Incesto irmão-irmã e a Síndrome de João e Maria

Transcrição

Incesto irmão-irmã e a Síndrome de João e Maria
 Incesto irmão-irmã e a
Síndrome de João e Maria
Maria Amélia Azevedo
“O amor de uma mulher é um verdadeiro bálsamo para a alma ferida, mas o incesto é
gradeado jardim e fonte fechada, onde as águas de vida secam e as flores recém-abertas
murcham se alguém lhes toca.”
Nietzsche, F. [1992] – A Minha Irmã e Eu. S. Paulo: Editora Moraes, p. 21-22.

O incesto irmão-irmã: de que se trata
Do latim incestu (não casto), incesto pode ser conceituado como relação sexual
proibida pela lei ou por costumes, podendo envolver parentes consanguíneos, afins ou
adotivos.
Homo ou heterossexual, a relação incestuosa entre irmãos ainda é bastante
enigmática, sobretudo em termos psicológicos.
O incesto irmão-irmã – um de seus subtipos mais emblemáticos – pode produzir
toda a gama de sentimentos que costumam colorir relações entre enamorados, mas com
um porém: o tabu que os cerca lembra sempre o “jardim gradeado e a fonte fechada” de
que fala Nietzsche ou seja, a morte do prazer!!!
Para entender melhor de que se trata, vale a pena consultar algumas fontes.
1
 O incesto irmão-irmã e a mitologia: um mito primordial
Em vários mitos fundadores de civilizações, o incesto entre irmãos comparece,
despido de qualquer carga negativa.
QUADRO 1
Mitos Irmão - Irmã
A) Mitologia hindu
A1 - Yama e sua irmã gêmea Yami, filhos do sol nascente
Vivasvati e de uma filha do deus-artesão Tvashitri,
tornaram-se os primeiros homem e mulher e
fundaram a raça humana. Yama foi o primeiro a
explorar as regiões escondidas da criação. Yama foi,
portanto, o primeiro homem e rei dos mortos (Ions,
1999: 33).
A2 - Rishaba ou Vrishaba foi o primeiro tirthamkara
(superdeus) de nossa época.
Logo ao nascer, manifestou que possuía todos os
conhecimentos e era perito em todas as ciências. A
pedido do pai, desposou duas irmãs: a mais velha,
Yashasvati, foi mãe de cem filhos, entre os quais se
conta o poderoso rei Barata... A mais jovem,
Sunanda, teve um filho, o deus Kama (deus do amor)
e uma filha (Spalding, 1997: 110).
B) Mitologia egípcia
Temos a deusa Isis; não se sabe de quem é filha, nem
em que cidade nasceu. Segundo uma das tradições,
teria se casado com o deus Osíris, no seio de sua mãe,
de sorte que, quando nasceu, já estava grávida de um
filho. Era então esposa e irmã de Osíris.
2
C) Mitologia latino
americana
C1 - Na cultura Inca, temos uma lenda sobre as
primeiras Eras do mundo. Conta a lenda que, nas
primeiras Eras do mundo, toda a terra estava coberta
de florestas e bosques, e as pessoas viviam como
animais selvagens, sem religião, sem governo e
casas, e sem cultivar a terra. Os homens eram
brutos, poligâmicos e comiam carne humana. Mas o
sol, vendo a raça humana nessa situação, teve
compaixão dela. Então enviou do céu seu filho Inca e
sua mulher Coya, para que trouxessem aos
selvagens seu conhecimento, e o adorassem como
seu Deus.
Chegaram então ao vale de Cuzco, no monte
Huanacauti. O Inca disse à mulher e irmã: “Devemos
nos fixar aqui para cumprir os desejos de nosso pai,
o sol. Juntemos o povo, minha rainha, para o
instruirmos dentro do bem”. O rei foi em direção ao
norte e a rainha em direção ao sul.
Os filhos do sol ensinaram aos seus primeiros
vassalos tudo o que é preciso na vida. O Inca
ensinou aos índios o cultivo e a preparação da terra
e a semear para comer. Também ensinou-os a fazer
arado e outros instrumentos. Coya, por sua vez,
ensinava às mulheres índias a coser, tecer algodão e
lã, fazer roupa e realizar outros trabalhos
domésticos.
Assim, o Inca tornou-se rei e senhor dos homens,
enquanto Coya era a rainha e senhora das mulheres
(Carter, 1997: 102-4).
C2 – Ainda na mítica Inca, em uma das versões, temos
que Inti (ou o Inca) enviou seu filho Manco Capac
com sua filha Mama Oclo para a terra depois de um
dilúvio ter destruído o mundo. Ali eles se casaram e
3
perambularam, ensinando as artes de civilização e o
culto correto. Foram os ancestrais dos governantes
Incas. Em Cuzco, fundaram o recinto de ouro,
Coricancha, do qual se irradiou uma rede de templos
solares por todo o império Inca (Ions, 1999:45)
D) Mitologia dos
aborígenes
australianos
Entre os aborígenes australianos, o papel da Grande
Mãe no Tempo dos Sonhos é ocupado pelas irmãs
Djanggawul. Eram perpetuamente grávidas de seus
irmãos, que vieram pelo mar, seguindo a estrela da
manhã, desde a terra dos mortos até o lugar do sol
(algumas vezes são identificados com o sol).
