem ser acrescentadas ou modificadas.
Neste caminho, as seguintes etapas podem ser envolvidas: a produção criativa do compositor,
o modo como as informações são fixadas na partitura, as intenções interpretativas e
expressivas do(s) instrumentista(s), a produção e gravação da música pelo intérprete e a
resposta emocional do ouvinte. Assim, pesquisas tem buscado identificar e quantificar a
correlação entre variações de parâmetros resultantes de performances e as intenções do
intérprete na comunicação ao ouvinte, a partir de diferentes aspectos da música (Loureiro,
2006). Segundo Juslin e Persson (2002), um conjunto considerável de pistas acústicas
relacionadas a andamento, volume, ritmo, pulsação, articulação, timbre, vibrato, pausas foram
associadas a emoções básicas do ser humano (alegria, tristeza, medo, raiva e amor, por
exemplo) por meio de uma adaptação de um modelo científico chamado Expanded Lens
Model. Assim, quando o artista e ouvinte associam as mesmas pistas a determinada emoção,
ocorre a acurácia da comunicação emocional. Portanto, o centro de uma performance musical
expressiva parece estar relacionado a manipulação de parâmetros de som, como ataque,
sincronismo, timbre, entre outros (Juslin & Persson, 2002). A expertise musical é um termo que se refere a quão excelente é o músico na habilidade
musical que desenvolve (Lehmann, Woody & Sloboda, 2007). Segundo os autores, esta
expertise parece ser um fator importante para a aquisição de habilidades musicais
relacionadas a expressividade musical. Neste sentido, é possível inferir que quanto mais
tempo de estudo o performer tiver no curso de sua vida, mais expressiva será a sua
performance, desde que manipule os parâmetros do som de maneira adequada. Segundo
Lehmann, Woody e Sloboda (2007), questões musicais que lidam com expectativa, surpresa,
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tensão, relaxamento fazem parte de escolhas estéticas importantes nas performances
expressivas e estão sempre presentes nas interpretações musicais. Segundo Juslin e Persson
(2002), uma performance musical mais expressiva pode permitir com que os músicos
mostrem aspectos mais profundos e pessoais do seu trabalho. Entretanto, os autores ainda
argumentam que, para adquirir um alto nível de expertise musical e, consequentemente,
atingir a altos níveis de expressividade em suas performances, é necessário que, no curso de
sua história musical, o performer se sinta sempre motivado.
O termo motivação é derivado do verbo em latin “movere” que indica o movimento que
direciona o indivíduo a uma determinada ação, feita de determinada maneira em busca de um
objetivo. Em uma perspectiva psicológica, a motivação parece ser um processo desenvolvido
no interior do indivíduo e que o impulsiona a agir mental e fisicamente, mantendo o indivíduo
disposto a usar seus esforços para alcançar determinado objetivo. Segundo Reeve (2006), a
motivação pode definir as causas do comportamento, o que dá início e fim a uma ação e a
intensidade do grau de persistência.
É importante considerar que a motivação para a escuta de determinada obra ou estilo
musical pode estar intimamente relacionada com as preferências musicais do indivíduo.
Hargreaves, North e Tarrant (2009) definem o termo “preferência musical” como o gosto por
uma música em comparação com outra em um momento específico. Já o termo “gosto
musical” refere-se ao padrão geral das preferências do indivíduo durante longos períodos de
tempo. Segundo os autores, qualquer explicação sobre gosto e preferências musicais deve
levar em conta as características de três componentes importantes: a pessoa (idade, sexo,
treinamento musical, contexto cultural), a música (estrutura, estilo, complexidade,
familiaridade) e a situação de escuta (trabalho, lazer, situações de entretenimento, presença ou
não de outras pessoas). Hargreaves et al (2009), em seu modelo de feedback recíproco
afirmam que os três componentes citados se influenciam mutualmente de uma maneira
dinâmica e bidirecional, o que faz com que o gosto e preferências musicais estejam em
constante fluxo.
Apesar do estudo da comunicação emocional entre compositor, intérprete e ouvinte
estar sendo feito de maneira sistemática pelos pesquisadores em Cognição Musical, até onde
se sabe, nenhum estudo foi realizado no sentido de verificar sistematicamente a relação as
respostas emocionais à música e o estado motivacional desencadeado no ouvinte. Neste
sentido, o presente trabalho propõe verificar se a percepção da expressividade musical pode
influenciar a motivação para a escuta musical em uma população de ouvintes brasileiros não
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músicos. Acredita-se que quanto mais expressiva for a execução musical (devido aos
diferentes níveis de expertise das performances musicais selecionadas para este estudo), maior
será a motivação dos ouvintes para ouvi-la novamente.
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Método
Participantes: 33 indivíduos de ambos os sexos (homens = 14 / mulheres = 19) que não
receberam instrução formal em música nos últimos dez anos, classificados no presente estudo
como não músicos, com idade entre 16 e 72 anos (média = 36 anos). Todos relataram não ter
problemas de audição.
Equipamentos: o experimento foi realizado em uma sala silenciosa, com paredes brancas.
Utilizou-se um Notebook Acer Aspire M5 481T e outro Notebook Semp Toshiba STI UB 1401
para a apresentação dos trechos musicais; dois fones de ouvido da marca Philips SHM1900
para a escuta dos trechos musicais; programa Statistica 8.0 para a análise de dados. Foi
utilizado o programa e-Prime para o registro das respostas dos participantes e um questionário
complementar para obtenção de dados pessoais, dados relacionados ao hábito de escuta dos
participantes e dados sobre impressões dos participantes sobre o experimento.
Caracterização dos trechos musicais: o material musical consistiu de 5 trechos musicais do
repertório erudito brasileiro executados ao piano solo, com 20 segundos de duração cada um.
Cada trecho musical foi apresentado em 3 versões: uma executada por um pianista
profissional, uma executada por um pianista em formação e uma versão MIDI, totalizando 15
trechos musicais. As versões MIDI foram geradas por meio da transcrição das partituras
originais no programa Finale 2012 e tiveram um tratamento de áudio que incluía uma
mudança de timbre com a ajuda do programa EZkeys® Upright Piano e a inclusão de um
ruído ambiente com o programa Audacity 2.0.3. O tratamento das versões MIDI tinha a
finalidade de equalizar os áudios com as versões executadas pelos pianistas profissionais e em
formação. Os trechos referentes às versões do pianista profissional e do pianista em formação
foram obtidos através de download do sítio YouTube em formato mp4 convertidos para o
formato mp3 (320 kbps) e editados no programa Audacity 2.0.3.
Procedimento: o experimento foi rodado com a presença de dois participantes por vez na sala
experimental, que recebiam as seguintes instruções: “Você vai dar sua contribuição para um
estudo em Cognição Musical. Sua primeira tarefa consiste em escutar um trecho musical e
julgar o quanto ele foi expressivo. Em outras palavras, você deve escutar e avaliar, em uma
escala de 0 a 10, o quanto cada trecho musical lhe transmite emoções, sendo 0 equivalente à
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“o trecho musical não me emocionou nada” e 10 “o trecho musical me emocionou muito”. O
trecho musical será reproduzido quando você pressionar a barra de espaço. Você deverá
proceder a esta tarefa para todos os outros trechos musicais. Após ter sido realizado o
julgamento do último trecho aparecerá a seguinte mensagem: “Agora as regras do jogo
mudaram. Sua tarefa, a partir desse momento, consiste em avaliar o quanto você se sente
motivado a ouvir novamente cada trecho musical, ou seja, você deverá julgar, em uma escala
de 0 a 10 o quanto ficou com vontade de ouvir o trecho musical novamente, sendo 0
equivalente a “não gostaria de ouvir o trecho musical novamente” e 10 equivalente a “gostaria
muito de ouvir o trecho musical novamente”. Esta tarefa consiste em julgar a motivação que o
trecho musical apresentado lhe inspira a ouvir novamente. Você deverá proceder a esta tarefa
para todos os outros trechos musicais. Lembramos que para esta pesquisa não há respostas
certas ou erradas. Sendo assim, as suas respostas são de caráter individual. Peço que vocês
executem o experimento todo em completo silêncio”. As apresentações dos trechos e das
tarefas foram feitas em ordem aleatória entre os participantes. O experimento teve a duração
média de 15 minutos. Ao final do experimento, o pesquisador aplicou o questionário
complementar.
Análise de dados: Um teste ANOVA foi empregado para comparar a média das respostas dos
participantes em função do grupo de trechos musicais apresentados (executados pelos
pianistas profissionais, pianistas em formação e gravações MIDI) para cada variável
dependente mensurada no estudo: expressividade e motivação para a escuta, configurando-se
um design experimental 3 (versões de apresentação das peças) x 5 (trechos musicais).
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Resultados
A Figura 1 ilustra as médias de respostas dos participantes sobre a relação entre
expressividade e motivação em função da expertise musical de pianistas no repertório erudito
brasileiro:
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Figura 1. Médias de respostas dos ouvintes nas escalas de diferencial
semântico (alcance: 0-10) em função da motivação para a escuta e da expressividade
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musical de pianistas profissionais, de nível médio e de performances MIDI.
O teste ANOVA mostrou uma diferença estatística significativa entre as médias gerais
de respostas para os dois tipos de medidas envolvidas: expressividade e motivação para a
escuta (F 28,753; p = 0,0000001), o que indica que as médias de respostas gerais para
expressividade foram maiores do que as médias de respostas gerais para motivação para a
escuta, independentemente das versões dos áudios apresentados. O teste ANOVA também
mostrou uma diferença estatística significativa entre as respostas dos participantes para as três
versões das gravações apresentadas trechos executados por pianistas profissionais, trechos
executados por pianistas em formação e trechos MIDI), independentemente da medida
envolvida (expressividade ou motivação para a escuta): (F 18,394; p = 0,000001). O teste
ANOVA não mostrou diferenças estatísticas significativas na interação entre as variáveis
dependentes (expressividade e motivação para a escuta) e a variável independente empregada
no estudo (nível de expertise da performance musical).
Com relação as medidas de expressividade, o post-hoc Newman Keuls mostrou uma
diferença estatística para os níveis de expressividade entre os pianistas profissionais e
pianistas em formação (p = 0,000131) e entre os pianistas profissionais e o MIDI (p =
0,000008). O teste mostrou diferenças estatísticas marginais para os níveis de expressividade
entre os pianistas em formação e os trechos MIDI (p = 0,050565). Este dado significa que os
trechos musicais executados pelo pianistas profissionais foram considerados como mais
expressivos que os trechos musicais executados pelos pianistas em formação e que, por sua
vez, foram considerados como mais expressivos em relação aos trechos MIDI.
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Com relação as medidas de motivação para a escuta, o post-hoc Newman Keuls mostrou
uma diferença estatística para os níveis de motivação entre os pianistas profissionais e
pianistas em formação (p = 0,001720) e entre os pianistas profissionais e o MIDI (p =
0,00001). O teste não mostrou diferenças estatísticas para os níveis de motivação para a
escuta entre os pianistas em formação e os trechos MIDI. Estes resultados sugerem que,
quanto mais expressivas foram as performances dos pianistas, mais os ouvintes tiveram
vontade de ouvi-las.
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Discussão e Conclusão
O presente estudo teve como objetivo verificar se a percepção da expressividade musical pode
influenciar a motivação para a escuta musical para um público de ouvintes não músicos. Os
resultados mostram que os trechos musicais da categoria pianistas profissionais foram
considerados como sendo os mais expressivos e os que tiveram maiores índices de motivação
para a escuta. Os resultados também mostram uma diferença estatística significativa entre os
trechos musicais executados pelos pianistas profissionais em comparação aos trechos musicais
executados pelos pianistas em formação e trechos MIDI, tanto na variável dependente
expressividade quanto na variável dependente motivação para a escuta. Entretanto, os
resultados mostraram que a variável expressividade obteve maiores índices na escala utilizada
do que a variável motivação para a escuta. Este último dado sugere que a variável
expressividade foi mais sensível que a variável motivação para a escuta.
Segundo Loureiro (2006) diferenças entre performances são percebidas com clareza,
mesmo por ouvintes não especializados, o que faz com que uma performance inexpressiva
seja quase sempre menos apreciada que uma interpretação expressiva da mesma partitura. Os
dados obtidos no presente estudo parecem corroborar com a autora, uma vez que os pianistas
profissionais utilizaram recursos musicais mais sutis em relação as pistas acústicas
relacionadas a expressividade, o que, provavelmente, ressaltou o conteúdo emocional dos
trechos. As análises feitas durante a seleção dos áudios empregados no presente estudo tornou
possível perceber que a manipulação das dinâmicas e de tempo das performances
selecionadas eram diferentes, em relação a intensificação dos pontos culminantes das frases, a
delimitação de seus inícios e suas terminações, por exemplo: as frases que se sucediam
mostravam entre si uma hierarquia de ênfases que colaborava para a exposição dos momentos
de maior atividade emotiva, conforme os critérios estabelecidos por Juslin & Persson (2002).
Além disso, os rubatos davam aos trechos uma naturalidade rítmica que poderia ser associada
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323
à maneira natural da fala ou do canto, conforme os dados encontrados pelos mesmos autores.
Neste sentido, a presente pesquisa pode contribuir para futuros estudos na área de Cognição
Musical não só em relação ao controle de variáveis envolvidas na relação expressividade
musical e motivação para escuta, mas também em relação a uma seleção adequada de material
musical a ser testado em pesquisas experimentais que tenham como base os critérios
emocionais estabelecidos por Juslin e Persson (2002) e suas possíveis aplicações no contexto
brasileiro, uma vez que nos trechos selecionados, os elementos musicais parecem ter sido bem
administrados para o controle das variáveis envolvidas no estudo. Ao analisar os questionários
complementares preenchidos pelos ouvintes, percebeu-se que variáveis mais sutis como
aptidão musical, critérios de escuta, estilo musical e familiaridade aos trechos musicais
merecem um estudo aprofundado no futuro.
O GRUME – Grupo de Pesquisa Música e
Emoção da UFPR tem se dedicado ao estudo destas variáveis, na busca por uma maior
compreensão dos processos psicológicos envolvidos nos aspectos emocionais e motivacionais
da escuta musical, especificamente no contexto brasileiro. !
Referências Gembris, H. & Davidson, J. W. (2002). Environmental influences. In R. Parncutt, G. E.
Mcpherson (Ed.), The science and psychology of music performance: strategies for
teaching and learning. New York: Oxford University Press.
Hargreaves, D. J., North, A. C., & Tarrant, M. (2006). Musical preference and taste in
childhood and adolescence.” In Gary McPherson (ed.) The child as musician: a handbook
of musical development. New York/Oxford: Oxford University Press. Juslin, P. N., & Person R. S. (2002). Emotional communication. In R. Parncutt & G. E.
Mcpherson (Ed.), The science and psychology of music performance: strategies for
teaching and learning. New York: Oxford University Press.
Juslin, P. N., & Västfjäll, D. (2008) Emotional responses to music: the need to consider
underlying mechanisms. Behavioral and Brain Sciences, 31, 559-75.
Lehmann, A., Sloboda, J. & Woody, R. (2007). Psychology for musicians: understanding and
acquiring the skills. New York: Oxford University Press.
Loureiro, M. A. (2006). A pesquisa empírica em expressividade musical: métodos e modelos
de representação e extração de informação do conteúdo expressivo musical. Opus Revista da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música/ Anppom, 12,
07-32.
Reeve, J. (2006). Motivação e emoção (L. A. F. Pontes, Trad.). Rio de Janeiro: LTC. Woody, R., (2000). Learning expressivity in music performance: an exploratory study.
Research Studies in Music Education, 14, 14-23.
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Influência do método de mensuração sobre respostas emocionais
à música no contexto brasileiro
Danilo Ramos
Universidade Federal do Paraná
[email protected]
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Doris Beraldo
Universidade Federal do Paraná
Thiago Tatsch
Universidade Federal do Paraná
!
Resumo: O objetivo deste estudo foi analisar o curso de respostas emocionais à música em
ouvintes brasileiros e compará-las após a aplicação de duas metodologias de mensuração. 28
participantes não músicos ouviam 15 trechos musicais do repertório erudito europeu utilizados em
um estudo prévio. Em uma primeira mensuração, sob a perspectiva do Modelo Circumplexo de
Russel (MCR), a tarefa era ouvir cada trecho e, por meio de um teste de escolha forçada, associá-lo
às emoções Alegria, Raiva, Tranquilidade ou Tristeza (grupo controle de emoções). Em uma
segunda mensuração, sob a perspectiva da Geneva, Emotional Music Scale (GEMS), os
participantes ouviam os mesmos trechos musicais e escolhiam uma lista de adjetivos emocionais
(grupo experimental de emoções). Os participantes respondiam ambas as escalas em duas
situações: respostas emocionais sentidas ou percebidas. A ordem de apresentação dos trechos
musicais e das metodologias de mensuração foi distribuída aleatoriamente entre os participantes. O
design experimental utilizado foi 2 x metodologias (MCR versus GEMS) 2 x categorias de
respostas (emoções sentidas versus emoções percebidas). O teste estatístico ANOVA indicou
diferenças significativas para as respostas emocionais dos ouvintes entre as duas metodologias de
mensuração para as emoções Alegria, Tranquilidade e Tristeza. Não foram encontradas diferenças
significativas entre as duas metodologias de mensuração para a emoção Raiva. Além disso, não
foram encontradas diferenças em relação as categorias de respostas (sentidas ou percebidas)
mensuradas para nenhuma emoção investigada. Os resultados deste estudo sugerem que o teste de
escolha forçada pode limitar a intepretação dos dados acerca das respostas emocionais à música
em ouvintes brasileiros.
Palavras-chave: métodos de mensuração, respostas emocionais à música, contexto brasileiro.
!
Title: Influence of the method of mensuration on emotional responses to music in Brazilian
context.
Abstract: The purpose of this study was to analyze the course of emotional responses to music in
Brazilian listeners and comparing them after the application of two methods of mensuration. 28
participants nonmusicians listened to 15 musical excerpts from classical western music employed
in a previous study. The first mensuration, based on Russel Circumplex Model (RCM approach),
the task was listening to each musical excerpt and, through a forced-choice test, associates it to
Happiness, Angry, Sadness or Tranquility (control group of emotions). The second mensuration,
based on Geneva Emotional Music Scale (GEMS approach), participants listened to the same
excerpts and chose and adjective list of emotions (experimental group of emotions). Participants
answered both scales in two situations: felt or perceived emotions. The order of presentation of the
musical excerpts and mensuration methodologies of mensuration was randomized among
participants. Design experimental employed was 2 x methods of mensuration (RCM versus GEMS)
2 categories of responses (felt versus perceived emotions). An analysis of variance showed
significant differences to emotional responses from listeners between the two methods of
mensuration to Happiness, Tranquility and Sadness. No differences were found between the two
methods of mensuration to Angry. Furthermore, no differences were found in relation to the
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categories of responses (felt or perceived) to any emotion investigated. Results obtained in this
study suggest that the forced-choice test can limit the interpretation of data about emotional
responses to music in Brazilian listeners.
Keywords: methods of mensuration, emotional responses to music, Brazilian context.
Introdução
Nos estudos que envolvem música e emoção, é possível encontrar o objetivo comum entre os
pesquisadores em compreender os processos psicológicos existentes na relação entre
intérprete e ouvinte durante uma performance musical. A contínua busca em compreender
estes processos, aliada a estudos desenvolvidos em Cognição Musical, levaram a ampliação
do conhecimento científico acerca desta questão. A comunicação emocional pode ser
entendida como situações em que o músico tem a intenção de comunicar emoções especificas
aos ouvintes (Juslin & Persson, 2002). Além disso, Lisboa e Santiago (2006) e Ramos e
Santos (2010) afirmam que é possível que o intérprete possa aprender a manipular os
elementos musicais (pistas acústicas) para transmitir a emoção desejada aos seus ouvintes.
Portanto, compreender como ocorre este processo pode auxiliar no aperfeiçoamento da
performance musical, no intuito de fornecer elementos para que os intérpretes proporcionem
experiências e sensações agradáveis a seus ouvintes. Para a mensuração das respostas emocionais à música, o emprego do Modelo
Circumplexo de Russel (1980) considera uma análise bidimensional construída sobre um
referencial cartesiano, em que um eixo está relacionado à valência afetiva (agradabilidade
musical, que pode ser positiva ou negativa) e ao arousal (estado de excitação fisiológica, que
pode ser alto ou baixo). Segundo este modelo, as respostas emocionais à música sempre estão
localizadas em um dos quatro quadrantes formados pelas duas dimensões. Entretanto,
Zentner, Granjean e Scherer (2008) propõem uma abordagem de mensuração das emoções
desencadeadas pela música por meio do uso de uma lista de adjetivos denominada Escala
Emocional Musical de Genebra. Os autores afirmam que trata-se de um instrumento adequado
para mensurar as respostas emocionais à música, pelo fato de ter sido desenvolvida a partir de
vários experimentos considerando contextos musicais diversos, bem como um estudo
aprofundado sobre léxicos ligados a respostas emocionais especificamente para a música,
considerando a língua nativa do indivíduo. Neste sentido, o objetivo deste trabalho é observar
o curso das respostas emocionais à música no contexto brasileiro e compará-las entre dois
métodos de mensuração: o primeiro baseado no Modelo Circumplexo de Russel (Russel,
1980) e o segundo baseado na Escala Emocional Musical de Genebra (Zentner, Scherer &
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Grandjean, 2008). O intuito deste trabalho é verificar se o método de mensuração influencia as
respostas emocionais à música dos participantes do presente estudo.
!
Método
Participantes: 28 indivíduos de ambos os sexos (16 homens e 12 mulheres), com idade entre
17 e 61 anos (média = 37,03 anos) participaram do estudo. Apenas sete deles receberam
instrução formal em música nos últimos dez anos. Todos os participantes relataram não ter
problemas de audição.
!
Equipamentos: o experimento foi realizado em uma sala silenciosa, com paredes brancas.
Foi utilizado um Notebook Dell Inspiron 14 e um MacBook Pro da Apple com fones de
ouvido da marca Philips SHM1900 para a escuta e apresentação dos trechos musicais, além
dos programas e-Prime para o registro das respostas dos participantes e Statistica (versão 8.0)
para a análise de dados. Um questionário complementar foi empregado para obtenção de
dados pessoais, dados relacionados ao hábito de escuta dos participantes e dados sobre
impressões dos participantes sobre o experimento.
!
Caracterização dos trechos musicais: o material musical consistiu de 15 trechos musicais de
obras do repertório erudito ocidental. Para cada emoção investigada no presente estudo
(Alegria, Raiva, Tranquilidade e Tristeza) foram selecionados três trechos musicais com 20
segundos de duração, sendo assim denominados ALE1, ALE2 e ALE3, para os trechos
representativos da emoção Alegria, TRA1, TRA2 e TRA3 para os trechos representativos da
emoção Tranquilidade, TRI1, TRI2 e TRI3 para os trechos representativos da emoção Tristeza
e RAI1, RAI2 e RAI3 para os trechos representativos da emoção Raiva. A seleção das
músicas foi obtida a partir de um estudo prévio feito por Ramos (2008). Os autores do
presente estudo apontam os trechos empregados na pesquisa de Ramos (2008) como aqueles
que foram os mais representativos de cada emoção investigada. A Tabela 1 ilustra o trecho
musical associado a cada emoção que ele representa:
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Tabela 1. Trechos musicais utilizados no estudo de Ramos (2008).
Procedimento: foram realizados dois testes, um que envolveu um escolha forçada e outro que
envolveu uma lista de adjetivos. As categorias emocionais empregadas foram selecionadas a
partir do Modelo Circumplexo de Russel (1980). Cada participante realizou o teste
individualmente. A tarefa consistia de ouvir um trecho musical e, logo após a escuta, dar o
julgamento emocional ao trecho ouvido, em duas condições: a primeira condição envolvia um
teste de escolha forçada, no qual o participante deveria escolher apenas uma dentre quatro
emoções: Alegria, Raiva, Tranquilidade ou Tristeza. A segunda condição envolvia uma lista
de adjetivos, no qual o participante deveria escolher apenas um dentre nove grupos de
emoções. A Tabela 2 ilustra os grupos de emoções que foram apresentados aos participantes:
!
!
Tabela 2 - Grupos de emoções empregados na lista de adjetivos utilizada no presente estudo.
Em ambas as condições (teste de escolha forçada e lista de adjetivos), os participantes
respondiam a duas perguntas: (1) que emoção você percebeu durante a escuta? (2) Que
emoção você sentiu durante a escuta? Tanto a ordem de apresentação dos trechos musicais,
quanto as duas condições de resposta do teste (escolha forçada e lista de adjetivos) e o tipo de
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resposta (sentida ou percebida) foram distribuídas aleatoriamente entre os participantes.
Terminado o estudo, os participantes eram encaminhados para fora da sala experimental para
o preenchimento dos questionários complementares. Cada sessão experimental durava
aproximadamente 40 minutos.
!
Análise dos dados: O teste ANOVA foi empregado para comparar as médias das
porcentagens de respostas dos julgamentos emocionais dos participantes aos trechos musicais,
por meio do design experimental 2 x metodologias (ELM versus GEMS) 2 categorias de
respostas (emoções sentidas versus emoções percebidas). O post-hoc Newman Keuls fez uma
análise pareada entre os grupos. !
Resultados
A Tabela 3 ilustra os valores em porcentagem para cada trecho musical, em relação ao método
empregado e também em relação a respostas dos participantes sobre emoções percebidas e
emoções sentidas:
!
Tabela 3 - Valores em porcentagem para cada trecho musical, em relação ao método de mensuração
empregado e em relação a respostas emocionais percebidas e sentidas. Foram consideradas
apenas as taxas de porcentagens mais altas obtidas em cada um dos testes.
!
Em relação à emoção Alegria, para o trecho ALE1, o teste ANOVA mostrou diferenças
estatísticas entre as respostas emocionais dos ouvintes, em função do método de mensuração
das emoções empregado (F 8,04636; p=0,008542). Para este trecho, o teste Post-Hoc
Newman Keuls mostrou diferença entre as respostas referentes a emoções percebidas no teste
de Russel e na GEMS (p=0,002062) e entre emoções sentidas no teste de Russel e na GEMS
(p=0,043025). Para o trecho ALE2, o teste ANOVA mostrou diferenças estatísticas entre as
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respostas emocionais dos ouvintes, em função do método de mensuração das emoções
empregado (F 28,5882; p=0,000012). Para este trecho, o Post-Hoc Newman Keuls mostrou
diferença entre as respostas entre as emoções percebidas no teste de Russel e na GEMS
(p=0,004356) e entre as emoções sentidas no teste de Russel e na GEMS (p=0,005218). Para
o trecho ALE3 o teste ANOVA mostrou pequenas diferenças estatísticas entre as respostas dos
ouvintes em função do método de mensuração empregado (F 3,6423; p=0,049). Para este
trecho, o Post-Hoc Newman Keuls mostrou diferença entre as respostas entre as emoções
percebidas no teste de Russel e na GEMS (p=0,001203) e entre as emoções sentidas no teste
de Russel e na GEMS (p=0,012332). Para os três trechos representativos da emoção Alegria,
não foram encontradas diferenças estatísticas entre as emoções sentidas e percebidas tanto no
teste de Russel quando na GEMS.
Para todos os trechos da emoção Raiva, o teste ANOVA não mostrou nenhuma
diferenças estatística entre as respostas emocionais dos ouvintes, nem em função do método
de mensuração das emoções empregado (Modelo de Russel e GEMS) e nem entre o tipo de
julgamento dos ouvintes (emoções percebidas e sentidas).
