A cultura do acesso. Uma experiência no mundo - Portal RP
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A cultura do acesso. Uma experiência no mundo - Portal RP
V ENLEPICC A CULTURA DO ACESSO O DINAMISMO SÓCIO-ECONÔMICO EM STAR WARS GALAXIES LUIZ A. DE ANDRADE* ([email protected]) Nos últimos anos, um novo produto da chamada indústria cultural vem ganhando cada vez mais espaço no mercado consumidor: é o jogo eletrônico online para múltiplos usuários conectados. Nestes games conhecidos por MMORPG - Multi-user Massive Online Role Playing Game - a experiência adquire um status de produto, ou seja, os jogadores pagam um valor mensal ao servidor que lhes mantém conectados ao mundo do jogo, desviando a fonte de renda – no caso fabricante – comercialização da mídia para a venda de “acessos”. Em maio deste ano - simultaneamente ao lançamento do Episódio III: A Vingança dos Sith, filme mais aguardado da série Guerra nas Estrelas – a LucasArts, em parceria com a Sony Online Entertainment, finalizou sua série de MMORPG chamada Star Wars Galaxies, que representa uma experiência de “vida” - mesmo que virtual – em um universo análogo ao criado por George Lucas, no cinema. Neste domínio, os usuários encontram um âmbito com algumas características do mundo real. Interagindo em um espaço tridimensional, os jogadores podem acumular bens e capitais - exercendo profissões típicas da vida humana – além de estabelecer uma forma de convívio social entre si, beneficiados por um processo de comunicação em tempo real. Quanto mais tempo um usuário destinar ao jogo, maior será o seu acumulo de capitais e com mais pessoas poderá se comunicar. Considerando os dados apresentados, este artigo tem o objetivo de refletir sobre a experiência de “vida” possível em Star Wars Galaxies. Além das habilidades como jogador, acreditamos que o sujeito deve desenvolver virtudes de comerciante e empreendedor, para vencer neste jogo. Por consumir um tempo mais parecido com o humano e contar com milhares de usuários conectados simultaneamente, acreditamos que as relações firmadas neste âmbito podem apresentar reflexos no mundo real - colocando em jogo um novo estilo cultural de videogames. Palavras-chave: Jogos eletrônicos, comunidades virtuais, Star Wars, novas tecnologias. * Mestrando do Programa de Pós - Graduação em Comunicação, Universidade Federal Fluminense INTRODUÇÃO Desde de a década de 90 os videogames vêm evoluindo a passos largos, beneficiados pelo avanço constante das técnicas infográficas. Os jogos eletrônicos foram se tornando mais realistas, impulsionando o comércio de consoles em todo o mundo. Hoje, o game digital é um dos produtos mais vendidos pela chamada indústria cultural (Adorno & Horkheimer, 1985), cada vez mais impactada pela evolução das novas tecnologias. Este mesmo processo evolutivo possibilitou a convergência dos videogames com outras ferramentas do universo digital, dentre elas a Internet. O fruto desta união recebeu o nome de MMORPG – Multi-user Massive Online Role Playing Game - um domínio no qual milhares de jogadores partilham um mesmo espaço virtual, interagindo em um regime temporal mais parecido com o do mundo real e dispondo de mecanismos que favorecem a comunicação entre eles. O exemplo mais famoso destes jogos para múltiplos usuários é o Everquest – que chega a reunir até mesmo 300 mil usuários conectados simultaneamente, de um total de 500 mil assinantes. Em maio de 2005 - de carona com o lançamento nos cinemas de Episódio III: a vingança dos Sith – o cineasta George Lucas finalizou a série Star Wars Galaxies, um conjunto de três jogos eletrônicos para múltiplos usuários. Nestes games, os participantes podem “encarnar” alguns dos famosos personagens de Guerra nas Estrelas e praticar atividades típicas da vida humana. Através de um processo de comunicação os usuários podem estabelecer relações sociais e profissionais, enquanto avançam no desafio proposto pela disputa. Frente estas características do MMORPG, o presente artigo busca refletir sobre os possíveis relacionamentos que podem ocorrer entre os participantes de Star Wars Galaxies no ambiente do jogo, e alguns de seus eventuais reflexos no mundo real. Acreditamos que estes jogadores devem desenvolver virtudes de comerciante e empreendedor para seguir na disputa. Neste sentido, pensamos que outros ambientes virtuais da Internet – além do jogo – podem ser utilizados pelos jogadores para a comunicação, sempre comungando no interesse pelo game e pela marca Star Wars. Para desenvolver esta discussão, trataremos de mostrar – num primeiro momento – alguns conceitos aproximam o jogo eletrônico da condição de meio de comunicação, apresentando certos detalhes importantes para a compreensão da lógica dos MMORPGs. Em