acta farmacêutica portuguesa
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ACTA FARMACÊUTICA PORTUGUESA Título Acta Farmacêutica Portuguesa Vol. 3 N.º 2 ISSN 2182-3340 Depósito Legal 335338/11 Execução Gráfica Minhografe – Artes Gráficas, Lda. Braga Tiragem 100 Exemplares Preço 10 Euros ACTA FARMACÊUTICA PORTUGUESA 2014, vol.3, n.2 Conselho Editorial | Editorial Council Diretor | Director Agostinho Franklim Marques Editores Associados | Associate Editors António da Rocha e Costa João Paulo Sena Carneiro José Luís Martins Ordem Farmacêuticos, Porto, Portugal Ordem Farmacêuticos, Porto, Portugal Ordem Farmacêuticos, Porto, Portugal Pedro Barata Coelho Natércia Teixeira Ordem Farmacêuticos, Porto, Portugal Ordem Farmacêuticos, Porto, Portugal Secretariado | Secretariat Maria Luís Santos Mariana Alves Ordem Farmacêuticos, Porto, Portugal Ordem Farmacêuticos, Porto, Portugal Conselho Científico | Scientific Council Bruno Miguel Sepodes Helder Mota-Filipe Maria Carmen Lozano Univ. de Lisboa, Portugal Univ. de Lisboa, Portugal Univ. Afonso V (UAX), Madrid, Espanha Ben Forbes Isabel Vitória Figueiredo Maria de Fátima Cerqueira King’s College London, London, UK Univ. de Coimbra, Portugal Univ. Fernando Pessoa, Porto, Portugal Carlos Raposo Simón João Carlos Sousa Maria Margarida Caramona Univ. Complutense, Madrid, Espanha Univ. Fernando Pessoa, Porto, Portugal Univ. de Coimbra, Portugal Delfim Fernando Santos João Luís Machado dos Santos Natércia Teixeira Univ. do Porto, Portugal Univ. do Porto, Portugal Univ. do Porto, Portugal Félix Dias Carvalho José António Fornos Perez Pedro Barata Coelho Univ. do Porto, Portugal Univ. de Santiago de Compostela, Espanha Univ. Fernando Pessoa, Porto, Portugal Fernando Fernandez-Llimos José de Oliveira Fernandes Regina Revilla Pedrera Univ. de Lisboa, Portugal Univ. do Porto, Portugal Madrid, Espanha Fernando Ramos José Miguel Azevedo Pereira Renata Pereira Limberger Univ. de Coimbra, Portugal Univ. de Lisboa, Portugal Univ. Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Floro André-Rodriguez Juana Benedí González Rita Sanches Oliveira Academia de Farmacia, Galiza, Espanha Univ. Complutense, Madrid, Espanha Univ. Fernando Pessoa, Porto, Portugal Francesca Buttini Luciana Grazziotin Rossato Rui Manuel Pinto Univ. de Parma, Parma, Italia Univ. de Passo Fundo – RS, Brasil Univ. de Lisboa, Portugal Franklim Marques Vítor Seabra Univ. do Porto, Portugal Inst. Sup. Ciências Saúde - Norte, Portugal A Acta Farmacêutica Portuguesa é uma revista de caráter científico que funciona na modalidade de revisão prévia dos textos submetidos ao corpo editorial constituído por peritosem anonimato mútuo (peer review). É essencialmente dirigida a Farmacêuticos e todos os que se interessam pelas Ciências Farmacêuticas. A Acta Farmacêutica Portuguesa abarca um vasto leque de questões relacionadas com as Ciências Farmacêuticas, publicando artigos de diferentes tipos: artigos de revisão, artigos originais, artigos sobre avanços nas Ciências Farmacêuticas, editoriais e opiniões. Periodicamente a Acta Farmacêutica Portuguesa publica números especiais dedicados a uma área em específico das Ciências Farmacêuticas. ACTA FARMACÊUTICA PORTUGUESA vol.3, n.2 janeiro – junho 2014 Conteúdos | Contents 103 [editorial] [editorial] 105 Avaliação do Perfil de Prescrição num Serviço Hospitalar de Psiquiatria Evaluation of the prescripton profile of an hospital psychiatric ward Costa M.P., Carinha P., Barata P. 113 Prós e Contras da Contraceção Hormonal Pros and Against of hormonal contraception Castel-Branco M., Figueiredo I.V. 125 Pode o exercício físico ser um bom medicamento para o envelhecimento saudável? Can exercice be a good medicinal product for healthy aging? Carvalho J. 135 Farmacoterapia do Oxigénio normobárico e hiperbárico Pharmacotherapy of normobaric and hyperbaric oxygen Cervaens M., Sepodes B., Camacho O., Marques F., Barata P. 149 Endocitose e tráfego intracelular de nanomateriais Endocytosis and intracellular trafficking of nanomaterials Ferreira L.A.B., Radaic A. , Pugliese G.O. , Valentini M.B. , Oliveira M.R. , Jesus Correio M.B. 167 Resistência a medicamentos biológicos – Estudo preliminar sobre a prevalência de anticorpos anti-infliximab Resistence to biological drugs – preliminary study on the prevalence of anti-infliximab antibodi Pinto R., Domingos C. , Centeno A., Cardoso C. 173 Onde está o dinheiro? Where is the money? Almeida J. © Ordem dos Farmacêuticos, SRP ISSN: 2182-3340 Acta Farmacêutica Portuguesa 2014, vol. 3, n. 2 Franklim Marques1 EDITORIAL | EDITORIAL Nos tempos de hoje, onde factores políticos, económicos e financeiros condicionam o modo de ver e de organizar a Ciência, os conhecimentos e os compromissos participativos e integradores de todos quantos exercem actividade nesta área de desenvolvimento, particularmente no âmbito das Ciências da Saúde, são por si só mais valias que devem ser realçadas e incentivadas. A relevância deste envolvimento participativo e da imperiosa necessidade de cooperação entre profissionais de distintas origens e atividades da área da Saúde, ficou bem patente numa cerimónia de homenagem póstuma a um ilustre membro da Academia Iberoamericana de Farmacia e Professora Catedrática da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, Prof. Doutora Irene Silveira, ocorrida recentemente na cidade de Coimbra, Portugal, onde os diferentes participantes e intervenientes prestaram o seu tributo e reconhecimento a uma ilustre vida dedicada ao desenvolvimento da ciência em estreito contacto com a prática profissional em Saúde. O progresso da investigação e das ciências da Saúde, e incluo aqui, entre outras, as ciências farmacêuticas, a medicina e as biociências, tem constituído uma alavanca fundamental no contributo para a resolução dos problemas práticos da saúde, mormente no estudo de diferentes patologias e respectivas terapêuticas a instituir, e contribuído para um melhor controlo das doenças. A nanotecnologia é um exemplo do “presente-futuro” desta evolução, que tem permitido a obtenção de melhorias no diagnóstico, na inovação e na eficiência das terapêuticas dirigidas, embora ao longo dos tempos, muitos outros poderiam ser utilizados como exemplos marcantes pela mudança que imprimiram nos conceitos e na maneira de olhar para a Saúde. A Acta Farmacêutica Portuguesa surgiu com o objectivo de divulgar e publicar os resultados das pesquisas científicas mais recentes na área das Ciências da Saúde, mas também por querer fazer parte deste caminho de participação e mudança que se verifica, de uma forma continuada e evolutiva, na área da Saúde Enquanto fidelis a estes princípios, a Acta Farmacêutica Portuguesa assume um compromisso de, numa simbiose entre as ciências fundamentais e as ciências aplicadas, promover uma maior aproximação entre os que exercem a sua actividade nas áreas da saúde e das Ciências da Saúde, e assim impulsionar a melhoria da qualidade e dos cuidados a prestar aos cidadãos. 1 Editor da revista Acta Farmacêutica Portuguesa Acta Farmacêutica Portuguesa 2014, vol. 3, n. 2, pp. 105-112 Avaliação do Perfil de Prescrição num Serviço Hospitalar de Psiquiatria Evaluation of the prescripton profile of an hospital psychiatric ward Costa M.P. 1 , Carinha P. 1, Barata P. 1 ,2 ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE SUMÁRIO Introdução: À medida que a população envelhece, torna-se imprescindível recorrer a vários tipos de medicamentos para manter a qualidade de vida dos indivíduos. Se por um lado o uso de vários medicamentos é um fator importante para a manutenção do bem-estar dos doentes, é também verdade que este tipo de associações medicamentosas podem origina várias complicações especialmente quando se tratam de doentes com desordens psiquiátricas. Perante estes problemas, o farmacêutico tem-se demonstrado como o profissional de saúde mais indicado para diminuir os problemas relacionados com a medicação. Metodologia: Foram analisadas as prescrições médicas das primeiras 24 horas dos doentes internados nas unidades em estudo durante o período em observação, tendo sido obtida uma amostra total de 235 doentes. Resultados e Discussão: Pode-se averiguar que, no geral, os serviços se encontram numa situação de “excesso de polifarmácia”, em parte devido a necessidade dos médicos em recorrer muitas vezes a combinações de antipsicóticos para tratar os doentes com desordens psiquiátricas, apesar de estas ainda não terem sido propriamente estudadas. Conclusão: Após a análise cuidada dos resultados pode-se concluir que, devido à sua formação, o farmacêutico desempenha um papel fundamental, no que concerne a monitorização da terapêutica dos doentes. Palavras-chave: Medicina; Envelhecimento; Polifarmácia; Farmacêutico; Reação adversa ABSTRACT Introduction: As the population ages there is an increase need for certain groups of medication to maintain the individual’s quality of life. On one hand the use of several types of drugs is an important factor in maintaining the patients’ well-being, however on the other hand, these types of drug combinations can lead to various complications especially on psychiatric patients. In view of these problems, the pharmacist has been shown to be the most appropriate health career to minimize medication-related problems. Methods: For 24 hours, the medical prescriptions of the patients admitted in this study were analyzed. A total of 235 patients were chosen. Results and Discussion: In general, most of the services analyzed were in a situation of “excessive polypharmacy”, which can be attributed to the doctors need to prescribe multiple antipsychotics to treat psychiatric disorders. However, the effect of these combinations is yet to be more intensively studied. Conclusion: After careful analysis of the results, the main conclusion is that pharmacists, due to their intensive drug knowledge, play a crucial role in the monitorization of the patient’s therapy. Keywords: Medicine, Polipharmacology, Pharmacist, Adverse Reaction, Aging 1 2 Serviços Farmacêuticos, Centro Hospitalar de São João, Porto. Portugal Faculdade Ciências da Saúde. Universidade Fernando Pessoa, Porto. Portugal Autor para correspondência: Mariana P. Costa. E-mail: [email protected] Submetido/ Submitted: 12 maio 2014 | Aceite/Accepted: 28 junho 2014 © Ordem dos Farmacêuticos, SRP ISSN: 2182-3340 Costa M.P. , Carinha P., Barata P. INTRODUÇÃO O fenómeno descrito anteriormente é A introdução maciça de novos medicamentos conhecido como polifarmácia e consiste na após 1940 trouxe à população a possibilidade utilização concomitante de mais do que 5 medi- de cura de doenças que até então eram fatais, camentos diferentes. Alguns autores defendem sobretudo no campo das doenças infeciosas. ainda a existência do conceito “excesso de poli- No entanto, os rápidos avanços na pesquisa de farmácia” para as situações em que os doentes novas substâncias ativas e a promoção comer- se cial excessiva dos medicamentos, resultaram com mais de 10 medicamentos diferentes5. A na crença desmedida da sociedade do poder literatura descreve que nos Estados Unidos dos medicamentos, sendo que a sua produção da América (EUA) cerca de 60% dos doentes em escala industrial, segundo especificações idosos são medicados com mais de 5 medica- técnicas e legais, fez com que estes produtos mentos diferentes ao mesmo tempo e que apro- alcançassem um papel central na terapêutica, ximadamente 20% utiliza mais de 10 medica- deixando de ser considerado como um mero mentos diferentes diariamente 4. recurso terapêutico e se tornassem quase obrigatórios após a consulta médica 1,2 . encontram Apesar dos simultaneamente indivíduos com medicados múltiplas doenças precisarem da associação de vários Para além disso não se pode deixar de medicamentos diferentes, tanto para aumentar mencionar um dos grandes problemas que os resultados da terapêutica como para impedir os países desenvolvidos enfrentam no século o avanço das doenças crónicas, é necessário atual, o envelhecimento progressivo da popu- ponderar a relação risco/benefício, sendo que lação . À medida que a população envelhece e a este tipo de associações está relacionado o passa a ter que conviver por mais tempo com aumento do risco da ocorrência de reações uma vasta gama de doenças crónicas, torna-se adversas indesejáveis, devido a interações imprescindível recorrer a vários tipos de medi- medicamentosas e a possíveis alterações do camentos para manter a qualidade de vida dos perfil farmacocinético e/ou farmacodinâmico indivíduos . Se por um lado o uso simultâneo dos medicamentos, podendo estas resultar em de vários tipos de medicamentos é um fator hospitalizações e na diminuem da qualidade de importante para a manutenção do bem-estar vida do doente; a diminuição da adesão a tera- do grupo de doentes com múltiplas doenças, é pêutica, o que pode resultar num descontrolo também verdade que este tipo de associações do quadro clínico; bem como o aumento da medicamentosas origina o aumento da proba- mortalidade e dos custos associados ao medica- bilidade de ocorrência de reações adversas mento6,7. Segundo as estatísticas, aproximada- indesejáveis, interações medicamentosas e a mente um em cada três indivíduos que tomam diminuição da adesão à terapêutica, que pode mais de 5 medicamentos diferentes, podem vir resultar no agravamento da doença e surgi- a sofrer de pelo menos uma reação adversa ao mento de novas patologias . Estudos reali- medicamento num período de 12 meses, sendo zados demonstram que a sensivelmente 1 em que dessas 17% são consideradas de grau grave 8. 3,4 1 5 4 doentes idosos admitidos nos hospitais, é A grande maioria das reações adversas aos prescrito pelo menos um medicamento inapro- medicamentos acontecem devido a intera- priado e que aproximadamente 20% das mortes ções medicamentosas que ocorrem aquando que ocorrem nos hospitais advêm de reações da administração da terapêutica, podendo-se adversas que poderiam ter sido potencialmente definir uma interação medicamentosa como o prevenidas . evento clínico em que os efeitos de um fármaco 4 106 Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2 são alterados pela presença de outro fármaco, Senhora da Conceição em Valongo (interna- um alimento, uma bebida ou algum agente mento de Valongo), sendo os Serviços Farma- químico ambiental . Um estudo australiano cêuticos do Hospital de São João os responsá- demonstrou que 30,4% das admissões nos veis por abastecer cada um destes serviços. 9 hospitais advieram da suspeita de problemas relacionados com a medicação . 10 Assim, analisaram-se as prescrições médicas das primeiras 24 horas de todos os doentes inter- No sentido de diminuir a ocorrência de nados, em cada um dos serviços incluídos no situações de polifarmácia e assim evitar todas as estudo durante o período em análise. De modo suas consequências, alguns estudos defendem a não enviesar os resultados excluíram-se os a implementação de farmacêuticos clínicos doentes do hospital de dia que se encontravam especializados em cada serviço hospitalar para a realizar medicação quinzenal de uma dose que, através da educação dos doentes, dos seus definida de risperidona por via intramuscular. familiares e dos médicos, no que concerne as De acordo com os princípios éticos em vigor questões relacionadas com farmacocinética, e de modo a proteger a identidade individual farmacodinâmica e o perfil de reações adversas de cada participante no estudo, utilizou-se o dos medicamentos, se consiga reduzir estas número do processo clínico de cada doente, situações, bem como melhorar a adesão aos atribuído pelo hospital no momento de entrada tratamentos implementados no mesmo, tanto para efetuar a pesquisa dos 1,7,11 . No presente trabalho pretendeu-se avaliar o perfil de medicação e de interações medica- dados em estudo como para realizar o tratamento estatístico dos dados em questão. mentosas do serviço de psiquiatria do centro Os dados sociodemográficos e os diagnós- Hospitalar de São João, com enfoque no retrato ticos clínicos foram obtidos, após permissão, demográfico da população e no perfil de utili- através dos registos computorizados do Centro zação dos medicamentos. Pelo estudo dos resul- Hospitalar do Porto, SAM – Sistema de apoio tados obtidos pretendeu-se também, analisar o ao Médico Processo Clínico (IGIF/ACSS). papel e a contribuição do farmacêutico clinico em ambiente hospitalar. As prescrições médicas em análise foram obtidas através dos registos informáticos da farmácia central do Centro Hospitalar de São MATERIAL E MÉTODOS João. Os medicamentos utilizados no período O presente estudo caracteriza-se por ser um em estudo, encontram-se prescritos segundo estudo retrospetivo (18 de Outubro de 2012 a denominação comum internacional (DCI), a 18 de Novembro de 2012), observacional, como prevista pela Portaria n.º 137-A/2012 12. transversal e descritivo, com o objetivo de Neste estudo a incidência de polifarmácia determinar o perfil de medicação do serviço de foi considerada como sendo a percentagem de psiquiatria do Centro Hospitalar de São João e doentes que recebe um total de 5 a 9 medica- avaliar a existência de possíveis efeitos adversos mentos num período de 24 horas e a incidência associados à medicação. do excesso de polifarmácia foi considerado Desde a reestruturação dos centros hospi- como sendo a percentagem de doentes que talares em 2011 (Ministério da Saúde, 2011), recebe um total de 10 ou mais medicamentos, estão englobados neste serviço o hospital de num igual período de 24 horas5. dia e o internamento de psiquiatria do Hospital Depois de os dados terem sido proces- de São João (internamento de São João) e o sados, utilizou-se a base de dados “Medinte- internamento de psiquiatria do Hospital Nossa ract.net” para avaliar a presença de possíveis 107 Costa M.P. , Carinha P., Barata P. interações medicamentosas entre as prescrições em estudo. A escolha da base de dados Tabela 1. Média da idade (anos) dos doentes distribuídos por serviço baseou-se no estudo desenvolvido por Rodrí- Idade dos doentes (anos) 13 , em que foram identificadas as bases de dados de interações medicamentosas existentes e se avaliou a sua qualidade estrutural. Após a análise realizada, a “Medinteract. net” foi uma das duas bases de dados a obter a cotação máxima. De entre todas as qualidades que resultaram na escolha desta base de dados, salienta-se o facto de esta ser uma MédiaDesvio Mín Máx Padrão Hospital de Dia Internamento Serviço guez-Terol 12,5 19 69 Valongo50,7 15,4 20 Internamento São João 42,6 47,3 15,4 87 18 85 Total 45,9 14,5----- ------ base específica de interações medicamentosas No que diz respeito ao género, constatou- e de incluir todos os medicamentos autori- -se que a distribuição, em percentagem, do sexo zados em Espanha, o que permite uma melhor masculino no serviço do hospital de dia, interna- comparação com o sistema do medicamento em mento de Valongo e internamento de São João foi Portugal. Para além da base de dados, recorreu- de, respetivamente, 56,6%, 44,7% e 48,8%, sendo -se aos boletins de farmacovigilância disponi- o hospital de dia o serviço à apresentar a maior bilizados pelo Infarmed – Autoridade Nacional percentagem de indivíduos do sexo masculino. do Medicamento e Produtos de Saúde I.P., na procura de informações que suportassem as Perfil de medicação interações medicamentosas encontradas. No panorama geral verificou-se que 51,3% O tratamento dos dados foi realizado através dos doentes tomam mais que 10 medicamentos da utilização do programa estatístico SPSS® por dia, sendo o internamento de Valongo o Statistics, versão 21 da IBM . As diferenças serviço a apresentar o maior valor, seguido do entre as diversas variáveis em estudos foram internamento de São João e que 42,2% dos observadas através da realização de testes doentes tomam entre 5 a 9 medicamentos paramétricos, usados sempre que as variáveis diários, sendo o hospital de dia e o interna- apresentaram uma distribuição normal, ou não mento de São João os serviços a apresentar os paramétricos, quando a distribuição normal maiores valores (Tabela 2). ® não se verificava. Em todos os testes realizados, um valor de p inferior a 0,05 foi considerado Tabela 2. Diferenças da utilização de medicamentos entre serviços. como estatisticamente significativo. ServiçoTotal Perfil Demográfico Da análise dos dados sociodemográficos, verificou-se que a média de idade entre todos os serviços foi de 45,9 anos, sendo que a média de idades mais baixa diz respeito aos participantes do hospital de dia e a média de idades mais alta diz respeito ao internamento de Valongo, como demonstrado na Tabela 1. 108 de Dia Valongo São João N.º 0 0 <=1 % N 0,0 0,0 0,0 N 4 1 2-4 % N 16,0 2,1 6,1 N 16 14 5-9 % N 64,0 29,8 42,7 N 5 32 >=10 % N 20,0 68,1 51,2 Total de medicamentos utilizados RESULTADOS HospitalInternamentoInternamento 0 0 0,0 5 10 6,5 35 65 42,2 42 79 51,3 N 25 47 82154 Total % N 100,0 100,0 100,0 100,0 Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2 Perfil de Interações horas e o número de interações medicamen- Na amostra selecionada foram identificadas tosas identificadas (Tabela 5) e a distribuição entre 1 a 4 possíveis interações medicamen- das interações medicamentosas identificadas tosas a 46% dos participantes e entre 5 a 9 pela idade dos doentes (Tabela 6) possíveis interações medicamentosas em 20,1% dos indivíduos. Por outro lado, em 30,5% dos participantes não foram identificadas quaisquer interações medicamentosas (Tabela 3). Não foram encontradas diferenças estatís- Tabela 4. Tipo de interações medicamentosas identificadas por serviço. ServiçoTotal HospitalInternamento Internamento de Dia Valongo São João ticas significativas entre os serviços estudados, no que concerne a incidência de interações % 44,027,7 28,030,5 medicamentosas (p>0,05). O mesmo se veri- Grau N.º 00 22 % 0,00,0 2,41,3 Tabela 3. Número total de interações medicamentosas identificadas. Tipo de interacções <=1 N.º 1113 2347 N.º 25 47 82154 % 100,0100,0 100,0100,0 ficou aquando da comparação entre a idade e o género dos participantes do estudo (p>0,05). Frequência PercentagemPercentagem Total de interações medicamentosas identificadas (%) Válida (%V) grave Grau moderado Grau grave e moderado N.º 1023 4174 Total % 40,048,9 50,048,1 N.º 411 1631 % 16,023,4 19,520,1 1-4 72 46,846,8 Tabela 5. Relação entre o número de medicamentos e o total de interações medicamentosas identificadas. 5-9 31 20,120,1 >=10 4 2,62,6 Total 154 100,0100,0 No que diz respeito ao tipo de interações medicamentosas, constatou-se que 1,3% da amostra considerada apresentou a possibilidade de desenvolver interações medicamentosas de grau grave e 48,1% de desenvolver interações de grau moderado. Já 20,1% dos indivíduos apresentaram tanto a possibilidade de desenvolver interações medicamentosas de grau grave e moderadas, simultaneamente (Tabela 4) As interações medicamentosas de grau grave identificadas com maior frequência foram entre a cloropromazina e haloperidol (ambos apresentam uma tendência a prolongar o intervalo QTc) e entre a trazodona e venlafaxina (ambos os medicamentos favorecem o aumento da concentração de serotonina na fenda sináptica). Para além das análises apresentadas, Total de interações identificadas Total 0 1-4 5-9>=10 N.