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ID: 60115103
11-07-2015 | Revista E
Tiragem: 101375
Pág: 44
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Semanal
Área: 23,50 x 29,70 cm²
Âmbito: Lazer
Corte: 1 de 8
As redes sociais e apps podem ser uma
fonte de desconfiança, conflito e traição
entre um casal. Há cada vez mais
divórcios motivados pelos flirts online
TEXTO BERNARDO MENDONÇA FOTOGRAFIAS LUÍS BARRA
O amor
é f#?@%*
na rede
E 44
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11-07-2015 | Revista E
E 45
Tiragem: 101375
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11-07-2015 | Revista E
oi ao jantar, regado a bom vinho tinto, num requintado restaurante de sushi, que ele fixou os olhos
de Victoria e lhe disse que a vida sem ela não fazia
qualquer sentido. Que ela lhe fazia falta. Muita falta. Que a sentia como família, que era com ela que
queria casar — quanto antes — e passar o resto dos
seus dias. Victoria hesitou, mas acabou por baixar
as defesas. Emocionou-se. Afinal de contas, ele era
o seu companheiro há oito anos e achou que valia a
pena dar-lhe uma segunda oportunidade após uma
breve separação. Não seria uma briga comezinha
por causa de partilhas domésticas e gestão de tempo em conjunto que iria ditar o fim de um grande
amor. Às vezes uma relação precisa de cedências.
Luta. Victoria estava disposta a fazê-lo. Ainda nessa mesma noite Victoria Ciubara — uma moldava de
33 anos, a viver há 13 anos em Portugal — indagou
o seu companheiro sobre a identidade de uma certa
loura. Alguém que, nos últimos meses, começara a
colocar likes (gostos) a torto e a direito em todas as
fotos publicadas na página de Facebook do companheiro. E que, inclusive, aparecia sorridente ao seu
lado num retrato de grupo. “Quem é essa rapariga?”
— perguntou-lhe. Ele alterou de imediato a expressão e respondeu com ar contrariado: “Não comeces.
É apenas uma amiga!”
Victoria decidiu dar-lhe o benefício da dúvida. Apesar de se ter apercebido, por diversas vezes,
de que ele fechava abruptamente a janela do Facebook no computador sempre que ela se aproximava. Como se ocultasse algo. Mas Victoria achou que
era uma suspeita infundada. “Afinal de contas, todos temos o direito de ter amigos só nossos, à parte
dos amigos do casal, e quis acreditar nele. Entre duas
pessoas que gostam uma da outra não deve haver
mentiras”, comenta com os olhos baixos esta esteticista, quase sem sotaque. Poucos dias depois, precisamente no último dia do ano passado, a poucas
horas dos brindes com champanhe, caiu uma bomba na caixa de mensagens do Facebook de Victoria.
Quem lhe escrevia era a dita rapariga loura que andava a colocar “gostos” em todas as fotos do perfil do
namorado. Não eram amigas das redes, nem nunca
se tinham cruzado ao vivo. Ainda assim, ousara escrever-lhe: “Olá, Victoria. Tu não me conheces, mas
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já me deves ter topado. Estive envolvida com o teu
namorado nestes últimos meses após o teres posto fora de casa. Ele agora está com a conversa que
vai voltar para ti. Só quero que saibas que no dia em
que jantaram juntos, ele foi ter comigo e dormimos
juntos. Assim ficas a saber que ele te andou a trair.”
Depois das lágrimas, veio a decisão. Victoria ligou ao
companheiro dizendo-lhe que nunca mais o queria
ver. Ele implorou-lhe perdão, chorou à porta de sua
casa, admitiu que fizera um disparate. Mas era tarde.
Victoria fechou-lhe a porta de casa para o deixar fora
da sua vida. A seguir, desamigou-o de todas as redes
sociais. “Dei-lhe oportunidade para ele ser honesto,
estávamos emocionalmente envolvidos, alegadamente eu estava noiva dele e ele enganou-me desta
maneira? Acabou-se.”
Histórias passionais como esta, com mais ou menos enganos, traições e deceções são vividas, descobertas e reveladas todos os dias em todo o mundo
nas redes sociais provocando crises e separações.
