acta farmacêutica portuguesa

Transcrição

acta farmacêutica portuguesa
ACTA
FARMACÊUTICA
PORTUGUESA
Título
Acta Farmacêutica Portuguesa
Vol. 3
N.º 2
ISSN
2182-3340
Depósito Legal
335338/11
Execução Gráfica
Minhografe – Artes Gráficas, Lda.
Braga
Tiragem
100 Exemplares
Preço
10 Euros
ACTA FARMACÊUTICA PORTUGUESA
2014, vol.3, n.2
Conselho Editorial | Editorial Council
Diretor | Director
Agostinho Franklim Marques
Editores Associados | Associate Editors
António da Rocha e Costa
João Paulo Sena Carneiro
José Luís Martins
Ordem Farmacêuticos, Porto, Portugal
Ordem Farmacêuticos, Porto, Portugal
Ordem Farmacêuticos, Porto, Portugal
Pedro Barata Coelho
Natércia Teixeira
Ordem Farmacêuticos, Porto, Portugal
Ordem Farmacêuticos, Porto, Portugal
Secretariado | Secretariat
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Ordem Farmacêuticos, Porto, Portugal
Ordem Farmacêuticos, Porto, Portugal
Conselho Científico | Scientific Council
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Univ. de Lisboa, Portugal
Univ. de Lisboa, Portugal
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Univ. de Coimbra, Portugal
Univ. Fernando Pessoa, Porto, Portugal
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Univ. Complutense, Madrid, Espanha
Univ. Fernando Pessoa, Porto, Portugal
Univ. de Coimbra, Portugal
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João Luís Machado dos Santos
Natércia Teixeira
Univ. do Porto, Portugal
Univ. do Porto, Portugal
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José António Fornos Perez
Pedro Barata Coelho
Univ. do Porto, Portugal
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Univ. Fernando Pessoa, Porto, Portugal
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Univ. de Lisboa, Portugal
Univ. do Porto, Portugal
Madrid, Espanha
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José Miguel Azevedo Pereira
Renata Pereira Limberger
Univ. de Coimbra, Portugal
Univ. de Lisboa, Portugal
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Floro André-Rodriguez
Juana Benedí González
Rita Sanches Oliveira
Academia de Farmacia, Galiza, Espanha
Univ. Complutense, Madrid, Espanha
Univ. Fernando Pessoa, Porto, Portugal
Francesca Buttini
Luciana Grazziotin Rossato
Rui Manuel Pinto
Univ. de Parma, Parma, Italia
Univ. de Passo Fundo – RS, Brasil
Univ. de Lisboa, Portugal
Franklim Marques
Vítor Seabra
Univ. do Porto, Portugal
Inst. Sup. Ciências Saúde - Norte, Portugal
A Acta Farmacêutica Portuguesa é uma revista de caráter científico que funciona na modalidade de
revisão prévia dos textos submetidos ao corpo editorial constituído por peritosem anonimato mútuo
(peer review). É essencialmente dirigida a Farmacêuticos e todos os que se interessam pelas Ciências
Farmacêuticas. A Acta Farmacêutica Portuguesa abarca um vasto leque de questões relacionadas com
as Ciências Farmacêuticas, publicando artigos de diferentes tipos: artigos de revisão, artigos originais, artigos sobre avanços nas Ciências Farmacêuticas, editoriais e opiniões. Periodicamente a Acta
Farmacêutica Portuguesa publica números especiais dedicados a uma área em específico das Ciências
Farmacêuticas.
ACTA FARMACÊUTICA PORTUGUESA
vol.3, n.2
janeiro – junho 2014
Conteúdos | Contents
103
[editorial]
[editorial]
105
Avaliação do Perfil de Prescrição num Serviço Hospitalar de Psiquiatria
Evaluation of the prescripton profile of an hospital psychiatric ward
Costa M.P., Carinha P., Barata P.
113
Prós e Contras da Contraceção Hormonal
Pros and Against of hormonal contraception
Castel-Branco M., Figueiredo I.V.
125
Pode o exercício físico ser um bom medicamento para o envelhecimento saudável?
Can exercice be a good medicinal product for healthy aging?
Carvalho J.
135
Farmacoterapia do Oxigénio normobárico e hiperbárico
Pharmacotherapy of normobaric and hyperbaric oxygen
Cervaens M., Sepodes B., Camacho O., Marques F., Barata P.
149
Endocitose e tráfego intracelular de nanomateriais
Endocytosis and intracellular trafficking of nanomaterials
Ferreira L.A.B., Radaic A. , Pugliese G.O. , Valentini M.B. , Oliveira M.R. , Jesus Correio M.B.
167
Resistência a medicamentos biológicos – Estudo preliminar sobre a prevalência de anticorpos anti-infliximab
Resistence to biological drugs – preliminary study on the prevalence of anti-infliximab antibodi
Pinto R., Domingos C. , Centeno A., Cardoso C.
173
Onde está o dinheiro?
Where is the money?
Almeida J.
© Ordem dos Farmacêuticos, SRP
ISSN: 2182-3340
Acta Farmacêutica Portuguesa
2014, vol. 3, n. 2
Franklim Marques1
EDITORIAL | EDITORIAL
Nos tempos de hoje, onde factores políticos, económicos e financeiros condicionam o modo de
ver e de organizar a Ciência, os conhecimentos e os compromissos participativos e integradores de
todos quantos exercem actividade nesta área de desenvolvimento, particularmente no âmbito das
Ciências da Saúde, são por si só mais valias que devem ser realçadas e incentivadas.
A relevância deste envolvimento participativo e da imperiosa necessidade de cooperação entre
profissionais de distintas origens e atividades da área da Saúde, ficou bem patente numa cerimónia de homenagem póstuma a um ilustre membro da Academia Iberoamericana de Farmacia e
Professora Catedrática da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, Prof. Doutora Irene
Silveira, ocorrida recentemente na cidade de Coimbra, Portugal, onde os diferentes participantes e
intervenientes prestaram o seu tributo e reconhecimento a uma ilustre vida dedicada ao desenvolvimento da ciência em estreito contacto com a prática profissional em Saúde.
O progresso da investigação e das ciências da Saúde, e incluo aqui, entre outras, as ciências
farmacêuticas, a medicina e as biociências, tem constituído uma alavanca fundamental no contributo para a resolução dos problemas práticos da saúde, mormente no estudo de diferentes patologias e respectivas terapêuticas a instituir, e contribuído para um melhor controlo das doenças.
A nanotecnologia é um exemplo do “presente-futuro” desta evolução, que tem permitido a
obtenção de melhorias no diagnóstico, na inovação e na eficiência das terapêuticas dirigidas,
embora ao longo dos tempos, muitos outros poderiam ser utilizados como exemplos marcantes pela
mudança que imprimiram nos conceitos e na maneira de olhar para a Saúde.
A Acta Farmacêutica Portuguesa surgiu com o objectivo de divulgar e publicar os resultados das
pesquisas científicas mais recentes na área das Ciências da Saúde, mas também por querer fazer
parte deste caminho de participação e mudança que se verifica, de uma forma continuada e evolutiva, na área da Saúde
Enquanto fidelis a estes princípios, a Acta Farmacêutica Portuguesa assume um compromisso de,
numa simbiose entre as ciências fundamentais e as ciências aplicadas, promover uma maior aproximação entre os que exercem a sua actividade nas áreas da saúde e das Ciências da Saúde, e assim
impulsionar a melhoria da qualidade e dos cuidados a prestar aos cidadãos.
1
Editor da revista Acta Farmacêutica Portuguesa
Acta Farmacêutica Portuguesa
2014, vol. 3, n. 2, pp. 105-112
Avaliação do Perfil de Prescrição num Serviço Hospitalar
de Psiquiatria
Evaluation of the prescripton profile of an hospital psychiatric ward
Costa M.P. 1 , Carinha P. 1, Barata P. 1 ,2
ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE
SUMÁRIO
Introdução: À medida que a população envelhece, torna-se imprescindível recorrer a vários tipos
de medicamentos para manter a qualidade de vida dos indivíduos. Se por um lado o uso de vários
medicamentos é um fator importante para a manutenção do bem-estar dos doentes, é também verdade
que este tipo de associações medicamentosas podem origina várias complicações especialmente quando
se tratam de doentes com desordens psiquiátricas. Perante estes problemas, o farmacêutico tem-se
demonstrado como o profissional de saúde mais indicado para diminuir os problemas relacionados com
a medicação.
Metodologia: Foram analisadas as prescrições médicas das primeiras 24 horas dos doentes internados
nas unidades em estudo durante o período em observação, tendo sido obtida uma amostra total de 235
doentes.
Resultados e Discussão: Pode-se averiguar que, no geral, os serviços se encontram numa situação de
“excesso de polifarmácia”, em parte devido a necessidade dos médicos em recorrer muitas vezes a
combinações de antipsicóticos para tratar os doentes com desordens psiquiátricas, apesar de estas ainda
não terem sido propriamente estudadas.
Conclusão: Após a análise cuidada dos resultados pode-se concluir que, devido à sua formação, o
farmacêutico desempenha um papel fundamental, no que concerne a monitorização da terapêutica dos
doentes.
Palavras-chave: Medicina; Envelhecimento; Polifarmácia; Farmacêutico; Reação adversa
ABSTRACT
Introduction: As the population ages there is an increase need for certain groups of medication to maintain
the individual’s quality of life. On one hand the use of several types of drugs is an important factor in
maintaining the patients’ well-being, however on the other hand, these types of drug combinations
can lead to various complications especially on psychiatric patients. In view of these problems, the
pharmacist has been shown to be the most appropriate health career to minimize medication-related
problems.
Methods: For 24 hours, the medical prescriptions of the patients admitted in this study were analyzed. A
total of 235 patients were chosen.
Results and Discussion: In general, most of the services analyzed were in a situation of “excessive
polypharmacy”, which can be attributed to the doctors need to prescribe multiple antipsychotics to treat
psychiatric disorders. However, the effect of these combinations is yet to be more intensively studied.
Conclusion: After careful analysis of the results, the main conclusion is that pharmacists, due to their
intensive drug knowledge, play a crucial role in the monitorization of the patient’s therapy.
Keywords: Medicine, Polipharmacology, Pharmacist, Adverse Reaction, Aging
1
2
Serviços Farmacêuticos, Centro Hospitalar de São João, Porto. Portugal
Faculdade Ciências da Saúde. Universidade Fernando Pessoa, Porto. Portugal
Autor para correspondência: Mariana P. Costa. E-mail: [email protected]
Submetido/ Submitted: 12 maio 2014 | Aceite/Accepted: 28 junho 2014
© Ordem dos Farmacêuticos, SRP
ISSN: 2182-3340
Costa M.P. , Carinha P., Barata P.
INTRODUÇÃO
O
fenómeno
descrito
anteriormente
é
A introdução maciça de novos medicamentos
conhecido como polifarmácia e consiste na
após 1940 trouxe à população a possibilidade
utilização concomitante de mais do que 5 medi-
de cura de doenças que até então eram fatais,
camentos diferentes. Alguns autores defendem
sobretudo no campo das doenças infeciosas.
ainda a existência do conceito “excesso de poli-
No entanto, os rápidos avanços na pesquisa de
farmácia” para as situações em que os doentes
novas substâncias ativas e a promoção comer-
se
cial excessiva dos medicamentos, resultaram
com mais de 10 medicamentos diferentes5. A
na crença desmedida da sociedade do poder
literatura descreve que nos Estados Unidos
dos medicamentos, sendo que a sua produção
da América (EUA) cerca de 60% dos doentes
em escala industrial, segundo especificações
idosos são medicados com mais de 5 medica-
técnicas e legais, fez com que estes produtos
mentos diferentes ao mesmo tempo e que apro-
alcançassem um papel central na terapêutica,
ximadamente 20% utiliza mais de 10 medica-
deixando de ser considerado como um mero
mentos diferentes diariamente 4.
recurso terapêutico e se tornassem quase obrigatórios após a consulta médica
1,2
.
encontram
Apesar
dos
simultaneamente
indivíduos
com
medicados
múltiplas
doenças precisarem da associação de vários
Para além disso não se pode deixar de
medicamentos diferentes, tanto para aumentar
mencionar um dos grandes problemas que
os resultados da terapêutica como para impedir
os países desenvolvidos enfrentam no século
o avanço das doenças crónicas, é necessário
atual, o envelhecimento progressivo da popu-
ponderar a relação risco/benefício, sendo que
lação . À medida que a população envelhece e
a este tipo de associações está relacionado o
passa a ter que conviver por mais tempo com
aumento do risco da ocorrência de reações
uma vasta gama de doenças crónicas, torna-se
adversas indesejáveis, devido a interações
imprescindível recorrer a vários tipos de medi-
medicamentosas e a possíveis alterações do
camentos para manter a qualidade de vida dos
perfil farmacocinético e/ou farmacodinâmico
indivíduos . Se por um lado o uso simultâneo
dos medicamentos, podendo estas resultar em
de vários tipos de medicamentos é um fator
hospitalizações e na diminuem da qualidade de
importante para a manutenção do bem-estar
vida do doente; a diminuição da adesão a tera-
do grupo de doentes com múltiplas doenças, é
pêutica, o que pode resultar num descontrolo
também verdade que este tipo de associações
do quadro clínico; bem como o aumento da
medicamentosas origina o aumento da proba-
mortalidade e dos custos associados ao medica-
bilidade de ocorrência de reações adversas
mento6,7. Segundo as estatísticas, aproximada-
indesejáveis, interações medicamentosas e a
mente um em cada três indivíduos que tomam
diminuição da adesão à terapêutica, que pode
mais de 5 medicamentos diferentes, podem vir
resultar no agravamento da doença e surgi-
a sofrer de pelo menos uma reação adversa ao
mento de novas patologias . Estudos reali-
medicamento num período de 12 meses, sendo
zados demonstram que a sensivelmente 1 em
que dessas 17% são consideradas de grau grave 8.
3,4
1
5
4 doentes idosos admitidos nos hospitais, é
A grande maioria das reações adversas aos
prescrito pelo menos um medicamento inapro-
medicamentos acontecem devido a intera-
priado e que aproximadamente 20% das mortes
ções medicamentosas que ocorrem aquando
que ocorrem nos hospitais advêm de reações
da administração da terapêutica, podendo-se
adversas que poderiam ter sido potencialmente
definir uma interação medicamentosa como o
prevenidas .
evento clínico em que os efeitos de um fármaco
4
106
Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2
são alterados pela presença de outro fármaco,
Senhora da Conceição em Valongo (interna-
um alimento, uma bebida ou algum agente
mento de Valongo), sendo os Serviços Farma-
químico ambiental . Um estudo australiano
cêuticos do Hospital de São João os responsá-
demonstrou que 30,4% das admissões nos
veis por abastecer cada um destes serviços.
9
hospitais advieram da suspeita de problemas
relacionados com a medicação .
10
Assim, analisaram-se as prescrições médicas
das primeiras 24 horas de todos os doentes inter-
No sentido de diminuir a ocorrência de
nados, em cada um dos serviços incluídos no
situações de polifarmácia e assim evitar todas as
estudo durante o período em análise. De modo
suas consequências, alguns estudos defendem
a não enviesar os resultados excluíram-se os
a implementação de farmacêuticos clínicos
doentes do hospital de dia que se encontravam
especializados em cada serviço hospitalar para
a realizar medicação quinzenal de uma dose
que, através da educação dos doentes, dos seus
definida de risperidona por via intramuscular.
familiares e dos médicos, no que concerne as
De acordo com os princípios éticos em vigor
questões relacionadas com farmacocinética,
e de modo a proteger a identidade individual
farmacodinâmica e o perfil de reações adversas
de cada participante no estudo, utilizou-se o
dos medicamentos, se consiga reduzir estas
número do processo clínico de cada doente,
situações, bem como melhorar a adesão aos
atribuído pelo hospital no momento de entrada
tratamentos implementados
no mesmo, tanto para efetuar a pesquisa dos
1,7,11
.
No presente trabalho pretendeu-se avaliar
o perfil de medicação e de interações medica-
dados em estudo como para realizar o tratamento estatístico dos dados em questão.
mentosas do serviço de psiquiatria do centro
Os dados sociodemográficos e os diagnós-
Hospitalar de São João, com enfoque no retrato
ticos clínicos foram obtidos, após permissão,
demográfico da população e no perfil de utili-
através dos registos computorizados do Centro
zação dos medicamentos. Pelo estudo dos resul-
Hospitalar do Porto, SAM – Sistema de apoio
tados obtidos pretendeu-se também, analisar o
ao Médico Processo Clínico (IGIF/ACSS).
papel e a contribuição do farmacêutico clinico
em ambiente hospitalar.
As prescrições médicas em análise foram
obtidas através dos registos informáticos da
farmácia central do Centro Hospitalar de São
MATERIAL E MÉTODOS
João. Os medicamentos utilizados no período
O presente estudo caracteriza-se por ser um
em estudo, encontram-se prescritos segundo
estudo retrospetivo (18 de Outubro de 2012
a denominação comum internacional (DCI),
a 18 de Novembro de 2012), observacional,
como prevista pela Portaria n.º 137-A/2012 12.
transversal e descritivo, com o objetivo de
Neste estudo a incidência de polifarmácia
determinar o perfil de medicação do serviço de
foi considerada como sendo a percentagem de
psiquiatria do Centro Hospitalar de São João e
doentes que recebe um total de 5 a 9 medica-
avaliar a existência de possíveis efeitos adversos
mentos num período de 24 horas e a incidência
associados à medicação.
do excesso de polifarmácia foi considerado
Desde a reestruturação dos centros hospi-
como sendo a percentagem de doentes que
talares em 2011 (Ministério da Saúde, 2011),
recebe um total de 10 ou mais medicamentos,
estão englobados neste serviço o hospital de
num igual período de 24 horas5.
dia e o internamento de psiquiatria do Hospital
Depois de os dados terem sido proces-
de São João (internamento de São João) e o
sados, utilizou-se a base de dados “Medinte-
internamento de psiquiatria do Hospital Nossa
ract.net” para avaliar a presença de possíveis
107
Costa M.P. , Carinha P., Barata P.
interações medicamentosas entre as prescrições em estudo. A escolha da base de dados
Tabela 1. Média da idade (anos) dos doentes distribuídos por serviço
baseou-se no estudo desenvolvido por Rodrí-
Idade dos doentes (anos)
13
, em que foram identificadas as
bases de dados de interações medicamentosas
existentes e se avaliou a sua qualidade estrutural. Após a análise realizada, a “Medinteract.
net” foi uma das duas bases de dados a obter
a cotação máxima. De entre todas as qualidades que resultaram na escolha desta base
de dados, salienta-se o facto de esta ser uma
MédiaDesvio Mín
Máx
Padrão
Hospital de Dia
Internamento
Serviço
guez-Terol
12,5
19
69
Valongo50,7 15,4 20
Internamento
São João
42,6
47,3
15,4
87
18
85
Total 45,9 14,5----- ------
base específica de interações medicamentosas
No que diz respeito ao género, constatou-
e de incluir todos os medicamentos autori-
-se que a distribuição, em percentagem, do sexo
zados em Espanha, o que permite uma melhor
masculino no serviço do hospital de dia, interna-
comparação com o sistema do medicamento em
mento de Valongo e internamento de São João foi
Portugal. Para além da base de dados, recorreu-
de, respetivamente, 56,6%, 44,7% e 48,8%, sendo
-se aos boletins de farmacovigilância disponi-
o hospital de dia o serviço à apresentar a maior
bilizados pelo Infarmed – Autoridade Nacional
percentagem de indivíduos do sexo masculino.
do Medicamento e Produtos de Saúde I.P., na
procura de informações que suportassem as
Perfil de medicação
interações medicamentosas encontradas.
No panorama geral verificou-se que 51,3%
O tratamento dos dados foi realizado através
dos doentes tomam mais que 10 medicamentos
da utilização do programa estatístico SPSS®
por dia, sendo o internamento de Valongo o
Statistics, versão 21 da IBM . As diferenças
serviço a apresentar o maior valor, seguido do
entre as diversas variáveis em estudos foram
internamento de São João e que 42,2% dos
observadas através da realização de testes
doentes tomam entre 5 a 9 medicamentos
paramétricos, usados sempre que as variáveis
diários, sendo o hospital de dia e o interna-
apresentaram uma distribuição normal, ou não
mento de São João os serviços a apresentar os
paramétricos, quando a distribuição normal
maiores valores (Tabela 2).
®
não se verificava. Em todos os testes realizados,
um valor de p inferior a 0,05 foi considerado
Tabela 2. Diferenças da utilização de medicamentos
entre serviços.
como estatisticamente significativo.
ServiçoTotal
Perfil Demográfico
Da análise dos dados sociodemográficos,
verificou-se que a média de idade entre todos os
serviços foi de 45,9 anos, sendo que a média de
idades mais baixa diz respeito aos participantes
do hospital de dia e a média de idades mais alta
diz respeito ao internamento de Valongo, como
demonstrado na Tabela 1.
108
de Dia
Valongo
São João
N.º 0 0
<=1
% N
0,0
0,0
0,0
N 4 1
2-4
% N
16,0
2,1
6,1
N 16 14
5-9
% N
64,0
29,8
42,7
N 5 32
>=10
% N
20,0
68,1
51,2
Total de medicamentos utilizados
RESULTADOS
HospitalInternamentoInternamento
0
0
0,0
5 10
6,5
35 65
42,2
42 79
51,3
N 25 47
82154
Total
% N
100,0
100,0
100,0 100,0
Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2
Perfil de Interações
horas e o número de interações medicamen-
Na amostra selecionada foram identificadas
tosas identificadas (Tabela 5) e a distribuição
entre 1 a 4 possíveis interações medicamen-
das interações medicamentosas identificadas
tosas a 46% dos participantes e entre 5 a 9
pela idade dos doentes (Tabela 6)
possíveis interações medicamentosas em 20,1%
dos indivíduos. Por outro lado, em 30,5% dos
participantes não foram identificadas quaisquer
interações medicamentosas (Tabela 3).
Não foram encontradas diferenças estatís-
Tabela 4. Tipo de interações medicamentosas identificadas por serviço.
ServiçoTotal
HospitalInternamento Internamento
de Dia
Valongo
São João
ticas significativas entre os serviços estudados,
no que concerne a incidência de interações
% 44,027,7 28,030,5
medicamentosas (p>0,05). O mesmo se veri-
Grau
N.º 00 22
% 0,00,0 2,41,3
Tabela 3. Número total de interações medicamentosas identificadas.
Tipo de interacções
<=1
N.º 1113 2347
N.º 25 47 82154
% 100,0100,0 100,0100,0
ficou aquando da comparação entre a idade e o
género dos participantes do estudo (p>0,05).
Frequência PercentagemPercentagem
Total de interações
medicamentosas
identificadas
(%)
Válida (%V)
grave
Grau
moderado
Grau
grave e
moderado
N.º 1023 4174
Total
% 40,048,9 50,048,1
N.º 411 1631
% 16,023,4 19,520,1
1-4 72 46,846,8
Tabela 5. Relação entre o número de medicamentos e
o total de interações medicamentosas identificadas.
5-9 31 20,120,1
>=10 4 2,62,6
Total 154 100,0100,0
No que diz respeito ao tipo de interações
medicamentosas, constatou-se que 1,3% da
amostra considerada apresentou a possibilidade
de desenvolver interações medicamentosas de
grau grave e 48,1% de desenvolver interações
de grau moderado. Já 20,1% dos indivíduos
apresentaram tanto a possibilidade de desenvolver interações medicamentosas de grau
grave e moderadas, simultaneamente (Tabela 4)
As interações medicamentosas de grau grave
identificadas com maior frequência foram entre
a cloropromazina e haloperidol (ambos apresentam uma tendência a prolongar o intervalo
QTc) e entre a trazodona e venlafaxina (ambos
os medicamentos favorecem o aumento da
concentração de serotonina na fenda sináptica).
