- Santos Barosa

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- Santos Barosa
APONTAMENTOS
(I)
José Pedro Barosa *
Maio de 2 000
----------------------------------* O Conteúdo deste texto é da exclusiva responsabilidade do autor.
2
APRESENTAÇÃO
Neste volume dos Estudos e Documentos do Museu Santos Barosa, publico um conjunto de
sete pequenos textos, escritos com diferentes propósitos, e nem todos rigorosamente inéditos, mas
ligados pelo tema comum que é o vidro.
O objectivo desta edição é múltiplo. Por um lado, reuno desta forma um conjunto de
pequenos textos, já anteriormente publicados, mas que estão dispersos, assim facilitando a sua consulta pelos eventuais interessados, e aproveito a oportunidade para os actualizar face aos novos
conhecimentos pertinentes, e sem as restrições de espaço ou forma que num caso ou noutro condicionaram as primeiras versões.
Efectivamente, nunca o conhecimento é definitivo, e a conveniência de actualizar e complementar o conteúdo de alguns destes textos mostra-o claramente, assim como mostra a rapidez
com que tem progredido o conhecimento da história do vidro em Portugal nos últimos anos.
Por outro lado, posso assim incluir e divulgar um outro conjunto de textos, até agora mantidos inéditos, dando informação de factos ou reflexões que poderão contribuir para a mais rápida
evolução do conhecimento da história do vidro em Portugal, evitando, no que for possível, que
diferentes pessoas ocupem o tempo na procura das mesmas informações, duplicando esforços inutilmente.
Por esta mesma razão, aliás, alguns dos textos poderão, eventualmente, referir um conjunto
de fontes exagerado para a profundidade com que os temas aparecem tratados, ou incluir notas cujo
conteúdo vai mais além do que a simples "fronteira" do texto a que se referem, mas isso corresponde ao desejo de deixar à vista "todas as pontas", e é mesmo uma das vantagens de um volume,
como este, que se pretende de "apontamentos".
Em contrapartida, naturalmente, o volume não tem a unidade que normalmente se deseja
para um texto unificado, assim como se podem encontrar algumas repetições e duplicações, nos
conteúdos, como nas referências. Aqui, o que se pretende é que cada um dos apontamentos seja
independente dos outros e possa ser lido separadamente, com um mínimo, se alguma, referência
aos outros.
A ordem por que os vários "apontamentos" vêm inseridos neste volume corresponde à cronologia do tempo a que se referem os temas tratados e não à cronologia dos momentos em que
foram escritos, o que pareceu mais adequado face ao seu pequeno número e à relativa diversidade
dos temas.
Maio de 2000
3
ÍNDICE
1714
----------------------------------------------------------------------------
250 Anos
---------------------------------------------------------------------
3
9
Na Montra da Bertrand
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15
17 de Outubro de 1786
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25
A Indústria Vidreira Portuguesa: Circa 1870
Fábrica de Vidro na Maceira
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31
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41
Fábrica de Vidro na Guia - Oeste
------------------------------------------
4
61
1714
3
A propósito da polémica que se pretendeu lançar aquando das comemorações do 250º aniversário da
instalação da indústria vidreira na Marinha Grande, confundindo-se (na hipótese mais benévola), o estabelecimento de uma manufactura real de vidros com a instalação desta na Marinha Grande, lembrei-me de uma
informação curiosa por que passei aquando estava a ler um livro sobre a história geral da vidraria que, por ser
escrito por um autor alemão, naturalmente, enfatizava e detalhava ocorrências passadas nos estados germânicos.
Efectivamente, em 1713 - 14, ter-se-á dado um acontecimento importante na história da indústria
vidreira portuguesa, que foi a tentativa de estabelecer uma manufactura real de vidros, isto é, de estabelecer a
produção vidreira em Portugal, segundo um esquema manufactureiro, que ultrapassasse o sistema antigo dos
"fornos do vidro", e assim permitisse o acesso às produções mais sofisticadas que eram apanágio das vidrarias europeias, nomeadamente as que foram organizadas à maneira de Veneza ou à maneira da Boémia, beneficiando ainda dos possíveis apoios e benesses decorrentes do interesse da Coroa e do governo nessas produções.
