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Aspectos da TV Regional e a Globo
no cenário da regionalização
Aspects of Regional TV and Globo TV Network
within the scenery of regionalization
Rogério Eduardo Rodrigues Bazi1
RESUMO
O artigo apresenta a trajetória da TV Regional no Brasil, expondo o papel e a inserção da Rede
Globo no cenário regional televisivo. Aborda a penetração desse meio de comunicação nas
comunidades locais e tenta apontar um conceito para o objeto estudado. Pode-se dizer que a
televisão regional possibilita unir pessoas, diminuindo as distâncias e aproximando culturas,
retratando uma espécie de ecumenismo.
PALAVRAS-CHAVE: Televisão regional; Globo; comunidade.
ABSTRACT
This article presents the trajectory of Regional TV in Brazil, showing the role and insertion of
Globo TV Network in the regional television scenario. The paper aims at approaching the
penetration of that communication media in local communities and tries to point a concept
for the object of study. It is true to affirm that the regional television enables people to
gather, making distances shorter and cultures closer, putting up some kind of ecumenism.
KEY-WORDS: Regional TV; Globo TV Network; community.
1
Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA-USP, coordenador do curso de Mestrado em Ciência
da Informação e professor na PUC-Campinas. Líder do Grupo de Pesquisa “Construção e Uso da
Informação”. Editor da Revista TransInformação, do Mestrado em Ciência da Informação. O texto aqui
publicado foi originalmente apresentado no Regiocom 2005. E-mail: [email protected]
INTRODUÇÃO
Em sua trajetória de mais de meio
século de existência no país, a televisão mostrou-se como um poderoso
veículo de comunicação, concentrando cerca de 60% da verba publicitária2 . Em uma pesquisa realizada pelo
jornal Folha de S. Paulo (1997), 49%
das pessoas entrevistadas disseram
que utilizam a televisão como principal fonte de informação. Quatro anos
depois, em 2001, portanto, o IBOPE
revelou um estudo que comprovou
que, das 10.624 pessoas de 12 a 64
anos, em 11 regiões metropolitanas
ouvidas no país, 70% delas assistem
com freqüência aos noticiários locais
das emissoras; 69%, aos noticiários nacionais e 58%, aos filmes de ação. As
telenovelas, líderes de audiência segundo o próprio instituto, ficaram com
52% das preferências. Esses índices
refletem a força das emissoras ditas
regionais.
A penetração da televisão3 é tamanha que o Ministério da Ciência e
Tecnologia divulgou, em julho de
2002, outra pesquisa, demonstrando
que o brasileiro gasta, em média,
4h5min na frente da televisão de sinal aberto; na TV a cabo, esse núme2
Segundo o projeto Inter-Meios, o estudo mais
confiável, de acordo com a revista Meio & Mensagem, de 11 de março de 2002. O projeto ainda
revela que o meio revista obteve 10,6% da receita
publicitária, os jornais impressos 21,2% , a TV
paga 1,5%, o rádio 4,7% e o outdoor 2,5%.
3
Segundo o Censo de 2000, existem no Brasil
cerca de 87% de lares com aparelhos de televisão
(IBGE, www.ibge.gov.br)
ro diminui em 50%, chegando, assim,
a 2h. A pesquisa também mostrou que
a hegemonia desse meio de comunicação supera o uso por parte do usuário na Internet, no telefone celular
e no fixo. É o que mostra o quadro 1.
Quadro 1 – Tempo médio diário do brasileiro
No celular
Na Internet
1h54min
20,7min
No telefone fixo
2h2min
Na TV aberta
4h5min
Fonte: IBOPE/Ministério da Ciência e Tecnologia, jul. 2002
Através dos números descritos, fica
claro que as empresas de comunicação
que atuam no meio televisivo adquirem
um papel fundamental, pois são elas que
produzem e transmitem as informações
aos telespectadores, podendo, dessa
maneira, estabelecer vínculos com as
comunidades locais e regionais e, ao
mesmo tempo, obter lucro.
