Tradução literal e aprendizagem de línguas estrangeiras: uma

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Tradução literal e aprendizagem de línguas estrangeiras: uma
Tradução literal e aprendizagem de línguas estrangeiras: uma estratégia para memorização
Natanael F. França Rocha (UFSC-PGET)
[email protected]
Resumo: Propõe-se, neste artigo, no âmbito do ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras (LE), abordar o
uso da tradução literal como uma estratégia para auxiliar na memorização de léxico, estruturas e expressões da
língua estudada. A discussão se desenvolve sob o ponto de vista do aprendiz e apresenta exemplos de como tal
recurso – a tradução literal (geralmente mental) – pode facilitar a memorização. Não se abordou a língua
(materna ou estrangeira) de maneira mecânica ou artificial, nem tampouco se supôs que pudesse haver
correspondência direta entre duas línguas diferentes. Respeitando a individualidade de cada aprendiz, buscou-se
aqui apenas mostrar mais uma estratégia que, como parte de um todo, vise a contribuir para o processo de
aprendizagem de LE.
Palavras-chave: tradução literal, aprendizagem de línguas estrangeiras, estratégia de memorização
Abstract: This paper addresses the use of literal translation in the field of teaching and learning a Foreign
Language (FL) as a strategy to help memorizing lexis, structures, and expressions. The discussion progresses
from the learner’s viewpoint and brings up examples on how to use literal translation (mental, especially) to
retain information. Here, languages have not been analyzed as if they were mechanical or artificial, nor have
they been thought as if there was direct correspondence between them. Respecting learners’ individuality, this
article presents an extra strategy, as part of a whole, in an attempt to contribute to the teaching and learning of a
FL.
Key-words: literal translation, foreign language learning, memorization strategy
O uso da tradução no ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras (LE) vem
sendo largamente debatido no campo da Linguística Aplicada (LA). Professores, linguistas e
pesquisadores, por um lado, afirmam que a tradução é um “método” ultrapassado e ineficaz,
com falhas graves e influências veementemente negativas. Por outro lado, também defendem
que ela pode contribuir de forma efetiva no ensino, especialmente como uma estratégia de
aprendizagem ou técnica de ensino, sendo ainda considerada como a “quinta habilidade”
(COSTA, 1988, p. 289; WELKER, 2003, p. 5; ROMANELLI, 2006, p. 5). Os prós e contras
são consideravelmente muitos. No entanto, existe um consenso de que hoje se discute o uso
da tradução não como uma abordagem de ensino, mas sim como uma estratégia que, em
conjunto com outras, visa a contribuir para um ensino de línguas mais abrangente, permitindo
o uso das cinco habilidades, a saber: compreensão oral/escrita, produção oral/escrita,
tradução.
Para os defensores da tradução no ensino de línguas, existem diversas maneiras de
aplicá-la, desde que seja de forma consciente e cuidadosamente planejada (ATKINSON,
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1993). Mesmo os que apoiam a tradução sabem que seu uso indiscriminado pode ser ineficaz
ou até nocivo ao aprendiz. O que mais se discute sobre o assunto é o uso moderado da
tradução em sala de aula através de exercícios, que podem ser orais ou escritos. Além disso,
discutem-se estratégias que auxiliem o aprendizado da língua estrangeira, como o uso da
língua materna em sala de aula para dar instruções, esclarecer dúvidas de vocabulário,
explicar estruturas gramaticais, checar compreensão, entre outras (HARBORD, 1992;
ATKINSON, 1987). Em um de meus artigos (ROCHA, 2011), citei sete razões a favor da
tradução pelas quais um professor de línguas poderia optar para melhorar o processo de
ensino e aprendizagem, além de promover um aprendizado consciente. As razões citadas no
artigo foram: (1) contrastar culturas, (2) explicitar a gramática, (3) promover motivação, (4)
checar compreensão, (5) auxiliar na memorização, (6) ensinar léxico e (7) lidar com
armadilhas da LE.
