Políticas públicas, economia e poder o Estado de Roraima entre

Transcrição

Políticas públicas, economia e poder o Estado de Roraima entre
Universidade Federal do Pará
Núcleo de Altos Estudos Amazônicos
Doutorado em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido
Nelvio Paulo Dutra Santos
POLÍTICAS PÚBLICAS, ECONOMIA E PODER:
O Estado de Roraima entre 1970 e 2000
Belém
2004
Nelvio Paulo Dutra Santos
Historiador
POLÍTICAS PÚBLICAS, ECONOMIA E PODER:
O Estado de Roraima entre 1970 e 2000
Tese apresentada para obtenção do grau de
Doutor em Ciências: Desenvolvimento SócioAmbiental, Universidade Federal do Pará,
Núcleo de Altos Estudos Amazônicos. Área de
concentração: Estado, Políticas Públicas e
Cidadania. Orientadora: Profª. Drª. Ligia T. L.
Simonian.
Belém
2004
_________________________________________________
Santos, Nelvio Paulo Dutra
Políticas Públicas, economia e poder: o Estado de Roraima
entre 1970 e 2000/ Nelvio Paulo Dutra Santos; Orientadora Drª.
Ligia T. L. Simonian. Belém: 2004. 270 f.
Tese (Doutorado) - Desenvolvimento Sustentável do Trópico
Úmido (PDTU) - Núcleo de Altos Estudos Amazônicos,
Universidade Federal do Pará.
1. Políticas públicas. 2. Geopolítica. 3. Amazônia. 4. Roraima.
________________________________________________
Nelvio Paulo Dutra Santos
Políticas Públicas, Economia e Poder:
O Estado de Roraima entre 1970 e 2000.
Tese apresentada para obtenção do grau de
Doutor em Ciências: Desenvolvimento SócioAmbiental,
Núcleo
de
Altos
Estudos
Amazônicos, Universidade Federal do Pará.
Área de concentração: Estado, Políticas Públicas
e Cidadania.
Data de aprovação: ____________
Banca Examinadora:
_________________________________________ - Orientador
Profª Drª. Ligia T. L. Simonian
Doutora em Antropologia
Universidade da Cidade de Nova Iorque
_________________________________________
Prof. Dr. José Gilberto Quintero Torres
Doutor em Ciências Políticas
Universidade Central da Venezuela
_________________________________________
Profª Drª. Catherine Prost
Doutora em Geografia
Universidade - França
_________________________________________
Prof. Dr. Francisco de Assis Costa
Doutor em Economia
Universidade - Alemanha
_________________________________________
Prof. Dª. Rosa Elizabeth Acevedo Marin
Doutora em História
Universidade - França
5
AGRADECIMENTOS
À minha Universidade, a UFRR, instituição jovem que investe no aperfeiçoamento de
seus docentes, pela oportunidade de realizar este Curso, especialmente aos colegas do
Departamento de História.
Aos professores, aos colegas de curso e funcionários do Núcleo de Altos Estudos
Amazônicos (NAEA), amigos e incentivadores, em especial a Adagenor Lobato Ribeiro.
À professora Ligia T. L. Simonian, orientadora, incentivadora e amiga.
À CAPES, pela bolsa de estudos que me concedeu via PICDT.
Ao amigo Vicente de Paulo Joaquim, coordenador do IBGE de Roraima, pela
disponibilidade e colaboração quando dos levantamentos da base de dados.
E, especialmente, à minha esposa Marlene, companheira, incentivadora paciente e
colaboradora.
6
RESUMO
Esse trabalho analisa as razões da mudança e permanência das estruturas de poder em
Roraima, desde a intervenção do Estado nacional autoritário em um espaço territorial
demarcado pela fronteira política e de recursos e sua ocupação por várias sociedades,
inclusive tradicionais, em situação de conflito. O ponto de partida da investigação foi o estudo
do papel do Estado como suposto coordenador da ação social ou comandante do agir
institucional, no sentido de Max Weber, frente a uma situação concreta, onde se defrontam,
numa relação dicotômica, o nacional e o local/regional. Com esse objetivo, privilegiou-se a
busca da compreensão do sistema de relações estabelecidas pelas ações resultantes do
planejamento geopolítico e desenvolvimentista para a Amazônia ocidental, bem como de suas
resultantes no presente. Estas consistem, principalmente, na transformação no espaço de duas
décadas, de um território federal com pouco mais de 40.000 habitantes e dois municípios em
um novo estado federativo. A rápida mudança alterou drasticamente o cenário humano e
físico-espacial, dando origem a novas estruturas sócio-econômicas e sociais, cujos agentes
tendem a participar de grupos de pressão para defender suas posições. Estas consistem, de um
lado, nos defensores da legislação instituída pela Constituição de 1988, que reconheceu
direitos das comunidades indígenas às suas terras e condiciona a exploração dos recursos
naturais; de outro, empresários e políticos adeptos do desenvolvimento local, de preferência
imediato. Os resultados da pesquisa revelam que o Estado não dispõe de condições políticas
para resolver tais questões, não tendo também se mostrado um mediador eficiente, havendo
uma tendência para o acirramento da disputa e ao impasse.
7
ABSTRACT
This work analyzes the reasons of the change and permanence of the structures of power in
Roraima, since the intervention of the authoritarian National State over a territorial space
demarcated by political borders and related to resources and its occupation by several
societies, including the traditional in conflict situation. The starting point for the research was
the study of the State’s role as a supposed coordinator of the social action or commandant of
acting institutional, in Max Weber's sense, in the face of a concrete action, where it is
confronted, in a dichotomic relationships, between the national and the local/regional. With
such a purpose, it was privileged the search for an understanding of the system of
relationships that was established by the resulting actions of the geopolitical planning and
development for western Amazon, as well as of its outcomes in the present. These consist,
mainly, though the transformation in the space of two decades, of a federal territory with not
much more than 40.000 inhabitants and two municipal districts in a new federative state. That
fast change altered drastically the human and physical scenery space, giving origin to new
socioeconomic and social structures, whose agents tend to participate on pressure groups to
defend their positions. These groups consist, on one hand, of defenders of the legislation
instituted by the Constitution of 1988, which recognized the rights of the indigenous
communities towards their lands and the conditions for the exploration of the natural
resources; on the other hand, are the managers and the political followers of the local
development, immediate of preference. The results of such research reveal that the State does
not have the political conditions to solve such questions, as he does not even tend to show
himself as an efficient mediator, as there is a tendency to the incitement of the dispute and of
the impasse.
8
LISTA DAS ILUSTRAÇÕES
Mapa 1 - O mundo de Mackinder em 1904.........................................................................
73
Mapa 2 - A política de contenção americana, baseada em Spykman.................................
77
Mapa 3 - Produção colonial do Brasil.................................................................................
83
Mapa 4 - Vertebração rodoviária do Brasil, segundo Mattos.............................................
105
Mapa 5 - Áreas interiores de intercâmbio fronteiriço, segundo Meira Mattos...................
107
Mapa 6 - Espaço ocupado pela pecuária bovina em Roraima em 1970..............................
130
Quadro 1 - Rebanho bovino de Roraima - 1970-1995........................................................
130
Mapa 7 - Pólos de desenvolvimento do II PND..................................................................
137
Quadro 2 - Estabelecimentos rurais de Roraima quanto à condição de produtor: 19701995..................................................................................................................
166
Quadro 3 - Utilização das terras rurais de Roraima, 1970-1995.........................................
167
Quadro 4 - Produção de arroz, feijão e milho em Roraima entre 1974 e 2000...................
179
Mapa 8 - Rodovias federais e colonização em Roraima.....................................................
191
Quadro 5 - Colônias do INCRA em Roraima - 1997..........................................................
192
Quadro 6 - Colônias do ITERAIMA em Roraima -1997...................................................
193
Mapa 9 - Municípios do Estado de Roraima.......................................................................
217
Quadro 7 - População dos municípios de Roraima: 1991-2000..........................................
224
Quadro 8 - Transferências Constitucionais para alguns Municípios do Estado de
Roraima em 2000...........................................................................................
228
Mapa 10 - Terras Indígenas em Roraima................................................................
235
Quadro 9 - Componentes da Primeira Assembléia Legislativa de Roraima - 1990..........
240
Diagrama 1 - Os caminhos dos conflitos e impasses na década de 1990...........................
243
Fluxograma 1 - As redes de compromisso em Roraima.....................................................
244
9
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Produção econômica do Território do Rio Branco –1942-1943............
93
Tabela 2 - Imóveis rurais do Brasil em 1967..........................................................
158
Tabela 3 - Estabelecimentos e dimensão das terras rurais de Roraima 1970-1985
167
Tabela 4 - Propriedade das terras rurais em Roraima – 1970-1985........................
168
Tabela 5 - Estrutura produtiva de Roraima - 1970-1997.......................................
178
10
LISTA DE SIGLAS
ABI
ACAR
ACIR
ADMIR
ALBRÁS
APIR
ARENA
ARIKON
BB
BASA
BNDES
CCPY
CEDI
CGT
CEF
CEHILA
CEPAL
CIDR
CIMI
CIP
CIR
CNBB
COBAN
CODESAIMA
COMARA
CONAMAZ
CPRM
CPT
CSN
CUT
CVRD
DASP
DNPM
EDF
EMBRAPA
EMFA
ESG
FAG
FEB
FGV
FIDAM
FIER
FLONAS
FMI
FNO
FNS
FPE
FPM
FUNAI
FUNDEF
GETAT
IBAD
Associação Brasileira de Imprensa
Assessoria de Crédito e Assistência Rural de Roraima
Associação Comercial e Industrial de Roraima
Associação das Mulheres Indígenas de Roraima
Alumínio do Brasil S/A.
Associação dos Povos Indígenas de Roraima
Aliança Renovadora Nacional
Associação Regional Indígena do Quinô e Monte Roraima
Banco do Brasil S/A.
Banco da Amazônia S/A
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
Comissão pela Criação do Parque Yanomami
Centro Ecumênico de Documentação e Informação
Confederação Geral dos Trabalhadores
Caixa Econômica Federal
Comissão de Estudos de História da Igreja na América Latina
Comissão Econômica para a América Latina
Centro de Informações da Diocese de Roraima
Conselho Indígena Missionário
Conselho Interministerial de Preços
Conselho Indígena de Roraima
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
Comissão Binacional de Alto Nível
Companhia de Desenvolvimento de Roraima
Comissão de Aeroportos da Amazônia
Conselho Nacional da Amazônia Legal
Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais
Comissão Pastoral da Terra
Conselho de Segurança Nacional
Central Única dos Trabalhadores
Companhia Vale do Rio Doce
Departamento Administrativo do Serviço Público
Departamento Nacional de Produção Mineral
Environmental Defense Fund
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
Estado Maior das Forças Armadas
Escola Superior de Guerra
Fundação de Assistência ao Garimpeiro
Força Expedicionária Brasileira
Fundação Getúlio Vargas
Fundo de Investimento Privado do Desenvolvimento da Amazônia
Federação das Indústrias do Estado de Roraima
Florestas Nacionais
Fundo Monetário Internacional
Fundo Constitucional de Financiamento do Norte
Fundação Nacional de Saúde
Fundo de Participação dos Estados
Fundo de Participação dos Municípios
Fundação Nacional do Índio
Fundo de Participação do Ensino Fundamental Público
Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins
Instituto Brasileiro de Ação Democrática
11
IBAMA
IBGE
IBRA
IDH
INCRA
INPA
INPE
IPEA
IPES
IPTU
ISA
ISEB
ISS
ITBI
ITERAIMA
MDB
MECOR
MIRAD
MST
NAEA
OAB
ONG
ONU
OPEP
OPIR
PAEG
PCB
PCN
PDTU
PDA
PDS
PDVESA
PEGB
PIB
PIN
PND
PNRA
POLAMAZONIA
PR
PRORURAL
PROTERRA
PSD
PSP
PTB
RADAM
SADEN
SBPC
SEBRAE
SESI
SINDIMADEIRAS
SINDIGAR
SINDICON
SINDUSCON
SNI
SPI
SPVEA
SUDAM
Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Instituto Brasileiro de Reforma Agrária
Índice de Desenvolvimento Humano
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas
Instituto de Pesquisa Econômica e Social
Imposto Predial e Territorial Urbano
Instituto Sócio Ambiental
Instituto Superior de Estudos Brasileiros
Imposto Sobre Serviços
Imposto sobre Transações de Bens Imóveis
Instituto de Terras e Colonização do Estado de Roraima
Movimento Democrático Brasileiro
Ministério Extraordinário para a Coordenação dos Órgãos Regionais
Ministério da Reforma e Desenvolvimento Agrário
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
Núcleo de Altos Estudos Amazônicos
Ordem dos Advogados do Brasil
Organização Não-Governamental
Organização das Nações Unidas
Organização dos Países Produtores de Petróleo
Organização dos Professores Indígenas de Roraima
Programa de Ação Econômica do Governo
Partido Comunista Brasileiro
Projeto Calha Norte
Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Desenvolvimento Sustentável do
Trópico Úmido
Plano de Desenvolvimento da Amazônia
Partido Democrático Social
Petróleo de Venezuela S.A.
Projeto de Estudos de Garimpos Brasileiros
Produto Interno Bruto
Programa de Integração Nacional
Plano Nacional de Desenvolvimento
Plano Nacional de Reforma Agrária
Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia
Partido Republicano
Programa de Assistência ao Trabalhador Rural
Programa de Redistribuição de Terras e Estímulo à Agroindústria do Norte e
Nordeste
Partido Social Democrático
Partido Social Popular
Partido Trabalhista Brasileiro
Radar da Amazônia
Secretaria de Assessoramento da Defesa Nacional
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
Serviço Brasileiro de Apoio à Pequena e Média Empresa
Serviço Social da Industria
Sindicato da Indústria Madeireira
Sindicato dos Garimpeiros
Sindicato da Construção de Estradas e Pavimentos
Sindicato da Construção Civil
Serviço Nacional de Informações
Serviço de Proteção ao Índio
Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia
Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia
12
SUDENE
SUFRAMA
SUPRA
TCA
UDN
UDR
USAGAL
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
Superintendência da Zona Franca de Manaus
Superintendência para a Reforma Agrária
Tratado de Cooperação Amazônica (Pacto Amazônico)
União Democrática Nacional
União Democrática Ruralista
União dos Sindicatos e Associações de Garimpeiros da Amazônia Legal
13
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................................
15
2 POLÍTICA , ESTADO E SOCIEDADE ..............................................................................
2. 1 A POLÍTICA E A ORIGEM DO ESTADO.........................................................................
2. 2 O ESTADO E A SOCIEDADE............................................................................................
2. 3 O ESTADO E A REPRESENTAÇÃO.................................................................................
2. 3. 1 A representação no Brasil..............................................................................................
2. 3. 2 Partidos, elites e grupos..................................................................................................
2. 3. 3 Grupos de pressão e grupos de interesse......................................................................
2. 4 AS MUDANÇAS NO PAPEL DO ESTADO NO SÉCULO XX: RACIONALIDADE E
PLANEJAMENTO..............................................................................................................
2. 4. 1 O estado, planejamento e desenvolvimento no Brasil.................................................
2. 4. 2 1964: a aliança de tecnocracia e militares....................................................................
2. 4. 3 1985-2000: o fim do autoritarismo e o fortalecimento dos grupos regionais............
2. 5 O ESTADO E A GEOPOLÍTICA........................................................................................
27
27
36
37
41
48
54
3 O ESTADO NACIONAL BRASILEIRO E A AMAZÔNIA..............................................
3. 1 O ESTADO E A INTERVENÇÃO NA AMAZÔNIA: ANTECEDENTES
HISTÓRICOS........................................................................................................................
3. 2 O RIO BRANCO: UMA SOCIEDADE DE CRIADORES NA AMAZÔNIA...................
3. 3 O ESTADO NOVO E A CRIAÇÃO DO TERRITÓRIO FEDERAL ................................
3. 4 1946 – 1964: A DESCENTRALIZAÇÃO DO ESTADO E A AMAZÔNIA.....................
3. 5 O PENSAMENTO GEOPOLÍTICO BRASILEIRO E A AMAZÔNIA.............................
3. 6 OS MILITARES E O PENSAMENTO DA ESG................................................................
3. 7 CRESCIMENTO BRASILEIRO E REAÇÃO DOS PAÍSES VIZINHOS.........................
78
4 RORAIMA: MILITARIZAÇÃO, PROGRESSO E CONFLITO.....................................
4. 1 A MILITARIZAÇÃO DA FRONTEIRA E A MODERNIZAÇÃO....................................
4. 2 GEOPOLÍTICA E COOPTAÇÃO: O GOVERNO HÉLIO CAMPOS...............................
4. 3 AUTORITARISMO CENTRAL X PATRIMONIALISMO LOCAL: O GOVERNO
RAMOS PEREIRA..............................................................................................................
4. 4 AS ORIGENS DO POPULISMO: O PRIMEIRO GOVERNO DE OTTOMAR PINTO..
4. 5 O FIM DO AUTORITARISMO E A ASCENSÃO DO PODER LOCAL.........................
4. 6 ROMERO JUCÁ: O PODER EMPRESARIAL..................................................................
4. 7 DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS: INÍCIO DA GRANDE
POLÊMICA..................................………………………………………………………...
4. 8 TERRA: A BASE TERRITORIAL EM DISPUTA............................................................
4. 8. 1 A questão fundiária em Roraima na década de 1990..................................................
57
60
64
68
71
79
86
89
95
100
109
116
122
124
132
136
141
144
148
152
155
160
14
5 ECONOMIA E RELAÇÕES DE PODER..........................................................................
5. 1 A ECONOMIA E O AMBIENTE........................................................................................
5. 1. 1 A colonização: de projetos político-administrativos a problemas políticos............
5. 1. 2 O garimpo: origens e caminhos.....................................................................................
5. 1. 2. 1 O garimpo em Roraima e seu significado.....................................................................
5. 1. 2. 2 Garimpo, mobilidade espacial e política......................................................................
5. 2 RELAÇÕES POLÍTICAS, ESTRUTURAS E PROCESSO DE PODER………………...
5. 2. 1 A força e fraqueza dos municípios................................................................................
5. 2. 2 Uma nova situação geopolítica: o Calha Norte e a questão indígena........................
5. 2. 3 Os anos de 1990: conflitos e impasses - uma síntese...............................…………….
171
176
185
196
201
206
212
215
230
237
6. CONCLUSÃO......................................................................................................................
249
REFERÊNCIAS.........................................................................................................................
255
15
1 INTRODUÇÃO
Desde o século XVIII que o Estado marca sua forte presença na Amazônia. No
entanto, foi somente após 1964 que o poder público, através da imposição de um projeto de
modernização, inseriu a Amazônia nas bases produtivas nacionais. Ao longo desse processo,
segundo Becker (1998), a Amazônia assumiu importante posição-chave perante as prioridades
econômicas e geopolíticas, além de ser considerada uma solução para os problemas de tensão
social do Nordeste e da continuidade do crescimento econômico-social do Sudeste. Essa
profunda e abrangente intervenção atingiu o cotidiano das populações amazônicas,
transformando o espaço geográfico, modificando o universo das relações econômicas, sociais
e políticas. O incentivo a atividades produtivas, o aumento populacional, a abertura de
rodovias e implantação de novas estruturas técnicas e administrativas, fazem parte desse
conjunto. Na década de 1980, com a redemocratização1 e o arrefecimento da ação do Estado,
aumentou o espaço das elites locais ou regionais e, com a promulgação de uma nova
Constituição, surge um novo cenário político nacional, onde a Amazônia tem, novamente, um
papel de destaque.
Esses três momentos diferenciados, são partes de um processo cujos resultados
ainda estão sendo identificados e avaliados por inúmeras pesquisas, mas existem, ainda,
realidades, que, por seu papel e importância presente, justificam um estudo mais aprofundado
e abrangente. Este exige um tratamento teórico-metodológico das questões envolvidas mais
relevantes das diferentes fases e espaços onde ocorreu o processo e suas especificidades, pois
a diversidade, mais que tudo, é uma das marcas da região amazônica. Reconhece-se, também,
que se diversos foram cada momento político, nacional e internacional, bem como as
estratégias e objetivos, tem permanecido invariável a idéia de que a Amazônia representa uma
1
A expressão “redemocratização” é utilizada neste trabalho como sinônimo de fim de regime de exceção,
acompanhando-se um uso consagrado. Assim, o termo foi utilizado com relação a 1945, fim do Estado Novo e
1985, final do regime militar brasileiro.
16
possível solução para problemas que lhe são alheios, pagando sempre o preço disso. E esse
custo, como se pretende mostrar aqui, não se resume ao ambiente físico, já que as populações
humanas são logicamente afetadas sempre que o espaço é modificado.
A intervenção do Estado na região se iniciou com o marquês de Pombal, na
segunda metade do século XVIII, a qual buscava garantir territórios para a coroa portuguesa,
construindo fortalezas nas entradas “naturais”, isto é, junto a alguns rios, como nos campos do
rio Branco, hoje Roraima. Uma segunda intervenção (COSTA, 1992, p. 9) se deu quando da
repressão da revolta da Cabanagem (1835-1839), ocasião em que o governo imperial
aumentou maciçamente sua presença militar na então província do Pará. Após a metade do
século XIX, ocorre o que comumente é conhecido como o “ciclo da borracha”, cujo período
áureo inicia-se por volta de 1870, decaindo após 1912. Segue-se um período de estagnação até
1940, quando o governo central cria vários órgãos técnicos e de apoio e desencadeia uma
série de ações na região. Essas medidas estão ligadas aos denominados “Acordos de
Washington” e, segundo Bahiana (1991), foram assinados em plena Segunda Guerra Mundial,
quando a borracha e outros produtos estratégicos foram extremamente valorizados.
Essa Guerra também resultou na valorização maior das fronteiras, com a criação
de territórios federais na Amazônia, como o Amapá e Rio Branco (Roraima), Guaporé
(Rondônia), Ponta Porã, no Centro-Oeste e Iguaçu, no Sul. Essas novas unidades
administrativas obedeciam a uma estratégia, apoiada numa ideologia que se expressava no
movimento da “marcha para o oeste”. Esta, concebida por geógrafos e militares, adeptos de
uma geopolítica nacionalista, defendia a necessidade da ocupação do interior de território
nacional, num processo patrocinado pelo Estado. Embora um tanto modificada, a idéia
transparece, de acordo com Vesentini (1987), no governo de Juscelino Kubitschek (19561961), na construção de rodovias de acesso à Amazônia e da nova capital brasileira, Brasília.
A criação do território de Rio Branco, hoje Roraima, em 1943, representou o
primeiro passo para uma mudança radical numa sociedade local, dominada por criadores de
gado que também exploravam o garimpo e por alguns comerciantes. Uma população pouco
numerosa se dedicava ao extrativismo vegetal e animal, principalmente no baixo rio Branco,
apoiada em pequenas povoações, pontos de ligação com Manaus (BARROS, 1995). Em Boa
Vista, então transformada em capital, havia desde o início do século XX uma Prelazia
católica, segundo Eggerath (1924), cujos religiosos, homens e mulheres, tratavam da
17
evangelização dos diferentes grupos indígenas. Estes dispunham ainda do atendimento de um
posto do Serviço de Proteção aos Índios (SPI).
Após a redemocratização em 1946, cada território passou a eleger um deputado
federal, estabelecendo-se assim, um canal direto com o poder central que propiciou a
participação gradativa das lideranças locais nos embates e na burocracia. Na década de 1950,
no entanto, o poder central não se fez muito presente, pois de acordo com Freitas (1997)
houve apenas a fundação de algumas colônias agrícolas, mesmo após a criação da
Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia (SPVEA), sediada em Manaus. As
grandes mudanças só se efetivariam após a implantação do regime militar, quando Roraima
adquire importância geopolítica em razão da complicada situação política no Caribe e das
reformas administrativas no governo federal.
Num primeiro momento, grandes mudanças no perfil político-administrativo e
econômico local são gestadas no fim da década de 1960 e início da seguinte. Então, três fatos
concretos se interligam: o acirramento da Guerra Fria, a execução de grandes projetos visando
a integração e o desenvolvimento e, uma mudança na política aplicada aos territórios
(FREITAS, 1997), com nova aplicação dos índices de distribuição das verbas entre as unidades
da Federação. Com essa alteração, os territórios passaram a receber não só repasses como se
fossem estados federados, mas também a merecer atenção especial do governo central para se
constituírem em futuros estados2.
O cenário político internacional e a ideologia do governo brasileiro de então
levaram Roraima, situada no extremo norte, uma cunha encravada em dois países com
problemas de guerrilha e instabilidade política, a participar de uma ação geopolítica, ainda
antes do movimento de integração e desenvolvimento nacionais. Em 1967, como posto por
Silva Jr. (1994, p. 283-284), um batalhão militar assume e dá continuação acelerada à abertura
da rodovia Manaus-Boa Vista-Venezuela, a BR 174, além da formação de uma infra-estrutura
física e administrativa, sediada quase toda em Boa Vista. Assim, embora só em 1970 haja
maior visibilidade da ação do governo com relação à Amazônia, quando se inicia a construção
da rodovia Transamazônica e se institui o Programa de Integração Nacional (PIN), Roraima já
tinha iniciado sua participação forçada nos acontecimentos políticos nacionais. Melhor
sincronia haveria a partir da metade da década de 1970, tempo do II Plano Nacional de
Desenvolvimento e do Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia
2
A transformação dos territórios em futuros estados, após a promoção de seu desenvolvimento econômico é
objetivo explícito em artigo do Decreto 411/69 (Brasil, Decreto, 1969).
18
(POLAMAZÔNIA), quando são anunciadas descobertas de minérios e quando ocorrem o início
da migração espontânea e a colonização junto aos eixos das rodovias BR 174 e BR 210. A
primeira mais estratégica e a segunda oficialmente de integração, ambas marcariam o espaço
e a vida roraimenses daí em diante.
Os anos de 1970 representariam um tempo de grandes mudanças no espaço
roraimense. A capital, antes uma típica cidade amazônica na beira de rio, recebeu um traçado
moderno, circular, com a construção de dezenas de repartições e centenas de residências
funcionais. As vilas de Normandia e Bonfim, na fronteira com a Guiana, e Caracaraí, porto
fluvial do rio Branco, tiveram, segundo Barros (1995), um novo traçado urbano. Esta última
cidade até então era apenas o lugar de embarque de gado para Manaus e se transformou no
ponto de intersecção entre as duas rodovias federais, com instalações portuárias modernas.
Como símbolo da importância geopolítica foi construída em Boa Vista uma ponte sobre o rio
Branco, na rodovia que demanda à fronteira guianense.
A chegada do progresso e de uma nova ordem por vezes causou problemas junto
às lideranças locais. Se alguns filhos da terra foram agraciados com bolsas de estudos para
sua formação técnica em Manaus e principalmente em Belém, muitos dos antigos
proprietários tiveram desqualificados os títulos de suas glebas (SANTILLI, 2001) e foram
combatidos, segundo Freitas (1993), pelo governador que tentou ali implantar o II PND e o
POLAMAZÔNIA. Outro fenômeno desse tempo na Amazônia, a migração, não foi sempre
bem recebida seja por autoridades ou lideranças locais, até que seu lugar fosse garantido no
sistema político que foi se implantando.
De 1979 em diante, ocorreram grandes crises de abrangência internacional
ocasionando no campo da política o enfraquecimento e depois, já na década seguinte, o fim do
regime militar e a redemocratização brasileira (BECKER, EGLER, 1994; COSTA, 1992).
Enquanto o governo central se enfraquecia, as forças regionais eram paulatinamente
fortalecidas, inclusive com uma reforma eleitoral que beneficiou o Norte, o Nordeste e os
territórios. A abertura forçada permitiu ainda que outras forças, de base mais popular,
passassem a se organizar e a exigir direitos até então negados. Na economia, além da alta
mundial dos juros e do preço do petróleo, haveria a explosão no preço internacional do ouro,
o que propiciou o avanço do garimpo na Amazônia, beneficiado pela disponibilidade de
abundante mão-de-obra oriunda do campo.
19
Em 1987, foi instalada a Assembléia Nacional Constituinte, havendo antes e
durante a mesma, movimentos sociais expressivos, inclusive na Amazônia. Foi também o
tempo de organização em todo o Brasil de grupos de interesse e de pressão, como o dos
ruralistas e o dos empresários, causando um retrocesso na legislação fundiária, sem que
houvesse perda dos incentivos antes instituídos. Outras forças, no entanto, conseguiram
avançar, como os ambientalistas e grupos defensores das culturas humanas imemoriais. Isso
garantiu que constassem na Constituição de 1988 tanto a defesa do meio ambiente pelo
Estado como os direitos dos índios e de outras populações tradicionais às suas terras
imemoriais.
Assim, definiu-se um controle, por vezes mais formal que real, mas sempre
presente, sobre a ação de um desenvolvimento predatório, contrariando tradições e políticas
arraigadas, tais como a da infinitude de recursos e o direito do livre acesso a estes. A partir
daí, os agentes do Estado, aplicadores da legislação, passaram a ser alvo de críticas de agentes
econômicos, principalmente locais, adeptos da exploração imediatista dos recursos naturais.
Onde os interesses foram e são mais fortemente contrariados como em Roraima, a questão
passou para o campo da política, tomando ares de luta por direitos ligados à soberania, além
de incorporarem esforços das autoridades estaduais para reverter a situação.
A Constituição vigente (BRASIL, Constituição..., 1988, art. 14 das Disposições
Transitórias) transformou o território em estado, mas a dependência de recursos federais
impede desde então que a ação do governo central deixe de ter importância determinante. Em
razão disso, a década de 1990 foi de embates e tentativas de consolidação econômica. Em
2000, encerraram-se as últimas obras estruturantes: a ligação asfáltica entre Manaus e Caracas
e a chegada da rede de energia elétrica em Roraima produzida na Venezuela. Estas realizações
representam, entre outras coisas, em nível nacional, uma mudança na perspectiva política no
sentido da superação de desconfianças dos países vizinhos nascidas quando do projeto de
desenvolvimento da Amazônia setentrional pelo governo brasileiro. Em termos locais, no
entanto, essas duas obras não têm, a curto prazo, como mudar uma realidade: a da
dependência quase total de recursos federais para manter a máquina administrativa
roraimense.
O novo estado teve sua instalação em 1990, mas nas primeiras eleições, saem
vitoriosos, na grande maioria, políticos representantes de grupos de interesse diferenciados,
mas praticamente todos contrários aos limites impostos pela Constituição à exploração dos
20
recursos naturais e à demarcação das terras indígenas. Passada uma década, Roraima não
conseguiu formar uma base de arrecadação que transformasse sua autonomia formal em real
(SANTOS, N. P. D. 2002-2001, n. c.).
O governo federal, por sua vez, graças a uma
Constituição que fortaleceu o legislativo, depende de apoio parlamentar mais disponível nos
pequenos estados, sempre que necessita aprovar suas ações.
Esses dois fatos, que conduzem o poder local à oposição e ao mesmo tempo à
dependência, levam ao desenvolvimento de uma relação de ambigüidade política, onde
pontifica tanto o choque frontal como a colaboração. Em termos teóricos, isso pode ser
explorado, primeiramente, como um dos problemas da federação, segundo Dallari (1986),
onde dois níveis de Estados competem pelo direito de dispor do direito de legislar sobre seu
espaço. Em segundo lugar, há o problema irresolvido da não absorção pelo Estado na sua
estruturação, dos grupos organizados, mais comumente identificados como de interesse, ou,
quando sua ação se torna mais reconhecida, como de pressão, um fenômeno já levantado por
pensadores como Durkheim (1978) e Weber (1999).
Com esse trabalho pretende-se explicar como as políticas públicas, principalmente
no período militar, transformaram inteiramente o universo econômico, social e político de
Roraima, no período 1970 a 2000. O objetivo da pesquisa é contribuir com os estudos que o
Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) e a Universidade Federal do Pará realizam
sobre a Amazônia, dentro do Programa de Doutorado do Trópico Úmido, a exemplo de
Mathis (1993), Rodrigues (1996) e Simonian (2001). O interesse por esse estado se explica
por Roraima ter um processo histórico-evolutivo diferenciado dos demais estados
amazônicos. Exemplo disso é o fato de que ali está presente, como em outras partes, a luta
pela terra entre índios e fazendeiros ou grupos econômicos, mas não a travada entre
camponeses com fazendeiros e madeireiros, embora haja estreito contato entre estes agentes.
O processo intervencionista/desenvolvimentista não se completou no Brasil, por
causa da crise e depois o fim do regime militar e a redemocratização. Evidentemente, houve
alguma continuidade, como a permanência dos programas e órgãos de desenvolvimento
regional. Em Roraima, restaram as rodovias, as malhas urbanas, os resultados de pesquisas
minerais e nas várzeas, além da continuidade da política de incentivos e de crédito. Restou,
ainda, uma situação política de conflito, onde os agentes das diferentes categorias buscam se
organizar, enquanto as lideranças mais fortes reordenam suas estratégias de dominação,
dentro e fora do novo estado federativo, por vezes em confronto com o governo central.
21
A abordagem teórica refletiu uma necessária e breve explicação da evolução do
Estado moderno e dos papéis que este foi assumindo com as mudanças no cenário mundial.
Isso tornou obrigatório discutir brevemente algumas matrizes de seu nascimento, como o
pessimismo autoritário de Hobbes e o otimismo liberal de Locke. A história do Estado
moderno mostra que não há uma fronteira definitiva entre essas duas matrizes: a absolutista e
a liberal. Exemplar nesse sentido é a alegada necessidade da intervenção por vezes violenta,
pelo organismo que em tese é fruto da vontade social. Ontem, como hoje, essa é uma questão
aberta e está presente em estudos em que o Estado define o social e, por meio do
planejamento, o econômico. Essa pretensa legitimidade do uso da força e da racionalidade
pelo Estado exigiu a leitura de Weber e, um seu contraponto, de Engels.
Em se tratando de um estudo sobre um espaço físico transformado, abordou-se a
questão da representação, associada ao problema centralização x descentralização.
Traduzidas por alguns autores, como Dallari (1986), como o grande problema das federações,
herdadas do modelo político estadunidense, ou por outros, como Schwrtzman (1982) e Velho
(1976), na perspectiva do autoritarismo x democracia. Na visão do primeiro, a dinâmica dos
governos leva a rompimentos de barreiras, estabelecidas na ordem política legal brasileira,
estruturada em três níveis de governos. Essa dinâmica tem levado à busca de melhor
eficiência e envolvido grupos e partidos, além de associações diversas,
representando
interesses divergentes, como os regionais. Em Roraima, isso corresponde mais fortemente a
um momento posterior à intervenção do Estado, década de 1980 em diante, o que exigiu um
exame das teorias dos grupos, comentada adiante.
Sobre a questão da geopolítica, foi inevitável construir um histórico das teorias e
estratégias, acompanhando os diferentes momentos em que houve sua aplicação, associada
aos projetos de desenvolvimento. O Estado Nacional brasileiro inicialmente desconheceu a
Amazônia, cuidando mais de guarnecer a entrada do rio Amazonas, fechando-o até 1864 à
navegação internacional. O ciclo da borracha tirou a região do desconhecimento, mas só se
pode falar em intervenção mais permanente após 1940, quando do Estado Novo (1937-1945).
Este deixou uma herança que permeou o período da redemocratização (1946-1964), graças à
dinâmica referida por Dallari (1986) e teve prosseguimento após 1964, atuando numa escala
que atingiu praticamente todos os setores da vida social, política e econômica brasileira.
Diferente de outros trabalhos, aqui foi identificado que a concepção geopolítica adotada está
22
mais próxima à elaborada por Carlos Meira Mattos, do que a desenvolvida pelo general
Golbery do Couto e Silva.
O pensamento geopolítico brasileiro na década de 1970 não era, propriamente, o
das décadas de 1950 e 1960. Embora houvesse a base comum da justificativa do avanço para
o interior e do desenvolvimento patrocinado pelo Estado, além da aceitação da idéia de que o
Brasil comungava entre as nações ocidentais, alinhando-se quase automaticamente à liderança
dos Estados Unidos da América, ocorreram mudanças significativas desde a metade dos anos
de 1970. Isso se deve ao fato das alterações no cenário mundial e da oportunidade do país vir
a se tornar uma potência regional até o ano 2000, além da aceitação do fato de que os países
vizinhos poderiam, através do Tratado ou Pacto Amazônico, assinado em 1978, participar de
um desenvolvimento integrado. Neste, um papel especial era reservado para a Venezuela,
limítrofe com Roraima.
O Estado que tem um plano geopolítico é sobretudo um interventor, de natureza
autoritária, cujo papel pode ser explicado, em parte, pelas teorias weberianas. Foi essa a
principal linha interpretativa seguida neste estudo, por melhor satisfazer as indagações que o
suscitaram. Para Weber (1999, p. 525), o Estado é uma corporação política que se mantém
por meio da dominação institucional, inclusive usando o monopólio da violência. Esse autor
considera tal associação como histórica, que faz uso também da coação física para se manter.
Aqui, essa força é subentendida como o poder executivo, o qual passou a comandar o Estado
moderno, fazendo uso não só da força, mas de uma forte burocracia, como assevera Weber
(1999) e, considerada por Bonavides (1999, p. 442), como fator de isolamento do povo do
processo decisório.
Além do “povo”, há um componente organizado, por vezes politicamente, não
absorvido pelo Estado, formado por grupos sociais, como tratado por Durkheim (1978) e
Weber (2000). Esses grupos embora não compondo oficialmente o Estado, atuam neste e na
sociedade e têm sido objeto de estudos na política sob duas perspectivas: a unitarista e a
pluralista. A primeira, é incorporada pelos defensores da teoria das elites, que implicitamente
acaba defendendo uma não democracia, como se observa em Mosca e Pareto.
Mais funcional, a visão pluralista de Bobbio (1982), Bonavides (1999) e Pasquino
(1982), permite entender melhor os diferentes grupos de interesse e de pressão identificados
nesse estudo. Leva-se em conta, porém, que não se trata de um transporte automático de
categorias, mas de fazer uso adequado de instrumentos teóricos com maior potencial
23
explicativo. Assim, foi preterida aqui a teoria das elites, por ser menos produtiva na
explicação dos conflitos que ocorrem no setor intermediário entre o cidadão e o Estado.
Também foi necessário distinguir grupos e partidos, apoiando-se em Oppo (1982),
Rodrigues (1982), e em Dowbor (1998). Foi considerado ainda o fato de que os grupos mais
poderosos sempre pressionam governos e, conforme Bonavides (1999), podem passar de
exteriores ao poder, ao próprio poder, não só explorando este, mas constituindo-se no próprio.
Roraima enquadra-se neste entendimento, pois o governo do estado, fortemente ligado a
grupos, congrega uma luta contra a demarcação das terras indígenas e o controle ambiental.
A metodologia, numa primeira fase, constou do estudo de obras filosóficas e
políticas que tratam do domínio do método nas políticas públicas e relações de poder e, da
formação de uma base de dados, a partir de uma revisão bibliográfica e trabalhos de campo.
Houve a necessidade de estudar a filosofia política, antes da ciência política, levando-se em
conta que o fazer científico é antecedido da concepção não só do seu objeto, como afirma
Sartori (1981, p. 186), mas de um problema a ser resolvido ou compreendido, numa fase
conhecida como de definição operacional.
A investigação e a exposição, ou análise, em termos mais atuais, exigem a adoção
de teoria, mas, como explica Sartori (1981), a ciência não é só teoria e esta tem que dirigir a
uma investigação ou pesquisa, em que há necessidade de aquisição de dados. Ainda segundo
Sartori (1981), a ciência é também aplicação, tradução da teoria na prática, mas trata-se aí de
um início, não de um esgotamento, pois é um projetamento destinado a intervir na realidade,
embora com significado diferente do das ciências naturais ou exatas. Esse trabalho científico
exige um acesso e um domínio das fontes da forma mais direta possível ( ECO, 1989, p. 37)
para facilitar seu controle.
A orientação da presente pesquisa foi da professora e pesquisadora Ligia
Simonian, antropóloga do NAEA/UFPA. Sua experiência no trato das realidades amazônicas
foi mais que inspiradora, principalmente nos problemas vividos pelas comunidades indígenas
e caboclas amazônicas. A ela devem-se as informações, constituídas em diversas obras, sobre
organizações indígenas roraimenses e seu papel político. Essa orientação facilitou a
compreensão do papel dos grupos sociais já comentados, lançando luz sobre os embates na
questão da posse da terra e sua tematização.
O levantamento da base de dados heurísticos constou da revisão da literatura
nacional e estrangeira sobre as temáticas amazônicas, desde política e atuação do Estado,
24
sobre a história, a política, a economia, cultura e transformações estruturais da região e de
Roraima. Esse material foi haurido após o cumprimento dos créditos do curso de Doutorado
do PDTU/NAEA, entre 2000 e 2003, no IBGE de Roraima e em arquivos e bibliotecas de
Belém, como a da Primeira Comissão Brasileira de Limites, na biblioteca do NAEA e a
Central da UFPA. Em Boa Vista, a Biblioteca Pública do Estado dispõe de importante
documentação do tempo do território e embora haja algumas lacunas, sua leitura foi
fundamental.
Os trabalhos de campo constaram de levantamentos de dados em Roraima, em
2001, 2002 e 2003, incluindo entrevistas com ex-garimpeiro e artesão do ouro, comerciante
de minérios, colonos e ex-colonos de assentamentos, lideranças políticas, representante da
Advocacia Geral da União, empresários, comerciantes, criador, liderança indígena,
intelectual, técnico do Instituto Brasileiro de Colonização e Reforma Agrária (INCRA),
representantes dos grupos de pressão, como o presidente da Federação Estadual da
Agricultura e uma líder dos arrozeiros.
Atenção especial foi dada à literatura que resultou em ações estruturantes da
administração federal e territorial, como Cavalcanti (1949), o Decreto 411/69, o Programa de
Ação do II PND para Roraima (1975-1979). O primeiro foi o estudo pioneiro sobre o então
território do Rio Branco, que se transformou no guia das ações administrativas até 1964,
antecipando as ações que se seguiram. O segundo determinou o papel dos governadores
militares dos territórios, que deviam ser preparados para se transformar em estados
federativos. O terceiro contém desde uma análise geral da situação local até as medidas locais
preconizadas no II PND e POLAMAZÔNIA, isto é, o mapa do desenvolvimento pensado
quando do projeto Brasil potência, período que deixou as marcas mais profundas no espaço e
na sociedade roraimenses.
Uma fonte muito útil foi a dos jornais, principalmente os locais. Isto se deve à
necessidade de identificar-se não apenas alguns fatos ocorridos, mas, principalmente, os
discursos políticos, das autoridades e dos grupos que se formaram. O jornal regular foi
introduzido pelo governo do território na década de 1970, numa época em que a rádio e a
única repetidora de televisão, os transportes e a maioria das moradias eram estatais. Foi com a
leitura de jornais locais que se descobriu, por exemplo, como e porque o número das
propriedades rurais diminuiu drasticamente entre o início e o fim dos anos de 1970, pela não
aceitação de antigos títulos pelo governo militar local e pelo INCRA.
25
O fato causou o primeiro grande choque entre lideranças locais e o governo
central, e é uma das fontes de discórdia na questão fundiária que se seguiu. Mas havia uma
vida local, refletida na literatura de viajantes e pesquisadores, principalmente estrangeiros,
como Barros (1995), Furley (1994), Hemming (1990), Macmillan (1997), Rivière (1972), que
permitem formar imagens da sociedade roraimense e sua evolução, permitindo ao pesquisador
um controle dos dados e à qualificação de outras fontes. Ademais, a convivência do
pesquisador por uma década, com a realidade local, permite qualificar as fontes de modo a
não se envolver acriticamente por esta ou aquela.
A redemocratização e a promulgação da nova Constituição, em 1988, representam
uma nova vida para Roraima, transformada em estado federativo. Questões como a fundiária,
associada à das terras indígenas, institucionalizam-se, assumindo, por vezes, choques
dramáticos. Grupos de interesse transformam-se em grupos de pressão radicais,
estabelecendo-se um impasse, já que não há uma autoridade mediadora, um Estado que defina
as questões, pois desapareceu o Estado weberiano que poderia usar da força para sobrepor-se
aos grupos em luta.
A luta enfrentada por índios e seus defensores pela demarcação de suas terras,
conforme preconiza a Constituição, é a parte mais visível do cenário social roraimense. Há
milhares de lotes rurais abandonados, enquanto colonos buscam novas glebas em outros
pontos e o INCRA e o Instituto de Terras do estado não se entendem quanto à política do
setor. O resultado disso, é que a população dos municípios originados da colonização, cada
vez mais se torna urbana, apesar de o número de migrantes ser contínuo. O estado, por outro
lado, não consegue arrecadar mais que um percentual da receita e os escândalos na
administração são uma rotina. Enquanto isso, sobram debates e choques, inclusive com perdas
de vidas.
Basicamente, o corpo do trabalho está organizado em quatro partes. A primeira
trata essencialmente das teorias políticas e sobre o Estado, a sociedade e as diferentes formas
de representação política. Nesta, são analisados as origens e os papéis dos partidos, das elites
e dos grupos de interesse e de pressão. Discute-se também sobre as mudanças do papel do
Estado, sua racionalidade e o planejamento de governo, inclusive no Brasil, antes e pós-1964.
Destacam-se, ainda, as questões geopolíticas que influenciaram a Guerra Fria e seus
desdobramentos.
26
A segunda parte analisa o papel do Estado nacional brasileiro na Amazônia, suas
razões, processos e resultados, no Estado Novo, período democrático de 1946-1964 e sob o
regime militar. A análise abrange o pensamento geopolítico da Escola Superior de Guerra,
matriz da ideologia da segurança associada ao desenvolvimento. Ao final dessa parte,
examina-se o crescimento brasileiro na década de 1970 e as reações dos países vizinhos,
notadamente Argentina e os pan-amazônicos, como a Venezuela.
A terceira parte trata da militarização da fronteira, do progresso e dos conflitos, no
período 1969-1990. Nesse tempo, se destacam cinco governadores territoriais que marcaram
definitivamente a história local. O primeiro, como estrategista militar e construtor que depois
adotaria o estado para morar, tornando-se político de carreira. O segundo, como implantador
de grandes projetos ao tempo do II PND, que ficaram em grande parte inacabados. O terceiro,
como líder populista, formador do primeiro grupo político. O quarto, por ser o primeiro
roraimense escolhido governador e o quinto, por ser o representante do empresariado, líder
atual de um dos grupos dominantes na política. Nessa parte, são discutidos os problemas do
novo estado e, principalmente, as questões que envolvem o grande conflito: o da demarcação
das terras dos índios.
A quarta e última parte considera a economia e as relações de poder. Sobre essa
primeira problemática, analisam-se as relações entre a economia e o ambiente, onde a
persistência do discurso do desenvolvimento pretendido tornou-o necessariamente
antiindígena e antiambientalista. A colonização e o garimpo são tratados como as mais
representativas e estruturantes economias da base política atual, sendo que a primeira deu
origem à maioria dos municípios, a base político-estrutural do estado federativo e ponto
central do processo de legitimação representativa. O garimpo, atualmente de importância
econômica muito reduzida, foi o instrumento político de incorporação de espaço junto a terras
em conflito, além de ser uma das idéias-força da necessidade de desenvolver o estado.
As estruturas e processos de poder, a segunda problemática, são tratados em
partes identificadas como complementares: o município, base de poder local, a ideologia da
soberania nacional, exemplificada pelo Projeto Calha Norte (PCN) na sua versão ideológica
local. Ao concluir o trabalho, apresenta-se uma síntese dos impasses dos anos de 1990-2000,
principalmente a questão crucial na passagem do século: o das terras indígenas.
27
2 POLÍTICA, ESTADO E SOCIEDADE
A discussão sobre políticas públicas, economia e poder em Roraima entre 1970 e
2000, requer tratamento teórico acerca das racionalidades que sustentam o surgimento e o
desenvolvimento do Estado Moderno, processos que precederam o início da exploração desse
estudo pelos europeus. Nesta direção, as grandes mudanças por que passou a humanidade,
após a Idade Média, têm dois componentes estruturantes básicos: o surgimento do capitalismo
e o advento do Estado Moderno. Há uma forte associação dos dois fenômenos, mas ocuparse-á aqui do segundo, de suas origens, sua natureza, componentes, história dos diferentes
tipos de Estado e de seus papéis. Estes últimos se manifestam politicamente e são exercidos
por pessoas supostamente autorizadas para tal, pertencentes à classe ou grupos que se
sobrepõem aos demais. Essa hierarquia está historicamente sujeita a mudanças oriundas de
transformações econômico-sociais, lentas ou abruptas, cruentas ou pacíficas, abrangentes ou
pontuais, com avanços maiores ou menores. A marcha da história, a partir do
desmoronamento do mundo medieval e a constituição do mundo moderno, confunde-se com a
história do Estado e da relação entre seus componentes.
2. 1 A POLÍTICA E A ORIGEM DO ESTADO
A idéia de política remonta a Aristóteles, que a considerava como uma prática
humana natural e necessária. Para o filósofo grego, o homem é um “animal político”, o que
compreende a concepção grega de vida, onde o ser humano deve ligar-se obrigatoriamente a
uma polis, a unidade constitutiva não divisível e a dimensão suprema da existência
(SARTORI, 1981, p. 157). Para Aristóteles (Cap. I. Livro 1), o homem “não político” era um
deficiente, algo até menos que um homem, já que não tinha uma vida associada, coletiva.
Em sua obra A política, Aristóteles (Cap. I, Livro 1) afirma que a natureza faz
com que todos os homens se associem, pois o individuo por si só não é suficiente, sendo que,
aquele que não participa do Estado ou é um bruto ou uma divindade. A família e a aldeia
seriam as etapas anteriores dessa caminhada que culminaria no Estado. Este seria, pois, o
resultado da reunião de famílias e sinônimo de sociedade. Outra afirmação do filosofo (Cap. I.
Livro 1): o Estado precede, na ordem natural, à família e ao indivíduo, pois “o todo deve ser
28
colocado antes da parte”. Durante séculos, a teoria política aristotélica dominou o pensamento
europeu, até que, com o Renascimento e posteriormente com o Iluminismo, outros pensadores
construíssem novas explicações para o surgimento do Estado e outras questões de ordem
política. Aristóteles, no entanto, jamais foi inteiramente deixado de lado.
De acordo com Sartori (1981, p. 162), no decorrer do processo histórico ocidental,
desde a Antiguidade até a Idade Média, a concepção aristotélica se diluiu, transformando-se
em um corpo de idéias ligadas ao direito. Recebeu a influência da teologia, tendo que se
ajustar às concepções cristãs e depois reflete a ruptura conhecida como Reforma religiosa.
Com o humanismo e o Renascimento, ambos ligados ao florescimento do comércio,
principalmente o das cidades italianas desde o século XIII (DAHL, 2001; SARTORI, 1981), a
política foi redescoberta. Conforme assinala Dahl (2001, p. 25), em cidades como Veneza e
Florença, os governos, inicialmente exercidos apenas por membros de famílias nobres, teve
que ser dividido com os novos ricos, mercadores, banqueiros e artesãos, mais numerosos e em
ascensão econômica. Essa experiência, nada tranqüila, onde o poder oscilava entre oligarquias
e outros grupos, por vezes com interferências externas, foi no geral, mais democrática e, de
acordo com Putnam (2000), deixou raízes ainda identificáveis no presente. No início dos
tempos modernos, o processo histórico-político das cidades-estados, dos Estados Nacionais
contemporâneos em expansão,3 e ainda, da relação entre os dois modelos, serviu como fonte
para uma área autônoma do conhecimento – a política.
Nos séculos XVI e XVII, de acordo com Sartori (1981, p. 162-164), renasce a
política, com Nicolau Maquiavel (1469-1527) e Thomas Hobbes (1588-1679). Maquiavel,
natural de Florença, escreveu um dos mais famosos livros sobre política: O Príncipe (1515),
além de outros textos. Foi protagonista de fatos políticos que inspiraram sua obra, eivada de
prescrições para bem governar, principalmente nos capítulos V, X; e XIV a XXV de O
príncipe. Hobbes, autor de Leviatã (1651), inspirou-se na concepção mecanicista do universo
(SARTORI, 1981, p. 164), para propor uma ordem na sociedade humana. Ambos escreviam
sobre uma política que se sobrepunha à religião e à moral, com certo pessimismo sobre o ser
humano e um enaltecimento do papel do Estado. Este último tema foi também tratado pelo
jurista francês Jean Bodin (1530-1596).
No final do século XVI, quando o quadro político europeu apresentava crises
entre nações rivais e problemas internos ameaçavam a própria existência de algumas, como a
3
Maquiavel foi funcionário do governo de Veneza e contemporâneo das invasões da Itália por Carlos VIII da
França (1494) e pelo imperador da Alemanha Carlos V (1527) (CÉSAR, 1982, p. 8).
29
França, Jean Bodin, em Os seis livros a respeito da República, procurou construir uma teoria
geral do Estado que ajudasse seu país a superar as crises políticas de seu tempo (DOWNS,
1969, p. 31). Bodin defendeu nessa obra, a soberania do Estado com autoridade centralizada
no poder real, sobrepondo-se esse ao parlamento, às poderosas corporações de então e ao
papado (SANDRONI, 1999, p. 58). O Estado foi definido por Bodin (apud BOBBIO, 1979, p.
41-42) como: “[...] um governo justo que se exerce com o poder soberano sobre diversas
famílias e sobretudo o que elas têm em comum entre si [...] a família é a verdadeira origem do
Estado”.
Bodin é precursor da tese do contínuo progresso da humanidade, contrariamente à
maioria de seus contemporâneos, admiradores do período clássico, suposto apogeu da
humanidade, para quem sua época representava um tempo de perigo e decadência ( DOWNS,
1969, p. 31-32). A visão evolucionista de Bodin influenciou pensadores como Condorcet e
outros iluministas. Até então, havia quem defendesse inclusive a origem divina do Estado,
mas Bodin mostrou que, numa sociedade formada por famílias, uma pessoa ou grupo de
pessoas, conquista e estabelece, pela força, o domínio político sobre seus vizinhos. Até então,
não se distinguia governo e Estado, sendo este último, para Bodin, governado por alguém que
dispunha da Soberania, “[...] o mais alto poder de comando do Estado [...]”, expressão
cunhada pelo pensador (DOWNS, 1969, p. 32). A Bodin ainda se deve a idéia, de acordo com
Downs (1969, p. 32), de que povos de países com clima frio tenderiam a ser mais evoluídos
que os de climas mais quentes e úmidos e da distinção de governo e Estado.
Política e Estado são, pois, considerados inseparáveis. Pensadores diversos, em
diferentes épocas, tentaram explicar as origens do Estado, como Aristóteles, Jean Bodin,
Thomas Hobbes e, mais recentemente, autores de áreas que não propriamente a política, como
Carneiro (1970). Com o avanço dos estudos, dos autores ligados ao Iluminismo, a questão
ampliou-se com as definições mais claras dos papéis atribuídos ou exercidos pela Igreja e
pelos organismos políticos. Na antiga Grécia, Aristóteles (1966) explica a origem do Estado
enquanto polis ou cidade grega, onde um grupo de cidadãos, reunidos pela necessidade de
defesa e realização de suas vontades, gradativamente passaria a uma organização mais
completa, ou perfeita, submetendo-se a um governo, num processo natural. Essa necessidade
de união para a defesa é explorada por Hobbes (Leviatã, Cap. 17), argumentando que uma das
funções do Estado é exatamente promover a segurança pessoal; com o crescimento de estados
30
vizinhos, esse pequeno Estado democrático, identificado com uma cidade, não terá chance
diante de ataques externos.
Para Hobbes, em Leviatã, ou “a matéria, a forma e o poder de um Estado
eclesiástico e civil”, publicada em 1651, o Estado originar-se-ia a partir da necessidade das
pessoas superarem o “estado da natureza” em que viviam, em permanente situação de
conflitos, de guerra de todos contra todos, onde ponteava uma infinidade de vontades
individuais, sem um poder superior e unificador (Leviatã, Cap. 13). Nessa situação, onde “o
homem é o lobo do homem” predominaria o medo, a fraude, as paixões violentas (Leviatã,
Cap. 13). A solução, seria a criação do Leviatã, um Estado ao qual os homens confiariam todo
o seu poder e força, constituído por um homem ou uma assembléia, por meio de um contrato
de proteção social mútua. Esse contrato obedeceria a duas leis naturais, pois:
É um preceito ou regra geral da razão, que todo homem deve se esforçar pela paz, na
medida em que tenha esperança de conseguí-la. Se não conseguir, pode procurar e
usar toda a ajuda e vantagens da guerra. A primeira parte desta regra encerra a lei
primeira e fundamental de natureza, que é procurar a paz, e seguí-la. A segunda
resume o direito natural, isto é, por todos os meios possíveis, cuidar da própria
defesa (HOBBES, Leviatã, Cap. 14).
O Estado hobbesiano englobaria numa única “vontade” as vontades de todos os homens e
teria o papel de preservar a ordem e proteger a vida e a propriedade ( DOWNS, 1969; RIBEIRO
2002). No caso de vontades conflitantes, os súditos deveriam obedecer sempre ao soberano
civil, não tendo o direito à desobediência ou à revolta. Ainda segundo Hobbes (Leviatã, Cap.
18), o poder do soberano deveria ser indivisível e ficar acima de outras instituições, mas tinha
o compromisso de proporcionar um bom governo, sendo esse poder menos prejudicial que sua
ausência.
O pensamento desse autor não constitui propriamente uma visão históricoevolutiva, onde homens selvagens, através da associação e constituição de um Estado,
passariam para estágios evolutivos superiores. O homem do estado de natureza hobbesiano,
não é também um incivilizado (RIBEIRO, 2002, p. 54-55). Do mesmo modo, a idéia do
homem em conflito com seus semelhantes não foi aceita pelos filósofos e estudiosos da
política por muito tempo, já que predominou por séculos a idéia aristotélica do homem
naturalmente sociável, o “animal político”. As duas teorias alimentariam polêmicas por muito
tempo e as duas imagens, a aristotélica e a hobbesiana ainda dominam parte das preocupações
31
do pensamento político na atualidade, principalmente quando são tratados temas como
igualdade, cidadania e limites do poder do Estado.
A aceitação do processo formativo do Estado, a partir de um conjunto de pessoas
vivendo no estado de natureza, foi incorporado aos estudos da ciência política. Pensadores
como Locke, adotaram essa tese conhecida como a do contrato social, de forma diferente de
Hobbes. John Locke ([1690] 1978, p. 71), filósofo e economista inglês, no Segundo Tratado
sobre o governo civil, considerou o estado de natureza como uma época de paz e felicidade,
onde todos viveriam em liberdade, que não se confunde com o estado de guerra. Sem perder
esta liberdade (LOCKE, [1690] 1978, p. 71) todo homem pode concordar em formar um corpo
político sob um governo.
Ao viver na mesma época turbulenta que seu conterrâneo Hobbes, no final do
século XVII,4 Locke propõe no Segundo Tratado ([1690] 1978, p. 40), um Estado em que o
soberano recebe o poder por concessão da sociedade e não da submissão desta. Segundo
Bobbio (1979), os dois pensadores tratam de um Estado Nacional, erigido sobre as ruínas do
feudalismo. Para Bobbio (1979), o pensamento de Hobbes, disseminado na literatura política,
é pessimista, pois sendo o ”homem o lobo do homem” é necessário um governo forte,
estabelecido por um pacto para evitar contendas e disciplinar a sociedade. Contrariamente,
Locke ([1690], 1978, p. 112) é otimista, elogia o homem do estado de natureza, o qual, dono
natural de sua liberdade e vivendo em harmonia com os demais, estabelece uma autoridade
por meio de um “contrato social” onde o detentor do poder pode perder sua posição, por
“usurpação”.
Outra diferença fundamental entre Hobbes e Locke, era que para este último, o
homem do estado de natureza já desfrutava da propriedade com o significado genérico que
englobava a vida, a liberdade e os bens como direitos naturais (MELLO, 2002, p. 85). Para
Hobbes, a propriedade inexiste no estado de natureza e foi instituída pelo soberano-Leviatã
([1651] 2003, p. 183-189); para Locke essa instituição se dava pelo trabalho, sendo que a
terra seria dada por Deus em comum a todos e se transformava em propriedade por meio das
mãos humanas, não por concessão da autoridade. Locke avança mais nas prescrições,
sugerindo a divisão de poderes do governo em executivo, legislativo e federativo e
desenvolver a idéia de poder.
4
Hobbes e Locke foram participantes de acontecimentos políticos transformadores da política inglesa no século
XVII.
32
Na literatura política, é praticamente consenso que Hobbes represente o
pensamento absolutista e Locke o liberal. A influência de Locke, para Dallari (1986), é
perceptível nas obras políticas de iluministas, como Rousseau e Montesquieu e, nos escritos
conhecidos como O Federalista (1787), de Madison, Jay e Hamilton, fonte maior do moderno
federalismo. Ao dar primazia ao poder legislativo (LOCKE, [1690] 1978, p. 86-90) o “poder
supremo” já que este representava a maioria dos homens dotados de razão, estabeleceu um
princípio adotado hoje pela maioria dos países democráticos.
Para Donws (1969, p. 69-71) e Mello, (2002, p. 87-88), o direito de resistência a
maus governos, defendido por Locke, foi consagrado pelos líderes da guerra pela
independência dos EUA. Sua divisão dos poderes do governo, aperfeiçoada por Montesquieu,
estabeleceu-se como norma nas nações modernas. Outro princípio filosófico lockeano, o da
tolerância religiosa, nascida da sua defesa da necessária separação de funções entre sociedade
e Estado (DONWS, 1969, p. 73), prenunciou a hoje consagrada separação da Igreja e Estado.
O pioneirismo de Locke, ao contrário da tese de Aristóteles, incluiu ainda o
princípio de que o indivíduo precede ao Estado,5 tema que seria retomado por iluministas no
século XVIII, como Jean-Jacques Rousseau. Este defendeu em O contrato social
(ROUSSEAU, [1762] 1965, p. 73-75), a democracia direta e a idéia de que o governo deveria
limitar ao mínimo sua ingerência na liberdade do indivíduo-cidadão. Argumento semelhante,
também baseado em Locke, foi utilizado por Adam Smith ([1776]1986) em Uma
investigação sobre a natureza e causas da riqueza das nações, ao apregoar a liberdade
individual e o distanciamento do Estado no campo da economia. Como posto por Bobbio
(1991, p. 52) o Estado de natureza para Rousseau é histórico, além de compor uma idéia
reguladora, há ainda discussão se esse Estado, em Rousseau, seria de guerra ou de paz.
De acordo com Lafer (1991), as teorias contratualistas, ligadas à concepção
individualista de sociedade e da história, respondiam, dentro da perspectiva burguesa, a duas
exigências de seu tempo, os tumultuados séculos XVII e XVIII. A primeira: dar explicação
para a origem do Estado diferente da tradicional, que o apresentava como resultado de um
processo que se iniciava com a família natural. A segunda: dar uma justificação ao Estado
diferente da utilizada pelos soberanos, supostamente incontestáveis em seu poder. Nesse
sentido, o contratualismo invertia o processo de legitimação, que iria do indivíduo para o
5
Aristóteles, em Política (Livro 1, Capítulo primeiro), afirma que “na ordem natural, o Estado se antepõe à
família e ao próprio indivíduo, visto que o todo deve ser posto antes da parte”.
33
soberano, não o contrário (LAFER, 1991, p. 82-83). O prestígio do pensamento contratualista
só seria abalado com o impacto da filosofia hegeliana.
No século XIX, o contratualismo perdeu aceitação a partir da crítica do filosofo
alemão Hegel (BOBBIO, 1991; LAFER, 1991). Na época de Hegel, contemporâneo da
Revolução Francesa, deu-se a revisão na filosofia da história, em que as origens, atribuições e
limites do Estado são rediscutidos. Em sua obra Filosofia do Direito, Hegel (§ 258) (apud
BRANDÃO, 2001, p. 108), critica os contratualistas, inclusive Rousseau, por desenvolverem
mais a idéia de um Estado como deveria ser do que realmente como ele é, pois o conceito que
está na base do Estado não é o de contrato, mas o de vontade. Em Filosofia do espírito (§
535), discorre sobre o Estado, definindo-o como:
[...] a substância ética consciente de si (grifo do autor), a reunião do princípio da
família e da sociedade civil; a mesma unidade que existe na família como
sentimento de amor, é a essência do Estado; a qual, porém, mediante o segundo
princípio da vontade que sabe e é ativo por si, recebe também a forma de
universalidade sabida. Esta, como as suas determinações e que se desdobram no
saber, tem por conteúdo e escopo absoluto a subjetividade que conhece; isto é, quer
para si esta racionalidade (HEGEL, apud BRANDÃO, 2001, p. 122).
De fato, Hegel foi o primeiro a fixar a expressão “sociedade civil” como algo distinto e
separado do “Estado político”, o que era apenas pressentido pelos contratualistas. Outro
argumento hegeliano contra os defensores do direito natural e do contrato social seria,
segundo e Bobbio, (1991, p. 98-99) e Krader, (1970, p. 36), a contradição entre o fato de a
humanidade subordinar-se, primeiramente, à lei da natureza e depois diminuir sua liberdade
pelo contrato social.
Na sua revisão do processo histórico, Hegel afirma ser o Estado originário de um
movimento contrário ao então pensado: do Estado para a sociedade. Esse Estado
compreenderia, sua formação interna, o “direito interno dos Estados” ou sua constituição e,
como indivíduo particular, com relação a outros estados o ”direito externo”. Porém, ressalta
Hegel em Filosofia do espírito (§ 536): “[...] estes dois espíritos particulares são apenas
momentos no desenvolvimento da idéia universal do espírito na sua realidade; e esta é a
‘história do mundo´, ou ‘história universal´” (HEGEL, apud BRANDÃO, 2001, p. 122-123).
O pensamento de Hegel influenciou pensadores como Karl Max e Friedrich
Engels, para os quais o estado de natureza não teria sido superado pelo advento do Estado
moderno, dominado pela sociedade burguesa, conforme afirma esse último em Do socialismo
34
utópico ao socialismo científico (ENGELS, [1892]1974). Este Estado moderno não seria o
mediador de partes em conflito, ou o “triunfo da Razão sobre a Terra”, como pensou Hegel ,
mas um instrumento de dominação, sempre despótico, uma ditadura de uma classe sobre
outra, como expressa no Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels (1848, Capítulo
I): “O poder político do Estado moderno nada mais é do que um comitê para administrar os
negócios comuns de toda a classe burguesa”.
Engels escreve em A origem da família, da propriedade privada e do Estado:
O estado não é, pois, de modo algum, um poder que se impôs `a sociedade de fora
para dentro; tampouco é ‘a realidade da idéia moral’, nem ‘a realidade da razão’,
como afirma Hegel. É antes um produto da sociedade, quando esta chega a um grau
de desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se enredou numa
irremediável contradição com ela própria e está dividida por antagonismos
irreconciliáveis que não consegue conjurar. Mas para que esses antagonismos, essas
classes com interesses econômicos colidentes não se devorem e não consumam a
sociedade numa luta estéril, faz-se necessário um poder colocado aparentemente por
cima da sociedade, chamado a amortecer o choque e a mantê-lo dentro dos limites
da ‘ordem’. Este poder, nascido da sociedade, mas posto acima dela se distanciando
cada vez mais, é o Estado (ENGELS, 1987, p. 191).
As contradições de que fala Engels com certeza contribuíram para levar a conflitos e crises de
abrangência mundial nos séculos XIX e XX, como as Grandes Depressões de 1870-1890 e a
de 1929 (DOBB, 1987, p. 348-385), além de duas Guerras Mundiais (1914-1918 e a de 19391945).
Mas houve em cada caso uma adaptação do Estado moderno, capitalista, inclusive
tempo de grande progresso e prosperidade sem precedentes, como os anos de 1920, e
colocaram em dúvida as análises de Marx (BORON, 1994, p. 21). A luta de classes, diriam os
críticos liberais, teria sido suplantada pela abundância que inundava o Ocidente, mas, segundo
Boron (1994, p. 22), esse grande crescimento criou as condições necessárias para absorver as
tensões subjacentes ao funcionamento da democracia burguesa graças à ação de um Estado
intervencionista, “[...] regulador e estabilizador do ciclo de acumulação e ativo mediador na
lutas de classes ‘institucionalizada’ pelo regime de hegemonia”. Digno de nota é o fato de que
uma crise não pôde ser absorvida pelos Estados capitalistas: a que redundou na Revolução
Russa de 1917 e na criação da União Soviética, na primeira experiência prática das idéias de
Marx, Engels e outros pensadores socialistas, como Lênin.
35
No século XX, principalmente na sua primeira metade, os estudos sobre política,
origens do Estado e seu papel, dominam diversas correntes de pensamento nem sempre
oriundos da área das ciências políticas. Identificam-se lacunas em teorias consagradas e,
principalmente, percebe-se que as rápidas transformações sociais e ambientais, por sua
abrangência, acabaram se transformando em problemas políticos, apresentando-se alguns
destes, com novas roupagens. No início do século, a obra do sociólogo francês Émile
Durkheim (1858-1917) chamou a atenção para o fato de Locke, Rousseau e outros não terem
percebido o papel de grupos intermediários entre o indivíduo e a sociedade quando da
formação do Estado. Mais recentemente, autores como Carneiro (1970) apontam para a
importância do meio físico quando do processo evolutivo de uma sociedade política, algo até
então negligenciado.
No entanto, o que tem marcado mais fortemente os estudos sobre a política é o
papel do Estado, notadamente nas questões do desenvolvimento (OLIVEIRA, 1982) e da
geopolítica. Ambos os temas envolvem outra questão fundamental: a do poder, bem como sua
origem, estruturação e as relações necessárias entre o Estado e sociedade. Durkheim em “A
divisão do trabalho social”, explica a necessidade humana de formar grupos de união
permanente:
A vida comum é atraente e ao mesmo tempo coercitiva. Sem dúvida, a coerção é
necessária para conduzir o homem a ultrapassar a si mesmo, a acrescentar à sua
natureza física uma outra natureza; mas, à medida que aprende a apreciar os
encantos desta existência nova, ele constrói a necessidade, e não há nenhuma ordem
de atividade onde não os procure apaixonadamente. Eis por que quando indivíduos
que por terem interesses comuns se associam, não é somente para defenderem seus
interesses, é para se associarem, para não mais se sentirem perdidos em meio a
adversários, para terem o prazer de comungar, de não fazerem senão um com
muitos, quer dizer, em definitivo, para levarem em conjunto uma mesma vida moral
(DURKHEIM, 1978, p. 11).
Grupos sociais profissionais, as corporações de ofício teriam se organizado na antiga Grécia e
em Roma (DURKHEIM, 1978, p. 13), e adquirido grande força política a partir da Idade
Média. Durkheim (1978, p. 14) ressalta que um desses grupos, a corporação de ofício, por
muito tempo incorporou pessoas que se confundiam com a primitiva burguesia européia, de
papel político incontestável na evolução do Estado Moderno.
Carneiro (1970, p. 733-738) critica asperamente as teorias tradicionais sobre a
origem do Estado, por desconhecerem o papel do ambiente. O contrato social de Rousseau,
36
classificado por ele como uma das teorias “voluntaristas” por exemplo, é apenas uma “historia
curiosa”. Reconhece o papel da coerção na formação política e, baseado em pesquisas
arqueológicas, culturais e ambientais feitas na Europa, Américas, Ásia e Egito, argumenta que
para surgir o Estado devem estar presentes três condições: uma certa especificidade cultural,
fatores demográficos e condições ecológicas adequadas. Por se tratar da origem remota do
Estado, não cabe aqui tecer maiores comentários sobre sua teoria, mas sendo o território parte
integrante do Estado, de irrefutável importância na sua história, mais adiante retornar-se-á
esta questão.
2. 2 ESTADO E SOCIEDADE
De acordo com Sartori (1981 p. 158), Estado e sociedade – o político e social, são
distinções que só se consolidaram, nos seus significados atuais, no século XIX. Sartori (1981,
p. 159) esclarece ainda, que São Tomás de Aquino (1225-1274), filósofo e estudioso
medieval, traduziu o “animal político” de Aristóteles, o zoon politikón, por “animal político e
social”, enquanto Egidio Romano (circa 1285) (sic) , traduzia por politicon animal et civile.
Versões como estas passaram para a literatura ainda na época romana, onde expressões gregas
antigas vão se confundindo com termos latinos e nomes de instituições romanas antigas e
novas (SARTORI, 1981 p. 159). Exemplo disso é o uso da expressão romana civitas como
sinônimo da grega polis. Entretanto, a civitas romana constituiu-se como a: civilis societas, de
significação mais elástica e foi transformada na iuris societas, (SARTORI, 1981, p. 159). A
primeira expressão seria utilizada por Hegel com o significado de “sociedade civil”, um
Estado em sua forma inferior (BOBBIO, 2000, p. 44). Com a civitas (SARTORI, 1981 p. 160)
o sentido grego original se alterou, passando o homem a ser um sociale animale, segundo o
filósofo romano Sêneca (4 a.C.-65 DC), um ser que vive numa cosmópolis, adaptando-se para
viver6.
Ainda de acordo com esse autor (SARTORI, 1981 p. 165), a sociedade não é o
demos dos antigos gregos ou o populus dos romanos. O demus desaparece com sua
democracia, com sua polis, enquanto o populus desaparece com a queda da república romana.
6
Krader (1970, p. 26) esclarece que o habitante da civitas romana era o civis, isto é, o cidadão, o concidadão e
por vezes o “companheiro”, como se referiam escritores romanos como Cícero, Terêncio e Ovidio.
37
A literatura medieval, como a romana, não exprimia uma idéia autônoma de sociedade e,
acrescentou os “corpos” em que organizava o mundo feudal, o mundo das corporações. Foi
Locke, no século XVII, o primeiro a referir-se aos direitos de uma maioria; a ele é atribuído o
papel de formulador da idéia de sociedade (SARTORI, 1981, p. 165). Essa atribuição é
particularizada dentro da concepção contratualista, já tratada aqui, onde a sociedade está em
revolta contra o soberano ou vivendo sob a vigência de um contrato com ele. Mesmo assim,
trata-se de uma sociedade que é uma ficção jurídica, pois a autonomia da sociedade, com
relação ao Estado, pressupõe outra distinção: a esfera econômica (SARTORI, 1981, p. 166).
Contudo, prevalece na atualidade, como referido por Sartori (1981, p. 166), a idéia de que
cabe a Montesquieu, filósofo francês do século XVIII, autor de O espírito das leis, o título de
descobridor da sociedade.
Para Sartori (1981 p.166), foram os economistas do século XVIII e XIX, tratando
de leis de mercado, não jurídicas, que deram uma imagem tangível de uma realidade social
capaz de auto-regular-se, “[...] uma sociedade que tomou consciência de si mesma”. Ainda
segundo o autor, “[...] cabe méritos a Montesquieu, mas este foi precedido por Locke e pelos
defensores do constitucionalismo liberal. [...]”. Nesta perspectiva, preconizava-se um Estado
com governo representativo.
2.3 O ESTADO E A REPRESENTAÇÃO
No revolucionário século XVIII, predominavam os governos monárquicos
dirigidos por soberanos com poderes quase sempre absolutos (DALLARI, 1986, p. 25), que
eram utilizados mais freqüentemente em favor de si próprios, de familiares e da nobreza
hereditária. O povo não participava de nenhuma escolha, assunto das famílias e interesses de
nobres e reis, embora fosse o suporte econômico de luxos e corrupção, além de contribuir
com seu sangue nas guerras entre os Estados nacionais em constantes conflitos. Foi em defesa
de uma ordem política mais justa que pensadores como Locke, Rousseau e Montesquieu,
(DALLARI, 1986, p. 25), rejeitaram o absolutismo dos monarcas e privilégios da nobreza e
apregoavam a instauração de regimes onde imperasse a democracia.
De todos, Rousseau era o mais radical, pois apregoava uma democracia direta, nos
moldes da Antiguidade, isto é, sem a necessidade de se votar em ou ter representantes; de
Montesquieu deriva uma posição favorável à representação (BONAVIDES, 1999, p. 60), já
38
que admitia que o povo era “excelente para escolher, mas péssimo para governar”. Ainda
segundo Bonavides (1999, p. 60), os pensadores da política identificam em Rousseau o
pensador que “[...] distinguiu com maior acuidade a Sociedade do Estado, a partir do estudo
das ‘sociedades parciais’, onde, do conflito de interesses reinantes, só se pode recolher a
vontade de todos”; ao passo que “o Estado vale como algo que se exprime numa vontade
geral”.
Na obra O contrato social, Rousseau (1762) afirma que a vontade geral só poderá
ser exercida quando o povo estiver reunido. No capítulo XV do mesmo texto, afirma que “[...]
quanto mais bem constituído for o Estado, tanto mais os negócios públicos sobrepujarão os
particulares no espírito dos cidadãos” (ROUSSEAU [1762], 1965, p. 95), pois:
[...] A diminuição do amor à pátria, a ação do interesse particular, a imensidão dos Estados, as
conquistas, os abusos do governo fizeram com que se concebesse o recurso de deputados ou
representantes do povo nas assembléias da nação. E o que em certos países chamam de
Terceiro Estado. Desse modo, o interesse particular das duas ordens é colocado em primeiro e
segundo lugares, ficando o interesse publico em terceiro. A soberania não pode ser
representada pela mesma razão porque não pode ser alienada; consiste essencialmente na
vontade geral, e a vontade de forma alguma se representa: ou é ela mesma, ou é outra, não há
meio-termo [...] (ROUSSEAU, [1762] 1965, p. 95-96).
Rousseau ([1762] 1965, p. 64), ressalva que a impossibilidade da representação se dá quanto
ao legislativo, pois o mesmo não se daria com respeito ao executivo, que é a força aplicada à
lei. De acordo com Barreto (1982, p. 50), é por essa razão que na obra “Considerações sobre o
governo da Polônia”, o filósofo propõe a instituição do “mandato imperativo”, que se
transformou em um dos três modelos de representação política mais comuns na literatura
política, quanto a seus fins. O modelo sugerido como exemplo, por Rousseau (BARRETO,
1982, p. 50) é também conhecido como o de “delegação”, enquanto os outros são o de
delegação política como “relação fiduciária” e, o da “representação como representatividade
sociológica”.
Na atualidade, é lugar comum associar-se poder Legislativo e representação
política e, de imediato, ressalta-se uma diferença entre os exemplos mais conhecidos: o
parlamento inglês e o congresso dos EUA. Ressaltam-se também, outras diferenças: no
primeiro caso, há representantes eleitos e não-eleitos, enquanto no segundo, todos são eleitos
e representam unidades políticas que, reunidas, formam um outro Estado. Weber (1999)
atribui ao sistema representativo inglês uma tradição medieval, associada à necessidade de
39
absorver politicamente a força da burguesia, enquanto a representatividade norte-americana,
segundo Dallari (1986), tem origem na sua própria formação jurídico-política, no final do
século XVIII, quando foi instituído o Estado federal representativo7.
A representação política é considerada uma conquista democrática ( DAHL 2001),
pois permite, teoricamente, um certo controle do governo, além de necessária para efetivar
uma participação no processo político e responder às clássicas perguntas: quem afinal
governa? Em favor de quem? Antigos e novos discursos afirmam que democracia é o governo
do “poder visível” e que nada pode ficar no reino do mistério. Bobbio (2002), referindo-se ao
contraste entre democracia formal e democracia substancial, afirma que o tema “poder
invisível” não tem até agora recebido a necessária atenção dos estudiosos.
Ainda de acordo com Bobbio (2000), um dos eixos do regime democrático é a
inexistência de segredos de todas as decisões e dos atos dos governantes, mas a democracia
direta foi abandonada em favor da representativa quando surgiu o grande Estado territorial e
superado o absolutismo. Bobbio (2000, p. 98) esclarece que este fato exigiu uma nova
conceituação do que seria o caráter público do poder, até porque o estado constitucional
moderno deveria se distinguir do absolutista exatamente pela inexistência do segredo de suas
ações e natureza. Dahl (2001, 120-124) tem posição semelhante a Bobbio, argumentando que
o número de pessoas numa unidade política e a extensão de seu território têm importância
crucial numa democracia, pois há evidentemente diferença entre governar uma cidade-estado,
como na Antiguidade clássica e um Estado moderno. A utilizar-se de números, Dahl (2001, p.
123) afirma que para ter-se um sistema democrático satisfatório “[...] é razoável que os
cidadãos prefiram eleger seus representantes em eleições livres e justas”.
Como seria impossível que as pessoas controlassem seu governo em um país
populoso, ou fizessem chegar ao Estado a sua vontade diretamente, a solução foi aprimorar a
representação. Os exemplos foram a Revolução Francesa em período anterior a ascensão de
Napoleão Bonaparte e, exemplo mais conhecido, após a independência dos EUA, passou a
integrar sua Constituição e foi posteriormente consagrado no Estado constitucional moderno.
Suas fontes foram principalmente os escritos conhecidos como O federalista, de James
Madison, John Jay e Alexander Hamilton, editados em 1787, mas as idéias de maior liberdade
política tinham sido defendidas por diversos filósofos europeus, desde o século XVII.
7
A Câmara dos Lordes e a dos Comuns, reunidas, formam o Parlamento inglês, enquanto nos EUA o Legislativo
é formado pelo Senado e pela Câmara dos Representantes. Estes últimos, representam os Estados federados e
equivalem aos deputados federais no Brasil.
40
Um país com regime político representativo coloca-se em oposição tanto aos
regimes absolutistas e autocráticos, como com a democracia direta onde, em teoria,
desapareceria a distinção entre governantes e governados (COTTA, 2000, p. 1.102). O sentido
da representação política está na possibilidade de controlar o poder político, atribuído por
quem não pode controlar o poder pessoalmente (COTTA, 2000, p. 1.102). A representação,
elemento chave da história política moderna, é identificada (COTTA, 2000, p. 1.101), pois,
com as assembléias parlamentares, numa expressão concreta de representação política.
Baseado em seus fins, a representação poderia ser definida como um “[...]
mecanismo político particular para a realização de uma relação de controle entre governos e
governados” (COTTA, 2000, p. 1.102). Trata-se assim, de uma expressão ligada ao Estado de
sistema representativo moderno, onde os governantes são eleitos pelo povo, mas a
representação já existia na Grécia Antiga, onde as cidades-estado enviavam seus
embaixadores para negociações nas eleições (BARRETO, 1982, p. 43). O termo vem do latim
repraesentare, que segundo Barreto (1982, p. 43) significa literalmente: trazer à sua presença
algo ausente, ou a materialização de uma abstração em um objeto, mas a palavra não era
utilizada para significar algum tipo de relação entre pessoas.
No modelo de delegação, o representante é apenas o executor da vontade de seus
eleitores, cumprindo instruções precisas e com indisponibilidade de autonomia. Tem
inspiração medieval e foi defendido por Rousseau como o adequado para o funcionamento da
democracia (BARRETO, 1982). Assim, um deputado estará preso à linha política do partido,
bem como ao seu programa e o que fizer diferente do que lhe foi atribuído não deverá ter
efeito (BARRETO, 1982). De acordo com Bonavides (1999, p. 262), esse tipo de mandato ou
representação foi combatido pelos defensores da democracia liberal, a coluna do poder
político da burguesia, como Condorcet e Burke.
Na representação como relação fiduciária a situação é inversa, pois o
representante recebe a confiança do representado e dispõe de autonomia para legislar em
favor “do bem comum” ou da nação e não do eleitor regional ou local que o elegeu
(BONAVIDES, 1999, p. 262). Esse modelo, presente na Inglaterra, foi defendido por Edmund
Burke (1729-1797), membro do parlamento, quando este enfrentava reis que buscavam reaver
seu poder absoluto (KINZO, 2001), e pelos liberais ingleses; foi criticado por Rousseau em O
contrato social exatamente porque os representantes rompem os laços com seus eleitores. Os
41
ingleses, afirmou Rousseau ([1762] 1965, p. 96), em O contrato social: “[...] eram livres
apenas na hora de votar [...]”.
Outra corrente que se opôs ao mandato imperativo, defendendo o segundo
modelo, foi a dos pensadores franceses como Condorcet e Mirabeau, defensores da
democracia representativa. O primeiro teria mesmo expressado claramente, como observado
por Bonavides (1999, p. 261), em discurso na Convenção Francesa: “Mandatário do povo,
farei o que cuidar mais consentâneo com seus interesses. Mandou-me ele expor minhas idéias,
não as suas; a absoluta independência das minhas opiniões é o primeiro de meus deveres para
com o povo”.
Na atualidade, onde a complexidade das relações leva ao esgotamento dos canais
de representação da democracia liberal, faz-se necessário não apenas buscar novos conceitos,
mas identificar práticas de representação, inclusive as não institucionalizadas. Consoante isso,
além da classificação segundo seus fins, deve-se considerar a natureza das diversas
modalidades de representação política, que fogem ao formal e transcendem o conjunto de
relações entre eleitores e governantes (DURKHEIM, 1978; WEBER, 1999a), que abrangem o
exercício de ações ou funções, individuais ou coletivas, oriundas inclusive pela tradição ou
assentimento, como se vê em estudiosos da política brasileira.
2. 3. 1 A representação no Brasil
A representação no Brasil, embora tenha sido identificada por Dallari (1986) como
surgida com a instauração do Estado liberal federativo, através da Constituição republicana de
1891 tem, historicamente, data mais antiga. Após a independência (1822), foi organizado o
Estado através da Constituição do Império, de 1824 (CALMON, 1971), sendo criado um
estado monárquico centralizado, com quatro poderes de governo: o executivo, o legislativo, o
judiciário e o moderador, privativo do imperador (CALMON, 1971). Inicialmente, as
províncias elegiam em eleições de dois turnos os seus representantes à Câmara. Entretanto,
durante as regências (1831-1840), inúmeros movimentos revolucionários regionais deram
conta ao governo que uma descentralização era necessária. Assim, pelo Ato Adicional de
1835, as províncias, as antigas capitanias do período colonial, passaram a ter alguma
autonomia e a eleger sua assembléia, embora os presidentes das mesmas unidades
continuassem a ser nomeados pelo governo central.
