Controle Neuro-Endocrino da Lactação em Fêmeas - CRMV-RN

Transcrição

Controle Neuro-Endocrino da Lactação em Fêmeas - CRMV-RN
Revista Eletrônica Cientifica Centauro
v.1, n1, p 19-32, 2010
ISSN 2178-7573
CONTROLE NEURO-ENDÓCRINO DA LACTAÇÃO EM
FÊMEAS SUÍNAS – REVISÃO
Terezinha Domiciano Dantas Martins1, Alberto Neves Costa2,
José Humberto Vilar da Silva3.
RESUMO: A lactação consiste em uma série de etapas morfo-fisiológicas no processo
de diferenciação, pelas quais as células mamárias são convertidas de um estado não
secretor para um estado secretor, no períparto, sendo mantida através de estímulos de
ejeção do leite e controlada por hormônios lactogênicos. Através de uma cascata de
eventos neuro-endócrinos, a ocitocina, a prolactina, o GH, os IGFs, os corticosteróides e
a insulina, atuam sinergicamente regulando a produção de leite e a atividade reprodutiva
na fêmea suína, podendo receber interferência do estado metabólico da matriz durante
este período.
Unitermos: anestro lactacional, foliculogênese, mamogênese, ovulação
Control neuroendocrine of the lactation in swine females review
ABSTRACT: Lactation is a series of steps in the morpho-physiological differentiation
process by which the mammary cells are converted from one state to a non secretor
secretor status in the peripartum and maintained by stimulation of milk ejection and
controlled by lactogenic hormones. Through a cascade of neuroendocrine events,
oxytocin, prolactin, GH, IGFs, corticosteroids and insulin, act synergistically to regulate
milk production and reproductive activity in female swine and can receive interference
from the metabolic state of the sows during this period.
Key words: lactational anestrus, folliculogenesis, mamogênese, ovulation
1 INTRODUÇÃO
A lactação em fêmeas suínas, a exemplo de outras fêmeas de mamíferos, é um
processo complexo no qual ocorrem importantes alterações hormonais, fisiológicas e
metabólicas, diretamente associadas com outras fases da reprodução. Para interpretar
estes fenômenos, é imprescindível dispor de conhecimentos atuais mais acurados sobre
1
Médica Veterinária, Profª. da UFPB/CCHSA/DAP, E-mail: [email protected]
CCHSA/UFPB- Campus III, CEP: 58.220-000, Bananeiras – PB.
2
Médico Veterinário, PhD.
3
Zootecnista, DSc., Prof. da UFPB/CCHSA/ DAP
19
Revista Eletrônica Cientifica Centauro
v.1, n1, p 19-32, 2010
ISSN 2178-7573
a atuação dos hormônios lactogênicos. Deve-se entender que não é uma ação isolada,
mas uma secreção coordenada destes hormônios, que controla o desenvolvimento
mamário, a lactogênese e a manutenção da lactação em fêmeas suínas (Hurley, 2001).
No início da lactação deve ocorrer a proliferação e a diferenciação das células
mamárias (Hurley, 2001) e um estímulo eficiente, para que se mantenha adequadamente
a secreção de leite, sendo que, o tamanho da leitegada, o consumo dietético, a
localização da glândula, o genótipo, entre outros fatores, podem afetar a produção de
leite nas matrizes suínas (Kim et al., 2001).
Paralelamente, a lactação inibe a ocorrência do estro e da ovulação por ação
direta do estímulo produzido nas tetas (liberação de hormônios lactogênicos) e/ou pelas
adaptações metabólicas necessárias para garantir a produção de leite, reduzindo a
disponibilidade de nutrientes para atender a função reprodutiva (Quesnel e Prunier,
1995; Foxcroft e Aherne, 2000).
Devido à complexidade do tema, a proposta desta revisão, é abordar os
mecanismos endócrinos relacionados com a lactação, e seus efeitos reguladores sobre a
função reprodutiva em fêmeas suínas.
2 REFLEXO DA EJEÇÃO DO LEITE
O processo da amamentação é constituído de interações visuais, olfatórias, e
auditivas. Inicialmente, ocorrem vocalizações sucessivas emitidas pela matriz e uma
prévia massagem das tetas pelos leitões, que desencadeiam impulsos nervosos
sensoriais que estimulam os receptores locais a promoverem um reflexo neuroendócrino de liberação da ocitocina na neuro-hipófise (Figura 1), seguindo-se um breve
período de ejeção do leite (10 a 20 segundos), e uma nova massagem das tetas (Algers,
1993).
Figura 1.
Controle endócrino da produção e ejeção de leite em matrizes suínas
(adaptado de Hafez, 1995).