seguida, buscaremos reflexões que apontam para a formação de comunidades virtuais imersas no cenário do jogo, além de pensar sobre algumas possibilidades concedidas ao jogador durante a disputa. Os MMORPGs oferecem uma proposta fascinante para o campo da Comunicação Social, e acreditamos algumas das relações firmadas nestes ambientes podem ultrapassar os limites do jogo. A mídia – nesta época marcada pela pirataria digital – pode estar perdendo seu valor. No caso dos jogos para múltiplos usuários, o valor cobrado não se aplica ao CD ou cartucho que contém o jogo, e sim pela inserção e manutenção do jogador no cenário da disputa. Pensamos que – em relação aos jogos eletrônicos – estamos diante uma cultura caracterizada pelo acesso. PERSPECTIVAS DA COMUNICAÇÃO MEDIADA PELO GAME Para compreendermos o jogo eletrônico na condição de um meio de comunicação devemos recorrer ao trabalho do professor Espen Aarseth (1997), no qual foi configurado o conceito de literatura ergódica: ocorre quando um texto requer um esforço não-trivial para ser “atravessado” pelo leitor. Além do trabalho de interpretação semiótica do próprio texto, o sujeito deve realizar um esforço físico para seguir adiante no processo de leitura. Dentre os exemplos ocorrentes identificados por Aarseth, podemos citar o I-ching, os MUDs 1e os games digitais. Neste caso, percebe-se que o “leitor” realiza um esforço físico no momento em que ele manipula o joystick – transpondo as barreiras impostas pelo jogo, passando de fase em fase – para seguir adiante no processo de leitura do texto eletrônico, visualizado no game. Entretanto, podemos destacar a presença de um outro elemento, que também oferece um processo de leitura à luz do conceito de Aarseth: os MMORPG, ou jogos eletrônicos para múltiplos usuários. Este tipo de software oferece uma possibilidade de convívio social semelhante à presente nos MUDs junto a um processo de imersão em 3D, além de possuir uma jogabilidade bem próxima à dos mais famoso RPGs2. Para André Lemos “os MUDs são jogos, semelhantes aos Role Playing Games, construindo universos ficcionais através de palavras escritas, criando um ambiente lúdico-imaginário com múltiplos usuários” (2004:149159). Os MUDs são mundos virtuais que oferecem aos seus participantes uma forma de convívio social em um ambiente virtual, através da conexão em rede. Analisando os MMORPGs, notamos que eles também promovem um convívio social entre seus múltiplos usuários – na medida em que eles precisam se comunicar e estabelecer relações de troca para seguir adiante no jogo - porém este dispositivo é dotado de uma interface gráfica que oferece um alto grau de resolução e uma jogabilidade bem próxima à dos 1 2 Multi User Domains Role Playing Game RPGs. O que está em jogo no MMORPG é uma acirrada disputa - típica dos games de sucesso – que requer de seus participantes uma certa organização social para atingir em objetivos. Assim, pensamos que estes jogos para múltiplos usuários podem desempenhar o papel de um meio de comunicação – considerando a presença da atividade ergódica definida por Aarseth e de uma linguagem chat, que viabiliza o diálogo entre os jogadores – entre os usuários que estão imersos neste ambiente virtual. O MMORPG pode ser entendido como uma hibridização entre os games digitais e os MUDs - em convergência com a Internet – o que apontada para o trabalho de Castells (1999), no qual ele diz que o novo sistema de comunicação é organizado pela integração eletrônica de todos os meios de comunicação (Cf.: 395). CONHECENDO ESTE NOVO DOMÍNIO O MMORPG se difere dos games tradicionais sobretudo por disponibilizar um sistema de linguagem chat, através do qual o jogador pode se comunicar com os outros usuários conectados. Os Avatares que o sujeito pode encontrar ao longo do processo são controlados por outras pessoas dispostas em diferentes lugares do mundo - que logicamente têm seus diferentes objetivos no jogo – e não são comandados pela memória da máquina, como ocorre nos games tradicionais. Segundo Kolo & Baur (2004) o MMORPG é um ambiente mais próximo do mundo real por duas razões. A primeira diz respeito a sua funcionalidade, no sentido de ações possíveis, afinal um jogador pode desempenhar atividades práticas da vida humana – como trabalhar, estudar, conversar, dirigir, etc – além de outros tipos relacionamento, como o matrimônio. O segundo é referente à sua aparência. Assim como o espaço físico, o ambiente do MMORPG também apresenta três dimensões geométricas, promovendo uma percepção espacial mais próxima à do mundo real. Além disso, o usuário dispõe de um processo de comunicação em tempo real – uma linguagem chat – para se comunicar com os outros jogadores no decorrer do processo de jogo. Esta