Boa parte destes episódios tem como palco o Facebook. Com mais de cinco milhões de utilizadores
ativos em Portugal e cerca de 1,4 mil milhões em
todo o mundo, a rede de Mark Zuckerberg foi criada para juntar pessoas — que provavelmente nunca se dariam ou encontrariam na vida real —, mas a
verdade é que também pode afastá-las, ao levantar
pistas de infidelidade. E não é preciso muito. À distância de um clique redescobrem-se colegas de escola, reencontram-se antigas paixões, abordam-se
conhecidos e desconhecidos com um simples like e,
por vezes, a tentação acontece. De acordo com um
estudo do site britânico “Divorce Online”, o número de divórcios causados pelo Facebook ultrapassa os
28 milhões. A investigação deste site de advogados
revela que a rede social é apontada em quase todas
as causas de separação. Nos EUA, a associação de
advogados matrimoniais indica também que 80%
dos divórcios citam o Facebook como evidência de
traição. Em Portugal não há ainda estatísticas sobre
o divórcio e as redes sociais.
Uma coisa é certa, no mundo das redes e da comunicação global o amor e as paixões nunca mais
serão as mesmas. São os novos tempos das relações
2.0. E os casais estão a aprender a viver nas comunidades online. Para João Canavilhas, professor da
Universidade da Beira Interior e especialista em
comunicação e novas tecnologias, podem existir
inúmeras razões para os divórcios, mas não são necessariamente provocadas pelo uso da maior rede
social do mundo. “O Facebook é aquilo que quisermos fazer dele. Tanto pode servir para promover a infidelidade como para reforçar a fidelidade.
É um amplificador de atitudes e comportamentos.
Se forem positivos, a amplificação funciona a favor
do utilizador, se forem negativos jogam contra.”
O que este investigador quer dizer é que o que faz
a diferença não é a tecnologia, mas a forma como
as pessoas se comportam. “Encontrar uma antiga
namorada no Facebook ou num jantar de antigos
colegas pode ter exatamente o mesmo resultado se
for essa a intenção das pessoas em causa. A diferença é que a rede social online esbate as fronteiras
do espaço e do tempo, facilitando e acelerando as
aproximações.” Canavilhas vai mais longe, apontando o facto de a maioria das pessoas viver aquilo
a que chama o “efeito anestesiador” da navegação
da Web, perdendo a noção de que uma rede social é
um espaço público à escala global. “Publicam coisas que não diriam em público ou que não contariam ao parceiro. Esquecem-se de que essa informação pode ser vista por eles ou replicada por um
amigo, saindo do seu controlo.” Por outras palavras, a tecnologia simplesmente amplifica e torna
mais visível ou acelera problemas que já existem.
A sexóloga e investigadora Ana Carvalheira acrescenta que a possibilidade de infidelidade no Facebook é maior do que na vida offline, pela enorme rede
de contactos e pelo modo rápido e imediato como os
processos de sedução acontecem. “E o online dá outras coisas. A possibilidade de fantasiar e idealizar
com o outro, a sensação de controlo e de proteção
e abre caminhos ambíguos que disparam em muitas direções. Um simples like pode ser iniciador de
algo. Alguém faz um like numa publicação de uma
amiga, ela fica agradada, sente que ele está atento ao
que ela faz e decide responder-lhe com um simpático “Olá”. E, em poucas frases, a conversa por escrito
pode passar rapidamente a um registo mais sedutor,
mais erotizado entre ambos. O problema que se coloca é quando as pessoas são comprometidas e não
têm cuidado e bom senso e colocam as suas relações
em risco, como aconteceria numa conversa sedutora
iniciada num bar”, esclarece a investigadora do ISPA.
A investigadora Maria Guilhermina Castro, autora do estudo “Fidelidade e infidelidade nas relações
amorosas”, da Universidade do Porto, junta à discussão outra perspetiva curiosa. A comunidade das redes sociais pode ser muito cruel para os enganados.
“O Facebook tem especificidades na vigilância e na
descoberta da infidelidade. Há toda uma dimensão
pública pertinente, toda a gente tem acesso a possíveis indicadores da dita, através dos posts, dos likes. E
se todos os amigos souberem que dada pessoa é traída, essa pessoa não só perde o respeito do companheiro como de todos aqueles que assistiram através
do Facebook, sendo rebaixada de modo visível na sua
rede de contactos. Perde poder. É o banana.”