º 38 32 0 070 1-4 % 80,9 44,4 0,0 0,0 45,5 N.º Medicamentos 0 47 30,530,5 5-9 N.º 9 39 27 1 76 % 19,1 54,2 87,1 25,0 49,4 N.º 0 1 4 38 >=10 % 0,0 1,4 12,9 75,0 5,2 Total N.º % 47 72 100,0 100,0 31 4154 100,0 100,0 100,0 Tabela 6. Distribuição das interações medicamentosas identificadas pela idade dos doentes. IdadeTotal <=1920-34 35-49 50-64 >=64 0 N.º 2 13 16 11 547 % 100,0 56,525,024,425,030,5 Total de interacções medicamentosa identificada N.º 0 733221072 1-4 % 0,0 30,451,648,950,046,8 N.º 0 3 14 11 3 31 5-9 % 0,0 13,021,924,415,020,1 >= N.º0 01124 10 % 0,0 0,0 1,6 2,210,0 2,6 estudou-se ainda a relação entre o número de N.º 2 23644520 154 medicamentos utilizados num período de 24 Total % 100,0 100,0100,0100,0100,0100,0 109 Costa M.P. , Carinha P., Barata P. DISCUSSÃO bem como melhorar a adesão aos tratamentos Perante os resultados obtidos no estudo do implementados 5,7,11 . Um estudo que descreve perfil de medicação pode-se constatar que, no a implementação desta estratégia indica que, geral, os serviços se encontram numa situação após a intervenção, a média de doentes a de “excesso de polifarmácia”, uma vez que a receber mais de 5 medicamentos reduziu de 8,0 situação mais frequente é os doentes tomarem para 4,1 por 1000 doentes 19. mais de 10 medicamento diárias. Devido a falta Apesar de não ter sido identificada nenhuma de resposta dos tratamentos em monoterapia, interação medicamentosa a mais de um quarto bem como à tentativa de diminuir os problemas da amostra estudada, as interações medicamen- de segurança associados a elevadas doses de tosas continuam a ser uma presença preocu- antipsicóticos em monoterapia e a reduzida pante aquando da análise das prescrições, uma gama de medicamentos antidopaminérgicos vez que a exposição a este tipo de interações disponíveis no mercado farmacêutico, os clínicos origina o aumento da morbilidade, da ocor- recorrem muitas vezes a combinações de antip- rência de reações adversas, da hospitalização, sicóticos para tratar os doentes com desordens da mortalidade e o aumento dos custos para psiquiátricas, mais propriamente a esquizofrenia Sistema Nacional de Saúde20. É preciso também e psicoses. O problema é que ainda não foram ter em conta que os serviços farmacêuticos desenvolvidos estudos que consigam provar a do Centro Hospitalar do Porto validam todas efetividade, segurança e benefício económico as prescrições realizadas no hospital, antes de destas combinações , antes pelo contrário. ser dada a ordem de distribuição da medicação Muitos são os estudos que atribuem à combi- pelos vários serviços, podendo este valor estar nação de antipsicóticos, o uso inapropriado do diminuído devido a esta verificação prévia. 14,15 medicamento (duplicação terapêutica, interações Para além disso, os resultados demonstram entre medicamentos), o aumento da probabili- que o aumento do número de fármacos leva a dade de ocorrência de reações adversas indesejá- um aumento do número de interações iden- veis, da toxicidade associada aos medicamentos tificadas, sendo que estes estão diretamente e da complexidade do tratamento, que por sua ligado ao aumento do número de hospitaliza- vez vão dificultar a adesão terapêutica ções e reações adversas. Um estudo refere que . 5,16,17 A incidência de polifarmácia em estudos 35% dos adultos estudados que recebiam uma realizados varia entre 10 e 73%, podendo-se quantidade maior ou a igual a 5 medicamentos, assim constatar que os valores gerais obtidos experienciaram reações adversas relacionadas se encontram dentro das médias encontradas . com a medicamentos e 29% desses mesmos Apesar disso, a polifarmácia na psiquiatria deve indivíduos necessitaram de cuidados médicos e ser reduzida aos valores mais baixos possíveis hospitalização 21. 18 para evitar as situações descritas anteriormente. Apesar de não haver diferença estatísticas Com este fim, alguns estudos defendem a significativas entre a idade dos doentes e a inci- implementação de farmacêuticos clínicos espe- dência de interações medicamentosas, a análise cializados nestes serviços para que, através da da distribuição das interações medicamentosas educação dos doentes, dos seus familiares e dos identificadas pela idade dos doentes permite médicos, no que concerne as questões relacio- realizar uma comparação com outros estudos. nadas com farmacocinética, farmacodinâmica e Muitos estudos referem que a população o perfil de reações adversas dos medicamentos, geriatria e pediátrica são as populações mais se consiga reduzir as situações de polifarmácia, vulneráveis há ocorrência de interações medica- 110 Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2 mentosas, tanto pela ação dos fármacos não ser realizado num curto espaço de tempo, o que tão estudada neste populações, como pela impre- condicionou o tamanho da amostra estudada e visível absorção e metabolização dos fármacos . que os resultados descrevem apenas a situação No que respeita a população geriátrica, muitos dos serviços analisados, sendo que pode haver são os fatores a ter em consideração antes de diferenças quando comparados com outros realizar a prescrição de um fármaco. Isto é, serviços, no que concerne o tipo de doentes e o as pessoas idosas tendem a acumular vários modelo de práticas clínicas e protocolos imple- problemas de saúde e consequentemente, a toma mentados. Além disso é de relembrar que sendo de vários fármacos . Para além disso é preciso este um estudo retrospetivo, a análise dos dados ter em atenção que as condições fisiológicas fica muito condicionada ao que está descrito são consideravelmente diferentes das de um e registado, o que pode resultar na ocorrência indivíduo adulto saudável, sendo que à medida de viés aquando do processamento dos dados. 22 23 que o organismo envelhece, não só o fígado vai perdendo progressivamente a capacidade de CONCLUSÃO metabolizar os medicamentos, o que resulta Após a análise cuidada dos resultados numa maior permanência das substâncias ativas pode-se concluir que, devido à sua formação, no organismo, no prolongamento dos efeitos dos o farmacêutico desempenha um papel funda- fármacos e a maior ocorrência de efeitos secun- mental, no que concerne à monitorização da dários , como a quantidade de água presente terapêutica dos doentes. 24 no organismo diminui e aumenta a quantidade Utilizando os conhecimentos de farmaco- de tecido adiposo, alterando-se assim a distri- dinâmica, farmacocinética, farmacoeconomia, buição dos fármacos no organismo . Estes interações medicamentosas e monitorização da fatores reforçam assim os resultados do presente terapêutica, o farmacêutico é capaz de contri- trabalho, como noutros estudos , ou seja, buir na elaboração dos planos terapêuticos, quanto maior a idade dos indivíduos, maior acompanhar o desenvolvimento da terapêu- a prevalência de interações medicamentosas. tica, ensinar o doente a conviver com os seus Por todos estes motivos, devem ser tomadas regimes de medicação complexos e realizar a atitudes para prevenir este tipo interações, de gestão da medicação do doente mesmo depois modo a evitar as suas potenciais consequência de este dispensar os cuidados hospitalares, como a ocorrência de reações adversas, o para que, no futuro, haja a diminuição da inci- aumento do tempo de hospitalização, da morbi- dência de reações adversas graves, situações de lidade e da mortalidade associada ao medica- urgência e novos hospitalizações. 22 25,26 mento 27 . Dentro destas atitudes salienta-se a implementação de farmacêuticos clínicos nos REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS serviços, para que através dos conhecimentos 1. Muir AJ et al. Reducing medication regimen adquiridos por estes profissionais, no ramo da complexity. J. Gen. Int. Med., 2001; 16(2): 77–82. fisiopatologia, da farmacologia e da farmacoeco- 2. Melo DO, Ribeiro E, Storpirtis, S. A importância nomia, se maximizem os efeitos da medicação e e a história dos estudos de utilização de medica- se minimizem os custos inerentes à saúde 28-30. mentos. Revista Brasileira de Ciências Farmacêutica, 2006;42(4):1-11. LIMITAÇÕES 3. Silverman, JB et al. Multifaceted approach to redu- Ao analisar os resultados obtidos é neces- cing preventable adverse drug events. Am. J. Health- sário ter em consideração que o estudo foi -System Pharmacy (AJHP) 2003; 60(6): 582-6. 111 Costa M.P. , Carinha P., Barata P. 4. Scott, I et al. Minimizing inappropriate medica- 18. Arilla J.A., et al. 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Mas a contraceção hormonal pode ser utilizada com objetivos terapêuticos específicos: tratamento da síndrome dos ovários poliquísticos, da endometriose, de diversos distúrbios hemorrágicos vaginais da mulher e, com as pílulas contracetivas que associam ao etinilestradiol um progestagénio com atividade antiandrogénica, terapêutica a longo prazo de acne, seborreia, hirsutismo e alopécia. Há ainda evidência científica de que a contraceção hormonal diminui o risco de aparecimento de quistos ou tumores nos ovários ou no endométrio. No entanto, a contraceção hormonal tem também os seus riscos. Sendo estes dependentes da dose, estima-se que nos contracetivos orais modernos, de baixa dosagem, eles sejam bastante menos frequentes e intensos do que nos primórdios da sua comercialização, mas não deixam de manifestar-se. Os mais frequentes estão associados a uma diminuição do bem-estar físico e/ou psicológico da mulher. Há também alguma evidência científica de que os contracetivos hormonais possam estar envolvidos no aparecimento/desenvolvimento de tumores hepáticos benignos, bem como no aumento do risco de litíase biliar. Contudo, os efeitos adversos mais graves são os efeitos cardiovasculares: aumento do risco de doença tromboembólica, aparecimento/agravamento de hipertensão arterial, dislipidémias e intolerância à glicose, e o consequente aumento do risco de doenças cardiovasculares. Por fim, a literatura refere que os contracetivos hormonais aumentam o risco de desenvolvimento de determinadas neoplasias, nomeadamente no colo do útero e na mama. Como em relação a qualquer medicamento, a relação benefício-risco terá sempre de ser tida em conta quando se prescreve contraceção hormonal, devendo o princípio da individualização terapêutica ter por base critérios científicos e clínicos mas também pessoais e socioeconómicos. Também no que se refere à contraceção se deve seguir a medicina baseada na evidência: usar toda a informação científica e disponibilizá-la à mulher para que ela, no contexto biopsicossocial em que se insere, possa tomar uma decisão informada no que se refere à sua fertilidade. Palavras-chave: Contraceção, dislipidémias, medicina baseada na evidência ABSTRACT Many benefits of the contraceptive pill are recognized in healthy women: regular cycles, without heavy bleeding, without dysmenorrhea and without premenstrual syndrome. But the contraceptive pill can be used for specific therapeutic objectives: treatment of polycystic ovaries, endometriosis, vaginal bleeding disorders and in long term acne, seborrhea, hirsutism and alopecia therapy (contraceptive pills containing ethinyl estradiol and a progestogen with antiandrogenic activity). There is still scientific Grupo de Farmacologia e Cuidados Farmacêuticos da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal Autor para correspondência: Margarida Castel-Branco, Grupo de Farmacologia e Cuidados Farmacêuticos da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, Azinhaga de Santa Comba, 3000-548 Coimbra, Portugal 1 Submetido/ Submitted: 15 abril 2014 | Aceite/Accepted: 9 julho 2014 © Ordem dos Farmacêuticos, SRP ISSN: 2182-3340 Castel-Branco M., Figueiredo I.V. evidence that the contraceptive pill reduces the risk of appearance of tumors or cysts in the ovary or endometrium. However the contraceptive pill also has its risks. These being dependent on the dose, it is estimated that in modern low-dose oral contraceptives, they are much less frequent and intense than in the early days of their marketing, but do not fail to manifest themselves. The most common are those that lead to a decrease in physical and / or psychological well-being of women. There is also some scientific evidence that hormonal contraceptives may be involved in the onset / development of benign liver tumors as well as increased risk of gallstones. But the most serious adverse effects are cardiovascular effects: increased risk of thromboembolic disease, onset / worsening of hypertension, dyslipidaemia and glucose intolerance, and the consequent increased risk of cardiovascular disease. Finally, the literature refers that hormonal contraceptives increase the risk of developing certain cancers, especially in the cervix and breast. As with any drug, the risk-benefit ratio must always be taken into account when prescribing one contraceptive pill, and the principle of therapeutic individualization should be based on scientific and clinical but also personal and socio-economic criteria. Also in regard to contraception we should follow evidence-based medicine: use all the scientific information and make it available to the woman so that she, in the biopsychosocial context in which it appears, can make an informed decision regarding her fertility. Keywords: Contraception, dyslipidemias, evidence-based medicine A PÍLULA Concebida para ajudar as mulheres a plausível e lógica nos casos em que aquela falha1-4. controlar a sua própria fertilidade, a pílula A história da pílula não é isenta de contro- contracetiva, surgida no início dos anos vérsias, mas num aspeto todos estão de acordo: sessenta, tornou-se rapidamente um símbolo a da libertação sexual. Foi a pílula contracetiva mundo ocidental de meados do século XX, uma que permitiu às mulheres prosseguir as suas verdadeira revolução social. contraceção hormonal desencadeou, no carreiras profissionais como nunca lhes tinha Atualmente, a pílula contracetiva é tomada sido possível fazer até então; foi a pílula contra- por milhões de mulheres em todo o mundo. cetiva que acelerou todo o movimento femi- Segundo o 4º Inquérito Nacional de Saúde nista em busca da igualdade de direitos entre realizado em Portugal em 2005/2006, estima-se homens e mulheres; foi a pílula contracetiva que, entre as mulheres que fazem contraceção, que permitiu o surgimento de novas atitudes 65,9% utilizem a pílula contracetiva (56,5% das face ao sexo. mulheres entre os 15 e os 55 anos, chegando A pílula contracetiva é considerada hoje, aos 91% entre os 20 e os 34 anos de idade) 5. 50 anos passados desde a sua introdução no mercado no mundo ocidental, o ponto de BENEFÍCIOS DA CONTRACEÇÃO HORMONAL viragem de toda a moral sexual. Foi com ela No verão de 1957, a Food and Drug Adminis- que as mulheres passaram a considerar-se tration (FDA) aprovou o medicamento Enovid donas do seu próprio corpo e do seu futuro; foi (0,15 mg mestranol + 9,85 mg noretinodrel, com ela que se abriram novas perspetivas e se da G. D. Searle) para o tratamento de desor- alteraram as mentalidades relativamente à vida dens menstruais severas, exigindo na rotu- sexual dentro e fora do casamento; foi também lagem a informação de que esse medicamento com a expansão da contraceção hormonal que o iria prevenir a ovulação. Menos de dois anos aborto passou a ser visto como uma sequência depois desta autorização com fins terapêuticos, 114 Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2 mais de meio milhão de mulheres americanas boa alternativa à cirurgia conservadora. Através tinha misteriosamente desenvolvido desordens da administração crónica de um progesta- menstruais severas e solicitava a prescrição do génio ou de uma associação progestagénio- Enovid aos seus médicos. Perante tal evidência -estrogénio cria-se um meio endócrino adverso, de utilização off-label deste medicamento, no donde resulta uma marcada decidualização, inverno de 1960 a FDA reviu a autorização de aciclicidade e atrofia de endométrio eutópico introdução no mercado do Enovid e em maio e ectópico, para além de uma diminuição da seguinte aceitou a sua indicação contracetiva, inflamação intraperitoneal. Estes efeitos conse- convertendo-o no primeiro medicamento da guem manter a endometriose sob controlo história a ser utilizado numa mulher saudável, clínico enquanto se mantiver a terapêutica por tempo indeterminado, com o objetivo de hormonal9,12. lhe alterar a sua fisiologia (o seu ciclo hormonal sexual) . A contraceção hormonal pode ainda ser usada no tratamento de diversos distúrbios 6,7 São reconhecidos diversos benefícios da hemorrágicos vaginais da mulher quando se contraceção hormonal em mulheres saudá- pretende obter, ao mesmo tempo, um efeito veis. A maioria desses efeitos benéficos resulta contracetivo, desde que não estejam presentes simplesmente do facto de, numa mulher que faz fatores de risco trombofílicos. Ao tratar esses contraceção hormonal, não ocorrerem verda- distúrbios, deiros ciclos menstruais. Na verdade, os ovários também a prevenir ou a corrigir uma eventual e o útero estão como que adormecidos, tanto anemia que possa estar associada9,13. a contraceção hormonal está mais quanto maior for a dosagem hormonal do As pílulas contracetivas que associam ao contracetivo utilizado. Isso origina melhorias etinilestradiol um progestagénio com ativi- na sua qualidade de vida: os ciclos passam a dade antiandrogénica – acetato de ciproterona, ser regulares, sem hemorragia abundante, sem dienogest, drospirenona ou cloromadinona, dismenorreia e sem síndroma pré-menstrual . ordenados por ordem decrescente de potência 8 Mas a contraceção hormonal pode ser utili- antiandrogénica – estão indicadas, para além zada com objetivos terapêuticos específicos. É da contraceção, em terapêuticas a longo prazo o caso do tratamento da síndrome dos ovários de todas aquelas situações clínicas resultantes poliquísticos. Nesta síndrome, os grandes bene- de um hiperandrogenismo, como sejam espe- fícios da terapêutica hormonal são, para além cificamente a acne, a seborreia, o hirsutismo do efeito contracetivo, a proteção contra uma e a alopécia. Uma terapêutica a longo prazo hiperestimulação do útero com o consequente com estas substâncias desencadeia também desenvolvimento de hiperplasia endometrial e efeitos favoráveis no metabolismo dos lípidos mesmo carcinoma do endométrio, uma maior e dos hidratos de carbono, que muitas vezes regularidade dos ciclos e uma supressão da estão alterados nas situações de hiperandroge- excessiva produção androgénica dos ovários, nismo11. com consequente melhoria no controlo da seborreia, da acne e do hirsutismo 9-11 . Finalmente, ainda no que se refere aos benefícios da contraceção hormonal, e tendo A contraceção hormonal tem também indi- por base o modo de atuação destas substân- cação clínica na terapêutica da endometriose, cias – efeito anovulatório e efeitos atróficos e com relevante efeito antidismenorreico. De antiproliferativos sobre o endométrio – pode-se facto, desde que a mulher não pretenda engra- prever que o risco de aparecimento de quistos vidar, a terapêutica hormonal revela ser uma ou tumores nos ovários ou no útero se encontre 115 Castel-Branco M., Figueiredo I.V. diminuído. Vejamos mais pormenorizadamente: – 0,76 IC 95%). Conseguiu estimar-se também - O cancro do ovário é um cancro de baixa que as mulheres utilizadoras de contrace- prevalência (correspondendo a cerca de 3% de tivos hormonais durante 5 anos reduzem o todos os cancros na mulher), mas cuja inci- risco de desenvolvimento de cancro do ovário dência aumenta com a idade (cerca de metade em 29% se deixaram de tomar o contracetivo das mulheres diagnosticadas com cancro do nos últimos 10 anos, em 19% se deixaram de ovário têm 63 ou mais anos de idade nos EUA). tomar o contracetivo nos últimos 10-19 anos e Estatísticas americanas preveem que 1 em cada em 15% se deixaram de tomar o contracetivo 72 mulheres tenha cancro do ovário em alguma nos últimos 20-29 anos. O estudo concluiu fase da sua vida e que 1 em cada 100 venha a que quanto maior for o tempo de utilização do morrer desta neoplasia. Devido às estratégias contracetivo maior será a redução no risco de de rastreio inexistentes, bem como ao facto de cancro do ovário, que permanece até 30 anos estar associado a sintomas não específicos, o (ainda que se vá atenuando ao longo do tempo) seu diagnóstico é tardio em mais de 80% dos após se ter deixado de tomar o contracetivo17. casos. O cancro do ovário apresenta-se, por - O cancro do endométrio é o cancro do conseguinte, como tendo uma elevada mortali- trato genital mais prevalente e a sua incidência, dade. Referente ao ano de 2012, em Portugal, tal como acontecia com o cancro do ovário, verificaram-se taxas de incidência e de mortali- aumenta com a idade (cerca de ¾ dos casos dade por cancro do ovário de 8,2 e 4,4 em cada ocorrem em mulheres com 55 ou mais anos nos 100 000 mulheres, respetivamente . Existe EUA). Estatísticas americanas preveem que 1 evidência científica que permite afirmar que em cada 37 mulheres tenha cancro do endomé- os contracetivos hormonais reduzem o risco trio em alguma fase da sua vida. Os sintomas de desenvolvimento de cancro do ovário e que específicos – sangramento vaginal anormal, essa proteção é proporcional à duração do uso dor a urinar, dispaneuria, dor pélvica – possibi- dos contracetivos, embora essa evidência seja litam um diagnóstico precoce. Embora bastante menos consistente para o cancro do ovário prevalente, é um cancro de baixa mortalidade, do tipo mucinoso . Sabendo que os contra- com cerca de ¾ das mulheres a sobrevivem 5 cetivos hormonais reduzem o risco de cancro anos após o diagnóstico. Em Portugal o cancro do ovário, e sabendo que este cancro não é do endométrio teve, em 2012, uma taxa de inci- muito frequente em mulheres jovens, coloca- dência de 18 e uma taxa de mortalidade de 3,1 -se a questão de saber por quanto tempo dura em cada 100 000 mulheres15,18. Existe evidência essa proteção após a mulher ter deixado de científica que permite afirmar que os contrace- tomar o contracetivo. Num estudo publicado tivos hormonais reduzem o risco de desenvol- no Lancet em 2008, a partir de uma análise dos vimento de cancro do endométrio para cerca dados individuais de mulheres com cancro do de metade, e que essa redução é tanto maior ovário e sem cancro do ovário provenientes de quanto maior for a duração da utilização dos 45 estudos epidemiológicos, estimou-se o risco contracetivos. A literatura refere ainda que a relativo de cancro do ovário em relação ao uso redução do risco se faz sentir por pelo menos de contracetivos hormonais, tendo-se concluído 15 anos após a mulher ter deixado de os tomar, que as mulheres utilizadoras de contracetivos embora esse efeito protetor vá diminuindo hormonais apresentam um risco diminuído de ao longo do tempo. Note-se, porém, que há cancro do ovário quando comparadas com as poucos dados relacionados com as formulações não utilizadoras – RR (risco relativo) 0,73 (0,70 mais recentes19,20. 