Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos
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Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos - NTU TRANSPORTE PÚBLICO URBANO crise e oportunidades Versão Preliminar Brasília - agosto de 1998 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 3 1.1- Objetivo do estudo.................................................................................................................................... 3 1.2 - Referências metodológicas ...................................................................................................................... 4 1.3 - Organização do relatório ........................................................................................................................ 4 2. O PROBLEMA ................................................................................................... 5 2.1 - Os números do problema ........................................................................................................................ 6 Passageiros transportados ......................................................................................................................... 6 Produção quilométrica .............................................................................................................................. 8 Índice de passageiros por quilômetro ........................................................................................................ 9 Tendências de longo prazo ...................................................................................................................... 11 Tarifas ..................................................................................................................................................... 12 2.2 - Porque está diminuindo a quantidade de passageiros? ..................................................................... 15 Transporte por automóvel ....................................................................................................................... 16 Motocicletas ............................................................................................................................................ 17 Transporte escolar ................................................................................................................................... 17 Outros tipos de fretamento ...................................................................................................................... 18 Transporte clandestino e alternativo ....................................................................................................... 18 Eliminação de deslocamentos. Viagens a pé ........................................................................................... 19 2.3 - Porque está aumentando a produção quilométrica? .......................................................................... 19 2.4 - Outros componentes .............................................................................................................................. 21 Custos operacionais ................................................................................................................................ 21 Demanda e dinâmica populacional ......................................................................................................... 24 2.5 - Conclusões.............................................................................................................................................. 25 3. AS POLÍTICAS ................................................................................................ 28 3.1 - Infra-estrutura sem investimentos ....................................................................................................... 28 3.2 - Integração tarifária ............................................................................................................................... 30 3.3 - Novos serviços de microônibus ............................................................................................................. 34 3.4 - Bilhetagem automática ......................................................................................................................... 39 3.5 - Licitações................................................................................................................................................ 44 3.6 - Modelos de Concessão........................................................................................................................... 49 Quadro de referência ............................................................................................................................... 50 Situação atual .......................................................................................................................................... 52 4. CONCLUSÕES ................................................................................................ 56 2 1. INTRODUÇÃO 1.1- Objetivo do estudo Este estudo consiste numa análise dos problemas econômicos e institucionais que o setor de transportes coletivos urbanos vem enfrentando no período que se seguiu à implantação do Plano Real e das estratégias adotadas pelos órgãos gestores e operadores visando a sua superação. Em 1997, o transporte clandestino ou informal foi (e continua sendo) objeto de muita preocupação, tanto na área estatal como privada. A participação das kombis, vans e mototaxis no mercado de transporte urbano cresceu de maneira inesperada em todo o País e foram reiteradas as tentativas de sua institucionalização nos chamados sistemas de transporte alternativo. Para compreender a expansão do transporte informal, a NTU e a ANTP realizaram uma pesquisa em várias cidades, seguida por debates e estudos em diversos encontros nacionais e regionais. Ao longo das pesquisas, estudos e debates, percebeu-se que o transporte informal era apenas uma das facetas de um processo de transformação muito mais amplo que vem se manifestando no mercado de transporte coletivo urbano e que está atingindo duramente a economia do setor. Estas transformações (porque não dizer desajustes?) têm muito a ver com a dinâmica da economia nacional e com o processo de estabilização monetária que se sucedeu à implantação do Plano Real em 1994. Ao perceber esta outra dimensão do problema, a NTU partiu para uma série de consultas a lideranças do setor na área estatal e privada em 11 das maiores cidades brasileiras. Com base nestas entrevistas, principal fonte de informações para este trabalho, procurou-se entender melhor a dinâmica recente do transporte coletivo urbano no País. Grande parte das questões aqui abordadas estão também incluídas nas agendas de discussões sobre licitações e concessões dos serviços de transporte que vêm se repetindo em muitas cidades. Isso é natural uma vez que o processo licitatório evoca as relações contratuais entre o estado e as operadoras privadas e é exatamente aí em que parece se encontrar a origem dos desajustes dos serviços formais de transporte coletivo às novas condições do mercado de transporte urbano. Em outras palavras, a capacidade de reação aos estímulos do mercado depende muito da maneira como se está lidando com a regulação pública dos serviços. O objetivo dos estudos não é formular propostas. Com eles, a NTU pretende colocar à disposição de gestores, técnicos e autoridades um conjunto de informações e análises que ajudem na definição de estratégias para superar os problemas atuais e promover um processo sustentado de desenvolvimento no setor. 3 1.2 - Referências metodológicas As conclusões do estudo estão baseadas principalmente nas informações levantadas em entrevistas com gestores de organizações públicas e privadas de 11 cidades brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre, Salvador, Curitiba, Belém, Goiânia, Florianópolis e Campinas. Em cada uma destas cidades foram feitas reuniões com os órgãos gestores públicos e com os sindicatos ou associações representativos dos operadores privados, tanto no âmbito dos sistemas municipais principais (geralmente os municípios das capitais), como dos sistemas intermunicipais metropolitanos. A escolha das cidades baseou-se nas dimensões do sistema de transporte público e na presença de experiências importantes sob o ponto de vista dos modelos de gestão e das políticas de mercado. Obviamente, pesaram também fatores ligados à limitação dos recursos disponíveis para os estudos. Em nenhum momento da realização dos trabalhos houve a intenção de levantar informações e conclusões estatisticamente válidas para os serviços de transporte no universo das cidades brasileiras. O que se visou foi apenas reunir fatos e idéias que estão mobilizando as preocupações dos gestores públicos e privados, a fim de organizar a agenda dos debates sobre políticas para o setor que se pretende lançar, em plano nacional, a partir do segundo semestre de 1998. Os estudos não envolveram pesquisas em fontes primárias. A maioria das informações foi coletada junto a lideranças e gestores dos transportes públicos e, portanto, as conclusões de diagnóstico estão fortemente influenciadas por este “filtro” político e institucional. Subsidiariamente, recorreu-se também a informações de fontes secundárias locais (estudos, relatórios etc.) e as estatísticas disponíveis no banco de dados da NTU. Além deste relatório final, encontram-se disponíveis na NTU relatórios descritivos dos sistemas e políticas de transporte nas cidades pesquisadas. 1.3 - Organização do relatório Além desta Introdução, o relatório foi dividido em três partes: no Capítulo 2 apresenta-se uma análise do problema principal com que se defronta atualmente o setor, com destaque para as causas prováveis da queda na quantidade de passageiros transportados e do aumento da produção quilométrica. No Capítulo 3 é feita uma descrição das políticas que os órgãos gestores e operadores privados vêm praticando nas onze cidades pesquisadas, comentadas sob o ponto de vista de seus objetivos e resultados mas principalmente quanto ao seu impacto sobre a economia do setor. Finalmente, no Capítulo 4, destacam-se as principais conclusões do estudo, ao lado da apresentação de algumas indicações preliminares para continuidade dos trabalhos numa fase propositiva. 4 2. O PROBLEMA A estabilização monetária, levada a efeito em meados de 1994, criou fortes estímulos imediatos à expansão do transporte coletivo urbano. Impulsionada pelo crescimento da renda, a demanda atingiu níveis muito elevados em 1995 quando comparados com os anos anteriores. A defasagem entre custos e tarifas acumulada no período de alta inflação que antecedeu a implantação do Real foi rapidamente compensada através dos reajustes praticados entre maio e setembro de 1995, criando um ambiente de alívio financeiro para o setor. Como conseqüência, aumentaram bastante os investimentos na renovação da frota de ônibus. Tudo indicava o início de um novo ciclo de expansão. No editorial do Anuário da Associação de 1995, o Presidente da NTU indicava que “... fatos positivos não faltaram em 1995 e o panorama pode ser ainda mais otimista em 1996. Se a inflação baixar para 15 a 20% e o PIB continuar crescendo em torno dos atuais 4%, os transportes urbanos terão uma excelente base para continuar sua escalada de expansão e modernização”. A inflação se manteve em torno de 9% e o PIB se aproximou do índice desejado (3 a 3,5%) mas as expectativas otimistas em torno do transporte coletivo urbano não se realizaram. Ao contrário, passado o curto período de euforia em 1995, a economia do setor entrou em franco declínio. Na maioria das cidades, a quantidade de passageiros transportados está caindo ou, na melhor das hipóteses, vem se mantendo estável, o que significa, face ao crescimento da população urbana dos grandes centros (caracterizado por taxas baixas mas ainda assim positivas), uma participação decrescente do transporte público no mercado de transporte urbano. Em paralelo, a oferta de transporte público - medida pela produção quilométrica - está aumentando substancialmente nos últimos anos. Quase não há exceções a essa tendência entre as cidades brasileiras. A conseqüência tem sido a queda persistente da produtividade do setor, expressa pelo Índice de Passageiros por Quilômetro (IPK). Uma vez que as tarifas do transporte coletivo são fixadas com base no custo médio dividido pela quantidade de passageiros pagantes, quanto menor o IPK maior a parcela de custo transferida, via tarifa, para cada usuário do sistema. No regime de alta inflação e indexação de preços que durante décadas caracterizou a economia brasileira, a queda de produtividade (e os aumentos de custos internos e externos) costumavam ser repassados para as tarifas sem maiores conseqüências sobre a demanda dos serviços de transporte coletivo, geralmente classificada como “cativa” e de baixa elasticidade em relação aos preços. Com a mudança para um ambiente de estabilidade monetária, os reajustes de tarifas passaram a ter reflexos cada vez mais importantes no comportamento do mercado. Pouco sensível à transformação do ambiente econômico, o setor continuou a praticar, quase mecanicamente, o repasse de custos e ineficiências para as tarifas durante os primeiros anos após o Plano Real. Em 1997 e sobretudo agora, em 1998, começou a ficar claro o esgotamento deste tipo de estratégia, ao menos para um grande número de cidades brasileiras. Mesmo do ponto de vista estatístico é possível demonstrar que os reajustes 5 tarifários médios do setor estão se dando a taxas cada vez menores com o passar do tempo. Isso significa a percepção, pelos agentes econômicos, de que, num mercado a cada dia mais concorrencial, aumentos tarifários implicam freqüentemente redução no número de passageiros, mesmo considerando o efeito amortecedor do subsídio, representado pelo vale-transporte. Os itens seguintes deste capítulo se propõem a discutir com maior detalhe este problema axial dos transportes coletivos urbanos e agregar a ele novos componentes. Antes, no entanto, é preciso situá-lo melhor do ponto de vista quantitativo. 2.1 - Os números do problema Passageiros transportados As estatísticas disponíveis nas cidades pesquisadas mostram que a quantidade anual de passageiros transportados pelos sistemas municipais de ônibus caiu de 3,6% entre 1995 e 1996 e de 5,5% entre 1996 e 1997. A única exceção é Goiânia, onde os volumes de passageiros transportados apresentam um crescimento muito baixo. As maiores quedas vêm acontecendo em São Paulo, Campinas, Recife e Salvador. Tabela 1 Municípios Selecionados Sistemas Municipais de Transporte Público por Ônibus Passageiros Anuais Transportados 1995 - 1997 Passageiros (em 1000) Variação % Município 1995 São Paulo Campinas Recife1 Salvador Belo Horizonte Curitiba Rio de Janeiro Goiânia2 Porto Alegre Total 1996 1997 96/95 97/96 1.965.752 1.828.381 1.620.276 151.532 148.451 133.843 482.094 463.791 438.103 522.323 500.340 473.255 556.458 548.880 532.277 315.652 313.101 303.980 1.201.636 1.190.439 1.183.389 200.622 202.280 202.465 350.560 345.287 349.833 -7,0 -2,0 -3,8 -4,2 -1,4 -0,8 -0,9 0,8 -1,5 -11,4 -9,8 -5,5 -5,4 -3,0 -2,9 -0,6 0,1 1,3 5.746.629 5.540.950 5.237.421 -3,6 -5,5 Fonte: Pesquisa NTU junto a órgãos gestores e sindicatos de operadores (1) Região metropolitana (2) Aglomerado urbano 6 Gráfico 1 Municípios Selecionados Sistema de Transporte Público por Ônibus VARIAÇÃO % NA QUANTIDADE ANUAL DE PASSAGEIROS TRANSPORTADOS 1996/1995 e 1997/1996 7,0 Variação % 2,0 -3,0 -8,0 Seqüência1 Seqüência2 -13,0 São Paulo Campinas Recife Salvador B.Horizonte Curitiba R.de Janeiro Goiânia Porto Alegre Total Há poucos dados para os sistemas intermunicipais metropolitanos. Mas, a julgar pelos casos das regiões metropolitanas ou aglomerações urbanas de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e Florianópolis, a tendência não tem sido muito diferente, embora o declínio na quantidade de passageiros transportados entre 95 e 96 tenha sido um pouco menor do que nos sistemas municipais. As estatísticas mostram uma tendência de baixo crescimento para o sistema administrado pelo DER-MG na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Tabela 2 Regiões Metropolitanas Selecionadas Sistemas Intermunicipais Metropolitanos de Transporte Público por Ônibus Passageiros Anuais Transportados 1995 - 1997 Passageiros (em 1000) Variação % Região São Paulo Belo Horizonte Porto Alegre Florianópolis Total 1995 1996 1997 96/95 97/96 539.927 285.000 164.100 32.911 524.902 288.000 155.900 32.325 468.670 292.000 150.500 29.624 -2,8 1,1 -5,0 -1,8 -10,7 1,4 -3,5 -8,4 1.021.938 1.001.127 940.794 -2,0 -6,0 Fonte: Pesquisa NTU junto a órgãos gestores e sindicatos de operadores 7 Produção quilométrica A produção quilométrica, principal indicador da oferta dos sistemas de transporte, está aumentando em quase todas as cidades pesquisadas. Conforme se observa pela Tabela 3, este aumento foi, em média, de 5,6% entre 1995 e 1996 e de 2,7% entre 1996 e 1997. Tabela 3 Municípios Selecionados Sistemas Municipais de Transporte Público por Ônibus Quilometragem Anual Percorrida 1995 - 1997 Quilometragem (em 1000) Variação % Município R. Janeiro Campinas Curitiba Goiânia Recife B.Horizonte P. Alegre Salvador São Paulo Total 1995 1996 1997 96/95 97/96 566.037 58.425 96.243 70.162 195.744 172.147 100.549 214.257 801.000 617.936 63.154 98.868 71.715 211.391 180.252 105.432 215.698 837.000 680.374 68.123 106.401 74.322 218.269 184.713 106.252 216.895 811.000 9,2 8,1 2,7 2,2 8,0 4,7 4,9 0,7 4,5 10,1 7,9 7,6 3,6 3,3 2,5 0,8 0,6 -3,1 2.274.564 2.401.446 2.466.349 5,6 2,7 Fonte: Pesquisa NTU junto a órgãos gestores e sindicatos de operadores Gráfico 2 Municípios Selecionados Sistema de Transporte Público por Ônibus VARIAÇÃO % NA QUILOMETRAGEM ANUAL 1996/1995 e 1997/1996 12,0 10,0 8,0 Variação % 6,0 4,0 2,0 0,0 -2,0 -4,0 1996/1995 1997/1996 -6,0 R. Janeiro Campinas Curitiba Goiânia Recife B.Horizonte P. Alegre Salvador São Paulo Total 8 No caso isolado do Município de São Paulo, houve um corte importante de oferta em 1997 e, mesmo com o grande peso desta cidade no conjunto, a média geral de quilometragem percorrida ainda revela um aumento no último biênio analisado. O aumento de quilometragem é ainda maior para os sistemas intermunicipais metropolitanos (embora haja poucos dados disponíveis para apoiar a afirmação), conforme se pode verificar pela Tabela 4. Em média, as regiões metropolitanas pesquisadas aumentaram sua oferta em torno de 6,8% entre 1995 e 1996 e de 6,7% entre 1996 e 1997. Tabela 4 Regiões Metropolitanas Selecionadas Sistemas Intermunicipais Metropolitanos de Transporte Público por Ônibus Quilometragem Anual Percorrida 1995 - 1997 Quilometragem (em 1000) Variação % Região 1995 1996 1997 96/95 97/96 São Paulo Belo Horizonte Porto Alegre Florianópolis 267.381 150.000 84.800 17.217 288.730 164.000 86.800 15.440 305.073 179.000 91.600 16.533 8,0 9,3 2,4 -10,3 5,7 9,1 5,5 7,1 Total 519.398 554.970 592.206 6,8 6,7 Fonte: Pesquisa NTU junto a órgãos gestores e sindicatos de operadores Índice de passageiros por quilômetro Em conseqüência das tendências apontadas nos itens anteriores, a produtividade do transporte público urbano caiu bastante no período 1995-1997. Na média dos sistemas municipais pesquisados, o índice de passageiros por quilômetro1 sofreu redução de 8,7%, entre 1995 e 1996 e de 8,0% entre 1996 e 1997. Nos sistemas intermunicipais, a diminuição foi de 8,3% e 11,9%, respectivamente, entre 1995-1996 e 1996-1997. 