O CONCEITO DE NATALIDADE NO PENSAMENTO DE HANNAH

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O CONCEITO DE NATALIDADE NO PENSAMENTO DE HANNAH
O CONCEITO DE NATALIDADE NO PENSAMENTO DE HANNAH ARENDT
Docente: Maria Francisca Pinheiro Coelho
Discente: Natalia dos santos Silveira
“O milagre da liberdade está contido nesse poder
começar que, por seu lado, está contido no fato de que cada
homem é em si um novo começo, já que através do nascimento
veio ao mundo que existia antes dele e continuará existindo
depois dele.” Hannah Arendt
“Por um mundo que sejamos socialmente iguais,
humanamente diferentes e completamente livres” Rosa
Luxemburgo
Considerações iniciais
Este trabalho de conclusão do curso “Tópicos Especiais V: O Pensamento
Político de Hannah Arendt1” busca compreender o conceito de natalidade, que se
apresenta forma inovadora, em diversas obras da referia autora. O nascimento
representa a condição mais geral da existência humana.
No livro a condição humana, Arendt apresenta três atividades fundamentais
humanas: o trabalho, a obra e a ação, que são intrínsecos ao nascimento, o trabalho e a
obra têm a finalidade de prover e preservar o mundo para o recém-chegado. No entanto,
é a ação a atividade que possui a maior relação e mais próxima á essência do
nascimento, pois a ela permite a relação entre homens, corresponde á pluralidade da
condição humana, e está pluralidade é a condição da vida política.
1
Hannah Arendt(1906-1975) era origem alemã e judia, viveu na época sombria do nazismo, foi
naturalizada norte-americana, estudou filosofia política, foi muito influente para o pensamento político
do século XX como contribui até os dias atuais. Escreveu diversos livros, os mais importantes foram “ As
origens do totalitarismo” (1951) e “A condição humana”(1958).
2
O conceito de natalidade defendido por Arendt não é baseado em uma categoria
biológica, mas sim política. Pode-se entender o nascimento na visão arendtiana como
um segundo nascimento, no qual o recém-nascido é apresentado para mundo político.
Para ela o sentido da política é a liberdade, e é a liberdade e a espontaneidade que
possibilita o homem agir politicamente e instaurar por meio do nascimento algo novo no
mundo. E a revolução húngara e a americana são bons exemplos de nascimento de uma
nova ordem por meio da ação do homem.
A capacidade que o homem possui de agir iniciar algo novo se define
ontologicamente pelo nascimento. E tal fato surge no mundo como o milagre humano,
“cada novo começo é por natureza um milagre”. O milagre humano é a expectativa de
transformação, por ser baseado na ação do homem, na liberdade e espontaneidade
política, é somente nesse âmbito que é permitido esperar por milagre.
As Atividades Humanas Fundamentais e a Natalidade
Para compreender o conceito da natalidade, devemos entender as três atividades
humanas fundamentais: o labor, o trabalho, e a ação. Para Hannah Arendt essas três
atividades estão relacionadas com o nascimento. O Labor e o trabalho têm a finalidade
de prover e preservar o mundo para o recém-chegado. No entanto é a ação a atividade
que possui a maior relação e mais próxima á essência do nascimento, pois a ela permite
a relação entre homens, corresponde á pluralidade da condição humana, e está
pluralidade é a condição da vida política.
O labor possui sua importância na natalidade, pois é a atividade que satisfaz as
necessidades biológicas do homem, ou seja, é o labor que proporciona os seres humanos
de proverem suas necessidades orgânicas e fisiológicas para a sobrevivência. Por mais
que esta atividade conduz o homem do nascimento até a morte em uma progressão
retilínea, ela é circular, segue o ciclo vital do corpo humano e nunca chega a um fim em
quanto existir vida. Laborar é produzir bens de consumo, laborar e consumir são dois
estágios da do clico de reprodução da vida biológica e está sempre produzindo vida.
(Arendt, 2010)
3
“Uma vez que o labor corresponde à condição da própria vida,
participa não apenas das suas fadigas e penas, mas também da mera
felicidade com que podemos experimentar o fato de estarmos vivos. A
‘bênção ou a alegria do labor’, que desempenha um papel tão
importante nas teorias modernas do trabalho, não é uma noção vazia.