A GLOBO NO CENÁRIO
DA REGIONALIZAÇÃO
No Brasil, a Rede Globo de Televisão, da família Marinho, é, segundo o
IBOPE, líder de audiência na maior
parte dos horários, configurando-se, há
quase quatro décadas, como a mais
importante empresa do mercado televisivo nacional4 e como a que mais
investe na regionalização da programação. Analisando alguns números da
empresa, percebe-se, claramente, a
força de seu potencial: em 1994, por
4
De acordo com IBOPE, em 2001, a participação
da audiência nacional da Globo foi de 50,6%.
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4
exemplo, o faturamento anual da
emissora ultrapassou os US$ 1,1 bilhão,
segundo a revista Tela Viva, de abril
de 1995; três anos depois, em 1997, a
Globo faturou US$ 1,7 bilhão, de acordo com Meio & Mensagem de abril
de 1998. Já em 2001, o lucro líquido
foi de R$ 21 milhões; em 2002, R$
2,6 bilhões, e, em 2003, R$ 3,2 bilhões5 . Os números ainda revelaram
que a emissora é responsável pela mais
abrangente área de cobertura do Brasil. O sinal da emissora com sede no
Rio de Janeiro atinge 5.507 municípios6 , cerca de 99,98% do território do
país, totalizando 34 milhões de domicílios com televisores. A Rede carioca
possui 115 emissoras, espalhadas no território nacional7 .
Em janeiro de 1999, a Globo inaugurou, no bairro do Morumbi, em São
Paulo, os novos estúdios para o Departamento de Jornalismo, quando foram
gastos US$ 200 milhões. A Rede passou a transmitir os programas “Globo
Rural”, “Globo Comunidade” e os telejornais: “Jornal da Globo”, “Jornal Hoje”,
“Bom Dia São Paulo”, “Globo Esporte”
5
Segundo o jornal Folha de S. Paulo, de 08 de
agosto de 2003, o conglomerado da Globo, incluindo as tevês aberta e fechada, revistas, rádios
e portais de internet, fatura cerca de R$ 4, 5
bilhões ao ano.
6
Segundo a Superintendência Comercial da Rede
Globo, a emissora só não atinge 69 cidades brasileiras. Na região centro-oeste, são nove cidades;
na região nordeste, 21; na região norte, 32; na
região sudeste, três; e na região sul, são quatro
cidades, totalizando 375.617 pessoas não atendidas pelo sinal da Globo.
7
Fonte: http://sucom.redeglobo.com.br.
e “SPTV”, todos no sistema digital.
A transmissão digital, além de ser
mais ágil e dinâmica, permite uma recepção perfeita dos sinais transmitidos
pela emissora, ou seja, a imagem e o
som chegam com mais qualidade à casa
dos telespectadores. O sistema também
permite à Globo eliminar a utilização
de fitas de vídeo, já que a gravação digital é feita por computadores. Os equipamentos adquiridos pela emissora possibilitam armazenar até 52 horas corridas de gravação, que podem ser vistas
em sistema on-line por vários jornalistas, de forma simultânea.
A partir dos números apresentados
anteriormente, considera-se, então, que
a emissora do grupo Marinho não só
detém o controle da verba publicitária
destinada à televisão, cerca de 78% do
mercado, segundo pesquisa da Folha
de S. Paulo, de 2002, como também
registra os mais altos índices de audiência no país, nos diversos gêneros de
programas: entretenimento, jornalismo,
filmes e documentários (BAZI, 2001).
A Globo nasceu em 1965 e historiar a trajetória da Rede desde a sua
fundação não é o propósito desta comunicação8 . Pretende-se situar a emissora na história quando ela resolve
investir na regionalização, mais especificamente em suas afiliadas. Em outro estudo, Bazi (2001) revelou que a
8
A história da Rede Globo já foi exposta por
muitos autores entre os quais destaca-se: HERZ,
Daniel. A história secreta da Rede Globo. Porto
Alegre: Tchê!, 1987. ; CLARK, Walter. O campeão
de audiência. São Paulo: Best Seller, 1991.