Esta tentativa, porém, ao que tudo indica, fracassou inteiramente, não tendo passado das intenções,
após alguns contratos e movimentos de pessoas, podendo-se presumir não se ter visto a conclusão da construção da fábrica e, muito menos, a sua laboração.
Entre as razões possíveis para este fracasso, a par das inúmeras dificuldades típicas, poderá estar o
facto da sua implementação ter sido entregue a um indivíduo cujas referências seriam, pelo menos, duvidosas.
Só uns cinco anos depois, uma nova tentativa, a localizar em Coina, viria a ter sucesso. Das dificuldades desta manufactura, então sim, em 1747 - 8, resultaria a sua deslocalização para a Marinha Grande por
decisão do então administrador, o irlandês João Beare. Quase imediatamente, porém, viria a perder o estatuto
de manufactura real, que só recuperaria com Guilherme Stephens, quase trinta anos volvidos.
4
1714
Dando continuidade à política de estabelecimento de manufacturas em Portugal,
com recurso a mestres estrangeiros, já em 1713 - 1714 chegara a vez dos vidros.
Contratou-se a construção de uma nova fábrica de vidros com o italiano1 João
Palada e, por Decreto Real de 11 de Abril de 17142, confirmava-se o contrato, determinava-se que a localização da fábrica seria no Forte da Junqueira, então arredores de Lisboa, e
concediam-se várias benesses à nova empresa, entre as quais as do pagamento pela Real
Fazenda das despesas da imigração dos mestres estrangeiros, da oferta de lenha e de isenções fiscais e aduaneiras. Todas estas informações constam de uma "Exposição sobre as
causas do descalabro da Real Fábrica de Vidros de Coina", datada de 1744, provavelmente
da autoria de João Beare, que está incluída como Documento Nº 10, no citado livro de
Vasco Valente.
Foi, contudo, uma iniciativa falhada, para o que, em rigor, se desconhecem as
razões. O que se julga saber é que a referida fábrica não chegou a trabalhar, se é que a sua
construção chegou a ver o fim. A única coisa que, a este propósito, se diz de relevante na
mencionada "Exposição" é que "... o dito João Palada nam dezempenhou o conceito que
delle se fez ...".
Não era certamente fácil a empresa do lançamento de uma nova manufactura, ainda
tão sujeita aos mais diversos segredos, e tão pendente da prolongada experiência prática
dos saberes envolvidos, como era a indústria do vidro. Havia que importar tudo, ou quase,
em condições de oposição activa por parte dos poderes estrangeiros, interessados no mercado de exportação dos vidros que produziam.
Da Alemanha, mais precisamente de Brandeburgo, pela mão de Weiss3, chega-nos
uma informação curiosa e, eventualmente, pertinente sobre um Pallada. Que também se
chamava João, ou melhor, Giovanni.
Em 1696, o Eleitor Frederico III de Brandeburgo (Frederico I, rei da Prússia) estava
insatisfeito com a produção vidreira no seu Estado por, após ter entrado em disputa com o
célebre Johan Kunckel4 e deste se ter ido embora, ter ficado desiludido com o substituto, o
1 Cfr. Luís Ferand de Almeida, A Fábrica de Vidros da Marinha Grande em 1774, pág. 293, Revista Portuguesa de História, tomo XVIII, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Instituto de História Económica e Social, Coimbra, 1980, pp. 292 - 311.
2 Cfr. Vasco Valente, O Vidro em Portugal, Portucalense Editora, Porto, 1950, pág. 122.
3 Cfr. Gustav Weiss, The Book of Glass, Barrie & Jenkins, London, 1971, pág. 127, relato no qual se baseia a
exposição seguinte em tudo o que se refere às movimentações e empregos de Giovani Pallada.
4 Johan Kunckel foi uma das personalidades mais destacadas na vidraria do último quartel do século XVII.
5
mestre francês Simon de Tournay, cujos resultados não teriam correspondido à expectativa
nele depositada.
Nestas condições, chamou então o veneziano Giovanni [João] Pallada, que trabalhava na Holanda, em Haarlem, para quem mandou construir uma nova fábrica de vidros
no Molkenmarkt, em Berlim. Nesta fábrica deveriam ser produzidos os grandes discos de
vidro plano, como em França5, e coparia de elevada qualidade.