Para
além
das
análises
apresentadas,
Total de interações identificadas
Total
0 1-4 5-9>=10
N.º 38 32
0 070
1-4
%
80,9 44,4
0,0
0,0 45,5
N.º Medicamentos
0 47 30,530,5
5-9
N.º
9
39
27
1
76
%
19,1
54,2
87,1
25,0
49,4
N.º 0 1 4 38
>=10
%
0,0
1,4
12,9 75,0
5,2
Total
N.º
%
47 72
100,0 100,0
31
4154
100,0 100,0 100,0
Tabela 6. Distribuição das interações medicamentosas identificadas pela idade dos doentes.
IdadeTotal
<=1920-34 35-49 50-64 >=64
0 N.º 2 13 16 11 547
% 100,0 56,525,024,425,030,5
Total de interacções
medicamentosa identificada
N.º 0 733221072
1-4
% 0,0 30,451,648,950,046,8
N.º
0
3
14
11
3
31
5-9
% 0,0 13,021,924,415,020,1
>= N.º0 01124
10 % 0,0 0,0 1,6 2,210,0 2,6
estudou-se ainda a relação entre o número de
N.º 2 23644520
154
medicamentos utilizados num período de 24
Total
% 100,0 100,0100,0100,0100,0100,0
109
Costa M.P. , Carinha P., Barata P.
DISCUSSÃO
bem como melhorar a adesão aos tratamentos
Perante os resultados obtidos no estudo do
implementados
5,7,11
. Um estudo que descreve
perfil de medicação pode-se constatar que, no
a implementação desta estratégia indica que,
geral, os serviços se encontram numa situação
após a intervenção, a média de doentes a
de “excesso de polifarmácia”, uma vez que a
receber mais de 5 medicamentos reduziu de 8,0
situação mais frequente é os doentes tomarem
para 4,1 por 1000 doentes 19.
mais de 10 medicamento diárias. Devido a falta
Apesar de não ter sido identificada nenhuma
de resposta dos tratamentos em monoterapia,
interação medicamentosa a mais de um quarto
bem como à tentativa de diminuir os problemas
da amostra estudada, as interações medicamen-
de segurança associados a elevadas doses de
tosas continuam a ser uma presença preocu-
antipsicóticos em monoterapia e a reduzida
pante aquando da análise das prescrições, uma
gama de medicamentos antidopaminérgicos
vez que a exposição a este tipo de interações
disponíveis no mercado farmacêutico, os clínicos
origina o aumento da morbilidade, da ocor-
recorrem muitas vezes a combinações de antip-
rência de reações adversas, da hospitalização,
sicóticos para tratar os doentes com desordens
da mortalidade e o aumento dos custos para
psiquiátricas, mais propriamente a esquizofrenia
Sistema Nacional de Saúde20. É preciso também
e psicoses. O problema é que ainda não foram
ter em conta que os serviços farmacêuticos
desenvolvidos estudos que consigam provar a
do Centro Hospitalar do Porto validam todas
efetividade, segurança e benefício económico
as prescrições realizadas no hospital, antes de
destas combinações
, antes pelo contrário.
ser dada a ordem de distribuição da medicação
Muitos são os estudos que atribuem à combi-
pelos vários serviços, podendo este valor estar
nação de antipsicóticos, o uso inapropriado do
diminuído devido a esta verificação prévia.
14,15
medicamento (duplicação terapêutica, interações
Para além disso, os resultados demonstram
entre medicamentos), o aumento da probabili-
que o aumento do número de fármacos leva a
dade de ocorrência de reações adversas indesejá-
um aumento do número de interações iden-
veis, da toxicidade associada aos medicamentos
tificadas, sendo que estes estão diretamente
e da complexidade do tratamento, que por sua
ligado ao aumento do número de hospitaliza-
vez vão dificultar a adesão terapêutica
ções e reações adversas. Um estudo refere que
.
5,16,17
A incidência de polifarmácia em estudos
35% dos adultos estudados que recebiam uma
realizados varia entre 10 e 73%, podendo-se
quantidade maior ou a igual a 5 medicamentos,
assim constatar que os valores gerais obtidos
experienciaram reações adversas relacionadas
se encontram dentro das médias encontradas .
com a medicamentos e 29% desses mesmos
Apesar disso, a polifarmácia na psiquiatria deve
indivíduos necessitaram de cuidados médicos e
ser reduzida aos valores mais baixos possíveis
hospitalização 21.
18
para evitar as situações descritas anteriormente.
Apesar de não haver diferença estatísticas
Com este fim, alguns estudos defendem a
significativas entre a idade dos doentes e a inci-
implementação de farmacêuticos clínicos espe-
dência de interações medicamentosas, a análise
cializados nestes serviços para que, através da
da distribuição das interações medicamentosas
educação dos doentes, dos seus familiares e dos
identificadas pela idade dos doentes permite
médicos, no que concerne as questões relacio-
realizar uma comparação com outros estudos.
nadas com farmacocinética, farmacodinâmica e
Muitos estudos referem que a população
o perfil de reações adversas dos medicamentos,
geriatria e pediátrica são as populações mais
se consiga reduzir as situações de polifarmácia,
vulneráveis há ocorrência de interações medica-
110
Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2
mentosas, tanto pela ação dos fármacos não ser
realizado num curto espaço de tempo, o que
tão estudada neste populações, como pela impre-
condicionou o tamanho da amostra estudada e
visível absorção e metabolização dos fármacos .
que os resultados descrevem apenas a situação
No que respeita a população geriátrica, muitos
dos serviços analisados, sendo que pode haver
são os fatores a ter em consideração antes de
diferenças quando comparados com outros
realizar a prescrição de um fármaco. Isto é,
serviços, no que concerne o tipo de doentes e o
as pessoas idosas tendem a acumular vários
modelo de práticas clínicas e protocolos imple-
problemas de saúde e consequentemente, a toma
mentados. Além disso é de relembrar que sendo
de vários fármacos . Para além disso é preciso
este um estudo retrospetivo, a análise dos dados
ter em atenção que as condições fisiológicas
fica muito condicionada ao que está descrito
são consideravelmente diferentes das de um
e registado, o que pode resultar na ocorrência
indivíduo adulto saudável, sendo que à medida
de viés aquando do processamento dos dados.
22
23
que o organismo envelhece, não só o fígado vai
perdendo progressivamente a capacidade de
CONCLUSÃO
metabolizar os medicamentos, o que resulta
Após a análise cuidada dos resultados
numa maior permanência das substâncias ativas
pode-se concluir que, devido à sua formação,
no organismo, no prolongamento dos efeitos dos
o farmacêutico desempenha um papel funda-
fármacos e a maior ocorrência de efeitos secun-
mental, no que concerne à monitorização da
dários , como a quantidade de água presente
terapêutica dos doentes.
24
no organismo diminui e aumenta a quantidade
Utilizando os conhecimentos de farmaco-
de tecido adiposo, alterando-se assim a distri-
dinâmica, farmacocinética, farmacoeconomia,
buição dos fármacos no organismo . Estes
interações medicamentosas e monitorização da
fatores reforçam assim os resultados do presente
terapêutica, o farmacêutico é capaz de contri-
trabalho, como noutros estudos
, ou seja,
buir na elaboração dos planos terapêuticos,
quanto maior a idade dos indivíduos, maior
acompanhar o desenvolvimento da terapêu-
a prevalência de interações medicamentosas.
tica, ensinar o doente a conviver com os seus
Por todos estes motivos, devem ser tomadas
regimes de medicação complexos e realizar a
atitudes para prevenir este tipo interações, de
gestão da medicação do doente mesmo depois
modo a evitar as suas potenciais consequência
de este dispensar os cuidados hospitalares,
como a ocorrência de reações adversas, o
para que, no futuro, haja a diminuição da inci-
aumento do tempo de hospitalização, da morbi-
dência de reações adversas graves, situações de
lidade e da mortalidade associada ao medica-
urgência e novos hospitalizações.
22
25,26
mento
27
. Dentro destas atitudes salienta-se a
implementação de farmacêuticos clínicos nos
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112
Acta Farmacêutica Portuguesa
2014, vol. 3, n. 2, pp. 113-123
Prós e Contras da Contraceção Hormonal
Pros and Against of hormonal contraception
Castel-Branco M.1, Figueiredo I.V.1
ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE
RESUMO
São reconhecidos diversos benefícios da contraceção hormonal em mulheres saudáveis: ciclos regulares,
sem hemorragia abundante, sem dismenorreia e sem síndroma pré-menstrual. Mas a contraceção
hormonal pode ser utilizada com objetivos terapêuticos específicos: tratamento da síndrome dos ovários
poliquísticos, da endometriose, de diversos distúrbios hemorrágicos vaginais da mulher e, com as
pílulas contracetivas que associam ao etinilestradiol um progestagénio com atividade antiandrogénica,
terapêutica a longo prazo de acne, seborreia, hirsutismo e alopécia. Há ainda evidência científica de
que a contraceção hormonal diminui o risco de aparecimento de quistos ou tumores nos ovários ou no
endométrio.
No entanto, a contraceção hormonal tem também os seus riscos. Sendo estes dependentes da dose,
estima-se que nos contracetivos orais modernos, de baixa dosagem, eles sejam bastante menos
frequentes e intensos do que nos primórdios da sua comercialização, mas não deixam de manifestar-se.
Os mais frequentes estão associados a uma diminuição do bem-estar físico e/ou psicológico da mulher.
Há também alguma evidência científica de que os contracetivos hormonais possam estar envolvidos
no aparecimento/desenvolvimento de tumores hepáticos benignos, bem como no aumento do risco
de litíase biliar. Contudo, os efeitos adversos mais graves são os efeitos cardiovasculares: aumento do
risco de doença tromboembólica, aparecimento/agravamento de hipertensão arterial, dislipidémias
e intolerância à glicose, e o consequente aumento do risco de doenças cardiovasculares. Por fim, a
literatura refere que os contracetivos hormonais aumentam o risco de desenvolvimento de determinadas
neoplasias, nomeadamente no colo do útero e na mama.
Como em relação a qualquer medicamento, a relação benefício-risco terá sempre de ser tida em conta
quando se prescreve contraceção hormonal, devendo o princípio da individualização terapêutica ter
por base critérios científicos e clínicos mas também pessoais e socioeconómicos. Também no que se
refere à contraceção se deve seguir a medicina baseada na evidência: usar toda a informação científica e
disponibilizá-la à mulher para que ela, no contexto biopsicossocial em que se insere, possa tomar uma
decisão informada no que se refere à sua fertilidade.
Palavras-chave: Contraceção, dislipidémias, medicina baseada na evidência
ABSTRACT
Many benefits of the contraceptive pill are recognized in healthy women: regular cycles, without heavy
bleeding, without dysmenorrhea and without premenstrual syndrome. But the contraceptive pill can
be used for specific therapeutic objectives: treatment of polycystic ovaries, endometriosis, vaginal
bleeding disorders and in long term acne, seborrhea, hirsutism and alopecia therapy (contraceptive pills
containing ethinyl estradiol and a progestogen with antiandrogenic activity). There is still scientific
Grupo de Farmacologia e Cuidados Farmacêuticos da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra,
Coimbra, Portugal
Autor para correspondência: Margarida Castel-Branco, Grupo de Farmacologia e Cuidados Farmacêuticos da
Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, Azinhaga de Santa Comba, 3000-548 Coimbra,
Portugal
1
Submetido/ Submitted: 15 abril 2014 | Aceite/Accepted: 9 julho 2014
© Ordem dos Farmacêuticos, SRP
ISSN: 2182-3340
Castel-Branco M., Figueiredo I.V.
evidence that the contraceptive pill reduces the risk of appearance of tumors or cysts in the ovary or
endometrium.
However the contraceptive pill also has its risks. These being dependent on the dose, it is estimated
that in modern low-dose oral contraceptives, they are much less frequent and intense than in the early
days of their marketing, but do not fail to manifest themselves. The most common are those that lead
to a decrease in physical and / or psychological well-being of women. There is also some scientific
evidence that hormonal contraceptives may be involved in the onset / development of benign liver
tumors as well as increased risk of gallstones. But the most serious adverse effects are cardiovascular
effects: increased risk of thromboembolic disease, onset / worsening of hypertension, dyslipidaemia and
glucose intolerance, and the consequent increased risk of cardiovascular disease. Finally, the literature
refers that hormonal contraceptives increase the risk of developing certain cancers, especially in the
cervix and breast.
As with any drug, the risk-benefit ratio must always be taken into account when prescribing one
contraceptive pill, and the principle of therapeutic individualization should be based on scientific and
clinical but also personal and socio-economic criteria. Also in regard to contraception we should follow
evidence-based medicine: use all the scientific information and make it available to the woman so that
she, in the biopsychosocial context in which it appears, can make an informed decision regarding her
fertility.
Keywords: Contraception, dyslipidemias, evidence-based medicine
A PÍLULA
Concebida para ajudar as mulheres a
plausível e lógica nos casos em que aquela
falha1-4.
controlar a sua própria fertilidade, a pílula
A história da pílula não é isenta de contro-
contracetiva, surgida no início dos anos
vérsias, mas num aspeto todos estão de acordo:
sessenta, tornou-se rapidamente um símbolo
a
da libertação sexual. Foi a pílula contracetiva
mundo ocidental de meados do século XX, uma
que permitiu às mulheres prosseguir as suas
verdadeira revolução social.
contraceção
hormonal
desencadeou, no
carreiras profissionais como nunca lhes tinha
Atualmente, a pílula contracetiva é tomada
sido possível fazer até então; foi a pílula contra-
por milhões de mulheres em todo o mundo.
cetiva que acelerou todo o movimento femi-
Segundo o 4º Inquérito Nacional de Saúde
nista em busca da igualdade de direitos entre
realizado em Portugal em 2005/2006, estima-se
homens e mulheres; foi a pílula contracetiva
que, entre as mulheres que fazem contraceção,
que permitiu o surgimento de novas atitudes
65,9% utilizem a pílula contracetiva (56,5% das
face ao sexo.
mulheres entre os 15 e os 55 anos, chegando
A pílula contracetiva é considerada hoje,
aos 91% entre os 20 e os 34 anos de idade) 5.
50 anos passados desde a sua introdução no
mercado no mundo ocidental, o ponto de
BENEFÍCIOS DA CONTRACEÇÃO HORMONAL
viragem de toda a moral sexual. Foi com ela
No verão de 1957, a Food and Drug Adminis-
que as mulheres passaram a considerar-se
tration (FDA) aprovou o medicamento Enovid
donas do seu próprio corpo e do seu futuro; foi
(0,15 mg mestranol + 9,85 mg noretinodrel,
com ela que se abriram novas perspetivas e se
da G. D. Searle) para o tratamento de desor-
alteraram as mentalidades relativamente à vida
dens menstruais severas, exigindo na rotu-
sexual dentro e fora do casamento; foi também
lagem a informação de que esse medicamento
com a expansão da contraceção hormonal que o
iria prevenir a ovulação. Menos de dois anos
aborto passou a ser visto como uma sequência
depois desta autorização com fins terapêuticos,
114
Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2
mais de meio milhão de mulheres americanas
boa alternativa à cirurgia conservadora. Através
tinha misteriosamente desenvolvido desordens
da administração crónica de um progesta-
menstruais severas e solicitava a prescrição do
génio ou de uma associação progestagénio-
Enovid aos seus médicos. Perante tal evidência
-estrogénio cria-se um meio endócrino adverso,
de utilização off-label deste medicamento, no
donde resulta uma marcada decidualização,
inverno de 1960 a FDA reviu a autorização de
aciclicidade e atrofia de endométrio eutópico
introdução no mercado do Enovid e em maio
e ectópico, para além de uma diminuição da
seguinte aceitou a sua indicação contracetiva,
inflamação intraperitoneal. Estes efeitos conse-
convertendo-o no primeiro medicamento da
guem manter a endometriose sob controlo
história a ser utilizado numa mulher saudável,
clínico enquanto se mantiver a terapêutica
por tempo indeterminado, com o objetivo de
hormonal9,12.
lhe alterar a sua fisiologia (o seu ciclo hormonal
sexual) .
A contraceção hormonal pode ainda ser
usada no tratamento de diversos distúrbios
6,7
São reconhecidos diversos benefícios da
hemorrágicos vaginais da mulher quando se
contraceção hormonal em mulheres saudá-
pretende obter, ao mesmo tempo, um efeito
veis. A maioria desses efeitos benéficos resulta
contracetivo, desde que não estejam presentes
simplesmente do facto de, numa mulher que faz
fatores de risco trombofílicos. Ao tratar esses
contraceção hormonal, não ocorrerem verda-
distúrbios,
deiros ciclos menstruais. Na verdade, os ovários
também a prevenir ou a corrigir uma eventual
e o útero estão como que adormecidos, tanto
anemia que possa estar associada9,13.
a
contraceção
hormonal
está
mais quanto maior for a dosagem hormonal do
As pílulas contracetivas que associam ao
contracetivo utilizado. Isso origina melhorias
etinilestradiol um progestagénio com ativi-
na sua qualidade de vida: os ciclos passam a
dade antiandrogénica – acetato de ciproterona,
ser regulares, sem hemorragia abundante, sem
dienogest, drospirenona ou cloromadinona,
dismenorreia e sem síndroma pré-menstrual .
ordenados por ordem decrescente de potência
8
Mas a contraceção hormonal pode ser utili-
antiandrogénica – estão indicadas, para além
zada com objetivos terapêuticos específicos. É
da contraceção, em terapêuticas a longo prazo
o caso do tratamento da síndrome dos ovários
de todas aquelas situações clínicas resultantes
poliquísticos. Nesta síndrome, os grandes bene-
de um hiperandrogenismo, como sejam espe-
fícios da terapêutica hormonal são, para além
cificamente a acne, a seborreia, o hirsutismo
do efeito contracetivo, a proteção contra uma
e a alopécia. Uma terapêutica a longo prazo
hiperestimulação do útero com o consequente
com estas substâncias desencadeia também
desenvolvimento de hiperplasia endometrial e
efeitos favoráveis no metabolismo dos lípidos
mesmo carcinoma do endométrio, uma maior
e dos hidratos de carbono, que muitas vezes
regularidade dos ciclos e uma supressão da
estão alterados nas situações de hiperandroge-
excessiva produção androgénica dos ovários,
nismo11.
com consequente melhoria no controlo da
seborreia, da acne e do hirsutismo
9-11
.
Finalmente, ainda no que se refere aos
benefícios da contraceção hormonal, e tendo
A contraceção hormonal tem também indi-
por base o modo de atuação destas substân-
cação clínica na terapêutica da endometriose,
cias – efeito anovulatório e efeitos atróficos e
com relevante efeito antidismenorreico. De
antiproliferativos sobre o endométrio – pode-se
facto, desde que a mulher não pretenda engra-
prever que o risco de aparecimento de quistos
vidar, a terapêutica hormonal revela ser uma
ou tumores nos ovários ou no útero se encontre
115
Castel-Branco M., Figueiredo I.V.
diminuído. Vejamos mais pormenorizadamente:
– 0,76 IC 95%). Conseguiu estimar-se também
- O cancro do ovário é um cancro de baixa
que as mulheres utilizadoras de contrace-
prevalência (correspondendo a cerca de 3% de
tivos hormonais durante 5 anos reduzem o
todos os cancros na mulher), mas cuja inci-
risco de desenvolvimento de cancro do ovário
dência aumenta com a idade (cerca de metade
em 29% se deixaram de tomar o contracetivo
das mulheres diagnosticadas com cancro do
nos últimos 10 anos, em 19% se deixaram de
ovário têm 63 ou mais anos de idade nos EUA).
tomar o contracetivo nos últimos 10-19 anos e
Estatísticas americanas preveem que 1 em cada
em 15% se deixaram de tomar o contracetivo
72 mulheres tenha cancro do ovário em alguma
nos últimos 20-29 anos. O estudo concluiu
fase da sua vida e que 1 em cada 100 venha a
que quanto maior for o tempo de utilização do
morrer desta neoplasia. Devido às estratégias
contracetivo maior será a redução no risco de
de rastreio inexistentes, bem como ao facto de
cancro do ovário, que permanece até 30 anos
estar associado a sintomas não específicos, o
(ainda que se vá atenuando ao longo do tempo)
seu diagnóstico é tardio em mais de 80% dos
após se ter deixado de tomar o contracetivo17.
casos. O cancro do ovário apresenta-se, por
- O cancro do endométrio é o cancro do
conseguinte, como tendo uma elevada mortali-
trato genital mais prevalente e a sua incidência,
dade. Referente ao ano de 2012, em Portugal,
tal como acontecia com o cancro do ovário,
verificaram-se taxas de incidência e de mortali-
aumenta com a idade (cerca de ¾ dos casos
dade por cancro do ovário de 8,2 e 4,4 em cada
ocorrem em mulheres com 55 ou mais anos nos
100 000 mulheres, respetivamente
. Existe
EUA). Estatísticas americanas preveem que 1
evidência científica que permite afirmar que
em cada 37 mulheres tenha cancro do endomé-
os contracetivos hormonais reduzem o risco
trio em alguma fase da sua vida. Os sintomas
de desenvolvimento de cancro do ovário e que
específicos – sangramento vaginal anormal,
essa proteção é proporcional à duração do uso
dor a urinar, dispaneuria, dor pélvica – possibi-
dos contracetivos, embora essa evidência seja
litam um diagnóstico precoce. Embora bastante
menos consistente para o cancro do ovário
prevalente, é um cancro de baixa mortalidade,
do tipo mucinoso . Sabendo que os contra-
com cerca de ¾ das mulheres a sobrevivem 5
cetivos hormonais reduzem o risco de cancro
anos após o diagnóstico. Em Portugal o cancro
do ovário, e sabendo que este cancro não é
do endométrio teve, em 2012, uma taxa de inci-
muito frequente em mulheres jovens, coloca-
dência de 18 e uma taxa de mortalidade de 3,1
-se a questão de saber por quanto tempo dura
em cada 100 000 mulheres15,18. Existe evidência
essa proteção após a mulher ter deixado de
científica que permite afirmar que os contrace-
tomar o contracetivo. Num estudo publicado
tivos hormonais reduzem o risco de desenvol-
no Lancet em 2008, a partir de uma análise dos
vimento de cancro do endométrio para cerca
dados individuais de mulheres com cancro do
de metade, e que essa redução é tanto maior
ovário e sem cancro do ovário provenientes de
quanto maior for a duração da utilização dos
45 estudos epidemiológicos, estimou-se o risco
contracetivos. A literatura refere ainda que a
relativo de cancro do ovário em relação ao uso
redução do risco se faz sentir por pelo menos
de contracetivos hormonais, tendo-se concluído
15 anos após a mulher ter deixado de os tomar,
que as mulheres utilizadoras de contracetivos
embora esse efeito protetor vá diminuindo
hormonais apresentam um risco diminuído de
ao longo do tempo. Note-se, porém, que há
cancro do ovário quando comparadas com as
poucos dados relacionados com as formulações
não utilizadoras – RR (risco relativo) 0,73 (0,70
mais recentes19,20.
14,15
16
116
Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2
EFEITOS ADVERSOS
cias depressivas, o hirsutismo, a diminuição da
DA CONTRACEÇÃO HORMONAL
líbido, o aumento de peso e a acne22.