“Costumo dizer aos casais com
problemas de confiança que a
descoberta da verdade é uma
história sem fim” — José Gameiro
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11-07-2015 | Revista E
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TRAIÇÃO Victoria Ciubara
foi contactada pela amante
do ex-noivo através de uma
mensagem no Facebook,
onde ficou a saber do
relacionamento escondido
que ela vivera com ele
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MANUAL DE
SOBREVIVÊNCIA
A DOIS
DIZER A VERDADE
Implica não mentir/omitir nas escolhas
feitas no Facebook ou outras redes
sociais. Se se assumir como casado na
rede deve ser honesto e não revelar
que está solteiro para uns e casado para
outros. A mesma coisa em relação à
ocultação de likes ou comentários a fotos de terceiros com receio da reação
do companheiro. Isso é tomar decisões
arriscadas para a relação.
DESCONFIANÇA Joana Matos
viveu duas relações perturbadas
pelo uso das redes sociais.
Apanhou um namorado a flirtar
no WhatsApp e no Facebook.
Outro zangou-se por ela lhe ter
invadido o perfil de Facebook
Foram os ciúmes e a desconfiança que minaram
as últimas relações de Joana Diniz Matos. Esta morena, de 29 anos, feições delicadas e exóticas, tem
uma ideia feita sobre o comportamento dos homens
nas redes sociais. “Grande parte deles alimenta conversas com várias mulheres nas redes sociais e nas
mensagens de WhatsApp por uma questão de ego.
Era o caso de um dos meus últimos namorados que
flirtava com várias miúdas ao mesmo tempo. Eu sei
disso porque das poucas vezes que procurei alguma
coisa no telefone dele encontrei mensagens de raparigas no WhatsApp. Conversas triviais feitas pela tal
questão de ego. Que não se concretizavam em nada,
mas que criavam ciúmes.” A relação acabou por se
esgotar entre discussões. “Não funcionava. Eu não
confiava nele”, explica esta gestora de projetos a trabalhar numa produtora de audiovisuais.
Joana transportou uma certa desconfiança para a
relação seguinte. O novo namorado era muito diferente do anterior, pouco ativo nas redes e de personalidade discreta, nunca lhe deu motivos para alarme. “Nem amigos de Facebook éramos, e nem eu
nem ele sentíamos necessidade disso. Talvez fosse
no início uma forma de proteção em relação ao nosso
bem-estar, privacidade e vida social. Para evitarmos
ciúmes e confusões.” Mas um dia a ocasião estendeu o tapete à curiosidade. Joana tirara férias e passara uns dias em casa do namorado. Numa manhã,
ESTABELECER REGRAS A DOIS
Se o Facebook provoca tensão no
casal, é prudente que os dois criem
as suas próprias regras. O que devem
publicar, partilhar ou não o estado
civil, evitar contacto com ex-namorados, conversas ambíguas com outras
pessoas, entre outros. Não são as regras
que vão proteger o casal. É a conversa à
volta dessas regras.
quando acedeu ao computador dele para fazer a revisão dos e-mails e redes sociais, abriu o Facebook e
entrou diretamente na página dele. O namorado esquecera-se de encerrar a sessão. Joana ainda hesitou,
mas a vontade de tirar a teima foi mais forte: o perfil
dele estava à mão de semear e ela foi de imediato às
mensagens privadas. “Não encontrei nada suspeito.
Na altura, senti-me mal com a minha atitude e decidi guardar aquele momento para mim.” O segredo
não durou muito. Tempos mais tarde, numa conversa
séria sobre a vontade de Joana em assumir a relação
com maior compromisso, veio à baila o episódio da
espreitadela. “Nem sei porquê, mas decidi contar-lhe que tinha visto as mensagens dele. Passou-se.
Disse que não podia admitir tal invasão e que nunca mais voltaria a confiar em mim.” Joana diz que
aprendeu com o passado e tem agora um olhar mais
crítico em relação às redes. “Ainda há dias conheci
um rapaz numa saída à noite. Como ele não tinha o
meu número de telefone adicionou-me no Facebook,
estivemos à conversa um bocado no chat, mas rapidamente lhe disse que era melhor combinarmos um
copo de vinho ao vivo e acabarmos com a conversa
online. Ele aceitou e passámos a uma relação offline.
E tem corrido muito bem até à data.”