No presente artigo, proponho um aprofundamento do subitem cinco, acerca da
tradução como auxílio à memorização. O assunto será tratado, sobretudo, sob o ponto de vista
do aluno, ou seja, mostrando-se técnicas e estratégias que o estudante pode usar a fim de
aprimorar seu aprendizado, principalmente em relação à memorização de vocabulário,
expressões idiomáticas, gírias e estruturas gramaticais. Os exemplos que serão apresentados
comparam a língua inglesa com a língua portuguesa, embora o princípio possa ser aplicado
também a outras línguas, a depender das particularidades de cada uma. O ponto chave desta
discussão é o uso, aqui visto de forma positiva, da tradução literal.
O tema vai de encontro às novas tendências de ensino e aprendizagem de LE, por
exemplo, abordagens comunicativas ou pós-comunicativas, que desestimulam o uso da
tradução, em especial da tradução literal. Em vista desse embate, quero esclarecer que
proponho aqui apenas uma técnica, diga-se estratégia, da qual o aprendiz pode lançar mão a
fim de melhorar seu desempenho na memorização do léxico, estruturas ou de expressões da
LE. Shuttleworth e Cowie (1997) enfatizam que, como uma estratégia, a tradução literal tem
seus usos muito bem definidos e que, no contexto de ensino, essa técnica pode dar aos
aprendizes de línguas ótimos insights sobre a estrutura da LE. Como mencionado
anteriormente, há muitos prós e contras quanto ao uso da tradução em sala de aula; e para a
tradução literal há certamente mais contras do que prós.
Se partirmos do princípio de que, uma vez que o indivíduo adquire sua língua
materna, uma segunda língua a ser aprendida se baseará nessa primeira língua, podemos
constatar que a construção de pensamento do aprendiz dependerá da sua língua materna,
principalmente nos primeiros estágios de aprendizagem. Koppe e Kremer (2007, p. 446 apud
Lewis, 2002) afirmam que é inevitável que o aluno use sua língua materna como um recurso e
que faça certas suposições – corretas ou erradas – com base na experiência que tem com essa
língua. Butzkamm (2003, p. 37) assinala que “pensar” na LE não é uma questão de tudo ou
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nada; é algo que começa desde a primeira aula, quando os alunos aprendem a responder
automaticamente frases prontas como Good morning, Thank you, Yes ou No. O autor salienta
que a língua materna é a chave mestra para as LE’s, a ferramenta que nos dá o meio mais
rápido, mais seguro, mais preciso e mais completo de acessar uma outra língua. Ele
complementa dizendo que, justamente porque a língua materna está sempre disponível, o
aprendiz muitas vezes não resiste à tentação de usá-la. Desse modo, podemos supor que,
mesmo em níveis avançados, por mais autônomo que seja o aprendiz, ainda assim fará
associações entre a LE e a língua materna, mesmo que de maneira involuntária ou
subconsciente. Assim sendo, porque não assumir tal fato e usar a tradução a nosso favor?
Utilizar a tradução como uma estratégia de aprendizagem permite que o aluno,
entre outras coisas, pense e use a LE de uma forma consciente, “palpável” e bem estabelecida.
O aprendiz “manuseia” a língua, “enxerga” sua estrutura e “brinca” com seus significados e
sentidos, agindo de forma mais segura acerca do que recebe e produz na LE.
Quando se fala em tradução literal, é comum que haja certo estranhamento, uma
vez que tal prática é comumente criticada e evitada em praticamente todo ambiente de ensino
de LE. Com razão, a tradução literal não é bem vista, pois se sabe que não existe equivalência
direta e absoluta entre duas línguas (NIDA, 1964; BAKER, 1992); mesmo as que têm a
mesma origem, por exemplo, línguas neolatinas como o português e o espanhol. Do contrário,
Catford (1965, p. 20) teria razão ao dizer que tradução é “a substituição de material textual em
uma língua (língua-fonte) pelo material textual equivalente em outra língua (língua-alvo)”.
Evidentemente, a tradução não é um processo mecânico e não se limita à substituição de
termos equivalentes de uma língua para outra.