42
De acordo com alguns historiadores como Emília Viotti da Costa (1987), na
época, o político era reflexo do econômico:
A organização política do país refletiria os anseios dos grupos sociais que
empresaram o movimento [de independência] - interessados em manter a estrutura
de produção baseada no trabalho escravo, destinada a exportação de produtos
tropicais para o mercado europeu. Organizar o Estado sem colocar em risco o
domínio econômico e social e garantir as relações externas de produção seriam seus
principais objetivos (COSTA, 1987, p. 122).
Ainda conforme a autora (COSTA, 1987, p. 123), as oligarquias conseguiram controlar o
governo através de órgãos representativos: a Câmara e o Senado, sendo este vitalício, e do
Conselho de Estado. Como se vê em Calmon (1971, p. 1638), este último seria abolido com o
Ato de 1835.
Para Schwartzman (1982, p. 57), grande parte da história política do Brasil
imperial girava em torno do tema centralização X descentralização em razão da natureza da
colonização portuguesa, que combinava centralização administrativa com grande dispersão
territorial. Essa dispersão e as contradições entre o poder central e o local estão presentes
inclusive em estudos sobre a política regional, como na análise de Lima (1993/1994, p. 33)
sobre a representação política do Amazonas no século XIX, pois ali: “As bases do processo
eleitoral existente durante o Império não puderam garantir o funcionamento do sistema
representativo e este resultava em uma permanente corrupção”. Ainda de acordo com
Schwartzman (1982, p. 14), o processo político tem objetivos e mecanismos próprios, que
embora não sejam independentes e isolados dos processos que se desenvolvem na esfera
produtiva, só podem ser entendidos na sua especificidade. Cabe lembrar que o Estado
brasileiro tem origem exógena (COSTA, 1987; SCHWARTZMAN,1982), resultado de
processos históricos muito diferenciados, tanto no período imperial como no republicano e
que ainda havia uma realidade concreta e outra nas disposições jurídicas.
Costa (1987, p. 123-124) esclarece que a constituição de 1824, no seu artigo 179,
tentou assegurar ampla liberdade individual e garantir liberdade econômica e de iniciativa
“[...] inspirando-se diretamente na Declaração dos Direitos do Homem feita pelos
revolucionários franceses em agosto de 1789”. Havia trechos, diz a autora, que eram mera
transcrição da Declaração, mas omitia-se a afirmação da soberania da nação, a definição de lei
como vontade geral e a declaração do direito dos povos de resistirem à opressão. Era como se
houvesse duas sociedades, sendo que numa delas os legisladores, de formação européia,
43
incluíram na constituição os preceitos do liberalismo e o defendiam na Câmara e no Senado e,
ao mesmo tempo, a escravidão era preservada e a maioria da população era composta de
“moradores” em terras alheias (COSTA, 1987, p. 125). A sociedade e o Estado eram
realidades distintas até então no Brasil. Em 1889, com a República, tentou-se mudar o social
por meio da lei, sob um novo modelo: o estadunidense.
A federação norte-americana nasceu da união de treze colônias, isto é, a
instauração de um poder centralizador sobre unidades dispersas, preservando a
individualidade de cada uma delas. No Brasil o processo foi inverso, pois ao tempo do
Império havia um governo fortemente centralizado e, após 1891, o poder político foi
distribuído entre as antigas províncias, até então simples divisões administrativas. Assim,
cada uma delas recebeu formalmente a afirmação de sua individualidade e uma parcela do
poder político, passando a denominar-se estado (DALLARI, 1986). Ainda de acordo com
Dallari (1986), em termos de estrutura, quando nasce uma nova federação, a preocupação de
seus criadores é conseguir manter a unidade sem eliminar a diversidade, dando ênfase maior à
centralização ou à descentralização. Pode nascer aí, reconhece o autor, uma das inúmeras
ambigüidades do sistema federativo.
Acomodar diferentes realidades territoriais, políticas, econômicas, sociais,
culturais e mesmo étnicas sob uma mesma autoridade, preservando ao mesmo tempo suas
individualidades sem grandes atritos ou rupturas é um dos desafios do federalismo, inclusive
no Brasil, onde avulta a diversidade entre regiões e setores político-sociais. A busca de uma
unidade na diversidade sob um conjunto de regras comuns, não parece ser tarefa fácil ou
isenta de atritos. Reconheceu-se na primeira constituição republicana brasileira o direito de
representação da maioria, materializado no voto. Dentro desse pensamento, adotou-se
primeiramente o sistema majoritário de representação, sendo seguido pelo critério da
proporcionalidade (BONAVIDES, 1999, p. 247-253). Tal como no Império, foi importado um
modelo nascido de circunstâncias e passado históricos diferenciados e, diferentes seriam
também os resultados.
A procura por um modelo não unitário de estado, em principio mais democrático,
levou a que muitos países adotassem o modelo federal estadunidense, mas a multiplicidade
dos centros de poder, uma característica básica do modelo, tem inspirado arranjos em tal
número que hoje alguns teóricos identificam Estados federais com características muito
diversas (DALLARI, 1986, p. 50). Avulta também no presente uma outra adaptação do
federalismo a situações conflitivas seculares, de origem étnica ou territorial, como na
44
Espanha, Itália e alguns países africanos. Há pensadores que já advogam uma terceira escolha
entre a centralização do Estado Unitário e a descentralização do Estado Federal: o Estado
Regional (DALLARI, 1986, p. 51). Para estudiosos como Badia (1978 apud DALARI, 1986),
este poderia resolver, teoricamente, algumas das intermináveis situações políticas conflitantes
em alguns países europeus.
O federalismo é, ao mesmo tempo, uma estrutura e um processo, o que torna o
Estado federal mais complexo que o unitário. Nesse espaço, há uma “[...] multiplicidade de
governos atuando conjugados e procurando ser harmônicos [...]” em esferas, áreas ou níveis
diferentes, havendo uma esfera federal ou geral, ao lado de outras estaduais ou locais
(DALLARI, 1986, p. 53). Mas não ocorre, na prática, que o governo central se ocupe só de
assuntos de interesse geral e os governos locais apenas do que for de interesse nas suas
unidades. Cabe aqui observar que o federalismo pode até mesmo ser deixado de lado, embora
não formalmente, como ocorreu no Brasil com a instauração do Estado Novo (1937-1945) e
do regime militar (1964-1985), ocasiões em que se desenvolverem projetos e instituíram-se
medidas estruturadoras sem considerar as peculiaridades locais e regionais.
O federalismo brasileiro tem, segundo Dallari (1986, p. 54-55), um complicador
para o desempenho de seu processo que é o estabelecimento de três esferas de governo: a
federal, a estadual e a municipal. O reconhecimento da autonomia de municípios e Estadosmembros é um fato complicador, uma vez que a estrutura e o processo político ficam por
demais entrelaçados e a primeira passa a depender do segundo em razão da dinâmica dos
governos, havendo eventuais rompimentos de barreiras (DALLARI, 1986, p. 54-55). Essa
dinâmica é conformada pela busca de maior eficácia de desempenho e envolve logicamente
não apenas grupos e partidos, mas também associações das mais diversas, representando
ainda outros interesses divergentes, como os regionais.
Celso Furtado, referindo-se às mudanças após a instauração da República
brasileira, em A formação econômica do Brasil (1987) assinala que:
Se a descentralização republicana deu maior flexibilidade político-administrativa ao
governo no campo econômico, em benefício dos grandes interesses agrícolaexportadores, por outro lado a ascensão política de novos grupos sociais, de rendas
não derivadas da propriedade – facilitada pelo regime republicano – veio reduzir
substancialmente o controle que antes exerciam aqueles grupos agrícolaexportadores sobre o governo central. Tem início assim um período de tensões entre
os dois níveis de governo – estadual e federal – que se prolongará pelos decênios do
século atual (FURTADO, 1987, p. 172-173).
45
Logicamente, cabe à esfera federal o papel de administrar politicamente as diferenças em
proveito do bem comum. Na prática observa-se que isso não será acompanhado sempre
diretamente pelos cidadãos, pois existe ou deve existir sempre uma representação, de uma
forma ou de outra.
A complexidade do conjunto de relações e antagonismos em um Estado federal
leva Dallari (1986), a afirmar:
O federalismo é um fenômeno político e sócio-cultural. Aqui se coloca uma questão
crucial: o federalismo é conveniente, possível e até necessário quando se pretende
unir no mesmo Estado unidades sócio-culturais diferenciadas, mas, ao mesmo
tempo, é inviável quando essa diferenciação é por demais acentuada. Ao lado disso é
preciso considerar que o Estado Federal tem um governo e promove o
relacionamento entre governos dentro de suas fronteiras. Assim, pois, além das
políticas especificas de cada um desses governos, existe o objetivo, essencialmente
político, de manter a própria federação (DALLARI, 1986, p. 55).
Outro estudioso do liberalismo no Brasil, Celso Lafer (1975a), ressalta que no período 1945
a 1964, o qual denomina de “República Populista”, o Congresso, isto é, o Legislativo federal
exibia uma vigilância conservadora diante do papel inovador do Executivo. Este poder teria
sido fortalecido e se tornado potencialmente e organicamente mais relevante que o
Legislativo e o Judiciário após o Estado Novo (SKIDMORE, 2000) e, mesmo com a
aprovação da Constituição liberal de 1946, continuou sendo o mais evidente. Essa ascensão
do Executivo estaria lastreada na sua posição de núcleo inovador e planejador da economia
nacional. Uma herança de Getúlio Vargas, que passou pelos governos populistas e
desenvolvimentistas das décadas de 1950 e 1960, atingindo seu auge com os militares após
1964.
Em termos de poder, Lafer (1975a), referindo-se ainda ao período 1945-1964 ,
diz que havia um pacto de dominação, apesar do aumento da urbanização e industrialização e
do conseqüente aumento da participação das massas no processo eleitoral. Para ele, no
período coexistiam duas culturas políticas: a do “Brasil desenvolvido” no Sudeste e no Sul, e
a do “Brasil subdesenvolvido”, abrangendo o Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste. Mas havia
uma coexistência entre as duas realidades (LAFER, 1975a, p. 62-63), em que: “[...] se reflete
na origem e no crescimento do regime partidário. Os partidos mais conservadores – Partido
Social Democrático (PSD), União Democrática Nacional (UDN), Partido Republicano (PR) –
obtiveram, desde 1945, uma porcentagem claramente menor dos deputados federais, no
Sudeste, do que no Brasil subdesenvolvido”. Anota ainda o autor (LAFER, 1975a, p. 62-63),
que: “Direção oposta foi a do crescimento do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Partido
46
Trabalhista Brasileiro (PTB) e Partido Social Progressista (PSP) no Sudeste, onde
aumentaram sua força eleitoral de 1945 a 1962”.
O período 1945-1964 apresenta grande contraste em relação ao de
1891-1930, conhecido como o da República Velha, em razão das mudanças entre 1930-1945,
principalmente quando do Estado Novo (1937-1945), e de mudanças estruturais que
distanciaram parte do país da antiga estrutura agrária. Lafer (1975a, p. 63-65) afirma que essa
coexistência de duas culturas políticas, a do Brasil desenvolvido e a do subdesenvolvido,
exigiram do sistema político, isto é, o federalismo brasileiro, “[...] uma política que
conciliasse diversos interesses num pacto de dominação que fosse viável”. Acrescenta ainda
(LAFER, 1975a, p. 63-64), que este pacto teve duas moedas em circulação: o voto, que
outorgava legitimidade o sistema, e a coerção organizada, o poder militar.
Na literatura sobre o período, existe uma convergência de conclusões sobre o
papel conservador do Congresso, bem como sua incompatibilidade com o pensamento de
militares e civis de tendências tecnocráticas, tal como se observa em Ames (1986), Dallari
(1986), Lafer (1975a) e Skidmore (2000). Para Rodrigues (1982), como um todo o governo
não promovia a integração à sociedade nacional de milhões de brasileiros, mais da metade da
população - já que o analfabeto não votava – e não atentava para o desequilíbrio do
crescimento econômico nacional e setorial e desajustamentos regionais. O autor
(RODRIGUES, 1982, p. 247-248) salienta também, o papel conservador do Congresso e dos
partidos majoritários que o constituíam, como o PSD, a UDN e mesmo o PTB, formalmente
progressista, os quais representavam um sistema que estabeleceu um desequilíbrio entre a
sociedade e o Poder.
Ainda de acordo com Rodrigues (1982, p. 247), “[...] sequer uma associação
política de todos os brasileiros, que a primeira Constituição proclamou, chegamos a constituir;
muito menos se pode afirmar que todo poder emana do povo e em seu nome é exercido, como
se proclamou a partir de 1934”. E acrescenta o autor: “A Constituição de 1891 foi mais
honesta, pois a nação era constituída pela união perpétua e indissolúvel das antigas províncias
em Estados Unidos do Brasil, e o povo só aparecia no preâmbulo, ao dar representação para o
estabelecimento, decretação e promulgação da Constituição” (RODRIGUES, 1982, p. 247248). A crítica do autor a uma falsa representação, que deveria ser expressa, sobretudo, pelo
Legislativo, através dos partidos, leva a volta ao pensamento político de Locke. Do mesmo
modo, os defensores de um Executivo mais forte, para se ter um Estado também mais forte,
lembram o pensamento arquetípico hobbesiano.
47
A literatura política sobre o Legislativo brasileiro o apresenta como
identificado, entre 1945-1964, com o conservadorismo e se constitui principalmente por
partidos que eram mais fortes em regiões subdesenvolvidas, que para se manter tinham que
adotar atitudes paternalistas e apoiar privilégios que, por vezes, desequilibravam o Tesouro
Nacional. Não foi por acaso que a Constituição de 1946, liberal, estabeleceu que o Orçamento
era de competência do Legislativo, nem que houvesse choques com administradores de linha
neoclássica, principalmente monetaristas ligados ao Executivo, como Roberto Campos
(AMES, 1986). A par disso, os governos populistas planejavam e executavam projetos de
nível nacional, com a participação e o fortalecimento de um corpo técnico-administrativo, por
vezes formado por órgãos paralelos, como no governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961).
Em suma, houve um distanciamento do Estado em seu relacionamento com a sociedade civil.
Esta, no entanto, segundo Lafer (1975a, p. 66-71), não seria ouvida no período que se seguiu,
o de 1964-1985, após o esgotamento das fórmulas institucionais e das regras do pacto de
dominação que a sustentavam.
Após a vitória do movimento militar de 31 de março de 1964, os militares
impuseram um Ato Adicional, o AI 1, escrito pelo mesmo jurista do Estado Novo, Francisco
de Campos (SKIDMORE, 2000). Lafer (1975a, p. 72) lembra que o documento esclarece sobre
o novo momento político nacional: “Fica assim, bem claro, que a revolução não procura
legitimar-se através do Congresso. Este é que recebe deste Ato Institucional, resultante do
exercício do Poder Constituinte, inerente a todas as revoluções, a sua legitimação”.
Houve depois uma série de Atos Institucionais, sendo que o AI 5 transformou o
Congresso em uma casa legislativa de poder apenas formal. Como era preciso, no entanto,
apresentar no exterior uma aparência de democracia, havia eleições, embora as regras
mudassem sempre que a oposição ameaçasse ter uma vitória. Eis porque, em 1966 e 1982 os
partidos foram oficialmente extintos e outros criados, segundo a conveniência do regime
militar. As eleições, muitas vezes alteradas em seu calendário não poderiam, pois, alterar o
status quo, mas crises na economia internacional levaram a agudização de problemas políticos
internos, exigindo cada vez mais medidas de contenção da oposição, que se fortalecia nessas
ocasiões.
Foi necessário alterar, também, a composição do Congresso, aumentando o número
de parlamentares, principalmente nas regiões onde o governo mantinha maior controle, como
o Norte e o Nordeste. Houve aumento até da representação dos territórios federais, que
inicialmente tinham apenas um deputado federal, passando para dois e posteriormente para
48
quatro. Mas essas medidas seguiam uma das linhas do movimento revolucionário, a dos
moderados, que, contrariamente aos da “linha dura”, admitiam ceder algum espaço para a
sociedade política para manter seu apoio (STEPAN, 1971). Quanto ao Executivo, houve seu
fortalecimento no período, com instauração de eleições indiretas para os cargos de presidente
e governadores de Estado.
O papel quase formal do Legislativo contrastava com o do Executivo, apoiado na
segurança da estrutura militar e na classe de administradores tecno-burocráticos, como
economistas e planejadores. A partir de Becker (1999), percebe-se que essa aliança garantia o
funcionamento contínuo do governo autoritário e a consecução de seu projeto de
desenvolvimento para o País, nos moldes capitalistas, através de Planos de abrangência
nacional. Nestes, indica Becker (1999), a Amazônia ocuparia um lugar especial.
Com o esgotamento do regime e o seu final, em 1985, houve o que se denominou
“redemocratização”, com o fortalecimento, ou a volta do poder descentralizado e, por
conseqüência, do Legislativo. No âmbito das mudanças, produziu-se uma nova Constituição,
em 1988, que estabeleceu as novas bases políticas do Brasil. Foram criados os novos Estados
de Roraima, Amapá e Tocantins, enquanto o Executivo voltou a uma situação semelhante a
do período 1946-1964, ou seja, teve seu poder diminuído. No tocante à representação,
segundo Becker, Egler (1994) e Gall, Ricúpero (1999) a Constituição de 1988 aumentou
sensivelmente o espaço para o exercício da cidadania e, ao criar novos Estados federados e
permitir a multiplicação de municípios acabou multiplicando, também, os espaços políticos
das lideranças regionais e locais.
2. 3. 2 Partidos, elites e grupos
Um dos problemas dos legisladores que procuram normalizar o comportamento
político, individual e coletivo, da sociedade ligada a um Estado, é como harmonizar os
diferentes e por vezes exclusivos interesses. Exemplo disso ocorreu no final do século XVIII,
quando uma das preocupações dos autores de O Federalista, principalmente Madison, foi
tratar do controle legal das diferentes facções políticas que buscam a dominância do poder em
um Estado democrático. No entanto, há grandes diferenças entre as forças políticas que se
organizam dentro de um Estado, variando desde suas origens, sua natureza, estrutura,
objetivos, abrangência, dimensão e duração temporal. Assim, podemos identificar partidos,
grupos de interesse, elites, oligarquias, grupos de interesse e grupos de pressão.
Segundo Max Weber, os partidos são:
49
[...] relações associativas baseadas em recrutamento (formalmente) livre com o fim de
proporcionar poder a seus dirigentes dentro de uma associação e, por meio disso, a seus
membros ativos, oportunidades (ideais ou materiais) de realizar fins objetivos ou de obter
vantagens pessoais, ou ambas as coisas. Podem constituir relações associativas efêmeras ou
duradouras participar de associações de todo tipo e surgir como associações muito distintas
na forma: séqüitos carismáticos, criadagens tradicionais e partidários racionais (racionais
referentes a fins ou valores, ou de cunho ‘ideológico’). Podem ser orientados
principalmente por interesses pessoais ou por fins objetivos. Na prática, podem dirigir-se,
oficial ou efetivamente, exclusivamente à obtenção do poder para o líder e à ocupação de
cargos administrativos por seus quadros (partido de patronato). Ou podem estar orientados
predominante e conscientemente por interesses de estamentos ou classes (partido
estamental ou de classe) ou por fins objetivos concretos ou por princípios abstratos (partido
ideológico). Mas a ocupação de cargos administrativos pelos seus membros costuma ser,
freqüentemente, um fim acessório, e os ‘programas’ objetivos não raro apenas um meio de
recrutar novos membros (WEBER, 2000, v. 1, p. 188).
Podem, ainda segundo Weber (2000, p. 188) “[...] constituir relações associativas efêmeras ou
duradouras, participar de associações de todo tipo e surgir como associações muito distintas
na forma” (WEBER, 2000, p. 188).
Na atualidade, cientistas políticos que tratam da temática dos partidos, como Anna
Oppo (1982), afirmam que se deve considerar partido no verdadeiro sentido, aqueles que
surgiram quando o sistema político atingiu uma certa autonomia estrutural, uma
complexidade interna e uma divisão de trabalho que comporta um processo de formação de
decisões políticas em que participem mais partes do sistema em que estão inseridas e, teórica
ou efetivamente, os “[...] representantes daqueles a quem as decisões políticas se referem”
(OPPO, 1982, p. 9). Dentro dessa concepção, cabem só as organizações políticas oriundas de
um processo onde emergem governos representativos, ou onde havia margem de aceitação de
pelo menos uma pequena representatividade com algum poder de decisão. Assim, de acordo
com Oppo (1982, p. 10), excluem-se os partidos como os da Inglaterra de antes de 1832, ano
em que o Reform Act estendeu o sufrágio aos comerciantes e industriais, fazendo com que
esses passassem a participar da gestão dos negócios públicos antes privilégio apenas dos
aristocratas.
Weber (1979, p. 48-49) não valoriza os antigos partidos ingleses que se
transformaram no modelo de partidos nos séculos XIX e XX, declarando que esses eram na
Inglaterra apenas séquitos da aristocracia e que junto a estes, com a ascensão da burguesia,
surgiram de todos os lados os partidos de notáveis (grifo do autor). Para Oppo (1982, p. 10),
após o Reform Act, organizaram-se na Inglaterra associações locais que participavam
efetivamente na busca de votos para o parlamento ou para acompanhar a execução de leis.
Essas associações eram organizadas por notáveis ou por grupos de interesse (grifo nosso).
50
Aristocratas, burgueses da alta sociedade fomentavam e por vezes financiavam as atividades
eleitorais. O número de participantes era pequeno, mas firmou-se uma prática que foi
ampliando-se gradualmente na Europa e nos EUA. Não foi, obviamente, uma caminhada
tranqüila, pois na Alemanha os partidos só surgiram após a Revolução Liberal de 1848 e na
Itália, apenas com a unificação, em 1870.
Do exposto, duas conclusões já são aqui possíveis: a de que o partido político
moderno nasceu de conquistas não só políticas, mas também econômicas e que seu
surgimento está associado a categorias como “representação” e “grupos de interesse”. Mas
outros fatos chamam a atenção na atualidade: a profissionalização e a estabilidade da
liderança e de parte de seus componentes e a diversidade dos tipos de partidos. Mais, em
alguns casos ocorre inclusive a transformação da liderança ou do próprio partido em grupo
“oligárquico”.
Nas democracias modernas, além de partidos estruturados, existem organizações,
visíveis ou não, que intermediam decisões entre o cidadão e o governo, sendo discutido ainda
se sua existência favorece, em ultima instância, a estabilidade ou a degeneração dos sistemas
democráticos. Essas organizações são diferenciadas, sendo as mais comuns as denominadas
de oligarquias, grupos de pressão, grupos de interesse, rótulos que abrigam uma grande
quantidade de organizações, formais ou não (PASQUINO, 1982; RODRIGUES, 1982). No
entanto, quando há referência sobre quem está no topo da sociedade, isto é, quem detém de
fato o poder, a expressão “elite” tem sido mais utilizada, de acordo com Bobbio (1982),
consagrada pelas teorias que tratam do tema.
Dos diversos autores que tratam da teoria das elites, com conceitos diversos e por
vezes excludentes, podem ser agrupados em dois lados: os que têm uma visão monista e os
que, ao contrário, defendem ser pluralista a organização do poder na sociedade. Permeia essa
divisão, a teoria das elites, oriunda do pensamento de Gaetano Mosca, Vilfredo Pareto e
Roberto Michels, adaptada e comentada por Harold Lasswell e Wright Mills, entre outros.
Desse modo, busca-se explicar a divisão do poder nas sociedades complexas, o que trouxe
para o pensamento político discussões e debates que ainda dividem opiniões.
Mosca (apud BOBBIO, 1982, p. 62-63) identificou uma classe dirigente da
sociedade, a quem chamou de “classe política” e “oligarquia”, explicando que esta encontrava
sua força na sua organização, entendida como um conjunto de relações de interesse que faz
com que os membros da classe política coliguem-se entre si em grupos homogêneos, opondose a uma maioria desorganizada e dividida. Pareto (apud BOBBIO, 1982, p. 62-63), sociólogo
51
e economista italiano, foi o consagrador da expressão “elites”, grupos de homens que ocupam
graus superiores em todas as atividades humanas, inclusive na política, a quem denominou de
“aristocracia”. Nesse modelo de Pareto (apud BOBBIO, 1982, p. 62-63), tais elites ou classes
políticas principais seriam formadas por políticos, por detentores do poder econômico e pelos
intelectuais (BOBBIO, 1982). Os primeiros estariam divididos em leões (que usam a força) e
raposas (que usam a astúcia); as classes econômicas seriam formadas por especuladores e
banqueiros e a dos intelectuais seria formada por homens de fé e homens de ciência (BOBBIO,
1982).
Michels (apud BOBBIO, 1982, p. 62-63) estudioso de Mosca e Pareto, observando
a estrutura dos grandes partidos de massa, sobretudo do Social Democrata Alemão no começo
do século XX, percebeu ali também a concentração de poder em um pequeno grupo, a quem
denominou “oligarquia”. Michels reforçou, portanto, uma expressão de Mosca, empregada
para denominar minorias governantes. A expressão consagrada por ambos serviu para
identificar, desde então, grupos governantes minoritários que usufruem de privilégios e que
conquistam e se mantém no poder por diversos meios, com o uso ou não da coerção.
Pareto, Mosca e Michels são considerados os fundadores da “teoria das elites”,
mas esta passou a ter maior peso nas ciências políticas após os trabalhos de Mills e Lasswell,
nos EUA. Estes foram secundados por trabalhos de campo em cidades americanas e outros
textos de diversos autores, levando o tema ao campo do debate acadêmico e científico
(BOBBIO, 1982; KAPLAN, 1982). Lasswell, em Quem ganha o que, quando, como ([1936]
1982) dedica o primeiro capítulo aos estudos da elite, escrevendo:
As pessoas influentes são aquelas que se apropriam da maior parte do que é
apropriável. Os valores à disposição são: deferência, renda e segurança. Os que
recebem esses valores em maior quantidade pertencem à Elite, os demais são a
Massa (LASSWELL ([1936] 1982), p. 15).
Esse mesmo autor (LASSWEL, 1982, p.15-27), exemplifica cada um dos itens, tidos como não
exclusivos, adicionando casos de ascensões sócio-políticas originadas na habilidade pessoal e
um conseqüente prestígio, bem como os meios utilizados para obter, manter ou perder a
autoridade.
Mills, em A elite do poder (apud BOBBIO, 1982, p. 63), numa análise histórica e
sociológica, contrapõe o homem e a mulher comuns estadunidenses com uma elite que
concentra “[...] poder, riqueza e a celebridade”. Essa elite seria formada por políticos,
52
militares e homens de negócio: “[...] uma cúpula unida e poderosa, enquanto a base é muito
mais desunida e impotente” (MILLS, apud BOBBIO, 1982, p. 63). Houve ataques de
pensadores de linha liberal a essa suposta união das elites ou da existência de uma única delas,
bem como por parte de pensadores marxistas, para quem a elite dominante é composta apenas
de uma classe dominante: a dos detentores do poder econômico. Na base do problema teórico,
continuava a questão das concepções monista e pluralista dos grupos detentores do poder,
além de permanecer, também, uma certa confusão quanto à relação de variáveis e aos
conceitos tidos esses por alguns estudiosos como empiricamente imprecisos (ZUCKERMAN,
1982, p. 74). Na falta de uma aceitação mais geral de uma ou outra linha de pensamento sobre
a problemática das elites políticas, em razão de não terem frutificado conceitos de utilidade
teórica, entre outros problemas, houve quem voltasse aos estudos das matrizes de Mosca e
Pareto, como Bottomore (1982) e Zuckerman (1982).
Tanto Mosca como Pareto se posicionam como antidemocráticos (BOBBIO, 1982;
ZUCKERMAN, 1982). O primeiro, em sua publicação de 1896, época de intenso debate entre
liberais e socialistas, conservadores e socialistas, tinha como objetivo principal a negação da
teoria democrática (ZUCKERMAN, 1982). Pareto também ameniza o papel dominador das
elites, ao afirmar que:
A classe governante não é um grupo homogêneo. Ela também tem um governo –
uma classe menor e mais seleta [...] as classes dirigentes, como todos os grupos
sociais, realizam atos lógicos e ilógicos [...] não devemos pensar nelas como autores
de um melodrama que administrassem e dirigissem o mundo. Elas não realizam
reuniões nas quais congreguem para esboçar desígnios comuns, nem tampouco
possuem qualquer mecanismo para chegar a um acordo geral (PARETO, 1916, apud
ZUCKERMAN, 1982, p. 76).
Para Bottomore (1982), o esquema conceitual, tanto de Mosca como de Pareto
compreendem noções comuns como: em toda sociedade existe e não pode deixar de existir,
uma minoria que controla o restante da mesma. Essa minoria, “classe política” para o
primeiro, “elite governante” para o segundo, é composta pelos que ocupam cargos de
comando político e podem influir diretamente nas decisões políticas. Mas para ambos, essa
minoria sofre mudanças na sua composição com o passar do tempo, incorporando novos
membros através do recrutamento individual nos estratos mais inferiores da sociedade.
Ocorreria, eventualmente, também, a substituição total de mando por uma “contra-elite”,
quando das revoluções (BOTTOMORE, 1982, p. 105). Menos explicitamente, como propõe
Bottomore (1982, p. 107), haveria uma doutrina política embutida na obra de ambos os
53
pensadores italianos, de matiz antidemocrática e de crítica à democracia moderna que se
desenhava como possibilidade na passagem do século XIX para o XX.
A noção de igualdade, um dos fundamentos do pensamento político moderno, no
qual está assentada a legitimidade do governo como expressão de uma maioria, choca-se com
a idéia da teoria das elites, que acentua no seu âmbito o conceito de desigualdade de atributos
individuais (BOTTOMORE, 1982, p. 107). No entanto, a oposição entre as duas concepções
não é rígida a ponto de provocar uma exclusão, já que, no regime democrático e
representativo é possível, a todos acessar as posições de poder na sociedade, na prática. Os
cargos e oportunidades também se acham teoricamente abertas e os detentores do poder
precisam prestar conta de suas atitudes perante o eleitorado. Karl Mannheim e Schumpeter
(apud BOTTOMORE, 1982), estão entre os pensadores que endossam tal concepção, pois a
idéia de igualdade pode ser reinterpretada como “igualdade de oportunidades”, já que as
“elites” seriam, em teoria, abertas e seus membros recrutados entre diferentes estratos sociais.
Percebe-se, na atualidade, que as expressões “elites” e “oligarquias” passaram
para a literatura política ocidental, inclusive no Brasil, com significados um tanto diversos dos
originais. As primeiras passaram a designar quaisquer grupos de pessoas que detivessem o
poder e a segunda, grupos mais permanentes, geralmente familiares, quase impermeáveis e
inamovíveis. Por utilizarem-se dessa linguagem, vários autores procuram explicar,
criticamente, as desigualdades cívicas históricas do processo histórico brasileiro. Exemplos
notáveis são: Os donos do poder (1976) de Raymundo Faoro; Coronelismo, enxada e voto: o
município e o regime representativo no Brasil (1975), de Victor Nunes Leal; Conciliação e
reforma no Brasil (1982), de José Honório Rodrigues e Evolução política do Brasil (1933), de
Caio Prado Júnior.
Como tendência geral, ou como uso mais comum, em razão da emergência de um
processo social e político mais intenso, como o estudado aqui, percebe-se que categorias
como “grupos de pressão” e “grupos de interesse” respondem melhor às necessidades de uma
análise mais produtiva. Numa época de rápidas mudanças de paradigmas, identificar e
entender os desdobramentos mais amplos e complexos desse processo exige a adoção de
conceitos funcionais e que permitam a apreensão de realidades e sua dinâmica. Assim,
justifica-se aqui a opção pelo estudo de “grupos”, preterindo-se o de “elites” ou “oligarquias”.
54
2. 3. 3 Grupos de pressão e grupos de interesse
Grupos de pressão, no sentido estrito, são organizações típicas dos sistemas
democráticos, o que não significa a sua inteira aceitação, anota Pasquino (1982). O autor
(PASQUINO, 1982, p. 17-18), reconhece que, nem a teoria liberal clássica, na qual a atividade
política é a soma dos interesses individuais e sua composição autônoma, nem a teoria
democrática de Rousseau, na qual a vontade geral era mais que a soma dos interesses dos
cidadãos deixa espaço aos corpos intermediários da sociedade entre cidadão e Estado. Mas
não só a ciência política tem identificado e manifestado interesse pelas organizações sociais e
políticas intermediárias entre sociedade e Estado ou entre o cidadão e o governo.
De fato, desde o início da teorização acerca dessa questão, têm-se perspectivas
mais abrangentes que apontam para a interdisciplinariedade. Assim, os sociólogos Émile
Durkheim (1978) e Max Weber (2000), entre outros, desenvolveram estudos sobre a temática.
Na sua obra Da divisão do trabalho social (1978, p. 16), Durkheim refere-se a funções em
que o Estado não pode desempenhar, devendo as mesmas ser executadas por grupos
profissionais, “[...] herdeiros das antigas corporações”. Weber, autor de várias obras sobre
política e poder, escreve em Economia e sociedade (1999) sobre a natureza e papel de
instituições como classes, partidos e estamentos, integradas no Estado moderno. Mas, se para
ambos a existência de instituições políticas ou sociais não concorrem nem contradizem ou
excluem outras estruturas formais do Estado moderno, outros defendem idéia oposta. Em
parte, essa divergência de pensamento se deve às transformações políticas do século XX.
Em alguns sistemas políticos as atividades dos grupos de pressão e o seu número
são superiores aos outros sistemas (PASQUINO, 1982). Para que esse número seja elevado, é
necessário que haja condições, como a diferenciação estrutural da sociedade, mas essa
condição ainda não explica porque os representantes profissionais e as associações voluntárias
criadas pela modernização se transformam e operam na qualidade de grupos de pressão
(PASQUINO, 1982). Numa ruptura entre estrutura e processo, o real se distancia do formal ou,
na linguagem de alguns autores, o concreto se apresenta em lugar do abstrato e do ilusório.
Bonavides resume em Ciência política (1999), um pensamento de grande parte
dos sociólogos e cientistas políticos críticos do Estado liberal com respeito às instituições
associadas a este:
55
O século XX conhece sociedades, grupos, classes e partidos como substrato da vida
política em substituição dos antigos mitos do cidadão soberano e da vontade geral,
tão usuais na abstrata teoria do Estado que nos veio da herança liberal. São mitos que
só sobrevivem na linguagem jurídica das Constituições e dos publicistas; de modo
algum encontram hoje confirmação nos fatos (BONAVIDES, 1999, p. 426).
Outro autor, Ladislau Dowbor em A reprodução social (1998, p. 216), referindo-se à
deformação da representação política liberal, afirma que:
Uma razão para esta deformação sistemática da representação política é que as
decisões se tomam de fato, senão na teoria, entre grupos minoritários de pessoas que
se conhecem. [...]. São personagens chave que articulam as decisões entre si, e o
processo representativo se tornou amplamente insuficiente.
Ao tratar sobre Brasil atual, Dowbor (1988, p. 216) identifica cinco grandes grupos que,
graças a sua organização e poder, interferem nas decisões políticas: as grandes empreiteiras;
empresas de mídia; usineiros e grupos de grandes latifundiários; os grandes bancos e por
último, as grandes montadoras de veículos. Esses grupos se estruturam informalmente como
poder político e ainda acrescentam segmentos regionalmente poderosos.
Existe, acrescenta Dowbor (1998, p. 17), um permanente desequilíbrio da
tradicional “república” e numa democracia apoiada num só pé, o partido tornou-se
insuficiente. Seguindo o mesmo raciocínio, Bonavides (1999) afirma que os efeitos da
industrialização e das medidas governamentais após a Grande Depressão de 1929 e as guerras
mundiais confirmaram o peso de organizações que adquiriram poder de influenciar decisões
que as beneficiem. Na visão marxista defendida por Dowbor (1998), o próprio capitalismo,
que gerou o fortalecimento de minorias políticas aliadas a grandes grupos econômicos, teve
que refrear o poder destes, modificando-se com medidas como o New Deal de Roosevelt e
melhoria das condições democráticas internas após a Segunda Guerra8.
Na década de 1950, após grandes mudanças ocorridas em todo o mundo, como a
aceleração da urbanização e início do consumo de massa, novos conceitos, modos de vida, e
acima de tudo transformações no mundo político, alguns estudiosos, como Maurice
Duverger, David Truman e outros, retomaram o tema da força dos grupos, levantado no início
do século XX. Segundo Pasquino (1982), a presença e o poder de grupos informais junto aos
8
As medidas do presidente Roosevelt para salvar a economia estadunidense na década de 1930, mostraram que,
mesmo numa democracia, pode haver o fortalecimento do poder executivo, em detrimento do legislativo e
judiciário. Isso inspirou defensores do autoritarismo, inclusive no Brasil.
56
governos foram detectados já na década de 1900 por Arthur Bentley (1908), Samuel H. Beer e
Lawrence Lowell (1908). Esse mesmo autor (PASQUINO, 1982, p. 9) revela que Bentley,
autor do livro The processs of Government (1908), formulou a denominada “Teoria dos
grupos”, referindo-se a “grupos de interesse” e a “grupos de pressão”, procurando romper o
predomínio das disciplinas jurídicas e parafilosóficas nos estudos políticos.
Por sua vez, Beer (apud RODRIGUES, 1982, p. 23) identificou a presença de
grupos de pressão na Inglaterra, lembrando que, já no século XVIII os membros da Câmara
dos Comuns aceitavam remuneração para favorecer interesses: “[...] jamais os seus membros
deixaram de contar em seu seio representantes que mantivessem relações dessa espécie com
pessoas ou órgãos alheios à Casa” (RODRIGUES, 1982, p. 23). Lowell, (apud RODRIGUES,
1982, p. 23) autor de The government of England (1908), registra que havia na Inglaterra um
sistema de leis privadas (private bills) que “[...] tinha o defeito de levar a uma falta de atenção
suficiente aos interesses do público”. A força de grupos informais na política foi também
identificada na França, Alemanha e sobretudo nos EUA, com grandes diferenças tanto de
abordagens como de avaliação do papel exercido por aquelas organizações.
A presença e a força política de diferentes grupos, poderosos ou não, econômicos
ou não, poderia ser identificada (BONAVIDES, 1999; DOWBOR, 1998) como um fenômeno
típico da democracia liberal representativa, quase sempre ligada à economia capitalista.
Entretanto, sua presença é assinalada também em países onde domina o partido único e a
economia foi ou permanece socialista. Conseqüentemente, tais grupos não só podem ser
diferenciados, mas também ocorrem em contextos e tempos diversos.
Agesta (1967 apud BONAVIDES, 1999, p. 427) propõe: “Os grupos de pressão
não são outra coisa senão as forças sociais, profissionais e espirituais de uma nação, enquanto
aparecem organizadas e ativas”. O conceito cabe mais aos grupos de interesse, dos quais
derivam os de pressão. A diferença entre ambos: os primeiros podem existir organizados e
ativos, mas sem exercerem pressão política. Já os segundos se definem, segundo a mesma
fonte, pelo exercício de influência sobre o poder político para obtenção eventual de medidas
de governo que favoreça seus interesses.
Para Burdeau (apud BONAVIDES, 1999 p. 427), os grupos de pressão sempre
pressionaram os governos, com a diferença que “[...] ontem eram exteriores ao poder,
clientes, e hoje são o próprio poder” ou “[...] a vontade de expressão do povo real, os grupos
não exploram o poder, mas o exercem[...]”, são “[...] poderes de fato”. No entanto, conforme
Bonavides (1999, p. 427), as formações profissionais ou de interesse só se politizaram com a
57
industrialização, isto é, com a nova sociedade industrial, quando se tornaram mais conscientes
do teor reivindicatório e da posição que tinham que assumir em presença de um Estado
confessadamente intervencionista.
Burdeau (apud BONAVIDES, 1999, p. 429) referia-se ao início do século XX,
quando a força do capital em alguns países europeus estava aparentemente dominante e sem
controle, e antes dos grandes conflitos mundiais e crises econômicas. Após essas, o Estado
moderno se transformou e novas alianças foram estabelecidas, sem que ligações anteriores
fossem inteiramente cortadas. É o que mostram os diversos processos histórico-sociais
específicos, como no caso do Brasil, onde após a segunda metade do século XIX ocorreram
mudanças estruturais de monta. Exportadores, industriais, imigrantes, religiosos e militares
estão entre os atores principais dessa transformação.
2. 4
AS MUDANÇAS NO PAPEL DO ESTADO NO SÉCULO XX:
RACIONALIDADE E PLANEJAMENTO
Para Weber (1999), o Estado, no sentido do Estado racional, somente se deu no
Ocidente e a luta entre os diversos Estados nacionais concorrentes pelo poder, foi quem criou
oportunidades para o surgimento do moderno capitalismo ocidental. Cada Estado lutava para
atrair o capital e da aliança deste com o Estado nacional originou-se a classe burguesa
nacional ou burguesia no sentido moderno da expressão (WEBER, 1999, p. 517). O sociólogo
alemão atribui à racionalização o fato de o capitalismo moderno ter florescido no Estado
nacional (WEBER, 1999, p. 521-543) e não em outros Estados, como no Oriente ou na
Antiguidade ocidental, embora essa racionalização tenha dívidas com práticas administrativas
romanas e medievais.
Já no século XIV, apareceram na Inglaterra os sinais de uma política
administrativa racional, do tipo que denominamos mercantilismo (WEBER, 1999, p. 523).
Dobb (1987, p. 87) acrescenta que foram os mercadores que muitas vezes iniciaram a luta
pela independência das cidades medievais e que é um engano conceber a época feudal como
um período em que o comércio tivesse desaparecido de todo ou que o uso do dinheiro nas
transações fosse estranho. Houve, pois, uma certa continuidade, como admite o próprio
Weber (1999, p. 518) quando afirma que a racionalidade do Estado moderno prescindiu do
direito romano, do germânico e do medieval, pois entre outras coisas, se fez necessário fazer
uso da força e legitimar essa para garantir a continuidade da instituição. Além disso, diz
58
Weber (1999, p. 525-543), fez-se necessário recrutar quadros, controlar a administração e
garantir que a economia funcionasse.
A visão weberiana do Estado é a de um corpo ou associação política que se
mantém por meio de uma dominação institucional, inclusive com o monopólio da violência
legítima (WEBER, 1999, p. 525). Sua definição sociológica de Estado moderno é a de um
organismo político que necessariamente, como as organizações que o antecederam, faz o uso
da coação física, embora saliente que isso não é o único meio de o Estado se constituir e
manter, “[...] mas é o seu meio específico” (WEBER, 1999, p. 525). Subentende-se aqui que o
poder que administra, o Executivo, tem nesse Estado uma hegemonia sobre os outros dois.
Segundo Bonavides (1999), no Estado moderno a distância entre o cidadão e o Estado se
alargou enormemente com a formação do que ele denomina “clube tecnocrático”. Este, de
acordo com o autor (BONAVIDES, 1999, p. 442), teria “[...] fechado o círculo já estreito da
intervenção democrática e levantado questões de aguda atualidade relativas à sobrevivência
da democracia, onde o povo se sente frustrado e ausente do processo decisório, feito em seu
nome, mas sem a sua real participação”.
Até a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), predominou no Ocidente o Estado
liberal representativo, cuja política econômica era a do livre mercado. Essa posição não esteve
livre de críticas, seja dos socialistas de várias tendências, marxistas ou mesmo alguns
utilitaristas extremados, como o pensador evolucionista inglês Herbert Spencer. Adepto do
individualismo extremo, Spencer escreveu em 1884 o livro O homem contra o Estado, uma
crítica aos políticos e governos que adotaram algumas medidas de apoio aos problemas
sociais de seu tempo: o fim do século XIX (SPENCER, [1884] apud DOWNS, 1969). Ao
investir contra mudanças governamentais, como o aumento de encargos sociais, que diminuía
o lucro dos empreendedores, Spencer atacava diretamente o avanço dos direitos sociais e a
mudança do papel do Estado, além de referir-se ao aumento da burocracia e dos impostos.
A maior parte da legislação social adotada pelo governo inglês, dizia Spencer,
interferia no processo natural de sobrevivência do mais apto, ajudando assim a perpetuar os
fracos e incapazes. Afirmava que se as pessoas se habituarem à idéia de que o Estado cuidará
deles, o espírito de iniciativa e de empreendimento desaparecerá. “E, naturalmente, quanto
mais exagerado se torna esse modo de pensar, e mais insistentemente e freqüentes as
exigências de intervenção [...] mais se forma nos cidadãos a idéia de que tudo deve ser feito
para eles e não por eles” (SPENCER, apud DOWNS, 1969, p. 233). Spencer se recusa a aceitar
59
o conceito de maioria, afirmando que é uma suposição dos legisladores e do povo que seu
poder seja ilimitado, pois isso seria rejeitado como incompatível com os direitos naturais e
inalienáveis do indivíduo.
A preocupação de Spencer e de outros se devia, também, às medidas corretivas
visando eliminar deficiências na economia de mercado que passaram a ser tomadas ainda no
fim do século XIX, como explica Claval (1979). Mas, foi após o conflito de 1914-1918 e as
sucessivas crises, que abalaram praticamente o mundo todo e eventos como a Revolução
Russa, que colocaram em dúvida medidas e teorias tradicionais sobre política e economia. O
estado liberal e representativo, até então não intervencionista, passou a assumir cada vez mais
seu papel de condutor da sociedade.
Outra fonte de críticas ao Estado, na mesma época de Spencer, partiu de alguns
adeptos do sociólogo Durkheim, como Léon Duguit (MERQUIOR, 1991). Duguit era como
seu mestre, um defensor do individualismo, mas afirmava o valor das associações da
sociedade civil, desqualificadas pela mística do endeusamento do Estado, principalmente o
alemão bismarkiano. Duguit (MERQUIOR, 1991) criticou inclusive Locke e Rousseau por não
reconhecerem a existência de grupos intermediários entre o indivíduo e o Estado quando do
seu nascimento, e alertava para o papel deste como provedor de serviços públicos. Para
Merquior (1991, p. 160), Duguit e seus colegas “[...] conferiram uma face legal” ao
solidarismo durkhemiano, combatendo o pensamento autoritário oriundo da concepção do
imperium da Soberania, sendo suas idéias muito valorizadas pela esquerda moderada e pelos
funcionários públicos no período entre guerras.
Apesar da profundidade filosófica dessas idéias, em primeiro plano, a história
política mundial seria marcada no século XX por idéias oriundas da crítica marxista e das
doutrinas das escolas geopolíticas. O Estado nacional tornou-se evidente, tinha conflitos não
só interiores como os ocorridos entre classes e grupos, mas também com outros estados, tendo
como pano de fundo a questão do espaço-território. No primeiro caso, o resultado mais
evidente foi a Revolução Russa de 1917, evento que resultou no surgimento da União
Soviética e, no segundo, em guerras por “espaço vital” e mesmo por prestígio nacional. Em
ambos os casos o Estado liberal representativo foi colocado em cheque, em favor de uma
centralização, alegadamente necessária.
60
2. 4. 1 O Estado, planejamento e desenvolvimento no Brasil
Pesquisadores, como Velho (1976) e Oliveira (1982), têm comprovado que,
mesmo nos períodos políticos considerados como de liberalismo, persiste uma centralização
autoritária no núcleo central do governo. Oliveira (1982, p. 11) anota que desde o Estado
Novo de Vargas até a “contra-revolução” de 1964, incluindo aí os Programa de Metas de
Juscelino, foram realizados por decretos, “[...] às espaldas do Congresso Nacional”. Para
Velho (1976), sempre houve um autoritarismo estatal, dominante, sendo o liberalismo político
apenas uma linguagem utilizada por determinados partidos e agrupamentos para camuflar
interesses que não colidiam com um autoritarismo estatal, ainda que este não apresentasse
visibilidade política. Com uma economia dependente, o Brasil colheu os resultados das
diversas transformações históricas. Assim, as razões não só da existência, mas da
permanência de um aparente paradoxo, podem ser esclarecidas, pelo menos em parte, no
breve resumo a seguir.
Na década de 1930, com a crise após a quebra da Bolsa de Nova York, a
economia de modelo liberal ou clássica, baseada em premissas como o equilíbrio estabelecido
pela livre força de mercado, parecia superada. Os fatos mostravam que mudanças radicais
eram necessárias, de natureza intervencionista, tal como preconizava o economista e pensador
político inglês John Keynes (SANDRONI, 1999, p. 323). O exemplo prático veio dos EUA
com o New Deal, uma série de medidas intervencionistas, abrangentes e centralizadoras do
poder Executivo estadunidense, que tiraram o país da terrível crise após 1933.
As idéias de Keynes, embora com receita para países industrializados, ganharam
adeptos em todo o mundo e exerceram enorme influência, mesmo em países não
desenvolvidos, como o Brasil. Economistas como Roberto Campos, Roberto Simonsen e
Celso Furtado, envolvidos em diferentes projetos nacionais, tiveram essa fonte de inspiração
comum (BIELSCHOWSKI, 1988). Muitos economistas brasileiros e estadunidenses
conviveram durante anos nas comissões técnicas durante e após a Segunda Guerra, e o próprio
governo brasileiro, no período do Estado Novo, tentou viabilizar a planificação da economia
(FURTADO, 1981, p. 161). Como assinalado por Furtado (1981, p. 161), a esse planejamento
em busca do desenvolvimento opunha-se uma corrente, liderada por Eugenio Gudin e Otávio
Gouveia de Bulhões, representantes do liberalismo econômico, e como tal, defensores de um
crescimento através das forças de mercado.
61
Jose Luis Fiori (1998, p. 77) diz que foi na década de 1930 que se formou uma
burocracia, quando se normalizaram as atividades das áreas econômicas nacionais e criaramse as primeiras instâncias político-administrativas para o exercício de coordenação e
planejamento global. Foi nesse período que: “[...] se construiu o arcabouço institucional
básico do Estado desenvolvimentista brasileiro, que viabilizou os passos seguintes na direção
de uma modernidade industrial” (FIORI 1998, p.77), E, mais adiante: “Mas foi nos anos 50
que o Estado brasileiro assumiu o ideário do desenvolvimento nacional”. (FIORI, 1998, p. 79).
Para o mesmo autor, com a liderança tecnocrático-militar que assumiu o país após 1964, o
projeto de desenvolvimento nacional capitaneado pelo Estado alcançou sua máxima
potenciação, com retórica liberalizante mas sob o signo da segurança nacional (FIORI, 1998.
p. 79). Para Fiori, a exemplo de outros autores, o Estado estava na ponta do processo, mas na
década de 1950 e parte da de 1960, conforme Mantega (1997) e outros, uma parte dinâmica
da sociedade, uma aliança de elites, detinha grande peso nas decisões e obtinha grandes
vantagens da política econômica desenvolvimentista, sem uma submissão ao Estado.
Mantega (1997, p. 133), baseado em Cardoso (1964), afirma que “[...] o
empresariado nacional apenas tolerou [...]” o desenvolvimentismo do presidente Juscelino e
nunca viu no capital estrangeiro uma ameaça às suas ações. O impulso para o
desenvolvimento, teoricamente deveria ter partido de uma burguesia, mas a luta por um
processo de mudança política e econômica nacional partiu nem dela nem da massa urbana,
mas de grupos sociais das antigas classes médias e pequena burguesia recém-formada. A
expressão desses grupos manifestou-se através do nacionalismo como uma ideologia
estatizante e desenvolvimentista, defendida por estudantes, profissionais liberais, militares,
funcionários públicos, formadores da chamada elite intelectual.
No entender de Cardoso (apud MANTEGA, 1997, p. 133), referindo-se sobre a
década de 1950 e inicio da de 1960, “[...] quem mandava mesmo no Estado, pelo que tange a
suas decisões cruciais, era a aliança entre as elites tradicionais dos grupos agrários e
financeiros e membros da burguesia industrial, muitas vezes sob a tutela de um líder
populista, como Getúlio, Juscelino ou Jânio, que, no frigir dos ovos realizavam os interesses
das elites”. Para Velho (1976, p. 161), referindo-se ao mesmo período, as coisas não se davam
inteiramente desta forma, pois permanecera o intervencionismo estatal, inclusive nas ações de
planejamento regional, já que estava presente a noção de que havia, desde décadas anteriores,
um desequilíbrio econômico em favor do centro-sul do país, causado pelo funcionamento
62
‘espontâneo’ da economia. Isso foi reconhecido não apenas na Constituição de 1946, segundo
Velho, mas na continuidade do intervencionismo estatal regional.
Tal problemática e compreensão aparecem em analistas que trataram do caso
roraimense. Exemplar, nesse sentido, é o trabalho de Barros (1995), que revela as
especificidades quanto às questões regionais e locais do território, vis-à-vis aos governos
centrais. Assim, o maior questionamento sobre a afirmação de Cardoso, talvez possa ser sobre
a construção de Brasília e de novas rodovias rumo ao centro do país que, segundo Vesentini
(1987), eram obras que contrariavam alguns setores por ele citados.
O intervencionismo do Estado no Brasil, como em outros países contemporâneos,
envolvia, também, uma questão de estratégia e iniciou-se após a Revolução de 1930, que
alijou as elites agrárias do poder nacional, processo que se acentuou com a implantação do
Estado Novo (1937-1945). A participação brasileira na Segunda Guerra, ao lado dos EUA,
propiciou a implantação de indústrias de base, como a Companhia Siderúrgica Nacional
(CSN) e a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), ambas estatais (FURTADO, 1981 p. 158159). A guerra provocou também mudanças no comércio externo, aumentando o preço do
café e a busca de produtos estratégicos, como a borracha da Amazônia. Com capital em
grande parte estadunidense, foi criado o Banco de Crédito da Borracha e montada uma
estrutura de apoio para a exploração do produto. Foi mais longe a intervenção na Amazônia,
criando-se vários órgãos administrativos e territórios federais sob administração direta do
governo central. Alterou-se, pois, a divisão federativa reinante até então.
No plano nacional o governo tentou melhorar o sistema de transporte e obter o
acesso às reservas minerais, motivo maior da vinda de técnicos estadunidenses para levantar
dados e fazer a avaliação de possibilidades econômicas. O primeiro grupo deles, junto com
funcionários nacionais, formou a Missão Cooke, em 1943. Esta recomendou ao final dos
trabalhos a implantação da industrialização como meio de aproveitar os recursos minerais
(FURTADO, 1981, p. 161). Outras comissões se seguiram, como a Abbink, e em 1948, a
Comissão Mista Brasil-EUA, além de vários estudos que formaram diagnósticos que
permitiram conhecer melhor as realidades e possibilidades econômicas e sociais do país e
firmar, segundo Furtado (1981, p. 161), a idéia de planejamento.
A redemocratização, em 1945, trouxe no seu rastro a volta do federalismo e da
descentralização, através da Constituição de 1946. Mas a idéia de planejamento, agora adstrita
ao Legislativo, permaneceu, bem como a força do Executivo e dos órgãos técnicos. Exemplo
63
dessa permanência foi a garantia formal, expressa na Constituição, de verbas destinadas ao
desenvolvimento regional do Nordeste e do Norte (BRASIL, Constituição, 1946, art.199.) O
governo que sucedeu o Estado Novo, no entanto, pouco pôde fazer com relação ao
desenvolvimento, segundo SKIDMORE, (2000a), já que sua política era de contenção e
equilíbrio do orçamento.
O segundo governo Vargas (1951-1954) criou a Petróleo Brasileiro S/A
(PETROBRÁS) e tentou a retomada do desenvolvimento, mas crises políticas abortaram
sucesso maior. O governo que o seguiu, de Café Filho (1954-1955), teve como ministro da
Fazenda o neoliberal Eugenio Gudin, avesso ao planejamento e política estatal de
desenvolvimento.(AMES, 1986)
No entanto, os estudos sobre a realidade econômica
brasileira e suas possibilidades continuaram, seguindo diversas correntes de pensamento,
desde a neoliberal até a socialista, agrupados em torno de instituições como a Fundação
Getúlio Vargas (FGV), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) o Instituto
Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), o Clube dos Economistas, a Comissão Econômica
para a América Latina (CEPAL) e Universidades de São Paulo e do Rio de Janeiro. Algumas
dessas instituições tiveram oportunidade de colocar suas idéias à prova nos governos que se
seguiram, enquanto um grupo em especial, composto pela Escola Superior de Guerra, graças à
sua derrota em tentativa de golpe para evitar a posse do presidente eleito Juscelino Kubitschek
em 1955 (CASTELLO BRANCO, 1977, p. 8), só teriam sua vez de 1964 em diante.
Entre os estudos referidos, merece destaque os da CEPAL, patrocinada pela
Organização das Nações Unidas (ONU) e que se tornou matriz de um novo pensamento para
o desenvolvimento continental. Seus técnicos, economistas e sociólogos desenvolveram
teorias que seriam aplicadas nos planos de desenvolvimento de vários países na década de
1950, como o Plano de Metas do governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961). O Plano de
Juscelino, não inteiramente cepalino, promoveu intensamente os transportes e a
industrialização, marcando uma política que ficou conhecida como “desenvolvimentismo”,
sendo baseada em levantamento de pontos de estrangulamento (BIELSCHOWSKI,1988;
MANTEGA, 1997). Conforme Lafer (1975b), foi a primeira experiência de planejamento
governamental efetivamente colocada em prática no Brasil, um marco na evolução da história
do planejamento.
A época de Juscelino é a que melhor representa o período também conhecido
como o da pluralidade partidária, interposto entre a redemocratização e o golpe militar de
64
1964 (AMES, 1986). O desenvolvimento provocado pelo Plano de Metas deu-se num contexto
de conciliação política entre as elites e permitiu uma ampliação e a participação de setores
sociais até então marginalizados (LAFER, 1975b). Isto foi possível, afirma ainda este autor,
pelo rápido surto de industrialização e conseqüente urbanização, o que formou uma massa de
assalariados, a qual viu-se, depois, prejudicada pela enorme inflação que adveio.
Outro resultado foi o esgotamento do denominado “modelo de substituição de
importações”, defendido pelos cepalinos e estruturalistas, segundo Lafer (1975b). A política
de Juscelino permitiu a sustentação de um desenvolvimento do Brasil-Sudeste sem a
desagregação do Brasil subdesenvolvido, havendo a coexistência de duas culturas políticas,
sem exclusão (LAFER, 1975a, p. 65). Seguiu-se o Plano Plurianual de Desenvolvimento, do
governo João Goulart (1961-1964), elaborado pelo estruturalista Celso Furtado e equipe, mas
crises financeiras e políticas inviabilizaram sua implantação. Em 1964, uma aliança de
militares, empresários e grandes proprietários rurais derrubou o governo Goulart. No entender
de alguns autores (LAFER, 1975a; MANTEGA, 1997; SKIDMORE, 2000a), começava um
novo tempo na política brasileira.
2.4. 2 1964: a aliança de tecnocracia e militares
Os militares são considerados um dos grupos sociais mais homogêneos pela sua
organização e seu modo de recrutamento (MARQUÉS et al., 1981, p. 40). Entretanto, sua
atuação é polivalente em relação a atuação política, conforme mostra a diversidade de papéis
em várias partes do mundo, sendo que nos países capitalistas avançados e com instituições
democráticas liberais, existe um exército estritamente profissional e subordinado às
autoridades políticas (MARQUÉS et al., 1981, p. 40). Na América Latina seu papel foi muito
diferente disso, principalmente após a Grande Depressão de 1929, conforme explica
Hobsbawm (2000, p. 109-110). A situação de caos quase geral de 1930 em diante, deu a
impressão que o velho liberalismo estava morto, ou parecia condenado (HOBSBAWM, 2000,
p. 111) e, países como a Argentina, o Chile e o Peru experimentaram ditaduras militares de
esquerda ou de direita. Para Hobsbawm (2000, p.110), foi diferente no Brasil, onde “A
Depressão acabou com a oligárquica ‘Republica Velha’ e levou ao poder Getúlio Vargas”.
Passado o período já referido entre a queda de Vargas em 1945 e 1964, os militares brasileiros
assumem o poder no Brasil.
65
A partir de 1964 o congresso nacional deixou de ter o papel relevante, embora não
dominante, do período posterior a 1945, em favor de um Executivo forte e centralizado e o
voto grandemente desvalorizado (LAFER, 1975a). E, dentro da busca de uma racionalidade
das decisões e da eficiência, o regime militar fez uso da tecnocracia para implantar seu projeto
para o Brasil. De início (LAFER, 1975a) buscou-se a reconstrução econômica e financeira, o
controle da inflação e após, um esforço rumo à modernização e racionalização da economia.
Com o primeiro presidente do período militar, Humberto de Alencar Castelo
Branco (1964-1967), são tomadas medidas saneadoras da economia segundo o modelo
clássico, perseguindo o debelamento da inflação. O desenvolvimento econômico, no entanto,
não foi esquecido, vindo a constituir um dos itens do Programa de Ação Econômica do
Governo (PAEG) para o biênio 1965-1966 (FURTADO, 1981). Uma série de medidas, como a
instituição do Código Tributário Nacional, com extinção e criação de impostos estaduais,
provocou maior interferência na autonomia dos Estados da Federação. Para Furtado (1981),
estes tiveram cada vez mais restringidas as suas prerrogativas, pois, como no Estado Novo,
impuseram-se a centralização e a criação de órgãos técnicos de abrangência nacional regional.
Atenção especial foi dada ao desenvolvimento da Amazônia (FURTADO, 1981),
sendo criados o Fundo para Investimentos Privados no Desenvolvimento da Amazônia
(FIDAM), a Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e o Banco da
Amazônia S/A (BASA) (BRITO, 2001, p. 151). Fez ainda parte do elenco de medidas a criação
da Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA) (BRITO, 2001, p. 151). A
Amazônia, em razão dos resultados dessas medidas e outras que se seguiram nos governos
posteriores, sofreria impactos e transformar-se-ia integralmente, nos aspectos físicoambiental, social e político.
Mas, se na Amazônia as decisões visando sua transformação econômica poderiam
ser bem-vindas pelas lideranças locais e regionais, não se dava o mesmo com relação aos
Estados economicamente mais fortes, como São Paulo e Minas Gerais. Ao dar exemplo de
força, o governo federal não tomou conhecimento da reação de alguns governadores ao
Estatuto da Terra em 1964 (JOFFILY, 1998, p. 183). No ano seguinte, diz a mesma fonte,
deu-se a extinção de todos os partidos políticos, via Ato Institucional, em razão da derrota
eleitoral de suas forças de apoio, com poucos protestos, já que os opositores estavam cassados
em seus direitos políticos ou na defensiva. O regime se fechava, mas de acordo com Skidmore
(2000a), seu chefe era tido como alinhado com a ala mais moderada dos militares, conhecida
66
(STEPAN, 1971) como da Sorbonne, isto é, da Escola Superior de Guerra (ESG). Seu
sucessor, diferentemente, fazia parte da “linha dura” do Exército, defensora intransigente,
segundo Gall (1977), da ordem e do desenvolvimento sob a hégide do Estado.
O governo Costa e Silva (1967-1969) elaborou o PAEG, mas este, como outras
medidas oficiais, estava mais voltado para questões econômicas de âmbito nacional, onde
houve sucesso de acordo com a proposta. A renda foi concentrada, elevou o padrão de
consumo de muitos e deu-se início ao que seria conhecido como o “milagre brasileiro”, mas
havia uma outra preocupação crucial dos militares além da busca do desenvolvimento: a
segurança. Esta bateu de frente, em 1968, com grandes passeatas estudantis e protestos que
tomavam as ruas, tal como em Paris ou nas grandes cidades estadunidenses. O governo
respondeu com um outro Ato Institucional e medidas repressoras (LAFER, 1975a), enquanto
eram mantidos os rumos da política econômica, nas mãos do ministro Antonio Delfim Neto.
Com a doença do presidente, em 1969, assumiu uma junta de três ministros
militares que aprovaram um Programa de Metas e Base de Ação do Governo para o período
1970/1971, segundo o qual o Brasil deveria estar desenvolvido ate o final do século XX. Uma
ênfase especial foi dada ao desenvolvimento e à integração regional, principalmente do
Nordeste com a Amazônia e o Planalto Central (FURTADO, 1981, p. 182-183). Entre 1969 e
1970, provavelmente em razão de crises políticas nos países vizinhos na fronteira do Norte,
principalmente a então Guiana Inglesa, uma nova legislação foi elaborada para os territórios
federais, estabilizando suas administrações e investimentos e obras estratégicas como pontes e
estradas e algum incentivo à migração e colonização.
O grande símbolo da política de desenvolvimento, através do PIN, era a rodovia
Transamazônica. Na sua construção foram utilizados fundos antes destinados ao Nordeste
(SKIDMORE, 2000b), havendo protestos de lideranças regionais. Outra rodovia de integração,
a Perimetral Norte, como a primeira, também inacabada, é hoje apenas um eixo de
colonização no sudeste do atual estado de Roraima, conectada a uma outra mais recente,
aberta no governo Geisel, a Manaus - Boa Vista (BR 174), concluída em 1977.
Exemplo maior da racionalidade burocrática instituída a partir de 1964, são os
Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND). O I PND (1972-1974) foi elaborado numa
época em que havia grande progresso nos países ricos e, assim, capital externo disponível
para investimentos (BECKER, EGLER, 1994; JOFFILY, 1998, p. 195). No governo de Ernesto
Geisel (1974-1979) foi elaborado o II PND, que procurava dar ao Brasil o status de “potência
67
emergente” e visou a uma maior expansão do mercado interno, substituir importados e a
tornar o Brasil um exportador de bens primários em larga escala, como os minérios. Para
Furtado (1981, p.191), o II PND, mais diretamente que os planos anteriores, resultou em
medidas mais concretas para atenuar as disparidades regionais, redividindo a Amazônia, o
Nordeste e o Centro-Oeste atribuindo a cada uma um programa específico, como o Programa
de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia (POLAMAZÔNIA).
Becker, Egler (1994, p. 139-140), baseando-se em Lessa (1979), acrescentam:
O II PND foi o mais importante e concentrado esforço do Estado desde o Plano de
Metas para promover mudanças estruturais, justamente quando a economia mundial
entrava em sua mais severa recessão desde os anos 30. O projeto da potência
nacional estava explícito no Plano. A estratégia para alcançá-lo, inspirada no modelo
japonês, teve como núcleos centrais: o fortalecimento das firmas nacionais, a
industrialização comandada pela produção de bens de capital, a crescente autonomia
tecnológica, o apoio aos conglomerados financeiros, e a mudança nas relações
externas para ampliar o grau de independência econômica nacional, tirando
vantagens das condições da crise internacional.
A crise aludida aqui é resultante do primeiro choque do petróleo (1973) e das dificuldades
norte-americanas advindas da guerra do Vietnam. O governo Geisel nesse tempo rompeu o
famoso Acordo Militar com os EUA e iniciou uma política externa mais independente, com
uma aproximação comercial mais intensa com a Alemanha Federal e com o Japão. Com a
primeira foi assinado um acordo para construir no Brasil usinas atômicas e, com o segundo,
obteve-se recursos para grandes projetos de mineração, como o Carajás.
O II PND e o POLAMAZÔNIA causaram enorme efeito estruturante na
Amazônia, com a abertura de rodovias, como as BR 174 e Perimetral Norte, e a implantação
de projetos de mineração e a hidrelétrica de Tucuruí. Seus efeitos foram visíveis no então
território de Roraima, cuja população teve aumento expressivo entre 1970-1980. Após 1979
(BECKER, 1995), com o segundo choque do petróleo e a crise da dívida que se alastrou desde
os EUA e promoveu a alta dos juros das dívidas do Terceiro Mundo, houve o refluxo
No início da década de 1980, as crises e a inflação resultante afastaram a classe
média do governo, que teve que fazer concessões, promover a abertura política e valorizar as
elites políticas do Norte e Nordeste, mais fiéis e dependentes. Um III PND, de acordo com
Brum (1993, p. 225-227), refletiu as dificuldades do período e teve muita retórica e pouca
objetividade e resultados. A política de Estado intervencionista, de inspiração keynesiana,
esgotou-se, dando lugar ao neoliberalismo anti-estatista na década seguinte. O governo que se
68
seguiu, o de João Batista Figueiredo (1979-1985), marcou o fim do regime militar com
aumento da resistência da sociedade civil, que exigiu eleições diretas e o fim do autoritarismo.
Tal fim se dá em 1985, com a eleição de candidato da oposição à presidência e
eleições diretas para governadores. Foi o início da “Nova Republica”, com dois anunciados
compromissos que identificam desejos e necessidades da sociedade civil: a “[...] remoção do
entulho autoritário [...]” e resolução de problemas da economia como a inflação (JOFFILY,
1998, p. 243). Em 1988 foi aprovada uma Constituição que não só devolveu a autonomia aos
estados, como criou três novos: Amapá, Tocantins e Roraima. (BRASIL. Constituição, 1988,
art.14, do Ato das Disposições Transitórias). Começava desse modo, um novo tempo para o
Brasil e para a Amazônia, marcado logo após pelo fim da “guerra fria” e, principalmente
(ALTVATER, 1995), pela “nova ordem mundial”, ditada pelos EUA, a qual se impôs desde o
início da década de 1990.
2. 4. 3 1985-2000: o fim do autoritarismo e o fortalecimento dos grupos regionais
Mesmo com o fim do autoritarismo, as estruturas burocráticas e órgãos técnicos
nacionais e regionais, bem como todo o mecanismo de incentivos fiscais e de crédito
permaneceu e até em alguns casos foram ampliados. A estrutura militar nas fronteiras não se
alterou e buscou-se mesmo seu fortalecimento, como exemplifica a instituição do Projeto
Calha Norte (PCN) (BRASIL, PROJETO..., 1985). No entanto, com a descentralização
garantida pela nova Carta Magna, grupos, oligarquias ou elites, os detentores do poder
político local e regional, têm sua força aumentada e, farão uso de seus privilégios antes
contidos pela centralização (BUNKER, 1985; COSTA, 1992; FERNANDES, 1999). Do mesmo
modo, os governos estaduais, principalmente os dos novos estados da Amazônia, assumirão o
discurso do desenvolvimento, direcionando recursos para a infraestrutura de energia e
transportes e incentivo a grupos empreendedores.
Questões cruciais como a da posse e propriedade da terra, não são resolvidas,
apesar das promessas oficiais contidas no Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) e da
criação de uma estrutura burocrática tão grande quanto ineficiente. Ante a fraqueza e
indecisão de um governo que lutava para manter sua legitimidade, diversos grupos de pressão,
como a União Democrática Ruralista (UDR) e outros, organizam-se em defesa de seus
69
interesses. Nessa perspectiva, eles entram em choque com comunidades indígenas, lideranças
camponesas e religiosas e instituições ligadas à ecologia.
A Constituição de 1988 teve um papel estruturante no novo mapa do poder
regional e local, pois entre outras medidas, garantiu o repasse de recursos aos estados e
municípios, sendo que “A triplicação da fatia municipal nos gastos públicos levou à criação
de mais de mil novos municípios para receber transferências” (GALL, RICUPERO, 1997, [n.
p.]). Ocorreu também que: “Os poderes judiciários e legislativos dos governos federal e
estaduais concederam-se generosos aumentos de salários e aposentadorias”. A mesma fonte
(GALL, RICUPERO, 1997) informa que a folha de pagamentos do governo federal diminuiu
muito desde 1985, enquanto estados e municípios “contratavam agressivamente”.
A descentralização, característica do Estado federal representativo proporciona
entre outras coisas a multiplicação dos centros de poder, a ponto de alguns estudiosos
perguntarem se não há o risco de se criar uma ilusão de democracia enquanto na realidade terse-ia em vez de federação uma “aliança de oligarquias” (DALLARI, 1986, p. 72-76). Ao
afirmar que em grande número de estados brasileiros é mais evidente que grupos oligárquicos
e outros dominem, enquanto promovem o respeito às formalidades características de uma
democracia Dallari, (1986, p. 73) salienta que nesses estados:
Existem famílias ou grupos de famílias que exercem férrea dominação política,
econômica e social. Nesses Estados-membros, são cumpridas as formalidades
democráticas, realizam-se eleições com sufrágio universal e voto secreto, mas tudo
se passa debaixo da vigilância e do controle firme dos oligarcas, de tal modo que as
manifestações oposicionistas atingem apenas aspectos exteriores e não afetam o
poder de comando.
Para que haja o domínio de famílias ou grupo de famílias que formam uma oligarquia, é
necessário decorrer um certo tempo, com certeza não inferior a uma geração. As
transformações ocorridas no período 1964-1985, apenas duas décadas, foram tão intensas a
abrangentes que permitiram a ascensão de diversos grupos emergentes, principalmente
regionais e locais, que, no entanto, não poderiam ser identificados como oligarquias. Há que
se considerar, também, o fato que a redemocratização realinhou forças antigas e novas, por
vezes de maneira muito fluida e temporária, tornando difícil a classificação em grupo desse ou
daquele tipo. De todo modo, são perfeitamente identificáveis os grupos de interesse e de
pressão mais atuantes em novos espaços de poder, como nos estados criados em 1988.
70
O estado de Roraima é um exemplo da inexistência de oligarquias e forte presença
de grupos mais recentes. As famílias tradicionais, ligadas principalmente à pecuária, jamais
exerceram um poder total, sendo no século XIX e metade do XX desafiadas pelos
comerciantes de Manaus. Em 1943 (FREITAS, 1997; OLIVEIRA, 1991), com a criação do
território do Rio Branco, foi nomeado um governador militar, seguido por políticos
designados por influencia de uma oligarquia do Maranhão.
De 1964 em diante, a Aeronáutica designou diversos governadores e montou uma
burocracia que passou a dominar todos os campos, com exceção do comércio, em mãos de
negociantes do Ceará. A primeira eleição no estado, em 1990, é um retrato dos grupos que
estavam no comando ou em gestação: o governador e o vice-governador eleitos eram militares
da reserva, oriundos ambos de Pernambuco; os três senadores eram igualmente de outros
estados, bem como todos os oito deputados federais e um terço dos estaduais. Um senador
eleito era ex-governador e militar; outro era médico, a terceira, a esposa do governador, vinda
do Ceará (OLIVEIRA, 1991). Um dos candidatos derrotados ao Senado era de São Paulo e
outro de Alagoas, enquanto o único representante da terra ficou em sexto lugar (SILVA JR.,
1994). O candidato derrotado ao governo do estado era ex-governador, pernambucano, antigo
presidente da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), sendo que sua esposa foi eleita para a
Câmara Federal (OLIVEIRA, 1991). Posteriormente ele seria senador e ela seria eleita prefeita
da capital, Boa Vista, em duas ocasiões.
Chama a atenção a origem profissional dos políticos eleitos em 1990, o que se
repetiria nas eleições legislativas posteriores. Os pecuaristas sempre elegem alguns
candidatos, mas a maioria é formada por técnicos que pertenceram ou pertencem a quadros
burocráticos militares e civis, havendo sempre representantes, formais ou não, das Federações
da Agricultura e do Comércio, do Sindicato de Garimpeiros ou de Madeireiros. Atualmente,
outros grupos organizados, como os indígenas, estão elegendo representantes no legislativo e
até em algumas prefeituras municipais. Não se verifica, no entanto, a existência de
“oligarquias”, bem como “elites”, conforme a literatura política já comentada.
71
2. 5 O ESTADO E A GEOPOLÍTICA
É inegável o peso do pensamento da geopolítica na política nacional brasileira,
principalmente no período do Estado Novo e entre 1964-1974, já no regime militar. Seu
papel tem sido evidenciado por autores como Becker (1990; 1995), Becker, Egler (1994),
Gall (1977), Santos (1996), Schwartzman (1982), Skidmore (1978), Stepan (1971), Vesentini
(1987) e Visentini (1995). Historicamente, os estudos de geopolítica e sua aplicação
ganharam espaço após os trabalhos do geógrafo alemão Friederich Ratzel (1844-1904), sobre
a relação Estado-espaço. A expressão, no entanto, é atribuída como criada pelo sueco Rudolf
Kjellén (1846-1922). A partir dos escritos desses dois pensadores e em razão principalmente
das divisões e rivalidades políticas entre as grandes potências, não resolvidas com a Primeira
Guerra, surgiram verdadeiras “escolas” de geopolítica, absorvendo doutrinas políticas
anteriores ou estabelecendo projetos para planos nacionalistas de dominação ou de defesa.
Assim, nomes como Alfred T. Mahan (1840-1914), Halford Mackinder (18611947), e Karl Haushofer (1869-1946) tornaram-se mundialmente conhecidos. Mais
recentemente, após a Segunda Guerra, com a Guerra Fria, a cena é dominada pelas idéias de
Nicholas Spykman (1893-1943), de Henry Kissinger e Zbigniew Brzezinski. Os três últimos,
principalmente Spykman, influenciaram as diversas correntes e ações geopolíticas na América
Latina, principalmente no Brasil, na Argentina, no Chile e no México.
No Brasil, os precursores da geopolítica, atuantes desde os anos de 1920 e 1930,
foram Everardo Backheuser, Cassiano Ricardo e Mário Travassos (Mattos, 1977). Mas o
pensamento geopolítico brasileiro amadureceria com a Escola Superior de Guerra, fundada
em 1949, e seu nome se confundiria com o seu teórico mais conhecido: o general Golbery do
Couto e Silva. No Chile, Augusto Pinochet Ugarte, que chegou à presidência do país em
1973, destaca-se com trabalhos sobre a matéria. Na Argentina, foram os militares da Marinha
que desenvolveram um pensamento e uma estratégia geopolítica, valorizando as vantagens de
seu país deter o controle da bacia do Prata e a ligação ao sul do Atlântico com o Pacífico.
Diferentemente dos pensadores europeus, que tinham preocupação com suas
fronteiras e alianças e dos estadunidenses, que pensavam em termos de como conseguir e
manter uma hegemonia mundial, na América Latina predominava a preocupação com três
pólos geopolíticos: as bacias do Orinoco, do Prata, e da Amazônia. Tratava-se, na prática, de
um antigo problema que vinha dos tempos coloniais e que marcaria praticamente todos os
72
conflitos de natureza geopolítica no continente, principalmente entre Brasil e Argentina
(BANDEIRA, 1995; CASTRO, 1992). O mesmo envolvia, como resultado da evolução
tecnológica e do processo político, assuntos que abordavam a temática da abertura de
comunicações terrestres com o Pacífico e o Caribe.
O pensamento geopolítico tem como pressupostos, de acordo com Becker (1995,
p. 271-272): “[...] o Estado como a única unidade política do sistema internacional, e o
território como fundamento do poder nacional na medida em que permite o desenvolvimento
autárquico necessário ao exercício do poder mundial”. Becker (1995) indica ainda, que a
origem da prática estratégica do poder remonta a Heródoto (446 A. C.) e está ligada de
maneira indissolúvel à Geografia e, que na geopolítica, é ao espaço que se atribui o poder,
particularmente ao meio físico. Em suma, a geopolítica é determinista atribuindo valor
estratégico a algumas áreas do globo. Isto remete a um pequeno resumo de cada teoria
clássica.
Segundo Tosta (1984, p. 14-16), Kjellén percebeu que o Estado era reconhecido
apenas “por dentro dele mesmo” e que poderia ser examinado, com maior proveito, “de fora”,
em atuação recíproca com os demais Estados. A partir daí, o autor desenvolveu sua teoria
orgânica do Estado, na qual este, para crescer, necessita expandir seu espaço. Para Mafra e
Abreu (1977), Kjellén adotou aqui uma concepção de Ratzel, concebendo o Estado como um
ser biológico e, ampliando o conceito do organismo vivo, introduziu a idéia de nacionalismo,
que daria ao mesmo uma característica diferencial. Para Becker (1995, p. 277), Kjellén, ao
considerar o Estado como uma forma de vida que para crescer tem que se expandir, levou ao
auge o determinismo geográfico e a legitimação da prática estratégica do poder do Estado.
Este Estado orgânico, cuja gestação, nascimento, infância, juventude, senectude e
desaparecimento tem na sua fronteira (MATTOS, 1975, p. 4), “[...] o limite periférico do
organismo estatal”, isto é, sua pele.
De acordo com Mafra e Abreu (1977, p. 55), no fim do século XIX, vivia-se a
fase áurea da política mundial de ‘equilíbrio do poder’, ou da “paz britânica”, quando a
Inglaterra dominava os mares e as grandes potências não guerreavam entre si. O equilíbrio foi
rompido com o crescimento alemão, estadunidense e japonês, enquanto os antigos impérios
coloniais decaíam. Kjellén, contemporâneo da Primeira Guerra, de acordo com os mesmos
autores, teria previsto um possível crescimento futuro do poder terrestre alemão, sucedendo
possivelmente a Inglaterra como a maior potência mundial.
73
Mackinder, geógrafo e professor de Oxford, autor de O pivô geográfico da
história (1904), adquiriu notoriedade mundial, incluindo o conceito de “Heartland”. Este,
situado na região central da Eurásia, seria o centro geopolítico do mundo, a “Ilha Mundo”
(CASTRO, 1980). Para Mackinder (BECKER, 1995, p. 278-279), diferente do que
apresentavam os mapas tradicionais, o mundo estaria dividido em duas unidades: a Ilha
Mundial e o crescente externo ou insular. A primeira seria constituída pelo “Heartland”,
equivalente ao continente eurasiano e às regiões costeiras ou crescente marginal interno. A
segunda compreenderia o crescente externo ou insular, abrangendo as áreas marítimas da
América, África ao sul do deserto do Sahara, a Austrália, a Grã-bretanha e Japão. No Mapa 1,
a seguir, tem-se a concepção de Mackinder espacializada.
Mapa 1 - O mundo de Mackinder, em 1904.
Fonte: Becker, 1995, p. 278.
Ainda conforme esse autor, quem dominasse o “Heartland”, com seus vastos
recursos (CASTRO, 1980, p. 119), poderia construir frotas e o império do mundo se acharia
em sua mira. Para Becker (1995, p. 279), a importância do “Heartland” poderia ser resumida
na sua célebre frase: “Quem dominar o leste da Europa domina o Heartland, quem dominar o
Heartland dominará a Ilha Mundial e quem dominar a Ilha Mundial dominará o mundo”.
Todavia, para Castro (1980, p. 119), Mackinder, sendo inglês, manifestava o receio de uma
aliança da Alemanha com a Rússia, mas era possível deter esse imenso poder, “[...] caso
74
venha a China a ser organizada pelo Japão para derrotar o império russo e conquistar seu
território”. Isto poderia “[...] se constituir [...] num perigo amarelo para a liberdade do mundo,
porque justamente com isso, estaria subtraída uma frente marítima aos recursos do grande
continente”. Sua influência no pensamento geopolítico foi marcante e, embora atualmente
(BECKER, 1995, p. 279) se considere que errou ao não perceber o poderio estadunidense na
sua distribuição espacial, suas teses pesaram para que após a Primeira Guerra se separasse a
Alemanha da Rússia por um “cordão sanitário” de Estados diversos.
Pouco antes de Mackinder, de acordo com Becker (1995, p. 280), houve quem
reconhecesse as desvantagens da continentalidade. O almirante estadunidense Mahan,
conhecedor da história do império britânico, foi o inspirador da grandeza marítima dos EUA
ao defender a idéia da necessidade de seu país ser dotado de uma forte armada nacional
ocupando o Atlântico e o Pacífico, e adquirir bases de apoio no mundo todo. Segundo Tosta
(1984, p. 39), Mahan observa que a expansão política, econômica e cultural se constitui no
principal fundamento da grandeza nacional e que um governo, para apoiar um programa de
expansão de uma nação, deve ter acesso à riqueza acumulada. Este acúmulo depende de um
comércio exterior intenso e crescente, que só pode ser mantido por uma grande marinha
mercante.
Mais próximo de Mackinder, Haushofer, militar alemão, também se tornaria
célebre, por sua defesa do “espaço vital” para o Estado (TOSTA, 1984) e, como formulador da
teoria do poder terrestre, influenciado por Kjellén, pelo poder marítimo inglês e por
Mackinder. O geopolítico alemão (BECKER, 1995, p. 279) idealizou ainda as denominadas
Pan-regiões, cuja complementaridade de recursos garantiria sua autarquia. Graças ao uso de
algumas de suas concepções pelo nazismo expansionista (TOSTA, 1984), seu nome ficou
associado a esse, tanto ou até mais que a teoria do espaço vital de Kjellén (CASTRO, 1980, p.
119). O mesmo ocorreu com a expressão “geopolítica”, tornada conhecida graças à
divulgação intensa das atividades do Instituto de Geopolítica de Munique, presidido por ele e
freqüentado até por governantes alemães de sua época.
Após a Segunda Guerra, o continente europeu perdeu seu papel de supremacia
mundial, ficando preso a dois sistemas de poder por um “cinturão do diabo”, na concepção de
Haushofer (CASTRO, 1980, p. 122). De acordo com a mesma autora, Haushofer considerava
esse como constituído por Estados que não passariam de peões num jogo de xadrez,
comandados por duas das maiores potências vencedoras. Em 1945, foi inaugurado o tempo da
75
hegemonia bipolar, dos EUA e União Soviética, que se impôs por mais de quatro décadas.
Entretanto, antes mesmo do término do conflito, em 1944, uma nova teoria geopolítica era
exposta e serviria de base a muitos outros estudos e ações governamentais: a de Nicholas
Spykman.
A geopolítica de Spykman, conforme Castro (1980, p. 122), é acima de tudo um
estudo demonstrativo de que os EUA poderiam ter um papel na história semelhante ao da
Inglaterra em tempos anteriores: o de dominância global. Spykman, professor de Ciência
Política de Yale, era, segundo Mello (1999, p. 93-133), alinhado com o pensamento político
estadunidense “realista”. Isto significa que não comungava com os defensores da teoria do
“esplêndido isolamento” anteriormente defendido e aplicado pelo presidente Wilson,
atualizado por “idealismo” no período entre guerras. Ainda de acordo com Mello (1999, p.