20
Revista Eletrônica Cientifica Centauro
v.1, n1, p 19-32, 2010
ISSN 2178-7573
Através da corrente sanguínea a ocitocina secretada atinge a glândula
mamária, e age estimulando a contração das células mioepiteliais que revestem o lúmen
alveolar, forçando a descida do leite para os ductos (Kinsenger, 1998). A ativação dos
receptores neurais libera a prolactina (PRL), o hormônio do crescimento (GH), o
hormônio adrenocorticotrópico (ACTH) e o hormônio estimulante da tireóide (TSH)
pela hipófise anterior (Klopfenstein et al., 1999), além da gastrina e do glucagon
(Algers, 1993), com a função de manter a síntese do leite (galactopoiese) pelas células
epiteliais mamárias.
Desta forma, a sucção das tetas pelos leitões apresenta-se como um potente
estimulador da liberação de leite em matrizes suínas, aumentando o fluxo de sangue
(Renaudeau et al., 2002), e a disponibilidade de substratos para a síntese de leite
(Hartmann et al., 1997).
3 CONTROLE NEURO-ENDÓCRINO DA LACTAÇÃO
Durante muitos anos, o papel dos hormônios no controle lactacional foi
estabelecido e prontamente considerado como imutável. Com o surgimento do
computador e o desenvolvimento de novas tecnologias, como a cultura de células
mamárias in vitro, o radioimunoensaio para mensurar as concentrações hormonais no
sangue e no leite, o método de quantificar as células mamárias, componentes químicos
do leite, e número e afinidade dos hormônios receptores, e mais recentemente, o
desenvolvimento de métodos para determinar os mecanismos moleculares dos
hormônios em genes específicos, tem sido rediscutido o papel destes hormônios no
controle da mamogênese, lactogênese, e na galactopoise de vacas, cabras, ovelhas
(Tucker, 2000) e porcas (Quesnel e Prunier, 1995; Hartmann et al., 1997; Foxcroft e
Aherne, 2000), analisando principalmente os aspectos reprodutivos e produtivos. Com
base nos trabalhos que abordam este assunto, serão apresentadas a seguir,
resumidamente, algumas funções dos hormônios envolvidos na lactação.
3.1 Ocitocina
A ocitocina é produzida nos núcleos supra-ótico e paraventricular do hipotálamo
e liberada na circulação sanguínea através de macro neurônios secretores, que se
estendem para dentro da neuro-hiposife logo após aos estímulos sensoriais associados
com a presença, massagem e sucção dos leitões (Quesnel e Prunier, 1995). Esta
observação foi considerada a mais importante evidência para a aceitação do conceito de
reflexo neuro-endócrino de ejeção do leite.
Posteriormente, foi proposto que a ocitocina além de ser fundamental para o
processo de ejeção do leite, também integra atividades comportamentais e fisiológicas
de adaptação durante a lactação (Damm et al., 2002), influenciando na liberação de
vários hormônios intestinais, e promovendo o metabolismo anabólico e o crescimento,
apresentando-se como um fator anti-estresse durante a lactação (Uvnas-Moberg et al.,
2001).
O estímulo positivo que ativa a liberação da ocitocina, pode ser neutralizado por
outras substâncias (catecolaminas, β-endorfina e/ou cortisol) que são liberados em
situações estressantes. Por outro lado, a inibição do processo de ejeção de leite pode
ocorrer diretamente na célula mioepitelial, através de ações reguladas pelo sistema β21
Revista Eletrônica Cientifica Centauro
v.1, n1, p 19-32, 2010
ISSN 2178-7573
adrenérgico, bloqueando a ligação da ocitocina a seus receptores específicos nesta
célula (Wellnitz e Bruckmaier, 2001).
3.2 Prolactina (PRL)
A prolactina é um hormônio polipeptídico liberado na adeno-hipófise de forma
pulsátil, tendo a glândula mamária como principal local de ação, além de estarem
presentes em outros tecidos orgânicos, incluindo o hipotálamo, o útero, os fibroblastos
dermal, a decídua e os componentes do sistema imune (Knight, 2001). Seu papel na
mamogênese e galactopoiese em suínos foi discutido por Farmer (2001).
Resultados de investigações conduzidas por Farmer et al. (2000b)
demonstraram que a PRL atua durante o último trimestre de gestação alterando o
número e a afinidade de receptores para PRL na glândula mamária, sendo necessária
para o desenvolvimento mamário em leitoas. Esta relação também foi observada em
fêmeas jovens de genéticas diferentes, sugerindo que leitoas Upton-Meishan
apresentaram um menor desenvolvimento mamário quando comparadas com fêmeas
Large White, devido a um menor número de receptores para PRL na glândula mamária
(Farmer et al., 2000a).