maneira oferecida para o jogador se comunicar dentro do jogo-que é bem semelhante à encontrada nas salas de bate-papo – torna as configurações temporais de diálogo presentes no MMORPG mais próximas às do mundo real. Existe até mesmo um sistema interno de e-mails disponibilizado para um jogador se comunicar com outros companheiros, espalhados pelo espaço do game. Considerando todas estas possibilidades oferecidas por um MMORPG, podemos pensar este dispositivo na condição de um mundo virtual, à luz de Edward Castronova – um dos pesquisadores que escreve para o jornal on-line editado por Aarseth3. Em seu artigo Virtual Worlds: A First-Hand Account of Market and Society on the Cyberian Frontier, Castronova coloca que os mundos virtuais - virtual worlds – “são produtos que combinam os gráficos 3D e as possibilidades dos jogos mais populares - como Tomb Raider – à linguagem chat presente nos MUDs” (2001:06). Em outras palavras, são softwares que reproduzem as mesmas configurações espaço-temporais presentes nos games de sucesso, associadas a uma linguagem chat – típica das salas de bate-papo - que possibilita um processo de comunicação em tempo real entre seus usuários conectados. Neste sentido, podemos relacionar a proposta de um MMORPG ao conceito de “mundo virtual” estabelecido por Castronova. É particularmente interessante ressaltar que, em seu trabalho, este autor destaca uma iminente popularização destes mundos virtuais, no momento em que se refere a eles utilizando a sigla “WV” - de Virtual Worlds. Esta ação pode acenar para uma iminente popularização destes domínios para múltiplos usuários, afinal esta sigla é a mesma utilizada pelo carro popular mais famoso da história automobilística: o fusca - Volkswagen, que em alemão significa carro do povo. Finalizando, Castronova alerta que, se os mundos virtuais passarem a ocupar um pedaço cada vez maior do dia–a-dia do homem, seu desenvolvimento causará um grande impacto sobre as macroeconomias do mundo real (2003:01). Existem casos em que os usuários do famoso MMORPG Everquest estabeleceram relações comerciais com os outros jogadores - negociando personagens, casas virtuais, etc – dentro do próprio ambiente do jogo. A iminente popularização dos “VW” e o livre arbítrio concedido aos seus jogadores poderão ser responsáveis por abrir um novo campo de negócios, que tem em seu convés um dos “gigantes” do capitalismo cultural mundial - a empresa Sony – encarregada da gestão de muitos MMORPG. Porém, podemos pensar que em pouco tempo este sentido de administração se altere para o de jurisdição, pois - considerando a popularização destes game e seus reflexos sobre as economias do mundo – será necessário elaborar leis apliquem punições aos seus infratores. UMA COMUNIDADE DE JOGADORES Como já mostramos neste artigo, os MUDs podem ser encarados como os antecessores dos MMORPGs, no que se refere às possibilidades de convívio social entre seus usuários conectados. Esta constatação abre caminho para refletirmos sobre da existência de 3 www.gamestudies.org comunidades virtuais – criadas a partir das afinidades e objetivos em comum demonstrados pelos participantes - que gravitam no ambiente de Star Wars Galaxies. Segundo André Lemos “as comunidades virtuais eletrônicas são agregações em torno de interesses comuns, independentes de fronteiras ou demarcações territoriais fixas” (2004: p.87). Logicamente se os MUDs já apontavam para disposição de seus participantes em comunidades - de acordo com a proposta de Lemos, - podemos deduzir que grupos virtuais de interesse comum também podem ser formados dentro do ambiente proposto pelo MMORPG – uma vez que o diferencial deste modelo para o primeiro é um estilo de desafio mais atraente, dispondo de gráficos em 3D. Dentro deste objetivo, em outro trabalho em que discutimos SWG4 (Andrade, 2005), apresentamos reflexões que acenam para a formação de comunidades virtuais dentro do jogo, compostas por jogadores que apresentam os mesmo interesses na disputa. Mostramos que os usuários deste domínio - partilhando de tempo e espaço, beneficiados por um processo de comunicação em tempo real – podem se reunir em torno de objetivos comuns, o que aplica a este grupo de jogadores a noção de comunidade virtual (Sá, 2001, 2003). Acreditamos no surgimento consciência atuante e objetivada - um ethos (Sodré, 2002:45-46) - que dê aos participantes o sentido de comunidade virtual, norteando-os na busca de seus objetivos dentro do cenário da disputa. Direcionando nosso olhar para Castells (1999), destacamos que O novo sistema de comunicação transforma radicalmente o espaço e o tempo, as dimensões fundamentais da vida humana. Localidades ficam despojadas de seu sentido cultural, histórico e geográfico e reintegram-se