Quando a pílula contracetiva foi aprovada
Há alguma evidência científica de que as
pela FDA tudo parecia perfeito. Contudo, cedo
hormonas sexuais femininas, nomeadamente
começaram a aparecer os efeitos adversos.
as envolvidas na contraceção hormonal, possam
Primeiro aqueles que se suportavam tendo em
estar envolvidas no aparecimento e/ou desen-
vista o bem maior da eficácia contracetiva –
volvimento de tumores hepáticos benignos,
náuseas, edemas, aumento de peso, depressão.
concretamente do adenoma hepatocelular e
Mas menos de dois anos após já eram relatados
da hiperplasia focal nodular. No entanto, esta
efeitos adversos graves associados à contra-
correlação parece ser mais forte quando se
ceção hormonal – doenças tromboembólicas,
consideram os contracetivos orais de primeira
acidentes vasculares cerebrais e provavel-
geração, que eram de maior dosagem. Aten-
mente neoplasias. Houve mesmo notificações
dendo a que os compostos esteroides conse-
de mortes por tromboembolismo imputadas
guem afetar a parede vascular, provavelmente
à pílula contracetiva. Contudo, a informação
através de um efeito inibitório sobre a bios-
disponível acerca da segurança da pílula era
síntese do colagénio, os tumores hepáticos
muito escassa. Recorde-se que se estava no
benignos em mulheres que se encontram a fazer
início da década de sessenta e que a Farmacovi-
contraceção hormonal têm maior tendência de
gilância estava a dar os primeiros passos com o
rutura e hemorragia. Note-se, contudo, que
desastre da talidomida .
este risco acrescido de desenvolvimento de
21
Uma interferência tão significativa sobre o
biorritmo da mulher – pode-se encarar a contra-
tumor hepáticos benignos cessa assim que a
mulher parar de tomar o contracetivo23.
ceção hormonal como uma verdadeira rutura
Também a maior extração hepática do coles-
com o ritmo biológico da natureza feminina –
terol por parte dos estrogénios, com o conse-
não pode deixar de ter riscos. Sabe-se hoje que
quente aumento da razão colesterol/ácidos
os efeitos adversos da contraceção hormonal são
biliares, diminui a solubilidade do colesterol na
dependentes da dose, pelo que se estima que
bílis, fazendo aumentar o risco de litíase biliar24.
nos contracetivos orais de baixa dosagem eles
Mas os efeitos adversos mais graves são os
sejam bastante menos frequentes e intensos do
efeitos cardiovasculares. Por diminuição do
que nos primórdios da sua comercialização. No
fluxo sanguíneo venoso, por aumento da proli-
entanto, não deixam de manifestar-se.
feração endotelial venosa e arterial e, ainda,
Os
que
por alterações nas funções das plaquetas e nas
conduzem a uma diminuição do bem-estar
proteínas da cascata da coagulação, verifica-se
físico e/ou psicológico da mulher. Assim, aos
um aumento da coagulabilidade sanguínea com
estrogénios são normalmente atribuídos efeitos
a toma crónica dos contracetivos hormonais,
como cefaleias, irritabilidade, fadiga, náuseas,
aumentando o risco de doença tromboembó-
vómitos, cólicas abdominais, retenção hídrica,
lica. Por outro lado, a estimulação do sistema
congestão varicosa e tensão mamária, enquanto
nervoso simpático, a estimulação do sistema
que aos progestagénios se ficam a dever
renina-angiotensina-aldosterona a nível hepá-
também cefaleias, tonturas, edema, aumento
tico (devido ao aumento do substrato da
de peso e alteração reversível da tolerância à
renina) e a resposta compensatória renal ao
glucose. Aos progestagénios com alguma ativi-
edema com retenção de sódio e água facilitam
dade androgénica ficam a dever-se as tendên-
o aparecimento ou agravamento da hipertensão
mais
frequentes
são
aqueles
117
Castel-Branco M., Figueiredo I.V.
arterial. Juntando a estes efeitos o aumento da
Medicamento (EMA) iniciou a revisão, a pedido
arteriosclerose resultante de dislipidémias e de
da Agência Francesa, dos dados de segurança
fenómenos de intolerância à glicose causados
dos contracetivos orais combinados contendo
pela administração conjunta de estrogénios
ciproterona ou outros progestagénios de 3ª e 4ª
e de progestagénios observa-se um aumento
geração – cloromadinona, desogestrel, dienogest,
do risco de doenças cardiovasculares como a
drospirenona, etonogestrel, gestodeno, nome-
angina de peito, o enfarte do miocárdio ou os
gestrol, norelgestromina, norgestimato – concre-
acidentes vasculares cerebrais nas mulheres
tamente no que se refere ao risco de tromboem-
que tomam a contraceção hormonal contra-
bolismo venoso, de tromboembolismo arterial
cetiva
. Há estudos que demonstram que o
e de casos fatais de embolia pulmonar30-32. Em
risco de tromboembolismo venoso é 3 vezes
outubro de 2013, a EMA concluiu que os bene-
superior e que o risco de acidente vascular
fícios destes contracetivos orais combinados
isquémico é 2 vezes superior em mulheres que
na prevenção da gravidez continuam a superar
fazem contraceção hormonal quando compa-
o risco de tromboembolismo venoso, embora
radas com mulheres que não a fazem, não
este exista e difira consoante o tipo de proges-
se verificando risco acrescido para acidente
tagénio associado. Assim, estima-se que o risco
vascular hemorrágico ou enfarte do miocárdio
de tromboembolismo venoso em mulheres que
. No entanto, outras revisões revelam um
não fazem contraceção hormonal e que não
aumento de risco de tromboembolismo venoso
estejam grávidas seja de cerca de 2 casos em 10
de 3 vezes para os contracetivos orais combi-
000 mulheres anualmente, passando para 5 a 7
nados de média e baixa dosagem contendo
casos com o levonorgestrel, o norgestimato e a
noretisterona, levonorgestrel ou norgestimato,
noretisterona; 6 a 12 casos com o etonogestrel
aumentando para 6 vezes o risco quando o
e a norelgestromina; 9 a 12 casos com o gesto-
progestagénio presente é o desogestrel, o gesto-
deno, o desogestrel e a drospirenona; e ainda
deno, a drospirenona ou a ciproterona. Curio-
não se conhece a estimativa com a clormadi-
samente os contracetivos contendo apenas
nona, o dienogest e o nomegestrol33. No que se
progestagénios não parecem aumentar o risco
refere ao caso concreto da ciproterona utilizada
de tromboembolismo venoso . Uma explicação
no tratamento da acne, a EMA concluiu que,
possível prende-se com a possibilidade de o
atendendo ao risco de tromboembolismo, os
risco de tromboembolismo venoso estar depen-
medicamentos contendo acetato de ciproterona
dente da estrogenicidade total do medicamento
2 mg e etinilestradiol 35 µg só devem ser utili-
considerado, sendo esta, por sua vez, depen-
zados no tratamento da acne moderada a grave
dente não só da quantidade de estrogénio como
em mulheres com doenças andrógeno-depen-
também do tipo de progestagénio utilizado.
dentes e/ou hirsutismo, em idade reprodutiva, e
Assim, uma maior estrogenicidade conseguida
só quando outros tratamentos para a acne não
com os progestagénios mais recentes, poderá
forem eficazes34.
22,25
26
27
causar uma maior resistência contra a proteína
Por fim, há evidência científica de que os
C ativada e daí resultar um risco de tromboem-
contracetivos hormonais aumentam o risco de
bolismo maior 27,28. A evidência também sugere
desenvolvimento de determinadas neoplasias,
que a via de administração não-oral do etiniles-
nomeadamente no colo do útero e na mama35:
tradiol (vaginal ou transdérmica) é mais trombogénica do que a via oral .
29
Em fevereiro de 2013 a Agência Europeia do
118
- O cancro do colo do útero é o segundo
cancro mais comum entre as mulheres, afetando
principalmente jovens com idade superior a 18
Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2
anos. Tem maior prevalência nos países em vias
pode estar subvalorizado. Conseguiu estimar-
de desenvolvimento. Os sangramentos vaginais
-se também que as mulheres utilizadoras de
anormais, quando aparecem, podem ser indica-
contracetivos entre 5-9 anos, quando compa-
dores de um estadio mais avançado da doença.
radas com não utilizadoras, apresentam um RR
A deteção de lesões cervicais pré-invasivas pode
de 2,82 (1,46 – 5,42 IC 95%) e que mulheres
ser feita através da realização periódica de uma
a tomar contracetivos por 10 ou mais anos,
citologia cervical, vulgarmente conhecida como
quando comparadas com não utilizadoras, apre-
Teste do Papanicolau. A positividade para vírus
sentam um RR de 4,03 (2,09 – 8,02 IC 95%).
do papiloma humano (HPVs de alto-risco) é
O estudo concluiu que quanto maior for o
condição necessária mas não suficiente para o
tempo de utilização do contracetivo maior será
desenvolvimento desta neoplasia. Em Portugal
o aumento do risco do cancro do colo do útero
o cancro do colo do útero teve, em 2012, uma
e este, por sua vez, será mais elevado enquanto
taxa de incidência de 10,8 e uma taxa de morta-
durar a toma do contracetivo, reduzindo-se
lidade de 4,9 por 100 000 mulheres
. Existe
bastante assim que se parar de o tomar, não se
evidência científica que permite afirmar que os
fazendo mesmo sentir mais ao fim de 10 anos38.
contracetivos hormonais aumentam o risco de
- O cancro da mama é um cancro de elevada
desenvolvimento de cancro do colo do útero e
prevalência na mulher, com 1 em cada 10
que, por sua vez, o aumento do risco é tanto
mulheres a sofrerem ou virem a sofrer desta
maior quanto maior for a duração do uso do
doença. É o primeiro cancro mais comum entre
contracetivo, começando a deixar de se fazer
as mulheres, principalmente entre mulheres
sentir logo após a mulher ter deixado de o
jovens com mais de 20 anos, embora a sua inci-
tomar. Note-se, contudo, que o aumento do
dência aumente com a idade. Apresenta elevada
risco é superior para o carcinoma in situ do que
taxa de mortalidade se não for detetado preco-
para o cancro invasivo. Pensa-se que o uso de
cemente. O autoexame dos seios e a realização
contracetivos por períodos superiores a 5 anos
do exame clínico e da mamografia periodica-
funcione como sendo um co-fator do HPV, na
mente possibilitam um diagnóstico precoce.
medida em que os contracetivos são capazes
Referente ao ano de 2012, em Portugal, o
de provocar, eles próprios, algumas alterações
cancro da mama apresentou taxas de incidência
na zona de transformação do colo do útero .
e de mortalidade em cada 100 000 mulheres
Num estudo publicado no Lancet em 2007,
de 85,6 e 18,4, respetivamente15,39. Existe
que comparava mulheres com cancro do colo
evidência científica que permite afirmar que a
do útero com mulheres sem cancro do colo do
contraceção hormonal recente ou atual, princi-
útero provenientes de 24 estudos epidemioló-
palmente se ocorrer antes da primeira gravidez,
gicos, estimou-se o risco relativo de cancro do
aumenta o risco de aparecimento de cancro da
colo do útero em relação ao uso de contracetivos
mama40. Num estudo publicado no Lancet em
hormonais: mulheres utilizadoras de contrace-
1996, a partir da comparação de resultados
tivos hormonais (durante 11,1 anos em média)
entre mulheres com cancro da mama e sem
apresentam praticamente o dobro do risco
cancro da mama provenientes de 54 estudos
de aparecimento de cancro do colo do útero
epidemiológicos, estimou-se o risco relativo de
quando comparadas com não utilizadoras – RR
cancro da mama em relação ao uso de contra-
1,90 (1,69 – 2,13 IC 95%). Note-se, contudo,
cetivos hormonais: mulheres utilizadoras de
que as mulheres que fazem contraceção são
contracetivos hormonais, quando comparadas
mais facilmente rastreadas, pelo que o risco
com mulheres não utilizadoras, apresentam um
15,36
37
119
Castel-Branco M., Figueiredo I.V.
risco mais elevado de desenvolverem cancro
as utilizadoras só após a primeira gravidez – OR
da mama – RR 1,24 (1,15 – 1,33 IC 95%). A
1,15 (1,06 – 1,26 IC 95%); as utilizadoras de
contraceção hormonal aumenta o risco de
contracetivos nulíparas estão associadas a um
cancro da mama particularmente em mulheres
risco de cancro da mama, quando comparadas
com menos de 35 anos e que começaram a
com as não utilizadoras, bastante inferior ao
tomar a pílula antes dos 20 anos. Ao fim de
das mulheres que tomaram contracetivos antes
10 anos de se ter parado de tomar a pílula o
da primeira gravidez mas que depois tiveram
risco é semelhante entre utilizadoras antigas
filhos – OR 1,24 (0,92 – 1,67 IC 95%)42.
e não utilizadoras. Este estudo estimou ainda
que mulheres utilizadoras de contracetivos que
PRÓS E CONTRAS DA CONTRACEÇÃO
começaram a usá-los antes do 1º filho têm um
Como em relação a qualquer medicamento,
risco aumentado de desenvolverem cancro da
a relação benefício-risco terá sempre de ser
mama – RR 1,33 e RR 1,36 se a última toma
tida em conta quando se prescreve contraceção
foi há 1-4 anos. Este estudo associa também
hormonal. E tal como as boas práticas de medi-
uma menor dose hormonal a um maior risco
cina hoje defendem, o doente deve participar
de cancro da mama, provavelmente devido à
na decisão terapêutica, devendo o princípio da
utilização de progestagénios mais potentes .
individualização terapêutica ter por base crité-
Uma outra meta-análise publicada em 2006 por
rios científicos e clínicos mas também pessoais
Kahlenborn e colaboradores estima a probabi-
e socioeconómicos43.
41
lidade de desenvolvimento de cancro da mama
O caso da contraceção é único: há um medi-
em relação ao uso de contracetivos a partir de 34
camento mas não há uma doença; há um obje-
estudos epidemiológicos tipo caso-controlo que
tivo a atingir mas não há uma disfunção a regu-
foram realizados a partir de 1980, data a partir
larizar. A relação benefício-risco revela-se, por
da qual diversas mudanças sociais levaram
conseguinte, necessariamente delicada: a que
a que se começasse a tomar a pílula cada vez
é que a mulher estará disposta a submeter-
mais cedo, antes do primeiro filho, e cada vez
-se para conseguir controlar a sua fertilidade?
durante mais tempo. O estudo concluiu que
Veja-se o exemplo das neoplasias: mulheres
as utilizadoras de contracetivos têm um risco
com história pessoal e/ou familiar de cancro
pequeno, mas com significado estatístico, de
ou com suscetibilidade genética para o cancro
desenvolverem cancro da mama quando compa-
são consideradas de elevado risco para a contra-
radas com as não utilizadoras – OR (Odds Ratio)
ceção hormonal, mas mulheres de baixo risco
1,19 (1,09 – 1,29 IC 95%); as utilizadoras de
até podem tirar algum benefício protetor contra
contracetivos antes da primeira gravidez estão
algumas neoplasias como acabou de ser referido.
mais associadas ao risco de cancro da mama do
A “idade das trevas” do século passado, na
que as não utilizadoras – OR 1,44 (1,28 – 1,62
qual as mulheres eram sujeitos passivos do
IC 95%); as utilizadoras de contracetivos que
fenómeno da reprodução, deu lugar, no mundo
usaram o contracetivo por 4 ou mais anos antes
contemporâneo, à “idade do ofuscamento”, em
da primeira gravidez têm um risco ainda maior
que é possível à mulher, assumindo-se dona
de desenvolverem cancro da mama quando
do seu próprio corpo, separar reprodução de
comparadas com as não utilizadoras – OR 1,52
sexualidade.
(1,26 – 1,82 IC 95%); as utilizadoras de contra-
A medicina baseada na evidência revela-se
cetivos antes da primeira gravidez estão mais
como sendo o método que melhor permite usar
associadas ao risco de cancro da mama do que
a informação disponível para tomar decisões
120
Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2
no melhor interesse do doente. Também no
contraceptives. Am. J. Obst. Gynecol. 2011; 205
que se refere à contraceção nos parece ser esse
(4): suppl. S4-S8.
o melhor caminho a seguir: usar toda a infor-
9. The ESHRE Caproi Workshop Group. Ovarian
mação científica e disponibilizá-la à mulher
and endometrial function during hormonal
para que ela, no contexto biopsicossocial em
contraception. Human Reproduction 2001; 16
que se insere, possa tomar a melhor decisão
(7): 1527-1535.
no que se refere à sua fertilidade. E, já agora,
10.Sirmans SM, Pate KA. Epidemiology, diagnosis,
para que possa envolver o companheiro nessa
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Pode o exercício físico ser um bom medicamento
para o envelhecimento saudável?
Can exercice be a good medicinal product for healthy aging?
Carvalho J.1
ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE
RESUMO
O notório envelhecimento da população global impõe novas estratégias para melhorar a saúde e qualidade
de vida dos idosos. Atualmente, observa-se um aumento na proporção de idosos, muitos dos quais estão
em elevado risco de desenvolvimento de doenças crónicas não transmissíveis e limitações funcionais
graves. Paralelamente, os idosos são geralmente muito inativos, fato que exacerba os problemas de
saúde e de funcionalidade. Pelo contrário, existem fortes evidências suportados em estudos de elevada
qualidade a demonstrar a forte associação positiva entre o aumento dos níveis de atividade física, a
participação em programas de exercício físico e a melhoria da saúde. Assim, é imperativo desenvolver
um forte compromisso com a melhoria dos níveis de atividade física em idosos. O exercício, realizado
regularmente e individualmente ajustado à capacidade funcional e estado clinico de cada um, pode e
deve ser realizado por idosos, sendo, atendendo aos seus inúmeros benefícios, considerado como uma
estratégia não-farmacológica determinante para o envelhecimento bem-sucedido.
Palavras-chave: Idosos, atividade física, exercício, revisão
ABSTRACT
Dramatic global population ageing has brought new demands to improve older people’s health by adding
“quality” to their extended lives. Nowadays, there is an increase in the proportion of older adults, many
of whom are at risk for developing non-communicable chronic health conditions and severe functional
limitations. Additionally, older adults are generally very inactive, that cause additional health and
functional problems. In opposition, there is evidence from high quality studies to strongly support the
positive association between increased levels of physical activity, exercise participation and improved
health in older adults. So, it is imperative to develop a strong commitment to improving physical activity
levels in older adults. Exercise, performed regular and adjusted in an individual based according to
exercise capacity and specific health risks for limitations, should be performed by older adults being as
such, taking into account its great benefits, considered as a determinant non-pharmacological strategy
to successful aging.
Keywords: Elderly, physical activity, exercise, review
Centro de Investigação em Atividade Física, Saúde e Lazer da Faculdade de Desporto da Universidade do
Porto (CIAFEL-FADEUP), Portugal
Autor para correspondência: [email protected]
1
Submetido/ Submitted: 10 outubro 2014 | Aceite/Accepted: 30 outubro 2014
© Ordem dos Farmacêuticos, SRP
ISSN: 2182-3340
Carvalho J.
INTRODUÇÃO
qualitativa. Ou seja, apesar de todos os esforços
O envelhecimento na Europa e no mundo
médicos e científicos para prolongar os anos de
é um desafio marcante para o novo século.
vida dos sujeitos idosos, este aumento da longe-
Nos últimos anos, o número de idosos cresceu
vidade nem sempre se faz acompanhar por uma
significativamente, atingindo, nos dias atuais,
vida salutar, autónoma e com qualidade.
um contingente nunca visto. Segundo dados
Na realidade, estes números pouco revelam
do Fundo das Nações Unidas para a Popu-
sobre a qualidade de vida daqueles que ultra-
lação1, em 1950, havia cerca de 204 milhões
passam os 65 anos de idade, e é aqui que o
de idosos no mundo. Em 1998, quase cinco
papel do estilo de vida, da atividade física (AF)
décadas depois, este número já alcançava 579
e do exercício físico (EF) assumem particular
milhões de pessoas e em 2000 estava já nos 605
importância.
milhões. As estimativas do número de pessoas
A resposta à questão de qual o tipo e de qual
idosas para 2025 e 2050, apontam para um
a quantidade de AF necessário para obter os
contingente de, aproximadamente, 1,2 e 1,9
desejados benefícios para a saúde e funciona-
biliões de pessoas respetivamente.
lidade é de uma enorme importância, quer na
As projeções do Eurostat
apontam que
perspetiva individual quer na de saúde pública.
daqui a 50 anos, as pessoas com 65 ou mais
Podemos dizer que o idoso pode aumentar
anos vão ser quase metade da população (4,7
o seu nível de AF de duas maneiras: pela incor-
milhões). Dessas, quase 1,4 milhões terão 80
poração adicional de AF informal na sua rotina
ou mais anos . Assiste-se assim, na Europa
habitual diária (por exemplo passear o cão,
e em particular em Portugal, ao fenómeno do
trabalhar no quintal ou lavar o carro), e/ou, pela
envelhecimento da própria população idosa.
dedicação de tempo do seu dia e da sua semana
2
2
Este aumento considerável da população
a programas de EF estruturado que trabalhem
idosa resulta de uma marcante transição demo-
de um modo mais específico componentes da
gráfica, onde é notória uma mudança de um
aptidão física como a força, resistência aeróbia,
modelo demográfico de fecundidade e mortali-
o equilíbrio/agilidade e/ou a flexibilidade.
dade elevados para um modelo em que ambos
Neste sentido, um aumento na AF formal e não
os fenómenos atingem níveis baixos, origi-
formal pode vir a ser uma estratégia preventiva
nando o estreitamento da base da pirâmide de
efetiva, tanto para o indivíduo como para as
idades, com redução de efetivos populacionais
nações, sendo uma forma de melhorar a saúde
jovens e o alargamento do topo, com aumento
pública. Assim, o envolvimento dos idosos em
de efetivos populacionais idosos, fruto da
programas regulares de EF parece ser um coad-
amplificação crescente da esperança de vida e
juvante importante no sentido de diminuir a
da diminuição das taxas de mortalidade . Este
degeneração progressiva associada ao envelhe-
envelhecimento populacional requer medidas,
cimento, constituindo-se elemento chave para
iniciativas e intervenções, no sentido de
um estilo de vida saudável, ativo e indepen-
melhorar a qualidade de vida dos idosos e asse-
dente.
1
gurar a sua integração progressiva e equilibrada
na sociedade.
Embora o aumento da esperança média de
ENVELHECIMENTO, (IN)ATIVIDADE FÍSICA
E QUALIDADE DE VIDA
vida se constitua como um aspeto positivo, o
O envelhecimento tem sido descrito como
facto é que esta tendência se baseia mais em
um processo, ou conjunto de processos,
fatores de natureza quantitativa e não tanto
inerente a todos os seres vivos e que se
126
Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n.º 2
expressa pela perda da capacidade de adaptação
na sociedade e na família, com garantias de
e pela diminuição da funcionalidade, estando
meios de subsistência e apoios necessários.
assim associado a inúmeras alterações com
A medicina não pode fazer tudo sozinha, a
repercussões na mobilidade, autonomia e saúde
maior fatia de responsabilidade está na própria
desta população . Neste sentido, e em termos
pessoa.
3
de saúde pública interessa, sobretudo, conhecer
Um aumento na AF formal, enquanto exer-
as formas de tentar atenuar esta degeneração
cício físico (EF), e não formal pode vir a ser
progressiva.
uma estratégia preventiva efetiva, tanto para
A capacidade do sujeito idoso realizar as
suas
tarefas
quotidianas
autonomamente
o indivíduo como para as nações, sendo uma
forma de melhorar a saúde pública6,7.
normalmente reduz-se substancialmente com
No entanto e apesar da sensibilização e
o decurso dos anos. Esta redução resulta das
promoção de programas de EF para ocupação
alterações produzidas em todos os órgãos e
dos tempos livres dos idosos, este, na gene-
sistemas biológicos bem como dos fatores
ralidade, faz parte do leque de atividades que
sociais e psicológicos que decorrem simulta-
os idosos sentem como não ajustadas às suas
neamente com esta degenerescência funcional .
capacidades e possibilidades, como sendo
No entanto, o crescente interesse e estudo
próprio da juventude, receando o insucesso
desenvolvido na população idosa, tem demons-
da sua idade e recusando assumir funções que
trado que uma grande parte das manifestações
julgam ultrapassar as suas possibilidades6,8.