14,15 16 116 Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2 EFEITOS ADVERSOS cias depressivas, o hirsutismo, a diminuição da DA CONTRACEÇÃO HORMONAL líbido, o aumento de peso e a acne22. Quando a pílula contracetiva foi aprovada Há alguma evidência científica de que as pela FDA tudo parecia perfeito. Contudo, cedo hormonas sexuais femininas, nomeadamente começaram a aparecer os efeitos adversos. as envolvidas na contraceção hormonal, possam Primeiro aqueles que se suportavam tendo em estar envolvidas no aparecimento e/ou desen- vista o bem maior da eficácia contracetiva – volvimento de tumores hepáticos benignos, náuseas, edemas, aumento de peso, depressão. concretamente do adenoma hepatocelular e Mas menos de dois anos após já eram relatados da hiperplasia focal nodular. No entanto, esta efeitos adversos graves associados à contra- correlação parece ser mais forte quando se ceção hormonal – doenças tromboembólicas, consideram os contracetivos orais de primeira acidentes vasculares cerebrais e provavel- geração, que eram de maior dosagem. Aten- mente neoplasias. Houve mesmo notificações dendo a que os compostos esteroides conse- de mortes por tromboembolismo imputadas guem afetar a parede vascular, provavelmente à pílula contracetiva. Contudo, a informação através de um efeito inibitório sobre a bios- disponível acerca da segurança da pílula era síntese do colagénio, os tumores hepáticos muito escassa. Recorde-se que se estava no benignos em mulheres que se encontram a fazer início da década de sessenta e que a Farmacovi- contraceção hormonal têm maior tendência de gilância estava a dar os primeiros passos com o rutura e hemorragia. Note-se, contudo, que desastre da talidomida . este risco acrescido de desenvolvimento de 21 Uma interferência tão significativa sobre o biorritmo da mulher – pode-se encarar a contra- tumor hepáticos benignos cessa assim que a mulher parar de tomar o contracetivo23. ceção hormonal como uma verdadeira rutura Também a maior extração hepática do coles- com o ritmo biológico da natureza feminina – terol por parte dos estrogénios, com o conse- não pode deixar de ter riscos. Sabe-se hoje que quente aumento da razão colesterol/ácidos os efeitos adversos da contraceção hormonal são biliares, diminui a solubilidade do colesterol na dependentes da dose, pelo que se estima que bílis, fazendo aumentar o risco de litíase biliar24. nos contracetivos orais de baixa dosagem eles Mas os efeitos adversos mais graves são os sejam bastante menos frequentes e intensos do efeitos cardiovasculares. Por diminuição do que nos primórdios da sua comercialização. No fluxo sanguíneo venoso, por aumento da proli- entanto, não deixam de manifestar-se. feração endotelial venosa e arterial e, ainda, Os que por alterações nas funções das plaquetas e nas conduzem a uma diminuição do bem-estar proteínas da cascata da coagulação, verifica-se físico e/ou psicológico da mulher. Assim, aos um aumento da coagulabilidade sanguínea com estrogénios são normalmente atribuídos efeitos a toma crónica dos contracetivos hormonais, como cefaleias, irritabilidade, fadiga, náuseas, aumentando o risco de doença tromboembó- vómitos, cólicas abdominais, retenção hídrica, lica. Por outro lado, a estimulação do sistema congestão varicosa e tensão mamária, enquanto nervoso simpático, a estimulação do sistema que aos progestagénios se ficam a dever renina-angiotensina-aldosterona a nível hepá- também cefaleias, tonturas, edema, aumento tico (devido ao aumento do substrato da de peso e alteração reversível da tolerância à renina) e a resposta compensatória renal ao glucose. Aos progestagénios com alguma ativi- edema com retenção de sódio e água facilitam dade androgénica ficam a dever-se as tendên- o aparecimento ou agravamento da hipertensão mais frequentes são aqueles 117 Castel-Branco M., Figueiredo I.V. arterial. Juntando a estes efeitos o aumento da Medicamento (EMA) iniciou a revisão, a pedido arteriosclerose resultante de dislipidémias e de da Agência Francesa, dos dados de segurança fenómenos de intolerância à glicose causados dos contracetivos orais combinados contendo pela administração conjunta de estrogénios ciproterona ou outros progestagénios de 3ª e 4ª e de progestagénios observa-se um aumento geração – cloromadinona, desogestrel, dienogest, do risco de doenças cardiovasculares como a drospirenona, etonogestrel, gestodeno, nome- angina de peito, o enfarte do miocárdio ou os gestrol, norelgestromina, norgestimato – concre- acidentes vasculares cerebrais nas mulheres tamente no que se refere ao risco de tromboem- que tomam a contraceção hormonal contra- bolismo venoso, de tromboembolismo arterial cetiva . Há estudos que demonstram que o e de casos fatais de embolia pulmonar30-32. Em risco de tromboembolismo venoso é 3 vezes outubro de 2013, a EMA concluiu que os bene- superior e que o risco de acidente vascular fícios destes contracetivos orais combinados isquémico é 2 vezes superior em mulheres que na prevenção da gravidez continuam a superar fazem contraceção hormonal quando compa- o risco de tromboembolismo venoso, embora radas com mulheres que não a fazem, não este exista e difira consoante o tipo de proges- se verificando risco acrescido para acidente tagénio associado. Assim, estima-se que o risco vascular hemorrágico ou enfarte do miocárdio de tromboembolismo venoso em mulheres que . No entanto, outras revisões revelam um não fazem contraceção hormonal e que não aumento de risco de tromboembolismo venoso estejam grávidas seja de cerca de 2 casos em 10 de 3 vezes para os contracetivos orais combi- 000 mulheres anualmente, passando para 5 a 7 nados de média e baixa dosagem contendo casos com o levonorgestrel, o norgestimato e a noretisterona, levonorgestrel ou norgestimato, noretisterona; 6 a 12 casos com o etonogestrel aumentando para 6 vezes o risco quando o e a norelgestromina; 9 a 12 casos com o gesto- progestagénio presente é o desogestrel, o gesto- deno, o desogestrel e a drospirenona; e ainda deno, a drospirenona ou a ciproterona. Curio- não se conhece a estimativa com a clormadi- samente os contracetivos contendo apenas nona, o dienogest e o nomegestrol33. No que se progestagénios não parecem aumentar o risco refere ao caso concreto da ciproterona utilizada de tromboembolismo venoso . Uma explicação no tratamento da acne, a EMA concluiu que, possível prende-se com a possibilidade de o atendendo ao risco de tromboembolismo, os risco de tromboembolismo venoso estar depen- medicamentos contendo acetato de ciproterona dente da estrogenicidade total do medicamento 2 mg e etinilestradiol 35 µg só devem ser utili- considerado, sendo esta, por sua vez, depen- zados no tratamento da acne moderada a grave dente não só da quantidade de estrogénio como em mulheres com doenças andrógeno-depen- também do tipo de progestagénio utilizado. dentes e/ou hirsutismo, em idade reprodutiva, e Assim, uma maior estrogenicidade conseguida só quando outros tratamentos para a acne não com os progestagénios mais recentes, poderá forem eficazes34. 22,25 26 27 causar uma maior resistência contra a proteína Por fim, há evidência científica de que os C ativada e daí resultar um risco de tromboem- contracetivos hormonais aumentam o risco de bolismo maior 27,28. A evidência também sugere desenvolvimento de determinadas neoplasias, que a via de administração não-oral do etiniles- nomeadamente no colo do útero e na mama35: tradiol (vaginal ou transdérmica) é mais trombogénica do que a via oral . 29 Em fevereiro de 2013 a Agência Europeia do 118 - O cancro do colo do útero é o segundo cancro mais comum entre as mulheres, afetando principalmente jovens com idade superior a 18 Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2 anos. Tem maior prevalência nos países em vias pode estar subvalorizado. Conseguiu estimar- de desenvolvimento. Os sangramentos vaginais -se também que as mulheres utilizadoras de anormais, quando aparecem, podem ser indica- contracetivos entre 5-9 anos, quando compa- dores de um estadio mais avançado da doença. radas com não utilizadoras, apresentam um RR A deteção de lesões cervicais pré-invasivas pode de 2,82 (1,46 – 5,42 IC 95%) e que mulheres ser feita através da realização periódica de uma a tomar contracetivos por 10 ou mais anos, citologia cervical, vulgarmente conhecida como quando comparadas com não utilizadoras, apre- Teste do Papanicolau. A positividade para vírus sentam um RR de 4,03 (2,09 – 8,02 IC 95%). do papiloma humano (HPVs de alto-risco) é O estudo concluiu que quanto maior for o condição necessária mas não suficiente para o tempo de utilização do contracetivo maior será desenvolvimento desta neoplasia. Em Portugal o aumento do risco do cancro do colo do útero o cancro do colo do útero teve, em 2012, uma e este, por sua vez, será mais elevado enquanto taxa de incidência de 10,8 e uma taxa de morta- durar a toma do contracetivo, reduzindo-se lidade de 4,9 por 100 000 mulheres . Existe bastante assim que se parar de o tomar, não se evidência científica que permite afirmar que os fazendo mesmo sentir mais ao fim de 10 anos38. contracetivos hormonais aumentam o risco de - O cancro da mama é um cancro de elevada desenvolvimento de cancro do colo do útero e prevalência na mulher, com 1 em cada 10 que, por sua vez, o aumento do risco é tanto mulheres a sofrerem ou virem a sofrer desta maior quanto maior for a duração do uso do doença. É o primeiro cancro mais comum entre contracetivo, começando a deixar de se fazer as mulheres, principalmente entre mulheres sentir logo após a mulher ter deixado de o jovens com mais de 20 anos, embora a sua inci- tomar. Note-se, contudo, que o aumento do dência aumente com a idade. Apresenta elevada risco é superior para o carcinoma in situ do que taxa de mortalidade se não for detetado preco- para o cancro invasivo. Pensa-se que o uso de cemente. O autoexame dos seios e a realização contracetivos por períodos superiores a 5 anos do exame clínico e da mamografia periodica- funcione como sendo um co-fator do HPV, na mente possibilitam um diagnóstico precoce. medida em que os contracetivos são capazes Referente ao ano de 2012, em Portugal, o de provocar, eles próprios, algumas alterações cancro da mama apresentou taxas de incidência na zona de transformação do colo do útero . e de mortalidade em cada 100 000 mulheres Num estudo publicado no Lancet em 2007, de 85,6 e 18,4, respetivamente15,39. Existe que comparava mulheres com cancro do colo evidência científica que permite afirmar que a do útero com mulheres sem cancro do colo do contraceção hormonal recente ou atual, princi- útero provenientes de 24 estudos epidemioló- palmente se ocorrer antes da primeira gravidez, gicos, estimou-se o risco relativo de cancro do aumenta o risco de aparecimento de cancro da colo do útero em relação ao uso de contracetivos mama40. Num estudo publicado no Lancet em hormonais: mulheres utilizadoras de contrace- 1996, a partir da comparação de resultados tivos hormonais (durante 11,1 anos em média) entre mulheres com cancro da mama e sem apresentam praticamente o dobro do risco cancro da mama provenientes de 54 estudos de aparecimento de cancro do colo do útero epidemiológicos, estimou-se o risco relativo de quando comparadas com não utilizadoras – RR cancro da mama em relação ao uso de contra- 1,90 (1,69 – 2,13 IC 95%). Note-se, contudo, cetivos hormonais: mulheres utilizadoras de que as mulheres que fazem contraceção são contracetivos hormonais, quando comparadas mais facilmente rastreadas, pelo que o risco com mulheres não utilizadoras, apresentam um 15,36 37 119 Castel-Branco M., Figueiredo I.V. risco mais elevado de desenvolverem cancro as utilizadoras só após a primeira gravidez – OR da mama – RR 1,24 (1,15 – 1,33 IC 95%). A 1,15 (1,06 – 1,26 IC 95%); as utilizadoras de contraceção hormonal aumenta o risco de contracetivos nulíparas estão associadas a um cancro da mama particularmente em mulheres risco de cancro da mama, quando comparadas com menos de 35 anos e que começaram a com as não utilizadoras, bastante inferior ao tomar a pílula antes dos 20 anos. Ao fim de das mulheres que tomaram contracetivos antes 10 anos de se ter parado de tomar a pílula o da primeira gravidez mas que depois tiveram risco é semelhante entre utilizadoras antigas filhos – OR 1,24 (0,92 – 1,67 IC 95%)42. e não utilizadoras. Este estudo estimou ainda que mulheres utilizadoras de contracetivos que PRÓS E CONTRAS DA CONTRACEÇÃO começaram a usá-los antes do 1º filho têm um Como em relação a qualquer medicamento, risco aumentado de desenvolverem cancro da a relação benefício-risco terá sempre de ser mama – RR 1,33 e RR 1,36 se a última toma tida em conta quando se prescreve contraceção foi há 1-4 anos. Este estudo associa também hormonal. E tal como as boas práticas de medi- uma menor dose hormonal a um maior risco cina hoje defendem, o doente deve participar de cancro da mama, provavelmente devido à na decisão terapêutica, devendo o princípio da utilização de progestagénios mais potentes . individualização terapêutica ter por base crité- Uma outra meta-análise publicada em 2006 por rios científicos e clínicos mas também pessoais Kahlenborn e colaboradores estima a probabi- e socioeconómicos43. 41 lidade de desenvolvimento de cancro da mama O caso da contraceção é único: há um medi- em relação ao uso de contracetivos a partir de 34 camento mas não há uma doença; há um obje- estudos epidemiológicos tipo caso-controlo que tivo a atingir mas não há uma disfunção a regu- foram realizados a partir de 1980, data a partir larizar. A relação benefício-risco revela-se, por da qual diversas mudanças sociais levaram conseguinte, necessariamente delicada: a que a que se começasse a tomar a pílula cada vez é que a mulher estará disposta a submeter- mais cedo, antes do primeiro filho, e cada vez -se para conseguir controlar a sua fertilidade? durante mais tempo. O estudo concluiu que Veja-se o exemplo das neoplasias: mulheres as utilizadoras de contracetivos têm um risco com história pessoal e/ou familiar de cancro pequeno, mas com significado estatístico, de ou com suscetibilidade genética para o cancro desenvolverem cancro da mama quando compa- são consideradas de elevado risco para a contra- radas com as não utilizadoras – OR (Odds Ratio) ceção hormonal, mas mulheres de baixo risco 1,19 (1,09 – 1,29 IC 95%); as utilizadoras de até podem tirar algum benefício protetor contra contracetivos antes da primeira gravidez estão algumas neoplasias como acabou de ser referido. mais associadas ao risco de cancro da mama do A “idade das trevas” do século passado, na que as não utilizadoras – OR 1,44 (1,28 – 1,62 qual as mulheres eram sujeitos passivos do IC 95%); as utilizadoras de contracetivos que fenómeno da reprodução, deu lugar, no mundo usaram o contracetivo por 4 ou mais anos antes contemporâneo, à “idade do ofuscamento”, em da primeira gravidez têm um risco ainda maior que é possível à mulher, assumindo-se dona de desenvolverem cancro da mama quando do seu próprio corpo, separar reprodução de comparadas com as não utilizadoras – OR 1,52 sexualidade. (1,26 – 1,82 IC 95%); as utilizadoras de contra- A medicina baseada na evidência revela-se cetivos antes da primeira gravidez estão mais como sendo o método que melhor permite usar associadas ao risco de cancro da mama do que a informação disponível para tomar decisões 120 Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2 no melhor interesse do doente. Também no contraceptives. Am. J. Obst. Gynecol. 2011; 205 que se refere à contraceção nos parece ser esse (4): suppl. S4-S8. o melhor caminho a seguir: usar toda a infor- 9. The ESHRE Caproi Workshop Group. Ovarian mação científica e disponibilizá-la à mulher and endometrial function during hormonal para que ela, no contexto biopsicossocial em contraception. Human Reproduction 2001; 16 que se insere, possa tomar a melhor decisão (7): 1527-1535. no que se refere à sua fertilidade. E, já agora, 10.Sirmans SM, Pate KA. Epidemiology, diagnosis, para que possa envolver o companheiro nessa and management of polycystic ovary syndrome. decisão. 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Carvalho J.1 ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE RESUMO O notório envelhecimento da população global impõe novas estratégias para melhorar a saúde e qualidade de vida dos idosos. Atualmente, observa-se um aumento na proporção de idosos, muitos dos quais estão em elevado risco de desenvolvimento de doenças crónicas não transmissíveis e limitações funcionais graves. Paralelamente, os idosos são geralmente muito inativos, fato que exacerba os problemas de saúde e de funcionalidade. Pelo contrário, existem fortes evidências suportados em estudos de elevada qualidade a demonstrar a forte associação positiva entre o aumento dos níveis de atividade física, a participação em programas de exercício físico e a melhoria da saúde. Assim, é imperativo desenvolver um forte compromisso com a melhoria dos níveis de atividade física em idosos. O exercício, realizado regularmente e individualmente ajustado à capacidade funcional e estado clinico de cada um, pode e deve ser realizado por idosos, sendo, atendendo aos seus inúmeros benefícios, considerado como uma estratégia não-farmacológica determinante para o envelhecimento bem-sucedido. Palavras-chave: Idosos, atividade física, exercício, revisão ABSTRACT Dramatic global population ageing has brought new demands to improve older people’s health by adding “quality” to their extended lives. Nowadays, there is an increase in the proportion of older adults, many of whom are at risk for developing non-communicable chronic health conditions and severe functional limitations. Additionally, older adults are generally very inactive, that cause additional health and functional problems. In opposition, there is evidence from high quality studies to strongly support the positive association between increased levels of physical activity, exercise participation and improved health in older adults. So, it is imperative to develop a strong commitment to improving physical activity levels in older adults. Exercise, performed regular and adjusted in an individual based according to exercise capacity and specific health risks for limitations, should be performed by older adults being as such, taking into account its great benefits, considered as a determinant non-pharmacological strategy to successful aging. Keywords: Elderly, physical activity, exercise, review Centro de Investigação em Atividade Física, Saúde e Lazer da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (CIAFEL-FADEUP), Portugal Autor para correspondência: [email protected] 1 Submetido/ Submitted: 10 outubro 2014 | Aceite/Accepted: 30 outubro 2014 © Ordem dos Farmacêuticos, SRP ISSN: 2182-3340 Carvalho J. INTRODUÇÃO qualitativa. Ou seja, apesar de todos os esforços O envelhecimento na Europa e no mundo médicos e científicos para prolongar os anos de é um desafio marcante para o novo século. vida dos sujeitos idosos, este aumento da longe- Nos últimos anos, o número de idosos cresceu vidade nem sempre se faz acompanhar por uma significativamente, atingindo, nos dias atuais, vida salutar, autónoma e com qualidade. um contingente nunca visto. Segundo dados Na realidade, estes números pouco revelam do Fundo das Nações Unidas para a Popu- sobre a qualidade de vida daqueles que ultra- lação1, em 1950, havia cerca de 204 milhões passam os 65 anos de idade, e é aqui que o de idosos no mundo. Em 1998, quase cinco papel do estilo de vida, da atividade física (AF) décadas depois, este número já alcançava 579 e do exercício físico (EF) assumem particular milhões de pessoas e em 2000 estava já nos 605 importância. milhões. As estimativas do número de pessoas A resposta à questão de qual o tipo e de qual idosas para 2025 e 2050, apontam para um a quantidade de AF necessário para obter os contingente de, aproximadamente, 1,2 e 1,9 desejados benefícios para a saúde e funciona- biliões de pessoas respetivamente. lidade é de uma enorme importância, quer na As projeções do Eurostat apontam que perspetiva individual quer na de saúde pública. daqui a 50 anos, as pessoas com 65 ou mais Podemos dizer que o idoso pode aumentar anos vão ser quase metade da população (4,7 o seu nível de AF de duas maneiras: pela incor- milhões). Dessas, quase 1,4 milhões terão 80 poração adicional de AF informal na sua rotina ou mais anos . Assiste-se assim, na Europa habitual diária (por exemplo passear o cão, e em particular em Portugal, ao fenómeno do trabalhar no quintal ou lavar o carro), e/ou, pela envelhecimento da própria população idosa. dedicação de tempo do seu dia e da sua semana 2 2 Este aumento considerável da população a programas de EF estruturado que trabalhem idosa resulta de uma marcante transição demo- de um modo mais específico componentes da gráfica, onde é notória uma mudança de um aptidão física como a força, resistência aeróbia, modelo demográfico de fecundidade e mortali- o equilíbrio/agilidade e/ou a flexibilidade. dade elevados para um modelo em que ambos Neste sentido, um aumento na AF formal e não os fenómenos atingem níveis baixos, origi- formal pode vir a ser uma estratégia preventiva nando o estreitamento da base da pirâmide de efetiva, tanto para o indivíduo como para as idades, com redução de efetivos populacionais nações, sendo uma forma de melhorar a saúde jovens e o alargamento do topo, com aumento pública. Assim, o envolvimento dos idosos em de efetivos populacionais idosos, fruto da programas regulares de EF parece ser um coad- amplificação crescente da esperança de vida e juvante importante no sentido de diminuir a da diminuição das taxas de mortalidade . Este degeneração progressiva associada ao envelhe- envelhecimento populacional requer medidas, cimento, constituindo-se elemento chave para iniciativas e intervenções, no sentido de um estilo de vida saudável, ativo e indepen- melhorar a qualidade de vida dos idosos e asse- dente. 1 gurar a sua integração progressiva e equilibrada na sociedade. Embora o aumento da esperança média de ENVELHECIMENTO, (IN)ATIVIDADE FÍSICA E QUALIDADE DE VIDA vida se constitua como um aspeto positivo, o O envelhecimento tem sido descrito como facto é que esta tendência se baseia mais em um processo, ou conjunto de processos, fatores de natureza quantitativa e não tanto inerente a todos os seres vivos e que se 126 Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n.º 2 expressa pela perda da capacidade de adaptação na sociedade e na família, com garantias de e pela diminuição da funcionalidade, estando meios de subsistência e apoios necessários. assim associado a inúmeras alterações com A medicina não pode fazer tudo sozinha, a repercussões na mobilidade, autonomia e saúde maior fatia de responsabilidade está na própria desta população . Neste sentido, e em termos pessoa. 