em redes funcionais ou colagens de imagens (p.397) Refletimos que as comunidades virtuais eletrônicas, de acordo com definição de Lemos, podem encontrar neste novo sistema de comunicação citado por Castells um âmbito ideal para a prática de relações sociais típicas do mundo real – afinal o MMORPG permite que o usuário exerça profissões, se relacionando com outros jogadores conectados. Focalizando a proposta de SWG, podemos compreender que este jogo desempenha a função de mediador de um processo de comunicação entre seus múltiplos usuários conectados, através da troca de mensagens textuais e simbólicas. O fato do ambiente da disputa ser totalmente virtual - e reunir participantes dispostos em diferentes locais do mundo - faz com que os jogadores percam parte de seus elemento culturais, históricos e geográficos do mundo real. – e reconfigurem suas identidades individuais e coletivas, considerando que os participantes podem incorporar a estética dos famosos personagens da série. Os usuários 4 esta sigla será utilizada – em alguns momentos – para fazer referência ao game Star Wars Galaxies encontram-se conectados em um outro sistema e nele precisam estabelecer diferentes formas de relacionamento, para se projetarem dentro desta nova esfera de convívio social. “A Internet foi apropriada pela prática social em toda a sua diversidade” (Castells, 2003, p.99). Porém, os membros destas comunidades virtuais criadas em SWG podem comungar em outro interesse, senão os seus objetivos e interesses demonstrados no jogo: podemos pensar que eles são – em certo sentido – fãs de Guerra nas Estrelas, ou pelo menos pessoas que se mostram extremamente fascinadas pela proposta dos filmes da série. E o que o game oferece, nada mais é que uma possibilidade do sujeito “viver” na perspectiva dos famosos personagens criados por George Lucas A partir desta reflexão, voltamos ao o texto de Lemos A cibercultura aceita o desafio da sociedade de simulação e joga (...) com os símbolos da sociedade do espetáculo. No entanto, a cibercultura não pertence mais ao espetáculo, no sentido dado pelo situacionista francês Guy Debord. Ela é mais que o espetáculo, configurando-se como uma manipulação digital do próprio espetáculo (2004, p.90). No sistema proposto por Galaxies, os usuários podem realizar algo mais que a simples contemplação dos efeitos especiais e outros elementos estéticos, como na experiência espectatorial de Guerra nas Estrelas, no cinema. Movido pelo desejo de poder incorporar os famosos personagens de Star Wars, o sujeito pode encontrar uma forma de dar seu próprio desencadeamento à história, interagindo com outras pessoas sob a forma de Avatares em um regime espaço-temporal mais parecido com o do mundo físico. Em um texto no qual relaciona comunidades virtuais à noção de atividade ergódica, Simone Pereira de Sá (2003) busca distanciar o esforço praticado pelo usuário dos ambientes digitais do realizado pelo sujeito pertencente ao par emissor-receptor da teoria clássica sobre os meios de comunicação. Buscando compreender de forma concreta a utilização do computador pelo participante das comunidades virtuais, desenvolvemos o argumento de que o que distingue do par emissor – receptor dos meios de comunicação “clássicos” é a atividade ergódica. Tal atividade exige dele um esforço não-trivial para se relacionar com um meio estável, que pode ser compreendido como um ambiente imersivo, constituído tecnologicamente pelos softwares. (p.158) Ainda segundo a autora, no caso específico do computador este esforço feito pelo usuário “supõe a atividade de imersão em uma ambiente estável – seja teclando numa sala de bate-papo, jogando um game ou participando de uma lista de discussão – e que difere do esforço interpretativo típico da decodificação do receptor” (Idem:150). O pai do conceito de literatura ergódica – Espen Aarseth – chama de cibertextos estes exemplos mais “dinâmicos”, não se limitando assim apenas aos textos eletrônicos, mas também a outros exemplos que requerem um esforço não-trivial de seu leitor, como os já citados anteriormente. Voltando nosso foco para os textos eletrônicos presentes na memória do computador, podemos refletir que o esforço físico de deslizar os dedos sobre o teclado ou ainda arrastar o mouse fazem parte da trivialidade característica do meio. Neste sentido, quando teclamos em uma sala de bate-papo, em uma lista discussão ou simplesmente digitando um texto no word, estamos sim realizando um certo esforço físico, mas que pode ser entendido como trivial quando se relaciona ao texto do computador – afinal é uma atividade inerente ao uso do computador. Porém, no caso do MMORPG – da mesma forma que é essencial teclar nas guildas5 – o usuário é obrigado a controlar seu