E) Mitologia
germânica
Segundo Carl Gustav Jung (1999: 555), Brünhilde, a
Valquíria filha de Wotan, favorece o nascimento de
Siegfried, decorrente do incesto entre Sieglinde e seu
irmão Siegmund, que foram separados da mãe quando
pequenos. Quando se encontram novamente, ambos são
combatidos, então se apaixonam e fogem juntos. O fato
de serem irmãos não preocupa ninguém. Essa temática
foi musicada por Wagner em Ring of the Nibelung.
F) Mitologia celta
Nos textos primitivos, temos a personagem Gwenhwyar
(Guinevère) aparecendo primeiramente como irmã, antes
de ser esposa de Arthur (Spalding, 1995: 125). Ainda
dentro da mitologia celta, um dos filhos de Artur,
Medrawt (Sir Modrer ou Mordred), divindade das trevas,
teria sido gerado num coito incestuoso entre Arthur e sua
meio-irmã, Morgana.
[Morgana (“mulher que veio do mar”) parece ter sido uma
sacerdotisa da ilha de Avalon, na Bretanha. Filha de Igraine e
Gorlois, Duque da Cornvalha, foi treinada por sua tia Viviane
para se tornar a Senhora de Avalon. O filho que teve com
Arthur, depois de um ritual sagrado (Beltane) tornou-se mais
4
tarde um dos grandes inimigos de Arthur. Mordred e Arthur se
matam, em duelo, pelo direito de ser o Grande Rei
(configurando parricídio e filicídio).
Texto elaborado a partir de consulta a Wikipédia, em
03/03/2015].
G) Mitologia grega
Dentro da mítica grega, temos Crono, filho de Urano e
Géia, pertencente à primeira geração divina. Crono (o
tempo personificado), a pedido e com ajuda da mãe,
corta os testículos do pai e os atira ao mar, pois Géia
desejava se furtar aos brutais abraços do marido. Crono,
então, toma o lugar do pai no céu e desposa sua própria
irmã, a titânida Réia. Mas Urano e Géia predizem então
que ele seria destronado por um dos filhos. Crono
passou, assim, a devorar os filhos à medida que iam
nascendo: Héstia, Deméter, Hera, Hades e Posídon.
Réia, grávida de Zeus, escondeu-se, e para salvar esse
último filho fugiu para Creta. E lá deu à luz o menino, às
escondidas. Envolveu em panos de linho uma pedra,
deu-a a Crono como se fosse a criança, e o deus logo a
engoliu. Quando cresceu, Zeus pediu a Géia uma droga
para dar ao pai, a fim de que este restituísse os filhos
devorados. Os filhos foram restituídos e Zeus declarou
guerra a Crono, que por sua vez tinha como aliados os
Titãs. Essa guerra durou dez anos. Zeus vence a guerra
com a ajuda dos Hecatônquiros (seres outrora
aprisionados por Crono no Tártaro e por Zeus libertados)
(Guimarães, 1995: 116). Zeus casa-se então com sua
irmã Hera.
Fonte: Biscaro, Regina [2003] Incesto / Um fenômeno arquetípico S. Paulo: Editora
Zouk
...
5
O que todos esses mitos revelam é a idealização do incesto irmão-irmã como um MITO
PRIMORDIAL, necessário à criação da própria espécie humana. Daí a ausência de
conotações negativas.
“Podemos então perceber, a partir dos relatos míticos, que o incesto está muito ligado à
cosmogonia, simbolizando a endogamia necessária à criação e às primeiras gerações”.
(Biscaro, Regina, ob.cit., 2003 p. 54)
6
 O incesto irmão-irmã e o marco jurídico: o reforço do tabu
Como já mostraram os antropólogos, o tabu do incesto objetivou dizer NÃO à
ENDOGAMIA e SIM à EXOGAMIA.
Ao redor da Terra, o incesto irmão-irmã tem variado de PROIBIDO a PERMITIDO, nas
legislações de diversos países.
QUADRO 2
Status jurídico do
incesto irmão-irmã em alguns
países dos diversos continentes
STATUS JURÍDICO
País
PROIBIDO
1.
ALEMANHA
X
+
Crime, com penalidades que vão
de multa a 3 anos de prisão. Aplicase a meio-irmãos também.
2.
ARGENTINA
+
3.
Austrália
X
+
Crime, com penalidades que vão
de 10 anos a prisão perpétua
4.
Austria
X
5.
Bélgica
PERMITIDO
X
Desde que entre adultos e
consensual
X
Desde que entre adultos e
consensual
7
6.
Brasil
X
Desde que entre adultos e
consensual
7.
Canadá
X
Crime, com penalidades de até 14
anos de prisão.
Aplica-se a meio-irmãos também
8.
China
X
9.
Espanha
X
Desde que entre adultos e
consensual
10.
Estados
Unidos da
América
X
Depende do Estado
Exemplo: Massachusetts - crime
com penalidades que vão até 20
anos
11.
Inglaterra e
País de Gales
X
Crime, com penalidades de até 14
anos de prisão. Aplica-se a meioirmãos também
12.
Finlândia
X
+
Crime, com penalidades que vão
de multa a dois anos de prisão.
Não se aplica a meio-irmãos
X
Depende do Estado
Exemplo: New Jersey - Desde que
entre adultos e consensual
13.
França
X
Desde que entre adultos e
consensual
14.
Índia
X
Desde que entre adultos e
consensual
8
15.
