Estímulo às engenharias chega às escolas do ensino médio

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E D U C A Ç Ã O
Estímulo às engenharias chega
às escolas do ensino médio
por Flávia Gouveia e Sabine Righetti
BUSCANDO AUMENTAR A PROCURA POR CURSO DE ENGENHARIA,
POLÍTICAS PÚBLICAS JÁ ATINGEM JOVENS PRÉ-VESTIBULANDOS
Sabine Righetti
Certa vez, ainda na década de 1990,
um grupo de teóricos do Escritório
Nacional de Pesquisa Econômica (NBER,
da sigla em inglês), localizado nos EUA,
publicou um artigo afirmando que um
país será tão desenvolvido quanto mais
engenheiros e menos advogados formar.
Independente da polêmica sobre os advogados, a necessidade de se formar engenheiros — e a ligação dos mesmos com
o desenvolvimento do país — tem sido
cada vez mais destacada em trabalhos
acadêmicos, em políticas públicas voltadas ao ensino superior e, mais recentemente, em políticas voltadas também
para estudantes do ensino médio. Isso
porque, de acordo com alguns especialistas, os jovens estão cada vez menos
interessados em fazer os cursos de engenharia — que formam profissionais capazes de gerar inovações em áreas chave
para o desenvolvimento econômico
nacional.
O Brasil tinha, em 2006, 371,5 mil
estudantes cursando engenharia, o que
representa cerca de 8% do total de 4,7
milhões de alunos do ensino superior,
de acordo com dados do Sistema
Integrado de Informações em Ensino
Superior (Siesp). Em números absolutos, houve um aumento de cerca de 58%
no total de matriculados em seis anos —
em 2000, eram 234,5 mil alunos nas
Carrinho robô chamado Yune
engenharias. Mas o aumento médio das
matrículas no ensino superior no Brasil
foi bem maior: 74% no mesmo período
(já que em 2000, havia 2,7 milhões de
matriculados).
A suposta falta de estímulos para os
cursos de engenharia levou Roberto
Baginski Santos, professor adjunto do
Centro Universitário da FEI (Fundação
Educacional Inaciana), a trabalhar com
o desenvolvimento de atividades com
professores e alunos do ensino médio. Ele
acredita que, antes de abrir novas vagas
ou criar novos cursos de engenharia, é
preciso “convencer” os alunos a cursar
engenharia. Caso contrário, serão vagas
ociosas. E a melhor forma de fazer isso
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é criando oportunidades para que os
estudantes de ensino médio (e até do
fundamental) conheçam as atividades
dos engenheiros. “Por trás da tecnologia com a qual nos acostumamos, há o
trabalho de milhares de engenheiros e
engenheiras. Em uma economia cada
vez mais movida a conhecimento, a falta de engenheiros impede que o país saia
do papel de fornecedor de commodities
e avance para a criação de tecnologia de
alto valor agregado”, argumenta.
Sob essa perspectiva, a FEI criou o
projeto FEI Jovem, que está entre os 42
projetos aprovados (de 91 apresentados)
no primeiro edital do Promove, do Fundo
Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (FNDCT), da Financiadora
de Estudos e Projetos (Finep). O Promove
visou estimular iniciativas do ensino
médio voltadas para as engenharias, e
disponibilizou R$ 16,3 milhões para os
projetos escolhidos.
BIODIESEL E CARRINHOS-ROBÔS
Durante mais de seis meses em 2008,
cerca de 150 estudantes do ensino médio
de quatro escolas da Grande São Paulo,
públicas e privadas, estiveram empenhados na produção de biodiesel e no
desenvolvimento de robôs e de carrinhos
motorizados. A experiência trouxe resultados: “Eu pude reafirmar a minha deci-
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Divulgação/FEI
Estudantes do
ensino médio
fazem ajuste
em carrinho
para competição
na FEI Jovem
são de fazer engenharia de computação
porque tive a oportunidade de mexer
com a programação do carrinho-robô”,
contou o estudante Pablo Galleti Vieira,
que hoje está no 2º ano do ensino médio
do colégio São Luis, localizado em São
Paulo. Ele participou da equipe que desenvolveu o carrinho-robô El Toro, cujas
cores lembram a bandeira da Espanha
(país das touradas), e que participou da
competição de robôs realizada em setembro de 2008, na FEI. O carrinho El Toro,
desenvolvido com a orientação de professores da própria FEI, tinha um sistema óptico que identificava e seguia a
pista branca, sendo capaz até de fazer
curvas e retornos.