3 de saúde pública interessa, sobretudo, conhecer Um aumento na AF formal, enquanto exer- as formas de tentar atenuar esta degeneração cício físico (EF), e não formal pode vir a ser progressiva. uma estratégia preventiva efetiva, tanto para A capacidade do sujeito idoso realizar as suas tarefas quotidianas autonomamente o indivíduo como para as nações, sendo uma forma de melhorar a saúde pública6,7. normalmente reduz-se substancialmente com No entanto e apesar da sensibilização e o decurso dos anos. Esta redução resulta das promoção de programas de EF para ocupação alterações produzidas em todos os órgãos e dos tempos livres dos idosos, este, na gene- sistemas biológicos bem como dos fatores ralidade, faz parte do leque de atividades que sociais e psicológicos que decorrem simulta- os idosos sentem como não ajustadas às suas neamente com esta degenerescência funcional . capacidades e possibilidades, como sendo No entanto, o crescente interesse e estudo próprio da juventude, receando o insucesso desenvolvido na população idosa, tem demons- da sua idade e recusando assumir funções que trado que uma grande parte das manifestações julgam ultrapassar as suas possibilidades6,8. 3 de insuficiência demonstrada por este grupo É então necessário alterar as mentali- populacional é mais fortemente motivado pelo dades de forma a desbloquear estas eventuais desuso funcional do que por uma falência “barreiras” para a prática de EF. É importante efetiva das capacidades físicas, motoras e inte- alterar as formas de pensar e educar os idosos lectuais . no sentido de estes terem uma vida mais ativa, 3 Os comportamentos tipicamente associados realçando sempre os benefícios a ela associados aos idosos referem-se à passividade e imobi- e alertá-los para os perigos do sedentarismo9. lidade, com reduzida atividade física (AF), O movimento é essencial para que o idoso criando determinado tipo de padrões e este- mantenha o equilíbrio fisiológico e psicoló- reótipos que determinam, frequentemente, a gico, que lhe permita gozar uma velhice plena e forma de agir deste extrato populacional . A manter-se autónomo, ativo e criativo. 4 OMS estima que a inatividade física contribui para cerca de 2 milhões de mortes anuais no EXERCÍCIO FÍSICO – O MEDICAMENTO mundo. Simultaneamente calcula também que ANTI-ENVELHECIMENTO 60% da população mundial não pratica AF suficiente . 5 O objetivo do EF neste escalão etário é desenvolver estratégias que permitam um enve- Assim, este envelhecimento da população lhecimento saudável, produtivo, ativo ou bem- tem reflexos evidentes a nível sócio–económico -sucedido7. O grande objetivo é a melhoria da com impacto no desenho das políticas sociais qualidade de vida associada à capacidade de e de sustentabilidade, mas fundamentalmente ser independente dos outros na realização das em alterações de índole individual através da suas tarefas diárias. Por outro lado, pretende- adoção de novos estilos de vida. Com efeito, -se que o EF se constitua como um meio de os idosos de hoje vivem mais tempo, mas é excelência para a ocupação alegre e saudável premente que vivam em qualidade, integrados do tempo livre. O EF deve corresponder a um 127 Carvalho J. bem-estar físico e psicológico, constituindo-se fraturas, facilitadas pela desmineralização óssea como um momento lúdico onde os idosos se comum neste escalão etário17-19. Embora ainda sintam bem e com isso mantenham interesse não tenha sido estabelecida uma relação de nesta prática . causa-efeito entre a força muscular e a inci- 8,9 O EF encerra vários objetivos ao nível dência de quedas, diferentes estudos suportam físico, fisiológico, social e psicológico, que esta hipótese14,20,21. Para além dos fatores mais se resumem num objetivo principal que é a relacionados com a funcionalidade muscular, melhoria da saúde, bem-estar e da qualidade de mudanças favoráveis na composição corporal do vida da pessoa idosa. idoso, incluindo um aumento da massa isenta Com o envelhecimento são observadas alte- de gordura e uma diminuição da massa gorda rações, quer a nível central, quer a nível perifé- total têm sido relatados após treino de força rico no sistema cardiovascular. Estas alterações, de intensidade moderada22-24. Neste sentido, e em conjunto, reduzem a tolerância ao esforço face às características dos idosos cujo risco rela- durante a realização de tarefas de intensidade tivo de desenvolvimento e de morte de muitas máxima e submáxima, reduzindo a capacidade doenças crónicas, incluindo doenças cardiovas- funcional global dos idosos . Simultaneamente, culares (DCV), diabetes tipo 2 e obesidade é a baixa aptidão aeróbia tem sido descrita como elevado, um treino combinado, onde ambas as um fator de risco de mortalidade e de desenvol- capacidades, cardiorrespiratória e musculares 11- vimento de doenças cardiovasculares (DCV) estejam presentes, parece ser recomendado. . Diferentes estudos têm demonstrado que Adicionalmente, o treino de força parece ajudar programas de EF englobando o treino aeróbio a manter ou até melhorar a densidade mineral com intensidade superior a 60% do VO2max, óssea25-27, a sensibilidade à insulina28, o tempo frequência semanal de pelo menos 3 dias de trânsito intestinal29 e a diminuir a dor e a durante 16 ou mais semanas, pode aumentar incapacidade induzidas pela degeneração arti- significativamente (média de 3,8 ml/kg/min) o cular30. 10 13 VO2max em adultos de meia-idade e idosos. Deste modo, um adequado programa de Por outro lado, diferentes estudos têm treino de força, seja de forma isolada ou combi- referido que sarcopenia associada ao envelhe- nada, pode constituir-se como um meio impor- cimento, traduzida na perda da quantidade e tante para a vida diária do idoso. Reconhecendo qualidade muscular, predispõe os idosos a uma a força muscular como uma componente crítica limitação funcional sendo este um aspeto deter- da mobilidade funcional, o ACSM/AHA6 sugere minante na morbilidade e mortalidade destes que, paralelamente a atividades aeróbias envol- escalões etários mais velhos vendo grandes grupos musculares (realizadas 14-16 . Níveis moderados de força muscular são entre 3 a 5 vezes por semana), pelo menos necessários para a realização de inúmeras algum do EF realizado pelos idosos deva ser tarefas quotidianas, tais como, carregar pesos, baseado em exercícios localizados de fortale- subir escadas, levantar-se de cadeiras, etc. cimento e reforço muscular (realizadas 2 a 3 Neste sentido, a preservação da força muscular vezes por semana). adquire uma importância cada vez maior com Também, de acordo com Rikli & Jones31, o avançar da idade . Para além deste facto, a possuir agilidade combinada (juntando velo- literatura sugere que os baixos índices de força cidade à coordenação) e equilíbrio dinâmico estão relacionados com a uma maior suscetibi- (capacidade de manter estabilidade postural lidade de ocorrência de quedas e consequentes enquanto se move) é importante para um 16 128 Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n.º 2 conjunto de tarefas quotidianas do idoso. O recomendada, dados os seus potenciais efeitos equilíbrio é um componente da aptidão física múltiplos na alteração das propriedades do de especial importância para os idosos, na tecido muscular e conjuntivo com aumento da medida em que se relaciona com a qualidade função e da amplitude de movimento necessá- da marcha e com um maior risco de quedas , rios para a realização eficaz de diferentes tarefas e, consequentemente, maior risco de fraturas, quotidianas, na provável diminuição da dor de normalmente facilitadas pela desmineralização origem articular e na melhoria da performance óssea típica do idoso muscular40. 32,33 34,35 . Estudos têm demonstrado que 40 a 60 % Para além das questões mais relacionadas dos indivíduos acima dos 65 anos já experi- com os aspetos mais físicos e fisiológicos, é mentaram pelo menos uma queda, sendo esta importante considerar as alterações psico- mais frequente nos utentes dos lares e nas lógicas e sociais associadas ao processo de mulheres . Apesar de se estimar que apenas envelhecimento. De uma forma geral, a socie- 10% das quedas resultam em fratura óssea dade tem uma visão negativa acerca do corpo grave, em 30 a 40% destas, a morte ocorre envelhecido, sendo portanto difícil aos idosos um ano após a fratura, normalmente devido a possuírem de si mesmos uma imagem posi- pneumonias, tromboses ou embolias. E mesmo tiva, sendo que a sua autoimagem será tanto daqueles idosos que sobrevivem, na generali- mais baixa quanto maior for a dependência de dade dos casos, ficam com uma limitada mobi- terceiros para a vida diária3. 32,36 lidade e dependentes de outrem34. Numa sociedade como a nossa, com uma Entre outros fatores, a prática regular de EF cultura organizada em função do trabalho, envolvendo exercícios propriocetivos, equilí- no qual o estatuto e valor do sujeito parecem brio e coordenação parece resultar na melhoria estar diretamente relacionadas com a ocupação do controlo do equilíbrio dos idosos, em parti- profissional, o idoso, afastado da sua atividade cular naqueles com história de queda e baixa profissional tende a adotar uma atitude baseada mobilidade na desvalorização de si próprio41. 34,37,38 . De igual modo, a flexibilidade apresenta Por outro lado, a reforma faz com que a uma grande importância na qualidade de vida pessoa se afaste do seu ciclo habitual de ativi- dos idosos, pois é essencial para a realização dades e de contactos, muitas vezes, numa idade das mais variadas tarefas da vida diária, tais em que ela ainda se julga capaz de desempe- como calçar os sapatos, subir e descer degraus, nhar um papel ativo na sociedade. Esta desin- pentear o cabelo, etc. tegração social constitui-se frequentemente Para além das alterações degenerativas articulares e musculares, associadas ao envelheci- como precursora de estados de ansiedade e depressão3. mento, a diminuição da flexibilidade é clara- Perante o vazio social que a reforma pode mente influenciada pela inatividade física ou induzir nos idosos, é necessário recorrer a ativi- desuso. O desuso é a maior causa de declínio dades gratificantes e motivadoras, que ocupem, da flexibilidade em idosos, pois produz um pelo menos uma parte do dia e que assim aumento da rigidez do tecido conjuntivo (liga- ajudem os indivíduos a superar os estados mentos, tendões, músculos), restringindo a depressivos, ajudando-os a se sentirem mais amplitude articular . úteis, ativos e integrados num grupo social8,41. 39 Neste sentido, a inclusão de exercícios de Os programas de EF podem dar um novo flexibilidade num programa de EF tem sido sentido à vida, podendo mesmo ser como que 129 Carvalho J. um substituto do trabalho nos aspetos da regu- todas as componentes da aptidão física como laridade, esforço e organização a força muscular, resistência aeróbia, o equilí- 8,41 . Para além disto, O EF acarreta valores sociais, tais como, brio/agilidade e a flexibilidade. a integração em grupos e o incremento das De um modo geral, os mesmos princípios relações humanas ajudando o idoso a superar a norteadores da prescrição de EF devem ser apli- solidão e o isolamento . cados a adultos de todas as idades, incluindo os 42 Todavia, os dos idosos. Todavia, existe uma maior heterogenei- programas de EF dependem de uma aplicação dade na população idosa quanto à forma como adequada dos estímulos propostos, no sentido respondem a determinado estímulo em função de “dose-resposta” do seu nível inicial de aptidão física e estado compatível com os efeitos desejados. Ou seja, clínico. Assim, o programa de EF deve ser pres- este tipo de treino deve ter um volume, inten- crito o mais individualizadamente possível de sidade suficientemente acordo com as características, necessidades, elevados para induzir alterações significativas objetivos, nível inicial de aptidão física e estado na funcionalidade e estado de saúde do idoso, de saúde dos idosos, devendo os conteúdos ser sem, no entanto, sobrecarregar excessivamente agradáveis, atrativos, de fácil compreensão e o seu sistema locomotor passivo e sistema realização7,40. produzir e potenciais uma uma relação frequência benefícios cardiovascular7,40. Em concordância com Baker et al.44 são Na realidade, a resposta à questão de qual variadíssimas as atividades passiveis de serem o tipo e de qual a quantidade de AF neces- apresentadas a este escalão etário, desde a sária para obter os desejados benefícios é de dança e jogos tradicionais, até exercícios loca- uma enorme importância, quer na perspetiva lizados de reforço muscular, passando pelas individual quer na de saúde pública. Em 2007, atividades aquáticas, caminhada, exercícios de o American College Sports Medicine (ACSM), flexibilidade, equilíbrio, coordenação (veloci- em conjunto com a American Heart Associa- dade de reação e movimento), exercícios respi- tion (AHA) , e mais tarde em 2009 e 2011 , ratórios e de relaxamento, sendo que a forma publicou as recomendações em termos de AF ideal de trabalho é a combinação das diferentes e de EF recomendado para idosos, definindo atividades. 6 7 40 que, em termos gerais, devem ser realizados Para que os idosos iniciem e mantenham a 150 minutos de AF moderada a vigorosa por sua participação em programas de EF é neces- semana. As diretrizes enfatizam que para a sário prescrever atividades que lhes propiciem maioria dos parâmetros de saúde, benefícios satisfação e favoreçam a adesão, o que pres- adicionais são obtidos com o aumento da quan- supõe a adequação à sua condição de idoso. tidade de exercitação através de uma maior Sendo a prática de EF um comportamento intensidade, frequência e/ou duração. Assim dependente da motivação, pelo menos numa sendo, para promover a saúde e a qualidade de fase inicial, a ênfase de programas de EF deve vida necessários para um envelhecimento bem- ser colocada em fatores motivacionais susce- -sucedido e saudável, o idoso deve aumentar tíveis de provocar alterações no estilo de vida, o seu nível de AF pela incorporação adicional tornando o EF como parte integrante dos de atividade não-formal na sua rotina habitual hábitos de vida. O modo de EF deve ser agra- diária, e/ou, pela dedicação de tempo do seu dável para a população alvo, levando os parti- dia e da sua semana a programas de EF estru- cipantes a exercitarem-se regularmente7,40. O turado que promovam o desenvolvimento de EF deve ser realizado continuamente já que as 130 Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n.º 2 adaptações crónicas ao treino são, geralmente, from the American College of Sports Medicine perdidas após cessação de atividade, seja na and the American Heart Association. Circula- população ativa residente na comunidade seja tion. 2007; 116(9): 1094-1105. 45 na população idosa institucionalizada 46 7. American College of Sports M., Chodzko-Zajko W.J., Proctor D.N., Fiatarone Singh M.A., CONCLUSÃO Minson C.T., Nigg C.R., Salem G.J., and Skinner, Assim e face ao atrás exposto, o EF quando J.S.. American College of Sports Medicine posi- realizado de forma regular, dados os potenciais tion stand. Exercise and physical activity for efeitos do destreino, e baseado em princípios older adults. Med. Sci. Sports Exerc. 2009; e orientações de EF para este escalão etário, 41(7): 1510-1530. parece ser uma atividade equilibrada e segura, 8. Silva P., Novais C., Botelho-Gomes P., and induzindo potencialmente benefícios psicoló- Carvalho J.. Cambios en la percepción del gicos, sociais e funcionais, devendo, como tal, cuerpo de mujeres de edad avanzada, a través ser considerado como uma importante estra- de un programa de actividad física. Eur. J. Hum. tégia não-farmacológica potenciadora do enve- Movem. 2011; 26: 55-65. lhecimento saudável e com qualidade. 9. Cress M.E., BuchnerD.M., ProhaskaT., Rimmer, J., BrownM., Macera C., DipietroL., and Chodzko-Zajko W.. Best practices for physical REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS activity programs and behavior counseling in 1 . United Nations, U.N., World Population Ageing older adult populations.” J. Aging Phys. 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Conclusões: As duas modalidades terapêuticas, oxigenoterapia normobárica e hiperbárica, têm normas específicas que devem ser minuciosamente seguidas de modo a ter um baixo risco de complicações. Palavras-chave: oxigénio, oxigenoterapia normobárica, oxigenoterapia hiperbárica ABSTRACT Oxygen is considered a drug that can be easily administered at normobaric conditions, but when is submitted to pressures higher than the atmospheric, it requires compression. Objective: To describe these two treatment modalities – normobaric oxygen therapy and hyperbaric oxygen therapy. Data base: EBSCO, Pubmed, Elsevier, Science Direct, Springer link and Scielo. Review Methods: Articles available since 1980. Results: were included review and experimental articles that explored the application of normobaric and hyperbaric oxygen therapy in human or in animals. Conclusions: The normobaric and hyperbaric oxygen therapy have specific rules that must be followed carefully in order to have a low risk of complications. Key-words oxygen, normobaric oxygen therapy and hyperbaric oxygen therapy Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Fernando Pessoa, Porto, Portugal Departamento de Ciências Farmacológicas, Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal 3 Unidade de Medicina Hiperbárica, Unidade Local de Saúde de Matosinhos, Portugal 4 Unidade de Análises Cínicas, Departamento Ciências Biológicas, Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, Porto, Portugal 1 2 Autor para correspondência: Mariana Cervaens. E-mail: [email protected] Submetido/ Submitted: 28 Maio 2014 | Aceite/Accepted: 30 Jun 2014 © Ordem dos Farmacêuticos, SRP ISSN: 2182-3340 Cervaens M., Sepodes B., Camacho O., Marques F. , Barata P. INTRODUÇÃO dade de transporte de circulação de oxigénio e O oxigénio, a água e os alimentos são de respectiva distribuição a nível tecidular 1. Um fundamental importância para o organismo aumento da concentração de oxigénio cerca de animal. Destes três fundamentos básicos para 1% eleva a tensão de oxigénio mais 7 mmHg. É a manutenção da vida, a privação de oxigénio necessário manter o nível normal de hemoglo- é a que conduz mais rapidamente à morte. A bina na presença de doença respiratória, assim terapia com oxigénio é útil ou necessária para como, o transporte adequado de oxigénio para a vida em várias doenças e intoxicações que os tecidos. As indicações para esta aplicação interferem com a oxigenação normal do sangue incluem asma, insuficiência cardíaca conges- ou tecidos. tiva ou edema pulmonar como tratamento de No organismo, o oxigénio move-se segundo primeiros socorros, em operações de emer- um gradiente de pressão parcial do ar inspirado gência. No entanto, é igualmente utilizado para para as células do corpo e suas mitocôndrias. O anestesia em cirurgias 2. ar atmosférico normalmente contém 20,9% (a Em Portugal, as empresas farmacêuticas pressão barométrica normal) de oxigénio, o que têm de obter certificação para a distribuição equivale a uma pressão parcial de 159 mmHg1. destes gases medicinais. Têm de cumprir todas Muitas vezes há insuficiência de oxigénio as regras de produção, comercialização e apli- a nível tecidular e, deste modo, para evitar cação, segundo a Diretiva 93/42/CEE e respec- esta hipóxia é necessário um suplemento de tiva Marcação CE para o Sistema de Distri- oxigénio. A terapia de oxigénio, a pressões buição de Gases Medicinais, transposta para a normais (normobárica), deve ser dada de forma legislação portuguesa através do Decreto-Lei contínua e não deve ser interrompida brusca- n.º 273/95. mente até à recuperação do doente, pois pode Outro tipo de terapia de oxigénio diz causar queda da tensão de oxigénio alveolar. respeito à oxigenoterapia hiperbárica, que A dose de oxigénio deve ser calculada com consiste cuidado pois deve ser evitada a completa satu- (FiO2=100%) a pressões superiores à pressão ração da hemoglobina, no sangue arterial. A atmosférica (>1 ATA). Para o doente se pressão parcial de oxigénio (pO2) pode ser submeter a esta pressurização tem de estar medida no sangue arterial e esta pressão de num câmara monolugar (capacidade para um 60 mmHg corresponde cerca de 90% da satu- doente) ou numa câmara multilugar (diversos ração de sangue arterial, mas se a acidose está doentes). É um tratamento essencial em muitas presente, é necessário mais de 80 mmHg. Num condições, incluindo doença de descompressão, doente com problemas respiratórios, a anemia intoxicação por monóxido de carbono, queima- deve ser corrigida com um adequado transporte duras e doenças da montanha3. na inalação de oxigénio puro de oxigénio a nível tecidular. Um pequeno incre- A necessidade de descobrir em que situação mento na tensão de oxigénio arterial resulta se deve aplicar oxigenoterapia normobárica ou num aumento significativo da saturação da hiperbárica foi recentemente explorada numa hemoglobina. Em situações normais, nenhum revisão em 2013 4. Desta forma, no presente benefício adicional é garantido por elevar estudo pretende-se descrever estes dois tipos o nível da pO2 mais de 60-80 mmHg. Altas de terapia de oxigénio vulgarmente usados, concentrações de fracção de oxigénio inspirado como uma modalidade terapêutica comple- (FiO2) aumentam a dissolução deste no plasma, mentar, na reabilitação de doentes. resultando num pequeno aumento da capaci- 136 Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2 MÉTODOS nelo intracelular que finaliza o consumo de Foi realizada pesquisa de estudos datados oxigénio - 90% - na oxidação de produtos finais entre 1980 e 2014, nas bases de dados da de substratos de energia que entram no orga- EBSCO, Pubmed, Elsevier, Science Direct, Springer nelo. Desta forma, é necessário ter um correto link e Scielo, com as palavras-chave: oxigénio, suplemento de oxigénio para o metabolismo oxigenoterapia energético 1. normobárica, oxigenoterapia hiperbárica, oxygen, normobaric oxygen therapy e No entanto, o fornecimento de oxigénio hyperbaric oxygen therapy, utilizando o operador depende de vários fatores como a ventilação, a de lógica AND. Foram incluídos artigos de difusão através da membrana alvéolo-capilar, revisão e experimentais, em português e inglês, o transporte através da hemoglobina, o débito sendo a população alvo humanos e modelo cardíaco e o tecido-alvo 2. Quando há uma falha animal que tivessem sido submetidos a terapia neste fornecimento de oxigénio é necessário complementar de oxigénio. Foram excluídos recorrer à sua aplicação terapêutica. todos os artigos sem texto integral e que não O oxigénio medicinal é o gás com mais se relacionavam com o tema deste estudo. A ampla utilização na área médica e de emer- literatura adicional foi obtida a partir de livros, gência. Este gás medicinal é considerado onde foi identificada bibliografia útil a este um produto farmacêutico que, nos casos de tema. emergência é livremente utilizado nas ambulâncias 7. RESULTADOS A oxigenoterapia é, então, um tratamento O oxigénio (O2) foi descoberto em 1774, médico cujo objectivo é o de inalar oxigénio por Joseph Priestley mas foi o químico francês suplementar, em concentrações superiores que Antoine Laurent de Lavoisier (1743-1794) que o ar circundante, em doentes com problemas de identificou as suas propriedades . hipóxia, doenças pulmonares crónicas ou lesões 1 O oxigénio é um elemento químico gasoso incolor, inodoro e não comestível. O ar atmos- traumáticas 8. Há, actualmente em uso, três formas de férico que respiramos contém cerca de 78% de oxigenoterapia 8: azoto, 21% de oxigénio e 1% de outros gases. 