Porém, este Pallada não foi capaz de dirigir convenientemente a nova fábrica, tendo-se endividado, e dois anos depois, em 1698, acabou por optar pelo caminho secreto da
fuga, levando consigo "uma soma considerável de ouro".
No caminho da fuga, procurando iludir os esbirros que o Eleitor tinha mandado no
seu encalço, começou por dirigir-se de volta para a Holanda, chegando a Nijmegen, donde
retornou à Alemanha, e em Nuremberga, já a caminho de Veneza, recambiou o seu cocheiro berlinense. Não chegou a ser apanhado.
É evidente que, apesar de todas as coincidências e da elevadíssima probabilidade de
Alquimista, químico e compositor famoso, foi ele quem descobriu a fórmula da composição do vidro de cor
rubi, resultante da adição à composição de ouro dissolvido. A grande dificuldade deste processo residia no
facto deste vidro sair do forno com a cor branca e só com o posterior processo de arrefecimentoaquecimento-arrefecimento ganhar a cor rubi. Kunckel pertencia a uma das mais importantes famílias presentes no vidro germânico desde há séculos e tinha sido chamado a Berlim por Frederico Guilherme, o Grande
Eleitor, que para ele construiu uma fábrica de vidros junto à sua residência de Potsdam. Cfr. Ada Polak,
Glass: Its Tradition and its Makers, G. P. Putnam's Sons, New York, 1975.
5 Trata-se de uma das técnicas da produção de vidro plano, que veio a ter larga adesão em Inglaterra, para
onde foi transferida de França e onde recebeu a designação mais conhecida de crown-glass, e que também
terá sido praticada em Portugal, na Real Fábrica de Vidros da Marinha Grande, como se pode ver em Margarida Marques, O Período Stephens na Real Fábrica de Vidros da Marinha Grande, Algumas Fontes Escritas,
Museu Santos Barosa da Fabricação do Vidro, Estudos e Documentos nº 11, Marinha Grande, 1999, pág. 39.
Nas regiões vidreiras "germânicas, onde se inclui a Lorena, em vez desta, era praticada a técnica do
cilindro soprado, donde fora levada para Veneza, (cfr. Luigi Zecchin, Chi Inventò gli Specchi Veneziani,
incluído na sua colectânea Vetro e Vetrai di Murano, vol. III, Arsenale Editrice, Veneza, 1990, págs. 368371) e não o contrário como muitas vezes é dito, nomeadamente em Jorge Custódio, A Problemática do
Fabrico da Vidraça em Portugal Entre os Séculos XV e XIX, Museu Santos Barosa da Fabricação do Vidro,
Estudos e Documentos nº 3, Marinha Grande, 1997, pág. 7), pelo que se pode inferir, face à nacionalidade
germânica dos mestres vidreiros com que Stephens iniciou a produção, de outros que se detectam em Coina e
com Beare, na Marinha Grande, que tenha sido, também, a mais utilizada em Portugal, porventura desde os
primórdios da laboração da fábrica de Coina.
Esta fábrica iniciou a laboração sob influência francesa, como informa Charles Frederic Merveilleux
nas Mémoires Instructifs pour un voyageur dans les divers États de l'Europe ..., publicado em Amsterdão em
1738, e incluídas como o segundo relato em O Portugal de D. João V Visto Por Três Forasteiros, tradução,
prefácio e notas de Castelo Branco Chaves, 2ª edição, série Portugal e os Estrangeiros, Biblioteca Nacional,
Lisboa, 1989, pág. 221, e o permite inferir a vinda para Lisboa de "um certo Perrot, que em Paris, no bairro
de Santo António, dirigia a fábrica real de espelhos, a fim de estabelecer uma igual na capital portuguesa."
como refere Fortunato de Almeida, Subsídios para a História Económica de Portugal (A propósito da reimpressão das recordações de Ratton), in Revista de História, tomo IX, 1920, pág. 168-169, mas é importante
notar que, neste contexto, a influência francesa é inteiramente compatível com o uso da técnica do cilindro
soprado para o fabrico do vidro plano, em chapa ou vidraça, para usos simples ou para espelhar, pois também
naquele país era usada, a par da do vidro vazado.