Irlanda
X
Crime, com penalidades de até 7
anos pra mulheres e prisão
perpétua para os homens
16.
Israel
17.
Japão
X
Desde que entre adultos e
consensual
+
X
Desde que entre adultos e
consensual
18.
Holanda
X
Desde que entre adultos e
consensual
19.
Luxemburgo
X
Desde que entre adultos e
consensual
20.
Nova Zelândia
X
Crime, com penalidades que vão
até 10 anos de prisão.
Aplica-se a meio-irmãos também
21.
Polônia
X
Crime, com penalidades que vão
de 3 meses a 5 anos
22.
Portugal
23.
Rússia
24.
Suécia
X
Desde que entre adultos e
consensual
Aplica-se a meio-irmãos também
X
Desde que entre adultos e
consensual
X
+ +
+
Meio irmãos podem casar-se com
9
aprovação especial do Governo
25.
Suíça
X
Crime, com penalidades que vão
até 3 anos de prisão
26.
Taiwan
X
+
Crime, com penalidades que vão
até 5 anos de prisão
27.
Turquia
X
Legenda:
+ casamento proibido
++ casamento permitido
Fonte: Azevedo, Mª Amélia – Leis sobre incesto, in Portal www.recriaprojetos.com.br Nuvem
Estudos
 Em cerca de 50 % dos 27 países focalizados no Quadro 2, o incesto entre irmãos é
considerado crime, punível com penas de prisão, que podem chegar à perpétua e
que, em algumas realidades, aplicam-se a meio-irmãos também.
 Em outros 40 % dos países, esse tipo de incesto é permitido, desde que, entre
adultos e de natureza consensual. Mesmo assim, o casamento entre irmãos
incestuosos nem sempre é possível e aceito.
De modo geral, portanto, o marco jurídico reforça o tabu social.
10
 O incesto irmão-irmã e a imprensa
Desde Caim e Abel, as relações entre irmãos oscilam - muitas vezes - entre amor e
ódio. Um exemplo disso é Suzane Richthofen que cumpre pena no presídio de
Tremembé / S. Paulo, por haver planejado e acobertado a morte (com barras de ferro),
de seus pais, o engenheiro Manfred Alfred, e a psiquiatra Marizia von Richthofen, no ano
de 2002. Em 2014 desistiu de brigar na justiça com o irmão, Andreas von Richthofen,
pela herança dos pais.
“Meu grande sonho é me reconciliar com meu irmão” disse Suzane. “Sei que não tenho
direito ao que era dos meus pais, nada daquilo me pertence. Dele (Andreas) quero
apenas o amor e o perdão”. (Neves, Mª Laura – Suzane 12 anos depois in Marie Claire,
novembro 2014, p.108)*
Amor, perdão parecem difíceis de conseguir, no contexto criminal por onde Suzane
transita.
É o que se depreende lendo a carta que o irmão de Suzane divulgou rompendo um
silêncio de 13 anos na qual chama a irmã de assassina. Nela, dá sinais de que jamais
vai perdoa-la pela “baixeza e crueldade de seu crime”, procurando ainda defender seu
pai da acusação de desvio de dinheiro da DERSA, dinheiro esse que ele teria
depositado na Suíça e do qual Suzane seria beneficiaria. Andréas Von Richtofen – que
tinha 15 anos por ocasião do assassinato dos pais – tem agora mais de 25 anos, é
doutor em Química Orgânica e planeja deixar o Brasil. (Cf. Quintélla, S. – Irmão chama
Suzane de ‘assassina’ – O Estado de S. Paulo / Metrópole, 07/03/2015, p. E6)
...
Já quando as relações entre irmãos são de natureza incestuosa, amor e perdão
parecem também bastante complicados, se considerarmos o contexto social onde
criminalização e descriminalização se cruzam, como nas notícias a seguir.
______________
* Fernando Grostein Andrade e Roger Franchini, autor do livro Richthofen – O assassinato dos pais de
Suzane, preparam-se para filmar em 2015, o “caso Suzane”
11
NOTÍCIA 1
Pai de Bobbi Kristina diz que filha nunca se casou com irmão adotivo
Bobbi Kristina, filha de Whitney Houston e do
cantor Bobby Brown, que está hospitalizada,
nunca se casou oficialmente com Nick Gordon,
que também foi criado pela cantora. A
informação foi revelada na última terça-feira (3)
em um comunicado de Brown, divulgado por
seu advogado.
“Para corrigir relatos anteriores, Bobbi Kristina
não é casada e nunca se casou com Nick
Gordon”, declarou Brown. Bobbi Kristina havia
anunciado o casamento por meio de seu Twitter,
em janeiro de 2014. O casal morava junto em
uma casa no Estado norte americano da
Georgia, onde Bobbi Kristina foi encontrada
inconsciente dentro de uma banheira.
O relacionamento entre os dois causou
polêmica, já que os dois viveram juntos como
irmãos por mais de uma década antes da morte
de Whitney em fevereiro de 2012. A cantora o
levou para sua casa quando ele tinha apenas 12
anos, depois que seu pai foi para a prisão e sua
mãe era incapaz de cuidar dele.
Ainda por meio do comunicado, Brown disse
que as causas da hospitalização da filha ainda
estão sendo investigadas e pediu privacidade.
“Por favor, permitam que nossa família possa
lidar com esse assunto e dar a Bobbi Kristina o
amor e o apoio dos quais ela necessita”,
completou.