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presença das emissoras regionais para
a “cabeça de rede”, nesse caso a Globo que retransmite programação nacional, é extremamente viável economicamente. A própria Rede Globo
sinaliza que quer investir mais na regionalização, criando uma segunda rede
nacional do grupo. Trata-se da Rede 29,
com canais transmitidos em UHF com
reprises do acervo da emissora, parte
da programação dos canais pagos da
Globosat, programas jornalísticos e de
entretenimento regionais. O projeto,
de acordo com Castro (2003, p. E4),
“faz parte do plano da Globo de regionalização de produções e de receitas
publicitárias. Substitui o Young People,
formatado em 2001 para ser um canal
jovem”. Em São Paulo, o parceiro seria
o empresário João Carlos Di Gênio, da
rede UNIP (Universidade Paulista) e
Colégio Objetivo, que cederia o canal
16 e o 14, concedidos em 2003 com o
apoio da própria Globo.
Portanto, a fim de situar a emissora na história da regionalização do
país, é necessário citar que, depois de
ter conquistado a liderança da audiência nos anos 60, a Globo entrou na
década de 70 com o objetivo de consolidar-se como líder. Segundo Issler
(1999, p. 6), em 1976, “o Jornal Nacional computava 63% de audiência na
emissora, 4% a menos que a novela
das dezenove horas. A Globo já liderava a audiência na televisão brasileira, cuja platéia estava entre 25 e 30
9
Nome provisório divulgado internamente.
milhões de telespectadores”. No entanto, registra-se que desde o final do
século passado e o início deste, o telejornalismo perdeu audiência, registrando em média 40% de audiência,
segundo o IBOPE.
Com a produção centralizada no Rio
de Janeiro e em São Paulo, a estratégia
da emissora foi ampliar sua cobertura
geográfica com a criação de um vasto
sistema de afiliadas. De acordo com Fernandes (1996), a Rede Globo tinha como
meta regionalizar sua programação depois de se fortalecer nas capitais brasileiras. Foi na década de 80, então, que
o projeto de regionalização ganhou força com a implantação, em seu organograma, de um setor específico para atender as suas afiliadas: a CGAE (Central Globo de Afiliadas e Expansão), responsável por viabilizar as emissoras locais em
todas as necessidades, como programação, engenharia e jornalismo. Nessa
central, as preocupações iniciam-se na
qualidade do sinal que chega aos lares
dos telespectadores até o investimento
realizado pelas emissoras regionais em
seus diversos departamentos.
Segundo o livro JN: a notícia faz
história (2004, p.123), foi nessa mesma década que a Central Globo de Afiliadas e Expansão criou o Prodetaf (Projeto de Desenvolvimento do Telejornalismo das Afiliadas), com a finalidade de minimizar “distorções entre diferentes regiões do Brasil e criar um
padrão de qualidade no telejornalismo
de todas as emissoras da Rede Globo”.
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6
Coelho Neto (1999, p.29) diz que
uma emissora local possibilita ao grupo e à região em que atua auto-conhecimento da realidade. “Fornece
informações coerentes e adequadas
às suas necessidades e interesses da
comunidade. Estimula a formação de
consciências críticas e revaloriza a
cultura local”. Ao mesmo tempo, segundo Festa e Santoro (1991, p. 186),
há uma tendência também à criação
de “redes regionais, vinculadas a poderes políticos locais, que retransmitem as grandes redes nacionais e valorizam o jornalismo local como uma
forma de fortalecimento dos pólos de
poder”. A regionalização passa, então,
a ocupar um lugar de destaque na
mídia globalizada.