Voltando à tradução literal, podemos defini-la basicamente de duas formas
diferentes: (1) alguns estudiosos a diferenciam do termo “tradução palavra por palavra”, que
consiste em traduzir cada palavra do texto ou enunciado, geralmente respeitando a ordem em
que elas ocorrem na LE (CATFORD, 1965; NEWMARK, 1988); (2) a “tradução literal”, por
sua vez, pode ser explicada como “aquela em que se mantém uma fidelidade semântica
estrita, adequando porém a morfossintaxe às normas gramaticais da língua da tradução”
(AUBERT, 1987 apud BARBOSA, 1990, p. 65). Catford (1965) explica que neste tipo de
tradução é necessário traduzir palavra por palavra num primeiro momento e, considerando a
necessidade de fazer algumas alterações de acordo com a gramática da LE, o resultado final
também poderá conter tradução de conjuntos de palavras ou orações inteiras que possuam
equivalentes na língua de chegada.
Exemplo de tradução palavra por palavra:
The
boy
went
to
the
beach
yesterday.
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O
menino
foi
para
a
praia
ontem.
Exemplo de tradução literal:
There is
Há
a lot of
muita
beer
cerveja
in the
na
fridge.
geladeira.
Neste artigo, vamos considerar ambos os tipos de tradução, porém tomando como
primeira opção a tradução palavra por palavra e na ordem sintática original da língua de
partida (a LE). Ao traduzir-se literalmente uma locução, frase ou sentença de uma língua para
outra, o resultado pode causar estranhamento para quem lê ou ouve. Uma tradução literal
pode resultar numa cena imaginária engraçada, esquisita ou até mesmo absurda. O produto
final de uma tradução assim pode provocar reações diversas que, de uma forma ou de outra,
marcam o processo de captação, associação e memorização de quem está ouvindo, lendo, ou
mesmo traduzindo.
Boers e Lindstromberg (2004, p. 226), argumentando sobre estratégias de
aprendizagem por mnemônica, citam Clark e Paivio (1991), que sugerem a estratégia de
“codificação dupla”, assim chamada por eles, que consiste em ajudar os alunos a formar e
processar significados lexicais que possuam um componente imagético (i.e. visual, tátil,
cinético etc.), bem como um componente simbólico/proposicional presente na natureza. Um
dos exemplos dados por eles é “ressuscitar o significado literal”, ou seja, o emprego concreto
de uma expressão figurativa. Dessa forma, o aluno poderá associar a expressão com a imagem
mental de uma cena concreta. Os autores exemplificam com a expressão to buy a pig in a
poke (o equivalente em português a “comprar gato por lebre”) e sugerem alguns passos que o
professor pode seguir para desenvolver a estratégia como: (1) explicar aos alunos o
significado atual da expressão; (2) informá-los que poke é um termo antigo em inglês para
“saco”; (3) pedir que tentem visualizar a expressão de forma concreta, ou seja, imaginar um
porco dentro de um saco e (4) especular sobre como a expressão passou a ter um significado
idiomático. Boers e Lindstromberg (2004) enfatizam que essa decodificação de uma forma
verbal com associações semânticas imaginárias pode oferecer aos aprendizes um atalho extra
à memorização, e comentam que tal técnica de “elaboração etimológica” tem provado auxiliar
os alunos na memorização de uma grande variedade de expressões idiomáticas, incluindo
frases proposicionais, phrasal verbs e expressões com sentido figurado. Duthie et al. (2008)
também argumentam em favor das imagens mentais que fazemos de expressões e provérbios
concretos e citam Paivio e Walsh (1993, p. 309), que destacam que as metáforas podem
evocar nítidas imagens mentais, pois permitem uma representação "memorável e
emocionalmente marcante" das experiências percebidas.
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Fazer associações mentais, sejam elas intra ou interlinguais, é uma técnica
utilizada, às vezes involuntariamente, por inúmeras pessoas para facilitar a memorização. Por
exemplo, uma pessoa pode memorizar um número de telefone fazendo associações com
outros números que são importantes para ela, como datas de aniversários. Outras pessoas
podem memorizar fisionomias associando algum traço marcante da pessoa em questão com
personagens de animação ou artistas famosos. Ainda, para a memorização de nomes de
pessoas, é possível fazer associações com pessoas de mesmo nome, talvez as comparando na
tentativa de encontrar algo em comum ou completamente oposto entre elas. Cada indivíduo
tem suas maneiras de fazer associações para conseguir memorizar mais facilmente uma
palavra, um rosto, um número etc.