1 Trata-se aqui de uma forma grosseira do IPK. Este índice é normalmente apurado para fins de cálculo tarifário e toma como referência a quantidade de passageiros equivalentes. 9 Tabela 5 Municípios Selecionados Sistemas Municipais de Transporte Público por Ônibus Índice de Passageiros por Quilômetro (média anual) 1995 - 1997 Índice de Passag./Km Variação % Município 1995 1996 1997 96/95 97/96 Campinas Curitiba Rio de Janeiro São Paulo Recife Salvador Belo Horizonte Goiânia Porto Alegre 2,59 3,28 2,12 2,45 2,46 2,44 3,23 2,86 3,49 2,35 3,17 1,93 2,18 2,19 2,32 3,05 2,82 3,27 1,96 2,86 1,74 2,00 2,01 2,18 2,88 2,72 3,29 -9,4 -3,4 -9,3 -11,0 -10,9 -4,8 -5,8 -1,4 -6,1 -16,4 -9,8 -9,7 -8,5 -8,5 -5,9 -5,4 -3,4 0,5 Total 2,53 2,31 2,12 -8,7 -8,0 Fonte: Pesquisa NTU junto a órgãos gestores e sindicatos de operadores Gráfico 3 Municípios Selecionados Sistema de Transporte Público por Ônibus VARIAÇÃO % NO ÍNDICE DE PASSAGEIROS POR KM (IPK) 1995 - 1997 10 5 Variação % 0 -5 -10 1996/1995 1997/1996 -15 -20 Campinas Curitiba Rio de Janeiro São Paulo Recife Salvador Belo Horizonte Goiânia Porto Alegre Total 10 Tendências de longo prazo Os dados analisados acima correspondem a um período relativamente curto de tempo. Até que ponto é possível afirmar que as tendências de queda na quantidade de passageiros e de aumento na quilometragem não são apenas fenômenos conjunturais? Entre as cidades estudadas, poucas dispõem de séries estatísticas mais longas. Entretanto, duas delas, Curitiba e São Paulo, oferecem elementos importantes para uma análise de médio ou longo prazo. Note-se que Curitiba é considerado um exemplo de eficiência pública na administração de sistemas de transporte e São Paulo se constitui no maior mercado brasileiro de transporte público urbano. Gráfico 4 Município de Curitiba Sistema de Transporte Público por Ônibus ÍNDICE DE PASSAGEIROS TRANSPORTADOS E QUILOMETRAGEM 1960 - 1997 1600 y = 36,203x + 65,541 R2 = 0,9667 1400 Índice (1960=100) 1200 1000 800 y = 0,0009x3 - 0,325x2 + 27,639x + 105,15 R2 = 0,9704 600 400 Passageiros Quilometragem 200 Polinômio (Passageiros) Linear (Quilometragem) 0 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 Ano No caso de Curitiba, os índices construídos a partir de uma série de dados de 37 anos sobre as médias diárias de passageiros transportados e quilometragem percorrida no sistema de ônibus mostram algumas tendências de longo prazo bastante significativas: a) a quilometragem está crescendo a taxa muito superior à que se observa para a quantidade de passageiros transportados, o que determina uma forte queda na produtividade do sistema; b) a partir de 1989-1990 constata-se que a curva de passageiros passa a apresentar taxas negativas (decréscimo), alterando a tendência dos 30 anos anteriores quando se observou um crescimento contínuo. A série disponível para São Paulo refere-se apenas a passageiros transportados no sistema municipal de ônibus entre 1975 e 1997 (22 anos) e está representada no Gráfico 5. Por ela se constata a mesma tendência de crescimento contínuo verificada em Curitiba até a 11 primeira metade da década de 80, que se inverte a partir de então para apresentar uma pendente negativa. O resultado é tal que a quantidade de passageiros transportados no final da série (1997) corresponde, aproximadamente, à quantidade observada 21 anos antes (1976). Gráfico 5 Município de São Paulo Sistema de Transporte Público por Ônibus* ÍNDICE DE PASSAGEIROS TRANSPORTADOS 1975 - 1997 140 135 130 Índice (1975=100) 125 120 115 y = -1E-05x4 - 0,0037x3 - 0,0224x2 + 3,1364x + 99,807 R2 = 0,7619 110 105 100 95 90 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 Ano * Sistema CMTC/SPTRANS Os dados de Curitiba e São Paulo sugerem que as conclusões extraídas para o conjunto das cidades pesquisadas no período 1995-1997 podem não ser resultados de movimentos conjunturais e se inserem numa perspectiva de longo prazo. Depois de quase três décadas de crescimento, a demanda de transporte público vem apresentando tendência de queda a partir da segunda metade dos anos 80, apenas interrompida em 1995 quando o crescimento da renda decorrente do Plano Real provocou uma súbita expansão da mobilidade urbana. Tarifas O reajuste de tarifas tem sido tradicionalmente utilizado pelo setor para compensar a queda de produtividade e o aumento de custos operacionais dos serviços e assim restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro da atividade. No ambiente de estabilidade monetária que se instalou a partir de 1994, este mecanismo continua a ser empregado mas já há indicadores das dificuldades cada vez maiores que esta prática vem enfrentando. Nos últimos anos, os aumentos das tarifas de ônibus vêm se fazendo a taxas decrescentes. À medida em que os mercados de transporte urbano de passageiros se tornam mais competitivos - e é isso o que vem acontecendo - a sensibilidade da demanda aos aumentos de tarifas aumenta. É bem verdade que o elevado nível de subsídio ao usuário, via distribuição do vale-transporte pelos empregadores, as gratuidades e os descontos (sobretudo o passe estudantil) tende a amortecer o efeito dos aumentos de tarifas sobre a demanda. Mas, não se deve esquecer que um grande contingente de usuários não goza de 12 qualquer benefício e sente diretamente as majorações de preços em seus orçamentos domésticos. Gráfico 6 Capitais Brasileiras Sistema de Transporte Público por Ônibus VALES-TRANSPORTE VENDIDOS SOBRE PASSAGEIROS TRANSPORTADOS Março 1994 a 1997 48,0 47,0 46,9 47,0 45,9 46,0 Porcentagem 45,0 44,0 42,9 43,0 42,0 41,0 40,0 1994 1995 1996 1997 Além disso, os reajustes tarifários atuam potencializando a rentabilidade dos modos concorrentes, sobretudo do transporte informal, conforme analisado em estudo recente realizado pela NTU com o apoio da ANTP2. De janeiro de 1995 a abril de 1998, a tarifa média ponderada do transporte público por ônibus aumentou cerca de 37% em termos reais, ou seja, já descontado o efeito da inflação no período. 2 NTU-ANTP, Transporte Informal. NTU, Brasília, junho de 1997. pags. 40-44 13 Gráfico 7 Capitais Brasileiras Sistema de Transporte Público por Ônibus TARIFA MÉDIA PONDERADA* Jan. e Jul. de 1995 a 1998 0,75 Tarifa Média Ponderada (R$ const. abr./98) 0,74 0,70 0,72 0,70 0,69 y = 0,0977Ln(x) + 0,5439 R2 = 0,9559 0,65 0,63 0,62 0,60 0,55 0,54 0,50 Jan.95 Jul.95 Jan.96 Jul.96 Jan.97 Jul.97 Jan.98 * ponderação pela quantidade de passageiros transportados A variação média das tarifas de ônibus está decrescendo ao longo do tempo, conforme ilustram os dados extremos da série analisada: enquanto entre janeiro de 1995 e de 1996 o reajuste médio foi da ordem de 16,1%, no mesmo intervalo mensal de 1996-1997 o crescimento não passou de 6,7%. Isso demonstra que os gestores e operadores estão mais sensíveis ao conjunto de impactos negativos das altas taxas de crescimento das tarifas sobre a atividade do setor; em várias cidades, os próprios sindicatos de operadores vêm-se opondo a que os problemas de produtividade e custos sejam enfrentados apenas no plano da política tarifária. Gráfico 8 Capitais Brasileiras Sistemas de Transporte Público por Ônibus VARIAÇÃO % DA TARIFA MÉDIA PONDERADA Jan.95 a Jan.97 18,0 16,1 16,0 Variação % 14,0 12,0 10,0 9,2 8,0 6,7 6,0 4,0 Jan.95 - Jan.96 Jan.96 - Jan.97 Jan.97 - Jan.98 Período 14 2.2 - Porque está diminuindo a quantidade de passageiros? Antes de mais nada é preciso esclarecer : - a que tipo de passageiros se refere a pergunta do título? Trata-se dos passageiros que se utilizam do transporte coletivo em geral ou apenas dos passageiros usuários dos sistemas regulares ou formais? Neste estudo, a pergunta se voltou para os sistemas regulares de transporte coletivo sobre pneus. Mas, embora as informações disponíveis não permitam conclusões seguras, parece que a diminuição de passageiros diz respeito a todo o universo dos sistemas de transporte coletivo, sejam eles formais ou informais. Na Região Metropolitana de São Paulo, onde a Pesquisa de Origem - Destino vem sendo feita sistematicamente a cada 10 anos, desde 1967, fica claro que o transporte coletivo como um todo vem acumulando perdas contínuas para o transporte privado e para a caminhada a pé. Parece haver, portanto, por trás do fenômeno em análise, um longo histórico de perda de mercado do transporte coletivo para o transporte individual não só nas cidades brasileiras como nos principais centros urbanos do mundo3. Gráfico 9 Paises Selecionados Sistemas de Transporte Público Urbanos ÍNDICE DE PASSAGEIROS TRANSPORTADOS 1970 - 1992 140 120 Índice (1980=100) 100 França Alemanha Alemanha (Leste) 80 Inglaterra Italia 60 Hungria Polônia 40 Canadá 20 1970 1975 1980 1985 1990 1992 Fonte: Pucher J. e Lefèvre, C. - The Urban Transport Crisis MacMillan Press, Londres, 1996 - pag. 20 Em 1997, a NTU realizou uma pesquisa nacional sobre os transportes informais ou clandestinos4. Os estudo se basearam numa extensa consulta a lideranças da área estatal e privada e sua conclusões foram discutidas em vários encontros nacionais e regionais, o que representou uma ampla audiência qualificada no setor. Embora os resultados do trabalho e seu debate tenham sido muito positivos, tem-se a impressão de que foi dado um peso 3 A esse propósito, ver: PUCHER, John e LEFEVRE, Christian - The Urban Transport Crisis in Europe and North America. MacMillan Press, London, 1996. pags. 12-20. 4 NTU-ANTP, obra citada. 15 excessivo ao transporte informal na explicação da perda de mercado vivenciada pelo segmento formal dos transportes coletivos. Em alguns momentos do debate parecia que o transporte informal era a única fonte dos males que afligiam os sistemas públicos de transporte coletivo. Um olhar mais detido sobre o problema, tal como se procurou na presente pesquisa, mostrou que, mesmo em localidades onde o transporte informal não ocorre, o sistema público de transporte coletivo apresenta demanda estabilizada ou em declínio. Isso quer dizer que há outros fatores responsáveis pelo fenômeno, embora não haja dúvidas de que o avanço da informalidade responda, em muitas cidades, por importantes perdas de mercado. Transporte por automóvel As perdas de passageiros para o automóvel parecem ser bastante expressivas, sobretudo a partir de 1992 quando a produção da indústria automobilística nacional e as importações para o mercado interno ganharam um novo impulso. Neste novo ciclo de crescimento, a indústria automobilística deu ênfase à produção de veículos econômicos, com financiamento de até 36 meses, o que proporcionou o aumento da propriedade na classe C, onde se concentra um grande volume de usuários do transporte público. O uso do automóvel está sendo estimulado também pela manutenção do preço da gasolina num patamar baixo. Gráfico 10 Brasil VENDAS DE AUTOMÓVEIS E UTILITÁRIOS LEVES Produção nacional e importações. Mercado interno 1990 - 1997 2000 1800 1.809,4 No. de veículos (em 1.000) 1600 1.616,1 1.566,3 1400 1200 1.277,3 1000 1.057,9 800 600 661,3 717,1 716,2 400 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 Ano 16 A maioria dos entrevistados acredita estar se verificando uma perda de mercado do transporte público para o automóvel, o que era tido como pouco provável segundo as teorias vigentes nos anos 70 e 80. Quase sempre a demanda do transporte coletivo urbano era vista como “cativa”, composta de usuários sem possibilidade de acesso (ou de uso freqüente) ao transporte privado, dada a sua baixa renda face ao custo elevado dos veículos. Mas os entrevistados ainda não têm condições de demonstrar as suas conclusões ou de sustentá-las em dados confiáveis. Motocicletas Outro segmento em expansão no transporte urbano e que vem subtraindo passageiros do transporte público é o das motocicletas. Veículo de custo relativamente baixo e ágil suficiente para enfrentar os congestionamentos, a motocicleta vem sendo empregada, com sucesso, no transporte de documentos e pequenas encomendas nas áreas urbanas. Até alguns anos atrás esse tipo de serviço, prestado pelos “office boys” e empresas especializadas, empregava em grande escala o transporte coletivo. Mas, a área de concorrência mais percebida com o transporte público é no chamado serviço de moto-taxis que, de forma regulamentada ou não, difundiu-se principalmente nos centros urbanos de médio porte, cobrando tarifas intermediárias entre o taxi e o ônibus. Os problemas de segurança e higiene envolvendo o transporte de passageiros por motocicletas são graves mas, por razões ainda pouco estudadas, não têm inibido o crescimento da demanda neste segmento. Enquanto no caso do automóvel e da motocicleta há uma grande convergência de opiniões dos entrevistados quanto à importância da concorrência que vêm fazendo ao transporte público, em dois outros casos as opiniões são bem mais dispersas: o transporte fretado em geral e o transporte escolar. É bem visível o pouco conhecimento que os gestores e operadores públicos demonstram em relação a estes segmentos do mercado de transportes urbanos, mesmo sabendo-se que a maioria dos serviços de transporte escolar são autorizados/concedidos e controlados pelas Prefeituras. Transporte escolar O transporte escolar, como atividade especializada de fretamento por contratos de pagamento mensal, desenvolve-se estreitamente associada (e muitas vezes supervisionada) às escolas privadas de 1o e 2o graus nos grandes centros urbanos. Mais do que o controle público, quase sempre restrito ao veículo, é o vinculo com a escola que passa aos pais de escolares o “aval” de um serviço seguro e confiável, atributos considerados indispensáveis, e que de outra forma dificilmente seriam reconhecidos num serviço operado por autônomos. Talvez seja por causa desta associação com os estabelecimentos de ensino que o transporte escolar nunca tenha se organizado, até agora, como rede pública especializada. Entre gestores e operadores não há uma visão clara de como vem crescendo o transporte 17 escolar e até que ponto seu desenvolvimento está contribuindo para reduzir a participação dos sistemas públicos no mercado de transporte urbano. Outros tipos de fretamento Os serviços de fretamento ganham expressão no transporte de empregados entre estabelecimentos comerciais/industriais de grande porte e as áreas residenciais (ou entre estas e concentrações de estabelecimentos, como nos distritos industriais, universidades, centros administrativos etc.), muitos deles em localização desfavorável face à rede de transporte público. Quase sempre os empregadores estão envolvidos como contratantes do transporte. Nos grandes centros urbanos, como Rio e São Paulo, estão crescendo bastante serviços especializados de fretamento que servem a determinados tipos de equipamentos ou eventos (teatros, cinemas, shopping centers, competições esportivas etc.), acionados por chamada telefônica. A segurança é um dos atributos mais solicitados, geralmente acompanhada de conforto e cortesia no tratamento de motoristas e guias. Nos dois casos acima mencionados não é simples identificar o crescimento por competição com os sistemas públicos. Este último é um bom exemplo de segmento emergente de mercado, não necessariamente derivado do transporte público. Quanto ao fretamento convencional, há posições muito divergentes entre gestores e operadores mesmo sobre o ritmo de expansão deste tipo de demanda. Alguns afirmam que o segmento está em expansão nas suas cidades e outros o identificam como em retração. Mais do que no caso do transporte escolar, a opacidade destes outros tipos de fretamento é ainda maior para os gestores e operadores. Na maioria das cidades não há qualquer tipo de controle público sobre esses serviços. Mesmo em áreas onde a oferta é bem delimitada, como em Porto Alegre e Curitiba, o transporte fretado chega a abrigar, algumas vezes, verdadeiros serviços clandestinos em competição com a rede pública. Transporte clandestino e alternativo Neste último ano, o que mudou fundamentalmente no transporte por kombis, vans e mototaxis foi a velocidade de sua penetração no mercado, que se reduziu nos grandes centros. O principal fator deste arrefecimento parece ter sido a queda da rentabilidade decorrente do grande número de operadores que entraram no negócio, fazendo cair a receita média. O aumento da taxa de juros também influenciou na decisão de novos investimentos. Não houve grande alteração na geografia do fenômeno. Cidades como Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba, Belo Horizonte, Goiânia e Belém continuaram sem registro expressivo de transporte informal. As maiores incidências também continuam as mesmas, assim como a moto-taxi continua se manifestando de maneira predominante nas cidades de porte médio, especialmente no interior de São Paulo, Minas Gerais e Paraná. 