Scarduelli (1996), que analisou o
conglomerado regional Rede Brasil
Sul, a RBS, fez uma sucinta, mas importante retrospectiva do processo de
regionalização no mundo. No México, por exemplo, a regionalização surge com a inauguração do centro regional de produção de Oaxaca, integrado à Rede de Televisão Cultural do
país, em 72. Na Colômbia, com a TeleAntioquia. Na Alemanha, as redes regionais de televisão e de rádio começam a funcionar após a 2ª Guerra
Mundial. Na Inglaterra, a BBC tem uma
política de incentivo à produção local, exibindo todas as noites um noticiário de meia hora. Na Espanha, existem 16 televisões locais na Catalunha
e as redes regionais TVE 1 e 2 que
exibem produções dos centros regionais. Na Itália, a RAI 3 exibe informações para cada região. Já no Japão, o
processo de concessão de emissoras
comerciais é em caráter regional, sendo que as regionais têm melhores
anunciantes e programas.
REGIÃO E TELEVISÃO REGIONAL
No entanto, as divergências em
torno do conceito de televisão regional ganham espaço à medida que a
designação do termo ‘região’ fica acoplada a um segundo plano. Para focalizar o cotidiano regional, é necessário
que a região seja conhecida em todos
os contextos que a definam como tal.
Portanto, Correa (1991) considera que
o termo “região” não é tradicional apenas na geografia, mas está inserido no
linguajar do homem comum e, nos
dois casos, está ligado à noção fundamental de diferenciação de área. Por
sua vez, Jacks (1999) compreende a
“região” em seu aspecto geográfico
como uma área territorial de condições
ambientais particulares e antropossociologicamente constituída pelos seus
habitantes e por sua estrutura social.
Costa (1998, p.13) relata que a
geografia não-tradional caracteriza a
“região” como um espaço socialmente ocupado, limitado de acordo com
a realidade histórico-social, em que a
delimitação decorre da relação dialética entre espaço e sociedade e não
de fronteiras territoriais estanques. Tal
afirmação resulta na negação da idéia
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de regiões homogêneas e a preocupação, nesse momento, reside no sentido de a televisão regional “eleger”
uma cidade ou um grupo de municípios para realizar sua cobertura jornalística. É claro que, sob esse aspecto,
deve-se levar em consideração o fator econômico e os aspectos operacionais da emissora regional, como ato
propulsor para sua sobrevivência, caracterizando, dessa forma, certa singularidade cultural, fato que se opõe
à diversidade cultural de uma região.
Assim, considera-se o termo região
como sendo um espaço geograficamente delimitado pelas emissoras de televisão, que admita a pluralidade de culturas e onde há agentes que “disputam
e/ou tecem alianças entre si para conquistar o poder de divisão de um espaço atribuindo-lhe identidade(s)” (BARBALHO, 2004, p. 156).
Em 1997, uma das grandes preocupações de empresários, comunicadores e executivos, depois da instalação da televisão paga no país, foi com
o futuro da televisão aberta, isto é,
aqueles canais que não são pagos.
Empresários do setor de televisão, reunidos durante um seminário promovido pelas revistas Tela Viva e Pay TV,
em São Paulo, com o apoio da Abert
(Associação Brasileira de Emissoras de
Rádio e Televisão) e da ABTA (Associação Brasileira de Telecomunicações
por Assinatura), afirmaram que a regionalização da programação da televisão é o principal fator de sobrevivên-
cia das emissoras do país.
A mesma visão foi defendida no
1º Seminário Tela Viva/Converge, realizado em São Paulo, no mês de maio
de 1998, intitulado o “Timing da regionalização das TVs brasileiras”. Especialistas das maiores redes de televisão do Brasil confirmaram que a regionalização é o novo caminho para as
emissoras, assim como a televisão digital. Como comentaram Debona e
Fontella (1996, p 17), “a dinâmica atual do telejornalismo apresenta dois
sentidos: a globalização via grandes
redes internacionais e a regionalização com espaço para as emissoras e
programação locais”. Conciliar a programação local com qualidade e conseguir sustentar os altos custos que
acarreta será o desafio das emissoras10 .