Posen Liao (2006) acredita que a tradução como estratégia de aprendizagem, entre
outros aspectos positivos, atenua as limitações da memória no que se refere à memorização de
um número maior de palavras, expressões idiomáticas, gramática e sintaxe. A partir dos
resultados com estudantes universitários, Liao (2006) concluiu que os alunos utilizavam a
tradução de diversas formas, incluindo estratégias cognitivas, sócio-afetivas, de memorização
e de compensação. Ademais, Bot et al. (2004), baseados em vários experimentos com
aprendizes de alemão nos EUA e aprendizes de francês na Holanda, abordam a questão da
memorização no que se refere à retenção de vocabulário antigo vs. vocabulário recémaprendido. Entre outras questões, os autores explicam que a tradução está no rol das opções
para memorização, principalmente na direção Língua Estrangeira  Língua Materna (2006).
Pegenaute (1996), também, em seu artigo sobre o uso da tradução como uma ferramenta
didática, ressalta que a tradução literal de algumas expressões da LE pode ser útil para
facilitar a compreensão e a memorização. Marciano Escutia (2005) também sugere a tradução
literal para comparar a gramática e a ordem sintática entre as línguas. Desta forma, enfatiza o
autor, problemas sintáticos envolvendo verbos pronominais e pronomes clíticos, entre outros,
poderiam ser evitados. J. J. Wilson (2009), num estudo sobre estratégias para ensinar e
aprender vocabulário, apresenta algumas técnicas de memorização e adverte que o professor
deve deixar o aluno livre para usar a estratégia que lhe cair melhor. Entre estratégias como
fazer associações entre as palavras, usar cores, imagens, anotações etc., ele cita a tradução.
Segundo o autor, é importante estar consciente de como as palavras funcionam juntas e que
certas combinações nem sempre se traduzem entre línguas diferentes. Em sua tese de
doutorado, Mondria (2003) fez um estudo comparativo entre dois métodos de memorização
de palavras em LE, a saber: o método por inferência e o método por tradução. Ele pesquisou
qual desses métodos seria mais efetivo em termos de retenção do vocabulário aprendido.
Testando os métodos em aprendizes de francês, o pesquisador chegou à conclusão de que o
método por inferência, que não permitia que o aluno usasse a tradução, era mais demorado e
menos eficiente do que o método que utilizava a tradução como auxílio à memorização.
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Como visto até aqui, existem muitas vantagens em se usar a tradução como uma estratégia
para memorizar desde uma simples palavra até estruturas e expressões mais complexas da LE.
A seguir, serão apresentadas situações práticas de uso da tradução literal com
vistas a facilitar a memorização de um ou mais itens lexicais. Também serão dados exemplos
de associações que o aprendiz pode fazer de acordo com possíveis reações provocadas pelo
produto final da tradução literal. Veremos que, ao aplicar conscientemente técnicas e
estratégias de tradução no processo de associação mental, o aluno de língua estrangeira pode
obter sucesso na memorização de itens ou conjuntos de itens lexicais.
(a) Memorizando verbos preposicionados
Os famosos phrasal verbs do inglês geralmente representam um desafio ao
aprendiz. A combinação de um verbo com uma preposição pode resultar em outro verbo com
significado completamente diferente da “soma” quando traduzida literalmente; por exemplo,
put up with (literalmente: “pôr para cima com”) que quer dizer “tolerar”. Nem sempre será
possível fazer associações fáceis com verbos preposicionados, portanto, a tradução literal
desses verbos muitas vezes torna-se inviável.
Como proposto neste artigo, a memorização através da tradução literal será
plausível quando esta gerar reações ou sensações marcantes, especialmente quando o
resultado da tradução for engraçado, esquisito ou absurdo.
Consideremos o exemplo do verbo fall down em inglês, que parece redundante –
um pleonasmo – se traduzido literalmente. Vale saber que em inglês “cair para baixo” não é
redundante, o que provoca certo estranhamento, já que em português evita-se dizer tal coisa.