Em relação à emoção Tranquilidade, para o trecho TRA1, o teste ANOVA não apontou
diferenças estatísticas entre as respostas emocionais dos ouvintes, nem em função do método
de mensuração das emoções empregado (Modelo de Russel ou GEMS) e nem entre o tipo de
julgamento dos ouvintes (emoções percebidas ou sentidas). Para os trechos TRA2 e TRA3, o
teste ANOVA mostrou diferenças estatísticas entre as respostas emocionais dos ouvintes, em
função do método de mensuração das emoções empregado (Modelo de Russel ou GEMS),
sendo (F 4,52174; p=0,043123) e (F 8,69099; p=0,006524), respectivamente. Entretanto, para
ambos os trechos, o Post-Hoc Newman Keuls não mostrou nenhuma diferença estatística
entre as respostas emocionais dos ouvintes em função do tipo de julgamento dos ouvintes
(emoções percebidas e sentidas). Em relação à emoção Tristeza, para os trechos TRI1, o teste ANOVA mostrou diferenças
estatísticas entre as respostas emocionais dos ouvintes, em função do método de mensuração
das emoções empregado (Modelo de Russel ou GEMS), sendo (F 5,26829; p=0,029714). Para
o trecho TRI2, o teste ANOVA não apontou diferenças estatísticas entre as respostas
emocionais dos ouvintes em função do método de mensuração das emoções empregado
(Modelo de Russel ou GEMS). Para o trecho TRI3, o teste ANOVA mostrou diferenças
estatísticas entre as respostas dos ouvintes em função do método de mensuração empregado
(F 10,26761; p=0,003462). Para este trecho, o teste Post-Hoc Newman Keuls mostrou
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diferença entre as respostas entre as emoções percebidas no teste de Russel e na GEMS
(p=0,004183) e entre as emoções sentidas no teste de Russel e na GEMS (p=0,000516).
Finalmente, para os trechos TRI1 e TRI2, não foram encontradas diferenças estatísticas entre
as emoções sentidas e percebidas tanto no teste de escolha forçada (baseado no Modelo
Circumplexo de Russel) quanto na lista de adjetivos (baseada na GEMS).
!
Discussão
O presente estudo teve como objetivo observar o curso das respostas emocionais à música no
contexto brasileiro e compará-las entre duas metodologias de medida, com o intuito de
verificar se o método de coleta de dados interfere na obtenção deste tipo de dado.
O principal resultado obtido foi uma diferenciação no julgamento dos ouvintes em
função da emoção a ser avaliada. Para a emoção Alegria, por exemplo, notou-se que o método
interferiu na avaliação dos julgamentos dos ouvintes. Os resultados do presente estudo
apontam que as respostas dos participantes para a emoção Alegria podem ser subdivididas em
três subgrupos diferentes, identificados neste estudo como os grupos de categorias emocionais
1, 6 e 7 da GEMS. Isso significa que, para trechos musicais idênticos, quando outras opções
de escolhas emocionais relacionadas a emoção Alegria são oferecidas aos ouvintes, eles
percebem ou sentem outras emoções mais sutis, enquanto que em teste de escolha forçada, os
participantes tem que escolher a opção Alegria por não haver outras opções para respostas
emocionais mais específicas. Este resultado corrobora os resultados encontrados por Zentner,
Scherer e Grandjean (2008). O mesmo argumento é citado Juslin e Sloboda (2001). Segundo
os autores, apesar de contribuírem para uma análise de dados mais precisa, a abordagem
bidimensional parece limitar as pesquisas sobre respostas emocionais à música, na medida em
que fornece apenas pistas para identificar as escolhas emocionais dos ouvintes de maneira
mais geral. Neste sentido, segundo os autores, em referência ao Modelo Circumplexo de
Russel, “as emoções que são colocadas no mesmo quadrante da matriz circular do modelo em
questão podem, de fato, ser muito diferentes” (Juslin & Sloboda, 2001, p.78).
Outro resultado importante obtido no presente estudo foi a não diferenciação entre
respostas emocionais dos participantes referentes a emoções sentidas ou percebidas para as
quatro emoções envolvidas no estudo. Este dado parece corroborar parcialmente os dados
obtidos por Zentner, Grandjean e Scherer (2008), que apontam diferenças estatísticas bastante
significativas entre respostas sentidas e percebidas dos participantes de sua pesquisa.
Entretanto, os autores associam estas diferenças encontradas em função de outras variáveis
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que não foram mensuradas no presente estudo, como comparações em relação ao estilo
musical a ser apreciado, à situação de escuta (dentro de uma sala experimental ou em uma
sala de concerto, por exemplo) e o ambiente cultural no qual o indivíduo está inserido (o
estudo de Zentner, Grandjean e Scherer foi realizado no contexto musical europeu). Valsiner
(2012) pontua, em sua pesquisa, que o ambiente é um fator importante para o
desenvolvimento cognitivo do indivíduo, na medida em que a troca permanente entre o
indivíduo e seu contexto sociocultural influenciam o comportamento humano nas mais
variadas atividades cognitivas (como, por exemplo, a música). Neste sentido, o fato de o
presente estudo envolver respostas emocionais de ouvintes brasileiros à música de concerto
europeia pode ter influenciado o tipo de julgamento emocional dos participantes.
Finalmente, a GEMS foi um instrumento de medida construído com o objetivo de criar
uma lista abrangente de palavras genuinamente específicas para a mensuração de respostas
emocionais à música, enquanto que, segundo o Modelo Circumplexo de Russel (1980) parece
poder ser aplicado a outros contextos emocionais mais gerais. Neste sentido, lançamos a
hipótese de que as diferenças entre as respostas emocionais dos participantes do presente
estudo entre estes dois instrumentos podem ser assim explicadas. Novos estudos estão sendo
realizados no GRUME (Grupo de Pesquisa Música e Emoção) da Universidade Federal do
Paraná, na busca por uma melhor compreensão dos processos psicológicos envolvidos nas
respostas emocionais à música.
!
Referências
Juslin, P. N. & Persson, R. S. (2002). Emotional communication. In: R. Parncutt & G. E.
McPherson (Eds.), The science and psychology of music performance: strategies for
teaching and learning (pp. 219-236). New York: Oxford University Press.
Juslin, P. N., & Sloboda, J. A. (2001). Music and emotion: Theory and research. Oxford
University Press.
Lisboa, C.A., & Santiago, D. (2006, agosto). A utilização das emoções como guia para a
performance musical. Anais do XVI Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e
Pós-graduação em Música (ANPPOM), Brasília, DF, Brasil, 1045.
Ramos (2008). Fatores emocionais durante uma escuta musical afetam a percepção temporal
de músicos e não músicos? Tese de Doutorado. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Brasil. Ramos, D. & Santos, A. R. C. (2010). A comunicação emocional na performance pianística.
Música em Perspectiva, 3(2) 34-49.
Russel, P. A. (1980) A circumplex model of affect. Journal of Personality and Social
Psychobiology, 39, 1161-1178. Valsiner, J. (2012). Fundamentos da psicologia cultural: mundos da mente, mundos da vida.
Trad.: Ana Cecília de Sousa Bastos. Porto Alegre: Artmed.
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332
Zentner, M., Grandjean, D., & Scherer, K. (2008) Emotions Evoked by the Sound of Music:
Characterization, Classification, and Measurement. Emotion, 8(4), 494–521.
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Cognição Musical e
Ciências da Linguagem
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Leitura Textual, Leitura Musical e Audiação:
Similaridades e Correspondências
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Maria Lucila Guimarães Junqueira
IA - UNICAMP
[email protected]
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José Eduardo Fornari
NICS - UNICAMP
[email protected]
!
Resumo: O som é o elemento comum tanto à música quanto à linguagem. Em ambas, a função do
som é comunicar conceitos e incitar estados emocionais. Uma vez que estes fenômenos são
complexos, com enorme diversidade de âmbitos e contextos, este artigo propõe estudar apenas
alguns paralelos fundamentais entre a origem e o desenvolvimento da comunicação sonora na
musica e na linguagem. Para isso, utiliza-se aqui a “audiação”; uma teoria de aprendizado musical
através de uma abordagem baseada na compreensão do fenômeno sonoro, no sentido de identificar
o seu significado essencial. Parte-se aqui do processo cognitivo de leitura textual, onde se faz uma
análise embasada em princípios da neurociência e da psicologia cognitiva, através de estudos
referentes à identificação das bases neurais do aprendizagem. Levando-se em conta o atual
consenso entre neurocientistas, de que os leitores, frente a um texto, acessam duas vias de leitura
simultaneamente: a lexical e a fonológica, este artigo infere a possibilidade de utilização desta
mesma estratégia na leitura musical. Argui-se assim que a identificação notacional dos elementos
(notas musicais) pelo leitor de uma partitura pode também seguir o mesmo processo de
aprendizado. Para tanto usamos a audiação no sentido de identificar o seu significado primordial.
Esta é uma informação que transcende o fenômeno psicoacústico e nos permite estabelecer suas
diferenças sonoras cognitivas, tanto qualitativas quanto contextuais.
Palavras-chave: Música, Linguagem, Audiação.
!
Title: Textual reading, Musical reading and Audition; Similarities and Mailings.
Abstract: Sound is a common element in music and language. In both, its role is to communicate
concepts and incite emotional states. Since these phenomena are complex, with great diversity of
fields and contexts, this article proposes to study a few fundamental parallels between the origin
and development of sound communication in music and language. For this, here is used to
“audiation," a musical learning theory through a network based on sound understanding of the
phenomenon, to identify its essential meaning approach. Here is part of the cognitive process of
textual reading, where there is an analysis based on principles of neuroscience and cognitive
psychology from studies relating to the identification of the neural bases of learning. Taking into
account the current consensus among neuroscientists that readers ahead of a text, two-way access
simultaneously reading: lexical and phonological, this article infers the possibility of using this
strategy in reading music. If Argui so the identification of notational elements (musical notes) by a
score reader can also follow the same learning process. For this we use the audiação to identify its
primary meaning. This is information that transcends the psychoacoustic phenomena and allows
us to establish their cognitive sonic differences, both qualitative and contextual. Key-words: Music, Language, Audiation
!!
1. Música e Linguagem
!
Desde os primórdios da humanidade, o som vem sendo utilizado e organizado ao longo do
tempo de modo a criar tanto a música quanto a linguagem falada. É conhecida a frase de
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335
(Pinker, 1997, p. 524), que compara a música a algo inútil, mas extremamente sedutor; ao
referir-se a esta como “auditory cheesecake”. Para Pinker, a atração que a música exerce ao
ouvinte teria bases evolutivas semelhantes àquelas que tornam normalmente muito atraentes
ao paladar alimentos gordurosos e doces (como o cheesecake), pois estamos geneticamente
programados a apreciar, e a nos viciar, em alimentos muito calóricos. Do mesmo modo que o
cheesecake é saboroso porque representa um hiper estímulo do paladar, para Pinker, a música
é atraente ao ouvinte porque representa um hiper estímulo da cognição sonora, desenvolvida
ao longo da evolução especificamente para o entendimento da linguagem. Já para outros
pesquisadores, como Daniel Levitin, a música não é um efeito colateral da evolução da
linguagem humana, mas seu parceiro, que cumpre uma função de apoio e colaboração ao
processo de comunicação humana, onde apenas a informação semântica não basta. É também
essencial para o entendimento de uma mensagem compreender o contexto emocional em que
esta se baseia.
Há muito tempo que se questiona a respeito da maneira como a música é capaz de
evocar emoções no ouvinte. Os gregos antigos atribuíam duas funções à Música: a Mimesis
(uma imitação ou transformação de uma realidade externa) e a Catarse (a purificação da alma
através de uma experiência afetiva). A primeira função é bem representativa e pode ser
entendida como uma teoria do conhecimento. Já a segunda função considera o efeito que a
Música produz na mente do indivíduo. A Catarse aponta para o modo como a música interfere
no estado emocional do ouvinte. (Juslin, Sloboda, 1989, p.47).
Diversos autores afirmam que a Música e a Linguagem possuem numerosas
características em comum, especialmente no que se diz respeito às suas estruturas e funções.
Segundo Mithen (2005) e Patel (2008) é possível que, enquanto a linguagem cumpre a função
de criar estruturas sonoras com significado semântico, a música cumpriria a função
complementar de incluir a esta comunicação, o seu significado emocional. Por isso, muitos
pesquisadores afirmam que música e linguagem compartilham das mesmas origens
ontogenéticas e filogenéticas, conforme é mencionado em Brown (2000).
Música e Linguagem, ambas são atividades sociais que servem para comunicar, compor e
direcionar conceitos, comportamentos e emoções, de um membro de uma comunidade aos
demais,( Molino, 2000; Cross e Tolbert, 2009). Sob outra ótica, pode-se estudá-las como
sendo atividades individuais, mesmo que num plano abstrato como as habilidades cognitivas
do indivíduo Jackendoff e Lerdahal (2006). As atividades sociais e individuais da música e da
linguagem têm raiz evolutiva. Seus meios de expressão e formação dependem de uma série de
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conhecimentos, crenças, e hábitos; que cada indivíduo traz consigo, e que são manifestados,
desenvolvidos e atualizados através de ações corporais, tanto sensoriais (psicoacústicas)
quanto motoras (gestuais).
É possível estabelecer paralelos com a origem e o desenvolvimento das competências
musicais e linguísticas no indivíduo (ontogênese) e da sua comunidade (filogênese). Também
estarão envolvidos outros componentes integrantes, tais como: o objeto sonoro, sua
estruturação composicional e o seu significado. É relevante nesta comparação observar a
existência de certos parâmetros em comum, entre a linguagem e a música, tais como a
existência de: acento; duração; altura sonora; a constatação e a evocação de emoções; e o
despertar das hipóteses e conclusões, no campo de seus significados (Igoa, 2010, p. 97). É
importante estudar até que ponto a arquitetura neuro-cognitiva dos modelos mentais de
processamento musical e linguístico compartilham de fato de uma mesma estrutura cerebral,
bem como estudar quais seriam as suas características em comum, dentro de seus processos
de representações sonoras Peretz e Coltheart (2003). !
2. Leitura Textual
A Linguagem escrita é uma aquisição recente na história da nossa espécie e por isso ainda não
dispõe de um aparato neurobiológico preestabelecido. Cosenza pondera “A linguagem escrita
precisa ser ensinada, é necessário o estabelecimento de circuitos cerebrais que sustentem o
que se faz, por meio de dedicação e exercício” (Cosenza, 2011, p. 101). A aprendizagem da
leitura modifica os caminhos neurais do cérebro humano, inclusive fazendo com que ele reaja
de forma diferente a estímulos linguísticos e visuais; bem como no modo como processa a
linguagem falada.
A tradição ocidental manteve por muito tempo a separação entre as ciências humanas
(das comunidades) e as ciências biológicas (dos indivíduos). A partir de 1970, com a
emergência das neurociências e dos progressos tecnológicos que permitiram um
conhecimento mais aprofundado do cérebro humano, tornou-se possível iniciar o estudo da
identificação das bases neurais de nosso psiquismo (Dehaene, 2012, p. 9).
A leitura é um dos exemplos das muitas atividades culturais que a espécie humana criou
num passado remoto. Sabe-se que em todos os indivíduos, de todas as culturas humanas, a
mesma região cerebral é responsável pela decodificação das palavras escritas, o que implica
na possível existência de uma base biológica para a leitura. Ao mesmo tempo existe o modelo
cerebral da “plasticidade generalizada”. Este afirma que, em termos de aprendizado, as
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estruturas neurais do cérebro são tão flexíveis e maleáveis que não restringem a amplitude das
atividades humanas. Também se tem o “relativismo cultural”, onde alguns teóricos do século
XX arguiram que a natureza humana não é imposta a nós, enquanto espécie biológica, mas
que esta é construída progressivamente, de modo maleável, por imersão, na cultura a que
pertencemos (Dehaene 2012, p.20). De fato, não existe oposição dessas duas correntes ao
modelo biológico, mas sim diferentes perspectivas na proposição de modelos explanatórios de
um mesmo fenômeno, o que vem a incorporar, engrandecer e aprofundar o estudo dos
processos de leitura. Já o modelo da “Reciclagem neuronal” baseia-se na hipótese das Prérepresentações. “Nosso cérebro se adapta ao ambiente cultural, não absorvendo cegamente
tudo que lhe é apresentado, em circuitos virgens hipotéticos, mas convertendo a outro uso as
predisposições cerebrais já presentes. É um órgão fortemente estruturado que faz o novo com
o velho. Para aprender novas competências, reciclamos nossos antigos circuitos cerebrais de
primatas – na medida em que tolerem um mínimo de mudança”. (Dehaene, 2012, p. 164-165)
Ainda segundo ele, “O cérebro não teve tempo para evoluir sob a pressão dos limites da
escrita. Foi a escrita que evoluiu a fim de levar em conta os limites do nosso
cérebro.” (Dehaene, 2012, p.21). O nosso genoma adaptou-se e desenvolveu circuitos
cerebrais intrínsecos e específicos para a leitura. O modelo de reciclagem neuronal explica através da história da evolução da escrita e justifica
os traços de uma incessante manufatura evolutiva que adapta os objetos da escrita aos limites
de nosso cérebro. Todas as escritas do mundo compartilham de similaridades que parecem
refletir os limites de nossos circuitos visuais.
O sistema nervoso central apresenta um processamento paralelo de informação neural,
onde múltiplos elementos (neurônios) concomitantemente transmitem e efetuam operações
simples, formando coalizões (redes neurais) que podem cooperar ou competir umas com as
outras, criando processos neurais estimulantes ou inibidores (Dehaene, 2012, p. 59). Sabe-se
que o processamento da escrita começa nos olhos. Somente o centro da retina humana (a
fóvea) possui uma resolução de imagem suficiente para o reconhecimento e a discriminação
dos detalhes dos caracteres das letras. A cadeia de letras é desmembrada em milhares de
fragmentos pelos componentes da retina, e é reconstituída e reconhecida pelo sistema visual.
A seguir extrai progressivamente o conteúdo dos grafemas no final ativar duas grandes vias
paralelas de processamento cerebral: a fonológica e a lexical. A primeira permite converter a
sequência de letras em sons da língua (os fonemas). A segunda acessa uma espécie de
“dicionário mental”, onde são armazenados os significados semânticos das palavras (Dehaene,
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2012, p.25).
Pode-se perguntar: quando se pratica a leitura mental silenciosa, o leitor passa das
palavras escritas ao seu significado sem acessar o aparato vocal da pronúncia, ou transforma
as letras em objetos acústicos, e logo a seguir, em significado? Hoje há um consenso de que
adultos acessam duas vias de leitura simultaneamente: a lexical e a fonológica, que
funcionam, em mútua cooperação. ”Dispomos todos de uma via direta de acesso às palavras
que nos evita pronuncia-las mentalmente antes de compreendê-las”. (Dehaene, 2012, p.40). A
leitura muda é uma etapa automática deste processo, já na leitura verbal (em voz alta), as duas
vias colaboram, cada uma contribuindo com a verbalização. (Dehaene, 2012, p. 124).
!
3. Leitura Musical
Segundo, Sloboda “A leitura musical requer a execução de uma resposta complexa, na qual há
pouco espaço para desvios em tempo e qualidade” (Sloboda, 2008, p. 89). A ação da leitura
musical depende de diversas habilidades que envolvem a decodificação de símbolos gráficos
(notas, ritmos, articulação, dinâmica), noção de sentido da capacidade de agrupar, associar e
reproduzir figuras rítmicas, além da transformação da leitura em ação motora no caso de tocar
um instrumento ou de cantar. Sabe-se que as informações sensoriais são recebidas no cérebro simultaneamente em
dois hemisférios (esquerdo e direito). Ligados por um feixe de fibras nervosas, “corpo
caloso”, que transmite informações entre eles, de tal modo que desenvolvem e processam
informações de maneira específicas. O Hemisfério esquerdo (lógico) funciona como um
processador em série que processa detalhes e símbolos, a linguagem, analisando de forma
linear, buscando diferenças, elaborando a contagem de números e por isso responsável pela
percepção do tempo. O Hemisfério direito (Gestalt) tem aptidões de processamento em
paralelo, como o reconhecimento de imagens, padrões rítmicos, constatação e evocação de
emoções, localização espacial, entendimento de metáforas, comunicação gestual e intuição.
Este hemisfério lida com o processamento de informações subjetivas, holísticas (globais) e
artísticas. O ideal é que os dois hemisférios cerebrais funcionem de forma integrada e
homogênea, embora de fato exista normalmente a predominância de um desses hemisférios
sobre o outro (Bucher, 2009, p.9).
Segundo (Brito, 2010, p. 177), “A música tem códigos de registro e notação que
surgiram em virtude da necessidade de fixar as ideias musicais e, assim preservá-las”.
Também afirma que a linguagem musical, como uma forma de expressão temporal, acontece
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num plano de coordenadas cartesianas, onde as dimensões são: tempo e espaço, e os sinais de
notação criados para registrá-la são auxiliares da memória individual e coletiva. !
4. Audiação
Em Educação Musical, a notação musical não é necessariamente o ponto de partida. Esta é
uma ferramenta introduzida devido à necessidade musical e pedagógica do ensino musical
(Renard, 1982). A criança, ao ouvir um evento sonoro de curta duração, muitas vezes
intuitivamente realiza um gesto (movimento corporal com intenção), traduzindo assim o som
escutado em expressão corporal. Segundo Brito, esta ação intuitiva é uma primeira forma de
registro, que é traduzido corporalmente de forma espontânea, integrando o som ao
movimento. A etapa seguinte para a criança é transformar os gestos sonoros em desenhos,
trazendo para o registro gráfico aquilo que a percepção auditiva desta criança identificou, num
processo sequencial que segue e respeita níveis de percepção, cognição e consciência (Brito
2010, p. 179).
A compreensão do fenômeno sonoro, no sentido de apropriação do significado musical,
parece ainda ser a incógnita que procuramos desvendar. Foi a partir do trabalho dos
pedagogos da primeira metade do século XX que tais questionamentos, ainda que de ordem
mais filosófica do que científica, fossem abordados. É fato que a maneira como se aprende e
assimila música é um fator decisivo para o desenvolvimento das muitas qualidades de
audição, bem como é também fundamental tornar consciente a atitude e a necessidade do
ouvinte perante a música. Audiação é um termo criado por Edwin Gordon que se refere ao
processo cognitivo pelo qual a mente dá significado aos sons musicais. Não é o mesmo que
percepção auditiva, que trata apenas da recepção e do tratamento do som pelo sistema
auditivo. A audiação é a capacidade de ouvirmos internamente, com compreensão, sons que
podem nem mesmo estar acusticamente presentes. Através do processo de audiação, ouvintes
podem atribuir significado à música que escutam, executam, improvisam ou compõem1.
Gordon dedicou boa parte de sua vida ao ensino musical e ao desenvolvimento da sua
teoria de aprendizagem musical. Não é uma metodologia específica para o ensino musical,
mas algo sobre como as pessoas, em especial as crianças, aprendem música. Esta teoria visa
orientar os professores de música em tentar estabelecer nos alunos, desde a primeira infância
até a fase adulta, objetivos curriculares sequenciais que desenvolvam a audiação rítmica e
tonal. Gordon acreditava que a música é aprendida da mesma forma que aprendemos nossa
língua materna. Estabeleceu quatro etapas de aprendizagem musical: A primeira é a fase da
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vida uterina até o nascimento onde absorvemos os sons da língua materna. Na segunda fase,
tentamos imitar os sons que escutamos e identificamos. A terceira fase inicia-se o processo
onde pensamos através da linguagem estabelecendo estruturas sintáticas correspondentes aos
nossos pensamentos. Finalmente improvisamos frases próprias utilizando palavras aprendidas
com sentido, lógica e significado semântico. Segundo Gordon, aprendemos a ler e a escrever
em consequência da experiência que adquirimos ouvindo, imitando, pensando e improvisando
com as palavras.
Numa entrevista sobre problemas que afetam a educação musical da atualidade, no
âmbito do ensino instrumental, Gordon enfatizou que deveriam ser ensinados os dois
instrumentos: o que se está fisicamente tocando, e o que está na mente do aluno. “O
instrumento por si só não tem boa afinação; o instrumento é apenas uma extensão do corpo
humano. É uma extensão da capacidade de audiação do intérprete."2
!
5. Conclusão
Este é um trabalho teórico que trata das similaridades e das correspondências entre as leituras
textuais e musicais, intermediadas pelo processo da audiação. Conclui-se que a música não é,
em si, uma linguagem, apesar de algumas vezes ser definida como tal. Porém, o seu processo
de aprendizagem é análogo ao que ocorre na linguagem verbal. Começa-se por aprender
palavras soltas, antes de ser possível constituir frases inteiras, de modo a estabelecer uma
conversação. Depois desta aprendizagem inicial as crianças não se limitam a imitar aquilo que
ouvem, mas passam a ser capazes de formular as suas próprias questões, construindo frases
próprias e usando as palavras de seu próprio vocabulário. Talvez fosse interessante que no
ensino formal de música, ocorresse algo semelhante. Dever-se-ia iniciar ensinando padrões
tonais e rítmicos às crianças, com os quais estas posteriormente viessem a “conversar” através
da música. Da mesma forma que não aprendemos poemas antes de sermos capazes de
construir frases, em música talvez não devêssemos iniciar por Mozart e Haydn antes que o
aluno fosse capaz de usar seu próprio vocabulário musical e assim construir suas próprias
frases e composições musicais. Em suma, deveríamos seguir o que propõe o método Suzuki,
estimulando o estudante a começar a tocar sem o aparato de notação musical. No entanto, a
metodologia tradicional de ensino musical costuma seguir a via oposta, induzindo as crianças
a ler uma partitura antes de ouvi-la ou tenta-la imitar. Porém a imitação sem a consciência do
gesto musical nada ensina. É preciso deixar que as crianças cantem e dancem antes de serem
capazes de tocar um instrumento. A compreensão do fenômeno sonoro, no sentido de
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apropriação do significado musical, parece ainda ser a incógnita que procuramos desvendar.
Conforme (Caspurro, p. 1-2) “É uma variável que está além do mero fenômeno psicoacústico
e que permite estabelecer uma diferença qualitativa e contextual”.
Referencias bibliográficas
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2
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Cognição Musical e
Saúde
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Jogos musicais, Transtorno do Espectro Autista e Teoria da Mente:
um relato de experiência
!
Viviane Santos Louro
Departamento de Neurociências – Unifesp
[email protected]
!
Resumo: O foco temático deste artigo é o Transtorno do Espectro Autista (TEA), a Teoria da
Mente (TM) e a educação musical. O objetivo é promover uma breve discussão sobre como a
aprendizagem musical, através de jogos educativos, pode contribuir com o desenvolvimento da
Teoria da Mente em pessoas com TEA e ao final, relatar uma experiência de aluno com este
diagnóstico, que além de aprender música, melhorou o desenvolvimento da Teoria da Mente. A
metodologia utilizada foi revisão bibliográfica para fundamentação teórica, a partir das bases de
dados do Pubmed, Lilacs, Scielo, revistas e anais dos congressos da Associação Brasileira de
Educação Musical e SIMCAM e dos bancos de dados das bibliotecas de música da USP e UNESP,
além de livros significativos sobre o assunto. Para o relato de experiência foram utilizados os
registros da aula de música do aluno em questão, que é integrante de um grupo inclusivo de
música e teatro do grande ABC, em São Paulo, desde 2006. Os resultados apontam que a
aprendizagem musical pode contribuir para o desenvolvimento da Teoria da Mente em pessoas
com TEA, além de colaborar em outras questões como tomada de decisão e autonomia.
Palavras-chaves: transtorno do espectro autista, teoria da mente, jogos pedagógicos musicais.