Convulsões
De acordo com a CNN, Bobbi Kristina sofreu
convulsões na segunda feira (2) e foi transferida
para o Emory University Hospital, em Atlanta.
No final de semana, Bobbi estava internada
numa clínica da cidade onde mora, Roswell,
depois de ter sido encontrada desacordada
numa banheira. Ainda não há informações sobre
possíveis consequências das convulsões.
Na segunda, publicações americanas deram
conta que Bobbi teria tido uma “melhora
significativa”. Segundo o site TMZ, ela passou
por vários exames médicos, que determinaram
que o inchaço em seu cérebro havia diminuído.
Bobbi foi capaz de movimentar os olhos, e seus
níveis de oxigênio no cérebro aumentaram
consideravelmente: cerca de quatro vezes
melhores do que a paciente apresentava no
domingo.
No entanto, os parentes foram preparados para
o caso de algum dano neurológico na jovem, já
que ela foi privada de oxigênio por um período
aproximado de dois a cinco minutos. A revista
“People” noticiou que os médicos haviam dito à
família que a recuperação dela “é tecnicamente
possível, mas, se acontecer, seria um milagre”.
Bobbi Kristina foi encontrada inconsciente pelo
marido, Nick Gordon, na banheira de sua casa
perto de Atlanta, no estado da Geórgia no último
sábado (31). A jovem foi reanimada pelas
equipes de emergência e precisou ser internada
em coma induzido em uma Unidade de Terapia
Intensiva (UTI).
O incidente se assemelha muito às condições
da morte de sua mãe, em 11 de fevereiro de
2012, no Hotel Beverly Hilton, em Los Angeles.
A cantora Whitney Houston, de 48 anos, foi
encontrada morta na banheira de seu quarto de
hotel, após uma overdose de drogas, álcool e
remédios. A perícia concluiu que a morte foi
acidental, facilitada pelo uso de cocaína e por
condições cardíacas.
Veja também
Polícia encontra drogas na casa de filha de
Whitney Houston, diz site.
12
Fonte: celebridades.uol.com.br/noticias/redação/2015/02/04pai-de-bobbi-kristina-diz-quefilha-nunca-se-casou-com-irmao-adotivo.htm, acesso:05/02/2015.
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NOTÍCIA 2
Corte europeia confirma crime de incesto entre irmãos que têm 4 filhos
Atualizado em 12 de abril, 2012 – 08:53 (Brasília) 11:53 GMT
Irmão e irmã alemães que tiveram um relacionamento incestuoso e alegaram que teriam
direito a uma vida em família perderam processo que moviam junto à Corte Europeia de
Direitos Humanos.
A Corte afirmou que a Alemanha estava
autorizada a banir o incesto. O caso era inusitado
porque o irmão foi adotado e não conheceu sua
irmã biológica até buscar sua família quando
adulto.
‘Surpresa’
Em entrevista à BBC em 2007, Patrick contou ter
reencontrado a irmã Susan somente aos 23 anos,
quando viajou até Leipzig em 2000 para conhecer
sua família biológica.
Os dois, Patrick Stuebing e Susan Karolewski,
tiveram quatro filhos juntos, dois dos quais
descritos como portadores de deficiência física.
Depois da morte da mãe, os dois afirmaram ter se
apaixonado.
O irmão havia sido condenado por crime de
incesto e cumprido três anos de sentença na
Alemanha.
“Eu não sabia que tinha um irmão quando era
mais nova. Conheci Patrick e fiquei surpresa”,
admitiu na época Susan Karolewski, em
entrevista à BBC.
A Corte europeia reafirmou a decisão da Suprema
Corte da Alemanha, determinando que classificar
o incesto como crime não viola o direito
fundamental no “respeito à vida privada e
familiar”, como garantido pela Convenção
Europeia dos Direitos Humanos, informou o site
da revista Der Spiegel.
Segundo a publicação, os sete juízes que
examinaram o caso decidiram por unanimidade
que a decisão da Justiça alemã deveria ser
respeitada.
Ela disse não sentir culpa pelo relacionamento
incestuoso, e que esperava conseguir mudar a
legislação alemã.
“Só quero viver com a minha família e ser
deixada em paz pelas autoridades e pela
Justiça”. Susan Karolewski
Depois da decisão da Corte Europeia de Direitos
Humanos, Patrick afirmou que a Justiça destruiu
sua família. Ele agora vive separado da irmã e
três de seus filhos estão sob custódia de outros
casais. A criança mais nova vive com a mãe.
Fonte: BBC Brasil/Noticias. Acessado a 18/02/2015.
14
NOTÍCIA 3
Conselho de Ética alemão quer legalizar incesto entre irmãos
Segundo o órgão consultivo “não é apropriado para um direito penal preservar um tabu social”.
Por T.L.P.
O Conselho Nacional de Ética (CNE) da
Alemanha pediu o fim da criminalização do
incesto entre irmãos, após analisar o caso de um
homem que teve quatro filhos com a irmã.
Patrick Stuebing foi adotado em criança e apenas
conheceu a sua irmã quando tinha 24 anos e ela
16. O homem acabou por se envolver
intimamente com a irmã, Susan Karolewski, e o
casal teve quatro filhos. Patrick foi condenado por
incesto em 2008 e passou três anos na prisão.
Pediu recurso da pena para o Tribunal
Constitucional Federal, em 2008, e para o
Tribunal Europeu de Direitos Humanos, em 2012.