Em 22 julho de 2003, o assunto
voltou a ser discutido por empresários e estudiosos da comunicação no
programa “Observatório da Imprensa”, transmitido pela Rede Pública de
Televisão. No debate, por exemplo,
estavam presentes executivos da Globo, da Bandeirantes e do SBT. Todos
foram unânimes ao apontar que não
só o processo de regionalização das
televisões abertas é de suma importância para a sobrevivência das emissoras, como também para a valorização da cultura regional. Admitiram, en10
Bazi (2001), quando estudou a Rede EPTV,
afiliada da Rede Globo no interior paulista,
mostrou como uma emissora regional consegue
sobreviver aos altos custos de produção.
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tretanto, que o processo é lento e necessita de discussões e pesquisas.
No entanto, não foram só os empresários do meio televisivo que indicaram que a regionalização da televisão é um fenômeno atual. Mattos
(1990), por exemplo, afirmou que a
televisão regional já era prevista por
muitos estudiosos da comunicação
como sendo um fator primordial na
década de 90. Marques de Melo
(1996) já mencionava que, se o tempo e a informação são globais, as pessoas continuam vivendo num espaço
local, ligadas a raízes familiares e comunitárias. Por sua vez, Murdock
(1989, p. 44) diz que “devemos pensar globalmente e agir localmente, e
colocar alguma energia em desenvolver conceitos e textos que irão explicar as ligações entre as comunidades
locais e os sistemas mais amplos”.
A Constituição Federal, promulgada em 1988, em seu artigo nº 221,
inciso III, já previa a regionalização
da produção cultural, artística e jornalística das emissoras de televisão. Em
1991, a deputada federal Jandira Feghali (PC do B/RJ) apresentou, no Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº
256/91, com a finalidade de regulamentar o inciso III do artigo nº 221
da Constituição. O projeto estabelecia que as emissoras nacionais deveriam produzir, no mínimo, 30% de programação regional, a fim de que a
comunidade local tivesse acesso à divulgação da informação e da cultura
regional. Porém, somente no dia 10
de dezembro de 2002, a Comissão
de Ciência, Tecnologia, Comunicação
e Informática aprovou o projeto com
modificações. A primeira definiu novos percentuais mínimos de veiculação da programação regional de acordo com a área de atuação da emissora em termos de domicílios com televisores, conforme revela o quadro 2:
Quadro 2 – Área de atuação / domicílios TV
Com mais de 1,5 milhão
de domicílios com TV
22h semanais,
entre 5h e 24h
Com menos de 1,5 milhão
de Domicílios com TV
17h semanais,
entre 5h e 24h
Com menos de 500 mil
de domicílios com TV
10h semanais,
entre 5h e 24h
Fonte: Revista Rádio e TV, set/dez 2002
Esses percentuais deverão ser aumentados anualmente, até atingirem
32 horas, no primeiro caso, e 22 horas no segundo. Para as emissoras que
atuam em localidades com menos de
500 mil habitantes, não existirão mudanças no percentual inicial definido.
Todos os percentuais deverão ser atendidos com a veiculação de programas
produzidos e emitidos no estado no
qual está localizada a emissora, exceto a Amazônia, onde serão considerados os programas produzidos e emitidos na região.
Na segunda emenda aprovada,
40% das horas semanais estabelecidas para as televisões deverão ser
destinadas à produção independente.
Também foi ampliado para dois anos
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o prazo que as emissoras terão para
adaptar suas programações, de forma
a atender às possíveis dificuldades
técnicas e econômicas. O projeto, para
entrar em vigor, deve passar pelo Senado Federal.
Mas, o que vem a ser uma televisão regional? Na escassa bibliografia
sobre o assunto, alguns autores empenharam-se em conceituar seu universo. Cruz (1996), por exemplo, explica
que não existe, na legislação brasileira
sobre radiodifusão, nenhuma definição
do que seja televisão regional. Segundo a autora, uma das dificuldades é
que seria preciso definir, em termos
de alcance das ondas de televisão, o
que é uma “região”, tarefa complicada, visto que a possibilidade de se expandir o sinal por microondas ou satélites vincula o conceito às limitações
tecnológicas e econômicas.