1. Oxigénio Normobárico (ON) – Também Para os organismos sobreviverem, o oxigénio chamado oxigénio de superfície ou ao nível do é imprescindível nas suas vidas, na respiração mar, onde há administração de oxigénio suple- aeróbia 5. mentar (24 a 100%) a pressão atmosférica Muitas das reações bioquímicas, dos orga- (1 ATA). nismos aeróbios, necessitam de oxigénio. Em 2. Oxigénio Hiperbárico (OTH) – Inalação condições normais, 98% do oxigénio é trans- de 100% de oxigénio a pressões elevadas portado via sanguínea, acoplado à hemoglobina, (>1ATA). enquanto que os restantes 2% encontram-se 3. Hipobárica ou oxigénio “altitude” – Em alti- dissolvidos no plasma. A oxigenação tecidular tude, devido à limitação fisiológica dos seres (96-97%) ocorre devido ao oxigénio transpor- humanos, há uma exigência de concentração de tado pela hemoglobina 5. O2 superior à que se inspira ao nível do mar de O oxigénio é um recetor de electrões modo a evitar hipóxia. universal que permite ao organismo usar a De seguida, irão ser exploradas a oxigeno- energia armazenada em hidratos de carbono, terapia normobárica e a hiperbárica de acordo lípidos e proteínas . A mitocôndria é o orga- com o objetivo deste estudo. 6 137 Cervaens M., Sepodes B., Camacho O., Marques F. , Barata P. Oxigenoterapia normobárica ser restrito ou não permitido em determinados A tensão mínima de oxigénio, a nível mitocondrial, necessária para o locais, por problemas de armazenamento ou metabo- peso ou modos de transporte (por exemplo, lismo aeróbio (0,5 a 1 mmHg) corresponde a perigo de fogo em aviões), o segundo é muito uma pressão parcial de oxigénio (PaO2) de 25 limitado em termos de consumo de gás 8. mmHg ou saturação de oxigénio arterial (SaO2) O equipamento de aplicação de oxigeno- de 40%. No entanto, graus leves de hipoxémia terapia tem, por necessidade, de controlar a causam subtis efeitos adversos sobre o meta- concentração de oxigénio inspirado, prevenir bolismo celular, que são reforçados por uma a acumulação de dióxido de carbono, ter resis- circulação deficiente (anemia) ou aumento do tência mínima de respiração, uso de oxigénio processo metabólico. A correcção da hipoxémia eficiente e económico, adaptabilidade para é, portanto, frequentemente necessária antes diferentes misturas de gases e adaptabilidade a que o doente entre em hipóxia, ou seja, quando diferentes modos de respiração. A compreensão a PaO2 cair abaixo de 60 mm Hg (SaO2 90%) . do desempenho e das características dos equi- 7 O objectivo da administração de oxigénio pamentos de oxigenoterapia permite uma normobárica é aliviar a hipoxémia, aumen- melhor seleção de equipamentos para diversas tando a tensão alveolar, de modo que reduza aplicações 9. o trabalho de respiração e diminua o trabalho do miocárdio. O oxigénio deve ser usado como um fármaco em várias condições e a sua dose deve ser individualizada. Durante a oxigenote- Fontes de oxigénio (Yam) 7 Oxigénio líquido Este é fornecido a partir de tanques de arma- rapia, os gases sanguíneos arteriais devem ser zenamento de oxigénio líquido. O oxigénio medidos várias vezes em doentes com insufi- é fornecido através de tubulações escondidas ciência respiratória aguda. O objectivo é manter perto dos doentes. a PaO2 acima de 60 mmHg. O oxigénio deve ser administrado continuamente em dose baixa, Cilindro de oxigénio desde que um pequeno aumento de FiO2 cause Esta é a fonte de oxigénio em hospitais aumento na PaO2 . 2 que não se encontram equipados com tanques De modo a que a administração de oxigénio de armazenamento de oxigénio líquido. Pode seja feita de um modo correto, é necessário haver uma área de armazenamento central do compreender os mecanismos de captação e cilindro, sendo o oxigénio canalizado para as fornecimento de oxigénio no corpo, os factores enfermarias. No entanto, os cilindros devem que alteram a sua entrega a sistemas intrace- ser mantidos em áreas perto dos doentes, caso lulares, em órgãos vitais; as características a tubulação não esteja disponível, ocupando, dos dispositivos responsáveis pela inalação de deste modo, espaço, exigindo constante moni- oxigénio e os efeitos tóxicos que advêm de uma torização, recarga e transporte. Dependendo do dose dependente da pressão parcial adminis- tamanho, o cilindro de oxigénio é, atualmente, trada . 1,5 a 11 vezes mais caro do que o oxigénio 9 A terapia de oxigénio pode ser limitada líquido. pelo tipo de fornecimento ou do sistema de entrega. Atualmente, são usados dois tipos de Concentrador de oxigénio fonte de O2, tanques pressurizados ou gera- Esta máquina elétrica extrai oxigénio do dores químicos. Enquanto o primeiro tipo pode gás atmosférico através do emprego de uma 138 Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2 peneira molecular (uma material regenerativo utilizadas para oxigenoterapia domiciliar. No absorvente) para remover o nitrogénio. A entanto, o oxigénio tem de ser humidificado, pureza do oxigénio produzido é de cerca 97% durante a sua utilização. no menor fluxo, 95% em 2 L/min e diminui para menos de 90% a fluxos acima de 3 L/min. Máscara facial No entanto, essa diferença de pureza não é A máscara facial encaixa levemente sobre clinicamente significativa. Esta fonte de baixo o nariz e a boca. O O2 flui em alta velocidade, fluxo de oxigénio é de confiança e, atualmente, através de um orifício estreito para a base da a fonte de oxigénio administrada no domicílio máscara, criando uma pressão negativa, arras- em caso de cronicidade. Também pode ser tando o ar atmosférico através das perfurações considerada como uma alternativa económica na máscara. Estão disponíveis em diferentes para alguns doentes em uso de cilindro de formas e podem entregar baixas concentrações oxigénio hospitalar. Os riscos de incêndio e de oxigénio fixas em 24%, 28%, 35% e 40%. explosão são menores do que com o oxigénio No entanto, são um pouco desconfortáveis e líquido e o custo é consideravelmente inferior. têm que ser removidos para comer ou beber. Neste caso, o oxigénio é canalizado para áreas perto do doente da maneira convencional. O Indicações concentrador opera a altas pressões, permitindo A oxigenoterapia normobárica tem várias assim o uso de máscaras faciais. O excesso de vantagens: é simples de administrar, não inva- oxigénio pode ser usado para encher os cilin- siva, de baixo custo, amplamente disponível, e dros para uso portátil dentro do hospital e em pode ser iniciado imediatamente num caso de casa. emergência, por exemplo após o início de um AVC 10. Formas de inalação (Singh et al.) 2 O O2 pode ser administrado convenien- Condições agudas 7 temente por dispositivos oro-nasais, como 1. Hipoventilação alveolar simples, por cateteres nasais, cânulas e diferentes tipos de exemplo, sobredosagem de narcóticos, estado máscaras. Estes são simples, menos caros e paralítico, depressão respiratória pós-opera- confortáveis. tória (onde a pressão arterial de CO2 – PaCO2 – é elevada). Cateter nasal 2. Incompatibilidade ventilação-perfusão, O cateter nasal é de borracha leve e é inse- manobras intrapulmonares, alteração da unidade rido após lubrificar a ponta com parafina líquida normal ventilatória, por exemplo, asma aguda até que esta seja visível por detrás da úvula na grave, edema pulmonar, extensa pneumonia, orofaringe. síndrome de stress respiratório do adulto (PaCO2 é baixa inicialmente a partir de hiperventilação, Cânulas nasais tornando-se depois normal ou alta devido à alta Em doentes hospitalizados, essas cânulas exaustão). com dois tubos macios de plástico são inseridos 3. Incompatibilidade ventilação-perfusão, cerca de 1 cm em cada narina. São confortá- redução dos movimentos ventilatórios, por veis e bem toleradas, são usadas em doentes exemplo, doença crónica de obstrução das sem hipercapnia que necessitam de oxigénio vias aéreas com exacerbação aguda (PaCO2 é suplementar até 40% e podem ser facilmente elevada). 139 Cervaens M., Sepodes B., Camacho O., Marques F. , Barata P. tonturas, náuseas, dormência nos dedos das 4. PaO2 e SaO2 normais, estados circulatórios anormais, ou fornecimento de oxigénio comprometido a nível tecidular, por exemplo, choque, anemia grave, envenenamento por mãos e pés e uma redução dramática na capacidade aeróbia8. Existem, assim, três tipos de riscos associados uso de oxigénio 2: monóxido de carbono (PaCO2 é normal). Riscos físicos Condições crónicas 7 1. Hipercápnica devido a insuficiência respiratória crónica Com a utilização de oxigénio há sempre o risco de incêndio e explosão, devido à combustão. No entanto, ocorre mais em casos 2. Doença intersticial pulmonar de alta concentração de oxigénio, uso de 3. Dessaturação nocturna: O sono normal é câmaras de pressão e em fumadores. caracterizado por ter uma ventilação de baixo Os cateteres e máscaras podem causar lesões volume, com valores levemente elevados de no nariz e boca. Gás seco e não-humidificado PaCO2 e diminuição da PaO2. A dessaturação pode causar ressecamento e crostas. nocturna torna-se significativa em perturbações respiratórios do sono, como a apneia central ou Riscos funcionais obstrutiva, doenças neuromusculares e outras Doentes que perderam a sensibilidade ao doenças crónicas obstrutivas. CO2, facilmente podem cair em depressão ventilatória e desenvolverem DPOC (doença Riscos da terapia de oxigénio pulmonar crónica obstrutiva). O oxigénio, como qualquer fármaco, tem a A hipoventilação pode levar a hipercapnia e sua própria gama terapêutica, sendo necessário narcose de CO2, embora o risco seja pequeno compreender bem o que é essencial para a sua com baixo fluxo de oxigenoterapia. O pH arte- adequada administração. À pressão atmosfé- rial pode ser um melhor guia que a PaCO2 rica normal (1 ATA ou menos) nas primeiras para a monitorização da oxigenoterapia. Desde 12-24 horas após a administração de 100% de que o pH não acuse acidose, a longa terapia oxigénio estas questões de toxicidade são quase de oxigénio pode beneficiar os doentes com totalmente irrelevantes para a prática da medi- retenção de CO2. cina de emergência 9. A pressão parcial de oxigénio inspirado Danos citotóxicos na faixa de 0,21 (condições atmosféricas) a Doentes com DPOC com tratamento de 0,5 ATA tem demonstrado ser seguro mesmo longa duração de oxigenoterapia, após serem por longos períodos. No entanto, se a pressão autopsiados, mostram alterações proliferativas parcial de oxigénio for muito baixa, poderão e fibróticas nos pulmões. Em condições agudas, desenvolver-se situações de hipóxia que podem a maioria dos danos estruturais ocorrem a conduzir à morte. Por outro lado, o oxigénio partir de uma FiO2 elevada, e assim, o oxigénio torna-se tóxico para o organismo quando pode causar a libertação de várias espécies há aumento da pressão parcial. Os sinais e reativas nocivas. sintomas mais comuns deste problema são sintomas pulmonares (tais como dor no peito, Oxigenoterapia Hiperbárica (OTH) tosse pulmonar seca, irritação, sensação de A OTH é uma intervenção terapêutica, na aperto no peito e dispneia), dores de cabeça, qual os doentes inalam oxigénio puro (100%) 140 Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2 a uma pressão superior à pressão do nível do tares devido ao tratamento para os acidentes mar (1 atmosfera absoluta – ATA), dentro de de mergulho. Para além disto, a maioria das uma câmara hiperbárica. A OTH deve ser vista unidades estão nos departamentos de Anes- como uma terapia complementar e não como tesiologia pois esses doentes necessitam de uma modalidade de tratamento isolada terapia intensiva, sendo, dessa forma, necessário 11. O modo de ação desta terapia é complexo, o conhecimento em áreas específicas de inte- pois é resultado de uma série de mecanismos resse, como a física, farmacologia e fisiologia 14. fisiológicos e farmacológicos, dependentes da elevação da pressão parcial do oxigénio e da pressão hidrostática . Estas propriedades con12 Requisitos para a administração de oxigénio hiperbárico tribuem para o tratamento de uma série de con- Para os doentes serem submetidos a OTH dições diferentes. Em 1967 nos Estados Unidos são necessárias instalações especiais, para da América, foi criada a primeira sociedade, suportarem pressões mais elevadas que a Undersea and Hyperbaric Medical Society (UHMS), atmosférica, como as câmaras hiperbáricas 15. que selecionou uma comissão terapêutica de Nas câmaras monolugar, que têm capa- oxigénio hiperbárico com o intuito de identifi- cidade para uma pessoa, o oxigénio é inalado car e classificar as várias indicações clínicas para diretamente do ambiente da câmara 15. Embora a aplicação da OTH, com base em dados científi- economicamente cos disponíveis. O primeiro relatório do comité desvantagens o reduzido acesso do profis- foi publicado em 1977 e muitos seguiram pos- sional de saúde ao doente durante o trata- teriormente. A Europa, naquela época, tentava mento, sendo possível, no entanto, monitorizar seguir as indicações da UHMS mas o contacto a pressão arterial, ter acesso a electrocardio- entre os diferentes centros hiperbáricos eram grama e fornecer medicamentos intravenosos escassos e restritos aos congressos ocasionais . e fluidos através do manguito. A ventilação Desta forma, surgiu a necessidade de criar uma mecânica pode ser possível se as câmaras esti- comissão europeia que elevasse a qualidade e verem devidamente equipadas, embora não seja o perfil da medicina hiperbárica e assim, em possível aspirar o doente durante o tratamento, 1989, formou-se a European Committee for Hyper- se necessário 16. 1 baric Medicine (ECHM) 11. vantajoso, aponta como Nas câmaras multilugares os doentes inalam A primeira aplicação desta terapia foi, há uma oxigénio através de máscara facial, tenda cefá- centena de anos, no tratamento da doença de lica ou tubo endotraqueal. O profissional de descompressão. No entanto, durante os últimos saúde pode estar dentro da câmara e, desta 50 anos várias outras indicações foram propostas forma, auxilia o doente se necessário. No para a terapia hiperbárica . Apesar de esta entanto, a instalação e os custos de suporte são ser utilizada em diversas situações por muitas muito elevados, que limitam o uso generalizado décadas, um sentido de controvérsia continua de câmaras multilugares 16. 13 a prevalecer no campo da medicina hiperbá- Normalmente, leva cerca de 30 minutos rica e, devido à falha do nível de evidência, para compactar um doente até 3 ATA, o que poucas são as indicações aceites pelas duas corresponde a pressão a 66 metros de água do principais sociedades científicas hiperbáricas. mar, e leva aproximadamente 30 minutos para As unidades hiperbáricas são operadas por descomprimir. Porém, em situações de emer- diferentes especialidades médicas. Por razões gência, os doentes podem descomprimir em 3 históricas, muitas destas unidades são mili- minutos a partir de 3 atmosferas de pressão. A 141 Cervaens M., Sepodes B., Camacho O., Marques F. , Barata P. duração do tratamento varia, mas normalmente Em 2004, o ECHM realizou sua sétima rondam os 90 minutos. No entanto, a pressão Conferência de Consenso Europeu sobre Medi- e a duração do tratamento dependem da pato- cina Hiperbárica, onde concordaram com uma logia do doente . lista de indicações (Tabela 1) 11. 16 O júri emitiu as suas recomendações, Indicações aceites pelas sociedades médicas de hiperbárica usando uma escala de três graus de acordo com a força com que cada recomendação foi avaliada. Há uma série de indicações apoiadas por Tipo 1: Fortemente recomendada. O júri documentação clínica em diferentes níveis, e considera que a aplicação de OTH é extrema existem substanciais diferenças regionais no importância para o resultado final do doente / que deve ser considerado para ser bem indi- qualidade da prática / conhecimentos especí- cado. Para uma indicação se considerar acei- ficos no futuro. tável, tem que ser baseada em estudos clínicos Tipo 2: Recomendado. O júri considera que experimentais e realizados com metodologia a aplicação da recomendação afecta positiva- rigorosa, produzindo resultados positivos de mente o resultado final do doente / qualidade da forma significativa . prática / conhecimentos específicos no futuro. 1 Tabela 1. Indicações aceites para a aplicação de OTH propostas pela ECHM (2004)11 CONDIÇÃO Aceites Nível de evidência AB C RECOMENDAÇÃO TIPO 1 - Fortemente recomendado Intoxicação por monóxido de carbono X Síndrome de esmagamento X Prevenção da osteoradionecrose dentária X Osteoradionecrose (mandíbula) X Radionecrose de tecidos moles (cistite) X Acidente de descompressão X Embolismo gasoso X Infecções bacterianas por anaeróbios ou mistas por anaeróbios X RECOMENDAÇÃO TIPO 2 – Recomendado Lesão do pé diabético Retalho de pele ou musculocutâneo comprometido Osteoradionecrose (outros ossos que não a mandíbula) Proctite/enterite rádio-induzida Lesões dos tecidos moles rádio-induzidas Cirurgia e implante em tecidos irradiados (acção preventiva) Surdez súbita Úlcera isquémica Osteomielite Crónica Refractária Neuroblastoma Estádio IV X X X X X X X X X X RECOMENDAÇÃO TIPO 3 – Opcional Encefalopatia Pós-anóxica Radionecrose Laríngea Lesão do Sistema Nervoso Central rádio-induzida Sìndrome de reperfusão pós-procedimento vascular Reimplatação de membro Queimaduras de 2º grau em mais de 20% da superfície corporal Doenças oftálmicas isquémicas agudas Feridas seleccionadas de díficil cicatrização secundária a processos inflamatórios Pneumatosis cystoides intestinalis 142 X X X X X X X X X Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2 Tipo 3: Opcional. O júri considera a aplicação da recomendação como uma opção. O júri relatou, igualmente, o nível das provas que sustentam as recomendações: Nível A: Recomendação apoiada por evidências de nível 1 (pelo menos 2 estudos concor- parcial de gás diferencial. De acordo com a Segunda Lei de Fick da difusão, o tempo necessário para a difusão é dependente do tamanho das moléculas, permitindo que as moléculas menores de gás, como o hélio, difundam mais rapidamente do que as maiores. dantes, grandes, duplo-cegos, controlados e randomizados, com pouco ou nenhum viés Efeitos secundários e contra-indicações metodológico). A oxigenoterapia hiperbárica não é comple- Nível B: Recomendação apoiada por evidên- tamente inofensiva e pode ter alguns efeitos cias de nível 2 (estudos duplo-cegos, contro- colaterais, complicações e lados e randomizados, mas com falhas meto- causadas pelo stress oxidativo. outras lesões dológicas, com apenas pequenas amostras ou apenas um único estudo). Nível C: Recomendação apoiada apenas por nível de evidência 3 (opinião de consenso de especialistas). Efeitos secundários Barotrauma Embora os tecidos humanos podem suportar uma grande pressão, pode ocorrer lesão tecidual, decorrente da falta de um espaço cheio de Princípios físicos e efeitos fisiológicos inerentes à aplicação de OTH gás para equalizar a pressão interna com alterações de pressão ambiente, de acordo com a Lei A física que se encontra por detrás da apli- de Boyle. Este fenómeno chamado barotrauma cação hiperbárica tem por base várias leis, das ocorre principalmente quando as mudanças de quais se destacam 1: pressão-volume são grandes ou o início é rápido, - Boyle-Mariotte – o volume ocupado por como ocorre durante a parte inicial da pres- um gás, mantido a temperatura constante, varia surização ou descida da pressão atmosférica1. na razão inversa da pressão que suporta. Esta Barotrauma da orelha média é o efeito agudo variação é exponencial, verificando-se maiores colateral mais comummente relatado da OTH, variações de volume a pressões próximas da e foi relatado ocorrer em 2% dos doentes 17 . pressão atmosférica. - Princípio de Pascal – Qualquer pressão Toxicidade de oxigénio aplicada a um fluido incompressível contido O uso generalizado de alta pressão de num vaso transmite-se igualmente em todas as oxigénio e o contacto com a toxicidade de direcções. oxigénio surgiu com o seu vasto uso na medi- - Lei de Henry – A temperatura constante, cina. As manifestações mais dramáticas da toxi- a quantidade de gás dissolvido num líquido é cidade de oxigénio são toxicidade de oxigénio directamente proporcional à pressão a que está pulmonar (efeito Lorraine-Smith), toxicidade submetido (desde que o gás não reaja com o de oxigénio (efeito Paul Bert) no Sistema solvente). Nervoso Central (SNC) e toxicidade de oxigénio - Leis de Fick da difusão – De acordo com a ocular. No entanto, o efeito tóxico do oxi- Primeira Lei de Fick da difusão pode-se identi- génio pode ser encontrado em quase todos os ficar as variáveis para a difusão de gases como órgãos e tecidos e é apenas uma questão de o tamanho da área de difusão, a espessura da tempo para afectar todos os tecidos e órgãos do barreira de difusão (ou distância) e pressão corpo 1. 