O homem, o autor do artifício humano, que designamos mundo para
distingui-lo da natureza, e os homens, que estão sempre envolvidos
uns com os outros por meio da ação e da fala, não são de modo algum
seres meramente naturais. Mas, na medida em que nós também somos
apenas criaturas vivas, o labor é o único modo de podermos também
permanecer e voltear com contento no círculo prescrito pela natureza,
afadigando-se e descansando, laborando e consumindo, com a mesma
regularidade feliz e sem propósito com a qual o dia e a noite, a vida e
a morte sucedem um ao outro.”(Arentd, 2005, p 182).
Diferente do labor que produz o consumo, o trabalho fabrica objetos de uso, que
constitui o artifício humano. O trabalho cria a estabilidade e a solidez que permite a vida
do homem no mundo. A condição humana do trabalho é a mundaneidade, resultados da
sua durabilidade e objetividade. É a durabilidade que possibilita as coisas do mundo
possuir certa independência em relação aos homens que produziram e as usam, e a sua
objetividade é capaz de, ‘se opor’ e suportar, as carências e necessidades dos homens.
Portanto, as coisas do mundo tem o papel de dar estabilidade à vida humana, e sua
objetividade tem a função de fazer que homens possuam identidades relacionadas com
as identidades dos objetos, visto que podem se relacionar por vida toda com estes. Logo
o mundo de coisas objetivas também influi na subjetividade humana (Arendt, 2010),
O processo de fabricação consiste em reificação, está relacionado como a com as
categorias de meio e fim, o fim deste processo se concretiza com a coisa fabricada é
concluída, tal processo não tem a necessidade de ser repedido, quando há a repetição, é
por motivos externo ao trabalho. Distintamente do processo de laborar em que o labor e
o consumo são duas partes de um mesmo processo, o trabalho e o uso são processos
diferenciados. No entanto, existe um tipo de objetos que não se aplica estas categorias
de meio e fim no processo de fabricação, que representa as coisas mais inúteis e mais
duráveis que o homem é capaz de produzir, que são as obras de arte. (Arendt, 2010)
Assim como todas as coisas que são fabricadas pelas mãos do homem consiste
em reificação, as obras de artes não são diferentes. A fonte primordial da obra de arte é
a capacidade de pensar, mas não é o pensamento que constrói, e sim a reificação que
ocorre que possibilita o artista trabalhar e produzir sua obra, ou seja, o que transforma o
pensamento em realidade é a mesma manufatura que produz todo artifício humano.
Portanto, quando um indivíduo encena uma estória ela só poderá ser imortalizadas
4
através do trabalho das mãos do homem. “Muito embora as estórias sejam o resultado
inevitável da ação, não é o ator, e sim o contador da estória que recebe e ‘faz’ a estória”,
desta forma, o nascimento será conhecido através das estórias dos homens imortalizados
pela atividade humana do trabalho( Arendt, 2010).
O labor e trabalho correspondem às atividades humanas privadas, pois o homem
constrói em isolamento com si mesmo, as condições privadas da natalidade definem que
cada novo nascimento é único, enquanto ele é único é também um novo começo. Mas é
na condição humana da ação, na relação entre homens, na esfera política que se pode
definir plenamente o conceito da natalidade, portanto o nascimento permitirá o
acontecimento de algo novo, isto só ocorre no domínio público (Avritzer, 2006).
Portanto, das três atividades humanas – labor, trabalho e ação - a que mais se aproxima
da condição da natalidade é a ação , “(...)o novo começo inerente ao nascimento ao
pode fazer-se sentir no mundo somente porque o recém chegado possui a capacidade de
iniciar algo novo, isto é agir ”( Arendt, 2010, p. 10). Dentro desta perspectiva as outras
atividades humanas são inseparáveis do elemento de ação, que representado pela
natalidade.
Para Arendt (2010), a condição fundamental da ação é a pluralidade humana,
que possui o duplo aspecto da igualdade e da distinção. É a igualdade que permiti o
convívio entre homens em sociedade, conhecer o passado e fazer planos para o futuro.