Com o decorrer da gestação, as concentrações plasmáticas de PRL aumentam
acentuadamente atingindo um pico com a proximidade do parto, alcançando
concentrações elevadas na primeira semana de lactação (Figura 2) e, em seguida,
diminuem gradualmente durante o período lactacional, atingindo níveis basais após o
desmame (Kraetzl et al., 1998).
Figura 2. Níveis plasmáticos de prolactina (ng/l) e GH(ng/l) em fêmeas suínas
durante a lactação (Fonte: Kraetzl et al., 1998).
Foi sugerido que este pico pré-parto é um evento importante para o
estabelecimento e a manutenção da lactação, limitando a síntese de leite nas fêmeas
suínas, o mesmo não ocorrendo nas fêmeas dos ruminantes (Tucker, 2000; Knight,
2001).
Por outro lado, uma relação quantitativa entre a liberação de PRL e a duração do
estímulo nas tetas tem sido pesquisada. Durante o início da lactação a diminuição do
22
Revista Eletrônica Cientifica Centauro
v.1, n1, p 19-32, 2010
ISSN 2178-7573
tempo de massagem pós-ejeção do leite na teta (menos de 90 segundos) promove um
declínio na concentração de PRL sérica (Spinka et al., 1999). Quando a secreção de
PRL é inibida, experimentalmente, os leitões permanecem mais tempo próximos das
tetas da mãe na tentativa de obter mais leite, e como a ejeção de leite é frustrada, o seu
peso corporal é reduzido em relação aos leitões de matrizes controle (Farmer et al.,
1998). Desta forma, supõe-se que a PRL é essencial não apenas para a iniciação, mas,
também, para manter a produção de leite em matrizes suínas (Farmer, 2001). No
entanto, a administração de PRL exógena acima dos níveis circulantes, durante um
período de dois a vinte e três dias de lactação, não é eficaz para estimular o potencial
lactogênico das porcas, e isso se deve provavelmente, à saturação dos receptores de
PRL na glândula mamária (Farmer et al., 1999).
Através de mecanismos similares aos descritos para a mamogênese, constatou-se
que a ligação da PRL a receptores específicos na glândula mamária, é imprescindível
para iniciar o processo de lactogênese. Após esta ligação, uma cascata de eventos,
incluindo a transcrição de genes, regulam a secreção das proteínas do leite (Boisgard et
al., 2001). Contudo, estudos dos fatores que regulam o número e a ligação de receptores
na glândula mamária, são absolutamente necessários para melhor definir o papel da
PRL na mamogênese e na lactogênese da fêmea suína (Farmer, 2001).
3.3 Hormônio do crescimento (GH)
O hormônio do crescimento além de exercer uma ação nas células somáticas
(divisão celular e crescimento ósseo), no metabolismo dos carboidratos, proteínas e de
lipídeos, sabe-se desde a década de 30 que a somatotropina possui também, efeito
galactopoiético.
A sua atuação no metabolismo das células mamárias, envolve efeitos indiretos
realizados mediante a síntese e a secreção de metabólitos intermediários no fígado,
conhecidos como “compostos ou fatores de crescimento semelhantes à insulina” (IGF-I
e IGF-II), que media as ações mamogênicas através de mecanismos endócrinos,
parácrinos e autócrinos (Tucker, 2000). Acredita-se que o GH liga-se a receptores nos
hepatócitos, com os quais estimula o aumento da secreção de IGF-I, e que ao chegarem
as células epiteliais mamárias mediam as ações do GH após se fixarem a receptores
específicos. Estes receptores são necessários para a sua transferência para o interior das
células onde vão promover sua ação anabólica, quais sejam, a síntese de DNA e
proteínas, aumento de absorção de cátions, glicose, vitaminas e outros metabólitos, além
do aumento na proliferação ou sobrevivência das células mamárias.
O GH é muito importante para a manutenção da lactação em ruminantes,
atuando, provavelmente, em sinergismo com a prolactina e a adrenocorticotropina (Flint
et al., 2001). Para matrizes suínas, a analogia na secreção de PRL e GH (Figura 2),
indica uma regulação interativa envolvendo o controle das ações galactopoiéticas
(Quesnel e Prunier, 1995). Neste sentido, o GH atuaria estimulando a síntese de IGF, e
a PRL suprimindo a expressão do IGFBP-5, maximizando, desta forma, a sobrevivência
e as funções das células epiteliais mamárias (Flint et al., 2001).