Avatar para combater os inimigos e se locomover pelo espaço do jogo. Assim, pensamos que a atividade requisitada por um jogo eletrônico para múltiplos usuários é ergódica, porém diferente da praticada por usuários em outros domínios do computador – mas suficiente para caracterizar o MMORPG como mais um exemplo em que percebemos o conceito de Aarseth. Nesse caso, quando o usuário controla seu Avatar para atingir seus objetivos na disputa e vencer seus “inimigos” – e participa de discussões com os outros jogadores – ele exerce um esforço físico distante da trivialidade típica do uso do computador. O MERCADO DO ACESSO Após toda esta apresentação, refletimos que a principal novidade introduzida pelos MMORPG, no mercado mundial de games digitais, é a venda de acessos que permitem que um jogador participe do disputa eletrônico. O usuário deve agora pagar uma para se manter ativo no ambiente da disputa. A indústria de videogames pode estar vertendo para um novo estilo cultural, uma cultura na qual o acesso figura como elemento essencial. Nos dias atuais – frente à acelerada evolução digital - acreditamos que o indivíduo possa obter qualquer game digital por meio da pirataria eletrônica. Para coibir esta ação, os fabricantes de jogos eletrônicos mudaram sua tática na configuração do aparato, pelo menos em alguns casos. No exemplo dos MMORPG - utilizando um cartão de crédito internacional o sujeito se compromete a pagar mensalmente um determinando valo para poder acessar o mundo proposto pelo jogo. Assim, notamos que o foco dos lucros pretendidos pelo fabricante não está mais na mídia – CD ou cartucho - e sim na experiência do usuário nestes domínios. 5 Caixas de diálogo disponíveis em SWG, utilizada para a comunicação entre os jogadores Uma outra característica percebida nestes dispositivos é que quase todos os Avatares encontrados no decorrer do jogo não são controlados pela máquina. São, na prática, outros assinantes do sistema que – além de partilhar tempo e espaço - também participam do desafio. No caso de Star Wars Galaxies, o indivíduo deve pagar a tal mensalidade – no valor de US$ 15 - a SOE6, quantia que pode ser debitada automaticamente em cartão de crédito. No caso das mídias, existem três volumes de CDs que juntos compõem a experiência total no universo do jogo. O primeiro deles– An Empire Divided – é o mais importante, pois somente depois de instalado é que o usuário pode utilizar os outros dois. O segundo –Jump to the Lightspeed – permite que o sujeito utilize veículos mais potentes e rápidos, além oferecer novas missões aos jogadores. O terceiro – Rage of the Wookies - possibilita viagens até planetas mais longínquos. Depois de realizada esta operação, o servidor envia ao seu usuário um registro – chamado CDKey – que é a “chave” para sua conexão no ambiente da disputa. Este CDKey pode ser usado para jogar Star Wars Galaxies em qualquer computador que tenha o software pelo menos o primeiro - instalado em sua memória. É interessante retomarmos que – neste caso – o sentido de “acesso a uma experiência de vida” ganha ainda mais força, pois usuário pode jogar a qualquer momento, em qualquer máquina, em qualquer lugar – o CDKey garante o acesso do indivíduo ao mundo do jogo. Neste sentido Rifkin (2001) destaca que, nos dias de hoje, controlar o cliente é tão importante e tão urgente quanto foi o controle sobre os trabalhadores, em tempos em que dominava a perspectiva da manufatura (Cf. : 144). Talvez esta possibilidade de não-centralizar as possibilidades de acesso aos ambientes on-line dos MMORPG reflita um controle mais acentuado na rotina diária dos jogadores, considerando que o dispositivo consome um tempo mais parecido com o humano. Desta forma, podemos pensar nos sintomas percebidos em certas situações cotidianas contemporâneas – sobretudo nos mais jovens - nas quais o computador parece “administrar” seu usuário. Este tipo de controle que as redes podem exercer sobre seu usuário já foi alertado por Castells, quando este se refere às fascinantes possibilidades de “libertação”, mas também quanto aos problemas da dominação promovidos pela Internet. Para utilizar as maravilhas da tecnologia, devemos concentrar nossa ação no contexto específico da dominação e da e libertação em que vivemos: sociedade em rede, construída em torno das redes de comunicação da Internet. (2003: 225) Muitas vezes – quando o indivíduo se dispõe a jogar um MMORPG - a tendência é que o usuário destine uma parte considerável de seu tempo livre às atividades exigidas pelo dispositivo, em virtude do regime temporal presente no jogo – fato que não pode ser notado em games anteriores Neste sentido, Rifkin (2001) aponta o trabalho da agência de turismo Cook, início do século XIX, que em certa