Vera Pugliese - Universidade de Brasília

Transcrição

Vera Pugliese - Universidade de Brasília
ENTRE MATHIAS GRÜNEWALD E JASPER JOHNS:
TRANSTEXTUALIDADE E ANACRONISMO NA HISTÓRIA
DA ARTE
Vera Pugliesei
O presente texto deriva de uma pesquisa mais extensa que visa refletir sobre a questão da
interpretação do fenômeno artístico no interior de diferentes vertentes historiográficas
artísticas. Ao considerar a espessura entre a imagem e o olhar do historiador da arte como
sujeito que, situado diante dela, coloca em jogo uma complexa rede de associações entre
sua própria memória e as memórias que a imagem porta, estabelece-se uma discussão sobre
alguns conceitos operatórios característicos da práxis do historiador da arte. Este jogo se
evidencia quando a obra em questão já opera em um campo em que o artista agenciou
imagens segundo uma lógica associativa que, em certa medida, possui uma estrutura que
não deixa de se relacionar com estruturas do próprio discurso da História da Arte.
Nesta pesquisa, a obra Perilous Night, que Jasper Johns (1930) realizou em 1982 que
integra o acervo da National Gallery of Art de Washington, acabou por demandar um
exame mais detalhado, por comportar, em plena contemporaneidade, os entrecruzamentos
de duas entradas altamente paradoxais na História da Arte: o anacronismo e o patético.
Fig. 1: J. Johns, Perilous Night (1982), encáustica e técnica mista sobre painel, 170,2 x 143,8 x 12,7 cm
(www.nga.gov)
Se o anacronismo se oferece a um intenso jogo com a tradição pictórica ocidental desde o
Renascimento, a questão do patético impõe a assunção de que este jogo não pode
permanecer alheio à noção psicanalítica da projeção na relação do sujeito com a imagem,
complexificando as relações no campo discursivo e, talvez, ultrapassando-o.
Perilous Night
A obra consiste em dois painéis de encáustica com inserção de objetos montados sobre tela
e emoldurados por uma caixa de madeira que a encerra com bordas estreitas, sendo um
díptico de altura consistente com a de um ser humano. À primeira vista, este trabalho pode
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ser chamado de pintura em encáustica, uma vez que seu resultado final apresenta-se como
um quadro, mas ele também é compreendido sob o epíteto de collage ou assemblage.
Chama atenção o contraste entre os dois painéis, sendo o esquerdo mais homogêneo,
enquanto o outro parece composto por diferentes elementos, além de apresentar uma
presença marcada por cores e zonas mais iluminadas. Uma leitura esquemática da obra,
apresentada no material educativo do museu propõe uma breve abordagem iconográficaii,
que instigou, no presente texto, uma investigação mais aprofundada.
O painel esquerdo, que ocupa quase metade da obra, é um trabalho em encáustica em que a
superfície acinzentada escura foi escavada por Johns de modo aparentemente ilegível. São
perceptíveis seus golpes na cera que, entalhada, pouco revela de suas formas, de modo a se
insinuar sutilmente em um traçado magenta. O próprio artista indicou a fonte icongráfica
do desenho, que não é outra que a Ressurreição que compõe o Retábulo de Isenheim que
Mathias Grünewald (1470-1528) pintou entre 1512 e 1515.
Fig. 2: J. Johns, Perilous Night, painel esquerdo (www.nga.gov)
Trata-se de um detalhe do painel da Ressurreição do políptico do pintor renascentista
alemão pintou há mais de quatrocentos e cinquenta anos desta citação. O intertexto
compreende os soldados que adormecem junto à tumba de Cristo enquanto Ele ressucita,
glorificado por uma aura resplandecente. Mas a própria Ressurreição não figura em
Perilous Night, tendo Johns eleito apenas uma porção marginal da base da passagem
evangélica.
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Fig. 3: M. Grünewald, Retábulo de Isenheim (c.1512-15), óleo sobre madeira (2ª abertura) (www.wga.hu)
Fig. 4: M. Grünewald, detalhe da Ressurreição (c.1512-15) e J. Johns, Perilous Night, painel esquerdo na
horizontal, com reforçadas em branco (www.nga.gov)
Um recorte ainda mais restrito e sem o destaque da linha magenta figura em um dos
retângulos do painel direito, trabalhado em encáustica em tons de cinza de modo ainda mais
convulsivo. Note-se que a imagem horizontal do pormenor do painel da Ressurreição de
Grünewald é invertida lateralmente, espelhada, como que metaforicamente desdobrando a
asa do Retábulo de Isenheim.