3
de insuficiência demonstrada por este grupo
É então necessário alterar as mentali-
populacional é mais fortemente motivado pelo
dades de forma a desbloquear estas eventuais
desuso funcional do que por uma falência
“barreiras” para a prática de EF. É importante
efetiva das capacidades físicas, motoras e inte-
alterar as formas de pensar e educar os idosos
lectuais .
no sentido de estes terem uma vida mais ativa,
3
Os comportamentos tipicamente associados
realçando sempre os benefícios a ela associados
aos idosos referem-se à passividade e imobi-
e alertá-los para os perigos do sedentarismo9.
lidade, com reduzida atividade física (AF),
O movimento é essencial para que o idoso
criando determinado tipo de padrões e este-
mantenha o equilíbrio fisiológico e psicoló-
reótipos que determinam, frequentemente, a
gico, que lhe permita gozar uma velhice plena e
forma de agir deste extrato populacional . A
manter-se autónomo, ativo e criativo.
4
OMS estima que a inatividade física contribui
para cerca de 2 milhões de mortes anuais no
EXERCÍCIO FÍSICO – O MEDICAMENTO
mundo. Simultaneamente calcula também que
ANTI-ENVELHECIMENTO
60% da população mundial não pratica AF suficiente .
5
O objetivo do EF neste escalão etário é
desenvolver estratégias que permitam um enve-
Assim, este envelhecimento da população
lhecimento saudável, produtivo, ativo ou bem-
tem reflexos evidentes a nível sócio–económico
-sucedido7. O grande objetivo é a melhoria da
com impacto no desenho das políticas sociais
qualidade de vida associada à capacidade de
e de sustentabilidade, mas fundamentalmente
ser independente dos outros na realização das
em alterações de índole individual através da
suas tarefas diárias. Por outro lado, pretende-
adoção de novos estilos de vida. Com efeito,
-se que o EF se constitua como um meio de
os idosos de hoje vivem mais tempo, mas é
excelência para a ocupação alegre e saudável
premente que vivam em qualidade, integrados
do tempo livre. O EF deve corresponder a um
127
Carvalho J.
bem-estar físico e psicológico, constituindo-se
fraturas, facilitadas pela desmineralização óssea
como um momento lúdico onde os idosos se
comum neste escalão etário17-19. Embora ainda
sintam bem e com isso mantenham interesse
não tenha sido estabelecida uma relação de
nesta prática .
causa-efeito entre a força muscular e a inci-
8,9
O EF encerra vários objetivos ao nível
dência de quedas, diferentes estudos suportam
físico, fisiológico, social e psicológico, que
esta hipótese14,20,21. Para além dos fatores mais
se resumem num objetivo principal que é a
relacionados com a funcionalidade muscular,
melhoria da saúde, bem-estar e da qualidade de
mudanças favoráveis na composição corporal do
vida da pessoa idosa.
idoso, incluindo um aumento da massa isenta
Com o envelhecimento são observadas alte-
de gordura e uma diminuição da massa gorda
rações, quer a nível central, quer a nível perifé-
total têm sido relatados após treino de força
rico no sistema cardiovascular. Estas alterações,
de intensidade moderada22-24. Neste sentido, e
em conjunto, reduzem a tolerância ao esforço
face às características dos idosos cujo risco rela-
durante a realização de tarefas de intensidade
tivo de desenvolvimento e de morte de muitas
máxima e submáxima, reduzindo a capacidade
doenças crónicas, incluindo doenças cardiovas-
funcional global dos idosos . Simultaneamente,
culares (DCV), diabetes tipo 2 e obesidade é
a baixa aptidão aeróbia tem sido descrita como
elevado, um treino combinado, onde ambas as
um fator de risco de mortalidade e de desenvol-
capacidades, cardiorrespiratória e musculares
11-
vimento de doenças cardiovasculares (DCV)
estejam presentes, parece ser recomendado.
. Diferentes estudos têm demonstrado que
Adicionalmente, o treino de força parece ajudar
programas de EF englobando o treino aeróbio
a manter ou até melhorar a densidade mineral
com intensidade superior a 60% do VO2max,
óssea25-27, a sensibilidade à insulina28, o tempo
frequência semanal de pelo menos 3 dias
de trânsito intestinal29 e a diminuir a dor e a
durante 16 ou mais semanas, pode aumentar
incapacidade induzidas pela degeneração arti-
significativamente (média de 3,8 ml/kg/min) o
cular30.
10
13
VO2max em adultos de meia-idade e idosos.
Deste modo, um adequado programa de
Por outro lado, diferentes estudos têm
treino de força, seja de forma isolada ou combi-
referido que sarcopenia associada ao envelhe-
nada, pode constituir-se como um meio impor-
cimento, traduzida na perda da quantidade e
tante para a vida diária do idoso. Reconhecendo
qualidade muscular, predispõe os idosos a uma
a força muscular como uma componente crítica
limitação funcional sendo este um aspeto deter-
da mobilidade funcional, o ACSM/AHA6 sugere
minante na morbilidade e mortalidade destes
que, paralelamente a atividades aeróbias envol-
escalões etários mais velhos
vendo grandes grupos musculares (realizadas
14-16
.
Níveis moderados de força muscular são
entre 3 a 5 vezes por semana), pelo menos
necessários para a realização de inúmeras
algum do EF realizado pelos idosos deva ser
tarefas quotidianas, tais como, carregar pesos,
baseado em exercícios localizados de fortale-
subir escadas, levantar-se de cadeiras, etc.
cimento e reforço muscular (realizadas 2 a 3
Neste sentido, a preservação da força muscular
vezes por semana).
adquire uma importância cada vez maior com
Também, de acordo com Rikli & Jones31,
o avançar da idade . Para além deste facto, a
possuir agilidade combinada (juntando velo-
literatura sugere que os baixos índices de força
cidade à coordenação) e equilíbrio dinâmico
estão relacionados com a uma maior suscetibi-
(capacidade de manter estabilidade postural
lidade de ocorrência de quedas e consequentes
enquanto se move) é importante para um
16
128
Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n.º 2
conjunto de tarefas quotidianas do idoso. O
recomendada, dados os seus potenciais efeitos
equilíbrio é um componente da aptidão física
múltiplos na alteração das propriedades do
de especial importância para os idosos, na
tecido muscular e conjuntivo com aumento da
medida em que se relaciona com a qualidade
função e da amplitude de movimento necessá-
da marcha e com um maior risco de quedas
,
rios para a realização eficaz de diferentes tarefas
e, consequentemente, maior risco de fraturas,
quotidianas, na provável diminuição da dor de
normalmente facilitadas pela desmineralização
origem articular e na melhoria da performance
óssea típica do idoso
muscular40.
32,33
34,35
.
Estudos têm demonstrado que 40 a 60 %
Para além das questões mais relacionadas
dos indivíduos acima dos 65 anos já experi-
com os aspetos mais físicos e fisiológicos, é
mentaram pelo menos uma queda, sendo esta
importante considerar as alterações psico-
mais frequente nos utentes dos lares e nas
lógicas e sociais associadas ao processo de
mulheres
. Apesar de se estimar que apenas
envelhecimento. De uma forma geral, a socie-
10% das quedas resultam em fratura óssea
dade tem uma visão negativa acerca do corpo
grave, em 30 a 40% destas, a morte ocorre
envelhecido, sendo portanto difícil aos idosos
um ano após a fratura, normalmente devido a
possuírem de si mesmos uma imagem posi-
pneumonias, tromboses ou embolias. E mesmo
tiva, sendo que a sua autoimagem será tanto
daqueles idosos que sobrevivem, na generali-
mais baixa quanto maior for a dependência de
dade dos casos, ficam com uma limitada mobi-
terceiros para a vida diária3.
32,36
lidade e dependentes de outrem34.
Numa sociedade como a nossa, com uma
Entre outros fatores, a prática regular de EF
cultura organizada em função do trabalho,
envolvendo exercícios propriocetivos, equilí-
no qual o estatuto e valor do sujeito parecem
brio e coordenação parece resultar na melhoria
estar diretamente relacionadas com a ocupação
do controlo do equilíbrio dos idosos, em parti-
profissional, o idoso, afastado da sua atividade
cular naqueles com história de queda e baixa
profissional tende a adotar uma atitude baseada
mobilidade
na desvalorização de si próprio41.
34,37,38
.
De igual modo, a flexibilidade apresenta
Por outro lado, a reforma faz com que a
uma grande importância na qualidade de vida
pessoa se afaste do seu ciclo habitual de ativi-
dos idosos, pois é essencial para a realização
dades e de contactos, muitas vezes, numa idade
das mais variadas tarefas da vida diária, tais
em que ela ainda se julga capaz de desempe-
como calçar os sapatos, subir e descer degraus,
nhar um papel ativo na sociedade. Esta desin-
pentear o cabelo, etc.
tegração social constitui-se frequentemente
Para além das alterações degenerativas articulares e musculares, associadas ao envelheci-
como precursora de estados de ansiedade e
depressão3.
mento, a diminuição da flexibilidade é clara-
Perante o vazio social que a reforma pode
mente influenciada pela inatividade física ou
induzir nos idosos, é necessário recorrer a ativi-
desuso. O desuso é a maior causa de declínio
dades gratificantes e motivadoras, que ocupem,
da flexibilidade em idosos, pois produz um
pelo menos uma parte do dia e que assim
aumento da rigidez do tecido conjuntivo (liga-
ajudem os indivíduos a superar os estados
mentos, tendões, músculos), restringindo a
depressivos, ajudando-os a se sentirem mais
amplitude articular .
úteis, ativos e integrados num grupo social8,41.
39
Neste sentido, a inclusão de exercícios de
Os programas de EF podem dar um novo
flexibilidade num programa de EF tem sido
sentido à vida, podendo mesmo ser como que
129
Carvalho J.
um substituto do trabalho nos aspetos da regu-
todas as componentes da aptidão física como
laridade, esforço e organização
a força muscular, resistência aeróbia, o equilí-
8,41
. Para além
disto, O EF acarreta valores sociais, tais como,
brio/agilidade e a flexibilidade.
a integração em grupos e o incremento das
De um modo geral, os mesmos princípios
relações humanas ajudando o idoso a superar a
norteadores da prescrição de EF devem ser apli-
solidão e o isolamento .
cados a adultos de todas as idades, incluindo os
42
Todavia,
os
dos
idosos. Todavia, existe uma maior heterogenei-
programas de EF dependem de uma aplicação
dade na população idosa quanto à forma como
adequada dos estímulos propostos, no sentido
respondem a determinado estímulo em função
de
“dose-resposta”
do seu nível inicial de aptidão física e estado
compatível com os efeitos desejados. Ou seja,
clínico. Assim, o programa de EF deve ser pres-
este tipo de treino deve ter um volume, inten-
crito o mais individualizadamente possível de
sidade
suficientemente
acordo com as características, necessidades,
elevados para induzir alterações significativas
objetivos, nível inicial de aptidão física e estado
na funcionalidade e estado de saúde do idoso,
de saúde dos idosos, devendo os conteúdos ser
sem, no entanto, sobrecarregar excessivamente
agradáveis, atrativos, de fácil compreensão e
o seu sistema locomotor passivo e sistema
realização7,40.
produzir
e
potenciais
uma
uma
relação
frequência
benefícios
cardiovascular7,40.
Em concordância com Baker et al.44 são
Na realidade, a resposta à questão de qual
variadíssimas as atividades passiveis de serem
o tipo e de qual a quantidade de AF neces-
apresentadas a este escalão etário, desde a
sária para obter os desejados benefícios é de
dança e jogos tradicionais, até exercícios loca-
uma enorme importância, quer na perspetiva
lizados de reforço muscular, passando pelas
individual quer na de saúde pública. Em 2007,
atividades aquáticas, caminhada, exercícios de
o American College Sports Medicine (ACSM),
flexibilidade, equilíbrio, coordenação (veloci-
em conjunto com a American Heart Associa-
dade de reação e movimento), exercícios respi-
tion (AHA) , e mais tarde em 2009 e 2011 ,
ratórios e de relaxamento, sendo que a forma
publicou as recomendações em termos de AF
ideal de trabalho é a combinação das diferentes
e de EF recomendado para idosos, definindo
atividades.
6
7
40
que, em termos gerais, devem ser realizados
Para que os idosos iniciem e mantenham a
150 minutos de AF moderada a vigorosa por
sua participação em programas de EF é neces-
semana. As diretrizes enfatizam que para a
sário prescrever atividades que lhes propiciem
maioria dos parâmetros de saúde, benefícios
satisfação e favoreçam a adesão, o que pres-
adicionais são obtidos com o aumento da quan-
supõe a adequação à sua condição de idoso.
tidade de exercitação através de uma maior
Sendo a prática de EF um comportamento
intensidade, frequência e/ou duração. Assim
dependente da motivação, pelo menos numa
sendo, para promover a saúde e a qualidade de
fase inicial, a ênfase de programas de EF deve
vida necessários para um envelhecimento bem-
ser colocada em fatores motivacionais susce-
-sucedido e saudável, o idoso deve aumentar
tíveis de provocar alterações no estilo de vida,
o seu nível de AF pela incorporação adicional
tornando o EF como parte integrante dos
de atividade não-formal na sua rotina habitual
hábitos de vida. O modo de EF deve ser agra-
diária, e/ou, pela dedicação de tempo do seu
dável para a população alvo, levando os parti-
dia e da sua semana a programas de EF estru-
cipantes a exercitarem-se regularmente7,40. O
turado que promovam o desenvolvimento de
EF deve ser realizado continuamente já que as
130
Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n.º 2
adaptações crónicas ao treino são, geralmente,
from the American College of Sports Medicine
perdidas após cessação de atividade, seja na
and the American Heart Association. Circula-
população ativa residente na comunidade seja
tion. 2007; 116(9): 1094-1105.
45
na população idosa institucionalizada
46
7. American College of Sports M., Chodzko-Zajko
W.J., Proctor D.N., Fiatarone Singh M.A.,
CONCLUSÃO
Minson C.T., Nigg C.R., Salem G.J., and Skinner,
Assim e face ao atrás exposto, o EF quando
J.S.. American College of Sports Medicine posi-
realizado de forma regular, dados os potenciais
tion stand. Exercise and physical activity for
efeitos do destreino, e baseado em princípios
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41(7): 1510-1530.
parece ser uma atividade equilibrada e segura,
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induzindo potencialmente benefícios psicoló-
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133
Acta Farmacêutica Portuguesa
2014, vol. 3, n. 2, pp. 135-148
Farmacoterapia do Oxigénio normobárico e hiperbárico
Pharmacotherapy of normobaric and hyperbaric oxygen
Cervaens M.1, Sepodes B.2, Camacho O.3, Marques F.4, Barata P.1
ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE
RESUMO
O oxigénio é considerado como um fármaco, que pode ser facilmente administrado em condições
normobáricas, mas quando é utilizado em condições de pressão superiores à atmosférica requer
compressão.
Objectivo: Descrever estas duas modalidades terapêuticas – oxigenoterapia normobárica e oxigenoterapia
hiperbárica.
Fontes de dados: EBSCO, Pubmed, Elsevier, Science Direct, Springer link e Scielo.
Métodos de Revisão: Artigos disponíveis desde 1980.
Resultados: Foram incluídos artigos integrais de revisão e experimentais, que reportam a aplicação de
oxigenoterapia normobárica e/ou hiperbárica em humanos e em modelo animal.
Conclusões: As duas modalidades terapêuticas, oxigenoterapia normobárica e hiperbárica, têm normas
específicas que devem ser minuciosamente seguidas de modo a ter um baixo risco de complicações.
Palavras-chave: oxigénio, oxigenoterapia normobárica, oxigenoterapia hiperbárica
ABSTRACT
Oxygen is considered a drug that can be easily administered at normobaric conditions, but when is
submitted to pressures higher than the atmospheric, it requires compression.
Objective: To describe these two treatment modalities – normobaric oxygen therapy and hyperbaric
oxygen therapy.
Data base: EBSCO, Pubmed, Elsevier, Science Direct, Springer link and Scielo.
Review Methods: Articles available since 1980.
Results: were included review and experimental articles that explored the application of normobaric and
hyperbaric oxygen therapy in human or in animals.
Conclusions: The normobaric and hyperbaric oxygen therapy have specific rules that must be followed
carefully in order to have a low risk of complications.
Key-words oxygen, normobaric oxygen therapy and hyperbaric oxygen therapy
Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Fernando Pessoa, Porto, Portugal
Departamento de Ciências Farmacológicas, Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
3
Unidade de Medicina Hiperbárica, Unidade Local de Saúde de Matosinhos, Portugal
4
Unidade de Análises Cínicas, Departamento Ciências Biológicas, Faculdade de Farmácia da Universidade do
Porto, Porto, Portugal
1
2
Autor para correspondência: Mariana Cervaens. E-mail: [email protected]
Submetido/ Submitted: 28 Maio 2014 | Aceite/Accepted: 30 Jun 2014
© Ordem dos Farmacêuticos, SRP
ISSN: 2182-3340
Cervaens M., Sepodes B., Camacho O., Marques F. , Barata P.
INTRODUÇÃO
dade de transporte de circulação de oxigénio e
O oxigénio, a água e os alimentos são de
respectiva distribuição a nível tecidular 1. Um
fundamental importância para o organismo
aumento da concentração de oxigénio cerca de
animal. Destes três fundamentos básicos para
1% eleva a tensão de oxigénio mais 7 mmHg. É
a manutenção da vida, a privação de oxigénio
necessário manter o nível normal de hemoglo-
é a que conduz mais rapidamente à morte. A
bina na presença de doença respiratória, assim
terapia com oxigénio é útil ou necessária para
como, o transporte adequado de oxigénio para
a vida em várias doenças e intoxicações que
os tecidos. As indicações para esta aplicação
interferem com a oxigenação normal do sangue
incluem asma, insuficiência cardíaca conges-
ou tecidos.
tiva ou edema pulmonar como tratamento de
No organismo, o oxigénio move-se segundo
primeiros socorros, em operações de emer-
um gradiente de pressão parcial do ar inspirado
gência. No entanto, é igualmente utilizado para
para as células do corpo e suas mitocôndrias. O
anestesia em cirurgias 2.
ar atmosférico normalmente contém 20,9% (a
Em Portugal, as empresas farmacêuticas
pressão barométrica normal) de oxigénio, o que
têm de obter certificação para a distribuição
equivale a uma pressão parcial de 159 mmHg1.
destes gases medicinais. Têm de cumprir todas
Muitas vezes há insuficiência de oxigénio
as regras de produção, comercialização e apli-
a nível tecidular e, deste modo, para evitar
cação, segundo a Diretiva 93/42/CEE e respec-
esta hipóxia é necessário um suplemento de
tiva Marcação CE para o Sistema de Distri-
oxigénio. A terapia de oxigénio, a pressões
buição de Gases Medicinais, transposta para a
normais (normobárica), deve ser dada de forma
legislação portuguesa através do Decreto-Lei
contínua e não deve ser interrompida brusca-
n.º 273/95.
mente até à recuperação do doente, pois pode
Outro tipo de terapia de oxigénio diz
causar queda da tensão de oxigénio alveolar.
respeito à oxigenoterapia hiperbárica, que
A dose de oxigénio deve ser calculada com
consiste
cuidado pois deve ser evitada a completa satu-
(FiO2=100%) a pressões superiores à pressão
ração da hemoglobina, no sangue arterial. A
atmosférica (>1 ATA). Para o doente se
pressão parcial de oxigénio (pO2) pode ser
submeter a esta pressurização tem de estar
medida no sangue arterial e esta pressão de
num câmara monolugar (capacidade para um
60 mmHg corresponde cerca de 90% da satu-
doente) ou numa câmara multilugar (diversos
ração de sangue arterial, mas se a acidose está
doentes). É um tratamento essencial em muitas
presente, é necessário mais de 80 mmHg. Num
condições, incluindo doença de descompressão,
doente com problemas respiratórios, a anemia
intoxicação por monóxido de carbono, queima-
deve ser corrigida com um adequado transporte
duras e doenças da montanha3.
na
inalação
de
oxigénio
puro
de oxigénio a nível tecidular. Um pequeno incre-
A necessidade de descobrir em que situação
mento na tensão de oxigénio arterial resulta
se deve aplicar oxigenoterapia normobárica ou
num aumento significativo da saturação da
hiperbárica foi recentemente explorada numa
hemoglobina. Em situações normais, nenhum
revisão em 2013 4. Desta forma, no presente
benefício adicional é garantido por elevar
estudo pretende-se descrever estes dois tipos
o nível da pO2 mais de 60-80 mmHg. Altas
de terapia de oxigénio vulgarmente usados,
concentrações de fracção de oxigénio inspirado
como uma modalidade terapêutica comple-
(FiO2) aumentam a dissolução deste no plasma,
mentar, na reabilitação de doentes.
resultando num pequeno aumento da capaci-
136
Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2
MÉTODOS
nelo intracelular que finaliza o consumo de
Foi realizada pesquisa de estudos datados
oxigénio - 90% - na oxidação de produtos finais
entre 1980 e 2014, nas bases de dados da
de substratos de energia que entram no orga-
EBSCO, Pubmed, Elsevier, Science Direct, Springer
nelo. Desta forma, é necessário ter um correto
link e Scielo, com as palavras-chave: oxigénio,
suplemento de oxigénio para o metabolismo
oxigenoterapia
energético 1.
normobárica,
oxigenoterapia
hiperbárica, oxygen, normobaric oxygen therapy e
No entanto, o fornecimento de oxigénio
hyperbaric oxygen therapy, utilizando o operador
depende de vários fatores como a ventilação, a
de lógica AND. Foram incluídos artigos de
difusão através da membrana alvéolo-capilar,
revisão e experimentais, em português e inglês,
o transporte através da hemoglobina, o débito
sendo a população alvo humanos e modelo
cardíaco e o tecido-alvo 2. Quando há uma falha
animal que tivessem sido submetidos a terapia
neste fornecimento de oxigénio é necessário
complementar de oxigénio. Foram excluídos
recorrer à sua aplicação terapêutica.
todos os artigos sem texto integral e que não
O oxigénio medicinal é o gás com mais
se relacionavam com o tema deste estudo. A
ampla utilização na área médica e de emer-
literatura adicional foi obtida a partir de livros,
gência. Este gás medicinal é considerado
onde foi identificada bibliografia útil a este
um produto farmacêutico que, nos casos de
tema.
emergência é livremente utilizado nas ambulâncias 7.
RESULTADOS
A oxigenoterapia é, então, um tratamento
O oxigénio (O2) foi descoberto em 1774,
médico cujo objectivo é o de inalar oxigénio
por Joseph Priestley mas foi o químico francês
suplementar, em concentrações superiores que
Antoine Laurent de Lavoisier (1743-1794) que
o ar circundante, em doentes com problemas de
identificou as suas propriedades .
hipóxia, doenças pulmonares crónicas ou lesões
1
O oxigénio é um elemento químico gasoso
incolor, inodoro e não comestível. O ar atmos-
traumáticas 8.
Há, actualmente em uso, três formas de
férico que respiramos contém cerca de 78% de
oxigenoterapia 8:
azoto, 21% de oxigénio e 1% de outros gases.