O mesmo acontece com o verbo sit down (“sentar-se para baixo”). Outro exemplo ainda com
o verbo fall é quando se quer dizer em inglês que o cabelo está caindo. Não se diz apenas My
hair is falling. Nem tampouco My hair is falling down. Neste caso, o correto é dizer My hair
is falling out. Traduzindo-se literalmente, temos “Meu cabelo está caindo para fora”. Aqui,
não é difícil supor que seu cabelo esteja caindo “para fora da cabeça”. Fazendo tal ilustração,
ou associação, fica mais fácil memorizar que se usa fall out para “cair” em se tratando de
cabelos. Ressalto que nem sempre será possível fazer associações para memorizar verbos
preposicionados do inglês. Cada aprendiz terá suas próprias técnicas de memorização; a
tradução literal é apenas mais uma delas. Mais exemplos serão apresentados na seção seguinte
sobre a memorização de preposições.
(b) Memorizando preposições
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Ainda de certa forma relacionado aos phrasal verbs, o uso das preposições no
inglês também representa uma tarefa muitas vezes complexa para o aprendiz. Há casos em
que a tradução literal pode ajudar. Por exemplo, considerar o sentido mais frequente da
preposição, como nos casos de in (dentro, para dentro), out (fora, oposto de in), on (sobre, por
cima), off (fora, oposto de on). Com base nessas traduções para as preposições, pode-se inferir
que o significado mais imediato para get in é “entrar” e para get out é “sair” (não trataremos
aqui dos inúmeros sentidos que o verbo get pode assumir). Outro caso oportuno é o uso de get
on e get off quando se entra ou sai de trens, ônibus, aviões, metrôs etc. Aqui, o aprendiz pode
interpretar que as pessoas ficam “sobre” uma grande plataforma (ou prancha, placa) quando
entram em um meio de transporte coletivo, como ônibus, trem, avião... Deste modo, ao entrar
em um ônibus a pessoa fica “em cima” de uma plataforma, ou seja, ela “sobe” no ônibus. A
partir daí, o aprendiz já pode produzir frases como get on the bus, get on the train, get on the
plane. Em seguida, tomando off como oposto de on, o aprendiz poderá construir frases como
get off the bus, get off the train, get off the plane, considerando as traduções “subir/descer”
para esses casos especificamente. Nos casos de get on the horse, get on the motorcycle, get off
the bike, se o aprendiz já associou tais combinações de verbo e preposição com as traduções
“subir” e “descer”, não haverá maiores dificuldades.
Da mesma forma, os verbos come in e come out podem ser facilmente
memorizados a partir de traduções literais da combinação de verbo e preposição. Come in
literalmente quer dizer “vir para dentro”, ou seja, “entrar”. Come out seria “vir para fora”, ou
seja, “sair”. Em exemplos práticos, temos May I come in? (“Posso vir para dentro?”, ou seja,
“Posso entrar?”), The train came in (“O trem veio para dentro”, ou seja, para dentro da
estação, logo, “o trem chegou”). Do mesmo modo, come out exprime a ideia de “sair”, com
sentido bem amplo, por exemplo, em relação ao sol, a uma mancha de roupa, uma folha de
impressão..., ou seja, o sol “vem para fora” das nuvens, a mancha “vem para fora da camisa, a
folha “vem para fora” da impressora.
Quando a preposição exprimir seu sentido independentemente do verbo, as
associações serão mais factíveis, por exemplo, as preposições de lugar e de movimento: the
shirt is in the drawer (a camisa está dentro da gaveta), I live above the flowershop (moro no
andar acima da floricultura), my puppy is outside the house (meu cãozinho está do lado de
fora da casa), she drove through the tunnel (ela dirigiu através do túnel), he jumped into the
pool (ele pulou para dentro da piscina). Vale lembrar, mais uma vez, que nem sempre será
viável traduzir literalmente preposições ou combinações de verbo e preposição como nos
exemplos dados até agora. Saliento também que esses “macetes” de memorização servirão ao
aluno no início do seu aprendizado como um estágio de transição até que ele tenha autonomia
na LE e consiga se comunicar sem tantas associações com sua língua materna.