Title: Pedagogical musical games, autistic spectrum disorder and theory of mind: an experience
report
Abstract: The thematic focus of this article is Autism Spectrum Disorder (ASD), Theory of Mind
(TM) and music education. The goal is to promote a brief discussion of how musical learning
through educational games, can contribute to the development of theory of mind in people with
ASD, and ultimately relate an experience of students with this diagnosis, which in addition to
learning music improved the development of Theory of Mind. The methodology used was a
literature review to theoretical , from the databases PubMed, Lilacs, Scielo, magazines and the
Annals of the Brazilian Association for Music Education and SIMCAM and databases of music
libraries USP and UNESP, plus books significant on the subject. For the case report was used
records from the music class of the student in question , which is part of an inclusive group of
music and theater in São Paulo since 2006. The results show that musical learning can contribute
to the development of Theory of Mind in people with ASD, and collaborate on other issues such as
decision making and autonomy.
Keywords: autism spectrum disorder, theory of mind, pedagogical musical games.
!
O Transtorno do Espectro Autista (TEA)
O autismo foi descrito pela primeira vez pelo psiquiatra americano Kanner em 1943, a partir
do estudo com 11 crianças que possuíam características semelhantes entre si no que se referia
a um comportamento atípico. Apesar dessa descrição inicial, foi somente no início dos anos
60 que as pesquisas sobre esse quadro evoluíram, pois até então, acreditavam que as
características típicas dessa patologia eram advindas de sérios problemas emocionais
(Pereira, 1999).
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Em 1976, a Drª Lorna Wing, resumiu as características desse quadro diagnóstico no
comprometimento de três áreas específicas: imaginação, socialização e comunicação.
Também foi ela que deu os primeiros passos para o conceito de um espectro autista, ou seja,
uma constelação variável de dificuldades dentro das três áreas citadas. Outra característica
enfatizada por Wing foram os movimentos repetitivos, chamados de estereotipias (somente
motoras) e ecolalias (referentes à repetição da fala). Toda sua teoria ficou conhecida como
“Tríade de Wing”. Em suma afirma que independente do grau do autismo, todos terão
comprometimentos na socialização, comunicação e imaginação (Leal, 1996).
Desde que foi relatado pela primeira vez, os critérios diagnósticos têm se modificado
nas diferentes edições dos manuais de classificação dos transtornos mentais, tanto da
Organização Mundial da Saúde (2003), quanto da Associação Americana de Psiquiatria
(Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais - DSM) (Teixeira et al, 2010). Pelo DSM-IV (APA, 2002), ainda amplamente utilizado, o autismo é classificado como
um transtorno global do desenvolvimento (TGD), que se caracteriza pelo desenvolvimento
acentuadamente atípico na interação social e comunicação e pela presença de um repertório
marcadamente restrito de atividades e interesses, além do uso constante de estereotipias
(movimento e fala repetitiva). Já DSM-V (Apa, 2013), ainda recente, propõe a substituição do
termo Transtorno Global do Desenvolvimento para Transtorno do Espectro Autista (TEA) e
compila em três categorias (grave, moderado e leve) o que antes eram os diversos tipos de
autismo (Espectro Autista; Síndrome de Asperger; Autismo de Alto Funcionamento;
Transtorno Invasivo do Desenvolvimento Sem Outras Especificações - TID-SOE -, dentre
outros). De acordo com Klin (2006), esse grupo de condições afeta aproximadamente 1 em
cada 200 indivíduos, sendo a maior parte meninos e seus sintomas típicos devem aparecer
antes dos 36 meses.
Bosa (2006) coloca que até o presente momento, o autismo não tem uma cura, mas há
diversos tratamentos e possibilidade de melhora desse quadro. Quanto mais cedo o tratamento
começar, melhor o prognóstico. Isto implica tratamento psicoterapêutico, educacional e social. !
TEA e Teoria da Mente
Ottoni (2006) comenta que muitos dos estudiosos contemporâneos do autismo, caracterizam
esta síndrome como uma incapacidade ou deficiência na aquisição da Teoria da Mente. Araújo
(2005, p. 24) completa essa colocação dizendo que “crianças com autismo, carecem das
habilidades cognitivas sociais necessárias a uma teoria da mente e é possível que a
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impossibilidade para adquirir uma teoria da mente possa ser resultante de um déficit na
capacitação básica para a interação.” A Teoria da Mente, nomeada assim pelas ciências cognitivas no final da década de 70,
pelos estudiosos Premack & Woolruff, nada mais é do que a capacidade que temos de atribuir
estados mentais a outras pessoas. Para isso, é necessário que estejamos equipados com uma
habilidade que nos permita desenvolver uma medida, isto é, um sistema de referências que
viabilize comparações entre nosso mundo interno, subjetivo e o mundo externo, dos outros.
Em suma, a Teoria da Mente nos possibilita prever sobre os sentimentos e pensamentos
alheios, criar hipóteses e tomar decisões (Caixeta & Nitrini, 2002).
Pinheiro e Camargo
Júnior (2005, p.65) colocam:
A Teoria da Mente (TM) não deve ser compreendida como uma teoria
conscientemente elaborada, mas como um mecanismo que permite um tipo especial
de representação, a representação de estados mentais [...] Para tanto, não basta
apenas desenvolver uma representação interna a respeito das coisas, mas também é
necessária a capacidade de refletir sobre essas representações. Esse processo de
metarrepresentação, a habilidade de estabelecer “crenças sobre crenças sobre
crenças” estaria comprometida no autismo.
!
De acordo com estudos de Wimmer e Perner (1993, p. 117), a partir dos 18 meses a
criança já é capaz de diferenciar o real do faz de contas. Essa é a primeira ordem: a “crença”.
Por volta dos 4 anos, elas começam a atribuir estados mentais a outras pessoas, o que
inaugura o segundo estágio da TM, ou seja, a “crença sobre a crença”. A terceira fase se dá
após os 5 anos, onde a criança começa ter a capacidade de estabelecer a crença do outro sobre
a crença dela: “crença sobre crença sobre crença”. As crianças com autismo conseguem, no
máximo estabelecer uma certa TM até o segundo estágio, mas somente através de muito
treino (Pinheiro & Camargo júnior, 2005).
Conforme Kafies et al. (2008), no autista a estrutura interna de linguagem está alterada e
a externa distorcida interferindo no domínio da linguagem verbal (registro e estruturação de
códigos), enquanto processo cognitivo. Para que haja Teoria da Mente precisa haver
linguagem desenvolvida, pois a língua é um dos aparatos da cognição. Por não ter linguagem
desenvolvida, o autista não consegue compreender o contexto ao seu redor e isso dificulta a
habilidade de prever o que os outros estão pensando e sentindo (elementos essenciais da
Teoria da Mente).
Williams e Wrigth (2008) enfatizam que alguns aspectos da memória, em autistas, são
profundamente eficazes, principalmente para assuntos pelos quais se interessam. Por isso,
com frequência querem repetir uma mesma ação feita anteriormente, pois lembram-se dela.
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Mas geralmente, não conseguem usar a memória para planejamentos futuros, devido à
dificuldade de contextualização dos fatos e situações, por terem atraso no desenvolvimento e
na compreensão da linguagem. !
Jogos musicais, TEA e Teoria da Mente
Conforme Campagne (1989), o jogo educativo se relaciona a duas questões: 1.Função
lúdica: propicia a diversão, o prazer e até o desprazer (lidar com a perda); 2.Função educativa:
ensina qualquer coisa que complete o indivíduo em seu saber, seus conhecimentos e sua
apreensão do mundo.
O equilíbrio entre essas duas funções é o objetivo do jogo educativo. O jogo favorece o
aprendizado pelo erro e estimula a exploração e a solução de problemas. Além de
potencializar o aprendizado moral, integração no grupo social e a aquisição de regras
(Kishimoto, 2003).
É muito mais fácil e eficiente aprender por meio de jogos. Isso é válido para todas as
idades e para todos os perfis de pessoas, inclusive para quem tem TEA. Nesse contexto, a
proposta é ir além do jogo, do ato de jogar, para o ato de antecipar, preparar e improvisar
dentro do jogo, ampliando, desse modo, a capacidade do jogo em si a outros objetivos, tais
como: a profilaxia, o desenvolvimento de habilidades, a percepção do grupo, o
desenvolvimento da teoria da mente e a colaboração na tomada de decisão.
Consoante Padilha (2008) a música é de grande utilidade para crianças com autismo,
pois as ajudam a serem mais espontâneas quanto a comunicação, diminuindo o isolamento e a
ecolalia. Além disso, a música colabora no desenvolvimento do aparato sensorial e na
socialização quando é utilizada em atividades em grupos (Miller e Eller-miller, 1989). Assim
como, devido sua propriedade não-verbal, é uma ferramenta eficaz para o desenvolvimento da
linguagem (Wigram & Gold, 2006). A educação musical foca seus princípios no desenvolvimento de habilidades cognitivas
a partir de atividades sensório-motoras, baseadas nos parâmetros sonoros (altura, duração,
intensidade, timbre e massa sonora). Esses parâmetros, expandidos, levam a uma consciência
musical ampla, atingindo os conceitos de melodia, ritmo, harmonia e análise musical,
formando assim, uma linguagem musical complexa. Dentro da musicalização, essas questões
são trabalhadas através do corpo, com atividades lúdicas específicas, que associam gestos e
movimentos a conceitos musicais mais abstratos, criando um link entre corpo, linguagem e
abstração (Mateiro et al., 2011).
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Sendo assim, os princípios pedagógicos musicais podem colaborar também com o
desenvolvimento da linguagem, comunicação, tomada de decisão e desenvolvimento da TM
em pessoas com TEA. Através do incentivo de pequenas tomadas de decisões no ato de
improvisar musicalmente em jogos coletivos, gradativamente o aluno com TEA pode começar
a perceber o contexto em que está inserido e com isso, desenvolver a habilidade de
compreender o universo ao seu redor e de criar coisas cada vez mais complexas. Para decidir, por exemplo, que som ou ritmo fazer, dentro de uma atividade de
improvisação coletiva, a pessoa precisa primeiramente observar o que os outros estão
fazendo. Num segundo momento, necessita comparar o que todos estão executando para
chegar à conclusão se há um ritmo, som ou ideia principal que conduz a música improvisada
coletivamente. A terceira fase é criar uma “imagem interna” do som ou ritmo que pretende
fazer e logo em seguida, observar pela escuta interna se o que está imaginando está adequado
musicalmente com o conjunto. Para saber se dará certo o que pretende improvisar, o individuo
precisa se remeter mentalmente a um futuro imediato, imaginando o seu som juntamente com
os demais. Só depois desse ato interno poderá decidir se vai ou não executar aquele som ou
ritmo imaginado. Sendo assim, os jogos musicais podem contribuir com o desenvolvimento
da teoria da mente. !
Relato de caso
Juliano (nome fictício), tem 34 anos e um quadro de TEA grau leve, com ecolalia, no
qual seu foco de habilidade é a música. Mesmo tendo muita facilidade para aprender tocar
vários instrumentos, ouvido absoluto e uma afinação tecnicamente perfeita, preserva as
características básicas do espectro autista: dificuldades com todo aparato cognitivo, pouca
teoria da mente desenvolvida, estereotipia da fala (ecolalia), dificuldade de interação social e
na comunicação.
Esse jovem adulto faz parte do elenco do grupo cênico-musical Trupe do Trapo, desde
2006. Esse grupo, que trabalha com a união da música ao teatro, é formado por pessoas entre
15 e 76 anos, com e sem deficiências. As maiores dificuldades de Juliano, nas primeiras aulas
do grupo, eram: 1. o excesso de ecolalia (repetia alto, por horas, o que ouvia durante o dia); 2.
a falta de concentração nas atividades (começava andar pela sala quando a atividade não lhe
interessava); 3. dificuldade em manter contato visual com as pessoas; 4. dificuldade para
compreender o contexto ao seu redor e as propostas das atividades solicitadas; 5. Falta de
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348
iniciativa para realizações espontâneas e criativas; 6. Impossibilidade de ter tomada de
decisão.
Atualmente, Juliano apresenta pouca ecolalia (que se manifesta somente nas horas em
que não está fazendo as atividades artísticas), possui comunicação com o olhar e manifestação
de afeto (joga bola com os amigos e cumprimenta todos com abraço). Ele também consegue
tomar iniciativas e decisões dentro do processo artístico, algo que antes não realizava, mesmo
com intervenção do professor. Hoje, sua atenção e concentração é sensivelmente maior e ele
consegue se comportar socialmente de forma adequada, percebendo muito melhor o contexto
ao seu redor.
Todos esses ganhos são resultados de anos de trabalho. A metodologia empregada nas
aulas do grupo é baseada em jogos musicais (Dalcroze, Orff, Koellreutter, dentre outros) e
cênicos-musicais (Viola Spolin) e no desenvolvimento das etapas da psicomotricidade
(Bateria psicomotora de Vitor da Fonseca). Para a criação ou adaptação das atividades é
sempre levado em consideração o momento neurológico, psicológico e pedagógico em que o
aluno se encontra, ou seja, são trabalhadas as lacunas ou necessidades de cada um (no que se
refere ao processo cognitivo e neuropsicomotor) e enfatizado (aproveitado de forma artística)
os talentos ou potenciais latentes em cada pessoa (Louro et al., 2009).
As atividades são, em sua grande maioria, feitas em grupo: jogos musicais, criação de
cenas, improvisações musicais, desenhos, colagens e expressão corporal. Especificamente
para Juliano, foi traçado um plano pedagógico para auxiliar no desenvolvimento da Teoria da
Mente a partir de Gomes (2005, p. 232-260), isto é, primeiramente através da pura imitação
dos colegas, num segundo momento, o incentivo da percepção de si em relação a imitação
realizada. O próximo passo foi a busca da compreensão dessa imitação e a partir desse
momento, reflexão sobre o ato. Por último, transposição da ação para outras realidades.
Baseado nesses pressupostos, as atividades para Juliano foram criadas da seguinte forma: • Primeira etapa: atividades de imitação e socialização – jogos colaborativos cênicos,
musicais e psicomotores para estimular o contato visual, a percepção de si e do outro.
• Segunda etapa: atividades de improvisações direcionadas – jogos cênicos-musicais no
qual em determinados momentos eram pedidas tarefas ou improvisações por parte dos
alunos;
• Terceira etapa: atividades coletivas de criações livres – criações de cenas e de trilhas
sonoras em grupo (Arten et al., 2007).
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349
A partir desses procedimentos, realizados gradativamente, Juliano melhorou (e vem
melhorando) significativamente. Prova disso é que em certa ocasião (em 2011) houve um
desencontro por parte do grupo em relação a um local que tinham marcado para se encontrar,
pois iriam juntos até um teatro. Juliano não chegou na hora marcada e por isso o grupo partiu
sem ele. Para surpresa de todos, Juliano conseguiu chegar sozinho ao teatro, pois antecipou
suas ações e foi buscar na internet, o mapa de acesso ao local combinado, sem que o
incentivassem a fazer tal coisa. Esse tipo de antecipação seria impossível por parte dele no
início do processo pedagógico musical.
Isso nos aponta a importância de se promover uma educação musical calcada em
princípios metodológicos bem direcionados a partir de atividades específicas para trabalhar as
necessidades de cada aluno. Por isso, os professores de música precisam se preparar para lidar
com a inclusão, pois cada vez mais esses alunos farão parte de suas aulas.
!
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estruturação matriarcal da consciência. In: Camargo Junior. Transtornos Invasivos do
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O Rock na Musicoterapia
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Fernanda Franzoni Zaguini
UNESPAR, Campus Curitiba II - FAP
[email protected] !
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Clara Márcia Piazzetta
UNESPAR, Campus Curitiba II - FAP
[email protected]
Resumo: Essa pesquisa foi motivada pela observação de elementos que fazem parte da estética do
rock. O objetivo foi entender em que sentido o rock pode contribuir para uma experiência sensorial
transformadora na musicoterapia. Nesse gênero musical existem inúmeras possibilidades sonoras
às quais permitem que conexões sensoriais sejam estabelecidas entre os participantes, para garantir
a experiência musical do corpo e da mente. O corpo recebe as vibrações no momento em que são
tocadas as notas e percebidas pelo cérebro através dos órgãos sensoriais. Esta pesquisa bibliográfica
foi realizada através de busca em livros, artigos, revistas especializadas e bibliotecas virtuais. Os
resultados apontam para o groove e o timing como elementos importantes na reabilitação
emocional, física, psicológica e social do ser humano.
Palavras chave: rock, groove, neurociência, musicoterapia.
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!
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Abstract: This research was motivated by the observation elements that are part of the aesthetic of
rock. The objective was to understand in what sense the rock may contribute to a transformative
sensory experience in music therapy. In this genre there are numerous sonic possibilities which
allow sensory connections are established among the participants to ensure the musical experience
of body and mind. The body receives the vibrations when the notes that are played and perceived by
the brain through sensory organs. This literature was performed by searching in books, articles,
journals and virtual libraries. The results point to the groove and timing as important elements in
the emotional, social rehabilitation, physical, psychological and human.
Keywords: rock, groove, neuroscience, music therapy.
Introdução
O rock brasileiro teve início no final dos anos 50 e através de algumas bandas, influenciadas
pelo estilo Inglês e Americano de se tocar rock, abriram espaço para dezenas de outras bandas
que surgiriam apenas na década de 80. O BRock, foi uma sigla criada pelo jornalista Arthur
Dapieve para designar o período em que o rock brasileiro se consolida e adquire visibilidade:
os anos 1980 (Rochedo, 2011, p.11). Através da expressão dos jovens em resposta à política
militarista, o rock brasileiro tornou-se um poderoso elemento cultural, portanto, um
movimento que remete à mudança, flexibilidade, inquietude, transição, rebeldia e contestação.
(Rochedo, 2011). O rock nos dias de hoje faz parte da vida dos brasileiros e o que era música
de protesto se transformou em música popular consumida por pessoas de todas as idades. A
relação do rock com a sociedade atual acontece através da facilidade em acessar redes-virtuais
para escutar músicas e em descobrir os novos estilos e gêneros do rock.
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No rock brasileiro existem vários estilos desse gênero, do mais harmonioso melódico
até os mais progressistas e radicais que nos anos 1960 apontam para um sentido político
amplo, que inclui a relação de poder e contestação de costumes numa nova forma de
relacionamento musical, propondo então a troca, a integração com o grupo, estimulando o
público a sair da convencional passividade. (Rochedo, 2011). A autora considera o rock como
uma arte que surge da necessidade de enfrentarem os padrões morais e comportamentais para
que os indivíduos possam ingressar na esfera pública, assumindo responsabilidades sociais e
dando sentido às mesmas.
Quando o assunto é tocar um instrumento em uma banda de rock, a linguagem musical
se torna subjetiva, expressiva e em movimento. Esse conjunto de fatores elementares chamou
a atenção uma vez que interessa ao trabalho musicoterapêutico, ou melhor, através da prática
do rock uma experiência musical pode ser transformadora? O que a literatura descreve dessas
experiências? Na musicoterapia, o rock proporciona uma ativa relação com a performance do corpo ao
se considerar o volume dos instrumentos e o ritmo não convencional, assim como o timbre e o
timing1. A percepção que o ouvinte tem a partir dos movimentos corporais e sensoriais podem
ser reconhecidos através dos estudos dos processos psicológicos e cognitivos de tempo e
volume. Quando elementos fazem parte do fazer musical, no que diz respeito às sensações
provocadas no organismo, o rock proporciona uma experiência musical única. Para Aigen
(2001 apud Pavlicevic 2004, p. 34), o rock na musicoterapia faz sentido pelo groove2 inerente
à prática do próprio rock, uma vez que esse incorpora a ética, os valores, a estética nas
relações sociais da própria cultura.
Com base numa revisão bibliográfica, em língua estrangeira sobre o rock e seus
elementos na musicoterapia, música e neurociências (Aigen, 2005, 2014; Levitin, 2006;
Lichtehsztejn, 2009; Pavlicevic, 2004, Overy,2009), identificou-se que as atividades
musicoterapêuticas com o rock podem atingir uma variedade de indivíduos, mesmo sem
conhecimento musical prévio, pois compartilham uma construção musical envolvida pelo
timing e pelo groove. O foco da discussão sobre esses elementos musicais do rock, presentes
na literatura específica da musicoterapia, oportuniza reflexões sobre essa atividade nos dias de
hoje ao se considerar os estudos neurocientíficos em especial quanto ao tempo, o sincronismo
e atividades musicais em grupo. A partir dos estudos já realizados uma possibilidade futura é a
utilização do rock brasileiro nas práticas musicoterapêuticas pouco explorado até o momento.
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353
Os elementos do rock na musicoterapia
Da experiência musical com a prática do rock é possível à percepção das sensações reveladas
através do corpo. Na musicoterapia o rock aparece associado ao groove, ou seja, uma prática
onde se pode recriar um estilo musical a partir de seus elementos estéticos e deste modo o
corpo se envolve ao sentir a vibração de todos os instrumentos. O rock precisa da sensibilidade para acontecer e o corpo é o receptor sensorial das
vibrações do ritmo e do volume dos instrumentos amplificados.
Cada ouvinte reage
diferentemente aos timbres, as alturas e a performance, tanto por uma questão de gosto, como
também, pela forma de escuta e das sensações que são provocadas no organismo. Para alguns
pesquisadores como Baugh (2013) o rock é uma questão de timing, de saber tocar na batida ou
um pouco à frente ou atrás dela. Diferentemente, na perspectiva de Schutz e Benzon (citado
por Pavlicevic, 2004), o timing é a centralidade do tempo e o tempo de estar no tempo juntos,
numa fluência de movimentos que provocam a sensibilidade. Kenneth Aigen (2014), musicoterapeuta norte americano, usa análises musicológicas
para revelar as conexões entre os elementos da música, da cognição, do emocional e a meta
física em musicoterapia. Esse pesquisador publicou sobre a música pop norte americana em
musicoterapia e metodologias de pesquisa qualitativas. Para o autor as convenções musicais
compartilhadas têm características de um estilo, no aspecto de que qualquer estilo é
essencialmente o groove, ou seja, quando o caminho para a individualidade humana passa
pelo aprendizado social e cultural, esse tipo de engajamento cultural requer um suporte com a
música. (Aigen, 2014).
Os instrumentos geralmente utilizados em uma banda de rock variam entre bateria,
percussão, cordas, sintetizador (teclado eletrônico) e até eventualmente algum instrumento de
sopro que podem ser utilizados pelos participantes incluindo as vozes. A maneira como cada
participante interage com seu instrumento, conduz todo o movimento musical. A potência da
música em quanto ação humana dependerá de como esses participantes interagiram uns com
os outros sob a influência do ambiente em que estão. A experiência musical nesta ocasião é
um elemento que dialoga com o corpo em forma de sensações e podem ser percebidas pelo
grupo através da percepção da previsibilidade da estrutura musical, enquanto estímulos, para
que o movimento corporal possa ser suficiente para a interação da pessoa com seu
instrumento no grupo. Aigen (2002 apud Lichtenztejn, 2009, p. 39) afirma ainda que os atributos do groove
incluem aspectos de relações tonais e escalas típicas utilizadas no estilo, relações harmônicas,
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características rítmicas, estilo em produzir sons num determinado instrumento e o uso
dinâmico da instrumentação. Na medida em que se percebem os elementos do rock na
musicoterapia, podemos estabelecer durante a experiência musical, um ambiente confortável
mesmo que não familiar, para sentir a música que se estabelece pela fluência contínua do fazer
musical entre os participantes. Para a pesquisadora Katie Overy (2009), música é claramente não apenas um estímulo
passivo, um estímulo auditivo, está engajado na multissensorialidade das atividades sociais,
portanto, todos os sons musicais são criados pelos movimentos do corpo humano. O fazer
musical acontece em grupos e envolve a sincronização de ações físicas com precisão temporal
e uma extraordinária flexibilidade. (Overy, 2009, p. 489).
Daniel Levitin (2006), neurocientista comportamental americano, em seu livro “This is
your Brain on Music”, traz o tempo como um fator importante na transmissão de emoção,
pois músicas com andamentos rápidos tendem a ser considerado como felizes, e canções com
andamentos lentos como triste. Esta é uma simplificação, mas que detém uma série notável de
circunstâncias, em muitas culturas, e em toda a vida de um indivíduo.
A partir desses autores, é possível perceber o destaque dado aos elementos musicais:
tempo, timbre, intensidade. A simplicidade da estrutura musical é outro fator de destaque, pois
permite um canal acessível do participante para qualquer pessoa, inclusive sem formação
musical. Contudo, o que chama a atenção não são os elementos em si, mas sim, quando esses
estão em ação juntos. Ou seja, isso é feito por pessoas que ao participarem mantém esses
elementos, integrados. Por isso o próximo item aborda esses aspectos importantes do Groove
e do Timing, considerando o fluxo como a base para uma ação transformadora da experiência
musical. As pesquisas neurocientificas oferecem um aporte significativo para esse
entendimento.
!
Groove, timing, fluxo e neurociência
Katie Overy (2009) publica estudos sobre as pessoas tocarem juntas num mesmo tempo. Essa
experiência musical entendida como o compartilhamento de afetividade e movimento, é
colocada também como um poderoso aspecto para a terapia. A escuta musical implica em
escutar outra pessoa. Sempre que estamos em experiências musicais estamos trocando ou
compartilhando experiências entre pessoas. A experiência de estarem sincronizados no tempo
e ainda no ambiente musical, com a flexibilidade e variedade humana cria-se um poderoso
sentimento de união e demonstra aos ouvintes a cooperação e a força de um grupo social.
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(Overy et al., 2009 p. 495). Portanto, para a autora, parece provável que a experiência
compartilhada da imitação, sincronização e afetos, são elementos chave do comportamento
musical, que podem ser cruciais ou ao menos importantes na musicoterapia. A pesquisadora
destaca também a ação do Sistema de Neurônios Espelho nessas atividades. A sensação de conforto nas relações sociais é relevante para analisarmos como na
musicoterapia são utilizados os improvisos nos estilos populares. (Aigen, 2014). Se
observarmos que no estilo do rock existem características peculiares na maior parte das
bandas, é necessário perceber através das características culturais de um grupo, o groove que
se estabelece. Para Aigen (2002, apud, Lichtenztejn, 2009, p. 39), a maneira como o paciente
vivencia as relações inter e intrapessoais, ou seja, suas vivências subjetivas e também as
relações na prática musicoterapêuticas, podem ser reveladas a partir dos atributos da música
criada por aquelas pessoas da mesma cultura como uma expressão da experiência coletiva.
A linguagem musical do rock em geral, compõe-se de uma simplicidade em desenrolar
o ritmo, a melodia e o volume dos instrumentos. A sensação de conforto que a música
proporciona começa no próprio corpo e em como ele se torna uma fonte de prazer e não
apenas uma fonte de frustração, que se estende para a aceitação social com os colegas do
grupo, portanto expande-se para uma cultura maior através das relações. (Aigen 2014). Essa
dinâmica acontece quando todos os instrumentos se conectam numa mesma linguagem
musical. O timbre dos instrumentos define a intensidade, o volume e o timing, para criar-se
então, o ambiente do fluxo.
Levitin (2006), sustenta que a música rock tem timbres novos, não familiares e
emocionantes. No rock em sua performance ou na maneira em que os instrumentos são
combinados, cria-se um sistema que unifica todos os instrumentos: o baixo, a bateria, a
guitarra e a voz, que pode gerar algo novo e inusitado. O que se pode definir desse gênero
musical é que o timbre de um grupo de rock para outro é estritamente diferente.