143 Cervaens M., Sepodes B., Camacho O., Marques F. , Barata P. O oxigénio deve ser considerado como uma tecido alvo1. A tensão de oxigénio arterial droga e pode dar lugar à formação de radicais (PaO2) é de aproximadamente 90 mm Hg, e livres após a inalação de altas doses de oxigénio. nos tecidos (PtO2), de aproximadamente 55 Estes radicais livres podem levar à oxidação de mm Hg16. Estes valores são significativamente componentes químicos tecidulares 13. aumentados pela respiração de oxigénio puro a mais de uma pressão atmosférica. A oxige- Contra-indicações noterapia hiperbárica é limitada pelos efeitos As contra-indicações absolutas são apenas tóxicos de oxigénio a uma pressão máxima de pneumotórax não tratado e alguns quimiote- 300kPa (3 ATA). A PaCO2, a pressão de vapor rápicos, especialmente bleomicina, devido ao de água e o quociente respiratório não variam risco de fibrose pulmonar. Contra-indicações significativamente entre 100kPa e 300kPa relativas são epilepsia não controlada, insu- (1-3 ATA). Assim, por exemplo, a inalação de ficiência cardíaca e alguns problemas nas vias oxigénio a 100% em 202.6kPa (2 ATA) fornece aéreas, tais como infecção aguda das vias aéreas uma PaO2 alveolar de 1423 milímetros Hg e, superiores, enfisema e pneumotórax espon- consequentemente, o oxigénio alveolar passa tâneo anterior . o espaço alveolar-capilar e difunde no leito 1 capilar venoso pulmonar, de acordo com as Leis Efeitos bioquímicos e celulares da oxigenote- de Fick sobre a difusão 1. rapia A tensão de O2 num dado tecido depende do nível de consumo de O2 por este tecido no fluxo Efeitos fisiológicos da oxigenoterapia - hiperoxigenação sanguíneo local e também da distância relativa O oxigénio é transportado pelo sangue por da zona considerada próxima da arteríola e capi- duas maneiras: quimicamente, ligado à hemo- lares. De facto, o consumo de O2 faz com que a globina e fisicamente dissolvido no plasma. pO2 (gradiente de pressão parcial de oxigénio) Em condições normais de pressão atmosfé- diminua rapidamente entre arteríolas e veias. rica, a hemoglobina tem uma saturação de Isso enfatiza o facto de nos tecidos se verificar oxigénio de 97%, representando um teor de uma distribuição de tensões de oxigénio de oxigénio total de cerca de 19,5 O2 /100mL de acordo com um determinado gradiente. Esse sangue (ou 19,5vol%) - 1g de 100% de hemo- gradiente existe no nível da célula, assim como globina saturada carrega 1,34mL oxigénio. na mitocôndria, lugar terminal de consumo de Nessas condições, a quantidade de oxigénio oxigénio, onde as concentrações de O2 rondam dissolvido no plasma é 0,32vol%, dando os 1,5-3 mM . um total de 19,82vol%. Quando oferecemos 1 O oxigénio move-se segundo um gradiente 100% de oxigénio através de uma máscara de pressão da inspiração para gás alveolar, ou entubação orotraqueal para uma respiração sangue arterial, leito capilar, líquido intersticial do doente, o teor de oxigénio pode atingir e intracelular para os locais de utilização dentro valores que rondam os 22 e 22,2vol% (Ta- da célula (retículo endoplasmático, mitocôn- bela 2) 18. drias). Sob condições normobáricas, o gradiente O efeito principal da OTH é hiperóxia. de pressão parcial de oxigénio (pO2), conhecida Durante este tratamento, o oxigénio é dissol- como “cascata de oxigénio” começa em 21,2kPa vido fisicamente no plasma sanguíneo. A uma (159 milímetros Hg) e termina em 0,5-3kPa pressão atmosférica de 2,8 ATA, respirando (3,8 a 22,5 milímetros Hg), dependendo do oxigénio a 100%, a tensão de oxigénio alveolar 144 Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2 (PaO2) é de aproximadamente 2180 milímetros Após a remoção do ambiente de oxigénio Hg e a concentração de tecido (PtO2) de, pelo hiperbárico, a PaO2 normaliza em questão de menos, 500 mm Hg. O conteúdo de oxigénio minutos, mas a PtO2 pode permanecer elevada no sangue é de aproximadamente ([1.34 x por um período variável. A taxa de norma- HBG x SaO2] + [0,0031 x PaO2]), onde HBG é lização da PtO2 não foi claramente descrita, a concentração de hemoglobina sérica e SaO2, mas é medida em minutos a algumas horas, a saturação de oxigénio arterial16. A uma PaO2 dependendo da perfusão tecidual 16. de 1800 mm Hg, a fracção de oxigénio dissol- Os efeitos fisiológicos da OTH incluem vido no plasma (0,0031 x PaO2) é aproxima- efeitos de curto prazo como vasoconstrição, damente 6vol%, o que significa que 6mL de aumento da distribuição de oxigénio, a redução oxigénio será fisicamente dissolvido em 100mL do edema, a activação da fagocitose e tem, de plasma, atingindo um volume total de também, um efeito anti-inflamatório (função oxigénio no sangue circulante igual a 26,9vol% de leucócitos reforçada). Efeitos a longo (Tabela 2). Este valor é o equivalente às neces- prazo são neovascularização (angiogénese em sidades metabólicas básicas de oxigénio em que hipóxia dos tecidos moles), osteoneogénese, a PaO2 nas artérias pode chegar a 2000 mmHg. bem como a estimulação da produção de colá- Com uma função pulmonar e perfusão tecidual geneo por fibroblastos. Os resultados clínicos normal, a pO2 pode alcançar um valor superior são, portanto, a cicatrização e recuperação de a 1000 mmHg . Respirar oxigénio puro num radiação com lesão tecidual 16,19. Recentemente, ambiente a 2 ATA, o conteúdo de oxigénio a OTH tem sido alvo de estudo, na área da no plasma é 10 vezes maior que o ar de respi- neurologia, apontando como uma pré-condição ração ao nível do mar. Em condições normais, a benéfica para a prevenção de doenças neuro- pressão parcial de oxigénio no sangue (pO2) é lógicas 95 mmHg, em condições de uma câmara hiper- escassos e com baixa aplicabilidade. 19 20 . No entanto, os estudos ainda são bárica, a pO2 pode atingir valores superiores No que diz respeito à influência da OTH a 2000mmHg . Consequentemente, durante em tecido ósseo necrótico, esta aparenta ter OTH, HBG também é totalmente saturada no um papel importante, comparativamente com lado venoso e o resultado é a elevação da tensão a hiperóxia normobárica em disordens esquelé- de oxigénio em todo o leito vascular. Uma vez ticas associadas com a hipóxia 21. 18 que a difusão é impulsionada por uma diferença de tensão, o oxigénio será forçado a sair dos Efeitos fisiológicos adicionais da oxigenote- vasos sanguíneos e atingir áreas inacessíveis a rapia hiperbárica moléculas deste gás quando transportado pela Vasoconstrição hemoglobina . Em tecidos normais, a acção primária de 14 oxigénio é causar vasoconstrição geral (espeTabela 2. Valores da fracção de oxigénio inspirado a pressões atmosféricas diferentes FiO2 Pressão ATA 0,211 1 1 1 3 PaO2 (mmHg) 104 673 2193 O2 – OxiHg (mL/100ml) 19,7 20,1 20,1 O2 – Plasma (mL/100ml) 0,3 1,88 6 cialmente nos rins, músculo esqueléticos, cérebro e pele), o que provoca um efeito “Robin 1 Hood”, através de uma redução do fluxo sanguíneo para o tecido bem oxigenado 14 . A OTH não só fornece um aumento significativo de oxigénio a nível molecular nos tecidos, como contribui para uma redução de volume de sangue e edema, o que leva a efeitos anti- 145 Cervaens M., Sepodes B., Camacho O., Marques F. , Barata P. -isquémicos e hipóxicos para as extremidades Desta maneira, a alternância entre estados de como mecanismo fisiológico . A OTH reduz o hipóxia e hiperóxia, observadas em doentes, edema, não só por causa da vasoconstrição, mas durante o tratamento com OTH intermitente, também é devido à melhoria dos mecanismos é responsável pela estimulação máxima da acti- de homeostasia. Um alto gradiente de oxigénio vidade fibroblástica nos tecidos isquémicos, é um potente estimulador da angioneogénese, produzindo o desenvolvimento da matriz de um efeito considerado de importância significa- colagénio, que é essencial para a neovasculari- tiva para a estimulação da reparação e processos zação18. 22 regenerativos em algumas condições 14. Além de promover um ambiente menos hospitaleiro para microrganismos anaeróbios, a Infiltração Leucocitária presença de oxigénio é conhecida por acelerar o Para as células e seus tecidos funcionarem, processo de cicatrização de feridas e de ser neces- é necessário oxigénio. A capacidade dos leucó- sária para a produção da matriz de colagénio e citos intervirem na eliminação de bactérias, na consequente angiogenese, através dos efeitos replicação celular, na formação de colágeneo e benéficos pela presença de espécies reativas de nos mecanismos de homeostase, como o trans- oxigénio, ou ainda por meios indeterminados 24. porte de membrana activa, por exemplo, a bomba de sódio-potássio, são de particular inte- Efeito antimicrobiano resse. A OTH inibe a adesão de leucócitos ao A OTH, para além de inverter a hipóxia endotélio, diminuindo a lesão tecidular, aumen- tecidular e a disfunção celular, aumenta a tando a motilidade leucocitária, resultando capacidade fagocitária de algumas bactérias, num aumento da microcirculação . Isso ocorre trabalhando em sinergia com antibióticos, que quando a presença de bolhas gasosas nos vasos inibem o crescimento de uma série de micror- venosos bloqueiam o fluxo e induz a hipóxia ganismos anaeróbicos e aeróbicos no local da que, por sua vez, provoca stress endotelial ferida 25. Há evidências de que o oxigénio hiper- seguido pela libertação de óxido nítrico (NO), bárico é bactericida para Clostridium perfrin- que reage com o anião superóxido para formar gens, além de promover um efeito inibitório peroxinitrito. Este, por sua vez, provoca stress definitivo no crescimento de toxinas, maio- oxidativo e perivascular, que levam à ativação ritariamente em microrganismos aeróbicos e de leucócitos e à sua adesão ao endotélio microaerófilos. A ação da OTH sobre os micror- 14 23 . ganismos anaeróbios é baseada na formação de Neovascularização / Angiogénese radicais livres como o superóxido, dismutase, A hipóxia é o principal factor estimulante catalase e peroxidase. Mais de 20 diferentes da angiogénese. No entanto, a deposição de exotoxinas bacterianas têm sido identificadas, colágeneo é aumentada por hiperoxigenação e e a mais prevalente é a alfa-toxina (fosfolipase é a matriz de colágeneo que fornece a base de C), que é hemolítica, necrosante e letal. Outras suporte para o crescimento de um novo leito toxinas, agindo em sinergia, induzem a anemia, capilar. Duas horas de tratamentos diários icterícia, insuficiência renal, cardiotoxicidade e com OTH são, aparentemente, responsáveis disfunção cerebral. A teta-toxina é responsável por estimular o oxigénio na síntese de colá- pela lesão vascular e consequente aceleração da geno. As restantes 22h de hipóxia real ou rela- necrose tecidular. No entanto, a OTH bloqueia tiva, em que o doente não é submetido a OTH, a produção de alfa e teta toxinas e inibe o cres- proporcionam a estimulação da angiogenese. cimento bacteriano18. 146 Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2 CONCLUSÃO 10.Singhal AB, Benner T, Roccatagliata L, Koro- Os perigos de toxicidade do oxigénio devem shetz WJ, Schaefer PW, Lo EH, et al. A Pilot estar sempre presentes em mente, mas a Study of Normobaric Oxygen Therapy in Acute hipóxia não pode ser deixada sem tratamento, Ischemic Stroke. Stroke - J. Am. Heart Assoc.. o que faz da oxigenoterapia normobárica uma 2005;36:797-802. boa solução como suplemento de oxigénio. 11.European Committee for Hyperbaric Medicine. A aplicação da oxigenoterapia hiperbárica, http://www.echm.org/ [[Acedido Maio, 2011]]. em certas condições clínicas bem definidas, é 12.Thom SR. Oxidative stress is fundamental to baseada na evidência científica e deste modo hyperbaric oxygen therapy. J. Appl. Physiol. há uma crescente familiarização por parte dos (Bethesda, Md: 1985). 2009;106(3):988-95. médicos para a sua utilização como uma terapia 13.Laet CD, Obyn C, Ramaekers D, Sande SVD, complementar. No entanto, é necessário conti- Neyt M. Hyperbaric Oxygen Therapy: a Rapid nuar a estabelecer esta evidência científica para Assessment. Brussels: Belgian Health Care outros casos clínicos ainda não explorados. Knowledge Centre2008. 14. Mortensen C. Hyperbaric oxygen therapy. Curr. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Mathieu D. Handbook on hyperbaric medicine: Kluwer Academic Pub; 2006. Anaesthesia & Critical Care. 2008;19(5-6):333-7. 15.Fernandes TD. Medicina Hiperbárica. Acta Medica Portuguesa. 2009;22:324-34. 2. Singh C, Singh N, Singh J, Brar GK, Singh 16.Sheridan RL, Shank ES. Hyperbaric oxygen G. Oxygen Therapy. J. Ind. Acad. Clin. Med. treatment: a brief overview of a controversial 2001;2(3):178-84. topic. J. Trauma. 1999;47(2):426-35. 3. 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O conhecimento da interação entre nanomateriais e meios biológicos permite a descoberta de aplicações mais racionais, podendo ajudar a entender e antever seus efeitos adversos e citotóxicos. A endocitose é um processo biológico dependente de energia que está envolvida na internalização de nanopartículas pelas células, e depende de eventos orquestrados que requerem o funcionamento coordenado dos lipídios e proteínas da membrana plasmática. Estudos que visam investigar em detalhes a endocitose e o tráfego intracelular de nanopartículas são indispensáveis para compreensão de mecanismos celulares ainda inexplorados e permitem projetar novas funções, que consequentemente auxiliam na escolha de aplicações biomédicas da nanotecnologia. Nesse contexto, esta revisão visa conceituar as principais vias de endocitose utilizadas no estudo da internalização de nanomateriais em células eucarióticas. Além disso, alguns destinos intracelulares de nanomateriais serão discutidos para auxiliar nos estudos do processamento celular de nanopartículas e desenvolvimento de novas ferramentas terapêuticas. Palavras-chave: Endocitose, nanopartícula, tráfego intracelular ABSTRACT Recent advances in nanotechnology have increased the use of nanomaterials and nanodevices for diagnostic, therapeutic and other technological applications. The knowledge about the interaction between nanomaterials and biological media allows the development of more rational applications, as well understand and anticipate adverse and toxic effects resulting from this interaction. Endocytosis is an energy-dependent biological process responsible for internalization of nanoparticles, which depends on orchestrated events that require lipids and plasma membrane proteins functioning. Studies that aim to investigate in detail the endocytosis and intracellular trafficking of nanoparticles are essential for understanding cellular mechanisms, which in turn help to select its biomedical applications. In this context, this review aims to conceptualize the main routes of endocytosis used to study the internalization of nanomaterials in eukaryotic cells. In addition, we discuss some intracellular trafficking of nanomaterials to aid in studies of the cellular processing and development of new therapeutic tools. Keywords: endocytosis nanoparticle, intracellular trafficking Nano-Cell Interactions Lab., Departamento de Bioquimica, Instituto de Biologia CP 6109, Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, 13083-970, Campinas, SP, Brasil Autor para correspondência: para correspondência: Marcelo Bispo de Jesus - e-mail: [email protected] -http:// lattes.cnpq.br/9611381402490228 1 Submetido/ Submitted: 2 outubro 2014 | Aceite/Accepted: 15 novembro 2014 © Ordem dos Farmacêuticos, SRP ISSN: 2182-3340 Ferreira L.A.B., Radaic A. , Pugliese G.O. , Valentini M.B. , Oliveira M.R. , de Jesus M.B. COMO OS NANOMATERIAIS ENTRAM NAS CÉLULAS? Estruturas em escala nanométrica, incluindo fazer o transporte através de células endoteliais nanopartículas, são abundantes na natureza e ginação e forma uma vesícula lipoproteica na estão presentes em nosso planeta há bilhões de porção interior da célula, que é então liberada anos (transcitose) 11–13 . Durante a endocitose, uma porção da membrana plasmática sofre inva- . Os exemplos mais comuns nos quais no citoplasma. Portanto, essa vesícula é consti- podemos encontrar estruturas em nanoescala tuída de uma porção da membrana plasmática, são leite, pólen, fumaça, emissões vulcânicas, bem como constituintes do meio externo confi- além de alguns micro-organismos, como vírus e nados em uma vesícula intracelular (Fig. 1). A bactérias. A vida na Terra evoluiu em presença endocitose pode ser classificada em fagocitose de nanoestruturas, de modo que a interação e pinocitose. A fagocitose é desempenhada por e internalização delas não é uma novidade. células do sistema imunológico, principalmente Existem até mesmo evidências de um meca- por fagócitos profissionais, como os monócitos, nismo de internalização rudimentar em seres macrófagos, neutrófilos, células dendríticas mais primitivos como bactérias 4. O fato da e mastócitos interação entre nanomateriais e células não internalizam materiais exógenos, geralmente ser um evento recente na natureza nos leva a com diâmetros maiores que 750 nm, para pensar que, durante esse tempo, as células formar um fagossomo que será processado no desenvolveram mecanismos para internalizar interior da célula. Já na pinocitose a vesícula e, muitas vezes, metabolizar nanomateriais . endocitada é chamada endossomo e essa via é Um exemplo disso é a defesa desenvolvida pelas virtualmente presente em todos os tipos celu- células contra patógenos intracelulares, seguida lares. A pinocitose pode ser dividida em endoci- da co-evolução dos patógenos para desenvolver tose mediada por clatrina, endocitose mediada estratégias moleculares para escapar desses por caveolina, macropinocitose ou endocitose mecanismos clatrina-caveolina independentes 5. 1–3 7,8 5,6 . Essa co-evolução dificulta o 11,14 . Nesse processo, as células desenvolvimento sistemas eficientes de carrea- A internalização de nanopartículas depende mento de fármacos ou genes para liberação de eventos orquestrados que requerem o intracelular . Nas células eucarióticas, animais funcionamento coordenado dos lipídios e e vegetais, o principal mecanismo de internali- proteínas da membrana plasmática. 9 zação, também utilizado pelos nanomateriais, é a endocitose. Vários aspectos são importantes para determinar a internalização de um nanomaterial, A endocitose é um processo biológico depen- como o tipo de interação que ele estabelece com dente de energia, vital para células eucarióticas a membrana plasmática, sua forma e compo- e altamente conservado entre tipos celulares sição, além de seu tamanho e revestimento 5,14,15. e espécies. Ela acontece com o dinâmico rear- A via de internalização será determinada por ranjo da membrana, dos microtúbulos, dos uma série de fatores, incluindo as propriedades filamentos de actina e filamentos intermediá- físico-químicas dos nanomateriais (tamanho, rios que são componentes do citoesqueleto da composição química, carga, funcionalização maioria das células eucarióticas da superfície, reatividade superficial, adsorção 10 . Normal- mente as células utilizam-se da endocitose para superficial, etc.) internalizar nutrientes, realizar transdução de essas vias serão melhor detalhadas e relacio- sinais, modular a composição da membrana nadas com a endocitose de nanomateriais. plasmática, reciclar receptores de membrana e 150 16 . Nas seções seguintes Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2 Endocitose mediada por Clatrina da curvatura da membrana A endocitose mediada por clatrina (EMC) revestida por clatrina possui aproximadamente é um dos mecanismos de internalização em 100-200 nm de diâmetro, sendo formada a células eucarióticas mais estudados e foi inicial- partir da constrição da membrana invaginada mente observado por Roth e Porter em 1964 pela GTPase dinamina, que libera a vesícula no ao investigarem a endocitose de proteínas em citoplasma gema de oocisto do mosquito Aedes aegypti polimerização de actina e miosina de classe I . Após alguns anos, Pearse (1975) avaliou a para gerar a invaginação da membrana, estru- formação de vesículas em membranas sináp- turação da vesícula revestida, recrutamento ticas por microscopia eletrônica, observou para o citoplasma e cisão da vesícula. Algumas uma estrutura proteica que revestia as vesí- proteínas adaptadoras e a proteína miosina culas em formação, as quais eram capazes de VI também são essenciais para o transporte interagir com outras moléculas e serem trans- das vesículas para endossomos precoces 17 5,24–27 22–24 . A vesícula . Outro fator importante é a 10 . portadas para compartimentos celulares espe- A EMC pode influenciar no destino ou cíficos. Portanto, Pearse propôs que se tratava degradação lisossômica de nanomateriais. Esse de um importante exemplo de uma classe de fator é relevante quando se utiliza nanopartí- proteínas, denominando-a de clatrina . culas como carreadores de fármacos ou genes. 18 A EMC é considerada uma “rota clássica” de pela de fármacos (drug delivery), a forma pela qual essenciais a partícula é endocitada pode fazer com que a para sobrevivência celular. Esta via endocí- nanopartícula seja degradada pelas enzimas tica também desempenha papel importante lisossomais e não chegar ao alvo destinado. na internalização de complexos de receptores Estabelecer estratégias para promover o escape de membrana, transportadores de metais, dos endossomos e evitar a degradação lisos- moléculas de adesão e os receptores de sina- somal é vital para o sucesso da terapia lização, citocinas, neurotransmissores, pató- esse motivo, essa via de internalização deve ser genos, antígenos e lipoproteínas . Outras evitada quando o alvo do tratamento não são funções da EMC incluem a regulação nega- os lisossomos, ou quando o escape dos endos- tiva da sinalização celular por internalização somos não querer a acidificação do endossomo. absorção internalização, de vários responsável No uso de nanopartículas para carreamento nutrientes 19–22 28–30 . Por ou degradação de receptores e manutenção da homeostase celular, por exemplo, por meio de Endocitose mediada por Caveolina bombas de íons de tráfico intracelular . A endocitose mediada por caveolina é outro O mecanismo de formação relacionado mecanismo que permite a internalização de com a EMC envolve a formação de uma vesí- nanopartículas. Caveolinas são proteínas de cula a partir da polimerização de uma proteína 22-24 kDa incorporadas na porção citosó- citosólica chamada clatrina-1, que também lica da membrana plasmática e com porções requer o auxílio proteínas adaptadoras AP180 N- e C-terminais encontradas voltadas para e AP-2 o citoplasma 22,24 5,19,20,23 . A clatrina é uma proteína composta 31 . Logo que essas proteínas são por estruturas denominada trisquélions, que sintetizadas, elas são inseridas na membrana possuem três cadeias pesadas (~190 kDa) e do retículo endoplasmático e levadas pela via três cadeias leves (~25 kDa). Os trisquélions secretora do retículo, formam complexos homo se configuram para gerar uma estrutura hexa- e heteroligoméricos no complexo de Golgi e gonal e pentagonal, que propicia a formação são transportadas para a membrana plasmática 151 Ferreira L.A.B., Radaic A. , Pugliese G.O. , Valentini M.B. , Oliveira M.R. , de Jesus M.B. como conjuntos de aproximadamente 100-200 plasmática liberando o endossomo no cito- moléculas de caveolina. É importante ressaltar plasma, são essenciais para a endocitose que essas proteínas não estão funcionais até a mediada por. Também têm participação na sua chagada à membrana plasmática. Ao serem endocitose mediada por caveolina as proteínas depositadas na membrana plasmática, onde de membrana associadas à vesícula (VAMP2 - desempenham seu papel biológico relacionado vesicle-associated membrane protein) e proteínas não só a endocitose, mas também a sinalização associadas ao sinaptossoma (SNAP - synapto- celular some-associated protein), que mediam a fusão do 31,32 . A caveolina é encontrada em invaginações da membrana plasmática em forma de balão com tamanho entre 50-100 nm denominada cavéolas endossomo com outras vesículas intracelulares, além de outras proteínas como GTPases 39,40. Essa via aparenta ser mais lenta in vitro . Encontram-se associadas às quando comparada com a via de EMC. Contudo cavéolas, microdomínios de membrana enri- o mais importante é que em alguns casos essa quecidas com fosfolipídios, esfingolipídios e via pode evitar a degradação lisossomal colesterol, conhecidos como lipid rafts . As Além disso, as vesículas de cavéola transportam cavéolas são particularmente abundantes em e se fundem aos caveossomos ou corpos multi- células endoteliais, nas quais podem consti- vesiculares (MVBs), que possuem um pH tuir de 10 a 20% das proteínas da membrana neutro 5. Por essa mesma razão, acredita-se que plasmática. São também encontradas em adipó- esta via é benéfica para a entrega de proteínas citos, fibroblastos e células de músculo liso . e DNA 5. Entretanto, essa visão foi colocada Por outro lado estão ausentes em neurônios e em cheque após a descoberta de que os caveos- leucócitos 33 33,34 35,36 41,42 . , ausentes também em algumas somos possuem um pH ácido, ao contrário do linhagens de células tumorais, como a linhagem que se acreditava e a discussão sobre a endo- de câncer de próstata PC3 . A caracterís- citose mediada por caveolina como uma via tica marcante da cavéola é a presença de uma facilitadora da entrega de ativos permanece em proteína de membrana com estrutura grampo aberto 43,44. 