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(c) Memorizando estruturas sintáticas
Podem existir estruturas sintáticas idênticas ou bastante semelhantes entre duas
línguas, mas as exceções poderão ser bem mais frequentes. Comparando a língua inglesa com
a língua portuguesa, as diferenças são expressivas. O aprendiz deve estar ciente dessas
diferenças para que possa se comunicar de forma efetiva na LE. Uma maneira simples e
prática de memorizar a estrutura sintática de uma língua pode ser também através da tradução
literal. O aprendiz pode dizer para si que em inglês se diz “eu moro em uma azul casa” ou “eu
tenho um muito alto irmão”. Pensando assim, seria muito mais provável que ele produzisse
corretamente as sentenças “I live in a blue house” ou “I have a very tall brother”. Note que a
função aqui não é mecanizar a língua, fazendo com que esta pareça artificial. Com o tempo,
enfatizo, tais estruturas ficarão automáticas e o aprendiz as utilizará sem pensar na língua
materna. O aluno também pode usar a tradução literal para visualizar a ordem sintática de
perguntas em inglês, especialmente com verbos modais ou com o verbo to be, por exemplo,
Can I see your passport? (“Posso eu ver seu passaporte?”), Are your sisters here? (“Estão
suas irmãs aqui?”) ou Is this seat taken? (“Está este assento tomado?”). Dessa forma, o
estudante observará que é necessário inverter a ordem do sujeito e do verbo principal (ou
modal) para fazer perguntas como essas.
Como mencionado acima, cada língua tem suas particularidades estruturais. A
tradução literal pode ajudar a entender como essas estruturas funcionam. Pensemos no caso
“Tenho 21 anos de idade” ou “Estou com dor de cabeça”. Em inglês, por exemplo, para o
primeiro caso, o correto seria dizer, aqui traduzindo-se palavra por palavra, “Eu sou 21 anos
velho” (I am 21 years old) e, no segundo caso, “Eu tenho uma dor de cabeça” (I have a
headache). Em casos como “Ela me deixou triste” e “Tenho 1,80m de altura”, a tradução “ao
pé da letra” da estrutura em inglês poderia ajudar o aprendiz a organizar a sentença
corretamente, como She made me sad (literalmente “Ela fez-me triste”) e I am 1.80m tall
(literalmente “Eu sou 1,80m alto”).
É, principalmente, em casos como esses que a tradução literal assume um papel
importante. Através dela, é possível comparar as duas línguas e ver como elas funcionam e
quais estruturas ou sequências de palavras podem ser utilizadas como “equivalentes em
sentido”, ou seja, quando expressam a mesma ideia ou uma ideia semelhante. Vejamos outros
exemplos (os contrastes entre as línguas estão sublinhados):
Forma original em inglês
Tradução literal
Forma equivalente em
português
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I have a cold
Eu tenho um resfriado
Estou resfriado
I am hungry and sleepy
Eu estou faminto e sonolento
Estou com fome e com sono
She is my age
Ela é minha idade
Ela tem minha idade
I never make my bed
Eu nunca faço minha cama
Nunca arrumo minha cama
She has been living here for
10 years
Ela tem estado morando aqui
por 10 anos
Ela mora aqui há 10 anos
He passed the test
Ele passou o teste
Ele passou no teste
(d) Memorizando gírias e expressões idiomáticas
Talvez esse seja o assunto em que a funcionalidade da tradução literal se mostre
mais evidente. Culturas diferentes têm maneiras diferentes de expressar suas ideias. Às vezes,
para dizer uma mesma coisa, existem diversas maneiras e palavras para expressá-la em outra
língua, ou na mesma língua até. Como expressar a ideia de que “o que os olhos não veem o
coração não sente” em língua inglesa? Se o aluno memorizar em português a tradução literal
dessa expressão, que é “fora da vista, fora da mente” (out of sight, out of mind), poderá
lembrar com mais facilidade na hora em que desejar utilizá-la. Quando falamos de expressões
idiomáticas, é importante lembrarmos que elas podem ter equivalentes diretos ou indiretos, ou
ainda necessitar de uma explicação ou ilustração na língua materna do aprendiz.
Quando a expressão possuir um equivalente direto, a tradução literal pode ajudar
o estudante a identificar pequenas diferenças na forma de expressar determinada ideia.