Por sua vez, Moragas Spà (1996,
p. 42) argumenta que o conceito de
televisão regional “se ha utilizado con
frecuencia para presentar um modelo de televisión al que se supone reservada la información al que se supone reservada la información local y
el folklore”. Martín-Barbero (apud JACKS, 1999, p. 250) considera televisão regional uma alternativa de modelo estatal ou comercial, isto é, “un
modelo el que no todos los espacios
se hallen regidos por la logica del mercado o la del didactismo paternalista
y se le abra ‘espacio’a otros modos
de ver y hacer televisión”.
Em um outro trabalho, Bazi (2001)
considerou que televisão regional é
aquela que retransmite seu sinal a
uma determinada região, delimitada
geograficamente e que tenha sua programação voltada para essa mesma
região, sem perder a contextualização
do global.
Assim, para efeito deste trabalho,
além da conceituação atual de televisão regional realizada por Bazi (2001),
em seu outro estudo, deve-se desconsiderar o conceito para aquela emissora regional que produza seu programa
a partir de uma grade de programação
estadual ou nacional, como, por exemplo a praça de São Paulo, haja vista que
o regional, para essas emissoras, é o
próprio estado ou nação de origem.
Perde-se, assim, a identificação primária que é a de se ver na tela.
A televisão regional possibilita unir
as pessoas dessa área, diminuindo as
distâncias e aproximando culturas; retrata uma espécie de ecumenismo. As
abordagens jornalísticas, por exemplo,
realizadas fora do eixo regional podem
ser produzidas enfocando o “eu”.
Exemplificando: o aumento do preço
dos combustíveis é uma notícia nacional e afeta a todos. Regionalmente,
a notícia poderia ser trabalhada no
sentido de mostrar os efeitos do aumento para a população da região.
Retratar os assuntos locais, proporcionando aos telespectadores acompanhar também o que ocorre no país
e no mundo, vem a ser a possibilida-
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de que as emissoras regionais fornecem aos telespectadores através da
união da programação do regional e
nacional. Se uma pessoa desejar assistir “às cores locais”, basta sintonizar
os programas gerados pelas emissoras regionais; se optar em saber o que
acontece em outro lugar, assiste aos
programas da Rede a qual está afiliada. Existem três tipos de estações regionais: as geradoras, ou seja, aquelas
que geram programação do próprio
local em que estão instaladas; as retransmissoras, isto é, aquelas que apenas possuem os equipamentos necessários para captar sinais de sons e imagens recebidos de uma estação geradora, em geral, da cabeça-de-rede (no
caso da Globo, por exemplo, a emissora líder é a Globo Rio de Janeiro) e
retransmití-los para a recepção dos
aparelhos domésticos de televisão,
sem produzir programa próprio; e as
estações repetidoras, também chamadas de Estações de Recepção Terrena
(ERT), ou retransmissoras passivas, que
apenas são capazes de receber sinais
e retransmití-los (FERNANDES, 1996).
Mas, nem sempre o telespectador,
que reside em uma determinada cidade do interior, tem a garantia de se
ver na tela. A constatação é de Bastos
da Silva (1997, p. 61) que, após um levantamento de dados sobre duas emissoras da Baixada Santista, explicitou que
as televisões regionais procuram dar
cobertura maior para a cidade mais
importante da sua região, o que tem
gerado críticas e discussões sobre o
papel que as emissoras deveriam prestar para a região. As empresas afirmam
que não possuem equipes suficientes
para “realizar um cobertura cabal ou
às vezes não se justifica enviar uma
equipe para um município muito distante sem haver razão maior (...)”. Ainda, segundo Bastos da Silva (1997), a
televisão regional necessita descobrir
seu caminho para não cair na mera
cobertura do dia-a-dia, sem levar alguma reflexão ou informação mais consistente ao espectador.