As questões da representação e de sua interpretação se impõem de modo drástico, uma vez
que este detalhe é revelado em uma chave ainda mais enigmática do que o painel maior,
sem cuja referência, certamente se tornaria ilegível como figuração e se destinaria a ser
tomado como uma obra de abstração expressiva, em contraste com a trajetória artística de
Johns. Esse artifício apresenta simultaneamente dois problemas: a questão da interpretação
da arte abstrata que se desloca para o problema da própria interpretação na História da Arte
e a inquietação sobre como considerar uma obra ou um sentido parcelar de uma obra com
conotações tão expressivas em um artista que se consagrou no New Dada e que não deixou
de integrar a Pop Art norteamericana. Além disso, em termos semiológicos, ele apresenta
uma complexificação no campo da transtextualidade, pois a repetição da citação da
Ressurreição acresce uma nova categoria ao intertexto, que são as citações internas da obra,
que podem ser chamadas de intratextos (FERRARA, 1986: 85-89).
Antes de se dedicar a outro detalhe da Perilous Night, faz-se necessário demarcar um
último problema que é o da repetição que, para além do campo da Semiologia, apresenta-se
como um objeto investigado pelos campos da Filosofia e da Psicanálise.
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Fig. 5: J. Johns, Perilous Night, pormenor do painel direito (www.nga.gov)
Prosseguindo a análise, na zona retangular superior do painel direito da obra figuram três
braços desmembrados moldados em gesso e pintados com uma peculiar textura que pode
ser identificada a escaras ou ferimentos. Cada um deles parte de uma zona colorida de
pintura, vermelho, amarelo e azul, como se os braços estivessem dependurados por um
prego ou um cravo que é pintado em tratamento ilusionista. Se as cores remetem ao
conjunto de cores primárias, os braços têm a fonte indicada como a dos braços de Cristo da
Crucificação do mesmo retábulo.
Fig. 6: M. Grünewald, Crucificação, painel central da primeira abertura do Retábulo do Altar de Isenheim
(c.1512-15), óleo sobre madeira (www.wga.hu)
Ao remeter novamente à obra de Grünewald, este novo intertexto acrescenta um fator
complicador à interpretação da obra, uma vez que sugere que se trate de outra categoria
transtextual, o hipertexto. Se, de acordo com a tipologia da transtextualidade de Gérard
Genette (1930), o intertexto seria a citação e suas variações, o hipertexto compreende os
mecanismos tipológicos de transferência referencial entre o texto original e o texto atual
(GENETTE, 1982).
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Fig. 7: J. Johns, Perilous Night, pormenor do painel direito (www.nga.gov)
Nesse sentido, a utilização de mais de uma referência em uma obra sugere essa
possibilidade em relação ao sentido-sema da imagem (DIDI-HUBERMAN, 1985: 9-20),
que deve ainda ser cotejada a outras questões, como a remissão de Johns à sua própria
pintura, como no segundo braço, que aparece sobre o fundo texturizado que cita um
conjunto de obras que o artista realizou entre final dos anos 1970 e a década seguinte.
Não se trata, contudo, de um mero intertexto do texturizado presente na obra recente de
Johns, mas de um metatexto, que segundo a tipologia de Genette, compreende indicações
metalingüísticas aos textos citados e ao em ação, de modo a evidenciar que Johns estava
“citando” sua pintura assim como a tradição pictórica, alcançada por meio da Crucificação
e da Ressurreição de Grünewald.
Em muitas obras da mesma época, como em #6 (after Untitled 1975), da série de 1976 em
que relizou o hipertexto de Untitled 1975, ou em Café Savarin, em que, no mesmo ano de
Perilous Night ampliou a rede de transtextualidade que cita obras como Lata de café
Savarin (1960), em que fundiu em bronze uma escultura ilusionista de uma lata de café da
marca Savarin – que consumia em seu atelier e aproveitava para lavar e guardar seus
pincéis – com alguns desses pincéis, igualmente escultóricos.