18 No diagnóstico do fenômeno, o que mudou em relação aos estudos anteriores foi a ênfase atribuída aos fatores político-institucionais. Está ficando cada vez mais nítido de que a existência de um esquema político de apoio, sustentado em interesses comerciais e eleitorais, é um componente essencial na estratégia de penetração do transporte informal. Por si sós, as deficiências do sistema público de transporte, as expectativas de rendimento da atividade informal, o nível de desemprego e outras causas freqüentemente apontadas não são suficientes para desencadear o rápido crescimento do transporte informal. Mas, de qualquer maneira, o transporte informal e suas manifestações legalizadas, quase sempre denominadas transporte alternativo, caminharam rapidamente, em 1997 e início de 1998, para controlarem uma parcela de 2 a 5% da demanda de transporte coletivo urbano numa quantidade significativa de cidades. Em alguns casos isolados, essa participação pode subir até os 10%. Eliminação de deslocamentos. Viagens a pé Aos fatores acima mencionados, a diminuição da quantidade de passageiros transportados parece se ligar também à supressão de viagens motorizadas em camadas de renda muito baixas. São famílias e pessoas que, não se enquadrando na condição de receber o valetransporte e sem ter acesso a gratuidades e descontos, têm dificuldades de arcar com as despesas do transporte coletivo e limitam as viagens não essenciais (principalmente com motivo compras e recreação). Incluem-se ai os desempregados, cujo número vem crescendo nos últimos anos. Neste baixos patamares de renda, a ação combinada de tarifas de transporte coletivo relativamente altas e tempos elevados de viagens, devido ao congestionamento, levam à substituição do transporte coletivo motorizado pelo deslocamento a pé. Em várias cidades, a tarifa única, de valor relativamente alto, contribui para desestimular os deslocamentos mais curtos por ônibus. Isso parece ocorrer em deslocamentos entre 1 e 5 Km, ou seja, uma faixa muito acima dos 800 metros convencionalmente aceitos para deslocamentos terminais (da moradia ao ponto de ônibus, por exemplo). oOo Em síntese, os motivos analisados para a redução na quantidade de passageiros, apontam para uma condição de mercados cada vez mais competitivos, onde os sistemas de transporte públicos estariam perdendo posições para outros ofertantes. 2.3 - Porque está aumentando a produção quilométrica? Embora a produção quilométrica esteja aumento em praticamente todas as aglomerações urbanas estudadas, os motivos deste crescimento variam muito de um caso para outro. 19 Entre as causas mais freqüentes, destacam-se a expansão da área de atendimento, as pressões sociais e políticas para aumentar freqüências e estender itinerários, a concorrência entre serviços municipais e intermunicipais e entre serviços regulares e clandestinos e, para alguns sistemas remunerados pela produção, a disputa das concessionárias por quilometragem nas câmaras de compensação como forma de ampliar a participação nas receitas tarifárias. A primeira causa está ligada à própria expansão da ocupação territorial na periferia das cidades. Assim, as linhas de ônibus são estendidas continuamente para atender as demandas - quase sempre pouco densas - das novas áreas ocupadas. A tarifa única e a integração tarifária, a cada dia mais difundidas, estimulam este processo de extensão periférica das áreas urbanas em regime de baixas densidades residenciais, pois criam uma indiferença do preço pago pelo usuário em relação à distância percorrida ou ao número de linhas de transporte utilizadas. Sabendo que as tarifas do transporte são aproximadamente as mesmas qualquer que seja a distância entre sua residência e os pólos de atração/produção de viagens, ele tende a escolher localizações residenciais em periferias afastadas onde é mínimo o valor dos terrenos (embora permaneça a penalização do tempo de viagem). Outro fator importante do aumento da produção quilométrica são as demandas sociais e políticas de aumento das freqüências e ajustes de itinerários das linhas de transporte coletivo. Os órgãos gestores lidam diariamente com este tipo de demanda, canalizadas por políticos e lideranças comunitárias que, mesmo gerando benefícios sociais, muitas vezes comprometem o equilíbrio econômico-financeiro dos serviços. Algumas vezes, as operadoras aceitam e até estimulam este tipo de demanda, vendo-a como oportunidade de ampliar sua área de atuação mas sem analisar as condições de viabilidade econômicofinanceira decorrentes da extensão ou melhoria do serviço. A competição entre operadoras de transporte visando ampliar a área de atendimento, o volume da receita ou a margem de lucros é apontada com freqüência como um dos fatores de crescimento da produção quilométrica. Como a competição de preços costuma ser estritamente regulada, a oferta de quilometragem se manifesta com maior intensidade. Esta concorrência se estabelece em vários níveis: a) entre operadoras de sistemas municipais e intermunicipais metropolitanos que se utilizam dos mesmos canais viários: b) entre operadoras regulares e informais, pela disputa das demandas ao longo dos itinerários; c) entre operadoras de um mesmo sistema, quando remuneradas pela produção de serviços, visando conquistar maior fatia da receita tarifária. Neste último caso, como a remuneração se baseia quase sempre nos custos operacionais totais, pode ocorrer (e, de fato, tem ocorrido em várias cidades) uma verdadeira “competição pela ineficiência”, o que motivou a introdução de critérios de eficiência por parte dos órgãos gestores, nem sempre suficientes para reverter as conseqüências negativas do modelo remunerativo. Os modelos de remuneração por prestação de serviços (ou pela produção), ainda que possibilitando maior flexibilidade no atendimento a demandas sociais localizadas (mas sem 20 viabilidade econômica) por parte dos órgãos gestores, têm sido apontados como estimuladores do aumento dos custos unitários ou da produção quilométrica. Quaisquer que sejam os fatores de aumento da produção quilométrica, é inegável que grande parte do problema se deve à falta de informações sobre o mercado e à precariedade dos sistemas de planejamento estratégico e operacional que caracterizam a gestão dos serviços de transporte, tanto na área pública como privada. 2.4 - Outros componentes Na introdução a este capítulo, procurou-se focalizar o problema da produtividade decrescente que está marcando a economia dos transportes públicos nas grandes cidades brasileiras e pressionando as tarifas. Mas, há outros fatores contribuindo para agravar as condições econômico-financeiras dos transportes públicos. O principal deles é o aumento dos custos quilométricos em decorrência do congestionamento (baixas velocidades) das vias e das elevações de salários do pessoal operacional. Outra condição que afeta a economia do setor, influindo no crescimento e na distribuição da demanda, é a dinâmica populacional nas regiões metropolitanas. Custos operacionais Além de queda nos índices de produtividade, o transporte público está se defrontando com o aumento dos custos médios de operação. De acordo com levantamentos da NTU realizados em 9 capitais, os custos por quilômetro5 aumentaram de 32,3% entre abril de 94 e outubro de 97, em termos reais. Gráfico 11 Capitais Brasileiras - Sistema de Ônibus Urbanos * CUSTO PONDERADO POR QUILÔMETRO (R$ const. dez/97) 1,80 1,72 1,70 1,69 1,69 Abr/96 Out/96 1,67 Custo Ponderado (R$ const. Dez.97) 1,60 1,60 1,50 1,50 1,40 1,40 1,30 1,30 1,20 1,10 1,00 Abr/94 Out/94 Abr/95 Out/95 Abr/97 Out/97 * S.Paulo, Rio, B. Horizonte, Recife, P.Alegre, Salvador, Curitiba, Fortaleza e Brasília 5 Trata-se do custo médio ponderado (pela quantidade de passageiros transportados) em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Salvador, Porto Alegre, Curitiba e Brasília. 21 Os principais fatores deste aumento são a redução das velocidades médias decorrentes do congestionamento no sistema viário urbano e a política salarial que vem sendo praticada em relação ao pessoal de operação das empresas de transportes. Para manter constantes as condições operacionais em ambientes de congestionamento crescente, são necessários mais veículos, motoristas, combustível etc., o que tem elevado substancialmente os custos unitários. O IPEA e a ANTP realizaram uma pesquisa sobre a redução das deseconomias em decorrência de melhorias no transporte público em 10 cidades e apuraram que o congestionamento onera o custo operacional dos sistemas de ônibus entre os limites de 0,9% (Brasília) e 15,8% (São Paulo). Gráfico 12 Cidades Selecionadas IMPACTO DO CONGESTIONAMENTO NO CUSTO OPERACIONAL DOS ÔNIBUS URBANOS 1997 18 16 15,8 Impacto no custo operacional % 14 12 9,6 10 8 6,4 6,2 6 3,7 4 3,5 2,6 2,1 2 1,6 0,9 0 S. Paulo R.Janeiro Campinas B. Horizonte J. Pessoa Recife P. Alegre Juiz de Fora Curitiba Brasília Fonte: IPEA-ANTP (Redução das Deseconomias Urbanas com a Melhoria do Transporte Público - Relatório Síntese, maio/98 Os impactos registrados no Gráfico 12 foram medidos a partir de dois fatores 6: o excesso de frota de ônibus e o excesso de consumo de óleo diesel, ambos provocados pelos retardamentos (congestionamentos, semáforos e pontos de parada). Para as 10 cidades pesquisadas, estimou-se em 4.789 veículos o excesso da frota de ônibus7 devido ao 6 E = (0,2*dD) + (0,5*dF), onde: E = excesso de custos operacionais; D = consumo de óleo diesel F = número de veículos na frota d = variação 7 O aumento da frota foi estimado em função do aumento do tempo de percurso acima do desejável, para cada trecho das vias, nos picos, pela fórmula: DF = DTp*L*Freq, onde: 22 congestionamentos no pico da tarde, representando 16,1% da frota em 1997. O excesso de consumo anual de combustível8 devido aos congestionamentos (incluindo as vias transversais aos corredores pesquisados) foi calculado em 14,1 milhões de litros de óleo diesel. Estas externalidades negativas que o tráfego privado impõe ao transporte público só encontram respostas satisfatórias na criação de espaço viário exclusivo ou prioritário para a circulação dos meios coletivos, uma vez que as medidas restritivas ao automóvel só têm se mostrado viáveis em áreas muito restritas, continuando improváveis como política mais abrangente. Um outro fator de elevação dos custos operacionais relaciona-se com a política salarial. Os salários do pessoal operacional (motoristas, cobradores e fiscais), que entram na composição do custo total com peso entre 45% e 60%, vêm sendo reajustados muito acima da inflação média da economia e sem qualquer relação com a produtividade geral do setor ou a produtividade específica da função. Esta dinâmica tem a ver não só com o poder de reivindicação dos rodoviários urbanos, capazes de impor custos muito elevados com suas greves e paralisações, mas também à maneira como vêm sendo feitas as negociações salariais, quase sempre vinculadas à determinação das tarifas pelo poder público. A forte correlação entre as variações de salários e de tarifas pode ser notada quando se faz o confronto dos dados do Gráfico 13 com os do Gráfico 7. Este quase automatismo dos aumentos de tarifas e salários ignora por completo os elementos ligados à produtividade e gera pressões muito fortes sobre os custos. DF = aumento da frota de ônibus (veículos) DTp = tempo de percurso em excesso (horas) L = extensão do trecho (Km) Freq = freqüência dos ônibus no trecho (veículos/hora). A quantidade em excesso de ônibus causada pelo congestionamento foi calculada por faixa horária, para cada cidade, para os três níveis de congestionamento considerados (leve, moderado e severo) nas horas de pico. 8 O consumo de combustível está relacionado com a variação da velocidade. Pesquisas de instituições nacionais e internacionais estabelecem essa função (para ônibus): C = 0,44428 + 0,00008 V2 - 0,00708 V + 1,37911/V + 0,00107 carr, onde: V = velocidade (Km/h) carr = carregamento (sentados + em pé) C = consumo por quilômetro 23 Gráfico 13 Capitais Brasileiras Sistema de de Transporte Público por Ônibus SALÁRIO MÉDIO MENSAL DOS MOTORISTAS DE ÔNIBUS Jan. 1995 - Dez. 1997 Salario Medio Mensal (R$ const. dez/96) 600 550 y = 52,61Ln(x) + 373,19 R = 0,9356 500 450 400 350 J F M A M J J A S O N D J F M A M J J A S O N D J F M A M J 1995 1996 J A S O N D 1997 Demanda e dinâmica populacional Ao final, é preciso chamar a atenção para alguns aspectos da dinâmica populacional dos centros urbanos que estão afetando a configuração da demanda de transporte coletivo e que são ilustrados pelos dados da Tabela 6. Tabela 6 Brasil População Urbana Residente - Regiões Metropolitanas* 1970 - 1996 Municípios Centrais1 Ano Nº de habitantes 1970 1980 1991 1996 16.808.973 23.296.978 26.974.935 27.819.000 Part. % no total Municípios Periféricos2 Taxa anual Nº de de cresc. %3 habitantes 73,3 68,2 58,0 55,8 6.119.806 3,31 10.847.281 1,34 19.549.028 0,62 22.008.448 Part. % no total Total Taxa anual Nº de de cresc. %3 habitantes 26,7 31,8 42,0 44,2 22.928.779 5,89 34.144.259 5,50 46.523.963 2,39 49.827.448 Part. % no total 100,0 100,0 100,0 100,0 Taxa anual de cresc. %3 4,06 2,85 1,38 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (*) S. Paulo, R. de Janeiro. B. Horizonte, Recife, P. Alegre, Salvador. Fortaleza, Belém, Brasilia e Curitiba (1) municípios das capitais (2) municípios das periferias metropolitanas (não inclui a capital) (3) taxa geométrica anual de crescimento entre o ano da linha e o ano anterior 24 a) A população das cidades está crescendo a taxas cada vez menores. Na década de 70, a população das regiões metropolitanas cresceu a uma taxa geométrica anual de 4,06%; esta taxa caiu para 2,85% ao ano entre 1980 e 1991 e ultimamente (entre 1991 e 1996) se situou em torno de 1,38%. Assim, enquanto no passado eventuais perdas no atendimento relativo do transporte público eram compensadas pelas altas as taxas de crescimento demográfico das cidades, hoje elas tendem a aparecer mais traduzindo-se em diminuição da quantidade absoluta de passageiros transportados. b) A população das áreas periféricas das cidades está crescendo a taxas maiores do que a população das áreas centrais. Conforme se observa na Tabela 6, a população dos municípios das periferias metropolitanas cresce a taxas anuais quase duas vezes maiores do nos municípios centrais. Em conseqüência, a participação percentual das populações periféricas passou de 26,7% em 1970 para 44,2% em 1996. Isso está fazendo com que, em muitas cidades, a demanda pelos serviços intermunicipais metropolitanos de passageiros cresça mais do que a demanda pelos serviços de transporte do município principal. Enquanto tinham pequena expressão do ponto de vista da demanda atendida, estes sistemas recebiam pouca atenção dos governos estaduais (aos quais está afeta a administração do transporte intermunicipal), dispunham de menos recursos e a atitude administrativa em relação a eles tendia para o laissez faire. Com o novo vulto que estão assumindo, as interfaces deles com os sistemas de transporte dos municípios centrais tornam-se críticas para o desenvolvimento do transporte público nas regiões metropolitanas e sua gestão exigirá órgão gestores mais eficazes e uma nova postura administrativa. c) Em média, a população das cidades está se tornando mais idosa (aumento na participação dos grupos etários de maior idade). Assim, o efeito das gratuidades para idosos na redução da quantidade de passageiros pagantes tende a se intensificar com o passar dos anos; em contrapartida, com a diminuição dos contingentes populacionais mais jovens, os descontos para estudantes podem influir menos na queda do número de passageiros equivalentes (embora as políticas públicas de aumento da escolarização possam neutralizar este efeito). 2.5 - Conclusões A variação do IPK pode ser vista sob ângulos diferentes. Na perspectiva do nível de serviço, a diminuição deste indicador pode significar que os passageiros estão viajando com mais conforto. Mas, o problema surge quando essa melhoria não vem acompanhada de receitas para cobrir os custos adicionais necessários à sua produção. Neste caso, a capacidade adicionada é fonte de ociosidade ou está sendo utilizada sem pagamento. Nos 25 sistemas públicos de transporte parece estar ocorrendo as duas coisas, em proporções variáveis de cidade para cidade. A ociosidade (lugares oferecidos e não utilizados) ocorre em função de fatores como itinerários mau ajustados às linhas de desejo, programação horária inadequada, baixa atratividade dos serviços face à oferta dos concorrentes etc. Por deficiências no controle cotidiano da operação, pela falta de informação sobre a demanda e até mesmo por rigidez regulamentar, muitas redes passam anos a fio sem ajustes. Em algumas cidades estes ajustes são feitos em intervalos de tempo muito longos, como decorrência de algum plano estratégico convencional cuja implantação provoca traumas profundos na circulação urbana e reações de toda espécie por parte da população. A utilização não remunerada dos serviços decorre tanto dos descontos e gratuidades legais quanto dos passageiros que deixam de pagar a tarifa ilegalmente. Estes dois fenômenos são mal dimensionados nas cidades brasileiras e é difícil afirmar que estão crescendo ou diminuindo. Mas, sem dúvida, seu nível atual ainda é muito elevado e chega a até 30% do total de passageiros. Os sistemas de integração tarifária mau balanceados também podem acarretar perda de quilometragem remunerada. Os usuários passam a viajar extensões maiores ou permanecer mais tempo no sistema sem pagamento adicional. O balanceamento se faz pela eliminação de quilometragem ociosa ou aumento da velocidade comercial dos ônibus, o que nem sempre tem acontecido. A simples enumeração das causas de diminuição do IPK já sugere a grande variedade de estratégias possíveis para atacar o problema. Em linhas gerais, é possível destacar as seguintes: a) aumentar a participação dos sistemas públicos no atendimento à demanda de transporte urbano ou, na pior das hipóteses, conter a evasão de usuários para os modos concorrentes; nesta linha é fundamental a adoção de métodos de gestão orientados para o mercado, agilidade na tomada de decisões (portanto, maior flexibilidade nos regulamentos) e investimentos na infra-estrutura de uso exclusivo ou prioritário para o transporte coletivo; b) reduzir a quilometragem não paga ou de baixa utilização, seja pela racionalização das redes e programas operacionais, seja pela eliminação de gratuidades e descontos sem compensação financeira ou diminuição da evasão; c) reduzir os custos unitários, principalmente através de políticas salariais do pessoal de operação que levem em conta a produtividade. O reequilíbrio econômico dos sistemas via aumento de tarifa oferece possibilidades limitadas devido ao baixo nível de renda da população usuária potencial e ao caráter cada vez mais concorrencial do mercado de transporte urbano. Cerca de 50% dos usuários não têm acesso ao vale-transporte, principal forma de subsídio, e seu comportamento é cada vez mais sensível aos aumentos no nível de R$0,75 em que se encontra a tarifa média atual. 