Sendo assim, a técnica do cilindro soprado teria sido introduzida em Portugal na primeira metade do
século XVIII e não na segunda metade como afirma Jorge Custódio (op. cit.), pág. 8. Do que não há informação comprovada é de que tenha sido utilizada em Portugal a técnica do vidro vazado, a única outra que se
prestava ao fabrico de espelhos de vidro nas dimensões já então usuais.
6
João Palada e Giovanni Pallada serem a mesma pessoa, esse facto não pode considerar-se
provado. O que é mais importante, no entanto, é o que toda esta história revela sobre as
condições de difusão da tecnologia e da produção vidreira de qualidade, mesmo à escala
europeia, no século que mediou entre 1650 e 1750.
Foi, de facto, neste período que se assistiu à importante passagem do conhecimento
técnico vidreiro, concentrado ainda nas composições e nas condições da fusão, da tradição
oral ou do simples registo em arcana, para a publicação em forma de livro6.
Deixando de parte, por pertencerem a outra história, as placas com escritos cuneiformes7 de Nineveh, Babilónia e Boghazkeni, dos séculos XV a VII A.C., pertencentes à
biblioteca de Assurbanipal, assim como outros textos medievais8, cuja difusão contemporânea foi extremamente restrita, pode dizer-se que só com o livro de António Neri, L' Arte
Vetraria Distinta in Libri Sette, publicado pela primeira vez em Florença em 1612, se verificou uma tentativa de coligir, organizar, sistematizar e difundir por via escrita os mais
importantes saberes relativos ao vidro.
Até esta altura, e mesmo muito depois, sobre vidro aprendia-se, primeiro, vendo
fazer e, depois, tentando fazer, experimentando, errando e conseguindo. Por isto o saber
estava nas pessoas e era delas indissociável: o exercício destes saberes, como a sua transferência espacial, exigia a presença física do respectivo detentor.
É clara, por estas razões, a importância decisiva que tinham as migrações dos
vidreiros em geral e, especialmente, dos mestres.
Num país como Portugal, cuja tradição vidreira sempre tinha sido diminuta9 e limitada às formas mais cruas e simples desta arte industrial, o lançamento da produção de
6 Para maior detalhe pode ver-se o prefácio que escrevi para o nº 15 dos Estudos e Documentos do Museu
Santos Barosa, intitulado O "arcanum" de João Augusto de Castro e Augusto de Oliveira Guerra, Museu
Santos Barosa da Fabricação do Vidro, Marinha Grande, 2000, e as fontes aí referenciadas.
7 Objecto de estudos profundos cuja síntese se encontra publicada em Oppenheim, A. Leo; Brill, Robert H.;
Barag, Dan e von Saldern, Axel, Glass and Glassmaking in Ancient Mesopotamia, An Edition of the Cuneiform Texts Which Contain Instructions for Glassmakers Whith a Catalogue of Surviving Objects, The Corning Museum of Glass, Corning, New York, 1988.
8 Como, por exemplo, o texto considerado do século XII, Teófilo, As Diversas Artes, Edição preparada por
V. Ferreira Jorge e tradução de M. F. Meneses Cordeiro, in Buletim Cultural, nº 89, Tomo 1º, págs. 5 - 245 e
I - XIX, Assembleia Distrital de Lisboa, Lisboa, 1987.
9 Não acredito, sem mais provas, por a considerar inverosímil, na afirmação contida em Saul António
Gomes, Nótula Documental Sobre as Origens da Indústria Vidreira na Marinha Grande (1747-1768), Revista
Portuguesa de História, Tomo XXXV, Instituto de História Económica e Social, Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra, Coimbra, 1990, pág. 294, onde este autor, citando Oliveira Marques, afirma - com
segurança - que se "fabricou vidraça, no Portugal setecentista, um pouco por toda a parte.". Considerando as
dificuldades inerentes ao estabelecimento da produção de vidro, e até prova em contrário, que ultrapasse as
meras afirmações insuficientemente substanciadas, a minha opinião é que, para chegar a esta conclusão, os
autores não terão levado em conta que, também em Portugal, como sucedia noutros países, o termo vidreiro
poderia ser usado indistintamente para designar os vidreiros - fabricantes de vidro, incluindo para vidraça, os
vidraceiros - transformadores e colocadores de vidraças e, mesmo, os comerciantes de vidros. Outras vezes,
era o termo vidraceiro que designava, indistintamente, quem fazia o vidro para vidraça, os vidraceiros propriamente ditos, no sentido mais moderno do termo, os vitralistas e os pintores de vidraças.