São distintos, cada homem possui distinção em relação ao outro, por isso necessitam da
ação e do discurso para se relacionarem. E é por meio do discurso e da ação que os
homens podem se distinguir-se dos outro e não ser apenas distintos. Portanto, a ação
representa a igualdade e pluralidade dos homens.
É através do discurso e da ação que os seres humanos podem aparecer no
cenário público como homens, e não apenas como objeto físico,
“É com palavras e atos que nos inserimos no mundo humano, e
essa inserção é como um segundo nascimento, no qual confirmamos e
assumimos o fato simples do nosso aparecimento físico original. Não
nos é impostas pela necessidade, como o labor, nem desencadeada pela
a utilidade como trabalho. Ela pode ser estimulada pela presença de
outros a cuja companhia possamos desejar e nos juntar, mas nunca é
condicionada por eles; seus impulsos surge do começo que veio ao
mundo quando nascemos e ao qual respondemos quando começamos
algo novo por nossa própria iniciativa, iniciar, imprimir movimento a
alguma coisa. Por constituírem um ‘initium’, por serem recém-chegados
5
e iniciadores em virtude do fato de terem nascido, os homens tomam
iniciativas, são impelidos a agir.” (Arendt, 2010,p.221)
É importante ressaltar que na visão arendtiana o novo sempre surge na forma de um
milagre humano, pois a capacidade que homens têm de agir possibilita que ocorra o
inesperado e o improvável, isto só ocorre pelo fato de que os eles são seres únicos,
logo,“a cada nascimento vem ao mundo algo singularmente novo” (Arendt,
2010,p.223).
Na relação social existe uma teia de relações humanas, que é tecida pela ação e
discurso dos homens, cada feito novo entra em contato com outros feitos já préexistentes, que criam novos processos que afetam muito outros, principalmente o que
estão diretamente ligados. E partir desses processos que surgem as estórias de vida dos
recém-chegados.
“É em virtude dessas teias preexistentes de relações, com suas
inúmeras vontades e intenções conflitantes, que a ação quase nunca
atinge seu objetivo; mas é também graças a esse meio, onde somente a
ação é real, que ela ‘produz’ estórias intencionalmente ou não, com a
mesma naturalidade com que a fabricação produz coisas tangíveis
(Arendt, 2010, p. 230).”
Tais estórias podem ser imortalizadas pelo trabalho da mão humana, seja no trabalho
intelectual ou em obras de arte, no entanto, sua realidade viva é diferente dessas
reificações que são fabricadas. Essas estórias falam sempre dos sujeitos, dos heróis que
as encenaram, no entanto por mais que todos comecem suas próprias estórias, ninguém
é autor delas porque as estórias reais não são fabricadas. E é ausência de um autor neste
campo que caracteriza a ausência de confiança nos assuntos estritamente humanos. A
ação nunca pode ser previsível. Outro fator é que por estar inteiramente ligada a essas
teias de relações a ação é irreversível. No entanto, há uma solução para estas
fragilidades da ação, que é o perdão e a promessa2.
2
Arendt diz que a redenção e o perdão são os remédios para irreversibilidade e imprevisibilidade
intrínsecos ao ato de agir, “os dois remédios formam um par: o perdão diz respeito ao passado e serve
para desfazer o que foi feito, enquanto que o compromisso através de promessas serve para
estabelecer ilhas de seguranças no oceano de incertezas futuras, sem as quais nem mesmo a
continuidade, sem falar de todo tipo de durabilidade, jamais seria possível nas relações entre homens.
Sem sermos perdoados, liberados das consequências do que fizemos, a nossa capacidade de agir estaria,
por assim dizer, confinada a um único ato do qual jamais nos recuperaríamos; (...) sem estarmos
obrigados ao cumprimento de promessas, nunca seríamos capazes de atingir aquele grau de identidade
e de continuidade que, juntas, produzem a ‘pessoa’ acerca de quem uma estória pode ser
contada;(Arendt, 2005, p. 193)” desta forma, perdoar e prometer correspondem atividades inerentes a
capacidade do homem começar algo novo.