1. Oxigénio Normobárico (ON) – Também
Para os organismos sobreviverem, o oxigénio
chamado oxigénio de superfície ou ao nível do
é imprescindível nas suas vidas, na respiração
mar, onde há administração de oxigénio suple-
aeróbia 5.
mentar (24 a 100%) a pressão atmosférica
Muitas das reações bioquímicas, dos orga-
(1 ATA).
nismos aeróbios, necessitam de oxigénio. Em
2. Oxigénio Hiperbárico (OTH) – Inalação
condições normais, 98% do oxigénio é trans-
de 100% de oxigénio a pressões elevadas
portado via sanguínea, acoplado à hemoglobina,
(>1ATA).
enquanto que os restantes 2% encontram-se
3. Hipobárica ou oxigénio “altitude” – Em alti-
dissolvidos no plasma. A oxigenação tecidular
tude, devido à limitação fisiológica dos seres
(96-97%) ocorre devido ao oxigénio transpor-
humanos, há uma exigência de concentração de
tado pela hemoglobina 5.
O2 superior à que se inspira ao nível do mar de
O oxigénio é um recetor de electrões
modo a evitar hipóxia.
universal que permite ao organismo usar a
De seguida, irão ser exploradas a oxigeno-
energia armazenada em hidratos de carbono,
terapia normobárica e a hiperbárica de acordo
lípidos e proteínas . A mitocôndria é o orga-
com o objetivo deste estudo.
6
137
Cervaens M., Sepodes B., Camacho O., Marques F. , Barata P.
Oxigenoterapia normobárica
ser restrito ou não permitido em determinados
A tensão mínima de oxigénio, a nível
mitocondrial,
necessária
para
o
locais, por problemas de armazenamento ou
metabo-
peso ou modos de transporte (por exemplo,
lismo aeróbio (0,5 a 1 mmHg) corresponde a
perigo de fogo em aviões), o segundo é muito
uma pressão parcial de oxigénio (PaO2) de 25
limitado em termos de consumo de gás 8.
mmHg ou saturação de oxigénio arterial (SaO2)
O equipamento de aplicação de oxigeno-
de 40%. No entanto, graus leves de hipoxémia
terapia tem, por necessidade, de controlar a
causam subtis efeitos adversos sobre o meta-
concentração de oxigénio inspirado, prevenir
bolismo celular, que são reforçados por uma
a acumulação de dióxido de carbono, ter resis-
circulação deficiente (anemia) ou aumento do
tência mínima de respiração, uso de oxigénio
processo metabólico. A correcção da hipoxémia
eficiente e económico, adaptabilidade para
é, portanto, frequentemente necessária antes
diferentes misturas de gases e adaptabilidade a
que o doente entre em hipóxia, ou seja, quando
diferentes modos de respiração. A compreensão
a PaO2 cair abaixo de 60 mm Hg (SaO2 90%) .
do desempenho e das características dos equi-
7
O objectivo da administração de oxigénio
pamentos de oxigenoterapia permite uma
normobárica é aliviar a hipoxémia, aumen-
melhor seleção de equipamentos para diversas
tando a tensão alveolar, de modo que reduza
aplicações 9.
o trabalho de respiração e diminua o trabalho
do miocárdio. O oxigénio deve ser usado como
um fármaco em várias condições e a sua dose
deve ser individualizada. Durante a oxigenote-
Fontes de oxigénio (Yam) 7
Oxigénio líquido
Este é fornecido a partir de tanques de arma-
rapia, os gases sanguíneos arteriais devem ser
zenamento de oxigénio líquido. O oxigénio
medidos várias vezes em doentes com insufi-
é fornecido através de tubulações escondidas
ciência respiratória aguda. O objectivo é manter
perto dos doentes.
a PaO2 acima de 60 mmHg. O oxigénio deve ser
administrado continuamente em dose baixa,
Cilindro de oxigénio
desde que um pequeno aumento de FiO2 cause
Esta é a fonte de oxigénio em hospitais
aumento na PaO2 .
2
que não se encontram equipados com tanques
De modo a que a administração de oxigénio
de armazenamento de oxigénio líquido. Pode
seja feita de um modo correto, é necessário
haver uma área de armazenamento central do
compreender os mecanismos de captação e
cilindro, sendo o oxigénio canalizado para as
fornecimento de oxigénio no corpo, os factores
enfermarias. No entanto, os cilindros devem
que alteram a sua entrega a sistemas intrace-
ser mantidos em áreas perto dos doentes, caso
lulares, em órgãos vitais; as características
a tubulação não esteja disponível, ocupando,
dos dispositivos responsáveis pela inalação de
deste modo, espaço, exigindo constante moni-
oxigénio e os efeitos tóxicos que advêm de uma
torização, recarga e transporte. Dependendo do
dose dependente da pressão parcial adminis-
tamanho, o cilindro de oxigénio é, atualmente,
trada .
1,5 a 11 vezes mais caro do que o oxigénio
9
A terapia de oxigénio pode ser limitada
líquido.
pelo tipo de fornecimento ou do sistema de
entrega. Atualmente, são usados dois tipos de
Concentrador de oxigénio
fonte de O2, tanques pressurizados ou gera-
Esta máquina elétrica extrai oxigénio do
dores químicos. Enquanto o primeiro tipo pode
gás atmosférico através do emprego de uma
138
Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2
peneira molecular (uma material regenerativo
utilizadas para oxigenoterapia domiciliar. No
absorvente) para remover o nitrogénio. A
entanto, o oxigénio tem de ser humidificado,
pureza do oxigénio produzido é de cerca 97%
durante a sua utilização.
no menor fluxo, 95% em 2 L/min e diminui
para menos de 90% a fluxos acima de 3 L/min.
Máscara facial
No entanto, essa diferença de pureza não é
A máscara facial encaixa levemente sobre
clinicamente significativa. Esta fonte de baixo
o nariz e a boca. O O2 flui em alta velocidade,
fluxo de oxigénio é de confiança e, atualmente,
através de um orifício estreito para a base da
a fonte de oxigénio administrada no domicílio
máscara, criando uma pressão negativa, arras-
em caso de cronicidade. Também pode ser
tando o ar atmosférico através das perfurações
considerada como uma alternativa económica
na máscara. Estão disponíveis em diferentes
para alguns doentes em uso de cilindro de
formas e podem entregar baixas concentrações
oxigénio hospitalar. Os riscos de incêndio e
de oxigénio fixas em 24%, 28%, 35% e 40%.
explosão são menores do que com o oxigénio
No entanto, são um pouco desconfortáveis e
líquido e o custo é consideravelmente inferior.
têm que ser removidos para comer ou beber.
Neste caso, o oxigénio é canalizado para áreas
perto do doente da maneira convencional. O
Indicações
concentrador opera a altas pressões, permitindo
A oxigenoterapia normobárica tem várias
assim o uso de máscaras faciais. O excesso de
vantagens: é simples de administrar, não inva-
oxigénio pode ser usado para encher os cilin-
siva, de baixo custo, amplamente disponível, e
dros para uso portátil dentro do hospital e em
pode ser iniciado imediatamente num caso de
casa.
emergência, por exemplo após o início de um
AVC 10.
Formas de inalação (Singh et al.)
2
O O2 pode ser administrado convenien-
Condições agudas 7
temente por dispositivos oro-nasais, como
1. Hipoventilação alveolar simples, por
cateteres nasais, cânulas e diferentes tipos de
exemplo, sobredosagem de narcóticos, estado
máscaras. Estes são simples, menos caros e
paralítico, depressão respiratória pós-opera-
confortáveis.
tória (onde a pressão arterial de CO2 – PaCO2
– é elevada).
Cateter nasal
2. Incompatibilidade ventilação-perfusão,
O cateter nasal é de borracha leve e é inse-
manobras intrapulmonares, alteração da unidade
rido após lubrificar a ponta com parafina líquida
normal ventilatória, por exemplo, asma aguda
até que esta seja visível por detrás da úvula na
grave, edema pulmonar, extensa pneumonia,
orofaringe.
síndrome de stress respiratório do adulto (PaCO2
é baixa inicialmente a partir de hiperventilação,
Cânulas nasais
tornando-se depois normal ou alta devido à alta
Em doentes hospitalizados, essas cânulas
exaustão).
com dois tubos macios de plástico são inseridos
3. Incompatibilidade ventilação-perfusão,
cerca de 1 cm em cada narina. São confortá-
redução dos movimentos ventilatórios, por
veis e bem toleradas, são usadas em doentes
exemplo, doença crónica de obstrução das
sem hipercapnia que necessitam de oxigénio
vias aéreas com exacerbação aguda (PaCO2 é
suplementar até 40% e podem ser facilmente
elevada).
139
Cervaens M., Sepodes B., Camacho O., Marques F. , Barata P.
tonturas, náuseas, dormência nos dedos das
4. PaO2 e SaO2 normais, estados circulatórios anormais, ou fornecimento de oxigénio
comprometido a nível tecidular, por exemplo,
choque, anemia grave, envenenamento por
mãos e pés e uma redução dramática na capacidade aeróbia8.
Existem, assim, três tipos de riscos associados uso de oxigénio 2:
monóxido de carbono (PaCO2 é normal).
Riscos físicos
Condições crónicas
7
1. Hipercápnica devido a insuficiência respiratória crónica
Com a utilização de oxigénio há sempre
o risco de incêndio e explosão, devido à
combustão. No entanto, ocorre mais em casos
2. Doença intersticial pulmonar
de alta concentração de oxigénio, uso de
3. Dessaturação nocturna: O sono normal é
câmaras de pressão e em fumadores.
caracterizado por ter uma ventilação de baixo
Os cateteres e máscaras podem causar lesões
volume, com valores levemente elevados de
no nariz e boca. Gás seco e não-humidificado
PaCO2 e diminuição da PaO2. A dessaturação
pode causar ressecamento e crostas.
nocturna torna-se significativa em perturbações
respiratórios do sono, como a apneia central ou
Riscos funcionais
obstrutiva, doenças neuromusculares e outras
Doentes que perderam a sensibilidade ao
doenças crónicas obstrutivas.
CO2, facilmente podem cair em depressão
ventilatória e desenvolverem DPOC (doença
Riscos da terapia de oxigénio
pulmonar crónica obstrutiva).
O oxigénio, como qualquer fármaco, tem a
A hipoventilação pode levar a hipercapnia e
sua própria gama terapêutica, sendo necessário
narcose de CO2, embora o risco seja pequeno
compreender bem o que é essencial para a sua
com baixo fluxo de oxigenoterapia. O pH arte-
adequada administração. À pressão atmosfé-
rial pode ser um melhor guia que a PaCO2
rica normal (1 ATA ou menos) nas primeiras
para a monitorização da oxigenoterapia. Desde
12-24 horas após a administração de 100% de
que o pH não acuse acidose, a longa terapia
oxigénio estas questões de toxicidade são quase
de oxigénio pode beneficiar os doentes com
totalmente irrelevantes para a prática da medi-
retenção de CO2.
cina de emergência
9.
A pressão parcial de oxigénio inspirado
Danos citotóxicos
na faixa de 0,21 (condições atmosféricas) a
Doentes com DPOC com tratamento de
0,5 ATA tem demonstrado ser seguro mesmo
longa duração de oxigenoterapia, após serem
por longos períodos. No entanto, se a pressão
autopsiados, mostram alterações proliferativas
parcial de oxigénio for muito baixa, poderão
e fibróticas nos pulmões. Em condições agudas,
desenvolver-se situações de hipóxia que podem
a maioria dos danos estruturais ocorrem a
conduzir à morte. Por outro lado, o oxigénio
partir de uma FiO2 elevada, e assim, o oxigénio
torna-se tóxico para o organismo quando
pode causar a libertação de várias espécies
há aumento da pressão parcial. Os sinais e
reativas nocivas.
sintomas mais comuns deste problema são
sintomas pulmonares (tais como dor no peito,
Oxigenoterapia Hiperbárica (OTH)
tosse pulmonar seca, irritação, sensação de
A OTH é uma intervenção terapêutica, na
aperto no peito e dispneia), dores de cabeça,
qual os doentes inalam oxigénio puro (100%)
140
Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2
a uma pressão superior à pressão do nível do
tares devido ao tratamento para os acidentes
mar (1 atmosfera absoluta – ATA), dentro de
de mergulho. Para além disto, a maioria das
uma câmara hiperbárica. A OTH deve ser vista
unidades estão nos departamentos de Anes-
como uma terapia complementar e não como
tesiologia pois esses doentes necessitam de
uma modalidade de tratamento isolada
terapia intensiva, sendo, dessa forma, necessário
11.
O modo de ação desta terapia é complexo,
o conhecimento em áreas específicas de inte-
pois é resultado de uma série de mecanismos
resse, como a física, farmacologia e fisiologia 14.
fisiológicos e farmacológicos, dependentes da
elevação da pressão parcial do oxigénio e da
pressão hidrostática . Estas propriedades con12
Requisitos
para
a
administração
de
oxigénio hiperbárico
tribuem para o tratamento de uma série de con-
Para os doentes serem submetidos a OTH
dições diferentes. Em 1967 nos Estados Unidos
são necessárias instalações especiais, para
da América, foi criada a primeira sociedade,
suportarem pressões mais elevadas que a
Undersea and Hyperbaric Medical Society (UHMS),
atmosférica, como as câmaras hiperbáricas 15.
que selecionou uma comissão terapêutica de
Nas câmaras monolugar, que têm capa-
oxigénio hiperbárico com o intuito de identifi-
cidade para uma pessoa, o oxigénio é inalado
car e classificar as várias indicações clínicas para
diretamente do ambiente da câmara 15. Embora
a aplicação da OTH, com base em dados científi-
economicamente
cos disponíveis. O primeiro relatório do comité
desvantagens o reduzido acesso do profis-
foi publicado em 1977 e muitos seguiram pos-
sional de saúde ao doente durante o trata-
teriormente. A Europa, naquela época, tentava
mento, sendo possível, no entanto, monitorizar
seguir as indicações da UHMS mas o contacto
a pressão arterial, ter acesso a electrocardio-
entre os diferentes centros hiperbáricos eram
grama e fornecer medicamentos intravenosos
escassos e restritos aos congressos ocasionais .
e fluidos através do manguito. A ventilação
Desta forma, surgiu a necessidade de criar uma
mecânica pode ser possível se as câmaras esti-
comissão europeia que elevasse a qualidade e
verem devidamente equipadas, embora não seja
o perfil da medicina hiperbárica e assim, em
possível aspirar o doente durante o tratamento,
1989, formou-se a European Committee for Hyper-
se necessário 16.
1
baric Medicine (ECHM) 11.
vantajoso,
aponta
como
Nas câmaras multilugares os doentes inalam
A primeira aplicação desta terapia foi, há uma
oxigénio através de máscara facial, tenda cefá-
centena de anos, no tratamento da doença de
lica ou tubo endotraqueal. O profissional de
descompressão. No entanto, durante os últimos
saúde pode estar dentro da câmara e, desta
50 anos várias outras indicações foram propostas
forma, auxilia o doente se necessário. No
para a terapia hiperbárica
. Apesar de esta
entanto, a instalação e os custos de suporte são
ser utilizada em diversas situações por muitas
muito elevados, que limitam o uso generalizado
décadas, um sentido de controvérsia continua
de câmaras multilugares 16.
13
a prevalecer no campo da medicina hiperbá-
Normalmente, leva cerca de 30 minutos
rica e, devido à falha do nível de evidência,
para compactar um doente até 3 ATA, o que
poucas são as indicações aceites pelas duas
corresponde a pressão a 66 metros de água do
principais sociedades científicas hiperbáricas.
mar, e leva aproximadamente 30 minutos para
As unidades hiperbáricas são operadas por
descomprimir. Porém, em situações de emer-
diferentes especialidades médicas. Por razões
gência, os doentes podem descomprimir em 3
históricas, muitas destas unidades são mili-
minutos a partir de 3 atmosferas de pressão. A
141
Cervaens M., Sepodes B., Camacho O., Marques F. , Barata P.
duração do tratamento varia, mas normalmente
Em 2004, o ECHM realizou sua sétima
rondam os 90 minutos. No entanto, a pressão
Conferência de Consenso Europeu sobre Medi-
e a duração do tratamento dependem da pato-
cina Hiperbárica, onde concordaram com uma
logia do doente .
lista de indicações (Tabela 1) 11.
16
O júri emitiu as suas recomendações,
Indicações
aceites
pelas
sociedades
médicas de hiperbárica
usando uma escala de três graus de acordo com
a força com que cada recomendação foi avaliada.
Há uma série de indicações apoiadas por
Tipo 1: Fortemente recomendada. O júri
documentação clínica em diferentes níveis, e
considera que a aplicação de OTH é extrema
existem substanciais diferenças regionais no
importância para o resultado final do doente /
que deve ser considerado para ser bem indi-
qualidade da prática / conhecimentos especí-
cado. Para uma indicação se considerar acei-
ficos no futuro.
tável, tem que ser baseada em estudos clínicos
Tipo 2: Recomendado. O júri considera que
experimentais e realizados com metodologia
a aplicação da recomendação afecta positiva-
rigorosa, produzindo resultados positivos de
mente o resultado final do doente / qualidade da
forma significativa .
prática / conhecimentos específicos no futuro.
1
Tabela 1. Indicações aceites para a aplicação de OTH propostas pela ECHM (2004)11
CONDIÇÃO Aceites
Nível de evidência
AB C
RECOMENDAÇÃO TIPO 1 - Fortemente recomendado
Intoxicação por monóxido de carbono X Síndrome de esmagamento X Prevenção da osteoradionecrose dentária X Osteoradionecrose (mandíbula) X Radionecrose de tecidos moles (cistite) X Acidente de descompressão X
Embolismo gasoso X
Infecções bacterianas por anaeróbios ou mistas por anaeróbios X
RECOMENDAÇÃO TIPO 2 – Recomendado
Lesão do pé diabético Retalho de pele ou musculocutâneo comprometido Osteoradionecrose (outros ossos que não a mandíbula) Proctite/enterite rádio-induzida Lesões dos tecidos moles rádio-induzidas Cirurgia e implante em tecidos irradiados (acção preventiva) Surdez súbita Úlcera isquémica Osteomielite Crónica Refractária Neuroblastoma Estádio IV X X
X
X
X
X
X
X
X
X
RECOMENDAÇÃO TIPO 3 – Opcional
Encefalopatia Pós-anóxica Radionecrose Laríngea Lesão do Sistema Nervoso Central rádio-induzida Sìndrome de reperfusão pós-procedimento vascular Reimplatação de membro Queimaduras de 2º grau em mais de 20% da superfície corporal Doenças oftálmicas isquémicas agudas Feridas seleccionadas de díficil cicatrização secundária a processos inflamatórios
Pneumatosis cystoides intestinalis 142
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2
Tipo 3: Opcional. O júri considera a aplicação da recomendação como uma opção.
O júri relatou, igualmente, o nível das
provas que sustentam as recomendações:
Nível A: Recomendação apoiada por evidências de nível 1 (pelo menos 2 estudos concor-
parcial de gás diferencial. De acordo com a
Segunda Lei de Fick da difusão, o tempo necessário para a difusão é dependente do tamanho
das moléculas, permitindo que as moléculas
menores de gás, como o hélio, difundam mais
rapidamente do que as maiores.
dantes, grandes, duplo-cegos, controlados e
randomizados, com pouco ou nenhum viés
Efeitos secundários e contra-indicações
metodológico).
A oxigenoterapia hiperbárica não é comple-
Nível B: Recomendação apoiada por evidên-
tamente inofensiva e pode ter alguns efeitos
cias de nível 2 (estudos duplo-cegos, contro-
colaterais,
complicações
e
lados e randomizados, mas com falhas meto-
causadas pelo stress oxidativo.
outras
lesões
dológicas, com apenas pequenas amostras ou
apenas um único estudo).
Nível C: Recomendação apoiada apenas por
nível de evidência 3 (opinião de consenso de
especialistas).
Efeitos secundários
Barotrauma
Embora os tecidos humanos podem suportar
uma grande pressão, pode ocorrer lesão tecidual, decorrente da falta de um espaço cheio de
Princípios físicos e efeitos fisiológicos
inerentes à aplicação de OTH
gás para equalizar a pressão interna com alterações de pressão ambiente, de acordo com a Lei
A física que se encontra por detrás da apli-
de Boyle. Este fenómeno chamado barotrauma
cação hiperbárica tem por base várias leis, das
ocorre principalmente quando as mudanças de
quais se destacam 1:
pressão-volume são grandes ou o início é rápido,
- Boyle-Mariotte – o volume ocupado por
como ocorre durante a parte inicial da pres-
um gás, mantido a temperatura constante, varia
surização ou descida da pressão atmosférica1.
na razão inversa da pressão que suporta. Esta
Barotrauma da orelha média é o efeito agudo
variação é exponencial, verificando-se maiores
colateral mais comummente relatado da OTH,
variações de volume a pressões próximas da
e foi relatado ocorrer em 2% dos doentes
17
.
pressão atmosférica.
- Princípio de Pascal – Qualquer pressão
Toxicidade de oxigénio
aplicada a um fluido incompressível contido
O uso generalizado de alta pressão de
num vaso transmite-se igualmente em todas as
oxigénio e o contacto com a toxicidade de
direcções.
oxigénio surgiu com o seu vasto uso na medi-
- Lei de Henry – A temperatura constante,
cina. As manifestações mais dramáticas da toxi-
a quantidade de gás dissolvido num líquido é
cidade de oxigénio são toxicidade de oxigénio
directamente proporcional à pressão a que está
pulmonar (efeito Lorraine-Smith), toxicidade
submetido (desde que o gás não reaja com o
de oxigénio (efeito Paul Bert) no Sistema
solvente).
Nervoso Central (SNC) e toxicidade de oxigénio
- Leis de Fick da difusão – De acordo com a
ocular. No entanto, o efeito tóxico do oxi-
Primeira Lei de Fick da difusão pode-se identi-
génio pode ser encontrado em quase todos os
ficar as variáveis para a difusão de gases como
órgãos e tecidos e é apenas uma questão de
o tamanho da área de difusão, a espessura da
tempo para afectar todos os tecidos e órgãos do
barreira de difusão (ou distância) e pressão
corpo 1.
143
Cervaens M., Sepodes B., Camacho O., Marques F. , Barata P.