26 Do lado dos subsídios governamentais pouco se pode esperar. Os raros sistemas que ainda admitem cobrir a diferença entre receitas e custos totais do transporte público estão procurando todas as formas de eliminar os subsídios face aos problemas fiscais que os estados e municípios vêm enfrentando. A solução parece ser mesmo a reorganização operacional, econômica e institucional dos serviços a fim de obter melhor posição no mercado de transporte urbano, controle da oferta e custos unitários mais baixos. 27 3. AS POLÍTICAS A situação das onze cidades estudadas apresenta-se muito diversificada em termos das políticas adotadas com relação ao transporte público urbano. Assim, o máximo a que se pode chegar no esforço analítico do conjunto é indicar as grandes tendências na ação efetiva dos setores estatal e privado. Na apresentação das políticas procurou-se basear mais nas ações práticas levadas a efeito do que no discurso dos órgãos envolvidos, estes muitas vezes comprometido com o marketing dos projetos. Uma característica freqüente das políticas locais é que, além de pouco articuladas, elas raramente se apoiam em diagnósticos realistas e tecnicamente bem elaborados da situação do transporte em cada cidade. Na maioria dos casos, as ações repetem empreendimentos bem sucedidos em outras cidades, adotam programas modelados por agências de financiamento (BNDES, BID etc.) ou seguem no rastro das inovações tecnológicas mais recentes. O esforço principal das agências públicas ou privadas é o de “adequar” as soluções às condições locais. A maioria dos órgãos gestores mostra especial interesse pelos projetos de melhoria da infra-estrutura de transportes (vias, terminais, sistemas de controle etc.) e empenha-se atualmente em captar recursos junto às agências financeiras governamentais. Quase todos submeteram ao BNDES projetos para implantação de redes integradas de transporte. Apesar deste empenho, os resultados práticos são poucos e a disponibilidade de recursos para investimento na infra-estrutura têm-se mantido baixa ao longo dos últimos anos (ver item 3.1). Por outro lado, não se observa grande ênfase na implantação de sistemas de planejamento, informação e controle operacional que, no dia-a-dia, colaborem para ajustar a oferta do transporte coletivo às contínuas alterações do mercado e às condições do trânsito. O aperfeiçoamento da capacidade institucional dos órgão gestores e o treinamento de seus quadros técnicos e operacionais, metas que receberam alguma prioridade na década de 80, atualmente merecem muito pouca atenção. 3.1 - Infra-estrutura sem investimentos Desde o início da década, foram insignificantes os investimentos na infra-estrutura dos transportes públicos, incluindo corredores exclusivos para ônibus, terminais de passageiros e sistemas de controle operacional. Face ao congestionamento crescente nos sistemas viários, a falta de investimentos se traduziu em baixas velocidades comerciais e em custos operacionais cada vez maiores para manter o mesmo nível de atendimento. Pesquisa coordenada pelo IPEA em parceria com a ANTP sobre “Redução das Deseconomias Urbanas com a Melhoria do Transporte Público” constatou, em 1997, velocidades médias de ônibus nos principais corredores de 10 cidades entre 14 Km/h e 22 Km/h, com limite mínimo em São Paulo (12 Km/h) e máximo em Brasília (27 Km/h). Segundo a pesquisa, os congestionamentos severos nestas cidades implicam em um 28 aumento na frota de ônibus de 4.800 veículos (pico da tarde), o que corresponde a 16% do total da frota em operação. Nestas condições, o aumento da frota devido ao congestionamento e o consumo excessivo de combustíveis estariam elevando o custo operacional em proporções que atingem 10% no Rio de Janeiro e 16% em São Paulo. Os investimentos mais expressivos foram realizados nos sistemas metro-ferroviários, ainda assim em volume insuficiente para alterar a baixa participação dos metrôs e ferrovias de subúrbio na distribuição modal das viagens. Vários projetos desenvolvidos neste setor decorrem dos acordos de “estadualização” das redes de transporte ferroviário urbano a cargo do Governo Federal. Para assumir o controle das empresas - quase sempre deficitárias - os governos estaduais negociaram recursos federais para recuperação ou ampliação das redes, esperando assim viabilizar econômica e financeiramente a sua operação. Os desembolsos de financiamentos do BNDES e suas subsidiárias para transporte urbano de passageiros superaram, em 1997, a casa dos R$713 milhões. Em 1996 haviam ficado em torno dos R$634 milhões. A maior parte destes recursos foi destinada a projetos de ampliação de redes metro-ferroviárias. Os desembolsos do Finame, subsidiária que concentra a maioria das aplicações em ônibus urbanos, vêm caindo de ano para ano. Em 1995 foram liberados R$364,7 milhões, cifra que baixou para R$259,2 milhões em 1996, chegando a R$211,2 milhões em 1997. Gráfico 14 BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social DESEMBOLSO COM FINANCIAMENTOS DE TRANSPORTE URBANO 1995 - 1997 800,0 713,6 700,0 Desembolso (em R$ milhões const. De dez./97) 634,2 600,0 502,4 500,0 364,7 400,0 375,0 330,9 259,2 300,0 211,2 200,0 Bndes 100,0 Finame 33,8 Total 0,0 1995 1996 1997 Fonte: BNDES Contrapondo-se à escassez de investimentos dos últimos anos, há atualmente um grande número de projetos de melhoria da infra-estrutura do transporte público sobre pneus em elaboração ou já submetidos a diversas fontes de financiamento. Estima-se que os projetos em tramitação no BNDES somem cerca de R$ 2 bilhões. Tratam-se, em geral, de 29 investimentos para implantação de sistemas integrados de transporte coletivo, baseados em redes tronco-alimentadas, com ou sem a presença de ferrovias e metrôs. 3.2 - Integração tarifária Sempre festejada, nos últimos anos a integração se difundiu como aspiração máxima dos órgãos de gerência nas cidades brasileiras. O próprio BNDES, principal fonte potencial de recursos para investimentos no setor, exige que os projetos estejam incorporados a planos de integração operacional, física e tarifária para serem enquadrados em programas especiais de financiamento, com linhas de crédito favorecidas. Isso tem estimulado, evidentemente, a adesão a tal tipo de política. O interesse pela integração se projeta nos empreendimentos de automação da arrecadação tarifária: em várias cidades que estão implantando sistemas de “bilhetagem automática”, a motivação principal dos órgãos gestores é viabilizar a integração tarifária fora de “áreas pagas”, economizando gastos com a construção de terminais fechados. As lideranças entrevistadas na área estatal são unânimes em destacar os benefícios sociais da integração. Na área das operadoras privadas há reservas quanto ao remanejamento (e às vezes cortes) de linhas que ocorre na implantação dos projetos integrados, ameaçando o precário equilíbrio entre as áreas de atendimento destinadas a cada empresa. Mas, a queda de produtividade que atinge duramente a economia do setor está trazendo à tona alguns problemas relacionados com a integração. É inegável que uma integração tarifária bem planejada pode gerar benefícios sociais importantes: aumenta a mobilidade da população e reduz os gastos com o transporte. Mas, visto de outra maneira, significa também uma redução na receita per capita do sistema. Se essa diminuição da receita for acompanhada por uma redução equivalente de custos, há condições de se restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro. Caso contrário, a integração torna-se equivalente a uma gratuidade ou abatimento tarifário usual, ou seja, aumenta benefícios sociais sem criar recursos para fazer face aos custos adicionais incorridos. Nas cidades observadas, o nível de integração ainda é baixo, a exceção de Curitiba - onde 76% dos passageiros das linhas municipais e 41% das intermunicipais faz transferências - e Goiânia, com 70% dos passageiros integrados. Em ambos os casos, a integração é do tipo ônibus-ônibus, em terminais fechados. Em Belo Horizonte ela não passa de 1,5% a 2% no sistema municipal (ônibus-ônibus e ônibus-metrô) e 2,5% no intermunicipal (ônibusmetrô), em Campinas fica em torno de 9 a 10%, em Salvador 10% e em Recife entre 13 e 15% (ônibus-ônibus e ônibus-metrô). A integração é também expressiva em São Paulo, sobretudo devido às possibilidades de interligação do metrô com os ônibus municipais da capital e outros modos de transporte (não há avaliação da porcentagem de passageiros atendida). Em Porto Alegre, Florianópolis, Belém e Rio de Janeiro a integração é pouco expressiva quando não inexistente. Não há evidências de que a integração física e tarifária esteja contribuindo para conter a escalada de crescimento do IPK. Embora sempre se possa argumentar que sem ela a situação seria mais grave, a queda persistente do IPK num sistema fortemente integrado como o de Curitiba é indicador que a integração, mesmo proporcionando altos benefícios 30 sociais, pode não estar contribuindo para racionalizar o funcionamento da rede de um ponto de vista econômico. Além do mais, note-se que a integração de 8 das 16 empresas que operam serviços intermunicipais metropolitanos em Curitiba ao sistema integrado da capital quase não provocou alteração no número de passageiros pagantes, o que significa que o sistema os absorveu sem aumentar proporcionalmente a arrecadação de tarifas. No sistema integrado de Goiânia, a queda do IPK é menor (medida entre 1995 e 1997), embora haja sérias preocupações em se ampliar as possibilidades de integração através da bilhetagem automática. Em Campinas, o processo de integração se intensificou com a implantação da bilhetagem automática em novembro de 1997. A Transurc, associação dos operadores locais, estima em 9 a 10% a perda de passageiros pagantes em função dessa iniciativa. Essa perda, associada a outros fatores que contribuíram para a diminuição da demanda (entre eles a expansão do transporte informal) forçaram um reajuste de tarifas da ordem de 21% em maio de 1998 (passou de R$0,95 para R$1,15), o que, por sua vez, reforçou a perda de passageiros que o sistema já vinha experimentando. Recentemente (julho/98), a EMDEC suspendeu temporariamente a integração e as tarifas foram reduzidas para R$1,00. Em Recife, a EMTU descarta a possibilidade de aumento do deficit na câmara de compensação em função da implantação do sistema integrado (SEI) em alguns corredores mas os dados disponíveis ainda elucidam pouco a questão. Casos como estes servem para alertar quanto à possibilidade dos sistemas integrados estarem promovendo a geração de benefícios sociais sem a base financeira necessária para suportá-los. Embora várias lideranças entrevistadas, na área estatal e privada, encarem a integração como uma melhoria no nível de serviço que deve ser acompanhada por aumento tarifário, é preciso atentar para as dificuldades e inconvenientes deste tipo de política na atual conjuntura dos transportes públicos, conforme foi analisado. Mas, parece claro que os problemas econômicos do setor estão a exigir uma avaliação mais rigorosa dos projetos de integração: eles precisam ser vistos não apenas sob o ângulo dos seus benefícios, mas também dos custos sociais. CONCEITO DE REDE INTEGRADA Nas redes integradas as linhas de transporte são interligadas para: a) aumentar a mobilidade dos usuários pela eliminação das descontinuidades físicas, operacionais ou tarifárias entre as linhas da rede; as descontinuidades implicam, geralmente, maiores tempos de transbordo e o pagamento de mais de uma tarifa para realizar um desejo de viagem. b) reduzir a superposição de linhas de transporte num corredor sempre que ela estiver implicando em movimentação de veículos acima da capacidade das vias ou em aumento excessivo dos custos operacionais ou das externalidades negativas Através da integração tarifária, um usuário pode se utilizar, dentro de certas condições, de mais de uma linha ou modo de transporte pagando uma única tarifa, inferior à soma das tarifas dos modos ou linhas envolvidos. Em algumas redes, ele tem que fazer o transbordo em terminais fechados (“áreas pagas”) para ter direito à tarifa integrada. Em outras, pode se valer de bilhetes magnéticos, cancelados dentro dos veículos, onde são controladas automaticamente as condições de integração. 31 Há várias modalidades de integração física e operacional. Nas cidades brasileiras, o termo é quase sempre empregado como sinônimo de sistemas tronco-alimentados, embora este seja, na realidade, apenas um dos modelos de integração. Nos sistemas tronco-alimentados, algumas linhas de baixa capacidade se especializam na captação/distribuição dos usuários em áreas de produção de viagens, conduzindo-os para terminais (de integração) onde fazem o transbordo para uma linha-tronco. Nesta linha, geralmente de alta capacidade, os usuários são transportados para os centros de atração. Em princípio a capacidade da linhatronco deve ser superior à das linhas alimentadoras, a fim de não formar filas nos terminais, e o tempo de viagem deve ser suficientemente baixo para, no mínimo, compensar o atraso e desconforto da transferência. No Brasil, redes integradas deste tipo foram inicialmente implantadas em Goiânia e Curitiba, difundindo-se depois para várias outras localidades, ainda que muitas vezes sua área de abrangência não seja a cidade toda mas apenas alguns corredores de transporte. Em princípio, os usuários sempre gostam da integração tarifária e se mostram descontentes com o transbordo exigido pela a integração física e operacional, a menos que as operações de transferência se dêem em condições confortáveis ou que a economia de tempo, proporcionada pela maior velocidade da linha-tronco, compense os inconvenientes da integração. ALGUNS SISTEMAS INTEGRADOS Recife Em Recife o Sistema Metropolitano de Transporte permite aos usuários dois tipos de integração: as espontâneas e as programadas pela EMTU. As integrações espontâneas ocorrem em sua maioria, em paradas localizadas em vias do centro de Recife ou nas perimetrais. Nesse tipo de integração, os usuários utilizam mais de uma linha para atingirem seus destinos, sem integração operacional e/ou tarifária. As integrações programadas permitem aos usuários, através de transbordos, a utilização de um sistema integrado físico, operacional e tarifário. Nessas integrações, os locais são pré-definidos, os horários de viagens são coordenados e também existe uma tarifa integrada. O Sistema Estrutural Integrado - SEI, como parte da integração programada, está sendo implementado em etapas, permitindo que os usuários, através da integração, transitem por todo o sistema, com o pagamento de uma única tarifa. Além das linhas troncais e perimetrais, a concepção do sistema prevê a operação de linhas alimentadoras que deverão ser interligadas física, operacional e tarifariamente. O SEI tem ainda os seguintes objetivos: compatibilização das políticas tarifárias em todos os modos de transporte; integração e harmonização da operação dos modos de transportes; melhoria do serviço ofertado; redução dos custos de viagens; e ampliação das opções de deslocamento. Em 1996 a EMTU implantou a 1ª etapa da SEI e apurou os seguintes resultados: 54 ônibus deixaram de realizar 456 viagens/dia até o centro de Recife, sem considerar a frota e viagens que seriam necessárias para transportar os usuários que deixaram de realizar transbordo na área central; a mobilidade dos usuários aumentou com menor gasto com passagens; maior segurança para os usuários, pois todos os terminais são fechados; o ganho tarifário que atingiu diretamente 25.000 usuários/dia; o conforto dos usuários aumentou, tanto nos terminais como nas viagens há melhoria do nível de serviço e dos equipamentos; o impacto referente a quebra de receita com a implementação do SEI foi menor do que o esperado e referiu-se exclusivamente à necessidade de reprogramação da oferta; e o SEI é equilibrado em sua rentabilidade, mesmo estando o STPP/RMR deficitário. 32 Goiânia O sistema de transporte coletivo de Goiânia foi, até 1975, controlado e gerenciado pela Administração Municipal. Nessa época, a gestão dos serviços de transporte passou para a competência do Governo Estadual, tendo sido criada a Empresa de Transporte Urbano do Estado de Goías - TRANSURB. No ano seguinte iniciou-se a implantação do Sistema Tronco-Alimentador, na época apenas com três terminais. Este sistema evoluiu e hoje o transporte coletivo de Goiânia e de seu entorno, feito pelo modo ônibus, conta com 191 linhas, 9 terminais de transbordo e 2 mini-terminais. Este sistema de integração física e tarifária em terminais compõe-se de 119 linhas periféricas-alimentadoras. Dos terminais partem outras 12 linhas troncais, com destino aos centro da cidade, e 4 linhas radiais. A arrecadação na catraca dos ônibus é distribuída entre as operadoras por meio de uma câmara de compensação tarifária. 