Em outra equipe, o estudante Fernando Sampaio Guedes focou seu trabalho na sustentabilidade, já que pretende estudar engenharia ambiental,
tendo preferência pelo curso da USP de
São Carlos. “Tentamos usar pilhas recarregáveis, mas não deu certo. Acabamos
optando pelas pilhas conhecidas pelo
bom desempenho”, conta. “Foi bom ver
que o quê estamos aprendendo tem
importância prática”, completa.
DA ABSTRAÇÃO À PRÁTICA
Impulsionar o aprendizado na prática, como menciona Fernando, é um dos
objetivos do Promove/Finep. Para
Emmanoel de Oliveira Boff, da Finep, a
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baixa procura no vestibular das engenharias está relacionado ao pouco interesse relativo às disciplinas abstratas,
associadas à engenharia, como a química, a física e a matemática. O professor William Jacques Ribeiro, do colégio
São Luis (que participou do FEI Jovem),
concorda: “Ninguém se apaixona por
uma prova de exatas”, brinca. Ele conta
que o São Luis, assim como outras escolas particulares de ensino médio, já tinha
muitas atividades extra-curriculares
como produção de jornais e teatro, o que
estimulava grande parte dos alunos para
as humanas. Mas faltavam iniciativas
nas exatas.
No entanto, enquanto alguns alunos
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A COMPETIÇÃO DE ROBÔS
A história da competição de robôs é relativamente recente e tem
diferentes propósitos, nem sempre educativos. As competições com
fins de disseminar o gosto pelas engenharias e pelas novas tecnologias tiveram início em 1992, nos Estados Unidos, com 28 times de uma
escola na Geórgia. O campeonato foi promovido pela First — cuja
sigla, em inglês, significa “Para inspiração e reconhecimento de ciência e tecnologia”. Criada há duas décadas por Dean Kamen, que é também criador da empresa Segway, a First é uma instituição sem fins lucrativos que visa ajudar jovens a descobrir a ciência e a tecnologia e, de
acordo com seu fundador, objetiva que o jovem se apaixone pela tecnologia.
A entidade conta com o apoio e patrocínio de uma série de instituições e empresas, como a Johnson & Johnson (que participou de sua
fundação), a BAE Systems e a Motorola. Essas instituições auxiliam
também no provimento de voluntários, que ajudam a organizar as atividades promovidas pela instituição. Também podem se cadastrar no
site da First voluntários independentes das empresas apoiadoras.
Hoje, a First promove competições com foco em tecnologia com
estudantes, desde seis anos a adultos. Mas o alvo principal do projeto continua sendo os alunos de colegial, em fase de decisão de carreira. Para esse público adolescente, existem duas modalidades regulares: a competição de robôs e a competição de desafio tecnológico (que
visa o desenvolvimento de tecnologias para problemas específicos).
Nessa última, participam estudantes de todo os Estados Unidos, Canadá,
México e até de países mais distantes, como aconteceu em 2008 com
a participação da Holanda (foram 986 times com cerca de 9,5 mil estudantes participantes da competição de desafio tecnológico em 2008).
“Estamos lutando pela atenção dos corações e das mentes das crianças num mundo que muitas vezes lhes aponta na direção errada”, declarou Kamen no último relatório anual da First (2008).
No Brasil, as competições têm atingido tanto estudantes de
ensino médio, como a que o Centro Universitário FEI promoveu,
quanto alunos que já cursam as engenharias. Um exemplo são as
copas brasileiras de futebol de robôs, que visam desenvolver e testar robôs autônomos que apresentem comportamento inteligente,
cooperando entre si, por meio da realização de partidas de futebol
entre times brasileiros.
Outras competições assumem posturas menos educativas, como
a lançada em julho último pelo governo australiano. O país, por meio
da sua Organização de Ciência e Tecnologia da Defesa e em parceria com o exército dos EUA, abriu uma competição para a construção de uma nova geração de robôs militares, projetados para ajudar
soldados humanos a combater em zonas urbanas. O plano é que grupos de robôs sofisticados sejam enviados aos campos de batalha
para ajudar a neutralizar o inimigo. O prêmio da competição é de
US$1,6 milhão (R$3,6 milhões).