6
A ação é atividade política por excelência, para Arendt (2010), as
especificidades da condição humana da ação - de ser imprevisível e irreversível, e de
perdoar e prometer - é o que possibilita a capacidade de iniciar algo novo, que entra no
mundo com o segundo nascimento. E são essas incertezas presentes na ação que dão a
certeza ao homem que eles não nasceram para morrer, embora a morte seja inevitável,
mas que nasceram para construir algo novo, ou seja, quando os homens tem a liberdade
para criar algo inédito eles estão nascendo para o mundo,e esta é a essência da política e
do milagre humano.
A atividade política e a natalidade
Hannah Arendt define a ação com a condição humana que se expressa por
ocorrer entre homens, corresponde à condição humana da pluralidade, e é essa
pluralidade que é a condição para que exista a vida política. A ação é atividade política
por excelência, sendo o nascimento inerente à condição humana da ação, logo, a
natalidade é compreendida como elemento central de todo pensamento político.
O conceito de natalidade, segundo Arendt, pode ser definido como a capacidade
do homem instaurar algo inédito no mundo, isto está intrínseco à condição humana da
ação, é com o nascimento que o recém-chegado aparece no cenário público. Tal
conceito não possui um enfoque de ordem biológica, na qual a natalidade consiste no
ato da criança ser concebida, através do parto, para o mundo. Ou seja, na sua concepção
a natalidade não é meramente algo natural. Desta forma, sua abordagem é para além da
esfera biológica, ela se refere ao mundo dos assuntos relacionados dos homens, ou
melhor, entre homens dentro da esfera política. Portanto, a natalidade para Arendt é na
verdade um segundo nascimento, pois assim como o biológico – que nascer significa a
chegada do recém-nascido enquanto ser único na Terra – a natalidade da condição
humana é a capacidade que o homem possui de aparecer na esfera pública através da
ação, podendo criar algo inovador que pode mudar o curso de toda a vida humana.
“Nesse sentido, a natalidade deixa de ser uma categoria meramente natural porque passa
a ter implicação política a partir do momento em que o homem se insere no
mundo”(Oliveira, 2011).
7
Na sua compreensão sobre política, Arendt (2002), utiliza a ideia da polis grega
da coisa política com o sentido na liberdade, porém de uma forma inovadora. “A
liberdade é o sentido da política”. A política para ela se baseia na pluralidade dos
homens, pois é no convívio entre homens que surge a política3, cada ser humano é
único, no entanto devem possuir a igualdade de direitos, por isso que a condição
humana da ação representa a igualdade e pluralidade. Mas isto só ocorre onde há
liberdade. Na visão arendtiana a liberdade é análoga á espontaneidade, baseia-se na
capacidade que o homem possui de começar algo novo, e com base das línguas antigas
“nas quais o grego ‘archein’ significa começar e dominar, quer dizer, ser livre, e o latim
‘agere’ significa pôr alguma coisa em andamento, desencadear um processo”
(Arendt,2002,p 16), argumenta que é a liberdade fator essencial da política, e da
possibilidade do homem pode começar algo novo por meio do nascimento.
Arendt defende a ideia que a política e baseada na liberdade e na
espontaneidade, na capacidade de agir e iniciar algo novo, no entanto, em diversos
momentos histórico-políticos aparecem como formas determinísticas, sobre isto ela diz:
“Contra a possível determinação e distinguibilidade do futuro
está o fato de o mundo se renovar a cada dia por meio do
nascimento e, pela espontaneidade dos recém-chegados, está sempre
se comprometendo com um novo imprevisível. Só quando os
recém-nascidos são privados de sua espontaneidade, de seu direito a
começar algo novo,o curso do mundo pode ser determinado e previsto,
de maneira determinística” (Arendt,2002,p.22)
Portanto, em muitos momentos histórico-políticos não havia espaço para a esta política
que Arendt defende, como no caso das tiranias. Este tipo de política baseado na
liberdade e na espontaneidade correu poucas vezes na história.
No entanto, Arendt acredita na política, na condição humana da ação que é
inerente ao homem, que é a capacidade que o ser humano possui de iniciar algo
singularmente inédito. Segundo Avritzer (2006), Hannah Arendt identificou dois
momentos históricos que poder ser considerados verdadeiros nascimentos para uma
nova ordem política, a revolução húngara e a revolução americana.