94), o avanço do nazismo e do militarismo japonês colocou em lados opostos os
“isolacionistas” e os “intervencionistas”, num debate que “[...] modelou fortemente o perfil
intelectual de Spykman”. Assim, diz o autor, ele se tornou adepto do realismo em relações
internacionais e do intervencionismo em política externa americana.
Ao escrever suas principais idéias em tempo de guerra, o realismo de Spykman o
leva a ver o sistema internacional de uma forma que se assemelha à visão hobesiana do
“estado de natureza”, matizado como potencialmente belicoso e anárquico. Para Mello (1999,
p. 96), além de realista, o geopolítico estadunidense é também um realista maquiavélico, pois
as relações entre Estados soberanos se pautam numa relação de poder, que visa em última
instância à segurança e à autopreservação destes. Estas compreenderiam a manutenção de sua
integridade territorial e a preservação da independência política. Em sua obra mais conhecida,
EUA frente al mundo (1944), escreveu, de acordo com Mello (1999, p. 96-97):
Na sociedade internacional são permitidas todas as formas de coerção, inclusive as
guerras de destruição. Isso significa que a luta pelo poder se identifica com a luta
pela sobrevivência; assim sendo a melhoria das posições relativas de poder
converte-se no desígnio primordial da política interior e exterior dos Estados. Tudo
o mais é secundário porque, em última instância, somente o poder permite realizar
os objetivos da política exterior. Poder significa sobrevivência, aptidão para impor a
própria vontade aos demais, capacidade de arrancar concessões dos mais débeis.
Quando a última forma de conflito, é a guerra, a luta pelo poder se converte em
rivalidade pelo poderio militar, em preparação para a guerra.
76
Em termos espaciais, o realismo do pensador não revelava menos agressividade. Os EUA
deveriam conter qualquer agressão ao seu poderio não dentro de seu território, mas numa
linha de defesa do outro lado dos oceanos Atlântico e Pacífico.
Ao aproveitar parte do raciocínio de Mackinder, como a unicidade da superfície
dos mares (Mello, 1999, p. 99), e ao levar em conta fatores novos, como os avanços
tecnológicos utilizados na guerra de então, como a aviação de longo alcance, Spykman
concebeu o fim do “esplêndido isolamento” dos EUA, mais comumente referidos como
América (sic). Ele identificou mudanças na geografia mundial com a abertura dos canais de
Suez e do Panamá e, admitiu a partir daí, a existência de cinco massas terrestres ou grandes
ilhas continentais. Estas seriam: a América do Norte, a Eurásia no Hemisfério Norte e, a
América do Sul, a África e a Austrália no Hemisfério Sul.
Assim, a “Grande Ilha” de Mackinder foi substituída por duas ilhas continentais,
uma em cada hemisfério. Mello (1999, p. 100-101) esclarece que, diferente dos geopolíticos e
geógrafos de então, Spykman utiliza uma projeção polar em seu mapa, apresentando o mundo
a partir de uma visão centrada no Ártico. Nessa projeção, ele mostra as posições geográficas
de sua teoria conhecida como do “Rimland”, ou “região das fímbrias” (TOSTA, 1984), em
oposição à do “Heartland” de Mackinder. As Fimbrias, como identifica Becker (1995), são as
terras peninsulares da Eurásia, onde se concentram a população, os recursos e as linhas
marítimas. Dos três centros de estrutura e distribuição de poder identificados pelo geógrafo e
geopolítico estadunidense – região atlântica da América do Norte, região atlântica da Europa
e a região costeira do Extremo Oriente, dois estariam no “Rimland”.
De acordo com Becker (1995, p. 280-281), Spykman forneceu, com sua teoria
destinada a conter a Alemanha e o Japão, os subsídios para a política estadunidense de
contenção da União Soviética na Guerra Fria. Tosta (1984) afirma que Spykman temia uma
Europa unida, capaz de alterar a importância americana como potência atlântica, e defendia a
idéia de estabelecer ali um poder equilibrado, não um poder integrado. Outra preocupação era
uma China moderna, capaz de ameaçar o Japão e as potências pró-ocidentais da região. No
Mapa 2, que segue, tem-se a localização da Heartland de Spykman.
77
Mapa 2 - A política de contenção americana, baseada em Spykman.
Fonte: Abreu, Mafra, 1977, p. 67.
Mapa 2 - A política de contenção americana, baseada em Spykman.
Fonte: Abreu, Mafra, 1977, p. 67.
Quanto ao Hemisfério ocidental, onde se localiza o Brasil, Spykman, ainda de
acordo com Tosta (1984, p. 80), afirma que os EUA poderiam exercer efetiva pressão sobre a
parte setentrional da América do Sul. Por sua vez, Gall (1978, p. 101) registra um pensamento
de Spykman, às vésperas da Segunda Guerra, em que o estrategista afirma que, apesar de o
Brasil ser maior que os EUA, não tem como ser uma potência militar. De acordo com seu
entendimento, isto se explica pelo fato do território brasileiro ser composto, na sua maior
parte, por florestas tropicais e por ter uma faixa costeira muito estreita, onde se concentra sua
vida econômica, e há, também, falta de recursos energéticos e produtividade econômica.
No pós-guerra, denominou-se “Política de contenção” ao conjunto de esforços dos
EUA para deter avanços que ameaçavam, por parte da União Soviética e seus aliados, os
valores do “Ocidente Cristão”. Neste contexto, surge o apoio às ditaduras latino-americanas,
na maioria marcadamente anticomunistas, e o desenvolvimento de um pensamento
geopolítico baseado em premissas como a necessidade de fortalecer o Estado Nacional contra
“antagonismos” internos e externos. No afã de emular esses valores, o autoritarismo se
encontra com a idéia da necessidade de desenvolvimento, continuando, na verdade, algo já
presente pelo menos na década de 1930.
78
3 O ESTADO NACIONAL BRASILEIRO E A AMAZÔNIA
O controle territorial é uma ação imperial, existente já no estado tradicional, que
antecedeu o absolutista da Idade Moderna, segundo Claval (1979, p. 107). Indo mais além,
Schwartzman (1982, p. 26), afirma que “[...] as nações são entidades de base territorial e por
isso os processos políticos devem ser entendidos em termos de sua distribuição espacial”. Em
termos de Brasil, essa espacialidade poderia ser compreendida como dividida entre litoral e
interior, cabendo um lugar especial, fora desta classificação, a Amazônia. Disputada desde os
tempos coloniais pelas potências européias, principalmente Espanha e Portugal, a Amazônia
passou a compor partes marginais de seus territórios, depois da independência dos países sulamericanos.
O avanço do capitalismo na segunda metade do século XIX, com a valorização de
matérias-primas, como a borracha, intensificou o interesse por essa imensa região, tornando-a,
segundo Becker (1995; 1998), uma fronteira de recursos e de acumulação. Identificado com
essa visão, Altvater (1995) afirma que ela forma ainda uma fronteira do poder militar e
analisa a Amazônia brasileira na década de 1970, como o lugar onde, pela intensificação da
migração humana, se pretende eliminar a “desordem social” em outras partes do território
nacional. Becker, Egler (1994, p. 149-150), apontam na mesma direção, afirmando que sua
integração era considerada prioridade máxima pelos governos militares, e além das razões de
acumulação e legitimação, tem-se como objetivo “[...] promover o ‘equilíbrio geopolítico’
interno e externo, oferecendo uma solução completa para os problemas de tensão social na
periferia e para o crescimento no Centro, como também servindo para incrementar a
predominância do Brasil na América do Sul”.
Entretanto, há fatos e questões outras que merecem ser aqui levantados, tais como
a antiguidade histórica da ocupação da Amazônia, o interesse em sua incorporação aos
centros mais dinâmicos da economia e garantia de sua defesa militar e melhor aproveitamento
de seus recursos naturais. Todos levam à necessidade de se pensar sobre as sociedades préexistentes, sejam elas indígenas ou não. O interesse pela região não nasceu com os militares
pós-1964. Ela está presente nas preocupações do governo português desde o século XVII, na
extensa literatura sobre a época da borracha, e, principalmente, nas teses geopolíticas de
geógrafos brasileiros inspirados em Ratzel e Kjellén, desde os anos de 1920. Esses
79
intelectuais, por sua vez, forneceram subsídios para a atuação do Estado Novo e mesmo após
a redemocratização de 1946.
Entre 1946 e 1964 não houve um hiato, pois a estrutura burocrático-administrativa
do Estado brasileiro não foi de todo modificada, nem o pensamento geopolítico brasileiro, que
ganhou outras cores com a Guerra Fria, mas em termos de visão territorial permaneceu, como
demonstra Vesentini (1987), analisando as origens de Brasília. É fundamental, ainda verificar
que há sociedades amazônicas estabilizadas, oriundas de processos político-econômicos que
evoluíram desde o século XVIII. Uma delas, um foco de atenção especial aqui, tendo como
lócus os campos do Rio Branco, hoje Roraima, foi envolvida em todas as fases históricas de
ocupação da região, modificando-se estruturalmente a partir de 1970.
3. 1 O ESTADO E A INTERVENÇÃO NA AMAZÔNIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS
Desde o século XVI, época de domínio do Estado absolutista e mercantilista, o
projeto colonial português na América e outras partes do mundo enfrentou a oposição de
competidores europeus, principalmente da França, Inglaterra, Holanda e Espanha (CALMON,
1971; FARAGE, 1991; MATTOS, 1980; PRADO JR., 1982). Schilling (1978), considera a
estratégia portuguesa como bastante avançada para seu tempo, pois no século XVI já se havia
estruturado um esquema de exploração conjunta e combinada de quatro continentes. Portugal,
afirma o autor, negociava com especiarias da Ásia, com escravos africanos e implantou a
produção de açúcar no Brasil, vendendo-o para os europeus. O papel pioneiro desempenhado
por Portugal nesse comércio é comentado também por Prado Jr. (1982, p. 86-95) que destaca
duas necessidades dos portugueses: povoar e organizar a produção.
Já no século XIV, afirma Prado Jr. (1982, p. 84), o comércio europeu passou por
uma revolução, promovida pelo avanço nas técnicas de navegação, tendo a rota marítima que
ligava o Mediterrâneo ao mar do Norte, passando pelo estreito de Gibraltar, suplantado a rota
terrestre que passava pela Itália, os Alpes e vales renanos. Isso beneficiou, diz a mesma fonte,
os países litorâneos ocidentais, como Holanda, Inglaterra, a França e a península Ibérica,
formando um equilíbrio que se firma já no século XV e tendo como conseqüência mais
distante a expansão européia ultramarina. Para Novais (1987, p. 47-48), há uma outra
80
distinção da exploração comercial anterior, pois até então a atividade econômica colonial se
dava “nos limites da circulação de mercadorias”, e com a grande expansão: “[...] a
colonização promoverá a intervenção direta dos empresários europeus no âmbito da
produção”.
É nesse tempo que Portugal, antes mais ocupado com as lutas contra os árabes na
península Ibérica, se transforma em país marítimo, aponta Prado Jr. (1982, p. 82) pois “[...]
desliga-se, por assim dizer, do continente e volta-se para o oceano que se abria para o outro
lado, não tardará, com suas empresas e conquistas no ultramar, em se tornar uma grande
potência colonial”. Para Novais (1987, p. 48), essa colonização da época moderna, inaugurada
pelos portugueses, dá-se por meio da agricultura tropical, tornando possível valorizar as novas
terras descobertas num quadro de competição entre as diversas potências européias. Outra
vantagem portuguesa, comenta Schilling (1981, p. 18), seria uma percepção mais global do
espaço americano, pois:
[...] fica evidenciada na intenção de estabelecer os limites atlânticos de seu império
americano: a bacia do Amazonas, no norte, e a da Prata, ao sul. Dominando os dois
únicos caminhos naturais de penetração utilizáveis na época, os portugueses teriam o
controle de toda a América do Sul.
Esse controle foi disputado por séculos, principalmente com a Espanha e, teria seqüência após
o fim do período colonial e as independências do Brasil e seus vizinhos.
Como resultado das disputas com rivais europeus, no início século XVII, em
1616, na entrada do rio Amazonas, na Amazônia oriental, os portugueses construíram o forte
do Presépio, que deu origem à cidade de Belém9. No entanto, seu avanço para o interior da
Amazônia apresentava forte resistência dos índios, principalmente os da ilha de Marajó, o que
só foi amenizado pela atuação dos jesuítas (CALMON, 1971; FURTADO, 1981). Em 1657 os
jesuítas iniciam uma ação evangelizadora mais efetiva no coração da Amazônia, a partir da
missão pioneira de Tarumá, na conjunção do rio Negro e do Solimões (FURTADO, 1981).
Foram seguidos por outras ordens, como os franciscanos, mercedários e carmelitas. Conforme
Cardoso (1990); Farage (1991), iniciava-se o ciclo das “drogas dos sertões”, isto é, da coleta
de recursos florestais, que marcaria a economia colonial amazônica, uma vez que foi
9
Na verdade, era o tempo da união das coroas ibéricas (1580-1640), quando Portugal estava forçosamente unido
à Espanha. Os inimigos na ocasião eram os franceses, que ocuparam o Maranhão, fundando São Luis, hoje a
capital daquele estado.
81
impossível reproduzir aqui o sistema de plantation, em vista das dificuldades como o
isolamento geográfico, falta de capital e de investimentos da metrópole.
Na metade do século XVII Portugal vivia um momento de clara decadência, pois
tinha perdido, durante sua união com a Espanha (1580-1640) parte considerável de seu
império colonial na África e Ásia para seus concorrentes, principalmente os holandeses
(SILVA, 1990). Estes fundaram a colônia de Suriname, que abrangia também o que hoje
forma a República da Guiana e, através dos rios Tacutu e Branco, estabeleceram relações
comerciais com índios e brancos no rio Negro. Segundo Farage (1991, p. 75-77), isto
preocupou as autoridades portuguesas de Belém, mais temerosas com a entrada de
manufaturados e a captura de índios em seu espaço colonial do que propriamente com uma
invasão.
A expulsão dos concorrentes holandeses não apresentou grandes problemas, até
porque a Inglaterra tomou pela força a maior parte da antiga possessão holandesa, a atual
Guiana, vizinha da então “Guiana portuguesa”, hoje Roraima. Nas constantes lutas entre
nações européias de então, Portugal e Inglaterra quase sempre estavam do mesmo lado, por
laços de casamentos ou alianças econômicas e em campo oposto à Espanha. Assim, a ameaça
às fronteiras, inclusive no extremo Norte continuou, sendo mais de uma vez repelidas
expedições castelhanas com forças oriundas de Belém. Esses movimentos tornaram os
campos do rio Branco conhecidos e a partir daí também percorridos por inúmeras expedições
de resgate de índios que visitavam praticamente todos os afluentes do rio Negro, o que levou
os padres carmelitas a instalar ali algumas missões (BRASIL, Instituto..., 1957, p. 45). Essa
medida afastou dali os espanhóis, mas estes, empregando em seu avanço também jesuítas,
entraram em atrito com os portugueses no Alto Amazonas e Alto rio Negro.
Na segunda metade do século XVII e parte do seguinte, a falta de braços para a
lavoura e outros serviços na Amazônia oriental deu origem a outra economia: a da caça ao
índio, principalmente no rio Negro e seus afluentes. Sertanistas portugueses sediados em
Belém e Maranhão entravam em constantes atritos com religiosos, principalmente os jesuítas
(REIS, 1989). Mais que uma disputa por mão-de-obra (FURTADO, 1987, p. 129), era uma luta
por dois sistemas incompatíveis: o extrativismo e a agricultura escravista, ficando esta
confinada, pelas dificuldades enfrentadas, inclusive a de adquirir escravos africanos, ao
Maranhão e às áreas mais próximas do delta amazônico. Ambos os sistemas dependiam
inteiramente dos índios, como identifica Farage (1991, p. 26): “Dos índios dependiam não só
82
a extração das ‘drogas do sertão’, como também todos os outros serviços voltados para a vida
cotidiana dos colonos: eram os remeiros, os guias, os pescadores, os caçadores, carregadores,
as amas-de-leite, as farinheiras [...]”.
Mas só no governo do Marquês de Pombal, ministro português (1750-1777), é que
maiores atenções se voltam para a Amazônia e medidas mais efetivas vão ser tomadas para
desenvolvê-la, no sentido mercantilista, e protegê-la de invasões. O projeto pombalino incluiu
segundo Farage (1991), a expulsão das ordens religiosas, a instituição da Companhia de
Comercio do Maranhão e Grão-Pará, e a proibição de escravização dos índios. Calmon
(1971), registra que foi promovido, também, o “fechamento” dos caminhos de entrada para a
Amazônia – os rios -, por meio de construção de fortalezas. As preocupações pombalinas com
a Amazônia eram também parte de uma outra mais geral: o contrabando no comércio,
praticado nas fronteiras da colônia, fosse na Amazônia ou no sul brasileiro, pois:
[...] na primeira metade do século XVIII o comércio de metais americanos formou
um grupo poderoso de comerciantes portugueses reunido às numerosas casas
comerciais britânicas e um setor de comerciantes portugueses, os ‘comissários
volantes’. Esse grupo detinha o controle sobre as linhas de crédito comercial e se
encarregava da intermediação do comércio com o resto da Europa. Ao grupo havia
se associado também à Companhia de Jesus. Privilegiados pela isenção fiscal desde
o século anterior, os jesuítas negociavam essa prerrogativa e outros serviços com as
casas importadoras/exportadoras lisboetas (MACHADO, 1999, p. 14).
A mesma autora (MACHADO, 1999), citando Maxwell (1997) revela que Pombal denunciou a
todos como contrabandistas, acusando-os de “[...] subverterem os interesses nacionais de
Portugal”, além de acabar com a Mesa do Bem Comum dos Mercadores, em 1755.
Nessa época, já havia crise na mineração do centro-sul brasileiro, as arrecadações
do tesouro português diminuíam e foi anulado o Tratado de Madrid. Nesta direção, conforme
Machado (1999), compreende-se que o papel das fortificações serviu mais para evitar o
contrabando e marcar a presença do Estado colonial português, controlando o movimento de
comunicação nas fronteiras. A Amazônia tinha se tornado, aos olhos do poderoso ministro
Pombal (FURTADO, 1981) uma colônia deficitária, onde em vez de uma agricultura de
exportação, capaz de fortalecer a economia real, predominava o extrativismo.
No final do século XVIII, foi criada a capitania de São José do rio Negro, que
daria origem ao atual estado do Amazonas. Um dos governadores dessa capitania, Manuel
Lobo D’Almada, geógrafo, membro da comissão de limites instituída após o Tratado de Santo
83
Ildefonso entre Portugal e Espanha (1777), revelou-se um administrador cuja ação realizadora
chegou a causar ciúmes e intrigas em Belém, capital do então estado do Grão-Pará10 (REIS,
1989). D’Almada providenciou a edificação do forte de São Joaquim, na conjunção do rio
Urariquera com o Tacutu, onde estes formam o rio Branco e introduziu o gado bovino nos
campos próximos (REIS, 1989). Essas duas medidas vão proporcionar a fixação definitiva da
população branca, de cultura européia na região. A seguir, vê-se o Mapa 3, indicativo da
economia colonial brasileira, em que o vale do rio Branco aparece destacado.
Mapa 3 - Produção colonial no Brasil, por região.
Fonte: Becker, Egler, 1994, p. 101.
10
A partir de 1621, ao tempo da união das coroas ibéricas (1580-1640), a América portuguesa foi dividida em
dois “Estados”: o do Brasil e o do Maranhão, que posteriormente teve parte desmembrada com a denominação
de Grão-Pará. Este, a grosso modo, abrangia a Amazônia brasileira de hoje.
84
D’Almada introduziu no vale do rio Negro a agricultura do café, do anil, que
chegou a ser exportado para Portugal, do algodão, da salsa e do arroz. Este último, plantado
no rio Branco, chegou a abastecer toda a capitania (REIS, 1989). Inúmeros pesqueiros foram
também instalados, mas, no entender de Reis (1989, p. 143), a expectativa das autoridades era
a criação de gado nos campos do rio Branco, pois a falta de carne e couros era “[...] um
problema que, ao lado do problema agrícola, vinha constituindo grande preocupação para as
autoridades da capitania”.
O valor dos referidos campos para a administração lusa pode ser representado pela
preocupação com as expedições exploratórias para a instalação de fazendas, que seguiam
instruções precisas da metrópole e renderam relatórios pormenorizados do governador. Num
desses documentos (D’ALMADA, apud REIS, 1989, p. 144) ele acentua as vantagens do gado
do rio Branco, incluindo evitar o “[...] estrago que se faz nas tartarugas, sobre as quais é tanto
maior o dano que se causa, do que o proveito que se tira, [pois] de uma viração de
quatrocentas tartarugas, apenas se aproveitam oitenta e às vezes menos”11. A primeira das
fazendas criadas, a de São Bento, na margem esquerda do rio Branco, nasceu da iniciativa
pessoal do governador, segundo Reis (1989). O comandante do forte de São Joaquim, o
alferes Nicolau de Sá Sarmento, fundou a segunda fazenda, a de São José. A terceira, (REIS,
1989, p. 144-145), a única fazenda ainda existente, a de São Marcos, foi fundada por Freire
d’Évora, tido como senhor de grandes posses.
Com a fundação do forte de São Joaquim e a implantação das fazendas reais, os
campos do rio Branco estavam incorporados ao projeto amazônico de Pombal de ocupação e
domínio. A cultura do gado e a fortaleza fixaram ali um pequeno grupo de origem européia,
que se impôs ao indígena e deu origem a um setor social e político de relevância no futuro.
Membros do contingente militar foram casando com as índias e formando famílias, o que era
facilitado pelas autoridades (SIMONIAN, 2001), enquanto os militares mais graduados, quase
sempre oriundos do Nordeste, trouxeram suas famílias. Seus descendentes se tornaram
fazendeiros, privatizando as terras das fazendas reais (BARROS, 1995) e, incorporando
elementos chegados mais recentemente, como na passagem do século XIX para o XX,
originaram grupos familiares que ainda têm projeção social em Roraima. Ocorreu um
11
Quase dois séculos após, relatórios de técnicos federais, como Cavalcanti (1949), apontariam a “insensatez”
da caça predatória do mesmo animal, no rio Branco.
85
processo típico de estruturação de uma sociedade patrimonial, que será mais adiante
explicado.
As reformas pombalinas incluíram a expulsão dos religiosos e a entrega da
administração dos aldeamentos indígenas por leigos e militares. No fim do século XVIII, os
índios administrados pelos soldados do forte São Joaquim se rebelaram contra maus tratos
sofridos. Muitos abandonaram as antigas missões só retornando após anistia e promessas de
melhor tratamento, enquanto outros permaneceram nas florestas e montanhas. Outros ainda,
como os Yanomami, que ficaram à margem do processo colonial, só manteriam contato mais
freqüentes com a civilização no século XX. A economia da região (FARAGE, 1991) ficou tão
desarticulada no final do século XVIII e início do XIX que a mandioca, a base da
alimentação, tinha que vir de Barcelos, no rio Negro, (o que causava protestos dos
administradores locais).
O Estado português necessitava de gente para guardar as fronteiras amazônicas,
mas não conseguia organizar ali a produção e a distribuição, embora atribuísse a si essas
tarefas. Na verdade, Portugal vivia um tempo de decadência, dependente da Inglaterra para
defender-se, enquanto a Europa inteira era sacudida pela Revolução Francesa e pelas guerras
napoleônicas. Como resultado dessas, o próprio território português foi invadido, fugindo a
corte lusa para o Brasil e apressando a independência deste, que, de acordo com Gall (1977, p.
191), já superava economicamente a metrópole.
Com o advento da independência do Brasil, em 1822, a capitania de São José do
Rio Negro não se transformou em uma nova província do império, como as demais – o que
simboliza sua insignificância no novo Estado - e foi anexada à província do Pará ( CALMON,
1971). Este marasmo só seria quebrado após o advento da economia da borracha, depois de
1850, quando se inicia um avanço em direção aos seringais. Esse movimento, seguindo os
rios amazônicos, foi feito principalmente por milhares de migrantes nordestinos, muitos deles
fugindo das secas e da pobreza na sua região.
O primeiro presidente da província do Amazonas, separada do Pará em 1850,
Tenro Aranha, era o que se pode considerar hoje um desenvolvimentista. Conforme seu
Relatório às autoridades imperiais de 1852, incentivou o cultivo da borracha, o
desenvolvimento da cultura do cacau, do café e planejou para o rio Branco a introdução de
criadores mineiros e gaúchos para desenvolver a pecuária. No mesmo documento, lamentava
a falta de braços, principalmente de mão-de-obra especializada numa terra rica de recursos e
86
esclarece que uma pretendida colônia militar do rio Branco deve ser formada com soldados
que “sejam dados à agricultura”12. O referido Relatório enumera ainda o abandono da
agricultura, do comércio, a presença de bandos errantes de índios que causavam desordens no
interior e da falta de tranqüilidade. Aranha, também põe fé na mineração e verberava contra
os “mascates e regatões” que prejudicariam o comércio legal.
Eram evidentes, na época, a questão da falta de alimentos para uma população que
aumentava a cada ano em razão da expansão da extração da borracha, e a introdução da
Amazônia toda no circuito da economia brasileira e mundial, simbolizada pela presença dos
barcos a vapor que percorriam seus rios a partir de 1853 13 (REIS, 1989). A borracha passou,
ainda no século XIX, a ser o segundo produto de exportação brasileira (FURTADO, 1981),
perdendo apenas para o café do centro-sul brasileiro. Com ela, surgem os diversos agentes de
um processo de transformação econômico-social e espacial, tão vigoroso quanto relativamente
curta foi sua duração.
3. 2 O RIO BRANCO: UMA SOCIEDADE DE CRIADORES NA AMAZÔNIA
A formação de uma sociedade rural em um espaço amplo, fruto de uma expansão para
o interior tem sido estudada e comentada por muitos analistas mais recentes, como
Schwartzman (1982) e Gall (1977). Este último admite a coexistência da convivência do
capitalismo e democracia quando da expansão territorial para o interior, pois é este, neste
caso, que subsidia ambos. Para Schwartzman (1982) a sociedade resultante nesse processo,
em que há o avanço e consolidação da fronteira, pode se estruturar com fortes características
de acentuada hierarquização e com base patrimonial. Baseando-se em estudos sobre o Rio
Grande do Sul, Schwartzman (1982, p. 66) diz que a dominância dos portadores de status
militar, mais conseguido que outorgado pelo Estado, era aceita pelo governo central, que
também permitia a distribuição da terra de acordo com a influência e poder oriundo da
posição conseguida. O autor afirma, ainda, que a segurança da fronteira ao sul ficou entregue
aos chefes militares, pois estes eram uma garantia de força organizada quando das guerras
com os países vizinhos.
12
O forte de São Joaquim data do final do século XVIII. A colônia militar referida por Aranha não inclui aquela
fortaleza, mas uma outra instituição, garantidora da fronteira com a Venezuela.
13
O empreendedor brasileiro Visconde de Mauá introduziu o transporte a vapor na Amazônia em 1852
(FURTADO, 1981, p. 105).
87
Nos campos do Rio Branco, na Amazônia setentrional, uma área infinitamente
menor que os espaços abertos dos pampas, uma outra sociedade, com alguma semelhança à
gaúcha, surgiu durante o fim do século XVIII e o século XIX. A diferença principal é que
nesse segundo caso, seus patriarcas vieram para a fronteira como militares, transformando-se
depois em fazendeiros (BARROS, 1995), favorecidos pelo ciclo da borracha, arrebanhando o
gado solto nas fazendas reais que vão sendo privatizadas.
Com o mercado de Manaus absorvendo gradativamente o excedente da pecuária
do rio Branco, as antigas fazendas vão se expandindo e se multiplicando. Uma delas, a da Boa
Vista do Carmo, fundada em 1830, por Inácio Lopes de Magalhães, oficial do forte de São
Joaquim e oriundo do Nordeste, daria origem à primeira cidade junto ao rio Branco
(OLIVEIRA, 1991). Magalhães formou um pequeno clã, como aconteceu com os patriarcas
das famílias Brasil, Motta, Souza Cruz e outras, que vão formando alianças e avançando sobre
as terras indígenas e públicas.
Posteriormente, já no início do século XX, os pecuaristas vão também participar
da extração do ouro e de diamantes, na condição de financiadores e controlar parte do
comércio com a Guiana e a Venezuela. Essa última atividade era facilitada porque muitas
fazendas estavam, e estão, localizadas próximas à fronteira, onde pontificam na atualidade
muitos garimpos e campos de pouso. A mais forte parece ter sido a família Brasil, que teve
disputas sobre terras com a empresa J. G. Araújo, sediada em Manaus. Esta, detinha a posse
de vastas áreas no território, era aviadora de extração da balata, fornecedora de víveres para as
tropas e membros das diversas comissões de limites nas fronteiras, além de possuir a maior
casa de comércio de Boa Vista.
Institucionalmente, foi com a Constituição republicana de 1891, que promoveu a
descentralização do Estado no Brasil, que as lideranças locais formalizam seus locus de
poder, ocupando cargos e, no caso do rio Branco, também legalizando as terras ocupadas,14
sendo criado o município de Boa Vista do Carmo, com sede na antiga fazenda do mesmo
nome. São reflexos de um novo tempo, que compreende o retorno das ordens religiosas
14
Farage (1991, p. 32) informa que o decreto nº 4 de 16 de março de 1892 do governo do Amazonas, apoiado
na Constituição Federal de 1891, possibilitou a regulamentação da ocupação fundiária no novo estado federal,
permitindo a expedição de títulos de terras ocupadas antes de 1889. Apoiados nessa legislação, fazendeiros do
novo município de Boa Vista teriam feito cento e quatro requisições de regulamentações de terras situadas no rio
Branco entre 1893 e 1900, enquanto os fazendeiros do rio Urariquera teriam requerido um total de oitenta e
cinco e dezenove requerimentos eram referentes ao rio Tacutu e margem esquerda do rio Branco. Sobre a
espacialidade, a autora cita o depoimento do viajante e pesquisador francês H. Coudreau (1888), o qual afirma
que todas as fazendas se encontravam na margem direita do rio Branco e no Urariquera, sendo que apenas quatro
fazendas existiam no rio Tacutu e margem esquerda do rio Branco.
88
européias e uma representação federal de defesa dos índios, de inspiração positivista. A
sociedade local formada por fazendeiros, comerciantes e indígenas, passou, pois, a contar a
partir daí, com religiosos, alguns militares do Serviço de Proteção aos Índios
(SPI),
transformada na década de 1960 na Fundação Nacional do Índio (FUNAI), além de alguns
poucos ribeirinhos que se dedicavam ao extrativismo vegetal e animal no baixo rio Branco.
Eggerath (1924), descrevendo a sociedade do rio Branco no primeiro quartel do
século XX, registra a existência de alguns conflitos pela posse da terra e pelos direitos
indígenas, tendo como centro a exploração da balata. Um prenúncio de choques nas décadas
seguintes, quando a questão da terra, valorizada pela mineração (CENTRO DE
INFORMAÇÕES…, 1990), transformou-se em um dos problemas mais candentes em Roraima
e o tema mais explosivo da atualidade. Era o tempo em que o extrativismo se expandia,
ocupando o espaço econômico da pecuária. Aqui já se percebem os conflitos pelo controle da
mão-de-obra através do domínio do espaço numa sociedade tradicional patrimonial, no
sentido que lhe dá Max Weber.
Pesquisadores que tiveram contato direto com o rio Branco na primeira metade do
século XX, como Cavalcanti (1949), Eggerath (1924), Hemming (1990) e Rice (1924)
acentuam o negligenciamento da agricultura, a pobreza da dieta e alto índice de doenças da
população, bem como a decadência da pecuária e a ascensão da economia mineira a partir de
1920. As pessoas liberadas pela coleta da borracha, sem alternativas de ganho, foram atraídas
pela possibilidade de mineração do ouro e diamante nas áreas montanas próximas às
fronteiras com a Venezuela e Guiana, seguindo os afluentes do Branco e outros rios
(BARROS, 1995, p. 56). Não houve mudanças significativas na década de 1930, época de
grande epidemia dizimadora do rebanho bovino (BARROS, 1995; CAVALCANTI, 1949), mas
na década seguinte, segundo Barros (1995), a população de migrantes vai aos poucos
superando a mais antiga, atraída pela mineração que se expande mais ao norte e pelas
atividades administrativas, concentrando-se principalmente na capital, Boa Vista.
Uma imagem de imobilidade social transparece em diversos estudos sobre a
sociedade de Roraima que abrangem períodos anteriores a 1943, como em Eggerath (1924),
Furley (1994) e Riviére (1972) Os agentes sociais dominantes, já referidos, eram até então
poucos fazendeiros, quase todos membros de antigas famílias vindas do Nordeste, membros
da Igreja, alguns funcionários públicos e comerciantes. Desses últimos, alguns eram ligados a
Manaus, principalmente à empresa J. Araújo, enquanto outros eram libaneses e cearenses
89
recém-chegados. Garimpeiros de ouro e diamante, populações ribeirinhas dedicadas ao
extrativismo vegetal, junto com empregados nas fazendas compunham o estrato populacional
de menor poder aquisitivo.
As populações indígenas eram atendidas pela Igreja e pelos funcionários do SPI
(CAVALCANTI,
1949).
Este
atendimento
provavelmente
não
deve
ter
mudado
substancialmente a situação das comunidades índias, pois o autor afirma que os indígenas,
principalmente as crianças, eram submetidos a trabalhos forçados que se assemelhavam à
escravidão. Havia, de acordo com essa afirmação, um controle coercitivo da mão-de-obra, só
possível numa sociedade muito demarcada hierarquicamente, onde impera uma dominação
tradicional, a qual, segundo Weber (2000, p.156-157), atua sobre as formas de gestão da
economia, através do fortalecimento de idéias tradicionais e práticas patrimonialistas.
3. 3 O ESTADO NOVO E A CRIAÇÃO DO TERRITÓRIO FEDERAL
Data de 1940 o início da intervenção estatal republicana na Amazônia, através de
propostas e medidas concretas para um planejamento regional sistemático (BAHIANA, 1991).
Após a crise da borracha, no início do século XX, o governo central havia falhado em
implantar um planejamento regional, mas, ao tempo do Estado Novo (1937-1945) havia mais
vontade, controle e continuidade, além de uma forte ideologia desenvolvimentista. A criação
do território obedeceu a um plano estabelecido: em 1940 o presidente Vargas visitou a
Amazônia, passando pelo Pará e o Amazonas. Era tempo de guerra, em que a França e a
Holanda estavam vencidas pela Alemanha e a Inglaterra tinha imensas dificuldades em
manter a luta contra Hitler praticamente sozinha e, as Guianas, possessões européias, eram
limítrofes do Brasil na Amazônia. Segundo Bahiana (1991, p. 17), o presidente declarou em
Manaus o que o governo pretendia na época para a Amazônia: desenvolver uma política que
visava a “[...] ocupar a região para protegê-la de invasões estrangeiras e trazer benefícios para
camponeses e colonos, em lugar de alguns latifundiários”.
Já em Belém, o discurso varguista dirigiu-se “às classes conservadoras”
afirmando seu compromisso com a modernização do extrativismo na região. Este seria
substituído “[...] pela indústria agrícola metódica e científica os velhos métodos, como o fez
Henry Ford”, referindo-se ao grande projeto de plantio da borracha daquele empresário
90
americano, cujo insucesso ainda não era de todo conhecido (BAHIANA, 1991, p. 17). Para o
governo Vargas, a Amazônia estava destinada a cumprir um papel estratégico, para o qual era
exigida uma modernização na sua economia, daí o aceno às elites para participação, bem
como aos trabalhadores. Prenunciava a procura de matéria-prima pelos beligerantes (era o
tempo da Segunda Guerra Mundial) e o Estado não poderia deixar de manter o controle e
mesmo promover as mudanças necessárias. E elas foram muitas, mas o governo brasileiro não
detinha totalmente a iniciativa pois como mostra Bahiana (1991, p. 17), o aparato institucional
construído na Amazônia na década de 1940 foi financiado em parte pelo governo norteamericano ou pelo capital privado, como a Fundação Rockfeller e destinava-se também a
atender aos esforços de guerra.
É ainda Bahiana (1991, p. 16-17) que informa sobre o papel do governo dentro do
contexto político e econômico referido, quando a Amazônia passou a sediar diversos órgãos
do novo aparato estatal. Dentre estes, tem-se: Serviço Especial de Saúde Pública, mantido
pela Fundação Rockefeller, encarregado do saneamento básico; Serviço Especial de
Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia e Comissão Administrativa de
Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia, que tinha a função de recrutar,
hospedar e providenciar a colocação de nordestinos nos seringais; Banco do Crédito da
Borracha, que tinha 40% de capital norte-americano; Instituto Agronômico do Norte, com
sede em Belém; Ampliação do SPI, para controlar os eventuais conflitos entre índios e
seringueiros; além de outras medidas, como o melhoramento dos aeroportos de Manaus e de
Belém. Para alguns autores (BAHIANA, 1991, p. 17; FREITAS, 1997, p. 40), a medida mais
concreta, em termos de resultados presentes e futuros, foi a criação dos territórios federais do
Amapá, Rio Branco (atual estado de Roraima), e Guaporé, atual estado de Rondônia.
A idéia de criar territórios para melhor controlar as fronteiras não era nova, era
uma antiga recomendação de geopolíticos brasileiros, como Everardo Backheuser e Lisias
Rodrigues (BAHIANA, 1991, p. 17). Este último, um Brigadeiro da Aeronáutica, de acordo
com Mattos (1975, p. 53), realizou estudos sobre as fronteiras brasileiras ao norte,
principalmente junto às Guianas, sua preocupação principal. Mattos (1975) anota outros
geopolíticos influentes para o fortalecimento das fronteiras e o avanço para o interior, como
Mário Travassos, destacando o papel central de Backheuser.
De acordo com Oliveira (1991) e Freitas (1997), embora criado em 13 de
setembro de 1943, o território do Rio Branco só teve nomeado seu primeiro governante em
91
abril do ano seguinte, sendo que o mesmo só chegou a Boa Vista, à capital, em junho de
1944. A elite local preparou-se para receber a autoridade maior que chegava: o capitão Ene
Garcez dos Reis. Um autor local anota que o então ex-prefeito Adolpho Brasil “[...] mandou
levar a notícia a todas as suas fazendas e às fazendas vizinhas”, e que mais de quinhentas
pessoas se acotovelavam no pequeno cais num dia que deveria ser festivo, mas o governador
não teria tomado conhecimento da recepção que lhe era feita, na versão de Oliveira (1991, p.
16) e, teria declarado “não querer saber de coronéis de barranco”.
O governo que se instalou no edifício da Prelazia católica, o único que tinha
condições para tal, foi, segundo uma tradição local, “duro e ditatorial”. Era a “ordem” que
chegava, apoiada por um contingente armado de 200 homens: houve proibição de reuniões e
ajuntamentos, recolhimento das pessoas às 18 horas aos seus lares e os valentes de antes eram
caçados e após, castigados à luz do dia, como exemplo. Segundo Oliveira (1991) essas
medidas eram para firmar um símbolo do poder político central, numa terra na qual alegava-se
estar dominada pelo banditismo e pela falta de justiça.
Importante documento sobre a situação geral do território na época de sua criação,
é o Relatório elaborado pelo técnico em administração do governo federal Araújo Cavalcanti,
em 1945, quando acompanhou o governador Garcez e elaborou o Plano de Recuperação e
Desenvolvimento para o território (CAVALCANTI, 1949, p. 4). Seus estudos in loco foram
acompanhados pelos padres beneditinos e por vezes pelos fazendeiros Homero Cruz e
Adolpho Brasil. A situação geral é descrita (CAVALCANTI, 1949, p. 5) como “tenebrosa”,
afirmando que a mudança dependeria só do governo federal, que deveria ir a socorro das
populações locais, com técnicos, pessoal, material, recursos financeiros e uma nova
legislação adequada à região (grifo do autor).
Apesar de não haver nos escritos de Cavalcanti uma menção direta aos pensadores
geopolíticos e influentes da época, é notória a semelhança de algumas idéias, como a
necessidade de ocupar e desenvolver economicamente as áreas junto às fronteiras. Não
obstante, Cavalcanti (1949, p. 5-7) se mostra menos “nacionalista”, pois ataca o
“nacionalismo estreito” no qual os territórios seriam apenas, acima de tudo, pontos de defesa
contra ataques militares. Para ele, como era comum ao final da guerra, não se devia ignorar o
alcance das armas aéreas e, não havia nenhuma ameaça de países vizinhos. Entretanto,
publica na íntegra (CAVALCANTI, 1949, p. 55-56) um decreto do presidente venezuelano
Eleazar Contreras, de dezembro de 1938, mandando proceder a uma “exploração metódica”
92
da área fronteiriça ao atual território do Rio Branco. O objetivo central de Contreras é
semelhante ao dos geopolíticos brasileiros da época e das décadas seguintes: “incorporar essas
regiões [fronteiriças] à sua economia integral da nação”.
O Relatório de Cavalcanti foi base para a edição do Decreto-lei 7.775 federal, de
24 de julho de 1945, que instituiu as normas para o governo do território. Diferentemente de
outros pesquisadores que passaram pelo rio Branco, Cavalcanti era um agente oficial de um
governo que pensava em mudanças, que viu até com indignação fatos como o trabalho
forçado de crianças índias, principalmente dos Macuxi; que se surpreendeu com o controle
total do comércio por poucos, com os preços abusivos e a extração de madeiras de lei de
modo predatório. Tal como Eggerath duas décadas antes, que se refere à quase inexistência da
agricultura e problemas da pecuária decadente, criticando os fazendeiros que preferiam
aplicar seu capital financiando atividades mineiras.
Cavalcanti (1949) propõe todo um plano para o território que, em alguns aspectos
foi seguido inclusive pelos administradores militares locais nas décadas de 1970 e 1980.
Propôs também a criação de parques nacionais, como da ilha de Maracá,15 e de áreas de
refúgio para animas silvestres, além da exploração mais racional de madeiras de lei.
Considera o principal obstáculo ao desenvolvimento econômico da região a falta de braços,
devendo haver uma “ocupação efetiva” do “solo imenso e vazio”. Como parte das medidas
propostas, foi elaborado um Plano Rodoviário Territorial, que deveria garantir o acesso a três
mercados consumidores “seguros”: a própria Amazônia, a Guiana Inglesa e a Venezuela. Os
troncos principais deveriam partir de Boa Vista em direção às duas últimas. Daí partiriam
cinco vicinais, a principal de Boa Vista a Caracaraí, que foi iniciada logo em seguida e
integrada depois à BR 174, que liga atualmente Manaus a Boa Vista e esta à fronteira com a
Venezuela.
A estrutura administrativa instituída pelo Decreto 7.775, apesar das mudanças
políticas, e constante troca de governadores entre 1946 e 1964, permaneceu e se firmou. Essa
estrutura representa a racionalidade do Estado nacional brasileiro, defendida por Cavalcanti
(1949, p. 56) e que critica asperamente a situação da economia local ao mesmo tempo em que
identifica as “[...] imensas possibilidades de desenvolvimento”. Coloca grandes esperanças na
15
A ilha de Maracá, na verdade um arquipélago com dimensão de 101.312 hectares, forma hoje a Estação
Ecológica de Maracá, criada em 2 de junho de 1981 pelo Decreto Federal 86.061 ( SILVA JR., 1994, p.
91).Cavalcanti (1949, p. 48-49); na verdade sugeriu um parque nacional no qual haveria uma “colônia florestal”
e “núcleos coloniais”, numa concepção diferente de parque nacional que se tem hoje. De todo modo, sua
preocupação ecológica é notável para a época.
93
pecuária, “[...] capaz de abastecer de gado a Amazônia, a Venezuela e a Guiana”, além de ser
“[...] uma sólida garantia de equilíbrio econômico”.
Os números da época, no entanto, não eram animadores. Em 1943, Araújo
Cavalcanti e sua equipe realizaram um levantamento que demonstra o perfil da vida
econômica em Roraima (CAVALCANTI, 1949, p. 19). Os números mostram ainda grande
variação nos valores de um para outro período, o que denota uma certa instabilidade, em um
tempo em que a coleta de dados, em razão do regime do Estado Novo, era extremamente
facilitada16.
Tabela 1 - Produção Econômica do Território do Rio Branco – 1942-1943
Classificação
1942
(em %)
1943
(em %)
1 – Produção puramente extrativa
a)
Vegetal
16,7
8,0
b)
Animal (couros, peles e animais silvestres)
1,8
1,2
c)
Mineral
42,1
59,6
5,0
3,7
2 – Produção agrícola
a) Agricultura incipiente
3 – Pecuária
34,0
4 – Pequena indústria (manufatura de pequenos utensílios
domésticos)
0,4
0,7
100,0
100,0
Total
26,8
Fonte: Cavalcanti, 1949, p.19.
Apesar do choque inicial e alguns embates futuros da pequena elite de latifundiários e
comerciantes entre si e com os administradores federais, mudanças estruturantes ocorreriam,
temperadas freqüentemente pelo conflito que se acentuaria na década de 1970 e início da
seguinte. A economia e a vida nos campos do rio Branco não foram mais as mesmas após a
criação do território, sendo o motor das mudanças a nova organização administrativa imposta
pelo governo central, notadamente no primeiro governo Vargas e após 1964.
16
Na atualidade, persiste a importância da madeira e diamantes como os valores mais altos, o que mostra a
persistência de alguns aspectos na economia local.
94
Baseada no diagnóstico de Araújo Cavalcanti e sua equipe, implantada pelo
decreto citado e inalterado por duas décadas, a máquina administrativa territorial constava de:
Governador; Secretaria Geral; Divisão de Saúde e Saneamento; Divisão de Assistência à
Maternidade e à Infância; Divisão de Educação; Divisão de Produção, Terras e Colonização;
Divisão de Obras; Divisão de Segurança e Guarda; Serviço de Administração Geral e Serviço
de Geografia e Estatística. Essa estrutura deu os meios para que os administradores
implantassem pelo menos parte das medidas de infra-estrutura tidas como necessárias para
promover o desenvolvimento: construir uma cidade-capital administrativa, melhorar os
transportes e promover a colonização agrícola, trazendo e apoiando colonos com crédito e
assistência técnica. Já no primeiro governo, destaca Freitas (1997), instalou-se uma máquina
de beneficiamento de arroz e colocação de um aviamento (sic) para farinha de mandioca,
instalação de dez famílias de agricultores, venda de material agrícola e a instalação da
primeira região agrícola na região de Murupu, além de medidas diversas de apoio.
Em 1945, quando caiu o Estado Novo varguista, o governador Garcês foi
exonerado e a administração passou, em vista da nova situação política, de quartel a uma
repartição pública, onde os governadores se sucediam, ocupando o cargo por tempos curtos.
Sua nomeação passava pela indicação do Senador Victorino Freire, do PSD do Maranhão ou,
como em outros casos, pelo deputado federal do território (FREITAS, 2000; OLIVEIRA,
1991). Era o tempo da redemocratização, da volta do Estado federal representativo, da
descentralização. Esta seria, como em outras ocasiões, aproveitada pelos grupos regionais e
locais para fortalecer seu domínio ou, fato comum, para lutar por ele. No entanto,em Roraima,
ainda não havia o que pode chamar oligarquia, o que é comprovado pela presença ali de
prepostos do senador maranhense Victorino Freire, na maioria militares, sendo muitos deles
também do Maranhão.
Na década de 1950, o segundo governador, indicado por Freire e seu conterrâneo,
o tenente-coronel Félix Valois de Araújo, procurou formar uma base própria de poder,
embora apoiando Freire. Valois foi eleito duas vezes deputado pelo território e conseguiu a
nomeação de seu genro, o capitão José Maria Barbosa para o governo, além de tentar um
terceiro mandato. Barbosa e Valois se apoiavam em grupos dissidentes locais, mas em 1958
estes se uniram e venceram a eleição. Quatro anos depois, Valois aliar-se-ia a Gilberto
Mestrinho, então governador do Amazonas, elegendo-se este como deputado por Roraima,
95
tendo Valois como suplente. Ambos teriam seus mandatos e direitos políticos cassados em
1964, quando começa uma outra era para Roraima e para o Brasil.
Em suma, os grupos de interesse, novos e antigos, tentam se transformar em
grupos de pressão. Com a criação do território federal, a escala hierárquica foi acrescentada
de um governador, em uma base espacial não superior a um município: o de Boa Vista. Mas
esse período foi bastante breve, com a chegada da redemocratização em 1945, quando se abre
um espaço para mais um cargo, o de maior importância, o de deputado federal. Era esse o
canal político com o Rio de Janeiro, para o acesso a verbas e, mais importante no caso, para
os cargos.
3. 4 1946-1964 A DESCENTRALIZAÇÃO DO ESTADO E A AMAZÔNIA
A queda do Estado Novo em 1945 não interrompeu a idéia de ocupação da
Amazônia, patrocinada pelo governo federal. A Constituição Federal de 1946 garantiu que os
territórios criados na Amazônia fossem mantidos, ao contrário de dois outros, situados um no
Mato Grosso e outro que abrangia partes de Santa Catarina e Paraná. O artigo 199 da Carta
garantia que, para se executar o Plano de Valorização Econômica da Amazônia o governo
aplicaria por vinte anos uma quantia não inferior a três por cento da receita tributária.
A morosidade legislativa fez com que só em 1953 fosse criado o órgão operativo
para administrar esses recursos: a SPVEA, antecessora da SUDAM. Os objetivos deste órgão
estavam expressos na lei que a criou, n.° 1.806, de janeiro de 1953:
Promover o desenvolvimento da agricultura e a exploração da floresta em termos de
maior rendimento e melhor técnica de trabalho, fomentar o criatório e a pesca e
indústrias decorrentes; promover o aproveitamento de recursos minerais,
incrementar a industrialização de matérias-primas, realizar um plano de viação,
promover a recuperação permanente das áreas inundáveis, estabelecer uma política
de energia, uma política demográfica, desenvolver o sistema de crédito bancário
regional, e as relações comerciais com os centros de consumo e abastecedores,
nacionais e estrangeiras, proceder a pesquisas, à formação dos quadros técnicos
necessários, incentivar o capital privado (grifo meu) para que se integre nos
propósitos de valorização [...] (FERREIRA, apud BAHIANA, 1991, p. 17-18).
96
Em resumo, buscava-se por meio dessa medida, a modernização da região com o apoio do
setor privado, cabendo ao Estado proporcionar a infra-estrutura.
Entretanto, não houve recursos disponíveis para tal durante a década de cinqüenta
e início da seguinte, e, quando os havia, problemas de várias ordens impediriam o sucesso da
SPVEA. Um estudioso do assunto, Brito (2001, p. 140-146), assevera que o Departamento
Administrativo do Serviço Público (DASP) e o Congresso competiam pelos recursos
destinados à Amazônia, entrando freqüentemente em conflito jurisdicional de competência.
Além disso, na década de 1950, pouco antes do governo Kubitscheck, ministros liberais
opunham-se à destinação de recursos federais à Amazônia, como relata o ministro da Fazenda
do presidente Café Filho (1954-1955), Eugênio Gudin, em livro autobiográfico:
Quando ministro do governo Café Filho, ao ser solicitado, na conformidade do que
estipula a Constituição de 1946, a suprir o superintendente da Amazônia recursos
equivalentes a 3% da Receita tributária da União, recusei-me a fazê-lo, diante dos
imperativos do programa antiinflacionário do governo e do fato de não dispor a
Superintendência da Amazônia dos fatores de produção necessários à execução do
programa, extremamente vago aliás (GUDIN, 1978, p. 38) .
A atitude de Gudin exemplifica como o Executivo se sobrepõe ao Legislativo não só na
definição de políticas, mas na disponibilidade de recursos, mesmo que a legislação seja
contrariada. A preocupação maior era com o equilíbrio das contas, ficando as políticas
regionais praticamente em suspenso. Com o regime implantado em 1964, isso ficou ainda
mais evidente, conforme palavras de Roberto Campos, ministro da Fazenda de Castelo
Branco, referindo-se ao período pré-1964:
O Congresso havia se transformado em ‘engenho de inflação’ ao multiplicar o
orçamento de dispêndio, e em ‘fator de distorção’ de investimentos pela sua
hipersensibilidade a pressões regionais capazes de destruir a coerência e o equilíbrio
de planos e programas (ROBERTO CAMPOS, 1975, apud AMES, 1986, p. 177).
A autoridade de Gudin e de Roberto Campos, contrariando num caso a Constituição e noutro
o Congresso, com argumentos técnicos, isto é, não políticos, na prática mostram que uma
república federativa nos moldes clássicos, descentralizada, tem grande dificuldade de se
manter no Brasil.
97
Ames (1986, p. 177-203), analista da política orçamentária e da evolução política
brasileira do período 1946-1964, comenta sobre o fato de que a Constituição de 1946 garantia
ao Congresso o poder sobre as finanças, mas que o controle legal de um orçamento não se
traduzia em efetivo controle do mesmo. Senadores e deputados preocupavam-se com os
gastos públicos, embora alguns desprezassem o caminho legislativo e tratassem diretamente
com o Executivo. De outro lado, técnicos como Cavalcanti (1949, p. 84), que tinha peso
político e decisional até 1945 e que foi membro da Comissão Especial do Plano de
Valorização da Amazônia, queixava-se da situação após a redemocratização, aludindo sobre a
não disposição de recursos para a Amazônia e de uma “Campanha subterrânea contra o
Parlamento”.
Skidmore (2000a, p. 91), assevera que o Executivo foi ampliado por Vargas e
permanecera quase intacto, apesar das mudanças instituídas na referida Constituição. Em tese,
este fato, sem dúvida, facilitaria uma certa continuidade de pelo menos parte da antiga política
adotada. Não foi o que aconteceu de imediato, no primeiro governo pós-1946, do presidente
Dutra, quando foram aplicadas medidas monetárias ortodoxas (SKIDMORE, 2000a, p. 92).
Segundo a mesma fonte (p. 97), quanto ao seu destino econômico, o Brasil seria, na visão de
Dutra, um país essencialmente agrícola, exportador de matérias-primas e alimentos e
importador de artigos manufaturados.
As obras públicas e a busca do desenvolvimento, após breve parada durante o
governo de Eurico Gaspar Dutra (1947-1951), retomaram seu ritmo no segundo governo de
Getúlio Vargas (1951-1954) e de Juscelino Kubitschek (1956-1961), com programas que
privilegiaram a implantação da infra-estrutura industrial e estenderam-se também pelas áreas
da saúde e educação, valorizadas pelas classes média e operária. Politicamente, era claro o
objetivo de atender apelos do setor industrial e onde se concentravam os redutos eleitorais,
ambos inexistentes na Amazônia. Ames (1986, p. 179) identifica o setor militar como o
grande perdedor na corrida por recursos públicos no período, mas as regiões com poucos
votos poderiam ser inscritas nesse conjunto, já que pouco ou nenhum peso político tinham
para mudar a realidade. Entretanto, a idéia da Amazônia como uma região que deveria ser
“integrada” na sociedade nacional, oriunda do Estado Novo, permaneceu, permeada pelo
pensamento desenvolvido na Escola Superior de Guerra – voltado, principalmente para a
segurança nacional.
98
No regime pluripartidário entre 1946-1964, parlamentares do PSD, ao contrário da
UDN, tinham atuação mais regional, o que os levava a ter maior numero de solicitação de
verbas federais. No sistema de representação proporcional de então “as oportunidades
eleitorais de cada parlamentar eram determinadas em função de seus votos” (AMES, 1986, p.
183). Os partidos eram, quase todos, “diversificados, indisciplinados, clientelistas e
descentralizados”. De acordo com o mesmo autor, também buscavam verbas em favor de seus
redutos de voto mesmo os integrantes da UDN, a quem era filiada a maioria dos ministros da
Justiça, das Relações Exteriores e da Fazenda e cujos membros se identificavam geralmente
como não ligados a facções e regiões.
Para Ames (1986), sendo o Legislativo o eixo central da elaboração do orçamento,
este tinha que operar num contexto em que participavam ministros, governadores de estado e
presidentes da República. Os vínculos entre os presidentes e governadores “aumentavam o
poder de barganha do estado, e o sucesso da campanha eleitoral de um presidente em um
estado podia estimulá-lo a olhar com benevolência as suas demandas” (AMES, 1986, p. 185).
Isso se refere ao geral, pois no governo Café Filho (1954-1955), após a morte de Vargas
(1954), e no início do governo de Juscelino Kubitschek (1956), cujos ministros eram
marcadamente liberais, houve uma tendência, que depois se modificaria, para um maior
controle das finanças públicas e da inflação, encurtando as solicitações consideradas
contrárias a esses objetivos.
Há outros exemplos, como o Ceará e Maranhão, onde no primeiro suas lideranças
sempre souberam beneficiar-se com a adversidade das constantes secas (AMES, 1986, p. 199).
O autor considerou a bancada cearense como a “mais fisiológica do Congresso”, agregando
membros das diferentes forças locais. Diferente era o caso do Maranhão, onde reinava o chefe
político Vitorino Freire, do PSD, cuja máquina eleitoral comandou os destinos do estado de
1947 a 1976. Forte junto ao governo central, o poder de Freire ia além, pois era quem
comandava, por muitos anos, do Maranhão, quem ia governar o território federal de Roraima,
no extremo norte brasileiro17.
Embora só após 1964 as grandes mudanças ocorressem na Amazônia, algumas
linhas mestras de planejamento e de objetivos anteriores também permaneceram (Bahiana,
17
Em 1965 Vitorino Freire e o vitorinismo seriam derrotados no Maranhão por seu ex-afilhado José Sarney
(JOFFILY,1998, p. 243), com o apoio de Castelo Branco e do Coronel João Batista Figueiredo. Já se vivia aí um
novo momento da política nacional.
99
1991, p. 18). Equivale a dizer: desde os governos Vargas e Kubitschek estabeleceram-se as
bases de inserção da região no espaço nacional, preparando o grande movimento de extensão
da fronteira interna que iria se iniciar após 1964. Com respeito a Roraima, essas bases já
existiam, pois o território além de estar ligado diretamente ao governo central no Rio de
Janeiro, já estava também estruturado em termos burocrático-administrativos. Ao contrário de
outras unidades da Federação, não havia muito a desfazer, pois quase tudo era resultado de
administradores que seguiam uma linha que em regra geral, teria continuidade.
Em Roraima, segundo Oliveira (1991), as mudanças implantadas por Garcez na
década de 1940 transformaram a vida local e tiveram continuidade, fato também apontado por
Barros (1995). O território tinha uma importância geopolítica que não escapava ao governo
central, cioso de suas fronteiras, embora a geopolítica não fosse uma tônica dos governos do
período pré-1964. Já no início da década de 1950 funcionava o Serviço de Navegação do
Território Federal do Rio Branco, além de duas empresas particulares; foi instalada uma
agência do BASA, enquanto a Força Aérea Brasileira fazia a ligação com Manaus e o resto do
Brasil, através do Correio Aéreo Nacional. Duas empresas aéreas particulares operavam com
táxi aéreo, entre Boa Vista-Caracaraí e fazendas do território, enquanto uma empresa aérea
nacional, a Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul, fazia linha regular com Georgetown, a capital da
vizinha Guiana.
Na mesma década (FREITAS, 1997, p. 110) foram criadas três colônias agrícolas:
a do Taiano, com japoneses, a Fernando Costa e a do Cantá. As duas últimas deram origem a
municípios na década de 1980, enquanto a primeira foi abandonada pela maior parte de seus
integrantes. Até então havia apenas dois municípios: Boa Vista e Caracaraí, o qual dispõe de
um porto fluvial no rio Branco, próxima das cachoeiras que impedem a plena navegação por
seis meses do ano até a capital.
Mas se houve algum progresso econômico e mudanças no cotidiano, a estrutura
institucional não abriu até ali um espaço maior para os grupos locais, nos territórios, pois
Roraima, vinculada ao Ministério do Interior, podia eleger, desde 1945, apenas um deputado
federal; sua capital não tinha Câmara de Vereadores e o seu prefeito era nomeado pelo
governador (BRASIL. Instituto...,1957, p. 46). O primeiro deputado federal eleito, no início de
1947, Antonio Martins, era representante local da empresa de Manaus J. G. Araújo (Oliveira,
1991) e teve destaque nas eleições seguintes, o que demonstra a força do comércio ligado à
Manaus e a rivalidade com algumas lideranças locais.
100
Confirmando o fato, Freitas (1993) anota que a nomeação de prefeitos, na época,
muitas vezes dependia de negociações entre a elite local constituída de pecuaristas e
comerciantes. O cargo mais disputado era o de representante no Congresso, o deputado
federal, perseguido inclusive por alguns ex-governadores, já que era a garantia de uma vida
confortável na capital federal, de prestígio e poder local. O peso da posição, segundo Freitas
(1993), era tal que alguns deputados chegaram a impor um nome como governador, daí as
constantes e ferrenhas disputas, onde ocorriam inclusive mortes.
3. 5 O PENSAMENTO GEOPOLÍTICO BRASILEIRO E A AMAZÔNIA
Para Santos (1996, p. 103-104), o movimento militar de 1964 respondia aos
imperativos da participação do Brasil no bloco atlântico da economia mundial, o que exigia
transformações que nem o governo de Jânio Quadros nem o de João Goulart encaminhavam.
Mas não se tratava apenas de uma inserção do Brasil no contexto do capitalismo mundial,
pois obedecia, também, a uma doutrina de estratégia política exposta claramente por
autoridades brasileiras, como o general Golbery do Couto e Silva (SANTOS, 1996, p. 103104). Havia, pois, uma certa contradição que se refletiria não só quanto aos objetivos mais
imediatos, mas principalmente, quanto ao papel de um Estado fortalecido que chamava a si o
papel de condutor da sociedade, o respeito a preceitos liberais de não intervenção na
economia e um papel discreto reservado ao Estado.
Assim, a aliança vencedora em 1964 teve que compatibilizar, forçosamente, dois
pensamentos: o da economia clássica, para resolver os problemas econômicos do país, e o da
tradição militar brasileira. Segundo O´Donnel (1982, p. 281), as forças armadas, atores do
processo autoritário e burocrático “tendem a ser a mais nacionalista e a menos capitalista das
instituições do Estado”. Os ideais maiores incorporados por esta tradição, segundo o mesmo
autor, “sobrepõe-se ao lucro, que pode ser necessário, mas que não deve ser ‘excessivo´ ou
trabalhar contra a missão de homogeneizar a totalidade da nação”. O´Donnel ressalva, no
entanto (1982, p. 281-282) que, entre 1964 e 1967, no governo Castelo Branco, o escalão
superior das forças armadas tinha mais afinidade com as orientações da alta burguesia, isto é,
do capitalismo.
101
Esse último grupo, representado por Castelo Branco e seu círculo de
colaboradores, conhecido como o da “Sorbonne”, ou da ESG, sobrepôs-se a um outro braço
das forças armadas: a denominada “linha dura”. Esse segundo grupo tinha como figura de
maior expressão e então ministro da Guerra, general Costa e Silva. Houve assim, desde o
início, divergências de concepção e modos de ação para a solução de problemas nacionais,
com reflexos na administração dos territórios federais, como Roraima, na Amazônia
ocidental.
O governo Castelo Branco tentou reorganizar a economia utilizando-se de planos
e programas (BECKER, 1998). Essa reorganização compreendeu acima de tudo a estabilização
das finanças, levada a cabo pelos ministros Roberto Campos e Otavio Gouveia de Bulhões.
Ambos já tinham trabalhado no plano de estabilização do governo de Juscelino Kubitscheck
adotado em 1958 e abandonado um ano depois (SKIDMORE, 2000a). Os dois economistas
identificavam como maior problema econômico, na ocasião, a inflação acelerada que era
causada por excesso de demanda. Sua linha de pensamento era inteiramente liberal e
logicamente não apoiava ações em que o Estado tomasse a iniciativa de desenvolvimento,
principalmente em um período definido como de “arrumação de casa”, na concepção do autor.
Região estratégica, a Amazônia ocupava um lugar especial na mentalidade dos
militares brasileiros, há décadas. A antiga idéia de sua integração à economia e à vida
nacional vinha sendo defendida por inúmeros geopolíticos, principalmente após a década de
1920. Durante o Estado Novo, principalmente durante a Segunda Guerra, foi montada uma
estrutura administrativa com intensa participação militar, que teve continuidade e
conseqüências futuras, como será visto adiante. Assim, mesmo com a atenção voltada para a
solução de assuntos prementes, como a organização da nova ordem, houve a implantação de
medidas visando a dinamização da vida econômica na região, como a mudança da SPVEA
para SUDAM (1966) e a criação da Zona Franca de Manaus (1967). Houve ainda ( BECKER,
1998), a delimitação de uma nova área extra-regional – a Amazônia Legal, já existente em lei
desde 1953.
As medidas tomadas para a região na época faziam parte do que se chamou
“Operação Amazônia” (1965-1967), que objetivava colocar em prática as antigas idéias de
ocupação, desenvolvimento e integração, formuladas desde o primeiro governo de Getúlio
Vargas (1930-1945), mas aperfeiçoadas nas décadas posteriores, por institutos de pesquisa e
de planejamento oficiais, como o Instituto de Pesquisas Econômica e Social (IPES) (MAHAR,
1978). Segundo esse pensamento (BAHIANA, 1991, p. 19; MAHAR, 1978, p. 3-4), de
102
inspiração geopolítica, era necessário fortalecer a presença do Estado numa região de grande
extensão territorial tido como quase vazia em termos populacionais.
Havia também uma idéia permanente de sempre se subordinar a economia
regional brasileira a um plano maior, de natureza geopolítica, como ressalta Santos (1996) e
que tinha como mentor mais conhecido, o general Golbery do Couto e Silva, do grupo de
Castelo Branco e da ESG. No entanto, foi um membro desta instituição, o general Carlos de
Meira Mattos, o principal idealizador da ação do Estado nacional brasileiro na Amazônia na
década de 1970, quando o Estado autoritário brasileiro já estava consolidado e o país
apresentava contínuos índices positivos de crescimento.
O pensamento de Meira Mattos, exposto em várias de suas obras (MATTOS, 1975;
1977; 1980), estava calcado, como também o de Golbery e outros militares de seu tempo, em
premissas geopolíticas já tratadas desde as décadas de 1920 e 1930, principalmente por
Everardo Beckheuser, Mário Travassos e Cassiano Ricardo. Para Lewis Tambs (1978, p. 4546), autor de trabalhos de geopolítica sobre a América Latina, Mário Travassos foi um dos
postulantes da presença dos dois grandes pólos estratégicos da América Latina: o maciço
boliviano de Charcas e o mar “fechado do Caribe”18. Ambos os conceitos se tornariam
verdadeiros paradigmas da geopolítica latino-americana, principalmente a partir das obras de
Golbery, incorporador e divulgador da primeira dessas proposições. Segundo essa autora
(SHILLING, 1978), a Bolívia, o Paraguai, Rondônia e Mato Grosso constituíam a união dos
setores geopolíticos na América Latina, concepção que passou a ser levada em conta e gerou
protestos de inúmeras autoridades e intelectuais dos países citados.
Vesentini (1987, p. 69) destaca que o pensamento geopolítico nacional herdou
idéias da elite intelectual do Império, re-elaborando-as, ultrapassando a preocupação com a
segurança do Estado. Assim, numa justificativa da dominação, utiliza-se dos mitos históricos
mais arraigados numa sociedade, tidos como alicerces ou marcos da história nacional. Mas a
geopolítica pensada na ESG olha, sobretudo, para o futuro (MATTOS, 1978), atribuindo
papéis específicos nessa “missão” a setores da sociedade e ao território. Este último, de
acordo com Mattos (1975; 1978), citando idéias do pensador inglês Arnold Toynbee, tem que
ser dominado, vencido, não devendo oferecer facilidades ao homem sob pena de formar-se em
seus domínios um povo fraco, uma sociedade que tende a enfraquecer-se e mesmo a
desaparecer.
18
De acordo com Tambs (1978, p. 45), esses dois pólos geopolíticos foram identificados também pelo
boliviano Jaime Mendoza.
103
Está subjacente nesse pensamento, que o agente condutor da sociedade nessa
caminhada de domínio da natureza e de busca de um lugar ao sol, no meio das nações
desenvolvidas é o Estado, o Estado-nação dos geopolíticos (SILVA, 1981). Fica subentendida
também (MATTOS, 1978; 1980), a necessidade de se ordenar a ação para vencer-se
obstáculos, a serem necessariamente vencidos: os antagonismos de várias ordens, inclusive
políticos. Em suma, defende-se o autoritarismo, o que não se constitui propriamente em
novidade na história intelectual brasileira.
Conforme Vesentini (1987, p. 69) a idéia de “construir a Nação” brasileira
remonta aos membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, no segundo reinado
(1840-1889), como Francisco A. de Varnhagen. Lembra Vesentini (1987, p. 68-86), que a
mudança da capital federal brasileira para o planalto central obedeceu a imperativos
geopolíticos, desprezando-se estudos de geógrafos, como Leo Waibel, que aconselhava uma
localização mais próxima do centro demográfico do país. No final, a decisão coube aos
militares membros da Comissão de Estudos para a Localização da Nova Capital, nomeada
pelo presidente Eurico Gaspar Dutra (1946-1950), cujos argumentos eram claramente
inspirados em Mackinder e sua teoria sobre o “Heartland” ou Terra central.
A construção de Brasília, aponta Vesentini (1987, p. 74-75), foi amplamente
divulgada como a realização de um ideal de antigos patriotas como Tiradentes e José
Bonifácio, a realização de um sonho de Dom Bosco e das idéias de Varnhagen. No entanto, o
autor lembra ainda (VESENTINI, 1987, p. 76-86) que seus defensores nas décadas de 1920 e
1930 a viam não só como uma medida necessária à integração territorial do país, mas como
parte de um pensamento que tecia críticas à descentralização promovida pelo regime
republicano. Um dos mais conhecidos críticos do federalismo e liberalismo brasileiros
(VESENTINI, 1987, p. 76-77) era o professor da Escola Politécnica do Rio de Janeiro,
Everardo Backheuser, defensor de um governo forte e centralizado. Leitor de Ratzel e
Kjéllen, seus trabalhos exerceram grande influência desde a década de 1920.
Velho (1976) identifica A Marcha para o Oeste (1940), do poeta Cassiano
Ricardo como uma obra de apoio não só a um movimento nacional para o interior, mas ao
próprio autoritarismo do Estado Novo (1937-1945). No início da construção da rodovia
Transamazônica, em 1970, o livro foi reeditado e saudado como obra quase profética, o que
demonstra a importância que lhe era atribuída. Mattos (1980, p. 147) aponta que Ricardo
chamou a atenção para o que “[...] os bandeirantes realizaram há mais de 200 anos, em termos
104
de fronteiras políticas, e que as gerações que os sucederam não conseguiram até hoje
concretizar em termos de fronteiras econômicas, deve ser levada avante se utilizando uma
estratégia adequada”. Essa estratégia reforça Mattos (1980, p. 147), corresponde aos meios
técnicos e científicos “[...] que atualmente estão à disposição dos projetos políticos e
econômicos”.
A linha de pensamento político de Meira Mattos seria marcada por essa
composição política-economia e pela necessidade de dominação do ambiente pelo homem. Na
obra Brasil, geopolítica e destino (1975, p. 8-12), ele traça a trajetória para transformar o país
até o ano 2000 em nação desenvolvida, uma das metas do II PND. Na mesma obra (1975, p.
8), baseada nas idéias do historiador inglês Arnold Toynbee, afirma que “[...] a façanha
humana no planeta é marcada pela luta”. Diferente de Golbery, para quem a região do Rio da
Prata teria maior importância para a estratégia geopolítica brasileira, Mattos (1980) defendia
um avanço, a “conquista” da Amazônia para consolidar o Estado-nação brasileiro, através de
uma estratégia sobretudo terrestre.
Nessa perspectiva, a problemática das ligações rodoviárias surge com força no
discurso de Mattos (1980, p. 147-148):
Durante 200 anos tentamos a conquista do nosso interior e particularmente da
imensa Bacia Amazônica apoiados em estratégia essencialmente fluvial.
Fracassamos porque a navegação fluvial é caprichosa; não nos leva onde queremos;
a navegação dos rios amazônicos sofre a influência das estações de águas altas e
águas baixas; há inúmeras quedas e cachoeiras que interrompem a navegação da
maioria dos cursos d´água. Mudamos de estratégia nos anos 50 e começamos a
implantá-la nos anos 60. A nova tentativa seria a conquista do Planalto Central, onde
se encontra o divortium aquarium entre as três maiores bacias brasileiras – do Prata,
do Amazonas e do São Francisco; montados nesse divisor (instalação de Brasília),
tentamos baixar à planície amazônica pelos grandes espigões que separam as águas
dos afluentes da margem sul do ‘grande rio’. E assim o fizemos, descemos pelo
divisor que separa o Tocantins do Araguaia para alcançar Belém na foz do
Amazonas. Baixamos pelo espigão que separa o Xingu do Tapajós, até Santarém, no
baixo Amazonas. Baixamos pelo espigão separador das bacias do Madeira e do
Tapajós para chegar a Manaus, no médio Amazonas. Aí está a ossatura da nossa
estratégia de conquista da Amazônia. O êxito desse empreendimento animou-nos.
Depois veio a grande transversal, cortando espigões de leste a oeste, e ligando entre
si as artérias longitudinais que seguiram esses divisores – a Transamazônica”.
Numa referência à outra rodovia de ligação, a Perimetral Norte, BR 210, Mattos (1980, p.
148) argumenta que esta é a continuação da mesma estratégia, buscando o espigão entre o Jari
e o Trombetas, para chegar a Tiriós, na fronteira com o Suriname e daí a Roraima e às
fronteiras da Venezuela e República da Guiana e, possivelmente em futuro próximo, a
105
fronteira Colombiana. Para Mattos, todas essas rodovias seriam de interesse também dos
vizinhos países de língua espanhola, mas para Shilling (1978), esse avanço fazia parte de
medidas que representavam o que muitos consideravam como um avanço do “expansionismo
brasileiro”. A complexidade da malha viária então proposta pode ser observada no Mapa 4,
adiante.
Mapa 4 - “Vertebração” rodoviária do Brasil, segundo Mattos.
Fonte: Mattos, 1977, p. 91.
O papel de dominância na América Latina, buscado ou não pelo Brasil foi
resumido por pesquisadores como Becker, Egler (1994, p. 154-168), os quais afirmam que até
1974, ano da posse de Geisel, o Brasil fundamentou sua política externa numa aliança
106
bilateral com os EUA, inclusive nas relações com seus vizinhos. Daí os golpes militares que
se seguiram em muitos países sul-americanos, apoiados secretamente pelo governo brasileiro.
Essa estratégia, segundo os autores, se constituía em teses da ESG. Os esforços principais se
voltavam para a bacia do rio da Prata, procurando “satelitizar” o Paraguai e a Bolívia,
estabelecendo ligações ferroviárias, construindo a barragem de Itaipu e fazendo acordos
comerciais, controlando os mercados financeiros através do Banco do Brasil e outras medidas
que os isolavam da rival brasileira: a Argentina. Ao mesmo tempo, havia por parte das
autoridades brasileiras a omissão sobre a ocupação física de território paraguaio e boliviano
por colonos brasileiros, pela soja ou pela simples ocupação de terras devolutas no Paraguai e
avanço de seringueiros na Bolívia. Esse avanço desenfreado em direção às fronteiras vizinhas
era, como afirma Gall (1977, p. 106-108), uma grande preocupação das autoridades nacionais
de lá e de cá.
Quando a Amazônia já ocupava maior atenção dos geopolíticos que o Prata, em
razão de Argentina e Brasil terem chegado a bons termos quanto à barragem de Itaipu, na
metade da década de 1970, Meira Mattos (1980, p. 173) asseverava:
O General Golbery reformulou, na década de 60, a grande manobra geopolítica de
integração nacional. Preconizou, então, que, partindo-se da base ecumênica de nossa
projeção continental (região em torno do triângulo Rio-São Paulo-Belo Horizonte),
acelerássemos a integração à mesma da “plataforma central” e, daí, inundássemos a
Hiléia amazônica. Esta é a manobra estratégica da frente do Planalto Central, em
plena marcha. O que estamos propondo, em termos de Pan-Amazônia. É uma
manobra mais ampla, partindo simultaneamente das três frentes – a tradicional,
saindo da foz e subindo o “grande rio” e seus afluentes, a do Planalto Central
descendo as escarpas até a grande planície e, agora, acrescentando e operando um
novo front em termos de desenvolvimento econômico, que virá ao encontro dos dois
primeiros, baixando do grande arco fronteiriço das vertentes sul do sistema guiano e
vertentes sul e oeste do sistema andino, até alcançar os impulsos gerados pelos dois
anteriores [Grifos do autor].
Numa concessão aos novos tempos, referindo-se às relações com a Venezuela e República da
Guiana, Mattos (1980, p. 173) afirma ainda que: “Será um recobrimento de impulso, partindo
de três frentes e ampliados através das áreas-polos binacionais e trinacionais, até os limites
dos territórios amazônicos de nossos vizinhos”. A concepção desse autor quanto a tais
relações foi por ele próprio delineada, conforme o Mapa 5, a seguir.
107
Mapa 5 - Áreas interiores de intercâmbio fronteiriço, segundo Meira Mattos.
Fonte: Mattos, 1980, p. 168.
O enaltecimento da necessidade de composição com os países vizinhos não era a
única novidade no discurso do geopolítico. Ao lado de conceitos como “vazio demográfico”,
Mattos argumenta que a rede de transportes no interior, deveria combinar as vias rodoviárias,
hidroviárias e aéreas, “sem desprezar nenhuma” Nas regiões virgens não havia necessidade de
uma superpovoação, continua, pois a ocupação mais adequada seria por meio de pólos,
incorporando benefícios econômicos e que seriam centros de progresso social. Afirma ainda
Mattos (1980, p. 174-175), que: “A preservação ecológica dentro de um conceito tradicional e
o respeito às reservas indígenas serão melhores atendidos com esta estratégia, pólos de
irradiação distanciados, mas atuantes, capazes de representar a lei e a dinamização do
progresso econômico e social”.
Em Geopolítica pan-Amazônica (1980), Mattos argumenta que o Pacto
Amazônico traria vantagens econômicas e políticas para o Brasil e seus vizinhos. Todos
108
seriam beneficiários da integração que adviria da assinatura do Pacto Amazônico, em julho de
1978, entre Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Suriname e Guiana. O
Pacto representaria:
[...] um esforço no sentido de conscientizar os países condôminos da região sobre a
necessidade de criarem um organismo de cooperação regional, para juntos moverem
as alavancas capazes de despertar a Pan-Amazônia de seu sono secular”. E, uma
lembrança: “Não será possível, nesse esforço hercúleo, abrir mão do capital e da
tecnologia dos países mais adiantados do mundo, dos organismos internacionais de
suporte financeiro e tecnológico. O que não desejam os países amazônicos é perder a
soberania sobre essa região cobiçada sob o pretexto de sua incapacidade para
explorá-la. Para isso terão que atuar juntos – mostrar inteligência, colocar de lado
suas desconfianças recíprocas e revelar uma verdadeira vontade realizadora.
(Mattos, 1980, p. 136).
As “desconfianças recíprocas” eram oriundas dos temores da expansão brasileira na região,
por parte de governos, de intelectuais ou representantes de setores acadêmicos ou ainda de
grupos de interesse, como se observa em Madi (1998), Martinez (1980), Nazoa (1997) e,
Schilling (1978). O perigo de se “perder a soberania” embora reconhecendo a necessidade de
recursos externos, financeiros e tecnológicos, expressam aqui o momento em que o governo
brasileiro já não aceitava o “alinhamento automático” com os EUA, após a metade da década
de 1970.
O fim da década de 1970 foi o tempo de realização máxima do governo brasileiro,
antecedendo a “crise da dívida” que se abateu sobre o Terceiro Mundo, em 1979, e a uma
outra em 1981-1982, que levaria ao início do fim do regime militar. Na década de 1980,
projetos como o Calha Norte (1985) seriam tentativas de reeditar a organização do espaço
amazônico e proteger as fronteiras. Na década de 1990, com a “Nova ordem mundial” e o
“Consenso de Washington” (ALTVATER, 1995; HUNTINGTON, 1997), que se impuseram
após a “guerra fria”, o Brasil, bem como a Amazônia e a própria geopolítica, sofreriam
mudanças no rumo de sua vida política. Contudo, afirmam Becker, Egler (1994, p. 273), há
uma herança presente, estruturadora, da geopolítica, bem como novos papéis para essa área do
conhecimento nos tempos da multipolarização e de politização da natureza.
109
3. 6 OS MILITARES E O PENSAMENTO DA ESG
A ESG e o general Golbery do Couto e Silva são, talvez, os nomes mais
conhecidos na literatura sobre a participação dos militares na vida política brasileira nas
décadas de 1960 e 1980. Ambos têm seu nome ligado à geopolítica nacional e latinoamericana, graças às concepções teóricas gestadas e às ações que inspiraram. Golbery (1981,
p. 159), após discorrer sobre as teorias e os temas ligados à geopolítica, como os
“antagonismos” entre nações ou coligações de nações, afirma a necessidade de uma estratégia
para a defesa de cada Estado, bem como de um “sismógrafo estratégico da maior
sensibilidade”.
Golbery foi também o principal articulador do IPES, fundado em 22 de novembro
de 1961. O IPES era integrado por militares, empresários, políticos e técnicos que unidos num
grupo de pressão e associados a ESG, foi a principal arma dos articuladores da vitória dos
militares que derrubaram o governo de João Goulart em 1964 (BRUM, 1993, p. 144;
DREIFUSS, 1981, p. 369). Segundo Dreifuss (1981, p. 369-370), faziam parte do grupo
IPES/ESG, dentre outros, os generais Ernesto Geisel, Orlando Geisel, Cordeiro de Farias, o
coronel Mário Andreazza, os tenentes-coronéis João Batista Figueiredo e o Almirante
Augusto Rademaker. Todos (SCHILLING, 1978, p. 22) tiveram papel expressivo e por vezes
decisivo na política brasileira após 1964, como a própria ESG.
No entanto, autores como Skidmore (2000b), Stepan (1971) e Tambs (1978)
identificam outros grupos de militares, como o ligado aos generais Costa e Silva e Emílio
Garrastazu Médici, que chegaram à presidência da República. O discurso deste grupo diferia
do “grupo da Sorbonne” e eram identificados como a “linha dura”. Esse segundo grupo, de
acordo com Tambs (1978), era também mais afeito às questões de segurança e adepto de um
desenvolvimento promovido pelo e com a participação do Estado. Um estudioso norteamericano das elites políticas, Manwaring (1980, p. 108), afirma que os presidentes militares
brasileiros, de Castelo Branco a Geisel, cujo governo coincide com a época de seu estudo,
foram coerentes com a idéia de desenvolvimento econômico, que foi a base de sua
legitimação para a política. Salienta ainda o autor que os governos tiveram não somente o
monopólio da violência, mas um pessoal competente que poderiam “assegurar a construção
do Brasil à sua própria imagem”.
110
O general Golbery do Couto e Silva escreve em Conjuntura política nacional, o
poder Executivo & geopolítica do Brasil (1981) que deve haver uma “[...] integração
crescente do grupo social que compõe a Nação, tanto do ponto de vista político, como
psicossocial e econômico, é também condição fundamental da própria sobrevivência do
Estado” (SILVA, 1981, p. 168-169). E mais adiante: “À sobrevivência, essencial é ainda a
manutenção do território, base física do Estado, uma vez que sua mutilação redundará, em
qualquer caso, em prejuízo da integração e em redução do bem-estar, da prosperidade e do
prestígio nacionais” (SILVA, 1981, p. 169). Argumenta também que algumas medidas, como
as tomadas no território de Roraima, vizinho da Guiana, podem ser melhor entendidas,
principalmente, se se atentar para o preconizado “expansionismo para o interior” (SILVA,
1981, p. 171). O general Meira Mattos, citado anteriormente, embora seguidor de Golbery,
adaptou o pensamento geopolítico para a realidade da segunda metade da década de 1970,
quando o horizonte político mundial apresentava mudanças.
A ESG foi fundada em 1949, no governo de Eurico Gaspar Dutra, por Cordeiro de
Farias segundo o modelo da War College dos EUA, conforme registra Vianna Filho (1977, p.
11). Este reconhece a dívida da instituição para com as idéias de Backheuser, mas identifica,
como Stepan (1971, p. 245), sua origem com a Segunda Guerra e a participação de militares
na Força Expedicionária Brasileira no conflito. Ao dissertar sobre a doutrina da entidade,
Arruda (1978, p. 65) revela que essa se originou de um Curso de Alto Comando criado em
1942, ano em que o Brasil rompeu relações com o Eixo, mas que não foi operacionalizado. A
idéia, diz Arruda (1978, p. 66), seria retomada em 1948 pelo Decreto 25.795, de 22 de
outubro, o qual estabeleceu normas para sua organização. Seu nascimento se deu dentro do
Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA), onde já se encontrava uma Missão Militar
Americana composta por três altos oficiais. Era o tempo de plena Guerra Fria e da presidência
de Eurico Gaspar Dutra, cujo governo era acima de tudo pró-EUA e anticomunista ferrenho.