Susan Karolewski foi autorizada a manter a
custódia do filho mais novo, mas os outros três
foram retirados pelos serviços sociais alemães.
Duas das crianças nasceram com deficiência.
Não é possível provar que as deficiências tenham
sido causadas pela relação incestuosa.
A longa batalha jurídica de Stuebing levou a um
debate público generalizado sobre o assunto.
Neste sentido, o CNE pronunciou-se agora ao
pedir a descriminalização do incesto entre irmãos,
com base neste caso em que os membros do
casal não foram criados juntos, como irmãos.
Lei alemã proíbe relações diretas
As relações sexuais entre familiares diretos (pais,
filhos e irmãos) são proibidas sob a seção 173 do
código penal alemão e os infratores podem
enfrentar vários anos de prisão. No entanto, nesta
quarta-feira, o Conselho Nacional de Ética alemão
recomendou a revogação parcial desta seção,
argumentando que o risco de deficiência em
crianças não é suficiente para justificar a lei e que
a criminalização do incesto não acabaria com o
tabu social em torno destas relações.
A presidente do conselho, Christiane Woopen, e
13 outros membros votaram a favor da revogação
parcial da seção 173, enquanto outros nove
membros votaram contra e duas pessoas
abstiveram-se.
“O incesto entre irmãos parece ser muito raro nas
sociedades Ocidentais de acordo com os dados
disponíveis, mas os afetados descrevem o quão
difícil é a sua situação, à luz da ameaça de
punição”, afirma um comunicado do CNE. “Eles
sentem que as suas liberdades fundamentais
foram violadas e são forçados ao sigilo ou a negar
o seu amor”, refere o mesmo documento...
O mesmo órgão remata que “o direito
fundamental
de
irmãos
adultos
à
autodeterminação sexual tem mais peso, nesses
casos, que a proteção abstrata da família”.
Partido de Merkel não quer abolir incesto
Uma porta-voz do partido de Angela Merkel,
Elisabeth Winkelmeier-Becker, respondeu a voto
do Conselho de Ética, referindo que a abolição da
lei contra o incesto daria um sinal errado.
“Abolição da pena criminal contra ações
incestuosas dentro de uma família iria
completamente
contra
a
proteção
do
desenvolvimento das crianças”, disse à Deutsche
Welle.
A recomendação do Conselho de Ética apenas
incide sobre o incesto entre irmãos, pelo que o
mesmo órgão consultivo não recomendou a
descriminalização do sexo entre pais e filhos.
Fonte: Correio da Manhã / Notícias. Acessado a 18/02/2015.
15
As notícias tratam de modalidades diversas do incesto irmão-irmã: quando os
protagonistas não são irmãos biológicos (Notícia 1) e quando, embora irmãos
biológicos, viveram separados, não tendo sido criados como irmãos (Notícias 2 e 3)
No primeiro caso, trata-se de incesto entre meio irmãos, proibido, como já vimos, no
Quadro 2, em países como Alemanha, Canadá, Inglaterra e País de Gales, Nova
Zelândia...
Independentemente da modalidade, o tabu do incesto irmão-irmã parece estar bem
vivo ainda nos casos noticiados. No caso alemão, porém, a manifestação do
Conselho de Ética – embora não unânime e apenas consultiva – sinaliza que a
descriminalização do incesto entre irmãos pode acontecer também na Alemanha.
Este País é conhecido pelo rigor penal, considerando crime inclusive o incesto entre
irmãos que sejam menores (abaixo de 18 anos) no momento de sua ocorrência.
Embora não sejam puníveis pelo ato, a cumplicidade é punível. Aqui se incluiria,
portanto, um outro tipo de incesto irmão-irmã: o conhecido como Síndrome de João e
Maria.

O incesto irmão-irmã e a Síndrome de João e Maria
Este é o tipo de incesto que ocorre quando ambos os protagonistas têm idades bem
próximas, sendo frequentemente menores. O psiquiatra alemão Tilman Furniss
analisou esse tipo de incesto num texto que pode ser considerado clássico, razão
pela qual vai reproduzido a seguir.
16
A Síndrome de João e Maria
“O abuso sexual por irmãos quase da mesma idade frequentemente é uma expressão
da “Síndrome de João e Maria”. João e Maria eram duas crianças que foram
mandadas embora por seus pais e que se perderam na floresta, e que tinham apenas
a companhia, o conforto e cuidado um do outro para sobreviver. O abuso por irmãos
quase da mesma idade não apresenta as características da grande diferença de
maturação entre abusador e criança, e não existe nenhuma dependência estrutural
em um relacionamento de autoridade entre a criança abusada e o abusador
igualmente imaturo.
Na “Síndrome de João e Maria”, talvez não seja indicado utilizar os termo “abusador”
e “vítima”. O abuso sexual por irmãos quase da mesma idade normalmente é parte de
uma síndrome geral de privação emocional, em que ambas as crianças também
podem ter sido severamente abusadas, física ou sexualmente, por figuras parentais.
O abuso entre crianças quase da mesma idade, geralmente, é muito mais um
relacionamento sexual igual, em que ambas as crianças tentam dar e receber uma
forma distorcida de mútua satisfação, conforto e cuidado. O abuso sexual é uma
forma de cuidado emocional pervertida e confusa, em que a estimulação e excitação
sexual é um pobre e triste substituto do cuidado emocional parental.