perspectiva já transparecia este novo sistema capitalista que alguns fabricantes de videogames empregam nos dias de hoje. A análise do autor aponta que a Cook compreendeu que a mercantilização de experiências requeria uma sensibilidade diferente à mera venda de produtos ou serviços. Viu que rapidamente que triunfar exigia transformar a relação comprador – vendedor em outra, como provedor – usuário ou comprador – cliente (2001: 200). Nos primeiros tempos dos jogos eletrônicos, a relação proposta pelo mercado era comprador – vendedor, os fabricantes ganham dinheiro vendendo cartuchos aos jogadores. Nos dias atuais, foi disponibilizada uma outra relação, de acordo com a proposta inovadora da Cook, citada por Rifkin. Em parceria com um dos gigantes do capitalismo mundial – em muitos dos casos trata-se da empresa Sony – a indústria de games oferece esta mesma proposta provedor-usuário, servidor- cliente, cujo valor é pago para que o indivíduo se mantenha imerso no ambiente da disputa. Neste sentido, o procedimento realizado pela Cook e atividade desempenhada pelo servidor de um MMORPG podem ser tomados como análogos. Retomando o caso de SWG, em seu primeiro acesso o usuário deve configurar seu Avatar, de acordo com as possibilidades concedidas pelo jogo. Dentre as opções, uma delas se torna obrigatória: o indivíduo deve escolher se seu personagem desempenhará atividades de guerreiro ou trabalhador. Como na vida real, o mundo de SWG possui um sistema monetário corrente, e os jogadores precisam desempenhar atividades remuneradas no mundo proposto pelo jogo avançarem na disputa. Se o usuário optar por fazer de seu Avatar um guerreiro, ele deverá cumprir missões e será recompensado por elas. No caso de ser um trabalhador, o sujeito ganhará dinheiro prestando serviços aos outros jogadores – que se apliquem às habilidades profissionais concedidas ao Avatar. São muitas as profissões que o personagem pode desempenhar em SWG - político, engenheiro, arquiteto, cozinheiro, alfaiate, dançarino, piloto construtor de naves e Droids, especialista em trilhas e acampamentos, decorador, dentre muitas outras – além das opções de se tornar um guerreiro Jedi ou Sith. Se escolher - por exemplo – ser um engenheiro ou arquiteto, o Avatar pode criar equipamentos e botá-los à venda. Sendo um mercante, o jogador pode estabelecer relações comerciais com usuários dispostos em todo o universo do jogo. É interessante citarmos que – da mesma maneira que na vida – estas relações comerciais podem ser “legais” ou não, pois o game ainda oferece a 6 Sony On-line Entertainmentb possibilidade do jogador se tornar um contrabandista, e desta maneira estabelecer negócios escusos por toda a Galáxia Um exemplo de uma passagem da vida social humana – que em certo sentido é reproduzida em SWG – é a cerimônia de matrimônio entre jogadores de sexo diferente, na disputa. Se dois Avatares estiverem dispostos a se casar – que no jogo é uma festa grande e pomposa – ele deverá fazer contato com outros jogadores e contratar seus serviços para o evento: pagar um alfaiate para fazer o terno, um cozinheiro para fazer a comida, etc. Se o sujeito desejar ter à sua disposição um dos famosos Droids – que no filme realizam as tarefas domésticas – deve contratar os serviços de um engenheiro para fabricá-los. Diante estas possibilidades, é particularmente interessante destacarmos o artigo de Hermano Vianna (2004). Em seu trabalho, o antropólogo aborda o game Everquest – um dos MMORPG que mais obteve sucesso em todo mundo – ao qual ele atribui o sentido de Jogo da Vida. O que me interessa mesmo nesses mundos virtuais todos é essa possibilidade, que os jogadores de "Everquest" e outros games on-line exploram todos os dias, de viver várias vidas ao mesmo tempo, como se nossa vida "real" não bastasse ou fosse muito pequena diante da capacidade de imaginação e interação social aberta que temos em nossa curiosa natureza humana. Os jogos eletrônicos radicalizam desejos de múltiplas personalidades que outras artes alimentavam com dificuldade (p.04) Neste sentido, pensamos que um MMORPG fundamentado na lógica de Guerra nas Estrelas pode atrair as pessoas – que podemos chamar de fãs - já acostumadas a consumir produtos licenciados desta marca. Neste prisma, refletimos que SWG pode se distanciar dos outros jogos para múltiplos usuários já existentes pois seus jogadores podem ser tomados na condição de fãs de Star Wars. Estes usuários – reunidos em um espaço virtual – formam um grupo cujo interesse é movido pela adoração em comum da temática elaborada por George Lucas, nos filmes. Esta imensa comunidade criada entrono da marca “Guerra nas Estrelas” encontra em SWG um ambiente que apresenta um regime de tempo mais parecido ao mundo