No entanto, nem sempre a ESG identificou-se inteiramente com as idéias dos
geopolíticos americanos (TAMBS, 1978, p. 45-64) ou com as medidas daquele governo. Sua
estrutura e os denominados “princípios fundamentais”, segundo Arruda (1978, p. 67), não
eram uma cópia de sua inspiradora:
Considerou-se, desde logo, desaconselhável que copiasse a nossa Escola o “National
War College”. Este seria o grande inspirador, mas não o seu único modelo. Com
efeito, a escola Americana, atuando num meio desenvolvido, podia dedicar-se
preferentemente aos assuntos da guerra, despreocupada da solução dos problemas
111
nacionais, entregues a elites formadas por um sistema educacional de comprovada
eficácia. No Brasil, porém, mais do que preparação para a guerra, a tarefa prioritária
seria a de formar elites para a solução dos problemas do País, em tempo de paz.
Dessas considerações nasceram os princípios, formulados com rara intuição, e que
tiveram marcante influência na gênese e na evolução da ESG. Entre esses princípios,
mencionaremos os que afirmam que a Segurança Nacional é função mais do
Potencial Geral da Nação do que de seu Potencial Militar, e que o desenvolvimento
do Brasil tem sido retardado por motivos suscetíveis de remoção, exigindo-se, para
sua aceleração, que se utilize a energia motriz contida nas elites capazes de assumir
os encargos de direção e administração do esforço nacional de construção: isto se
conseguiria com a criação de um instituto de altos estudos, que funcionasse como
centro permanente de pesquisas. [...] A idéia central contida nesses princípios era de
que o desenvolvimento não depende só de fatores naturais, mas principalmente de
fatores culturais. [...] O que se propunha para a nova Escola era algo contrário a um
dos traços peculiares ao Caráter nacional brasileiro, e dos mais arraigados – o
individualismo.
A Lei de criação definitiva da Escola, de 20 de agosto de 1949, coerentemente, definia a
mesma como não mais restrita a militares (Arruda, 1978, p. 68-69), mas congregando também
civis de “[...] atuação relevante na orientação e execução da Política Nacional”. O artigo 1º da
Lei, diz a mesma fonte, expressava seu objetivo maior: “desenvolver e consolidar os
conhecimentos necessários para o exercício das funções de direção e para planejamento da
Segurança Nacional”. O binômio Segurança e Desenvolvimento, que marcou a doutrina da
Escola e os governos militares pós-1964, já despontava desde os primórdios da Escola
(ARRUDA, 1978, p. 68) e sempre orientou os seus trabalhos.
Como qualquer entidade, a ESG teve diferentes momentos e sofreu influências de
transformações políticas e ideológicas de âmbito nacional e global. Mattos (1977, p. 127)
reconhece que sua origem está acima de tudo ligada a questões relativas às transformações do
poder militar. Este, segundo o autor, após a Primeira Guerra “[...] perdia sua autonomia, no
caso de conflitos bélicos e as expressões econômica e psicossocial do poder nacional
entravam para o contexto bélico com um peso cada vez mais substancial”. O poder político,
“[...] antes quase sempre arrastado pelo poder militar”, reconhece, passava a ser o único capaz
de coordenar as três expressões citadas e a “[...] conduzi-las em convergência aos mais altos
interesses nacionais”. Eis por que, afirma, a Inglaterra, em 1927 e depois a França em 1936
criaram suas escolas superiores de estudos estratégicos. Nestas, registra ainda Mattos (1977,
p. 127-128), militares e funcionários civis “[...] se dedicaram ao estudo da guerra como
fenômeno total [...] buscando uma melhor adequação da estrutura do Estado, para responder a
uma tal emergência”.
112
O conceito de “guerra total” adotado do general alemão Karl Clausewitz, autor
também da expressão: “a guerra é a continuação da política por outros meios” (DOWNS,
1969, p. 166-162), foi re-elaborado por Golbery (SILVA, 1981, p. 146-159). Este, na verdade,
foi quem dotou a instituição de um arsenal político-ideológico, formando uma verdadeira
escola de pensamento político, sacramentando antigas e novas teorias e concepções dos
pensadores nacionais e estrangeiros. Assim, expressões como “guerra”, “poder”, “estratégia”
e acima de tudo “segurança nacional”, passaram a ter um sentido próprio, bem como o papel
pretendido pelos militares dentro da nova realidade esboçada nos seus trabalhos.
Essa mudança conceitual estaria calcada (SILVA, 1981, p. 151) a ajustes
necessários após a Segunda Guerra, quando esta mostrou que as táticas tradicionais de guerra
foram superadas em favor de uma integração de ações. Com o fantasma da guerra nuclear, ao
mesmo tempo sua impossibilidade, já nos tempos da guerra fria, outras concepções de guerra
foram elaboradas para responder aos novos tempos. Algumas premissas, objetivos e
princípios no entanto, permaneceram. Quatro exemplos disso são dados por Mattos (1975, p.
60): o surgimento do conceito de segurança em substituição ao de defesa; a consciência de
que o Brasil possuía requisitos para ser uma grande potência; a crença de que o
desenvolvimento brasileiro era retardado pela incapacidade de planejamento e execução
governamentais e, “[...] a necessidade de elaborar um método de formulação política
nacional”.
Convivendo com rápidas transformações econômicas e políticas, a ESG esteve
presente, visível ou não, por mais de três décadas na vida brasileira. Para Mattos (1975, p.
61), “[...] até 1964 a ESG não teve influência nas decisões do governo, mas formulou sua
doutrina de segurança nacional e pesquisou no campo do desenvolvimento”. Arruda (1978, p.
72-73), levando em consideração a doutrina e o método de trabalho, identifica várias fases da
ESG entre 1949 e 1978. A primeira iria até 1952, quando teria predominado o estudo da
conjuntura. A segunda, entre 1953 a 1967, quando se iniciou o estudo da doutrina com ênfase
na segurança, abrangendo inclusive o tempo do governo Castelo Branco.
A terceira fase, de 1968 a 1973, foi a da predominância dos estudos de
desenvolvimento. Neste último ano, explica Arruda (1978, p.72-73), um novo Regimento,
instituído por decreto “[...] ampliou a missão primitiva da Escola – de Planejamento da
Segurança Nacional – estendendo-a para a da ‘Formulação da Política Nacional de Segurança
e Desenvolvimento´”. Não foi uma mudança de retórica, era época do “milagre econômico” e
113
do auge do fechamento político do regime militar, e os geopolíticos viam os resultados do
crescimento brasileiro como o acerto de seus estudos e previsões. E, com o novo regimento da
ESG, talvez pensassem, havia um respaldo maior , além do reforço de uma suposta fonte de
legitimidade.
Se na metade da década de 1970, havia estabilidade e progresso, supunham os
geopolíticos da ESG, como Mattos (1975, p. 60-67), isso indicava que a política proposta pela
Escola era “[...] formulada dentro de rigoroso processo de racionalização científica” e
incorporava “[...] os valores geopolíticos que vinham sendo levantados por todos aqueles que
a precederam como instituto superior de altos estudos” 19. Lembra ainda Mattos (1975, p.61)
que:
Quando veio a Revolução de 1964 a doutrina da Escola Superior de Guerra já estava
formulada e exercitada em termos laboratoriais ou escolares. Foi fácil para o chefe
da revolução, o presidente Castelo Branco e seus principais assessores Golbery,
Ernesto Geisel, Juarez Távora, Cordeiro de Farias, todos ex-militares (sic),
participantes ativos na formulação dessa doutrina, pois todos haviam pertencido aos
quadros da ESG, transferirem para a prática governamental a doutrina formulada
durante 14 anos no casarão do Forte de São João.
Dentro da linha que atribui à entidade um papel central nos acontecimentos políticos e
sucessos na economia brasileira pós 1964, Tambs (1978, p. 46), afirma:
Os militares revolucionários brasileiros, ao contrário de outros países, já tinham um
plano ao chegar ao poder. Orientados por um grupo de intelectuais militares e em
íntima ligação com diplomatas e tecnocratas civis, que cursaram a Escola Superior
de Guerra (ESG), as forças Armadas impulsionaram o Brasil para o Status de
superestado.
No entanto, de acordo com pesquisador norte-americano Alfred Stepan (1971), a doutrina da
Escola, simpática ao liberalismo econômico, estava longe de ser seguida por todos os
militares mais graduados e, as idéias políticas, principalmente sobre desenvolvimento, dos
que assumiram o poder em 1964, foram assimiladas principalmente na experiência da Força
19
Compreensivelmente, ignoram-se nesse e outros textos da mesma linha estudos e mesmo instituições de cores
políticas diferentes, como o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), por exemplo. O ISEB
(SANDRONI, 1999, p. 311) foi criado em 1955, subordinado diretamente ao ministro da Educação e Cultura,
embora com autonomia administrativa e liberdade de pesquisa. Ocupava-se, além de estudos, da organização de
cursos, conferências, palestras e seminários. Como era um foco de elaboração de ideologia nacionalista, foi
extinto poucos dias após a derrubada do governo de João Goulart, em abril de 1964, por decreto.
114
Expedicionária Brasileira (FEB) e em cursos nos EUA. Daí serem os integrantes do grupo
mais próximo a Castelo Branco, mais afeito com a política externa norte-americana.
Stepan (1971, p. 245-247) anota que o governo que se seguiu ao de Castelo
Branco, o de Costa e Silva, tinha um cunho mais nacionalista e elementos conhecidos como
de “linha dura”, como os generais Albuquerque Lima, Syseno Sarmento, Jayme Portela e
Emílio Garrastazu Médici. Entretanto, de acordo com Skidmore (2000b), não diferia muito do
anterior, já que continuou na mão de tecnocratas de linha semelhante. Tratava-se, salienta
Skidmore, de nomes conhecidos, como o economista Antonio Delfim Neto no Ministério da
Fazenda, Helio Beltrão no de Planejamento e Mario Andreazza nos Transportes. No entanto,
os acontecimentos futuros mostraram que havia uma divisão quase irreconciliável entre os
dois grupos.
Com o novo governo, ressalta Skidmore (2000b, p. 143), houve diferença no
tratamento da inflação, diagnosticada como induzida pelos custos, sendo o maior deles o
crédito. Foi estabelecido o controle de preços e salários e foi criado o Conselho
Interministerial de Preços (CIP). O sucesso das mudanças econômicas foi em grande parte
obscurecido pelos problemas políticos em 1968 e 1969. Nesse período, foi editado o Ato
Adicional n. 5, o Congresso foi fechado, estabeleceu-se forte censura e aposentados juizes do
Supremo Tribunal Federal. Mais forte, o governo ficou mais livre a partir daí para adotar
medidas que antes passariam pelo filtro do Congresso e da opinião pública.
A política econômica imposta ao país após 1964 (SKIDMORE, 2000b, p. 197),
contrariava o pensamento nacionalista de alguns militares, notadamente o general
Albuquerque Lima. Ministro do Interior; sua voz era ouvida com entusiasmo pelos jovens
oficiais do Exército e da Aeronáutica. Um dos pontos de atrito que havia era a política de
desenvolvimento regional e, quando por uma reforma constitucional, o montante dos
impostos destinados aos estados e municípios passou de 20% para 12%, Albuquerque Lima
renunciou ao cargo, exemplo seguido pelo diretor da Superintendência de Desenvolvimento
do Nordeste (SUDENE), que não concordou com os cortes orçamentários para sua instituição.
Estava-se diante de um antigo problema, já referido, onde o poder central
empalmado pelo Executivo, sobrepõe-se às regiões. O ministro era um grande defensor do
desenvolvimento e da defesa das fronteiras. Albuquerque Lima, conforme Freitas (1993, p.
166-167), patrocinou a nomeação do tenente-coronel aviador Hélio Campos para governador
do território de Roraima, em 1967. O apoio que Campos teve, na forma de recursos para obras
de infra-estrutura de certa monta, corrobora a assertiva que mesmo durante o domínio da
115
“linha dura” no governo, que apoiava uma política econômica ortodoxa, houve preocupação
com o desenvolvimento e a defesa da fronteira no extremo Norte.
O grupo da ESG voltaria ao poder em 1974 com Ernesto Geisel. E, no governo
desse, associado ao II PND e aos sucessos na área econômica e na política externa, alguns
pensadores geopolíticos, como o general Meira Mattos, exultam com a perspectiva de o Brasil
se transformar em potência mundial. Mattos (1975, p. 103), raciocinando sobre as
indefinições e crises da política norte-americana após a guerra do Vietnam, afirma que:
Na presente conjuntura mundial, dominada pela arrancada sem precedentes para o
progresso científico e tecnológico, quem ficar para trás, dia irá aumentando a
distância que, dramaticamente, separa as nações mais desenvolvidas das demais.
Ficar para trás na escalada da ciência, da técnica e da indústria, significa condenarse à posição de inferioridade cada dia mais irrecuperável. Pelo direito de possuirmos
uma vocação de grandeza, justificada pelas nossas expressões geográfica e
demográfica, fomos desafiados a provar a nossa capacidade revolucionária
alcançando as metas de nossa Política de Desenvolvimento a curto prazo. Este prazo
concedido à Revolução não poderá passar do ano 2000. No início do milênio,
teremos que estar formando entre as nações mais prósperas e poderosas do
Universo.
O ano 2000 é aqui um marco, uma meta a ser atingida de acordo com o mesmo autor
(MATTOS, 1977, p. 137-144), quando o Brasil faria parte do clube das potências mundiais,
com a incorporação de tecnologias, como a atômica. Esse otimismo era partilhado por alguns
técnicos e intelectuais ligados ao regime.
Na literatura política brasileira a data não se referia apenas ao final do século XX,
quando muitas metas deveriam ser atingidas, mas também de uma “resposta” a um estudo do
Instituto Hudson, de Nova York (MELO FILHO, 1974; SIMONSEN, 1973), publicado em
1965. Registra Simonsen (1973, p. 20-26), que a obra The Year 2000, de Herman Kahn e
Anthony Wiener, indignou alguns analistas da economia brasileira, ao calcular para o Brasil
uma renda de apenas 506 dólares per capita em 2000, enquanto a americana seria superior a
10.000 dólares anuais e o Japão, Canadá Europa Ocidental atingiriam aproximadamente 6000
dólares. O economista e ex-ministro destaca que a renda per capita do brasileiro era na época
280 dólares, o que representava 1:12,7 da americana, mas no ano 2000 essa relação seria de
1:20,7, de acordo com os pesquisadores americanos do Hudson. Simonsen (1973, p. 21-22)
mostra que graças às medidas dos governos brasileiros de então, a Fundação Getúlio Vargas
registrava que em 1969 o per capita brasileiro era de 440 dólares. Se a renda nacional
brasileira seguisse esse ritmo, afirma o autor, teríamos em 2000 uma projeção de 3.100
dólares, uma “cifra bem mais alentadora que a prevista pelo Hudson Institute”.
116
Murilo Melo Filho lembra em O progresso brasileiro (1974, p. 91), com base em
dados do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), instituição técnica brasileira,
que a renda per capita do país já era em 1965 de 318 dólares, e que a taxa de crescimento
econômico era bem mais elevada que a dos cálculos da dupla Khan-Wiener. Melo Filho
(1974, p. 93) ressalta que a taxa de crescimento do “Brasil Grande” era de 7% ao ano e que na
pior das alternativas, o Brasil ingressaria no ano 2000 na categoria dos países industrializados,
apesar de sua elevada taxa de natalidade, que projetava para o país uma população superior a
200 milhões naquele ano. Registra ainda, (1974 p. 91) que o Hudson Institute, através do
engenheiro ítalo-americano Roberto Panero, elaborou um projeto polêmico na década de
1960: o da inundação de grande parte da Amazônia para viabilizar sua exploração econômica,
via construção de imensas barragens do lado brasileiro e da Colômbia.
Nos anos de 1980, o Brasil e as outras economias latino-americanas sofreriam
com a segunda crise do petróleo e a denominada crise da dívida. Becker, Egler (1994)
registram que nesses países a renda per capita caiu aproximadamente 10% e em 1985 estava
apenas um pouco superior que dez anos antes; o desemprego suplantava em 15% a força de
trabalho e a inflação disparava. Em 2000, o Brasil e a Amazônia seriam diferentes do pensado
e desejados, mas sem dúvida, há uma herança das transformações patrocinadas pelo Estado.
3. 7 CRESCIMENTO BRASILEIRO E REAÇÕES DOS PAÍSES VIZINHOS
A literatura sobre as relações políticas latino-americanas costuma destacar o papel do
Brasil frente aos demais países do continente, principalmente após seu crescimento e avanço
para a Amazônia depois de 1964, quando temores antigos juntaram-se a novas preocupações.
Autores como Bandeira (1995), Gall (1977), Madi (1998), Martinez (1980), Nazoa (1987),
Salamanca (1973), Schilling (1978), Tambs (1978) e Visentini (1995) identificam os receios
de governantes e outros setores com a expansão e dominância brasileira, principalmente no
período 1964-1978. Com posições políticas e linhas teóricas diferenciadas no seu conjunto,
essas fontes tratam o Brasil como um país em ascensão e com pretensões de estabelecer uma
liderança sul-americana, com características de um sub-império, ligado à política de
hegemonia dos EUA.
O distanciamento brasileiro de seus vizinhos tem origens históricas remotas. Nos tempos
coloniais, Portugal e Espanha participavam das constantes guerras na maior parte das vezes
117
em lados opostos. No século XIX, com a independência dos países de língua espanhola e do
Brasil, este preservou sua integridade territorial, enquanto seus vizinhos de língua espanhola
se dividiram e enfrentaram grandes períodos de instabilidade política. Restaram (CASTRO,
1992) alguns problemas de fronteira e de direitos sobre bacias hidrográficas e navegação de
rios, que se estenderam até o século XX. Segundo Donghi (1975), estes problemas foram os
motivos de guerras entre Peru, Bolívia e Chile, ameaças de choque entre este e Argentina, e
guerra de uma aliança liderada pelo Brasil contra o Paraguai. Além disso, conforme Pinsky
(1987, p. 337), o Brasil durante o Império relacionou-se principalmente com os países
europeus, muito particularmente com a Inglaterra, “[...] por acordos comerciais e por dívidas”,
dando as costas para seus vizinhos.
Após a República, o eixo das relações mudou paulatinamente para os EUA ( PINSKY, 1987, p.
338-339), e, na Primeira República (1889-1930), por motivos mais geopolíticos que
econômicos, o barão do Rio Branco levou a política externa brasileira a apoiar sempre a
política americana. O poder dos EUA, interpretava o barão, defenderia o Brasil de uma
dependência das potências européias. Quanto aos vizinhos, havia pendência de fronteira com
a Argentina, com a Colômbia e com a Inglaterra. Quase todas foram resolvidas por
arbitragem, geralmente em favor do Brasil, de acordo com Calmon (1971), perdendo este
apenas uma área para a Inglaterra, onde hoje divisam o estado de Roraima e a República da
Guiana.
Na década de 1930, além da rivalidade Brasil-Argentina, houve guerra entre Bolívia e
Paraguai e lutas armadas entre Peru e Colômbia nas divisas da Amazônia. O quadro ainda
apresentava disputas de limites entre Bolívia e Chile e deste com o Peru. Foi nesse tempo que
o governo brasileiro, a partir das idéias de geopolíticos como Backheuser, Lisias Rodrigues e
Mário Travassos, realizava levantamentos junto às fronteiras do Norte amazônico, o que
resultaria na criação dos territórios do Amapá e Rio Branco. Esses trabalhos chamaram a
tenção do presidente Contreras, da Venezuela, que em 1938 (CAVALCANTI, 1949) ordenou
um estudo visando à integração nacional de seu País nas “áreas despovoadas” do sul do
Orinoco.
Autores como o mexicano Martinez (1980), associam as ações do governo
brasileiro pós-1964 à obra do general Golbery do Couto e Silva, “Geopolítica do Brasil”
(1952). Esta, diz Martinez, é a fonte de uma doutrina básica e oficial da Escola Superior de
Guerra para a expansão do Brasil sobre a América Latina e África. Mais contundente,
Schilling (1978), identifica o “imperialismo brasileiro” com um tipo atualizado de fascismo e
118
um militarismo capaz de influenciar e até patrocinar a queda de governos vizinhos, além de
promover uma “satelitização” do Uruguai. Como Martinez, Schilling vê nas ações da política
externa brasileira, principalmente no rio da Prata e na Amazônia, como a realização da
geopolítica, pensada por Mário Travassos e Golbery. Desenvolvendo argumento semelhante,
Moniz Bandeira (1995) identifica a Amazônia como o segundo grande projeto geopolítico do
autoritarismo brasileiro e ocupa-se das questões geopolíticas que envolveram o Brasil e a
Argentina em questões como a da barragem de Itaipu, atraindo o Paraguai e a Bolívia através
de ligações ferroviárias, empréstimos e abertura de portos livres.
O triunfo do autoritarismo brasileiro, de acordo com Gall (1977, p. 112), teve um
aspecto perturbador: a proliferação de “pequenos brasis” em outras partes da América Latina.
Lembra ele, que das outras nove repúblicas sul-americanas, apenas o Paraguai e o Equador
viviam sob governos militares em 1964, mas em 1977, só dois deles eram governados por
civis. Segundo Gall (1977, p. 112):
O ‘modelo’ brasileiro pareceu tão bem sucedido aos observadores em termos de
promoção do crescimento econômico, redução da inflação, esmagamento da
insurreição esquerdista, limitação do consumo de massas, controle das tensões
sociais e mobilização política, que sua influência se espalhou nos últimos doze anos
aos demais exércitos da região. As mais recentes e brutais dessas ditaduras provêm
de três repúblicas latino-americanas mais europeizadas o Chile, a Argentina e o
Uruguai.
Assim, não é surpresa que países amazônicos, como Colômbia e Venezuela, não ficassem
indiferentes ao avanço brasileiro em direção às suas fronteiras.
A rivalidade Brasil-Argentina tinha proporcionado uma tentativa de aliança desta
última com a Venezuela (BANDEIRA, 1995; TAMBS, 1978), visando formar uma frente de
países contrários à política externa brasileira no continente. A Venezuela chegou a formar
com os países andinos, inclusive a Argentina, o Pacto Andino, tentando isolar o Brasil.
Entretanto, assinala Tambs (1978, p. 52), o Peru, a Bolívia, o Equador, a Colômbia e por
último a própria Venezuela assinaram em 1978 o Tratado de Cooperação Amazônica (TCA),
conhecido como Pacto Amazônico, liderado pelo Brasil. O autor assinala como razões dessa
mudança o progresso econômico brasileiro e a influência de uma nova tecnologia. O peso
deste novo fator, explica Tambs (1978), que podia alterar as relações geopolíticas, era a
tecnologia atômica que, como esperava o Brasil, estaria à sua disposição com o Tratado
Nuclear com a Alemanha, assinado pelo presidente Geisel em 1975 e que perturbou as
autoridades norte-americanas.
119
A Venezuela, lembra Tambs (1978), foi um dos países fundadores da Organização
dos Países Produtores de Petróleo (OPEP) quando se afastou dos EUA. Em 1964 não
reconheceu o governo militar brasileiro e desde 1973 vinha se beneficiando da crise do
petróleo, que quadruplicou seu preço. Tinha uma política externa independente, a ponto de
reconhecer o governo revolucionário cubano e nacionalizar as empresas mineradoras e
petrolíferas norte-americanas em 1974 e 1975. O então presidente Rafael Caldera promoveu
uma aproximação com os países do denominado Terceiro Mundo e tentou a formação de uma
aliança anti-brasileira. De acordo com Tambs (1978), esta busca foi promovida:
Em parte pelo crescimento econômico do Brasil, a construção da Transamazônica, a
projetada Perimetral Norte, o estabelecimento de campos de pouso e instalações
militares em Roraima, o aumento populacional de Boa Vista e a subseqüente
penetração para a fronteira da Venezuela. O encontro entre os presidentes Caldera e
Médici, na cidade fronteiriça de Santa Elena de Uairén, em 1973, pouco serviu para
reduzir as tensões. Até a decisão conjunta de pavimentar a rodovia em construção
Manaus-Boa Vista-Santa Elena-El Tigre-Caracas, simplesmente exacerbou os
receios venezuelanos.
Tambs (1978, p. 53) registra que a pretensa aliança de países de língua espanhola de Caldera
fracassou por não ter o país os “[...] fatores geopolíticos de espaço, posição, população e
diretrizes [...]”, além das contradições dentro do Grupo Andino.
Tambs (1978, p. 53) anota que a Venezuela estava “cercada” por nações castristas,
como Panamá, Jamaica e Guiana e ligada ao Brasil por crescentes atividades econômicas e
pela rodovia Manaus-Caracas. Assim, afirma Tambs (1978, p. 53), Caldera teve que se decidir
em favor da “continentalização”, aproximando-se dos “americanos portugueses”, cada vez
mais poderosos e independentes. No entanto, o governo venezuelano não tinha descuidado de
suas fronteiras e territórios desde o sul do Orinoco (BARROS, 1995; MATTOS, 1980), tendo
implantado um complexo minero-industrial próximo à foz desse grande rio, na província de
La Guayana, onde desponta a moderna cidade de Puerto Ordaz, junto à antiga Ciudad Bolívar.
Além disso, junto às quedas dos vários rios que se juntam ao Orinoco, foram construídas
usinas hidrelétricas, dando ao sul da Venezuela energia barata e abundante.
Sem discordar das razões econômicas e geopolíticas que separavam Brasil e
Venezuela, Visentini (1995, p. 19-43) refere-se a uma assincronia política entre esses países,
principalmente no século XX. A Venezuela, lembra Visentini (1995, p. 22-23), teve na
primeira metade no século XX poucos anos de democracia, ao mesmo tempo em que se
transformou num dos maiores produtores mundiais de petróleo. Segundo esse autor (1995, p.
120
23), em 1958 foi restabelecida a democracia e a política externa venezuelana adotou a defesa
dos regimes democráticos no continente, a denominada “Doutrina Betancourt”20. No caminho
inverso, o Brasil passaria em 1964 de regime democrático a uma ditadura militar. Ainda de
acordo com Visentini (1995, p. 25-26), os temores venezuelanos foram afastados após a
adoção de uma política externa independente no governo Geisel (1974-1979), a assinatura do
Tratado de Cooperação Amazônica em 197821 e o início dos acordos entre Brasil e Argentina
sobre barragens do rio Paraná.
Em 1979, um ano após a assinatura do Tratado de Cooperação Amazônica, as
relações entre Brasil e Venezuela já eram diferentes, conforme escreve Mattos (1980). Foi
assinado um acordo petrolífero, aumentando a quota de compra brasileira de 50.000 para
100.000 barris diários e empresas brasileiras se associaram para a construção da grande
hidrelétrica de Guri, um complexo de barragens integradas, e a Venezuela completou a
rodovia que alcançou a fronteira com o Brasil. O autor exalta ainda a base fronteiriça em Boa
Vista, onde teria sido criado um pólo de desenvolvimento. Essa última informação está ligada
às ações locais implantadas durante o II PND e o POLAMAZÔNIA. Daí para frente, afora em
alguns pequenos casos, não haveria grandes problemas nas relações entre Brasil e Venezuela
O crescimento brasileiro causou alguma apreensão também na Colômbia.
Salamanca (1973), ex-cônsul de seu país em Manaus, lamenta que seu país tenha sido alijado
por Peru e Brasil de parte de sua fronteira amazônica no passado e, que não haja da parte de
seu governo um plano de ocupação da região. Atribui esse fato à existência de uma
mentalidade colombiana andina e montanhesa e apresenta (1973, p. 17-20), uma síntese de
um Plano Geral para a Integração da Amazônia colombiana. Tece elogios ao Brasil, que
empreendeu “[...] a obra quiçá mais importante para o desenvolvimento e da civilização
americana”. O Autor citado, também manifesta preocupação com o avanço econômico
brasileiro na fronteira e com o isolamento da cidade de Letícia.
Salamanca (1973, p. 55-62) elogia a “Operação Amazônia” e destaca que a Zona
Franca de Manaus, quase anulou o comércio de Letícia. Baseado nos exemplos brasileiro e no
20
A “Doutrina Betancourt”, leva o nome do presidente venezuelano Rómulo Betancourt, eleito após a revolução
democrática que derrubou a ditadura militar venezuelana em 1945. Foi eleito presidente novamente em 1959.
Conforme Zurita (1995, p. 122), essa doutrina consistia no não reconhecimento de governos surgidos pela força
e produziu um distanciamento com o Brasil após 1964.
21
De acordo com Bansart (1995, p. 58-59), em 1976, quando o presidente brasileiro Ernesto Geisel propôs o
Tratado de Cooperação Amazônica à Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, esta
última “[...] manteve um longo silêncio acerca desta proposição e foi o último país a responder
afirmativamente”.
121
peruano, defende a construção de rodovias na Amazônia colombiana, o que facilitaria a
colonização. Anota que (1973, p. 63) a “Ação Amazônica do Peru”, ao tempo do presidente
Belaunde Terry, de 1965, declara a zona amazônica de seu país, limítrofe com a Colômbia,
liberada de impostos pelo prazo de quinze anos, enquanto os impostos do lado colombiano
são os mesmos das grandes cidades. O autor (SALAMANCA, 1973, p. 112-113) propõe ainda a
colaboração do Brasil, o “poderoso vizinho econômico sul-americano”, e diz (SALAMANCA,
1973, p. 139-140) ser inoportuna e delirante a tese da política imperialista do Brasil.
Tambs (1978, p. 54-55) afirma que o Brasil tinha perante seus vizinhos uma “[...]
superioridade geográfica, que acentuou o progresso ideológico, econômico e tecnológico”.
Sua população era de aproximadamente 110 milhões de habitantes, concentrados no centro e
no sul e crescia a um ritmo de 2,8% ao ano entre 1960-1975. A estimativa do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) era de que no ano 2000 teria ultrapassado os 200
milhões de habitantes e, como reconhece Gall (1977), havia um movimento populacional em
direção às regiões fronteiriças tão intenso e de tal amplitude que sua impulsão dificilmente
seria contida. Essa era na verdade, afirma Gall, a maior preocupação dos vizinhos do Brasil:
as intensas mudanças na economia criaram uma população rural de aproximadamente 44
milhões de pessoas, com característica altamente móvel. Esse número, lembra Gall (1978, p.
107), era o dobro da população argentina, o maior vizinho e rival brasileiro.
Os altos índices de natalidade e a mobilidade populacional no Brasil, que
preocupavam administradores como Simonsen (1973), foi amenizada por outros, como
Delfim Netto. De acordo com Gall (1978, p. 107-108), Delfim teria afirmado em 1967 que se
o crescimento econômico era na razão de 9 a 10 por cento ao ano, nada seria ganho perdendo
tempo com especulações sobre um fenômeno social tão desestimulante. Problemas como a
concentração de renda e da terra estavam ligados à mobilidade da população diz o mesmo
pesquisador, mas para o governo brasileiro da época os caminhos estavam traçados e ao final
todos sairiam ganhando com o progresso geral.
122
4
RORAIMA: MILITARIZAÇÃO, PROGRESSO E CONFLITO
A intervenção na Amazônia pelos governos militares após 1964 tem sido
considerada como iniciada com a construção da rodovia Transamazônica, em 1970, após
visita do presidente Médici ao Nordeste para verificar os efeitos de terrível seca. Ainda na
primeira metade desse mesmo ano, segundo Velho (1976, p. 209), foram anunciados vários
outros projetos rodoviários como a Cuiabá-Santarém, a pavimentação da Belém-Brasília e o
apoio à rodovia estadual amazonense que ligava Manaus à Brasília-Acre. Em julho de 1970
foi anunciado o PIN que, na opinião de Velho (1976), substituiu a abordagem
desenvolvimentista regional pela inter-regional. Entretanto, de acordo com a Fundação de
Meio Ambiente e Tecnologia de Roraima (SILVA JR., 1994), no norte da Amazônia Ocidental
houve medidas anteriores de grande monta, como a continuação da rodovia BR 174, ligando
Manaus a Boa Vista, até então aberta lentamente pelo governo amazonense.
O governo Costa e Silva (1967-1969), após o término da política externa de
“fronteiras ideológicas” do governo anterior, em vista do desgaste político com países
vizinhos (BANDEIRA, 1995, p. 234-236), optou prioritariamente pela defesa interna, entregue
às Forças Armadas. Foi assim abandonada a participação de expedições armadas, em apoio à
política norte-americana de contenção do avanço do comunismo, como a ocorrida em São
Domingos em 1965. No entanto, de acordo com Bandeira (1995, p. 236), a posição brasileira
não mudou, mesmo após a criação em 1967, na cidade de Havana, da Organização LatinoAmericana de Solidariedade, um instrumento com que Cuba esperava fomentar guerrilhas no
continente.
No final da década de 1960, o clima político no Caribe era explosivo (SILVA JR.,
1994) e a posição estratégica de Roraima deve ter pesado na mudança do Comando Militar da
Amazônia de Belém para Manaus, a apressar a abertura da BR 174 e deslocar vários
contingentes militares para a fronteira com a Guiana e a Venezuela. A seguir, o governo
passou a montar em Roraima uma infra-estrutura física, com a construção de edifícios
públicos e milhares de casas residenciais, mudando o perfil da capital e do território. Essa
mudança foi facilitada pela pré-existência de uma estrutura administrativa (Barros, 1995;
Freitas, 1997), oriunda do tempo do Estado Novo, como já demonstrado.
123
Mas Roraima tinha mais que uma posição estratégica e uma pequena máquina
administrativa. Havia desde o século XIX uma economia pecuária e mercantil (BARROS,
1995; CAVALCANTI, 1949) complementada pelo extrativismo mineral e vegetal. Evoluiu ali
uma sociedade hierarquizada, patrimonial, tendo no topo criadores e comerciantes, e
submetidas, diversas comunidades indígenas. Não obstante as mudanças ocorridas durante o
regime militar, como uma nova estrutura administrativa e a chegada de migrantes em tal
número que suplantou os nativos, houve por parte dos antigos grupos dominantes a
preservação de valores e participação no poder.
É notável o fato de que os territórios federais tenham se beneficiado de uma
reforma constitucional em 1969, que retirou receita dos estados, e que a partir daí houvesse
estabilidade e mais recursos aos governadores territoriais (FREITAS, 1993) por força do
Decreto-Lei 411/6922. Em Roraima, estes representaram os diferentes momentos políticos e
administraram segundo projetos nacionais, como os PNDs. Hélio Campos (1967-1970 e
1970-1974), homem ligado à “linha dura” militar, governou de acordo com o I PND, num
momento de euforia nacional, cooptando as lideranças locais com cargos e apoio para dezenas
de jovens estudarem nas grandes capitais. No seu tempo, a abertura da BR 174 e outras
realizações locais causaram protestos da vizinha Venezuela, mas foram também pontos de
referência para uma aproximação desta com o Brasil e sua participação no Pacto
Amazônico23. Seu sucessor ao tempo do II PND, Fernando Ramos Pereira (1974-1979), mercê
da tentativa de implantar os projetos previstos no POLAMAZÔNIA, entrou em choque aberto
com algumas lideranças locais tradicionais.
Com exceção do embate na época de Ramos Pereira, os grupos dominantes locais
reagiam, em geral (FREITAS, 1993), de acordo com estímulos externos, como a cooptação, a
coerção e a associação, adotados em diferentes tempos pelos administradores nomeados.
Assim, aproveitaram as vantagens dos diferentes momentos pelos quais passou o regime
militar. O caminho da redemocratização passa pela crise da dívida, do início da década de
1980, quando os abundantes recursos federais começam a rarear, mas já se anunciava que o
território seria um futuro estado federativo, e as lideranças preparam o caminho para novos
papéis.
22
O papel estruturante e orientador do Decreto-Lei 411/69 é também salientado por MacMillan e Furley (1994,
p. 187). Esse instrumento foi na prática regulamentado por outro decreto, de n. 200/69.
23
Assinado em julho de 1978 pelos países amazônicos, inclusive a Guiana e Suriname, como já referido.
124
Com a redemocratização, em 1985, seguindo o processo de erosão do regime
autoritário que vinha desde 1974, conforme Becker, Egler (1994), houve no Brasil a
reacomodação das elites regionais, em busca de novos mecanismos políticos garantidores de
seu poder. Em Roraima, nenhum dos grupos de interesse conseguiu a hegemonia e formou-se
uma aliança em que, pela primeira vez, um filho da terra foi escolhido para governador. Mas a
luta que se seguiu, inclusive com o assassinato do prefeito da capital, ensejou uma
intervenção do governo central, que nomeou um novo governador, ligado aos grandes
projetos de mineração. Este foi atropelado pelo grande afluxo de garimpeiros que invadiram
as áreas indígenas e provocaram problemas de tal monta, que chamou a atenção dos países
vizinhos, defensores dos índios e ecologistas do mundo todo, obrigando o governo brasileiro a
fechar os garimpos.
Criado pela Constituição de 1988 e organizado em 1990, o estado de Roraima não
conseguiu resolver três de seus maiores problemas: a questão fundiária; a demarcação das
terras indígenas, atendendo a mesma Constituição que o criou; e uma economia que não gera
recursos para manter a máquina administrativa, dependente ainda de 80% de repasses federais
para se manter24. Há um contínuo avanço de migrantes em direção à floresta, abrindo caminho
para a extração de madeira e para a pecuária. Esse fluxo segue as antigas rodovias
estratégicas, hoje os eixos de penetração na selva e que em alguns sítios deram origem a
povoados e cidades. Persiste também um garimpo residual de ouro e diamante, cujas
atividades são informais em sua maioria.
4. 1 A MILITARIZAÇÃO DA FRONTEIRA E A MODERNIZAÇÃO
O abandono da doutrina de fronteiras ideológicas pelo governo Costa e Silva
(1967-1969), de acordo com Bandeira (1995, p. 237), não significou que o governo militar
brasileiro toleraria governos de esquerda, revolucionários, principalmente na bacia do rio da
Prata. Pode-se dizer que o mesmo valia para a bacia amazônica, a julgar pelas ações ali
desenvolvidas. Chamava a atenção das autoridades de Brasília a instável situação política da
24
A Lei Orçamentária do ano 2000, do estado de Roraima, apresenta na conta Receitas do Tesouro um total
pouco superior a 459 milhões de reais, dos quais apenas 85 milhões são oriundas de Receita Tributária. Em
entrevista (GADELHA, 2001, p.5), o ex-secretário de finanças do estado, Leocádio Vasconcellos, afirmava “O
estado sobrevive do Fundo de Participação dos Estados, orçado em 30 milhões/mês e da renda tributária própria,
em 11 milhões de reais/mês”.
125
Guiana, ex-Inglesa, com revoltas desde a independência em 1966, que se transformaram em
guerra civil iniciada em 1969. Um dos lados em luta, o dos descendentes de indianos, o grupo
étnico mais numeroso (BARROS, 1995), liderado por Chedi Jagan, abertamente advogava
teses marxistas e era apoiado por Cuba. Índios passavam a fronteira para o lado brasileiro e
havia notícias de invasão do território nacional. Sem alarde, pelotões de fronteira deslocaramse para Roraima em 1969 (SILVA JR., 1994), quando foi apressada a construção das rodovias
BR 174 e BR 40125.
A divisão de forças na cúpula do governo militar brasileiro não atrapalhou
medidas de ordem geopolítica, pelo menos com relação à Amazônia setentrional. Em março
de 1967, foi criado o 6.° Batalhão de Engenharia de Construção, que reiniciou a abertura da
BR 174 ligando Manaus a Boa Vista, até então a cargo do governo do estado do Amazonas,
cuja conclusão só se daria em 1977. A medida foi complementada pela formação de outras
unidades militares, como o 2.° Grupamento de Engenharia de Construção em 1970, e pela
fixação de outros pelotões militares nas localidades de Bonfim, Normandia e Surumu (SILVA
JR., 1994, p. 283-284). Significativamente, o Comando Militar da Amazônia foi transferido de
Belém para Manaus, o que sugere que a prioridade em termos estratégicos na Amazônia
estava mais próxima da Amazônia Ocidental e do Caribe.
Com o governo Médici, entrava-se em uma nova fase dos governos militares,
situação a que o próprio ministro Delfim Neto adaptou-se, conforme Velho (1976, p. 211),
mas não os representantes do liberalismo mais ortodoxo, como Gudin (1978, p. 269-270),
para quem a Transamazônica era uma “[...] obra imatura [...] houve concorrência pública para
início das obras antes da conclusão do projeto”. Críticas ainda mais ferozes vinham de
pensadores mais à esquerda. Um crítico da intervenção na Amazônia, e do regime que a
promovia, Oliveira (1994, p. 87), afirma que:
A direita nacionalista militar que restou no Exército, após os expurgos de 1964,
formulou, na competição com as correntes ‘entreguistas´ (representada fortemente
pela dupla Campos-Bulhões) pela hegemonia no interior do primeiro governo da
ditadura, a proposta de ‘integrar para não entregar`, que passou a ser um
componente da doutrina mais ampla da ‘intervenção’. Na verdade a integração já era
a fórmula juscelinista da Belém-Brasília, contra vozes mais autorizadas do
pensamento burguês brasileiro se levantaram: Roberto Campos, Eugênio Gudin... a
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.
25
A primeira liga Manaus – Boa Vista – fronteira com a Venezuela, enquanto a segunda liga Boa Vista à divisa
com a Guiana. Estas estradas já tinham sido sugeridas na década de 1940 por Cavalcanti (1949), o que
demonstra sua visão geopolítica e, também, que há uma continuidade entre a ideologia do Estado Novo e o
regime militar pós-1964.
126
Essa guinada em busca do desenvolvimento nacional contrariava, pois, o pensamento liberal.
No entanto, assevera Velho (1976, p. 170-171): “[...] os laços com o capitalismo internacional
se fortaleceram após 1964, mas de 1969 em diante a política liberal mostrou-se simplesmente
inaplicável por muito tempo”. O Estado, diz ainda o autor, “[...] foi forçado a preencher os
‘vazios’ na economia e gradativamente, na prática houve uma reversão completa das
intenções declaradas”. Assim, autoritarismo e um nacionalismo que funcionava como uma
fachada ideológica se conjugam no fechamento do regime.
Este regime cada vez mais afasta os políticos liberais e coloca em seu lugar
membros identificados com o autoritarismo. Uma das conseqüências disso, afirma ainda
Velho (1976, p. 172), é que a centralização acelerou o ritmo e na prática desapareceu a
autonomia estadual. Um exemplo concreto disso, citado por Skidmore (2000b), foi a retirada
de recursos dos estados em 1969, legitimada por uma reforma constitucional. Mas os
territórios foram beneficiados em seguida com medidas e legislação em sentido contrário,
uma quase ironia para um país com tradição federal.
Para Freitas (1993), uma medida do governo central, de resultados estruturantes
para o território de Roraima, foi o Decreto-Lei 200, de fevereiro de 1967.26 Este decreto
promoveu uma reforma administrativa ao instituir o Sistema Federal de Planejamento que
atingiu fortemente os territórios, o que propiciou a melhoria de sua estrutura administrativa, a
regularização e a ampliação dos repasses de verbas. A partir daí, houve uma estabilidade dos
governadores no posto (FREITAS, 1997) com resultados positivos, pelo menos para Roraima,
já que, por nove anos seguidos, dois governadores deram início, continuidade e fim a várias
obras públicas de certa envergadura. Mas, os investimentos em Roraima, pelo menos numa
fase inicial, não tinham objetivo propriamente desenvolvimentista e sim estratégico, situação
que se modificou quando também mudou o panorama das relações políticas com os vizinhos
países amazônicos, no final da década de 1970.
Obras como a ponte sobre o rio Branco, que deu início à BR 401, a qual liga
diretamente Boa Vista, a capital de Roraima, a Bonfim, na fronteira com a Guiana (SILVA
JR., 1994, p. 199-212), construída na década de 1970, com mais de um quilômetro de
extensão, simbolizam uma época. Não foi uma medida isolada, segundo Freitas (1993): o
26
Esse Decreto, com seus 613 artigos, deu nova forma à máquina administrativa federal brasileira. Entre outras
coisas, abriu caminho para disposições legais como o já referido Decreto-Lei 411/69, de janeiro de 1969, o
principal regimento dos governadores dos territórios durante o regime militar.
127
ritmo de construções durante o “milagre brasileiro” incluiu o palácio do governo e uma série
de outras obras públicas, como casas para os novos funcionários, implantação de telefonia, luz
elétrica permanente e água encanada na capital. Barros (1995) reconhece que havia a idéia
geopolítica de que era preciso atrair e fixar pessoas, inclusive com formação para ocupar a
terra fronteiriça. Explica ainda que esses incentivos para ocupação continuaram nos governos
militares seguintes, mas o grande esforço, a obra maior da estratégia do governo desde 1967
na Amazônia Ocidental, foi a BR 174.
Em 1964, início do regime militar, os territórios tinham sido marginalizados.
Roraima só recebeu um governador nomeado pelo novo regime em julho daquele ano. Seu
nome, segundo Freitas (1993), ficou associado à repressão que marcou a época em todo o
país. Líderes locais, como o prefeito municipal, foram sumariamente presos, demitidos e
cassados. Dilermando Rocha, o governador, diz a mesma fonte, era de confiança do Marechal
Cordeiro de Farias, Ministro Extraordinário para Coordenação dos Organismos Regionais
(MECOR), antecessor do depois recriado Ministério do Interior, o que lhe dava respaldo nas
ações. Cordeiro de Farias foi o fundador da Escola Superior de Guerra e tinha inteiro
conhecimento do papel a ser desempenhado pelo território.
No entanto, esse autoritarismo inicial foi mudado, provavelmente em razão de se
ter consciência que ali havia uma população nacional, com lideranças que poderiam ser
cooptadas numa nova e necessária relação de poder. Na década de 1970, recursos oriundos do
PIN, dos PNDs e do POLAMAZÔNIA, além dos específicos dos PDAs da SUDAM, seriam
investidos em Roraima e mudariam sua história, administrados com entusiasmo por dois
governadores militares do período: Hélio Campos e Fernando Ramos Pereira. O primeiro
abraçaria posteriormente a política, aliando-se a grupos locais, opondo-se tenazmente ao
governo do segundo e chegaria a senador do novo estado de Roraima, após reeleger-se mais
de uma vez como deputado federal do território.
Ramos Pereira seria o aplicador entusiasta da política desenvolvimentista contida
no II PND e no POLAMAZÔNIA, além de defensor da criação do novo estado e de obras
como uma usina hidrelétrica para suprir de energia Boa Vista e Manaus, que não foi
construída. Segundo Freitas (1993), ele defendia, acima de tudo, uma racionalidade na
ocupação do espaço do território, com a implantação de um pólo agropecuário e outro
mineral. Seu reconhecido autoritarismo resultou em guerra aberta com os defensores dos
128
índios e com grupos políticos locais, até que estes últimos fossem apaziguados por seu
sucessor, Ottomar Pinto, iniciador de uma nova era na política roraimense.
Os Planos Nacionais de Desenvolvimento, especialmente o II PND (1975-1979),
conforme Becker, Egler (1994, p. 144), seguiam a lógica do projeto geopolítico, objetivando
ordenar o território nacional, através da sua ocupação rápida e combinada, incorporando o
centro-oeste e a Amazônia e modernizar a economia nacional. Através dessas políticas,
afirmam os autores, buscava-se ainda, estender o controle estatal a todas as atividades e a
todos os lugares, com a função de também de legitimar o Estado. Um capítulo do II PND era
o II Plano de Desenvolvimento da Amazônia (PDA) (1975-1979), elaborado pela SUDAM. O
POLAMAZÔNIA era também específico para a região, enquanto cada território teve o seu
Programa de Ação para o período.
O Programa de Ação do Governo para o Território de Roraima – 1974-1979,
contém um diagnóstico das realidades sociais e econômicas em Roraima na década de 1970,
além dos objetivos gerais do POLAMAZÔNIA e II PND e da série de medidas a serem
tomadas. Em 1973 (OLIVEIRA, 1988) foram lançados o Plano Básico de Desenvolvimento do
Vale do Rio Branco, em Roraima, mas este deve ter sido substituído pelo Programa de Ação
para o Território de Roraima, pois não há evidências e informações sobre sua implantação.
Fato concreto é que o planejamento governamental para a Amazônia estava, já em 1973,
abrindo um maior espaço para o grande capital.
O Programa de Ação para o Território de Roraima, o detalhamento do II
PND/Programa de Ação do governo para a Amazônia da SUDAM, de 1975, informa que a
agricultura concentrava-se em torno das já citadas três colônias: Taiano, Fernando Costa e
Cantá. Seu mercado, diz o mesmo documento, era reduzido, com baixo nível de educação
agrícola, dificuldades de financiamento, mercado consumidor restrito à cidade de Boa Vista,
assistência técnica reduzida e o sistema viário deficiente. Outra causa do atraso seria a
situação fundiária indefinida: de um total de 1.193 imóveis rurais cadastrados em 1972,
apenas 172 possuíam título definitivo. A soma total da área dos imóveis era de 1.835.652 ha.
Dos imóveis titulados, informa o documento, apenas 53 deles teriam direitos reais, sendo que
havia 905 titulares de posse, havendo ainda 190 imóveis cadastrados classificados como
“inconsistentes”. Esses dados aproximam-se dos apurados pelo IBGE, que mostram uma
intensa alteração nos números de 1970 em diante.
129
O Programa de Ação é um documento de planejamento de sua época, que trata o
espaço geográfico do antigo território como área a ser ocupada, havendo exceção apenas para
uma pequena porcentagem “reclamada pela FUNAI”, não por povos de cultura tradicional e
diferenciada. Era uma visão burocrática e autoritária, dentro do contexto do pensamento
geopolítico governamental da época, quando se acreditava acima de tudo na resolução de
problemas com a aplicação de técnicas e medidas racionais. Nesse contexto, não há espaço
para outras racionalidades ou culturas, como as indígenas.
Das diferentes e então ignoradas culturas indígenas de Roraima, as mais
numerosas são os Yanomami e os Macuxi. Outros grupos são os Ingaricó, Taurepang, Waiwai, Waimiri-Atroari, Wapixana e Maiongong. Os Yanomami vivem no oeste de Roraima,
ficando parte de suas terras no Amazonas e na Venezuela. Sofreram invasões com repetidos
avanços de fazendeiros e garimpeiros, o que só foi amenizado recentemente, com a
demarcação de sua Reserva (FREITAS, 1997). Os Macuxi habitam o cerrado e a parte mais
montanhosa, no nordeste, onde fica a Terra Indígena Raposa/Serra do Sol. Esta, segundo
observadores como o Instituto Sócio-Ambiental (ISA) (2000) e pesquisadores da realidade
local (SIMONIAN, 1999), é a área mais conflituosa de Roraima nos embates em torno de sua
demarcação.
Ainda segundo o Programa de Ação (p. 46-51), o rebanho bovino em 1970 seria
de 330.000 cabeças,27 número que só seria ultrapassado em 1995; a pecuária seria a atividade
de maior significação sócio-econômica do Território, abastecendo 30% do consumo de
Manaus e absorvendo 28% da mão-de-obra rural masculina. No Mapa 6, que segue, tem-se a
espacialização da área onde a pecuária dominava, por essa época. Por sua vez, as fazendas
distavam de 26 a 316 km da capital, sendo que no inverno, período de chuvas, o acesso era
dificultado. Informa ainda, tal como confirmado por outras fontes, que muitos capatazes que
trabalhavam no sistema de “quarta”, isto é, recebendo um quarto dos bezerros criados,
freqüentemente se transformavam em fazendeiros, o que atraia uma parcela notável da mãode-obra. Técnicas primárias, de criação extensiva e pouco empenho na melhoria de técnicas e
cuidados alimentares seriam causas de uma baixa produção no setor.
27
Dados do IBGE, publicados em 1995 atribuem para 1970, rebanho de 238.761 cabeças, conforme Quadro 1.
130
Fonte: Ministério do Interior/ II PND /Programa de Ação para o
Território de Roraima, 1975, p. 49.
O gado exportado para Manaus variava entre cinco a oito mil cabeças/ano entre
1960-1968; aumentou para cerca de 10.000 em 1969, chegou a 15.000 em 1971, e baixou para
5.000 em 1974. O aumento destes números após 1967 é atribuído à implantação da Zona
Franca de Manaus, o que justificaria as expectativas dos administradores nesse mercado. O
consumo local era superior a 10.000 cabeças/ano.
Ano
1970
1975
1980
1985
1995
Cabeças
238.761
246.126
313.881
306.015
399.939
Quadro1 - Rebanho Bovino de Roraima - 1970-1995.
Fonte: IBGE, Censos Agropecuários, 2001.
Chama a atenção a localização das fazendas de gado, conforme o Mapa 6, estão
em sua maioria na região norte-nordeste, já na época reivindicada por grupos indígenas, mas o
texto desconhece a questão. Algumas áreas interditadas pela FUNAI e uma outra, próxima às
fazendas, merecem breve comentário no documento. Outro fato chamativo é que, havendo um
131
mercado seguro e crescente para uma pecuária provida de incentivos, a mesma não
deslanchou, conforme mostra o Quadro.1. O Programa faz severa crítica ao comércio que,
como será visto adiante, tem um importante papel na formação das lideranças políticas
locais28. O documento ainda lista os minerais: ouro, diamante, cassiterita, além de 11 outros, o
que preconizava, como era o plano geral, uma exploração empresarial. Sobre o extrativismo,
refere-se a uma muito pequena exploração da borracha, da castanha e da balata, atividades
que nas próximas décadas praticamente desapareceriam.
Os resultados das medidas tomadas pela racionalidade do governo central quanto
à titulação de terras, além de outras que se seguiram, podem ser analisados nos números
apresentados pelos Censos Agropecuários do IBGE de 1970, 1975 e 1980. No primeiro Censo
citado havia 1.483 proprietários, número reduzido para 150 no segundo, crescendo para 345
no último. Em 1985 esse número aumentaria mais de dez vezes, atingindo 3.666 e passaria
para 6.643 em 1995-1996. Mas a mudança de números de 1985 em diante está mais ligada ao
grande número de assentamentos do INCRA e do Instituto de Terras de Roraima
(ITERAIMA), criado em 1992, e ainda, à política de legalização territorial promovida pelo
governador Ottomar Pinto (1979-1983).
Apesar do conflito quanto à questão fundiária, os interesses locais, segundo a
aliança de poder estabelecida, tinham que ser atendidos, sendo a abertura de estradas um claro
sinal disso. Na década de 1970, os vários governos do território abriram outras rodovias,
ligando fazendas, povoações e assentamentos agrícolas que se transformaram nos anos
seguintes em sedes de municípios. Esta rede de estradas deveria, também, possibilitar a
ocupação organizada de novas terras, ignorando se estas eram indígenas ou não, o que
permitiu e até acelerou o avanço para a floresta. Esses novos caminhos abertos permitiram
não só a gradual agressão ao ambiente e pressão sobre as terras indígenas, mas também um
explosivo aumento populacional pela chegada de migrantes, principalmente nordestinos
assentados nos projetos agrícolas do INCRA e do ITERAIMA. Também foi facilitada a
retomada da mineração garimpeira na segunda metade da década de 1980. Outra causa da
destruição da floresta (BARBOSA, 1990; SCHNEIDER et al, 2000) é a extração predatória da
madeira que se segue à abertura de estradas vicinais.
As estradas vicinais se alongam segundo o desenho conhecido como “espinha de
peixe”, transversalmente ao eixo da estrada principal e formam atualmente a maior parte dos
28
Alguns dos políticos da atualidade, filhos de comerciantes e profissionais liberais foram estudar em Belém e
em outras cidades. E, a partir de cargos técnicos na administração, evoluíam para cargos políticos ainda na
década de 1970, como será visto mais adiante.
132
aproximadamente três mil quilômetros de estradas estaduais. Sua construção e manutenção de
alto custo, mantêm ocupadas inúmeras empreiteiras, já que as chuvas constantes de
maio/agosto destroem trechos e pontes, e têm sido motivos de controvérsias e disputas por
verbas entre grupos empresariais ligados ao setor de estradas29. Essas estradas quando mais
novas, são construídas para acessar grupos de colonos que cada vez mais se embrenham na
floresta, em busca de novas terras, algumas das quais são posteriormente vendidas após a
retirada da madeira e transformadas em pastagens. Esse processo tem causado atritos entre
pecuaristas e administradores do INCRA, além de deslocar lentamente os rebanhos para o sul
e sudeste do estado.
Em resumo, as mudanças estruturantes em Roraima a partir do final da década de
1960 e parte da seguinte, devem-se à associação de vários fatores como: a estabilidade dos
governadores, sua relativa autonomia de decisão e recursos oficiais disponíveis. Pesou
também o fato de, graças ao critério de escolha da época, os governantes serem dotados de
boas relações em Brasília, principalmente com os ministros do Interior e da Aeronáutica.
Oficialmente, o território era vinculado administrativamente ao primeiro, mas vivia-se em
regime de exceção e, na prática, era quase sempre o segundo que tinha maior força. Como
será demonstrado adiante, foi buscado o desenvolvimento, mas a matriz era geopolítica, em
razão da situação do Caribe, palco principal do avanço da ideologia socialista através de
Cuba, principalmente, e das relações tensas com a Venezuela.
4. 2 GEOPOLÍTICA E COOPTAÇÃO: O GOVERNO HÉLIO CAMPOS
Com o início do governo Costa e Silva, em abril de 1967, seria nomeado
governador o tenente-coronel aviador Hélio da Costa Campos, que governaria até o início de
1970, e depois do fim deste ano até 1974. Foi contemporâneo de dois fatos que contribuiriam
para marcar profundamente Roraima: a instável situação política da Guiana e do Caribe e o
que se denominou “milagre brasileiro”. Campos, como anota Freitas, (1993, p. 166-167),
advinha do Correio Aéreo Nacional e tinha trabalhado como ajudante de ordens do brigadeiro
Eduardo Gomes, seu mentor. A ala militar ligada a Gomes era de grande prestígio quando do
início do governo Costa e Silva. O ministro do Interior deste, general Albuquerque Lima,
ardente nacionalista, componente da “linha dura”, teria sido o “padrinho” da nomeação de
29
A construção/reconstrução de estradas é tão permanente, que há um forte e influente Sindicato dos
Construtores de Estradas, que funciona junto ao Serviço Social da Indústria (SESI) de Boa Vista.
133
Campos. No dizer de Freitas, (1993, p. 166-167), este gozava também da confiança do
ministro da Aeronáutica, Délio Jardim de Mattos e era um veterano de ações militares, como a
intervenção em São Domingos em 196530.
Com recursos para realizar projetos e mudanças, Hélio Campos apoiou-se no
cotidiano da administração em dois nomes da terra: o antigo secretário do território Waldir
Abdala e Francisco das Chagas Duarte, filho de fazendeiro e ex-prefeito de Boa Vista. Para
obras como rodovias contava com o apoio do ministro dos Transportes Mário Andreazza,
enquanto que para a parte mais administrativa beneficiava-se das reformas em favor dos
territórios, quando estes passaram a receber repasses do Fundo de Participação dos estados e o
dos Municípios, além de outros. Teve ainda o apoio do ministro das Minas e Energia Costa
Cavalcanti, que depois, já no governo Médici, assumiria o Ministério do Interior e conseguiria
sua nomeação para um segundo governo. Sendo esta uma exceção, sua explicação só pode
significar que Campos era o homem certo para o projeto geopolítico já desenhado para a
região, e que sabia articular com a sociedade política local.
Obras de infra-estrutura, como dezenas de pontes e estradas, construção de casas
populares, construção de um estádio de futebol imponente e melhoria no abastecimento em si
não atrairiam o apoio de lideranças da terra. Assim, Hélio Campos atuou junto aos líderes e
grupos locais, que, sem condições de eleger o deputado federal, estavam acomodados no
partido de oposição, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Cargos e apelos amigáveis
fizeram com que o candidato a deputado federal pela Aliança Renovadora Nacional
(ARENA), partido de apoio ao governo, não tivesse concorrente em 197031. Situação diferente
ocorreria quatro anos depois, quando o partido governista, como em outras partes do Brasil,
não pôde acomodar as diferentes correntes e se fez uso das sublegendas.
Em 1970, registra Freitas (1993), em razão das políticas públicas implantadas,
Roraima e Boa Vista já apresentavam mudanças visíveis: a capital tinha se transformado em
canteiro de obras, com centenas de novas casas e bairros novos, além de um campus
universitário da Universidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul. Migrantes chegavam a toda
hora, em busca de novas oportunidades. Técnicos vinham se incorporar à administração,
beneficiados com a gratuidade de moradia, água, luz e transporte urbano, além da saúde
pública grandemente melhorada. A população iniciaria um aumento exponencial, superado
30
Operação militar intervencionista em São Domingos, país do Caribe em 1965, patrocinada pelos Estados
Unidos. Oficialmente, foi comandada por oficiais brasileiros.
31
Há informação segundo a qual a oposição teria ganhado as eleições em 1970 em Roraima, divulgada na
imprensa nacional (Joffily, 1998, p. 199). Leituras de jornais locais desmentem o fato, bem como Freitas (1983).
134
apenas pelo território de Rondônia na década de 1980. O número de eleitores acompanharia
esse crescimento, como será visto adiante, mas esta parece não ter sido uma preocupação de
Campos naquele momento, até porque só havia eleição para um deputado federal e para as
duas Câmaras de Vereadores, a da capital e a de Caracaraí.
Além do progresso econômico, o início da década de 1970 foi marcado no Brasil
pela repressão violenta à oposição política brasileira, parte da qual apelou também para a
violência, através de guerrilhas, nas formas urbana e rural (JOFFILY, 1998; SKIDMORE,
2000b). A questão da segurança nacional permeava a ação administrativa de todo o Brasil.
Ministérios, governos estaduais e outros órgãos tinham estreita ligação com o Serviço
Nacional de Informações (SNI). Assim pode-se dizer que foi “natural” que entre o primeiro e
o segundo mandato de Hélio Campos, um espaço de nove meses, o governador, Walmor
Dalcin, fosse o antigo chefe da Divisão de Informações do Ministério do Interior. Esta
vinculação ou experiência junto à área de Informações, conforme registra Freitas (1993, p.
179), era uma pré-condição para governar os territórios.
Dalcin, como Campos antes e depois, apoiou-se em técnicos e lideranças locais,
embora tenha nomeado um cunhado para prefeito de Boa Vista. Seu curto governo foi
marcado pelo grande apoio aos estudantes roraimenses que residiam em Belém e Manaus, os
quais ganhavam passagens aéreas e bolsas de estudo (FREITAS, 1993, p. 180). No segundo
governo Hélio Campos (1970-1974), foram adquiridas as Casas do Estudante de Roraima nas
duas capitais citadas (GOVERNO ADQUIRE..., 1973, p. 5), que ainda hoje funcionam,
vinculas ao governo estadual32. Nesse período, Campos continuou usufruindo dos bons
tempos do “milagre brasileiro”, sem se descuidar do item segurança e informações, criando
um jornal para o governo33, construindo instalações próprias para as estações de
radiocomunicação em diversas localidades, principalmente junto às fronteiras da Guiana e da
Venezuela, além de ampliar o aeroporto da capital e os quartéis de fronteira, agora com
iluminação própria, uma novidade na região. Existem evidências que tudo era monitorado por
Brasília, traduzidas localmente como um apoio irrestrito do ministro do Interior, o general
Costa Cavalcanti ao governador (MINISTRO..., 1973, p.3), que visitou Boa Vista “mais de dez
vezes em 1973”.
Havia uma justificativa para a preocupação geopolítica com Roraima naquele
tempo em que alguns países de língua espanhola tentavam formar uma aliança anti-brasileira.
32
33
Em Manaus existe também a Casa do Estudante feminina.
Jornal Boa Vista, fundado em setembro de 1973, impresso na Imprensa Oficial do Estado.
135
Em 1973, registra Tambs (1978, p. 52-53), a vizinha Venezuela tentava liderar esse
movimento, aproximando-se da rival brasileira, a Argentina. Embora o autor registre que as
tensões não se reduziram com o encontro, naquele ano, dos presidentes Médici e Caldera na
cidade fronteiriça de Santa Elena de Uiairén, o jornal do governo de Roraima informa que no
ano seguinte foi instalado em Boa Vista o consulado venezuelano (CONSULADO DA
VENEZUELA....,1974, p. 5). Caldera, em vista do insucesso da aliança pretendida, preferiu
aproximar-se posteriormente, do Brasil. Tambs (1978, p. 53), atribui peso determinante nessa
decisão à construção da BR 174.
A habilidade política de Campos pode ser percebida no seu trato com os políticos
e outras lideranças locais, num entrosamento tal que foi escolhido como candidato a deputado
pelo território após o término de seu mandato, em 1974. O poder central e o local se
completavam nas ações. Foi diferente com seu sucessor, pois este teve que enfrentar
problemas que confrontavam o poder local, como o da legalização das terras, já apontado pelo
referido Programa de Ação.
A titulação de terras no território causaria o choque entre o poder patrimonial
local, até então intocado, e o governo central, o que se estendeu pelas décadas seguintes. No
fim de 1973, o veículo oficial do governo territorial, Jornal Boa Vista, apresentava em
manchete: Esperanças do homem roraimense residem no PROTERRA (ESPERANÇAS...,
1973, p. 8). A mesma fonte informava que o INCRA enviou ao território na ocasião o chefe da
Comissão de Discriminação de Terras Devolutas e o Banco do Brasil financiaria essa titulação
com recursos do Programa de Redistribuição de Terras e Estímulo à Agroindústria do Norte e
Nordeste (PROTERRA).
Houve resistência e desinteresse a esse registro por parte de muitos, pois o mesmo
jornal – que era o veículo do governo – em edição de 20 de outubro trazia mensagem do
Projeto Fundiário Boa Vista-INCRA, esclarecendo que posseiros e ocupantes precisavam
procurar o INCRA. O encarregado do projeto informava que havia “[...] medo que o INCRA
lhes tomasse as terras, quando a finalidade do INCRA é efetivar a discriminação da terra,
legitimando a propriedade dos posseiros e ocupantes” Em novembro o Jornal Boa Vista
estampava: “Política do INCRA não é tomar a terra, e sim regularizá-la” (POLÍTICA..., 1973,
p. 8). Os números dos Censos Agropecuários dos anos posteriores mostram que não houve
muito sucesso no chamamento, nem nas intimações que se seguiram. Um estudioso da
questão, o antropólogo Paulo Santilli (2001, p. 65-75), afirma que houve até o cancelamento
136
de muitos cadastros rurais na ocasião e nos anos seguintes, o que é corroborado pelos
números dos censos do IBGE, constantes na Tabela 4.
A planejada racionalização do espaço geográfico, aplicada pelo Programa de Ação
e a implantação do POLAMAZÔNIA, enfrentariam outro problema: o da abertura das
prioritárias rodovias 174 e Perimetral Norte. Nestas houve resistência dos índios à invasão de
suas terras, enquanto nos outros projetos a serem implantados nas regiões de ocupação mais
antiga havia indefinição de direitos, fossem de indígenas ou não. Eram problemas para o
sucessor de Hélio Campos, Fernando Ramos Pereira (1974-1979), no tempo em que na
política internacional imperava a “Guerra Fria” e as relações com a Venezuela estavam
deterioradas, e logo havia pressa.
4. 3
AUTORITARISMO CENTRAL X PATRIMONIALISMO LOCAL:
O GOVERNO RAMOS PEREIRA
O denominado “novo autoritarismo”, distinto do tradicional e caudilhesco, surgiu
na década de 1960 nos países que tentavam se modernizar (BECKER, EGLER, 1994). Ele é
exercido por um Estado que, na concepção de Schwartzman (1982, p. 138-139), é o
representante do setor dominante da sociedade, “[...] capaz de criar grandes estruturas
organizacionais capazes de mobilizar recursos e desenvolver capacidades extrativas e
produtivas, incorporando grande parte da riqueza territorial e de seus recursos humanos”. De
acordo com Becker, Egler (1994, p. 144-15), o desenvolvimento científico-tecnológico tornou
o Estado capaz tecnicamente e conceitualmente para tratar do espaço em grande escala.
Dentro desse quadro, surgem, integradas ao II PND, as estratégias regionais como a de pólos
de desenvolvimento, que são vistos no Mapa 7, a seguir, o que contrasta com a escala macroregional do I PND. É neste contexto que Roraima recebe um novo governador, intérprete fiel
dos planos e com poderes conferidos de um governo burocrático-autoritário, segundo a
concepção de O´Donnel (1982).
137
Mapa 7 - Pólos de desenvolvimento do II PND.
Fonte: Becker, Egler, 1994, p. 149.
Em janeiro de 1974 tem início o governo brasileiro do general Ernesto Geisel. Em
abril assume o governo em Roraima o coronel-aviador Fernando Ramos Pereira, amazonense,
pessoa de confiança do novo ministro do Interior, Rangel Reis ( FREITAS, 1993), que o
acompanha na cerimônia de posse em Boa Vista. O Jornal Boa Vista (RORAIMA TERÁ...,
1975, p. 1)34 registra que Ramos Pereira declara em discurso que veio “[...] para colaborar
para o sonho dos filhos da terra em desenvolver o território e transformá-lo em estado da
Federação”. Disse ainda ter fé nas potencialidades econômicas do território, “[...] nos setores
da pecuária, agricultura e mineração”. Nomeou para prefeito de Boa Vista um roraimense,
Júlio Martins. Este, segundo Freitas (1993), seria seu futuro aliado político, mas inimizar-seia com a maioria das lideranças locais, como alguns membros da família Brasil, que
encontrou abrigo no MDB.
O governador, Ramos Pereira se dedicou sobretudo a viabilizar em Roraima o
projeto de desenvolvimento do governo Geisel para a Amazônia. O tempo e as obras deram
também, a Ramos Pereira, a fama de “austero” (FREITAS, 1993); “[...] um homem probo, mas
34
O jornal oficial do governo esteve desativado de 12 de março a 28 de maio, o que demonstra uma
descontinuidade, senão uma não aceitação do novo nome pelo seu antecessor e sua gente.
138
que não quis colonizar o sul do estado [...]”, de acordo com o ex-governador Getúlio Cruz
(2003, i. v.). Sob o slogan: Ocupação, desenvolvimento, integração, Ramos Pereira perseguia
os objetivos desenvolvimentistas do II PND e do POLAMAZÔNIA, como a urbanização de
núcleos urbanos na fronteira com a Guiana e a Venezuela, a expansão da malha urbana de
Boa Vista e a completa remodelação urbana da cidade de Caracaraí, ponto de junção da BR
174 e da Perimetral Norte, ambas em construção no tempo de seu governo. De acordo com o
II PND (1975, p. 62), Boa Vista e Caracaraí eram os únicos municípios do território e as sedes
estavam incluídas como “[...] centros urbanos de apoio ao modelo [...] organização racional
do espaço [...]”.
As áreas destinadas aos projetos de desenvolvimento locais constantes do
POLAMAZÔNIA, o Pólo Agro-pecuário e o Pólo Mineral, abrangiam as “áreas antigas”
ocupadas por grupos indígenas e por fazendas com limites indeterminados, cuja
documentação era colocada em dúvida pelo INCRA. No sul e sudeste, a abertura das rodovias
BR 174 e Perimetral Norte causavam conflitos cruentos com os índios que foram
violentamente reprimidos. Exemplo disso ocorreu em janeiro de 1975, quando a Delegacia
Regional da FUNAI recrutou 80 trabalhadores que se juntaram aos 46 que recebiam
treinamento de sertanistas para trabalhar em cinco frentes de atração que seriam criadas no
território dos Waimiri-Atroari (DEMONSTRAÇÃO DE FORÇA..., 1975, p. .3). De acordo com o
jornal, o delegado regional alegou que estava apenas fazendo uma “[...] demonstração de
força aos indígenas, visando evitar novos massacres e proteger a vida tanto dos servidores
como dos militares [...]”.
A BR 174, inaugurada em 1977, foi aberta pelo 6.º Batalhão de Engenharia de
Construção, sediado em Boa Vista. O sentido de “missão” do empreendimento pode ser
haurido da canção dessa unidade militar, intitulada “A mais bela das vitórias”, cuja letra
enaltece a derrubada da floresta e a vitória sobre a selva (SOUZA, 1977). Na construção da
estrada, morreram quatro militares e 28 civis, lembrados em um monumento junto à estrada,
com a inscrição que homenageia aqueles que “[...] deram suas vidas pacificando os índios
Waimiri-Atroari. Não morreram em vão. Abril 1977”. Souza (1977, p. 275) exalta a ligação
rodoviária entre o Brasil, a Venezuela e com a Guiana, e através do Pacto Amazônico, ao
comércio com o Caribe. Nesse sentido, Souza (1997, p. 275) que representa um pensamento
dicotômico em favor de ligações terrestres, típico do pensamento geopolítico da época afirma:
“Problemas resolvidos. Guerra em revanche contra um mundo extraordinariamente
139
hidrográfico. Olhado e aceito pela maioria dos brasileiros como impossível de ser domado e
vencido”.
Ao relatar a abertura da mesma rodovia, Matta (1992) dá outra visão dos
acontecimentos, reunindo informações sobre assassinatos de centenas de Waimiri-Atroari
ataques a aldeias e a transferência forçada destas, diminuição de seu território por portarias da
FUNAI, e favorecimento à empresa mineradora Paranapanema. A área indígena em questão,
que abrange os estados de Roraima e Amazonas, também compreendia terras que foram
inundadas pela represa de Balbina, o que aumentou a pressão sobre o grupo. Em 1968, tendo
percebido o desastre resultante da abertura da Belém-Brasília para inúmeras tribos, as
autoridades delegaram aos padres da Prelazia Católica de Boa Vista a atração e “pacificação”
dos Waimiri-Atroari. O padre italiano Calleri, que comandava a operação, foi morto pelos
índios naquele mesmo ano, tendo havido a partir daí uma repressão sem trégua aos indígenas
da região (MATTA, 1992, p. 383-384). Nos anos seguintes a Igreja, através do Conselho
Indígena Missionário (CIMI), de acordo com Matta (1992, p. 384-385), mudou sua linha de
ação frente aos povos indígenas, passando da tentativa de evangelização para a defesa do
direito à terra, à cultura e a autodeterminação do índio.
De 1975 em diante, registra Matta (1975, p. 385), mediante as novas violências
contra os Waimiri-Atroari, que o CIMI passou a denunciá-las, principalmente aquelas
originadas pela abertura da BR 174. Para os agentes regionais do governo, a resistência e a
própria existência do índio eram um entrave a ser removido. Ainda em 1975, o governador de
Roraima, Ramos Pereira, declarou ao Jornal do Brasil: “Sou de opinião que uma área rica
como essa não pode se dar ao luxo de conservar meia dúzia de tribos indígenas atravancando
o seu desenvolvimento” (MATTA, 1992, p. 378). O governador do Amazonas, registra a
mesma fonte, brandia discurso alegando que os índios ocupavam as áreas mais ricas do seu
estado, causando prejuízos para a receita nacional, já que impediam a exploração destes e
impossibilitavam a prestação de melhores serviços de saúde e educação.
Quando ainda se viviam os tempos do “milagre brasileiro”, não parecia haver
lugar para o índio num mundo novo que nascia. Este se transformava rapidamente pela
assimilação de tecnologia e a determinação e vontade do governo. A selva e o índio estavam
no mesmo lugar dentro da ideologia de desenvolvimento a qualquer preço e precisavam ser
removidos. Esse desenvolvimento na Amazônia, já pensado pelos geopolíticos, tinha algumas
marcas bem definidas, tais como a idéia de que ela podia ser conquistada por meio de
140
rodovias que se entrecruzavam e a de que havia tecnologia adequada para tal
empreendimento. Gall (1977, p. 104-105) alerta que o “milagre” foi possível pela disposição
de energia de origem fóssil abundante e barata, mas pouco disponível em território brasileiro.
O Brasil tirou vantagem do
baixo preço do petróleo, mas em 1973 os preços deste
quadruplicaram, todo o curso do desenvolvimento brasileiro ficou ameaçado e os projetos de
desenvolvimento tiveram, cada vez mais, maior parcela de capital desviado para cobrir os
déficits causados pelo crescente aumento do custo do combustível.
O uso de tecnologia de ponta aplicada na exploração de áreas antes quase
desconhecidas da Amazônia é comentado por Gall (1977, p. 104). Equipes de geólogos
conseguiram atingir Carajás pela primeira vez, utilizando helicópteros de combate do
Vietnam adaptados para uso civil, chegando a um inacessível maciço da Amazônia, revelando
a maior jazida de minério de ferro do mundo, com alto teor jamais encontrado. Outro
conjunto de planaltos da selva amazônica, o de Trombetas, induziu o Projeto RADAM a
realizar busca com levantamento sistemático, utilizando os processos de esquadrinhamento
lateral de radar, disponibilizado pela força Aérea Americana desde 1970 (GALL, 1977, p.
104). Um desses processos deve ter sido empregado pelo RADAM em Roraima em 1974,
quando se noticiou, com alarde, a descoberta de urânio.
Em Surucucu, terra dos índios Yanomami, técnicos do governo federal com ajuda
de militares, teriam localizado urânio, mineral estratégico (URÂNIO EM RORAIMA, 1975,
p.1) O deslocamento de vários ministros até o local e o destaque da notícia, dada pelo
ministro de Minas e Energia, Shigeaki Ueki, atesta a importância que se dava ao fato, numa
época em que o Brasil assinou um acordo nuclear com a Alemanha. Roraima parecia
destinada a ceder caminho para o desenvolvimento, mesmo ao preço do desaparecimento de
culturas tradicionais milenares.
Na cachoeira do Bem-Querer, no rio Branco, o governador pretendeu construir o
que seria sua obra maior (FREITAS, 1993), defendida pessoalmente por ele nas reuniões da
SUDAM: um projeto integrado de usina hidrelétrica e eclusas para a navegação, inundando
áreas ocupadas. O projeto foi incluído por Geisel no POLAMAZÔNIA35. Pereira também
executou o Plano de Expansão Urbana de Caracaraí e localidades fronteiriças de Bonfim,
Normandia, Pacaraima e Surumu (EDITAL..., 1977, p.9). Construiu (SILVA JR., 1994) a ponte
35
Segundo o Jornal Boa Vista, órgão do governo territorial, em 28.05.1977, tratava-se da mudança de recursos
de uma outra usina, a de Cotingo. A medida foi defendida pelo ministro das Minas e Energia Shigeaki Ueki.
141
sobre o rio Branco, na capital, parte da BR 401, que demanda à fronteira com a Guiana e uma
outra sobre o rio Urariquera, no norte do território.
Ao tentar impor o modelo de desenvolvimento pretendido (FREITAS, 1993),
Ramos Pereira chocou-se com uma estrutura de poder local que não ousava até então desafiar
o governo federal. As razões do enfrentamento só se explicam pela importância que as
lideranças locais que, em grande parte agrupadas na sigla partidária do MDB, defendiam não
só valores, mas principalmente sentiam-se ameaçadas pela possível perda do seu bem mais
precioso: a terra. No Programa de Ação do Governo para o Território de Roraima (1975, p.
79), a regularização da situação fundiária encabeçava a lista dos pré-requisitos para o
desenvolvimento do território, junto com a conclusão da ligação rodoviária com Manaus, a
reestruturação e modernização do setor público e implantação de um sistema de planejamento
territorial.
O enfraquecimento do governo central em vista das crises de 1979 e 1981-1982
daria condições para a emergência de novas relações de poder em Roraima. Em razão das
reformas eleitorais que valorizaram o voto nas regiões menos desenvolvidas, o número de
deputados federais no território passou para quatro, um sinal de que os tempos mudaram em
favor da situação local. Entretanto, lideranças nascidas no bojo da burocracia estatal
buscavam também seu espaço na política do já declarado futuro estado federativo, disputando
com os da terra, um eleitorado cada vez mais identificado com os migrantes.
4. 4 AS ORIGENS DO POPULISMO: O PRIMEIRO GOVERNO DE OTTOMAR PINTO
A transição do regime militar para a democracia não foi rápida nem linear. Seu
caminho foi permeado pela idas e vindas desde 1979, ano da posse do último governante do
regime, João Batista Figueiredo. Ao lado do autoritarismo persistente, que impediu a emenda
constitucional das eleições diretas para presidente, houve a anistia a presos e exilados
políticos, bem como a derrubada do voto indireto para governadores e prefeitos de capitais.
Nesse contexto, onde o voto foi evidentemente valorizado, houve uma re-acomodação das
elites regionais (BECKER, EGLER, 1994). Para esses autores:
O clientelismo , instrumento para obter votos através da troca de favores e bens
públicos, atingiu níveis sem precedentes na história brasileira, em grande parte
porque as formas tradicionais de fidelidade eleitoral – baseadas na propriedade da
terra – foram profundamente abaladas pela mobilidade da força de trabalho e
ameaçadas pelas novas territorialidades (BECKER, EGLER, 1994, p. 223).
142
Com o término do mandato de Ramos Pereira, assumiu o governo de Roraima o brigadeiro da
Aeronáutica Ottomar de Souza Pinto, o qual tratou de administrar dentro do novo quadro
político nacional, contrastando desde o início com seu antecessor.
Ottomar tratou de pacificar os ânimos entre os grupos dominantes locais,
divididos entre os que apoiavam Ramos Pereira, a minoria, e as outras lideranças, como os
membros da família Brasil. Formou um secretariado tendo por base as forças locais, como
Getúlio Cruz, Mozarildo Cavalcanti e Francisco Chagas Duarte36, todos roraimenses, exestudantes em Belém, patrocinados pelos governos anteriores. Os três se notabilizariam, após
projeção como administradores, como líderes políticos. As atitudes iniciais de Ottomar
geraram um clima de concórdia (FREITAS, 1993, p. 195), que o levaram a receber em baile
oficial um diploma de “Governador da paz”, em couro de carneiro incrustado de brilhantes.
A mudança de estilos e de pensamento pode ser observada em dois
pronunciamentos que mostram atitudes que se converteram em ação. Coerentemente com a
política dos grandes projetos do II PND, voltados para a atração do grande capital privado,
Ramos Pereira afirmara ser uma das maiores preocupações do seu governo “evitar a todo
custo a ocupação espontânea, a nível familiar, ao longo dos eixos rodoviários principais,
motivada pelo fluxo carreador de contingentes em busca de melhores oportunidades, criando
em pontos estratégicos postos de triagem” (RORAIMA TERÁ POLÍTICA..., 1975, p. 1).
Contrariamente, Freitas (1993, p.196) no seu discurso de posse, Ottomar diz: “[...] Que
venham, sem demora, nossos irmãos do centro-sul e do Nordeste! Que tragam seus
instrumentos de trabalho e seu vigor produtivo, extraordinários fermentos, que farão crescer e
crescer muito o bolo de nossa economia [...]”. Ottomar daria, de fato, inteiro apoio aos
migrantes, formando uma base política própria de sustentação. Outra mudança apontada por
Santilli (2001, p. 70-71) foi o apoio aos pecuaristas quando da demarcação de áreas indígenas,
quando houve, inclusive, reuniões destes em repartições públicas e a presença do próprio
governador em reuniões que a FUNAI realizava com as comunidades indígenas.
A segunda parte da década de 1970 no Brasil foi marcada por sucessivas
mudanças na legislação eleitoral que beneficiavam os estados mais pobres e os territórios
federais onde o partido do governo detinha mais força. As eleições tinham tomado o caráter
36
Ottomar de Souza Pinto, pernambucano, era brigadeiro da Aeronáutica. Segundo Oliveira (1991, p. 34),
estudou economia, medicina e Direito. Era vinculado à Comissão de Aeroportos da Amazônia (COMARA) e
veio para Roraima participar da construção do aeroporto de Boa Vista. Segundo Getúlio Cruz (2003, i. v.) sua
nomeação foi resultado da amizade com o irmão do presidente Figueiredo, Euclides, que presidia o Comando
Militar da Amazônia, mas não dispunha da simpatia do ministro da Aeronáutica nem da do Interior. A rápida
queda de Ottomar em abril de 1983 dá crédito a essa versão.
143
de plebiscito, sendo necessário ao governo federal desunir a oposição política. Em 1979,
baseado em plano de seu estrategista, o general Golbery, o governo federal promoveu a
extinção dos partidos MDB, de oposição, e a ARENA, governamental, abrindo espaço para a
criação de novas legendas.
Diferentemente dos governos anteriores, essa mudança necessitava de
legitimidade, e por isso passou pelo Congresso, com protestos, sendo aprovada a Lei de n.
6.767/79. O objetivo desta foi atingido mas a oposição mais forte e estruturada logo se
recompôs no Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), enquanto forças que
apoiavam o governo mais de perto fundaram o Partido Democrático Social (PDS). Outro
objetivo governamental era apoiar-se em partidos próximos ou de sua confiança, fortalecendo
sua base (JOFFILY,1998, p. 223). Essa abertura propiciou, em todo o Brasil, uma corrida das
lideranças, novas e velhas, em busca de abrigo ou papel de comando partidário. Em Roraima,
onde o número de vagas para deputado federal aumentou, não foi diferente.
A primeira metade da década de 1980 marca outras grandes mudanças no Brasil.
Foi a época de greves nacionais, inflação, de conflitos pela terra, quebra financeira do país em
1982 levando-o à recessão e a um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Mas
1982 foi também ano de eleições nacionais, onde prevaleceram as regras constantes das
reformas eleitorais de 1979, embora isso não bastasse para levar o partido governista, o PDS,
à vitória. Foram proibidas as coligações e o voto foi vinculado às legendas. Completando o
quadro, a Emenda Constitucional de n. 22 ampliou o número de deputados federais nos
estados menos populosos - de seis para oito – e nos territórios – de dois para quatro (JOFFILY,
1998, p. 235). Não é difícil imaginar os efeitos da abertura de oportunidade política numa
população como a de Roraima, na época pouco superior a 80.000 habitantes (BRASIL,
Instituto..., 1991). O grande objetivo do governo era manter maioria no Colégio eleitoral que
elegeria o futuro presidente (SKIDMORE, 2000b), mas a base governamental rachou quando o
próprio PDS se dividiu em duas alas, formando uma delas o Partido da Frente Liberal (PFL)
que, aproximando-se do maior partido da oposição, o PMDB, isolou o governo em 1985, ano
de eleição para presidente.