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Fig. 8: J. Johns, Savarin (1981), litografia, 101,3 x 75,1 cm (www.moma.org)
A apropriação é redobrada em uma dessas gravuras, do ano anterior à Perilous Night, em
que também imprimiu seu braço na litografia, em vermelho, complexificando ainda mais a
trama de anacronismos de seus jogos transtextuais, ao ratificar sua identificação com a
obra. O intertexto aqui remete ainda à litografia Autorretrato com braço de esqueleto que
Edvard Münch (1866-1944) realizou em 1895, o que é ratificado pelas iniciais E.M. à
direita da impressão do braço. A gravura do artista norueguês, por sua vez, já realizava um
arquitexto do tradicional memento mori europeu.
Segundo o princípio do combine de Johns que reporta à estratégia de montagem das
composições musicais de John Cage (1912-92), ele ainda inseriu a referência ao próprio
nome da obra. O terceiro braço se encontra sobre uma página da partitura serigrafada de
Cage chamada Perilous Nigh. Essa peça para piano preparado de 1967 tinha essa
denminação devida ao impacto provocado em Cage por uma lenda medieval irlandesa
relatada por seu amigo Joseph Campbell (1904-87).
Fig. 9: J. Johns, Perilous Night, pormenor do painel direito (www.nga.gov)
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O célebre mitógrafo contava que o herói passara toda uma noite tentando subir em uma
perigosa cama (perilous bad) em um cômodo cujo assoalho era de jaspe polido (polished
jasper floor). Mas quando se aproximava dela, a cama deslizava e ricocheteava em uma
parede do quarto, até que, quando finalmente ele conseguiu subir na cama, foi alvejado por
flechas e atacado por um corpulento camponês e por um leão. Relacionado ao sentido de
perilous como um perigo que jaz à espreita dos nossos desejos, o conto se reporta ao desejo
erótico e as armadilhas da vida sexual (CAMPBELL, 1991: 235). Outra categoria
transtextual opera esse jogo de significados imbricando-se às demais: o paratexto, definido
como o “aparelho” que rodeia o texto, como notas explicativas e o próprio título.
Fig. 10: J. Johns, Perilous Night, pormenor do painel direito (www.nga.gov)
Fig. 11: P. Picasso, Mulher que chora (1937), óleo sobre tela (gettyimages.com)
Como migalhas transtextuais a serem seguidas de modo não linear até o significado
complexo da obra, jaz um lenço esquemático ilusionisticamente pendurado em um prego na
parte inferior do painel direito de Perilous Night. Este outro intertexto remete, dessa vez, a
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Pablo Picasso (1881-1973). Na época da realização de Guernica, em 1937, ele pintara
diversas obras com o nome de Mulher que chora. Malgrado a retratada fosse Dora Maar
(1907-97), sempre chorando com um lenço nas mãos, seu pranto era o pranto do mundo, da
dor de todas as mulheres que choram diante da catástrofe da guerra, em plena Guerra Civil
Espanhola e às vésperas da Segunda Grande Guerra. O lenço se torna, em Johns, o índice
desse pranto e da dor compassiva de Dora Maar, figura que fazia a interface do pintor
andaluz com o grupo surrealista em Paris, é revelador do pathos da obra, que chega a
contrastar com a conceptualidade mais impessoal de seus trabalhos mais característicos.
Uma poética da História da Arte?
A abordagem das relações transtextuais de Perilous Night, ditadas pelo agenciamento de
seus intertextos como copresença de diferentes temporalidades, ainda se desdobram em um
nível mais profundo, estrutural. A compreensão da obra como texto envolve tanto premissa
que o texto é um efeito do sentido total ou a somatória dos efeitos de sentidos particulares
que produzem seu corpo de significado, quanto sua própria construção de significado, em
termos formais. Esta construção de significado do texto também deve ser compreendida em
um sentido mais complexo, envolvendo desde sua organização e seu gênero de produção
até o próprio texto, a relação entre ele e o texto e o leitor ideal ao qual seria pretensamente
destinado e o leitor que se relaciona efetivamente com o texto. Por conseguinte, o intertexto
se estabelece como uma rede de referências a textos anteriores de modo a promover a
compreensão da obra atual, como um todo ou em parte, a partir de referências que trazem
seus próprios significados à obra, ainda que se transformando (CALABRESE, 1998).