3.4 Insulina
A concentração plasmática de insulina pós-prandial, em fêmeas suínas, varia
consideravelmente após o parto; ocorrendo um aumento expressivo em seus valores
23
Revista Eletrônica Cientifica Centauro
v.1, n1, p 19-32, 2010
ISSN 2178-7573
com um declínio ao desmame (Figura 3-A). Esta elevação em combinação com o
aumento nos níveis de IGF-I, GH, e de glicose, mantém a produção de leite e evita e/ou
reduz a mobilização das reservas de tecidos corporais (Kraetzl et al., 1998).
Por outro lado, uma redução na concentração de insulina sérica durante a 3ª
semana de lactação pode ser observada, refletindo um aumento na utilização da insulina
pela glândula mamária, no período em que se observa o pico de lactação, ou ainda,
devido ao maior catabolismo das matrizes (Valros et al., 2003).
Também tem sido observada uma associação entre a liberação de insulina e a
freqüência da amamentação, e neste aspecto, uma menor manipulação na freqüência de
mamadas, e portanto, uma menor produção de leite, induzindo a uma maior elevação
nos níveis de insulina plasmática (Figura 4), provavelmente intermediado pela secreção
de PRL (Spinka et al., 1999; Valros et al., 2003).
Figura 3. Níveis de insulina e IGF em matrizes suínas durante a lactação (Fonte: Kraetzl et al., 1998)
24
Revista Eletrônica Cientifica Centauro
v.1, n1, p 19-32, 2010
ISSN 2178-7573
Figura 4. Efeitos da freqüência de amamentação sobre a concentração de insulina plasmática basal (P<0,001),
máxima (P<0,05), e média (P<0,1) durante a lactação (Spinka et al., 1999).
Apesar de não se conhecer profundamente os mecanismos de atuação destes
hormônios, acredita-se que a massagem das tetas aumenta a secreção de PRL (Spinka et
al., 1999) e incrementa o número de receptores de insulina na glândula mamária,
melhorando a sua utilização para os substratos do leite, e reduzindo os seus níveis
plasmáticos (Valros et al., 2003). Sabe-se que a insulina está envolvida na partição de
nutrientes para a glândula mamária durante a lactação, em várias espécies animais. Por
outro lado, a redução da insulina plasmática durante a lactação (Tokack et al., 1992) e
no pós–desmame (Whitley et al., 1998) reduz o número de picos de LH, e influencia
negativamente a esteroidogênese folicular e, possivelmente, o desenvolvimento
folicular, prejudicando o intervalo desmame-estro e a fertilidade de fêmeas primíparas.
3.5 Esteróides ovarianos
Os estrógenos estão envolvidos no crescimento e na função mamária,
provocando o crescimento ductal, o desenvolvimento do estroma e o acúmulo de
gordura durante a mamogênese, agindo principalmente como reguladores da expressão
dos genes.
A função específica dos estrógenos na lactogênese, ainda não foi bem definida,
mas acredita-se, que estimula a adeno-hipófise para liberação da PRL e aumenta o
número de receptores para PRL na glândula mamária de várias espécies (Tucker, 2000).
O rápido declínio da secreção de estrógenos e de progesterona sérica (P4) no
períparto (Figura 5) coincidindo com o início da secreção de leite, sugere que este
hormônio (P4) apresenta função inibidora da lactogênese (Sesti e Moreno, 1997). A sua
presença evita a formação de sítios de ligação de PRL no tecido mamário e também
satura os sítios onde os glicocorticóides se ligariam, suprimindo desta forma a atividade
lactogênica (Tucker, 2000).
25
Revista Eletrônica Cientifica Centauro
v.1, n1, p 19-32, 2010
ISSN 2178-7573
3000
60
2500
50
2000
)l
/m
1500
g
p
(
l
1000
o
i
d
a
rt 500
s
E
0
40 )l
/m
30 g
n
(
a
20 n
o
r
e
10 ts
e
g
0 o
r
P
Estradiol
Progesterona
-48
-24
0
24 pré/pós-parto
48
72
Horas
96
120
144
Figura 5. Mudanças nos níveis de estrógenos e de progesterona na fêmea suína no pré/pós
parto (Fonte:Sesti e Moreno, 1997).
A elevação dos níveis de prostaglandina (PGF2 α) imediatamente antes do parto,
provoca lise do corpo lúteo e um conseqüente declínio dos níveis de progesterona. Além
disto, a PGF2 α estimula a liberação rápida de vários hormônios lactogênicos, incluindo
a PRL, o GH e os glicocorticóides (Fonseca, 1993).