real, onde também podem realizar atividades típicas da vida humana, como trabalhar, empregar, criar círculos de amizades, profissionais e amorosos. “Como vimos, o presenteísmo e a teatralidade da vida social vão utilizar o potencial das novas máquinas digitais” (Lemos, 2004:110). Essas relações firmadas entre os jogadores transpareceram outras afinidades entre os mesmos, o acarretará no surgimento de novas comunidades virtuais inseridas no ambiente do jogo. Direcionando nosso olhar para o texto de Isleide Fontenelle (2004), encontramos que “a indústria cultural sofre seu mais profundo impacto com a emergência das novas tecnologias, já que tudo que possa ser formatado como programa (games, vídeos, músicas, textos) pode ser simplesmente acessado, não mais comprado” (p.190). Esta “programação” de Star Wars sob o formato de jogo eletrônico para múltiplos usuários pode ser um dispositivo altamente sedutor para os inúmeros fãs da marca, pois através dele os jogadores podem ter acesso ao estilo de vida visualizado em Guerra nas Estrelas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste trabalho, buscamos distanciar os MMORPGs dos outros tipos de games digitais existentes, sobretudo em relação à questão da venda acessos aos jogadores – investigando o jogo Star Wars Galaxies. A partilha de tempo e espaço entre seus usuários – atrelada ao processo de comunicação via tell7 e linguagem chat – e as possibilidades de configurar uma forma de convívio social entre os jogadores, implicarão na disposição destes participantes em comunidades virtuais, ordenadas pelo grau de afinidades entre seus membros – dentro do ambiente do game. Este tipo “alternativo” de relacionamento social– sob a roupagem de Guerra nas Estrelas - entre os usuários tornam SWG um dispositivo altamente sedutor para o indivíduo contemporâneo, sedento por novas experiências. Podemos encontrar um alicerce para pensar esta opção virtual de vida social – advinda da fusão entre jogo eletrônico, MUD e Internet – em Castells, no momento em que ele diz “se alguma coisa pode ser dita é que a Internet parece ter um efeito positivo sobre a interação social, e tende a aumentar a exposição a outras fontes de informação” (2003: 102). O game conectado à Internet pode ser pensado na função de um agente apto a promover a vida social online, dentro do estilo proposto pelo jogo. Agora, tomamos o trabalho de Isleide Fontenelle em interseção com Rifkin. nesta perspectiva, as noções de “Era do Acesso” e “Mercado de Experiências” podem ser diretamente relacionadas. Se o autor afirma que a Era do Acesso é definida pelo comércio de experiências, podemos pensar que o MMORPG é, em suma, um verdadeiro “mercado” que vende experiências de “vida” para quem se dispõe a acessá-lo – os jogadores. Esta mercantilização de qualquer experiência humana – a exemplo do que é oferecido em Star Wars Galaxies e outros MMORPGs é destacada por Rifkin como o mais importante diferencial da Era do Acesso (Cf.:2000: 137). 7 outro recurso disponível para a comunicação entre jogadores em SWG, semelhante ao sistema de correio eletrônico (e-mail) Pensamos que Star Wars Galaxies coloca em jogo uma forma de acesso ao estilo de vida que pode ser percebido no conteúdo dos filmes da série - configurando uma opção extremamente sedutora para os inúmeros fãs de Guerra nas Estrelas, espalhados pelo mundo. Estes jogadores conectados – que comungam no interesse por Star Wars - podem utilizar o game para mediar o diálogo entre eles. Para trocar informações no jogo, o usuário pode utilizar as Guildas e se comunicar em tempo real com os outros perticipantes, ou ainda o sistema de mensagens via tell, que envia textos para qualquer jogador, localizado em qualquer lugar do espaço oferecido em SWG. Neste prisma, podemos pensar que SWG funciona como um novo canal de comunicação, através da Internet, entre pessoas que apresentam um interesse em comum - a temática de Guerra nas Estrelas – que por sua vez já estão acostumadas a trocar informações em outros formatos dispostos na web – listas de discussão, fórum, Blogs, Orkut, etc. Uma vez inserido no ambiente do jogo, o usuário deve configurar seu Avatar e escolher suas habilidades profissionais. Em seguida, se movendo pelo ambiente do game, ele encontrar outros jogadores com os quais deve se comunicar e estabelecer relações sociais para seguir adiante no jogo – procedimento que implicará na disposição destes jogadores em comunidades virtuais, dispostas pelo cenário de SWG. Durante o desafio, o Avatar necessita aprimorar suas habilidades, comprar equipamentos, construir sua casa – e para isto é necessário ganhar “dinheiro”, estabelecendo relações profissionais com os outros jogadores que participam da disputa. Se o personagem tiver