Em Roraima, o governo Ottomar (1979-1983) não foi isento de crises. Teve que
demitir o prefeito da capital e houve conflito na criação do PDS, partido de apoio ao governo
federal. Embora elegesse os quatro deputados federais do território, o partido cindiu-se em
“ala do governador” e “ala nativista”, conforme Freitas (1993, p. 201). As lideranças locais
teriam ficado também chocadas com o novo estilo de governo, afirma Freitas (1993, p. 201),
144
pois esse incluía um crescente fluxo de migrantes que “[...] reforçava o contingente eleitoral e
a liderança do governador”. Ottomar seria afastado do cargo em 1983 (Veja, 1983, p. 44),
após conflito com o deputado federal João Fagundes, militar e seu ex-protegido, articulado
com lideranças locais. A reportagem afirma que Ottomar praticamente teria que arquivar “[...]
seu sonho de ser eleito senador em 1986, pelo virtual Estado de Roraima”. Mas,
diferentemente de outros ex-governadores, Ottomar voltaria, apoiado no eleitorado da
periferia de Boa Vista e do interior, beneficiados com casas e lotes distribuídos largamente
por ele. Fortalecer-se-ia também pelo apoio de líderes locais e principalmente recémchegados que juntos esperavam desfrutar do seu carisma e dos cargos e obras.
Em 1985 o brigadeiro Ottomar disputou a eleição para prefeito de Boa Vista,
perdendo para a “Aliança Democrática” constituída pelo PFL e PMDB. Empalmando o PTB,
foi eleito deputado federal em 1986, com tamanha votação que elegeu também sua mulher,
Marluce Pinto (Freitas, 1993). O governador era então seu ex-secretário Getúlio Cruz, o
primeiro roraimense a assumir o cargo, graças a um novo momento político: o fim do regime
militar em 1985. Ottomar e Cruz teriam, a partir daí, quase sempre caminhos opostos.
4. 5 O FIM DO AUTORITARISMO E A ASCENSÃO DO PODER LOCAL
Na metade da década de 1980, enfrentando crises econômico-financeiras, o
movimento pelas “Diretas já” e a dissidência nas forças tradicionais de apoio, o governo
federal se enfraquece. Era chegada a hora da redemocratização. Esta ocorreu sem violência,
embora com algumas tensões, com a vitória no Colégio Eleitoral de um candidato a presidente
da oposição, deputado Tancredo Neves, tendo como vice um ex-representante e ex-presidente
nacional do PDS, José Sarney. Com a morte prematura de Tancredo, após longa enfermidade,
Sarney assumiria o governo. Iniciava-se assim o período que Tancredo cunhou como a “Nova
República”, consagrado também na literatura política como de “redemocratização”.
Após 1985, os territórios passaram a ter titulares indicados politicamente, sendo
escolhidos por voto direto os prefeitos das capitais. Porém, o processo de escolha em Roraima
foi retardado devido o agravamento da doença do presidente eleito, Tancredo Neves,
impedindo-o de assumir o cargo, o que inquietou as lideranças. Em sessão de cinco de março
daquele ano, Alcides Lima,37 deputado do PFL, acusa na Câmara a presença do governador do
37
Câmara dos Deputados, (5 mar.1985).
145
Amazonas, Gilberto Mestrinho, no processo de escolha. No dia dezenove do mesmo mês, o
deputado Mozarildo Cavalcanti38 declara, na mesma Câmara, esperar que os processos de
nomeação de governador para Roraima, “[...] obedeçam pelo menos a critérios que levem em
conta as lideranças políticas locais, que levem em conta os valores daquele povo e não
interesses de outros Estados, de grupos, de políticos ou de empresários, que querem interferir
de maneira nefasta na escolha dos governadores”39. E, mais adiante: “[...] queremos fazer
nesse dia um apelo veemente, em nome de todo o povo de Roraima, para que o governador a
ser nomeado dentro em breve seja um homem de lá, que conheça nosso povo, que sofra com
nosso povo [....]”. Em sessão de 28 de maio de 1985, o deputado Alcides Lima 40 afirmava na
mesma tribuna: “O clima de expectativa que antes existia no território, com o advento da
Nova República, começa a se transformar em angústia e desencanto, com tendência para o
caótico”. Os apelos de Alcides Lima e Mozarildo Cavalcanti iam mais longe, e com o apoio
dos demais deputados territoriais, defendiam veementemente a criação do estado de Roraima,
principalmente após haver a certeza da instalação da futura Assembléia Nacional Constituinte.
É possível deduzir das palavras dos dois deputados federais roraimenses que a
autonomia buscada, superando os interesses de “outros Estados” e “de empresários”, tinha a
ver com a futura exploração mineral, propiciada pela abertura da BR 174 e levantamentos do
Projeto RADAM. Nesse sentido, não é de se admirar que os políticos locais que se opunham à
Aliança Democrática, formada por PMDB e PFL, tentassem uma aliança com o governador
do Amazonas, como nos tempos pré-1964. No ano de 1986 haveria eleições para o Congresso
que se transformaria em Assembléia Constituinte; as lideranças de Roraima estavam divididas
e buscavam aumentar seu cacife político. Entretanto, o discurso do desenvolvimento e da
necessidade de criar o novo estado era comum às lideranças políticas e estava associado à
questão das terras indígenas. Afirmava-se que era preciso explorar as riquezas minerais e
outras, não cedendo a pressões que defendiam os direitos dos índios41.
Por fim, na metade de 1985, um roraimense de família tradicional, Getúlio Cruz,
foi escolhido para governador de Roraima pela aliança local PFL/PMDB ( FREITAS,1997, p.
124). Nas primeiras eleições para prefeitos, a Aliança só perdeu em um dos então oito
38
Câmara dos Deputados, (28 mar.1985).
Câmara dos Deputados, (19 mar.1985).
40
Câmara dos Deputados, (28 mar.1985)
41
O discurso contra os índios e seus defensores já existia, mas à medida que aumentava o valor das terras e a
legislação brasileira reconhecia direitos das populações indígenas, as manifestações contrárias adquiriam maior
força. Em 21 de outubro de 1983, na Câmara, o deputado federal João Fagundes, do PDS, bradava que a riqueza
mineral tinha que ser explorada; com argumentos semelhantes, o prefeito e vereadores de Normandia faziam
apelo em manifesto escrito “Ao povo e às autoridades”, atacando padres e o papel destes na questão das terras.
39
146
municípios do território, sendo a vitória mais festejada a da capital, onde Silvio Leite, apoiado
por Cruz, derrotou Ottomar Pinto. Uma terceira força liderada pelo ex-governador e exdeputado federal Hélio Campos concorreu na capital, mas teve pouca votação (MAGALHÃES,
1997, p.128-129). Parecia que os embates futuros seriam entre as duas forças lideradas por
Cruz e Ottomar. Mas fatos locais políticos contribuíram para a formação de um cenário
diferente.
No governo de Getúlio Cruz (1985-1987), graças ao seu relativo peso político
junto ao governo central (escolhido pelos partidos que compunham a base de apoio do
governo federal), deram-se continuidade a muitas obras do regime anterior, tais como a
construção de casas, abertura de estradas, assentamentos rurais e projeto de uma hidrelétrica
que chegou a ser iniciada. Mas, enquanto o governo federal enfrentava forte crise econômicofinanceira e a Assembléia Nacional Constituinte tinha avanços e recuos em razão da presença
e atuação de grupos de pressão, como os ruralistas (JOFFILY,1998), em Roraima, diversos
embates em torno de direito à terra ganhavam cada vez mais força e radicalização.
O desenrolar da então tumultuada política nacional era acompanhada em Roraima
pela Tribuna de Roraima, que apoiava o governo territorial. No calor dos debates na
Assembléia Nacional Constituinte em Brasília sobre o PNRA, deu-se “a marcha dos trinta
mil” à capital federal e a organização da UDR, pressionando o Congresso a não aprovar
medidas que prejudicassem interesses de grandes proprietários (PROPRIETÁRIOS RURAIS...,
1987, p.11). De acordo com Fernandes (1999, p.143-144), a UDR surgiu para se opor à
proposta de reforma agrária apresentada pelo governo da Nova República e se estruturou em
torno de entidades de classe e representativas do empresariado rural, em níveis nacional e
local. Em Roraima, pode-se acrescentar, como especificidade, a participação do poder público
no movimento.
Produtores rurais roraimenses, com apoio institucional do governo do território,
traduzindo a questão para o das terras indígenas, fundam a UDR de Roraima em setembro de
198742. A mesma fonte, em edições de setembro e de outubro, mostra que a Igreja Católica, ao
defender os índios, atraía oposição, cada vez maior, inclusive de autoridades. Eram comuns na
época, notícias como a do Secretário de Segurança Territorial, na Tribuna de Roraima (1987,
p. 5), que clamava: “Presença estrangeira explica a velha cobiça pela área”.
42
O jornal Tribuna de Roraima de 4 de setembro de 1987, registra uma passeata da UDR no centro de Boa Vista,
onde aparecem cartazes com os dizeres: “O Brasil é dos brasileiros – Fora os estrangeiros mascarados de
religiosos” e: “Nosso ouro sumindo para o estrangeiro”. Os objetivos do movimento local tinham especificidades
bem próprias.
147
O ano de 1987 foi pródigo em acontecimentos em Roraima. Em maio, o prefeito
escapa de um atentado, mas sucumbe a outro em outubro, onde cai fuzilado por dezenas de
tiros. O crime causa uma crise e o governador Getúlio Cruz, cunhado do vice-prefeito, é
obrigado a licenciar-se após crise política, sendo depois exonerado pelo presidente Sarney.
Maio foi o mês que o presidente Sarney anunciou que pretendia ficar cinco anos no governo,
(JOFFILY,1998, p. 257) em vez dos quatro esperados, sendo apoiado nas forças políticas
mais à direita. Isto pode ter tido reflexos políticos importantes em Roraima, se forem
observadas as palavras do ex-governador Getúlio Cruz (2003, i. v.): “[...] Sarney necessitava
de votos para aprovar os cinco anos e Ottomar tinha dois votos no Congresso, o dele e o da
esposa, Marluce”. De fato, numa votação decisiva, Sarney obteve 58% dos votos necessários
para aprovar seu projeto, em junho daquele ano, uma votação quase apertada. Assim,
inimizado com seu ex-amigo Ottomar, Getúlio não voltaria. Em outubro o presidente Sarney
nomeia um general, Alberto Klein para o governo, o que não é aceito pacificamente,
conforme a Tribuna de Roraima (EMPRESÁRIOS..., 1987, p. 3), que destaca em manchete:
“Empresários repudiam a intervenção alienígena”, pelo fato de não ter havido “[...] consulta
às bases políticas e produtivas locais”.
1987 foi ainda o ano em que se iniciou um grande aumento das atividades
garimpeiras, com a invasão da área da Serra de Surucucu, nas terras dos índios Yanomami. A
Tribuna de Mucajaí, (MESMO PROIBIDOS..., 1987, p. 8) afirma que o número de garimpeiros
chega a dois mil. O fato é quase simultâneo a uma notícia vinda de Brasília: a aprovação da
transformação dos territórios do Amapá e de Roraima em estados da Federação na Comissão
de Sistematização da Constituinte no Congresso Nacional. Com essa transformação, um novo
espaço político, principalmente institucional, se abriria para grupos e lideranças locais,
antigos e novos.
No início de 1988, quando a Polícia Federal e os militares retiravam garimpeiros
das terras Yanomami, o jornal de maior circulação no território refere-se às áreas invadidas
pelos garimpeiros como “[...] áreas pretendidas pela FUNAI” (CSN QUER ESVAZIAR
GARIMPOS, 1988, p. 3) enquanto destaca (1988, p. 1 e 3, 25.mar.) que: “Todos os vereadores
de Boa Vista estão protestando contra a retirada de garimpeiros das áreas indígenas” e em
manchete na terceira página: “Câmara pede a Sarney para não acabar com os garimpos.” Em
17 de setembro, o mesmo jornal estampa em manchete, na primeira página, um nome que vai,
tal como Ottomar, marcar a vida política de Roraima: “Jucá vai assumir hoje”. Na mesma
148
edição, em editorial: “Klein sai, Jucá entra e a história se repete”, critica-se a saída de um e a
entrada de outro governador sem que se tenham ouvido as lideranças locais. Reação mais
forte, foi a de Ottomar Pinto e Marluce, que tentaram a não aprovação do nome de Romero
Jucá pelo Senado, sem sucesso. Em dezembro houve nova derrota de Ottomar, perdendo a
eleição para prefeito de Boa Vista, em que saiu vitorioso Barac Bento, do PFL, apoiado então
por Jucá.
4. 6 ROMERO JUCÁ: O PODER EMPRESARIAL
Os problemas da gestão de Getúlio Cruz mostraram que as lideranças da terra estavam
divididas demais para compor pacificamente um governo, aproveitando o vácuo de poder
deixado pelo governo autoritário do regime militar. Havia em Roraima uma estrutura física de
rodovias e um aparato administrativo, além de riquezas minerais que atraíam não só milhares
de garimpeiros, mas também empresas mineradoras como a Paranapanema e a Gold Amazon.
Jucá parecia o indicado para assumir a missão de promotor do desenvolvimento privado, com
apoio governamental.
Romero Jucá, ex-presidente da FUNAI, teria vindo para Roraima, segundo
Getúlio Cruz (2003, i. v.): “[...] para favorecer a mineradora Paranapanema, mas quando viu o
potencial político do movimento dos garimpeiros, mudou de posição, encontrando seu espaço
político [...]”43. Para Freitas (1997, p. 124), Jucá foi indicado ao cargo pelo PFL de
Pernambuco, liderado pelo senador Marco Maciel. De todo modo, suas ações e seu discurso
dão a entender claramente que representava os interesses empresariais privados44. A leitura de
jornais roraimenses da época confirma a tradição local de que Jucá foi o grande defensor do
garimpo em Roraima, tomando medidas concretas para tal, havendo boa receptividade.
43
Getúlio Cruz, ex-governador, aliado de Ottomar e de Jucá em diferentes ocasiões (i. v. 2003).
Almeida (1994, p. 521-537), registra que após a redemocratização houve uma articulação de diversas forças
sociais da Amazônia, como barrageiros, seringueiros, índios, trabalhadores rurais, garimpeiros, além de grupos
ambientalistas e instituições confessionais, com demandas a que o governo federal teve que dar resposta. O
governo foi sensível aos apelos, mas, explica Almeida (1994, p. 534), sua contra-estratégia se deu articulada com
setores do empresariado e segmentos do poder local beneficiários dos incentivos e vantagens fiscais.
Sintomaticamente, ocorrem encontros de classes produtoras e de lideranças políticas, onde se debatiam temas
como a política ambiental e de crédito do governo federal e sua conseqüências.
44
149
“Calma nos garimpos”, era a manchete de matéria da Tribuna de Roraima (CALMA..., 1989,
p. 4) onde se percebe um otimismo incontido: “[...] A atividade garimpeira em Roraima está
devidamente estabilizada em razão das inúmeras pistas abertas em toda a região”. E: “Hoje
ninguém está longe de uma pista que não possa alcançá-la rapidinho”[...]. Nada se comenta
sobre a então recente Constituição e as garantias ali contidas em favor das comunidades
indígenas ou do meio ambiente.
Tratava-se de mascarar um desastre, enaltecendo uma política do governo
territorial, num momento em que terminava o governo Sarney e havia uma campanha para
eleições presidenciais. No entanto, o governo federal teve que agir, em vista do impacto de
reportagens sobre a avalanche de garimpeiros que entraram nas terras indígenas em curto
espaço de tempo. A todo momento notícias nacionais e internacionais davam conta de
massacres, mortes por doenças e danos ambientais e culturais. A situação dos Yanomami foi
um dos motivos do lançamento, em janeiro de 1989, da Ação pela Cidadania, formada pela
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com apoio da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB), Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e outros órgãos da sociedade civil,
senadores e deputados federais de diversos partidos45.
Os membros da Ação foram procurados em Brasília por tuxauas Macuxi e
dirigentes do CIR que denunciavam que os direitos dos índios estavam sendo violados na A.I.
Raposa/Serra do Sol. Em vista das denúncias, uma comissão da Ação pela Cidadania
deslocou-se para Roraima, visitando as áreas críticas e colhendo depoimentos entre 9 e 12 de
junho de 1989, que resultaram do documento Roraima: o aviso da morte (COMISSÃO...,
1989). O conteúdo deste é mais que uma denúncia, retratando a desarticulação das ações e
descontrole dos órgãos públicos, como a FUNAI, a ausência do Estado em alguns setores
básicos, como a justiça, além de constatar que algumas pistas usadas pelo garimpo foram
abertas pelo PCN. Coordenada pelo senador Severo Gomes, a Comissão foi acompanhada por
advogados da Procuradoria-Geral da República, por D. Aldo Mongiano, bispo de Roraima,
um delegado da Polícia Federal,46 jornalistas e um representante da Comissão pela Criação do
Parque Yanomami (CCPY), além de outras pessoas.
Entre as propostas de solução estava a demarcação das terras indígenas ainda
pendentes e a retirada dos garimpeiros. Na sua volta a São Paulo, o senador Severo Gomes
45
Outro motivo da organização do movimento foi a impunidade de assassinatos de dirigentes sindicais dos
seringueiros e trabalhadores no Acre, conforme COMISSÃO..., 1989, p. 7).
46
Legalmente, a Polícia Federal é a instituição encarregada de cuidar dos assuntos de segurança nas fronteiras,
de acordo com o parágrafo 1º do artigo 144 da Constituição Federal.
150
publicou na Folha de São Paulo (1989 [n.p.] 18.06) um artigo intitulado “Paapiú – campo de
extermínio”, retratando um dos garimpos visitados e descrevendo uma triste situação. No
texto, o senador reconhece não ser tarefa fácil a retirada dos garimpeiros, mas não foram
poupadas palavras duras ao governador e ao Ministro do Exército, taxando o primeiro de
“velho caçador de escalpos”. O documento chama atenção ainda para o problema ecológico
causado pelo uso do mercúrio pelos garimpeiros e os futuros resultados disso.
Na imprensa roraimense, a realidade era outra. A Tribuna de Roraima estampava
na primeira página: “Yanomamis apelam a Jucá para que o garimpo continue funcionando nas
áreas indígenas”, e: “Tuxauas vão a Brasília falar no Ministério de Minas e Energia” e ainda:
“Jucá reúne pilotos e compradores” (YANOMAMIS..., 1989, p. 1). O Editorial do mesmo
jornal bradava um desafio: “E agora Sarney?” (p. 4), comentando e valorizando a visita de
três tuxauas ao palácio do governo territorial para dizer ao governador que queriam a
continuidade do garimpo. O artigo ataca as “pressões internacionais” e o “petista Davi
Yanomami”.
Em setembro de 1989, em revista especial alusiva ao primeiro ano de sua
administração,47 o governo roraimense reconhece que a expansão das atividades garimpeiras
aumentou não só a demanda por bens e serviços, mas ampliou o quadro de doenças endêmicas
e infecto-contagiosas nas regiões de garimpo. Mas afirma que: “Apesar disso, hoje a atividade
mineral em Roraima é um dos maiores sustentáculos da economia do Estado, fator importante
a ser considerado ao se encarar o conjunto de questões que caracteriza o setor.” E, sem
comentar qualquer crítica às medidas tomadas, propõe uma solução futura:
O atual governo aborda a situação de forma corajosa ao buscar uma ação pioneira na
região amazônica, no sentido de ordenar o garimpo, conciliando interesses entre os
diferentes agentes envolvidos no processo. Essa é a proposta do projeto Meridiano
62°, concebido pelo Governo Estadual e aprovado pelo Ministério das Minas e
Energia, contemplando, com determinação, a preservação do meio ambiente. (...) O
governo de Roraima mostra-se, também, sensível às relações estabelecidas entre o
segmento populacional dos garimpos e as comunidades indígenas próximas àquelas
áreas, desenvolvendo um esforço no sentido de conciliar divergências e determinar
espaços de atuação de acordo com a Legislação Brasileira. (Um Ano pra Valer.
Governo de Roraima, 1989).
47
Um Ano pra Valer. Boa Vista: Governo do Estado de Roraima, 1989.
151
O documento também lista as principais futuras ações voltadas para “o ordenamento do setor
mineral e a organização e proteção do garimpeiro”.
Estas seriam, além do aludido Projeto: condição para zoneamento das reservas
garimpeiras do Estado; policiamento preventivo e repressivo nas áreas de garimpo; combate à
malária e apresentação e discussão de proposta de financiamento junto ao Banco do Brasil
para aquisição de equipamentos de controle da poluição de mercúrio nos garimpos. Embora
fale de diferentes setores da administração e suas políticas, inclusive da colonização, nada
mais há sobre índios, terras ou questão indígena, nem sobre a questão fundiária, todos
assuntos presentes na imprensa local e discutidos no cotidiano na época.
Outra atitude de Jucá foi integrar-se de imediato ao meio político local. A Tribuna
de Roraima (JUCÁ..., 1988, p. 2), registra que Jucá iniciou seu governo sem mudar o
secretariado, enquanto sua mulher, Tereza Jucá, assumiu o Programa Nacional de
Voluntariado, passando a desenvolver atividades “em favor dos mais carentes”. Em 11 de
novembro desse ano, a Tribuna anota: “Governador entrega casas do [Conjunto] Pricumã II,
do Conjunto dos Professores e o dos funcionários Públicos”. Os beneficiados, segundo lista
nominal, eram aproximadamente quinhentos, quase metade, a julgar pelo nome, mulheres.
Ainda em novembro, somando forças com lideranças locais, Jucá apoiou o candidato Barac
Bento à prefeitura de Boa Vista, derrotando Ottomar. Sentindo-se bastante forte, Jucá, após a
posse de Fernando Collor, em março de 1990, e a sua substituição no cargo de governador,
candidata-se para o governo do novo estado.
Jucá teve, no entanto, que se acomodar no desgastado PDS, uma vez que houve
uma corrida pelas antigas e as novas siglas, além de um certo isolamento, tendo o próprio
governador do território, nomeado por Collor em março de 1990, o alagoano Rubens Villar,
rompido com ele e passado a apoiar Ottomar. Jucá dependia muito do apoio dos garimpeiros,
mas com o combate a suas atividades pelo governo Collor, como a destruição das pistas de
pouso, desarticulou um maior movimento nesse sentido. Apesar disso, conseguiu compor uma
das principais forças políticas que se enfrentariam em 1990.
A outra força política era a de Ottomar. Ambos tinham aliados nas famílias
tradicionais, que não tinham um nome congregador para encabeçar a disputa. Alguns antigos
nomes corriam por fora, como Hélio Campos e Mozarildo Cavalcanti, candidatos ao Senado.
Outros, como os empresários Neudo Campos e Almir Sá, despontavam na política local,
152
disputando o primeiro o cargo de governador pelo partido do presidente Collor, o PRN,
enquanto o segundo disputava a Câmara de Deputados .
Ao criar os novos estados-membros em 1988, Roraima e Amapá, a Constituição
Federal estabeleceu que a instalação dos mesmos se daria em 1990, bem como a eleição de
seus dirigentes. Estas coincidiram com o início de um governo federal cuja ação marcaria a
vida política e econômica roraimense: Fernando Collor de Mello. Algumas medidas, como a
retirada de garimpeiros, já tinham se iniciado em 1989, mas Collor virtualmente acabou com
o garimpo predatório em Roraima, mandando destruir as pistas de pouso clandestinas e no
ano seguinte aprovou a demarcação das terras indígenas Yanomami. A imprensa local,
inclusive o jornal criado pelo governador Jucá (1988-1989), O Estado de Roraima,
acompanha e comenta os fatos, principalmente em 1990. A coordenação do processo era do
respeitado Delegado da Polícia Federal Romeu Tuma e ninguém parece ter desafiado o poder
central até as eleições. O maior prejudicado com o fim do garimpo em termos eleitorais foi
justamente Jucá, que conseguiu chegar ao segundo turno, mas teve que enfrentar no final da
campanha a união de todos os outros cinco candidatos em torno de Ottomar Pinto.
4. 7. DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS: INÍCIO DA GRANDE POLÊMICA
Segundo o caput do artigo 231 da Constituição Federal, aprovada em 1988, “[...]
São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e
os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União
demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. A reação foi inevitável em um
estado em que parte substancial de seu território tradicionalmente é ocupado por índios, que
compõem percentualmente a maior população indígena do país48. Jazidas de ouro e diamante,
além de outros minérios, e grandes florestas estão localizados na sua maior parte nas áreas
indígenas.
O conflito se agudiza porque, tradicionalmente, institucionalizou-se a privatização
de terras públicas por grupos familiares, cuja base econômica é altamente dependente dos
recursos naturais. Em outras palavras, o patrimonialismo historicamente estabelecido corre o
48
Em razão de problemas enfrentados pelo IBGE no Censo de 2000, não há uma estatística segura sobre o
número de indígenas em Roraima. Há aceitação que seu número atinja aproximadamente 10% do total da
população do estado, o maior índice do Brasil.
153
perigo de não sobreviver, daí a virulência das reações, onde nunca é citada a Constituição,
mas aos agentes que tratam dos assuntos ligados à problemática, como a FUNAI ou mais
precisamente os representantes desta.
No início de dezembro de 1990, um mês antes dos eleitos tomarem posse, o
Estado de Roraima estampa a manchete: “Ampliação de área indígena repudiada por
empresários”, relatando que grupo de comerciantes e pecuaristas de Roraima está criando o
Movimento em Defesa da Não Internacionalização da Amazônia (AMPLIAÇÃO..., 1990, p. 1).
O movimento foi organizado, diz a mesma fonte, por uma Comissão, presidida por um
pecuarista. E o protesto era contra a ampliação da Terra Indígena de São Marcos. Há
referências sobre outro decreto sobre a Área Indígena Raposa/Serra do Sol. Mais de trezentos
produtores rurais seriam prejudicados, a maioria pecuaristas, “alguns deles”, frisa o texto
“com títulos definitivos” e ainda: “[...] O Movimento de Defesa da Não Internacionalização
de Roraima acha que por trás dessa ação do governo federal estejam organismos como a
Comissão Pastoral da Terra, o Conselho Indígena Missionário (CIMI) e Igreja Católica, que
argumentam com a proteção ao índio o interesse em internacionalizar a região”.
Dias depois, houve um Ato Público do Movimento pela Não Internacionalização
de Roraima para marcar o protesto contra a nova Terra Indígena (ATO PÚBLICO... 1990, p. .
3). O Movimento reunia comerciantes, industriais, garimpeiros e pecuaristas. Na ocasião:
“Said Salomão, patriarca dos comerciantes de Roraima, fundador da Associação [Comercial],
lembrou que antes da interferência da FUNAI, índios, fazendeiros e garimpeiros viviam
pacificamente no Estado”. Falou também o líder garimpeiro José Altino Machado, que
afirmou: “[...] para conseguir recursos externos o Presidente da República está vendendo a
Amazônia”.
Outro orador, o pecuarista José Augusto Macaggi, o coordenador do Movimento,
afirmou que “[...] só trinta por cento de Roraima estaria livre para a agricultura e pecuária”.
Em linhas gerais, esses argumentos e posições ainda perduram e foram incorporados no senso
comum local. Numa linguagem mais amena a questão de fundo – a da posse e domínio da
terra e seus recursos – seria tratada também por políticos e legisladores que organizaram os
poderes Executivo e Legislativo do novo estado, que, esperava-se, poderia atender às
expectativas dos diferentes grupos, embora no momento representasse mais um espaço
político que se abria.
154
O conflito da legislação federal, principalmente através da nova Constituição com
as expectativas locais, foi evidentemente percebido pelos deputados eleitos para a Assembléia
Legislativa. Havia, no entanto uma posição, oficialmente aceita, de que seria possível através
da nova estrutura administrativa, garantir e se legitimar medidas de interesse local mesmo que
contrariassem dispositivos da legislação federal. O presidente da Assembléia Legislativa,
Flávio dos Santos Chaves, em entrevista em janeiro de 1991, quando da posse da Assembléia
Estadual Constituinte, afirmou (OLIVEIRA, 1991) que “O Legislativo estadual vai assegurar o
acesso à terra ao ruralista e ao minerador”. E:
Claro que com o advento da Constituição Estadual, deveremos encontrar muitas
proposições conflitantes com as diretrizes da Carta Magna Federal, contudo é
consenso geral da Assembléia Legislativa Estadual tirar parâmetros respeitosos aos
interesses – primeiro do povo de Roraima, da economia do estado e de salvaguarda
das comunidades indígenas, mas assegurando o direito do homem rural à terra e
acesso ao subsolo dos nossos mineradores, esteios, afinal, de uma economia
nascente que precisa crescer para promover o desenvolvimento do estado
(OLIVEIRA, 1991, p. 37).
Tinha-se, pois, que atender aos reclamos dos grupos de interesse locais.
Uma das preocupações é comprovada por observadores da economia roraimense da
época, como Barros (1995) e Diniz (1998): Roraima estava no momento com a economia
profundamente abatida pelo combate ao garimpo. Houve como conseqüência o abandono de
centenas de residências na capital (BARROS, 1995) e a invasão de terrenos urbanos por
milhares de pessoas (INVASÃO..., 1990, p.1)49. Soma-se a isto o fato, do desaparecimento de
quase todo o dinheiro circulante após a implantação do Plano Collor50. Na base de todos os
problemas da economia local, presumia-se, estava a questão da terra.
49
O jornal atribui as invasões a um certo “Chico Doido”, personagem polêmica que seria depois vereador e
deputado estadual, sob esse nome político. No bojo das mudanças, novos líderes surgiam.
50
O Plano Collor, foi implantado pelo governo do presidente Collor de Mello (1990-1992). Em março de 1990,
após o fechamento dos bancos, foi reinstituído o Cruzeiro como moeda oficial e recolhida a maior parcela dos
depósitos bancários a vista, de cadernetas de poupança e outros títulos, liberando apenas quantias não superiores
ao fixado. O remanescente ficou bloqueado, sendo liberado apenas em prazos posteriores. O Plano causou a falta
de moeda no país, sendo que, em Roraima, houve pelo menos um suicídio de comerciante e o fechamento de
vários estabelecimentos com a associação dos dois eventos: o Plano e o fechamento da maioria dos garimpos
(ROSSETTI, 2002, i. v.).
155
4. 8 TERRA: A BASE TERRITORIAL EM DISPUTA
Segundo Karl Polanyi (1980, p. 181), a terra “[...] é um elemento da natureza
inexplicavelmente entrelaçado com as instituições do homem”. Para o mesmo autor, à medida
que o capitalismo e a sociedade evoluíam na Europa, o uso, a propriedade e a legislação sobre
a terra se modificavam. A secularização das terras da Igreja pelo Estado Moderno italiano no
século XIX e a série de leis inglesas desde a Idade Média são exemplos disso (POLANYI,
1980, p. 182-183). O Estado utiliza seu poder de império para regular a propriedade fundiária,
adaptando-a aos valores da sociedade que o mesmo representa ou, a certos setores desta.
Polanyi (1980), descreve as diferenças de papel do Estado na questão da terra na Europa e um
resultado visível: diferentemente do ocorrido no Estado liberal e capitalista, a Igreja e a
aristocracia feudal foram os defensores dos tronos em derrocada.
Numa análise sobre a situação das terras no Brasil no século XIX, Dean (1976, p.
245), afirma que a predominância das grandes fazendas surgidas no período colonial na
América Latina se constituiu numa desvantagem econômica e social. Não era suficiente, diz o
autor, os exemplos da superioridade econômica das pequenas propriedades agrícolas na
Europa Ocidental e nos EUA. O governo brasileiro, esclarece Dean (1976, p. 245), tentou
resolver os problemas da concentração da propriedade agrícola enfrentando os grandes
fazendeiros, mas não houve sucesso em razão do sistema político dominado pela elite rural. A
questão da terra (DEAN, 1976, 246-257), foi discutida por anos na Assembléia Geral do
Império (1822-1889). Houve poucos avanços, que ocorriam apenas quando problemas
maiores, como o da mão-de-obra, agravado com o fim do tráfico (1850) e o aumento das
lavouras de café, exigiam melhor tratamento e oportunidade aos imigrantes.
O governo imperial brasileiro procurou não mais permitir a privatização das terras
públicas, pois a posse é a negação da autoridade do Estado (DEAN, 1976). Uma das
preocupações era que, como não havia meios legais para garantir os títulos de propriedade, a
violência no interior do país ditava uma ordem estranha ao governo. Mas, afirma Dean (1976,
p. 248), o Estado foi forçado a fornecer uma lei sobre a terra, por outros motivos: exigências
dos
plantadores de café do vale do Paraíba a ação dos burocratas da corte, “[...] que
comumente eram parentes dos cafeicultores”. As discussões parlamentares sobre a lei que
disciplinou o acesso à propriedade das terras duraram sete anos (JOFFILY, 1999, p. 71). A
partir daí as terras não poderiam mais ser doadas, só podendo ser adquiridas por compra. A
156
Lei de Terras de 1850, embora apresentasse algumas vantagens ao pequeno proprietário
imigrante (DEAN, 1976, p. 257), beneficiou muito mais os antigos proprietários, pois
revalidou as sesmarias concedidas no tempo da Colônia e legalizou as posses.
Proclamada a República em 1889, organizado o Estado com a constituição de
1891, a administração das terras públicas foi entregue aos estados da federação (CENTRO DE
INFORMAÇÃO..., 1990), que receberam também as minas para reforçar sua economia.
(CALMON, 1971, p. 1976). A autonomia dos estados foi uma das marcas republicanas e,
segundo Calmon (1971, p. 1977), fortaleceu ou em outros casos fez surgir as oligarquias
regionais. Nessa perspectiva, os indígenas do país continuam a ser expropriados, processo em
que a criação do SPI, em 1910, não sustou.
Na Amazônia, o advento da República coincide com o auge da exploração da
borracha, notadamente nos estados do Pará e Amazonas. Nos campos do rio Branco, hoje
Roraima, abastecedor de gado para Manaus, fazendeiros e comerciantes não deixaram de
aproveitar o momento, requerendo terras ao governo do novo estado - o Amazonas - e criando
condições para a participação na vida política, sendo a povoação principal transformada na
sede do município de Boa Vista. Como não havia delimitações físicas seguras entre as vastas
propriedades e muitos não se dispuseram a documentar terras que ocupam, o caminho para a
futura disputa entre órgãos federais ligados à administração da terra e dos índios, defensores
das terras indígenas e fazendeiros, comerciantes e garimpeiros, estava aberto. Na época, de
acordo com o Centro de Informações da Diocese de Roraima (CIDR) (1990), a disputa era
outra: fazendeiros locais e comerciantes de Manaus lutariam entre si pelos recursos naturais e
terras na região; os primeiros beneficiando-se da expansão da mineração e os segundos, do
aviamento de atividades extrativistas e fornecimento de mercadorias ao governo amazonense,
recebendo o pagamento em terras.
Os governos brasileiros até a década de 1950, passando por Getúlio Vargas (19301945 e 1951-1954) e Juscelino Kubitschek (1956-1961) não valorizariam o problema do
acesso à terra. A questão passa a ter visibilidade só na década de 1950, quando algumas
lideranças camponesas organizam movimentos no Nordeste, sendo os mais conhecidos as
ligas camponesas, de inspiração socialista. A vitória da Revolução cubana em 1959 e o apoio
que essas lideranças tiveram dos partidos esquerdistas, como o Partido Comunista Brasileiro
(PCB), e do governo João Goulart (1961-1964), assustaram a direita e os militares que
venceram em 1964. Mas o problema existia e clamava por solução.
157
Na década de 1950 e início da seguinte, nos meios acadêmicos, intelectuais e
empresariais, não faltavam críticas à concentração e ao latifúndio, seja de integrantes da
CEPAL, seja de intelectuais associados a empresários do IPES, e do Instituto Brasileiro de
Ação Democrática (IBAD) (DREIFUSS, 1981, p. 240-243). Os dois últimos eram ligados ao
movimento conspirador que derrubou o governo de Goulart em 1964. Este conseguiu não
somente aprovar um decreto instituindo a reforma agrária como também criar a
Superintendência Para a Reforma Agrária (SUPRA), em 1962. A medida, segundo Dreifuss
(1981), fazia parte das “Reformas de Base” pretendidas pelo governo, mas a oposição também
apresentava suas propostas de mudanças quanto à terra e à economia nacional. Para Dean
(1976, p. 257), os decretos sobre a terra no governo Goulart foram as primeiras medidas
racionais depois do fim do Império. Dreifuss (1981, p. 243-244) informa que os integrantes da
oposição ao governo Goulart reuniram-se em São Paulo, em janeiro de 1963, no Primeiro
Congresso Brasileiro para a Definição de Reformas de Base. Na ocasião, vários políticos,
empresários e acadêmicos apresentaram demandas empresariais visando uma modernização
conservadora, respondendo às reformas de cunho trabalhista, “ambas afirmadas como um
projeto nacional para o Brasil” (DREIFUSS, 1981, p. 243).
Mas já em 1964, o primeiro governo militar, o de Castelo Branco (1964-1967) ao
tentar resolver o grave problema fundiário nacional, elaborou e fez aprovar no Congresso a
Lei 4.504, mais conhecida como o Estatuto da Terra. Seguia uma linha “[...] gerada pelos
EUA de Kennedy” (JOFFILY, 1999, p. 185), expressa na denominada “linha de Punta del
Este”, que reconhecia a existência de distorções nos sistemas de posse e uso da terra e
preconizava a substituição de latifúndios e minifúndios. O texto da lei enfrentou resistências
das classes proprietárias e dos governadores de Minas Gerais, São Paulo e Guanabara. Entre
outras alegadas desvantagens, estabeleceu que as indenizações de terras desapropriadas
seriam pagas em títulos públicos e não mais em dinheiro, revogando-se o artigo 141 da
Constituição vigente.
Outro ato de força, o Ato Institucional n. 9, de abril de 1969, já no governo Costa
e Silva (1967-1969), facilitou ainda mais a indenização, ao retirar da Constituição aprovada
naquele ano, a exigência de indenização prévia (JOFFILY, 1999, p. 185). Nessa perspectiva, o
Estatuto da Terra classificou os imóveis rurais em “latifúndios por exploração”,
improdutivos; os “latifúndios por extensão”, frutos da distorção fundiária; os “minifúndios” e
a “empresa rural”. Para a implementação da sua política agrária, o governo havia criado o
158
Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA), transformado em 1970, durante o governo
Médici (1969-1974) no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
A modernização autoritária implantada pelo governo federal na agricultura fazia
parte de projetos abrangentes e transformadores, que tiveram diversas fases desde que os
militares optaram pela mudança induzida da economia e das instituições. Isto compreendia
uma nova relação entre a sociedade e o espaço, e entre esta e as novas realidades econômicas
que se apresentaram (BECKER, 1999; SANTOS, 1996). A ênfase na modernização ameniza ou
quase desfaz as pressões pela divisão das grandes extensões de terras. Por outro lado, fatos
novos, como as secas do Nordeste, como a de 1967 e a de 1970, motivam o governo a
planejar o deslocamento do excesso populacional nordestino para a Amazônia, acomodando
modernização e geopolítica.
Ainda no governo Castelo Branco (1964-1967), foi realizado um cadastramento
dos imóveis rurais brasileiros (Tabela 2), a fim de se ter uma leitura da situação, mas não se
pode dizer que seus dados tenham influenciado medidas posteriores. Na verdade, os
problemas referentes à situação fundiária brasileira não foram resolvidos pelos governos
militares e nem pelos que os sucederam, inclusive porque as tentativas de mudança do status
quo agrário encontraram sempre fortes resistências, principalmente por grupos de pressão
como a UDR na década de 1980. No meio rural, os indígenas, os camponeses e os
extrativistas seriam os grandes perdedores dos processos expropriatórios que se seguiram e
persistiram.
Tabela 2 - Imóveis rurais no Brasil em 1967.
Tipo de imóvel
Latifúndios por exploração
Latifúndios por extensão
Minifúndios
Empresa rural
Total
Porcentagem
de imóveis
Porcentagem da área
ocupada
em hectares
21,80
76,50
0,01
6,40
75,79
12,50
2,40
4,60
100,00
100,00
Fonte: JOFFILY, 1998, p. 185.
A criação do INCRA no governo Médici (1969-1973) não representou apenas
uma mudança de sigla, mas a passagem da colonização à frente da redistribuição, através da
ênfase na modernização, buscando a revolução tecnológica na agricultura. Além do INCRA, o
159
governo federal lançou em 1970, o PROTERRA, com objetivos de alavancar uma reforma
agrária. O documento trazia como novidade (JOFFILY, 1999, p. 197) a indenização dos
proprietários atingidos por desapropriações; esta seria em dinheiro e não em títulos, como
constava no Estatuto da Terra e, a maioria dos recursos seria destinada a projetos
empresariais. Era o tempo do “milagre brasileiro”, havia crescimento econômico geral do país
e abundância de recursos. Em Roraima isso era representado pelo ritmo acelerado de
construções públicas (BARROS, 1995; FREITAS, 1993), inclusive de centenas de casas
populares (CEM CASAS..., 1973, p. 13) e a chegada do PROTERRA. (ESPERANÇAS..., 1973,
p. 8).
A política do governo Médici daria contornos especiais à questão da terra,
principalmente depois do lançamento do Programa de Integração Nacional (PIN), que
resultou na abertura de rodovias que se tornaram eixos de penetração na Amazônia, como a
Transamazônica e outras de menor extensão. Grandes projetos de colonização e
agropecuários, beneficiados com subsídios, foram implantados, principalmente na década de
1970. Em 1971 foi criado o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL),
destinado a dar ao trabalhador do campo a proteção e a ajuda desfrutada pelo trabalhador
urbano. No entanto, apesar de intensa propaganda oficial dos governos militares apregoar que
estava havendo sucesso na política de acesso à terra, sem atritos ou lutas sangrentas, questões
básicas não foram resolvidos, como a concentração fundiária e o intenso êxodo rural, como
mostram os números de várias fontes.
Entre 1965 e 1981 (JOFFILY, 1999, p. 185), o governo federal baixou apenas 124
decretos de desapropriação de terras. E, segundo um retrato fiel do processo, o Censo
Agropecuário de 1985, 1% das propriedades rurais brasileiras detinha nada menos que 43,8%
das terras ocupadas, enquanto havia mais de três milhões de glebas com menos de 10
hectares, ocupando apenas 2,7% do total dessas áreas. Esses números revelam uma coerência
política, pois (JOFFILY, 1999, p. 185) os grandes proprietários fundiários foram um dos
esteios sociais e políticos essenciais do regime militar. Segundo a mesma fonte,
desapareceram as pressões dos EUA por uma reforma agrária na América Latina e por outro
lado, o governo brasileiro deslocou a ênfase na modernização.
Em 1985, ano que marca o fim do regime militar, iniciou-se o período conhecido
como “Nova República”, quando foi criado o Ministério da Reforma e Desenvolvimento
Agrário (MIRAD). Uma equipe técnica do MIRAD e do INCRA formulou o Primeiro PNRA,
que previu (JOFFILY, 1999, p. 251) a desapropriação de 43 milhões de hectares de latifúndios
160
improdutivos e o assentamento de 1.400.000 famílias até 1989. Surgiram reações a esse Plano
(Fernandes, 1999), principalmente da UDR, fundada no mesmo ano de 1985, tendo o governo
cedido e reformulado parte do PNRA. As pressões da UDR incluem uma “marcha dos trinta
mil” sobre Brasília em junho de 1987 e incisiva atuação na Assembléia Constituinte
(FERNANDES, 1999; JOFFILY, 1999, p. 257). Em Roraima, como já visto, houve discreta
repercussão desses fatos51.
Nos trabalhos de elaboração da Constituição de 1988, o movimento que se
contrapunha de frente à UDR, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e outras
correntes mais à esquerda não tiveram forças para aprovar uma legislação que trouxesse
mudanças para a questão agrária. Já as forças conservadoras saíram vitoriosas, pois a UDR
conseguiu aprovar itens como o que estabelece que latifúndios produtivos não podem ser
desapropriados, mesmo não cumprindo sua função social. Houve, pois, entre 1964 e 1988 um
retrocesso, em termos legislativos, com prejuízo dos trabalhadores sem-terra. No entanto, o
mesmo não se aplica aos indígenas, beneficiados com o artigo 231 da nova Carta, onde se
reconhecem “os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. Esses
direitos, embora bem claros no documento maior do Estado brasileiro, têm sido contestados
por interesses contrariados, principalmente em Roraima, onde as áreas indígenas compõem
parte substancial de seu território52.
4 . 8. 1 A questão fundiária em Roraima na década de 1990
Desde o fim do século XIX, progressivamente, as terras públicas das áreas de
savana em Roraima, vinculadas inicialmente a três fazendas governamentais dos tempos
coloniais, foram sendo privatizadas pelos fazendeiros pecuaristas, conforme anotado por
Barros (1995, p. 50-51), inclusive usufruindo da mão-de-obra indígena, fato referido também
por Cavalcanti (1949). As terras foram gradativamente adquirindo valor de troca maior que o
de uso e um problema tomou visibilidade quando a ordem burocrática federal se impôs na
década de 1970: com poucas exceções, não havia limites definidos nem titulação das terras
51
No mês seguinte à criação da UDR em Roraima, houve o assassinato do prefeito da capital, Silvio Leite, fato
que deflagrou uma crise política e levou à exoneração do governador Getúlio Cruz. O impacto do acontecimento
deve ter deixado a UDR e medidas aprovadas na Assembléia Constituinte para segundo plano, segundo se
depreende da leitura dos jornais locais e informações verbais.
52
Os números sobre a dimensão total das áreas indígenas de Roraima são conflitantes, já que o discurso dos
movimentos contrários à demarcação, excluem as terras alagadas, militares e outras, para fortalecer seu
argumento. No entanto, pode-se afirmar que os números não são inferiores a 40% do total do estado, que tem
extensão de 225.000 km2.
161
que davam até então sustentação à economia básica do território – a pecuária. Isso foi um fato
complicador, com resultados de momento e no futuro, já que envolveu relações de poder e
provocou choques com a burocracia e a legislação federal.
Mais que um atrito poder local versus poder central, a questão envolvia e envolve
diferenças de mentalidades, de práticas e uma tradição histórico-administrativa que, no
conjunto, adquirem necessariamente contornos políticos. No fim da década de 1970 e início
da seguinte, no governo de Ottomar Pinto, a questão tomaria novos rumos com a
intensificação da colonização e avanço territorial da pecuária nas áreas coloniais. Foi o tempo
também de tentativa de equacionar o problema da titulação da terra urbana, principalmente
em Boa Vista, que se agravou com seu crescimento.
A questão fundiária de Roraima aprofundou-se após a Constituição Federal de
1988 e a criação do estado. A nova carta, em seu artigo 231, reconheceu os direitos dos
indígenas às suas terras imemoriais, mas o novo estado instrumentalizou os grupos de pressão
contrários à materialização local do fato, já que agora se poderia usufruir uma legislação
favorável ao seu discurso. Como resultado, a situação fundiária tornou-se complexa e
indefinida, com solução indeterminada e sujeita a desdobramentos políticos.
Os fazendeiros tradicionais de Roraima, apesar de vez por outra se dedicarem a
atividades outras, como a mineração (BARROS, 1995; CAVALCANTI, 1949), enquadram-se
na seguinte definição: fazenda é o estabelecimento cujo titular é um agente que personifica
uma racionalidade mais próxima do capital mercantil, perseguindo lucro por fórmulas de
maximização assentadas na:
[...] busca da manutenção de seu patrimônio , terra e gado, bem como da garantia de
algo que poderíamos definir como ‘subsistência de luxo’. A finalidade é manter um
elevado padrão de consumo para o fazendeiro e sua família, em nenhum momento
implicando a dilapidação de seu patrimônio, fonte de segurança e poder político
(AIDAR, PEROSA, 1981, p. 37, apud COSTA, 2000, p. 68).
Ainda segundo Costa (2000, p. 68), a presença da família é constante nas fazendas, mas “[...]
O fundamental do trabalho é, contudo, proveniente de assalariamento ou de formas de
parceria”. Cavalcanti (1949) referindo-se à década de 1940 em Roraima registra que os
vaqueiros participavam da sorte e os índios recebiam em espécie e por vezes eram obrigados a
esses trabalhos. Informações semelhantes foram registradas por Rivière (1972), referindo-se à
década de 1960, e por CIDR (1990), referindo-se à década de 1970 e início da seguinte,
162
quando o então trabalho assalariado já predominava e representava novas relações sociais de
trabalho vigentes.
A transformação de alguns vaqueiros nordestinos em fazendeiros em Roraima,
com a conseqüente ascensão social e mesmo política, foi evidenciada por Rivière (1972),
Barros (1995) e Hemming (1990), além de fazer parte da tradição oral roraimense. Nas
fazendas mais antigas, segundo Rivière (1972), não havia cercas e nem limites precisos, pois
o gado vivia solto nos campos. Freitas (2000b, p. 45-46) observa que a identificação desse
gado solto era feita pela marca.
Uma leitura da obra de Luiz Aimberê Freitas (2000b) sobre a origem de inúmeras
famílias tradicionais roraimenses permite vislumbrar-se um modelo do surgimento destas a
partir da atividade criatória, enquadrando-se no afirmado acima: entre o fim do século XIX e
início do XX, um nordestino ou paraense, relativamente jovem, vem para Roraima, assume a
condição de vaqueiro e, como tal, desfruta da sorte, isto é, da participação de um quarto das
novas rezes e, alguns anos depois, “situa” ou funda uma ou mais fazendas. Exemplo disso foi
Domingos Braga, nascido no Ceará, que após trabalhar algum tempo no Pará, foi atraído pela
notícia da existência de gado na região do rio Amajari, em Roraima. Depois de alguns anos
como vaqueiro transformou-se em fazendeiro, situando, isto é, fundando, duas fazendas.
Ainda segundo o mesmo autor (FREITAS, 2000b, p. 44-45), Domingos Braga foi casado
quatro vezes, teve inúmeros filhos, sendo que alguns prosseguiram com as atividades do pai,
enquanto alguns filhos e netos, homens e mulheres, estudaram e se transformaram em sua
maioria em servidores públicos.
Outros antigos patriarcas que seguiram o que se poderia chamar aqui de
“modelo”, foram Bento Coelho e Aldo Rodrigues da Silva. O pai do primeiro, conforme
Freitas (2000b, p. 39-42), foi casado com mulher da família roraimense Brasil e contratado
como vaqueiro pela empresa de Manaus J. G. Araújo, dona de diversas fazendas em Roraima.
Coelho, como Domingos Braga, fundou fazendas e foi líder político, deixando larga
descendência. A história dos descendentes de Bento Coelho e de Domingos Braga, é
praticamente a mesma das famílias Brasil, Souza Cruz, Magalhães, Motta e tantas outras
tradicionais de Roraima.
O uso da mão-de-obra indígena estava freqüentemente ligado à utilização das
terras dos próprios índios (SANTILLI, 2001), o que exigia um ritual de aproximação que
incluía muitas vezes o compadrio. Um exemplo: Aldo Rodrigues da Silva, vaqueiro como os
163
demais, veio do Piauí já na metade do século XX (SANTILLI, 2001, p. 59), chamado pelo
fazendeiro Jesus Cruz. Com o tempo, Silva comprou a posse e estabeleceu amizade com os
índios das malocas (aldeias) próximas, teve família e se utilizou da mão-de-obra indígena por
meio do compadrio e outros recursos. Também comprou uma área de posse dos herdeiros de
Bento Brasil, adquirida do governo do estado do Amazonas em 1903, a qual tentou
regularizar em 1973 (SANTILLI, 2001, p. 61), sem sucesso. Era o tempo em que o Estado
Nacional, em razão da busca de solução da crise do petróleo e dos efeitos do fim do milagre,
estava marcando sua presença e fazendo sentir sua autoridade no tocante à titulação das terras.
Os problemas causados pela indefinição fundiária em Roraima têm um início bem
definido: o início da década de 1970, quando o governo federal, desejando implantar um
projeto de desenvolvimento nacional, incluindo uma modernização autoritária no campo,
tomou medidas para cadastrar e titular as terras. Essa operação, própria do Estado, ação
racional-legal no sentido weberiano, despertou reações de interesses contrariados. O
Programa de Ação do Governo para o Território de Roraima – 1975-1979, publicado em
1975, registra como um dos problemas para o desenvolvimento da agricultura de Roraima a
“Situação fundiária indefinida” (1975, p. 45). Apoiado nos dados do Sistema Nacional de
Cadastro Rural de 1972, aponta a mesma fonte, apenas 172 dos imóveis rurais tinham título
definitivo, como já anotado em 4.1.
O Programa de Ação – 1975-1979 (p. 85) acentua a importância da regularização
fundiária, principalmente quando trata de futuros projetos a serem integrados ao
POLAMAZÔNIA. No entanto, como demonstram várias fontes (SANTILLI, 2001; IBGE,
1981; BOA VISTA, 1973), a preocupação governamental com o problema fundiário em
Roraima, bem como a reação ao controle federal sobre as terras, é anterior ao Programa. Este
delineava toda uma ocupação do espaço do território com a implantação de um pólo
agropecuário e outro mineral, como constava no POLAMAZÔNIA, além de prever a
introdução de toda uma infra-estrutura para dar suporte à evolução local do II PND. Tudo isso
exigia uma ocupação “racional” do espaço físico, o que não combinava com o tipo de
ocupação da terra até então feita nem com uma migração espontânea maciça, como ocorreu.
Não admira pois a oposição do governador Fernando Ramos Pereira (1974-1979) à instalação
de colonos ao longo das rodovias (RORAIMA TERÁ..., 1975, p. 1), o que tentou evitar,
declarando que haveria uma política oficial de ocupação.
164
Já em 1973, iniciou-se uma polêmica entre autoridades federais e sociedade local
em torno da titulação definitiva de terras pelo INCRA (ESPERANÇA..., 1973 p. 8), que
permitiria ao Banco do Brasil realizar financiamentos aos produtores, pelo PROTERRA. Na
recém-chegada Comissão de Discriminação de Terras Devolutas do INCRA, o responsável
pelo Projeto Fundiário Boa Vista-INCRA informava, conforme o Jornal Boa Vista
(POSSEIROS E OCUPANTES..., 1973, p. 6), que: “Havia medo que o INCRA lhes tomasse as
terras, quando a finalidade do INCRA é efetivar a discriminação da terra, legitimando a
propriedade dos posseiros e ocupantes, separando a do governo federal”53.
Reafirmando sua mensagem, o executor do Projeto Fundiário de Roraima
explicava textualmente no Jornal Boa Vista (POLÍTICA...,1973, p.8), que “[...] a política do
INCRA não é tomar a terra e sim, regularizá-la [...]”. Alguns dias depois, no mesmo jornal
(INCRA INTIMA..., 1973, p. 4), o INCRA intima pessoas e entidades a apresentar seus títulos,
escrituras ou qualquer outra comprovação listando nomes como Adolpho Brasil, Tuxaua
Pereira e Onésimo de Souza Cruz, grandes pecuaristas e líderes políticos locais. Era o final do
segundo governo de Hélio Campos (1969-1974), bem relacionado com as lideranças
roraimenses, mas o discurso do INCRA, quando enfatizava as vantagens da legitimação, pode
não ter encontrado apoio do governador. Foi diferente, como já explicado, a reação no
governo seguinte, o de Fernando Ramos Pereira (1974-1979), que entrou em atrito com
lideranças locais, principalmente as da família Brasil.
Entre as prováveis razões para poucos terem atendido ao chamado, embora esse
fosse quase contundente, uma pode estar relacionada com a política de crédito e
financiamento da Assessoria de Crédito e Assistência Rural (ACAR-RR), vinculada à
Secretaria de Economia, Agricultura e Colonização do governo do território. Esta não exigia,
ao que parece, documento legal para financiamentos e assessoria técnica. Mais provável
ainda, é o fato de que os ocupantes, autodenominados proprietários, não atribuíram à época
grande importância ao chamado à legitimação, em razão de, pelo menos em alguns casos,
terem maior confiança em documentos fornecidos pelo estado do Amazonas antes de 1943.
Estes documentos, como aponta Santilli, (2001), eram imprecisos quanto aos limites e não
inteiramente reconhecidos pelo INCRA na época. Havia, no entanto, uma outra racionalidade,
de natureza econômica.
53
Segundo o IBGE (1981, p. 26), o Censo Agropecuário considera ocupante o responsável pela ocupação pura e
simples das terras devolutas, sendo o mesmo, pela sua condição jurídica, posseiro, segundo o Código Civil
Brasileiro.
165
Segundo o IBGE,
A não legalização de terras na Amazônia advém, geralmente do fato de não terem
tido elas importância maior, dado o tipo de ocupação. Nos campos naturais, a
pecuária era uma atividade desenvolvida na sua forma mais extensiva – o livre
pastoreio. O sistema adotado já demonstra a pequena importância atribuída à terra.
Na realidade, ela não tinha valor; quem tinha era o gado. (BRASIL, Instituto... ,
1981, p. 26)
Outras fontes, como Rivière (1972, p. 47), confirmam tal assertiva, registrando ainda que a
não valorização da terra em Roraima, bem como a indefinição de limites das fazendas, deviase à consideração de que os recursos naturais eram ilimitados54.
Referindo-se a uma área onde não havia até então criação de gado, o IBGE (1981)
afirma que a não valorização da terra também se dava quanto à porção sul do território de
Roraima,55 onde predominava a floresta, a população era extremamente rarefeita e a economia
era toda baseada no extrativismo vegetal e na pesca. A terra (BRASIL. Instituto..., 1981, p. 26)
representava apenas o suporte das árvores, estas sim, com valor econômico. A mesma fonte
explica que nos dois extremos do território, do alto rio Maú ao norte, em São José do Anauá,
Santa Maria do Boiaçú e no alto rio Urariquera e a serra de Pacaraima, as terras ocupadas o
eram pela forma exclusiva de ocupação. No norte e nordeste e mesmo próximo a Caracaraí e
Boa Vista, as terras ocupadas não constituíam a condição legal única (BRASIL. Instituto...,
1981, p. 26-27), mas predominavam de modo absoluto. Já no início da década de 1970 é
possível ver que essa realidade estava mudando, principalmente nas zonas pecuaristas, mais
antigas e ao logo das rodovias ao sul e sudeste, áreas de florestas, onde milhares de colonos se
estabeleceram.
Boa parte das mudanças no uso e apropriação da terra em Roraima a partir da
década de 1970 pode ser acompanhada nos números dos Censos Econômicos e Agropecuários
do IBGE. Estes permitem também algumas indagações, como as razões da variação dos
proprietários entre 1970-198056 e das pastagens plantadas de 1975 em diante. Porém, essas
54
Sobre o conceito de recursos naturais, concorda-se aqui com o afirmado por Coelho (1994, p. 185), herdado da
teoria marxista clássica: “[...] os recursos naturais são todos aqueles que são de uso potencial para os seres
humanos. Eles são socialmente determinados no sentido que seus valores são relacionados às tecnologias usadas
para explorá-los e à existência da população que o consome”.
55
A expressão “sul de Roraima” à época, corresponde hoje ao sul e sudeste do estado conforme uso do IBGE,
diferentemente de alguns autores. No texto, o adotado aqui sempre foi o uso oficial.
56
No tocante ao ano de 1970 e 1975, os números da Tabela 3.2 são por vezes diferentes do Programa de Ação
já comentado. Isto se dá em razão das revisões do IBGE e do uso de conceitos diferentes e da inserção de itens
como “sem declaração” e da separação da propriedade particular da pública. Até por serem em termos numéricos
166
variações certamente só podem ser explicadas com auxílio de outras informações e análises
das ações dos administradores e dos agentes econômicos, além de influências do meio físico.
Ano/ Estab.
Proprietário
Arrendatário
Parceiro
Ocupante
1970
1975
1980
1985
1995
1.483
150
345
3.666
6.643
4
3
1
2
16
26
5
5
1
19
440
2.861
3.391
2.720
798
Totais
Quadro 2. Estabelecimentos Rurais de Roraima quanto a condição do produtor 1970-1995.
Fontes: BRASIL. IBGE, Censos Econômicos, 1985 e 1995-1996.
As variações nas categorias proprietário e ocupante, nos períodos mostrados nos
Quadros 2 e Tabela 4, são explicadas por vários pesquisadores, como Braga (1998), Barros
(1995; 1996), Diniz (1998), Furley, (1994), Pereira (1998) e Santilli (2001). Pereira (1998, p.
49-54) defende que a mudança dos números de proprietários pode ser explicada pela dinâmica
colonizadora, pela migração e o deslocamento de pequenos produtores para atividades
mineradoras e para as cidades e, principalmente, por uma concentração da grande
propriedade.
Furley (1994), analisando o período 1970-1985, tem conclusão semelhante. Braga
(1998), em estudo para a Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (EMBRAPA),
analisa efeitos das mudanças nas áreas geográficas mais atingidas por estas e seu processo,
mostrando a ligação entre o avanço das pastagens e da exploração da madeira nos
assentamentos bem como o freqüente abandono dos lotes pelos colonos. Este último
fenômeno foi anotado também por Barros (1995). É necessário evidenciar aqui resultados do
primeiro governo de Ottomar Pinto (1979-1983), quando o mesmo desenvolveu uma política
voltada sobretudo ao crescimento da agro-pecuária.
insignificantes, essas diferenças não mudam o significado do problema abordado.
167
Ano/ hectares
1970
1975
1980
1985
1995
Lavoura permanente
1.526
9.239
4.110
4.657
64.405
Lavoura temporária
3.648
17.859
25.261
23.173
68.607
--
1.904
32.282
46.447
40.560
1.125.069
1.325.533
1.519.432
1.100.208
1.246.541
21.965
27.635
82.352
147.005
296.024
326.031
291.185
617.368
680.426
1.021.974
360
--
10
414
1.414
27.809
55.888
49.365
50.765
103.002
Lavoura em descanso
Pastagem natural
Pastagem plantada
Matas naturais
Matas plantadas
T. produtivas não
utilizadas
Área Total (*)
1.506.408
Quadro 3 - Utilização das terras rurais de Roraima - 1970 – 1995 (em hectares).
Fonte: BRASIL. IBGE, Censos Econômicos, 1995.
(*) O IBGE utiliza ainda a categoria terras inaproveitáveis, o que eleva os totais para 1.594.397;
1.836.201; 2.463.107; 2.149.537 e 2.976.817 hectares, respectivamente.
Entre 1980 e 1985 houve uma intensificação da migração para Roraima. O avanço
dos assentamentos do INCRA e do governo do território para a floresta e a implantação de
pastagens nos mesmos, principalmente os mais antigos, além da exploração da madeira, vão
mudando gradativamente o ambiente físico, o social e também o político no sul e sudeste. A
análise dos próprios censos econômicos do IBGE, colocados dentro do contexto histórico e
político de Roraima no período 1970-1985 (Tabela 3), permite ainda outras conclusões.
Tabela 3 - Estabelecimentos e dimensão das terras rurais de Roraima - 1970-1985.
(em hectares)
Total
Estab.
Categorias e Porcentagem área
Ano
Total ha (*)
1970
1.586.406
1.953
0,08
1975
1.836.201
3.019
1980
2.478.767
1985
2.157.128
MENOS
DE 10 ha
10 a 100
ha
MAIS DE
10.000 ha
100 a
1.000 ha
1.000 A
10.000 ha
0,64
17,28
79,29
2,71
0,25
0,93
9,67
51,23
37,93
3.742
0,07
1,14
14,23
60,21
24,35
6.389
0,05
6,73
22,69
57,34
13,18
Fonte: 1970-1985 Furley, 1994, p. 33; IBGE, 1995.
(*) No Censo Agropecuário do IBGE 1995-1996, referindo-se aos os números de 1970-1985, estes são:
1.594.397, 1.836.201, 2.463.107 e 2.149.537 hectares, respectivamente. Não se mudaram os dados aqui
tendo em vista que as pequenas diferenças em nada alterariam a análise do problema.
168
Sem dúvida, há uma convergência quanto ao progressivo avanço das pastagens
para a floresta, à custa da apropriação, inclusive por compra de terras antes ocupadas pelos
colonos migrantes. Este processo, que ainda está em marcha, só se iniciou após a
intensificação dos assentamentos, de 1979 em diante. Assim, é forçoso concluir.que o
governo federal, em não aceitando a maioria dos títulos de terra antigos, ampliou a categoria
dos de propriedade da União, principalmente entre 1970 e 1975, como visto em 4.3.
Tabela 4 - Propriedade das terras rurais em Roraima - 1970-1985
1970
Propriedade
Individual
Estab.
1975
%
Estab.
1980
%
1985
Estab.
%
Estab.
%
1.598
81.8
145
4.82
314
8.40
3.614
56.57
Outra particular
98
5.1
12
0.4
12
0.32
41
0.64
Entidade pública
256
13.10
2.851
94.78
3.416
91.28
2.705
42.34
Sem declaração
1
0.0
1
0.0
00
00
29
0.45
100
3.019
100
Totais
100
100
Fonte: BRASIL. IBGE, Censos Econômicos, 1985 e 1995-1996.
A alteração do número de proprietários rurais em Roraima nos períodos 19701980 e 1980-1985 permite atribuir as mudanças principalmente às diferentes atitudes dos
governantes do então território federal em dois momentos: 1974-1979 e 1979-1983. Em
ambos os períodos, um problema relegado tomaria posteriormente uma dimensão até então
não prevista: o das terras indígenas. Exemplo disso foi o fato de que até o final da década de
1970, na área do extremo nordeste de Roraima e, entre o rio Urariquera e a serra de
Pacaraima, os habitantes eram exclusivamente indígenas, segundo o IBGE (BRASIL. Instituto,
1981), o que mudaria com o avanço do garimpo no final da década seguinte. Os números que
mudaram o mapa de Roraima nesse período representam um movimento humano
principalmente em direção ao sul e sudeste, junto às BR. 174 e 210.
O aumento de ocupantes e de incorporação de matas naturais entre 1970 e 1980
deve-se, como já mostrado, em sua maior parte, ao fluxo migratório e ocupação de novas
terras, e também, ao avanço das fazendas, incorporando terras mas não as legitimando, como
se verá adiante. Entretanto, desde a década de 1960, de acordo com o CIDR (1990, p.10), deuse a chegada de fazendeiros sulistas e foi instituído nas antigas áreas pastoris o trabalho
assalariado, o que aumentou a pressão sobre as comunidades indígenas. Esse avanço, fruto
169
também da política de incentivos da época, fazia parte de um sistema completamente
independente daquele da colonização, que se dava mais próximo à floresta, junto às rodovias.
Mesmo com a crise que abalou o governo brasileiro na década de 1980, essa dupla
transformação do espaço roraimense, promovida agora pelo governo territorial, inclusive após
o governo de Ottomar Pinto, continuou. Uma outra mudança ocorreu no interior da pecuária
nesse tempo: em pesquisa com 137 fazendeiros, Macmillan, Furley (1994, p. 195) concluíram
que 51% deles tinham outros interesses econômicos, principalmente o comércio, para onde
carreavam os recursos oriundos de incentivos para a agropecuária. A terra passou a ser
utilizada, também, como captadora de capital de giro, muito mais que para expandir as
atividades declaradas, o que não diminuiu a disputa por ela. A questão fundiária persistiria,
compreensivelmente, agravando-se na década de 1990.
O problema não era exclusivamente rural, pois boa parte das terras urbanas da
capital, Boa Vista, tem também uma questão irresolvida. Uma das raízes do problema se
encontra também no emaranhado jurídico-administrativo e político produzido pela ação do
Estado. João Danilo Nogueira (1997), ex-prefeito da capital e membro do antigo Conselho
Territorial, afirma que não havia maior problema fundiário antes de 1974. Nesse ano, o
governador Fernando Ramos Pereira (1974-1979), apoiado em pareceres de técnicos do
Ministério do Interior, determinou a supressão de processos de aforamento de terras urbanas.
Até então a prefeitura de Boa Vista, baseada em uma aquisição de área de terras ao Estado do
Amazonas em 1899, administrava sem interferências seu patrimônio fundiário, aforando
centenas de glebas. Cada processo de aforamento, informa Nogueira (1997, p. 129), era
publicado inclusive no Boletim Oficial do Estado, mas ignorava-se o artigo 2° do Decreto-Lei
de criação do território, de n.º 5.812, o qual expressava claramente: “Passam para o domínio
da União os bens que, pertencendo aos estados ou municípios, na forma da Constituição e das
leis em vigor, se acham situados nos territórios delimitados no artigo presente”.
Entre 1974 e 1979, segundo Nogueira (1997, p. 136), estabeleceu-se “[...] um
verdadeiro pandemônio em torno da questão fundiária urbana”. Firmaram-se convênios com o
INCRA e, com base nos pareceres dos técnicos do Ministério do Interior, passou-se a expedir
Licenças de Ocupação (grifo nosso). Essas licenças seriam provisórias, cuja validade se
estenderia até uma definitiva regularização. Em 1979, o novo governador, Ottomar Pinto, de
acordo com Nogueira (1997, p.135), “extrapolando sua competência criou, por decreto
executivo, o Conselho Imobiliário Territorial que passou a examinar os milhares de casos de
170
posses de terrenos urbanos”. O Conselho indicava como suporte jurídico o Decreto-Lei 411
de 1969, o qual autorizava os governadores dos territórios, uma vez ouvidos o Conselho
Territorial e com a prévia autorização do Ministro do Interior, a alienar os bens patrimoniais
da União existentes no território. Assim, diz a mesma fonte (NOGUEIRA, 1997, p. 135), o
governo territorial passou a alienar lotes urbanos, tendo assinado cerca de cinco mil Contratos
de Promessa de Compra e Venda com prazo de cinco anos de amortização e uma centena de
títulos definitivos de terras urbanas na capital. Isso durou até 1983, quando o governador foi
afastado.
O Conselho Imobiliário tinha uma fragilidade legal e foi extinto quando do novo
governo que assumiu após a queda de Ottomar, em abril de 1983. A partir daí, afirma
Nogueira (1997, p. 135), a questão da propriedade dos lotes urbanos está à espera de solução,
não se sabendo quais dos diversos títulos dão legalidade às glebas urbanas. Em vista da
dificuldade de esclarecer-se a legalidade das terras urbanas, da necessidade de se resolver a
questão, inclusive porque sem títulos legais não havia como obter financiamentos, propõe
Nogueira (1997, p.136) que o governo federal “[...] devolva ao município as suas terras
legalmente adquiridas no ano de 1899”.
No urbano, como no rural, a legalidade das terras de Roraima sofreu uma tentativa
de solução no primeiro governo de Ottomar Pinto (1979-1983), mas atualmente ambos
persistem e por vezes tomam rumos de confrontos e discussões intermináveis. A solução das
forças políticas roraimenses para o problema das terras rurais, no entanto, choca-se com a
legislação federal, inclusive com o já comentado artigo 231 da Constituição de 1988. No
entanto, a economia madeireira, a pecuária e as grandes plantações de arroz irrigado
dependem de um avanço contínuo para as terras indígenas e para a floresta.
Como as comunidades indígenas resistem à tomada de suas terras e exigem a
demarcação das mesmas, associados aos ecologistas e à Igreja Católica, e os governos
estaduais e municipais defendem o outro lado, estabeleceu-se um impasse. Para resolvê-lo, os
grupos de interesse se transformaram em grupos de pressão, cada qual armando-se de
argumentos próprios. A história de Roraima passou a ser a história dos choques entre o antigo
patrimonialismo que se ligou ao populismo. Ambos têm se beneficiado da máquina
burocrática e dependido de contínuos recursos externos, como no tempo das vantagens
promovidas pela geopolítica nacional. É essa a explicação que se tentará dar no próximo
capítulo.
171
5 ECONOMIA E RELAÇÕES DE PODER
Historicamente, a economia e a sociedade de Roraima se constituíram a partir das
atividades de uma pecuária extensiva, do garimpo e de um extrativismo vegetal e animal. A
criação do território, em 1943, veio alterar esse quadro, formando uma infra-estrutura
administrativa que propiciou o aumento da população urbana e a implantação de algumas
colônias e uma certa dinamização no comércio e serviços. A redemocratização, em 1946,
dotou o território de uma representação política nacional e abriu espaço para lideranças que
passaram a disputar o poder, materializado principalmente nos poucos cargos públicos. A
geopolítica do regime militar, a partir de 1970, com a aplicação do PIN, dos PND, do
POLAMAZÔNIA e outros projetos, transformou inteiramente a vida econômica, social e
política local.
Rodovias ligaram o território a Manaus, à Venezuela e à Guiana e a capital se
firmou como um centro urbano administrativo. Dentro da racionalidade do regime, as
definições político-administrativas eram verticais, mas houve o patrocínio de estudos para
formação técnica e universitária de muitos roraimenses, propiciando o preparo de futuras
lideranças locais57. Outros projetos desenvolvimentistas mais específicos foram iniciados,
como barragens, um pólo mineral e outro agropecuário que, em vista das dificuldades
financeiras e políticas do governo central após 1979, foram abandonados. É o tempo em que,
de acordo com Costa (1993, p. 16), a ditadura projeta na Amazônia suas duas faces: a
econômica e a política. Uma herança, no entanto, ficou.
O abrandamento e depois o desaparecimento do regime militar (BECKER, EGLER;
1994; BUNKER, 1985; COSTA, 1992) levaram ao fortalecimento das forças regionais e locais.
Em Roraima, esse caso tem suas especificidades, como um clientelismo implantado por
antigos administradores do território e a adoção, por suas lideranças políticas e econômicas,
de um discurso que defende ardentemente o livre acesso às terras indígenas e de preservação
ambiental, com o apoio explícito de seus governantes. Como a Constituição de 1988
incorporou, por pressões de entidades e de amplos segmentos da sociedade nacional, a defesa
57
Diversos ex-estudantes roraimenses, bolsistas do governo do território, ocuparam depois cargos
administrativos, dedicando-se posteriormente à política. É caso de Mozarildo Cavalcanti, Neudo Campos
Getúlio Cruz e outros.
172
das culturas tradicionais e do ambiente, formou-se aí um ponto de atrito entre o poder local e
o central.
Diferentemente dos tempos áureos da ditadura, na década de 1970, a estruturação
do novo estado federativo de Roraima, em 1990, deu-se em momento de grandes dificuldades
econômico-financeiras, no Brasil e no mundo. Localmente, ocorreram novos movimentos dos
garimpeiros rumo às terras Yanomami e de milhares de migrantes para Boa Vista. No âmbito
federal, para combater a inflação galopante, o governo brasileiro adotou uma política de
enxugamento do Estado e das finanças públicas, retirando a maior parte da moeda em
circulação. Quase simultaneamente, a grande esperança econômica, o garimpo, foi tornado
ilegal, e tentado sua inviabilização com a destruição de pistas de pouso clandestinas e
expulsão das terras indígenas de milhares de garimpeiros58.
Em termos nacionais, seguiu-se uma recessão, enquanto em Roraima manteve-se,
como nos tempos do território, uma crônica dependência de recursos federais repassados ao
estado. A coexistência de um discurso que contraria frontalmente a legislação federal59 com o
apoio político no Congresso dos parlamentares roraimenses ao mesmo governo, gera
dubiedades só entendidas dentro da lógica das complexas relações que se estabeleceram entre
os dois níveis de poder. A nova Constituição aumentou consideravelmente as transferências
de recursos aos estados e municípios, mas é muito específica quanto aos direitos de
populações tradicionais e aos limites para a exploração do meio ambiente. Esses limites são
encarados como entraves insuperáveis pelas lideranças econômicas e políticas de Roraima.
Os agentes econômicos locais, dentro de sua racionalidade, defendem a
manutenção dos processos econômicos tradicionais. Assim, o diamantário Arthur Barradas
(entrevista em fevereiro de 2003), afirma sequer existirem índios em Roraima e que todas as
terras deste estão fechadas aos brasileiros pelas ONG e entidades ecológicas. Na mesma linha
de pensamento, a rizicultora Izabel Itikawa, que confirma já ter liderado “chamamentos” e
58
O fim dos maiores garimpos, acompanhado das medidas como a retirada de circulação da moeda, trouxe a
ruína de muitos comerciantes em Boa Vista. Francisco Rocetti, em entrevista escrita (Boa Vista, 2002), revela
que o negócio da família, que incluía uma churrascaria, teve que fechar as portas porque não conseguia receber
cinco quilos de ouro de quem havia fornecido alimentos. A família Rocetti conseguiu se recompor, atuando
ainda hoje, mas a tradição oral registra até casos de suicídio.
59
Esse discurso não se dirige diretamente ao governo federal, mas aos órgãos administrativos desta esfera, como
o IBAMA , o INCRA e, principalmente, a FUNAI. Embora seja expresso mais freqüentemente por políticos da
área legislativa e empresários, por vezes toma a forma de pronunciamento dos administradores. É o caso do
questionamento, por parte do governador Neudo Campos (GOVERNADOR VAI..., 1999, p. 4), da demarcação
de terras indígenas no estado, alegando inclusive interferência de países estrangeiros. Outro exemplo pode ser
colhido da entrevista do presidente da Assembléia Legislativa de Roraima (OLIVEIRA, 1991, p. 27), onde
reconhece que a Constituição estadual encontraria “[...] proposições conflitantes com as diretrizes da Carta
Magna”, defendendo o acesso dos mineradores locais à exploração do subsolo.
173
passeatas contra a demarcação, diz que [...] 94% de Roraima está comprometido em áreas
indígenas” (entrevista gravada em fevereiro de 2003). Não é diferente o discurso dos
políticos, como o do deputado federal Almir Sá, também presidente da Federação Estadual da
Agricultura, para quem
A melhor saída para a questão fundiária de Roraima é dar ouvidos à razão. É
impossível que um governo brasileiro, possa provocar de forma irresponsável o
atraso de uma região, de um estado, em função dos sonhos mirabolantes de dois ou
três indígenas controlados por organismos internacionais. [...] Precisa-se hoje,
urgentemente, definir o que é terra do estado de Roraima e o que são terras da
União, e também dar ao governo local poder para decidir sobre o destino de suas
terras. Ao mesmo tempo precisa-se de coerência dos governos deste país (entrevista
escrita, março de 2003).
O entrelaçamento de interesses promove assim uma crítica comum, que opõe o pensamento
local ao externo, inclusive no âmbito legal e administrativo e, além do combate sem tréguas a
entidades ambientais e de defesa das populações tradicionais, como se verá adiante.
Neste contexto de conflitos múltiplos, persiste a dicotomia governo federal x
governo local, mesmo que amenizada pela intermediação política e repasses de recursos.
Como produto da organização federativa, existem órgãos públicos federais que concorrem
com os estaduais, como o INCRA com o ITERAIMA. Essa é uma das causas da dificuldade
para a solução da questão fundiária, o ponto central das discórdias em Roraima, ao qual se
atribui como o maior entrave à economia do estado60. À medida que há algum prejuízo, real
ou imaginário, ou impedimento em razão da ação institucional, os grupos de interesse tomam
a forma de grupos de pressão, atuando diretamente ou através de seus representantes, como o
senador Mozarildo Cavalcanti e o deputado federal Elton Rönhelt. O argumento legitimador
pode vir também dos próprios administradores, como um prefeito ou o próprio governador,
conforme já citado. O argumento é sempre o da necessidade de desenvolver a economia,
havendo forças contrárias a isso, manipuladas por interesses nacionais e internacionais.
A manutenção da estrutura de poder e do discurso têm sido garantidas pela
implantação de um sistema político de cooptação, em que pesem as diferenças de estilo dos
governantes. Nesse contexto, os grupos de interesse mais fortes se transformam em grupos de
pressão, se aglutinam, com atritos ou desencontros, que muitas vezes levam a rompimentos e
dissidências, sem rupturas definitivas. Há uma intensa busca interna de institucionalização
desses grupos, desde os indígenas aos de classe. Já nas primeiras eleições estaduais estão
60
A agro-pecuária está incluída (Sandroni, 2000, p. 555) no setor primário da economia. Este tem tido, desde
1970, uma queda acentuada na participação da estrutura produtiva de Roraima, como mostra a Tabela 5, adiante.
174
presentes os representantes do comércio, da pecuária, dos arrozeiros e madeireiros, além de
outros grupos, como o dos garimpeiros.
Com a criação do estado, o espaço político se abriu também para políticos do
Amazonas, do Nordeste e até de São Paulo, pelo menos quanto à participação nas eleições,
ainda que através dos grupos locais mais estruturados. Entre os primeiros, Júlio Cabral,61
apoiado por Ottomar Pinto, tal como os paulistas Moisés Lipnik e Wagner Canhedo, enquanto
João Lyra, usineiro de Alagoas compôs com Romero Jucá. Mas a grande vantagem era de
quem detinha alguma máquina eleitoral anterior, o que explica como antigos administradores
militares, ex-governadores do território foram eleitos, como o primeiro governador, senador e
deputado federal, respectivamente. Pela mesma razão pode se explicar porque sete vereadores
de Boa Vista se elegeram deputados estaduais. A partir daí, com a montagem da máquina
administrativa do estado, é que as relações de poder, institucional ou não, vão tomar forma
definida, sendo que alguns aspirantes ao poder se retiram posteriormente, como Cabral e
Lyra. Haverá ainda uma desproporcionalidade entre o poder organizado, institucional e a
economia da nova unidade federativa, o que explica, em parte, a hierarquia que se formou
entre grupos de interesse e grupos políticos com ligações externas.
Acima dos grupos de interesse e de pressão, situam-se os grupos políticos, cujo
comportamento difere dos primeiros por incorporarem politicamente estes e, possuírem cada
qual uma máquina eleitoral e articulações com Brasília e outros estados. O mais tradicional é
o de Ottomar Pinto, ex-governador do território (1979-1983) e do estado (1991-1995), exdeputado e ex-prefeito de Boa Vista. Sua esposa, Marluce Pinto, empresária, é ex-deputada e
ex-senadora, enquanto uma filha é deputada estadual e outra foi em 2000 reeleita prefeita do
município de Rorainópolis. Outro grupo é o do senador Romero Jucá, ex-governador (19871989) casado com a atual e ex-prefeita de Boa Vista e ex-deputada Tereza Jucá.
Bastante articulado em Brasília, Jucá é autor de inúmeros projetos de lei em favor
da exploração de minérios nas áreas indígenas. Um terceiro grupo é o do ex-governador
Neudo Campos (1995-2002), uma dissidência do grupo Ottomar, de quem foi secretário no
segundo governo deste (1991-1995). Todos os líderes desses grupos são e têm ligações com
empresários, de Roraima e de fora, e defendem o discurso do desenvolvimento, além de se
posicionarem contra a demarcação e homologação das terras indígenas em áreas contínuas, o
centro da questão fundiária, o problema local maior na virada do século.
61
Cabral, filho do então ministro da Justiça do governo Collor, Bernardo Cabral, teve vida curta na política de
Roraima, retirando-se dela após o primeiro mandato.
175
O exemplo mais visível da atuação e da linha de pensamento político das
lideranças roraimenses está em seus discursos e propostas de revisão ou regulamentação da
legislação federal no Congresso Nacional. Em 1995, o senador Romero Jucá apresentou ao
Senado um Projeto de Lei n. 121, que, aprovado naquela instância, foi remetido à Câmara de
Deputados e transformado no Projeto de Lei n. 1.610/96 (LEITÃO, 2004, p. 40). O referido
Projeto de Lei se refere à regulamentação da exploração e aproveitamento dos recursos
minerais em terras indígenas (LEITÃO, 2004, p. 94) de que trata os artigos 176, parágrafo 1º,
e artigo 231, parágrafo 3º da Constituição Federal.
Nos anos de 1990, além de Projetos de Lei ( CIMI, 2004, [n.p.]) os parlamentares
roraimenses foram autores de três das sete Propostas de Emenda Constitucional relativas aos
direitos indígenas apresentados no Congresso Nacional. O mais ativo dos parlamentares é o
senador Mozarildo Cavalcanti, autor, entre outras, da proposta de suspensão da Portaria do
Ministério da Justiça n° 820, de 11 de dezembro de 1998, que declara posse permanente dos
índios a T. I. Raposa/Serra do Sol, e da Emenda Constitucional que altera os artigos 52, 225 e
231 da Constituição Federal. Estes artigos tratam da competência do Senado, do meio
ambiente, do reconhecimento à organização social dos índios e o direito às terras
tradicionalmente ocupadas por eles, respectivamente.
Dependente do Congresso, embora com o domínio dos recursos públicos, o poder
Executivo federal não fica imune às pressões de parlamentares. Os representantes da
Amazônia em relação à exploração de bens naturais, advogam medidas em favor de
atividades econômicas que interferem nas áreas das populações tradicionais. No caso de
Roraima, os governadores se posicionam do mesmo lado em que estão os parlamentares,
fazendo uso, inclusive, de recursos legais contra a finalização do processo de demarcação e
transformando vilas em sede de municípios nas terras já demarcadas. O Estado Nacional,
traduzido pela ação do Executivo federal, não tem assim facilidade para resolver impasses
quanto à questão do ambiente na Amazônia
Os resultados têm sido as idas e vindas quando das demarcações e homologações
de terras indígenas ou da criação de Reservas Extrativistas e Unidades de Conservação na
Amazônia. Pode-se considerar como exemplos dessas ações, o Decreto federal 1.775/96, que
instituiu o contraditório quando das demarcações, substituindo o Decreto 22/91 e, em 1996, o
reconhecimento da legalidade da criação pelo governo do estado de dois municípios nas áreas
indígenas roraimenses (SANTILLI, 2001, p. 124-125) pelo Ministério da Justiça. Como se
verá adiante, tais medidas, no conjunto, fazem parte de uma estratégia de barrar o
176
cumprimento de determinação constitucional. E, mesmo que esta esteja em parte cumprida,
como é o caso das T.I.Raposa/Serra do Sol e São Marcos, os direitos dos índios, inclusive no
tocante aos usufrutos não são respeitados e, muitos deles, em razão da troca de bens, têm
aceitado defender a demarcação em área descontínua (SIMONIAN, 2001, p. 189), como
defendem os grupos referidos.