3.6 Corticosteróides
A córtex das glândulas adrenais produz os corticosteróides (cortisol e
corticosterona) quando estimulada pela ação do ACTH liberado pela adenohipófise. O
cortisol, é um glicocorticóide endógeno predominante em vacas, exercendo uma função
na glândula mamária, onde causa a diferenciação do sistema de lóbulos e alvéolos
(Tucker, 2000).
O papel exato dos corticosteróides na galactopoiese, em fêmeas suínas, não foi
estabelecido, podendo estar associado à taxa metabólica, ou ainda, a concentração
plasmática de PRL. Em leitoas, a administração in vivo de PRL aumentou
significativamente a concentração plasmática e o conteúdo adrenal de cortisol;
adicionalmente, a PRL estimulou a liberação de cortisol pelas células adrenocorticais
em experimentos in vitro, demonstrando haver uma interação destes hormônios
(Kaminska et al., 2000).
Também tem sido observado um aumento nos níveis plasmáticos de cortisol pela
ausência de leitões lactentes (Tabela 1), e mesmo tendo sido aumentado sem sucesso, o
número de mamadas, os animais permaneceram mais tempo (168 vs 18 segundos)
estimulando ativamente as tetas na tentativa de se obter mais leite e, desta forma, a
massagem das tetas foi suficiente para manter os níveis normais de hormônios
lactogênicos após o retorno dos leitões (Farmer e Robert, 2000).
Tabela 1. Valores médios plasmáticos de cortisol, GH e prolactina em fêmeas no 13º dia de lactação, antes e apo s
a mistura de leitegadas e durante o período de isolamento dos leitões
Especificação
Tempo relativo da adoção
26
Revista Eletrônica Cientifica Centauro
v.1, n1, p 19-32, 2010
antes
Cortisol (ng/mL )
14,7 a
GH (ng/mL-1)
5,7
Prolactina (ng/mL-1)
44,4
Fonte: Farmer e Robert (2000), adaptado da Tabela 2.
-1
durante
22,5 b
5,7
48,7
ISSN 2178-7573
após
16,7 a
4,7
48,3
Assim como nas funções anteriormente descritas, a produção de leite pode ser
consideravelmente prejudicada pelo estresse térmico (Quiniou et al., 2000; Renaudeau e
Noblet, 2001). A elevação da temperatura ambiental altera todo o complexo endócrino
responsável pela iniciação e manutenção da lactação. O estresse provocado promove um
desequilíbrio hormonal como conseqüência da ativação excessiva do eixo hipotálamohipófise-adrenal e/ou pela produção alterada de outros hormônios fora deste eixo
regulatório, quando a hipófise está prioritariamente sensitiva para o desencadeamento
da síndrome de adaptação (Black et al., 1993).
As menores concentrações plasmáticas de cortisol (Figura 6), observadas em
matrizes suínas, em lactação, expostas a temperaturas elevadas (30ºC) concomitante
com a redução do ganho em peso dos leitões, indica a participação destes hormônios na
produção de leite (De Bragança et al., 1998).
Figura 6. Efeito da alta temperatura e do regime alimentar sobre os níveis
suínas em lactação (Fonte: De Bragança et al., 1998).
de
cortisol plasmático em matrizes
4 MECANISMOS REGULADORES DA FUNÇÃO REPRODUTIVA DURANTE
O ANESTRO LACTACIONAL
Durante a lactação, em particular na fase inicial, onde ocorre uma maior
intensidade de mamadas dos leitões, são observados efeitos inibitórios sobre a atividade
ovariana, resultando na ausência de manifestações de estro e de ovulação. Tal
ocorrência esta associada ao bloqueio da atividade do eixo hipotalâmico-hipofisário27
Revista Eletrônica Cientifica Centauro
v.1, n1, p 19-32, 2010
ISSN 2178-7573
ovariano, provocada pelo estímulo da amamentação, que atua reduzindo os estímulos
recebidos pelo hipotálamo e bloqueando a síntese e a liberação de fatores liberadores
de gonadotrofinas - GnRHs (Figura 7). Neste caso, a secreção basal de FSH e LH pela
adeno-hipófise, impede o recrutamento, desenvolvimento e amadurecimento dos
folículos ovarianos (Sesti e Moreno, 1997).
Figura 7. Relacionamento endócrino na porca durante o anestro lactacional (Adaptado
de Hunter, 1982).