Para atingir toda a extensão territorial do Brasil, as grandes redes de
televisão são formadas por emissoras
filiais (ou emissoras próprias) e emissoras afiliadas, empresas associadas a
uma emissora com penetração nacional de sinal, que retransmitem a programação da rede, embora também
produzam programas, telejornais e
comerciais locais (BAZI, 2001).
Utilizando-se do sistema de afiliadas e filiadas, a Rede Globo montou
uma sólida estrutura de emissoras regionais em todo o país. O diretor do
grupo gaúcho RBS, Nelson Sirotsky
(1995, p.29), observou com precisão
o sistema, afirmando que essa receita, em maior ou menor escala, tem
sido seguida por todas as emissoras
da Rede Globo e por ela própria. “Não
é uma coincidência, portanto, que
tenha se tornado não apenas a maior,
como de longe, a melhor rede de TV
do Brasil”.
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11
Todavia, com a regionalização de
seus sinais, uma preocupação constante por parte das redes relaciona-se à
qualidade técnica da imagem. Não
adianta falar em regionalizar os sinais
das emissoras se elas forem mal iluminadas e com qualidade de áudio.
De acordo com o diretor da Central
Globo de Afiliadas e Expansão, Francisco Góes, “o nível de exigência do
telespectador aumentou muito fora do
eixo São Paulo-Rio. Nosso caminho é
a busca da qualidade” (TELA VIVA,
1994).
Por isso, em 1995, a Rede Globo
investiu R$ 3 milhões em equipamentos de transmissão para a instalação e
modernização de suas afiliadas, segundo Fernandes (1996). O retorno do
investimento não tardou a chegar: em
1996, de acordo com a revista Veja,
59% do faturamento publicitário da
emissora saiu das cidades do interior.
Convictos da lucratividade das
emissoras regionais, os diretores da
Globo continuaram com os investimentos. A filial da emissora, em Pernambuco, injetou mais de R$ 1,5 milhão em 1997, em equipamentos e
modernização dos estúdios. A afiliada, TV Bahia, instalou novas torres de
transmissão com investimentos na
ordem de US$ 300 mil. A TV Cabugi,
no Rio Grande do Norte, passou a
operar no sistema Betacam11 e construiu a nova sede da emissora em
É importante lembrar que a televisão brasileira nasceu local com a inauguração da TV Tupi de São Paulo. As
imagens somente eram vistas a partir
das antenas de transmissão, num raio
aproximado de 100 quilômetros, em
torno do transmissor que gerava as
imagens. “E, posto que não haviam
fitas de vídeo para copiar os programas e transportá-los entre as regiões,
cada estação de TV tinha que prover
a sua própria programação” (PRIOLLI,
2000, p. 17). Sampaio (1984) lembra
que, desde 1950, ano da inauguração
da primeira emissora de televisão no
país, até 1959, surgiram nove estações
de televisão no Brasil em cinco estados, todas localizadas nas capitais.
11
12
Câmera de vídeo de ½ polegada com melhor
resolução de imagem e som.
1997, com um total aplicado de R$ 3
milhões12 .
No interior de São Paulo, as filiais
e afiliadas da emissora carioca também investiram na qualidade do sinal
e na reformulação de sua programação. Aliás, como disse Francisco Góes,
ao jornal Meio & Mensagem13 , o importante não é a quantidade de minutos, mas a qualidade da programação local. “Estamos trabalhando para
achar soluções de integração entre
algumas emissoras, além de apoiar as
afiliadas na ampliação de suas grades
com programas que vão além do telejornalismo”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
13
Fonte: Meio & Mensagem, 15/12/97.
Fonte: Meio & Mensagem, 14/12/98.