3
Arendt discorda da ideia Aristotélica que interpreta o homem como o zoon polítikon, em que o a
política é inerente o homem, para ela a política surge entre homens, e depende da liberdade e
espontaneidade para a criação de um espaço genuinamente político. Portanto, o homem não nasce
político, ele se torna político quando há as condições necessárias para isto.
8
Na Hungria Arendt aponta a natalidade contra a institucionalização, e na
capacidade do agir coletivo ser mudar história. Foi a atitude de alguns jovens, em um
ato de protesto, que desencadeou a revolução “[...] não foram os programas ou o
manifesto que jogaram qualquer papel. O que desencadeou a revolução foi o puro
momento do agir em comum da população como um todo cuja demanda era tão óbvia
que dispensa uma formulação mais específica” (Arendt,1966, apud Avritzer, 2006,
p.164). Ou fator importante é a valor dos conselhos operários húngaros, que também
surgiram como algo inovador transformando a estrutura política húngara.
Sobre a revolução americana, Arendt vai falar do nascimento de um governo que
não utiliza a violência e nem a coerção que surge a partir da “deliberação do comum”,
está baseado na mudança de uma nova ordem política. E a fundação de uma nova
estrutura política estável baseada na institucionalização da ação. Portanto:
“a importância do republicanismo nos Estados Unidos é que
ele permitiu não apenas a instituição do novo mas também a sua
permanência em uma base distinta da romana, isto é, através do
constitucionalismo e de uma tradição de direitos que atualiza o ato
fundacional que antecedeu a existência do próprio governo”( Avritzer,
2006, p.165)
Dentro destas perspectivas o elemento da ação se encontra inteiramente ligado à
política, é esta capacidade totalmente humana que pode instaurar por meio do
nascimento uma nova ordem política.
Milagre Humano
Hannah Arendt define o conceito da natalidade como capacidade que a
humanidade possui para iniciar algo novo, e esta capacidade está na faculdade dada ao
homem de agir, e poder operar o milagre na Terra. No entanto, o milagre a que se refere
não é o milagre religioso ou pseudo-religioso, que se baseia em atos sobrenaturais e
sobre-humanos que interferem nas relações humanas e naturais, pois o milagre pode ser
compreendido como um fenômeno que surgi de uma forma inesperada, que não pode
ser calculado, nem explicado no que se refere a sua causa, ele aparece como um
milagre.
“ Em outras palavras, cada novo começo é, em sua natureza, um
milagre — ou seja, sempre visto e experimentado do ponto de vista
9
dos processos que ele interrompe necessariamente. Nesse sentido,
a transcendência religiosa da crença no milagre corresponde à
transcendência real e demonstrável de cada começo em relação ao
contexto do processo no qual penetra” (Arendt,2002,p 15).
Portanto, o milagre humano está contido na liberdade que o homem possui de “poder
começar”, é caracterizado pelo fato “de que cada homem é em si um novo começo, uma
vez que, por meio do nascimento, veio ao mundo que existia antes dele e vai continuar
existindo depois dele”(Arendt,2002,p 16).
Arendt identifica a espera de milagre como uma expectativa encontrada para
transformar o mundo, e tal milagre é de ordem política, pois se o sentido da política é a
liberdade, é neste âmbito (e somente neste) que o homem tem por direito a possibilidade
de esperar por milagres. Isto não ocorre apenas através da crença em milagre humanos,
mas sim pela faculdade dada ao homem de agir, e de poder fazer o inesperado,
independentes de saber ou não, o que estarão fazendo para mudar a história, “então só
podemos dizer que uma mudança para a salvação só poderá acontecer por meio de uma
espécie de milagre”(Arendt, 2002, p. 15).