Estudos neurocientíficos sobre a percepção musical descrevem a música pela
funcionalidade da mente humana, como processos psicológicos e cognitivos para o
entendimento do tempo, da melodia, da intensidade, dos timbres como um todo; um fluxo
contínuo. Levitin (2006) aceita a questão de que o movimento das melodias e dos timbres
entra em sincronia em outra dimensão quando a música começa a ser tocada e define o fluxo
como a modificação do som ao ser iniciado. ‘Fluxo’, também foi definido por Pavlicevic
(2004), como o continuo movimento de energia. Essas movimentações podem ser observadas
pelas amplitudes das freqüências que define o fluxo no desenvolvimento da música. As ondas
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sonoras chegam ao nosso corpo e servem de estímulos para o organismo, motivado pela
sensoriedade das funções neurológicas.
Na musicoterapia a fim de estabelecer uma continuidade no processo terapêutico, o
musicoterapeuta faz as intervenções para que, cada participante possa fazer parte do fluxo na
experiência. Trabalha-se assim com resposta sensorial, movimento, precisão, velocidade, a
construção psicológica e o volume também são observados para alcançar a estabilidade
positiva e proporcionar uma experiência musical transformadora com os elementos da música
e os elementos do rock.
!
Considerações Finais
Considerando a junção entre uma experiência pessoal como instrumentista em grupo de rock
com esse estudo bibliográfico, chegou-se a alguns entendimentos dos elementos da música e
elementos que constituem um estilo musical. O timbre dos instrumentos revela o estilo do
rock proposto pelos participantes, assim como o tempo da música, define o andamento da
melodia. A intensidade pode variar de um estilo de rock para outro, ou seja, a música pode se
tornar mais intensa ou menos variando de acordo com a proposta musicoterapêutica. Desta
forma é possível identificar no groove o timing de cada participante em relação à música
tocada para sustentar o fluxo. Os estudos neurocientíficos contribuem para musicoterapia em compreender a
experiência musical vivida pelo ser humano a partir da percepção e sensoriedade. Na
musicoterapia as ações das atividades musicais estão voltadas para o indivíduo e em como a
música contribui para este indivíduo se relacionar com o mundo externo de forma saudável.
O rock na musicoterapia pode contribuir com a sociabilização do participante no grupo.
A ação do sistema dos neurônios espelho favorece a previsibilidade, a imitação, as ações
motoras, o reconhecimento da intencionalidade, integrando-o a um contexto musical que
proporciona através do ritmo do rock, uma efetividade motriz, social, emocional e psicológica
do indivíduo. Compreendeu-se através deste estudo que o groove e o timing nos momentos
musicoterapêuticos com o rock, promovem uma naturalidade no indivíduo de ambientar-se
confortavelmente, revelando a importância destes elementos para ação transformadora na
experiência pessoal de cada um, através da musicoterapia. Dentro deste contexto esta pesquisa
abre a possibilidade de novos estudos com o rock brasileiro pouco explorado na literatura da
musicoterapia.
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357
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Extraído de: http://www.historia.uff.br/stricto/td/1525.pdf 1
Timing significa o momento onde acontece a sincronicidade dos instrumentos rítmicos com as
melodias. O timing no rock é a escolha do instante onde a intensidade pode acontecer. Tradução própria. (Baugh,
2013).
2
O groove refere-se a um sentido intuitivo de estilo como processo. Uma participação cheia de
sentimento positivo, onde a ranhura é um lugar confortável para ser. (Aigen, 2001, apud Pavlicevic, 2004, p.85).
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Evidências do processamento auditivo-musical nos
transtornos do espectro autista
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Gustavo Schulz Gattino
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
[email protected]
Igor Ortega Rodrigues
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Programa de Pós-graduação em Saúde da Criança e do Adolescente
[email protected]
Gustavo Andrade de Araujo
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Programa de Pós-graduação em Saúde da Criança e do Adolescente
[email protected]
Resumo: o processamento auditivo- musical de indivíduos com transtornos do espectro autista
(TEA) pode ser explicado por uma capacidade auditiva menos complexa ou por uma capacidade
auditiva focal. O objetivo deste estudo de revisão é discutir estas duas teorias a partir de achados
da literatura dos últimos sete anos. Os resultados da revisão apontam para prejuízos no
processamento da música relacionados a um crescimento cerebral precoce (do nascimento até os
seis anos de idade) e por alterações de funcionamento em áreas como o cerebelo, córtex
orbitofrontral, núcleo caudado e neurônios espelho. Ainda que várias evidências já tenham sido
descobertas, este tema precisa ser melhor explorado em estudos de ressonância magnética
funcional em amostras maiores do que as já estudadas para a obtenção de evidências mais
contundentes. Pode-se afirmar a partir dos estudos encontrados que a música causa um efeito único
para os indivíduos com TEAs e que os resultados destes estudos podem ser aproveitados para
intervenções terapêuticas.
Palavras-chave: música, transtornos do espectro autismo, processamento auditivo musical
!
Title: Evidence from the auditory-musical processing in autism spectrum disorder
Abstract: autism spectrum disorders (ASD) represent a complex behavioral disorder with multiple
and different levels of severity etiologies. These disorders are characterized by impairments in
social interaction, communication and the fixation on routines and interests. The auditory -musical
processing in these individuals can be explained by a less hearing capacity or by a focal hearing.
It is suspected that the damage in music processing are related to early brain growth until and by
alterations of functioning in areas such as the cerebellum, orbitofrontral cortex, caudate nucleus
and mirror neurons. Although several evidences have been discovered , this issue needs to be
further explored in studies of functional magnetic resonance imaging in larger samples than have
been studied to obtain corroborative evidence . What can be said is that music causes a unique
effect on these individuals and these can be exploited for therapeutic interventions as the music
therapy intervention.
Keywords: music, autism spectrum disorder, auditory-musical processing
!
Introdução
Os transtornos do espectro autista (TEA) representam uma desordem comportamental
complexa, com etiologias múltiplas e diferentes níveis de gravidade (Amitai et al ., 2012;
Hurwitz et al .,2012 ). Estes transtornos são caracterizados por prejuízos na interação social,
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comunicação e pela fixação em rotinas e interesses. Os TEA são diagnosticados a partir dos
três anos de idade e atualmente não há um marcador biológico que defina a presença ou a
ausência do autismo. No entanto, existem várias alterações neurológicas comuns apresentadas
pelos indivíduos com TEA. Estas alterações neurológicas estão diretamente relacionadas com
os efeitos neurofisiológicos nestes indivíduos. Dessa forma, o objetivo deste manuscrito é
descrever estas alterações e correlacionar com os efeitos da música nestes indivíduos.
!
Considerações do processamento auditivo musical nos TEA
Os indivíduos com TEA apresentam um funcionamento sensorial atípico (Samson et al.,
2011). No entanto, este funcionamento no que se refere à música ainda não é compreendido
totalmente pelos pesquisadores (Wan et al., 2012). O processamento auditivo- musical é
explicado por uma série de teorias. No entanto, não há um consenso sobre elas. Alguns
relatam que os indivíduos com TEA possuem uma capacidade auditiva menos complexa do
que os indivíduos de desenvolvimento típico. Outros atribuem uma capacidade auditiva focal
nos TEA, enquanto que o esperado seria uma capacidade auditiva global. Esta capacidade
auditiva focal pode também explicar os casos dos grandes gênios musicais autistas que
apresentam uma grande habilidade para tocar e compreender estruturas musicais complexas
da música que no entanto, não conseguem muitas vezes perceber o sentido metafórico ou
sentimental presente numa determinada peça (Wan et al., 2012).
Suspeita-se que o processamento auditivo-musical possa ser explicado em primeira
instância pelo crescimento precoce do cérebro de uma pessoa com TEA desde os primeiros
meses até os 5 anos de idade (Rapin & Goldman, 2008). Este crescimento causa um aumento
anormal no peso e no volume cerebral que afeta tanto a massa cinzenta quanto a substância
branca (Ecker et al., 2012). Essas diferenças anatômicas estruturais são mais proeminentes
durante a vida pós-natal precoce e a infância. Devido a este crescimento anormal, algumas
áreas cerebrais ficam mais desenvolvidas do que outras e dificultam a transmissão de
informações de forma homogênea para diferentes áreas do cérebro.
Neste sentido, o
processamento auditivo-musical ocorre nas pessoas com autismo assim como o trânsito em
uma grande cidade: ele acontece, porém de uma forma mais lenta que o normal (isto
explicaria o processamento menos complexo). Ao mesmo tempo, um crescimento cerebral
precoce pode resultar em algumas áreas do cérebro maiores do que outras. Dessa forma, o
indivíduo poderá ter um grande desenvolvimento de áreas do lobo temporal e frontal ( tal
como
ocorre em muitos indivíduos) e estes irão apresentar um processamento auditivo-
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360
musical focal.
Existem ainda algumas diferenças anatômicas em regiões específicas do sistema
nervoso central como o cerebelo, o complexo
amígdala-hipocampo, as áreas de Broca e
Wernicke, o córtex orbitofrontal e o núcleo caudado (Wan et al., 2012) em pessoas com TEA.
Assim, vamos destacar a relação de algumas destas com o processamento auditivo-musical.
As alterações do cerebelo envolvem tanto funções cognitivas como funções sócioemocionais no indivíduo (Fatemi et al., 2012).
Anomalias nesta região podem causar
prejuízos na percepção rítmica em indivíduos com autismo grave ou profundo e ao mesmo
tempo explicam as dificuldades destes indivíduos em expressar ou compreender sentimentos
complexos na música. Dentro do cerebelo há uma região nomeada vérmis anterior e esta
região é responsável pelo controle do ritmo no nosso corpo. Indivíduos com autismo leve ou
moderado dificilmente apresentam prejuízos nesta região.
Anormalidades no córtex orbitofrontal e núcleo caudado talvez sejam as mais
intrigantes para o entendimento dos efeitos neurofisiológicos nos TEA. Estas regiões estão
diretamente relacionados a comportamentos repetitivos e estereotipados e prejuízos sócioemocionais (Travers et al., 2012). Ao mesmo tempo, estas regiões também estão relacionadas
diretamente com o processamento musical. O córtex orbitofrontal é um dos centros de
processamento musical no cérebro e é responsável por nossas respostas mais complexas
relacionadas à música no que diz respeito à compreensão de suas estruturas (harmonia,
melodia), atribuição de significados metafóricos e relação direta com a sensação de prazer de
expectativa (sentir prazer por esperar uma determinada parte da música). A região do núcleo
caudado (localizada nos gânglios da base) está diretamente relacionada com a liberação do
neurotransmissor dopamina (relacionado à sensação de prazer) no encéfalo. Esta liberação de
dopamina ocorre quando a pessoa sente prazer ao escutar música. Portanto, o estímulo
musical pode ser usado para estimular habilidades sócio-emocionais e diminuir
comportamentos repetitivos e estereotipados justamente por sobrepor áreas responsáveis por
estas funções, como é feito pela musicoterapia (Kim et al., 2008; Gattino et al., 2011).
Alguns estudos têm indicado outras peculiaridades do processamento auditivo-musical
principalmente ao que se refere à compreensão e expressão de sentimentos atribuídos à
música (Lai et al., 2012). A percepção de sentimentos em expressões faciais é um dos grandes
desafios para pessoas com TEA (Peterson et al., 2012). O conteúdo emotivo dessas expressões
torna-se muitas vezes imperceptível para estes indivíduos. Todavia, a percepção de
sentimentos como alegria e tristeza numa peça musical é processada da mesma forma nos
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361
indivíduos com TEA quando comparados com pessoas de desenvolvimento típico (Quintin et
al., 2012). Em outras palavras, o entendimento de sentimentos num contexto musical torna-se
mais claro para um sujeito com TEA do que a visualização de expressões faciais (Bhatara et
al., 2010). O mesmo pode ser dito para a expressão de sentimentos. Muitas vezes as pessoas
com TEA têm dificuldade para expressar através de gestos, expressões faciais e através da
linguagem verbal o que sentem (Peterson et al., 2012). Entretanto, no contexto musical há
uma manifestação de emoções mais evidente que permite muitas vezes que a música seja um
facilitador de comunicação para estes indivídos (Quintin et al., 2011). Ainda, indivíduos com
TEA possuem mais facilidade para memorizar a percepção de alturas sonoras em comparação
com indivíduos típicos. Estes fatores descritos acima evidenciam ainda mais a possibilidade
do uso da música para fins terapêuticos, como já realizado e evidenciado pelos estudos da
musicoterapia (Kim et al., 2008; Gattino et al., 2011).
Outra região de extrema importância para a compreensão do processamento auditivomusical são os neurônios espelho. Estes estão associados ao processo de imitação e memória
musical (Wan et al., 2010). Quando ouvimos uma música ou assistimos a execução de uma
peça que sabemos tocar ou cantar, o nosso cérebro ativa áreas (neurônios espelho) com a
intenção de tocar ou cantar mentalmente aquela canção que já foi aprendida num primeiro
momento.
Neste sentido, essa sobreposição de áreas relacionadas com prejuízos nos TEA e
habilidades musicais, faz com que o sujeito com TEA estimule algumas áreas prejudicadas
por outras vias (estímulos musicais) e dessa forma restabeleça algumas funções antes
prejudicadas (Thaut et al., 2009). A imitação musical normalmente não está afetada nestes
indivíduos.
!
!
Considerações finais
Diversas evidências apontam para um funcionamento auditivo-musical diferenciado em
pessoas com TEA. No entanto, esse funcionamento precisa ser melhor explorado em estudos
de ressonância magnética funcional em amostras maiores do que as já estudadas para a
obtenção de evidências mais contundentes. Ao mesmo tempo, poucos estudos discutem as
grandes capacidades musicais de autistas de alto funcionamento e
esses estudos ainda
precisam ser melhor avaliados para que se possa entender o que ocorre no sistema nervoso
central destes indivíduos enquanto tocam ou escutam música. O que se pode afirmar é que a
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362
música causa um efeito único para os indivíduos com autismo e os resultados dos estudos
apresentados neste manuscrito podem ser aproveitados para intervenções terapêuticas.
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364
Cognição musical e saúde: musicoterapia na reabilitação da linguagem:
estudo de caso
Maria Helena Bezerra Cavalcanti Rockenbach
AACD-RS – Associação de Apoio à Criança com Deficiência
[email protected]
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Resumo: Este trabalho tem por objetivo demonstrar como a utilização da Musicoterapia e de
canções pode ajudar na reabilitação da linguagem em pacientes afásicos, com sequelas de AVC
isquêmico e/ou hemorrágico. Será descrito um estudo de caso de A. S. (53 anos), vítima de um
acidente cerebral isquêmico submetido a sessões de Musicoterapia em um Centro de Reabilitação
Neurológica em Porto Alegre. Através da musicoterapia neurológica foram desenvolvidas técnicas
e estratégias musicais para o treinamento motor, sensorial e cognitivo da linguagem, com o
objetivo da reabilitação, do desenvolvimento e do funcionamento adaptativo. Entre os resultados
obtidos observou-se a melhoria no canto, na inteligibilidade da fala e produção fonêmica através
de pistas visuais e auditivas, melhora da articulação e do ritmo durante a fala e adequação do
paciente à sua condição atual.
Palavras-chave: musicoterapia, música, reabilitação da linguagem
!
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Abstract: This work aims to demonstrate how the use of music therapy and songs can help in
language rehabilitation in aphasic patients with sequelae of ischemic stroke and/or hemorrhagic.
A case study will be described in A. S. (53 years), a victim of cerebral ischemic accident
underwent music therapy sessions in a Neurological Rehabilitation Center in Porto Alegre.
Through neurologic music therapy techniques and musical strategies for sensory, motor and
cognitive training of language with the goal of rehabilitation, development and adaptive
functioning were developed. Among the results were observed improvement singing, speech
intelligibility and phonemic production through visual and auditory cues, improved articulation
and rhythm during the speech and the adequacy of the patient's present condition. Keywords: music therapy, music, language rehabilitation
Comunicação verbal e musical: semelhanças entre a linguagem verbal e musical.
Processamento musical no cérebro
A linguagem verbal como a musical são propriedades inerentes ao ser humano e permitem o
intercâmbio de mensagens produzidas com uma clara intencionalidade expressiva e
comunicativa. Não há canção sem versos, sem melodia. Música e poesia têm na canção
consolidada sua união. A função da melodia é dar suporte à palavra, da qual é inseparável. A
canção é vista como um todo composto por unidades mínimas de significado, oriundas da
fusão da linguagem verbal com a musical. Essas unidades são articuladas por meio de uma
dinâmica. Texto, ritmo, melodia, harmonização vocal e instrumental, estilo, caráter, tessitura,
extensão, personagem, gestual fazem parte da composição de uma canção. Cantar envolve a
fusão da música e da linguagem ao longo de um espectro contínuo.
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365
Há paralelos possíveis entre a linguagem e a música do ponto de vista neurofuncional.
Ambas são
responsáveis pela recepção e pelo processamento auditivo (fonemas, sons), visual
(grafemas da leitura
verbal e musical), da integridade funcional das regiões
envolvidas com atenção e memória e das estruturas
[...] responsáveis pelo
encadeamento e organização temporal e motora necessárias para a fala e para a
execução musical (Muszkat, Correia e Santos, 2000, p. 73).
!
Mas há aspectos específicos da linguagem musical apontados por Monmany (citados
por Ferrari, 2007), que são: a) a dimensão artística da linguagem da música que confere às
construções sonoras uma significação essencialmente distinta da significação baseada em
conceito da linguagem; b) o fato de que na linguagem verbal nem todas as combinações de
possíveis fonemas são incorporadas na fala e tampouco adquirem significado, ao contrário da
música, em que todas as combinações sonoras são, a priori, possíveis e podem alcançar um
significado e c) a dimensão harmônica da música que torna possível combinar sons de
diferentes alturas emitidos simultaneamente. Investigações sobre linguagem e música no cérebro (Patel, 1998a; 2003b ) evidenciam
que, na linguagem, os padrões tonais correspondem à trajetória das frequências fundamentais
de vogais que originam a entonação da fala. E na música os padrões tonais são determinados
pela trajetória das frequências fundamentais das notas musicais que caracterizam as melodias,
que, no canto, correspondem à trajetória das vogais nas sílabas. Borchgrevirk (1991) descreve como melodias são predominantemente rítmicas ou
predominantemente melódicas. Essa predominância influencia o grau de lateralização
hemisférica. Portanto, diferentes melodias conduziriam a diferentes níveis de envolvimento.
Esta teoria também apoia a utilização de canções no tratamento de distúrbios da comunicação,
devido a esse engajamento bilateral. É provável que as melodias rítmicas sejam mais úteis
para estimular o hemisfério esquerdo em pacientes com lesões no hemisfério esquerdo (HE) e
a utilização de frases mais melódicas indicadas para pacientes com danos no hemisfério
direito (HD). Zatorre (1984) descobriu que o hemisfério esquerdo ativa o início de um canto,
mas o desempenho do canto só ocorre quando ambos os hemisférios são simultaneamente
ativados. Correia et al (1998) pesquisaram a lateralização das funções musicais em pacientes
com epilepsia parcial e sem conhecimento musical. Na investigação foi inferido que a
presença do foco no hemisfério cerebral direito afeta o desempenho de reconhecimento
melódico. E nos casos com foco no hemisfério esquerdo, a reprodução e a organização rítmica
estão mais comprometidas.
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366
Na mesma direção, Muszkat (2012) e Ballone (2010) referem a existência de uma
lateralização hemisférica para a música, ou seja, o hemisfério direito apresenta-se
preponderante para a discriminação do contorno melódico, do aspecto emocional da música e
dos timbres nas regiões temporais e frontais, enquanto o ritmo, a duração, a métrica e a
discriminação da tonalidade ocorrem no hemisfério esquerdo do cérebro. O hemisfério
cerebral esquerdo também processa a altura, estando relacionado exatamente com as áreas da
linguagem, que reconhecem a sintaxe musical. A figura a seguir ilustra o processamento das
funções musicais no cérebro:
Figura 1. Processamento musical no cérebro. Fonte: Levitin, 2010
!
Pelo que foi exposto, pode-se concluir que durante as atividades musicais que realizamos,
seja de percepção, execução ou composição da música, as mesmas envolvem bilateramente
regiões em todo o cérebro. No entanto, todas essas informações sobre o funcionamento
cerebral só puderam ser obtidas a partir do desenvolvimento de tecnologias de neuroimagem,
como magnetoencefalografia (MEG), tomografia por emissão de pósitrons (TEP) e
ressonância magnética funcional (RMF). E, com certeza, devido à complexidade e questões
abertas sobre o tema, muito ainda terá que ser explorado nessa área.
Musicoterapia na reabilitação neurológica de afásicos: neuroanatomia e patologias da
linguagem e intervenções musicoterapêuticas
Para uma melhor intervenção musicoterapêutica com pacientes afásicos e saber sobre o seu
funcionamento, é necessário ter, além de nossa musicalidade como musicoterapeutas, o
conhecimento de aspectos de anatomia e de patologias da linguagem. As atividades musicais
devem ser adaptadas ao nível de dificuldade do paciente e classificadas, segundo Davis
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367
(2000), dentro das categorias de estímulo sensorial, reabilitação da memória, reabilitação da
percepção e das estratégias de execução.
No entendimento atual, conforme (Pedroso & Rotta, 2006), as áreas instrumentais da
linguagem anatômica para uma melhor compreensão dos distúrbios de comunicação são: 1.
Área de Broca. 2. Fascículo arqueado. 3. Área de Wernicke. 4. Circonvulação angular ou
prega curta. 5. Circonvulação supramarginal. 6. Fibras de associação (corpo caloso +
fascículo arqueado). 7. Áreas subcorticais (quadrilátero de Pierre Marie + tálamo). 8. Área
frontomesial anterior e 9. Hemisfério direito não- dominante, responsável pela prosódia e
pelo pragmatismo.
Patologias da linguagem, segundo os autores, afetam a comunicação oral e dependem
da lesão do sistema nervoso. Lesões do sistema nervoso podem provocar disfonias, disartrias
e afasias. Disfonias são alterações da fonação e ocorrem em afecções primitivas da linguagem
e lesões nervosas que afetam as cordas vocais. Disartrias são distúrbios articulatórios
condicionados por lesões do sistema nervoso periférico e podem ser decorrentes de múltiplas
causas. A fala é lenta, monótona, anasalada, disfônica, de difícil compreensão. Afasias são
definidas como alteração da compreensão e/ou produção de mensagens verbais devido a uma
lesão cerebral recente, adquirida do sistema nervoso central. A etiologia predominante nos
afásicos são os acidentes vasculares cerebrais (AVCs) e traumatismos cranianos (TC). Os dois
tipos de acidentes vasculares cerebrais (AVCs), que provocam afasias são: 1. Acidente
vascular isquêmico (AVCI) em que um coágulo bloqueia o fluxo sanguíneo uma área do
cérebro e 2. Acidente vascular hemorrágico (AVCH) em que o sangramento ocorre dentro ou
em volta do cérebro.
Os dois tipos de afasias mais observadas nos pacientes em reabilitação são: A afasia de
Broca e a afasia de Wernicke. 1. A afasia de expressão ou motora ocorre na área de Broca
(região posterior, inferior, no hemisfério dominante para a linguagem-HE). Compreende a
artéria cerebral média (divisão superior), provoca agramatismo (alteração morfossintática) e é
usualmente associada à disartria espástica. O insight é preservado, há déficits neurológicos
adicionais comuns e o campo visual está intacto. 2. A afasia de Wernicke é uma lesão do giro
superior/posterior do lobo temporal esquerdo e atinge a artéria cerebral média (divisão
inferior). A compreensão e a escrita são alteradas, há parafasias e jargões. A fala é composta
de muitas palavras de função e poucos substantivos ou verbos. Há quadrantopsia superior e
hemianopsia. Tal mapeamento sugere que nesses locais seriam processadas algumas das
habilidades necessárias para produção e interpretação da fala.
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368
As neurociências têm demonstrado como a experiência musical modifica
estruturalmente o cérebro. Segundo Muszkaft (2012), citado anteriormente, as alterações
fisiológicas decorrentes da audição musical são múltiplas e vão desde a modulação
neurovegetativa dos padrões de variabilidade dos ritmos endógenos, da frequência cardíaca,
dos ritmos respiratórios, dos ritmos elétricos cerebrais, dos ciclos circardianos de sono vigília,
até a produção de vários neurotransmissores ligados ao sistema de recompensa e prazer e ao
sistema de neuromodulação da dor. O mesmo autor também afirma que treinamento musical e
exposição prolongada à música prazerosa, aumentam a produção de neurotrofinas produzidas
em nosso cérebro, em situações de desafio. Isso pode determinar não só aumento da
sobrevivência de neurônios como mudanças de padrões de conectividade na chamada
plasticidade cerebral. Graças à plasticidade cerebral, a música hoje é compreendida como
uma ferramenta eficaz de efeitos positivos na atenção, no processamento semântico, na
memória, nas funções motoras e nas emoções do indivíduo.
Sacks (2007), Kolb & Wishaw (2002) citam casos de afásicos que perderam a
capacidade de elaboração da linguagem oral, incapazes de falar, mas que, apesar disso,
preservaram a sua habilidade musical. Cantar músicas e praticar exercícios vocais pode,
portanto, ajudar pacientes afásicos a melhorar a sua extensão vocal e a naturalidade da sua
voz. Como a linha melódica de uma canção frequentemente contém um maior número de
frequências vocais do que uma expressão falada, o ato de cantar dá oportunidades para
modificar e ampliar o pitch de uma pessoa com anormal ou pouca frequência vocal, como
veremos em nosso estudo de caso. !
Estudo de caso: A. S. (53) afásico
A. S. é um paciente diabético, hipertenso e fumante, com alteração da fala e de memória. A
hipótese, inicialmente diagnosticada pelos médicos, foi afasia de expressão. Teve um acidente
vascular isquêmico (AVCI) embólico em maio de 2009, o qual resultou em afasia e
hemiparesia direita. A tomografia computadorizada de crânio (TC), feita em 08/07/2009, deu
como laudo: lesão de possível etiologia isquêmica, em território de artéria cerebral média,
sem desvios de estrutura de linha média, sem efeito de massa. A.S. foi encaminhado ao setor
de Musicoterapia pela Avaliação Global de Adultos do Centro de Reabilitação Neurológica.
Iniciou no setor de Musicoterapia em 10/07/2011, com atendimento individual semanal, de
40min, e teve alta do setor em 19/12/2012. Também frequentou o grupo fono e música,
semanalmente, e, atualmente, segue as orientações da musicoterapeuta em âmbito privado.
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Os objetivos a
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curto prazo com A. S. foram: a) estimular a comunicação musical,
verbal e gestual; b) melhorar a frequência de palavras no canto de canções; c) melhorar a
prosódia e articulação das palavras e d) melhorar a autoestima e a memória. Os objetivos a
longo prazo foram: a) melhorar a inteligibilidade da fala e articulação das palavras; b)
melhorar a articulação e o ritmo durante a fala espontânea; c) estimular o raciocínio, a
memória, planejamento de ações e o juízo crítico ; d) possibilitar a catarse de sentimentos e
emoções e e) adequar o paciente à sua condição atual.
!
Métodos, técnicas e instrumentos musicais utilizados no processo musicoterapêutico
Foram utilizadas as seguintes técnicas de musicoterapia neurológica: movimento pela música
(Thaut e Davis); b) terapia de entonação melódica (MIT),1 com o objetivo de melhorar a
linguagem através do canto; c) treinamento musical e sensorial de orientação (MSOT); d)
treinamento para o controle da atenção (MACT); e) treinamento das funções executivas e f)
execução instrumental terapêutica. Além dessas técnicas, outras foram utilizadas tais como as
técnicas de: a) audição, re-criação, improvisação e composição musical (Bruscia , 2000); b)
expressão gestual e corporal para comunicação da musicalidade; c)
utilização de fotos,
parlendas, títulos e frases de canções e d) pranchas musicais feitas pela musicoterapeuta.