Inversamente, as relações globais ou parcelares estabelecidas nesta rede intertextual na obra
atual ilumina e complexifica a compreensão das obras anteriores, atualizando
anacronicamente seus próprios corpos de sentido.
Ainda nessa chave, poder-se-ia convocar uma última categoria de transtextualidade
elencada por Genette, o arquitexto, que compreendeu o conjunto das propriedades de
gênero assumidas pelo texto. Assim, pode-se propor que mais que um hipertexto, a
Perilous Night faz arquitexto não de um ou outro painel do retábulo de Grünewald como
obras individuais, mas da própria arquitetura do Retábulo de Isenheim, na complexidade de
suas aberturas e ocultamento dobram e redobram o conceito de políptico. O políptico, em
sua tradição, possui um centro (painel central) em torno do qual orbitam painéis menores
organizados segundo uma ordem cronológica de eventos e/ou uma ordem lógica de temas
que teriam como síntese ou clímax o painel principal.
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Fig. 12: Diferentes aberturas do Retábulo de Isenheim, Musée d’Unterlinden, Colmar (www.museeunterlinden.com)
No caso deste retábulo particular, devido a um par de painéis fixos e dois pares de painéis
móveis, ele compreende quatro vistas diferentes. O retábulo fechado apresenta ao centro a
Crucificação, com os painéis laterais de São Sebastião à esquerda e de Santo Antônio à
direita. Na base, há a passagem da Lamentação que não se modifica necessariamente nas
quatro possibilidades de abertura do políptico e, não por acaso, figura quase como se fosse
uma pedrela que insistentemente doa o tom patético à obra como um todo.
Abrindo-se os painéis laterais, forma-se a singela cena do Concerto do anjo para Madona e
Menino, numa a elegia ao cristianismo. À esquerda surge o painel da Anunciação e à
direita, o da Ressurreição. Nesse jogo de velar-se e se desvelar, o mistério crítico se releva
desde a Anunciação do nascimento do Jesus terreno até a Glorificação do Cristo celeste. E a
Lamentação continua na base do retábulo.
Fixando-se o segundo jogo de painéis laterais, revelam-se à esquerda São Paulo e Santo
Antão no Deserto e à direita a Tentação de Santo Antão. Ao centro surge um grupo
escultórico realizado por Nikolas von Haguenau (1445/60-1538) de Strasbourg, entre 1500
e 1505. Grünewald recebera a encomenda do dignatário italiano Guido Guersi (data), para
pintar os painéis laterais do retábulo, que seria transformado em políptico. O painel inferior
do retábulo ainda poderia ser retirado, dando lugar a uma sequência de cinco nichos com
figuras esculpidas em madeira dourada.
Muito se falou sobre a forte expressividade das figuras de Grünewald em seus gestos, nos
panejamentos de suas vestes e mesmo nas cores utilizadas. Embora a fonte textual do
renascentista alemão tenha sido a das revelações místicas de Santa Brígida da Suécia,
escritas em c.1370, como reza a tradição, é notória a hipótese de que a carga dramática das
personagens, em especial na figura de Cristo, se devesse à vocação do monastério
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franciscano dos irmãos antoninos como um hospital para as vítimas acometidas pelas pestes
e pelas epidemias de fogo de Santo Antônio (Claviceps purpurea).
Estes painéis foram encomendados para compor o retábulo da capela do Monastério dos
Antoninos em Isenheim, na Alsácia, à época em que significativas epidemias de uma nova
peste eclodiam na Europa, causando grande mortandade. Tratava-se da sífilis, que
rapidamente foi associada ao contato corporal e à nudez (não exatamente à transmissão
sexual), e provocou a proscrição de suas vítimas a sanatórios.
O programa iconográfico do retábulo enfatiza tanto o sofrimento de Cristo quanto a
vocação de Santo Antão e São Sebastião como santos protetores dos pestilentos. No caso
do segundo, cuja principal iconografia é a do corpo de Sebastião incrustado por flechas, é
digno de nota que apenas durante a Idade Média elas passaram a ser consideradas
simbolicamente as pestes que penetram no corpo do homem e que, apenas por meio da Fé e
da oração, pode-se-ia salvar-se desse mal. São Sebastião sofreu esse martírio mas não
padeceu dele, tendo se recuperado por milagre, acabou sofrendo um segundo martírio
posteriormente, devido ao qual veio a falacer. Quanto à referência a Santo Antão (também
conhecido como Antonino ou Antônio), ele era um eremita que buscava se purgar das
terríveis tentações da carne por meio da oração, do jejum e do autoflagelo.