Fotos: Adriana M. Groisman
Estudantes dos EUA, Canadá, México e outros países participam de competição de robôs em 2008
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Sabine Righetti
Baginski Santos e alunos do colégio São Luis, da capital paulista
se aproximaram das engenharias aprendendo na prática, outros chegaram à
decisão de que esta não seria a melhor
opção para si, o que pode ser positivo,
reduzindo a evasão nas universidades.
É o caso de Daniela Chiaradia, que pretendia fazer engenharia química antes
de desenvolver seu trabalho no FEI Jovem.
“Agora quero fazer medicina veterinária”, conta a aluna.
As atividades desenvolvidas no FEI
Jovem também contemplam outras habilidades ligadas direta ou indiretamente
à engenharia e ao desenvolvimento de
produtos, como o design. Mariana Lopes
Fogo, que no ano passado cursou o último ano do ensino médio, desenvolveu
seu trabalho nessa área. Na sua equipe,
ela se manteve focada no desenho, com
base no centenário da imigração japonesa, do carrinho-robô chamado de Yune.
Seu objetivo não é se tornar engenheira, mas sim cursar artes plásticas.
MENINAS ENGENHEIRAS
Assim como Daniela e Mariana que,
ao que tudo indica, não seguirão as engenharias, muitas meninas escapam das
exatas, na maioria das vezes devido à
falta de estímulos durante toda a sua
formação escolar. Justamente por isso,
o professor Baginski Santos, da FEI, destaca a importância de projetos voltados
principalmente para despertar a atenção das meninas. “O FEI Jovem acaba
sendo mais importante para as meninas. As estudantes tiveram a oportunidade e o incentivo para entrar em um
mundo considerado exclusivamente masculino e se saíram excepcionalmente
bem. Nós percebemos que as meninas
estavam descobrindo que também
podiam ser engenheiras e vimos que gostaram disso”, relata.
No entanto, Baginski Santos ressalta a necessidade de uma política mais
ampla, que incentive desde cedo as meninas a enveredar por atividades e profissões tidas como masculinas. “Deveria
haver tanto uma valorização na mídia
das mulheres nessas atividades, quanto incentivos nas escolas para a participação das meninas em atividades deste tipo”, diz.
POUCOS CURSOS, BAIXA DEMANDA
Para os especialistas, há um razoável equilíbrio entre as vagas oferecidas
e o número de jovens que querem cursar engenharia porque a demanda dos
estudantes é baixa. No entanto, do ponto de vista da demanda do mercado de
trabalho, o sinal é que deveria existir
mais vagas e mais cursos de engenharia.
E a discussão sobre a falta de engenheiros
não é exclusiva do Brasil: países como
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a Alemanha, que tem uma média de 20%
de seus estudantes de ensino superior
matriculados nas engenharias, também
falam de falta de engenheiros. Na última Feira Industrial de Hannover — uma
das mais famosas da Alemanha e do
mundo — o Instituto da Economia Alemã
(IW) divulgou um estudo que indicava a
falta de 95 mil engenheiros naquele país.
No meio dos argumentos pró-engenharias, há controvérsias. Um estudo do
Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea), divulgado
em julho de 2008, evidencia que o mercado de trabalho para as engenharias
pode ser considerado estreito e fortemente dependente de um pequeno número de empresas que emprega uma grande quantidade de engenheiros. As empresas que empregam até cinco engenheiros representam pouco mais de 60% do
mercado brasileiro, enquanto as grandes empregadoras, que empregam mais
de 100 engenheiros, são apenas 2,8% do
total de empresas.
No mesmo sentido, dados da Relação
Anual de Informações Sociais (Rais/IBGE)
mostram que, em 2006, cerca de 43 mil
engenheiros trabalhavam no setor de
transformação no país, um número pouco maior do que os 40,3 mil do ano anterior (2005). Considerando-se que 41,5 mil
engenheiros se formaram em 2006, a
absorção do mercado pode ser considerada pequena.
Independente da discussão oportuna
e necessária sobre a falta — ou não — de
engenheiros no mercado, a valorização
das ciências exatas juntos aos jovens estudantes parece primordial para a construção de uma sociedade capaz de compreender os artefatos a seu redor e de
tomar decisões nas questões contemporâneas permeadas de argumentos científicos e tecnológicos. “Valorizar as engenharias é uma maneira de se realizar essa
aspiração democrática de cidadania”, conclui o professor Baginski Santos.

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