5. 1 A ECONOMIA E O AMBIENTE
De acordo com Hecht (1993, p. 687-695), existem três maneiras de se obter lucro a
partir da terra e recursos naturais: a pura extração, a produção e a economia fiscal. Esta última
consiste no processo de se capturar financiamentos e subsídios que se transformam em
capital. Segundo a autora (HECHT, 1993), os governos brasileiros forneciam de maneira
muito liberal empréstimos a juros muito abaixo da então elevada inflação, com a condição de
se formar pastagens, isto é, desmatando. A terra adquirida a preços irrisórios, se transformava
em capital patrimonial de reserva e o retorno econômico da pecuária nessas condições é
baixo, mas esse não era o objetivo final dos beneficiados pelos financiamentos e subsídios. O
interesse se estende aos minérios e madeira fechando um círculo: o gado serve para ocupar e
legitimar a ação de agentes cuja racionalidade com relação à floresta é uma só: esta tem que
ser derrubada e transformada em pastagens.
Quem percorre hoje o sul de Roraima, junto às rodovias BR 174 e 210 pode
verificar que ali ocorreu processo semelhante ao descrito, a partir da década de 1970.
Referindo-se ao avanço dos pioneiros no sul de Roraima na década de 1970, Barros (1995, p.
33) registra que:
Muitos queriam apenas a madeira para vender às serrarias; estas, por sua vez,
também queriam evitar intermediários e avançavam elas próprias para a floresta;
outros queriam terra, roçado, pastos. Outros somente formar pastos. Acredita-se em
geral que logo aquelas estradas estariam asfaltadas, crença sem dúvida nutrida pelo
ambiente de “milagre” no qual se embriagava a sociedade brasileira no começo e
meados dos anos de 1970.
Barros descreve sobre uma migração espontânea, num espaço que na época o governo
territorial procurou evitar, não o conseguindo, como já demonstrado, apesar de toda
autoridade de que estava investido. Isto mostra a força do movimento e de sua motivação, e
que, mesmo sem os subsídios e vantagens fiscais, a busca pela terra e o que ela prometia era
suficiente para sua ocupação.
177
A pressão internacional registra Hecht (1993), inclusive do Banco Mundial, para a
diminuição da escala de empréstimos fáceis não parou a depredação na Amazônia. O processo
de crise econômica e social porque passou o Brasil após a década de 1970, com inflação
incontrolável, transformou a terra, como também o gado, em bem garantidor de patrimônio. O
desmatamento até acentuou-se, conforme Hecht (1993) com os grandes e pequenos projetos
de colonização, que levaram populações do Sul e Nordeste brasileiros para a Amazônia.
Houve até mesmo uma “indústria de posse” para aquisição de terras, num país em que
aumentavam as pressões para uma reforma agrária e conflitos com populações antigas, como
as indígenas e outras tradicionais como seringueiros e coletores de castanha.
Em Roraima o gado serve para garantir a posse da terra e, confirmando o
argumento de Hecht, para garantir recursos. A FUNAI e a Igreja Católica têm financiado
projetos de criação de gado entre os índios macuxi (MACMILLAN, FURLEY, 1994, p. 195),
enquanto muitos criadores brancos utilizam a fazenda como uma maneira de transferir
recursos para outros setores de seus interesses. Em 1992, uma pesquisa feita por Macmillan e
Furley (1994, p. 195) com 137 criadores mostrou que 70 deles tinham outras atividades
econômicas, como o comércio, e investiam o capital conseguido onde maior seria o
rendimento. Além de servir à vários usos, produtivos ou não, a terra não perde assim sua
importância e os agentes sociais a ela ligados tendem a disputá-la cada vez mais.
A transferência de capital entre setores da economia, explica porque os
percentuais da estrutura produtiva do estado de Roraima não refletem os problemas que têm
tido maior repercussão política. Dados estatísticos do IBGE mostram, como se vê na Tabela
5, que, entre 1970 e 1997, o único setor a não sofrer alteração digna de nota, foi o terciário,
que compõe quase dois terços da força produtiva. Apesar disso, são as atividades ligadas aos
outros setores, principalmente o primário, que mais têm ocupado espaço na mentalidade e no
discurso de políticos, de empresários e da mídia locais. A redução da agropecuária e da
indústria é atribuída às dificuldades causadas por forças externas e não à falta de vigor e
problemas de mercado da economia local. O crescimento urbano, principalmente de Boa
Vista, e a existência de uma máquina burocrática civil e militar, relativamente numerosa,
constitui um mercado consumidor interno relativamente alto, em vista de uma massa de
salários regular e contínua. O setor secundário tem alguma expressão graças à madeira, mas,
como o primário, é dependente do acesso facilitado aos bens naturais e ao crédito. Além
disso, o mercado da madeira, além de majoritariamente externo, é tradicionalmente instável.
178
Tabela 5 – Estrutura produtiva de Roraima 1970 – 1997 (em %)
Setor
1970
Primário
Secundário
Terciário
Total %
1975
1980
1985
1997(*)
33,96
32,88
18,95
15,27
6,33
3,77
6,10
17,19
21,42
23,15
62,27
61,02
63,86
63,31
70,52
100
100
100
100
100
Fonte: IBGE apud FECOR, 1997, p. 90.
(*) Estimativa
Diante dos quantitativos da Tabela acima, evidencia-se uma interrogação: por que
o peso das questões políticas que envolvem a economia de Roraima não é maior no setor mais
representativo? As prováveis respostas são encontradas na herança histórica da agropecuária
e, mais fortemente, no modelo de desenvolvimento incentivado, na esperança de acesso a
recursos financeiros com juros baixos e frouxo controle. Os incentivos para quem detém a
propriedade da terra, se não têm atualmente a generosidade das décadas passadas, existem,
como o Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO)62. Em 1999 (BANER VAI...,
1999, p. 5) o liquidante do então extinto Banco do Estado de Roraima informou que a dívida
deixada pelas empresas e pessoas físicas chegava a 460 milhões de reais. A natureza da dívida
era proveniente de recursos do Fundo de Desenvolvimento de Roraima, do BNDES e do
FNO. A metade dos 3.400 mutuários em débito com o Fundo era da área rural.
Pesquisas mais recentes, como Diniz (1997) e Braga (1998) mostram que a terra
em Roraima vem adquirindo maior valor de troca que de uso, numa distorção da política de
colonização. Inegavelmente, o avanço progressivo da pecuária nas antigas regiões das
colônias, mais que a exploração da madeira, vem alterando o quadro da estrutura fundiária,
criando inclusive debates e atritos entre o INCRA e lideranças políticas locais. Sinal disso são
os discursos de parlamentares, inclusive em Brasília, onde o senador Mozarildo Cavalcanti
propôs a extinção do INCRA, da FUNAI e do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente
(IBAMA), alegando que há duplicidade e superposição de órgãos executores de ações que
municípios e estados fariam melhor63. A venda de lotes a pecuaristas é parte e resultado do
62
Esse Fundo, previsto no artigo 159 da Constituição (BRASIL. Constituição..., 1988), foi regulamentado pela
Lei n. 7827 de 27 de setembro de 1989 (BRASIL. Lei 7827, 1989). Sua administração está a cargo do Ministério
da Integração Nacional e do BASA como agente financeiro. A abrangência espacial do mesmo compreende
todos os estados da região Norte.
63
BRASIL. Senado Federal, pronunciamento de Mozarildo Cavalcanti, em 8 mar.1999.
179
problema, pois há muitos lotes simplesmente abandonados, como mostram os Quadros 5 e 6
adiante.
Uma rápida visão do criatório e produtos básicos, como arroz, feijão e milho,
permite perceber que a evolução da agropecuária de Roraima, desde 1970, não se explica pela
expansão da colonização e incorporação de novas áreas ao processo produtivo. Naquele ano o
território possuía 1953 estabelecimentos rurais e a pecuária bovina correspondia a um rebanho
de 238.761 cabeças (BRASIL, Instituto... Censo Agropecuário de 1995/1996). Em 1995, os
números eram 7.476 estabelecimentos e um rebanho de 399.939 cabeças, que aumentaram
para 480.400 em 200064. No caso da pecuária, uma mudança pouco expressiva, apesar dos
números mostrarem (BRASIL, Instituto... Censo, 1995-1996 e 2000) que os estabelecimentos
rurais eram majoritariamente compostos por pastagem natural: 1.125.069 ha de um total de
1.594.397 ha em 1970 e, 1.246.541 ha do total de 2.976.817 ha em 1995.
Até os anos de 1970, grande maioria desses estabelecimentos e toda a atividade
criatória estavam no norte e nordeste roraimense, enquanto no sul e sudeste as únicas
atividades econômicas eram a pesca e a extração vegetal e animal (BRASIL, Instituto... 1981,
p. 28). O advento das rodovias, da vinda em massa de colonos e a pesquisa aplicada
mudariam em parte a espacialidade da pecuária, já que, ocorreu um avanço da atividade para
as áreas coloniais, após a derrubada da floresta, sem que houvesse o abandono das antigas.
PRODUTO
(em t)
ANO
1974
Arroz
Feijão
Milho
1981
1985
1989
2000
2.177
44.830
14.479
16.082
50.850
245
673
482
372
150
1.980
14.479
7.183
3.990
19.500
Quadro 4.- Produção de arroz, feijão e milho em Roraima entre 1974 e 2000.
Fontes: 1. De 1974 a 1989 (COSTA, 1994, p. 279).
2. IBGE/RR. Produção Agrícola Municipal 2000.
Ao contrário da pecuária, cujo crescimento quantitativo foi relativamente modesto
entre 1970 e 2000, outros produtos, como o arroz, o feijão e o milho tiveram uma trajetória
diferente, principalmente o primeiro. A agropecuária da atualidade é uma herança das
modificações espaciais planejadas, onde se buscaram o crescimento e a qualidade da
produção. Isto corresponde a uma parte da explicação da situação atual dessa área de
64
Dados do IBGE (2003), mostram que o número de bovinos em 2001 diminuiu, passando para 438.000.
180
atividades. As rodovias obedeceram a um plano geopolítico, traçadas após estudos do
RADAMBRASIL (Barros, 1995) e, o PROVÁRZEAS, realizou estudos após 1981, que
possibilitaram a expansão da cultura do arroz irrigado (BRASIL, Instituto... p. 28; BRAGA,
1998, p. 16-17), após o fracasso das experiências com o arroz no cerrado. Barry, Paterson
(1994, p. 158-159) situam a superação das dificuldades do cultivo do arroz em várzeas dos
rios Branco, Urariquera e Tacutu, creditando seu sucesso também à abertura de rodovias,
ligando a atividade ao mercado e aos centros de beneficiamento na capital.
A plantação do arroz irrigado se dá atualmente mais nas várzeas do nordeste do
estado, inclusive em área indígena e conflituosa. Esse arroz tem tido produção crescente,
sendo o produto agrícola roraimense de maior venda no Amazonas e Pará. Ocupando com
suas atividades as áreas indígenas ao norte e nordeste do estado, os arrozeiros formam
possivelmente o grupo de interesse mais organizado e poderoso do estado, enfrentando
ambientalistas, lideranças indígenas e seus defensores. Suas armas principais hoje são o
discurso em favor da soberania nacional e a defesa do direito de produzir, garantindo
empregos e arrecadação aos cofres públicos. Institucionalmente, formam a Associação de
Produtores de Arroz Irrigado de Roraima e têm estreitas ligações com pesquisadores da
EMBRAPA local,65 além de, eventualmente, terem lideranças eleitas para cargos
legislativos66.
Braga (1998, p. 15) calcula que a área do arroz irrigado cresceu 420% entre 19861987 e 1994-1995, atingindo cerca de oito mil hectares. Esses números são compatíveis com
os do IBGE (BRASIL, Instituto..., 1995) que registra um pouco mais de 10.000 ha plantados
com arroz em 1992 e uma área colhida um pouco menor. A quantidade total colhida, segundo
o IBGE (1995, p. 3-34), foi naquele ano superior a 25.000 toneladas, número bem abaixo dos
da década de 1980, quando do início de sua expansão. Na década de 1990, o mercado de
Manaus e o de Boa Vista passaram cada vez mais a consumir o arroz produzido nas várzeas
de Roraima. Ainda segundo Braga (1998, p. 17), o rendimento médio passou de 3.000 kg/ha
para 5.000 kg/ha, podendo atingir os 8.000 kg/ha em condições mais favoráveis.
A expansão do arroz irrigado não tem ocorrido sem problemas. O seu plantio é
feito nas várzeas, algumas delas nas áreas indígenas, como as do rio Tacutu, no nordeste
roraimense67. Por outro lado, o fato de as águas subirem durante o inverno (abril-agosto),
65
Um dos empresários do arroz irrigado, Nelson Itikawa é oriundo dos quadros da EMBRAPA.
Como se deu em 1990, com a eleição dos deputados estaduais Luiz Afonso Faccio e Antonio Evangelista
Sobrinho. O primeiro é gaúcho e o segundo, cearense.
67
Esse rio marca exatamente a divisa com duas Terras Indígenas, situadas à margem direita: Raposa/Serra do Sol
e São Marcos.
66
181
quando da segunda colheita,68 obriga aos produtores a semear nas partes mais altas, o que, de
acordo com Barrow, Paterson (1994, p. 158-159) causa o desmatamento de vastas áreas de
floresta, problema também relatado por Braga (1998). Sendo o arroz produto agrícola
exportado em maior escala, concentrando o grosso de sua produção por poucos empresários,
formou-se em torno de suas atividades um dos diversos grupos de pressão locais, conhecido
como “grupo dos arrozeiros”. Este tem liderado a maioria dos protestos contra a demarcação e
homologação das terras dos índios, incorporando o discurso da defesa da soberania nacional69.
Quanto ao garimpo, atividade quase centenária, é hoje uma sombra do que
representou no fim da década de 1980 e início dos anos de 1990. A exploração de minérios
nas áreas indígenas, onde está a maioria das jazidas, é condicionada pela Constituição de 1988
e depende de uma regulamentação que se arrasta desde então no Congresso Nacional. Resta a
polêmica que a questão envolve, além da esperança dos que auguram uma riqueza rápida e
segura e, um comércio e serviços, principalmente em Boa Vista, associado ao que sobreviveu
da atividade70, como se verá adiante. Não obstante, o Sindicato dos Garimpeiros de Roraima
(SINDIGAR), vinculado à Federação das Indústrias de Roraima (FIER), está em plena
atividade.
Outro setor marcante na economia roraimense, o madeireiro, tem também forte
presença política. Seu sindicato é um dos mais atuantes e o produto tem sido sempre o
primeiro na agenda de exportação. Seu grande crescimento ocorreu com o aumento das obras
públicas na década de 1970, e sua fonte de matéria prima expandiu-se em torno das novas
rodovias e colônias. O mercado tradicional é a Venezuela, despontando atualmente Manaus
para a progressiva produção do sul e sudeste do estado. A exploração da madeira, tal como o
garimpo e a lavoura de arroz, é um dos pontos de atrito com indígenas e ambientalistas. Em
alguns casos, ela é semi-clandestina ou informal, como se percebe percorrendo as estradas do
interior.
68
Como toda atividade de capital intensivo, o tempo na produção arroz irrigado é fundamental, tendo que haver
uma consonância com o secador industrial, de acordo com Izabel Itikawa (entrevista em fevereiro, 2003). A
empresária informa também sobre a mudança de local de plantio para as partes mais altas durante o plantio de
inverno, no caso, as terras indígenas.
69
Exemplo dessa posição é a empresa Itikawa, com plantação de 700 hectares de arroz irrigado no município de
Normandia, no nordeste roraimense. Na época chuvosa do inverno, o segundo plantio é feito “do outro lado do
rio Tacutu” (Izabel Itikawa, entrevista gravada em 27 de fevereiro de 2003). O outro lado do rio é exatamente
área indígena, não reconhecida pelos empresários.
70
Não obstante, algumas vezes o diamante é notícia, constando na lista de exportação, o que mostra haver uma
exploração não tão diminuta como se pode deduzir de números oficiais ou informações verbais.
182
O contínuo afluxo de migrantes e avanço para a parte florestal mais densa das
áreas coloniais do sul e sudeste favorece a oferta de madeiras. Na década de 1980, assinala
Barbosa (entrevista escrita, 2002), os serradores se utilizavam de intermediários que entravam
em acordo com os colonos que cediam ao toreiro algumas árvores para serem extraídas e
transportadas até a serraria, em troca de desmatar parte da área para o plantio. Esse
intermediário, também identificado em Roraima como extrator, podia ser autônomo ou
vinculado a alguma serraria e o processo freqüentemente incluía outros acordos e trocas. Mas,
a atuação do extrator hoje é por vezes mais abrangente na ação e resultados, como noticia um
jornal de Boa Vista:
A notícia foi trazida por um pequeno extrator de madeira. Num projeto de
assentamento rural do Incra, na BR 174, os produtores tiram lotes em seus nomes
próprios e dos filhos e esposas. Após o recebimento, parte deles são vendidos à
primeira oferta: ´comprei um cheio de cedro, caça e peixe por 400 reais. É uma
beleza. Vou tirar a madeira, encher de pasto e passar para frente o lote` disse o
tirador de madeira (VENDA..., 2000, p. 3).
O relatado não se refere a uma exceção, se se analisar o processo junto às áreas coloniais
junto às BR 174 e 210 e das colônias Confiança. Em todas elas existe, registra Diniz (1998),
como em outras áreas coloniais, um altíssimo percentual de abandono de lotes e, de acordo
com Barros (1995); Diniz (1998), o avanço da exploração madeireira e da pecuária. Ambos
registram ainda, como por vezes transparece na imprensa local o envolvimento políticoempresarial nessas operações.
O avanço da pastagem e da exploração madeireira ao longo das rodovias, em
terras anteriormente destinadas à agricultura, é aparentemente irreversível. Percebe-se, como
relatado por alguns autores, que o pequeno agricultor passa a ver a terra cada vez mais como
um bem de troca de fácil acesso. É comum encontrar colonos, inclusive residindo nas cidades
(SANTOS, N. P. n.c.), que já passaram por vários assentamentos.
O estudo da economia roraimense, principalmente da década de 1990, permite
identificar a persistência do discurso do desenvolvimento, adaptado às circunstâncias em que
predominam valores voltados para um imediatismo, conforme modelo referido em Schneider
et al. (2000) com respeito à Amazônia. Para o autor (SCHNEIDER et al. 2000, p. 21), a
perspectiva dos governos locais na Amazônia é imediatista, daí seu apoio aos interesses
econômicos de curto prazo. Assim, o futuro da comunidade pode ser comprometido com
183
práticas predatórias, tornando, a longo prazo, práticas insustentáveis para todos os níveis da
sociedade. Se o governo central não intervier, argumentam Schneider et al. (2000, p. 21), a
comunidade terá que decidir por si mesma se prefere o modelo do boom-colapso ou um
desenvolvimento sustentável. Resta reconhecer, no entanto, as dificuldades dessa
interferência, visto que nem sempre se consegue identificar o que é ou não sustentável; além
do mais, os agentes da ação, que formam a suposta comunidade, são pioneiros, cuja
racionalidade difere da do morador mais permanente e antigo.
Sobre a política ambiental, além da legislação contida na Constituição, sobram
documentos oficiais de intenções, como o Política Integrada para a Amazônia Legal (1995),
do Ministério do Meio Ambiente e a Agenda Positiva da Amazônia (1999), da Comissão da
Amazônia e de Desenvolvimento Regional da Câmara dos Deputados. O documento Política
Integrada para a Amazônia Legal, foi aprovado pelo Conselho Nacional da Amazônia Legal
(CONAMAZ), em julho de 1995 e, segundo declara o presidente Fernando Henrique Cardoso
na apresentação do mesmo, seria a base de um ousado “Projeto Amazônico” (BRASIL,
Ministério..., 1995, p. 5-6). Neste, se buscaria a colaboração dos demais países da região
amazônica para “[...] tornar o conceito de desenvolvimento sustentável uma realidade capaz
de trazer mais prosperidade e justiça para os povos amazônicos” (BRASIL, Ministério..., 1995,
p. 7). Para o então ministro do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal,
Gustavo Krause, além de constituir-se a base de um Projeto Amazônico, a Política Integrada
representa uma ruptura com os sistemas econômicos passados e com os padrões tecnológicos
das duas últimas revoluções industriais.
O texto da Política Nacional Integrada para a Amazônia Legal (1995) afirma no
seu preâmbulo (p.13) que a preocupação do governo federal é “[...] promover o
desenvolvimento nacional e reduzir as desigualdades regionais [...]”, nos termos do artigo 3°,
II e III da Constituição Federal. Nas suas Diretrizes Gerais (p. 19), destaca-se tanto a
integração interna quanto a externa, reconhecendo-se que, em vista da imensa diversidade da
região, não se pode pretender que a estratégia de desenvolvimento se dê em todo o extenso
território, havendo a necessidade de zoneamento ecológico-econômico. A extensão do
território, bem como de suas fronteiras, não deixam esquecer a necessidade da vigilância, a
ser exercida pelas forças Armadas com a ajuda de uma Polícia Federal fortalecida (p. 24).
Na Política Nacional Integrada para a Amazônia Legal (1995, p. 24) são
previstas medidas para a superação das carências das populações urbanas, reconhecidas como
fruto de uma mobilidade intensa e da urbanização desordenada. Identifica-se que os núcleos
184
urbanos se constituem, crescentemente, em um dos maiores problemas sociais e ambientais da
Amazônia. A cidade amazônica é tida ali também como condição crucial do desenvolvimento,
enquanto mercado consumidor, mercado de trabalho, sede de redes de informação e base de
apoio para as ações diretivas. Embora tenha toda essa abrangência e clareza, além de tratar-se
de instrumento funcional e orientador, a Política Nacional Integrada para a Amazônia Legal
não é sequer citada em outras legislações ou quando das discussões relativas ao
desenvolvimento ou preservação na Amazônia71.
A Agenda Positiva da Amazônia é mais específica em seus objetivos. Ela nasceu
de Seminários promovidos em setembro de 1999, em cada estado, visando atender às suas
peculiaridades ecológicas e sociais. Escrita um ano após o grande incêndio nas florestas de
Roraima, e ainda marcado por ele;72 uma leitura atenta do documento permite a compreensão
de sua inoperância. Nele consta a ênfase no desenvolvimento sustentável financiado pelo
Estado, além de identificar o zoneamento ecológico-econômico com a ação de programas de
desenvolvimento do governo de Roraima. Consta ainda no documento (AGENDA POSITIVA
DA AMAZÔNIA, 2001, p. 121), a necessidade de “[...] Negociar com os países mais ricos uma
compensação financeira para a conservação da Amazônia”73.
Em outras palavras, não parece haver um problema de definição de políticas ou
mesmo de desconhecimento das realidades ecológicas e sociais, nem de falta de legislação
específica ou mesmo de definição de papéis. Mas falta uma ênfase, uma determinação, como
se percebe no artigo 43 da Constituição Federal, que coloca as ações do governo central no
desenvolvimento regional mais como possibilidade e dependente de lei complementar. Assim,
permanece um quadro em que, embora haja pressões, inclusive no nível global, há imensa
dificuldade do Estado em cumprir seu papel e ao mesmo tempo conciliar interesses de curto e
longo prazo dos diversos agentes envolvidos.
71
Na verdade, mesmo na literatura acadêmica dificilmente seu nome é mencionado. Isso leva à conclusão de se
ter aí mais um instrumento oficial que o próprio governo não faz divulgação através do uso.
72
O grande incêndio de março de 1998 devastou parte considerável das florestas roraimenses. Apesar do enorme
esforço de centenas de bombeiros, inclusive estrangeiros e voluntários, o fogo só se apagou quando, no fim
daquele mês, as chuva chegaram, bem antes do costume (KIRCHOFF, ESCADA, 1998, p.70).
73
Os representantes de Roraima na Comissão da Amazônia e de Desenvolvimento Regional, na época do feitio
da Agenda, Luciano Castro, Robério Araújo e Salomão Cruz, são integrantes de corrente política contrária à
demarcação de terras indígenas e defensores de uma solução fundiária em Roraima que libere as terras públicas
da União ao estado.
185
5. 1. 1 A colonização: de projetos político-administrativos a problemas políticos
O valor da colonização de Roraima pode ser dado não só porque oito de seus
quinze municípios tiveram origem em colônias oficiais, mas pelo fato de que foi a partir
desses pontos de fixação, junto a estradas denominadas de integração, que a maior parte do
seu território foi efetivamente ocupado e paulatinamente explorado74. De acordo com Santos
(1979, p. 32), “[...] a transformação do espaço ‘natural’ em espaço produtivo é o resultado de
uma série de decisões e escolhas, historicamente determinadas”. A determinação aqui foi,
principalmente, do Estado não só atuando diretamente, mas com a implantação de obras
estruturais como estradas, pontes e estudos técnicos, além de manter uma política de crédito e
incentivos.
Velho (1976, p. 219) registra que esta determinação do Estado brasileiro no início
da década de 1970 abriu caminho para uma migração espontânea rumo aos novos espaços
amazônicos e ao noroeste do Maranhão. Esta corrente chegaria a Roraima, não sendo
inicialmente aceita pelo governo territorial, já que se seguia até ali outro modelo de ocupação,
o empresarial de capital intensivo, centrado em dois pólos75. Pode-se dizer que as mudanças
da política nacional envolvendo a Amazônia corresponderam também a diferentes projetos de
colonização em Roraima.
De acordo com Freitas (1997), o primeiro projeto colonizador nasceu após a
criação do território, sendo criadas três colônias agrícolas para abastecer a capital de gêneros
alimentícios. Com a abertura das rodovias BR 174 e 210, na década de 1970, ocorreu um
movimento migratório quase constante, patrocinado a partir de 1979 no governo de Ottomar
de Souza Pinto, segundo o autor (FREITAS, 1993). De acordo com o IBGE
(BRASIL.Instituto..., Censos de 1980 e 1991), a população passou de 79.159 em 1980, para
217.583 em 1991. A década de 1980 marcou, pois, a intensificação desse movimento e a
transformação do território em estado federativo em 1988, se deu durante uma curva
ascendente da migração. Entretanto, o movimento do fim dos anos de 1980 e início dos de
1990, de acordo com Barros (1995), é atribuído mais à expansão do garimpo e, como
74
Mucajaí, Alto Alegre, Cantá, Caroebe, São João da Baliza, São Luiz, Iracema e Rorainópolis, são todos
municípios roraimenses originados de colônias agrícolas.
75
Era época do governo Ramos Pereira (1974-1979), o qual pretendeu implantar o POLAMAZÔNIA, com os
pólos agro-mineral e agropecuário e, ao mesmo tempo, impedir a migração espontânea e familiar para os eixos
das rodovias BR 174 e Br 210. Pereira não obteve sucesso em nenhuma dessas iniciativas, além de atritar com
grande parte da liderança política local, como tratado em 4.3.
186
mostram os mesmos Censos, esse crescimento se deu muito mais na população urbana, onde o
aumento correspondeu a 136%, enquanto o rural cresceu 35,3%.
Assim, o acesso à terra tem sido facilitado, com objetivos tanto políticos como
econômicos, não se levando em conta condições ambientais, mercado e outras variáveis que
têm tornado os assentamentos muitas vezes como locais de passagem para muitos colonos que
o abandonam ou vendem seu lote. Visitas a assentamentos e vicinais, além de dados
estatísticos do IBGE (BRASIL.Instituto..., Censo 2000) que registram uma sensível
diminuição da população rural em alguns municípios de origem colonial, apontam no mesmo
sentido. No entanto, deve-se admitir que outras variáveis, além das causas políticas, culturais
e sociais, interferem no processo: as condições ambientais, como a reconhecida baixa
fertilidade do solo76.
Ao descrever o ambiente físico de Roraima, Braga (1998, p. 9-11) explica que
quatro milhões de hectares, 17% do total do estado são cobertos por vegetação do tipo
cerrado, conhecido também como savana, lavrado ou campos de terra firme. Os restantes 83%
são cobertos por vegetação de florestas diversas, que apresentam potencial madeireiro,
limitações e exploração variadas. É nessa área de floresta, diz Braga, que estão concentrados
90% dos produtores rurais, em área desmatada estimada em 1992 pelo Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (INPE) em 400 mil hectares. Descrevendo mais detalhadamente os agroecossistemas de Roraima, Braga (1998, p. 10-11) divide o espaço geográfico em cinco áreas:
duas de cerrado com altitude entre 800 a 1.200 metros e de 100 a 500 metros; duas de floresta
equatorial, com altitude entre 800 a 1.200 metros e de 200 a 800 metros e uma área de
formações pioneiras, com gramíneas arbustivas e arbóreas e floresta equatorial hidrófila de
várzea, com altitude inferior a 200 metros, no Baixo rio Branco.
Ainda segundo Braga (1998, p. 10-11), a primeira área de cerrado abrange os
municípios de Boa Vista e Normandia, na região nordeste do estado, e é classificada como de
fertilidade muito baixa. A segunda, abrangendo o centro, o norte e leste de Roraima, é
classificada como de fertilidade baixa e muito baixa. Ambas têm, afirma o pesquisador,
aptidão para preservação, lavoura e pecuária em 2,5 milhões de hectares dos quatro milhões
de seu total. A área de floresta equatorial de maior altitude abrange o norte, o nordeste e o
leste, junto da fronteira com a Venezuela e Guiana, tem relevo ondulado e fertilidade baixa. A
76
Braga, em estudo técnico da EMBRAPA-RR (1998, p. 34-35) anota que os solos de Roraima “[...] apresentam
fortes restrições de ordem física, química e hídrica, tanto na capacidade de armazenar água e nutrientes, como
pelos baixos teores de matéria orgânica e má distribuição de chuvas”. Diniz (1998), em estudo sobre as colônias
Confiança, por sua vez descreve a luta sem trégua entre o colono, as formigas e a juquira.
187
aptidão desta área “[...] é para preservação, lavoura permanente ou pecuária” (BRAGA, 1998,
p. 11). A equatorial, de menor altitude abrange o nordeste, o centro, sudeste e sudoeste, com
relevo entre o suave ao ondulado. Sua fertilidade (BRAGA, 1998; DINIZ, 1998) é considerada
como baixa, com áreas com aptidão para preservação, extrativismo, lavoura e pecuária. A área
de formação pioneira ou mais recente, em termos geológicos, situada ao sul, junto ao baixo
rio Branco, onde esse encontra o rio Negro, tem fertilidade que varia da muito baixa à elevada
e a aptidão predominante (BRAGA, 1998, p. 11) é para preservação e extrativismo. Além das
áreas citadas, Braga (1998, p. 11) refere-se a uma outra, de várzeas, junto aos principais rios
Tacutu, Surumu, Urariquera, Branco e Mucajaí, com aproximadamente 350.000 hectares,
explorados atualmente com arroz irrigado, como já relatado.
Pela lógica do regime dominante na década de 1970, decisões políticas e técnicas
definiriam a ocupação do espaço. Há ainda o fato inegável de que existe uma ligação entre o
ambiente e a espacialidade de culturas e pessoas, mas o colono que chegou ao sul e sudeste de
Roraima nesse tempo inverteu a lógica do poder do Estado, passando a sujeito ativo da ação.
Documento oficial (RORAIMA. Secretaria..., 1977, p. 18) registra em quadros estatísticos que
a BR 174 e a Perimetral Norte (a BR 210), em 1977 já superavam as antigas colônias quanto à
utilização de áreas e que “[...] 35% dos agricultores são semi-nômades [...] Entendem–se por
agricultor semi-nômade, aquele que utiliza a terra sem fixação definitiva, usa método
tradicional de cultivo, do plantio à colheita e em grande parte está ausente do local da
propriedade em decorrência da procura de outras fontes de rendimentos [...]”. Para aumentar a
área cultivada e principalmente o número de colonos fixos (RORAIMA. Secretaria..., 1977, p.
19), foi planejado um núcleo agrícola localizado na BR 210, com a denominação de São João
da Baliza, sob a liderança dos maranhenses João Pereira e Didi Evangelista.
Estudos mais recentes sobre a colonização em Roraima (Braga, 1998; Diniz,
1998) identificam problemas e processos comuns nos assentamentos do INCRA e nos do
governo do estado, situados junto a áreas de floresta. Braga (1998, p. 12) informa que após a
ocupação e derrubada da floresta para o plantio de culturas temporárias, o colono planta por
dois ou três anos consecutivos, seguindo-se um pousio da terra por cinco a dez anos, quando
as áreas são novamente preparadas para novo plantio, aproveitando a recuperação da
fertilidade do solo. Uma alternativa utilizada para controle de vegetação invasora e
valorização do lote tem sido a formação de pastagem nas áreas desmatadas. Diniz (1998, p.
166-167), em trabalho nas colônias Confiança I, II e III, do governo do Estado, descreve o
188
plantio feito com instrumentos manuais e “maneiras rústicas”, limpando-se o terreno após o
plantio, combatendo dois inimigos: a juquira e as saúvas.
A juquira, uma erva de pequeno porte, cresce junto às áreas de roçado anterior e
chega a inviabilizar a produção de roças no segundo ano, se não combatida eficazmente. As
saúvas por sua vez atacam as sementes e as plantas mais novas, exigindo fortes doses de
venenos para sua eliminação. Como há poucos recurso técnicos e financeiros para o combate
à juquira, explica Diniz (1998, p. 167), planta-se capim. Ela e os solos pobres forçam o
agricultor a derrubar todos os anos novas parcelas de mata virgem (DINIZ, 1998, p. 167)
transformando-a em pastagens artificiais.
Como Barros (1995), que trata da colonização em todo o estado, Diniz (1998)
identifica a maioria dos colonos de Confianças como de origem do Nordeste brasileiro,
principalmente do Maranhão. E, como Braga (1998), registra intensa circulação dos colonos e
a passagem de muitos por outros locais antes da fixação no lote. Muitos deles têm mais de
uma residência, trabalhando sua terra durante parte do ano e dedicando-se inclusive a serviços
na capital. Diniz (1998, p. 168-169) explica que esse hiato se dá em razão dos períodos bem
definidos de seca, entre outubro a março, e o de chuvas intensas, de maio a setembro. Barros
(1995) e Diniz (1998, p. 169) acentuam o fato da existência de residência múltipla entre os
colonos, nascida da necessidade de dispor de serviços de saúde e educação, só disponíveis nos
centros urbanos, principalmente em Boa Vista. É evidente o fato de que o fenômeno só existe
porque há disponibilidade de casas na capital e outros centros urbanos; bem como que a
condição de aquisição situa-se de acordo com um padrão de racionalidade, que não pode ser
explicado por razões de sucesso econômico.
Na discussão local sobre o Estado Nacional e o Federativo, sobre a legitimidade e
a autoridade no direito de legislar sobre as terras de Roraima, 77 há um quase silêncio sobre as
terras desocupadas e o fato de ocorrer a partir daí uma concentração da propriedade. Esta
ocorre quase sempre através do avanço da pecuária em áreas inicialmente abertas pela
colonização e foi fato comum na Amazônia, principalmente após a década de 1970. Um dos
seus resultados é a diminuição da população rural, como mostram os Censos Demográficos e
Agropecuários do IBGE78. Mas ela não era, pelo menos oficialmente, o objetivo dos seus
77
Ver a respeito, nota sobre o afirmado pelo governador Neudo Campos no Seminário do Calha Norte em Boa
vista em junho de 2001.
78
O Censo Demográfico 2000 do IBGE mostra que a população rural de vários municípios de origem colonial,
como São João da Baliza, teve sua população rural diminuída sensivelmente entre 1991 e 2000. No mesmo
período, de acordo com o Censo Agropecuário de 1995, o rebanho bovino aumentou substancialmente, bem
como a área de pastagem.
189
incentivadores e patrocinadores, os administradores que, em pelo menos um caso, tinha
objetivo mais político que econômico.
Durante seu primeiro governo (1979-1983), na apresentação do Relatório das
Atividades Governamentais de 1979, Ottomar Pinto admitia que:
O objetivo máximo de meu governo é o de promover o desenvolvimento social e
econômico desta região, incentivando a ocupação da terra através do pequeno
produtor rural. O setor agropecuário constitui o objetivo central da política
econômica estabelecida, para o qual convergirá parcela expressiva dos recursos
orçamentários e em função do qual alocados os recursos em infra-estrutura física e
social (RORAIMA. Relatório..., 1979, p. 7).
Numa etapa posterior, afirma o governador, seriam atacados os problemas da infra-estrutura
urbana e ainda: “[...] está o meu governo seriamente preocupado com a elevação da taxa de
crescimento demográfico apresentada pelo território” (RORAIMA. Relatório..., 1979, p. 7).
Registra também que foram construídos 500 quilômetros de estradas vicinais, implantados
novos projetos de colonização e o Distrito Hortigranjeiro de Boa Vista. Entretanto, a crise
financeira que atingiu o Brasil e o mundo em 1979, denominada a segunda crise do petróleo,
encurtou os recursos federais e provocou queixas do governador ao governo federal, mas não
a interrupção de seu projeto.
No Programa Anual de Governo para 1980 (RORAIMA. Programa..., 1980, [n.p.]),
solicitando recursos do Fundo Extraordinário em razão das reduções do Fundo de
Participação dos Estados (FPE), a principal fonte de recursos do território, o governador alega
que há despesas com a intensa migração, mas diz ser a mesma espontânea. Era um tempo
difícil para a economia brasileira (CASTRO, 1988; FURTADO, 1981) em que os países
ocidentais enfrentavam crise atribuída aos constantes aumentos dos preços do petróleo. O
retrato dessa situação era a constante troca de ministros ( CASTRO, 1988, p. 50), tal como a
substituição de Mário Simonsen por Delfim Netto, na Fazenda. No entanto, precisando de
apoio político das regiões menos desenvolvidas para contrabalançar o crescimento das
oposições no Sul e Sudeste, o governo federal manteve o apoio a projetos antigos e mesmo a
novas iniciativas, como a criação de seis novos municípios em 1982. Graças a isso, o
governador Ottomar foi formando, principalmente através da migração maciça, um eleitorado
fiel, no campo e na cidade, embora, como afirma Freitas (1993), isso tivesse assustado os
grupos políticos locais.
190
A colonização em Roraima é administrada pelo INCRA e pelo ITERAIMA, não
sem atritos de pertinência. Os resultados do processo indicam que é ignorado seu documento
normalizador, o Decreto 59.428/66. (BRASIL, Decreto 59.482, 1966). Segundo este, pode ter
direito a um lote rural de terras quem preenche as seguintes condições:
a) ser maior de vinte e um anos e ter menos de sessenta anos;
b) não ser proprietário de terreno rural;
c) não ser proprietário de estabelecimento de industria ou comércio;
d) não ser funcionário público;
e) ter comprovada vocação para o exercício das atividades agrárias;
f) ter compromisso de residir com sua família na parcela a ser recebida;
g) possuir sanidade física e mental, bem como bons antecedentes;
h) que demonstre capacidade empresarial para o gerenciamento do lote.
Pelo menos algumas condições foram simplesmente ignoradas ou passaram despercebidas, o
que não seria uma exceção, já que é comum o abandono ou o fracasso de projetos de
colonização no Brasil79. Levantamento efetuado por Diniz (1998), conforme Quadros 5 e 6
revelou um total de 57 projetos de assentamento e colonização, sendo 36 sob a jurisdição do
ITERAIMA e 21 do INCRA. Os dados apresentam evidente discrepância entre os números da
capacidade de assentamento e os lotes distribuídos e ocupados, além de contrastar com o
discurso da falta de terras para trabalhar em Roraima, um dos argumentos contra as
demarcações.
A descontinuidade nos assentamentos é atribuída, quase sempre, à falta de verbas,
atritos de competência e problemas políticos. Segundo o avaliador dos imóveis rurais do
INCRA de Roraima, Edmilson Lopes da Silva,80 o problema básico do INCRA em Roraima
no caso do problema dos lotes abandonados, é parte de um problema essencialmente político,
pois:
“[...] Acontece que, como há esse conflito político, o INCRA não permite que o
Governo do Estado interfira nessa ação jurídica que o INCRA deva exercer sobre a
terra, ao mesmo tempo, o INCRA não quer interferir nas ações econômicas que o
Governo do Estado tenha que implementar, para não dividirem as benesses do voto;
então isso complica muito, isso emperra muito o desenvolvimento da ação agrária
[...] O problema na essência é político. Enquanto os órgãos forem patronados (sic)
por políticos, a situação vai continuar desse jeito” 81.
79
Hébette, Acevedo (1979, p. 151)
Entrevista gravada em maio de 2002, em Boa Vista.
81
Na mesma entrevista, Edmilson refere-se ao fato de o Projeto Anauá, cuja sede se transformou na cidade de
Rorainópolis, ainda não ter se emancipado, por haver vantagens na continuação de sua condição.
80
191
Significativamente, em junho de 2001, no Seminário do Projeto Calha Norte em Roraima, o
governador Neudo Campos afirmou haver duplicidade na política agrária no Brasil. Em
Roraima, disse, o Governo do Estado, tem uma política agrária, e o Governo Federal, outra82.
Mapa 8 - Rodovias federais e colonização em Roraima.
Fonte: Farley, Mougeot, 1994, p. 22.
O mapa 8 mostra que, em termos ambientais, os resultados, em ambos os casos
coincidem: a floresta vai cedendo espaço à expansão da colonização. Mas há outros fatos a se
levar em conta aqui: a abertura de caminho para a exploração da madeira e o “amansamento”
da terra, preparando-a no longo prazo para o avanço da pecuária e lavoura mais capitalizada.
82
O governador afirmou ainda que o INCRA estaria ligado a um partido político, uma clara referência ao
controle que o na época o grupo Ottomar exercia sobre alguns órgãos federais em Roraima.
192
Faz parte do processo, ainda, no curto prazo, a abertura de novas estradas. Esta última
atividade é uma das que envolvem quantias consideráveis do orçamento do governo do
estado83. Por fim, como se verá adiante e também demonstrado no Quadro 2, os números dos
lotes distribuídos não são compatíveis com os Censos Agropecuários do IBGE.
PROJETO
Paredão
Tepequém
Quitauau
Taboca
RR- 170
Serra Dourada
Itá
Cujubim
Novo Paraíso
Jatapu
Japão
São José
Maranhão
Sumaúma
Vila Nova
Anauá
Equador
Jundiá
Ladeirão
Integração
Futuro
MUNICÍPIO
ANO CRIAÇÃO
CAPACIDADE DE
ASSENTAMENTO
LOTES
DISTRIBUÍDOS
Alto Alegre
Amajari
Cantá
Cantá
Cantá-Caracaraí
Caracaraí
Caracaraí
Caracaraí
Caracaraí
1987
1992
1996
1996
1995
1996
1995
1995
1995
1983
1995
1996
1996
1996
1996
1979
1992
1995
1995
1995
1995
Total
1.375
1.538
200
150
698
130
150
60
70
3.000
273
115
200
520
130
4.840
2.103
180
80
150
200
312
207
80
91
698
94
58
57
-2.067
273
52
106
498
51
2.975
131
25
13
150
--
Caroebe
Iracema
Iracema
Iracema
Mucajaí
Mucajaí
Rorainópolis
Rorainópolis
Rorainópolis
Rorainópolis
Rorainópolis
Rorainópolis
84
Quadro 5 - Colônias do INCRA em Roraima - 1997
Fonte: Diniz, 1998, p. 162.
OBS: 1) Dados até janeiro de 1997; 2) (--) dados não disponíveis
A indefinição fundiária associada a uma expansão espontânea tem levado à
situações de confronto entre competências administrativas, com repercussões políticas. Diniz
(1998, p. 164) registra que nas colônias Confiança o avanço da pastagem e da concentração,
além da chegada de novos colonos, que tomam a iniciativa de abrir novas picadas na mata em
terras da União. Essas se transformam em estradas e dão origem a novas vicinais. Convergem
aqui diversos interesses, tais como aqueles dos colonos, pecuaristas, madeireiros, empreiteiros
de estradas e políticos. Esse processo fortalece o argumento de que os colonos necessitam de
83
Roraima possui aproximadamente 3.000 quilômetros de estradas vicinais, abertas e mantidas por empreiteiras,
cujo Sindicato de Indústria da Construção de Estradas e Pavimentos (SINDICON), associado ao Sistema FIER) é
um dos mais ativos e influentes. Neudo Campos foi Secretário de Obras de Ottomar Pinto (1991-1995), eleito
governador em 1994 e reelegendo-se em 1998. Seu vice, Francisco Flamarion Portela seu antigo Secretário de
Obras, assumiu o cargo de governador em 2002, elegendo-se para cargo nesse mesmo ano.
84
Diniz apresenta um total geral de 7.938 lotes, mas trata-se de uma incorreção numérica, como verificado.
193
terras para desenvolver a economia do estado e que os órgãos administrativos da União, como
INCRA, FUNAI e IBAMA, atrapalham ou impedem o caminho do progresso.
PROJETO
MUNICÍPIO
ANO CRIAÇÃO
Alto Alegre
São Silvestre
Taiano
Paubaru
Tepequém
Pacu
Vilena
São Francisco
Confiança I
Confiança II
Confiança III
Serra Grande
Serra Grande II
Cantá
América Ribeiro
Petrolina do Norte
Serra Dourada
Caicubi
Cachoeirinha R.
Terra Preta
Água Boa de Cima
Cemitério
Vila Iracema
Roxinho
Campos Novos
Apiaú
Campos Novos
Tamandaré
Tamandaré II
Roxinho
Samã
Sorocaima
Pacaraima
Santa Maria
Baliza
São Luiz
Vila Moderna
Alto Alegre
Alto Alegre
Alto Alegre
Amajari
Amajari
Amajari
1976
1988
1965
1985
1989
1985
1985
1983
1980
1981
1982
--1944
1986
--------1987
1996
1979
-1985
1994
1987
1983
1983
1983
--1978
--
Bonfim
Bonfim
Cantá
Cantá
Cantá
Cantá
Cantá
Cantá
Cantá
Caracaraí
Caracaraí
Caracaraí
Caracaraí
Caracaraí
Caracaraí
Caracaraí
Iracema
Iracema
Iracema
Mucajaí
Mucajaí
Mucajaí
Mucajaí
Mucajaí
Pacaraima
Pacaraima
Pacaraima
Rorainópolis
São João da Baliza
São Luiz
São Luiz
Total
LOTES
DISTRIBUÍDOS
317
58
92
180
370
60
120
135
109
228
2.988
107
200
73
186
401
150
80
60
60
48
50
273
597
253
1.500
82
98
100
557
60
38
06
80
749
1.016
242
FAMÍLIAS
RESIDENTES
300
35
40
80
70
50
80
70
40
100
850
50
30
40
30
65
40
---48
30
220
300
40
900
20
45
20
200
10
20
06
80
450
800
90
5.249
Quadro 6 – Colônias do ITERAIMA em Roraima - 1997
Fonte: Diniz, 1998, p. 161.
OBS: 1) Dados até junho de 1997; 2) (--) dados não disponíveis
O ITERAIMA administra também algumas colônias mais antigas, como a de
Cantá, criada em 1944, e Taiano, fundada na década de 1950. Apenas duas delas são da
década de 1990, sendo as demais fundadas pelo governo do território na década de 1980. A
194
Constituição Federal de 1988 previu a criação dos Institutos de Terras nos estados, daí terem
as colônias do antigo território passado à administração estadual, surgindo mais um ponto de
atrito com as estruturas e organismos federais. Um problema ilustrativo ocorreu em 1995,
quando uma nova colônia, Samã II, do ITERAIMA, situada em área indígena demarcada e
homologada, teve alguns de seus posseiros expulsos pelos índios e pela FUNAI, repercutindo
este episódio fortemente na Assembléia Legislativa e outras instâncias locais85.
Em contraste com o congênere estadual, com três exceções, as colônias do
INCRA foram criadas na década de 1990. Sobressai a disparidade dos números entre
capacidade de assentamento e famílias neles residentes, como no caso dos Projetos Anauá e
Jatapu, junto a BR 174 e 210, respectivamente. Sede administrativa do projeto do mesmo
nome, Anauá tornou-se em 1995 a sede do município de Rorainópolis. Esses dois
assentamentos têm chamado a atenção não só pelo grande número de abandono de lotes, mas
por estes serem revendidos em tal número, para transformação em pastagens, que o INCRA
teve que intervir, agindo judicialmente86. Os dois projetos, criados ainda no tempo do
território, congregam um total de 5.354 lotes distribuídos, representando 84,44% do total dos
assentados.
A repercussão da venda de lotes por quem o recebeu para nele trabalhar, criou
mais um protesto político com larga repercussão na imprensa, mostrando que não há
entendimento fácil entre dois níveis de poder e seus agentes. Em defesa dos pecuaristas,
acusados pelo INCRA de compra ilegal, se levantaram desde lideranças locais a
parlamentares federais, como deputados e senadores, mostrando a força dos interesses locais
85
O presidente da Assembléia Legislativa, Édio Lopes (ASSEMBLÉIA REPUDIA.., 1999, p. 2,) referiu-se ao
conflito como resultado da influência de organismos nacionais e internacionais. Outra fonte (PROCURADOR
VISITA.., 1999, p. 10) informa que a reintegração de posse foi registrada na Procuradoria da República, na
Justiça Federal de Roraima e que o procurador referiu-se ao fato de que a área foi homologada em 1991 e os
posseiros foram colocados lá em 1993. Um dos entraves à saída dos posseiros era o montante da indenização das
benfeitorias, mas o fato de o governo do estado ter permitido e até incentivado a entrada de não índios em área
indígena, após a aprovação da Constituição de 1988, indica claramente a vontade de não concordar com a
legislação federal e defender interesses locais.
86
Folha de Boa Vista (2000, p. 3), fala de polêmicas e debates entre autoridades, imprensa e representantes dos
colonos. A mesma Folha de Boa Vista (2000, p. 3) refere-se à compra das terras pelos pecuaristas. O INCRA
iniciou, em 1999, a retomada dos lotes por via judicial, mas a reação, inclusive dos políticos foi em defesa dos
adquirentes da terra. Em 2000 a Procuradoria do INCRA ajuizou ação na Justiça para a retomada dos lotes
alienados irregularmente no antigo Projeto Anauá e houve reação do deputado federal roraimense Francisco
Rodrigues quando, em maio de 2003 alguns lotes tiveram que ser desocupados pelos pecuaristas e foram
reincorporados ao patrimônio da União. O deputado alegava (Brasil Norte, 2003, p.3) a necessidade da
legalização para não prejudicar proprietários que teriam feito melhorias nas terras e dependeriam delas para
prover seu sustento. O senador Jucá declarou estar preocupado com a retomada das terras e ter pedido
providências do governo do estado e da Assembléia Legislativa.
195
frente a medidas de órgãos da esfera federal. Essa reação varia de simples protestos a
solicitações para a extinção da FUNAI, INCRA e IBAMA, como nos pronunciamentos do
senador Mozarildo Cavalcanti (1999). Em alguns desses pronunciamentos do ano de 1999,
ano seguinte ao da Portaria do Ministério da Justiça que aprovou a demarcação da terra
Indígena de São Marcos em Roraima, o senador denuncia a ingerência do governo federal no
estado de Roraima e pede a extinção da FUNAI, do IBAMA, da Fundação Nacional de Saúde
(FNS), e do INCRA. Propôs ainda a delegação de poderes aos estados e municípios para
executar as tarefas hoje a cargo daquelas instituições. Como se verá adiante, o discurso de
diversos parlamentares no Congresso, principalmente da Amazônia, faz parte da ação de
deslegitimação de direitos constantes na Constituição.
Prudentemente, o órgão federal que realiza a estatística oficial, o IBGE, que tem
números muito diferenciados dos estabelecimentos rurais, não é atacado. Conforme Quadro 2,
referente ao Censo Agropecuário desde 1970 a 1995-96, o IBGE levantou um total de 7.476
estabelecimentos rurais no estado de Roraima em 1995, muito distante do total de lotes
ocupados do INCRA e ITERAIMA dois anos depois: 11.590 (conforme quadros 5 e 6) . Parte
dessa discrepância se dá ao fato do conceito de estabelecimento rural utilizado pelo órgão, 87
mas, apesar disso, há evidências não só de que o real e o oficial guardam grandes distâncias
entre si, mas de que órgãos de dois níveis de governo vêem o mesmo objeto de modo
diferenciado. A favor do IBGE, tem-se a coerência de décadas de levantamentos, o que lhe dá
maior confiabilidade aqui, além de estar mais próximo da realidade observada pelo
pesquisador em alguns municípios, como São Luiz do Anauá, São João da Baliza e Caroebe
na metade da década de 1990.
Em suma, a colonização em Roraima, deixou de ser parte um problema de
produção, passando a uma outra função: preparar a terra para o criatório, permitir a extração
da madeira e favorecer a indústria de abertura de estradas. Isso explica não só a veemente
defesa de políticos e empresários em favor da liberação de recursos para abertura de novas
terras à colonização. Forma-se assim um mecanismo em que o econômico-administrativo
torna- se um problema político, para converter-se novamente em econômico, não produtivo.
Mas aqui, como em alguns conflitos mais prolongados, surgiu uma organização política de
87
De acordo com o IBGE (BRASIL, Instituto... 1985, p. XIII), um “[...] estabelecimento agropecuário é todo
terreno de área contínua, independentemente de tamanho ou situação, inclusive urbano, formado por uma ou
mais parcelas, subordinado a um único produtor, onde se processa uma exploração agro-pecuária”. Esse critério
se enquadra em cada lote rural distribuído, seja pelo INCRA ou ITERAIMA.
196
base: a Central dos Assentados, que discute com o INCRA inclusive sobre a reocupação de
lotes abandonados por novos assentados. Sua voz, ao que parece (TÉCNICOS Identificam...,
2000, p. 2), se faz cada vez mais ouvida.
5. 1. 2 O garimpo: origens e caminhos
O descobrimento de ouro e outros minérios de valor na Amazônia é sonho que
data desde o início da colonização (COSTA, 1993, p. 10). Para Machado (2000, p. 12-29), nos
acordos de limites entre Portugal e Espanha no século XVIII, a preocupação principal de
Pombal era o possível contrabando do ouro e do diamante. Estes eram então abundantes no
centro-sul brasileiro, onde seu contrabando era comum, daí a construção de fortalezas em
locais onde as comunicações entre portugueses, espanhóis, holandeses e ingleses eram
facilitadas pela geografia. Mas, com relação à Amazônia, segundo Costa (1993, p. 10),
naquele século houve: “[...] a decepção com a falta de ouro, prata, esmeralda ou diamante”.
Na metade do século XIX, de acordo com Pinto (1993, p. 28), deu-se a primeira
tentativa de exploração organizada do ouro na Amazônia, no Gurupi, na província do
Maranhão. Informa o autor (PINTO, 1993, p. 28), que embora em 1893 houvesse um surto de
garimpo em Calçoene, no Amapá, tendo atraído cerca de 6.000 garimpeiros e produzido 10
toneladas de ouro em uma década, a mineração aurífera amazônica só adquire maior
importância na década de 1930. Ainda segundo Pinto (1993, p. 29), a Constituição
republicana de 1891 havia transferido o direito das minas para o proprietário do solo, mas em
1934 isso foi revertido, com a promulgação, em pleno Estado Novo, do Código de Minas,
outorgando ao governo federal a legislação sobre as minas, estabelecendo o Sistema de
Concessões. Para administrar o setor, foi criado o Departamento Nacional da Produção
Mineral (DNPM). Foi ainda realizado, no ano seguinte, um levantamento da produção dos
garimpos na região amazônica, estimada em 40 kg/ano.
No final da década de 1930, o garimpo avançou pela Amazônia, no rio Tocantins,
no Amapá e em Roraima, onde (CAVALCANTI, 1949), além do ouro se extrai o diamante
desde 1912. No entanto (PINTO, 1993, p. 29), nada foi feito pelo Estado no sentido de
amparar os garimpeiros, como se fez com os seringueiros durante a Segunda Guerra. No
início da década de 1950, são descobertas jazidas de cassiterita em Rondônia e, em 1957, o
197
governo Kubitschek criou a Fundação de Assistência aos Garimpeiros (FAG), objetivando dar
assistência ao garimpo, orientando-o para o associativismo. No ano seguinte, são descobertas
jazidas auríferas no rio das Tropas, afluente do Tapajós (COSTA, 1993, p. 11; PINTO, 1993, p.
29). Aparece aqui um elemento novo no garimpo: o transporte aéreo que, conforme Costa
(1993, p. 12), revolucionou a logística em relação às atividades em áreas remotas88. A
descoberta, no Tapajós, segundo Mathis (1997, p. 392), representou uma nova fase do
garimpo na Amazônia, substituindo o extrativismo como economia dominante, criando novas
formas de remuneração do trabalho, que passou a ser feita em espécie, com o próprio produto
extraído – o ouro.
De 1964 em diante, com o regime militar, a mineração no Brasil se modifica
inteiramente, principalmente na Amazônia (PINTO, 1993, p. 29-30), onde havia apenas uma
exploração empresarial organizada, a da Serra do Navio, no Amapá, de onde se extraía o
manganês. A partir daí, abriu-se a região para o grande capital nacional e estrangeiro, embora
sob o controle rígido do Estado (PINTO, 1993, p. 30), adotando-se um novo Código de
Mineração e descentralizando o DNPM, além da criação da Companhia de Pesquisa de
Recursos Minerais (CPRM)89. Em 1967, de acordo com Pinto (1993, p. 30), o DNPM realizou
estudos geo-econômicos no Tapajós e cadastrou os garimpos da área, onde surgem os
primeiros requerimentos para a exploração do ouro sob as novas normas.
No fim da década de 1960, a atividade garimpeira no Tapajós passou a sofrer os
efeitos de uma crise (MATHIS, 1997, p. 394) oriunda da queda de produtividade nos aluviões.
Mas, em razão do grande aumento do preço do ouro a partir de 1971, houve condições de
maiores investimentos técnicos, cujos resultados fortaleceram o setor,90 embora agredindo
mais fortemente o ambiente. De acordo com Costa (1993, p. 14), a garimpagem se expande
velozmente pela Amazônia, empregando no final da década de 1970 e início da seguinte,
cerca de 145.000 pessoas só no Pará. A alta do preço do ouro (COSTA, 1993, p. 13; PINTO,
1993, p. 30) continuou por toda a década de 1970 e início da seguinte, quando foram
descobertas as grandes jazidas de Serra Pelada e de Cumaru, no Pará, atraindo milhares de
trabalhadores em disponibilidade para o garimpo.
88
Barros (1995, p. 58) anota o aumento do uso de pequenos aviões nos garimpos de Roraima nesse período.
Foram implantados Distritos do DNPM em Belém (PINTO, 1993, p. 30) e Residências em Manaus, Macapá,
Porto Velho e Boa Vista.
90
Mathis (1997, p. 394) afirma que o aumento do preço internacional do ouro refletia sintomas da crise do
sistema financeiro internacional e da perda de hegemonia econômica e política dos Estados Unidos da América
(EUA).
89
198
Afirma Costa (1993, p. 13-14) que, entre 1975 e 1980, houve contínua queda do
preço do arroz, produto básico da economia maranhense, enquanto as lutas pela terra
recrudesciam na Amazônia91. Este e outros conflitos pela terra levaram o governo federal
(Coelho, 1997, p. 503) a criar o Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins
(GETAT). Segundo Sandroni (1999, p. 263-264), o órgão era subordinado à Secretaria Geral
do Conselho de Segurança Nacional, visando o atendimento da questão da terra no sudeste do
Pará, norte de Goiás (hoje Tocantins) e oeste do Maranhão. Com as crises advindas
principalmente das altas do preço do petróleo, em 1973 e em 1979, a economia do ouro
adquiriu cada vez maior importância econômica, havendo a partir de 1978 aumento na
intensificação de capital no Tapajós (MATHIS, 1997, p. 396), inclusive com o emprego de
balsas.
A mecanização do processo de extração, compensada pela elevação do preço do
ouro, foi acompanhada de uma mudança da política do Estado (MATHIS, 1993, p. 170-172;
1997, p. 397-398), que viu no setor uma solução para amenizar os efeitos da balança comercial
negativa em razão dos aumentos do preço do petróleo importado. Em 1974, lembra Costa
(1993, p. 16), para a execução do II PND, foi criado o POLAMAZÔNIA, com o objetivo de
formar uma infra-estrutura para uma exploração mineral de grande porte, além de dinamizar o
setor madeireiro e agropecuário92. Em 1979 (MATHIS, 1993, p. 171-172) foi criado dentro da
CPRM, o Grupo de Trabalho do Programa Nacional de Incremento à Produção Nacional do
Ouro e no DNPM, o Projeto de Estudo de Garimpos Brasileiros – Produção Nacional de Ouro
(PEGB)93. Foi realizado um cadastramento dos garimpos e, ainda de acordo com Mathis
(1993, p. 171), o estado autoritário brasileiro entendeu ser o PEGB uma contribuição para a
segurança nacional94.
Em 1979, o ministro de Minas e Energia César Cals estabeleceu que a produção
de ouro deveria passar de 4,5 para 100 toneladas em 1985. Naquele ano, em razão da segunda
crise do petróleo, o preço internacional do ouro havia novamente disparado, passando,
91
Esse é exatamente o período em que há um grande movimento migratório, principalmente de maranhense, de
forma espontânea, para o sul e sudeste de Roraima, junto aos eixos das BR 174 e 210, fato indesejado pelo então
governador Ramos Pereira, como já anotado aqui. Não há como dissociar essa migração em Roraima com a falta
de terras mais próximas acessíveis ao migrante, bem como à crise na economia do arroz.
92
Em linhas gerais, foi isso que o governo Ramos Pereira (1974-1979) tentou estabelecer no então território de
Roraima.
93
Segundo Pinto (1993, p. 30), o Projeto Garimpos Brasileiros é de 1977, quando os garimpeiros invadiram a
área aurífera de Andorinhas, destinada oficialmente para ser explorada pela estatal DOCEGEO.
94
A área foi palco também de atividades de guerrilha, lembra Mathis (1997, p. 398), além de conflitos pela terra.
199
segundo Pinto (1993, p. 30), dos 65 dólares a onça troy95 em 1972, para 512 dólares em 1979.
Já então, afirma o mesmo autor, a garimpagem se expandia no Amazonas, Pará, Maranhão,
Roraima,96, Rondônia, Tocantins, Mato Grosso e Amapá, mas o número de garimpeiros não
ultrapassava dos 100.000. Esse número aumentaria a cada ano, chegando em 1990, segundo
Mathis (1997, p. 401) a 400.000.
Em maio de 1980 (MATHIS, 1993, p. 172), o governo federal, através do SNI
interveio em Serra Pelada, para controlar o garimpo. Nesse ano (JESUS, 1993, p. 177) o
governo passa a comprar o ouro produzido nos garimpos, principalmente em Serra Pelada,
Cumaru e no Tapajós, através da Caixa Econômica Federal (CEF) e Banco do Brasil (BB). É
também nesse período que, ao lado do aumento da produção do ouro, acompanhada pela
imprensa, surgem vozes críticas à agressão à natureza, em vista do impacto ambiental causado
pelas atividades garimpeiras. No entanto, na esfera administrativa e no meio empresarial, era
evidente que as preocupações com a economia falavam mais alto que a ecologia, expressão
ainda pouco conhecida e de muito pouco peso político. Segundo Pinto (1993, p. 30-31), o
preço do ouro atingiu em 1980, o recorde histórico de 850 dólares a onça troy e Serra Pelada
produziu até 1988, 40 toneladas do metal. Em 1988, afirma o mesmo autor (PINTO, 1993, p.
31), o preço do metal havia caído, mas os garimpos da Amazônia produziram mais de um
bilhão de dólares, ou 9% do PIB regional e a atividade garimpeira já tinha se expandido para
os países vizinhos, como Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana
Francesa.
Na segunda metade da década de 1980, de acordo com Mathis (1993, p. 169), com
o declínio do regime militar os órgãos federais aos poucos vão deixando de atuar junto aos
garimpos. Foi época em que aumentaram as pressões dos defensores da ecologia (Pinto,
1993), e de acordo com Costa (1993, p. 17-18), também de movimentos políticos urbanos e
rurais e, sobretudo, de um fortalecimento das elites regionais. Em Roraima, território então
conturbado pela divisão política interna, foi nesse período que ocorreu um novo surto em
busca do ouro (BARROS, 1995; RODRIGUES, 1996), quando milhares de garimpeiros se
embrenhavam no noroeste do território, terra dos índios Yanomami. Esse movimento tinha
um fator novo: uma organização interna, partindo no geral de líderes garimpeiros do Tapajós,
articulados com empresários e dispondo numa fase seguinte do apoio do governo do território.
95
Unidade de peso utilizada internacionalmente para pedras e metais preciosos no denominado sistema troy.
Equivale a 31,104 gramas.
96
A referência aqui é sobre o avanço do garimpo em escala maior. O garimpo em Roraima é mais antigo.
200
Em 1988, com a nova Constituição brasileira, houve a incorporação, em parte, do
discurso ecológico-ambiental, atingindo a vida da mineração, principalmente a garimpagem.
A nova Carta (MATHIS, 1993, p. 173-74) fortaleceu a autonomia dos municípios e prescreveu
o cooperativismo como forma ideal da atividade garimpeira, dando permissão de lavras após
análise de órgão ambiental estadual. Literalmente, no seu artigo 21, XXV, consta que “[...]
compete à União estabelecer as áreas e as condições para o exercício da atividade de
garimpagem, em forma associativa”. E, no parágrafo 3º do artigo 174, consta que “O Estado
favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a
proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros”. As jazidas no
entanto, em lavra ou não, tal como outros recursos minerais, constituem propriedade distinta
do solo, e para efeito de exploração ou aproveitamento pertencem à União, sendo garantida ao
concessionário a propriedade do produto da lavra.
Em 1990 (MATHIS, 1997, p. 401), o denominado Plano Collor97 derrubou o preço
interno do ouro, aumentou o preço dos insumos da produção e determinou a interdição da
garimpagem nas terras Yanomami em Roraima, ocupado por cerca de 40.000 garimpeiros.
MacMillan, Furley (1994, p. 186-188) atribuem essa e outras medidas governamentais
brasileiras contrárias ao garimpo, às pressões da mídia internacional, principalmente através
da ONG estadunidense Environmental Defense Fund (EDF). De acordo com esses autores
(MACMILLAN, FURLEY, 1994, p. 187), a dependência do Brasil para obter créditos
estrangeiros o tornou particularmente sensível a esse tipo de pressão.
A interpretação de Macmillan, Furley (1994, p. 187), em muito se aproxima
daquela do discurso político dos grupos e instituições contrários à demarcação das terras
indígenas e favoráveis ao garimpo em Roraima. No entanto, havia uma pressão de âmbito
nacional, exercida por lideranças indígenas, pela imprensa nacional, entidades ambientalistas
e da Igreja Católica, além de parlamentares, como o senador Severo Gomes e outros. O
problema do garimpo foi enquadrado junto a outras questões sociais, ambientais e humanas, e
isso não ficou no discurso. Exemplo disso ocorreu em junho de 1989, quando Roraima
recebeu a Comissão da Ação pela Cidadania, formada em São Paulo, naquele ano. A
97
O Plano Collor, também chamado Plano Brasil Novo, segundo Sandroni (1999, p. 466-467), implicou em
mudanças nas áreas monetária e financeira, fiscal, de comércio exterior, câmbio e de controle de preços e
salários. Foi reinstituído o cruzeiro, convertendo a maior parte das aplicações de curto prazo em depósitos
compulsórios, bloqueados por 18 meses. Foi criado o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e outras
medidas visando combater a sonegação. Foram liberados os controles sobre importações e exportações e dos
preços antes administrados. Com o Plano, houve equilíbrio das finanças públicas e as reservas externas
aumentaram em um ano para 8,5 bilhões de dólares, mas o país entrou em recessão.
201
instituição tinha o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil, da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), da Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência (SBPC) e dos reitores da Universidade de São Paulo e da de
Campinas, dentre outras, e membros do Congresso Nacional, como os senadores Severo
Gomes e Fernando Henrique Cardoso e os deputados Fábio Feldman e Plínio Arruda
Sampaio.
De acordo com relatório da Comissão da Ação pela Cidadania (1989, p. 7) as
atividades se concentraram no problema da impunidade pelos assassinatos de seringueiros e
trabalhadores rurais do Acre e na terrível situação em que se encontravam os índios
Yanomami, em Roraima, sob ameaça de extinção cultural e física por falta de garantias que a
Constituição lhes assegurava. A estratégia da Comissão foi realizar viagens aos locais dos
problemas, visitando Roraima quando do auge do garimpo, constatando e dando notícia do
desastre humano e ambiental que ali ocorria. Já estava longe a ditadura e a imprensa nacional
e estrangeira divulgava seguidas reportagens sobre o desmatamento na Amazônia, mostrando
os garimpos de Serra Pelada, do Tapajós, do Madeira e o de Roraima. Era inevitável lembrar
que uma Constituição recém-aprovada apontava para o lado oposto do que ocorria. A posição
aqui defendida é a de que a opinião pública nacional, embora não a única, foi a principal força
definidora do fechamento dos principais garimpos de Roraima e da demarcação das terras
Yanomami que se seguiu.
5. 1. 2. 1 O garimpo em Roraima e o seu significado
Desde o início do século XX, quando a economia da extração da borracha entra
em decadência na Amazônia, a mineração manual passa a fazer parte da história e da vida de
Roraima. Os primeiros garimpos foram explorados no rio Maú, a partir de 1912, quando, com
a descoberta de novas jazidas, foi aumentando a importância desta atividade (BARROS, 1995;
CAVALCANTI, 1949; CIDR, 1990, p. 15-16; RODRIGUES, 1996, p. 15), tendo superado no
início da década de 1940 a tradicional produção pecuária, de quem era subalterna98. Após
avanços e recuos, no fim da década de 1980 e início da seguinte, a mineração em Roraima
98
Segundo Cavalcanti (1949, p. 19), em 1942 a produção de diamantes e ouro em Roraima representava 42% do
total da economia, passando para 59% no ano seguinte. No mesmo período, a pecuária passaria de 34% para
26,8%. De acordo com o IBGE (1981, p. 28), a pecuária recuperaria sua posição mais adiante, após a queda da
mineração na década de 1960, quando muitos garimpeiros se dirigiram para a Venezuela e Guiana.
202
intensificou-se a ponto de chamar a atenção da imprensa nacional e internacional, em razão
das transformações ambientais e sociais locais. A partir de 1990, a atividade decaiu,
principalmente por causa da proibição de sua prática nas áreas indígenas, passando a uma
atividade quase marginal.
Como parte da herança do garimpo em Roraima, permanece em muitos o sonho
do acesso a uma fonte de riqueza, imaginada como rápido e grandioso, mas impedido por
medidas
governamentais,
incentivadas
por
entidades
nacionais
ou
estrangeiras,
desconhecedoras de direitos dos habitantes da terra. Outro vestígio é a persistência, não só do
próprio garimpo, mas de um comércio do diamante e do ouro. É notável ainda o fato de que o
diamante, num estado em que não há exploração mecanizada nem fiscalização eficiente de
sua produção e comércio, atinge em alguns anos o segundo lugar nas exportações, após a
madeira99. Pesquisa pessoal levantou, em 2001, vinte casas comerciais que se dedicavam à
venda e consertos de jóias apenas na famosa “Rua do Ouro”, do fim dos anos oitenta, e
vizinhança próxima100. Todas negociam com o ouro e outros metais, in natura ou “sucata”,
jóias e algumas também com o diamante, sendo que a maioria realiza trabalhos de ourivesaria.
Pelo menos quatro delas têm maior capital, funcionam ainda como fornecedores de matéria
prima e têm pessoal e equipamento para trabalhos mais elaborados, 101 onde se percebe haver
uma terceirização. Não se trata de atividades clandestinas, no horário comercial há um
movimento regular de pessoas e as lojas anunciam a compra, a venda e a troca e serviços nos
cartazes, nas calçadas. Existe até mesmo um banco especializado no ramo, ao lado de uma das
joalherias102.
99
Em informação à Folha de Boa Vista (2002, p. 5, 02.04), o Coordenador de Promoção e Investimentos da
Secretaria Estadual de Planejamento de Roraima, Damião Araújo, informou que a madeira serrada liderava as
exportações, com 80% em média, mas que em 2001 houve uma surpresa: a exportação para a Bélgica de
diamantes, no valor de US$ 480.000, correspondendo a 11,84% do total das exportações. Outras informações
oficiais dão conta que a madeira é sempre o primeiro produto exportado, invariavelmente para a Venezuela,
enquanto um segundo produto ainda não se firmou.
100
A “Rua do Ouro” é a rua Araújo Filho, no centro de Boa Vista, mas o comércio dos minérios abrange um
quarteirão, formado também pelas ruas Benjamin Constant, Cecília Brasil e Avenida Presidente Getúlio Vargas.
Nesse espaço, concentra-se a maior parte do comércio e serviços do ramo de minérios. Josimar de Souza, exgarimpeiro, hoje pequeno empresário do ouro e ourives, informa em entrevista, em maio de 2002, que há 34
ourivesarias em Boa Vista, uma em Caracaraí e outra em São João da Baliza.
101
Como as empresas Marsan D.T.V.M. Ltda, Pedro José Lima Reis e Arthur Gomes Barradas.
102
Trata-se do Banco Dimensão S/A, na rua Benjamin Constant. Na Lista Telefônica da Empresa
Telecomunicações de Roraima S/A (Telemar) de 2001, constam quatro ourivesarias e dezessete casas que
negociam e trabalham ouro e outros metais, todas em Boa Vista. A maior empresa, a Timbó, que compreende a
Timbó Diamantes e a Timbó Joalheiros, congrega praticamente todas operações do ramo, além de uma loja de
câmbio, consta ali como uma das ourivesarias. Apenas duas outras empresas anunciam comércio com diamantes,
sendo uma na capital e outra em Pacaraima. Na mesma Lista, constam ainda seis casas na capital, que fornecem
artigos e equipamentos para garimpo, mas seu número vem diminuindo.
203
É comum hoje, em Boa Vista, ver-se nos hotéis e outros locais mais ou menos
reservados, pessoas comercializando ouro ou acertando contas, bem como a presença de
compradores ou vendedores de ouro e diamante vindos da vizinha Guiana e da Venezuela. O
dólar guianense e o bolívar venezuelano são aceitos e trocados em muitos lugares,
principalmente nas empresa Timbó Diamantes e na Pedro José103. O garimpo em Roraima,
hoje apenas um vestígio residual do passado, deu origem e faz parte desse comércio, que
apresenta disparidades e, também, uma face social e uma outra, política. De certo modo, o
comércio ligado ao ouro e ao diamante reproduz as condições sociais de produção do
garimpo, onde estão presentes o sucesso e o insucesso.
Josimar de Sousa, cearense, dono de pequena empresa de ourivesaria e comércio
de ouro em Boa Vista, entrevistado em maio de 2002, admite que, embora o ouro esteja
subindo de preço, sua profissão não tem futuro. Josimar trabalhou em Ariquemes, Rondônia,
e após o fechamento daquele garimpo, bem como problemas com a malária, veio para
Roraima em 1985. Afirma que a maioria dos ourives de Roraima, ao contrário dele, não foi
garimpeira e identifica a origem destes como vindos do Pará, Maranhão, Ceará e Goiás.
Josimar pertence a uma minoria: a dos que tem uma formação técnica no ramo do ouro e
diamantes,104 mas, ao contrário de alguns outros, não progrediu economicamente, pertencendo
ao grupo de ourives que depende de casas mais fortes para execução de algumas
encomendas105.
Há uma cooperação e um clima de confiança entre os artífices e comerciantes do
ramo. É comum haver empréstimos de matéria-prima, consultas sobre pesos e qualidade de
material, principalmente entre os mais antigos ou mais equipados. Há também eventuais
associações quando algum comprador se dirige para a Guiana ou Venezuela, mas a
colaboração parece se deter aí, havendo uma certa independência individual, embora um
mesmo espaço seja muitas vezes compartilhado. Não se percebe a presença do Estado, em
103
Segundo a citada Lista Telefônica 2001, além dessas, outras cinco empresas funcionavam ainda em 2001
como Casas de Câmbio, inclusive duas empresas de construção. Isto revela que o capital transita rapidamente
entre diferentes setores da economia, mas não necessariamente em muitas mãos.
104
Em entrevista escrita, realizada em sua oficina de ourivesaria em 28 de maio de 2002, Josimar informou que
aprendeu a profissão de ourives desde os nove anos, com um irmão, montador de jóias, em Fortaleza. Além de
um sócio, mais dedicado à compra e venda, há um aprendiz, sobrinho do ourives vizinho, oriundo de Santarém,
como outros ourives vizinhos de Josimar de Boa Vista.
105
Há uma hierarquia entre as diversas casas de jóias e ourivesaria em Boa Vista. É comum ver-se ourives das
casas menores se dirigirem para a de Arthur Barradas ou outras, em busca de material. Percebe-se que as
transações nesse caso são feitas sob confiança, com simples anotações em caderno quando da entrega do metal
ou recebimento em espécie ou dinheiro. Outra fonte de matéria-prima, a compra de ouro de particulares, na
forma de “sucata”, cotado na ocasião (maio de 2002) a R$ 12,50 o grama.
204
nenhum de seus níveis, o que é sentido pelo menos pelos artesãos. Josimar alega a ausência
deste, que poderia injetar recursos na profissão, em forma de empréstimos. Igualmente parece
não haver uma valorização, por parte dos ourives e pequenos comerciantes, do Sindicato dos
Garimpeiros ou de uma associação. Houve pelo menos uma tentativa de organizá-la, mas não
teria funcionado por falta de interesse da maioria dos ourives106.
Ex-garimpeiros e ourives como Josimar, não manifestam abertamente um discurso
político em favor da livre exploração de minérios em Roraima, na sua maioria situados em
áreas indígenas. Nesse sentido, pequenos comerciantes do ouro e artesãos do ramo formam o
que poderia ser classificado mais como um grupo de interesse, ou mesmo categorial, que um
grupo de pressão107. O contrário se dá com os empresários bem-sucedidos ligados ao setor,
como Arthur Gomes Barradas,108 dono de uma das maiores empresas do ramo de minérios de
Roraima, congregando desde ourivesaria, venda e fabricação de jóias, além de ser um dos
maiores proprietários de imóveis urbanos na capital.
Oriundo do Rio de Janeiro, Barradas chegou em Roraima na década de 1950, para
trabalhar no então maior garimpo da Amazônia: Tepequém, na serra do mesmo nome, ainda
hoje existente. Tepequém foi descoberto em 1936 e teve a exploração requerida pelo
proprietário rural Adolpho Brasil (BARROS, 1995, p. 58), que formou a Empresa de
Mineração Tepequém Ltda., vendida depois para uma empresa belga. Barradas veio para
gerenciar a empresa quando esta passou das mãos de Paulo Hellinger para Jacques Slesinger,
ambos judeus belgas109. Este último tentou mecanizar as atividades, que empregava 160
homens, quase todos com família, mas foi desaconselhado pelo engenheiro Davidoff Lessa e
106
Josimar de Souza, entrevista escrita em maio de 2002. Não houve contato com os membros da possível
associação, mas percebe-se pelos comentários dos artesãos que há uma divisão política entre eles. Por outro lado,
existe um Sindicato dos Garimpeiros de Roraima e o Sindicato dos Artesãos de Roraima, que funcionam junto
ao SESI/RR, ambos são ligados a políticos. O segundo, é presidido pela deputada estadual Malú Campos,
parente do ex-governador Neudo Campos e também presidente do Partido dos Aposentados na Nação (PAN). Os
dois sindicatos não parecem atrair os ourives, o que, em primeira mão aqui é atribuído também ao seu
pensamento de independência.
107
Um grupo categórico, na perspectiva de Young (1970, p. 107), refere-se a indivíduos que compartilham de
uma ou mais características, mas que não interagem com freqüência. Os grupos são impelidos por seus interesses
e necessidade de consecução de seus objetivos. Este grupo eventualmente pode transformar-se em um grupo de
interesse ou mesmo grupo de pressão, conforme suas necessidades sentidas e objetivos elaborados apontem
numa direção.
108
Conforme entrevista escrita, em 28 de fevereiro de 2003, em Boa Vista. Na verdade, Arthur Barradas dirige
várias empresas a partir da sede de uma empresa que leva o nome da esposa: “Zilda Jóias”, dedicada,
oficialmente à vendas.
109
Arthur Barradas, entrevista escrita em 28 de fevereiro de 2003, em Boa Vista. Hellinger vendeu a empresa
após o assassinato do filho. Esse crime, de acordo com Rodrigues (1996), estaria ligado às violências oriundas de
atritos entre garimpeiros e empresários.
205
por ele, Barradas, visto isto ser anti-econômico, por estarem os diamantes à grande
profundidade e o terreno não permitir o trabalho com máquinas110.
Nas palavras de Barradas:
O diamante, assim como o ouro e outros minérios, não representam mais nada para
a economia do estado de Roraima, uma vez que todas as áreas que contém minérios
foram fechadas, não são mais terras brasileiras, são dominadas por ONGs e
[entidades] ecológicas. São terras brasileiras e os brasileiros não podem pisar. A
FUNAI assenta meia dúzia de índios, que foram índios outrora, hoje adaptados à
sociedade, a maioria mestiços com pretos da Guiana, garimpeiros brasileiros e
outros que se misturam e vivem em harmonia com os que se dizem não índios. A
FUNAI contrata esses caboclos que [são] retirados da sociedade, assenta dez índios
importados e demarcam milhares de hectares de terra. Os índios de Roraima, em
quinhentos anos não ocuparam mil hectares de terras. Cada maloca não ocupa nem
um hectare e o que eles vão fazer com tanta terra que deveria ser da União? Ainda
proíbem os não-índios ou descendentes de índios de cultivar essas áreas, taxando de
áreas ecológicas, campos nativos que não tem qualquer conceito ecológico (Arthur
Gomes Barradas, entrevista escrita, em 28.02.2003).
Para Barradas, os governos federal e o estadual poderiam trabalhar em favor da
mineração em Roraima, “[...] que poderia ser a maior do mundo [...] a mineração tem
capacidade para empregar 50.000 homens, 30.000 na mineração e 20.000 no beneficiamento
de minérios”.
O discurso de Barradas não é uma voz isolada. Se teve atritos com os
proprietários rurais ou políticos locais, não revela. Foi diferente com o geólogo Décio Rufino
de Oliveira, que realizou estudos para a exploração de minérios em Roraima em 1962 e, foi
“[...] vítima de sérias perseguições, provocadas por interesses político-econômicos, de grupos
que controlavam a vida política daquele território” (Oliveira, 1971, p. 121)111. Oliveira
identifica a exploração do Tepequém como “predatória” e a fronteira Brasil-Venezuela110
Segundo Barradas, em entrevista escrita em 28 de fevereiro de 2003, o relatório de prospecção apresentado
pela equipe de Lessa mostrou que o projeto de mecanização era anti-econômico, visto que o diamante se
encontrava em grutas de grande profundidade. De acordo com o IBGE (BRASIL.Instituto..., 1981, p. 28), na
década de 1960 ocorreu uma crise no garimpo do diamante em Roraima, com garimpeiros se dirigindo para os
países vizinhos e serra de Surucucu, acessível apenas por avião. Dos garimpos diamantíferos, permaneciam os de
Suapi, Tepequém e Maú, sendo apenas os dois últimos acessíveis por estrada. Lessa e Barradas, afirma este
último, adquiriram um avião e se associaram em pesquisas de minérios e abertura de pistas para mineração,
como Surucucu. Ali se iniciou a exploração manual da cassiterita, logo fechada (BRASIL.Instituto..., 1981, p.
28), por se tratar de área indígena. Esse movimento antecipou o da década de 1980, quando Surucucu foi tomado
por milhares de garimpeiros, vindos principalmente do Tapajós.
111
Rufino de Oliveira revela que uma das maiores jazidas de diamantes de Roraima se localizava no vale do rio
Suapi-Quinô, mas era mantida quase inexplorada pelo proprietário da fazenda Suapi, Sr. Levindo Pereira,
classificado por ele como “diamantário”.
206
Guiana como a mais promissora para se desenvolver um projeto de mineração industrial. Em
comum com Barradas, Oliveira (1971, p. 121) tem o discurso da necessidade de explorar as
riquezas minerais em favor do progresso nacional, apresentando inclusive a idéia de se formar
uma empresa somente para explorar as reservas nacionais de ouro e diamante. O texto de
Oliveira (1971) revela ainda que os planos de exploração mineral em grande escala na
Amazônia, envolvendo o capital privado e o público, antecedem ao II PND.
Referindo-se à década de 1970, o IBGE (BRASIL,Instituto..., 1981, p. 28),
informa que parte do diamante era lapidado em duas empresas em Boa Vista, mas que os
estudos do projeto RADAMBRASIL e da CPRM encontraram na fronteira com Venezuela e
Guiana, a região dos diamantes,112 elevado número de pistas de pouso clandestinas, o que
revelava dificuldades de controle sobre a saída dos minérios. O pensamento de Barradas e
Oliveira contêm a mesma ideologia do II PND, 1974-1979 e do POLAMAZÔNIA,
representados em Roraima pelo governo de Ramos Pereira (1974-1979) que, conforme já
mostrado, não trouxeram os resultados esperados.
5. 1. 2. 2 Garimpo, mobilidade espacial e política
O garimpo no Brasil é um divisor de águas, graças aos efeitos diferenciados da
atividade, que podem ser reunidos em pelo menos quatro tipos: econômicos, ecológicos,
sócio-culturais e políticos. O mais evidente, em razão das crescentes preocupações com o
ambiente, é o problema ecológico, o qual, como já mostrado, aumentou com a mecanização
da extração do minério. No entanto, a ecologia não constitui o centro das discussões em
Roraima, onde historicamente o aspecto sócio-cultural e o econômico se entrelaçam no
político. No âmbito sócio-cultural, avulta o problema das epidemias, já que a extração do
diamante, do ouro e outros minérios, quase sempre situam-se em terras indígenas, o contato
interétnico tem provocado surtos de doenças, como a malária, quando não o extermínio físico
de parte de sua população.