A psicóloga e terapeuta de casais Cláudia Morais,
autora do livro “O Amor e o Facebook”, afirma que
todas as semanas lhe chegam ao consultório casais
com pedidos de ajuda para problemas gerados naquela rede social. E que assegura há cada vez mais
namoros e casamentos ameaçados por escolhas relacionadas com o Facebook, por ser a estrutura que
mais rapidamente coloca adultos em ligação direta.
“Uma boa parte dos meus clientes vem na sequência
de uma traição revelada no Facebook. Outros chegam
sem provas concretas, mas com a sensação de que os
parceiros mantêm relações paralelas. O alarme pode
surgir quando uma pessoa a meio da madrugada dá
de caras com o parceiro em frente ao computador a
PARTILHAR OS FANTASMAS
Conversar com o parceiro sobre as inseguranças que sente. Quando alguém
está inseguro a propósito do comportamento do companheiro no Facebook
deve expor o problema tentando não
atacar. Porque se um deles atacar é
normal que o outro se defenda e pareça
estar a esconder algo (mesmo que não
esteja).
EVITAR O FLIRT ONLINE
Estar atento ao tempo gasto com outros nas redes. Se está a discutir muito
com a sua mulher ou com o seu marido
sobre a troca de mensagens com a
pessoa X ou Y deve questionar a razão
de o fazer. Muitas vezes são ligações
estabelecidas para sentir que o parceiro se importa pelo ciúme demonstrado.
PARTILHAR A PASSWORD
NÃO É SOLUÇÃO
Não é a procura de indícios que resolve
a desconfiança, nem passa por mostrar
ou dar a password do perfil ao outro. A
solução é ambos conversarem e investirem na relação com confiança, afeto
e verdade.
O PROBLEMA NÃO É O FACEBOOK
O Facebook não é a origem do mal. Não
é cortando com o Facebook que as dificuldades do casal vão desaparecer. Se
a relação estiver bem e equilibrada, não
deverá ser o Facebook a mudá-la.
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11-07-2015 | Revista E
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VIGIADA Na última relação,
Ana Caçapo era constantemente
criticada pelo namorado por
comentar posts de amigos ou por
se mostrar divertida em fotografias
junto de outros rapazes
teclar com alguém no Facebook. O que levanta o ciúme, a suspeita de flirt e traição. Por vezes, é a queixa
de que o outro está a investir demasiado tempo em
conversas online com alguém.” Para a terapeuta não
é a infidelidade que cresce com o Facebook, mas a
oportunidade. “É uma plataforma para que possamos
conhecer mais pessoas. Seja quando estamos solteiros
ou num compromisso. E, nesse sentido, pode funcionar como uma plataforma para a infidelidade. A maior parte dos casais que recebo com problemas gerados nesta rede tem dificuldades ao nível da conexão.
Quando um dos elementos começa a falar demoradamente com outra pessoa no Facebook está a ligar-se emocionalmente, está a reivindicar amparo, o que
indica que a própria relação poderá não estar bem.”
Cláudia conta que é frequente, na sequência de uma
traição, que o cônjuge traído peça ao outro para eliminar a conta de Facebook enquanto a ‘poeira’ não
assentar, o que ajuda na recuperação da confiança.
“O que já não acho legítimo é que um dos elementos
do casal peça ao outro a password da conta de Facebook, porque isso não vai trazer segurança à relação
nem será tranquilizador.”
A mesma opinião tem o psiquiatra José Gameiro,
também terapeuta de casais, cada vez mais habituado a que estas questões sejam discutidas no seu consultório. “Mesmo quando alguém vasculha o perfil
do companheiro e não encontra nada fica a dúvida
se terá apagado ou ocultado algo. O que eu costumo
dizer aos casais com problemas de confiança é que a
descoberta da verdade é uma história sem fim. Nunca
se consegue saber tudo. Não é a procura de indícios
que resolve o problema. A melhor resposta é investir
na relação. E se do outro lado houver uma resposta
positiva em princípio estará tudo bem.” No entanto,
o psiquiatra aconselha que cada casal defina as suas
próprias regras de comportamento. “Se para um elemento do casal é perturbador que o outro faça certos
comentários ou publicações no Facebook, sentidas
como sedução, é legítimo pedir ao outro para não o
fazer. É como quando um homem está na rua a passear com a parceira e começa a olhar fixamente para
as outras mulheres. Ela pode sentir-se incomodada e
pedir-lhe para não o fazer.”