Faz-se necessário compreender como, num nível mais profundo, ultrapassando a própria
questão da transtextualidade, a obra de Johns transborda o campo semântico, assim como o
iconográfico ao relacionar-se estruturalmente ao políptico de Grünewald no nível da
projeção do sofrimento, sendo uma obra que anunciava a nova peste dos anos 1980, a
chamada doença dos 5 Hs, apenas em 1985 conhecida por Síndrome de Imunodeficiência
Adquirida, com o pranto e a Lamentação, não apenas pela doença em si, mas pelo
preconceito social de que se revestia. Revela-se, então o elemento desestabilizador do
pathos que intervém em jogo com o anacronismo.
A estrutura da obra se dá como montagem, o que reporta a uma tradição moderna, advinda
da fertilidade do Cubismo sintético e que foi absorvida e transformada pela fotomontagem
– como em John Heartfield (1891-1968) ou pela montagem cinamatográfica – como em
Sergei Eisentein (1898-1948) – e que não deixa de dialogar, anacronicamente, com o
programa iconográfico de Grünewald. Mas Johns não teria realizado propriamente um
programa iconográfico com painéis que se sobrepõem, mas com fragmentos que se
justapõem em uma lógica disruptiva cujo centro se modifica na medida em que a relação
entre figura e fundo se modifica a partir de nossa relação com a obra, ultrapassando,
também os limites da iconologia. As imagens e as referências se atraem e se rearranjam
conforme nosso olhar elege centros funcionais e os conectam em um processo que envolve
operações anacrônicas de diferentes tempi que se ressignificam ao passo de transformar não
apenas os múltiplos significados de Perilous Night, como também, permitem um olhar
contemporâneo sobre o Retábulo de Isenheim e sua própria montagem.
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Impõe-se a questão de como trabalhar na História da Arte com a categoria epistêmica da
montagem na obra de arte, sem que o próprio discurso historiográfico artístico não
mergulhe, de certo modo, nesta mesma categoria epistêmica, em termos estruturais. Dito de
outro modo, a própria ordem do discurso desta disciplina deve se render a considerar os
elementos desestabilizadores de uma grande narrativa, que procuraria, em vão e
obsessivamente, constituir-se a partir de um ponto de vista artificial e analítico, apartado de
seu objeto de conhecimento. A entrada do anacronismo – entendido como a
sobredeterminação temporal da imagem e da memória do historiador da arte – e do patético
– compreendido como o jogo de projeções que essa sobredeterminação da memória
individual e coletiva evocam – propiciam uma sorte de deslocamentos que o próprio sujeito
do conhecimento desta disciplina para compreender não apenas no nível semântico, mas em
um nível patológico, os delocamentos de seu objeto de conhecimento que não é apenas o
fenômeno artístico, mas o terreno movediço da cultura em que este objeto se desdobra em
diferentes paradigmas de sentido.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CALABRESE, Omar. Como se lê uma obra de arte. Lisboa: Edições 70, 1998.
CAMPBELL, Joseph. Masks of Gog: Occidental Mythology. New York: Arkana, 1991.
DIDI-HUBERMAN, Georges. La peinture incarnée. Paris: Minuit, 1985.
FERRARA, Lucrécia D’Alessio. A estratégia dos signos. São Paulo: Perspectiva, 1986.
GENETTE, Gerard. Palimpsestes. Paris: Le Seuil, 1982.
www.nga.gov/feature/artnation/johns/archaeology_1.shtm. Acesso em 15/04/2006.
Professora do Departamento de Artes Visuais da Universidade de Brasília – UnB, coordena o Bacharelado
de Teoria, Crítica e História da Arte deste Departamento, atua principalmente na área de Teoria e História da
Arte. É doutoranda e Mestre em Teoria e História da Arte pelo Programa de Pós-Graduação em Arte da UnB,
orientada pela Profª Drª Grace de Freitas.
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www.nga.gov/feature/artnation/johns/archaeology_1.shtm. Acesso em 15/04/2006.
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