De acordo com o CIDR (1990, p. 11-13), desde o início da garimpagem, no
começo do século XX, os índios roraimenses foram afetados por ela, tendo inclusive alguns
deles se transformado em garimpeiros. Quanto ao aspecto político, este assume maior
visibilidade após o grande movimento garimpeiro nas terras Yanomami, na segunda metade
112
Convém lembrar aqui que essa é também a região das fazendas de gado tradicionais de Roraima.
207
da década de 1980. Com a retirada dos garimpeiros e a demarcação das terras Yanomami no
início dos anos de 1990, o garimpo, embora em muito menor escala, mudou, de acordo com
Santilli (2001, p. 94), para o nordeste roraimense, na T. I. Raposa/Serra do Sol, junto à
fronteira com a Guiana. De acordo com esse autor (SANTILLI, 2001, p. 94), isso ocorreu com
o incentivo do governo do estado, trouxe o recrudescimento da violência contra a população
indígena e o alastramento de epidemias. Mas a história da garimpagem em Roraima é mais
antiga, e sua compreensão exige uma pequena revisão de alguns estudos na área.
Da literatura específica sobre o tema do garimpo em Roraima, sobressaem os
estudos acadêmicos de Furley, MacMillan (1997), MacMillan (1994) e Rodrigues (1996). O
papel econômico e social do garimpo é também afirmado por autores como: Barros (1995),
CIDR (1990), Furley (1994) e por Rivière (1972). Há ainda obras que mostram uma ligação
entre as atividades garimpeiras de Roraima e do Tapajós (ALMEIDA, 1994), onde surgiu na
década de 1980, tempo de grandes movimentos sociais, uma liderança e organização política,
inclusive com a criação de associações e sindicato de garimpeiros.
Rodrigues (1996) mostra a evolução da sociedade roraimense, vista através da
economia da mineração, classificando esta como uma atividade social ligada à conquista do
território e à construção da identidade local. MacMillan (1997) realiza estudos dentro de uma
visão ambientalista e social da atividade garimpeira mais recente, chamando a atenção para o
fato das operações de extração serem próximas ou dentro de cursos d’água, provocando
impactos nos ecossistemas aquáticos e problemas de saúde pública. Esse mesmo autor
(MACMILLAN, 1997, p. 182-183) identifica, como Barros (1995) e CIDR (1990), outro
resultado: parte do lucro da atividade garimpeira seria investida em pastagens em Roraima e
no Pará, contribuindo para a concentração espacial e da renda.
Essa transferência do capital é também anotada anteriormente por Rivière (1972,
p. 15), que registra ter a pecuária regredido entre 1935 e 1945, em razão das doenças no gado
e do desvio de recursos, inclusive mão-de-obra, para a exploração de diamantes. A associação
do garimpo com a pecuária, a qual superou na década de 1940 (BARROS, 1995, p. 55-56,
CAVALCANTI, 1949, p. 22), é recorrente em todos os estudos sobre o assunto. Reportando-se
às décadas de 1980 e 1990, MacMillan (1997) e Rodrigues (1996, p. 88), reconhecem que os
garimpos tiveram mais que investimentos por parte de fazendeiros e empresários influentes do
setor, consistindo essa ligação em relação de domínio. Para MacMillan (1997, p. 183), a
garimpagem em Roraima “[...] pode ter tido uma forte repercussão sobre os modelos de
desmatamento, posse da terra e violência rural”.
208
Há convergência ainda na interpretação das facilidades da expansão da mineração
manual sobre outras atividades econômicas, medidas governamentais e o cotidiano das
populações mais antigas. Cavalcanti (1949, p. 22), na década de 1940, identifica o “dinheiro
mais rápido” do ouro e do diamante, que funcionava em detrimento da pecuária e da
agricultura. Com referência ao início da década de 1980, antes do grande movimento em
direção às terras Yanomami do noroeste de Roraima, o CIDR (1990, p.11) atribui o avanço do
garimpo ao fracasso dos grandes projetos extrativistas governamentais no então território.
Uma outra vantagem, mais evidente, é a de que o garimpeiro, quase sempre um adulto do
sexo masculino, desloca sua força de trabalho sem maiores problemas, já que esta
compreende alguns poucos instrumentos e sua própria pessoa. Assim, o garimpeiro de hoje, o
agricultor de ontem, tendo quase sempre trabalhado em lugares diversos, tende a prosseguir
sempre numa viagem sem fim. E, por vezes, sem disso ter consciência, é usado para abrir
caminho para o capital, daí a razão de ser tão ardentemente defendido no discurso e não
dispor de apoio real seja do Estado seja de outras instituições.
Os garimpeiros de Roraima, de ontem e de hoje, com exceção de alguns índios,
são em sua grande maioria, nordestinos que já passaram por garimpos de Rondônia, do
Tapajós e outros. Muitos se dirigiram para os países vizinhos, como Venezuela e Guiana,
onde por vezes enfrentam problemas com as autoridades113. Existe pelo menos uma
contrapartida: nos garimpos decadentes é comum o surgimento de uma agricultura de
subsistência e a criação de animais, junto às famílias que se formaram com o tempo ou ali se
instalaram114. No geral, porém, o padrão é a mobilidade, à qual foi acrescida em algumas
lideranças, uma conscientização política.
Na década de 1970 (BRASIL. Instituto..., 1981, p 28), com a descoberta de
cassiterita na Serra de Surucucu, houve um deslocamento garimpeiro para a área, reprimido
pelas autoridades em razão de se tratar de área indígena Yanomami115. Em 1985, ano do fim
113
Venezuela e Guiana têm consulados em Boa Vista, o que facilita a solução de alguns problemas que
envolvem em muitos casos ações de contrabando e questões relativas à exploração de garimpos. De acordo com
José Quintero Torres, Cônsul Geral da Venezuela em Belém (entrevista escrita, em 04.08.2003), existe o Grupo
de Trabalho da Mineração Ilegal Venezuela-Brasil, previsto na Comissão Binacional de Alto Nível (COBAN).
Esta foi instituída no Comunicado Conjunto e o Protocolo da Gusmânia em 04.03.1994, onde, esclarece Torres,
se trata de “assunto tão delicado como é a atividade dos garimpeiros na fronteira”. Os integrantes do Grupo,
esclarece ainda Torres, são militares venezuelanos e a Polícia Federal do Brasil, que têm mantido um estreito
enlace de comunicações, tendo como base as cidades de Santa Elena de Uairén e Boa Vista.
114
Segundo o IBGE (BRASIL, INSTITUTO, 1981, p. 28), a decadência da exploração do diamante em Roraima
nos últimos anos da década de 1960 provocou não só a ida para a Venezuela de aproximadamente 5000
garimpeiros, bem como transformou outros em agricultores de subsistência, como no Maú.
115
Esse primeiro movimento em direção à Serra de Surucucu se deu na época do governo Fernando Ramos
Pereira (1974-1979), que estava longe de ser um defensor dos índios. Assim, o crédito dessa expulsão deve estar
mais ligado à programada implantação do POLAMAZÔNIA em Roraima, o que era incompatível com a
209
do regime militar, garimpeiros iniciaram um avanço para as mesmas terras, extraindo
primeiramente a cassiterita. Forças econômicas e políticas de Roraima apoiaram esse
movimento, liderado por José Altino Machado (RODRIGUES, 1996)116. Segundo Rodrigues
(1996, p. 88), o CIMI publicou nota denunciando o envolvimento do deputado federal João
Fagundes e do diretor da empresa de mineração Gold Amazon, ligada ao grupo da empresa
Paranapanema. Em abril de 1985, foi realizado em Boa Vista, sob o patrocínio da Associação
Comercial de Roraima (ALMEIDA, 1994; RODRIGUES, 1996, p. 88), um Seminário para
debater os problemas da exploração mineral em Roraima. Neste encontro (RODRIGUES, p.
88), José Altino Machado, falou a um jornal local sobre a existência de uma caixa da
“Operação Surucucu”, mantida por membros de oito garimpos do Tapajós.
Nos anos seguintes, esse avanço para as terras Yanomami continuou, com efeitos
que chamaram a atenção nacional e mundial. Os prejuízos causados ao ambiente e
principalmente às comunidades Yanomami, como doenças, desarticulação cultural e mesmo o
extermínio físico de muitos, foram registrados no Relatório da Comissão da Ação pela
Cidadania (1989, p. 31), liderada pelo senador paulista Severo Gomes, em junho de 1989.
Esta constatou o uso pela garimpagem de pistas de pouso construídas pelo Projeto Calha
Norte, como em Paapiú. No local, o posto da FUNAI estava abandonado, enquanto ali
funcionava uma representação da empresa de mineração Gold Amazon117.
Embora já estivesse em vigor a nova Constituição, aprovada em outubro de 1988,
que claramente reconhece os direitos das comunidades indígenas às terras imemoriais, além
da garantia também constitucional desde 1934, autoridades locais defendiam a economia do
garimpo, como constatou a comissão da Ação pela Cidadania em seu Relatório. As
autoridades locais, estaduais e federais tinham um discurso “fatalista” quanto à questão,
encarando o problema da invasão da área como fato consumado e “inelutável”. Segundo a
Ação pela Cidadania (RELATÓRIO..., 1989, p. 31), os administradores defendiam argumentos
como:
[...] onde há ouro, há garimpagem [e:] Sempre foi assim em todo lugar e todas as
épocas [...]. Em Roraima, não pode ser diferente, de modo que em vez de procurar
deter o processo, vamos ordená-lo, restringindo a área indígena, abrindo estradas,
levando o progresso à região. Não vamos opor 200 mil roraimenses, que precisam
do ouro para desenvolver o Estado, a 12 mil índios, porque estes levarão a pior.
Procuremos uma solução que não impeça o progresso da região.
garimpagem. A invasão de 1985 em diante se deu em contexto político completamente diferente, quando,
segundo Mathis (1997), o Estado estava se afastando do controle das atividades mineradoras.
116
Machado, que chegou a ser preso pela Polícia federal, era também empresário do setor e articulador político.
Foi inclusive candidato ao Senado (SILVA JR., 1994, p. 271), na eleição geral em Roraima de 1990.
117
A Gold Amazon, segundo Rodrigues (1996, p. 88), era empresa ligada ao Grupo da Paranapanema e presidida
por Tomé Mestrinho, irmão do ex-governador e atualmente senador amazonense Gilberto Mestrinho.
210
Uma visão de que o progresso é inevitável, mesmo com custos para algumas populações
tradicionais e da não observância da legislação.
O lento processo de transição à democracia, como explicam Becker, Egler (1994)
e Costa (1993, p. 17-18), trouxe o fortalecimento das forças políticas regionais. O processo
também permitiu, segundo Costa (1993, p. 17), que movimentos sociais surgissem ou se
ampliassem, inclusive na Amazônia. Foi nesse tempo que se organizaram os barrageiros, os
juteiros, os seringueiros, os índios, os garimpeiros. Surgem daí os “Encontros” e as “Cartas”,
onde pontificam (ALMEIDA, 1994, p. 526-527) reivindicações de novas formas de trabalho,
de respeito às culturas, à defesa do ambiente, demarcação de terras e reforma agrária. O
movimento dos garimpeiros, que sob a liderança de José Altino Machado funda a União dos
Sindicatos e Associações de Garimpeiros da Amazônia Legal (USAGAL), destoa dos demais
por reivindicar o acesso à livre exploração de minérios nas terras indígenas e não defender a
ecologia ou a reforma agrária. Machado (Rodrigues, 1996) expandiu suas atividades a
Roraima, liderando a invasão da serra de Surucucu em 1985 e participando ativamente de
encontro de garimpeiros e empresários em Boa Vista, em abril de 1989.
O momento político na metade de 1989 era de eleições presidenciais, com um
governo federal desgastado, o que explica em parte a constatada omissão das autoridades
federais, como o Departamento de Aviação Civil, a FUNAI e o IBAMA na questão da
invasão de terras indígenas e exploração predatória de minérios em Roraima. O governador
Romero Jucá, considerado o defensor dos garimpeiros, foi homenageado por estes, por
empresários e comerciantes quando, em 1987, apresentou o projeto Meridiano 62, que chegou
a ser aprovado na Câmara dos Deputados (RODRIGUES, 1996, p. 89). Este previa a criação de
“reservas garimpeiras”, onde a garimpagem seria livre por dois anos ( RODRIGUES, 1996, p.
88-89); a partir daí, o espaço seria explorado por empresas públicas ou privadas. Previa ainda,
de acordo com Rodrigues (1996), a transferência para o governo estadual de todos os títulos e
requerimentos e alvarás de pesquisa, contrariamente ao que depois, em 1988, ficou disposto
na Constituição, que dá essa competência ao Congresso Nacional.
A questão da mineração em Roraima foi tomando assim um caráter cada vez mais
político, incorporando fortemente participantes antes menores, como os comerciantes,
organizando-se lobbies para pressionar o governo federal a não cumprir, na prática, artigos da
Constituição, então recentemente aprovada; artigos que condicionam o acesso às terras
indígenas ou de preservação. Isto se dá num tempo, o fim da década de 1980, em que, ao
contrário do governo federal, o poder regional dispõe de força, adquirida com a
211
redemocratização e a descentralização proporcionada pela nova Carta. Como no caso dos
movimentos sociais ocorridos pouco antes, diversos encontros são realizados, envolvendo
lideranças da Amazônia, tal como nos outros segmentos sociais, desde governadores,
administradores e empresários.
Almeida registra (1994, p. 534) que houve uma resposta do governo a estas
articulações, em março de 1989, com um debate do secretário-geral da Secretaria de
Assessoramento da Defesa Nacional (SADEN), general Ruben Bayma Denis, com os
governadores da Amazônia, em Manaus, sobre o Programa Nossa Natureza118. Segundo
Almeida (1994, p. 534), na mesma cidade, em agosto daquele ano, 37 entidades empresariais
realizaram o I Encontro de Empresários da Amazônia, com aproximadamente 250
participantes, cujo resultado foi o documento intitulado “Carta da Amazônia”. Esta anunciou
a criação do Conselho Empresarial da Amazônia, defendeu a “[...] atualização do zoneamento
geo-econômico e ecológico da região” (ALMEIDA, 1994, p. 534) e a manutenção da
concessão de incentivos fiscais e creditícios, enquanto a questão das áreas indígenas mereceu
no documento uma ligeira menção.
Até a aprovação da Constituição de 1988, o cenário político nacional comportava
ou permitia a assimilação de interesses diferenciados. Ela trouxe uma maior autonomia aos
estados e municípios, mas questões como a restrição à exploração de áreas pretendidas por
segmentos empresariais e políticos regionais têm causado choques entre os dois níveis do
Estado. A partir de 1988, multiplicaram-se os municípios brasileiros (GALL, RICÚPERO,
1997, [n.p].) e novos estados, como Roraima, foram criados. Surgiu daí um maior espaço
político-institucional para muitas lideranças, os interesses destas, graças aos mecanismos do
Estado federativo, que incluem a representação através do voto que é local, por vezes se
chocam com o aparato jurídico-legal do Estado Nacional119.
Abre-se, conseqüentemente, o caminho para a crise entre agentes e o impasse
político, levando o Estado à quase inoperância em algumas áreas. Além disso, desde a década
de 1980, o contexto econômico-financeiro internacional estava provocando modificações
118
O Programa Nossa Natureza foi instituído pelo Decreto Federal 96944, de 12 de novembro de 1988. O III
Encontro de Governadores da Amazônia, foi realizado de 6 a 8 de março de 1989, em Manaus.
119
Exemplos da inoperância da legislação são abundantes, mesmo quanto se trata de documentos de natureza
também técnica. É o caso da Agenda Positiva do Estado de Roraima, integrante da Agenda Positiva da
Amazônia, assinada em Boa Vista em setembro de 1999. Neste documento, nascido de reuniões do Ministério do
Meio Ambiente com autoridades e técnicos da Amazônia, seria, por exemplo, priorizada a área agrícola em áreas
já abertas, poupando áreas da floresta. Do mesmo modo, devia-se intensificar nos assentamentos agrícolas
federais e estaduais a ocupação dos já existentes e orientar para o uso de alternativas ao uso do fogo, entre outras
medidas de natureza ecológica. Na prática, o que existe e é defendido por políticos locais é o direito de utilizar
livremente a floresta e mesmo a venda dos lotes por colonos, sem conhecimento do INCRA.
212
profundas nos países dependentes, que tomavam medidas que na prática encerravam ou
modificavam antigas práticas, alterando o sistema de relações com o poder central. Tinha já
terminado o estado autoritário, mas aos poucos, seu substituto democrático tinha que tomar
medidas de austeridade e encerrar o papel de motor do desenvolvimento, alimentado pelo
crédito externo. Em suma, o Estado federativo não estava conseguindo superar crises e
atender grupos intermediários.
Em 1989, as forças políticas da Amazônia, inclusive em Roraima, julgavam que
poderiam contornar o estabelecido no texto constitucional. Daí o silêncio sobre as primeiras
medidas do governo Collor no ano seguinte, destruindo pistas de pouso utilizadas por
garimpos nas terras Yanomamis, ao mesmo tempo em que ocorriam eleições no novo estado.
Como este teve que se estruturar numa época de política de contenção, e a economia
basicamente primária e altamente dependente do acesso predatório ao ambiente não
apresentou alternativas, a euforia de uma autonomia política aos poucos foi substituída pelo
pessimismo e ataques aos pretensos adversários do progresso local. O que veio a seguir,
durante toda a década de 1990 tem a mesma marca.
5. 2 RELAÇÕES POLÍTICAS, ESTRUTURAS E PROCESSO DE PODER
A compreensão do processo e universo político em Roraima passa,
obrigatoriamente, pelo entendimento das mudanças econômicas e, principalmente, dos
diversos processos que compõem historicamente as relações com o poder central. A pecuária
do rio Branco gerou uma sociedade política cujas relações se estendiam ao máximo até
Manaus, enquanto a mineração da primeira metade do século XX, nada acrescentou a esse
quadro. Não houve também alteração no cenário local com a instalação do Serviço de
Proteção aos Índios, embora uma das fazendas públicas fosse assumida pelo órgão e, de
acordo com Eggerath (1924), se estabelecesse uma contestação à expansão da privatização
das terras públicas e indígenas. Desde a criação do território, em 1943, estabeleceu-se uma
burocracia federal, cujos cargos passaram a ser alvo de disputas, tornadas mais acirradas com
a redemocratização do período 1946-1964. Esse último período foi marcado pelo domínio da
política regional, até 1964120. Com os governos militares (1964-1985), a relação poder local x
120
A julgar pela literatura compulsada, pode-se afirmar que, na década de 1950, não se refletiram em Roraima,
os efeitos da política desenvolvimentista planejada para a Amazônia, a ser dinamizada pela SPVEA.
213
poder central, como em todo o Brasil, são de ampla dominância do segundo, cabendo ao
primeiro apenas o apoio e a legitimação do sistema político pelo voto.
Governadores militares nomeados, como afirmam Macmillan, Furley (1994, p.
187), administravam os territórios federais segundo o Decreto-Lei 411, de 08 de janeiro de
1969. Este objetivava, lembram Macmillan, Furley (1994, p. 187-188), a ocupação efetiva dos
territórios, principalmente dos espaços tidos como vazios, a criação de municípios, levando
pessoas locais a participar da administração neste nível. A geopolítica comandava o processo,
pois textualmente, no artigo 2.º do Decreto-Lei 411, consta que o desenvolvimento
econômico, social e político buscado visam à criação de condições que possibilitem a
ascensão dos territórios à categoria de estado.
O papel dos territórios federais, segundo essa linha geopolítica, estava traçado
antes mesmo do PIN, dos PND e de outras medidas que se seguiram. Da mesma forma já
estava delimitado o espaço político subalterno para as lideranças locais, o que segundo
Freitas (1993) e MacMillan, Furley (1994, p. 188) perduraria até 1979. No entanto houve pelo
menos uma exceção, já comentada, em que forças locais de Roraima entraram em choque
com o governador, visto que seus interesses estavam ameaçados121.
Entre 1979 e 1983, o território foi administrado por Ottomar Pinto, que implantou
uma política de cooptação das forças locais, e incentivo à migração, implantação de projeto
político próprio, rompendo com parte das lideranças roraimenses. Estas se afirmam por um
breve tempo, após 1985, quando ascende ao governo um roraimense – Getúlio Cruz. Na crise
que se seguiu com o assassinato do prefeito de Boa Vista, Silvio Leite, em 1987, Cruz foi
exonerado, sendo nomeado para o governo do território um general, Roberto Klein. O
objetivo do governo federal era claro: só alguém com bastante autoridade poderia, naquele
momento, impor a ordem, permanecendo acima das paixões locais. A oportunidade de
autonomia foi momentaneamente perdida, abrindo-se o caminho para a formação de grupos
liderados por políticos oriundos de outros estados.
As lideranças locais, graças às suas profundas divisões, não aproveitaram, pois, a
chance de administrar o poder local na ocasião da abertura política. Após o breve governo de
Klein, o governo federal nomeou alguém de confiança dos empresários nacionais: Romero
Jucá. Este governou entre 1988-1989, abrindo caminho para o capital e o poder privado
121
O fato ocorreu com o governador Ramos Pereira (1974-1979), quando do cadastramento das terras ocupadas
pelos fazendeiros locais, pelo INCRA. Importante notar que os fazendeiros foram apoiados pelo antecessor de
Pereira, Hélio Campos.
214
nacional, favorecendo inclusive o garimpo. Jucá tinha sido presidente da FUNAI e como tal
favoreceu o acesso à exploração de terras indígenas, como em Rondônia com os madeireiros
(SIMONIAN, 1993)122. Jucá permaneceu em Roraima após seu governo, disputando eleição em
1990 para governador e elegendo-se depois senador.
A partir da instalação do estado, em 1990, os grupos políticos vão se estruturando
em torno de Ottomar, de Jucá, ou de outras personagens de menor peso político. Na segunda
metade dos anos de 1990, estrutura-se um outro grupo, em torno de Neudo Campos,
dissidente de Ottomar. Campos é empresário local da construção civil, como alguns dos
componentes de seu grupo, dentre eles Carlos Coelho. Os grupos de interesse, antigos, como
comerciantes, pecuaristas, madeireiros e outros mais recentes, como antigos empresários do
garimpo e arrozeiros, em vista do que julgam injustiça do poder central, vão tomando uma
forma cada vez mais definida, transformando-se freqüentemente em grupos de pressão. Neste
contexto, não se apóia este ou aquele partido, pois estes são apenas rótulos das personagens
políticas. Estas incorporam ou procuram incorporar apoios que lhes permite dialogar com
lideranças regionais e com o poder central.
Percebe-se que os grupos de interesse mais ligados ao poder local atuam
principalmente sob duas condições: integração a uma associação de classe ou sindicatos e, a
participação nos projetos governamentais. Isto explica a força e o crescimento de sindicatos
como o da Construção de Estradas, uma das maiores verbas do orçamento estadual. A
associação fornece a força e a participação deve promover, sempre, as vantagens buscadas.
Mas não basta obter, é necessário legitimar. A legitimação do sistema político local, como nos
demais níveis, conforme Dallari (1986), é concretizada por meio do voto. Este está
concentrado nos municípios, pois embora a capital, Boa Vista tenha dois terços do eleitorado
roraimense, este é ali muito diluído. O resultado disso é que desde 1990 o interior tem
definido as eleições estaduais, graças à eficácia dos mecanismos postos em prática, que
incluem interesses aparentemente comuns entre o eleitor e o eleito.
122
Romero Jucá foi o primeiro presidente da FUNAI ( SCHWADE, 1992, p. 374-375). Na sua gestão, informa
Schwade (1994, p. 375), ocorreu a transferência de aldeias dos índios Waimiri-Atroari para a construção da
Hidrelétrica de Balbina, no norte do estado do Amazonas e permitido o avanço da empresa mineradora
Paranapanema nas terras dos mesmos índios, na divisa do Amazonas com Roraima.
215
5. 2. 1 A Força e fraqueza dos municípios
O papel político do município brasileiro tem sido evidenciado em vários autores,
como Leal (1975), Dallari (1986) e Santos (1996). Embora tenha autonomia política
reconhecida desde 1891, o município no Brasil tem sido marginalizado como entidade
política com algum poder de decisão. Mesmo quando sua força aparece na modalidade de
oligarquias, conforme demonstra Leal ([1949] 1975), há uma forte relação de dependência
dos estados membros da Federação e do governo central, pois nesse tipo de relação, os
governantes do município muitas vezes não podem ser oposicionistas.
É evidente que mudanças profundas ocorreram na relação dos municípios
brasileiros com os estados e o governo central nas últimas décadas. No entanto, em Roraima,
os municípios dependem quase inteiramente de recursos externos, o que os fragiliza e, de
certo modo, aproxima da situação analisada por Leal (1975). Percebe-se também que, é nos
municípios que se dão as relações mais estreitas entre eleitor e as lideranças políticas
roraimenses, que se organizam hierarquicamente. Daí a importância da figura dos prefeitos e
vereadores junto aos governadores, formando alianças que ultrapassam as siglas políticas.
Este paradoxo, de força e fraqueza municipal, se dá por causa do poder de monitoramento e
controle do voto, bem de troca valioso num estado com o menor eleitorado do país.
Dallari (1986, p. 64), ao citar inclusive casos de municípios estadunidenses,
esclarece que apesar de ser maior a influência do povo nas decisões do governo local,
assegurando um caráter mais democrático de governo, o município não tem posição de
proeminência na organização do Estado Federal; o que pode ser entendido como uma
imperfeição da fórmula federativa. Nos EUA, Índia, Canadá, Brasil e outras federações
(DALLARI, 1986, p. 61), prevaleceu um critério jurídico-formal no estabelecimento da
estrutura. Para esse autor:
O Estado Federal foi criado como uma aliança de Estados, e por esse motivo a
preocupação maior dos organizadores tem sido a definição dos limites territoriais
dos Estados-membros e o reconhecimento da identidade de cada uma das unidades
assim diferenciadas. Muitas vezes a delimitação dos Estados-membros foi
absolutamente artificial, feita sob a influência de interesses privados ou mesmo de
conveniências administrativas, sem levar em conta os fatores étnicos ou culturais.
(DALLARI, 1986, p. 61).
Embora sendo o nível que oferece a possibilidade de realização da democracia, os municípios
não conseguem ter autonomia real, lembra Dallari (1986, p. 62-63). A Constituição dos países
federais enfatiza uma autonomia municipal, mas na atribuição das competências e distribuição
216
das rendas públicas os municípios recebem menos que o necessário para suas necessidades e
vivem em situação de constante dependência. Anulando-se, no dizer de Dallari (1986, p. 63), a
autonomia formal.
Segundo Santos (1996, p. 101-104), a história do Brasil é também uma sucessão
de pactos territoriais. No tempo do Império, as províncias e os municípios eram a base
jurídica do Estado e a República ampliou essas bases dando autonomia aos estados federados
e aos municípios. A Revolução de 1930 (SANTOS 1996, p. 101), através da Constituição de
1937 e do Estado Novo, levou a um novo arranjo político-territorial, suprimindo a autonomia
estadual, mutilando, legalmente, a federação, com o predomínio do poder central. A redução
das liberdades, inclusive individuais, aparecia, comenta o autor, como justificativa para
permitir um ritmo mais acelerado das transformações. Santos (1996, p. 101-102) salienta que
com a redemocratização e a Constituição de 1946 foram restaurados os direitos dos estados e
ampliadas as prerrogativas municipais, amparadas por uma maior generosidade fiscal, onde os
municípios passaram a receber parcelas da arrecadação federal sobre o imposto de renda. É
esse estímulo (Santos, 1996, p. 102) que vai levar à criação de centenas de novos municípios,
caracterizando um novo pacto territorial, fortalecedor da vida local. Essa situação mudaria em
1964, quando ocorrem entraves à sua expansão, mas, com a Constituição de 1988, ocorre
processo semelhante ao de 1946 de acordo com Gal, Ricúpero (1997), com a criação de mais
de mil novas unidades municipais.
Para Leal ([1949] 1975), o município brasileiro do interior foi historicamente
dominado pelo coronelismo, uma relação de compromisso entre o poder privado em
decadência e o poder público fortalecido. Embora essa situação venha se modificando,
reconhece Leal ([1949] 1975, p. 254-255), há persistências e paradoxalmente, os próprios
instrumentos do poder constituído têm sido utilizados para rejuvenescer o poder privado
residual dos “coronéis”. Ao referir-se a uma desejável elevação do nível político no Brasil,
Leal ([1949] 1975, p. 258) afirma que a pobreza do povo, principalmente a população rural,
com seu atraso cívico e intelectual, constitui-se em sério obstáculo para uma mudança. O
município roraimense, em parte, se encaixa nessa descrição.
Os 15 municípios de Roraima, têm em comum, problemas crônicos de falta de
recursos e conseqüente dependência do estado e da União. Os pactos políticos que se
estabelecem entre prefeitos e os grupos dominantes no estado expressam visivelmente isso,
pois é necessário uma mediação para a aprovação e a liberação de recursos. No geral, a
217
economia inclui atividades extrativas, uma pecuária extensiva e uma agricultura familiar em
crise, como mostra a sensível diminuição de sua população rural. Os que se situam no norte
do estado, criados em áreas reconhecidamente indígenas, apresentam dados mais
desfavoráveis, como adiante se mostrará. Mais da metade deles nasceram de antigas colônias
agrícolas e assentamentos, junto às rodovias BR 174 e BR 210. E, conforme o mapa 9, oito
têm fronteira com a Venezuela ou Guiana, sediando campos de pouso e quartéis e compondo
o espaço abrangido pelo Calha Norte. Pacaraima e Bonfim têm sua sede junto aos países e
outros centros urbanos vizinhos, portas de entrada e saída das BR 174 e 401, respectivamente.
Mapa... Municípios de Roraima
Fonte: Baseado em IBGE, 1997.
Mapa 9 - Municípios do Estado de Roraima
Fonte: Baseado em IBGE, Censo 2000.
218
O pequeno número de municípios, contrastando com o relativamente elevado
número de cargos eletivos no estado – 24 deputados estaduais, 8 federais e 3 senadores – faz
com que muitas lideranças municipais busquem melhor sorte na política, sem perder contato
com sua base eleitoral. A cada eleição, muitos vereadores e ex-prefeitos se lançam candidatos,
fazendo parte de alianças que congregam por vezes uma dezena de partidos. Esta é uma das
razões do elevado número de candidatos em cada pleito, enquanto outras derivam de motivos
como a busca de ascensão social, de reconhecimento, ou como denomina Laswell (1982, p.
22), da deferência, transformando motivos privados em motivos públicos.
É comum também que os prefeitos sejam antigos técnicos da área administrativa,
comerciantes e profissionais liberais bem sucedidos com alguma projeção intelectual e de
prestígio, como advogados e médicos123. Exceção por vezes observadas nos de economia
baseada na pecuária, onde se elegem membros das famílias tradicionais. A biografia de
muitos líderes políticos os identifica com o movimento migratório entre 1960 e 1970, menos
intenso que o que veio a seguir, quando do deslocamento do 6.º Batalhão de Engenharia para
Boa Vista, para as obras de execução das rodovias que marcariam a vida do território. Ocorre
no mesmo período um surto madeireiro (BRASIL. Instituto..., 1981, p. 20),124 tal como
ocorreria também no fim da década de 1970.
De acordo com o IBGE (BRASIL. Instituto..., 1981), a abertura de rodovias pelo
governo federal e territorial nos anos de 1970, deu origem a vários pequenos centros urbanos,
enquanto isolou algumas das antigas vilas, como São José do Anauá e Santa Maria do Boiaçu.
Estas, situadas no baixo rio Branco (Barros, 1995) decaíram também com a retração do
extrativismo vegetal. Outras vilas, como Conceição do Maú ou Depósito, antigas sedes
distritais, retrocederam por ficarem afastadas do fluxo migratório e não terem economia que
as sustentassem, perdendo população para os pequenos núcleos próximos à fronteira
(BRASIL.Instituto..., 1981, p. 42). Junto a esta, no norte e nordeste do território, graças aos
investimentos oriundos do projeto geopolítico federal, cresceram os núcleos de Normandia,
Bonfim, Pacaraima, Uiramutã e Surumu. Destes, os quatro primeiros seriam transformados
em municípios. Outra localidade próxima à fronteira norte, Vila Brasil, surgida no movimento
garimpeiro, tornou-se a sede municipal de Amajari.
123
É comum, em Roraima, a adoção oficial de nomes políticos que auxiliam na identificação com ocupações
profissionais. Assim, nomes como “Geraldo da Farmácia”, “Tonhão do INCRA”, “Chico das Verduras” ou
“Luizinho da Tabela” são mais conhecidos por essas denominações que pelo seu nome verdadeiro.
124
Houve um outro surto, mais intenso, no final da década de 1970 e início da seguinte, como adiante. As razões
de um e outro estavam ligadas a valorização externa da madeira, principalmente, pelo mercado da Venezuela.
219
Na década de 1970, com a implantação das BR 174 e 210, milhares de migrantes
se dirigem a Roraima, mesmo que a política inicial não incentivasse esse movimento, como já
mostrado. Graças a esse movimento espontâneo, o INCRA teve que promover assentamentos
às pressas no sul e no sudeste do território, onde vão surgir pequenos centros que também
seriam transformados em sedes municipais, como Rorainópolis, São Luiz do Anauá e São
João da Baliza. Quanto ao município de Boa Vista, até o Censo de 1980 era, como todo o
território, majoritariamente rural, de acordo com o IBGE (BRASIL.Instituto..., 1981, p. 20),
mas a partir de 1979, com o governo Ottomar (1979-1983), iniciou-se uma política de
incentivo migratório. Os resultados foram não só um movimento para o interior em busca de
lotes rurais, mas também de lotes urbanos e das vantagens de uma vida urbana, proporcionada
pela capital. Outra mudança foi o perfil da população; de acordo com o IBGE
(BRASIL.Instituto..., 1981, p. 20). Até 1970, apenas 21,1% dela era composta por migrantes,
sendo que 41,7% destes era oriunda do Amazonas, enquanto cearenses eram seguidos pelos
maranhenses, com percentuais de 12,9 e 8,2%. Nos anos seguintes, esse último grupo
ultrapassou os demais, tanto nas cidades, principalmente Boa Vista, onde conjuntos
habitacionais passaram a compor a paisagem, principalmente nos bairros periféricos.
A cidade de Boa Vista é um retrato das mudanças político-administrativas e
econômicas de Roraima. No centro permanece a maioria das casas comerciais de maior
capital, além das repartições federais, e em volta da praça do Centro Cívico, estão os prédios
do aparato administrativo estadual, hotéis e a sede da Igreja Católica. As escolas tradicionais
também ocupam as proximidades do antigo centro histórico à margem direita do rio Branco.
Muitas famílias tradicionais ainda preferem ter suas casas em torno dessa parte antiga da
cidade, enquanto comerciantes e empresários passaram a ocupar áreas mais elevadas, em
bairros novos. A periferia, ao final da década de 1970, hoje bairros quase centrais, era
formada pelos bairros que acomodavam uma população destinada à administração civil e
militar, como São Francisco, 31 de Março, Aparecida, São Pedro, Canarinho e o de Mecejana.
Este último foi destinado para ser ocupado essencialmente por residências militares, tendo em
1975 mais de 3.000 habitantes (BRASIL.Instituto..., 1981, p. 40)125. Junto ao rio Branco, foi
construído o Conjunto dos Executivos, para abrigar os altos funcionários do então território e
posteriormente, do governo do estado, tanto da área executiva como da judiciária.
125
Essa expansão urbana de Boa Vista, contemporânea ao II PND e crescimento brasileiro, não foi vista com
bons olhos pelo governo Venezuelano, como registrado em 3.7.
220
Até então, se seguia para a capital e pequenos centros urbanos nas fronteiras, a um
plano geopolítico, mas o que veio a seguir, após 1979, serviu mais a outros propósitos, no
governo de Ottomar Pinto e outros governantes que se seguiram, como Romero Jucá (19871989). Novos bairros surgiram, com centenas de casas oriundas de projetos administrados
pela Companhia de Desenvolvimento de Roraima (CODESAIMA) criada pelo ex-governador
Fernando Pereira para captar recursos e desenvolver um território que, de acordo com o
Decreto 411/69, deveria ser transformado em estado. Com Romero Jucá (1987-1989) foram
implantados projetos urbanos como o Nosso Lote, em Boa Vista, além de continuar a
expansão da cidade em direção ao sul, com novos loteamentos, confundidos hoje com nomes
de bairros. A grande expansão da cidade se deve principalmente aos incentivos dos dois
governos Ottomar Pinto (1979-1983; 1991-1995) e, conforme Barros (1995), ao grande
movimento de garimpeiros ocorrido entre 1987-1990.
De acordo com Freitas (1993, p. 198-199), no primeiro governo Ottomar (19791983) houve um chamado aos migrantes e foram elaborados inúmeros projetos pela Secretaria
de Planejamento,126 presidida por Getúlio Cruz. No entanto, o grande esforço inicial foi
direcionado para o interior, tendo as antigas colônias agrícolas recebido apoio técnico
(FREITAS, 1993). Quase sem exceção elas seriam transformadas depois em sedes de
município, como Alto Alegre e Mucajaí. Frentes de trabalho foram abertas em vários locais,
como Três Corações, Novo Paraíso, São João da Baliza, Bonfim e São Luiz do Anauá. Com
exceção dos dois primeiros, esses centros também se tornaram sedes municipais em 1982.
Houve uma prioridade inicial, de acordo o Relatório das Atividades Governamentais de 1979
(RORAIMA, Relatório..., 1979), para o desenvolvimento agropecuário, incentivando a
ocupação da terra pelo pequeno produtor rural. Numa etapa posterior, “1982 ou 1983”,
informa o documento, seria a vez de atacar de forma mais substancial a infra-estrutura urbana.
A listar-se as obras no campo, há o destaque para a construção de cerca de 500 quilômetros de
estradas vicinais.
126
Freitas (1993, p. 198), secretário da Agricultura do governo Ottomar, registra que foram elaborados projetos
com o nome de: Caju, Carneiro, Diamante, Pecuária, Milho, hidrelétrica de Cotingo, Cana-de Açúcar, Arroz,
bacia Leiteira. O mesmo autor (Freitas, 1993, p. 199) registra ainda que Ottomar encampou o Projeto do Distrito
Hortifrutigranjeiro de Monte Cristo.
221
No seu Programa Anual de governo para 1980 – Proposta de Fundo Especial, 127
Ottomar solicita recursos adicionais, em razão de transformações recentes no território,
condicionadas por dois fatores: a abertura da BR 174 e a “[...] explosiva corrente migratória,
decorrente, em parte, da própria estrada” (RORAIMA, Programa..., 1980, [n.p.]); afirma,
ainda, que a agricultura e a pecuária dispunham de terras férteis, abundantes e inexploradas,
bem como para o potencial madeireiro e mineral. Mas a maior parte dos recursos se destinava
a projetos de assentamento, como o das Confiança I, II e III e aos Distritos Agropecuário e o
Hortifrutigranjeiro. Como em outros documentos oficiais, oculta-se que boa parte das terras
do território eram indígenas. Neste sentido, Ottomar executou uma política com os índios que
incluiu a demarcação de algumas reservas e tentativas de absorção (CENTRO DE
INFORMAÇÕES..., 1990, p. 14) visitando freqüentemente as malocas (aldeias) e
transformando-os em eleitores, distribuindo tratores, equipamentos e sementes.
Com a ampliação da rede de estradas vicinais, interligando os pequenos centros
urbanos, melhorar a malha urbana e os serviços públicos de Boa Vista, não foi difícil
conseguir que o governo federal criasse novos municípios em Roraima. O mais difícil, anota
Freitas (1993, p. 200-203), foi administrar a política local, após o fim do partido de apoio ao
governo, a ARENA e a criação do seu substituto, o PDS. As várias correntes, uma formada por
antigos auxiliares de Fernando Pereira, como o deputado Júlio Martins, outra composta pelo
grupo do deputado Hélio Campos e, uma terceira, liderada pelo próprio Ottomar e por Getúlio
Cruz128.
A atuação populista e clientelística do governador assustou as lideranças locais,
que ficaram “[...] chocadas com o viés popular do novo estilo de governo e com o crescente
fluxo migratório que chegava a Roraima e engrossava o contingente eleitoral e a liderança do
Governador” (FREITAS, 1993, p. 201). Nas eleições de 1982, ano da divisão municipal, o
território, de acordo com a nova legislação, elegeu quatro deputados: dois ottomaristas e dois
“nativistas”, na expressão de Freitas, ou “minhoquistas” no dizer popular dos roraimenses 129.
127
O Fundo Especial era um recurso extra-orçamentário a quem os governantes podiam recorrer. O governo
central tinha no momento grandes dificuldades com a grande crise iniciada em 1979, mas precisava de aliados
fiéis nas próximas eleições. Ottomar tinha um trunfo: se transformado em estado federativo, como programado a
tempos, Roraima teria parlamentares fiéis ao governo. Isto era exatamente o que a reforma eleitoral inspirada por
Golbery previa: em baixa no Sul e Sudeste, as forças governistas, em razão da mudança das regras do jogo,
teriam apoio das dependentes bancadas do Nordeste e do Norte.
128
Do grupo de Júlio Martins, participava Luiz Aimberê Freitas, um dos secretários de Ottomar que deixou logo
em seguida o governo (FREITAS, 2003, i. v.).
129
O choque entre lideranças locais e as recém-chegadas, relatadas por Freitas (1993, p. 201), não se constituía
novidade em uma terra com as características de Roraima. Fato notável na atualidade é amenizado ou acirrado de
acordo com interesses comuns ou exclusivos.
222
Entre os primeiros, João Fagundes e Alcides Lima, enquanto Júlio Martins e Mozarildo
Cavalcanti integravam o outro grupo. Embora amenizadas, na atualidade vez por outra avulta
alguma referência a essa divisão, explorada de uma nova forma: alguns candidatos alegam ter
apoio exclusivo das famílias tradicionais, o que lhes daria algum prestígio.
Independente das divisões internas, a criação de novos municípios em 1982 foi
bem recebida por todas as lideranças políticas. Para alguns autores ( CENTRO DE
INFORMAÇÕES..., 1990, p.15), a criação desses municípios seria uma exigência dos próprios
fazendeiros, fortalecendo sua dominância. O poder desse grupo é salientado por Furley (1991,
p. 186), que atribuiu a ele o domínio da política roraimense até as eleições de 1990. A análise
aqui conduz em outra direção, a de que, com exceção do período entre 1985 e 1987, o
governo central manteve o controle da situação no território, embora as negociações tivessem
que ser feitas com lideranças locais. Estas, no entanto, incluíam na década de 1980, mais
ainda que antes, também madeireiros e alguns comerciantes130.
De todo modo, a partir de 1982, com o aumento do número de deputados federais,
o governo de Ottomar e com a criação de seis novos municípios, abrindo campo para novas
lideranças, a história política de Roraima não seria mais a mesma. Isso se daria porque, ao
mesmo tempo que se reforçava a estrutura interna de poder, formando base de apoio junto às
novas municipalidades, as quais, em sua maioria estavam ligadas mais a cargos e
compromissos com a administração que à economia tradicional. Fortalecia-se assim o poder
de barganha local junto ao governo federal, sob o comando do governador, mas um ano
depois a política local o derrubaria.
Em 1º de julho de 1982, o presidente João Batista Figueiredo assinou a Lei 7009
(BRASIL. Lei 7009, 1982), autorizando a criação dos municípios de Alto Alegre, Bonfim,
Normandia, Mucajaí, São João da Baliza e São Luiz do Anauá. Os três primeiros
desmembrados de Boa Vista e os demais, de Caracaraí131. Foi uma redefinição de espaço
político, tornando Ottomar praticamente imbatível no interior, graças à nomeação de prefeitos
130
Em 7 de setembro de 1944 (SILVA JR., 1994, p. 316), foi fundada a Associação Comercial e Industrial de
Roraima (ACIR). Os comerciantes foram assim a primeira classe a se organizar institucionalmente, logo após a
criação do território, o que demonstra a atenção às mudanças. Hoje a ACIR é uma das instituições de classe mais
fortes do estado, apoiando incisivamente medidas que atendam interesses de comerciantes e industriais. É
também o núcleo central de outra organização: a Federação das Associações Comerciais e Industriais de
Roraima, existentes em cada município.
131
O texto da Lei, que tem também a assinatura do ministro do Interior, Mário Andreazza, reza que a criação das
novas unidades municipais se daria “[...] independentemente de comprovação dos requisitos previstos na Lei n.
6.448 de 11 de outubro de 1977” (BRASIL, Lei 7009, 1982), entendendo-se que esta normatizava o assunto. Tal
fato mostra a excepcionalidade da medida e a sua importância.
223
de sua confiança, a distribuição dos novos cargos, e no caso dos fazendeiros (CENTRO DE
INFORMAÇÕES..., 1990, p. 15), um maior controle das terras ocupadas por eles e reclamadas
pelos índios. Ottomar cairia em 1983,132 mas três anos depois seria o deputado federal mais
votado, e eleger-se-ia o primeiro governador do estado em 1990 com o apoio do interior.
Nesta posição, criaria em 1994 dois municípios: Caroebe, no sudeste, junto à Br 210, na
fronteira com o Pará e Guiana e Iracema, junto à BR 174. A trajetória vitoriosa continuou em
1994, quando Ottomar elegeu Neudo Campos, seu Secretário de Obras como governador,
derrotando os seguidores de Jucá e aliados, como o candidato a governador Getúlio Cruz.
Em outubro de 1995, em meio à grande polêmica, visto estarem em áreas
indígenas, o governador Neudo Campos criou os municípios de Pacaraima, o de Amajari, e o
de Uiramutã. E ainda: o município de Cantá próximo a Boa Vista e o de Rorainópolis, na
divisa com o Amazonas, junto à BR 174. A criação dos municípios nas áreas indígenas foi
contestada pela FUNAI e pelo CIR (SANTILLI, 2001, p. 122-127), com marchas e contramarchas legais em Boa Vista e em Brasília, até aprovação das leis estaduais de criação. Tratase de ato acima de tudo, de natureza política, já que esses municípios, como adiante será
demonstrado, têm grandes dificuldades para se manter.
Desavindo com seu antigo patrocinador, Neudo formou seu próprio grupo político
a partir de 1997, reelegendo-se governador em 1998, quando derrotou os grupos de Ottomar e
o de Jucá, aliados no segundo turno. Desde então, prefeitos tiveram mais uma opção de se
ligar a esse ou aquele grupo. Sem sucesso maior em Boa Vista, Ottomar estabeleceu a partir
daí sua base de apoio em Rorainópolis, onde elegeu sua filha, Otília Pinto prefeita em 1998,
sendo esta reeleita em 2002. Os números sobre a população apresentados pelo IBGE mostram
que Rorainópolis segue à risca o modelo estabelecido por Ottomar anteriormente: sua
população aumentou de 5.498 em 1991 para 17.393 habitantes em 2000, o maior crescimento
do estado (BRASIL. Instituto..., Censo de 2000). Esse crescimento se dá quase todo em razão
do fluxo migratório que ali se concentra, tanto no meio urbano como no rural. O quadro 8
mostra que, no mesmo período, seus vizinhos São João da Baliza e Caracaraí tinham em
2000, menor população que em 1991 enquanto outros, como São Luiz e Caroebe, cresceram
132
Ottomar caiu em março de 1983, sendo substituído por outro brigadeiro, Vicente Moraes, o qual, de acordo
com Freitas (1993, p. 202), formou um governo tipicamente militar e autoritário e, sem o apoio do ministro do
Interior, Mario Andreazza, pouco realizou. Moraes, afirma ainda Freitas (1993, p. 203), não era político e nem
gostava de política e procurou apenas administrar, atritando com os deputados federais do território, Mozarildo
Cavalcanti e Alcides Lima. O ministro Andreazza candidato a candidato a presidente, apoiou os deputados e o
governador caiu. Eram realmente novos tempos políticos, mas há que considerar aqui também o momento de
grande crise econômico-financeira pela qual passava o Brasil na ocasião, com certeza acabou influindo no fluxo
de recursos ao território e no choque entre o governador e os deputados.
224
muito discretamente. O refluxo do garimpo no primeiro caso e o abandono das terras no
segundo, são as principais causas dessa mudança.
POPULAÇÃO DE RORAIMA 1991 - 2000
MUNICÍPIO
CENSO 91
TOTAL
Amajari
10.903
URBANO
299
CONTAGEM 96
RURAL
10.604
TOTAL
4.623
CENSO 2000
URBANO RURAL
451
4.172
TOTAL
5.294
URBANO
RURAL
799
4.495
Alto Alegre
11.211
3.356
7.855
13.771
3.929
9.842
17.907
5.195
12.712
Boa Vista
122.600
120.157
2.443
153.936
150.442
3.494
200.568
197.098
3.470
Bonfim
5.436
1.221
4.215
5.660
1.446
4.214
9.326
3.000
6.326
Cantá
4.042
428
3.614
7.671
630
7.041
8.571
1.155
7.416
Caracaraí
8.773
5.139
3.634
9.664
5.786
3.878
14.286
8.236
6.050
Caroebe
3.647
890
2.757
4.829
1.417
3.412
5.692
1.977
3.715
Iracema
2.163
1.356
807
2.817
2.012
805
4.781
3.228
1.553
Mucajaí
11.272
5.222
6.050
10.895
6.423
4.472
11.247
7.029
4.218
Normandia
5.223
1.146
4.077
6.796
1.433
5.363
6.138
1.500
4.638
Pacaraima
4.099
1.269
2.830
5.777
1.763
4.014
6.990
2.760
4.230
Rorainópolis
5.496
1.457
4.039
7.544
2.712
4.832
17.393
7.185
10.208
S.J. Baliza
6.328
2.309
4.019
4.058
3.082
976
5.091
3.882
1.209
3.778
2.268
1.510
4.456
3.148
1.308
5.311
3.447
1.864
12.612
217.583
252
146.769
12.360
70.814
4.634
247.131
372
185.046
4.262
62.085
5.802
324.397
525
247.016
5.277
77.381
S.L. Anauá
Uiramutã
Quadro 7 - População dos municípios de Roraima: 1991-2000.
Fonte: BRASIL. IBGE, Contagem de 1996, Censos de 1991 e de 2000.
No sudeste roraimense, o abandono dos lotes dos assentamentos, uma das fontes
de atração e o conseqüente avanço do gado e da extração madeireira têm ligação com esse
declínio populacional. Rorainópolis destoa dos demais, e o seu contraponto, de acordo com o
IBGE (BRASIL.Instituto..., 2000) fica no norte e no nordeste, municípios de Amajari e
Uiramutã. No primeiro, a população passou de 11.211 habitantes em 1991 para menos da
metade, 5.294 em 2000. No segundo, os números são 12.612 e 5.802 habitantes. O fenômeno
presente aqui é duplo: a questão das terras indígenas, que abrange integralmente os dois
municípios, com a contínua retirada de não índios, e de acordo com Vicente Joaquim (2003, i.
v.), o município de Amajari tinha recebido milhares de garimpeiros durante o grande surto do
garimpo que durou até 1991, ano do Censo.
225
Os números da relação urbano-rural também chamam a atenção: Vila Brasil, a
capital de Amajari tinha apenas 451 habitantes em 1996 e 799 em 2000. Em Uiramutã não se
passa diferente: 372 e 525 habitantes, respectivamente. Em São João da Baliza, parte da
população rural passa a urbana, invertendo os números de 1991 já em 1996, fenômeno que
permanece. Os números acima não são gratuitos, pois a dinâmica da população indica até
certo ponto se o ser humano está satisfeito no meio em que vive, se lhe é permitido ficar ou
sair e, quais são suas alternativas. Essas condições estão associadas aqui, seja nos municípios
onde o garimpo estava forte em 1991 ou onde os lotes rurais estão ficando vazios.
Outro indicador é o número de unidades comerciais e industriais que mostram a
fragilidade econômica dos municípios roraimenses, refletida na baixa arrecadação,
insuficiente para manter sua máquina administrativa, resultando numa crônica dependência
dos governos estadual e federal. No setor industrial, levantamento realizado recentemente pela
Federação das Indústrias do Estado de Roraima (FIER) identificou 431 indústrias no estado,
sendo 336 delas em Boa Vista (FEDERAÇÃO..., 2000, p. 18). No norte e nordeste do estado,
numa faixa que abrange os municípios de Amajari, Pacaraima, Uiramutã e Normandia
(FEDERAÇÃO..., 2000, p. 18), existem apenas seis indústrias, sendo cinco delas ligadas à
madeira. No sul e sudeste, onde estão Caracaraí e outros municípios que nasceram ao longo
da BR 174 e da 210 ou Perimetral Norte, os números melhoram: são 54 indústrias, sendo 23
de madeira, 11 de mobiliário e 8 de construção civil e terraplanagem. Na região central, Boa
Vista concentra 336 indústrias, enquanto Bonfim não tem nenhuma133.
O setor comercial também apresenta números chamativos (SEBRAE, 2002, [n.p.]):
Uiramutã tem 3 casas comerciais; Amajari 3, Pacaraima 27, o mesmo número de Normandia.
A concentração, como na indústria, dá-se na capital, Boa Vista, que sedia 1825 casas
comerciais, sendo 1745 delas de porte micro, 73 de porte pequeno, seis de porte médio e
apenas uma de porte grande. No eixo das BR 174 e 210, o antigo município de Caracaraí
lidera com 95 estabelecimentos, seguido de São João da Baliza com 81; Mucajaí com 68; São
Luiz do Anauá com 38; Rorainópolis com 29; Iracema com 17 e Caroebe com 14. Em todo o
estado.
133
Outro levantamento, realizado pelo Serviço Brasileiro de Apoio à Pequena e Média Empresa (SEBRAE) em
2002 (SERVIÇO..., 2002), aponta um total de 503 indústrias para Boa Vista. O estudo da FIER (2000, p. 16),
esclarece pelo menos parte para tão grande diferença de números, registrando que 62% das empresas cadastradas
na Secretaria da Fazenda do estado e na Junta Comercial do Estado de Roraima são empresas desativadas, sem
nenhum processo formal, “com endereço incorreto ou inexistente e falta de qualquer informação, por menor que
fosse, sobre determinada empresa”. Registre-se que a informalidade é um fato registrado em qualquer pesquisa
de campo em Roraima, como apontado no mesmo estudo (FUNDAÇÃO..., 2000, P. 17). Nos pequenos
municípios, no entanto, os números não diferem substancialmente.
226
A maioria quase absoluta do porte dos estabelecimentos comerciais e industriais
foi anotada como “micro”, o que pode ter vários significados. Primeiramente, há uma
tendência não só à informalidade total ou parcial do negócio, mas, no caso das indústrias,
também a uma diversidade de tarefas complementares e autônomas. Exemplo disso é o das
serrarias, onde o extrator da madeira, o toreiro e transportador não se identificam ou
aparecem, sendo que muitas vezes o próprio empreendimento funciona somente no tempo em
que as fortes chuvas de abril/setembro permitem a entrada na mata. Em Mucajaí,
Rorainópolis, São João da Baliza e São Luiz do Anauá, todas cidades às margens das BR 174
e 210, o número de serrarias, por exemplo, é sempre muito maior que o oficial, sendo os
fiscais do IBAMA freqüentemente acusados de autoritarismo e de serem inimigos do
progresso local. Todos esses municípios se originaram do movimento de colonização.
É notável que nos municípios nascidos de antigas colônias, o avanço da pecuária
em direção à floresta não é feito geralmente por pecuaristas “tradicionais”, mas
principalmente por comerciantes, profissionais liberais ou funcionários mais abonados. Estes
grupos, que incluem alguns indígenas, encontram no criatório um investimento mais seguro e
rentável para seu capital disponível. Diferentemente dos municípios onde a pecuária é mais
antiga, a expressão “pecuarista” muitas vezes soa mais como uma referência elogiosa, de
certo prestígio ou posição conseguida, do que a atividade econômica principal, tal como
observado em São João da Baliza134.
Desta forma, os rebanhos individuais não são muito numerosos, embora o
município tivesse em 1993 aproximadamente 11.800 cabeças (SERVIÇO BRASILEIRO...,
1994, p. 16), aumentando para 18.000 (BRASIL, Instituto, 2000, p. 3), no ano 2000. Uma
outra atividade econômica do município de São João da Baliza, tão informal que sequer
consta de levantamentos estatísticos, embora visível ao pesquisador, é o garimpo do ouro.
Este é praticado quase que esporadicamente por agricultores e pessoas ligadas a outras
atividades e tem ligações com os empresários de garimpos do lado do vizinho estado do Pará,
no Trombetas. Embora seja difícil avaliar valores, pode-se afirmar que essa atividade pouco
ou nada contribui para a dinâmica econômica do município, já que poucas pessoas dele se
beneficiam.
Destaca-se o fato de a população rural tender a tornar-se mais urbana, como entre
muitos exemplos, como já observado por Barros (1995), do proprietário deixar a família na
134
Exemplo disso é Sérgio Mamedes, funcionário estadual e pequeno criador de bovinos em São João da Baliza,
visitado em dezembro de 1995. Associado ao pai, adquiriu lotes vizinhos ao seu, não muito longe do centro
urbano e conseguiu auxiliares com tradição criatória. Simultaneamente, prosseguiu com seu trabalho na cidade.
227
cidade enquanto permanece por alguns meses na propriedade rural. Em 1995, em São João da
Baliza e São Luiz do Anauá, ambos com suas sedes situadas junto a diversas vicinais do
assentamento que deu origem aos municípios, observou-se que há facilidade para a ida e volta
diária dos donos de lotes rurais que residiam na cidade. Essa proximidade confunde o ruralurbano, embora não impeça evidentemente o avanço contínuo para a floresta, em busca de
outros lotes para os recém-chegados, que passam a reivindicar a abertura de estrada e de uma
infra-estrutura de atendimento. É comum também que famílias tenham duas residências,
ficando os filhos na cidade, inclusive na capital com a mãe, enquanto o pai permanece a maior
parte do tempo no campo.
É ainda usual deixar o lote aos cuidados de um parente ou vizinho, ou ainda
arrendar a terra ou simplesmente abandoná-la, mas o que tem causado problemas, inclusive
políticos entre pecuaristas e o INCRA, é a compra por estes últimos de lotes dos colonos, os
quais não poderiam, por lei, aliená-los135. Um dos resultados dessas transações, que ocorrem
também nas cidades, é a indefinição da propriedade, com a concentração de imóveis, de modo
informal. Por sua vez, isso leva a provocar, como em Mucajaí, a quase insignificância da
arrecadação de alguns tributos municipais, como o Imposto sobre Propriedade Predial e
Territorial Urbano (IPTU), o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e o Imposto
sobre Serviços (ISS). Dados relativos a 1995 (SERVIÇO..., 1998, p. 36) mostram que esses três
tributos somaram naquele ano 0,28%, 0,13% e 2,03%, respectivamente, da receita total. No
ano seguinte o índice do IPTU desceu para 0,14%, segundo a mesma fonte, enquanto como
antes, dois terços da receita era constituída pelo Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
Mucajaí é um dos mais antigos municípios roraimenses, mas a situação não é diferente nos de
criação mais recentes.
Os números sobre arrecadação municipal espelham também a indefinição
fundiária, a informalidade e a pura e simples sonegação, dadas as dificuldades de fiscalização
e a falta de uma tradição de cidadania que inclua o pagamento de tributos como norma.
Assim, cada vez mais se depende de repasses de recursos federais e estaduais, uma vez que a
população urbana aumenta continuamente e tende a exigir atendimento básico de saúde,
educação e moradia136. Num diagnóstico feito em 1993 em São João da Baliza ( SERVIÇO...,
135
Conforme já comentado, a questão da compra de antigos lotes coloniais por pecuaristas tem adquirido
repercussão na imprensa de Roraima com políticos e mesmo a mídia atacando o INCRA por tentar invalidar
juridicamente essas transações.
136
A construção de casas tem sido a grande preocupação dos prefeitos de Roraima, desde a capital a centros
menores como São João da Baliza. Uma simples observação direta comprova que este não tem sido um
problema irresolvido, pelo contrário, tem-se transformado num item de troca, política ou não. Em dezembro de
1995, o prefeito Paulo Barbosa, em informação verbal ao pesquisador, disse ser prioridade de sua administração
228
1993, p. 14), referindo-se ao item Receita, registra-se que: “São João da Baliza, a exemplo de
outros municípios do estado, não tem um nível de receita compatível com as despesas. A
arrecadação tem sido insuficiente para dotar sua população rural e urbana dos serviços
necessários” (SERVIÇO BRASILEIRO..., 1994, p. 14). A soma dos tributos municipais naquele
ano, conforme a mesma fonte, representou montava em 3,38%; os estaduais somavam 2,50%
e os restantes 94,12% tinham origem federal. Destes últimos, 29,93% do total eram “Recursos
a Definir” e 54,72% eram oriundos de “Outras Fontes”. A soma desses dois últimos números,
85,45%, mostra o grau de dependência de acordos e aliança políticas que prefeitos têm que
fazer parte, sob pena de ficar quase completamente sem recursos. Assim, cada prefeito é
forçado a uma dependência direta do governo do estado ou a um grupo político que lhe
garanta recursos federais137. Tal dependência, convém lembrar aqui, também se dá com o
estado de Roraima com relação ao governo central, já que não tem arrecadação suficiente para
suas despesas. Em 2000, o estado de Roraima só arrecadava 18% do seu orçamento, conforme
a Lei Orçamentária enviada ao Legislativo138.
REPASSE
MUNICÍPIO
ITR
LC 87/96
FUNDEF
580.406,83
6.394,15
5.186,78
116.642,13
708.629,89
5.294
133,85
Mucajaí
773.875,61
10.329,90
5.746,58
228.213,09
1.018.165,18
11.247
90,53
Pacaraima
S. J. da
Baliza
580.406,83
186,24
6.826,82
183.584,65
771.004,54
6.990
110,3
731.817,40
1.864,36
3.198,80
0,00
736.880,56
5.091
144,74
Uiramutã
580.406,67
12,20
5.178,37
245.405,08
831.002,32
5.802
143,22
3.246.913,34
18.786,85
26.137,35
773.844,95
4.065.682,49
Amajari
TOTAL
FPM
TOTAL
HABIT.
PER CAPITA
Quadro 8 - Transferências Constitucionais para alguns Municípios do Estado de Roraima em 2000139.
Fonte: SIAFI - Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal, 2004
a construção de casas para as famílias recém-chegadas.
Dois fatos ilustram a dependência da Prefeitura de São João da Baliza com relação ao governo estadual: 1);
Em 1995, o pesquisador, tendo trabalhado e residido na cidade como professor do campus local da Universidade
de Roraima, foi agraciado pela Câmara de Vereadores com o título de “Cidadão Balizense”. No entanto, a
entrega do título foi seguidamente adiada e acabou não ocorrendo pois isto era sempre feito pelo governador e
este não tinha agenda para visita à cidade;.2) em 1996, a Câmara de Vereadores cassou o mandato do prefeito
Paulo Barbosa (Guilherme Ramos, 1996, i. v.). Uma breve visita da senadora Marluce Pinto e uma nova reunião
do Legislativo local desfez tal medida.
138
Na Lei Orçamentária para o ano 2000, de um total de 459.627,343 reais, apenas 85.287.000 eram de receita
tributária, correspondendo a pouco mais de 18%, como já referido.
139
O Imposto Territorial Rural (ITR) é declarado por pessoa física ou jurídica dona de imóvel. O Imposto Predial
e Territorial Rural Urbano (IPTU) é imposto direto que incide sobre propriedade imobiliária. No geral, é uma
das principais arrecadações das prefeituras municipais brasileiras, mas em Roraima, percebe-se que sua isenção é
muito buscada e consentida. O Imposto sobre Propriedade de Veículos Autônomos (IPVA) é cobrado pelos
governos estaduais e repassado em parte para os municípios. O Fundo de Participação do Ensino Fundamental
Público (FUNDEF) é destinado exclusivamente à manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental.
137
229
A busca de alternativas econômicas, geralmente a tentativa de criação de
empregos, leva os prefeitos por vezes a favorecer ou defender atividades consideradas
predatórias do ambiente, como a garimpagem e a extração desordenada da madeira. Em busca
do lucro rápido o empresário com o apoio institucional local, justifica suas ações como
essenciais para o progresso do município e acaba entrando em choque com instituições
federais e não governamentais. Robert Schneider et al. (2000, p. 15), identificam nesse caso
um dilema para a comunidade: seguir o caminho conhecido como “boom-colapso”,
predatório, histórico na Amazônia e de rápido retorno, ou uma economia sustentável,
garantidora de vantagens a longo prazo. Os mesmos autores (SCHNEIDER et al. 2000, p. 2122) aconselham aos governos a estabilização da economia local e regional, evitando-se o
imediatismo dos governos locais, além de promover o estabelecimento ordenado da ocupação
regional e a estabilização do setor madeireiro.
Constam ainda das prescrições de Schneider et al. (2000, p. 30-31), que se
elimine a abundância da terra, que estimula o seu abandono, a migração e a garimpagem,
através da intensificação do zoneamento e a criação de Florestas Nacionais (FLONAS), além
de separar as fronteiras de exploração madeireira e agrícola. As medidas propostas são de
improvável aplicação em Roraima por contrariarem práticas de exploração predatória e
imediatista e um discurso político que associa desenvolvimento com livre exploração da
natureza.
Em resumo, a força e a fraqueza econômica e política nos municípios, são parte
da problemática do estado de Roraima. Este desfruta de uma posição geopolítica privilegiada
e dispõe de riquezas naturais das quais apenas algumas são passíveis de exploração sem
conflito com o Estado nacional, com as sociedades indígenas e instituições ambientalistas. Por
outro lado, estabeleceu-se um certo equilíbrio instável entre os dois níveis do Estado, o
nacional e o federativo, num regime em que o poder Executivo, para governar depende do
Congresso, cujos membros são oriundos na sua maioria dos estados menores.
Independente do afirmado, o governo federal dispõe de duas forças (BRASIL.
Ministério do Meio Ambiente..., 1995, p. 24) nos estados fronteiriços como Roraima: as
Forças Armadas e a Polícia Federal. As forças políticas locais procuram atrair os membros
das primeiras, com o discurso nacionalista da defesa da soberania. Os militares são saudados
sempre, inclusive pela mídia local, como os grandes defensores da fronteira e do território
nacional (Barros, 1995), enquanto a Igreja Católica, as ONG e entidades ambientalistas são
230
identificados como instituições estrangeiras (BARRADAS, entrevista, 2003; ITIKAWA,
entrevista, 2003) e agentes da internacionalização da Amazônia.
Dentro desse quadro, o Projeto Calha Norte, instituído em 1985, é valorizado
como uma garantia da manutenção da fronteira e uma trincheira da soberania e da ordem
interna. Um exame do mapa 10, adiante, mostra que a maior parte dos municípios
roraimenses tem terras indígenas e fazem fronteira com os vizinhos Venezuela e Guiana. Essa
última condição os coloca dentro do espaço abrangido pelo PCN, enquanto o governo do
estado, políticos e empresários locais procuram associar o problema das terras indígenas ao da
segurança. É a proclamação de uma nova geopolítica, onde o “inimigo” tem aliados internos.
5. 2. 2 Uma nova situação geopolítica: o Calha Norte e a questão indígena
Na atualidade, a ênfase dada ao PCN em Roraima serve ao discurso político
local, contrário à demarcação das terras indígenas em áreas contínuas e a um maior controle
ambiental. Daí sua valorização, identificando-o com a defesa da soberania nacional,
considerada como ameaçada pela ocupação estrangeira. É visível, no entanto, que novos
quartéis se instalam na fronteira e casas de militares são construídas todo ano, principalmente
em Boa Vista. Mas isso está ligado à transferência de pessoal e unidades do Sul para a
Amazônia, um inegável aumento de contingente que não pode ser confundido como
fortalecimento do Projeto em si, na forma que desejam seus agentes140.
Apesar da importância atribuída por estrategistas e autores geopolíticos
modernos como Aderbal Meira Mattos (1991), do destaque na imprensa e constantes citações
em obras sobre a política na Amazônia, o PCN não teve um papel transformador ou
estruturador em Roraima, um dos estados de sua abrangência. Resta pouca dúvida sobre o fato
de que as crises financeiras e políticas,141 além das novas diretrizes instituídas pela
140
Aqui, está se separando as funções de rotina dos militares na fronteira com o Projeto. Esta rotina, ao contrário
do PCN, não tem tido descontinuidade, o que permite desfazer qualquer equívoco de identificação.
141
As verbas para o Programa Calha Norte foram sistematicamente cortadas e praticamente se extinguiram em
1999, afirma o senador Mozarildo Cavalcanti (1999, p. 49-52, 19.03). Em plenário, o senador relata que o
Projeto abrange 69 municípios, dos quais 38 na fronteira e corresponde a 14% da superfície total do Brasil, mas
tem recebido poucas verbas desde 1986. Neste ano, teria recebido pouco mais de 14 milhões de reais, atingindo
em 1987 a 47,31 milhões; mas, afirma, a partir de 1991 os números foram diminuindo, chegando a pouco mais
de 4 milhões posteriormente. Outras fontes convergem na mesma direção. Segundo Antônia Márcia Vale foi
necessária uma emenda da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional do Senado para que o
Programa recebesse R$ 1,2 milhão, o que representa apenas 2,5% do recebido em 1989. O Plano Plurianual
2000-2003, diz a fonte, destinou perto de R$ 4 milhões. A falta de recursos foi também assunto constante dos
oradores no Seminário do Projeto em Boa Vista, em julho de 2001, o que leva ao raciocínio de que não se trata
de prioridade dos últimos governos brasileiros.
231
Constituição de 1988, como o reconhecimento dos direitos indígenas às suas terras
imemoriais, têm relação com o papel modesto de tão ambicioso projeto. No entanto, o PCN
tem alguma presença em Roraima, bem como participou, no final da década de 1980, do
grande avanço do garimpo para a área Yanomami, quando os empresários da mineração
utilizaram algumas das pistas abertas pelos militares.
O PCN, de acordo com Mattos (1991, p. 95-103), seria uma reação brasileira ao
fracasso do Tratado de Cooperação Amazônica, assinado em 1978 com os vizinhos limítrofes,
o qual mostrou-se inoperante. A iniciativa do Projeto, informa o autor (MATTOS, 1991, p.
96), foi do Conselho de Segurança Nacional (CSN), que encaminhou ao presidente Sarney
uma exposição de motivos, com base em eventuais conflitos fronteiriços entre alguns vizinhos
e “[...] a atual conjuntura do Caribe”. Essa preocupação se baseava em um fato concreto: a
invasão do território brasileiro por guerrilheiros colombianos, em abril de 1985, no município
amazonense de São Gabriel da Cachoeira. Em vista da possível repetição desse tipo de
ameaça, o presidente José Sarney nomeou um grupo interministerial de estudos, coordenado
pela Secretaria de Planejamento e composto por integrantes dos ministérios militares, das
Relações Exteriores e o do Interior. O Grupo concluiu que faltava infraestrutura em saúde,
educação, transporte, saneamento básico e riscos de contrabando e narcotráfico, além de
garimpos irregulares.
Na descrição de Mattos (1991, p. 96-97), o PCN abrange 14% do território
nacional e 24% da Amazônia Legal e atua em três Espaços Diferenciados: a faixa de fronteira
entre Tabatinga e Oiapoque; a Orla Ribeirinha dos rios Solimões e Amazonas e seus afluentes
e o Núcleo Interiorano ou Núcleo Regional. Projetos especiais deveriam ser criados em todas
as regiões, principalmente nas faixas de fronteiras, destacando-se entre outros, o trecho “[...]
da presença dos índios Yanomami, no noroeste de Roraima e ao norte do Amazonas”
(MATTOS, 1991, p. 97). Desses projetos, o que tem visibilidade são os quartéis, marcando a
presença do Estado nacional brasileiro nas fronteiras, sendo o de Surucucu, nas terras dos
Yanomami, um dos primeiros a serem instalados, em 1987.
De acordo com Becker (1998, p. 80), o PCN é uma continuação da militarização
da política de ocupação regional, cuja estratégia compreenderia a busca de solução para os
conflitos crescentes. Afirma essa autora (BECKER, 1998, p. 80-81), que o Projeto foi entregue
no seu início ao SADEN. A orientação do Projeto Calha Norte, informa ainda Becker (1998, p.
82): “[...] é garantir a presença estratégica e a movimentação tática das forças armadas no
232
controle sócio-econômico-militar da região, apaziguar conflitos e acelerar a produção
hidrelétrica”. Alguns dos conflitos que se pretende apaziguar com o Calha Norte, segundo a
mesma fonte são: o contrabando de ouro, convulsões políticas nos países vizinhos e América
Central, conflitos entre garimpeiros, índios e empresas e influência das missões religiosas.
Ainda segundo Becker (1998, p. 82), com o PCN foram lançadas bases para um
“ordenamento” de um imenso espaço e o lançamento de bases de uma nova sub-região: a
Amazônia Setentrional. Na atualidade, o Programa, mesmo administrado por militares, teve
que sofrer mudança em alguns de seus objetivos, dando-se ênfase, no discurso e na
distribuição de recursos, ao desenvolvimento regional. Nas palavras de seu gerente, coronel
Roberto de Paula Avelino:
O Plano tem os seguintes objetivos: aumentar a presença brasileira na área, criando
estímulos de desenvolvimento sustentável na região, ampliar as relações fronteiriças,
fortalecer a infra-estrutura de energia e telecomunicações, expandir a infra-estrutura
viária e hidroviária, fortalecer a ação governamental contra ilícitos, intensificar as
campanhas demarcatórias e promover a assistência e proteção às populações
indígenas” (RORAIMA SEDIA..., 2001, p. 07).
O gerente do Projeto aponta ainda que uma das principais metas é auxiliar os
municípios a encontrar o caminho para o desenvolvimento da Amazônia e que: “Na nova era
do Calha Norte foram aplicados 58% dos recursos em atividades de segurança e integridade
territorial e 42% em desenvolvimento regional” (RORAIMA SEDIA..., 2001, p. 7). Aponta
também que é preciso impedir o deslocamento das populações do interior para as cidades e
conseqüentemente o inchaço das capitais.
MacMillan, Furley (1994, p. 187-188), referindo-se à ação do governo federal
em Roraima, minimizam o papel do PCN, classificando-o como mais um dos Planos
governamentais para ocupação da fronteira, como foram os PND I, II e III, não atribuindo a
ele qualquer função transformadora, ao contrário do referido Decreto 411/69. Percebe-se que
há uma contínua ampliação das bases aéreas locais, como a de Boa Vista e melhoramento de
campos de pouso no interior, como o de Caracaraí. Vez por outra, a imprensa roraimense
noticia atritos nessas localidades entre índios e militares, um dos sintomas dos conflitos pela
terra; também se percebe que o papel atribuído ao PCN é muito provavelmente mais amplo
que suas possibilidades e recursos. Por outro lado, os tempos pós-regime militar impuseram
situações em muito diferentes da época em que projetos geopolíticos foram elaborados. Há
233
uma nova Constituição, novo contexto político interno e externo e até uma nova estrutura
organizativa das Forças Armadas, reunidas no Ministério da Defesa. O PCN está vinculado
hoje ao Departamento de Política e Estratégia, da Secretaria de Política, Estratégia e Assuntos
Internacionais e, nas suas reuniões nos estados da Amazônia, há sempre um espaço para as
autoridades regionais e locais e um tema comum: a falta de recursos.
Um retrato da situação do PCN, na atualidade, pode ser descrito a partir do
Seminário do Projeto realizado em Boa Vista em julho de 2001. O evento, amplamente
divulgado, com participação de 20 parlamentares federais e tendo como palestrantes o
governador de Roraima, políticos nacionais, militares e membros da Fundação Getúlio
Vargas, teve mais reflexo na mídia e em alguns restritos setores locais que junto a segmentos
supostamente interessados, como os prefeitos dos municípios fronteiriços. Embora
constantemente referidos como favorecidos pelo Projeto, os índios estavam ausentes, bem
como sociedades que com eles interagem, como a Igreja Católica e as ONG.
O evento foi marcado pela presença de parlamentares, como o senador gaúcho
Pedro Simon, que enalteceu o Projeto (SENADOR GAÚCHO..., 2001, p. 3). Uma das
expressões mais ouvidas no evento foi a parceria com os municípios. Estes, nas palavras do
gerente do Projeto, coronel Avelino, teriam cada um o seu Plano de desenvolvimento
Integrado Sustentável, com recursos repassados do Projeto, previstos em 480.000 reais
distribuídos entre os 15 municípios roraimenses, todos eles têm área abrangida pelo Projeto.
A partir de convênios com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Instituto de Pesquisas
Econômicas Aplicadas (IPEA), seriam realizados estudos sobre a Amazônia Setentrional.
Algumas das ações citadas chamam a atenção por serem também tarefas de outros órgãos
públicos e instituições político-administrativas, como a construção de salas de escolas,
distribuição de material escolar, construção de estação rodoviária na fronteira com a
Venezuela e apoio às comunidades indígenas.
Durante o Seminário, Roberto Cavalcanti de Albuquerque (2001, palestra), da
Fundação Getúlio Vargas, lembrou que os pólos do PCN abrangem 1,5 milhão de Km2, ou
seja, uma população de 2,7 milhões de habitantes; têm um PIB de 12 bilhões de dólares,
representando 1,5% do PIB nacional e um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de
0,669, contra 0,742 do nacional. Na faixa de fronteira, afirma ser o PIB 2.415 dólares e o IDH
0,577. A partir dessas realidades, Cavalcanti propõe estratégias de desenvolvimento. A
primeira, com os objetivos de: ordenar o processo de ocupação humana; acelerar o
234
crescimento econômico sustentável em termos ambientais; avançar no desenvolvimento
humano, com igualdade de oportunidades e mais bem-estar, menos pobreza e melhor
distribuição de renda. Uma segunda estratégia envolveria uma compatibilidade da anterior
com o Programa Avança Brasil, do governo federal.
Na exposição racional de Albuquerque, percebe-se o contraste entre o ideal
preconizado por técnicos e pesquisadores e as realidades políticas locais e regionais, que
acabam por tornarem pontuais e descontínuas as ações de projetos e programas. O
preconizado por Albuquerque e por outros palestrantes, envolve questões que dizem respeito
às populações tradicionais, como as indígenas e ribeirinhas, mas as medidas sugeridas não
apresentam avanço com relação às de outros Planos ou documentos oficiais que tratam de
uma política para a região, como a Agenda Positiva para a Amazônia, por exemplo, editado
no mesmo ano do Seminário. Mesmo lideranças como os prefeitos de Roraima, supostamente
os grandes beneficiários do PCN, não se entusiasmaram com o Seminário, talvez por já terem
participado de um outro anterior, em 1997, cujos resultados não tinham aqui visibilidade, seja
no referido evento ou na imprensa.
O Seminário serviu entre outras coisas, para mostrar as profundas divisões
políticas em Roraima, onde pontificam políticos como o senador Mozarildo Cavalcanti,
inimigo declarado da FUNAI, do IBAMA e das ONG e ardente defensor do Projeto no
Senado. Cavalcanti tem continuamente reclamado do corte de verbas para o PCN. Outro
defensor do Projeto no estado, o deputado federal Francisco Rodrigues teceu elogios ao
Projeto e manifestou expectativas otimistas142. A Igreja Católica, no mesmo veículo, através
do bispo diocesano D. Apparecido, declarou ser o Projeto problemático para as comunidades
indígenas, pois a proposta deste é povoar a fronteira com gente diferente, que não seja
indígena, consideradas estas como não confiáveis e por isto seus direitos são desrespeitados.
A crítica foi rebatida pelo coronel Avelino (INICIA HOJE..., 2001, p. 4) argumentando não
existir grandes problemas entre índios e Forças Armadas. Como indica o mapa 10, militares
que guardam a fronteira e índios ocupam o mesmo espaço e há relatos que informam que essa
convivência não tem sido tranqüila.
142
Rodrigues declarou à Folha de Boa Vista ( 02.07.2001, p. 4) que o Projeto iria mostrar quem realmente manda
na Amazônia, citando nominalmente Margareth Tatcher, Al Gore, Miterrand e Michael Gorbachev. Na época, a
então ex-primeira ministra britânica, o vice-presidente norte-americano, o presidente francês e o ex-presidente da
extinta União Soviética, respectivamente. Foram nomes citados pelo senador roraimense Mozarildo Cavalcanti
em discurso no Senado em 03.08.99 (CAVALCANTI, 2000, p. 11-12). O discurso de Cavalcanti denunciava,
como em outras ocasiões, o “perigo da internacionalização da Amazônia”.
235
Mapa 10 – Terras Indígenas em Roraima
Áreas críticas, junto às fronteiras: A - F
Áreas internas, não problemáticas:
1) Santa Inês; 2) Anaro; 3) Ponta da Serra; 4) Ouro; 5) Ananás; 6) Cajueiro; 7) Araçá; 8) Aningal; 9)
Boqueirão; 10 Truaru; 11) Anta; 12) Pium; 13) Mangueira; 14) Barata/Livramento; 15) Serra da Moça;
16) Jabuti; 17) Bom Jesus; 18) Manoá/Pium; 19) Moskow; 20) Muriru; 21) Canauamim; 22)
Tabalascada; 23) Malacacheta; 24) Sucuba; 25) Raimundão.
Fonte: Baseado em Funai, 2004.
Um fato ilustrador dessa situação polêmica, apresentou-se quando da realização
do Censo Populacional de 2000 em Roraima. Segundo o IBGE, houve resistências para
realizar os levantamentos do Censo em duas regiões de Roraima, uma delas nas terras dos
Yanomami, onde ocorreu:
236
A imprudência inadvertida de nossa parte em levar os cartazes de divulgação do
Censo, julgados por nós como cativante a eles – um deles ‘O Brasil quer saber
quantas estradas o Brasil precisa’ – causou enorme resistência, uma vez que os
indígenas tradicionalmente são visceralmente contra estradas e no caso dos
Yanomami, lutam a décadas contra o projeto militar denominado Calha Norte”.
(BRASIL. Instituto..., Censo Roraima 2000, mimeo).
No norte do estado, principalmente no município de Uiramutã, segundo o mesmo documento,
embora reuniões tivessem sido feitas com a FUNAI e lideranças indígenas, apenas cinco das
quinze comunidades indígenas puderam ser recenseadas. Neste último caso, o problema é que
ali ocorrem as disputas pela demarcação das terras dos índios Macuxi, Wapichana, Ingaricó e
Taurepang. O problema nesse caso não é com os militares, mas com pecuaristas e arrozeiros,
principalmente, no entanto, esses exemplos mostram que a intervenção das autoridades,
mesmo que seja um levantamento populacional, é mais problemática do que pode parecer.
O Relatório do Seminário, terminado meses após sua realização, não foi
divulgado à imprensa nem aos seus participantes, mas localmente se pôde avaliar alguns de
seus reflexos, durante e logo após o evento. Em uma pausa das palestras, Rubens Barreto
(2001, i. v.), antigo comerciante de equipamentos para garimpo, lamentou ao pesquisador que
houvesse tão pouca freqüência e repercussão em um acontecimento de tão grande
importância, que garantia a defesa do Brasil de entidades estrangeiras. Abordou e apresentou
um grande proprietário rural de Roraima: Agamenon Magalhães, de tradicional família local.
Rubens declarou que Magalhães deveria estar sentido com os estadunidenses, já que estes
estariam por trás da ação de abandono de suas fazendas em terras entregues aos índios
Yanomami. Magalhães (2001, i. v.), responde da seguinte forma: “Não, as coisas não são bem
assim, os americanos são um povo de vencedores, e eu adoro vencedores”. Acrescenta ser um
homem rico e feliz, com parentes que trabalham na burocracia do estado e um filho dono de
empresa de terraplanagem, o que o orgulha, apresentando cartão da mesma143.
O discurso valorativo do Projeto parecia também ter pouca força junto a alguns
setores políticos locais. Dias após o término do evento, a imprensa apontava que nenhum
prefeito compareceu para discutir sobre o Projeto (PREFEITOS NÃO SE..., 2001, p. 4), num
encontro organizado pelo governo do estado. Apenas o município de Uiramutã enviou um
representante. Este tem 100% de seu território situado em terras indígenas, advindo daí
143
Trata-se da empresa Terrareta – Terraplanagem e Pavimentação Ltda., sita em Boa Vista. Empresas de
pavimentação e terraplanagem são consideradas o grande filão de verbas junto ao governo estadual, já que
Roraima tem mais de 3.000 Km de rodovias, as quais, em razão de meio ano de chuvas intensas, estão quase
sempre em obras.
237
problemas que espera resolver com a ajuda do PCN, como a questão fundiária e o
melhoramento da estrada principal que dá acesso à sede do município.
Ao pesquisador das políticas públicas, não escapa o fato de que há, com o PCN,
uma superposição de projetos, objetivos e funções entre as diversas instâncias administrativas.
Exemplo disso é o desconhecimento da existência do CONAMAZ, por onde, teoricamente e
administrativamente, deveriam passar todos os programas e projetos ligados à região
amazônica. No documento intitulado Política Nacional Integrada para a Amazônia Legal, do
Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, através de sua
Secretaria de Coordenação dos Assuntos da Amazônia Legal, aprovado pelo CONAMAZ em
1995, foi estabelecido que este, com o auxílio dos ministérios, dos demais órgãos e das áreas
afins, seria a base de um Projeto Amazônico. Também seria compatível com outros projetos
regionais e contaria com a cooperação das Forças Armadas e da Polícia Federal.
O CONAMAZ é formado por praticamente todos os ministros e governadores dos
estados amazônicos, assim, há uma lógica numa articulação de políticas quando se trata do
desenvolvimento da Amazônia. Ambos os projetos estão, pois, tratando do desenvolvimento
regional, tal como prescreve o art. 3º, II e III itens da Constituição, respectivamente, garantia
do desenvolvimento nacional e a erradicação da pobreza e a marginalização e redução das
desigualdades sociais e regionais. Assim, percebe-se que o Estado nacional brasileiro, mesmo
quando dispõe de uma estrutura como a militar, não tem como resolver problemas locais e
regionais, mesmo que representantes das instituições finalísticas afirmem em contrário.