O oxigénio deve ser considerado como uma
tecido alvo1. A tensão de oxigénio arterial
droga e pode dar lugar à formação de radicais
(PaO2) é de aproximadamente 90 mm Hg, e
livres após a inalação de altas doses de oxigénio.
nos tecidos (PtO2), de aproximadamente 55
Estes radicais livres podem levar à oxidação de
mm Hg16. Estes valores são significativamente
componentes químicos tecidulares 13.
aumentados pela respiração de oxigénio puro
a mais de uma pressão atmosférica. A oxige-
Contra-indicações
noterapia hiperbárica é limitada pelos efeitos
As contra-indicações absolutas são apenas
tóxicos de oxigénio a uma pressão máxima de
pneumotórax não tratado e alguns quimiote-
300kPa (3 ATA). A PaCO2, a pressão de vapor
rápicos, especialmente bleomicina, devido ao
de água e o quociente respiratório não variam
risco de fibrose pulmonar. Contra-indicações
significativamente entre 100kPa e 300kPa
relativas são epilepsia não controlada, insu-
(1-3 ATA). Assim, por exemplo, a inalação de
ficiência cardíaca e alguns problemas nas vias
oxigénio a 100% em 202.6kPa (2 ATA) fornece
aéreas, tais como infecção aguda das vias aéreas
uma PaO2 alveolar de 1423 milímetros Hg e,
superiores, enfisema e pneumotórax espon-
consequentemente, o oxigénio alveolar passa
tâneo anterior .
o espaço alveolar-capilar e difunde no leito
1
capilar venoso pulmonar, de acordo com as Leis
Efeitos bioquímicos e celulares da oxigenote-
de Fick sobre a difusão 1.
rapia
A tensão de O2 num dado tecido depende do
nível de consumo de O2 por este tecido no fluxo
Efeitos fisiológicos da oxigenoterapia - hiperoxigenação
sanguíneo local e também da distância relativa
O oxigénio é transportado pelo sangue por
da zona considerada próxima da arteríola e capi-
duas maneiras: quimicamente, ligado à hemo-
lares. De facto, o consumo de O2 faz com que a
globina e fisicamente dissolvido no plasma.
pO2 (gradiente de pressão parcial de oxigénio)
Em condições normais de pressão atmosfé-
diminua rapidamente entre arteríolas e veias.
rica, a hemoglobina tem uma saturação de
Isso enfatiza o facto de nos tecidos se verificar
oxigénio de 97%, representando um teor de
uma distribuição de tensões de oxigénio de
oxigénio total de cerca de 19,5 O2 /100mL de
acordo com um determinado gradiente. Esse
sangue (ou 19,5vol%) - 1g de 100% de hemo-
gradiente existe no nível da célula, assim como
globina saturada carrega 1,34mL oxigénio.
na mitocôndria, lugar terminal de consumo de
Nessas condições, a quantidade de oxigénio
oxigénio, onde as concentrações de O2 rondam
dissolvido no plasma é 0,32vol%, dando
os 1,5-3 mM .
um total de 19,82vol%. Quando oferecemos
1
O oxigénio move-se segundo um gradiente
100% de oxigénio através de uma máscara
de pressão da inspiração para gás alveolar,
ou entubação orotraqueal para uma respiração
sangue arterial, leito capilar, líquido intersticial
do doente, o teor de oxigénio pode atingir
e intracelular para os locais de utilização dentro
valores que rondam os 22 e 22,2vol% (Ta-
da célula (retículo endoplasmático, mitocôn-
bela 2) 18.
drias). Sob condições normobáricas, o gradiente
O efeito principal da OTH é hiperóxia.
de pressão parcial de oxigénio (pO2), conhecida
Durante este tratamento, o oxigénio é dissol-
como “cascata de oxigénio” começa em 21,2kPa
vido fisicamente no plasma sanguíneo. A uma
(159 milímetros Hg) e termina em 0,5-3kPa
pressão atmosférica de 2,8 ATA, respirando
(3,8 a 22,5 milímetros Hg), dependendo do
oxigénio a 100%, a tensão de oxigénio alveolar
144
Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2
(PaO2) é de aproximadamente 2180 milímetros
Após a remoção do ambiente de oxigénio
Hg e a concentração de tecido (PtO2) de, pelo
hiperbárico, a PaO2 normaliza em questão de
menos, 500 mm Hg. O conteúdo de oxigénio
minutos, mas a PtO2 pode permanecer elevada
no sangue é de aproximadamente ([1.34 x
por um período variável. A taxa de norma-
HBG x SaO2] + [0,0031 x PaO2]), onde HBG é
lização da PtO2 não foi claramente descrita,
a concentração de hemoglobina sérica e SaO2,
mas é medida em minutos a algumas horas,
a saturação de oxigénio arterial16. A uma PaO2
dependendo da perfusão tecidual 16.
de 1800 mm Hg, a fracção de oxigénio dissol-
Os efeitos fisiológicos da OTH incluem
vido no plasma (0,0031 x PaO2) é aproxima-
efeitos de curto prazo como vasoconstrição,
damente 6vol%, o que significa que 6mL de
aumento da distribuição de oxigénio, a redução
oxigénio será fisicamente dissolvido em 100mL
do edema, a activação da fagocitose e tem,
de plasma, atingindo um volume total de
também, um efeito anti-inflamatório (função
oxigénio no sangue circulante igual a 26,9vol%
de leucócitos reforçada). Efeitos a longo
(Tabela 2). Este valor é o equivalente às neces-
prazo são neovascularização (angiogénese em
sidades metabólicas básicas de oxigénio em que
hipóxia dos tecidos moles), osteoneogénese,
a PaO2 nas artérias pode chegar a 2000 mmHg.
bem como a estimulação da produção de colá-
Com uma função pulmonar e perfusão tecidual
geneo por fibroblastos. Os resultados clínicos
normal, a pO2 pode alcançar um valor superior
são, portanto, a cicatrização e recuperação de
a 1000 mmHg . Respirar oxigénio puro num
radiação com lesão tecidual 16,19. Recentemente,
ambiente a 2 ATA, o conteúdo de oxigénio
a OTH tem sido alvo de estudo, na área da
no plasma é 10 vezes maior que o ar de respi-
neurologia, apontando como uma pré-condição
ração ao nível do mar. Em condições normais, a
benéfica para a prevenção de doenças neuro-
pressão parcial de oxigénio no sangue (pO2) é
lógicas
95 mmHg, em condições de uma câmara hiper-
escassos e com baixa aplicabilidade.
19
20
. No entanto, os estudos ainda são
bárica, a pO2 pode atingir valores superiores
No que diz respeito à influência da OTH
a 2000mmHg . Consequentemente, durante
em tecido ósseo necrótico, esta aparenta ter
OTH, HBG também é totalmente saturada no
um papel importante, comparativamente com
lado venoso e o resultado é a elevação da tensão
a hiperóxia normobárica em disordens esquelé-
de oxigénio em todo o leito vascular. Uma vez
ticas associadas com a hipóxia 21.
18
que a difusão é impulsionada por uma diferença
de tensão, o oxigénio será forçado a sair dos
Efeitos fisiológicos adicionais da oxigenote-
vasos sanguíneos e atingir áreas inacessíveis a
rapia hiperbárica
moléculas deste gás quando transportado pela
Vasoconstrição
hemoglobina .
Em tecidos normais, a acção primária de
14
oxigénio é causar vasoconstrição geral (espeTabela 2. Valores da fracção de oxigénio inspirado
a pressões atmosféricas diferentes
FiO2
Pressão ATA
0,211
1
1
1
3
PaO2 (mmHg)
104
673
2193
O2 – OxiHg (mL/100ml)
19,7
20,1
20,1
O2 – Plasma (mL/100ml)
0,3
1,88
6
cialmente nos rins, músculo esqueléticos,
cérebro e pele), o que provoca um efeito “Robin
1
Hood”, através de uma redução do fluxo
sanguíneo para o tecido bem oxigenado
14
. A
OTH não só fornece um aumento significativo de oxigénio a nível molecular nos tecidos,
como contribui para uma redução de volume
de sangue e edema, o que leva a efeitos anti-
145
Cervaens M., Sepodes B., Camacho O., Marques F. , Barata P.
-isquémicos e hipóxicos para as extremidades
Desta maneira, a alternância entre estados de
como mecanismo fisiológico . A OTH reduz o
hipóxia e hiperóxia, observadas em doentes,
edema, não só por causa da vasoconstrição, mas
durante o tratamento com OTH intermitente,
também é devido à melhoria dos mecanismos
é responsável pela estimulação máxima da acti-
de homeostasia. Um alto gradiente de oxigénio
vidade fibroblástica nos tecidos isquémicos,
é um potente estimulador da angioneogénese,
produzindo o desenvolvimento da matriz de
um efeito considerado de importância significa-
colagénio, que é essencial para a neovasculari-
tiva para a estimulação da reparação e processos
zação18.
22
regenerativos em algumas condições 14.
Além de promover um ambiente menos
hospitaleiro para microrganismos anaeróbios, a
Infiltração Leucocitária
presença de oxigénio é conhecida por acelerar o
Para as células e seus tecidos funcionarem,
processo de cicatrização de feridas e de ser neces-
é necessário oxigénio. A capacidade dos leucó-
sária para a produção da matriz de colagénio e
citos intervirem na eliminação de bactérias, na
consequente angiogenese, através dos efeitos
replicação celular, na formação de colágeneo e
benéficos pela presença de espécies reativas de
nos mecanismos de homeostase, como o trans-
oxigénio, ou ainda por meios indeterminados 24.
porte de membrana activa, por exemplo, a
bomba de sódio-potássio, são de particular inte-
Efeito antimicrobiano
resse. A OTH inibe a adesão de leucócitos ao
A OTH, para além de inverter a hipóxia
endotélio, diminuindo a lesão tecidular, aumen-
tecidular e a disfunção celular, aumenta a
tando a motilidade leucocitária, resultando
capacidade fagocitária de algumas bactérias,
num aumento da microcirculação . Isso ocorre
trabalhando em sinergia com antibióticos, que
quando a presença de bolhas gasosas nos vasos
inibem o crescimento de uma série de micror-
venosos bloqueiam o fluxo e induz a hipóxia
ganismos anaeróbicos e aeróbicos no local da
que, por sua vez, provoca stress endotelial
ferida 25. Há evidências de que o oxigénio hiper-
seguido pela libertação de óxido nítrico (NO),
bárico é bactericida para Clostridium perfrin-
que reage com o anião superóxido para formar
gens, além de promover um efeito inibitório
peroxinitrito. Este, por sua vez, provoca stress
definitivo no crescimento de toxinas, maio-
oxidativo e perivascular, que levam à ativação
ritariamente em microrganismos aeróbicos e
de leucócitos e à sua adesão ao endotélio
microaerófilos. A ação da OTH sobre os micror-
14
23
.
ganismos anaeróbios é baseada na formação de
Neovascularização / Angiogénese
radicais livres como o superóxido, dismutase,
A hipóxia é o principal factor estimulante
catalase e peroxidase. Mais de 20 diferentes
da angiogénese. No entanto, a deposição de
exotoxinas bacterianas têm sido identificadas,
colágeneo é aumentada por hiperoxigenação e
e a mais prevalente é a alfa-toxina (fosfolipase
é a matriz de colágeneo que fornece a base de
C), que é hemolítica, necrosante e letal. Outras
suporte para o crescimento de um novo leito
toxinas, agindo em sinergia, induzem a anemia,
capilar. Duas horas de tratamentos diários
icterícia, insuficiência renal, cardiotoxicidade e
com OTH são, aparentemente, responsáveis
disfunção cerebral. A teta-toxina é responsável
por estimular o oxigénio na síntese de colá-
pela lesão vascular e consequente aceleração da
geno. As restantes 22h de hipóxia real ou rela-
necrose tecidular. No entanto, a OTH bloqueia
tiva, em que o doente não é submetido a OTH,
a produção de alfa e teta toxinas e inibe o cres-
proporcionam a estimulação da angiogenese.
cimento bacteriano18.
146
Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2
CONCLUSÃO
10.Singhal AB, Benner T, Roccatagliata L, Koro-
Os perigos de toxicidade do oxigénio devem
shetz WJ, Schaefer PW, Lo EH, et al. A Pilot
estar sempre presentes em mente, mas a
Study of Normobaric Oxygen Therapy in Acute
hipóxia não pode ser deixada sem tratamento,
Ischemic Stroke. Stroke - J. Am. Heart Assoc..
o que faz da oxigenoterapia normobárica uma
2005;36:797-802.
boa solução como suplemento de oxigénio.
11.European Committee for Hyperbaric Medicine.
A aplicação da oxigenoterapia hiperbárica,
http://www.echm.org/ [[Acedido Maio, 2011]].
em certas condições clínicas bem definidas, é
12.Thom SR. Oxidative stress is fundamental to
baseada na evidência científica e deste modo
hyperbaric oxygen therapy. J. Appl. Physiol.
há uma crescente familiarização por parte dos
(Bethesda, Md: 1985). 2009;106(3):988-95.
médicos para a sua utilização como uma terapia
13.Laet CD, Obyn C, Ramaekers D, Sande SVD,
complementar. No entanto, é necessário conti-
Neyt M. Hyperbaric Oxygen Therapy: a Rapid
nuar a estabelecer esta evidência científica para
Assessment. Brussels: Belgian Health Care
outros casos clínicos ainda não explorados.
Knowledge Centre2008.
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Acta Farmacêutica Portuguesa
2014, vol. 3, n. 2, pp. 149-166
Endocitose e tráfego intracelular de nanomateriais
Endocytosis and intracellular trafficking of nanomaterials
Ferreira L.A.B.1, Radaic A. 1, Pugliese G.O. 1, Valentini M.B. 1, Oliveira M.R. 1, de Jesus M.B.1
ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE
RESUMO
Os avanços recentes da nanotecnologia têm aumentado a utilização de nanomateriais e nanodispositivos
para diagnose, terapias e outros fins tecnológicos. O conhecimento da interação entre nanomateriais e
meios biológicos permite a descoberta de aplicações mais racionais, podendo ajudar a entender e antever
seus efeitos adversos e citotóxicos. A endocitose é um processo biológico dependente de energia que
está envolvida na internalização de nanopartículas pelas células, e depende de eventos orquestrados que
requerem o funcionamento coordenado dos lipídios e proteínas da membrana plasmática. Estudos que
visam investigar em detalhes a endocitose e o tráfego intracelular de nanopartículas são indispensáveis
para compreensão de mecanismos celulares ainda inexplorados e permitem projetar novas funções, que
consequentemente auxiliam na escolha de aplicações biomédicas da nanotecnologia. Nesse contexto,
esta revisão visa conceituar as principais vias de endocitose utilizadas no estudo da internalização de
nanomateriais em células eucarióticas. Além disso, alguns destinos intracelulares de nanomateriais serão
discutidos para auxiliar nos estudos do processamento celular de nanopartículas e desenvolvimento de
novas ferramentas terapêuticas.
Palavras-chave: Endocitose, nanopartícula, tráfego intracelular
ABSTRACT
Recent advances in nanotechnology have increased the use of nanomaterials and nanodevices for
diagnostic, therapeutic and other technological applications. The knowledge about the interaction
between nanomaterials and biological media allows the development of more rational applications, as
well understand and anticipate adverse and toxic effects resulting from this interaction. Endocytosis is
an energy-dependent biological process responsible for internalization of nanoparticles, which depends
on orchestrated events that require lipids and plasma membrane proteins functioning. Studies that
aim to investigate in detail the endocytosis and intracellular trafficking of nanoparticles are essential
for understanding cellular mechanisms, which in turn help to select its biomedical applications.
In this context, this review aims to conceptualize the main routes of endocytosis used to study the
internalization of nanomaterials in eukaryotic cells. In addition, we discuss some intracellular trafficking
of nanomaterials to aid in studies of the cellular processing and development of new therapeutic tools.
Keywords: endocytosis nanoparticle, intracellular trafficking
Nano-Cell Interactions Lab., Departamento de Bioquimica, Instituto de Biologia CP 6109, Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, 13083-970, Campinas, SP, Brasil
Autor para correspondência: para correspondência: Marcelo Bispo de Jesus - e-mail: [email protected] -http://
lattes.cnpq.br/9611381402490228
1
Submetido/ Submitted: 2 outubro 2014 | Aceite/Accepted: 15 novembro 2014
© Ordem dos Farmacêuticos, SRP
ISSN: 2182-3340
Ferreira L.A.B., Radaic A. , Pugliese G.O. , Valentini M.B. , Oliveira M.R. , de Jesus M.B.
COMO OS NANOMATERIAIS
ENTRAM NAS CÉLULAS?
Estruturas em escala nanométrica, incluindo
fazer o transporte através de células endoteliais
nanopartículas, são abundantes na natureza e
ginação e forma uma vesícula lipoproteica na
estão presentes em nosso planeta há bilhões de
porção interior da célula, que é então liberada
anos
(transcitose)
11–13
. Durante a endocitose, uma
porção da membrana plasmática sofre inva-
. Os exemplos mais comuns nos quais
no citoplasma. Portanto, essa vesícula é consti-
podemos encontrar estruturas em nanoescala
tuída de uma porção da membrana plasmática,
são leite, pólen, fumaça, emissões vulcânicas,
bem como constituintes do meio externo confi-
além de alguns micro-organismos, como vírus e
nados em uma vesícula intracelular (Fig. 1). A
bactérias. A vida na Terra evoluiu em presença
endocitose pode ser classificada em fagocitose
de nanoestruturas, de modo que a interação
e pinocitose. A fagocitose é desempenhada por
e internalização delas não é uma novidade.
células do sistema imunológico, principalmente
Existem até mesmo evidências de um meca-
por fagócitos profissionais, como os monócitos,
nismo de internalização rudimentar em seres
macrófagos, neutrófilos, células dendríticas
mais primitivos como bactérias 4. O fato da
e mastócitos
interação entre nanomateriais e células não
internalizam materiais exógenos, geralmente
ser um evento recente na natureza nos leva a
com diâmetros maiores que 750 nm, para
pensar que, durante esse tempo, as células
formar um fagossomo que será processado no
desenvolveram mecanismos para internalizar
interior da célula. Já na pinocitose a vesícula
e, muitas vezes, metabolizar nanomateriais
.
endocitada é chamada endossomo e essa via é
Um exemplo disso é a defesa desenvolvida pelas
virtualmente presente em todos os tipos celu-
células contra patógenos intracelulares, seguida
lares. A pinocitose pode ser dividida em endoci-
da co-evolução dos patógenos para desenvolver
tose mediada por clatrina, endocitose mediada
estratégias moleculares para escapar desses
por caveolina, macropinocitose ou endocitose
mecanismos
clatrina-caveolina independentes 5.
1–3
7,8
5,6
. Essa co-evolução dificulta o
11,14
. Nesse processo, as células
desenvolvimento sistemas eficientes de carrea-
A internalização de nanopartículas depende
mento de fármacos ou genes para liberação
de eventos orquestrados que requerem o
intracelular . Nas células eucarióticas, animais
funcionamento coordenado dos lipídios e
e vegetais, o principal mecanismo de internali-
proteínas da membrana plasmática.
9
zação, também utilizado pelos nanomateriais, é
a endocitose.
Vários aspectos são importantes para determinar a internalização de um nanomaterial,
A endocitose é um processo biológico depen-
como o tipo de interação que ele estabelece com
dente de energia, vital para células eucarióticas
a membrana plasmática, sua forma e compo-
e altamente conservado entre tipos celulares
sição, além de seu tamanho e revestimento 5,14,15.
e espécies. Ela acontece com o dinâmico rear-
A via de internalização será determinada por
ranjo da membrana, dos microtúbulos, dos
uma série de fatores, incluindo as propriedades
filamentos de actina e filamentos intermediá-
físico-químicas dos nanomateriais (tamanho,
rios que são componentes do citoesqueleto da
composição química, carga, funcionalização
maioria das células eucarióticas
da superfície, reatividade superficial, adsorção
10
. Normal-
mente as células utilizam-se da endocitose para
superficial, etc.)
internalizar nutrientes, realizar transdução de
essas vias serão melhor detalhadas e relacio-
sinais, modular a composição da membrana
nadas com a endocitose de nanomateriais.
plasmática, reciclar receptores de membrana e
150
16
. Nas seções seguintes
Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2
Endocitose mediada por Clatrina
da curvatura da membrana
A endocitose mediada por clatrina (EMC)
revestida por clatrina possui aproximadamente
é um dos mecanismos de internalização em
100-200 nm de diâmetro, sendo formada a
células eucarióticas mais estudados e foi inicial-
partir da constrição da membrana invaginada
mente observado por Roth e Porter em 1964
pela GTPase dinamina, que libera a vesícula no
ao investigarem a endocitose de proteínas em
citoplasma
gema de oocisto do mosquito Aedes aegypti
polimerização de actina e miosina de classe I
. Após alguns anos, Pearse (1975) avaliou a
para gerar a invaginação da membrana, estru-
formação de vesículas em membranas sináp-
turação da vesícula revestida, recrutamento
ticas por microscopia eletrônica, observou
para o citoplasma e cisão da vesícula. Algumas
uma estrutura proteica que revestia as vesí-
proteínas adaptadoras e a proteína miosina
culas em formação, as quais eram capazes de
VI também são essenciais para o transporte
interagir com outras moléculas e serem trans-
das vesículas para endossomos precoces
17
5,24–27
22–24
. A vesícula
. Outro fator importante é a
10
.
portadas para compartimentos celulares espe-
A EMC pode influenciar no destino ou
cíficos. Portanto, Pearse propôs que se tratava
degradação lisossômica de nanomateriais. Esse
de um importante exemplo de uma classe de
fator é relevante quando se utiliza nanopartí-
proteínas, denominando-a de clatrina .
culas como carreadores de fármacos ou genes.
18
A EMC é considerada uma “rota clássica”
de
pela
de fármacos (drug delivery), a forma pela qual
essenciais
a partícula é endocitada pode fazer com que a
para sobrevivência celular. Esta via endocí-
nanopartícula seja degradada pelas enzimas
tica também desempenha papel importante
lisossomais e não chegar ao alvo destinado.
na internalização de complexos de receptores
Estabelecer estratégias para promover o escape
de membrana, transportadores de metais,
dos endossomos e evitar a degradação lisos-
moléculas de adesão e os receptores de sina-
somal é vital para o sucesso da terapia
lização, citocinas, neurotransmissores, pató-
esse motivo, essa via de internalização deve ser
genos, antígenos e lipoproteínas
. Outras
evitada quando o alvo do tratamento não são
funções da EMC incluem a regulação nega-
os lisossomos, ou quando o escape dos endos-
tiva da sinalização celular por internalização
somos não querer a acidificação do endossomo.
absorção
internalização,
de
vários
responsável
No uso de nanopartículas para carreamento
nutrientes
19–22
28–30
. Por
ou degradação de receptores e manutenção da
homeostase celular, por exemplo, por meio de
Endocitose mediada por Caveolina
bombas de íons de tráfico intracelular
.
A endocitose mediada por caveolina é outro
O mecanismo de formação relacionado
mecanismo que permite a internalização de
com a EMC envolve a formação de uma vesí-
nanopartículas. Caveolinas são proteínas de
cula a partir da polimerização de uma proteína
22-24 kDa incorporadas na porção citosó-
citosólica chamada clatrina-1, que também
lica da membrana plasmática e com porções
requer o auxílio proteínas adaptadoras AP180
N- e C-terminais encontradas voltadas para
e AP-2
o citoplasma
22,24
5,19,20,23
. A clatrina é uma proteína composta
31
. Logo que essas proteínas são
por estruturas denominada trisquélions, que
sintetizadas, elas são inseridas na membrana
possuem três cadeias pesadas (~190 kDa) e
do retículo endoplasmático e levadas pela via
três cadeias leves (~25 kDa). Os trisquélions
secretora do retículo, formam complexos homo
se configuram para gerar uma estrutura hexa-
e heteroligoméricos no complexo de Golgi e
gonal e pentagonal, que propicia a formação
são transportadas para a membrana plasmática
151
Ferreira L.A.B., Radaic A. , Pugliese G.O. , Valentini M.B. , Oliveira M.R. , de Jesus M.B.
como conjuntos de aproximadamente 100-200
plasmática liberando o endossomo no cito-
moléculas de caveolina. É importante ressaltar
plasma, são essenciais para a endocitose
que essas proteínas não estão funcionais até a
mediada por. Também têm participação na
sua chagada à membrana plasmática. Ao serem
endocitose mediada por caveolina as proteínas
depositadas na membrana plasmática, onde
de membrana associadas à vesícula (VAMP2 -
desempenham seu papel biológico relacionado
vesicle-associated membrane protein) e proteínas
não só a endocitose, mas também a sinalização
associadas ao sinaptossoma (SNAP - synapto-
celular
some-associated protein), que mediam a fusão do
31,32
.
A caveolina é encontrada em invaginações da membrana plasmática em forma de
balão com tamanho entre 50-100 nm denominada cavéolas
endossomo com outras vesículas intracelulares,
além de outras proteínas como GTPases 39,40.