Na “Síndrome de João e Maria”, ambas as crianças precisam ser tratadas como
vítimas iguais da privação e abuso emocional pelos adultos, com o relacionamento
sexual como uma tentativa secundária de sobreviver. As únicas diferenças
importantes que sempre precisam ser tratadas são as diferenças das experiências e
papéis sexuais masculinos e femininos, específicas para o gênero, dentro da
interação da “Síndrome de João e Maria”.
A “Síndrome de João e Maria”, das crianças emocionalmente privadas e perdidas,
também pode criar uma menina que apresenta sintomas de sexualização e
comportamento de vítima e um menino que pode vir a se tornar um ofensor e
abusador sexual. Embora encontremos na “Síndrome de João e Maria” uma
dependência mútua muito maior para cuidado e conforto e uma igualdade maior no
relacionar-se, ambas as crianças aprendem, ao longo do tempo, que relacionar-se
emocionalmente é idêntico a relacionar-se de maneira sexual. Essa confusão
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emociossexual é traduzida nas meninas por um comportamento sexualizado de vítima
e por uma maior vulnerabilidade a novos abusos, e nos meninos por um
comportamento sexualizado de abusador, com o perigo de abuso sexual em outros
relacionamentos. As crianças emocionalmente privadas e fisicamente abusadas,
geralmente, têm uma baixa tolerância à frustração e mecanismos subdesenvolvidos
para lidar com as situações. Formas diretas de atividades sexuais podem ser a única
maneira de obter alívio de tensão. As crianças com a “Síndrome de João e Maria” são
privadas do cuidado emocional e frequentemente, apresentam uma tolerância á
frustração extremamente baixa. Elas podem não ter outros meios de sentir-se bem e
obter alívio de tensão, além das formas diretas de estimulação sexual mútua. Na
“Síndrome de João e Maria” nós chegamos mais perto de um entendimento do abuso
sexual da criança como síndrome de adição, tanto para a criança, quanto para o
abusador.
Figura 1 – Abusadores adultos e a “Síndrome de João e Maria”
Os adolescentes do sexo masculino, na “Síndrome de João e Maria” não devem ser
tratados como os abusadores e as meninas não devem ser vistas como outras
vítimas-crianças, abusadas por figuras parentais. Embora o relacionamento possa
parecer um abuso adulto-criança, a questão da responsabilidade e dependência
estrutural precisa ser tratada de modo diferente. Ambas as crianças precisam assumir
igualmente a devida responsabilidade por seu relacionamento sexual inadequado. As
meninas precisam assumir sua parcela de responsabilidade, de modo a serem
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capazes de lidar com qualquer comportamento sexualizado resultante das confusões
emociossexuais. Também é importante evitar transformar os irmãos em bodes
expiatórios, inadequadamente, como os únicos responsáveis pelos atos sexuais,
mesmo que pareça que eles tenham sido mais ativos no abuso”.
Fonte: Furniss, T. [1993] – Abuso Sexual da Criança. Porto Alegre: Artes Médicas.
p.314-315.
A lição fundamental da “Síndrome João e Maria” é a de que, como mostra a própria
história infantil de João e Maria, ambos são vítimas de desamparo emocional,
decorrente quase sempre de negligencia parental. Por isso mesmo são vítimas
merecedoras de atendimento multiprofissional qualificado. O incesto nada mais é que
um substituto pobre, da proteção familiar ausente ou deficitária.
19
Para saber mais
A. Teses e Dissertações
A1
Autor: Tomaz, Ana
Título: O abuso incestuoso entre irmãos e disfuncionalidade familiar
Data de publicação: 2013
Universidade: ISPA / Instituto Universitário / Ciências Psicológicas, Sociais
e da Vida /Portugal
Resumo:
Dissertação de
Mestrado em
Psicocriminologia
Palavras-Chave:
incesto entre
irmãos, disfunção
familiar
O fenômeno do incesto entre irmãos não é algo desconhecido, pelo contrário, é
um tema bastante recorrente na mitologia, na literatura (científica e de ficção),
na história e, principalmente, na vida das pessoas. No entanto, apesar de
conhecido, este fenômeno, não tem sido muito estudado. Ainda assim, muitos
autores consideram que este tipo de abuso pode ser bastante prejudicial, não
só para a vítima, como para o agressor e, quando conhecido, até para os
restantes elementos familiares, uma vez que este tipo de abuso ocorre no seio
da família. Neste sentido, alguns dos estudos efetuados sugerem que existe
uma relação entre a disfuncionalidade familiar e este tipo de abuso incestuoso.
É preciso ter em consideração que existem várias formas de abuso incestuoso,
nomeadamente entre pai-filha, entre mãe-filho, entre outros. No entanto, o
presente trabalho só irá abordar as questões relacionadas com o abuso
incestuoso que ocorre entre irmãos. Assim, o objetivo do presente estudo é
explorar a relação existente entre disfuncionalidade familiar e abuso incestuoso
entre irmãos na(s) família(s) em estudo, sendo que esta disfuncionalidade será
averiguada através da estrutura familiar, tendo por base a teoria de Minuchin
(1988). Para tal efeito, serão considerados apenas famílias em que tenha
ocorrido abuso incestuoso entre irmãos, em que o agressor tenha até 16 anos
de idade e a vítima, no máximo 14 anos, na altura em que este aconteceu.