Não são só os homens a provocar ciúme nas redes. Na última relação que teve, Ana Caçapo, uma
morena de 38 anos, sentiu-se constantemente vigiada e censurada pelo namorado. Sempre que publicava uma foto com amigos ouvia o comentário
reprovador: “Ah, abraçada ao amigo...”, dizia ele.
E bastava que escrevesse um comentário no mural
de alguém do sexo masculino para gerar discussão.
“Vê lá se também gostavas que começasse agora a
comentar as fotografias das tuas amigas...” Ana não
via problema nisso. “Ele era muito imaturo e estava a afirmar-se por ter uma mulher ao seu lado.”
Como ele nunca mostrara vontade de conhecer os
amigos dela, Ana assumiu que o que viviam ainda
era segredo. Um dia, ele lembrou-se de deixar um
piropo escrito numa foto que Ana acabara de publicar no Facebook: “A mulher mais linda, que eu tenho”. Ana não gostou da exposição sem aviso prévio
e apagou o comentário. “Ele ficou ofendido, achou
que eu não queria assumir o que tínhamos. Um disparate de miúdo, porque fora ele a manter-se como
o senhor mistério. Esta relação foi sempre pautada
pelas críticas ao meu comportamento nas redes e
acabou pelas visões diferentes que temos da vida.”
O advogado João Tiago Machado, especialista em
direito de família, já acompanhou inúmeros pedidos
de divórcio na sequência de traições descobertas nas
redes. Em 2008 foi alterado o regime jurídico do divórcio, deixou de haver a figura do ‘cônjuge culpado’ e o adultério já não é uma razão de culpa. Ainda
assim, não lhe faltam histórias. Como a da mulher
que insistia que nunca fora infiel. Até que um dia, o
desconfiado marido convoca os advogados e a mulher para uma conversa. Logo no início da reunião,
lança um molho de folhas A4 para cima da mesa.
Nelas estavam as mensagens comprometedoras que
a mulher trocava com o amante. Coisas como “Foste
excecional ontem à noite” ou “Agora percebo a expressão subi pelas paredes”. O homem instalara um
programa no computador da mulher que registava
a atividade e confirmou tudo. “Ela ficou lívida, mas
nenhuma das folhas serviu como meio de prova, porque constituíam invasão de privacidade. Só é válido
como prova em tribunal o que é visto ou publicado
em espaço público”, refere o advogado.
Catarina Barra e Sérgio Salvador têm uma página de Facebook em comum. Chama-se “Catarina E
Sérgio”, assim mesmo para que não restem dúvidas
sobre o facto de ser território de um casal. Foi passado um mês de namoro que Catarina, de 37 anos, administrativa de um hospital, decidiu fazer a surpresa
ao namorado. Transformou a sua página pessoal na
página de ambos, comunicando a mudança a todos
os amigos na rede, Sérgio incluído. Ele não sabia de
nada. “Reagi bem, achei piada. Como eu apenas tinha
uma página profissional, aquela passou a ser direcionada para uma vertente social que fazia falta, e onde
agora partilhamos com os nossos amigos os momentos a dois. Mas apesar de saber a password quase não
mexo na página. Ela é que a gere, é a administradora
interina”, graceja este gerente de uma imobiliária, de
39 anos. E acrescenta outra vantagem para este perfil: “Bloqueia investidas de pessoas ou algum atrevimento indesejado para com algum de nós na página”.
Catarina e Sérgio estão a poucas semanas de se casar.
Trocarão alianças no dia 25 de julho, um ano depois
de terem dado o primeiro beijo.
Catarina está a planear o conto de fadas com que
sempre sonhou. Já se refez por completo do enorme
desgosto amoroso que sofreu há um ano e meio. Vivia
uma relação tranquila com o anterior companheiro.
Parecia estar tudo bem. Um dia recebeu uma mensagem privada no Facebook. Era dele. Tinha voltado
para a ex-mulher e queria terminar a relação. Assim.
Sem mais. “Não teve coragem de o fazer de outra
maneira, é uma pessoa sem carácter”. Catarina diz
que tem confiança no noivo, mas afirma ter também
consciência “da infinita comunidade de mulheres”
que estão online e do que são capazes. Por isso, ela
joga à defesa. “De vez em quando, faço um ou outro
comentário na página profissional do Sérgio. Para
marcar posição”, admite, com um sorriso aberto. Não
vá o diabo, ou o Facebook, tecê-las. b
[email protected]

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