Por sua vez, o desmame ou a redução da intensidade do estímulo da
amamentação induz a um aumento na secreção pulsátil de GnRH e de LH, permitindo o
desenvolvimento folicular e o aumento dos níveis de estradiol, o que ocasionará uma
onda pré-ovulatória de gonadotrofinas, seguida de ovulação. Neste aspecto, discute-se
a influência dos peptídeos opiódes endógenos – POE, no bloqueio da atividade
reprodutiva durante a lactação em matrizes suínas, e, até então, acreditava-se que o
principal local para a ação inibidora dos POE sobre a secreção de LH, fosse o
hipotálamo, via GnRH e neurônios noradrenérgicos (Sesti e Moreno, 1997), porém,
estudos mais recentes, confirmam que os POE e seus receptores agem nos tecidos
reprodutivos participando de mecanismos locais que controlam a seleção dos folículos,
suprimindo a produção de esteróides pelas células da teca, como também, modulando os
efeitos de LH neste processo (Kamiski et al., 2003).
Portanto, o estímulo da sucção é considerado o mais importante fator inibitório
da atividade ovariana durante a lactação (Foxcroft e Aherne, 2000), e a sua supressão
tem sido estudada como forma de compreender melhor os mecanismos reguladores do
anestro lactacional, podendo estar também associada a uma elevação dos níveis de
estradiol e de progesterona plasmáticos (Mota et al., 2002). Por sua vez, a secreção de
estrógenos apresenta um efeito positivo sobre o hipotálamo, induzindo a liberação de
LH e de FSH pela adeno-hipófise, através do processo de retroalimentação positiva
(Sesti e Moreno, 1997).
Foi observado um aumento na secreção de LH basal no 14º e no 21º dia de
lactação, e de E2 no primeiro dia após o desmame, quando a duração da amamentação
foi reduzida de 236 para 168 min/dia, demonstrando existir uma relação entre a duração
da amamentação e a liberação destes hormônios, que pode ser influenciado pela perda
de peso corporal da fêmea durante a lactação (Hulten et al., 2002).
28
Revista Eletrônica Cientifica Centauro
v.1, n1, p 19-32, 2010
ISSN 2178-7573
Existem evidências científicas mostrando que as mudanças ocorridas no
metabolismo, durante a lactação, podem afetar a função do eixo hipotalâmicohipofisário-ovariano, reduzindo os precursores para a síntese de neurotransmissores
dentro do hipotálamo, ou ainda, disponibilizando quantidades menores de metabólicos
e/ou fatores de crescimentos para o ovário, prejudicando, desta forma, a foliculogênese
(Prunier e Quesnel, 2000).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo lactacional da fêmea suína, constantemente avaliado através de
parâmetros físicos, bioquímicos, fisiológicos, endócrinos e metabólicos, hoje muito
precisos e sofisticados, vem identificando novos eventos e quantificando a importância
deste processo sobre a síntese dos constituintes e produção de leite, bem como sobre a
fertilidade subseqüente das fêmeas.
Em síntese, assume-se que a lactação é estabelecida pelo reflexo neuroendócrino de ejeção do leite, mas a participação paralela de vários hormônios do
complexo lactogênico, entre eles, a ocitocina, a PRL, o GH e o IGF-I, são potentes
reguladores do desenvolvimento mamário, da lactogênese e da galactopoiese em
fêmeas suínas. Soma-se a isso, os diferentes mecanismos pelos os quais as mudanças
metabólicas ocorridas durante a lactação afetam a produção de leite e a fertilidade das
matrizes. Finalmente, é necessário sensibilidade para reconhecer a complexidade deste
processo, e adotar técnicas de manejo que possam reduzir o intervalo desmame-estro e
os dias não-produtivos, garantindo assim, uma melhor produtividade do plantel de
matrizes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALGERS, B. Nursing in pigs: communicating needs and distributing resources. Journal
of Animal Science, Champaign, v. 71, n. 10, p. 2826-2831, 1993.
BLACK, J. L.; MULLAN, B. P.; LORSCHY, M. L. et al. Lactation in the sow during
heat stress. Livestock Production Science, Amsterdam, v. 35, n. 1, p. 153-170, 1993.
BOISGARD, R.; CHANAT, E.; LAVIALLE, F. et al. Roads taken by milk proteins in
mammary epithelial cells. Livestock Production Science, Amsterdam, v. 70, n. 1-2, p.
49-61, 2001.
DAMM, B. I.; BILDSOE, M.; GILBERT, C. et al. The effects of confinement on
periparturient behaviour and circulating prolactin, prostaglandin F2α and oxytocin in
gilts with access to a variety of nest materials. Applied Animal Behaviour Science,
Amsterdam, v. 76, n. 2, p. 135-156, 2002.
DE BRAGANÇA, M. M.; MOUNIER, A. M.; PRUNIER, A. Does feed restriction
mimic the effects of increased ambient temperature in lactating sows? Journal of
Animal Science, Champaign, v. 76, n. 8, p. 2017-2024, 1998.