Os instrumentos musicais terapêuticos mais utilizados foram o piano e/ou teclado para
melhorar funções do paciente e possibilitar movimentos mais precisos na coordenação dos
membros superiores (MMSS), bem como em atividades de percepção rítmica, temporal e
espacial. Os instrumentos de percussão como bateria, pandeiros, chocalhos e guizos também
auxiliaram na discriminação auditiva para favorecer o reconhecimento sonoro/melódico,
auxiliar no processo terapêutico da reabilitação da fala e proporcionar melhor organização e
planejamento. !
Resultados obtidos
A afasia não pode ser curada, mas a intervenção musicoterapêutica pode fazer com que muitas
pessoas possam compreender e produzir uma linguagem de forma mais eficaz, em parceria
com a Fonoaudiologia, para se comunicar melhor com os outros.
Na alta de A. S. puderam ser inferidas, através da avaliação de sessões em vídeos,
melhoria no canto, na percepção rítmica e melódica, na inteligibilidade da fala e melhor
produção fonêmica através de pistas visuais e auditivas. A. S. pode perceber e comparar
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alturas, intensidades, duração e timbres, bem como diferenciar sons com alturas definidas.
Também foi observada melhora da articulação do ritmo durante a fala espontânea, na
articulação dos fonemas s/z/f/v/e/r (comprovados pela fonoaudióloga do paciente) e na leitura
compreensiva. As intervenções musicoterapêuticas, além da reabilitação física do paciente,
também se mostraram relevantes na parte emocional, atenuando sintomas de depressão e
ansiedade, levando A. S. a se adaptar à situação atual e a conviver com suas limitações e
potencialidades.
A inclusão da Musicoterapia e de musicoterapeutas na reabilitação da fala ainda
necessita de muitas incursões no campo das Neurociências e da Música, mas acreditamos em
um futuro promissor, com pesquisas e investigações, baseadas em evidências, contribuindo
para as ciências e consolidando nossa prática como profissionais.
!
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1 A terapia
de entonação melódica (MIT) foi criada por Spakes, Helm e Albert, em 1973, para solucionar
problemas de comunicação em pacientes com afasia não fluente, como as de Broca. E ainda hoje é utilizada por
musicoterapeutas e fonoaudiólogos como forma de estimulação da linguagem verbal.
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Diálogos entre Musicoterapia e Neurociências: Música e Saúde
!
Clara Márcia Piazzetta
UNESPAR – Campus II FAP
[email protected]
!
Resumo: Neste trabalho são apresentados os resultados parciais de uma pesquisa bibliográfica
sobre o tratamento dado à Música em Musicoterapia nos trabalhos em Musicoterapia e Neurologia.
A pesquisa tem por objetivo conhecer as experiências musicais dessa prática e como a Música é
considerada ao envolver as estruturas e o funcionamento cerebral em ação, a plasticidade cerebral.
O desenho de pesquisa segue por busca textual em periódicos indexados brasileiros, estrangeiros e
Anais de Congressos nas áreas de Musicoterapia, Neurologia e Neurociências. Os dados parciais
revelam o interesse das áreas da saúde, pelos estudos do impacto das técnicas baseadas na música,
e musicoterapia em pessoas, com traumas pós acidente vascular cerebral, degeneração do cérebro e
aspectos cognitivos no espectro autista. Até esse momento foi necessária uma mudança de
dimensão da pesquisa para o âmbito de música e saúde uma vez que muitas destas pesquisas são
realizadas por pesquisadores não musicoterapeutas. O entendimento do diálogo existente entre
musicoterapia e neurociências e o tratamento dado à música é perpassado do estudo de pesquisas
em Música e Saúde.
Palavras-chave: saúde, música, neurociência, musicoterapia.
!
!
Title: Dialogues between Neuroscience and Music Therapy: Music and Health
Abstract: In this work the partial results of a literature search on the treatment given to Music in
Music Therapy jobs in Neuromusic therapy are presented . The research aims to understand the
musical experiences of this practice and how music is considered to involve the structures and
functioning brain in action , and thus , brain plasticity . The research design follows a text search
on Brazilian and foreign Annals of Congress in the areas of Music Therapy , Neurology and
Neuroscience journals indexed . The preliminary data show the interest of the health field, about
the studies of the impact of music - based techniques and music therapy in people with post stroke,
brain degeneration and cognitive aspects in the autistic spectrum. Until that time it was necessary
to change the size of the research to the field of music and health since many of this research is
developed by researchers not music therapists . Understanding the existing dialogue between
neuroscience and music therapy and the treatment given to the music requires the study of music
and health research
Keywords: health, music, neuroscience, music therapy.
Introdução
O campo da reabilitação neurológica com o uso de atividades musicais é relativamente
recente. Em Musicoterapia tem-se o registro da importância de estudos do cérebro desde as
primeiras publicações de Gaston (1964 e 1968). Para esse autor a estética da música vinha ao
encontro de explicações biológicas para o interesse do homem pela música. Ao final do século
XX em meados de 1990, Michael Thaut sistematizou a proposta por ele denominada
Musicoterapia Neurológica com uma premissa básica: por atividades musicais coloca-se em
ação áreas não musicais. Esse autor a define como: “aplicação terapêutica da música para
estimular mudanças nas áreas cognitivas, motoras e de linguagem após doença neurológica”.
(Moreira et al, 2012). No Brasil Correa et al (1998) estudaram a lateralização das funções
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musicais e discutiram aspectos cognitivos da experiência musical considerando o
funcionamento do hemisfério direito (HD) e hemisfério esquerdo (HE).
A publicação de estudos neurocientíficos sobre música e cérebro é fluente na Academia
de Ciência de Nova York (New York Academy of Sciences) no século XXI. Eles estão
permeados por uma [inter]ação terapêutica da música sobre a mente e o corpo das pessoas.
Deste modo, entender o poder de ação da música envolve compreender o funcionamento e a
estrutura cerebral envolvidos na percepção dos elementos da música e também da experiência
musical em sua totalidade. Existe um interesse significativo da área da saúde (neurologia e
neurociências) quanto aos efeitos da terapia do movimento, terapia baseada na música, terapia
da fala, terapia da entonação melódica, e da musicoterapia sobre o cérebro de pessoas que
sofreram lesões por acidente vascular cerebral, traumatismo crânio encefálico e degeneração
neurológica (Overy, & Molnar - Szakacs, 2009; Schlaug, et al. 2011; Schlaug, et al, 2009;
Schlaug, 2010; Bunketorp Käll et.al 2012; Kim & Tomaino, 2008; Jun et al. 2012, Zipse et al.
2012). Um interesse foi encontrado também com os estudos de trabalhos com crianças
autistas (Srinivasan & Bhat, 2013; Gattino et al. 2011). A escuta e a produção musical ativam
múltiplas estruturas cerebrais envolvidas em processos cognitivos, sensoriomotores e
emocionais (Koelsch, 2009). O campo da neuromusicoterapia mostra-se como uma parte
deste universo que se redimensiona quanto ao uso da Música na Saúde. É certo que no campo da prática clínica de base neurológica, o resultado das ações
destas experiências musicais mostra-se muito pontual. Ou seja, os programas de reabilitação
neurológica consideram a capacidade de aprender e reaprender de cada pessoa. Aprender
pelas atividades musicais competências não propriamente musicais. Os programas de
neuroreabilitação com a música usam de atividades rítmicas, melodias e de movimento com
células rítmicas e ou melódicas algumas vezes separadamente. Muito do contexto musical,
como um todo, mostra-se diferente devido à sua aplicabilidade funcional. Com isso o
questionamento básico dessa pesquisa é: como a Música é considerada nesses contextos
compreendendo a existência de um diálogo entre Musicoterapia e Neurociências? A pesquisa tem por objetivo conhecer, nesse universo, as experiências musicais e como
a Música é considerada ao envolver as estruturas e o funcionamento cerebral em ação, a
plasticidade cerebral. Os resultados parciais mostram a amplitude desse estudo que de a uma
única linha de trabalho, neuromusicoterapia, chega à Música e Saúde. O interesse da
neurociência recai sobre o resultado da utilização da Música (por musicoterapeutas ou não) no
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374
Na neuromusicoterapia o foco está na aplicação de técnicas musicais /
musicoterapêuticas específicas conforme a necessidade do paciente. Isso se mantém desde a
publicação de Gaston (1964, 1968), pois, os mecanismos dessas ações não são atualmente
totalmente conhecidos, assim, o inicio desse diálogo se faz pelo reconhecimento da relação
existente entre ambos: musicoterapia e neurociência. Nesse momento não são apresentados
dados estatísticos quanto ao uso de termos específicos de cada área nos textos, mas sim uma
reflexão preliminar da amplitude desse campo em desenvolvimento: música e saúde. Na Neurociência é perceptível a utilização dos trabalhos musicoterapêuticos, e na
Musicoterapia os estudos neurocientíficos já estão presentes? Um diálogo entre Musicoterapia
e Neurociência leva ao entendimento dessa troca de conhecimentos. A quantificação das
citações e co citações nas publicações, bem como a quantificação dos periódicos encontrados
embasam os resultados finais.
!
O desenho da pesquisa
Uma pesquisa bibliográfica com busca textual em periódicos indexados brasileiros,
estrangeiros e Anais de Congressos na área de Musicoterapia e Neurociências usou as
palavras-chave: neuroreabilitação, autismo e musicoterapia, cognição musical. Elementos da
pesquisa bibliométrica são aplicados quanto à incidência das palavras definidas como
palavras-chave; quantificação das citações / co autorias e quantificação dos periódicos. A pesquisa Bibliométrica surge no início do séc. XX e seu nome é atribuído a Paul Otlet
(1934) que utilizou a palavra em seu livro Tratado da Documentação (Silva et. al. 2011). Por
bibliometria entende-se a analise da “atividade científica ou técnica pelos estudos
quantitativos das publicações. Ou seja, os dados quantitativos são calculados a partir de
contagens estatísticas de publicações ou de elementos que reúnem uma série de técnicas
estatísticas, buscando quantificar os processos de comunicação escrita” (SILVA, et all. 2011,
p.113). Isso permite a visualização do conhecimento construído sobre uma determinada área.
!
Contexto e reflexão
As discussões e reflexões sobre o que seja Música para o trabalho da Musicoterapia é
dinâmica. Nos anos de 1980 era importante ao musicoterapeuta ter conhecimentos de música,
psicologia da música, psiquiatria, (Bruscia, 2000). O século XXI com os avanços acelerados
no campo da comunicação e tecnologia as áreas da musicologia, e neurociências avançam
rapidamente. Os estudos de música e cérebro são absolutamente dinâmicos e exigem do
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musicoterapeuta outros entendimentos e discernimentos. Aigen (2014) alerta para uma
questão simples: trabalhos com música na saúde não caracteriza a musicoterapia.
O musicoterapeuta convive nos dias atuais com uma pressão significativa percebida
devido ao crescimento mundial da área Música e Saúde. Parece em primeira estância que se
trata de um campo de atuação de musicoterapeutas, mas isso não se confirma numa dimensão
ampliada, pois os trabalhos apresentados são realizados, em sua grande maioria, por
profissionais não musicoterapeutas. Nesse campo de atuação junto à área hospitalar existem
também outras discussões, como por exemplo: Música na medicina; Musicoterapia e
Medicina. Um texto publicado na revista on line US News health discute a Música como
remédio para o cérebro humano (Shulman, 2008). Nos Annais: The Neurosciences and Music III—Disorders and Plasticity, Koelsch
(2009), publica:
uma perspectiva neurocientífica
sobre a Musicoterapia. O autor aborda
cinco fatores importantes nos estudos de música e cérebro (atenção, emoção, cognição,
comportamento e comunicação). Considera-os na musicoterapia como moduladores1 de:
atenção, emoção, cognição, comportamento e comunicação. Apresenta através dos estudos um
breve panorama de sua importância para os efeitos do trabalho da musicoterapia.
A diversidade de trabalhos e considerações na direção de Música e Saúde nos move a
conhecer a realidade dos trabalhos de Musicoterapia na reabilitação neurológica.
a tese principal desse discurso deve ser que a música, baseada nas suas propriedades
de estímulos únicos e processos diferenciais no sistema nervoso central, evoca
respostas que podem ser usadas para modificar o comportamento humano de
maneira previsível e terapeuticamente significativa nas atividades funcionais.
(Thaut, apud Moreira, 2012, p. 23).
!
A previsibilidade do alcance da técnica é um fator diferenciado quando se leva em conta
a polissemia da música. Esse cuidado com a eficácia da aplicação na pesquisa de Kim &
Tomaino (2008), sobre a reabilitação da fala em pacientes afásicos, está no protocolo de
atividades (técnicas) importantes para a eficácia do tratamento. Trata-se de um protocolo
organizado com sete técnicas, a partir de pesquisas no campo da musicoterapia e afasia. São
elas: cantando músicas familiares; respirando entre sons de sílaba única; fala musical assistida
(ou orientada); canto de “deixas” dinâmicas; as “deixas” de fala rítmica; exercícios de
motricidade oral; entoação vocal.
Essa seqüência de técnicas ao iniciar com “cantando músicas familiares” considera o
contexto único de cada pessoa, sua cultura. Como se trabalha muito a partir do canto a relação
humana entre o musicoterapeuta e o paciente é evidenciada.
Kim & Tomaino (2008)
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destacam que a música é sim usada como uma ferramenta e assim o seu andamento é
modificado para chegar a alcançar as possibilidades de cada paciente. As intervenções
também podem ser individuais e com duração de no máximo 30 minutos.
Os estudos de Schlaug e colaboradores (2009, 2010, e 2012) trazem resultados de
pesquisas de Música e cérebro e destacam nessa terapêutica com base na música a quantidade
de intervenções. O tempo de duração não precisa ser superior a 30 minutos, contudo quanto
mais vezes forem feitas durante a semana melhor será. Os estudos da recuperação da fala pela
plasticidade cerebral são o foco de interesse desses pesquisadores. Eles discutem deste modo,
não a qualidade da experiência musical, mas a quantidade de intervenções e qual dos
elementos musicais são responsáveis pelo tratamento.
Assim, as melodias quando cantadas colaboram com a recuperação da fala. A
experiência de percutir instrumentos ou mesmo produzir sons pelo corpo é entendida como
capacidade de coordenação motora que ativa o sistema motor responsável pela articulação e
cadência no discurso. O impacto da experiência musical recai na compreensão do mecanismo
colocado em ação (neurônios homólogos, homotópicos, sistema de neurônios espelhos) na
complexa plasticidade cerebral (Schlaug, et al. 2011; Schlaug, et al, 2009; Schlaug, 2010;
Bunketorp Käll et.al 2012, Overy, & Molnar - Szakacs, 2009 ). Kathie Overy & Istvan Molnar - Szakacs (2009) ao estudarem o modelo de Shared
Affective Motion Experience (SAME) trazem uma reflexão baseada em evidências, sobre
quanto complexa e poderosa é a experiência musical para a terapia. A percepção e o fazer
musical em conjunto se faz possível por que escutar musica é escutar pessoas, fazer música
em conjunto é se relacionar com outras pessoas e para isso um sistema de atenção, imitação,
sincronização de tempo musical é fundamental. Para esses pesquisadores o Sistema de
Neurônios espelhos (MNS) tem um papel importante no mecanismo de ação da música no
cérebro. O ambiente de estudo sobre musicoterapia e autismo discute o ganho significativo no
âmbito da comunicação não verbal. A experiência de tocar em conjunto favorece a interação e
comunicação (Srinivasan & Bhat, 2013; Gattino, 2010).
As publicações destacadas aqui demonstram uma inerente interação entre os estudos
neurocientíficos sobre Música e cérebro e a Musicoterapia . Um complementa o outro, seja
pelas evidências clínicas oferecidas pelas pesquisas, seja pela complexidade da reabilitação
neurológica pós trauma embasadas por atividades musicais. Estudos neurocientíficos
fundamentam a duração das intervenções, não superior a trinta minutos e quanto mais vezes
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for possível, melhor será para a ação da plasticidade cerebral. Também a prática clínica na
musicoterapia ressalta o caráter da totalidade da experiência musical e o campo da
significação, “ouvir musica é ouvir pessoas”, da ênfase ao relacionamento humano.
As pesquisas e as práticas clínicas devem se relacionar e Aigen (2014) faz um alerta
para o entendimento da especificidade do trabalho musicoterapêutico uma vez que as
pesquisas buscam evidências para aprimorar uma prática. Deste modo nem todos os
resultados de pesquisas estão diretamente relacionados com o trabalho prático (clínico) de
musicoterapia. O que se apresenta nos textos é um consenso de que os resultados de pesquisas
podem ser argumentos significativos para entendimentos profundos dos resultados positivos
alcançados pela Musicoterapia. !
Considerações Parciais
Os resultados parciais desta pesquisa apontam para reflexões em âmbitos mais amplos do que
resultados específicos e explicativos da ação terapêutica da música. Com isso, apesar destas
pesquisas serem recentes o tema da terapêutica musical embasa o campo científico da
musicoterapia desde meados do século XX. Percebe-se que continua em evidência a força da
experiência com a música, complexa e misteriosa para o tratamento de lesões neurológicas.
Uma novidade se percebe no âmbito do desenvolvimento da capacidade de comunicação e
interação em crianças autistas.
Os neurocientistas
estão interessados em compreender os mecanismos de
funcionamento da plasticidade cerebral na estimulação múltipla do sistema nervoso. Os musicoterapeutas demonstram os trabalhos clínicos e dão subsídios para as pesquisas
dos neurocientistas. Quando um olhar e uma escuta são colocados sobre esses ambientes lado a lado pode-se
desvelar a integração. Contudo apenas o tempo poderá dar mais visibilidade e funcionalidade
para esse diálogo natural. Enquanto os efeitos da Música sobre as pessoas se mantiverem
dinâmicos mais interesse em estudos que expliquem as bases de funcionamento desse
mecanismo poderoso para o funcionamento do cérebro existirão. O papel da Musicoterapia
pode ser o de manter a totalidade desse acontecimento em meio ao olhar científico que separa
para explicar, uma vez que se ocupa da relação que cada pessoa estabelece com a música, sua
musicalidade única. Está voltada para a pessoa e para a experiência musical como um todo.
A música é uma ferramenta para um fim que não apenas a música: estimular o cérebro.
As leituras realizadas não possibilitaram uma leitura qualitativa do fazer musical. Estudos da
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valoração dada à música permitirão um entendimento mais aprofundado de como a Música é
considerada no âmbito de Música e Saúde.
!
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1
These modulating factors no original.
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380
A Musicoterapia na preservação da memória de idosos institucionalizados
!
Ivany Fabiano Medeiros
Centro de Reabilitação Dr. Henrique Santillo (CRER)
[email protected]
!
Claudia Regina de Oliveira Zanini
!
!
!
Escola de Música e Artes Cênicas (UFG) [email protected]
Resumo: No processo de envelhecimento, os sujeitos sofrem diversas transformações físicas,
mentais e psicológicas, além das implicações da repercussão social diante da velhice. O aumento
da população idosa está evidenciado por estatísticas da Organização das Nações Unidas (ONU).
Frente a este inevitável aumento da população idosa, torna-se necessário associá-lo à manutenção/
melhoria da qualidade de vida, principalmente considerando os idosos que vivem
institucionalizados. A Musicoterapia pode atuar como uma das modalidades de tratamento para o
indivíduo idoso, visando a reabilitação e/ou preservação de suas funções cognitivas. Este estudo,
de metodologia quali-quantitativa, tem como principal objetivo investigar a contribuição da
Musicoterapia para a preservação da memória de pessoas idosas institucionalizadas. Realizou-se
uma pesquisa experimental em uma instituição asilar de Goiânia, com um grupo fechado composto
por seis idosos, com idades entre 65 e 75 anos. As intervenções musicoterapêuticas foram
aplicadas por um período de quatro meses, totalizando dezesseis sessões de sessenta minutos cada,
sendo uma vez por semana. Antes e depois das intervenções foi aplicado o teste MINIMENTAL
(Mini Exame do Estado Mental). Durante as intervenções estabeleceram-se categorias que
avaliaram a memória durante todo o processo através do Protocolo de Observação de Aspectos
Relativos à Memória e Interação dos Idosos elaborado pelas autoras do trabalho. Foi possível
observar, através da aplicação do MINIMENTAL, que houve melhora na memória de evocação,
escrita, desenho e cálculo, enquanto as outras funções foram preservadas. A Musicoterapia
viabilizou a preservação das funções cognitivas, especialmente na memória de longo prazo,
semântica e episódica. Tendo em vista os resultados satisfatórios obtidos nesta pesquisa, acreditase no tratamento musicoterapêutico como intervenção que preserva a memória interferindo assim
positivamente na qualidade de vida dos idosos institucionalizados.
Palavras-chave: musicoterapia, idoso, memória.
1. Introdução
A expectativa de vida da população mundial vem aumentando consideravelmente nas últimas
décadas. Segundo as estatísticas da Organização das Nações Unidas (ONU), até 2025, ter-se-á
mais de 840 milhões de pessoas idosas1 no mundo, fato que trará ao Brasil a posição de sexto
maior país em termos de população idosa (ONU, 2003). De acordo com os dados mencionados pelo IBGE (2002), estima-se que no Brasil, nos
próximos vinte anos, a população idosa representará cerca de 13% da população total,
chegando a ultrapassar trinta milhões de pessoas – fato evidenciado pelo processo de
envelhecimento ocorrer em um nível mais acelerado nos países em desenvolvimento,
classificação em que se encontra o país (ROSSETO, 2008).
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381
Este intenso crescimento da população acima de sessenta anos, acoplado à ampliação de
sua expectativa de vida, implica diretamente na necessidade de maior observância da
sociedade em preservar e proporcionar qualidade de vida2 a esta faixa etária. A ONU
menciona cinco princípios fundamentais em benefício do idoso: a independência, a
participação, os cuidados, a autossatisfação e a dignidade. Em paralelo, a Organização
Mundial da Saúde (OMS) estabelece um conceito de envelhecimento saudável, especificado
como “envelhecimento ativo”, caracterizado como: !
um processo no qual é permitido ao indivíduo perceber o seu potencial para o bemestar físico, social e mental ao longo do curso da vida, e que essas pessoas
participem da sociedade de acordo com suas necessidades, desejos e capacidades,
usufruindo ao mesmo tempo de proteção, segurança e cuidados adequados
(RIBEIRO, 2008, p. 2). !
Uma parcela significativa de perdas demonstra-se inevitável ao longo da vida. Um
exemplo é a mudança entre as fases da vida: a primeira ocorre no momento do nascimento,
onde perdemos o acolhimento do útero materno; posteriormente, acontecem perdas na
infância, adolescência, na juventude, na fase adulta e velhice, culminando na morte como a
perda fatal e irreversível (KOVÁCS, 1992; TAVARES, 2001; TEIXEIRA, 2008). Dentre as perdas recorrentes e mais relevantes para a diminuição da qualidade de vida
da população idosa, está a diminuição gradativa da capacidade de memorização, ou até
mesmo a perda profunda em alguns casos. Essas alterações geralmente trazem diversos
malefícios, que podem englobar desde dificuldades nas relações interpessoais e nas AVDs
(Atividades de Vida Diária) a outros aspectos físicos e psicológicos essenciais para a vida de
todos os indivíduos. De acordo com Helene & Xavier (2003), a memória se constrói a partir
da:
identificação de regularidades na ocorrência de eventos, onde o sistema nervoso
passa a gerar previsões (probabilísticas) sobre o ambiente. Então, passa a agir
antecipatoriamente e a selecionar as informações que serão processadas – um
processo de "cima-para-baixo" – o que confere grande vantagem adaptativa [...]; o
sistema nervoso pode gerar ações que levem aos resultados desejados e atuar no
sentido de selecionar determinados tipos de informação para processamento
adicional, isto é, direcionar sua atenção (p. 1). Segundo Levitin (2010), “mais de um século de investigações neuropsicológicas
permitiram-nos estabelecer mapas das áreas funcionais do cérebro e organizar operações
cognitivas específicas” (p. 98). Assim, pôde-se identificar que o lobo temporal é uma das áreas
associadas simultaneamente “à audição e à memória” (ibidem, p. 99). Para o autor, a intensa
capacidade da música como fator estimulante das áreas cerebrais pode ser assim explicada: www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/
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A atividade musical mobiliza quase todas as regiões do cérebro de que temos
conhecimento, além de quase todos os subsistemas neurais. Os diferentes aspectos
da música são tratados por diversas regiões neurais: o cérebro vale-se da segregação
funcional para o processamento musical, utilizando um sistema de detectores cuja
função é analisar determinados aspectos do sinal musical, como altura, andamento,
timbre, etc. [...] Várias dimensões de um som musical precisam ser analisadas –
geralmente envolvendo vários processos neurais quase independentes –, para em
seguida serem reunidas e formarem uma representação coerente daquilo que estamos
ouvindo (ibidem, p. 100). !
Neste sentido, Souza (2008) afirma que a música “sonoriza as épocas vividas, traçando
uma rede de comunicação que com estímulo musical é acionada, fazendo-nos associar as
etapas do nosso próprio envelhecer, muitas vezes de forma sucessiva e simultânea” (p. 188).
Na musicoterapia, a música e/ou seus elementos múltiplos (ritmo, altura, timbre,
intensidade, harmonia, melodia, cadências, imitações, sequências, textura, forma, frase,
motivos, modulações, etc.) são utilizados com objetivos terapêuticos. Bruscia (2000) expõe a
abrangência e as especificidades deste processo: “a música é mais do que as próprias peças
ou sons: cada experiência musical envolve uma pessoa, um processo musical específico e um
produto musical de algum tipo, possuindo significado para os clientes” (p. 100). Pretende-se apresentar neste artigo parte dos resultados de uma dissertação de mestrado
que investigou as contribuições da Musicoterapia na manutenção ou melhora da memória em
idosos institucionalizados, envolvendo importantes aspectos relacionados à Cognição
Musical.
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2. Objetivos
Investigar como a Musicoterapia pode prevenir as perdas de memória decorrentes do processo
de envelhecimento.
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3. Materiais e Métodos
A pesquisa realizada possuiu abordagem quali-quantitativa. A coleta de dados foi realizada
com moradores de uma casa lar de um Complexo Gerontológico. Na primeira fase da
pesquisa a musicoterapeuta realizou visitas convidando os idosos para participarem e, quando
concordavam, assinavam o TCLE - termo de consentimento livre e esclarecido. A inserção da
musicoterapeuta no campo ocorreu após a aprovação do projeto no comitê de ética da
universidade em que se realizou o estudo. Os critérios de inclusão foram: ambos os sexos; ter
idade entre 65 e 75 anos; assinatura do TCLE; residir na instituição escolhida; ser
independente; não apresentar perdas e/ou déficit de memória; e, não apresentar
comprometimento mental. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/
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383
As intervenções musicoterápicas foram realizadas uma vez por semana por um período
de quatro meses totalizando 16 (dezesseis) sessões, utilizando as experiências musicais
definidas por Bruscia (2000) como: Recriação e Audição musical.
Foram utilizados como instrumentos de coleta de dados qualitativos: a Ficha
Musicoterapêutica, com dados pessoais e musicais dos participantes, - preenchida na mesma
data de aplicação do TCLE; registros de todas as intervenções por meio de relatórios e
filmagens das sessões; Protocolo de Observação de Aspectos Relativos à Memória e
Interação dos Idosos na sessão grupal de Musicoterapia foi preenchido ao final de cada
sessão; e Entrevista Final - com questões semi-estruturadas que foram respondidas
individualmente após o final do processo musicoterapêutico. Como recurso quantitativo
aplicou-se o Mini Exame do Estado Mental - MINIMENTAL, antes e após as intervenções.