habilidades de guerreiro, ele receberá ordens de missão e, em caso de cumpri-las, será remunerado. No caso de ser um profissional engenheiro, cozinheiro, alfaiate – os serviços do Avatar serão requisitados pelos outros jogadores – para a construção de casas, confecção de roupas, etc. E ainda se o personagem for um mercante ou contrabandista, ele deverá estabelecer comércios – escusos ou não – por toda a galáxia. Esta é a razão pela qual Vianna (2004) aplica aos MMORPG o sentido de “Jogo da Vida”. Para acessar Star Wars Galaxies, devemos nos conectar a um servidor que nos permite visitar os planetas dispostos no universo do jogo, e consequentemente participar das comunidades criadas dentro do ambiente da disputa. Dentre os oito servidores disponíveis no mundo, existe um – o Bloodfin – que hospeda a maior parte dos brasileiros que jogam SWG. Nele podemos encontrar uma comunidade chamada Phalanx que é composta por usuários do Brasil, o que sinaliza a utilização de um diálogo em português. O uso do idioma nativo favorece a comunicação entre os membros do grupo, facilitando a tarefa de estabelecer relações sociais, pessoais e profissionais. Assim, os jogadores que participam de uma mesma comunidade – como ocorre na Phalanx – preferem contratar os serviços profissionais prestados pelos outros integrantes do grupo, mediante suas necessidades demonstradas no decorrer da disputa – o que aponta para um sentido de empreendorismo e consumismo inseridos na disputa. Os reflexos destas relações estabelecidas entre os jogadores – na comunidade Phalanx – podem ser percebidos em outros formatos da web. No site de relacionamentos Orkut, existe uma comunidade chamada Star Wars Galaxies Brasil onde os usuários trocam experiências e informações sobre o game, sem utilizar a o espaço e o figurino típico do jogo. Ali um jogador pode se comunicar com outro sob sua forma real, fora do cenário de SWG - entretanto a conversa muitas vezes gira em torno de interesses despertados através do processo de jogo. No site www.mmobrasil.com, podemos encontrar um extensa lista de discussão sobre Galaxies, em que nos deparamos com mais diálogo entre os jogadores, também visando a troca de experiências e informações sobre o game. E ainda certos quadros de momentos significativos para a comunidade, no jogo – como inauguração de templos, festas de casamentos, etc. Quando nos comprometemos a fazer parte de listas virtuais de discussão sobre um certo tema, ou então a pagar para jogarmos um game - e até mesmo a comprar entrada em lugares freqüentados por pessoas que admiramos, ou ainda adquirir roupas semelhantes às usadas por personagens vistos na TV - o que estamos comprando são, na verdade, acessos a determinados estilos de vida. Neste sentido, podemos recorrer a Lemos no momento em que ele coloca que “ao invés de inibir as situações lúdicas comunitárias e imaginárias da vida social, elas – as novas tecnologias – vão agir como vetores potencializadores dessas situações, da socialidade” (2004:84). Assim, podemos pensar que um dos vetores da economia contemporânea é um novo tipo de mercado, que se define principalmente pela venda de acessos a diferentes estilos de vida. Segundo Manoel Castells, “as culturas são formadas por processos de comunicação” (1999:394). Se considerarmos uma das tendências – que sugere as noções acerca de era do acesso e mercado da experiência – da economia contemporânea, é possível refletir que esta intenção se responsabilize pela configuração de um novo tipo de comportamento a ser percebido nos consumidores – sobretudo de jogos eletrônicos – que logicamente apontará para o surgimento de um novo tipo de cultura. E neste novo regime, a comunicação entre os participantes é possibilitada pela conexão em rede dos consoles. Assim, percebemos que o advento dos MMORPG colocou em jogo no mundo dos games um novo tipo de cultura, que pode ser pensada - à luz das discussões que envolvem as noções de era do acesso e o mercado da experiência - como a Cultura do Acesso. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AARSETH, Espen. Estudos do jogo de computador, ano I. Gamestudies. S/l: s/ed., 2001. ________________. Cibertext: perspectives on ergodic literature. Baltimore and London: The John Hopkins Univ. Press, 1997. ADORNO, Theodor & HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. ANDRADE, Luiz Adolfo de. A Galáxia de Lucas: de Guerra nas Estrelas ao ethos virtualizado. Intercom. Rio de Janeiro: 2005. CASTELLS, Manoel. A Galáxia da Internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. CASTELLS, Manoel. Sociedade em rede. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999. CASTRONOVA, Edward. Theory of the Avatar. 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