FARMER, C. The role of prolactin for mammogenesis and galactopoiesis in swine.
Livestock Production Science, Amsterdam, v. 70, n. 1-2, p. 105-113, 2001.
29
Revista Eletrônica Cientifica Centauro
v.1, n1, p 19-32, 2010
ISSN 2178-7573
FARMER, C.; PALIN, M. F.; SORENSEN, M. T. Mammary gland development and
hormone levels in pregnant Upton-Meishan and Large White gilts. Domestic Animal
Endocrinology, Auburn, v. 18, n. 2, p.241-251, 2000a.
FARMER, C.; SORENSEN, M.T.; PETICLERE, D. Inhibition of prolactin in the last
trimester of gestation decreases mammary gland development in gilts. Journal of
Animal Science, Savoy, v. 78, n. 5, p. 1303-1309, 2000b.
FARMER, C.; ROBERT, S. Multiple crossfostering: effects on prolactin, growth
hormone and cortisol in lactating sows. Canadian Journal of Animal Science,
Ontário, v. 80, n. 4, p. 733-735, 2000.
FARMER, C.; ROBERT, S.; RUSHEN, J. Bromocriptine given orally to periparturient
or lactating sows inhibits milk production. Journal of Animal Science, Champaign, v.
76, n. 3, 750-757, 1998.
FARMER, C.; SORENSEN, M. T.; ROBERT, S. et al. Administering exogenous
porcine prolactin to lactating sows: milk yield, mammary gland composition, and
endocrine and behavioral responses. Journal of Animal Science, Savoy, v. 77, n. 7, p.
1851-1859, 1999.
FLINT, D. J.; TONNER, E.; KNIGHT, C. H. et al. Control of mammary involution by
insulin-like growth factor binding proteins: role of prolactin. Livestock Production
Science, Amsterdam, v. 70, n. 1-2, p. 115-120, 2001.
FONSECA, F.A. Fisiologia da lactação. Universidade Federal de Viçosa. Imprensa
Universitária, Viçosa, MG, 1993, 137p.
FOXCROFT, G.; AHERNE, F. Management of the gilt and first parity sow: Part VI.
Factors affecting fertility of the weaned primiparous sow. In: SIMPÓSIO
INTERNACIONAL DE REPRODUÇÃO E INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL EM
SUÍNOS, 7., 2000, Foz de Iguaçu. Anais... Concórdia: EMBRAPA - CNPSA, 2000. p.
199-210.
HAFEZ, E. S. E. Hormônios, fatores de crescimento e reprodução. In:____________.
Reprodução animal. 6 ed. São Paulo: Ed. Manole, 1995. p. 62.
HARTMANN, P. E.; SMITH, N. A.; THOMPSON, M. J. et al. The lactation cycle in
the sow: physiological and management contradictions. Livestock Production Science,
Amsterdam, v. 50, n. 1-2, p. 75-87, 1997.
HULTÉN, F.; VALRÓS, A.; RUNDGREN, M. et al. Reproductive endocrinology and
postweaning performance in the multiparous sow: 2. Influence of nursing behavior.
Theriogenology, Stoneham, v. 58, n. 8, p. 1519-1530, 2002.
HURTER, R. H. F. Reproduction of farm animals. London: Longman, 1982. p. 8490.
30
Revista Eletrônica Cientifica Centauro
v.1, n1, p 19-32, 2010
ISSN 2178-7573
HURLEY, W. L. Mammary gland growth in the lactating sow. Livestock Production
Science, Amsterdam, v. 70, n. 1-2, p. 149-157, 2001.
KAMINSKA, B.; OPALKA, M.; CIERESZKO, R. E. et al. The involvement of
prolactin in the regulation of adrenal cortex function in pigs. Domestic Animal
Endocrinology, Auburn, v. 19, n. 3, p. 147-157, 2000.
KAMINSKI, T.; SIAWRYS, G.; BOGACKA, I. et al. The regulation of steroidogenesis
by opioid peptides in porcine theca cells. Animal Reproduction Science, Amsterdam,
v. 78, n. 1-2, p. 71-84, 2003.
KENSINGER, R. S. The physiology of porcine lactation and factors affecting milk
production. In: ANNUAL MEETING OF THE AMERICAN ASSOCIATION OF
SWINE PRACTITIONERS, 29., 1998, Iowa. Proceedings.... Iowa: AASP, 1998. p.
303-311.
KIM, S. W.; EASTER, R. A.; HURLEY, W. L. The regression of unsuckled mammary
glands during lactation in sows: the influence of lactation stage, dietary nutrients, and
litter size. Journal of Animal Science, Savoy, v. 79, n. 10, p. 2659-2668, 2001.