Em seus estudos sobre o totalitarismos, Hannah Arendt, esboça em “As Origens
do Totalitarismo” as experiências dos regimes totalitários de sua época, analisou o
governo da Alemanha nazista de Hitler, e o governo soviético de Stalin. Identificou
características comuns nesses governos, e colocou seus líderes, Hitler e Stalin, no
mesmo patamar. Ela apresenta a principal característica destes regimes, que é a
ideologia totalitária4, essa é essencialmente baseada no terror e na falta da liberdade. Tal
ideologia era a arma utilizada dos governos totalitários para manipular e dominar as
massas5. Outro fator extremamente importante e específico do totalitarismo é que com
base no terror os homens se isolam uns contra os outros, tornam-se impotentes
politicamente, portanto perdem a capacidade de agir. O totalitarismo vai além do
isolamento dos indivíduos na esfera pública, ele também destrói a vida privada6,
4
O que as ideologias totalitárias visam, portanto, não é a transformação do mundo exterior ou a
transformação revolucionária da sociedade, mas a transformação da própria natureza humana” (Arendt,
2000, p. 510);
5
É importante resaltar que para Arendt, os governos totalitários são apoiados pelas massas, essas eram
facilmente manipuláveis, um dos instrumentos mais utilizado para manipular e dominar as massas era
as propagandas destes governos.
6
Arendt diz que nas tiranias é comum o isolamento do homem, ou seja, o isolamento na esfera pública.
Mas todas as capacidade humanas privadas são mantidas, já no totalitarismos, pode-se dizer que o
terror implantado destrói o espaço da vida privada, “e que a autocoerção da lógica totalitária destrói a
10
“baseia-se na solidão, na experiência de não se pertencer ao mundo, que é uma das mais
radicais e desesperadas experiências que o homem pode ter” (Arendt, 2000, p 527). Por
tais considerações, Hannah Arendt, identifica o totalitarismo como a pior forma de
governo que ocorreu no mundo, e que pode permanecer para sempre. No entanto, ela
finaliza sua obra com a esperança que todo fim surge de um novo começo, e este
começo é a capacidade humana de agir.
Isto ocorre porque o homem tem a possibilidade de operar o milagre humano na
Terra, ou seja, ao agir com liberdade política cada homem pode iniciar algo diferente do
que já foi feito, e isto, é assegurado pelo nascimento do homem à vida política.
Portanto, a fé e a esperança no mundo se traduz no fato do homem realizar milagres, e
pelo fato de chegar ao mundo através do nascimento, a “boa nova” do evangelho é
representada pelo nascimento de uma criança, o nascimento é a “boa nova” também
para os assuntos humanos, visto que uma vez que homem nasce para a vida política ele
se apresenta para o mundo (Arendt, 2010).
Considerações finais
Com a definição de um conceito inovador Hannah Arendt apresenta a natalidade
como um elemento central da política. Podemos identificar na sua concepção que o
milagre humano que ocorre na esfera política é a esperança para o mundo, como algo
inovador que rompe com uma velha estrutura. E o primordial da sua acepção é que o
milagre só vai existir onde há a liberdade política, portanto o nascimento possui uma
característica extremamente positiva.
Embora tenha vivido em uma época bastante obscura para política, onde viu e
viveu um regime totalitário, presenciou duas guerras mundiais, viu o mundo ser divido
em dois por conta da guerra fria, assistiu o homem utilizar a tecnologia para a
construção de armas de destruição em massa que poderia acabar com toda a
humanidade, Hannah Arendt não perdeu a esperança. Confia que o homem é capaz de
instaurar uma ordem difere na qual vive, acredita no agir, na liberdade de iniciar um
novo começo,
capacidade humana de sentir e pensar tão seguramente como destrói a capacidade de agir(Arendt,
2000, p 527)”.
11
“O começo, antes de torna-se evento histórico, é a suprema
capacidade do homem; politicamente, equivale à liberdade do
homem.initium ut esset homo creatus est – ‘o homem foi criado para
que houvesse um novo começo’ disse Agostinho. Cada novo
nascimento garante esse novo começo, ele é cada um de nós” (Arendt,
2000, p 531)
Referencias bibliográficas
ARENDT, Hannah. O que é política. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002
______. “Trabalho, obra, ação”. In: Cadernos de Ética e Filosofia Política, 6:
175-201. Trad. Adriano Correia. 2005.
______. Origens do totalitarismo. São Paulo: Cia das Letras, 2006.
______.A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária
AVRITZER, Leonardo. “Ação, Fundação e autoridade em Hannah Arendt”. In: Lua
Nova, São Paulo, 68: 147-167, 2006.
OLIVEIRA, José Luis. “Hannah Arendt e o sentido político da ategoria da natalidade”.
In: Argumentos, 3: 79-88. 2011.

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