95% do sistema opera com tarifa única. Os outros 5% referem-se à tarifa de linhas especiais que servem municípios mais distantes de Goiânia. Os terminais de integração têm cerca de 12 anos e possuem em média, 20.000 m 2 de área. Encontram-se no limite da operação e demandam reformas. A informatização do controle operacional, que agrega e fornece dados sobre o sistema, a bilhetagem automática, que garante o controle efetivo da demanda, e as obras do programa de prioridade para o transporte coletivo são novos elementos que vêm aumentar a eficiência do transporte público na cidade. Curitiba O transporte público no Município de Curitiba e Região Metropolitana compõe-se: da Rede Integrada de Transporte que cobre cerca de 87% do transporte público de passageiros, onde incluem-se o sistema urbano - linhas que percorrem o município de Curitiba e o Sistema Metropolitano linhas que servem aos diversos municípios da Região Metropolitana e entram no município de Curitiba, em regime de integração física e tarifária com as linhas do sistema urbano. O sistema opera com o regime de tarifa única; e das linhas metropolitanas não integradas que servem a alguns municípios da Região Metropolitana e que não pertencem aos Sistema Metropolitano Integrado. As linhas que compõem a Rede Integrada de Transporte - RIT, de acordo com suas características operacionais, seu traçado e sua função específica no sistema, classificam-se em: linhas expressas - operadas por veículos biarticulados, articulados ou do tipo padron; linhas interbairros - atendidas por veículos do tipo padron, ligam os diversos bairros sem passar pelo centro da cidade; linhas alimentadoras - ligam os terminais de integração aos bairros da região, com veículos comuns; linhas diretas (ligeirinhos) - operam com veículo do tipo padron com paradas, em média, a cada 3 km, nas estações tubo e terminais de integração. Fazem as ligações entre os municípios da Região Metropolitana e Curitiba, bairro-centro, e também entre os bairros, por meio de linhas circulares; e linhas convencionais radiais integradas (troncais) - operam com veículos tipo padron. Fazem as ligações entre os municípios da RM e o município de Curitiba e os Terminais de Integração-Centro da cidade, compartilhando com o tráfego normal. A integração física e tarifária no município de Curitiba e Região Metropolitana, operada em regime de tarifa única, abrange 11 dos 25 municípios. 75 linhas metropolitanas fazem parte da Rede Integrada de Transportes -RIT. São operadas por 8 empresas permissionárias e nelas circulam, nos dias úteis, cerca de 405 ônibus que transportam a média de 151.000 passageiros pagantes. O sistema de transporte de Curitiba e RM conta 26 terminais de integração localizados ao longo de canaletas e em pontos de alta demanda. 15 dos terminais em operação foram inaugurados na década de 80 e outras 5 em 1992. 33 As estações tubo, a maioria dotada de elevadores para portadores de deficiência física, distribuem-se entre as linhas expressas, perfazendo o total de 213, agilizando o embarque e desembarque em nível, mediante a cobrança antecipada de tarifa, dispensam a presença de cobradores no interior do veículo. O sistema tarifário e de remuneração das empresas operadoras é fixado pelo poder público através da URBS Urbanização de Curitiba S.A., com base na planilha de custos do sistema. Cabe a URBS fixar a forma de recolhimento das quantias arrecadadas pelas permissionárias, bem como o sistema de conferência, controle e fiscalização da arrecadação. Todas as quantias arrecadadas são depositadas no Fundo de Urbanização de Curitiba. A URBS efetua o pagamento das permissionárias no prazo de 10 dias úteis, contados da data da realização da quilometragem. 3.3 - Novos serviços de microônibus Até há poucos anos atrás o ônibus convencional, para 70 passageiros, era considerado o patamar tecnológico mínimo capaz de viabilizar a operação dos sistemas de transporte públicos em bases empresariais rentáveis. As mudanças foram sempre projetadas para veículos de maior capacidade, notadamente o ônibus e o troleibus padron, os ônibus articulados e os bi-articulados. Este padrão condicionou por muito tempo o perfil do mercado brasileiro de veículos para o transporte coletivo. A partir de 1995-1996, uma nova geração de informais, começou a ter grande sucesso no mercado utilizando utilitários leves do tipo kombis e vans com capacidade média em torno de 12 passageiros. O sucesso das kombis e vans no transporte informal chamou a atenção dos operadores regulares para os segmentos de mercado que valorizam a agilidade, o conforto e o status social dos veículos de menor capacidade que o ônibus convencional. Em 1997 surgiram, em várias cidades, serviços de microônibus, a maioria deles por iniciativa dos operadores de ônibus apoiados pelos órgãos gestores. Porto Alegre, Florianópolis, São Paulo, Rio de Janeiro e Belém, entre as cidades estudadas, lançaram serviços deste tipo, alguns bem sucedidos e outros ainda tentando se impor no mercado. Além de ter maior facilidade do que o ônibus para operar em condições de tráfego congestionado e em vias com características geométricas e topográficas pouco favoráveis, os utilitários de passageiros se diferenciam bastante do ônibus, o que conta pontos num mercado que acostumou a associar a utilização do ônibus com pobreza e baixo status social. Por suas características, eles se assemelham mais aos automóveis e, em alguns casos, pela origem de sua fabricação, ao automóvel importado que ocupa um lugar destacado na escala dos bens que conferem prestígio social. A maioria dos operadores de ônibus não considera econômica e operacionalmente viável o emprego, em linhas regulares, de kombis e vans de pequena capacidade (em torno de 12 passageiros) como vem sendo a prática corrente dos informais. Além dos problemas de rentabilidade, há dificuldades para instalação de mecanismos de controle de arrecadação (catracas, sensores etc.) e nas operações de entrada e saída de passageiros que exigem quase sempre a presença de um segundo homem no veículo. A opção vem sendo pelos microônibus com capacidade acima de 15 ou 16 passageiros. Em função da grande procura, a produção destes veículos cresceu extraordinariamente em 34 1997, como se pode observar no Gráfico 15. Novos modelos foram lançados, com várias opções de acabamento, e os preços diminuíram, demonstrando a excelente capacidade de resposta da indústria nacional aos estímulos do mercado. Gráfico 15 Brasil VENDAS DE MICROÔNIBUS* Mercado interno e exportações 1992 - 1997 1.600 1.400 1.406 1.200 No. de unidades 1.000 800 600 400 568 510 556 441 305 200 0 1992 1993 1994 1995 1996 1997 Ano * Encarroçadoras associadas à Fabus Em diferentes localidades, a implantação dos serviços de microônibus obedece a dois conceitos operacionais distintos: operação em rede própria: os microônibus operam em itinerários exclusivos, diferenciados das linhas de ônibus na maior parte de sua extensão (municipal de Porto Alegre, Belém e Florianópolis); operação mesclada com ônibus: ônibus e microônibus partilham o mesmo ambiente operacional (itinerários, pontos de parada etc.), como acontece no Rio de Janeiro e em várias linhas da Região Metropolitana de São Paulo. Nos sistemas estudados, à exceção dos lotações municipais de Porto Alegre, o serviço de microônibus é considerado um componente da permissão/concessão dos serviços de transporte público, tais como os ônibus, e entregue aos mesmos operadores. As tarifas tendem a ser diferenciadas e superiores às dos ônibus convencionais mas dependem muito do tipo de conforto oferecido pelo veículo. O ar condicionado é um distintivo importante do nível de serviço mas certos sistemas, como o de Florianópolis, vão além e oferecem assentos estofados e reclináveis e TV/video. De um modo geral, os microônibus carregam apenas passageiros sentados e não têm pontos fixos para embarque/desembarque de passageiros. Tanto órgãos gestores quanto operadores consideram que ainda é cedo para se ter uma avaliação precisa dos novos serviços. Em geral o carregamento médio por veículo nos dias úteis é satisfatório, com exceção de algumas linhas do seletivo metropolitano de Porto Alegre onde a tarifa, relativamente alta (até R$4,50), parece ser a dificuldade principal. 35 MICROÔNIBUS São Paulo A Secretaria de Transportes Metropolitanos de São Paulo - STM criou, em 1997, um serviço especial de microônibus na Região Metropolitana de São Paulo, utilizando-se de um artifício legal, pois o atual regulamento de transportes públicos não permite o emprego de microônibus. O serviço já está em funcionamento em algumas regiões e é autorizado de forma que o concessionário do serviço de ônibus possa operar com microônibus no itinerário de uma linha regular. A autorização especifica em que trechos desse itinerário ele pode rodar; a exceção dos trechos não autorizados, o restante do percurso é livre para embarque e desembarque de passageiros. Operando dessa forma, esse serviço oferece todas as vantagens do transporte alternativo, ou seja, agilidade, menor tempo de viagem, mais conforto, etc. Com a implementação dos novos corredores metropolitanos troncalizados, os microônibus serão utilizados em linhas que alimentarão os terminais. O projeto da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos EMTU prevê 300 km de corredores e 32 terminais de integração. Porto Alegre No Município de Porto Alegre o sistema de lotação opera com microônibus, num total de 403 veículos, pertencentes a 258 permissionários. Grande parte desses possui um único veículo, existindo também algumas pequenas empresas e, ainda, algumas empresas de ônibus que também possuem empresas de lotação. A frota está distribuída em 28 linhas, onde 13 foram ramificadas para melhor atender à constante expansão urbana dos bairros mais periféricos, resultando um total de 41 itinerários. As linhas do serviço de lotação são classificadas e agrupadas de acordo com suas extensões. O sistema opera com duas faixas tarifárias, cobrando tarifas 70% acima da tarifa social única dos ônibus urbanos nas linhas com até 17 km de percurso (de ida e volta) e 90% nas linhas com mais de 17 km . O IPK médio do sistema é de 0,78 passageiros/km, chegando a atingir 1,14 passageiros/km em algumas linhas. O total diário de passageiros transportados chega a alcançar 100 mil, o que representa cerca de 10% do total de passageiros do serviço de transporte coletivo por ônibus de Porto Alegre. O sistema transporta apenas passageiros sentados e permite o embarque e desembarque de passageiros em qualquer ponto da via, observando-se a distância mínima de 6 metros da esquina. Em 1996, foram fixados áreas de embarque e desembarque de passageiros na área central e em cinco vias de grande volume de tráfego de Porto Alegre. A implementação destes pontos foi uma determinação da Secretaria Municipal de Transportes com o objetivo de melhorar a fluidez no tráfego. Nas demais vias da cidade o embarque e desembarque continuam livres. Na Região Metropolitana, o serviço seletivo de Porto Alegre também é operado por microônibus. Em funcionamento desde agosto de 1997, possui uma frota de 36 veículos distribuídos em 11 diferentes linhas. O serviço transporta cerca de 2.500 passageiros/dia num total de 197 viagens/dia, com tarifas em 4 níveis, variando de R$2,00 a R$4,50. 36 DISCRIMINAÇÃO Tipo de veículo Linhas Viagens/dia Passageiros/dia Quilometragem/dia Frota Idade média da frota LOTAÇÃO (municipal) SELETIVO (metropolitano) microônibus microônibus 28 11 4.991 197 77.468 2.500 99.931 403 veículos 36 veículos 4,2 anos Fonte: Anuário Estatístico de 1996 da Secretaria Municipal de Transportes - SMT/SUTRAN; Obs.: Os dados referentes a viagens realizadas, passageiros transportados e quilometragem eqüivalem a média geral das empresas. Os veículos possuem 19 lugares e é permitido apenas transporte de passageiros sentados. O controle do número de passageiros é realizado através de roleta mecânica. O embarque e desembarque é livre, exceto na área central de Porto Alegre, onde foram fixados pontos de parada. Como todas as linhas são circulares, não existem terminais no município da Capital. As 8 empresas que operam que operam o serviço seletivo são as mesmas que operam as linhas metropolitanas de ônibus. Rio de Janeiro No Rio de Janeiro, o sistema de microônibus possui uma frota operante de 380 veículos, distribuídos em 102 linhas. A implantação deste modo de transporte partiu dos operadores privados e visou atender a dois objetivos principais: competir com o transporte clandestino e compatibilizar as tarifas com as características dos serviços prestados, criando alternativas para o esquema rígido da tarifa única ainda em vigor. Uma característica importante deste serviço é a operação mesclada em que ônibus convencionais e microônibus atendem a uma mesma linha. Esta foi uma alteração recente visando a melhoria do sistema em termos de conforto e maior opção de serviços, evitando que o sistema ficasse limitado aos ônibus comum e aos ônibus rodoviários. O sistema de microônibus pode ser com ou sem ar condicionado. Nos veículos sem ar condicionado, a tarifa é a mesma do serviço regular. Nas linhas onde os veículos têm ar condicionado, a tarifa pode variar de R$ 2,00 a R$ 3,00, dependendo da distância. Com o estabelecimento de uma nova regulamentação, a partir de 1997, permitiu-se nas linhas já existentes, a substituição parcial ou aumento de até 30% da frota de ônibus convencionais por veículos como ônibus comum com ar condicionado ou microônibus sem ou com ar condicionado. Estes 30% de frota diferenciada podem operar com tarifa maior. Como o processo é recente, não existe ainda uma análise do comportamento do mercado em relação a estes novos serviços, mas alguns já se mostraram altamente rentáveis. Uma conseqüência desta política, segundo o SETRANSPARJ, foi o recuo do transporte informal. Florianópolis O sistema de transporte público de Florianópolis é composto de 372 ônibus urbanos, 50 microônibus, denominados executivos, e 407 ônibus intermunicipais. 37 O sistema executivo transporta, aproximadamente, 6.500 passageiros/dia , com um IPK médio de 0,41 (no sistema de ônibus municipal o IPK médio é de 2,18). Apenas passageiros sentados são transportados nos 21 lugares oferecidos. A operação do serviço executivo é facultado às empresas permissionárias de transporte coletivo de passageiros que podem requerer permissão, junto ao Núcleo de Transportes do Município, descriminando a linha pretendida, horários e itinerários. Dentre outras características deste serviço, destacam-se: observar os itinerários básicos das linhas regulares; operação exclusiva para microônibus com ar condicionado e outras características especiais determinadas pela Portaria; a este serviço não se aplicam as gratuidades e descontos concedidos por lei, assim como, o uso do valetransporte; veículos equipados com dispositivo de contagem de passageiros transportados; paradas livres para embarque e desembarque de passageiros, observadas as leis de trânsito; número máximo de 21 (vinte e um) lugares, proibido passageiros em pé. Belém Em Belém, a CTBel implantou, em janeiro de 1998, em caráter experimental, uma linha de microônibus com ar condicionado e capacidade para 26 lugares, fazendo a ligação Shopping Iguatemi/Shopping Castanheiras. Este serviço está sendo operado por 19 veículos, um veículo de cada empresa associada ao Sindicato das Empresas de Transportes de Belém - SETRANS. O itinerário circular é de 25 Km, passando por diversos pólos geradores de demanda; foi definido através de vias alternativas de circulação e menos congestionadas. Os pontos de embarque e desembarque de passageiros são livres e a ocupação do veículo é limitada ao número de assentos. Não são aceitas meia-passagens e gratuidades. O serviço é executado sem cobrador, cobrando uma tarifa de até 2 vezes o valor da tarifa vigente para o sistema convencional. O pagamento é efetuado diretamente ao motorista, o qual presta contas à empresa a partir do volume de passageiros registrados na catraca. A julgar por uma pesquisa de opinião realizada pela Prefeitura Municipal, o serviço foi considerado com a segunda melhor ação da Prefeitura no setor. Os resultados relativos a volume de passageiros e satisfação dos usuários são considerados altamente positivos pelas empresas operadoras e pelo órgão gestor. Deve-se ressaltar que desde janeiro/95, o município já contava com um serviço seletivo realizado com ônibus, tipo executivo, cobrindo itinerário praticamente idêntico ao adotado pelo microônibus, e cujos resultados operacionais sempre ficaram aquém do esperado. Levantamento realizado junto ao órgão gestor sobre os motivos ou fatores do sucesso atual do microônibus em comparação com o fracasso do ônibus executivo indicam que: a freqüência do microônibus é maior; o serviço com ônibus executivo era operado com 2 veículos e realizava apenas de 20 a 25 viagens/dia; o valor da tarifa do microônibus é mais baixa, de R$ 1,00, enquanto o serviço executivo praticava uma tarifa de R$ 2,00 (quatro vezes o valor da tarifa vigente no serviço de ônibus); a liberação dos pontos de embarque e desembarque favorece o microônibus; no serviço executivo os pontos eram fixos e a sinalização deficiente; ao contrário do executivo, no serviço de microônibus procurou-se utilizar vias secundárias e/ou alternativas. reduzindo o tempo de viagem; o serviço seletivo por microônibus teve ampla divulgação na mídia. Em pesquisa realizada pela CTBel identificaou-se, dentre outros aspectos, o seguinte perfil dos usuários de microônibus: 38 60% situam-se na faixa etária de 21 a 40 anos; 84% possuem renda média familiar acima de 3 salários mínimos; 60% utilizavam veículo particular para o deslocamento, 14% usavam táxis e 24% migraram do sistema de transporte por ônibus. Encontra-se em fase preliminar de estudos um projeto para a implantação de mais 7 linhas seletivas, operadas por microônibus, com itinerários alternativos ao sistema convencional e fazendo, preferencialmente, ligações diametrais no mesmo padrão operacional da linha experimental. A intenção do órgão gestor é de promover uma licitação individual por linha, abrindo a participação a pessoas jurídicas. 