KLOPLENSTEIN, C.; FARMER, C.; MARTINEAU, G. Diseases of the mammary
glands and lactation problems. In: B. E. STRAW et al. (ed) Diseases of swine. 8ª ed.
Ames: Iowa State University Press, 1999, p. 833-855.
KNIGHT, C. H. Overview of prolactin´s role in farm animal lactation. Livestock
Production Science, Amsterdam, v. 70, n. 1-2, p. 87-93, 2001.
KRAETZL, W. D.; ZIMMER, C.; SCHNEIDER, D. et al. Secretion pattern of growth
hormone, prolactin, insulin and insuline-like growth factor-1 in the periparturient sow
depending on the metabolic state during lactation. Animal Science, Haddington, v. 67,
p. 339-347, 1998.
MOTA, D.; ALONSO-SPILSBURY, M.; MAYAGOITIA, L. et al. Lactational estrus
induction in the Mexican hairless sow. Animal Reproduction Science, Amsterdam, v.
72, n. 1-2, p. 115-124, 2002.
PRUNIER, A.; QUESNEL, H. Nutritional influences on the hormonal control of
reproduction in female pigs. Livestock Production Science, Amsterdam, v. 63, n. 1, p.
1-16, 2000.
QUESNEL, H.; PRUNIER, A. Endocrine bases of lactational anoestrus in the sow.
Reproduction, Nutrition, Development, Paris, v.35, n.1, p.395-414, 1995.
QUINIOU, N.; RENAUDEAU, D.; DUBOIS, S. et al. Influence of high ambient
temperatures on food intake and feeding behaviour of multiparous lacting sows.
Animal Science, Haddington, v.70, part. 3, p.471-479, 2000.
31
Revista Eletrônica Cientifica Centauro
v.1, n1, p 19-32, 2010
ISSN 2178-7573
RENAUDEAU, D.; LEBRETON, Y.; NOBLET, J. et al. Measurement of blood flow
through the mammary gland in lactating sows: Methodological aspects. Journal of
Animal Science, Savoy, v. 80, n. 1, p. 196-201, 2002.
RENAUDEAU, D.; NOBLET, J. Effects of exposure to high ambient temperature and
dietary protein level on sow milk production and performance of piglets. Journal of
Animal Science, Savoy, v. 79, n. 6, p. 1540-1548, 2001.
SESTI, L.; MORENO, A. M. Fisiologia reprodutiva da fêmea suína em sistemas de
produção com desmame precoce segregado (DPS). In: CONGRESSO BRASILEIRO
DE VETERINÁRIOS ESPECIALISTAS EM SUÍNOS, 8., Foz de Iguaçu. Anais... Foz
de Iguaçu: ABRAVES, 1997. p. 32- 40.
SPINKA, M.; IIIMANN, G.; STEEKOVÁ, Z. et al. Prolactin and insulin levels in
lactating sows in relation to nursing frequency. Domestic Animal Endocrinology,
Auburn, v. 17, n. 1, p. 53-64, 1999.
TOKACH, M. D.; PETTIGREW, J. E.; DIAL, G. D. et al. Characterization of
luteinizing hormone secretion in the primiparous, lactating sow: relationship to blood
metabolites and return-to-estrus interval. Journal of Animal Science, Champaign, v.
70, n. 7, p. 2195-2201, 1992.
TUCKER, H. A. Hormones, mammary growth, and lactation: 41-year perspective.
Journal of Dairy Science, Savoy, v. 83, n. 4, p. 874-884, 2000.
UVNÄS-MOBERG, K.; JOHANSSON, B.; LUPOLI, B. et al. Oxytocin facilitates
behavioural, metabolic and physiological adaptations during lactation. Applied Animal
Behaviour Science, Amsterdam, v. 72, n. 3, p. 225-234, 2001.
VALRÓS, A.; RUNDGREN, M.; SPINKA, M. et al. Metabolic state of the sow,
nursing behaviour and milk production. Livestock Production Science, Amsterdam, v.
79, n. 1, p. 155-167, 2003.
WELLNITZ, O.; BRUCKMAIER, R. M. Central and peripheral inhibition of milk
ejection. Livestock Production Science, Amsterdam, v. 70, n. 1-2, p. 135-140, 2001.
WHITLEY, N. C.; MOORE, A. B.; COX, N. M. Comparative effects of insulin and
porcine somatotropin on postweaning follicular development in primiparous sows.
Journal of Animal Science, Champaign, v. 76, n. 5, p. 1455-1462, 1998.
32