!
4. Resultados Finais
Sobre o grupo participante do estudo, a escolaridade variou entre primário incompleto e
ensino fundamental completo. O grupo foi fechado, composto por seis participantes.
Para auxiliar na elaboração da análise qualitativa das memórias trabalhadas durante as
intervenções musicoterapêuticas, foi estabelecido um protocolo de avaliação - Protocolo de
Observação de Aspectos Relativos à Memória e Interação dos Idosos, que foi baseado no
perfil do grupo atendido, a partir das sessões iniciais, e nos estudos realizados sobre os
diferentes tipos de memória. Os critérios foram elaborados a partir de frases interrogativas,
que foram respondidas pela musicoterapeuta de forma objetiva no final de todas as sessões
durante o processo musicoterápico. A primeira categoria do protocolo abrangeu aspectos cognitivos como: atenção,
compreensão e memória de curto prazo. Esta categoria foi composta pelas seguintes questões:
1. Estava atento no momento em que foi dada a consigna? 2. Compreendeu a consigna? 3.
Prestou atenção no momento de realizar atividade? 4. Conseguiu realizar a atividade? 5.
Conseguiu lembrar das atividades/músicas da sessão anterior?
A segunda categoria consistiu em avaliar a capacidade de interação dos participantes e
as respostas corporais e verbais obtidas a partir dos estímulos musicais. Para isto, elaboraramse as seguintes questões: 6. Estabeleceu contato visual com outro participante? 7. Interagiu
com outro participante? 8. Estabeleceu contato visual com a musicoterapeuta desde o início
da sessão? 9. Reagiu corporalmente diante dos estímulos musicais? www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/
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384
A terceira categoria foi elaborada com o objetivo de avaliar a memórias de Curto Prazo
e Imediata. Formularam-se as seguintes questões: 10. Cantou trechos de canções? 11. Cantou
canções completas? 12. Escolheu instrumento musical espontaneamente? 13. Acompanhou
com instrumento e/ou cantando? Com a elaboração das questões objetivamos reunir possíveis critérios para avaliar as
memórias de curto prazo, imediata, episódica e semântica3. Separamos as treze questões
supracitadas em três categorias, observando critérios de similaridade: a Categoria 1 reúne as
questões de número 1 a 5, que aferem os aspectos que estão intimamente ligados à memória:
atenção, compreensão, capacidade de executar tarefas e de reter informações. A Categoria 2
engloba as questões de número 6 a 9, que estão relacionadas ao convívio social e às relações
interpessoais dos integrantes. A Categoria 3 reúne as questões de número 10 a 13, que aferem
os aspectos musicais que avaliaram as memórias durante as intervenções musicoterapêuticas
no referido grupo. As pontuações estabelecidas para avaliar os critérios foram: (0) não correspondeu; (1)
correspondeu em parte e (2) sim, correspondeu. Foi realizada uma apuração da pontuação
obtida por cada participante durante todo o processo.
A aplicação do Protocolo de Observação de Aspectos Relativos à Memória e
Interação dos Idosos apontou para uma ampliação das relações interpessoais e da liberdade de
expressão verbal e não verbal, que foi facilitada pela musicoterapeuta, através de experiências
musicais (BRUSCIA, 2000), que estimularam a comunicação entre os participantes e a
terapeuta. De acordo com Millecco Filho, Brandão e Millecco (2001), a Musicoterapia é uma
terapia que promove a autoexpressão e incentiva a ampliação do potencial criativo e da
capacidade comunicativa, mobilizando aspectos biológicos, psicológicos e culturais.
Observou-se a viabilização da expressão das emoções dos participantes, principalmente
através do canto. Ao longo do processo musicoterapêutico, a maioria dos idosos apresentou dificuldade em
evocar e memorizar as letras das canções que faziam parte de seu histórico musical. De
acordo com Wagner; Trentini; Parente (2009), “os idosos normais tendem a queixar-se de
dificuldades cognitivas diversas, especialmente de falhas de memória” (p. 224). Durante as intervenções musicoterapêuticas, os idosos demonstraram bastante satisfação
ao vivenciar experiências musicais que proporcionaram relacionar fatos vividos com a
música. Na sétima sessão, por exemplo, o grupo reviveu e compartilhou momentos do
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passado. Essas reminiscências são ferramentas que podem auxiliar a ressignificar a vida e
amenizar as perdas decorrentes do envelhecimento. Essas atividades musicais auxiliaram os
participantes a recordar o passado e suscitaram comentários que expressaram satisfação,
como: “Quando eu era criança lá na roça a gente cantava com pai que tocava sanfona e era
cantador”. O objetivo das atividades foram resgatar as memórias de longo prazo, episódica e
semântica. Estas memórias geralmente estão preservadas em idosos saudáveis e, a partir
destas, pode-se atuar em benefício da memória de curto prazo.
Apesar de a maioria dos participantes não ter conseguido memorizar as letras das
canções integralmente, observou-se que houve aprendizado dos trechos não conhecidos e/ou
recordação daqueles trechos esquecidos, como ocorreu com a canção Linda Cigana (autoria
de Wanderley Monteiro). Millecco Filho, Brandão e Millecco (2001) descrevem ser comum grupos de
Musicoterapia para idosos “dedicarem grande parte das sessões às canções e histórias que
marcaram suas respectivas adolescência e juventude” (p.100). Os autores acreditam que essas
canções sejam uma forma de resgatar “um pouco da potência e da intensidade, que geralmente
se contrapõem ao desânimo e à desvalorização social sofrida e introjetada” (Op. Cit.).
Com a aplicação do MINIMENTAL, apresentado no gráfico a seguir em caráter
comparativo, pode-se notar que houve melhora nos seguintes itens: orientação temporal - 3
participantes; cálculo - 1 participante; memória de evocação - 2 participantes; escrita - 2
participantes; desenho - 1 participante, enquanto os demais itens mantiveram-se na maioria
dos participantes.
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Gráfico 1. Descrição dos dados obtidos a partir aplicação do MINIMENTAL antes e depois das intervenções
musicoterapêuticas.
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Diante do exposto, percebeu-se que a utilização da música, na condição de estímulo
para a memória, demonstrou-se uma possibilidade terapêutica viável, pois se obteve
desenvolvimento positivo ou preservação na capacidade de memorização dos idosos
institucionalizados participantes do estudo, mantendo-se assim sua autonomia e capacidade
cognitiva no período de tempo observado, no decorrer das intervenções musicoterapêuticas.
Acredita-se que se é possível contribuir para a melhora ou preservação da memória, pode-se
retardar ou até mesmo evitar a necessidade de recorrer às internações em unidades de ILPI Instituições de Longa Permanência para Idoso, o que também viabilizará melhoras para a
qualidade de vida.
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Referências
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Nações Unidas. Tradução de Arlene Santos, revisão de português de Alkmin Cunha;
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<http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php.viewFile>. Acesso em: 10 jan. 2013.
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1
De acordo com o artigo 2º da Lei nº 8.842 de 04 de janeiro de 1994, considera-se idosa a pessoa maior de 60
anos de idade.
2
Por qualidade de vida, entende-se o viver que é bom e compensador em pelo menos quatro áreas: social,
afetiva, profissional e saúde (LIPP; ROCHA, 1994 apud ZANINI e cols., 2009). Trata-se de um constructo que
agrupa cinco categorias maiores: utilidade social, felicidade/afeto, satisfação, alcance de objetivos pessoais e
vida normal (BRASIL, apud ZANINI e cols., 2009). 3
Ressalta-se que esses critérios foram elaborados especificamente para o grupo analisado nesta pesquisa,
considerando as características do mesmo.
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Cognição Musical e
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A Marginalidade no Repertório para Percussão
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Bruno Soares Santos
Deca – INET - MD Universidade de Aveiro, Portugal
Bolsista da CAPES – Proc. Nº 1136/12-7, Brasil
[email protected]
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Resumo: O presente trabalho faz parte de uma revisão de literatura que incide na música
contemporânea para percussão, mais precisamente para instrumentos de percussão marginais ao
repertório percussivo central. Os conceitos centrais abordados são os de marginalidade, sobretudo
nos trabalhos de Carlos Stasi, e o conceito de literatura menor presente em Kafka: por uma
literatura menor de Deleuze e Guattari.
Palavras-chave: Percussão, música do século XX\XXI, marginalidade, literatura menor.
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Title: Marginality in Percussion Repertoire
Abstract: This paper is part of a literature revision that focuses on contemporary music for
percussion, more precisely percussion instruments marginal to the canonical percussive repertoire.
The approached concepts are marginality, in Carlos Stasi’s works above all, and the concept of
minor literature present in Deleuze and Guatarri’s Kafka: for a minor literature.
Key-words: Percussion, XX\XXI century music, marginality, minor literature.
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1. Introdução
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O início do século vinte foi um período de alterações importantes no repertório escrito para
percussão no âmbito da música de concerto. Um amadurecimento da percussão ocidental
ocorreu junto com o nascimento da era moderna e da arte de vanguarda. Em um movimento
de busca por novas possibilidades tímbricas, a arte ocidental para percussão incorporou vários
instrumentos de origens diversas como os gongos, a conga, o vibrafone e as maracas.
Apesar de todo o experimentalismo presente na música para percussão desde o início do
século XX criou-se um repertório percussivo padrão. Há uma preeminência dos instrumentos
de lâminas como a marimba e o vibrafone e instrumentos orquestrais como a caixa-clara nas
peças dedicadas a um só instrumento. Alguns instrumentos situam-se à margem deste
repertório central1.
‑
Através de obras escritas para alguns destes instrumentos em posição periférica de
compositores como Amadeo Roldan, Javier Alvarez, Iannis Xenakis, Maurice Kagel, Cergio
Prudencioe ou Greg Beyer este texto propõe uma reflexão em torno do conceito de
marginalidade, sobretudo presente na obra do percussionista Carlos Stasi, e do conceito de
literatura menor presente no libro Kafka: por uma literatura menor de Deleuze e Guattari.
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2. Análise Bibliográfica
Estes instrumentos em posição marginal são muitas vezes considerados simples e deficientes.
Isso é retratado no trabalho de Carlos Stasi sobre a Guira da República Dominicana. O
executante da Guira, que é um símbolo da música dominicana, não é considerado um músico
naquele país (Stasi, 1998). Esta representação2 depreciativa comum a estes instrumentos faz
‑
com que o repertório dedicado a eles se situe à margem do programa de estudos de
conservatórios e universidades.
Mesmo fora do âmbito da música é possível perceber esta posição marginal de certos
instrumentos. O mercado de instrumentos musicais exemplifica esta questão. A marca Latin
Percussion se promove “como um respeitado produtor de instrumentos latinos mas utiliza
termos incorretos para os mesmos, sem nenhum interesse em retificar tais erros” (Stasi,
2001:4). Os próprios materiais didácticos reforçam essa representação deturpada de
instrumentos musicais. É o caso da Enciclopédia de Percussão de John Beck (Beck, 1995:
251-261) que utiliza fotos de instrumentos manufacturados por esta marca para representar
instrumentos de percussão latino-americanos.
No âmbito da música de tradição ocidental, Graciela Paraskevaídis coloca a
marginalidade da linguagem musical latino americana em discussão ao abordar as razões
pelas quais alguns estudiosos não consideram as Ritmicas 5 e 6 de Amadeo Roldan como as
primeiras obras escritas para grupo de percussão. Estudiosos como Odile Vivier e Fernand
Ouellette consideraram a peça de Roldan “primitiva” e “puramente folclórica” por ser baseada
em ritmos e danças afro-cubanas (Paraskevaidis, 2002:12). Através desta lógica Paraskeivadis
questiona a validade da obra de Schoeberg Opus 23, Nº 5: “Schönberg utiliza a valsa de sua
própria tradição Vienense como Roldán o faz com o son e a rumba. Schönberg pode. Roldán
não” (Idem).
A posição marginal de uma linguagem musical, ou de uma cultura, se torna ainda mais
evidente ao percebemos que a permeabilidade entre culturas presente em obras musicais é por
vezes posta em oposição ao conceito de “música pura”. Steven Schick (2006) cita como
exemplo a afirmação de Jacques Lonchampt sobre a obra Rebonds de Iannis Xenakis, presente
na epígrafe da versão publicada desta obra. Segundo Lonchampt, Rebonds seria livre de
qualquer “contaminação folclórica” e seria uma “música pura” (Lonchampt apud Xenakis,
1989). A obra, escrita para percussão múltipla, tem em sua instrumentação, entre outros,
bongós e tumba3 (instrumentos latino americanos). A obra foi composta no mesmo período
que a obra Okho para três djembes africanos (citada acima).
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Nestas duas obras, apesar de Xenakis não ser influenciado por ritmos africanos ou latino
americanos ou outras características musicais destas culturas, ele foi influenciado pelo
material sonoro destas culturas. O timbre passou a ser de uma importância imensa na música a
partir do século XX e, para além disso, “o que Xenakis demonstra tão persuasivamente é que
a escolha do material sonoro em si desempenha um papel considerável na determinação de
como ele será utilizado” (Schick 2006:204). Isto implica num conhecimento de técnicas
tradicionais referentes a instrumentos musicais utilizados na música contemporânea. Ainda
segundo Schick, “qualquer um que toque djembe em qualquer contexto, inevitavelmente,
também coloca as mãos directamente sobre o DNA sonoro da música africana” (idem).
Isso nos leva a considerar que a ‘contaminação’ ocorre também pelas mãos do intérprete
e “que o compositor não está realmente no controle de como uma influência manifesta-se na
sua música" (Dashwood, 2011:19). Possivelmente este pode ser um fator importante que
propicie um maior leque de possibilidades interpretativas neste tipo de repertório (Santos,
2013:4).
Apesar da falta de uma linguagem percussiva definida e assentada no repertório
dedicado a certos instrumentos marginais, o uso de técnicas de um instrumento tradicional,
referentes aos djembes por exemplo, mas com “vocabulário mirrado e sintaxe
incorrecta” (Deleuze e Guattari 1986:48) tem estado cada vez mais presente no repertório da
percussão contemporânea.
São difíceis os critérios para a definição de uma expressão artística marginal. Segundo
Deleuze e Guattari, que escrevem sobre literatura, é necessário se passar anteriormente por
um outro conceito, o conceito de literatura menor (Deleuze; Guatarri, 2003:42). Este conceito
diz respeito ao uso de uma língua maior por uma minoria. O exemplo usado no livro é o da
literatura de Kafka. Estes conceitos foram usados para a criação de critérios interpretativos na
minha performance da obra Temazcal de Javier Alvarez (Santos, 2013).
Segundo Deleuze e Guattari, a desterritorialização é uma característica presente na
literatura menor. O alemão utilizado por Kafka como possibilidade literária é, para os Judeus
de Praga, uma língua desterritorializada. Além da desterritorialização, a literatura menor
possui mais 2 características: a conotação política e o valor coletivo.
Todas estas características podem ser encontradas no repertório que insere os
instrumentos marginais de percussão na música de tradição ocidental contemporânea.
Considero aqui a linguagem ‘maior’ como a linguagem de origem dos instrumentos: a
linguagem da música do oeste africano que utiliza os djembes por exemplo. Considero como
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um uso ‘menor’ desta linguagem a sua utilização na música de tradição ocidental: a utilização
dos djembes em Okho por exemplo. No caso, a linguagem marginalizada é ironicamente a
linguagem ‘maior’. Estes instrumentos musicais tradicionalmente usados para expressar um
certo discurso musical se encontram fora do seu espaço nativo, de maneira que a própria
linguagem musical se torna desterritorializada pois ela é agora evocada por um sujeito
estranho a ela.
O trabalho de Cergio Prudencio e da Orquestra Experimental de Instrumentos Nativos
ilustra bem esta análise. Este trabalho, iniciado em 1980, contou com o estudo da música do
altiplano andino, dos meios de produção do som de seus instrumentos e das técnicas
instrumentais relativas a esta música, e com a criação de novas linguagens musicais baseadas
nestes estudos (Prudencio, 1984). Este trabalho teve grande impacto no fazer musical e na
educação musical na Bolívia, além de desenvolver uma nova linguagem baseada nos estudos
de técnicas interpretativas de instrumentos do folclore boliviano. A sua conotação política se
encontra na exploração de uma expressão musical contemporânea da América Latina.
O valor colectivo encontrado neste repertório talvez seja o seu ponto mais delicado. Ao
representar elementos sonoros de determinados grupos culturais, uma obra pode ser
considerada como uma apropriação estereotipada que utiliza estes elementos como produtos
de mercado. Este fato fica evidente na obra Exotica de Maurice Kagel. Nesta peça para
instrumentos não-europeus, Kagel deseja que o músico toque instrumentos que não saiba
tocar, e isso resulta em sons provocativos: uma metáfora à forma da representação
imperialista do outro pelo Ocidente. Exótica é um “monólogo euro-centrista” (Pelisnky,
1995:56) onde a voz do outro é calada para ser musicalmente útil.
A identidade dos instrumentos musicais, segundo Kevin Dawe, situa-se na “intersecção
dos mundos materiais, sociais e culturais” (Dawe, 2003:175). Por esse motivo Exotica causa
tanto impacto: a má utilização dos instrumentos manifesta um desrespeito a uma coletividade
imaginada e inexistente. Kagel não indica quais instrumentos devem ser utilizados, mas eles
não podem ser europeus. Este facto explicita a crítica de Kagel à única colectividade presente
na peça: a europeia.
A visão crítica do compositor argentino foi sem dúvida necessária, sobretudo em
situações como a da estreia de Exotica: a peça foi encomendada para fazer parte da exposição
Weltkulturen und Moderne Kunst durante os jogos olímpicos de Munique em 1972, um evento
com grande projecção internacional.
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3. Considerações Finais
A falta de referências é sem dúvida um desafio em interpretações de obras que utilizam
instrumentos com pouca representatividade no repertório canônico percussivo. Muitas vezes
há uma ‘interpretação do instrumento’ no lugar de uma interpretação de uma obra. O
imediatismo presente no mundo da música contemporânea, no qual a rapidez na preparação
de um concerto é necessária, muitas vezes impede o músico de quebrar a barreira da
descoberta do instrumento. Ser capaz de segurar o berimbau sem ter dores na mão esquerda já
é um grande desafio por exemplo, como apontado por Beyer (2004). A resistência física ao
berimbau, necessária na peça de Beyer Bahian Counterpoint (2002)4, é um exemplo de
‑
técnica que não se adquire imediatamente. É preciso ser um especialista em berimbau para
tocar este tipo de repertório? Até que ponto realmente estamos com as mão no DNA de outras
culturas ao interpretar obras deste repertório?
As técnicas desenvolvidas por percussionistas que interpretam música contemporânea
muitas vezes não vão além das técnicas presentes nas obras que são executadas. Um exemplo
disto é a preparação da peça Mantis Walk in a Metal Space de Javier Alvarez, para steel
drums, grupo instrumental e eletrônica. Esta obra pode vir a ser um treino de uma coreografia
ao Steel Drum no lugar do aprendizado das técnicas e o mapeamento deste instrumento5.
Fatores como o aumento do arsenal de percussão na música contemporânea e o imediatismo
frequentemente presente na preparação de concertos muitas vezes criam ambientes nos quais
aprendemos a tocar uma obra, mas não aprendemos a tocar os instrumentos para o qual a obra
é escrita.
Apesar disso, a composição para estes instrumentos tem aumentado nos últimos trinta
anos. Compositores como Javier Alvarez, Pierluigi Billone e George Aperghis têm escrito
solos para instrumentos como as maracas sul-americanas, os temple bells tibetanos e o tombak
iraniano. Haverá algum paralelo entre este crescimento e a aparição da world music?
Não obstante obras originais para esses instrumentos marginais podem contribuir para o
desenvolvimento de novas formas de representação dos mesmos. O uso melódico e harmónico
do reco-reco de mola na obra Xavier Guelo do próprio Stasi, por exemplo, desafia a
representação comum dos raspadores no contexto da música contemporânea. O uso dos
raspadores na música ocidental contemporânea, como a peça Das Guiro de Michael
Colquhoun, questiona o cânone presente no repertório padrão da percussão na academia
(Stasi, 1998:146). Dessa maneira novas perspectivas são oferecidas tanto para a música
contemporânea quanto para os raspadores. Segundo Stasi, as respostas do público à peça
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Xavier Guelo servem para exemplificar como representações comuns dos raspadores são,
além de mudadas, dispensadas (Stasi, 1998:148).
Tal ruptura gerada pelas obras citadas por Stasi cria um movimento que desloca as
linguagens musicais, ou expressões culturais (no caso, a música contemporânea ocidental e o
universo representacional do reco-reco) para um espaço híbrido. Este espaço propicia um
novo discurso musical. Isto fica evidente pelo fato de suas peças comunicarem efectivamente
com públicos de música popular e erudita: teatros, bares e até centros de jazz (Stasi,
1998:149). A produção de sentido musical a partir desta multiplicidade cultural referida acima
se encaixa no conceito de terceiro espaço. Este conceito, proposto por Homi Bhabha,
representa o espaço no qual significados de uma cultura podem ser relidos e apropriados, onde
é explícita a insustentabilidade da ideia de uma cultura original e pura (Bhabha, 1994:55).
Este espaço propicia a interação das diferenças. Para além disto ele pode fazer outras
possibilidades surgirem ao deslocar as “histórias que o constituem” (Rutherford, 1990:211). e
dar nascimento a uma “nova era de negociação de significado e representação” (idem).
!
Referências
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395
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Xenakis, Iannis. Rebonds. Editions Salabert, Paris. 1989. Partitura.
Conceito de Bruno Nettl (1995) que designa um conjunto de obras musicais “que num determinado
contexto cultural adquiriram já um valor patrimonial inquestionável” (Sardo, 2011:197).
1
De acordo com várias propostas da antropologia sobretudo a de Paul Rabinow (1986) as
representações definem o modo como os sujeitos percebem o universo pessoal e intersubjetivo que os
circunda, a partir de objetos, movimentos, ações e emoções.
2
3
Uma conga grave.
4
Obra que foi interpretada no recital de primeiro ano do doutoramento no dia 11 de Julho 2012 no
Gretua (Universidade de Aveiro).
5
Comunicação pessoal com Miguel Bernat em 10 de abril de 2012.
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396
A Utilização de Princípios Gestálticos no Estudo da Música Armorial
!
Gilber Cesar Souto Maior
Universidade Estadual de Campinas
[email protected]
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José Eduardo Fornari
!
NICS – Universidade Estadual de Campinas
[email protected]
!
Resumo: Música Armorial é a vertente musical do Movimento Armorial, termo cunhado por
Ariano Suassuna, que se refere ao fenômeno de origens e dimensões multiculturais, surgido na
região Nordeste do Brasil e que promoveu a criação de um gênero musical singular. A busca por
uma sonoridade nacional e erudita através da utilização de instrumentos populares com as
principais influências contidas na colonização da região nordeste do nosso país, englobando
particularmente as culturas: Ibérica, Africana e Indígena. Este gênero apresenta uma sonoridade
única que pode ser percebida tanto pelo ouvinte leigo e analisada pelo ouvinte perito. Antonio José
Madureira foi o fundador e idealizador do Quinteto Armorial na década de 1970, grupo que tinha o
intuito de utilizar como base a instrumentação popular primitiva. Madureira foi o responsável por
alcançar a sonoridade ideal que Suassuna pretendia para o movimento que encabeçava. Neste
trabalho pretendemos apresentar uma análise musical tradicional da peça “Repente” do álbum (LP)
Do Romance ao Galope Nordestino de 1974, reconhecendo os modos utilizados na música
nordestina, e os motivos rítmicos e melódicos. Além disso, a utilização de princípios gestálticos
nos auxiliará através da percepção a separar motivos característicos contidos no universo musical
da região nordeste e que serviram de referência para a composição de Madureira
Palavras-chave: movimento armorial, Antonio José Madureira, Gestalt, Análise musical, Música
Brasileira.
!
!
!
Title: Using Gestalt Principles in the Study of Armorial Music
Abstract: Armorial Music is the musical arm of the Armorial Movement , a term coined by Ariano
Suassuna , which refers to the phenomenon of multicultural origins and dimensions , appeared in
northeastern Brazil and promoted the creation of a unique musical genre. The search for a
national scholarly and sound through the use of folk instruments and the main contributions
contained in the colonization of the northeast region of our country , particularly encompassing
cultures : Iberian , African and Indian . This genus has a unique sound that can be perceived both
by the lay listener and analyzed by the expert listener. Antonio José Madureira was the founder
and creator of Armorial Quintet in the 1970s, a group that was intended to use as a base primitive
folk instrumentation. Madureira was responsible for achieving optimal sound that Suassuna
intended for the movement headed . In this paper we intend to present a traditional musical
analysis of the play " Repente" album ( LP ) Do Romance ao Galope Nordestino 1974 ,
recognizing the modes used in northeastern music , and the rhythmic and melodic motifs .
Furthermore , the use of Gestalt principles help us to sort through the perception characteristic
motifs contained in the musical universe of northeastern region and served as reference for the
Madureira’s composition.
Key-words: Armorial Movement, Antonio José Madureira, Gestalt, musical analysis, Brazilian
Music.
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397
1. Introdução
Assim como para um historiador, o tempo é o elemento que ordena os eventos históricos,
compostos de: momentos, incidentes, episódios, épocas e eras; para o músico, uma obra
musical, apesar de constituída por elementos sonoros isolados, é composta pela organização
estrutural destes elementos mesmo ao longo do tempo. Os motivos, as frases, as passagens, as
seções e os movimentos, são definidos pelos limites perceptuais humanos da natureza acústica
dos sons e as conseqüentes interpretações psicológicas que ocorrem através deles. (TENNEY
& POLANSKY, 1980, p.205)
Neste contexto, a música armorial é um estilo musical que representa o referencial
histórico tratado pelo movimento armorial; termo cunhado por Ariano Suassuna, que
simboliza e representa as manifestações populares do Nordeste Brasileiro. Cada manifestação
popular, ou folguedo popular, possui suas próprias características e elementos musicais, quer
sejam: rítmicos, melódicos ou harmônicos. O reconhecimento de um contexto único, ou
forma da música armorial, dentro de uma multiplicidade de valores, pode ser estudado pelos
princípios da Gestalt. Este é o paralelo que pretendemos traçar neste trabalho, reconhecendo
suas características únicas, já que é possível verificar, dentro dos folguedos populares ritmos,
que existem harmonias, melodias e rítmicas similares que representam esta sonoridade. Neste
trabalho utilizaremos os princípios da Gestalt de forma a auxiliar no entendimento da
sonoridade típica de alguns trechos da peça de música armorial: “Repente”, composta por
Antonio José Madureira. A teoria da Gestalt foi fundamentada por: Max Wertheimer (1880/1943); Wolfgang
Kohler (1887/1967); e Kurt Koffka (1886/1941) e João Gomes Filho afirma: “De acordo com
a Gestalt, a arte se funda no princípio da pregnância da forma. Ou seja, na formação de
imagens, os fatores de equilíbrio, clareza e harmonia visual constituem para o ser humano
uma necessidade, e por isso, considerados indispensáveis – seja numa obra de arte, num
produto industrial, numa peça gráfica, num edifício, numa escultura ou em qualquer outro tipo
de manifestação visual.” (2004, p.17)
!