3.4 - Bilhetagem automática Os projetos de automação na arrecadação de tarifas vêm sendo concebidos há vários anos mas só começaram a ser implantados nos últimos 3 anos. Atualmente, apenas o de Campinas está em operação plena mas já se encontram em estágio avançado de implantação e operando parcialmente os de Goiânia e Salvador, entre as cidades estudadas. Em São Paulo, a integração entre o metrô e os demais modos de transporte se utiliza, há duas décadas, de bilhetes magnéticos. Muitas cidades, no entanto, estão com os seus projetos desenvolvidos e se preparam para colocá-los em prática, como São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife. A tecnologia predominante é a dos cartões tipo smartcard, com ou sem contato, e tecnologias híbridas, com dispositivos eletrônicos para controle de arrecadação no interior dos veículos. Em todos os casos, o cartão é empregado exclusivamente para identificação e/ou pagamento de tarifas. Mas, no sistema intermunicipal metropolitano de São Paulo o projeto existente prevê o emprego de cartões com finalidades múltiplas, não restritas ao transporte urbano, como forma de estimular o uso e repartir os custos do sistema com outros ramos do comércio, serviços e bancos. Os resultados da automação da arrecadação têm sido positivos do ponto de vista de reduzir a evasão de receitas, disciplinar a utilização do passe escolar, vale-transporte e gratuidades e permitir melhor controle da movimentação de passageiros e da receita. Os custos de implantação e operação dos sistemas são considerados atraentes e não tem havido grandes problemas em relação aos aspectos tecnológicos. Os principais questionamentos dizem respeito à finalidade dos projetos, à dispensa de cobradores e à responsabilidade pela implantação/operação. Normalmente, os operadores apoiam os projetos de bilhetagem automática em vista de seus benefícios quanto à redução de evasão e o controle dos sistemas especiais de tarifação (passe estudantil, vale-transporte, gratuidades etc.). Mais recentemente, o controle eletrônico do vale-transporte vem sendo considerado como um mecanismo eficiente, embora sujeito a falhas, para evitar o uso do benefício pelos transportadores informais. Na perspectiva dos órgãos gestores, além destes objetivos, o interesse recai sobre as facilidades que os cartões magnéticos proporcionam para a integração tarifária fora de terminais fechados e o controle da receita e da movimentação de passageiros. Os objetivos enfatizados por cada parte nem sempre são bem aceitos pela outra, colocando maiores dificuldades ao empreendimento que, para maior eficácia, devem ser conduzidos em conjunto. 39 Em quase todas as cidades que estão operando com cartões magnéticos ou pretendem implantar o sistema, tem surgido algum tipo de impedimento legal à dispensa de cobradores (leis municipais, decretos, acordos trabalhistas etc.). Mesmo considerando o possível interesse social destas medidas, não se pode omitir o fato de que a liberação do cobrador representa uma importante economia de custos operacionais para o transporte público, que poderia ter reflexos positivos sobre as tarifas. Desta forma, os projetos de bilhetagem deixam de produzir montantes expressivos de benefícios sociais. Outro aspecto muito debatido em relação aos projetos de bilhetagem automática é a responsabilidade pela sua execução e manutenção. Os sindicatos de operadores e os órgão gestores disputam freqüentemente a iniciativa, como acontece atualmente em Belo Horizonte. Mas, esse não tem sido um impedimento importante à sua realização, chegando-se quase sempre a soluções de compromisso como, por exemplo, os sindicatos aceitam um menor poder de decisão na etapa de concepção do sistema, mas assumem, em contrapartida, a sua implantação e operação. Os projetos de bilhetagem automática vêm sendo financiados, na maioria dos casos, através da receita tarifária, introduzindo-se, para tanto, um elemento de custo nas planilhas. Alguns, como o de Salvador, tem receitas próprias derivadas da venda de cartões magnéticos. BILHETAGEM AUTOMÁTICA Sistemas implantados Goiânia Em Goiânia, a aquisição de equipamentos e a implantação do sistema de bilhetagem automática encontra-se a cargo do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano - SETRANSP. O sistema em implantação baseia-se na utilização, pelos usuários, de cartões sem contato e bilhetes magnéticos, e de equipamentos para sua leitura e processamento dentro dos ônibus. A concepção do sistema teve como finalidade atender às necessidades previstas na reestruturação do transporte em Goiânia: controle da arrecadação centralizado e automático; controle da evasão da receita; atenuar a possibilidade de fraudes; agilizar a apuração e distribuição de arrecadação; garantir a total integração (física, espacial e tarifária); e garantir a agilidade na passagem pela catraca, facilitando o embarque. Além disso, parte importante e integrada ao projeto, está no controle de tráfego, cujas características principais são: controle automático da oferta de veículos - fiscal eletrônico; alimentação semi-automática dos dados operacionais; recuperação e formação automática do banco de dados com as informações operacionais; e concentração e tratamento de informações nas garagens. É importante ressaltar que atualmente o sistema de transporte de Goiânia utiliza apenas o conceito de integração física. Com a implantação do sistema de bilhetagem automática será possível adotar também a 40 integração espacial (onde as linhas é que se integram e não os bilhetes) e a integração tarifária (onde o bilhete é que possibilita a integração), em função das facilidades de controle e operação que ele permite. Nos dois casos, integração espacial e tarifária, o sistema ainda possibilita atribuir-lhes limites temporais e, o que é mais importante, estabelecer grupo de linhas, referentes a diferentes regiões, com possibilidades múltiplas de integração entre elas. A ocorrência de dois fatores estão sendo previstos com a conseqüência dessa integração: crescimento da demanda de passageiros, pela maior mobilidade com a mesma tarifa; e racionalização das linhas, acarretando duas possibilidades: redução da frota e de custos ou manutenção da frota e aumento de qualidade do serviço. Atualmente o sistema atende cerca de 0,5% da demanda e a venda das passagens é feita em postos terceirizados - 600 cadastrados, 200 em operação. A meta é atingir 2.000 postos, de forma que a venda embarcada diminua gradativamente, tirando a moeda do sistema, diminuindo o número de assaltos e a evasão da receita. Até o final de 1998, pretende-se a implantação do bilhete automático para os usuários que gozam de gratuidade. Já no caso de automação do vale-transporte, a sua implantação dependerá da maturação do sistema em face do seu alto custo. Quanto ao passe estudantil que representa cerca de 12% dos passageiros do sistema, prevê-se que a sua automação trará benefício ao sistema, na medida em que hoje observa-se um significativo índice de evasão de receita no setor. Salvador Em Salvador, a opção pela implantação do controlador inteligente partiu da necessidade de equacionar uma série de problemas enfrentados pelos operadores, entre eles os seguintes: descontrole e excesso de gratuidades; evasão de receita calculada em 30%; grande incidência de caroneiros; e dificuldade no controle dos horários e paradas nos pontos (produção fora da garagem). O projeto, além de prever a redução nos níveis de evasão de receita do sistema têm os seguintes objetivos: melhorar a qualidade dos serviços prestados aos usuários com a introdução de novas tecnologias; agilizar as operações de embarque e passagem pela catraca; disciplinar o acesso dos usuários com direito a gratuidade; e modernizar o controle da operação. A implantação plena do projeto está prevista para ocorrer em 4 fases: Fase 1 - em funcionamento deste outubro de 1996 (estudantes, rodoviários e fiscais e outras gratuidades); Fase 2 - cartão vale-transporte; Fase 3 - bilhetagem plena; e Fase 4 - bilhetagem por assinatura. Até o momento, após a implantação da fase 1 do projeto, verificou-se uma redução na participação da meia passagem escolar no sistema. Campinas Em Campinas, o projeto original da bilhetagem é do final de 1994. Nasceu, segundo a Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas - EMDEC, em função da escassez de recursos do município para investir em 41 obras dos chamados terminais fechados. A bilhetagem seria a maneira encontrada para resolver o problema da integração. Dentre outros objetivos, destacam-se: eliminar a circulação de dinheiro dentro dos ônibus por motivo de segurança; estancar a evasão de receita; e buscar, através da automação, garantir a confiabilidade dos dados operacionais. O sistema é de comercialização e arrecadação automática de tarifas, viabilizando a integração plena do sistema através da utilização do bilhete magnético que permite a transferência entre linhas sem pagamento de nova tarifa em um determinado período de tempo. O bilhete valida somente passagens de ônibus no município de Campinas. Segundo a Associação de Empresas de Transportes Coletivos Urbanos de Campinas - TRANSURC, a tentativa de diminuir os custos do sistema justificou o investimento realizado. De fato, houve um ganho enorme com a queda na evasão de receita dentro dos ônibus que, segundo afirmam, só não é maior devido a permanência do cobrador. A maneira utilizada atualmente para a evasão é através do passe gratuito do idoso. Vários cobradores acabam adquirindo o cartão, sem limite de utilização e válidos por 18 meses. Quando entra passageiro sem bilhete automático, o cobrador recebe o equivalente à tarifa em dinheiro e valida a passagem com o cartão do idoso, o que faz crescer nas pesquisas, o número de passageiros idosos transportados em Campinas. Segundo a TRANSURC, ainda há cerca de 40% de passageiros que pagam a tarifa em dinheiro, dentro do ônibus. O objetivo imediato é a eliminação do pagamento em moeda, através da operação sem cobrador. Sistemas em projeto Belo Horizonte Em maio de 1998, a Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte S.A. - BHTRANS, realizou audiência pública para apresentação da minuta de edital de licitação do sistema de bilhetagem automática, que prevê inclusive a transferência da comercialização do vale-transporte. Atualmente, ela é feita pelo Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Belo Horizonte - SETRANSP. Os objetivos da implantação da bilhetagem automática são: viabilizar a implantação do Plano de Reestruturação do Sistema de Transporte Coletivo, o BHBUS, possibilitando a integração tarifária no sistema; permitir flexibilidade na política tarifária; permitir controle total da demanda e oferta; reduzir o tempo de embarque; oferecer maior segurança pela redução de circulação de valores em veículos; reduzir a evasão; impedir a utilização do vale-transporte como moeda; e inibir o aparecimento do transporte clandestino. Os recursos previstos para a implantação da bilhetagem automática são: recursos oriundos da redução de custos do sistema (despesas administrativas, pessoal administrativo, fiscalização de 100% da frota); recursos obtidos com o aumento da receita do sistema (redução da evasão, controle de gratuidade); e receita própria do BHTRANS. As premissas básicas do sistema são: adotar cartão inteligente sem contato de alta confiabilidade; manter o cobrador para venda de unitários e controle de gratuidade e evasão; e 42 efetuar controle da oferta e demanda para otimizar os equipamentos. Recife Em Recife, o Sistema Automático de Bilhetagem Eletrônica - SABE, tem como objetivo a automação do controle da demanda. A Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos - EMTU forneceu as especificações técnicas para o Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de Pernambuco - SETRANS, para que as empresas operadoras definam os fabricantes de equipamentos, bilhetes ou cartões. Espera-se que, no último trimestre de 1998, entre em operação ao menos para uma parcela de usuários. A EMTU enviou proposta ao BNDES para investimentos no projeto de automação do controle de demanda. Belém O sistema de bilhetagem automática de Belém, cujo projeto foi contratado pelas empresas operadoras do sistema urbano, consiste basicamente no controle da meia passagem do estudante e gratuidades, numa primeira fase. Na segunda fase, o sistema será expandido e permitirá a substituição do vale-transporte podendo mais aceleradamente atingir a bilhetagem plena. Mesmo com a automação do processo de recebimento, as empresas optaram pela manutenção dos cobradores dentro dos ônibus. A primeira fase do projeto deverá estar concluída em julho de 1998 e a segunda está estimada para o primeiro semestre de 1999. As empresas operadoras esperam obter, a partir do efetivo funcionamento do sistema, ganhos significativos devido, principalmente, à redução da evasão. Simulação e cálculos efetuados estima-se o índice de 6% de transferência de usuários que hoje, de maneira irregular, se utilizam dos benefícios do passe escolar e gratuidades. São Paulo Como política metropolitana de automação do transporte em São Paulo, o projeto METROPASS é uma iniciativa da Secretaria dos Transportes Metropolitanos - STM. Consiste em bilhete único que dará acesso a qualquer modo de transporte. O objetivo será a integração dos modos transporte metroviário, ferroviário, ônibus e trolebus, isto é, todos aqueles modos que integram o sistema metropolitano de transportes público de passageiros. Neste sistema estarão previstos direitos de viagens múltiplos, de tarifas reduzidas ou integração tarifária temporal. Prevê-se a utilização do cartão para pagamento de outros tipos de serviços, como pedágios, telefone, pequenas compras, e outros. No Município de São Paulo, a Prefeitura, através da São Paulo Transportes S.A. - SPTRANS, está implantando o sistema de bilhetagem automática objetivando reduzir os custos do sistema. Os recursos para a implantação do projeto estarão a cargo das empresas operadoras que serão reembolsadas segundo uma planilha de custos. O processo licitatório já foi realizado. Caberá ao Sindicato das Empresas de Transportes Coletivos Urbanos de Passageiros de São Paulo TRANSURB, a responsabilidade pela administração, controle e acompanhamento do sistema, bem como pela implantação de uma rede de comercialização. Porto Alegre Em Porto Alegre, o projeto da bilhetagem automática tem por objetivo essencial, do ponto de vista da Secretaria Municipal dos Transportes - SMT, induzir a modificação do espaço urbano (estimulando rearranjos no uso do solo), pela integração do sistema de transporte coletivo. Os operadores vêem a bilhetagem automática como um instrumento de controle para reduzir a evasão de receitas. 43 A implantação deste projeto, prevista para início de 1999, deverá ocorrer da seguinte maneira: a STM define as características que deseja no sistema de bilhetagem, em termos de recursos de tarifação e cobrança de serviços, e a Associação dos Transportadores de Passageiros de Porto Alegre - ATP escolherá um sistema que atenda, no mínimo, os requisitos especificados pela SMT. O investimento para aquisição do sistema de bilhetagem será das empresas operadoras que esperam contar com linha de crédito do BNDES. 3.5 - Licitações Com a nova legislação federal que trata das concessões de serviços públicos 9 e que passou a reger, além destas, os contratos administrativos e as licitações, muitas administrações públicas municipais e estaduais se mobilizaram, a partir de 1996, para colocar em concorrência os serviços de transporte coletivo urbano. Entre outras, foram licitados serviços nos sistemas municipais de Belo Horizonte e São Paulo (neste, para uma linha do VLP - Veículo Leve sobre Pneus), Rio de Janeiro (metrô e barcas), entre as cidades estudadas, mas também em Santo André, Manaus, Brasília e Campo Grande. Na Região Metropolitana de São Paulo, a SMT/EMTU se prepara para colocar em concorrência os serviços intermunicipais metropolitanos de ônibus, depois de ter licitado, recentemente, o Corredor ABD. As administrações municipais de algumas cidades, especialmente Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre não têm intenção de licitar os serviços de transporte, por considerar que os atuais permissionários estão atendendo satisfatoriamente a demanda e que os Municípios têm autonomia para estabelecer as suas próprias regras de delegação. Ainda são grandes as controvérsias em torno da aplicação dos dispositivos legais aos serviços de transporte público urbano e às esferas municipal e estadual (esta, quanto ao transporte metropolitano)10 . Mas, na prática, têm prevalecido prazos de concessão de 8 anos ou mais, julgamento das propostas com base no valor da outorga (e não por menor tarifa) e concessões por áreas ou lotes de veículos (e não por linha). A maioria das administrações, além de querer “legalizar” a situação das permissões, manifesta grande interesse nos recursos financeiros que podem ser captados através do leilão das taxas de outorga e formula planos para sua aplicação na melhoria da infraestrutura do transporte público. Além deste motivo, o critério da menor tarifa está sendo desprezado devido às dificuldades de compatibilizá-lo com a tarifa única existente em várias cidade e com a faculdade de fixar as tarifas do transporte público que todos os regulamentos conferem aos governos municipais. Entretanto, pouca atenção está sendo dada ao fato de que, selecionando as operadoras pelo valor da outorga, o Poder Público está deixando à margem a avaliação da eficiência empresarial dos proponentes para se ater apenas à sua capacidade financeira, qualquer que seja a destinação prevista para os recursos apurados. Outra conseqüência possível da 9 Leis federais Nº 8.987 e 9.074, ambas de 1995, e 8.666 de 1993. Esta última, embora derrogada no que for contrária às anteriores, permanece com o papel de legislação supletiva. Em 1998, foi também aprovada a Lei Nº 9.648 que, entre outros dispositivos, abre a possibilidade de outros critérios no julgamento das licitações. 10 A esse repeito, ver ARAGÃO, J.J.G. - O Novo Direito Concessionário Nacional: e agora, ônibus brasileiro? Revista dos Transportes Públicos/ANTP, São Paulo, (76): 53-68, 3o. trimestre 1997. Ver também: PRADO, M. - Concessão Pública, Um Empreendimento Público Comercial. Revista dos Transportes Públicos/ANTP, São Paulo, (75): 67-86, 2O. trimestre 1997. 