5.2.3 Os anos de 1990: conflitos e impasse – uma síntese
As relações de poder em Roraima, a partir de 1990 refletem, sobretudo, as grandes
mudanças no Brasil desde os anos pós-1964. Autores, como Becker, Egler (1994, p. 169),
afirmam que o Brasil entrou na modernidade com o projeto geopolítico do Brasil-Potência,
elaborado e gerido pelos militares, o qual deixou marcas profundas sobre o espaço e a
sociedade nacionais. Por outro lado, num período de tempo relativamente breve, a
redemocratização fortaleceu lideranças antigas e novas e, após 1988, abriu-se um espaço
político-institucional em todos os níveis.
Em Roraima, esse processo transformador provocou também uma continuidade. A
mudança foi acompanhada da chegada de novos agentes, mas a conjuntura nacional produziu
238
também uma continuidade de processo. A anterior crise do governo militar levou à
valorização do voto nos territórios e estados menores, favorecendo os governadores e seus
programas políticos. Mas a opção do governo Sarney pelo social proporcionou recursos à
continuação de projetos populistas e clientelísticos em Roraima, justamente quando milhares
de garimpeiros e colonos ali chegavam em busca de uma nova vida.
Já no início do primeiro governo civil (SKIDMORE, 2000, p. 556), mesmo os
dados oficiais do governo indicavam que, no fim do período militar, havia uma imensa dívida
social e uma cobrança da mesma feita pela imprensa, por intelectuais, pela Igreja e outras
instituições. Em 1986, ainda segundo Skidmore (2000, p. 556), o presidente José Sarney
(1985-1990), após o relatório do professor Hélio Jaguaribe, resolveu implantar um novo Pacto
Social, com o aumento substancial nos investimentos em programas sociais144.
O Estado havia, pois, mudado suas prioridades, enquanto os movimentos sociais
se expandiram pelo país sem medo da repressão e as lideranças locais e regionais iam se
reorganizando e recuperando seu antigo poder. Em Roraima, como exposto até aqui, houve
um processo um tanto diferenciado do geral. A intervenção do governo Sarney no território
após uma grave crise do primeiro governo territorial pós-período militar é interpretada aqui
como fato extemporâneo, pois como comprova o não controle do movimento garimpeiro para
Roraima, então ascendente, o Estado estava saindo do cenário local..
A prioridade do governo Sarney, destinando parte do PIB nacional para o social,
beneficiou os governantes roraimenses, como Romero Jucá (1988-1989). Este investiu
recursos em obras urbanas e sociais, incorporando parte do novo eleitorado formado por
milhares de garimpeiros e outros migrantes que continuavam a chegar. A população urbana
explodiu, principalmente a de Boa Vista, como já comentado, enquanto novos bairros
residenciais nasciam rapidamente.
O projeto econômico do governador estava voltado para a mineração a ser
explorada industrialmente, mas cuidou também de preparar sua base política futura. Jucá
aproveitou um momento que se indicava propício, já que as lideranças locais não tinham
como, sozinhas assumir o novo papel que as mudanças propiciavam e a antiga aliança com os
políticos do Amazonas já não funcionava. Com os mesmos objetivos, o ex-governador
144
Segundo Skidmore (2000, p. 556), Sarney prometeu aplicar no social 12% do PIB nacional. A inflação que se
seguiu nos anos posteriores e a inclusão de itens na categoria do social impedem a citação aqui de um índice,
mas é inegável que Roraima recebeu recursos vultuosos, aplicados na construção de milhares de casas urbanas,
antes mesmo do governo Jucá.
239
Ottomar também voltou ao território, sendo eleito deputado federal, juntamente com sua
esposa, Marluce Pinto. Em torno das lideranças de Jucá e Ottomar o poder em Roraima foi se
estruturando, cuja definição institucional se daria na primeira eleição geral, em 1990.
A década de 1980 (ALMEIDA, 1994) mostrou que movimentos populares,
inclusive rurais e indígenas, podem ser organizados e ter ouvida sua voz, dentro e fora do
Brasil. A partir daí os grupos sociais e étnicos, antes quase invisíveis, e não apenas grupos
mais homogêneos e mais fortes, como os ruralistas, puderam mostrar sua força e influir na
feitura de leis e exigir seu cumprimento. Em Roraima, essas duas forças caminhavam para o
confronto, já que os grupos de interesse novos e antigos defendiam, como hoje, uma
economia baseada no imediatismo predatório, enquanto a sustentabilidade tem o apoio formal
do Estado nacional e instituições brasileiras e internacionais.
A eleição para governador foi simultânea à de senadores, deputados federais e
estaduais. Os números revelam o momento em que se abriu um espaço político-institucional
para todos os tipos e tendências de lideranças, locais e recém-chegadas. Eram três vagas ao
Senado,145 oito à Câmara Federal e vinte e quatro à Assembléia Legislativa 146. Um historiador
local (OLIVEIRA, 1991, p. 30) anota que: cerca de 85.000 eleitores compareceram às urnas;
eram 17 partidos registrados, formando alianças; seis dos candidatos para governador; 21 ao
Senado; 55 à Câmara Federal e 236 à Assembléia Legislativa.
O perfil profissional dos eleitos para o legislativo estadual está mais representado
por empresários e profissionais liberais que os das economias tradicionais, isto é, o comércio
e a pecuária. Embora os números obviamente não representem a rigor as ocupações ou
posições sociais e profissionais, isso mostra que o universo político já não era o mesmo de
décadas anteriores. Muitos vereadores de Boa Vista foram “promovidos” politicamente, tal
como aconteceria com muitos prefeitos nas eleições seguintes. Antigos ocupantes de cargos
no território também obtiveram êxito.
Um rápido exame do resultado da eleição através de Oliveira (1991) e Silva Jr.
(1994) revela alguns dados relevantes, como no caso dos deputados estaduais, no Quadro 10.
145
Como era a primeira eleição para o Senado no estado, de acordo com a legislação, o primeiro mais votado
teria mandato de oito anos, enquanto o segundo e o terceiro colocados teriam mandato de apenas quatro anos.
146
De acordo com a constituição de 1988, um estado federativo com menos de 600.000 habitantes só poderia ter
dezessete deputados estaduais. Na legislatura seguinte isso foi seguido à risca em Roraima, mas em 1998 o
número voltou para 24 deputados, o que permanece desde então.
240
ATIVIDADE
Empresário
Comerciante
Médico
Advogado
Veterinário
Dentista
Radialista
Engenheiro civil
Pecuarista
Funcionário
público
Outra
Total
ESTADO DE ORIGEM
08
01
03
01
01
02
02
01
01
Roraima
Maranhão
Pernambuco
Rio Grande do Sul
Rio Grande do Norte
Paraná
Ceará
Mato Grosso
Amazonas
São Paulo
CARGO ANTERIOR
07
04
02
03
02
02
01
01
01
01
Vereadores
Funcionário Municipal
Secretario Território
Prefeito Municipal
Estreante na política
Tentou Câmara em 1988
07
02
03
01
07
04
01
03
24
Quadro 9 – Componentes da Primeira Assembléia Legislativa de Roraima: 1990.
Fonte: Baseado em Oliveira, 1991.
(*) Há casos em que a biografia registra duas ou mais atividades, caso de um empresário e advogado
e um outro que é também professor. Considerou-se apenas a atividade em exercício na época da eleição.
(**) Todos os vereadores a que se refere o Quadro eram da Câmara Municipal de Boa Vista em 1990.
Quanto aos postulantes aos outros cargos, alguns eram até então completamente
desconhecidos, como os empresários Moisés Lipnik e João Lyra, ambos tentando vaga ao
Senado. O primeiro era aliado de Ottomar, o segundo, de Jucá. O ex-governador Hélio
Campos seria eleito ao Senado, após sucessivas derrotas à reeleição para a Câmara Federal e
uma à prefeitura da capital. A segunda vaga ao Senado seria ganha por Marluce Pinto, e a
terceira seria ocupada pelo médico e ex-vereador César Dias. (OLIVEIRA, 1991, p. 35).
Nenhum dos eleitos ao Senado e à Câmara Federal era da terra, nem o governador e seu vice,
bem como dois terços da Assembléia Legislativa, como se observa no Quadro 10. O
empresário paulista Wagner Canhedo foi o suplente de Marluce ao Senado, o que levantou
polêmicas em Roraima e na imprensa nacional147.
Os interesses familiares foram, em parte, ratificados com essa eleição. O grupo de
Romero Jucá elegeu também a esposa deste, Tereza, a mais votada para deputado federal e
metade dos cargos ocupados foi de seus aliados, o mesmo não se considerou inteiramente
derrotado, tendo declarado em discurso após o término das apurações: “Enfrentamos Villar,
Getúlio, Neudo Campos, Roberto Dagon, D. Aldo Mongiano e Fernando Collor de Mello”
(INTERIOR ELEGE..., 1990, p.1). Outra família, tradicional, a Cruz, teve menor sorte, não
147
Wagner Canhedo, dono da empresa Viação Aérea São Paulo (VASP), segundo a revista Visão de 31 de
outubro de 1990, assumiria o cargo após a renúncia de Marluce, em troca do apoio financeiro à campanha de
Ottomar. O fato não ocorreu.
241
elegendo Getúlio para o governo do Estado nem seu irmão, Salomão, para a Câmara Federal.
Neudo Campos era empresário do ramo imobiliário e da engenharia148. Roberto Dagon foi o
candidato do PT ao governo no primeiro turno, enquanto Mozarildo, então aliado de Ottomar,
de quem tinha sido secretário, era deputado federal e concorreu ao Senado. D. Aldo Mongiano
era bispo diocesano, e defendia os direitos dos índios, combatendo as pretensões de
pecuaristas e garimpeiros.
O expressivo número de candidatos ocorreria também nas eleições legislativas
estaduais seguintes: 173 em 1994; 273 em 1998 e em 2002 o total somaria 547149. O menor
número de candidatos em 1994 talvez se dê em razão da diminuição de 24 para 17 deputados
estaduais, o que foi revertido em 1998, numa re-interpretação da Constituição Federal. É
perceptível que a disputa para o legislativo estadual é uma das principais preocupações do
governador, mas logo após as eleições comumente ocorre a troca de partidos, principalmente
pelos estreantes no cargo.
Para a Câmara Federal, Tereza Jucá se elegeu com folga para deputada federal,
“puxando” o aliado João Fagundes, militar da reserva, ex-deputado e defensor intransigente
do garimpo no Congresso, além de desafeto de Ottomar. Os outros eleitos foram Francisco de
Assis Rodrigues, Marcelo Souza Cruz, Alceste Madeira e Ruben da Silva Bento. O primeiro
era engenheiro agrônomo e empresário agropecuário, o segundo era engenheiro civil e antigo
secretário de obras de Pernambuco e de transporte em Roraima, o terceiro era médico e
empresário da saúde, enquanto o último, irmão do prefeito Barac Bento, era vereador e
bancário.
As eleições de 1990 foram relativamente tranqüilas (OLIVEIRA, 1991), mas seus
resultados não agradaram a todos. Ottomar tentou cassar a candidatura de César Dias, aliado
de Jucá, o que beneficiaria Moisés Lipnik, de seu partido, quarto colocado na votação. João
Lyra ficou em quinto lugar, e em sexto Mozarildo Cavalcanti, então deputado federal pelo
território (SILVA Jr., 1994, p. 271). Segundo a mesma fonte, muito próximo deste, seguiu-se
o líder dos garimpeiros, José Altino Machado,150 ficando à frente do ex-prefeito da capital,
Robério Araújo. Concorreram ainda ao Senado antigos líderes políticos e ocupantes de cargos
148
Cadastro Industrial da Associação Comercial e Industrial de Roraima (ACIR, 1988).
Alexandra Sampaio, Folha de Boa Vista, 2002, p. 04.
150
Segundo Berno de Almeida (1994, p. 525), Machado tinha sido presidente da União dos Sindicatos e
Associações de Garimpeiros da Amazônia Legal (USAGAL). Apresentava-se como garimpeiro do Tapajós,
escrevendo em jornais como o Jornal do Brasil em abril de 1989 contra anteprojeto de Lei que regulamentaria a
atividade garimpeira, enviado à Presidência da República pela Secretaria de Assessoramento e Defesa Nacional
(SADEN). Foi também um dos organizadores do Encontro de Garimpeiros de Roraima naquele ano.
149
242
ao tempo do território, como os deputados do território Alcides Lima e Francisco das Chagas
Duarte, que obtiveram pouca votação.
No primeiro turno para governador (SILVA Jr., 1994, p. 271) o ex-governador
Getúlio Cruz, então no PSDB, ficou em terceiro lugar, com 12,23% da votação. Neudo
Ribeiro Campos, Robert Dagon da Silva e Belgerac Vilela Batista tiveram respectivamente
4,40, 1,73 e 0,05% dos votos. Os resultados não foram bons para a família Cruz, já que
Salomão, irmão de Getúlio, embora com votação expressiva para deputado federal
(SALOMÃO CRUZ..., 1990, p. 3) acabou não se elegendo em razão da legenda.
Dois anos após, diferente de 1990, as eleições para prefeito em sete municípios,
inclusive em Boa Vista, foram tumultuadas. O pleito na capital acabou sendo adiado de
outubro para o mês seguinte, quando saiu vencedora Tereza Jucá, derrotando o candidato de
Ottomar, Alceste Almeida, que tinha como vice Neudo Campos (CANDIDATOS
AGUARDAM..., 1992, p. 11). Alguns dos nomes dos novos prefeitos e vereadores
despontariam posteriormente na política estadual, como Nertan Reis e Gelb Pereira, que
obtiveram dois terços dos votos para prefeito de Alto Alegre e Normandia, respectivamente,
além de alguns vereadores. Destes, destacam-se Urzeni da Rocha Freitas, Homero de Souza
Cruz Neto, Mecias de Jesus e Francisco Flamarion Portela (SILVA Jr., 1994, p. 273-274).
Todos deputados nas eleições posteriores, sendo que este último seria vice-governador a partir
de 1998 e governador eleito em 2002.
Nas eleições de 1994 para governador, Ottomar apoiou seu secretário de Obras
Neudo Campos, que se sagrou vencedor. Nesse ano o número de deputados estaduais
diminuiu para dezessete,151 e houve mudança substancial de nomes na composição do
legislativo estadual e no federal. Já era possível ali identificar melhor quem dispõe de mais
recursos ou apoio para enfrentar seguidos e caros embates eleitorais. Isso se verificou
principalmente nas disputas como para governador, quando Neudo Campos, rompido com
Ottomar, reelegeu-se em 1998 mas não conseguiu eleger o prefeito da capital em 2000, o
empresário Carlos Coelho, derrotado por Tereza Jucá. O então prefeito, Ottomar, foi também
candidato, ficando em segundo lugar. O surgimento de uma terceira força política, nascida no
meio do poder na década de 1990, mostrou apenas que havia mais um grupo nas disputas, não
151
De acordo com o artigo 27 da Constituição Federal (Brasil, Constituição Federal, 1988), o número de
deputados estaduais corresponderá a um triplo dos federais por estado membro, até o número de trinta e seis,
acrescidos de tantos quantos forem os deputados federais acima de doze. Os limites de número são fixados pelo
artigo 45: não menos que oito nem mais que setenta deputados federais por estado. Assim, o número de 24
deputados estaduais em Roraima, permanece.
243
uma hierarquização com a hegemonia de algum setor político-econômico. Isso seria
demonstrado nas eleições de 2002, onde Neudo Campos, candidato ao Senado, ficou em
quarto lugar, enquanto seu vice, Flamarion Portela, elegeu-se governador.
Apenas passadas as eleições de 1990, foi formada a Comissão de Assuntos
Fundiários e Indígenas na nova Assembléia Legislativa. Como as comunidades indígenas e
seus aliados mostravam disposição de defender o que a Constituição lhes garantia, estava
assim formado o campo para uma disputa em que ninguém quer ceder. O diagrama 1 mostra
como esse processo se construiu.
Evolução Política
1943: Território Federal
1970-1979: Geopolítica e desenv.
1979-1985 – Fortalecimento local
1985: Redemocratização
1988: Estado federativo
Atividades Econômicas
Agropecuária e extrativismo
Madeira
Mineração (garimpo)
Comércio e Serviços
Instituições de controle
Estado Nacional
Ambientalistas
Comunidades Indígenas
Entidades confessionais
Organizações não governamentais
Grupos de pressão
Grupos políticos estaduais
Grupos locais
Grupos nacionais
Conflitos e impasses
Diagrama 1 – Os caminhos dos conflitos e impasses na década de 1990
244
No seu conjunto, os grupos de interesses roraimenses, heterogêneos em natureza,
objetivos e em força, não se identificam ou se apóiam em siglas partidárias, já que essas,
sempre numerosas, não costumam ter estabilidade ou identificação com nomes de líderes
locais152. É uma situação generalizada, pois os membros dos grupos políticos que mediam os
grupos locais de interesse ou de pressão com o governo central não costumam ficar muito
tempo num mesmo partido, já que necessitam ficar sempre próximos do poder central. Esse
desligamento partidário, como anota Pasquino (1982, p. 17-18), dá-se porque os partidos
tendem a concentrar os problemas políticos em larga escala, numa medida não muito
freqüente e em ocasiões limitadas às eleições.
Como esse espaço é o de um estado autônomo, mas não soberano, há necessidade
de articulação com grupos com comunicação de nível regional e nacional, formado
principalmente por parlamentares federais ou que tenham ascendência sobre esses. A
institucionalização e a legitimação do poder passaram a ser perseguidas por diversos grupos
políticos de abrangência estadual, mas apenas dois deles conseguiram se firmar, recebendo
ambos adesões e sofrendo divisões nos anos seguintes. Da estrutura institucional e do
processo legitimante, nasce uma rede de compromissos, como observado no Fluxograma 1.
Prefeitos,
Vereadores
Deputados Estaduais
Governo
Estadual
Governo
Federal
Grupos Políticos:
Ottomar, Jucá, Neudo,
Parlamentares Federais
de RR, Militares
Empresários, arrozeiros,
comerciantes, pecuaristas,
Ass. de classe,
empreiteiros
Fluxograma 1 – As redes de compromisso em Roraima
152
A exceção é o PTB, partido sempre presidido ou controlado por Ottomar Pinto, mas seu grupo, como os
outros, sempre se valeu de alianças de diversos partidos.
245
No âmbito da economia o centro da questão é o problema da terra indígena. Mas,
embora essa luta em Roraima seja antiga, ela não se dá, como em outras partes do Brasil,
entre camponeses e latifundiários ou grandes empresas agrícolas. O embate atual se dá entre
índios e seus aliados, contra os interesses na exploração e expropriação. Para o índio, a terra
tem um valor simbólico, que ultrapassa o econômico e mesmo o cultural do não-índio. Essa é
mais uma diferença da situação das terras abertas pela colonização, que adquiriram maior
valor de troca que de uso e que passam paulatinamente a outros donos. A distância entre o
pioneiro e o natural da terra transparece através da diferença de racionalidade, que se reflete
nos conflitos e até nas formas de organização, seja da resistência seja pelas formas de luta.
Muito pouco presente, o grande proprietário não é tido como uma ameaça ao
camponês que tenha uma pequena gleba em qualquer parte do estado. Atuando dentro de sua
racionalidade, o camponês sabe da facilidade para adquirir outra terra, graças à
disponibilidade dessa ou ainda, tem a opção de mudar para a cidade, onde obterá uma casa
popular sem grandes dificuldades. Em resumo, dos agentes que dependem da terra em
Roraima, apenas o índio teme a expansão do gado, da mineração, da exploração da madeira e,
mais recentemente, do arroz de plantio irrigado.
Os grupos de interesse mais ligados ao setor econômico, na forma de associações
de classe são: Associação Comercial e Industrial, Federação da Agricultura, Sindicato da
Construção de Estradas, da Construção Civil, Associação dos Pecuaristas, Associação dos
Produtores de Arroz Irrigado, Sindicato dos Madeireiros, Sindicato dos Lojistas e outros
menores. Com origem nos movimentos sociais, existe o Sindicato dos Garimpeiros, o dos
Assentados, o dos Artesãos. Com origem próxima a estes, mas divergindo frontalmente do
dos Garimpeiros, existem diversas associações indígenas, algumas ligadas à Igreja Católica.
Esta, lutando em favor das minorias étnicas, têm se constituído na maior força que bate de
frente com os agentes políticos e econômicos, que têm o apoio dos governantes de Roraima.
Sua ação não é tanto direta, como através do CIR, fundado em 1985.
De acordo com Rodrigues (1996), o CIR tem o apoio de 70 comunidades
indígenas, sendo individualmente a mais forte associação indígena do estado. No âmbito do
CIR, foi criada a Secretaria de Mulheres (SIMONIAN, 2001, p. 27), e a Associação das
Mulheres Indígenas de Roraima (ADMIR). Políticos e empresários têm procurado enfraquecer
o CIR, apoiando outras associações concorrentes, como a Associação dos Povos Indígenas de
Roraima (APIR), dissidência do próprio CIR, segundo Rodrigues – formado por índios
246
Macuxi, Taurepang, Ingaricó e Wapichana. Há ainda diversas outras organizações indígenas
(SIMONIAN, 2001) tais como a Organização das Mulheres Indígenas de Roraima (OMIR), a
Organização dos Professores Indígenas de Roraima (OPIR), a Associação Regional Indígena
do Quinô e Monte Roraima (ARIKON) e outras mais recentes. Essa divisão não se dá em
razão das divisões étnicas, mas por causa da cooptação e diversidade de interesses entre os
próprios índios. O maior exemplo da divisão é a questão da demarcação das terras indígenas,
já que o CIR e seus aliados só aceitam que isso seja feito em área contínua ( SIMONIAN, 2001;
SANTILLI, 2001), enquanto outras lideranças defendem que isso seja feito em ilhas.
Em
permanente
interação
com
grupos
e
associações,
as
instituições
administrativas federais, como o INCRA, o IBAMA e principalmente a FUNAI, a Igreja e
algumas instituições ambientais externas, estão em permanente linha de fogo. Isto ocorre
como resultado do constante discurso deslegitimador das lideranças contrária ao controle do
acesso livre às terras indígenas e de preservação. Diretamente, a deslegitimação é feita em
quatro direções: pelo ataque aos órgãos da administração federal, encarregados do controle,
que estariam agindo em desacordo com os interesses legítimos do estado e da população
local; pela deslegitimação do próprio índio, não aceitando a indianidade deste ( PRÉCOMA,
entrevista, 2003), já que o mesmo fala a língua nacional e absorveu parte substancial dessa
cultura e deslegitima-se por fim a ação de toda e qualquer instituição estrangeira, como
intervenção indevida na soberania nacional.
De forma indireta, a deslegitimação é feita a partir da luta parlamentar para a
mudança da legislação atual ou, sua reinterpretação. Dessa pressão junto ao Executivo federal,
dependente de votos de congressistas para aprovar suas ações, resultam o não cumprimento de
decisões já tomadas, como a Portaria 820/98 do Ministério da Justiça e, a aprovação do
Decreto 1775/96. O primeiro documento, assinado em 1998, trata da delimitação da Terra
Indígena Raposa/Serra do Sol, que causou um movimento contrário ao seu cumprimento em
Boa Vista.
Na ocasião, percebiam-se cartazes em carros e pinturas em muros com a
expressão: “Fora FUNAI” e até uma música alusiva foi gravada por conjunto popular, sendo
apreendida pelo Justiça local por ter conteúdo discriminatório ao índio153. O Decreto 1775/96,
assinado em 8 de janeiro de 1996, substituiu o Decreto 22, de 04 de fevereiro de 1991, dando
nova forma aos procedimentos administrativos da demarcação das Terras Indígenas,
153
A música, gravada pelo Conjunto musical roraimense Pipoquinha de Normandia, com o refrão: “Terra
contínua não”.
247
introduzindo o contraditório. Visto através de seus resultados, os dois documentos mostram
que o Estado Nacional perdeu o poder da decisão, inerente, segundo Lasswell, Kaplan (1982,
p. 27-28), ao poder do Estado. Essa decisão, segundo os autores ( LASSWELL, KAPLAN, p.
27-29) pertence a quem detém o poder e o exerce, sendo o cumprimento da mesma garantida
pela ameaça implícita de sanções severas. Uma tradução funcional da concepção do legítimo
uso da força no modelo weberiano, ou, no modelo de Dallari, um exemplo dos problemas
enfrentados pela federação.
Mostrar que tem a decisão e que faz bom uso dela é uma antiga forma política de
legitimação: o governante deve mostrar que está trabalhando para o bem de todos. Isto é feito,
geralmente, através de construção de obras de infraestrutura, que passam a ter uma
visibilidade forçada, através de intensa publicidade oficial. Em Roraima, a década de 1990 se
iniciou com construção de milhares de casas populares, mas terminou com a chegada da
energia elétrica de Guri, na Venezuela, com o asfaltamento da BR 174, ligando Manaus
àquele país de forma mais eficiente e, ainda, com a construção de ponte sobre o rio Branco em
Caracaraí, junto à mesma rodovia.
O discurso do aumento de empregos e de renda e, principalmente, do progresso, é
assim reforçado. O caminho para a instalação de indústrias e lavoura capitalizada, com boas
estradas e energia abundante foi aberto, sendo que a primeira fábrica de papel, que deve em
tese resultar em 6.000 empregos já iniciou a plantação de árvores. Enquanto que,
significativamente, o fato dos índios venezuelanos terem destruído algumas torres da linha de
transmissão de energia que passam por suas terras foi explorado como interesses
internacionais contrariados (INTERESSES INTERNACIONAIS..., 1999, p. 10). O poder local
dá a entender que é o dono da decisão, não revelando informações outras, de que a decisão
veio principalmente de um nível mais alto e tem objetivos mais amplos.
Visentini (1995, p. 65-72) registra que a integração energética Brasil-Venezuela é
produto de vários acordos binacionais e de reuniões da Comissão Binacional de Alto Nível,
na qual o denominado Grupo II, tratava especificamente do problema da energia entre os dois
países. O assunto foi dividido em dois itens: petróleo e energia hidrelétrica. O Brasil
aumentou desde 1994 sua compra de petróleo venezuelano, que passou de 6.000 para 100.000
barris diários e estudos foram feitos para troca de tecnologia entre a Petrobrás e a Petróleo de
Venezuela S.A. (PDVSA), a estatal venezuelana do setor. O autor informa ainda (VISENTINI,
1995, p. 66), que outros estudos do Grupo técnico incorporaram a viabilidade da extensão de
248
uma linha de energia entre Guri e Manaus. O poder central financia, pois, a legitimação do
poder local, ao mesmo tempo que paga o preço pela não solução de outros problemas.
O problema da energia na Amazônia está tendo solução diante de outras
alternativas, como o gás natural da região. O problema da terra, em especial da terra indígena,
é muito mais complexo, pois envolve, neste último caso, interesses muito mais que
econômicos. Entrelaçado com as problemáticas ambiental e social, ultrapassando as fronteiras
políticas, o problema da terra merece ser tratado com mais importância do que tem tido até
aqui.
249
6 CONCLUSÃO
As realidades políticas, econômicas e sociais de Roraima refletem, acima de tudo,
a intervenção do Estado Nacional em diversos momentos. Até 1970, tratava-se apenas um
território federal de importância estratégica e em razão disso, dentro da racionalidade do
regime autoritário de então, a política da segurança chegou ali antes da do desenvolvimento.
Situada no extremo norte, dividida longitudinalmente pelo rio Branco, com uma população de
40.000 habitantes, muitos deles indígenas, apenas dois municípios, uma superfície de 225.000
km2 e fronteiras maiores com a Venezuela e a Guiana que com seus vizinhos brasileiros,
aquele espaço parecia carecer de qualquer importância. A economia se reduzia a uma pecuária
extensiva e a algum extrativismo, não havendo uma riqueza que pudesse participar do
mercado nacional ou de exportação.
Não obstante, a geopolítica, instrumento do Estado desde o século XVIII, deu-lhe
atenção especial, por reunir ali entradas terrestres e aquáticas para a Amazônia. Por mais de
um século, uma fortaleza e três fazendas de gado faziam parte da paisagem formada por
campos e florestas, ocupadas em sua maior parte por índios de diversas etnias. Sua história
recente difere do Pará e do Amazonas, que cedo conheceram uma vida urbana, estruturada a
partir de uma economia de exportação e um passado político de autonomia após 1891,
realidades essenciais para o surgimento de uma elite econômica e política. Roraima, estaria
pois “atrasada” mesmo em relação aos seus vizinhos da Amazônia e seus governantes, todos
nomeados pelo governo central, traçariam planos para mudar essa realidade.
Seguindo o pensamento da Escola Superior de Guerra, em tempos de Guerra Fria
e de instável situação política dos países do Caribe, o governo militar brasileiro militarizou as
fronteiras terrestres na Amazônia Setentrional, abriu a rodovia Manaus-Boa Vista e promoveu
o aumento populacional desta última, preocupando a vizinha Venezuela. Houve em seguida a
tentativa de desenvolvimento, com recursos do PIN, dos I PND e do POLAMAZÔNIA,
principalmente. O resultado geral dessa ação, além de muito diferenciada da de outras
unidades da Federação na Amazônia, também foi muito mais abrangente, profundo e rápido, o
que se refletiu na desarticulação das culturas tradicionais e transformações ambientais. A
rapidez do processo teve reflexo também no universo político local, promovendo a
250
desarticulação das lideranças antigas e a composição de novas forças. Mas estas últimas não
tiveram tempo para a maturação, condição necessária à formação de qualquer grupo de
interesse local ou não. Um resultado disso foi a incapacidade das lideranças políticas de
Roraima de administrar sua autonomia quando da redemocratização, em 1985.
A intervenção do Estado Nacional, autoritário, dotado dos instrumentos julgados
necessários deveria ter, através da ação planejada, os resultados almejados, como preconiza a
teoria política. No tocante a Roraima isto aconteceu apenas em parte, visto que os reflexos das
crises internacionais ocasionaram a falta de recursos. Houve mesmo uma reversão: na década
de 1980, com as crises e a falta de divisas, o governo federal incentivou a procura do ouro,
proporcionando um apoio indireto ao garimpo.
Uma síntese das políticas públicas do governo central no período compreendido
entre 1970 e 2000 mostra que Roraima, como a Amazônia de um modo geral, tem sido
utilizada para resolver alguns problemas nacionais ou próprios da administração federal. O
papel de guarda da fronteira substituiu o papel de fornecedor de matérias-primas para a
economia produtiva ou de exportação, mas enquadrou-se como receptor de excessos
populacionais do Nordeste e outras regiões.
Os objetivos das intervenções incluíam benefícios locais, mas eram planejados
principalmente em função de necessidades alheias ao meio. Neste contexto, resultados
negativos se tornam por vezes e posteriormente apenas registros geográficos, como se percebe
com a rodovia BR 210, no trecho inacabado dentro da Terra Indígena Yanomami. Esta
aparece hoje apenas como uma linha no mapa da Amazônia, embora tenha representado na
década de 1970 uma porta de entrada para garimpeiros e fazendeiros, o que causou surtos de
epidemias e morticínio entre aqueles indígenas.
Há que se distinguir entre governo autoritário e democrático quanto ao uso da
Amazônia ou de suas populações pelo governo central, pois a pesquisa abrange esses dois
períodos. Em ambos os casos, a intervenção é quase sempre identificada como valorização da
região. Se o Estado nacional depois do regime militar saiu quase todo de cena do setor
produtivo, no político-institucional a região tem servido atualmente para equilibrar o poder no
Congresso Nacional. Estados pequenos como Roraima, com pouco mais de 100.000 eleitores,
elegem três senadores e oito deputados federais. O aumento da representatividade já tinha
ocorrido no fim dos governos militares, mas ampliou-se com a Constituição de 1988 e a
criação de novos estados.
251
Na prática, isso levou ao fortalecimento dos grupos de pressão locais, articulados
aos regionais e nacionais, em detrimento das populações indígenas. O peso desproporcional
dessa representação, motivo de críticas por parte de estados mais populosos, tem levado o
governo federal a atender parlamentares amazônicos identificados como contrários à
demarcação e homologação das terras dos índios e á conservação do ambiente, como consta
na Constituição vigente. Em resumo, a necessidade de votos no Legislativo leva o Executivo a
adiar ou atrasar um processo que, de acordo com a legislação, já deveria estar concluído. Essa
força externa dos parlamentares roraimenses na atualidade contrasta com a dependência atual
de recursos federais pelo governo estadual, resultando daí as alianças e a participação do
próprio executivo local em grupo de pressão. Este fato leva-o a deslocar-se da função de
árbitro e gestor de toda a sociedade, uma distorção das relações de poder.
A ação do Estado nacional autoritário, baseada na racionalidade do poder
institucionalizado e na confiança que a ciência poderia realizar, num território federal, um
desenvolvimento, não pôde ser plenamente analisada em termos de sucesso ou insucesso, em
razão de sua inconclusividade. Mas houve uma herança, como uma estrutura física e
administrativa montada, transformações no social, econômico e no político. Na metade da
década de 1980, com a queda da ditadura, as forças políticas locais chegaram a negociar a
nomeação de um líder local para o governo do território.
Entretanto, após lutas e mortes entre as lideranças, o governo federal promoveu
uma inusitada intervenção, abrindo caminho para uma nova composição de forças, surgindo
assim os grupos políticos de Ottomar de Souza Pinto e de Romero Jucá, ambos oriundos de
outros estados. Foi também o tempo do grande avanço garimpeiro para as áreas dos índios
Yanomami, no noroeste do território, aumento populacional exponencial e da transformação
do território em Estado. O tempo parece ter sido acelerado em Roraima nesse período, não
havendo condições de surgir “naturalmente” grupos e lideranças em número e condição de
gerir seus problemas. O fracasso da primeira experiência de autonomia dos grupos locais é a
comprovação disso.
Há, no entanto, uma luta mais antiga: a dos índios, apoiados pela Igreja Católica e
algumas instituições nacionais e estrangeiras. Seu discurso é o da exigência da demarcação,
em área contínua, de suas terras, conforme determinado no artigo 231 da Constituição
vigente, mas não há unanimidade, pois há organizações e lideranças indígenas que aceitam
essa demarcação em ilhas, além de maior proximidade com os não-índios. Assim, se os fatos
políticos por vezes se aceleraram, a antiga questão da terra permanece, não havendo
252
perspectiva de solução de curto prazo, graças à organização política de empresários, como os
arrozeiros, que contam com o pleno apoio das autoridades locais.
O presente estudo mostrou que por vezes existem dificuldades do Estado conciliar
seus objetivos com os do poder local, mesmo quando o primeiro é o grande patrocinador. Um
dos pontos de cisão levantados foi a da não compatibilidade entre as estruturas pré-existentes
e ações que visavam um desenvolvimento promovido pelo governo central ao tempo do II
PND, supostamente vantajoso para as forças locais. No centro das questões que permeavam as
relações de poder emergiu, pela primeira vez, o problema da exploração dos bens naturais e o
da titulação das terras.
No campo da economia, Roraima ainda não se consolidou, apesar da chegada da
energia elétrica da Venezuela e do asfaltamento das rodovias que o ligam a Manaus e aos dois
países vizinhos. Fruto dessas melhorias, uma fábrica de papel suíço-canadense está sendo
implantada, tornando-se a esperança de progresso para o estado. Outros exemplos amazônicos
mostram que pode tratar-se de mais um enclave exportador, sem reais vantagens locais a
montante e a jusante. Uma das atividades mais rentáveis, a exploração madeireira, tem se
expandido, mas a maior parte das serrarias é de pequeno porte e acompanha os novos
assentamentos para dispor de matéria-prima.
A maioria dos municípios reflete seu surgimento das colônias agrícolas, mas o
contínuo abandono de lotes e o refluxo populacional do meio rural apontam para uma queda
acentuada na estrutura da produção minifundária. No geral, a agropecuária, com exceção do
arroz irrigado se encontra em refluxo, apesar do pequeno crescimento do rebanho bovino. A
expansão desse arroz tem se dado nas várzeas, inclusive nas conflituosas áreas indígenas, o
que não assegura seu sucesso, apesar da alta produtividade e do mercado em expansão. Outra
atividade tradicional, o garimpo, acha-se em estágio de quase extinção, apesar da esperança
de muitos em sua volta, graças às aguardadas mudanças na legislação federal, defendidas por
lideranças políticas locais.
Há fortes indicadores de insustentabilidade, como a grande mobilidade espacial da
população, mesmo para os padrões amazônicos, além da situação quase sempre muito
precária dos municípios. Alguns deles foram criados a partir de antigas vilas de garimpos em
terras indígenas, para garantir a presença do poder local, e não possuem meios para se manter.
No geral, dependem cada vez mais de repasses federais e estaduais para atender seus
compromissos regulares e não dispõem de estrutura para funcionar como unidades políticas.
253
A outra face do problema, a política, é que dá visibilidade à problemática de
Roraima. Por ela, a política, passa ou parece passar todo e qualquer fato que mereça menção
no cotidiano local. O fenômeno é percebido não só quando da ação dos diferentes agentes
envolvidos, geralmente organizados em suas categorias, mas pela virulência dos embates. E é
possível perceber, ainda, a forte presença do discurso político, legitimante/deslegitimante de
ações e medidas, se estas beneficiam interesses identificados, ou, pelo contrário, supostamente
prejudicam direitos. Assim, o imediatismo é defendido como legítimo, pois gera riqueza
necessária ao progresso, enquanto quem a isto se opõe é considerado inimigo do
desenvolvimento.
O reconhecimento da necessidade do controle da exploração de alguns bens
naturais e do direito dos índios às suas terras imemoriais, fruto de movimentos ambientalistas
e de defesa das minorias, consagrado na Constituição vigente, deu origem a maior polêmica
da atualidade em Roraima. A questão ali não era nova, pois os índios já tinham alguma
organização, graças ao apoio da Igreja e passaram a reivindicar a demarcação de suas terras
desde então. Mas a mesma Constituição também criou o novo estado, dando aos grupos de
interesse o poder institucional e até certo ponto, decisório.
A questão fundiária é a grande questão política local, originando cada vez mais
ataques às instituições federais, às ambientais nacionais e estrangeiras e, principalmente, à
Igreja Católica. Já na instalação dos primeiros trabalhos legislativos locais foi criada a
Comissão de Assuntos Indígenas e Fundiários e depositou-se esperança na mineração. A
insatisfação geral de políticos, empresários e outros beneficiários dos garimpos data do
fechamento destes e da demarcação da terra indígena dos Yanomami pelo governo Collor, o
que pode ser considerada como quase geral.
Noutra frente, os políticos roraimenses em Brasília passaram a apresentar Projetos
de Lei e Propostas de Emenda Constitucional para modificar, em parte ou no todo, a
legislação indigenista e ambiental. O objetivo é facilitar a exploração de minérios em áreas
indígenas e tornar inoperante o reconhecimento dos direitos dos índios. Essa ação é exercida
por praticamente todos os parlamentares, apoiados por seus colegas dos estados da região
amazônica e mesmo de outras regiões.
Mas, a força da argumentação se esgota na justificativa da necessidade de criar
riqueza e empregos e desenvolver a região amazônica. Nos grandes centros isso não tem
repercussão, ao contrário de Boa Vista, onde os únicos jornais diários pertencem a grupos
254
políticos. O avanço das idéias ambientalistas e em favor de minorias e populações
tradicionais, por meio da imprensa nacional e internacional, além de isolar o discurso local,
pressiona também o governo a não permitir ações predatórias e manter o controle do avanço
exploratório da Amazônia.
O governo federal é então pressionado de dois lados: pelos parlamentares
representantes dos estados, donos de votos preciosos no Congresso e, pela vigilância de
lideranças indígenas e ambientalistas nacionais e estrangeiros. Percebe-se ainda, que há
grupos de interesse e de pressão não locais, que têm interesses na exploração de recursos
naturais na Amazônia, como empresas de mineração. Desse jogo de forças, nasce o clima de
indefinição sobre a decisão e mesmo, sobre o cumprimento desta.
255
REFERÊNCIAS
ALBERT, Bruce. Terra, ecologia e saúde indígena: o caso Yanomami. In: BARBOSA,
Reinaldo Imbrózio; FERREIRA, Efrem J. G; CASTELLÓN, Eloy G. (ed.) Homem, Ambiente
e Ecologia no Estado de Roraima. Manaus: INPA, 1997. p. 65-83.
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Universalização e localismo: movimentos sociais e
crise dos padrões tradicionais de relação política na Amazônia. In: D’INCAO, Maria Ângela ;
SILVEIRA, Isolda Maciel (Org.). Amazônia e a crise da modernização. Belém: Museu
Paraense Emilio Goeldi, 1994. p. 521-537.
ALTVATER, Elmar. O preço da riqueza. São Paulo: UNESP, 1995.
AMES, Barry. O Congresso e a política orçamentária no Brasil durante o período
pluripartidário. Dados Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro: Instituto Universitário de
Pesquisas. v. 29, n. 2, p. 177-205, 1986.
AMPLIAÇÃO de área indígena repudiada por empresários. Estado de Roraima. Boa Vista,
RR, p. 1, 4. dez. 1990.
ARISTÓTELES. A política. São Paulo: Hemus, 1966.
ARRUDA, Antonio de. A doutrina da Escola Superior de Guerra. Revista A Defesa Nacional,
Rio de Janeiro, Ano 65, n. 679. p. 65-73, set./out., 1978.
ASSEMBLÉIA repudia ação da Funai. Brasil Norte, p. 2, 3 mar.1999.
ASSOCIAÇÃO COMERCIAL E INDUSTRIAL DE RORAIMA. Informe n. 002. Boa Vista:
ACIR, nov. 2002. 1 folder.
ATO PÚBLICO marca o protesto contra nova reserva indígena. Estado de Roraima, Boa
Vista, RR, p. 3, 7. dez. 1990.
BAHIANA, Luís Cavalcanti. O Norte na organização regional do Brasil. In: Geografia do
Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística., v. 3, 1991. p. 15-23.
BANDEIRA, Moniz. Estado nacional e política internacional na América Latina: o
continente nas relações Argentina-Brasil (1930-1992). 2. ed. São Paulo: Ensaio, 1995.
BANER vai cobrar dívida de 460 mi. Brasil Norte, Boa Vista, p. 5, 27 out.1999.
BANSART, Andrés. Brasil-Venezuela: Integração energética. In: GUIMARÃES, Samuel
Pinheiro (Org.). Brasil e Venezuela: esperanças e determinação na virada do século. Brasília:
Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais/Fundação Alexandre de Gusmão, 1995. p.
55-72.
256
BARBOSA, Reinaldo Imbrózio, Análise do setor madeireiro do Estado de Roraima.
Roraima: INPA, Núcleo de Pesquisa de Roraima, 1990. p.193-209. (Acta Amazônica, 20).
______. Mestre em Ecologia e Doutor pelo INPA. Funcionário do INPA. Entrevista escrita
concedida a Nelvio Paulo Dutra Santos, 14 maio 2002, Boa Vista RR.
BARRADAS, Arthur Gomes. Técnico em classificar diamantes. Entrevista escrita concedida
a Nelvio Paulo Dutra Santos, 28 fev. 2003, Boa Vista, RR.
BARRETO, Vicente. Voto e representação. In: CÉSAR, Tarcísio Meira.(Coord.) Voto e
representação: legalidade e legitimidade. Brasília: UnB, 1982. p. 43-75. (Curso de Introdução
à Ciência Política, IV).
BARROS, Nilson Crócia de. Roraima: paisagens e tempo na Amazônia Setentrional. Recife:
Universitária/UFPE, 1995.
______. Mobilidade populacional, fronteira e dinâmica das paisagens na Amazônia: o caso de
Roraima, Brasil. Cadernos de Estudos Sociais, v. 2. p. 237-283, jul./dez. 1996.
BARROW, Cristopher; PATERSON, Andrew. Agricultural diversification. In FURLEY,
Peter. The forest frontier: settlement and change in Brazilian Roraima. Londres: Routledge,
1994. p. 153-181.
BECKER, Bertha K. Amazônia. 6. ed. São Paulo: Ática, 1998.
______. A geopolítica na virada do milênio: logística e desenvolvimento sustentável. In:
CASTRO, Iná Elias de; GOMES, Paulo César da C.; CORRÊA, Roberto L. (Org.).
Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. p. 271-307.
______; EGLER, Cláudio A. G. Brasil: uma nova potência regional na economia-mundo. 2.
ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994. (Coleção Geografia).
BIELSCHOWSKI, R. O pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do
desenvolvimento. Rio de Janeiro: IPEA/NPS, 1988.
BOBBIO, Norberto. Estado, governo e sociedade: para uma teoria geral da política. 8. ed. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
______. O significado clássico e moderno de política. In: CÉSAR, Tarcísio Meira (Coord.)
Política e Ciência Política. Brasília: UNB, 1982. p. 11-22. (Curso Introdução à Ciência
Política, I).
______. Teoria das elites. In: CÉSAR, Tarcísio Meira (Coord.). Partidos políticos e elites
políticas. v. V, Brasília: UnB, 1982, p. 61-69. (Curso de Introdução à Ciência Política, V).
______; BOVERO, Michelangelo. Sociedade e Estado na filosofia moderna. 3. ed. São
Paulo: Brasiliense, 1991.
______; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco (ed.). Dicionário de Política. 5. ed.
v. 2. Brasília: UnB, 2000.
257
BONAVIDES, Paulo. Formas de estado e de governo. In: CÉSAR, Tarcísio Meira (Coord.).
O Estado e formas de estado e governo. Brasília: UnB, 1982. p. 45-76. (Curso de Introdução
à Ciência Política, III).
______. Ciência política. 10. ed. Rio de Janeiro: Malheiros, 1999.
BORON, Atílio A. Estado, capitalismo e democracia na América Latina. São Paulo: Paz e
Terra, 1994.
BOTTOMORE, T. B. A Elite: Conceito e Ideologia. In: CÉSAR, Tarcísio Meira (Coord.).
Partidos políticos e elites políticas. Brasília: UnB, 1982. p. 103-110. (Curso Introdução à
Ciência Política,V).
BRAGA, Ramayana Menezes. Agropecuária em Roraima: considerações históricas de
produção e geração de conhecimentos. Boa Vista: Embrapa/CPAF-Roraima, 1998. 63 p.
(Documentos, 1).
BRANDÃO, Gildo Marçal. Hegel: o Estado como realização histórica da liberdade. In:
WEFFORT, Francisco (Org.) Os clássicos da política. v. 2, São Paulo: Ática, 2001. p. 101148. (Série Fundamentos, 63).
BRASIL. Constituição. (1988).Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada
em 5 de outubro de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas
1999.
______.Decreto n. 1.775, de 8 de janeiro de 1996. Dispõe sobre o procedimento
administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras providências. Diário
Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 9 jan. 1996. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D1775.htm> . Acesso em 5 de agosto de 2003.
______.Decreto-Lei Nº 411, de 08 de janeiro de 1969. Dispõe sobre a administração dos
Territórios Federais, a organização dos seus Municípios e dá outras providências. Diário
Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Disponível em:
<http://www.lei.adv.br/411-69.htm> Acesso em 5 agosto de 2003.
______. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Anuário Estatístico do Brasil. Rio de
Janeiro: IBGE, (1970/1985/1995).
______. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censos demográficos e econômicos:
nacionais, estaduais e do Território de Rio Branco/Roraima. (1970/1980/1991/2000).
______. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Agropecuário de Roraima
1985. v. 5. Rio de Janeiro, 1990. 238 p.
______. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Agropecuário de Roraima:
Mesoregiões, Microregiões e Municípios. 1995-1996.
______. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Enciclopédia dos Municípios
Brasileiros. Vol. XIV, Rio de Janeiro, 1957. p. 45-49.
258
______. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Produção do Extrativismo Vegetal e
da Silvicultura. 1985-1998.
______. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Produção da Pecuária Nacional:
Roraima. 1985-1999.
______. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Produção Agrícola Municipal 1999
Roraima.
______. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Produção da Pecuária Municipal
2000 Roraima. (dados preliminares).
______. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Produção Agrícola Municipal 2000
Roraima. (dados preliminares).
______. Ministério do Interior. Informações Preliminares do setor agrícola a nível de
prognóstico. Roraima – 1997. Boa Vista, Jul/ago. de 1977. 67 p.
______. Ministério do Interior. II Plano Nacional de Desenvolvimento: Programa de Ação do
Governo para o Território de Roraima, 1975-79. Brasília, agosto, 1975.
______. Ministério do Interior. Território Federal de Roraima. Programa anual de Governo
1980. (Proposta de Fundo Especial).
______. Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal. Política
Nacional Integrada para a Amazônia Legal. Brasília: CONAMAZ, 1995. 34 p.
______.Câmara dos Deputados. Agenda Positiva da Amazônia. Brasília: Câmara dos
Deputados, Coordenação de Publicações, 2001. 137 p. (Série ação parlamentar n. 125).
BRITO, Daniel Chaves de. A modernização da superfície: Estado e Desenvolvimento na
Amazônia. Belém: UFPA/NAEA, 2000.
BRUM, Argemiro. O desenvolvimento econômico brasileiro. 12. ed. Ijuí; Petrópolis: Vozes,
1993.
BRUM, Eliane. A guerra do começo do mundo. Revista Época. Rio de Janeiro. n. 180 p. 7687, 29 out.2001. (Seção Vida Brasileira).
BUNKER, Stephen. Underdeveloping the Amazon: Extration, Unequal Exchange, and the
Falure of the Modern State. Chicago and London: The University of Chicago press, 1985.
CALMA nos garimpos. Tribuna de Roraima. Boa Vista, RR, p. 4, 14 abr. 1989.
CALMON, Pedro. História do Brasil: o império e a ordem liberal. v.V, 3. ed. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1971. 7. v.
CAMPANHA nós existimos. Unidos pela vida e contra a impunidade. Conselho Indígena de
Roraima; Comissão Pastoral da Terra; CUT/Roraima (ed). Boa Vista, RR, 2003. (1 folder).
259
CARDOSO, Ciro F. Economia e sociedade em áreas coloniais periféricas: Guiana Francesa e
Pará (1750-1817). Rio de Janeiro: Graal, 1984.
CARDOSO, F. H; Müller, G. Amazônia: expansão do capitalismo. São Paulo: Brasiliense,
1977.
CARNEIRO, Robert. L. A theory of the origin of the State. Revista Science, v. 169, n. 3947,
1970. p. 733-738.
CARNOY, Martin. Estado e teoria política. 3. ed. Campinas: Papirus, 1990.
CARREIRA, Mª Elisabeth de P. de S.; MATTOS, Suzi de. Agropecuária. In: Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística. Geografia do Brasil. vol. 3. (Região Norte), 1991. p.
213-219.
CARVALHO JR, Almir Diniz de. A herança da tradição: o “caso” da firma Araújo Rosas &
Irmão. Amazônia em Cadernos, Manaus: Museu Amazônico/Universidade Federal do
Amazonas, v. 2, n. 2/3, p. 33-57, dez. 1993/1994.
CASTELLO BRANCO, Carlos. Os militares no poder. v. 1. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1976.
CASTRO, Antonio Barros de. Ajustamento e transformação: a economia brasileira de 1974 a
1984. In: ______; SOUZA, Francisco E. P. de. A economia brasileira em marcha forçada. 2.
ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. p.11-95. (Coleção Estudos Brasileiros v. 91).
CASTRO, Therezinha de. Nossa América: geopolítica comparada. Rio de Janeiro: IBGE,
1992.
______. Geopolítica do poder mundial. A Defesa Nacional, Rio de Janeiro, Ano 67, n. 689. p.
115-126, maio/jun., 1980.
______. Diretrizes Geopolíticas do Brasil. A Defesa Nacional, Rio de Janeiro, Ano 68, n. 693.
p. 33-47, jan./fev. 1981.
CAVALCANTI, Araújo. Recuperação e desenvolvimento do Vale do rio Branco. 2. ed. Rio
de Janeiro: Jornal do Commercio, Rodrigues & Cia, 1949.
CAVALCANTI, Mozarildo. Roraima no Senado. Pronunciamentos entre 22/02 e 30/6 de
1999. Brasília: Senado Federal, 1999. v. I, 336 p.
______. Roraima no Senado. Pronunciamentos entre 03/08 e 15/12 de 1999. Brasília: Senado
Federal, 2000. v.II, 174 p.
CEM casas serão construídas pela COHAB. Jornal Boa Vista, Boa Vista, p. 13, 29 set.1973
CENTRO ECUMÊNICO DE DOCUMENTO E INFORMAÇÃO. Povos indígenas no Brasil:
1987/88/89/90. São Paulo: CEDI 1991. (Série Aconteceu especial, 18).
260
CENTRO DE INFORMAÇÃO DA DIOCESE DE RORAIMA. Índios de Roraima: Macuxi,
Taurepang, Ingaricó, Wapichana. Boa Vista: CIDR, 1989. (Coleção Histórico-antropológica
1).
______. Índios e Brancos em Roraima. Boa Vista, 1990. 86 p. (Coleção Históricoantropológica n. 2).
CÉSAR, Tarcísio Meira (Coord.) Maquiavel O príncipe: ensaios. Tradução de Sérgio Bath.
Brasília: UnB, 1982. (Curso de Introdução à Ciência Política).
CLAVAL, Paul. Espaço e poder. 3. ed., Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
COELHO, Maria Célia. Desenvolvimento sustentável, economia política do meio ambiente e
a problemática ecológica na Amazônia. In: D’INCAO, Maria Ângela; SILVEIRA, Isolda
Maciel (Org.). Amazônia e a crise da modernização. Belém: Museu Paraense Emilio Goeldi,
1994.
COMISSÃO DA AÇÃO PELA CIDADANIA. Relatório Roraima: o aviso da morte. São
Paulo: CCPY/CEDI/CIMI. junho de 1989. 49 p. (Relatório impresso).
CONSULADO da Venezuela é instalado em Boa Vista. Jornal Boa Vista, Boa Vista, RR, p.
5, 24 ago.1974.
COSTA, Emília Viotti da. Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil. In:
MOTA, Carlos Guilherme. Brasil em perspectiva. 16. ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 1987. p.
64-125.
COSTA, Francisco de Assis. Políticas públicas e dinâmica agrária na Amazônia: dos
incentivos fiscais ao FNO. In: ______; TURA, Letícia Rangel (Org.). Campesinato e Estado
na Amazônia: impactos do FNO no Pará. Brasília: Brasília Jurídica/FASE, 2000. p. 63-106.
______. Ecologismo e questão agrária na Amazônia. Belém: SEPEQ/NAEA/UFPA, 1992.
(Série Estudos SEPEQ, 1).
______. Nem tudo no ouro reluz: considerações para uma economia política da garimpagem
na fronteira amazônica. In: MATHIS, Armin; REHAAG, Regine (Org.). Conseqüências da
garimpagem no âmbito social e ambiental na Amazônia. Belém: BUNTSTIFT/FASE/
KATALYZE, 1993. Anais... Belém: (S.l.), 1992. p. 10-35.
COTTA, Maurizio. Representação política. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUTTI, Nicola;
PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Tradução de João Ferreira. 5. ed.
Brasília:Unb; São Paulo:Imprensa oficial, 2000. v. 2, p. 1101-1107.
CSN quer esvaziar garimpo. Tribuna de Roraima. Boa Vista, RR, p. 3, 18. mar. 1988.
DAHL, Robert A. Sobre a democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: UnB, 2001.
DALLARI, Dalmo de Abreu. O Estado Federal. São Paulo: Ática, 1986. (Série Princípios).
261
DEAN, Warren. Os latifúndios e a política agrária brasileira no século XIX. In: PELÁEZ,
Carlos Manuel; BUESCU, Mircea. A moderna História Econômica. Rio de Janeiro: APEC ,
1976. p. 245-257.
DEMONSTRAÇÃO de força: FUNAI. Jornal Boa Vista, Boa Vista, RR, p. 3, 26 jan.1975.
DINIZ, Alexandre. A evolução da fronteira em Roraima: o caso das Confianças I, II e III. In:
ALVES, Cláudia Lima Esteves (Org.). Formação do espaço amazônico e relações
fronteiriças. Boa Vista: CCSG/UFRR, 1997. p. 47-91.
DOBB, Maurice. A evolução do capitalismo. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.
DONGHI, Túlio Halperin. História da América Latina. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1975.
DOWBOR, Ladislau. A reprodução social: propostas para uma gestão descentralizada. São
Paulo, fevereiro de 1998. 265 p. Disponível em meio eletrônico em
<http:/www.ppbr.com/ld.>. Acesso em 17 de outubro de 2000.
DOWNS, Robert B. Fundamentos do pensamento moderno. Rio de Janeiro: Renes, 1969.
DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado: ação política, poder e golpe de
classe. 3. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1981.
DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
(Coleção Os pensadores).
ECO, Umberto. Como se faz uma tese. São Paulo: Perspectiva, 1989.
EDITAL de concorrência pública para elaboração de Plano de Expansão Urbana..., Jornal
Boa Vista, Boa Vista, RR, p.9, 19 maio 1977.
EGGERATH, Pedro. O vale e os índios do Rio Branco. Rio de Janeiro: Tipografia Universal,
1924.
EMMI, Marília Ferreira. A oligarquia do Tocantins e o domínio dos castanhais. 2. ed. Belém:
UFPA/NAEA, 1999.
EMPRESÁRIOS repudiam a intervenção alienígena. Tribuna de Roraima, RR, p. 3, 17. out.
1987.
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 11. ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1987.
ESPERANÇAS do homem roraimense residem no PROTERRA: Titulagem definitiva da
gleba vai se efetivar. Jornal Boa Vista, Boa Vista, RR, p. 8, 13 out.1973.
FAGUNDES, João. Roraima não precisa de esmolas. Discurso pronunciado na sessão de 21
out. 1983. Brasília, Câmara dos Deputados: Coordenação de Publicações, 1983. 13 p.
FAORO, Raymundo. Os donos do poder. 3. ed. Porto Alegre: Globo, 1976.
262
FARAGE, Nádia. As Muralhas dos sertões: os povos indígenas no Rio Branco e a
colonização. Rio de Janeiro: Paz e Terra; ANPOCS, 1991.
FEARNSIDE, Phillip M. Desmatamento e desenvolvimento agrícola na Amazônia. In:
LÉNA, Philippe; OLIVEIRA, Adélia Engrácia de. Amazônia: a fronteira agrícola 20 anos
depois. 2. ed. Belém: CEJUP/Museu Paraense Emilio Goeldi, 1992. p. 207-222.
FERNANDES, Marcionila. Donos de terras: trajetória da União Democrática Ruralista –
UDR. Belém: UFPA/NAEA, 1999.
FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE RORAIMA.O Sistema FIER:
Objetivos e composição. Boa Vista, Roraima, 1999. (1 folder).
______. Perfil da indústria de Roraima. Boa Vista: FIER/DAMPI, 2000. 93 p.
FIORI, Jose Luís. Para repensar o papel do Estado sem ser um neoliberal. [1998] p.76-89.
FREITAS, Aimberê. A história política e administrativa de Roraima: 1943-1985. Manaus:
Calderaro, 1993.
______. Políticas públicas e administrativas de territórios federais brasileiros. 2. ed. [S.l.]
Corprint, 1997 a.
______. Geografia e História de Roraima. 5. ed. rev. atual. Manaus: Belvedere, 1997 b.
______. Figuras da nossa história. Boa Vista: DLM, 2000.
FREITAS, Jorge M. da C. General Carlos de Meira Mattos: vida e obra. Revista da Escola
Superior de Guerra. Rio de Janeiro, n. 4, p. 290-302. 2002.
FURLEY, Peter A. (ed). The forest frontier: settlement and change in Brazilian Roraima.
Londres: Routledge, 1994.
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 22. ed. São Paulo: Nacional, 1987.
FURTADO, Milton Braga. Síntese da economia brasileira. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e
Científicos, 1981.
GADELHA, Tânia. Ainda dependemos de verba federal. Folha de Boa Vista, Boa Vista, RR,
5 out. 2001, Seção Cidade, p.5.
GALL, Norman. A ascensão do Brasil. A Defesa Nacional, Rio de Janeiro, n. 674, p. 99-119,
1977.
______; RICUPERO, Rubens A. Globalismo e localismo. (S.l): Instituto Fernand Braudel de
Economia Mundial/Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), n. 17, 1997. (Documento
mimeografado).
GOVERNADOR vai questionar tamanho de reservas na CPI. Folha de Boa Vista, Boa Vista,
RR, p. 4, 11/12 set.1999.
263
GOVERNO adquire prédio para casa do estudante em Belém e Manaus. Jornal Boa Vista,
Boa Vista, RR, p.5, 5 set. 1973.
GOVERNO DO ESTADO DE RORAIMA. Um ano pra valer. Boa Vista, 1989.
GUDIN, Eugenio. O pensamento de Eugenio Gudin. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1978.
GUIMARÃES, Samuel Pinheiro (Org.). Brasil e Venezuela: esperanças e determinação na
virada do século. Brasília: Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais/Fundação
Alexandre de Gusmão, 1995.
HÉBETTE, Jean; ACEVEDO, Rosa. Colonização para quem? Belém: NAEA/UFPA, 1979.
HECHT, Suzana. The logic of livestock and deflorestation in Amazônia: Considering land
markets, value of ancillares, the larger macroeconomic context, and individual economics
strategies. Los Angeles: American Institute of Biology Sciencies, v. 43, n. 10, p. 687-695.
HEMMING, John. Roraima: Brazil’s nordhernmost frontier. Londres: Institute of Latin
American Studies/University of London, 1990.
HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Martin Claret, 2003.
HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo:
Companhia das Letras, 2000.
HUNTINGTON, Samuel P. O choque de civilizações: e a recomposição da ordem mundial.
Tradução de M. H. C. Côrtes, Rio de Janeiro: Objetiva, 1997.
INCRA intima pessoas e entidades a apresentar seus títulos, escrituras..., Jornal Boa Vista,
Boa Vista, RR, p. 4, 20 nov.1973.
INICIA hoje segundo seminário do Calha Norte em Roraima. Folha de Boa Vista, Boa Vista,
RR, p. 4, 2 jul. 2001.
INTERESSES internacionais são contrários. Brasil Norte, Boa Vista, RR, p. 10, 22.out. 1999.
INVASÃO de lotes urbanos. Estado de Roraima, Boa Vista, RR, p. 1, 1 nov. 1990.
ITIKAWA, Isabel. Empresária de arroz irrigado. Entrevista concedida a Nelvio Paulo Dutra
Santos, 27 fev. 2003, Boa Vista, RR (gravada em fita cassete).
JUCÁ em reunião com secretários. Tribuna de Roraima. Boa Vista, RR, p. 2, 23. set. 1988.
JESUS, Antonio Monteiro de. Departamento Nacional de Produção Mineral.In: MATHIS,
Armin; REHAAG, Regine (Org.). Conseqüências da garimpagem no âmbito social e
ambiental na Amazônia. Belém: BUNTSTIFT/FASE/KATALYZE, 1993. Anais... Belém:
(S.l.), 1992. p.177-178.
JOFFILY, Bernardo. Isto é Brasil 500 anos: Atlas Histórico. São Paulo: Três Editorial, 1998.
314 p.
264
KINZO, Maria D´Alva Gil. Burke: a continuidade contra a ruptura. In: WEFFORT, Francisco
C. (org.) In: WEFFORT, Francisco (Org.) Os clássicos da política. v. 2, São Paulo: Ática,
2002. p. 13-23.
KIRCHHOFF, Volker W. J. H. e ESCADA, Paulo A. S. O megaincêndio do século – 1998.
São José dos Campos: TRANSTEC, 1998.
KRADER, Lawrence. A formação do Estado. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.
LAFER, Celso. Ensaios liberais. São Paulo: Siciliano, 1991.
______.O sistema político brasileiro: estrutura e processo. São Paulo: Perspectiva, 1975a
(Coleção Debates, 118).
______. O planejamento no Brasil: observações sobre o Plano de Metas (1956-1961). In:
LAFER, Betty Mindlin. Planejamento no Brasil. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1975b.
(Coleção Debates, 21)
LASSWEL, Harold. Política: quem ganha o que, quando, como. Tradução de Marco Aurelio
dos Santos Chaudon. Brasilia: UnB, 1982.
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no
Brasil. 2. ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1975.
LEITÃO. Sérgio. Mineração em terras indígenas: o imbróglio da regulamentação.Documento
do ISA n. 6. Disponível em: <http://200.170.199.245/inst/pub/detalhe_html?codigo=14> Acesso em:
21 fev. 2004.
LEONARDI, Victor. Paes de Barros. Fronteiras amazônicas do Brasil: saúde e história
social. Brasília: Paralelo 15; São Paulo: Marco Zero, 2000.
LIMA, Alcides. Pela emancipação de Roraima. Pronunciamentos na Câmara dos Deputados.
Brasília: Centro de Documentação e Informação, 1982-1985.
LIMA, Antônio Carlos de Souza. Militares, índios e fronteiras políticas. In: LÉNA, Philippe;
OLIVEIRA; Adélia Engrácia de (Org.). Amazônia: a fronteira agrícola 20 anos depois. 2. ed.
Belém: CEJUP/Museu Paraense Emilio Goeldi, 1992. p. 59-82.
LIMA, Regina Márcia de Jesus. A província do Amazonas no sistema político do Segundo
Reinado (1868-1889). Amazônia em Cadernos, Manaus: Museu Amazônico/Universidade
Federal do Amazonas. v. 2, n. 2/3, p. 33-57, dez. 1993/1994.
LIMONGI, Fernando Papaterra. “O Federalista”: remédios republicanos para males
republicanos. In: WEFFORT, Francisco (Org.) Os clássicos da política. v. 1. São Paulo:
Ática, 2002. p. 243-255.
MACHADO, Lya Osório. Limites e fronteiras: da alta diplomacia aos circuitos da ilegalidade.
Revista Território, Rio de Janeiro: UFRJ, n. 8, p. 9-29, jan./jun., 2000.
265
MACMILLAN, Gordon, J. Os impactos ambientais e sociais da mineração informal na
Amazônia. In: BARBOSA, Reinaldo Imbrozio (ed). Homem, ambiente e ecologia no estado
de Roraima. Manaus: INPA, 1997.
_____. FURLEY, Peter. Land-use pressures and resource exploitation in the 1990s. In:
FURLEY, Peter A. (ed). The forest frontier: settlement and change in Brazilian Roraima.
Londres: Routledge, 1994. p. 185-211.
MADI, Issam. Conspiración al sur Del Orinoco. Caracas: Edição do Autor, 1998.
MAFRA, Roberto Machado de O.; ABREU, Carlos Athaides de Lima. Introdução à
geopolítica. A defesa Nacional, Rio de Janeiro, n. 674, p. 51-90, 1977
MAGALHÃES, Dorval de. Roraima: informações históricas. 4. ed. Rio de Janeiro: [s.n.],
1997. 192 p.
MAHAR, Dennis. Desenvolvimento econômico da Amazônia: uma análise das políticas
governamentais. Rio de Janeiro: IPEA, 1978. (Relatório de Pesquisa, 39).
MANTEGA, Guido. O pensamento econômico brasileiro de 60 aos anos 80: os anos rebeldes.
In: LOUREIRO, M. R. (Org.). 50 anos de ciência econômica no Brasil. Petrópolis: Vozes,
1997. p. 107-157.
MANWARING. Max. G. Elites político-militares brasileiras: semelhança e continuidade
1964-1975. A Defesa Nacional. Rio de Janeiro, n. 689, p.101-111, maio/jun. 1980.
MARQUÉS, Jose V.; MOLLÁ, Damian; SALCEDO, Salvador. A sociedade atual. Tradução
de Fernando Silva e Ireneu Garcia. Rio de Janeiro: Salvat do Brasil, 1979.
MARTINEZ, Pedro Fernando Castro. Fronteras Abiertas: expansionismo y geopolítica en el
Brasil contemporáneo. México: Siglo Veintiuno, 1980.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2001.
______. Manifesto do partido comunista. Tradução de Marco Aurélio Nogueira e Leandro
Konder. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 1999.
MATHIS, Armin. Garimpagem como meta de política do Estado: o exemplo do Tapajós. In:
______; REHAAG, Regine (Org.). Conseqüências da garimpagem no âmbito social e
ambiental na Amazônia. Belém: BUNTSTIFT/FASE/KATALYZE, 1993. Anais... Belém:
(S.l.), 1992. p. 169-176.
______. Garimpagem de ouro na Amazônia. In: XIMENES, Tereza (Org.). Perspectivas do
desenvolvimento sustentável: uma contribuição para a Amazônia 21. Belém: UFPA/NAEA,
1997. p. 391-406.
MATTA, Possidônio da. A Igreja Católica na Amazônia da atualidade. In: HOORNAERT,
Eduardo (Coord). História da Igreja na Amazônia. Petrópolis: Vozes, 1992. p. 341-365.
MATTOS, Adherbal Meira. Amazônia e outros estudos. Belém: CEJUP, 1991.
266
MATTOS, Carlos de Meira. Brasil, geopolítica e destino. Rio de Janeiro: Biblioteca do
Exército, 1975.
______. A geopolítica e as projeções do poder. Rio de Janeiro: José Olimpio, 1977.
______. Uma geopolítica pan-amazônica. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1980.
______. Amazônia: o grande desafio geopolítico. Revista da Escola Superior de Guerra. v.1,
n.41. p. 313-321, 2002
MELLO, Leonel I. Almeida. Quem tem medo da geopolítica? São Paulo: Hucitec/ Edusp,
1999.
______. John Locke e o individualismo liberal, In: WEFFORT, Francisco (Org.) Os clássicos
da política. v.1. São Paulo: Ática, 2002. (Série Fundamentos, 62).
MELO FILHO, Murilo. O progresso brasileiro. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1974.
MERQUIOR, José Guilherme. O liberalismo: antigo e moderno. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1991.
MESMO proibidos garimpeiros voltam às áreas de conflitos. Tribuna de Mucajaí. Mucajaí
RR, p. 8. 25.out.,1987.
MINISTRO do Interior visita Roraima, Jornal Boa Vista, Boa Vista, RR, p. 3, 13 out.1973.
MOVIMENTO DE SOLIDARIEDADE IBERO-AMERICANA. Roraima no centro da
internacionalização da Amazônia. Rio de Janeiro: [s. n.] 1999. (Folheto).
NAZOA, Aida Santana. La questión científica y tecnológica en el Amazonas venezolano:
evaluación y perspectivas. Caracas: Universidade Central de Venezuela, 1991.
ROSSETTI, Francisco. Comerciante varejista. Entrevista escrita concedida a Nelvio Paulo
Dutra Santos, 6 maio 2002, Boa Vista, RR.
NOVAIS, Fernando A. O Brasil nos quadros do antigo sistema colonial. In: MOTTA, Carlos
Guilherme (Org.). Brasil em perspectiva. 16 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1987. p. 4763.
ODÁLIA, Nilo. O Brasil nas relações internacionais: 1945-1964. In: MOTTA, Carlos
Guilherme (Org.). Brasil em perspectiva. 16 ed. São Paulo: Bertrand Brasil, 1987. p. 350-367.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Integrar para não entregar: políticas públicas e
Amazônia. Campinas, Papirus, 1988.
OLIVEIRA, Décio Rufino de. Recursos naturais, fatores determinantes na ocupação do
território brasileiro. Rio de Janeiro: Gondwana, 1971.
OLIVEIRA, Francisco de. Planejamento e poder: o enigma transparente. Cadernos da PUC,
n. 12, p. 5-13, março de 1982.
______.A reconquista da Amazônia. In: D´INCAO, Maria Ângela; SILVEIRA, Isolda Maciel
da. (Org.) Amazônia e a crise da modernização. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi,
1994.
267
OLIVEIRA, Laucides. O Estado. Diretrizes. Boa Vista/Roraima. ano 1, n. 2, Jan./fev. 1991.
38 p. (Edição Histórica).
OPPO, Anna. Partidos Políticos. In: CÉSAR, Tarcísio Meira (Coord.). Partidos políticos e
elites políticas. Brasília: UnB, 1982. p. 9-17. (Curso de Introdução à Ciência Política,V).
PASQUINO, Gianfranco. Teoria dos grupos e grupos de pressão. In: CÉSAR, Tarcísio Meira
(Coord.). Grupos de pressão e mudança política e social. Brasília: UnB, 1982. p. 09-20.
(Curso de Introdução à Ciência Política, IV).
PECUARISTAS de Roraima vão visitar o Rio Grande do Sul. Jornal Boa Vista, Boa Vista,
RR, p. 7, 1 set.1974.
PEREIRA, Carlos Alberto L. Garimpo e fronteira amazônica: as transformações dos anos 80.
In: LÉNA, Philippe; OLIVEIRA, Adélia Ingrácia (Org). Amazônia: a fronteira agrícola 20
anos depois. 2. ed. Belém: CEJUP: Museu Paraense Emílio Goeldi, 1992. p. 305-318.
PEREIRA, Fernando Ramos. Ocupar, desenvolver e integrar. Palestra do Governador na 9ª
Reunião da CCMI. Brasília, 14 de fev. de 1976. 29 f. (mimeografado).
PINSKI, Jaime. O Brasil nas relações internacionais: 1930-1945. In: MOTTA, Carlos
Guilherme (Org.). Brasil em perspectiva. 16. ed. São Paulo: Bertrand Brasil, 1987. p. 337349.
PINTO, José Armindo. Garimpagem: contribuição ao desbravamento e à ocupação da
Amazônia. In: MATHIS, Armin; REHAAG, Regine (Org.). Conseqüências da garimpagem
no âmbito social e ambiental na Amazônia. Belém: BUNTSTIFT/FASE/KATALYZE, 1993.
Anais... Seminário Belém: [s.n.], 1992. p. 27-35.
POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens da nossa época. Tradução de Fanny
Wrobel. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1980.
POLÍTICA do INCRA não é tomar a terra, e sim regularizá-la. Jornal Boa Vista. Boa Vista,
RR, p.8, 3 nov. 1973.
POSSE do novo Governador do Território. Jornal Boa Vista, Boa Vista, p. 1, 29 maio1974.
POSSEIROS e ocupantes precisam procurar o INCRA..., Jornal Boa Vista, Boa Vista, RR, p.
6, 20 out.1973.
PRADO JR, Caio. Evolução política do Brasil: Colônia e Império. 21. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1994.
PRÉCOMA, Wilson. Procurador da União no Estado de Roraima. Entrevista concedida a
Nelvio Paulo Dutra Santos, 24 fev. 2003, Boa Vista, RR. (gravada fita cassete).
PREFEITOS não se interessam pelo PCN. Folha de Boa Vista. Boa Vista, p. 4. 7/8 jul. 2001.
PRESENÇA estrangeira explica a velha cobiça pela área. Tribuna de Roraima, Boa Vista,
p.5, 25 set.1987.
268
PROCURADOR visita área em conflito. Folha de Boa Vista, Boa Vista, p. 10, 2 jul.1999.
PROPRIETÁRIOS rurais fundam UDR de Roraima. Tribuna de Roraima, Boa Vista, RR,
p.11, 4 set.1987.
PUTNAM, Robert D. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Tradução
de Luiz Alberto Monjardim. 2. ed. Rio de janeiro: FGV, 2000.
REIS, Arthur Cezar Ferreira. História do Amazonas. 2. ed. Rio de Janeiro: Itatiaia, 1989.
RIBEIRO, Renato Janine. Hobbes: o medo e a esperança. In: WEFFORT, Francisco C. Os
clássicos da política. São Paulo: Ática, 2002. (Série Fundamentos, 1).
RIVIÈRE, Peter. The forgotten frontier: ranchers of northern Brazil. Cambridge: Holt,
Rinehart and Winston, 1972.
RODRIGUES, Francilene dos Santos. Garimpando a sociedade roraimense: uma análise
sócio-política. 1996. 132 f. Dissertação (Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento)
Universidade Federal do Pará/NAEA. Belém, 1996.
RODRIGUES, Jose Honório. Conciliação e reforma no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1982.
RODRIGUES, Leda Boechat. Grupos de pressão e grupos de interesses. In: CÉSAR, Tarcísio
Meira (Coord). Grupos de pressão e mudança política e social. Brasília: UnB, 1982. p.21-37.
(Curso de Introdução à Ciência Política, IV).
ROETT, Riordan. O Brasil na década de 70. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
RORAIMA. Constituição. (1991) Constituição do Estado de Roraima: promulgada em 31 de
dezembro de 1991. Brasília, DF: Senado, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1999.
______. Governo do Território Federal/CEPA-RR. Plano Anual de produção e abastecimento
1978-1979. Boa Vista, 1979.
______. Governo do Estado. Relatório das atividades governamentais do ano de 1979. Boa
Vista, 1979.
______. Governo do Estado. Um ano pra valer. Boa Vista, 1988-1989. 36 p. (Folheto).
______. Governo do Estado. Roraima ontem e hoje. Programa oficial das festividades de 5º
aniversário do Estado de Roraima. 05 out.1993. 20 p. (Folheto)
______. Governo do Estado. Secretaria de Planejamento, Indústria e Comércio. Proposta de
ações a serem desenvolvidas pelo governo de Roraima no período de 1996/1999. Boa Vista,
1995. 10 p.
RORAIMA troca de guarda: os políticos derrubam o governador. Revista Veja. Rio de
Janeiro, n. 762, p. 44, 13 abril 1983.
269
RORAIMA, a fronteira do futuro. Revista Veja. Rio de Janeiro, n. 762, 13 abr. 1983. (Informe
publicitário).
RORAIMA terá política de ocupação de terras. Jornal Boa Vista, Boa Vista, RR, p. 1, 2 fev.
1975.
RORAIMA sedia seminário Calha Norte.Jornal Boa Vista, Boa Vista, RR, p.7, 30 jun. 2001.
ROUSSEAU, Jean Jacques. O contrato social e outros escritos. Tradução de Rolando Roque
da Silva. São Paulo: Cultrix, 1965.
SÁ, Almir. Presidente da Federação de Agricultura. Entrevista escrita concedida a Nelvio
Paulo Dutra Santos 27 fev. 2003, Boa Vista, RR.
SALAMANCA, Luis Humberto. Realidades Amazónicas: plan de acción colombiana para la
integración amazónica. Bogotá: Universidad de Bogotá Jorge Tadeo Lozano, 1973.
SANCHEZ, Joan-Eugeni. Espacio, economia y sociedad. Madrid: Siglo XXI, 1991.
SANDRONI, Paulo. Novíssimo dicionário de economia. São Paulo: Best Seller, 1999.
SANTILLI, Paulo. Pemongon Patá: Território Macuxi, rotas de conflito. São Paulo:UNESP,
2001.
______. Ocupação territorial Macuxi: aspectos históricos e políticos. In: BARBOSA,
Reinaldo Imbrózio; FERREIRA, Efrem J. G; CASTELLÓN, Eloy G. (ed.) Homem, Ambiente
e Ecologia no Estado de Roraima. Manaus: INPA, 1997. p. 49-64.
SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. 3. ed. São Paulo: Nobel, 1996. (Coleção Espaços).
______. Por uma Geografia nova: da crítica da Geografia a uma Geografia Crítica. 3. ed. São
Paulo: Hucitec, 1986.
SARTORI, Geovanni. A política: lógica e método nas ciências sociais. Brasília: UnB, 1981.
(Coleção Pensamento Político, 36).
SCHILLING, Paulo R. El expansionismo brasileño. Cidade do México: El Cid, 1978.
SCHNEIDER, Robert R., et al. Amazônia sustentável: limites e oportunidades. Tradução de
Tatiana Corrêa, Brasília: Banco Mundial; Belém: Imazon, 2000. 57 p.
SCHWADE, Egydio. Waimiri-Atroari: a história contemporânea de um povo na Amazônia.
In: HOONAERT, Eduardo (Coord). História da Igreja na Amazônia. Petrópolis: Vozes, 1992.
p. 366-417.
SCHWARTZMAN, Simon. Bases do autoritarismo brasileiro. Rio de Janeiro: Campus,
1982.
SEMINÁRIO CALHA NORTE 2001 RORAIMA. 2-5 jun. 2001. Boa Vista. (Notas, jornais,
impressos).
270
SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO À PEQUENA E MÉDIA EMPRESA. Diagnóstico
Microrregional do Município de São João da Baliza/RR. Boa Vista: SEBRAE, 1994. 29 p.
(Série Diagnósticos Municipais).
______. Município de Pacaraima: diagnóstico sócio econômico. Boa Vista: SEBRAE, 2000.
70 p. (Séries Diagnósticos Municipais).
______. Diagnóstico sócio-econômico de Mucajaí. Boa Vista: SEBRAE, 1998. 52 p. (Série
Diagnósticos Municipais)
SILVA, Golbery do Couto e. Conjuntura política Nacional: o Poder Executivo e geopolítica
do Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1981. (Coleção documentos brasileiros,190).
SILVA, Edmilson Lopes da. Engenheiro Agrônomo do INCRA, Entrevista concedida a
Nelvio Paulo Dutra Santos, 8 maio 2002, Boa Vista, RR. (gravada fita cassete).
SILVA, José Adalberto. Líder indígena da etnia Macuxi. Entrevista concedida a Nelvio Paulo
Dutra Santos, 25 de fev. 2003, Boa Vista, RR. (gravada fita cassete).
SILVA JR., Tércio Araújo (Coord). Roraima, o Brasil do Hemisfério Norte: Diagnóstico
cientifico e tecnológico para o desenvolvimento.Roraima: AMBTEC, 1994. 512 p.
SIMONIAN, Ligia T. L. Mulheres indígenas roraimenses: organização política, impasses e
perspectivas. In: ALVES, Cláudia Lima Esteves (Org.). Formação do espaço amazônico e
relações fronteiriças. Boa Vista: CCSG/UFRR, 1997. p. 47-91.
______. Mulheres da Amazônia brasileira: entre o trabalho e a cultura. Belém: UFPA/NAEA,
2001.
SIMONSEN, Mário Henrique. Brasil 2002. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército/ APEC/
Bloch, 1973.
SMITH, Adam. Riqueza das nações. Rio de Janeiro: Ediouro, 1986.
SOUZA, João Mendonça. A Manaus – Boa Vista: roteiro histórico.Manaus: Imprensa Oficial,
1977. 313 p.
SOUZA, Maria do Carmo Campello de. O processo político-partidário na Primeira República.
In: MOTTA, Carlos Guilherme (Org.). Brasil em perspectiva. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
1987. p.162-226.
SKIDMORE, Thomas E. O papel do Brasil em face do sistema internacional: implicações
com relação à política norte-americana. In: ROETT, Riordan (Org.) O Brasil na década de
70. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. p. 19-64.
______. Brasil: de Getúlio a Castelo (1930-1964). 12. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
______. Brasil: de Castelo a Tancredo (1964-1985). 7. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
STEPAN, Alfred. The military in politics. Princeton University Press, 1971.
271
SUDAM. II Plano Nacional de Desenvolvimento: programa de ação do governo para a
Amazônia. Belém, 1976. 100 p.
TAMBS, Lewis A. Fatores geopolíticos na América Latina. A Defesa Nacional, Rio de
Janeiro. Ano 65, n. 679, set./out.1978.
TÉCNICOS identificam lotes abandonados. Folha de Boa Vista, Boa Vista, RR, 19 dez. 2000.
Caderno 2, p. 2.
TORRES, José Gilberto Quintero. Exmo. Senhor Cônsul Geral da República Bolivariana de
Venezuela em Belém. Entrevista escrita, concedida a Nelvio Paulo Dutra Santos, 4 ago. 2003.
TOSTA, Octavio. Teorias geopolíticas. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1984.
TURA, Letícia Rangel; COSTA, Francisco de Assis (Org). Campesinato e Estado na
Amazônia: impactos do FNO no Pará. Brasília: Brasília Jurídica: FASE, 2000.
UGARTE, Augusto Pinochet . Geopolítica de Chile. Cidade do México: El Cid, 1978.
URÂNIO em Roraima. Jornal Boa Vista, Boa Vista, RR, p.1, 2 fev. 1975.
VELHO, Otávio Guilherme. Capitalismo autoritário e campesinato. São Paulo: DIFEL,
1976.
VENDA. Folha de Boa Vista, Boa Vista, RR, 28 jun. 2000. Seção Parabólica, p. 3.
VENEZUELA. Constitución (1999). Constitucion de la República Bolivariana de Venezuela.
Proclamada em 20 de dezembro de 1999. Caracas: Imprenta Nacional, 2001.
VESENTINI, José William. A capital da geopolítica. 2. ed. São Paulo: Ática, 1987. (Coleção
Ensaios, 124).
VISENTINI, Paulo G. Fagundes. Venezuela e Brasil na política internacional: um ensaio
exploratório. In: GUIMARÃES, Samuel Pinheiro (Org.). Brasil e Venezuela: esperanças e
determinação na virada do século. Brasília: Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais/
Fundação Alexandre de Gusmão, 1995. p. 19-43.
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. v. 1 e 2.
Brasília: UnB, 1999.
WILLIAMSON, John; KUCZYNSKI, Pedro-Pablo. (Org.) Depois do consenso de
Washington: retomando o crescimento e a reforma na América Latina. São Paulo: Saraiva,
2004.
YANOMAMIS apelam a Jucá para que o garimpo continue funcionando nas áreas indígenas.
Tribuna de Roraima. Boa Vista, RR, p. 1, 14 jul. 1989.
YOUNG, Oran R. Introdução à análise de sistemas políticos. Rio de Janeiro:Zahar, 1970.
ZUCKERMAN, Alan. Elite política: lições de Mosca e Pareto. In: CÉSAR, Tarcísio Meira
(Coord.). Partidos políticos e elite política. Brasília: UnB, 1982. p. 71-83. (Curso de
Introdução à Ciência Política, V).

Documentos relacionados