2. Princípios Gestálticos
Esses princípios, conforme definidos em (FILHO, 2004, p. 103 e 104) são: 1) Unidade: Partes
presentes na obra musical. Por exemplo, a unidade pode ser representada por uma
determinada rítmica, e poderá permanecer em apenas um instrumento, ou até ser citado em
outros; 2) Segregação: Capacidade de perceber/separar os elementos (unidades) dentro de
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uma única paisagem sonora; 3) Continuidade: A sensação de como as partes de um todo se
sucedem de forma coerente, sem quebras ou interrupções no seu curso ou trajetória; 4)
Semelhança/Proximidade: Elementos próximos que tendem a ser percebidos como juntos e
assim gerar a ideia de unidades dentro de um “todo”; 5) Unificação: Igualdade ou semelhança
produzida pelo objeto. Coesão sonora, a harmonia. Apesar de a textura sonora ser diferente, e
aliado ao princípio de semelhança deixa perceptível a unificação do todo; 6) Pregnância da
forma: princípio básico que nos conduz a finalizar intuitivamente uma frase, acorde ou rítmica
antes da sua execução e dependendo das condições dadas se torna simples a sua percepção; 7)
Regras de Proximidade e Mudança: Essas podem ser utilizadas em certos agrupamentos de
elementos musicais e são divididos, segundo pesquisas feitas por Diliège, relatada na
dissertação de Fálcon (2011, p.54 e 55), como regras: (1) Legatto ou Pausa; (2) Ataque; (3)
Registro; (4) Dinâmica; (5) Articulação; (6) Duração; (7) Timbre.
!
3. Planos Sonoros
Segundo Falcón (2010, p.2) o plano sonoro é o som ou conjunto de sons que é percebido
dentro de uma textura musical. Trata tanto o som, de modo geral, de um grupo de
instrumentistas, ou também pode ser a função de partes desse todo sonoro, tal como uma
rítmica executada por determinado instrumento, uma escala ou progressão harmônica.
Definimos como Planos Sonoros, cinco situações que escolhemos dentro da obra
analisada, que remetem à estruturas rítmicas e/ou melódicas da sonoridade popular da música
do Nordeste Brasileiro. Estes são representados pela sigla PS.
“Repente” é a forma como são conhecidos os diversos tipos de cantoria, executada pelos
cantadores do Nordeste. O termo designa a cantoria que é feita “de repente”, isto é, na hora,
ou seja, de improviso. Normalmente os repentes são cantados em cima do gênero Baião, e as
violas fazem o ritmo como base, enquanto o violeiro elabora mentalmente a sua poesia
improvisada. O nosso PS1 é o baixo do violão, no início da peça, mostrado na figura 1 que faz
uma figuração rítmica tradicional de Baião muito utilizado no Zabumba1. Podemos perceber
nessa marcação feita pelo violão duas subunidades dentro de uma unidade maior. Abaixo
verificamos tais subunidades traçando um paralelo entre a rítmica do zabumba, pela maceta
(baqueta que percute a membrana superior) e o bacalhau (baqueta mais fina que percute a
membrana inferior do tambor), e os bordões2, deixando assim um padrão.
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Figura 1: Paralelo entre a Zabumba e o Violão.
!
É possível perceber através do princípio da semelhança/proximidade a origem dessa
rítmica estabelecida para o violão. Além disso, o princípio da continuidade é presente já que
forma um padrão constante na introdução da peça. Essas mesmas características são
encontradas na condução rítmico-harmônico da viola nordestina conforme figura 2.
!
Figura 2: Paralelo entre a Zabumba e a Viola nordestina.
!
A regra de proximidade e mudança é perceptível no PS2, que é representado pelo
Marimbau ao iniciar a obra com uma nota pedal. Verificamos através da regra 6 deste
princípio os dois padrões estabelecidos pelo marimbau: PS2a (semínimas contínuas) e PS2b
(colcheias contínuas), ver figura abaixo:
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Figura 3: Detalhe do pedal inicial marcado pelo Marimbau, de acordo com a regra de mudança de
duração. Um padrão é proposto, e em seguida, um novo padrão rítmico é estabelecido.
!
Outro PS importante é a estrutura rítmica do tema principal. O compositor a criou
seguindo uma estrutura silábica utilizada nas sextilhas. A sextilha possui uma métrica e uma
rima que se estruturam sobre as sete sílabas por verso, que é a frase, e seis linhas por estrofe
(FERREIRA, 2012, p.135). Através do princípio da pregnância da forma é possível, para
quem conhece esse tipo música vocal, reconhecer e finalizar intuitivamente essas frases. Abaixo temos um exemplo desse tipo de cantoria intitulada com o mesmo nome,
Sextilhas3 interpretada pelos cantadores Pinto do Monteiro e Zé Pequeno:
To sin-ti-no é mor-ma-ço
Que-ro o meu cor-po dá fim
E to-do o ca-lor do mun-do
Jo-gou-se em ci-ma de mim
Num pen-sei que o Re-ci-fe
Fi-zes-se ca-lor as-sim
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O PS3 representado pela melodia do tema principal forma o padrão estrutural desta
cantoria, conforme figura 4.
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Figura 4: Tema 1 (principal) seguindo a estrutura de uma sextilha, executado no Marimbau.
O nosso PS4 é percebido na ponte, e é bem definido através do princípio da segregação,
onde é possível diferenciar duas unidades, a flauta e o violino, dentro da paisagem sonora. A
flauta surge como contracanto4 do violino, executando a mesma ideia de maneira inversa,
porém deixando as texturas sonoras se complementarem.
!
!
Figura 5: Ponte executado pelo Violino e Flauta. Marcações de motivos, semi-frases e frases.
No tema 2 é apresentado o PS5 na forma de imitação, com o violão iniciando o tema e a
viola repetindo um compasso depois. Muitos duos de melodias nordestinas utilizam essa
forma de composição, muito utilizada no período Barroco. Esse tipo de imitação idêntica é
conhecido como resposta, e ela é uma imitação da melodia principal conhecida como
proposta. (KOELLREUTTER, 1996, p.42)
Observe na figura 6 que na metade do tema 2 a melodia varia de modo, iniciando no ré
mixolídio (alteração na sétima) e finalizando na descendente em ré dórico com terça e sétima
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menor, fá natural e dó natural, enquanto eles trabalham a imitação, gerando uma sensação de
harmonia, uma coesão sonora com essas duas vozes separadas por intervalos de terça. Para
auxiliar essa unificação tem-se o marimbau que serve como apoio para o que está sendo
proposto pelas cordas dedilhadas, violão e viola nordestina.
!
!
Figura 6: Tema 2 com detalhes mostrando o cânone entre o Violão e Viola, acompanhados pelo pedal
marcado ao Marimbau.
Conclusão
Este trabalho trata da utilização dos princípios gestálticos para estudar alguns aspectos
característicos e singulares da música armorial. Foi possível constatar que o conhecimento dos
princípios gestálticos de fato abre novas possibilidades de análise musical, fazendo com que o
músico aprecie a peça musical não apenas de maneira técnica, mas de modo contextualizado,
de modo que seja válido observar as características musicais que são indispensáveis para a
estrutura de uma obra musical desse estilo, indo além da simples análise de modos e escalas
musicais utilizadas característicos da música armorial.
No caso da música Nordestina, é de grande importância o seu entendimento cultural
para garantir uma boa performance, principalmente no que diz respeito à criação melódica e
rítmica, que é baseada não apenas numa estrutura musical trazida no passado pelos
colonizadores e outros povos que ajudaram na formação do cenário folclórico de cada estado
da região do Nordeste.
O conhecimento de características da música vocal e instrumental nordestina, com o
auxílio de princípios gestálticos, nos propiciou separar alguns dos elementos rítmicos,
melódicos e estruturais que servem de base para as composições armoriais.
Pretendemos dar prosseguimento a esse estudo ao analisarmos o comportamento da
sonoridade nordestina e verificarmos, através de an;alises computacionais, o registro gráfico
das características únicas desse estilo musical que não podem ser grafadas em notação
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musical tradicional. Ao que sabemos, esta é uma pesquisa única que procura, além de resgatar
este importante e pouco divulgado movimento da música brasileira, estudar os registros do
comportamento sonoro peculiar da música dessa região. Para tanto, foi de fundamental
importância o auxílio técnico, histórico e musical do compositor Antonio José Madureira,
fundador do Quinteto Armorial, responsável por auxiliar Ariano Suassuna a encontrar a
sonoridade adequada que caracterizasse este momento histórico.
Assim como uma pintura representa um determinado período e técnica; onde os seus
diferentes elementos (cores, traços e proporções) dão vida e compõe uma forma, na música,
como arte dos sons organizados, tanto uma nota musical quanto um ruído possuem
características que podem ser analisadas separadamente mas que juntas, compõem um único
contexto. Cada período musical, no contexto do seu gênero ou associado à uma forma de
dança, possui seu próprio conjunto de elementos constituintes que o caracterizam, onde a
análise gestáltica permite, até certo ponto, entender e separar os elementos constituintes
formados de unidades e padrões. Tal ferramenta mmostrou ser de grande valia para se analisar
uma música tão rica em elementos diversos, que representam uma grande mistura de
comunidades e influências culturais, como é o caso da música armorial. !
Referências
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analistica. Revista eletrônica de musicologia, Volume XIII. Janeiro. Disponível no link:
http://www.rem.ufpr.br/_REM/REMv13/04/gestalt_led_zeppelin.htm.(Acesso em
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GOMES FILHO, João. (2004) Gestalt do Objeto: Sistema de leitura visual da forma. 6ª
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MONTEIRO, Pinto do; PEQUENO, (1980) Zé. Acelerando nas asas do juízo. Disco
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TENNEY, James; POLANSKY, Larry (1980). Temporal Gestalt Perception in Music. Journal
of Music Theory, Vol24, nº2. (Autumn 1980).
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404
1
O zabumba é um instrumento usado em diversos ritmos, e no Nordeste brasileiro o encontramos numa
das principais formações musicais de nosso país, os trios nordestinos, onde além dele tem o triângulo e o
acordeon.
2
As três cordas graves do violão, 4ª ré, 5ª lá e 6ª mi. As três cordas agudas são conhecidas como primas,
e são elas 3ª sol, 2ª si e 1ª mi. (FILHO, s/d, p.13 e 15)
3
Sextilhas é o título da faixa 1 do álbum (LP) independente “Pinto do Monteiro e Zé Pequeno: Acelerando nas Asas
do Juízo”.
4
Segundo GUEST, 1996, p.95, o contracanto é uma melodia que soa (combina) com um determinado canto dado.
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Música e dança: conhecimentos artísticos e enunciados coletivos
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Jorge Luiz Schroeder
Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP
[email protected]
!
Resumo: Este trabalho tem como objetivo refletir sobre algumas questões que concernem ao
trabalho colaborativo entre musicistas e bailarinas, partindo de uma concepção das
manifestações musicais e coreográficas como produtos culturais e, em consequência direta
disto, abordando-as nas suas dimensões simbólica e significativa. Tomando como base uma
atividade de improvisação coletiva iniciada há quatro anos, com alunas e alunos dos cursos de
graduação em dança e música, pretendo refletir principalmente sobre as dificuldades que
bailarinas e musicistas mostraram de entender as propostas enunciativas artísticas uns dos
outros (movimentos versus músicas). Outro ponto importante são as diferenças entre as formas
de falar sobre as próprias atividades (conceitos, noções, termos, expressões e jargão)
estabelecidas em cada campo de atividade artística que, embora muitas vezes utilizem termos
idênticos (tais como dinâmica, variação, desenvolvimento, frase, células, cores, densidade,
força etc.), estes carregam sentidos incompreensíveis e, em certos casos, intransponíveis de uma
área a outra. Como trabalho numa instituição de formação de bailarinas e bailarinos
(Departamento de Artes Corporais da Unicamp), mantenho durante toda a discussão uma
preocupação com os vários papéis da música na formação profissional em dança, ou seja, um
pano de fundo educacional.Como fundamentação teórica utilizo as reflexões sobre a linguagem
feitas pelo Círculo de Bakhtin, em especial as noções de enunciação e discurso, e as teorias dos
campos de atividades sociais e de habitus desenvolvidas por Pierre Bourdieu.
Palavras-chave: Música e dança, Enunciação e discurso, Campo e habitus.
!
Title: Music and dance: artistic knowledge and collective speech
Abstract: This paper has the objective to reflect on a few questions relating to the collaborative
work between musicians and dancers, from the point of view of the concept of musical and
choreographic manifestations as cultural products and, as a direct consequence of this,
approaching them in their symbolic and meaningful dimensions. Based on a collective
improvisation activity initiated four years ago with graduation students from the courses of
dance and music, I intend to reflect on the main difficulties that dancers and musicians have
manifested in understanding the artistic enunciative proposals from one another (movements
versus music). Another important point is the number of differences between the way to speak
about their own activities (concepts, notions, terms, expressions and jargon) established in each
artistic field which, although many times using identical terms (such as dynamics, variation,
development, phrase, cells, colors, density, strength, etc), carry incomprehensible meanings
and, in certain cases, insurmountable meanings from one area to another. As I work in an
institution for the formation of dancers (DACO – Department of Body Arts – Unicamp), I keep
the concern, throughout this discussion, with the various roles of music in the professional
formation in dance, that is, an educational background. As a theoretical foundation, I make use
of the reflections on language proposed by the Bakhtin Circle, especially the notions of speech
and discourse, and the theories of social activities and habitus developed by Pierre Bourdieu. Key-words: music and dance, speech and discourse, field and habitus
!
!
Palavras iniciais
Este trabalho de pesquisa, que ainda está em andamento, iniciou-se a partir de uma disciplina
que ministrei semanalmente para alunas e alunos dos cursos de graduação em música e em
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406
dança da Unicamp durante seis semestres (de 2010 até 2012). A proposta para esses cursos foi
a de elaborarmos enunciados artísticos em conjunto, e a estratégia eleita para isso foi a
improvisação coletiva.
É importante ressaltar, todavia, que o foco das nossas atenções não foi direcionado para
os processos de improvisação (no formato mais comum como eles acontecem na música e na
dança1), até porque para isso existem disciplinas especialmente montadas tanto no curso de
graduação em música quanto em dança2. Este não é, portanto, o assunto que será abordado
neste texto. Nas disciplinas ministradas, utilizamos a improvisação apenas como uma
estratégia de elaboração mais rápida de enunciados coreográficos-musicais. O foco dos
encontros foi direcionado para os modos de “dizer”, coreograficamente e musicalmente, as
nossas interações, os nossos diálogos, quando tentamos elaborá-los coletivamente.
Desejávamos criar, dançar e tocar em conjunto e observar o que resultaria disto. Tínhamos o
desejo de experimentarmos a elaboração de discursos coletivos nos quais tanto a música
quanto a dança participassem em condições de igualdade (tanto quanto possível) na
elaboração e desenvolvimento das ideias. E assim procedemos por algum tempo.
O curioso desta experiência foi observar a enorme e crescente dificuldade que os alunos
demonstravam em compreender o que é que estava acontecendo. Surgiram muitas dúvidas,
numerosas e extensas discussões sobre os modos de estimular a realização dessas pequenas
cenas musicais coreográficas improvisadas, e incontáveis (e díspares) interpretações dos
resultados obtidos. Em resumo, não chegávamos a um consenso: não conseguíamos realizar
algo que agradasse igualmente a todos e, ao mesmo tempo, não conseguíamos nem refletir
nem nos expressar sobre as razões desses “fracassos”.
Foi então que resolvi aproveitar dessa problemática, que surgia praticamente pronta,
para a elaboração de uma investigação mais profunda sobre esses “diálogos difíceis”, tanto
verbais quanto artísticos, que enfrentamos na situação prática de tocar e dançar juntos.
Através, principalmente, das teorias discursivo-enunciativas, elaboradas pelo Círculo de
Bakhtin3, e das reflexões sobre a economia das trocas simbólicas, propostas por Pierre
Bourdieu4, foi possível estabelecer algumas bases de interpretação (eixos explicativos) sobre
o que estaria ocorrendo entre nós nos encontros. Por um lado, estávamos tentando associar
gêneros de discurso diversos num só enunciado – gêneros estes que implicam eixos
semântico-axiológicos distintos. Por outro lado, não tínhamos muita consciência de quais
eram esses gêneros de discurso que usávamos cada um de nós para formarmos nossos
enunciados artísticos, tornando nossas conversas (tanto artísticas quanto verbais) um
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verdadeiro tatear no escuro.
Nos semestres restantes dos nossos encontros, aproveitei para observar como as
propostas práticas de improvisação eram recebidas pelas alunas e alunos, como suas atitudes
responsivas as acatavam ou não, como solucionavam ou não os atritos surgidos dessas
propostas. O foco das minhas observações passou a ser, então, o de buscar, através de
explicitações mais precisas dos pontos de conflito, alguns indícios que fornecessem
informações sobre as características das concepções artístico-discursivas dos participantes.
Como todas as bailarinas participantes eram alunas do curso de dança, e todos os músicos,
alunos do curso de música, supus que partilhariam mais ou menos de ideias artísticas
aproximadas, todas provindas de uma prática universitária ainda em processo, e uma provável
diversidade de concepções certamente se mostrariam mais como matizes de uma mesma
concepção mais geral e poderia ser reunida em dois grandes grupos: o das bailarinas e o dos
músicos.
Aos poucos, e com a ajuda das noções de enunciado e gêneros do discurso propostas
por Bakhtin (2003), fui coletando, além das ações propriamente artísticas, elementos, noções,
termos e expressões utilizados pelos participantes dos encontros que, embora muitas vezes
fossem os mesmos nas duas áreas, não carregavam os mesmos significados.
Abro agora um parêntese para introduzir ao leitor algumas das noções dos teóricos
envolvidos no trabalho, teóricos esses que, embora oriundos da linguística e da sociologia,
criaram princípios explicativos para os fenômenos simbólicos em geral e, dessa forma,
colaboraram para o entendimento das manifestações artísticas abordadas nesta pesquisa.
A noção de gênero do discurso e alguns exemplos
Vamos começar com a ideia de enunciado e de discurso, ou melhor, de gêneros do discurso.
Segundo Bakhtin:
O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais ou escritos) concretos
e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana.
Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido
campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela
seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua mas, acima de
tudo, por sua construção composicional. Todos esses três elementos – o conteúdo
temático, o estilo, a construção composicional – estão indissoluvelmente ligados no
todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um
determinado campo da comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é
individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente
estáveis de enunciados, aos quais denominamos gêneros do discurso (Bakhtin, 2003,
pp. 261-2, grifos do autor).
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A citação é um pouco extensa mas resume todos os pontos importantes que gostaria de
partilhar aqui. Bakhtin associa o emprego da língua aos campos da atividade humana. Isto
quer dizer que a associação de pessoas para realizar alguma tarefa conjunta e contínua (os
campos de atividade) implica num modo específico de expressão, ou seja, mesmo dentro de
uma só língua, como o português, encontramos formas de expressão variadas (gêneros
jurídico, científico, religioso, artístico etc.), muitas vezes até difíceis de entender por pessoas
que não estejam ligadas aos campos de atividades específicos. Vejam que, na citação, Bakhtin
afirma que os três elementos de qualquer enunciado (conteúdo temático: o que se fala; estilo:
o modo como se fala; construção composicional: a organização estrutural da fala) são
determinados “pela especificidade de um determinado campo da comunicação”. Em outras
palavras: a depender da atividade exercida pelo grupo, o enunciado muda, e os sentidos dele
apreendidos também. Aqui temos uma chave importante para a compreensão da nossa
problemática: as expressões (me refiro às verbais) utilizadas na música e na dança se diferem
por terem sido elaboradas e utilizadas em campos de atividade artística diferentes; e algumas
delas chegam ao ponto de não serem claramente compreendidas pelos participantes da outra
área (apenas como exemplo cito: dinâmica, frases – de movimento e musicais –,
desenvolvimento, unidade, contraste etc., que em cada área designam elementos e noções
distintas, e muitas vezes conflitantes).
Por sua vez, Pierre Bourdieu oferece uma abordagem muito próxima a esta quando
expõe sua noção de campos de atividades sociais. Ao pesquisar, por exemplo, sobre o
processo de autonomização da produção intelectual e artística, Bourdieu propõe uma visão de
como esse processo prevê, de certa forma, a formação de um campo mais restrito de
atividades. Nas suas próprias palavras:
!
(…) o processo conducente à constituição da arte enquanto tal é correlato à
transformação da relação que os artistas mantêm com os não-artistas e, por esta via,
com os demais artistas, resultando na constituição de um campo artístico
relativamente autônomo e na elaboração concomitante de uma nova definição da
função do artista e de sua arte (…) como a afirmação de uma legitimidade
propriamente artística, ou seja, do direito dos artistas legislarem com exclusividade
em seu próprio campo – campo da forma e do estilo –, ignorando as exigências
externas de uma demanda social subordinada a interesses religiosos ou políticos (…)
(Bourdieu, 1999, p.101, grifos do autor).
Tentando amarrar as duas ideias, podemos dizer que para os dois autores a formação de
um campo de atividades está diretamente vinculada, entre outras coisas, à elaboração de uma
forma específica de atuação e de comunicação, ou seja, uma forma específica de agir e uma
forma específica de falar sobre essas ações. E essa forma específica de ação e de comunicação
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implica na eleição de valores e significados mais ou menos específicos do campo que a
elaborou, já que se pretende, com a elaboração de um campo, se desvincular das intrusões
decisórias de outras instâncias alheias a ele.
De certa forma, a utilização desses parâmetros de interpretação citados acima foram
possíveis, por exemplo, quando certos termos utilizados nos encontros causavam desconforto.
Quando propusemos utilizar como estrutura de um dos improvisos o “desenvolvimento de
uma só ideia, de um só tema”, a incompreensão se instalou na dúvida sobre quais seriam os
limites que caracterizaria (e que, por consequência, sua transgressão descaracterizaria) essa
linha imaginária do “desenvolvimento”, qual tipo de modificação da ação (musical ou
coreográfica) amarraria ou não a concretização de um “desenvolvimento” de uma ideia única.
A proposta era que ora um grupo, ora outro, comandassem o improviso e lançassem suas
ideias iniciais e as desdobrassem numa só unidade significativa. Nesse caso, as bailarinas
pareciam ter muito mais liberdade ao “desenvolver” suas ideias coreográficas iniciais e ir
muito mais longe do que o “desenvolvimento” das ideias musicais iniciais propostas pelos
músicos. Para os músicos, as bailarinas pareciam transgredir a ideia inicial constantemente;
enquanto para as bailarinas, o “desenvolvimento” musical dos músicos parecia monótono.
Muitas dúvidas também apareciam no que significaria “uma só ideia”, “um só tema”.
Seria um só “movimento” (para as bailarinas)? Uma “frase de movimentos”? Um só “estado”
ou uma só “qualidade” de movimentos (leve, pesado, direto, indireto etc.)? Por sua vez, para
os músicos: seria uma só célula? Uma só ideia melódica? Uma paisagem sonora? Mesmo
decidindo separadamente uma dessas possibilidades para cada grupo, à realização do
experimento se seguiam muitas discussões e dúvidas sobre os supostos êxitos ou fracassos da
realização.
Um outro conflito pode ser citado ainda como exemplo. Ocorreu quando a proposta guia
para a improvisação foi a seguinte: executá-la em duas seções contrastantes (parte A e parte
B). Numa primeira vez, os músicos lideraram a mudança. Numa segunda vez, as bailarinas. A
identificação das mudanças de partes (que deveriam ser “extremamente contrastantes”) de um
grupo pelo outro causou bastante confusão. Músicos não perceberam claramente as seções
propostas pelas bailarinas, e vice-versa. Por um lado, a noção de “contraste” se mostrou
totalmente incompatível entre as áreas: os contrastes na música não estimulavam mudanças de
atividade coreográfica nas bailarinas porque não lhes pareciam “contrastantes” o suficiente, e,
por sua vez, os “contrastes” apresentados pelas bailarinas pareciam seccionar a improvisação
em muito mais partes do que apenas as duas propostas. Por outro lado, também a proporção
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entre as durações dessas seções se mostrou bem diferente. Entre os músicos havia uma
tendência a igualar as seções em durações mais ou menos parecidas (proporção aproximada
de metade do tempo total para cada seção). Entre as bailarinas essa preocupação não se
mostrou presente, suas seções variavam bastante em tamanho e na relação das partes
(proporção de uma parte para quatro ou cinco, para cada seção).
!
A noção de enunciado e alguns exemplos
Outra noção importante para a compreensão das nossas atividades de improvisação é o
enunciado que, segundo Bakhtin, é a unidade de sentido no âmbito da língua em
funcionamento.
A língua materna – sua composição vocabular e sua estrutura
gramatical – não chega ao nosso conhecimento a partir de dicionários
e gramáticas mas de enunciações concretas que nós mesmos ouvimos
e nós mesmos reproduzimos na comunicação discursiva viva com as
pessoas que nos rodeiam. (...) Aprender a falar significa aprender a
construir enunciados (porque falamos por enunciados e não por
orações isoladas e, evidentemente, não por palavras isoladas)
(Bakhtin, 2003, p.283).
!
Ou seja, o aprendizado da língua materna se dá por mergulho nas suas unidades de
sentido (os enunciados) e, como consequência, por um esforço de respondermos a esses
sentidos gradualmente captados na interação verbal com os outros falantes da mesma língua.
Este processo parece bastante plausível também para a apropriação dos sentidos artísticos.
Assim como não ouvimos ou pronunciamos “palavras”, “mas verdades ou mentiras, coisas
boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis...”, ou seja, “a palavra está
sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial” (Bakhtin, 2009,
pp. 98-99), também não ouvimos ou tocamos “notas” ou “acordes”, e não dançamos
“movimentos” ou “deslocamentos”, mas ouvimos e vemos coisas atraentes ou repugnantes,
acalentadoras ou irritantes, estimuladoras ou entediantes. E assim como a palavra na língua,
os sons na música e os movimentos na dança estão carregados de sentidos ideológicos ou
vivenciais. Afinal, é através do enunciado significativo que a música e a dança entram na vida,
e também que a vida entra na música e na dança. Desse modo é possível entender que o
músico que toca e a bailarina que dança elaboram seus enunciados a partir de certos gêneros
de discurso artístico que apresentam de modo mais estável (lembrando a citação no início
deste texto) conteúdo temático, estilo e construção composicional, e é a partir dessas práticas
discursivas, tornadas esquemas de compreensão, percepção e ação, que criam as suas
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respectivas formas de compreender e valorizar os outros enunciados artísticos: o gênero do
discurso torna-se também referência para a apreciação.
Portanto, voltando aos emaranhados dos nossos encontros de improvisação, não apenas
nossas falas ocorriam em movimentos de fricção, mas também nossas músicas e coreografias.
Isto porque os eixos semânticos-axiológicos (de significação e valores), que cada um
carregava para os encontros, provinham das trajetórias únicas e particulares de cada
participante dentro de um terreno artístico topograficamente acidentado e não linear, na
dimensão da significação, embora fosse um terreno comum.
Foi então que a partir da explicitação de algumas características do enunciado feitas por
Bakhtin (2009) pude identificar algumas características também das formas de enunciar das
bailarinas e músicos que me levaram a supor certos gêneros discursivos estáveis por trás das
improvisações. Contudo, a “transposição” de uma teoria de uma área à outra não se faz sem a
exigência de transformações, desdobramentos, acréscimos, reformulações, críticas e
adaptações5.