44 adoção deste critério é a concentração das concessões em empresas ou grupos mais capitalizados (embora nada se possa afirmar a priori sobre as vantagens ou desvantagens econômicas desta concentração). Finalmente, um outro ponto a considerar na opção pelo critério de maior valor da outorga é o seu eventual impacto futuro sobre as condições econômico-financeiras dos concessionários e, indiretamente, sobre as tarifas. Na prática, as licitações realizadas não têm alterado substancialmente o quadro atual de empresas operadoras. Em Belo Horizonte, após a licitação, 96% do atendimento se manteve em mãos das empresas que anteriormente operavam o sistema municipal de transporte público e apenas 4% passaram a operadoras que pela primeira vez prestavam serviços de transporte público na cidade. Nos casos de Santo André, Manaus e do Corredor ABD na Região Metropolitana de São Paulo as novas concessões ficaram com antigos operadores das respectivas localidades. De todas as licitações realizadas, a de Belo Horizonte foi uma das mais significativas não só pelo volume de empresas e valor dos recursos envolvidos (R$69 milhões), mas sobretudo pelo comportamento dos agentes estatais e privados. Apesar da resistência das permissionárias locais, que contestaram a licitação nos fóruns jurídico e político, o processo foi concluído. Ao final, a participação das operadoras atuais na concorrência se deu sem que elas tivessem se envolvido com a definição técnica do novo modelo de concessão (a concessão por lotes de veículos e não por linhas foi, talvez, o principal ponto polêmico). A postura predominante dos sindicatos de operadores em várias cidades onde se cogita realizar licitações tem sido cautelosa mas contrária à medida, procurando sobretudo argumentos de ordem legal para justificar sua posição. Em algumas localidades se discute normas próprias para conduzir a questão, como no Rio de Janeiro. Finalmente, vale mencionar dois outros aspectos relacionados com o novo ciclo de licitações dos serviços de transporte público: a) a intenção ou decisão de legalizar, através de concorrências, a situação atual dos serviços delegados está trazendo à tona o debate sobre os modelos de concessão e de gestão, nem sempre propostos nos moldes dos que estão sendo atualmente adotados. Vários aspectos destes modelos como as formas de operação (por linhas, áreas, frota etc.) e de remuneração (pelos usuários, pelo governo; com ou sem câmara de compensação etc.) estão sendo objetos de estudos e negociações (o tema é retomado no item 3.6); b) ao lado das licitações para outorga de serviços, estão sendo realizadas várias concorrências para “privatização” de empresas de transporte público, envolvendo aquisição ou concessão de ativos; a movimentação é intensa na área dos metrôs, ferrovias de subúrbio, terminais e corredores rodoviários urbanos e deverá afetar a organização dos serviços no setor dos transportes sobre pneus. No Rio de Janeiro esse processo já se deu com o Metrô, a Flumitrens (trens de subúrbio) e a Conerj (barcas); em Recife se cogita na privatização da empresa pública de ônibus e troleibus, a CTU, e em Goiânia está em estudos a venda da Metrobus, operadora do principal corredor de ônibus da cidade. Diversos sistemas de trens metropolitanos estão sendo preparados para privatização como os de Porto Alegre, Belo Horizonte e Salvador. Ainda em Belo 45 Horizonte, a BHTRANS está licitando a concessão de diversos terminais de integração envolvendo os investimentos na sua implantação, da mesma forma que, em São Paulo, a SPTRANS licitou a concessão, precedida de obras, do primeiro corredor de VLP (mais conhecido localmente como “fura-filas”). LICITAÇÕES Belo Horizonte Belo Horizonte licitou todo o sistema de transporte coletivo dentro das normas estabelecidas pelas leis das concessões e das licitações. Compõem, também, a base legal da licitação: a Lei Orgânica do Município de Belo Horizonte e a lei de criação da BHTRANS (Lei Municipal 5.953/91). Em 21/08/97, a BHTRANS publicou o edital de licitação (na modalidade de concorrência pública, do tipo maior oferta de pagamento) para contratação, mediante outorga de sub-concessão, da execução do serviço público de transporte coletivo urbano de passageiros por ônibus, sob seu gerenciamento e fiscalização, por um período de dez anos. Foram licitados 83 lotes compreendendo um total de 2.762 ônibus. Os lotes têm composição variada, no que se refere a número e tipos de veículos. Para efeito do cálculo da oferta, o tamanho do lote foi expresso na medida veículo-equivalente-padrão (VEP), que representa a relação entre a capacidade de transporte de passageiros do veículo em relação à capacidade do veículo do tipo Padron. A relação guarda as seguintes proporções: Tipo de Veículo Microônibus Veículo leve Veículo médio I Veículo médio II Veículo pesado (padron) Veículo articulado Capacidade (passageiros) 40 a 45 60 a 68 77 a 82 83 a 90 91 a 105 160 a 165 VEP 0,45 0,65 0,81 0,89 1,00 1,65 Como o BHBUS prevê a implantação do sistema ao longo de um período, em função das licitações para implantação das estações, a frota foi especificada de forma a acompanhar este processo. Assim, foi definido um dimensionamento considerando duas situações de frota: a inicial e a futura. Para cada lote, na especificação futura foi estabelecido o tipo de serviço que passará a ser operado a partir da implantação do BHBUS: alimentador, troncal e complementar, este último composto por linhas diametrais, radiais, perimetrais e locais. 46 Especificação da Frota Futura Tipo de Serviço Médio I Alimentado Troncal Complementar TOTAL 567 0 352 919 Médio II Pesado 146 0 207 353 Articulado 97 129 77 303 TOTAL 0 620 0 620 810 749 636 2.195 Especificação Tipo de Veículo Inicial Microônibus Veículo leve Veículo médio I Veículo médio II Veículo pesado (padron) Veículo articulado TOTAL VEP TOTAL VEÍCULOS 2 469 1.007 194 1.090 2.386 2.762 Futura 919 353 303 620 2.386 2.195 O processo licitatório previu, ainda, que cada empresa poderia concorrer a lotes que totalizassem, no máximo, 240 VEP. Porém, só poderiam ser adjudicados um máximo de 120 VEP por concorrente. A frota das empresas vencedoras poderá ser utilizada em qualquer linha à critério da BHTRANS, portanto, não há vinculação do veículo à linha. Para realizar a concorrência, a BHTRANS enfrentou fortes resistências, principalmente, nos planos político e jurídico. A Câmara Municipal chegou a votar a extinção do órgão e a prorrogação das atuais concessões por dez anos. O SETRANSP e as empresas de ônibus, durante todo o processo, parecem não ter acreditado que o processo licitatório fosse viável. Entraram com ações no nível político jurídico na tentativa de barrar a licitação. Esta situação não permitiu que o processo fosse enriquecido com a própria participação do sindicato e das empresas. Como exemplo: o edital apresentado na audiência pública, elaborado pela BHTRANS, foi praticamente o mesmo que chegou ao final. Mesmo diante de uma batalha judicial com ações que tentaram impedir a licitação do transporte coletivo, a BHTRANS conseguiu, junto com a Procuradoria do Município, cassar todas as liminares e publicar, em 6/12/97, o resultado da fase de habilitação. Todos os lotes receberam propostas feitas por 59 concorrentes. Deste total, 50 foram habilitados. A abertura das propostas comerciais aconteceu em janeiro/98. O resultado da licitação, segundo o qual saíram vencedoras 46 empresas para operarem 83 lotes de veículos, mostrou que 96 % do mercado de transporte de passageiros foi confirmado às empresas que já operavam o transporte público na Capital. Os contratos com as empresas vencedoras foram assinados em fevereiro de 1998 e o total das propostas comerciais atingiu a cifra de R$ 69 milhões, que seriam pagos pelos operadores vencedores em 20 (vinte) 47 parcelas mensais e consecutivas, a começar a partir de 90 dias da data de assinatura dos contratos. Estes recursos irão formar um fundo de transporte, que vai se configurar como a contrapartida do município para o obtenção junto ao BNDES de financiamento para investimentos no sistema viário para a implantação dos corredores de transporte do BHBUS (vias segregadas para a circulação do sistema de transporte coletivo). Com o final do processo licitatório, o que se pode observar é que, com os novos contratos e com a nova forma de operação por lote de veículos, os riscos do negócio diminuíram. A relação com o poder público está clara: existe um contrato que estabelece regras. Se houver quebra do equilíbrio econômico-financeiro, os empresários tem como exigir a retomada deste equilíbrio. Por outro lado, as empresas terão que modernizar sua administração uma vez que a forma de remuneração será alterada, com a introdução do índice de desempenho operacional, ou seja, uma parcela do que as empresas vão receber será em função de sua produtividade e de seu desempenho operacional. O BHBUS, apesar de introduzir conceitos até então nunca utilizados no município, inovou pouco no que se refere ao relacionamento com as empresas (consideradas meras operadoras de ônibus), à remuneração dos serviços (a parcela relativa à produtividade é ainda pouco significativa) e à diversificação dos serviços: não estão previstos serviços diferenciados, de forma a atender as diferentes camadas sociais, tanto para aqueles que se dispõem a pagar mais por um serviço mais confortável, quanto para aqueles que residem em locais de difícil acesso. Esta tendência pode ser observada quando se analisa a frota especificada: está previsto apenas dois microônibus na situação inicial e nenhum, na futura. A opção pela licitação teve como principais fatores motivadores os seguintes aspectos: atender às exigências legais (Leis 8.666/93 e 8.987/95); estabelecer regras e mudar a relação com as empresas operadoras; qualquer modificação nas características das linhas era precedida de inúmeras contestações pelas empresas envolvidas, sendo que algumas não chegavam a ser implantadas, envolvendo o órgão gestor e as empresas em longos e desgastantes processos de negociação; reduzir as influências políticas improcedentes sobre os serviços; criar facilidade para a participação do público no processo de discussão e entendimento sobre o funcionamento do sistema, a partir de bases divulgadas e conhecidas por todos, a exemplo da criação do Conselho Fiscal da Câmara de Compensação Tarifária, cujas atas de reunião são publicadas mensalmente no Diário Oficial do Município. São Paulo: sistema intermunicipal metropolitano A necessidade de se promover a legalização do transporte intermunicipal por ônibus de São Paulo/SP - à exceção da empresa METRA, todas as demais estão com as permissões vencidas - levou a Secretaria dos Transportes Metropolitanos a promover abertura de concorrência pública para o sistema, modificando a sua forma de operação. A audiência pública foi realizada em abril de 1998 mas, até julho/98, a concorrência ainda não havia sido aberta. Estão previstas as seguintes diretrizes para a concessão dos serviços: buscar a contratação de grupos fortes com administração profissionalizada; permitir, nas licitações, a formação de consórcios com número limitado de participantes; definir que a receita tarifária não deve passar pelos cofres do Estado ou de empresas públicas; licitar e contratar áreas geográficas de operação e não linhas; fornecer, no edital e no contrato, os parâmetros principais de dimensionamento; definir que a determinação do valor da tarifa será sempre do poder concedente; exigir dos licitantes a apresentação de fluxo de caixa para todo o período da concessão (baseado na demanda atual, tarifa vigente e custos atuais) indicar no edital e no contrato, com clareza, a forma como o poder concedente procederá aos reajustes; indicar no edital e no contrato, com clareza, os fatores que podem causar o desequilíbrio econômicofinanceiro do contrato; fixar que as licitações serão do tipo maior valor de outorga; 48 evitar colocar sob a responsabilidade da concessionária a execução das obras necessárias ao transporte coletivo; criar mecanismos para que as concessionárias controlem e sejam responsáveis, juntamente com o poder público, pela forma com que são aplicados os recursos para obras voltadas ao transporte coletivo concedido; evitar a operação privada com frota pública; criar incentivos e mecanismos para ações que objetivem a redução da poluição; buscar, onde for possível, a substituição da fiscalização de campo por mecanismos, já definidos no edital e contrato, de pesquisas junto aos usuários; impor, no edital e no contrato, a adesão compulsória da concessionária ao sistema de bilhetagem que permita a adesão de parceiros que não somente os de transporte (Projeto Metropas); prever, no edital e no contrato, a constituição de conselho arbitral a ser constituído por membros estranhos à concessionária e ao poder concedente para, em caráter opinativo, dirimir eventuais dúvidas surgidas durante o contrato; abrir as licitações à participação internacional; reduzir ao máximo as funções do poder concedente nas atividades de gerenciamento do sistema; aumentar ao máximo as responsabilidades e a exposição à comunidade da concessionária. São Paulo: projeto VLP A concessão do Projeto VLP - Veículo Leve sobre Pneus ou “Fura-Fila”, a cargo da Secretaria Municipal de Transportes, através da São Paulo Transportes S.A. - SPtrans será por 15 anos, tanto para operação quanto conservação. O custo da implantação é da ordem de R$ 12 milhões por quilômetro (somando-se as despesas com infra-estrutura e material rodante). Na primeira linha, de 104 km, serão utilizados 31 veículos exigindo um investimento da ordem de R$30 a 36 milhões do setor privado. O retorno deste investimento foi estimado em três anos e meio, a uma tarifa de remuneração de R$ 0,65 a R$ 0,70. A infra-estrutura ficará por conta do Município. Será de responsabilidade do concessionário, além da frota, o sistema de controle e manutenção, a bilhetagem, câmara de compensação, etc. Para o primeiro grupo de linhas, o concessionário destinará uma parcela de retorno de investimento para o SPtrans. Para o segundo grupo, a concessão será com investimentos da iniciativa privada, inclusive na infraestrutura. 3.6 - Modelos de Concessão Os modelos de concessão definem a maneira como a Administração Pública, enquanto poder concedente, se relaciona com as organizações que executam os serviços de transporte (concessionários, permissionários ou contratados). Obviamente, este conceito se aplica às condições brasileiras em que o transporte coletivo urbano é um serviço público, cuja execução se atribui, quase sempre, a empresas operadoras (em sua maioria privadas) mediante concessão, permissão ou contrato de prestação de serviços. A preocupação com os modelos de concessão tem sido uma constante no transporte coletivo. As administrações estaduais e municipais estão sempre revendo, integral ou parcialmente, os regulamentos de transporte (que determinam, no plano jurídico, as relações entre concedentes e concessionários), a fim de dar forma concreta à sua visão do papel do estado numa determinada gestão de governo ou responder a problemas conjunturais que afetam a administração dos serviços. Mas, nos últimos dois ou três anos o debate se difundiu e se intensificou, ficando cada vez mais presente nas agendas do setor. Isso se deve principalmente à nova legislação federal 49 sobre concessão de serviços públicos que, mesmo contestada por alguns quanto à sua aplicabilidade aos estados e municípios, vem sendo acatada em várias cidades. Em princípio, não há o que impeça a licitação dos serviços da forma como já estão organizados. Mas, na prática, várias administrações municipais vêm na licitação a oportunidade para mudar as redes de transporte e alterar os princípios de sua gestão, visando melhor ajustar a oferta às condições da demanda. Por outro lado, como na maioria dos municípios não se tem a prática da licitação para a concessão dos serviços, vários temas introduzidos pela legislação, tais como prazos de concessão, critérios de seleção dos candidatos, número de concessionários etc., geram grande polêmica. Quadro de referência Uma definição detalhada dos modelos de concessão (baseada na experiência nacional ou internacional) é tarefa complexa que extrapola os objetivos deste estudo. Entretanto, tendo em vista sistematizar melhor os debates sobre o tema, procurou-se identificar um conjunto de variáveis ou atributos que permite classificar e distinguir os diferentes tipos de modelos de concessão. A seleção destes atributos, cuja lista é apresentada a seguir, baseou-se, em grande parte, nos temas que têm envolvido maior controvérsia durante os debates de autoridades, empresários e técnicos do setor sobre o assunto. Prazo da concessão Tendem a guardar alguma relação com a vida útil e o período de recuperação dos investimentos. Na prática, os prazos mínimos têm sido da ordem de 5 anos, embora haja defensores das licitações de ciclo ainda mais curto, que tomam como referência as experiências de países escandinavos11. Número e limite de participação de concessionários É muito variável o número de concessionários aceitos em cada cidade ou área de operação, embora sejam raros os casos de empresa operadora única (ao contrário do que acontece em regiões urbanas da Alemanha e da França). Em algumas cidades há limites para o tamanho da frota operada pelos concessionários (por exemplo, cada empresa operadora não pode ter mais do que determinada porcentagem da frota total da cidade). Critérios de seleção dos concessionários Nas licitações recentes, os concessionários têm sido selecionados principalmente pelo critério de maior valor da outorga, embora haja outras possibilidades como a menor tarifa, 11 Estudos recentes, contratados pelo GEIPOT com professores de algumas universidades brasileiras mas ainda não publicados, apontam nesta direção. Tratam-se de propostas e análises de licitações de ciclo curto feitas com vistas em sua aplicação aos serviços de ônibus urbanos de Recife. Palestra neste sentido foi feita no Simpósio sobre a Experiência das Novas Concessões nos Transportes Coletivos Urbanos, da ANTP (São Paulo, 6/6/98). 