Acervo On-line de Mídia Regional, ano 11, vol. 6, n. 7, p. 3-16, set./dez. 2007
12
Somente em 1960, com a chegada do vídeo-tape , essa situação se
modificou e a televisão brasileira rompeu a esfera de metrópole e ganhou
também a de municipal com a entrada da nova tecnologia. Sampaio (1984)
recorda, como exemplo, as emissoras
inauguradas em Bauru e Ribeirão Preto (SP), Campina Grande (PB), Uberlândia e Juiz de Fora (MG). Em sete anos,
surgiram, no país, mais 29 estações de
televisão em 13 Estados.
Contudo, foi ainda nessa década,
1960, que a produção regional interagiu-se com a nacional, já que se criou
uma forte indústria televisiva na região
Sudeste, sobretudo em São Paulo e Rio
de Janeiro, impondo uma programação
“nacional”, na tentativa de divulgar os
mesmos produtos culturais. Finaliza-se,
portanto, o modelo insular da televisão brasileira. As estações regionais, já
denominadas de afiliadas, exibiam os
programas adquiridos da geradora da
programação, chamada também de
“cabeça de rede”. Com o surgimento
no “Jornal Nacional”, em 1º de setembro de 1969, a Rede Globo inaugura a
televisão em rede. Melo e Souza (1984,
p.7) lembra o texto narrado pelo apresentador Cid Moreira no final do telejornal:
A escalada nacional de notícias da
Rede Globo levou a vocês, hoje,
imagens diretas de Porto Alegre,
São Paulo e Curitiba. E tão logo a
Embratel inaugure o circuito de
Brasília, a capital do país, e Belo
Horizonte começarão a integrar, ao
vivo, este serviço de notícias do
primeiro jornal realmente nacional
da tevê brasileira. É o Brasil ao vivo
aí na sua casa. Boa noite.
Segundo Priolli (2000, p. 19-20), a
conseqüência dessa ação devastadora das emissoras consideradas “mãe”,
no plano cultural, é que
todo país passou a compartilhar,
via TV, [de] uma determinada imagem do Brasil, e de suas características, inteiramente construída no
Sudeste [...]. O sotaque e a mentalidade paulistas [...] tiveram intensa penetração no país, alterando costumes havia muitos arraigados. “A identidade nacional”, portanto, ou a visão que os brasileiros
têm de si mesmos e do país, passou a ser mediada fortemente pelo
ponto de vista das duas maiores
metrópoles [...]. Em outras palavras,
foi a lógica do modelo econômico implantado da TV, de gestão comercial privada, sempre regulamentado pela necessidade de reduzir custos e ampliar lucros, que
reduziu as estações regionais em
meras repetidoras da programação
“nacional” vinda do Rio e de São
Paulo.
Segundo Rixa (2000, p. 27), a primeira estação de televisão a se insta-
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lar no interior do Brasil foi a TV Bauru,
canal 2 de Bauru (SP), em dezembro
de 1959, passando a funcionar definitivamente em maio de 1960. Em
1965, foi comprada por Roberto Marinho, das organizações Globo, e hoje
se chama TV Modelo. Toda a história
dessa emissora foi contada com exaustão por Cava (2001).
Debona e Fontella (1996) argumentam que o enfoque de consenso
é que a televisão regional seja um
canal de informação. Neste sentido,
ela pode, então, servir para desenvolver as características culturais de cada
comunidade, combatendo, assim, a
homogeneização ora causada pelas
grandes redes de comunicação através de seus noticiários nacionais.
A globalização dos meios de comunicação proporciona às empresas
do ramo, no caso, à televisão, ampliar
seus horizontes publicitários e sua
abrangência.
Ao mesmo tempo, coloca o telespectador em uma situação mais confortável quanto à diversidade na procura de informação e de prestação de
serviço. Em poucos segundos e a qualquer momento, o homem pode assistir ao que está acontecendo do outro
lado do mundo.
A partir dessa característica, o telejornalismo praticado pelas emissoras regionais pode auxiliar no desenvolvimento de uma região, assim
como indicar soluções para os problemas cotidianos da população.
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