Relativamente á definição de irmãos, será tida em conta a de Bass et al.
(2006), uma vez que inclui irmãos biológicos e não biológicos, mas que estejam
ligados à criança por laços de afinidade pois, tal como afirmam Caffaro e ConnCaffaro (1998), a violência tem mecanismos semelhantes quando ocorre
nestas relações.
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A.2
Autor: Watarai, Cristina Fukumori
Título: O Contexto Afetivo-Familiar de Relações Incestuosas entre irmãos
Data de publicação: 2009
Universidade: UNESP/Faculdade de Ciências e Letras de Assis/SP/Brasil
Resumo:
Dissertação de
Mestrado em
Psicologia
Palavras-Chave:
incesto; abuso
sexual; Psicanálise;
irmãos; família.
Esta pesquisa surgiu a partir de minha experiência profissional, como psicóloga de um
CREAS – Centro de Referências Especializado de Assistência Social – que realiza o
atendimento psicossocial de crianças e adolescentes vítimas da violência, localizado em um
município no interior do Estado do Paraná. Tendo em vista essa prática, o tema abordado se
refere aos casos de incesto entre irmãos, sendo crianças e/ou adolescentes. Para a
Psicanálise, os desejos incestuosos estão presentes em cada indivíduo, desde a mais tenra
idade; entretanto, a interdição do incesto é um fator importante para a estruturação do
psiquismo, principalmente para a instauração do superego, no que concerne aos aspectos de
internalização das regras sociais, possibilitando o convívio em sociedade. Com base nesse
pressuposto, pensamos que experiências incestuosas também podem ocorrer na realidade
concreta, não apenas no nível da fantasia, configurando situações abusivas. Este estudo
utilizou-se do método de pesquisa em psicanálise, adaptado ao contexto que não
corresponde à clínica convencional, denominada de extramuros, cujo objetivo foi identificar
as condições afetivo-familiares em que emergem cenas incestuosas entre irmãos e descrever
a estrutura familiar que as sustenta. Foram entrevistadas quatro famílias, em um total de
dezesseis participantes. As informações foram obtidas por meio de entrevistas abertas com
os responsáveis pelo cuidado parental de crianças e/ou adolescentes os quais se
relacionaram de forma incestuosa com os seus irmãos, entrevista familiar diagnóstica com
todos os membros da família e entrevistas realizadas individualmente com os irmãos
envolvidos. O roteiro de entrevistas procurou destacar os tópicos mais relevantes,
respectivamente: comunicação, papéis e funções, aspectos transgeracionais dos grupos
familiares, concepção da sexualidade e envolvimento incestuoso entre os irmãos, com a
preocupação de avaliar as atitudes dos entrevistados diante da questão do incesto. Esta
pesquisa demonstrou problemas no âmbito da comunicação, principalmente no
relacionamento pais/filhos e, a inversão dos papéis e funções familiares, com a distribuição
desigual de autoridade. A subjetividade tem-se configurado em um ambiente de extrema
violência, não facilitador para um desenvolvimento afetivo saudável e com um discurso sobre
a sexualidade a acentuar, nessas famílias, o seu caráter de tabu. Pudemos notar a abolição
dos limites entre os indivíduos e as diferentes gerações, com a ocorrência de diversas
situações de violência inaugurando uma cadeia traumática transgeracional. Por meio desta
pesquisa, foi possível constatar a necessidade de incluir a questão do envolvimento
incestuoso entre irmãos, nos debates em nossa sociedade, considerando principalmente a
tendência de assumi-la como menos danosa e abusiva, podendo ser interpretada
erroneamente como uma manifestação normal da sexualidade da criança. A partir da
discussão dessa problemática, buscarmos ampliar o conhecimento que servirá de base para
intervenções práticas mais eficazes para esses tipos de casos.
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B. Literatura Infanto Juvenil
“Os irmãos do conto João e Maria alcançaram a proeza de serem conhecidos por
praticamente todas as crianças do mundo ocidental...
Como fonte desta história encontramos a versão dos irmãos Jacob e Wilhelm
Grimm, publicada em 1812 com o título Hansel und Gretel (cf. Corso, Diana L. e
Corso, M. [2006] Fadas no Divã / Psicanálise nas Histórias Infantis. Porto Alegre.
Artmed, p. 41).
O apelo da história de João e Maria pode ser inferido lembrando, por exemplo,
duas versões em português:.
B1
a de Ruth Rocha, 1996, para a FTD
na qual, os pais “tinham resolvido levar as crianças para o fundo da floresta
e deixa-las abandonadas, porque não queriam ver seus próprios filhos
morrendo de fome”.
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B1
a de José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta, 2014, para a Alfaguara
na qual a “história de João e Maria que é uma só, se transforma em quatro. Ou
1024, dependendo dos caminhos que se escolhe”.
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Em 2014, João e Maria aparecem não como irmãos e sim como namorados, na
releitura do conto de Grimm que a grife Cavalera fez em seu desfile para o inverno de
2015, realizado a 03 de novembro na S. Paulo Fashion Week. O próprio cenário foi
montado como um livro infantil, atestando a vitalidade da história de Grimm.
Releitura da
Cavalera
para a
personagem
Maria
do Conto
Infantil
‘João e Maria’
Fonte: Folha de S. Paulo, Ilustrada, 03/11/2014, p. E1.