5,37 38 chamada caveolina-1 (Cav1), na qual é indis- Há relatos na literatura de diversos nanoma- pensável para a formação da cavéola. A Cav1 teriais internalizados pela via da caveolina. Essa faz com que a cavéola assuma sua estrutura em via tem atraído grande atenção na nanomedi- forma de frasco e possa envolver moléculas que cina por ter sido sugerida como via de escape se ligam em sua superfície 5. Até 144 moléculas à degradação lisossomal caveolina foram apontadas na incorporação de endocitose mediada por caveolina é a via fisio- uma única estrutura caveolar . Além da Cav1, lógica para transcitose. Dessa forma, ela pode que está presente na maioria das células, há ser empregada para entrega trans-vascular de outras isoformas como caveolina-2 (Cav2), a nanomateriais, por exemplo para a entrega de qual auxilia e facilita a endocitose, porém não é ativos no sistema nervoso central, onde há a essencial para a formação da cavéola; e a caveo- necessidade de atravessar barreira hematoence- lina-3 (Cav3), que é expressa especificamente fálica 32,46–48 35 5,36,45 . Além disso, a nos músculos estriados cardíacos e esqueléticos33,35. Macropinocitose Proteínas como cavina, responsáveis pela Macropinocitose pode ser definida como a indução da curvatura da membrana, e dina- internalização de grandes quantidades de mate- mina, que realiza a constrição da membrana rial extracelular, e é caracterizada pela movimen- 152 Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2 tação da membrana plasmática induzida por uma diferenciadas, tais como os fagócitos profissio- ativação global do citoesqueleto de actina. Essa nais que desempenham papéis significativos via envolve a transposição de grande quantidade no sistema imunológico, como a endocitose de de fluido externo através da formação de ondu- antígenos e a liberação de corpos apoptóticos e lações na extensão da membrana plasmática: as células necróticas. Além disso, tem sido suge- projeções citoplasmáticas se fundem a membrana rida como uma via endocítica eficaz para a inter- como ondas resultando em grandes vacúolos nalização de drogas nas células. Curiosamente endocíticos, heterogêneos em tamanho e morfo- a macropinocitose também pode ser induzida logia, chamados macropinossomos por vírus e bactérias. Esses organismos, assim . Os macropi- 49,50 nossomos oferecem uma rota eficaz para a endo- como protozoários e príons citose de macromoléculas não seletíveis e são ativar essa via para invadir as células hospe- fáceis de distinguir de outras vesículas formadas deiras. 52,54,58,59 , podem durante a pinocitose, uma vez que são estru- Em relação à internalização de nanopartí- turas substancialmente maiores (0.5-10 µm), não culas, foi descrita recentemente a internalização revestidas e que se encolhem durante a sua matu- de quantum dots através de macropinocitose ração intracelular . Nanopartículas mesoporosas de sílica são prin- 51 60 . Embora a definição de macropinocitose cipalmente internalizadas em células Hela por possa dar a impressão de ser um processo EMC, entretanto a internalização via macropi- aleatório, trata-se na verdade de um processo nocitose mostrou uma liberação mais eficiente celular muito complexo e bem coordenado de agentes quimioterápicos nessas células 49 . 61 . Sabe-se hoje que macropinocitose é um tipo de Ademais, a macropinocitose é descrita como endocitose regulada por actina que, ao contrário uma das principais vias para a internalização de dos mecanismos de endocitose acima discu- nanopartículas maiores (> 300 nm) 62. tidos, não é conduzida diretamente pela carga ou pelos receptores associados 15 . O processo é geralmente iniciado por estímulos externos através da ativação transiente de receptores Endocitose independente de Clatrina e Caveolina Atualmente as vias de endocitose mediadas de tirosina quinases (RTKs), que por sua vez por ativam proteínas chave da sinalização celular, podem ser consideradas vias clássicas, tanto como Ras, PLC e PI3 quinase. Essas proteínas pelo conhecimento em torno dessas vias, como coordenam as mudanças em filamentos de ferramentas que dispomos para estudá-las. actina, gerando uma agitação na membrana Entretanto, as células animais possuem outros plasmática e essa perturbação na membrana mecanismos de endocitose, que atualmente se projeta sobre os fluidos no meio extracelular. são menos conhecidos, mas nos últimos anos Além disso, membros da família Rho e seus vem se mostrando biologicamente relevante efetores também são requeridos para ativação para o funcionamento celular da maquinaria de polimerização de actina e estas vias foram caracterizadas em células de ondulação da membrana plasmática . mamíferos, mas estudos mais recentes têm 52,53 50 clatrina, caveolina e macropinocitose 63 . Inicialmente, A macropinocitose tem um papel impor- mostrado a existência dessas vias também em tante para a motilidade celular e obtenção de outros organismos modelos como Caenorhab- nutrientes, consequentemente, é bastante estu- ditis elegans, Drosophila melanogaster, Dictyostelium dada no contexto da progressão e metástase de discoideum e células vegetais 64–67 e fungos 68. câncer 54–57 . É importante também para células Para mamíferos, já foi demonstrado na lite- 153 Ferreira L.A.B., Radaic A. , Pugliese G.O. , Valentini M.B. , Oliveira M.R. , de Jesus M.B. ratura que parte dos produtos extracelulares, cerca de 50% de toda atividade endocitária69, são internalizados Glebov et al. (2006)83 colocalizaram floti- de lina-1 em cargas endocitadas e mostraram que o , como fluído extrace- nocaute de flotilina-1 reduz a internalização da lular, proteínas ligadas a Glicosilfosfatidilino- glicoproteína CD59 na subunidade B da toxina sitol, interleucinas, hormônios de crescimento de cólera 83. Já Frick et al. (2007)85 demostraram, entre outros compostos. Tais vias também através de micrografias eletrônicas, que micro- são utilizadas para a invasão de patógenos e domínios ricos em flotilina-1 e flotilina-2 não toxinas, além de possuírem grande participação coincidem com invaginações com caveolina-1, na transdução de sinais celulares . fortalecendo a ideia de que são vias distintas 85. clatrina e caveolina independentemente relação molecular em suas sequências 84. 11,70,71 72 As vias de endocitose independentes de Em estudo mais recente, Sorkina et al. (2013)86 clatrina e caveolina vêm sendo constantemente relatam que os microdomínios de flotilina exploradas e descritas. Uma série de inibi- podem funcionar também como moduladores dores e ferramentas já vem sendo utilizadas de internalização por clatrina para transpor- para caracterizar essas vias . Entretanto, tador de dopamina (DAT) e propõem as floti- as distinções entre essas vias ainda não são linas como moduladores que podem organizar tão evidentes e há, ainda, dificuldade em microdomínios, regulando a mobilidade lateral encontrar inibidores específicos para carac- de DAT 86. Entretanto, alguns detalhes molecu- terizá-las lares da via, como a dependência ou indepen- 75–78 63,79–81 5,45,73,74 . Dentre as principais formas alternativas de endocitose podemos destacar: dência de dinamina permanece em aberto 82. endocitose mediada por flotilina; endocitose Para nanomateriais, foi demonstrado que a mediada por CDC42; endocitose mediada internalização de compostos catiônicos (como por Arf6 e endocitose mediada por RhoA4. A lipídios, poliaminas e peptídeos) pode ser seguir, cada uma dessas formas de endocitose é mediada por de flotilina-1 brevemente descrita plexos catiônicos 87 72 , bem como poli- . Além desses exemplos, a participação de flotilina-1 e -2 foi demonstrada Endocitose mediada por Flotilina na internalização de nanopartículas de sílica em A família das flotilinas é composta por duas células epiteliais de pulmão e células endote- proteínas altamente homólogas – flotilina-1 e liais 88. Com os avanços nos métodos de estudo flotilina-2 também denominadas, respectiva- e a descoberta de novos inibidores para essa via, mente, de reggie-2 e reggie-1 – que cumprem em um futuro próximo essa via é forte candidata várias funções como sinalização celular e inte- para se juntar as vias clássicas de endocitose. ração com o citoesqueleto, além da endocitose. Porém não há consenso na literatura com Endocitose mediada por CDC42 relação aos detalhes moleculares do funcio- A proteína controladora da divisão celular namento dessa família de proteínas . São 42 (Cdc42) é membro da superfamília Ras e, proteínas associadas a membranas e também como tal, a Cdc42 interage com diversos subs- estão ligadas a microdomínios lipídicos, bem tratos, mas principalmente no crescimento como as caveolinas. Por isso, flotilinas são celular, polimerização de actina, mudanças no consideradas marcadores desses microdomínios citoesqueleto, processamento de RNA e endo- lipídicos . Além disso, possuem grande homo- citose 89. 82 82 logia estrutural quando comparadas à caveolina-1 154 83 , apesar de não possuírem nenhuma Dentro do seu âmbito de ação, a Cdc42 é responsável pela internalização de proteínas Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2 ancoradas em Glicofosfatidilinositol (GPI) GEEC 90,94–96. desagrupadas na membrana, como também Sabharanjak et al. (2002)90 observaram internalização de grande volume de fluido grande especificidade nos nanodomínios lipí- extracelular e toxinas ligadas a lipídios . Cada dicos formados na via dependente de Cdc42. vez mais estudos têm demonstrado que esse Os autores verificaram que proteínas cujas mecanismo pode constituir uma via alterna- âncoras de GPI foram trocadas por caudas tiva a clatrina e caveolina transmembranares 90 11,90–92 . Nesse caso, o ou que possuiam a porção C-terminal da Cdc42, ligando-se aos excluídas da internalização . Porém, o maqui- lipídios presentes na membrana celular , mais nário celular associado para esta especifici- especificamente a fosfatidilinositol 4,5-bifos- dade, a formação do próprio CLIC, sua natu- fato de sítios enriquecidos com esfingomie- reza e os papéis de seus efetores principais linas e colesterol, formando nanodomínios ainda permanecem obscuros na literatura 11,92 . Esses domínios nanométricos são essenciais citoplasmáticas não funcionamento da via endocítica se inicia com 11 extensões proteínas foram 90 Lu & Low (2002) 97 11,90 . relatam que é possível para a internalização, pois parecem funcionar utilizar receptores de folato para internali- como sinalizadoras deste mecanismo de inter- zação de nanomateriais. Os receptores de folato nalização , além de serem sensíveis à remoção são proteínas ancoradas por GPI e, uma vez de colesterol da célula . ativados, internalizariam através da via Cdc4297. 91 90 Com a formação dos nanodomínios, há A partir dessa ideia, Dixit et al. (2006)98 produ- o recrutamento das proteínas de membrana ziram nanopartículas de ouro conjugadas com para domí- polietilenoglicol (PEG) modificado por ácido nios maiores nos quais a endocitose aparenta fólico e demonstraram internalização destas ocorrer nanopartículas em células de câncer mas não regiões 11,90 específicas, formando . Curvaturas da membrana ou de vesículas iniciais, são mediadas primariamente significativa em linhagens não-cancerígenas por carreadores independentes de clatrina Entretanto, a relação entre os nanomateriais (CLIC, do inglês, clathrin independent carrier) e e essa via de internalização ainda carece de caveolina . Essas curvaturas e vesículas se estudos e há poucas referências na literatura o fundem e formam um compartimento endos- papel e a relevância dessa via de internalização. 11,90 98 . somal enriquecido com proteínas ancoradas por GPI (também denominado de GEEC ou GPI- Endocitose mediada por ARF6 -Enriched Endocitic Compartiment). Neste ponto, a O fator 6 de ribosilação em adenosina difos- Cdc42 sinaliza para a polimerização de actina, fato (ARF6) pertence também à superfamília gerando a invaginação alongada característica Ras de pequenas proteínas ligantes de GTP. desta via endocítica . Essa proteína interage e influencia diversos 90 Essa via aparenta ser independente de dina- processos celulares, tais como o tráfego trans- mina, clatrina, caveolina, RhoA e receptor de membranas e remodelamento da actina no interleucina-2β citoesqueleto 99. 90,93 . Há inclusive, relatos na literatura de que ela pode se destinar não só A via endocítica dependente de ARF6 tem para endossomos, como nas vias dependentes sido descrita como uma das principais vias de clatrina e caveolina, mas também para o retí- independente de clatrina e caveolina culo endoplasmático e/ou para o complexo de pois para esta via tem sido demonstrado a Golgi. Entretanto, ainda há grande discussão internalização de diversos substratos com sobre qual o destino final das vesículas CLIC/ várias atividades celulares distintas, tais como 63,100,101 , 155 Ferreira L.A.B., Radaic A. , Pugliese G.O. , Valentini M.B. , Oliveira M.R. , de Jesus M.B. Figura 1. Principais vias de endocitose de nanopartículas em células eucarióticas. A etapa inicial representa principais vias de endocitose usadas para o estudo da internalização de partículas, que tem como consequência a formação de vesículas intracelulares - fagocitose, macropinocitose, endocitose mediada por clatrina, endocitose mediada por caveolina e endocitose clatrina e caveolina independentes (flotilina e Glic-Glec). A segunda etapa representa a via clássica de tráfego intracelular que envolve o processamento das nanopartículas a partir do amadurecimento do endossomo precoce, com destino à degradação lisossomal do material endocitado. proteínas CD59 ligada a GPI, enzima carboxi- dade,102–106. A super-expressão de ARF6 resulta peptidase E, receptor metabotrópico de gluta- na produção de ondulações na membrana e mato 7, proteína E de adesão dependente de induz macropinocitose cálcio (E-caderina), integrinas e proteínas internalização aparenta ser distinto das estru- do complexo principal de histocompatibili- turas encontradas na via CLIC/GEEC 11,99. 156 103 . Esse aparato de Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2 A endocitose dependente de ARF6 aparenta O mecanismo da via é semelhante ao da ser independente de dinamina e seus endos- Cdc42 somos podem se comunicar com comparti- mente, porém já foi demonstrado que são mentos positivos com transferrina, endossomos mecanismos distintos, pois algumas proteínas positivos para Rab-5, o canal de potássio Kir3-4 chaves desta via, como a própria RhoA, a dina- e a via de reciclagem dependente de ARF6 (CLIC/GEEC) explicitado anterior- , mina e os receptores de Interleucina-2γ (sem através da qual grande parte das proteínas as quais esta via é inibida), não estão presentes endocitadas podem voltar à membrana plasmá- para a via Cdc42 11,27,67,89,91,109,111. 11,106 tica 99. Essa via, quando ativa, provoca o recruta- Nesse caso, o modo de formação vesicular mento de receptores de interleucinas-2γ através proposto é similar ao descrito para CLIC/GEEC. da formação de microdomínios lipídicos Arf6 ativa a enzima fosfatidilinositol 4-fosfato Neste ponto, a retirada de esfingolipídios e 5-quinase que é responsável por gerar mais colesterol interrompe a internalização11,68,111. fosfatidilinositol 4, 5-bifosfato. Então, Arf6, se Inicialmente, há curvatura da membrana ou liga ao Fosfaditilinositol 4, 5-bifosfato produ- vesículas iniciais, que são mediadas primaria- zido, modificando a estrutura da membrana mente por carreadores ou proteínas que auxi- 99 , 113 . e recruta proteínas membranares para o sítio liam na sua formação em questão. Arf6 também se liga e ativa fosfo- vesículas se fundem, então, formando um lipase D, enzima que hidrolisa fosfatidilcolinas compartimento endossomal enriquecido com em ácido fosfatídico, provocando perturbações domínios lipídicos e os receptores. Após isso, na membrana plasmática . Todas essas a proteína RhoA sinaliza para a modificação modificações facilitam a formação da inva- do citoesqueleto, gerando a invaginação na ginação e das vesículas . Por último, Arf6 membrana plasmática. As invaginações depen- modula e modifica as fibras de actina, formando dentes de RhoA se mostram uniformes e com a invaginação e a vesícula endocitária tamanhos entre 50-100 nm 99,107–110 99 99 . 26 . Essas curvaturas/ 26 . Até o presente Apesar da vasta gama de produtos interna- momento, a dinamina aparenta ser necessária lizados por essa via e a sua importância celular, para a cisão de invaginação, transformando-a ainda é necessário identificar as proteínas numa vesícula endossômica 11,111–113. diretamente ligadas com a Arf6 e auxiliam na modulação da via Iversen et al. (2012)60 demonstrou que a . Até o momento, não foi internalização de quantum dots associados encontrado relatos de internalização de nano- com ricina acontece de forma independente materiais através esta via. de RhoA60 e dependente de CAM 99 114,115 . Isso ressalta que ainda são necessários novos Endocitose mediada por RhoA estudos para elucidar não só o mecanismo de A função da proteína RhoA está atrelada operação da via dependente de RhoA, assim à reorganização do citoesqueleto e polimeri- como outras proteínas correlatas 26, o que pode zação de actina 111. Encontra-se associada com a auxiliar na aplicação desta via como forma de regulação e controle de vesículas revestidas de internalização de nanomateriais. clatrina em células HeLa, inibindo a internalização quando ativadas, assim como a estimu- O QUE ACONTECE COM OS NANOMATERIAIS lação e perturbações na membrana plasmática DEPOIS QUE ENTRAM NAS CÉLULAS? 112 e está intimamente ligada com a internalização de receptores de interleucina-2ß 113 . Como discutido anteriormente, o material endocitado encontra-se confinado em uma 157 Ferreira L.A.B., Radaic A. , Pugliese G.O. , Valentini M.B. , Oliveira M.R. , de Jesus M.B. vesícula lipoproteica no citoplasma. Portanto, escapar do endossomo. Isso pode ser alcançado essa vesícula é constituída de uma porção através da funcionalização do nanomaterial, da membrana plasmática, bem como consti- que pode desempenhar um importante papel tuintes do meio externo confinados em uma na reorientação da partícula para subcompar- vesícula intracelular (Figura 1). Através de timentos celulares específicos. A alteração de uma série de eventos de fusão e fissão, seu carga de superfície é uma das alternativas para conteúdo passa por um processo de maturação escapar do lisossomo, promovendo a interação que envolve a diminuição do pH no lúmen da direta das nanopartículas com a membrana vesícula e a fusão com endossomos tardios até, endossomal devido à inversão seletiva da carga por fim, chegar aos lisossomos, onde ocorre a de superfície (aniônica para catiônica) degradação do material endocitado. É impor- funcionalização com uma amina na superfície tante ressaltar que diferentes modelos foram da partícula é um exemplo que pode auxiliar propostos para explicar como o material endoci- na liberação do material endocitado através de tado passa de endossomo a lisossomo. Há pelo um evento denominado “esponja de prótons¨ menos quatro teorias, i. maturação, ii. vesicular, que, através da protonação da amina (pK ≈ 6) iii. transferência de conteúdo (kiss-and-run) e no ambiente ácido do endolisossomo, leva a um iv. modelo híbrido, que podem explicar esse influxo de íons de cloro e de água, promovendo processo, a discussão a fundo dessas teorias um desequilíbrio osmótico, propicia o inchaço foge do escopo dessa revisão (para maiores do endolisossomo, pode levar a uma desor- detalhes ver ). Entretanto essa é uma área ganização momentânea da membrana endos- em pleno desenvolvimento e os conhecimentos somal e consequente liberação do conteúdo do gerados por ela terá impactos significativos no endossomo transporte intracelular de nanomateriais. A do endossomo inclui a conjugação de nano- rota clássica (endossomo precoce, endossomo partículas com proteínas fusogênicas como a tardio, lisossomos) não é a única via de tráfego melitina, que propicia a fusão de lipídios de intracelular para os materiais endocitados. Esse membrana entre duas vesículas opostas, aproxi- processo depende de diversos fatores como a mando proteínas e lipídeos de membrana e leva natureza química das nanopartículas, além de a uma fusão do conteúdo luminal sem lise28,127. essas propriedades a distribuição intracelular Outra estratégia interessante é a utilização de nanopartículas é dependente da linhagem de moléculas fotossensíveis, pois a radiação celular estudada e também de tempo de expo- eletromagnética pode provocar a libertação sição e das linhagens celulares dessas moléculas endocitadas para o citoplasma 116–118 119–122 . 125,126 125 . A . Outra estratégia para escapar A acidez e a presença de uma variedade e contidas nas vesículas. Nesse processo, as de enzimas líticas fazem dos lisossomos uma membranas endossomais são altamente danifi- estação de degradação de materiais endocitado, cadas pela utilização fotossensibilizadores anfi- uma vez que a degradação lisossomal é uma das fílicos e o resultado é a subsequente libertação maiores barreiras para as estratégicas terapêu- das nanopartículas aprisionadas para o citosol, ticas intracelulares como observado para a liberação de LDL intra- 9,10,123,124 . Como a maioria das aplicações de nanotecnologia não tem celular de nanopartículas lipoproteicas 128. como objetivo o lisossomo, com exceção do Após o escape lisossômico, muitas estraté- tratamento de algumas disfunções lisossomais gias também são utilizadas para determinar o como a doença de Niemann-Pick, é necessário destino final de um nanopartícula. As nanopar- que o as terapias se valham de estratégias para tículas podem se direcionar para diversas orga- 158 Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2 Figura 2. Principais proteínas residentes e marcadores de organelas no tráfego de nanopartículas. A figura ilustra alguns exemplos de proteínas utilizadas para o estudo dos destinos intracelulares de nanopartículas - Endossomos precoces: Rab4, Rab5, e EEA1; Endossomo tardio: Rab7; Lisossomos: Lamp1 e Lamp2; Endossomo de reciclagem: Rab11; Exossomos: CD63 e Hsc70; Complexo de Golgi: Giantina, GM130 e TGN38; Retículo endoplasmático: Calnexina. nelas e isso dependerá de sua estabilidade frente para determinar a promoção de suas aplica- a degradação lisossomal ções131. O conhecimento do destino intrace- físico-químicas 10,129 , características 130 lular de nanopartículas é muito importante na e afinidade nanopartícula-organela . O destino avaliação do efeito citotóxico, ou então, para o intracelular de uma nanopartícula pode ser de diagnóstico e terapia de diversas enfermidades. modo específico (nanopartícula-organela alvo), Para estudar esse processo de tráfego intrace- ou então de modo inespecífico para diversas lular ou mesmo o destino intracelular de um organelas simultaneamente, por exemplo o nanomaterial, diversos marcadores de orga- núcleo, complexo de Golgi, retículos endo- nelas ou estruturas vem sendo desenvolvidas. plasmáticos, mitocôndria, entre outros . A Figura 2 resume os alvos desses marcadores. Os estudos que visam investigar o tráfico Essas estratégias utilizam-se de proteínas resi- intracelular de nanopartículas são essenciais dentes ou marcadores de organelas, como 119 , tempo de internalização 28 28,130 159 Ferreira L.A.B., Radaic A. , Pugliese G.O. , Valentini M.B. , Oliveira M.R. , de Jesus M.B. Rab4, Rab5, e EEA1 para endossomos precoces; internalizadas por mais de uma via (por ex. Rab7 para endossomos tardios; Rab11 para clatrina e caveolina) o que pode resultar em endossomos de reciclagem; CD63 e Hsc70 para respostas biológicas distintas, uma vez que uma exossomos; Giantina, GM130 e TGN38 para via pode levar a uma degradação mais eficiente. complexo de Golgi, Calnexina para retículo Esses fatores devem ser levados em conside- endoplasmático e Lamp1 e Lamp2 para lisos- ração no estudo da interação das nanopartículas somos. Geralmente são empregadas técnicas com o ambiente celular. Essa é uma área multi- de microscopia (de fluorescência, eletrônica, disciplinar que apesar de não ser completa- de força atômica), principalmente microscopia mente compreendida atualmente está em pleno confocal, para a colocalização de organelas e desenvolvimento, bem como as técnicas e ferra- nanomateriais, para assim traçar o caminho mentas utilizadas nessa área, da qual espera-se percorrido nas células. no futuro próximo grandes descobertas e uma importante contribuição para uma aplicação CONSIDERAÇÕES FINAIS segura e eficiente de nanomateriais. A produção de nanomateriais vem se tornando cada vez mais expressiva, portanto, REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS concomitantemente há uma crescente preo- 1. Buzea C, Pacheco II, Robbie K. Nanomaterials cupação a respeito do uso, manipulação e and nanoparticles: Sources and toxicity. Biointer- eliminação desses materiais. Muitas intera- phases 2007;2(4):MR17-MR71. ções fundamentais entre nanomateriais e o 2. Oberdörster G, Oberdörster E, Oberdörster J. meio biológico ainda não são completamente Nanotoxicology: An Emerging Discipline Evol- compreendidas. Em grande parte dos estudos ving from Studies of Ultrafine Particles. Environ. sobre a aplicação de nanomateriais, há lacunas Health Perspect. 