Essa via aparenta ser mais lenta in vitro
. Encontram-se associadas às
quando comparada com a via de EMC. Contudo
cavéolas, microdomínios de membrana enri-
o mais importante é que em alguns casos essa
quecidas com fosfolipídios, esfingolipídios e
via pode evitar a degradação lisossomal
colesterol, conhecidos como lipid rafts
. As
Além disso, as vesículas de cavéola transportam
cavéolas são particularmente abundantes em
e se fundem aos caveossomos ou corpos multi-
células endoteliais, nas quais podem consti-
vesiculares (MVBs), que possuem um pH
tuir de 10 a 20% das proteínas da membrana
neutro 5. Por essa mesma razão, acredita-se que
plasmática. São também encontradas em adipó-
esta via é benéfica para a entrega de proteínas
citos, fibroblastos e células de músculo liso
.
e DNA 5. Entretanto, essa visão foi colocada
Por outro lado estão ausentes em neurônios e
em cheque após a descoberta de que os caveos-
leucócitos
33
33,34
35,36
41,42
.
, ausentes também em algumas
somos possuem um pH ácido, ao contrário do
linhagens de células tumorais, como a linhagem
que se acreditava e a discussão sobre a endo-
de câncer de próstata PC3
. A caracterís-
citose mediada por caveolina como uma via
tica marcante da cavéola é a presença de uma
facilitadora da entrega de ativos permanece em
proteína de membrana com estrutura grampo
aberto 43,44.
5,37
38
chamada caveolina-1 (Cav1), na qual é indis-
Há relatos na literatura de diversos nanoma-
pensável para a formação da cavéola. A Cav1
teriais internalizados pela via da caveolina. Essa
faz com que a cavéola assuma sua estrutura em
via tem atraído grande atenção na nanomedi-
forma de frasco e possa envolver moléculas que
cina por ter sido sugerida como via de escape
se ligam em sua superfície 5. Até 144 moléculas
à degradação lisossomal
caveolina foram apontadas na incorporação de
endocitose mediada por caveolina é a via fisio-
uma única estrutura caveolar . Além da Cav1,
lógica para transcitose. Dessa forma, ela pode
que está presente na maioria das células, há
ser empregada para entrega trans-vascular de
outras isoformas como caveolina-2 (Cav2), a
nanomateriais, por exemplo para a entrega de
qual auxilia e facilita a endocitose, porém não é
ativos no sistema nervoso central, onde há a
essencial para a formação da cavéola; e a caveo-
necessidade de atravessar barreira hematoence-
lina-3 (Cav3), que é expressa especificamente
fálica 32,46–48
35
5,36,45
. Além disso, a
nos músculos estriados cardíacos e esqueléticos33,35.
Macropinocitose
Proteínas como cavina, responsáveis pela
Macropinocitose pode ser definida como a
indução da curvatura da membrana, e dina-
internalização de grandes quantidades de mate-
mina, que realiza a constrição da membrana
rial extracelular, e é caracterizada pela movimen-
152
Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2
tação da membrana plasmática induzida por uma
diferenciadas, tais como os fagócitos profissio-
ativação global do citoesqueleto de actina. Essa
nais que desempenham papéis significativos
via envolve a transposição de grande quantidade
no sistema imunológico, como a endocitose de
de fluido externo através da formação de ondu-
antígenos e a liberação de corpos apoptóticos e
lações na extensão da membrana plasmática: as
células necróticas. Além disso, tem sido suge-
projeções citoplasmáticas se fundem a membrana
rida como uma via endocítica eficaz para a inter-
como ondas resultando em grandes vacúolos
nalização de drogas nas células. Curiosamente
endocíticos, heterogêneos em tamanho e morfo-
a macropinocitose também pode ser induzida
logia, chamados macropinossomos
por vírus e bactérias. Esses organismos, assim
. Os macropi-
49,50
nossomos oferecem uma rota eficaz para a endo-
como protozoários e príons
citose de macromoléculas não seletíveis e são
ativar essa via para invadir as células hospe-
fáceis de distinguir de outras vesículas formadas
deiras.
52,54,58,59
, podem
durante a pinocitose, uma vez que são estru-
Em relação à internalização de nanopartí-
turas substancialmente maiores (0.5-10 µm), não
culas, foi descrita recentemente a internalização
revestidas e que se encolhem durante a sua matu-
de quantum dots através de macropinocitose
ração intracelular .
Nanopartículas mesoporosas de sílica são prin-
51
60
.
Embora a definição de macropinocitose
cipalmente internalizadas em células Hela por
possa dar a impressão de ser um processo
EMC, entretanto a internalização via macropi-
aleatório, trata-se na verdade de um processo
nocitose mostrou uma liberação mais eficiente
celular muito complexo e bem coordenado
de agentes quimioterápicos nessas células
49
.
61
.
Sabe-se hoje que macropinocitose é um tipo de
Ademais, a macropinocitose é descrita como
endocitose regulada por actina que, ao contrário
uma das principais vias para a internalização de
dos mecanismos de endocitose acima discu-
nanopartículas maiores (> 300 nm) 62.
tidos, não é conduzida diretamente pela carga
ou pelos receptores associados
15
. O processo
é geralmente iniciado por estímulos externos
através da ativação transiente de receptores
Endocitose independente de Clatrina e
Caveolina
Atualmente as vias de endocitose mediadas
de tirosina quinases (RTKs), que por sua vez
por
ativam proteínas chave da sinalização celular,
podem ser consideradas vias clássicas, tanto
como Ras, PLC e PI3 quinase. Essas proteínas
pelo conhecimento em torno dessas vias, como
coordenam as mudanças em filamentos de
ferramentas que dispomos para estudá-las.
actina, gerando uma agitação na membrana
Entretanto, as células animais possuem outros
plasmática
e essa perturbação na membrana
mecanismos de endocitose, que atualmente
se projeta sobre os fluidos no meio extracelular.
são menos conhecidos, mas nos últimos anos
Além disso, membros da família Rho e seus
vem se mostrando biologicamente relevante
efetores também são requeridos para ativação
para o funcionamento celular
da maquinaria de polimerização de actina e
estas vias foram caracterizadas em células de
ondulação da membrana plasmática .
mamíferos, mas estudos mais recentes têm
52,53
50
clatrina,
caveolina
e
macropinocitose
63
. Inicialmente,
A macropinocitose tem um papel impor-
mostrado a existência dessas vias também em
tante para a motilidade celular e obtenção de
outros organismos modelos como Caenorhab-
nutrientes, consequentemente, é bastante estu-
ditis elegans, Drosophila melanogaster, Dictyostelium
dada no contexto da progressão e metástase de
discoideum e células vegetais 64–67 e fungos 68.
câncer
54–57
. É importante também para células
Para mamíferos, já foi demonstrado na lite-
153
Ferreira L.A.B., Radaic A. , Pugliese G.O. , Valentini M.B. , Oliveira M.R. , de Jesus M.B.
ratura que parte dos produtos extracelulares,
cerca de 50% de toda atividade endocitária69,
são
internalizados
Glebov et al. (2006)83 colocalizaram floti-
de
lina-1 em cargas endocitadas e mostraram que o
, como fluído extrace-
nocaute de flotilina-1 reduz a internalização da
lular, proteínas ligadas a Glicosilfosfatidilino-
glicoproteína CD59 na subunidade B da toxina
sitol, interleucinas, hormônios de crescimento
de cólera 83. Já Frick et al. (2007)85 demostraram,
entre outros compostos. Tais vias também
através de micrografias eletrônicas, que micro-
são utilizadas para a invasão de patógenos e
domínios ricos em flotilina-1 e flotilina-2 não
toxinas, além de possuírem grande participação
coincidem com invaginações com caveolina-1,
na transdução de sinais celulares .
fortalecendo a ideia de que são vias distintas 85.
clatrina e caveolina
independentemente
relação molecular em suas sequências 84.
11,70,71
72
As vias de endocitose independentes de
Em estudo mais recente, Sorkina et al. (2013)86
clatrina e caveolina vêm sendo constantemente
relatam que os microdomínios de flotilina
exploradas e descritas. Uma série de inibi-
podem funcionar também como moduladores
dores e ferramentas já vem sendo utilizadas
de internalização por clatrina para transpor-
para caracterizar essas vias
. Entretanto,
tador de dopamina (DAT) e propõem as floti-
as distinções entre essas vias ainda não são
linas como moduladores que podem organizar
tão evidentes
e há, ainda, dificuldade em
microdomínios, regulando a mobilidade lateral
encontrar inibidores específicos para carac-
de DAT 86. Entretanto, alguns detalhes molecu-
terizá-las
lares da via, como a dependência ou indepen-
75–78
63,79–81
5,45,73,74
. Dentre as principais formas
alternativas de endocitose podemos destacar:
dência de dinamina permanece em aberto 82.
endocitose mediada por flotilina; endocitose
Para nanomateriais, foi demonstrado que a
mediada por CDC42; endocitose mediada
internalização de compostos catiônicos (como
por Arf6 e endocitose mediada por RhoA4. A
lipídios, poliaminas e peptídeos) pode ser
seguir, cada uma dessas formas de endocitose é
mediada por de flotilina-1
brevemente descrita
plexos catiônicos
87
72
, bem como poli-
. Além desses exemplos, a
participação de flotilina-1 e -2 foi demonstrada
Endocitose mediada por Flotilina
na internalização de nanopartículas de sílica em
A família das flotilinas é composta por duas
células epiteliais de pulmão e células endote-
proteínas altamente homólogas – flotilina-1 e
liais 88. Com os avanços nos métodos de estudo
flotilina-2 também denominadas, respectiva-
e a descoberta de novos inibidores para essa via,
mente, de reggie-2 e reggie-1 – que cumprem
em um futuro próximo essa via é forte candidata
várias funções como sinalização celular e inte-
para se juntar as vias clássicas de endocitose.
ração com o citoesqueleto, além da endocitose. Porém não há consenso na literatura com
Endocitose mediada por CDC42
relação aos detalhes moleculares do funcio-
A proteína controladora da divisão celular
namento dessa família de proteínas
. São
42 (Cdc42) é membro da superfamília Ras e,
proteínas associadas a membranas e também
como tal, a Cdc42 interage com diversos subs-
estão ligadas a microdomínios lipídicos, bem
tratos, mas principalmente no crescimento
como as caveolinas. Por isso, flotilinas são
celular, polimerização de actina, mudanças no
consideradas marcadores desses microdomínios
citoesqueleto, processamento de RNA e endo-
lipídicos . Além disso, possuem grande homo-
citose 89.
82
82
logia estrutural quando comparadas à caveolina-1
154
83
, apesar de não possuírem nenhuma
Dentro do seu âmbito de ação, a Cdc42 é
responsável pela internalização de proteínas
Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2
ancoradas
em
Glicofosfatidilinositol
(GPI)
GEEC 90,94–96.
desagrupadas na membrana, como também
Sabharanjak et al. (2002)90 observaram
internalização de grande volume de fluido
grande especificidade nos nanodomínios lipí-
extracelular e toxinas ligadas a lipídios . Cada
dicos formados na via dependente de Cdc42.
vez mais estudos têm demonstrado que esse
Os autores verificaram que proteínas cujas
mecanismo pode constituir uma via alterna-
âncoras de GPI foram trocadas por caudas
tiva a clatrina e caveolina
transmembranares
90
11,90–92
. Nesse caso, o
ou
que
possuiam
a porção C-terminal da Cdc42, ligando-se aos
excluídas da internalização . Porém, o maqui-
lipídios presentes na membrana celular , mais
nário celular associado para esta especifici-
especificamente a fosfatidilinositol 4,5-bifos-
dade, a formação do próprio CLIC, sua natu-
fato de sítios enriquecidos com esfingomie-
reza e os papéis de seus efetores principais
linas e colesterol, formando nanodomínios
ainda permanecem obscuros na literatura
11,92
.
Esses domínios nanométricos são essenciais
citoplasmáticas
não
funcionamento da via endocítica se inicia com
11
extensões
proteínas
foram
90
Lu & Low (2002)
97
11,90
.
relatam que é possível
para a internalização, pois parecem funcionar
utilizar receptores de folato para internali-
como sinalizadoras deste mecanismo de inter-
zação de nanomateriais. Os receptores de folato
nalização , além de serem sensíveis à remoção
são proteínas ancoradas por GPI e, uma vez
de colesterol da célula .
ativados, internalizariam através da via Cdc4297.
91
90
Com a formação dos nanodomínios, há
A partir dessa ideia, Dixit et al. (2006)98 produ-
o recrutamento das proteínas de membrana
ziram nanopartículas de ouro conjugadas com
para
domí-
polietilenoglicol (PEG) modificado por ácido
nios maiores nos quais a endocitose aparenta
fólico e demonstraram internalização destas
ocorrer
nanopartículas em células de câncer mas não
regiões
11,90
específicas,
formando
. Curvaturas da membrana ou de
vesículas iniciais, são mediadas primariamente
significativa em linhagens não-cancerígenas
por carreadores independentes de clatrina
Entretanto, a relação entre os nanomateriais
(CLIC, do inglês, clathrin independent carrier) e
e essa via de internalização ainda carece de
caveolina
. Essas curvaturas e vesículas se
estudos e há poucas referências na literatura o
fundem e formam um compartimento endos-
papel e a relevância dessa via de internalização.
11,90
98
.
somal enriquecido com proteínas ancoradas por
GPI (também denominado de GEEC ou GPI-
Endocitose mediada por ARF6
-Enriched Endocitic Compartiment). Neste ponto, a
O fator 6 de ribosilação em adenosina difos-
Cdc42 sinaliza para a polimerização de actina,
fato (ARF6) pertence também à superfamília
gerando a invaginação alongada característica
Ras de pequenas proteínas ligantes de GTP.
desta via endocítica .
Essa proteína interage e influencia diversos
90
Essa via aparenta ser independente de dina-
processos celulares, tais como o tráfego trans-
mina, clatrina, caveolina, RhoA e receptor de
membranas e remodelamento da actina no
interleucina-2β
citoesqueleto 99.
90,93
. Há inclusive, relatos na
literatura de que ela pode se destinar não só
A via endocítica dependente de ARF6 tem
para endossomos, como nas vias dependentes
sido descrita como uma das principais vias
de clatrina e caveolina, mas também para o retí-
independente de clatrina e caveolina
culo endoplasmático e/ou para o complexo de
pois para esta via tem sido demonstrado a
Golgi. Entretanto, ainda há grande discussão
internalização de diversos substratos com
sobre qual o destino final das vesículas CLIC/
várias atividades celulares distintas, tais como
63,100,101
,
155
Ferreira L.A.B., Radaic A. , Pugliese G.O. , Valentini M.B. , Oliveira M.R. , de Jesus M.B.
Figura 1. Principais vias de endocitose de nanopartículas em células eucarióticas. A etapa inicial representa principais vias
de endocitose usadas para o estudo da internalização de partículas, que tem como consequência a formação de vesículas
intracelulares - fagocitose, macropinocitose, endocitose mediada por clatrina, endocitose mediada por caveolina e endocitose
clatrina e caveolina independentes (flotilina e Glic-Glec). A segunda etapa representa a via clássica de tráfego intracelular que
envolve o processamento das nanopartículas a partir do amadurecimento do endossomo precoce, com destino à degradação
lisossomal do material endocitado.
proteínas CD59 ligada a GPI, enzima carboxi-
dade,102–106. A super-expressão de ARF6 resulta
peptidase E, receptor metabotrópico de gluta-
na produção de ondulações na membrana e
mato 7, proteína E de adesão dependente de
induz macropinocitose
cálcio (E-caderina), integrinas e proteínas
internalização aparenta ser distinto das estru-
do complexo principal de histocompatibili-
turas encontradas na via CLIC/GEEC 11,99.
156
103
. Esse aparato de
Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2
A endocitose dependente de ARF6 aparenta
O mecanismo da via é semelhante ao da
ser independente de dinamina e seus endos-
Cdc42
somos podem se comunicar com comparti-
mente, porém já foi demonstrado que são
mentos positivos com transferrina, endossomos
mecanismos distintos, pois algumas proteínas
positivos para Rab-5, o canal de potássio Kir3-4
chaves desta via, como a própria RhoA, a dina-
e a via de reciclagem dependente de ARF6
(CLIC/GEEC)
explicitado
anterior-
,
mina e os receptores de Interleucina-2γ (sem
através da qual grande parte das proteínas
as quais esta via é inibida), não estão presentes
endocitadas podem voltar à membrana plasmá-
para a via Cdc42 11,27,67,89,91,109,111.
11,106
tica 99.
Essa via, quando ativa, provoca o recruta-
Nesse caso, o modo de formação vesicular
mento de receptores de interleucinas-2γ através
proposto é similar ao descrito para CLIC/GEEC.
da formação de microdomínios lipídicos
Arf6 ativa a enzima fosfatidilinositol 4-fosfato
Neste ponto, a retirada de esfingolipídios e
5-quinase que é responsável por gerar mais
colesterol interrompe a internalização11,68,111.
fosfatidilinositol 4, 5-bifosfato. Então, Arf6, se
Inicialmente, há curvatura da membrana ou
liga ao Fosfaditilinositol 4, 5-bifosfato produ-
vesículas iniciais, que são mediadas primaria-
zido, modificando a estrutura da membrana
mente por carreadores ou proteínas que auxi-
99
,
113
.
e recruta proteínas membranares para o sítio
liam na sua formação
em questão. Arf6 também se liga e ativa fosfo-
vesículas se fundem, então, formando um
lipase D, enzima que hidrolisa fosfatidilcolinas
compartimento endossomal enriquecido com
em ácido fosfatídico, provocando perturbações
domínios lipídicos e os receptores. Após isso,
na membrana plasmática
. Todas essas
a proteína RhoA sinaliza para a modificação
modificações facilitam a formação da inva-
do citoesqueleto, gerando a invaginação na
ginação e das vesículas
. Por último, Arf6
membrana plasmática. As invaginações depen-
modula e modifica as fibras de actina, formando
dentes de RhoA se mostram uniformes e com
a invaginação e a vesícula endocitária
tamanhos entre 50-100 nm
99,107–110
99
99
.
26
. Essas curvaturas/
26
. Até o presente
Apesar da vasta gama de produtos interna-
momento, a dinamina aparenta ser necessária
lizados por essa via e a sua importância celular,
para a cisão de invaginação, transformando-a
ainda é necessário identificar as proteínas
numa vesícula endossômica 11,111–113.
diretamente ligadas com a Arf6 e auxiliam na
modulação da via
Iversen et al. (2012)60 demonstrou que a
. Até o momento, não foi
internalização de quantum dots associados
encontrado relatos de internalização de nano-
com ricina acontece de forma independente
materiais através esta via.
de RhoA60 e dependente de CAM
99
114,115
. Isso
ressalta que ainda são necessários novos
Endocitose mediada por RhoA
estudos para elucidar não só o mecanismo de
A função da proteína RhoA está atrelada
operação da via dependente de RhoA, assim
à reorganização do citoesqueleto e polimeri-
como outras proteínas correlatas 26, o que pode
zação de actina 111. Encontra-se associada com a
auxiliar na aplicação desta via como forma de
regulação e controle de vesículas revestidas de
internalização de nanomateriais.
clatrina em células HeLa, inibindo a internalização quando ativadas, assim como a estimu-
O QUE ACONTECE COM OS NANOMATERIAIS
lação e perturbações na membrana plasmática
DEPOIS QUE ENTRAM NAS CÉLULAS?
112
e está intimamente ligada com a internalização
de receptores de interleucina-2ß
113
.
Como discutido anteriormente, o material endocitado encontra-se confinado em uma
157
Ferreira L.A.B., Radaic A. , Pugliese G.O. , Valentini M.B. , Oliveira M.R. , de Jesus M.B.
vesícula lipoproteica no citoplasma. Portanto,
escapar do endossomo. Isso pode ser alcançado
essa vesícula é constituída de uma porção
através da funcionalização do nanomaterial,
da membrana plasmática, bem como consti-
que pode desempenhar um importante papel
tuintes do meio externo confinados em uma
na reorientação da partícula para subcompar-
vesícula intracelular (Figura 1). Através de
timentos celulares específicos. A alteração de
uma série de eventos de fusão e fissão, seu
carga de superfície é uma das alternativas para
conteúdo passa por um processo de maturação
escapar do lisossomo, promovendo a interação
que envolve a diminuição do pH no lúmen da
direta das nanopartículas com a membrana
vesícula e a fusão com endossomos tardios até,
endossomal devido à inversão seletiva da carga
por fim, chegar aos lisossomos, onde ocorre a
de superfície (aniônica para catiônica)
degradação do material endocitado. É impor-
funcionalização com uma amina na superfície
tante ressaltar que diferentes modelos foram
da partícula é um exemplo que pode auxiliar
propostos para explicar como o material endoci-
na liberação do material endocitado através de
tado passa de endossomo a lisossomo. Há pelo
um evento denominado “esponja de prótons¨
menos quatro teorias, i. maturação, ii. vesicular,
que, através da protonação da amina (pK ≈ 6)
iii. transferência de conteúdo (kiss-and-run) e
no ambiente ácido do endolisossomo, leva a um
iv. modelo híbrido, que podem explicar esse
influxo de íons de cloro e de água, promovendo
processo, a discussão a fundo dessas teorias
um desequilíbrio osmótico, propicia o inchaço
foge do escopo dessa revisão (para maiores
do endolisossomo, pode levar a uma desor-
detalhes ver
). Entretanto essa é uma área
ganização momentânea da membrana endos-
em pleno desenvolvimento e os conhecimentos
somal e consequente liberação do conteúdo do
gerados por ela terá impactos significativos no
endossomo
transporte intracelular de nanomateriais. A
do endossomo inclui a conjugação de nano-
rota clássica (endossomo precoce, endossomo
partículas com proteínas fusogênicas como a
tardio, lisossomos) não é a única via de tráfego
melitina, que propicia a fusão de lipídios de
intracelular para os materiais endocitados. Esse
membrana entre duas vesículas opostas, aproxi-
processo depende de diversos fatores como a
mando proteínas e lipídeos de membrana e leva
natureza química das nanopartículas, além de
a uma fusão do conteúdo luminal sem lise28,127.
essas propriedades a distribuição intracelular
Outra estratégia interessante é a utilização
de nanopartículas é dependente da linhagem
de moléculas fotossensíveis, pois a radiação
celular estudada e também de tempo de expo-
eletromagnética pode provocar a libertação
sição e das linhagens celulares
dessas moléculas endocitadas para o citoplasma
116–118
119–122
.
125,126
125
. A
. Outra estratégia para escapar
A acidez e a presença de uma variedade
e contidas nas vesículas. Nesse processo, as
de enzimas líticas fazem dos lisossomos uma
membranas endossomais são altamente danifi-
estação de degradação de materiais endocitado,
cadas pela utilização fotossensibilizadores anfi-
uma vez que a degradação lisossomal é uma das
fílicos e o resultado é a subsequente libertação
maiores barreiras para as estratégicas terapêu-
das nanopartículas aprisionadas para o citosol,
ticas intracelulares
como observado para a liberação de LDL intra-
9,10,123,124
. Como a maioria
das aplicações de nanotecnologia não tem
celular de nanopartículas lipoproteicas 128.
como objetivo o lisossomo, com exceção do
Após o escape lisossômico, muitas estraté-
tratamento de algumas disfunções lisossomais
gias também são utilizadas para determinar o
como a doença de Niemann-Pick, é necessário
destino final de um nanopartícula. As nanopar-
que o as terapias se valham de estratégias para
tículas podem se direcionar para diversas orga-
158
Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2
Figura 2. Principais proteínas residentes e marcadores de organelas no tráfego de nanopartículas.