Há certa homologia entre os limites do enunciado verbal e os limites dos nossos
enunciados artísticos coletivos, como afirma o próprio Bakhtin6: nossos enunciados, embora
‑
coletivos, supunham um início e um final através dos quais era possível alternar os “falantes”,
evidentemente não imediatamente, como não se tratava de diálogo face a face; mas levávamos
em conta um público existente (às vezes os próprios músicos ou bailarinas) ou fictício. No
entanto, essa “troca de falantes” também ocorria internamente aos nossos enunciados, numa
espécie de diálogo interno. Foi possível perceber que havia uma alternância entre
protagonistas e coadjuvantes na própria ação de enunciar (algo próximo das noções musicais
de “solista” e “acompanhante”). Por momentos, alguma bailarina ou músico poderiam
assumir o protagonismo da enunciação encabeçando alguma ideia parcial que iria, de certo
modo, orientar os outros participantes através de uma espécie de orientação significativa. Mas
é bom lembrar que esse tipo de alternância de protagonistas dentro de nossa improvisação irá
ser mais profundamente investigada, pois ela se deu a partir de algumas informações
microscópicas (espécie de “dixi”) emitidas pelo protagonista que informavam aos outros
participantes sua vontade de protagonizar um momento do evento. Esse “dixi”, que
frequentemente marcava o início e o final da ação de protagonizar um momento criativo e
estabelece a distinção momentânea de papéis, pelo que pude observar até agora, sua forma
também dependia do gênero de discurso artístico incorporado pelo protagonista. E ele nem
sempre foi entendido pelos outros participantes. Ainda foi possível perceber um fenômeno
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que posso chamar provisoriamente de atribuição de protagonismo, através do qual o grupo de
participantes, por razões que irei ainda investigar, passava a se orientar por alguma ideia
específica oferecida por um dos participantes, tornando-o – várias vezes à sua revelia –
protagonista temporário da improvisação, algo como um contágio significativo. Houve ainda
casos que chamei de isolamento, nos quais alguns participantes ficavam “na sua”, afastados
do que ocorria com o resto do grupo, sem interação aparente.
!
Palavras finais
Minha insistência em observar e enfatizar aquilo que “não deu certo”, os “fracassos”, os
“desentendimentos” e “incompreensões”, com referência ao momento empírico desta
pesquisa, é para explicitar que esses são os momentos mais fecundos para a observação
daquilo que, em virtude da familiaridade adquirida pelo uso corrente, constante e intenso de
certos sistemas de significação, de certos gêneros de discurso, se torna para os artistas uma
espécie de marco zero, de dimensão tácita, ao redor do qual não cabem questionamentos. A
partir dos “erros” está sendo possível observar aquilo que se instaura como “acertos”. E é
nesse processo de apropriação, nem tão aleatório mas nem tão determinista, que se
estabelecem os modos de expressão. E a apropriação desses modos de expressão (dos eixos
semânticos-axiológicos) se dá tanto na formação artística (cursos, aulas, conservatórios ou
academias de dança) quanto pelo mergulho nas práticas artísticas. Há uma imbricação
bastante profunda e complexa entre aquilo que sistematicamente nos é ensinado e aquilo que
informalmente absorvemos do nosso entorno social e cultural (a educação “difusa”, como
denomina Bourdieu, 2003, a apropriação dos valores culturais). Muito do “extra-artístico”
envolve a nossa compreensão significativa da nossa prática artística (ou mesmo da nossa
recepção como público), mas isso é assunto para um outro texto.
!
Referências
Bakhtin, M. M. (2003). Estética da criação verbal (4ª ed.). São Paulo: Martins Fontes.
Bakhtin, M. M. (2009). Marxismo e filosofia da linguagem (13ª ed.). São Paulo: Hucitec.
Bourdieu, P. (1999). A economia das trocas simbólicas (5ª ed.). São Paulo: Perspectiva.
Bourdieu, P. (2001). Meditações pascalianas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.
Bourdieu, P. (2009). O senso prático. Petrópolis, RJ: Vozes.
Brandist, C. (2012). Repensando o círculo de Bakhtin. São Paulo: Contexto, 2012.
Faraco, C. A. (2009). Linguagem & diálogo: as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. São
Paulo: Parábola Editorial.
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413
1
Na área técnica da música, ver, por exemplo, Tiné, P. J. de S. (2011). Harmonia: fundamentos de arranjo e
improvisação. São Paulo: Rondó; Chediak, A. (1987). Harmonia e improvisação. 2 v. Rio de Janeiro: Lumiar,
1987; e Lima, S. A. de e Albino, C. (2009). A improvisação musical e a tradição escrita do ocidente. Música em
Perspectiva: Revista do Programa de Pós-Graduação em Música da UFPR – v.2, n.1 (mar.2009) – Curitiba:
DeArtes. Na área da dança, ver, por exemplo, Haselbach, B. (1989). Dança – improvisação e movimento. Rio de
Janeiro: Ao Livro Técnico; Valente, R. G. (2012). A improvisação de dança na (trans) formação do artistaaprendiz. Tese de Doutorado não publicada, Universidade Estadual de Campinas, Campinas SP. E ainda, no
teatro, ver, por exemplo, Chacra, S (2010). Natureza e sentido da improvisação teatral. São Paulo: Perspectiva.
2
No curso de música, as disciplinas que abordam a improvisação são as Práticas Instrumentais. No curso de
dança, são os Ateliês de Criação.
3
Sobre o Círculo de Bakhtin, ver Faraco (2009) e Brandist (2012).
4 Ver
principalmente Bourdieu (1999, 2001 e 2009).
5
Um texto muito interessante sobre esse assunto é o de Lahire (2002), no qual elabora a ideia de
“prolongamento crítico” no uso de uma teoria (no caso, a de Pierre Bourdieu).
6
“A alternância dos sujeitos do discurso (falantes), que determina os limites dos enunciados, está aqui
representada com excepcional evidência [ele se refere ao diálogo face a face]. Contudo, em outros campos da
comunicação discursiva, inclusive nos campos da comunicação cultural (científica e artística) complexamente
organizada, a natureza dos limites do enunciado é a mesma” (Bakhtin, 2009, p.279).
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Etnografia de um empreendedorismo em música: o caso de
Sebastião Rodrigues e a banda Squema Seis
!
Caio Mourão
Programa de Pós-Graduação Música em Contexto – UnB
[email protected]
!
Resumo: Por diversas razões músicos deixam de ser prestadores de serviço para se tornarem
empresários na sua área de atuação. Nesse momento inicia-se um conflito sobre o senso de
pertencimento identitário a um determinado grupo social (músico ou empresário). Para compreender as
motivações e conflitos emocionais que afloram nessa situação, esse artigo propõe-se a analisar a
trajetória de vida do músico empresário Sebastião Rodrigues, o Tiãozinho, desde o início de seus
empreendimentos, ainda na infância, até o começo do seu negócio de maior sucesso, a banda Squema
Seis, em meados de 1980. Para guiar esse estudo, serão utilizados textos das áreas da motivação,
psicologia e sociologia da música, sociologia das emoções e administração. Os motivos de se tornar um
músico empresário, elencados pelo entrevistado, foram a não aceitação de suas opiniões por parte dos
seus antigos “patrões”, a necessidade e a identificação de várias falhas no serviço prestado por outros
profissionais do ramo. Quanto ao senso de pertencimento identitário do entrevistado, concluiu-se que,
apesar dele não possuir racionalmente um sentimento de pertencimento a nenhuma das duas facetas
sociais apresentadas (músico ou empresário), sua identidade era a de músico empresário, ou seja, uma
personalidade oriunda da união indissociável entre ambas as facetas.
Palavras-chave: motivação, pertencimento, empreendedorismo musical.
!
!
Abstract: For any reasons some musicians left to be free lancers to start musicians business. In this
moment begins disturbs on identity belonging sense, because two social groups (musician and
businessman) are present in the same person. To understand the motivations and emotional conflicts
that raise in this situation, this article want to analyze the life’s trajectory from the musician
entrepreneurship Sebastião Rodrigues, the Tiãozinho, since the begin of his entrepreneurships, in his
childhood, until the begin of his bigger business: the Squema Seis band, at the middle of 1980. To
conduct this study, we will use essays from scientist’s areas of motivation, psychology and sociology of
music, emotional sociology and business. For him, the motivations to be one musician business was the
disagree of his ancient “bosses” about his ideas, the necessity and the identification of many bad
services in his business segment of market. About his identity belonging sense it observed that,
although he doesn’t have rationality one belonging sense about musicians or business men, his identity
was musician business, sounds like one personality born from both identities.
Keywords: motivation, belonging, music entrepreneurship.
1 Introdução
Esse artigo propõe-se a analisar as motivações que levaram o músico empresário Sebastião
Rodrigues, o Tiãozinho, a formar a banda de baile brasiliense Squema Seis. Um dos
questionamentos chave desse estudo está relacionado a seu sentimento de pertencimento: por
tratar-se de um músico e um empresário ao mesmo tempo, sua afinidade identitária estaria
direcionada mais a um desses dois grupos sociais que ao outro, ou haveria uma sensação de
mistura dessas facetas? Como essas facetas contribuíram para construção de sua identidade?
O período da trajetória de vida de Tiãozinho, analisado no artigo, vai do início de seus
empreendimentos, ainda na infância, até o começo da banda, em meados de 1980.
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A metodologia de pesquisa qualitativa foi baseada no estudo de caso e utilizou a técnica
da entrevista em profundidade, com Tiãozinho e pessoas de seu convívio, em encontros
realizados durante o mês de novembro e dezembro de 2013.
!
2 Vertentes teóricas
Entre as principais vertentes teóricas desse artigo estão os estudos sobre motivação e
sociologia da emoção. As pesquisas de Chiavenato (2008, 2006, 2002) sobre
empreendedorismo e administração de empresas servirá como elemento comparativo das
tarefas acumuladas pela mesma pessoa.
!
2.1 Motivação
Os estudos sobre a motivação apontam para a existência de duas orientações principais da
mesma, a saber: motivação intrínseca e motivação extrínseca (BORUCHOVITCH, 2001;
GUIMARÃES, 2001; BZUNECK, 2001). A primeira (intrínseca) consiste na “escolha e
realização de determinada atividade, por sua própria causa, por esta ser interessante, atraente
ou, de alguma forma, geradora de satisfação” (GUIMARÃES, 2001, p.37). A atividade, dessa
forma, é o fim em si mesmo (autotelismo). No caso da música, seria o fazer musical,
desprovido de razões externas. A motivação extrínseca seria, segundo Neves & Boruchovitch (2004), o engajamento
em determinada atividade como forma de obtenção de recompensas externas. Dessa forma, o
músico que estuda para obter notoriedade perante seus pares, ou o artista que visa o lucro
financeiro na produção de suas obras, são exemplos de motivação extrínseca.
Vinculada à motivação extrínseca, está a crença de auto eficácia, o que Bandura (1986)
define como o julgamento do indivíduo acerca de suas capacidades de organização e execução
de tarefas. Segundo o autor, pessoas com um elevado índice de auto eficácia acreditam ser
capazes de lidar com os diversos acontecimentos da sua vida. De igual maneira, pessoas com
um baixo índice de auto eficácia desconfiam da sua capacidade de transpor barreiras e, de
acordo com Bzuneck (2001) e Cavalcanti (2009), tais indivíduos tendem a desistir facilmente
de uma tarefa, tão logo surjam dificuldades que o tirem de sua zona de conforto.
!
2.2 Emoção
Goleman (1995) assevera que o ser humano possui duas mentes, uma responsável por pensar
(racional) e outra por sentir (sentimental). Segundo ele, a mente racional é mais atenta,
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ponderada e reflexiva, o que Guiddens (1993) relaciona como sendo um traço social da
personalidade tipicamente masculina; enquanto a mente sentimental é impulsiva, imediata e
por vezes ilógica, o que Guiddens (1993) elenca como um traço social da personalidade
tipicamente feminina. A sociologia das emoções defende que as emoções são diversas e
plurais, variando de uma sociedade para outra e variando no interior de uma mesma sociedade
ou cultura, a depender da classe, do gênero, da idade etc. De acordo com Hochschild (2008;
1983) e Lazzarato & Negri (2001) as emoções podem ser controladas e negociadas para fins
comerciais e afetivos. De igual maneira, segundo Elias (1994), Becker (2008) e Guiddens
(1993) o descontrole das emoções pode causar sofrimento nas pessoas, sendo responsável por
crises identitárias. !
3 Sebastião Rodrigues: início da carreira
Primogênito de uma dona de casa e um assistente ferroviário com seis filhos, Sebastião
Rodrigues, o Tiãozinho, nasceu na cidade de Silvânia, município de Goiânia, em 16 de
fevereiro de 1948. Negro e de família humilde, desde jovem teve a necessidade de trabalhar
para auxiliar seus pais. Contudo, segundo afirma, não trabalhava para a compra de bens
comuns de sua casa (mercado, água, luz), apenas para a compra de pertences pessoais e para
pagar por seu divertimento. Já atou como engraxate, menino de recados, jornaleiro,
guitarrista, arranjador, vendedor, diretor musical e empresário de bandas. Atualmente é
proprietário de uma imobiliária destinada a administrar o aluguel de seus mais de vinte
imóveis, que variam de apartamentos e casas residenciais, a salas e lojas comerciais, além de
contar com aplicações financeiras em ações e outros investimentos. Sempre gostou de ter seu
próprio dinheiro e não representar um “peso” a ninguém de quem precisou:
!
Quando eu tava em São Paulo, eu morei na casa do Riba1. Fiquei num hotel e ele não
aceitou e foi me tirar de lá. E quê que eu fazia? Já não ganhando muito, mas eu ia lá
sempre no supermercado fazer umas compras... Comprava as coisas e tal... Eu nunca fui
folgado... Não dou conta de ser folgado.
De igual maneira, diz nunca ter pedido dinheiro emprestado a ninguém, a não ser do
banco, hipotecando sua casa para investir em equipamentos de som e iluminação: “Pra músico
isso era muito difícil (obter uma hipoteca). O gerente (do banco) fez isso porque ele era muito
meu amigo. Músico não tinha crédito na praça. Agora... Dinheiro emprestado não, nunca”.
Depois de tocar em muitas bandas e casas noturnas de Goiânia, mudou-se para Brasília,
na década de 1970, para integrar como guitarrista o conjunto Raolino e seus big boys, famosa
banda de baile brasiliense. Posteriormente, fez parte da banda Super Som 2000, de
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propriedade do cantor Joãozinho, que iria se tornar seu sócio na banda Tom Maior. Guitarrista
autodidata, Tiãozinho ganhou prestígio entre os músicos por sua aguçada percepção auditiva
(harmônica e melódica) e pela capacidade de construir linhas melódicas em improvisações, o
que possibilitou a ocupação de cargos de direção musical, além de guitarrista, em muitos
conjuntos musicais.
Tiãozinho relata que, naquela época, era comum, aos músicos brasileiros que
aspirassem uma carreira de sucesso, a mudança para o Rio de Janeiro ou São Paulo que,
segundo ele, era “onde os artistas estavam e as coisas aconteciam”. Green (2005; 2008), em
seu estudo com músicos populares e estudantes secundaristas no processo de aprendizagem
informal da música, ressalta a importância da aprovação dos feitos realizados, pelo grupo ao
qual se faz parte, pelos pares, na fortificação da personalidade individual. A autora revela o
papel das apresentações musicais públicas como uma espécie de “termômetro” da aceitação
do desempenho de alguém pelos outros, independente do tamanho do evento2.
Assim, seguindo a tendência de muitos, Tiãozinho mudou-se para São Paulo, apesar de
casado e com a primeira filha, Juliana, recém-nascida:
!
Aí eu falei com a Valma (ex-mulher) que eu iria viajar e que não preocupasse comigo. Eu
precisava resolver umas coisas e manteria contato. E fui pra São Paulo. Fiquei lá uns
sete, oito meses... Mas eu me decepcionei quando vi as condições de vida que meus
ídolos passavam (...). Os caras do Jongo Trio3 me convidaram pra dirigir o conjunto,
montar os arranjos vocais, fiscalizar o horário que o pessoal chegava no ensaio... Mas eu
não quis. Eu ganhava mais ou menos o que seria mil, mil e duzentos reais por evento, por
show lá. Um bom cachê... E voltei (para Brasília) ganhando em torno de cem reais para
tocar em uma churrascaria perto do CONIC4, na banda Tom Maior.
Apesar de sua situação profissional em São Paulo parecer promissora, em vista da
condição da maioria dos músicos de Brasília à época, Tiãozinho lembra que muitos dos
consagrados músicos do eixo Rio-São Paulo passavam necessidades financeiras, o que o fez
pensar na possibilidade de voltar à Brasília. A instabilidade financeira era algo que o
incomodava. Contudo, voltar à antiga cidade para receber cachês que giravam em tono de
cem reais, se comparados a moeda atual, não era nada estimulante para ele. Foi quando
Tiãozinho recebeu um convite de sociedade.
!
3 O primeiro empreendimento musical
Quando em São Paulo, Tiãozinho fala que recebeu um convite para se tornar sócio do
conjunto musical Tom Maior, que era a segunda banda, em ordem de importância, do também
músico empresário Joãozinho. A primeira, como já comentado, era a Super Som 2000, ambas
de Brasília:
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!
418
Ele (Joãozinho) me telefonou perguntando se eu queria ser sócio dele em 50% na Tom
Maior. Daí, como eu “tava” descontente com as coisas que eu via os grandes músicos
passarem... Devendo aluguel... Pedindo dinheiro emprestado... Eu topei. Mas eu não
tinha dinheiro pra botar... E ele já tinha uma aparelhagem... Eu tinha que comprar
metade, pra ficar certo... 50%... Mas eu não tinha dinheiro…
Na sociedade, Tiãozinho dirigiria musicalmente a banda Tom Maior, enquanto seu sócio,
Joãozinho, cuidaria da venda do serviço do conjunto. Gerber (1990) fala da importância de,
em uma sociedade, os sócios firmarem um acordo claro, de preferência por escrito, das
obrigações de cada um na empresa. O primeiro acordo financeiro entre os dois dizia que
Tiãozinho iria pagar Joãozinho aos poucos, com o que fosse ganhando na banda. Contudo,
recebendo cachês que giravam em torno de cem a cento e cinquenta reais, Tiãozinho percebeu
que demoraria muito para que conseguisse quitar sua dívida. Nesse meio tempo, com seis ou
sete meses de convivência, Tiãozinho percebeu que, por mais se esforçasse em seu trabalho,
nunca a banda Tom Maior chegaria ao mesmo patamar de importância que a Super Som 2000,
tendo Joãozinho como sócio, pois o mesmo não abria mão de ter esta banda como a mais
significativa para ele.
!
Nessa época, Tiãozinho lembra que se orgulhava de ser um músico que:
!
“Iniciava a vida”5 já com uma casa própria, financiada pelo BNH6. Naquela época tinha
saído uma lei... Uma norma... Determinação... Sei lá, que reconhecia o músico como
trabalhador7. Com isso eu era muito amigo do gerente do banco e ele conseguiu o
financiamento da casa pra mim. Era uma casa da X Norte8.
Voltando à questão da sociedade com Joãozinho, considerando as circunstâncias em que
o entrevistado se encontrava: recebendo pouco, tendo sua liberdade de gestão limitada pelo
sócio, sem perspectiva de crescimento econômico, e considerando-se, como ele próprio
afirmou, o “provedor da família”, via-se obrigado a modificar o rumo dos acontecimentos:
Eu não ligo em ser o segundo lugar... De ser o terceiro, o quarto, ou o quinto lugar. Mas
deixe que a vida decida isso, e não alguém. Com o Joãozinho eu via que nunca deixaria
de ser o segundo lugar. E foi aí que eu decidi romper a sociedade (...). No começo ele não
quis, e se propôs a aumentar minha cota. Aí eu disse que, mesmo que ele me desse 105%,
eu não queria ser mais sócio dele.
!
Nesse momento de sua vida Tiãozinho teve a ideia de pegar um financiamento no banco
para comprar toda a banda Tom Maior de seu sócio: “Eu pensei... Pensei... E acabei chegando
à conclusão que essa era a única saída. Eu tinha que hipotecar minha casa... Não tinha outra
saída”. www.abcogmus.org/simcam/index.php/simcam/simcam10/
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É interessante notar que a casa, a que ele se refere, era seu único bem de valor
significativo e que, nessa época, além de ser casado, já era pai de uma filha, e que hipotecou a
casa para comprar aparelhos de som e luz, o que, para muitos, pode representar uma loucura.
Essa ação se enquadra bem na definição de empreendedor, trazida por Gartner (1990),
conceituando-o como alguém além do mundo dos negócios: pessoas que, mesmo sem
fundarem suas empresas ou iniciarem seus próprios negócios, estão preocupadas e focalizadas
em assumir riscos e inovar continuamente.
Quanto ao papel de sua esposa, na decisão de hipotecar a casa, ele lembra: “Eu
comuniquei ela (ex-mulher) ... Ela sabia... Mas não tinha o que fazer... Só tinha aquele
caminho”. A aparente “passividade” de sua ex-mulher, quanto a não influenciar negativamente
sua decisão de hipotecar a casa, vai ao encontro das ideias de Hochschild (1983; 1989; 1997;
2008) ao analisar como as mulheres administram suas emoções, quais os custos e benefícios
de fazer isso em público e na vida privada.
Assim, o trabalho emocional de apoio ao ex-marido, realizado por Valma, que
aparentava não dispor de meios objetivos, ou capacidade, para auxiliá-lo em decisões como
aquela (hipotecar a casa), foi de tal forma profundo, que não consistia em uma representação,
mas em um habitus, ou seja, aquilo que se tornou carne (BORDIEU, 1983). Hochschild
(1983), analisando o comportamento de aeromoças americanas, mostra como elas expropriam
emoções profundas da vida privada e utilizam-nas em sua atividade de trabalho. Contudo,
contrapondo as ideias de Goffman (1988), para o qual a separação entre o “eu” e “meus
sentimentos” ocorre na superfície (nas expressões do corpo), no trabalho das emoções
definido por Hochschild (1983), a separação dá-se na profundidade, no esforço de sentir, de
treinar-se para isso e de mostrar esse sentimento, não sendo portanto uma representação.
Guiddens (1993), analisando as negociações emocionais feitas por homens e mulheres,
mostra o contraste que existe entre razão e emoção, e que esta é normalmente associada à
mulher, enquanto aquela, ao homem. Da mesma forma, o papel de manutenção material
doméstica é normalmente atribuído ao homem, enquanto que para mulher está reservada a
condição de gestora emocional do lar. Tais ideias representam bem o papel de provedor
material ao qual Tiãozinho se atribuía dentro da família:
No início do casamento a Valma (ex-mulher) trabalhava. Ela era professora primária.
Mas o que ela ganhava era só pra ela, pra comprar suas coisas. Eu era o provedor da casa.
Graças a Deus a sua (referindo-se a minha pessoa) geração é diferente da minha. Você
não precisa mais ser o único que tem que prover.
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Quanto ao empréstimo feito com o banco, em função da hipoteca de sua casa, Tiãozinho
lembra com orgulho que realizou sua quitação muito tempo antes do previsto:
Eu hipotequei pra pagar em quinze anos... E quitei em um ano e seis meses. O banco
ficou meio sem compreender isso... (risos) O banco não compreendeu, quero dizer,
burocraticamente. Porque fazer as contas e tal... Ver os juros que seriam abatidos... Dá
um pouco de trabalho pra eles, né?
Esse acontecimento certamente reforçou seu ímpeto empreendedorístico, motivando-o a
assumir novos riscos. !
4 Os motivos de se tornar empresário
Quando indagado sobre os motivos que o levaram montar a banda Squema Seis, cujo nome
está vinculado a seu apelido9, ele diz que montou o conjunto por três motivos:
!
1) Não aceitação de suas opiniões por parte dos seus antigos “patrões”. Tiãozinho definese como um “homem de ideias” e um “inquieto”, além de se considerar um “bom
funcionário”, quando prestava serviços em outras bandas:
Eu sempre procurei dar o meu melhor em todo lugar que passei. Sempre fui um bom
funcionário. Sou um homem de ideias. Nunca consegui fazer “vista grossa”10 em relação
a qualquer problema que eu julgava que precisasse ser reparado. Independente de quem
fosse o conjunto. E eu procurei sempre levar soluções. Sempre fui inquieto com isso.
‑
!
Contudo, julga que seus antigos “patrões” não “davam muita bola” para suas sugestões e se
desanimava com isso. Pode-se perceber que essa motivação é intrínseca, pois não havia uma
causa externa que justificasse esse sentimento de desvalorização, como, por exemplo, outra
proposta de sociedade por parte de algum empresário. A sensação de subutilização de sua mão
de obra e o quase total descaso por suas ideias administrativas, por parte dos proprietários das
bandas as quais prestou serviço, foram suficientes para gerar essa motivação de
descontentamento.
!
2) Necessidade. Tiãozinho diz ser um indivíduo “movido pela necessidade” em seu sentido
amplo. Em um momento em que ele falava sobre um problema de relacionamento que estava
enfrentando com um cantor da banda, depois de dois anos de convivência, lembra:
No dia dois de janeiro eu pedi uma reunião com todos: músicos, equipe técnica,
motorista, pra falar sobre a saída do Pedro11. Comecei a conversa assim: “O Pedro, a
quem admiro, não acredito que haja um cantor de baile melhor que ele, no Brasil. Podem
existir iguais a ele, mas melhores, não acredito. Quando eu o conheci, ele cantava no
canequinho12, lembra Pedro? – E o fitava nos olhos – (...) Agora, eu estou anunciando,
com muito pesar, muita pena, e de novo com medo13 (...), que eu estou abrindo mão do
‑
‑
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Pedro. Eu não concordo com você (se referindo ao Pedro), mas é o seu sentimento e esse
eu respeito. E pra gente vai ser uma tarefa muito árdua (...), mas eu não tinha nada
quando eu nasci, e hoje já tenho um conjunto. (...) Eu tenho um defeito grave: eu gosto
de desafio. Gosto, não: eu sou movido a desafio. Sou movido por necessidade (grifo
nosso)”.
!
A necessidade financeira também influenciou a decisão do entrevistado em “montar o
conjunto”, afinal, como ele mesmo diz: “Eu estava desempregado, com mulher e filho. E eu
era o homem, né? Eu era, e deveria ser, o provedor da família. Quando a Juliana estava com
dois meses de idade, eu virei e falei pra Valma: ‘Olha... Tô indo viajar... Não preocupa não...
Logo dou notícia...’”.
Essa motivação é extrínseca, pois teve como móvel sua preocupação em prover materialmente
a si e a sua família.
!
3) Identificação de várias falhas no serviço prestado por outros profissionais do ramo.
Tiãozinho diz ter ajudado a “montar” o Super Som 2000, e que sempre procurava “corrigir o
que achava que estava errado”. Mesmo em São Paulo, grande cidade que, em tese, haveria
profissionais exemplares do show business brasileiro, Tiãozinho se surpreendeu com a,
segundo ele, “falta de profissionalismo” das pessoas. Segundo o depoimento de um exintegrante do Squema Seis, Tiãozinho
Era muito, mas muito exigente (enfatiza). Ele passava uma sensação estranha na gente,
tipo se tivesse espiando a gente toda hora, entendeu? Pra piorar a situação, ele tinha um
“puta ouvido14” e “sacava15” qualquer merda que a gente fizesse... Na hora! Qualquer
errinho ele percebia... O neguinho era foda! (risos)
‑
‑
!
Essa motivação foi ao mesmo tempo intrínseca e extrínseca. Intrínseca pois inicialmente
Tiãozinho não vislumbrava nenhum benefício em identificar e procurar sanar as falhas que
encontrava em “qualquer lugar que fosse trabalhar”, segundo afirmou. Fazia isso apenas
porque achava que tinha que ser feito, ou seja, pela finalidade em si (autotelismo). Sua
motivação nesse item também foi extrínseca, pois, em um segundo momento, Tiãozinho
percebeu que poderia aproveitar essa capacidade crítica e ativa em seu próprio negócio.
!
5 Identidade
A ide

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