2005;113(7):823-839. sobre os mecanismos moleculares envolvidos. 3. Oberdörster G, Maynard A, Donaldson K, et O conhecimento da endocitose e os destinos al. Principles for characterizing the potential intracelulares de nanopartículas são indispen- human health effects from exposure to nano- sáveis para projetar aplicações terapêuticas, materials: elements of a screening strategy. Part. além de ser útil na avaliação citotóxica desses Fibre Toxicol. 2005;2(1):8. materiais. O estudo do tráfego celular tem 4. Jermy A. Evolution: Bacterial endocytosis unco- grande importância no desenvolvimento de vered. Nat. Rev. Microbiol. 2010;8(8):534-535. nanocarreadores, pois quando definido o alvo 5. 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Acta Farmacêutica Portuguesa 2014, vol. 3, n. 2, pp. 167-171 Resistência a medicamentos biológicos – Estudo preliminar sobre a prevalência de anticorpos anti-infliximab Resistence to biological drugs – preliminary study on the prevalence of anti-infliximab antibodies Pinto R.1,2, Domingos C. 1, Centeno A.1, Cardoso C. 1 ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE Short communication RESUMO Os inibidores do Fator de Necrose Tumoral (iTNF), (infliximab (IFX), adalimumab, etanercept, Certolizumab Pegol e Golimumab), revelam-se muito úteis na abordagem terapêutica das doenças inflamatórias crónicas. A resposta inicial à terapêutica com estes fármacos revela-se aceitável para cerca de 60-70% dos doentes. Contudo, existe uma % significativa de doentes que não responde a esta terapêutica. Estas resistências podem dever-se a uma inadequada concentração plasmática do fármaco e/ou presença de anticorpos anti-fármaco em circulação. Este estudo teve por objectivo determinar, em doentes sujeitos a terapêutica com IFX, as pecentagens dos que apresentavam concentrações sub-terapêuticas de fármaco e dos que evidenciavam presença de Ac. anti-infliximab (AcIFX). Foram avaliadas 177 amostras plasmáticas para doseamento do IFX e 146 para doseamento dos AcIFX. Os resultados mostram que 22% das amostras apresentam concentrações sub-terapêuticas de IFX. A prevalência dos AcIFX obtida foi de 23% com 7.5% destas amostras com concentrações óptimas de IFX. A implementação de um programa de monitorização laboratorial destes fármacos resulta da necessidade de garantir, por um lado, a eficácia do tratamento com estes fármacos e, por outro, o uso racional destes medicamentos, cujo custo é bastante elevado.. Palavras-chave: Infliximab, Medicamentos Biológicos, Monitorização Laboratorial. ABSTRACT Inhibitors of Tumor Necrosis Factor (iTNF) (infliximab (IFX), adalimumab, etanercept, certolizumab pegol and golimumab), prove to be very useful in the therapeutic approach to chronic inflammatory diseases. The initial response to treatment with these drugs is acceptable for approximately 60-70% of patients. However, there is a significant percentage of patients who do not respond to this therapy. These non-responders can be due to an inadequate concentration of the drug in plasmatic samples and/ or presence of anti-drug antibodies in circulation. This study was design to determine, in patients undergoing therapy with IFX, the % of those who had sub-therapeutic concentration of the drug and the % of those that evidenced the presence of antiinfliximab antibodies (AcIFX). 177 plasmatic samples were evaluated for determination of IFX and 146 for determination of AcIFX. The results show that 22% of the samples have sub-therapeutic levels of IFX. The prevalence of AcIFX obtained was 23% with 7.5% of these samples with optimal level of IFX. The implementation of a laboratory monitoring program of these drugs is based on the need to ensure the effectiveness of treatment with these drugs, and provide the rational use of these therapeutic drugs, that are very expensive. Joaquim Chaves Saúde - Dr. Joaquim Chaves Laboratório Análises Clínicas - Miraflores, Algés, Portugal Departamento de Ciências Farmacológicas - Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, Portugal Autor para correspondência: Carlos Cardoso, e-mail: [email protected] 1 2 Submetido/ Submitted: 9 outubro 2014 | Aceite/Accepted: 20 novembro 2014 © Ordem dos Farmacêuticos, SRP ISSN: 2182-3340 Pinto R., Domingos C., Centeno A., Cardoso C. INTRODUÇÃO Nas últimas duas décadas, estes fármacos e, Um medicamento biológico é aquele cuja em especial os inibidores do Factor de Necrose substância activa é obtida ou derivada de um Tumoral (iTNF) tais como: o infliximab, o organismo vivo (Figura 1). Incluêm-se nesta adalimumab, o etanercept, o Certolizumab categoria de medicamentos, os imunomode- pegol e o golimumab, revelaram-se muito úteis ladores que, por diversos mecanismos, podem na abordagem terapêutica de algumas doenças modificar a resposta imunitária do doente1. inflamatórias crónicas (Figura 2) 2. CLASSES FARMACO HORMONAS INSULINA, HORM. CRESCIMENTO CITOCINAS INTERFERÕES, INTERLEUCINAS FATORES DE CRESCIMENTO ERITROPOIETINA FATORES DE COAGULAÇÃO FATORES ANTI-HEMOFILICOS A e B HEPARINAS HEPARINA, ENOXAPARINA ANTICORPOS MONOCLONAIS INFLIXIMAB, ADALIMUNAB PROTEÍNAS DE FUSÃO ETANERCEPT, ABATACEP Figura 1. Diferentes classes de Medicamentos Biológicos1 Abatacept (Orencia - 2007) Art. Reumatóide; Art. Idiopática Juvenil Adalimumab (Humira - 2003) Art. Reumatóide, Art. Idiopática Juvenil; Art. Psoriática; D. Crohn, Psoriase; Espondilite e anquilosante Etamercept (Enbrel - 2000) Art. Reumatóide, Art. Idiopática Juvenil; Art. Psoriática; Psoriase; Espondilite e anquilosante Golimunab (Simponi - 2009) Art. Reumatóide, Art. Psoriática; Espondilite e anquilosante Infliximad (Remicade - 1999) Art. Reumatóide, Art. Psoriática; Colite ulcerativa; D. Crohn, Psoriase; Espondilite e anquilosante Natalixumab (Tysabri - 2006) Esclerose múltipla Rituximab (Mabthere - 2006) Art. Reumatóide Tocilizumab (Roactemra - 2009) Art. Reumatóide; Art. Idiopática Juvenil Ustecinumab (Stelera - 2009) Psoríase Figura 2. Indicações Terapêuticas de alguns Medicamentos Biológicos2. 168 Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2 De facto, a resposta inicial à terapêutica com MATERIAL E MÉTODOS estes fármacos revela-se aceitável para cerca de Foram avaliadas 177 amostras plasmáticas 60 a 70% dos doentes. Contudo, existe uma para doseamento do IFX e 146 para doseamento percentagem ainda significativa de doentes dos AcIFX, com origem em 177 doentes subme- que não responde a esta terapêutica, quer seja tidos a terapêutica com IFX, provenientes na no seu início (resistência ao fármaco primária/ sua maioria de Serviços de Gastrenterologia e intrínseca), quer seja após uma resposta inicial Reumatologia de diferentes Unidades Hospita- adequada (resistência ao fármaco secundária/ lares da área de Lisboa que mantêm protocolos adquirida) . Algumas das razões para esta dimi- de colaboração com o Laboratório Dr. Joaquim nuição/ausência de resposta podem estar rela- Chaves. Nas duas situações em apreço, as cionadas com uma inadequada concentração determinações foram realizadas por ensaio plasmática do fármaco (FX) e/ou presença de imunoenzimatico, cuja metodologia foi desen- anticorpos anti-fármaco (AcFX) em circulação. volvida por um fabricante (Theradiag/ARIUM) Na realidade, estes fármacos podem, devido que neste momento integra um consorcio às suas características imunogénicas, desenca- internacional do qual fazem parte a Industria dear a produção de anticorpos anti-fármaco que Farmacêutica e algumas Universidades, desig- podem reduzir/anular a sua acção terapêutica nado por ABIRISK (Anti-Biopharmaceutical Immu- (Figura 3) . nization: prediction and analysis of clinical relevance 3 4 to minimize the RISK) com o objetivo final de se OBJECTIVO conseguir harmonizar as diferentes metodolo- Este estudo teve por objectivo determinar, em doentes sujeitos a terapêutica com infli- gias atualmente disponíveis para avaliar estes fármacos e respetivos anticorpos 4. ximab (IFX), as percentagens dos que apresentavam concentrações plasmáticas sub- RESULTADOS -terapêuticas de fármaco e dos que eviden- Os resultados obtidos para os diferentes ciavam presença de anticorpos anti-infliximab doseamentos encontram-se discriminados na (AcIFX). Figura 4. Os resultados mostram, ainda, o valor Figura 3. Características imunogénicas de alguns medicamentos biológicos (anticorpos e proteínas de fusão) (Adaptado de Robin X. e Paul S.4) 169 Pinto R., Domingos C., Centeno A., Cardoso C. Figura 4. Valores percentuais de doentes que apresentavam concentrações sub-terapêuticas plasmáticas de fármaco e de doentes que evidenciavam presença de anticorpos anti-infliximab (AcIFX), sujeitos a terapêutica com IFX. percentual de doentes que apresentavam simul- para o certolizumab. Apesar da grande ampli- taneamente AcIFx e concentrações subterapêu- tude de valores demonstrada por estes estudos ticas plasmáticas de fármaco, assim como, a é consensual a ideia de que a eficácia e/ou percentagem de doentes que apesar de apresen- frequência de reacções adversas associadas a esta tarem AcIFx mostraram concentrações óptimas terapêutica se deve, em grande parte, às carac- de IFX. terísticas imunogénicas destes fármacos 1,4,5 . A implementação de um programa de moniCONCLUSÕES torização laboratorial dos medicamentos bioló- Os resultados por nós obtidos estão de gicos (doseamento de fármaco e respectivo acordo com o descrito por outros autores. De anticorpo) resulta assim da necessidade de facto, alguns estudos mostram que a preva- garantir, por um lado, a eficácia do tratamento lência dos AcFX em doentes em tratamento com e, por outro, o uso racional destes fármacos, estes fármacos é de 6 a 61% para o infliximab, cujo custo suportado pelo SNS é considerado de 0.04 a 87% para o adalimumab e de 3 a 25% significativo (Figura 5). 20122013 Abatacept (Orencia - 2007) 227.133 230.025 Adalimumab (Humira - 2003) 24.158.828 25.964.545 Etanercept (Enbrel – 2000) 23.566.401 24.972.809 Golimuman (Simponi – 2009) 3.156.156 4.624.948 Infliximab (Remicade – 1999) 18.446.469 18.132.027 Natalizurnab (Tysabri – 2006) 7.298.797 5.876.249 Rituximab (Mabthera – 200&) 20.061.990 17.826.627 103.467.778 107.007.563 Totais (Unidade: Eur) Figura 5. Custos suportados pelo SNS (2012 e 2013) com alguns medicamentos biológicos. Indica-se, também, os encargos totais para este tipo de medicamentos 6. 170 Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2 Figura 6. Algoritmo de decisão clínica para doentes com resistência primária ou secundária aos iTNF, após monitorização laboratorial 5. Deste modo, o laboratório clínico que dis- J.W.R., Dijkmans B.A.C., AardenL., Wolbink ponha de tecnologia adequada para realizar estes G.J.. Development of Antidrug Antibodies doseamentos pode contribuir para a tomada de decisões ao nível da prática clínica forne- Against Adalimumab and Association With Disease Activity and Treatment Failure During cendo uma importante ferramenta que poderá permitir uma maior racionalização no uso dos 1460-1468. medicamentos biológicos (Figura 6) 4. Roblin X. and Paul S., Theradiag Scientific Infor- 1,5,7 . Long-term Follow-up. JAMA. 2011: 305(14): mation, 2013 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Pascual-Salcedo D., Plasencia C., Nuño L., Bonilla Mariette X., Marcelli C.. Antidrug anti- G., Villalba A., Peiteado D., Díez J., Nagore D., bodies (ADAb) to tumour necrosis factor Ruiz del Agua A., Moral R., Martin-Mola E., (TNF)-specific neutralising agents in chronic Balsa A. Influence of immunogenicity on the inflammatory diseases: a real issue, a clinical efficacy of long-term treatment of spondyloar- perspective. Ann Rheum Dis. 2013; 72(2):165- thritis with infliximab. Ann Rheum Dis. 2012; -178. 71:1955-1960 2. Marques Pinto G., Filipe P.. Recommendations 6. Infarmed. Consumo de Medicamentos em Meio Hospitalar. Relatório Dez/2013. for High-Quality Use of Biologic Therapies in 7. Chatzidionysiou K., Askling J., Eriksson J., Kris- Adults with Plaque Psoriasis. Acta Médica Portu- tensen L.E., Vollenhoven R.V.. Effectiveness of guesa. 2012; 25(2), 125-141. TNF inhibitor switch in RA: results from the 3. Bartelds G.M., Krieckaert, C.L.M., Nurmohamed M.T., Schouwenburg P.A., Lems W.F., Twisk 5. Vincent F.B., Morand E.F., Murphy K., MackayF., national Swedish register. Ann Rheum Dis. 2014: 73; 223-229. 171 Acta Farmacêutica Portuguesa 2014, vol. 3, n. 2, pp. 173-175 Onde está o dinheiro? Where is the money? Almeida J.1 ARTIGO DE OPINIÃO | OPINION ARTICLE Inicio com uma declaração de interesses. buição geográfica muito vasta, com quadros Não me interessa coligir informação de suporte de gestão assegurados por farmacêuticos, com à opinião aqui escrita. Não me interessa realidades locais muito distintas, que as torna procurar os responsáveis. Interessa manifestar muito diferentes entre si e as obriga a um a minha vivência profissional das últimas duas “benchmarketing” permanente e a um esforço décadas e, de preferência, despojada de qual- enorme de adaptação para cumprimento de quer nível de pretensiosismo. práticas adequadas à legislação vigente. Quando entrei no sector farmacêutico este Quando entrei no sector este tinha a fama encontrava-se com elevada organização, fruto de um “el dorado”, onde o protecionismo era a de uma associação forte que defendia os inte- palavra de ordem, as margens, ou rendas como resses das farmácias e de um regime legal hoje se diz, eram absurdas e o “lobby” associa- apertado, que impunha às farmácias inúmeros tivo era desmesurado. deveres e lhes oferecia diversas “regalias”, Sempre questionei, onde estava o dinheiro? como a propriedade e a instalação. As farmácias Onde estava essa apregoada mina de ouro? não estavam reféns de pagamentos estatais fora Teriam as farmácias a fama e não o proveito? de horas com elevados prejuízos. Certamente que o sector das farmácias de Estas regalias foram sempre discutidas do então usufruía de alguma estabilidade e tinha ponto de vista comercial, objetivos esses que um crescimento indexado ao volume e valor reputo desde já como legítimos, ignorando dos medicamentos transacionados. Os preços, o bom equilíbrio que se estabelecia entre os as margens e a prescrição não eram, e assim diversos operadores e mantendo a concorrência continuaram, independentes da atividade das refreada, num sector que a meu ver tem uma farmácias comunitárias. O sector era extrema- especificidade própria que assegura um serviço mente controlado, sob o ponto de vista deonto- de saúde de qualidade e necessário à população lógico. Extremamente supervisionado do ponto e justifica a proteção desse mesmo equilíbrio. de vista tributário, era um dos seus grandes Quando falamos de farmácias, falamos de contribuidores, sendo eventualmente o sector duas mil e oitocentas microempresas com com menor fuga aos impostos em Portugal. O quatro a cinco colaboradores, com uma distri- sector tinha uma capitação (número de habi- 1 Presidente da Delegação Norte da Associação Nacional das Farmácias, Portugal Autor para correspondência: João Almeida. E-mail: [email protected] Submetido/ Submitted: 3 dezembro 2014 | Aceite/Accepted: 3 dezembro 2014 © Ordem dos Farmacêuticos, SRP ISSN: 2182-3340 Almeida, J. tantes/farmácia) dentro da média europeia. O superficialmente, mas que para os mais atentos sector tinha uma das margens sobre o medica- é facilmente refutável, face à especificidade e mento das mais baixas ao nível europeu. dimensão do negócio isoladamente. De facto ao Onde estava o dinheiro sempre foi uma das dissociarmos a propriedade da direção técnica, minhas questões, não sei se por falta de visão, reforçando que estas unidades têm poucos de conhecimento, ou de criatividade. colaboradores, influenciamos de forma muito Depreendo no entanto que existiu quem próxima e direta todo o poder de decisão, acres- não tivesse dúvidas da existência do dinheiro, e cendo de sobremaneira os valores económicos que todas as ações que sucederam após o virar em detrimento dos técnicos. Hoje a maioria das do milénio foram atos, que se verificaram não farmácias continuam sob propriedade de farma- produtivos, na procura do “el dorado”. Vejamos cêuticos. alguns exemplos: iv) A tentativa de obrigar as farmácias de i) A saída dos medicamentos não sujeitos a receber os seus créditos diretamente do estado, receita médica (MNSRM) para fora das farmá- sem qualquer fundamento, sem qualquer cias sob a capa do melhor acesso e melhores pedido das mesmas, parte interessada, em o preços. Sobre o acesso bem sabemos a capilari- fazer. Com que intuito? Teria o estado gran- dade de distribuição das farmácias em Portugal, jeado a conotação de bom pagador ou seria o desde as grandes cidades ao interior profundo, mero propósito de “dividir para reinar”? Hoje quanto ao preço bastará comparar o mesmo os pagamentos do estado continuam a ser asse- sobre três ou quatro blockbusters para perceber gurados de forma regular e transparente pelos a evolução em alta dos preços dos MNSRM. mecanismos legais. Sobre esta medida, não se pode deixar de notar Pessoalmente surge-me outra dúvida, intrin- a concentração do negócio dos MNSRM fora da secamente ligada à primeira. Tendo a farmácia farmácia num único operador e a implemen- comunitária uma componente económica, esta- tação imprudente desta medida ao atirar para riam as suas contas de exploração adequadas, o livre acesso todos os MNSRM, situação impar estariam os resultados bem aplicados? no contexto europeu. Hoje o grosso do mercado continua sob a alçada das farmácias. Aqui a resposta é muito facilitada. Além dos contributos fiscais diretos já referidos, ii) A implementação de farmácias nos as farmácias reforçaram os seus recursos hospitais, hoje em dia já fechadas, aqui sob a humanos, diferenciando-se pelo quadro de capa do acesso facilitado da população. Esque- pessoal qualificado, que passou nos últimos cendo aqueles que durante anos asseguraram anos a contar com dois ou três farmacêuticos este serviço com o ónus económico e pessoal por cada uma destas unidades, profissionais aí inerente: aquelas que são as verdadeiras esses que possuem uma formação base muito unidades de saúde de proximidade. Também relevante tornando-se num ativo de extrema aqui nada, em boa verdade, se estudou adequa- relevância para o sector, mas que obviamente damente: nem o impacto destas unidades no têm o seu custo económico associado. Este era seu ecossistema, nem o impacto na possível e continuará para bem a ser um dos custos mais promiscuidade entre a prescrição e a dispensa, elevados das farmácias, retirando claramente nada. O resultado é visível, com a falência das as mercadorias transacionadas. As farmácias unidades entretanto abertas. modernizaram-se do ponto de vista estrutural. iii) A liberalização da propriedade, ideia É hoje por demais evidente o investimento que facilmente colhe adeptos se transmitida efetuado nestes espaços, com um parque infor- 174 Acta Farmacêutica Portuguesa, 2014, vol. 3, n. 2 mático invejável, infraestruturas remodeladas, temos que dar a volta por cima a um problema: com melhor comodidade interna e externa. “as dificuldades criam oportunidades”; “o que A conotação de riqueza no entanto perma- não te mata torna-te mais forte”, etc, etc. Para neceu, estava demasiado associada ao sector, estas frases serem nosso lema, temos que e na primeira oportunidade, sob a alçada das contudo fechar aos olhos às baixas, sem nos instituições internacionais, como a FMI, BCE, esquecermos de muitos casos, pessoais e profis- o sector das farmácias foi rapidamente vilipen- sionais, e olhar em frente, olhar em frente... diado. As farmácias foram chamadas a contri- Acredito assim que estas agressões constantes buir de um modo totalmente desequilibrado poderão a prazo ser parte importante da história e, ainda mais relevante, acima das suas capa- das farmácias ao dissociá-las das “rendas exces- cidades. Não conseguimos evidenciar, ou não sivas”. As farmácias souberam resistir com quiseram ver, a diferença entre medicamentos uma dignidade impar, mantiveram-se organi- hospitalares e ambulatórios, a comparação zadas, otimizaram os seus processos internos, foi direta com um “mix” de todo o sector do asseguraram boa parte do seu capital humano. medicamento, sendo que os players são muito Irão com certeza sobreviver e, caso necessário, diferentes, em dimensão, em poder económico, renascer das cinzas, com a sua força caracterís- em responsabilidade, como a formação do tica, pela proximidade, responsabilidade e nível preço. As consequências foram claras e são hoje de serviço que habituaram toda uma população muito visíveis. Mais de quinze por cento das que disso precisa. farmácias estão com declaração de penhora ou Curioso ver que com tanto pretenso lucro insolventes, reorganização forçada dos recursos no sector das farmácias, e após tanta agressão e humanos, faltas sucessivas em medicamentos, desregulamentação, não tenha surgido, entre os utentes a percorrerem várias farmácias para que lhes apontavam o dedo, um melhor modelo encontrarem os medicamentos que lhes foram de organização e serviço! Estariam porventura prescritos. enganados? A única visão positiva que posso tentar tirar desta realidade é baseada em ideias que embora já gastas, são sempre boas de recordar quando Vamos assistir, atentos, curiosos e intervenientes ao rasto do dinheiro. Dezembro de 2014 175