A figura ilustra alguns exemplos de proteínas utilizadas para o estudo dos destinos intracelulares de nanopartículas
- Endossomos precoces: Rab4, Rab5, e EEA1; Endossomo tardio: Rab7; Lisossomos: Lamp1 e Lamp2; Endossomo de
reciclagem: Rab11; Exossomos: CD63 e Hsc70; Complexo de Golgi: Giantina, GM130 e TGN38; Retículo endoplasmático: Calnexina.
nelas e isso dependerá de sua estabilidade frente
para determinar a promoção de suas aplica-
a degradação lisossomal
ções131. O conhecimento do destino intrace-
físico-químicas
10,129
, características
130
lular de nanopartículas é muito importante na
e afinidade nanopartícula-organela . O destino
avaliação do efeito citotóxico, ou então, para o
intracelular de uma nanopartícula pode ser de
diagnóstico e terapia de diversas enfermidades.
modo específico (nanopartícula-organela alvo),
Para estudar esse processo de tráfego intrace-
ou então de modo inespecífico para diversas
lular ou mesmo o destino intracelular de um
organelas simultaneamente, por exemplo o
nanomaterial, diversos marcadores de orga-
núcleo, complexo de Golgi, retículos endo-
nelas ou estruturas vem sendo desenvolvidas.
plasmáticos, mitocôndria, entre outros
.
A Figura 2 resume os alvos desses marcadores.
Os estudos que visam investigar o tráfico
Essas estratégias utilizam-se de proteínas resi-
intracelular de nanopartículas são essenciais
dentes ou marcadores de organelas, como
119
, tempo de internalização
28
28,130
159
Ferreira L.A.B., Radaic A. , Pugliese G.O. , Valentini M.B. , Oliveira M.R. , de Jesus M.B.
Rab4, Rab5, e EEA1 para endossomos precoces;
internalizadas por mais de uma via (por ex.
Rab7 para endossomos tardios; Rab11 para
clatrina e caveolina) o que pode resultar em
endossomos de reciclagem; CD63 e Hsc70 para
respostas biológicas distintas, uma vez que uma
exossomos; Giantina, GM130 e TGN38 para
via pode levar a uma degradação mais eficiente.
complexo de Golgi, Calnexina para retículo
Esses fatores devem ser levados em conside-
endoplasmático e Lamp1 e Lamp2 para lisos-
ração no estudo da interação das nanopartículas
somos. Geralmente são empregadas técnicas
com o ambiente celular. Essa é uma área multi-
de microscopia (de fluorescência, eletrônica,
disciplinar que apesar de não ser completa-
de força atômica), principalmente microscopia
mente compreendida atualmente está em pleno
confocal, para a colocalização de organelas e
desenvolvimento, bem como as técnicas e ferra-
nanomateriais, para assim traçar o caminho
mentas utilizadas nessa área, da qual espera-se
percorrido nas células.
no futuro próximo grandes descobertas e uma
importante contribuição para uma aplicação
CONSIDERAÇÕES FINAIS
segura e eficiente de nanomateriais.
A produção de nanomateriais vem se
tornando cada vez mais expressiva, portanto,
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concomitantemente há uma crescente preo-
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mentos médicos mais eficazes.
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A endocitose é um processo fisiológico
tudo isso? Ciênc. Hoje. Submetido (em publicação).
que foi moldado pelo processo evolutivo para
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cada tipo celular, que está diretamente ligado a
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função que aquela célula realiza em seu tecido
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Acta Farmacêutica Portuguesa
2014, vol. 3, n. 2, pp. 167-171
Resistência a medicamentos biológicos – Estudo preliminar
sobre a prevalência de anticorpos anti-infliximab
Resistence to biological drugs – preliminary study on the prevalence of
anti-infliximab antibodies
Pinto R.1,2, Domingos C. 1, Centeno A.1, Cardoso C. 1
ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE
Short communication
RESUMO
Os inibidores do Fator de Necrose Tumoral (iTNF), (infliximab (IFX), adalimumab, etanercept,
Certolizumab Pegol e Golimumab), revelam-se muito úteis na abordagem terapêutica das doenças
inflamatórias crónicas. A resposta inicial à terapêutica com estes fármacos revela-se aceitável para
cerca de 60-70% dos doentes. Contudo, existe uma % significativa de doentes que não responde a esta
terapêutica. Estas resistências podem dever-se a uma inadequada concentração plasmática do fármaco
e/ou presença de anticorpos anti-fármaco em circulação.
Este estudo teve por objectivo determinar, em doentes sujeitos a terapêutica com IFX, as pecentagens
dos que apresentavam concentrações sub-terapêuticas de fármaco e dos que evidenciavam presença de
Ac. anti-infliximab (AcIFX).
Foram avaliadas 177 amostras plasmáticas para doseamento do IFX e 146 para doseamento dos AcIFX.
Os resultados mostram que 22% das amostras apresentam concentrações sub-terapêuticas de IFX. A
prevalência dos AcIFX obtida foi de 23% com 7.5% destas amostras com concentrações óptimas de IFX.
A implementação de um programa de monitorização laboratorial destes fármacos resulta da necessidade
de garantir, por um lado, a eficácia do tratamento com estes fármacos e, por outro, o uso racional destes
medicamentos, cujo custo é bastante elevado..
Palavras-chave: Infliximab, Medicamentos Biológicos, Monitorização Laboratorial.
ABSTRACT
Inhibitors of Tumor Necrosis Factor (iTNF) (infliximab (IFX), adalimumab, etanercept, certolizumab
pegol and golimumab), prove to be very useful in the therapeutic approach to chronic inflammatory
diseases. The initial response to treatment with these drugs is acceptable for approximately 60-70%
of patients. However, there is a significant percentage of patients who do not respond to this therapy.
These non-responders can be due to an inadequate concentration of the drug in plasmatic samples and/
or presence of anti-drug antibodies in circulation.
This study was design to determine, in patients undergoing therapy with IFX, the % of those who
had sub-therapeutic concentration of the drug and the % of those that evidenced the presence of antiinfliximab antibodies (AcIFX).
177 plasmatic samples were evaluated for determination of IFX and 146 for determination of AcIFX.
The results show that 22% of the samples have sub-therapeutic levels of IFX. The prevalence of AcIFX
obtained was 23% with 7.5% of these samples with optimal level of IFX.
The implementation of a laboratory monitoring program of these drugs is based on the need to ensure
the effectiveness of treatment with these drugs, and provide the rational use of these therapeutic drugs,
that are very expensive.
Joaquim Chaves Saúde - Dr. Joaquim Chaves Laboratório Análises Clínicas - Miraflores, Algés, Portugal
Departamento de Ciências Farmacológicas - Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, Portugal
Autor para correspondência: Carlos Cardoso, e-mail: [email protected]
1
2
Submetido/ Submitted: 9 outubro 2014 | Aceite/Accepted: 20 novembro 2014
© Ordem dos Farmacêuticos, SRP
ISSN: 2182-3340
Pinto R., Domingos C., Centeno A., Cardoso C.
INTRODUÇÃO
Nas últimas duas décadas, estes fármacos e,
Um medicamento biológico é aquele cuja
em especial os inibidores do Factor de Necrose
substância activa é obtida ou derivada de um
Tumoral (iTNF) tais como: o infliximab, o
organismo vivo (Figura 1). Incluêm-se nesta
adalimumab, o etanercept, o Certolizumab
categoria de medicamentos, os imunomode-
pegol e o golimumab, revelaram-se muito úteis
ladores que, por diversos mecanismos, podem
na abordagem terapêutica de algumas doenças
modificar a resposta imunitária do doente1.
inflamatórias crónicas (Figura 2) 2.
CLASSES
FARMACO
HORMONAS
INSULINA, HORM. CRESCIMENTO
CITOCINAS
INTERFERÕES, INTERLEUCINAS
FATORES DE CRESCIMENTO
ERITROPOIETINA
FATORES DE COAGULAÇÃO
FATORES ANTI-HEMOFILICOS A e B
HEPARINAS
HEPARINA, ENOXAPARINA
ANTICORPOS MONOCLONAIS
INFLIXIMAB, ADALIMUNAB
PROTEÍNAS DE FUSÃO
ETANERCEPT, ABATACEP
Figura 1. Diferentes classes de Medicamentos Biológicos1
Abatacept (Orencia - 2007)
Art. Reumatóide; Art. Idiopática Juvenil
Adalimumab (Humira - 2003)
Art. Reumatóide, Art. Idiopática Juvenil; Art. Psoriática; D. Crohn, Psoriase; Espondilite e anquilosante
Etamercept (Enbrel - 2000)
Art. Reumatóide, Art. Idiopática Juvenil; Art. Psoriática; Psoriase; Espondilite e anquilosante
Golimunab (Simponi - 2009)
Art. Reumatóide, Art. Psoriática; Espondilite e anquilosante
Infliximad (Remicade - 1999)
Art. Reumatóide, Art. Psoriática; Colite ulcerativa; D. Crohn, Psoriase; Espondilite e anquilosante
Natalixumab (Tysabri - 2006)
Esclerose múltipla
Rituximab (Mabthere - 2006)
Art. Reumatóide
Tocilizumab (Roactemra - 2009) Art. Reumatóide; Art. Idiopática Juvenil
Ustecinumab (Stelera - 2009) Psoríase
Figura 2. Indicações Terapêuticas de alguns Medicamentos Biológicos2.
168
Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2
De facto, a resposta inicial à terapêutica com
MATERIAL E MÉTODOS
estes fármacos revela-se aceitável para cerca de
Foram avaliadas 177 amostras plasmáticas
60 a 70% dos doentes. Contudo, existe uma
para doseamento do IFX e 146 para doseamento
percentagem ainda significativa de doentes
dos AcIFX, com origem em 177 doentes subme-
que não responde a esta terapêutica, quer seja
tidos a terapêutica com IFX, provenientes na
no seu início (resistência ao fármaco primária/
sua maioria de Serviços de Gastrenterologia e
intrínseca), quer seja após uma resposta inicial
Reumatologia de diferentes Unidades Hospita-
adequada (resistência ao fármaco secundária/
lares da área de Lisboa que mantêm protocolos
adquirida) . Algumas das razões para esta dimi-
de colaboração com o Laboratório Dr. Joaquim
nuição/ausência de resposta podem estar rela-
Chaves. Nas duas situações em apreço, as
cionadas com uma inadequada concentração
determinações foram realizadas por ensaio
plasmática do fármaco (FX) e/ou presença de
imunoenzimatico, cuja metodologia foi desen-
anticorpos anti-fármaco (AcFX) em circulação.
volvida por um fabricante (Theradiag/ARIUM)
Na realidade, estes fármacos podem, devido
que neste momento integra um consorcio
às suas características imunogénicas, desenca-
internacional do qual fazem parte a Industria
dear a produção de anticorpos anti-fármaco que
Farmacêutica e algumas Universidades, desig-
podem reduzir/anular a sua acção terapêutica
nado por ABIRISK (Anti-Biopharmaceutical Immu-
(Figura 3) .
nization: prediction and analysis of clinical relevance
3
4
to minimize the RISK) com o objetivo final de se
OBJECTIVO
conseguir harmonizar as diferentes metodolo-
Este estudo teve por objectivo determinar,
em doentes sujeitos a terapêutica com infli-
gias atualmente disponíveis para avaliar estes
fármacos e respetivos anticorpos 4.
ximab (IFX), as percentagens dos que apresentavam
concentrações
plasmáticas
sub-
RESULTADOS
-terapêuticas de fármaco e dos que eviden-
Os resultados obtidos para os diferentes
ciavam presença de anticorpos anti-infliximab
doseamentos encontram-se discriminados na
(AcIFX).
Figura 4. Os resultados mostram, ainda, o valor
Figura 3. Características imunogénicas de alguns medicamentos biológicos (anticorpos e proteínas de fusão)
(Adaptado de Robin X. e Paul S.4)
169
Pinto R., Domingos C., Centeno A., Cardoso C.
Figura 4. Valores percentuais de doentes que apresentavam concentrações sub-terapêuticas
plasmáticas de fármaco e de doentes que evidenciavam presença de anticorpos anti-infliximab
(AcIFX), sujeitos a terapêutica com IFX.
percentual de doentes que apresentavam simul-
para o certolizumab. Apesar da grande ampli-
taneamente AcIFx e concentrações subterapêu-
tude de valores demonstrada por estes estudos
ticas plasmáticas de fármaco, assim como, a
é consensual a ideia de que a eficácia e/ou
percentagem de doentes que apesar de apresen-
frequência de reacções adversas associadas a esta
tarem AcIFx mostraram concentrações óptimas
terapêutica se deve, em grande parte, às carac-
de IFX.
terísticas imunogénicas destes fármacos
1,4,5
.
A implementação de um programa de moniCONCLUSÕES
torização laboratorial dos medicamentos bioló-
Os resultados por nós obtidos estão de
gicos (doseamento de fármaco e respectivo
acordo com o descrito por outros autores. De
anticorpo) resulta assim da necessidade de
facto, alguns estudos mostram que a preva-
garantir, por um lado, a eficácia do tratamento
lência dos AcFX em doentes em tratamento com
e, por outro, o uso racional destes fármacos,
estes fármacos é de 6 a 61% para o infliximab,
cujo custo suportado pelo SNS é considerado
de 0.04 a 87% para o adalimumab e de 3 a 25%
significativo (Figura 5).
20122013
Abatacept (Orencia - 2007)
227.133
230.025
Adalimumab (Humira - 2003)
24.158.828
25.964.545
Etanercept (Enbrel – 2000)
23.566.401
24.972.809
Golimuman (Simponi – 2009)
3.156.156
4.624.948
Infliximab (Remicade – 1999)
18.446.469
18.132.027
Natalizurnab (Tysabri – 2006)
7.298.797
5.876.249
Rituximab (Mabthera – 200&)
20.061.990
17.826.627
103.467.778
107.007.563
Totais (Unidade: Eur)
Figura 5. Custos suportados pelo SNS (2012 e 2013) com alguns medicamentos biológicos.
Indica-se, também, os encargos totais para este tipo de medicamentos 6.
170
Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2
Figura 6. Algoritmo de decisão clínica para doentes com resistência primária ou secundária aos iTNF, após
monitorização laboratorial 5.
Deste modo, o laboratório clínico que dis-
J.W.R., Dijkmans B.A.C., AardenL., Wolbink
ponha de tecnologia adequada para realizar estes
G.J.. Development of Antidrug Antibodies
doseamentos pode contribuir para a tomada
de decisões ao nível da prática clínica forne-
Against Adalimumab and Association With
Disease Activity and Treatment Failure During
cendo uma importante ferramenta que poderá
permitir uma maior racionalização no uso dos
1460-1468.
medicamentos biológicos (Figura 6)
4. Roblin X. and Paul S., Theradiag Scientific Infor-
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171
Acta Farmacêutica Portuguesa
2014, vol. 3, n. 2, pp. 173-175
Onde está o dinheiro?
Where is the money?
Almeida J.1
ARTIGO DE OPINIÃO | OPINION ARTICLE
Inicio com uma declaração de interesses.
buição geográfica muito vasta, com quadros
Não me interessa coligir informação de suporte
de gestão assegurados por farmacêuticos, com
à opinião aqui escrita. Não me interessa
realidades locais muito distintas, que as torna
procurar os responsáveis. Interessa manifestar
muito diferentes entre si e as obriga a um
a minha vivência profissional das últimas duas
“benchmarketing” permanente e a um esforço
décadas e, de preferência, despojada de qual-
enorme de adaptação para cumprimento de
quer nível de pretensiosismo.
práticas adequadas à legislação vigente.
Quando entrei no sector farmacêutico este
Quando entrei no sector este tinha a fama
encontrava-se com elevada organização, fruto
de um “el dorado”, onde o protecionismo era a
de uma associação forte que defendia os inte-
palavra de ordem, as margens, ou rendas como
resses das farmácias e de um regime legal
hoje se diz, eram absurdas e o “lobby” associa-
apertado, que impunha às farmácias inúmeros
tivo era desmesurado.
deveres e lhes oferecia diversas “regalias”,
Sempre questionei, onde estava o dinheiro?
como a propriedade e a instalação. As farmácias
Onde estava essa apregoada mina de ouro?
não estavam reféns de pagamentos estatais fora
Teriam as farmácias a fama e não o proveito?
de horas com elevados prejuízos.
Certamente que o sector das farmácias de
Estas regalias foram sempre discutidas do
então usufruía de alguma estabilidade e tinha
ponto de vista comercial, objetivos esses que
um crescimento indexado ao volume e valor
reputo desde já como legítimos, ignorando
dos medicamentos transacionados. Os preços,
o bom equilíbrio que se estabelecia entre os
as margens e a prescrição não eram, e assim
diversos operadores e mantendo a concorrência
continuaram, independentes da atividade das
refreada, num sector que a meu ver tem uma
farmácias comunitárias. O sector era extrema-
especificidade própria que assegura um serviço
mente controlado, sob o ponto de vista deonto-
de saúde de qualidade e necessário à população
lógico. Extremamente supervisionado do ponto
e justifica a proteção desse mesmo equilíbrio.
de vista tributário, era um dos seus grandes
Quando falamos de farmácias, falamos de
contribuidores, sendo eventualmente o sector
duas mil e oitocentas microempresas com
com menor fuga aos impostos em Portugal. O
quatro a cinco colaboradores, com uma distri-
sector tinha uma capitação (número de habi-
1
Presidente da Delegação Norte da Associação Nacional das Farmácias, Portugal
Autor para correspondência: João Almeida. E-mail: [email protected]
Submetido/ Submitted: 3 dezembro 2014 | Aceite/Accepted: 3 dezembro 2014
© Ordem dos Farmacêuticos, SRP
ISSN: 2182-3340
Almeida, J.
tantes/farmácia) dentro da média europeia. O
superficialmente, mas que para os mais atentos
sector tinha uma das margens sobre o medica-
é facilmente refutável, face à especificidade e
mento das mais baixas ao nível europeu.
dimensão do negócio isoladamente. De facto ao
Onde estava o dinheiro sempre foi uma das
dissociarmos a propriedade da direção técnica,
minhas questões, não sei se por falta de visão,
reforçando que estas unidades têm poucos
de conhecimento, ou de criatividade.
colaboradores, influenciamos de forma muito
Depreendo no entanto que existiu quem
próxima e direta todo o poder de decisão, acres-
não tivesse dúvidas da existência do dinheiro, e
cendo de sobremaneira os valores económicos
que todas as ações que sucederam após o virar
em detrimento dos técnicos. Hoje a maioria das
do milénio foram atos, que se verificaram não
farmácias continuam sob propriedade de farma-
produtivos, na procura do “el dorado”. Vejamos
cêuticos.
alguns exemplos:
iv) A tentativa de obrigar as farmácias de
i) A saída dos medicamentos não sujeitos a
receber os seus créditos diretamente do estado,
receita médica (MNSRM) para fora das farmá-
sem qualquer fundamento, sem qualquer
cias sob a capa do melhor acesso e melhores
pedido das mesmas, parte interessada, em o
preços. Sobre o acesso bem sabemos a capilari-
fazer. Com que intuito? Teria o estado gran-
dade de distribuição das farmácias em Portugal,
jeado a conotação de bom pagador ou seria o
desde as grandes cidades ao interior profundo,
mero propósito de “dividir para reinar”? Hoje
quanto ao preço bastará comparar o mesmo
os pagamentos do estado continuam a ser asse-
sobre três ou quatro blockbusters para perceber
gurados de forma regular e transparente pelos
a evolução em alta dos preços dos MNSRM.
mecanismos legais.
Sobre esta medida, não se pode deixar de notar
Pessoalmente surge-me outra dúvida, intrin-
a concentração do negócio dos MNSRM fora da
secamente ligada à primeira. Tendo a farmácia
farmácia num único operador e a implemen-
comunitária uma componente económica, esta-
tação imprudente desta medida ao atirar para
riam as suas contas de exploração adequadas,
o livre acesso todos os MNSRM, situação impar
estariam os resultados bem aplicados?
no contexto europeu. Hoje o grosso do mercado
continua sob a alçada das farmácias.
Aqui a resposta é muito facilitada. Além
dos contributos fiscais diretos já referidos,
ii) A implementação de farmácias nos
as farmácias reforçaram os seus recursos
hospitais, hoje em dia já fechadas, aqui sob a
humanos, diferenciando-se pelo quadro de
capa do acesso facilitado da população. Esque-
pessoal qualificado, que passou nos últimos
cendo aqueles que durante anos asseguraram
anos a contar com dois ou três farmacêuticos
este serviço com o ónus económico e pessoal
por cada uma destas unidades, profissionais
aí inerente: aquelas que são as verdadeiras
esses que possuem uma formação base muito
unidades de saúde de proximidade. Também
relevante tornando-se num ativo de extrema
aqui nada, em boa verdade, se estudou adequa-
relevância para o sector, mas que obviamente
damente: nem o impacto destas unidades no
têm o seu custo económico associado. Este era
seu ecossistema, nem o impacto na possível
e continuará para bem a ser um dos custos mais
promiscuidade entre a prescrição e a dispensa,
elevados das farmácias, retirando claramente
nada. O resultado é visível, com a falência das
as mercadorias transacionadas. As farmácias
unidades entretanto abertas.
modernizaram-se do ponto de vista estrutural.
iii) A liberalização da propriedade, ideia
É hoje por demais evidente o investimento
que facilmente colhe adeptos se transmitida
efetuado nestes espaços, com um parque infor-
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Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2
mático invejável, infraestruturas remodeladas,
temos que dar a volta por cima a um problema:
com melhor comodidade interna e externa. “as dificuldades criam oportunidades”; “o que
A conotação de riqueza no entanto perma-
não te mata torna-te mais forte”, etc, etc. Para
neceu, estava demasiado associada ao sector,
estas frases serem nosso lema, temos que
e na primeira oportunidade, sob a alçada das
contudo fechar aos olhos às baixas, sem nos
instituições internacionais, como a FMI, BCE,
esquecermos de muitos casos, pessoais e profis-
o sector das farmácias foi rapidamente vilipen-
sionais, e olhar em frente, olhar em frente...
diado. As farmácias foram chamadas a contri-
Acredito assim que estas agressões constantes
buir de um modo totalmente desequilibrado
poderão a prazo ser parte importante da história
e, ainda mais relevante, acima das suas capa-
das farmácias ao dissociá-las das “rendas exces-
cidades. Não conseguimos evidenciar, ou não
sivas”. As farmácias souberam resistir com
quiseram ver, a diferença entre medicamentos
uma dignidade impar, mantiveram-se organi-
hospitalares e ambulatórios, a comparação
zadas, otimizaram os seus processos internos,
foi direta com um “mix” de todo o sector do
asseguraram boa parte do seu capital humano.
medicamento, sendo que os players são muito
Irão com certeza sobreviver e, caso necessário,
diferentes, em dimensão, em poder económico,
renascer das cinzas, com a sua força caracterís-
em responsabilidade, como a formação do
tica, pela proximidade, responsabilidade e nível
preço. As consequências foram claras e são hoje
de serviço que habituaram toda uma população
muito visíveis. Mais de quinze por cento das
que disso precisa.
farmácias estão com declaração de penhora ou
Curioso ver que com tanto pretenso lucro
insolventes, reorganização forçada dos recursos
no sector das farmácias, e após tanta agressão e
humanos, faltas sucessivas em medicamentos,
desregulamentação, não tenha surgido, entre os
utentes a percorrerem várias farmácias para
que lhes apontavam o dedo, um melhor modelo
encontrarem os medicamentos que lhes foram
de organização e serviço! Estariam porventura
prescritos.
enganados?
A única visão positiva que posso tentar tirar
desta realidade é baseada em ideias que embora
já gastas, são sempre boas de recordar quando
Vamos assistir, atentos, curiosos e intervenientes ao rasto do dinheiro.
Dezembro de 2014
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