Vejamos estes exemplos de expressões com equivalentes diretos em português:
Expressão em inglês
Equivalente direto em português
To have ants in one’s pants
Ter formigas nas calças
Living is learning
Vivendo e aprendendo
Time is money
Tempo é dinheiro
He who laughs last laughs best
Quem ri por último ri melhor
To cry over spilt milk
Chorar pelo leite derramado
Two heads are better than one
Duas cabeças pensam melhor do que uma
Love is blind
O amor é cego
To break the ice
Quebrar o gelo
Expressões sem equivalentes diretos em outra língua podem representar um
problema ao aprendiz. Muitas delas são relativamente fáceis de entender, pois transmitem a
mesma ideia ou uma ideia semelhante na outra língua. Porém, há casos em que tais
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expressões são muito abstratas e difíceis de compreender sem auxílio. Vejamos alguns
exemplos de expressões que possuem apenas equivalentes indiretos em português:
Expressão em inglês
Tradução literal para o Equivalente indireto
português
português
Adicionar combustível ao
Pôr lenha na fogueira
fogo
To add fuel to the fire
To be the third wheel
Ser a terceira roda
Segurar vela
Haste makes waste
Pressa faz desperdício
A pressa
perfeição
Where there’s a will, there’s a
way
Don’t bite the hand that feeds
you
Scratch my back, I’ll scratch
yours
Onde há um desejo, há um
caminho
Não morde a mão que te
alimenta
Coce minhas costas, eu
coçarei as suas
é
em
inimiga
da
Querer é poder
Não cuspa no prato em que
comeu
Uma mão lava a outra
Há ainda aquelas expressões que necessitam de uma explicação ou ilustração,
como nos exemplos: to keep a stiff upper lip (literalmente: “manter rígido o lábio superior”,
ou seja, manter-se resoluto diante de uma situação adversa, aguentar firme), straight from the
horse's mouth (literalmente: “direto da boca do cavalo”, usada para dizer que se soube de algo
de uma fonte direta e segura), e out of the blue (literalmente: “fora do azul”, que quer dizer
“inesperadamente”, algo parecido com a expressão “do nada” em português).
Dentre todos os tipos de equivalentes apresentados até agora, o mais intrigante é
quando uma expressão comum a duas línguas possui significados diferentes. Existem alguns
casos entre o português e o inglês. O aprendiz deve estar atento a armadilhas como essas, já
que uma tradução literal não ajudaria em nada; pelo contrário, poderia até causar confusão.
Vejamos estes exemplos:
Expressão em inglês
Tradução literal aproximada
para o português
Significado real/ expressão
equivalente em português
To kick the bucket
Chutar o balde
Bater as botas
To scrape the bottom of
the barrel
Raspar o fundo do tacho
Matar cachorro a grito
To lay it on the line
Colocar na linha
Expor a verdade tim-tim por
tim-tim
Cannot hold a candle to...
Não poder segurar vela para…
Não chegar aos pés de…
To do one’s business
Fazer seu negócio
Fazer as necessidades
(fisiológicas)
It’s a steal!
É um roubo!
Está uma pechincha!
Usar a tradução literal para lidar com expressões e gírias pode ser uma das
maneiras mais fáceis de memorizar a informação nova. Gabrielatos (1998) destaca que a
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tradução literal serve para demonstrar como culturas diferentes expressam a mesma
informação factual de diversas maneiras, variando de acordo com a posição das palavras, grau
de explicitação e foco em diferentes aspectos. É por essa e outras razões que enfatizo que a
tradução “ao pé da letra” dessas expressões permite que o aluno visualize como determinada
ideia é expressa nessa língua e como o falante nativo constrói e organiza tal ideia. Em outras
palavras, o aprendiz só tem a ganhar quando lança mão de uma estratégia como esta e passa a
ser consciente do funcionamento da LE que está aprendendo.
Considerações finais
Este artigo propôs o uso da tradução literal como uma estratégia para facilitar a
memorização de palavras, estruturas e expressões da LE estudada. É importante lembrar que o
assunto foi abordado, sobretudo, sob o ponto de vista do aprendiz. No entanto, o professor
também pode utilizar a língua materna em sala de aula, bem como a tradução, de forma
proveitosa e planejada. Saliento que o objetivo aqui não foi trabalhar a língua (materna ou
estrangeira) de forma mecânica ou artificial, nem tampouco supor que possa haver
correspondência direta entre línguas diferentes. Acredito que cada indivíduo tem uma forma
particular de aprender e memorizar e, portanto, cabe a cada um identificar a melhor maneira e
colocá-la em prática.
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