50 a melhor proposta técnica com preço firmado em edital e outras (Lei Nº 27/05/98). 9.648 de Forma de prestação dos serviços Embora na tradição das cidades brasileiras predominem as concessões por linhas, as tendências mais recentes são no sentido de privilegiar as concessões por área e por lotes de frota (veículos). Dependendo do prazo de concessão, o sistema concedido por linha pode criar dificuldades ao ajuste dos itinerários às alterações no padrão espacial da demanda ou às características do sistema viário. Forma de remuneração No tocante à maneira como os operadores são remunerados, é preciso distinguir no mínimo três aspectos: a) quanto à origem dos recursos a remuneração é feita diretamente pelo usuário, através do pagamento da tarifa ou, alternativamente, a remuneração é pelo concedente, pelo custo dos serviços prestados, com base em algum critério de produção (entre os quais sempre predomina o custo da quilometragem percorrida), ainda que, para fazer face aos pagamentos, o concedente se valha da receita tarifária; b) quanto ao vínculo entre concessionários Nos sistemas que adotam a tarifa única, nem sempre o montante de receitas arrecadado por cada empresa corresponde ao total de seus custos operacionais, devido a diferenças na demanda e nas condições de operação. Nestes casos, várias cidades recorrem a algum tipo de compensação entre as empresas operadoras a fim de restabelecer o equilíbrio receita-custo em cada uma delas. Isso cria um vínculo econômico entre os concessionários em determinados sistemas mas não em outros. Assim, os modelos de concessão podem ser com ou sem compensação tarifária; c) quanto à admissão de subsídio público As câmaras ou mecanismos de compensação referidos em (b) podem estar equilibrados, superavitários ou deficitários (na relação receita total menos custo total); no caso de deficits, há municípios que admitem subsidiar ou não as câmaras de compensação com recursos públicos. Neste último caso, os operadores absorvem eventuais deficits existentes. Mecanismos de controle O controle do concedente sobre os serviços prestados pelo concessionário pode ser feito de diversas maneiras. Nas cidades brasileiras este controle é geralmente feito na linha da regulação administrativa. O órgão gestor compara as disposições regulamentares com o desempenho efetivo, penalizando ou até mesmo cassando a 51 permissão quando elas não são cumpridas (em algumas cidades há prêmios de remuneração quando o desempenho é acima do regulamentar esperado). Mas há mecanismos inovadores de controle, baseados na opinião dos usuários (ou da população) sobre os serviços prestados por cada concessionário; nestes casos, o grau de regulação administrativa costuma ser baixo. O operador é penalizado (e, no caso de reincidência pode ter a concessão cassada) desde que não alcance uma determinada nota na avaliação, feita periodicamente por uma amostra de usuários, em relação a uma lista de atributos operacionais. Os modelos de concessão também podem ser mistos, combinando as avaliações por regulação administrativa e por opinião dos usuários. Ônus dos concessionários Nos modelos de concessão atualmente adotados, os concessionários ou permissionários assumem determinados encargos financeiros, notadamente o investimento em veículos, garagens e oficinas de manutenção, os gastos de operação e manutenção e, em muitos municípios, o pagamento de uma taxa de gerenciamento destinada ao custeio dos órgão gestores. Nos últimos anos começam a ganhar impulso os modelos operacionais em que os concessionários assumem, além dos encargos convencionais, os investimentos na implantação da infra-estrutura (vias exclusivas, terminais, sistemas automatizados de controle etc.) e os gastos com a sua operação/manutenção, auferindo, em contrapartida, receitas de sua exploração comercial. Situação atual Nem todas as variáveis acima se prestam para classificar os sistemas públicos atuais no que diz respeito aos modelos de concessão porque não fazem parte das práticas correntes. É o caso, por exemplo, dos prazos de concessão, critérios de seleção dos concessionários e dos mecanismo de controle por avaliação dos usuários. Atualmente, a maioria dos serviços de transporte público é operada mediante permissão ou contrato, sem prazo definido ou renovados automaticamente por longos períodos, sem que a outorga tenha sido objeto de processo licitatório. A renovação no quadro de operadores pouco freqüente - costuma se dar por compra e venda de empresas, incluindo os direitos de exploração das linhas a elas atribuídas. Antes mesmo da nova legislação sobre concessão de serviços públicos, este quadro já estava se alterando e algumas cidades têm parte dos serviços de transporte concedidos mediante licitação por prazos determinados, nos moldes da atual legislação federal. Os atributos mais importantes utilizados na análise dos atuais modelos de concessão dizem respeito à forma de operação e de remuneração. A Tabela 7, a seguir, tenta classificar alguns sistemas municipais e intermunicipais metropolitanos de acordo com estes atributos. 52 Tabela 7 Localidades Selecionadas Sistemas Municipais e Intermunicipais de Transporte Público por Ônibus Características dos Modelos de Concessão Atuais (1997) Forma de Remuneração Localidade Sistema Origem dos Recursos Compensação Tarifária Forma de Prestação dos Serviços Subsídio Público Linha Usuário São Paulo Governo Tem Não tem Admite Veículo Área Não admite municipal intermunicipal Rio de Janeiro municipal intermunicipal Belo Horizonte municipal intermunicipal Porto Alegre municipal intermunicipal Recife metropolitano Salvador municipal (1) intermunicipal Curitiba municipal intermunicipal Florianópolis (2) (2) (2) (2) municipal intermunicipal Goiânia metropolitano Campinas municipal Fonte: Levantamento NTU junto aos sindicatos de operadores e órgãos gestores (1) em litígio judicial; (2) parte das empresas intermunicipais segue regras diferentes O modelo adotado em Curitiba é possivelmente aquele em que a presença efetiva do Estado12 vis a vis a das empresas operadoras se faz sentir com maior intensidade. A URBS determina e controla todos os detalhes da operação, até mesmo os relacionados com os sistemas de apoio como a comercialização do vale-transporte. Em projeto, dois outros sistemas se assemelham a ele - os de Belo Horizonte e de Recife - embora, por circunstâncias locais, não consigam um controle tão forte como em Curitiba. Em Belo Horizonte, a principal dificuldade que a Bhtrans enfrenta atualmente no exercício efetivo de seu poder de controle é o conflito de mercado que vem se instalando à medida em que o sistema intermunicipal, gerido pelo DER-MG, não mais está participando da câmara de compensação tarifária e passou a concorrer com o municipal em alguns corredores. Assim, o órgão gestor não pode garantir totalmente aos seus concessionários o monopólio contratual nas rotas a eles designadas. 12 As referências à presença ou poder de controle do estado não se relacionam com os aspectos legais e dispositivos regulamentares em si mas ao exercício efetivo deste controle, que é afetado por fatores políticos, culturais, institucionais etc. 53 Em Recife essa garantia de controle do mercado pela EMTU é perturbada pela presença de um grande número de clandestinos. Em contrapartida, a competição do transporte municipal da Capital com o intermunicipal está sob controle, uma vez que os dois sistemas são administrados pelo mesmo órgão gestor. Mas, a perspectiva de privatização da CTU empresa pública que opera ônibus e troleibus em algumas das linhas mais rentáveis da cidade - fora da supervisão da EMTU, é um fator que pode ameaçar a unidade de gestão e reduzir o poder de controle desta sobre o sistema. No outro extremo, o modelo adotado no Rio de Janeiro é o que registra menor presença efetiva do estado. Os órgãos de gerência, tanto no nível municipal como intermunicipal metropolitano, não dispõem de condições para planejar e controlar adequadamente a operação dos transportes públicos, deixando que a oferta seja definida, em grande parte, pelas próprias empresas. Há deficiências mesmo quanto à disponibilidade de informações elementares por parte do poder público. Entre os dois extremos, de Curitiba e do Rio de Janeiro, estão os demais sistemas estudados. No sistema municipal de Salvador, os operadores, através de seu sindicato, estão assumindo uma parcela importante das decisões operacionais e, através da bilhetagem automática, sob sua administração, exercem importante controle sobre as informações e sistemas de apoio como a comercialização do vale-transporte e do passe estudantil, além de ampliarem os contatos com o público no tocante aos serviços de transporte. A presença do órgão gestor é cada vez menor nas decisões operacionais, além de dispor de poucos recursos para os trabalhos de fiscalização. Em Goiânia há um certo equilíbrio nas relações entre os operadores, através de seu sindicato, e o órgão gestor, a Transurb. Mas os operadores vêm assumindo um papel cada vez mais destacado, tanto na proposição e implementação de novos projetos, como na modernização dos sistemas internos de administração de suas próprias empresas. Em Florianópolis e Campinas há também um certo equilíbrio na presença dos agentes públicos e privados mas nota-se uma tendência cada vez maior dos órgãos gestores de entregarem responsabilidades de gestão às empresas operadoras. Em Campinas, a não existência de câmara de compensação administrada pelo governo num regime de tarifa única já denota essa posição, que se contrapõe à presença bastante intensa da EMDEC no passado. Em São Paulo, por volta do início da década, o estado assumiu um forte controle sobre a operação e as finanças do sistema municipal. As dificuldades em suportar os deficits crescentes da então operadora e gestora, CMTC, levaram à sua extinção e transferência das permissões para as empresas privadas. Entretanto, sua sucessora, a Sptrans, manteve a remuneração pelo governo por serviços prestados e exerce um controle considerável sobre a operação do sistema. Mais recentemente, nota-se uma tendência no sentido de reduzir a presença da Sptrans na gestão do sistema e isso parece ser a contrapartida inevitável das intenções estatais de não mais subsidiar os transportes públicos. De fato, os deficits da câmara de compensação têm sido crescentes face a um orçamento municipal com grandes lacunas de recursos. Em quase todos as áreas estudadas, observa-se um baixo controle efetivo do estado sobre os serviços intermunicipais metropolitanos de transporte público. É assim em Porto Alegre, 54 Florianópolis, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Salvador e, com menor intensidade, em São Paulo. Em Recife e Goiânia estes serviços são geridos por organizações estaduais, junto com os respectivos serviços municipais das capitais. Em Curitiba, a URBS, gestora pública do Município, assumiu recentemente o controle sobre os serviços intermunicipais metropolitanos através de convênio com o Governo do Estado. Habituados, de longa data, à virtual ausência do estado no controle de suas atividades, os operadores intermunicipais metropolitanos desenvolveram, em alguns casos, mecanismos de auto-gestão criativos. É neles onde se manifestam as tendências mais liberais quando se trata de reformular os modelos de concessão, como fica nítido no caso das propostas da SMT/EMTU de São Paulo para o novo sistema que pretende licitar brevemente. De acordo com as diretrizes iniciais, pretende-se implantar um sistema de controle mediante avaliação pelos usuários (já comentado anteriormente) e reduzir, de maneira expressiva, a presença do Estado no planejamento e fiscalização da operação. Cabe um comentário à parte sobre o modelo de concessão no Município de Porto Alegre. Ali, no quadro de um engenhoso acordo entre as diversas operadoras e delas com o governo municipal, implantou-se um modelo baseado em “bacias” de operação. A operação de cada bacia está a cargo de um consórcio de empresas que tem personalidade jurídica própria e determina quase todos os aspectos da operação dos serviços. As empresas, como se diz na cidade, administram os transportes da porta da garagem para dentro e os consórcios alocam os recursos da porta da garagem para fora, definem itinerários, programações e outros detalhes operacionais. A Secretaria Municipal de Transportes fiscaliza, acompanha e intervém, quando necessário, nas decisões dos consórcios através de reuniões freqüentes. Em cada bacia há uma câmara de compensação tarifária (a tarifa é única), cujo funcionamento não oferece dificuldades, uma vez que todo o sistema se apoia num acordo, negociado ao longo de vários anos, sobre a repartição de custos e receitas. Os comentários anteriores indicam a grande variedade de modelos de concessão existentes atualmente. É provável que essa diversidade se mantenha no futuro em vista das diferenças na cultura política e administrativa e no quadro das condições socio-econômicas de cada cidade. Mas há muitas correções e mudanças de rumo a serem feitas pois os modelos atuais acumulam problemas importantes e nem sempre se ajustam à dinâmica do mercado de transporte urbano. 55 4. CONCLUSÕES Os estudos, que tomaram como base um conjunto bastante significativo de cidades brasileiras, revelam uma séria crise econômica no transporte público. Ao mesmo tempo em que aumenta a produção quilométrica, observa-se uma forte queda na quantidade de passageiros transportada, fazendo com que a produtividade do setor, medida pelo índice de passageiros por quilômetro, baixe a níveis insustentáveis. Simultaneamente, os custos unitários de operação não param de aumentar em função do congestionamento crescente do sistema viário (o que determina menores velocidades no transporte público e conseqüente necessidade de aumentar a quantidade de recursos para manter o mesmo nível de serviço) e das políticas salariais em relação ao pessoal operacional. Preocupa, em especial, a rapidez e intensidade com que estes fenômenos estão se desenvolvendo nos últimos três anos. Esta situação está se verificando num contexto de estabilidade monetária em que não é possível resolver, de forma continuada, os problemas de queda de produtividade e aumento de custos unitários através de reajustes tarifários. Além disso, o mercado de transporte urbano está se tornando cada vez mais concorrencial, de tal forma que o aumento de tarifas implica em perda de demanda, mais ou menos significativa conforme a cidade, mas sempre realimentando o processo inicial. O problema está se dando apesar do alto nível de subsídio representado pelo vale-transporte. No cerne da crise econômica que o setor enfrenta estão alguns problemas que precisam ser resolvidos: a) as dificuldades de ajustar uma oferta de serviços a mercados de transporte cada vez mais concorrenciais, dinâmicos e segmentados. A saída ingênua de aumentar a oferta nos mesmos padrões atuais de serviço ou de proporcionar melhorias de qualidade incompatíveis com a capacidade de pagamento dos usuários potenciais só tende a agravar os problemas; mas, paradoxalmente, é nessa direção que estão orientadas muitas políticas de setores estatais e privados. Por outro lado, restabelecer as condições de monopólio, ainda que contratualmente legítimas, através da repressão ao transporte informal tem se mostrado pouco eficaz e incompatível com a fragilidade político-institucional de grande parte dos órgãos gestores; b) a contenção da escalada dos custos unitários de operação. Aqui há dois aspectos principais a considerar: primeiro, as tentativas para limitar o efeito das externalidades negativas da circulação de automóveis sobre os custos do transporte coletivo, através da criação de infra-estruturas de uso exclusivo dos meios coletivos, única saída viável para o problema, estão encontrando dificuldades importantes devido à ausência de políticas de financiamento público. Segundo, não há sinais de mudança nas políticas salariais em relação ao pessoal operacional do setor, que vêm se mantendo fortemente atreladas aos aumentos de tarifa e sem relação com a produtividade. Estes dois fatores, em conjunto, são responsáveis pelas maiores pressões 56 de custo que o transporte público vem enfrentando nos últimos anos e permanecem sem solução satisfatória. Diante do quadro atual de problemas, parecem se justificar algumas diretrizes de ação, tais como: rever a organização do setor, nos segmentos estatal e privado, partindo da avaliação e reformulação dos atuais modelos de concessão; o objetivo principal deve ser aumentar a capacidade institucional dos órgãos de gerência e das empresas operadoras para operarem em mercados competitivos, agilizando as respostas conjuntas aos movimentos da demanda e eliminando a excessiva rigidez dos regulamentos. Nesta linha, é prioritário desenvolver sistemas de informação sobre as condições da oferta e demanda de transporte; redefinir os limites de atuação do transporte público, a fim de incorporar à sua economia, os segmentos de mercado com maior potencial de pagamento (transporte escolar, fretamento, serviços especiais etc.), capazes de compensar o impacto deficitário decorrente do atendimento aos segmentos de demanda social, com menor capacidade de contribuição; montar um novo esquema de financiamento do setor, começando por adequar as políticas tarifárias à diversificação da oferta, exigida pelos vários segmentos de mercado, dentro da concepção ampliada do campo de atividade do setor proposta anteriormente; na linha de ampliação e melhoria da infra-estrutura para operação prioritária do transporte, é indispensável o reforço dos mecanismos de financiamento do setor estatal, mesmo considerando as possibilidades de parceria privada. 57 EQUIPE TÉCNICA Consultores Coordenação executiva Maurício Cadaval Colaboradores técnicos Ana Maria de Oliveira Vilaça Christine Tessele Nodari Daisy Cadaval Basso Denise Maria Ziober Helcio Rizzi Myrian Santos Aguiar Sabina Kauark Leite Auxiliar de pesquisa Gabriela Alves Duarte NTU - Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos Supervisão dos estudos Marcos Bicalho dos Santos Diretor Superintendente Carlos Henrique R. Carvalho Gerente Técnico 58