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C. Cinema:
C1
Sangue Azul, Brasil, 2014
Quase uma década depois do bom resultado de Árido Movie (2005), o diretor Lírio Ferreira
lançou mais um longa de ficção: Sangue Azul (Brasil, 2014), que foi premiado como melhor
filme no Festival do Rio. Ferreira – que também assina o roteiro ao lado de Sergio Oliveira e
Fellipe Barbosa – levou o prêmio de melhor direção e Rômulo Braga, o de ator coadjuvante.
No último dia 21, Sangue Azul foi apresentado em São Paulo, na Mostra Internacional de
Cinema, numa sessão concorrida, com a presença de vários convidados, entre envolvidos na
produção do longa, atores e amigos. Nos cinemas, ainda não há previsão de lançamento.
Sangue Azul narra a história de Pedro (Daniel de Oliveira), um garoto de dez anos cuja mãe,
Rosa (Sandra Corveloni), decidiu deixar ir embora com um circo, porque temia que uma
relação incestuosa pudesse surgir entre ele e a irmã Raquel (Caroline Abras). A família vivia
numa ilha paradisíaca, onde o circo Netuno aportaria novamente vinte anos depois. Nesse
retorno, Pedro já nem era mais Pedro. Ele adotara o nome Solah, o homem bala. O
reencontro da família faria aquela mãe se sentir novamente apreensiva. A chegada da trupe
na ilha mudaria também a vida dos moradores, que passariam a ir ao circo todas as noites.
Os integrantes do circo aproveitariam a estadia ali para frequentar o bar local, beber e tentar
algum envolvimento com os nativos.
Filmado em película em Fernando de Noronha, arquipélago pertencente a Pernambuco,
Sangue Azul tem uma fotografia deslumbrante, assinada por Mauro Pinheiro Júnior. As
primeiras imagens que surgem na tela são em preto e branco, com a trupe do circo erguendo
sua tenda na ilha. Depois, as cores saltam na tela, destacando não só a beleza do lugar, mas
até mesmo o suor e as tonalidades das peles dos atores. Sangue Azul merecia ser um filme
consistente porque, apesar de tudo, é visualmente lindo.
Fonte: veja.abril.com.br/.../sangue-azul-cenas-deslumbrantes-não-compensem-r... Acesso: 05/02/2015
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D. Teatro:
D1
Um pai (Puzzle)
Memórias da filha de
Jacques Lacan
ADAPTAÇÃO DO LIVRO UM PAI, DE SIBYLLE
LACAN, MONÓLOGO RECONSTRÓI A
CONFLITUOSA RELAÇÃO DA ESCRITORA
COM O PSICANALISTA FRANCÊS.
Sibylle
Lacan
(1940-2013)
sempre
conviveu com a ausência do pai, o psicanalista
Jacques Lacan (1901-1964). Quando nasceu,
ele já havia abandonado sua mãe e se casado
com outra mulher, com quem teve um filha
poucos meses mais nova que Sibylle: a filósofa
Judith Miller, que participou de seu círculo
intelectual e a quem ele deixou em testamento
todos os direitos sobre sua obra. À caçula do
primeiro casamento Lacan não dedicou mais
que alguns encontros esporádicos durante a
infância e adolescência da jovem, que
imaginou por boa parte do tempo que ele vivia
ocupado com viagens. “Quando eu nasci, meu
pai não estava mais conosco. Até poderia dizer
que, quando fui concebida, ele já estava em
outro lugar (...). Sou o fruto do desespero.
Alguns dirão que é do desejo, mas não creio
nisso”, revela no livro de memórias Um pai:
puzzle (Bertrand Brasil, 1996). Escrito em uma
única noite no começo dos anos 90, o texto de
estrutura fragmentada é, como diz o título, um
quebra-cabeça que reúne as lembranças do
homem a quem amou, mas mal conheceu.
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O doloroso relato de Sibylle ganhou
adaptação homônima para o teatro (2015),
com a atriz Ana Beatriz Nogueira na pele da
filha de Lacan e direção de Vera Holtz e
Guilherme Leme. “Ela não queria que
inventássemos
coisas
para
o
texto.
Poderíamos cortar, mas não acrescentar
informações”, conta Ana Beatriz sobre o
processo de transformação do livro em
monólogo, que começou pouco antes da morte
de Sibylle, há dois anos, por overdose de
medicamentos. No palco, Ana Beatriz revive
momentos da vida da escritora, como a
conflituosa relação com Judith, a preferida do
pai, de cuja existência Sibylle soube quando já
era quase adulta. “Meu primeiro encontro com
Judith me arrasou. Ela era tão amável, tão
perfeita, e eu tão desajeitada, tão inábil. Ela
era a sociabilidade, a descontração; eu, a
camponesa do Danúbio”, relembra em Um pai,
fazendo referência ao grosseiro personagem
de uma fábula da La Fontaine.
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A “apropriação postmortem de Lacan”, usando
palavras de Sibylle, talvez seja sua grande
mágoa em relação à meia-irmã. Judith teria
providenciado o enterro sem consultar os
irmãos, contando com a ajuda do marido, o
psicanalista Jacques Miller, a quem Lacan
autorizou a livre edição dos Seminários. Ao
explorar uma faceta menos conhecida do
homem Lacan, e da perspectiva de uma filha,
Um pai contém interessantes elementos para
os interessados na biografia do psicanalista.
Fonte: Mente Cérebro, ano XXI nº 266, p. 8-9.
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