7
objectos de vidro cuja qualidade correspondesse às novas exigências do tempo pressupunha uma enorme mobilização de meios escassos e, por isto mesmo, se registam, sobretudo,
tentativas falhadas ou projectos que uma vez implementados pouco duram a quase não
deixam rasto.
Além do mais, superioridade tecnológica no fabrico do vidro e qualidade organizativa ou empresarial não são a mesma coisa, como o mostra claramente a história bem sucedida da vidraria de Saint-Quirin10, em contraposição à Compagnie de Saint-Gobain, tecnologicamente mais avançada, ou como o mostrou, certamente, a história brandeburguesa de
Giovanni Pallada e, provavelmente, a história, também falhada, de João Palada.
Atente-se na história, melhor conhecida, de Giovanni Pallada. Oriundo este de uma
boa "escola" vidreira, como eram no século XVII, a escola veneziana e a sua "delegação"
nos Países Baixos, onde se trabalhava, com destaque, o vidro "façon de Venise", e tendo
exercido na exigente Holanda, Pallada teria o prestígio suficiente para justificar o convite
de Frederico III de Brandeburgo. Devia, efectivamente, ser um mestre vidreiro de elevada
craveira mas, ainda assim, não foi capaz de organizar a laboração de uma fábrica de vidros
construída para si, num país com a melhor tradição de uma vidraria de alto nível. Talvez
que outros aspectos do seu comportamento já sejam mais duvidosos.
Construir, organizar e fazer laborar uma fábrica de vidros de qualidade em Portugal
ainda seria mais difícil. Certo é que Giovanni Pallada falhou em Berlim e João Palada ainda conseguiu menos em Portugal.
Seriam, realmente, uma e a mesma pessoa?
10 Cfr. François Clad, Saint-Quirin au XVIII è. Siècle: Ses Verriers et Leur Influence Sur les Autres Activités
Économiques, Thèse de Troisième Cycle présentée devant la Faculté des Lettres de l' Université de Strasbourg, Novembre de 1970, não publicada.
8
250 ANOS
9
Este texto é uma versão revista do que publiquei na edição de 17 de Janeiro de 1997 do jornal O
Correio, da Marinha Grande, como forma de chamar a atenção para a aproximação da data em que se cumpria o 250º aniversário da instalação da indústria vidreira na Marinha Grande.
10
250 ANOS
Apesar da história da indústria vidreira portuguesa, na primeira metade do século
XVIII, ainda ser mal conhecida, parece já estar razoavelmente estabelecido que terá sido
em 1747 que o irlandês John Beare, então administrador e, presume-se, sócio, da empresa
que explorava a Real Fábrica de Vidros de Coina, perante os vários problemas e dificuldades com que se defrontava, nomeadamente os que decorriam da oposição levantada pelas
populações locais receosas das consequências dos elevados consumos de lenhas por parte
da fábrica, que não deixariam de se repercutir em maiores dificuldades de recolha ou em
preços mais elevados para as lenhas destinadas ao consumo doméstico, começou a transferência daquela fábrica para a Marinha Grande, dando assim início a uma tradição que
dura até hoje.
O que estará em dúvida, é se esta fábrica da Marinha Grande iniciou a produção,
ainda em 1747, ou já em 1748. A este propósito, pode ver-se a discussão incluída em Custódio (1989)11 e, sobretudo, a citação que faz de uma representação, de 1789, assinada por
Guilherme e João Diogo Stephens12, dirigida à rainha D. Maria I. Infelizmente, e ao contrário do que se pensava ou dizia, o trabalho recente do escultor Joaquim Correia não dá,
para esta questão, qualquer esclarecimento13 novo.
De facto, hoje, no imaginário nacional português, as palavras Marinha Grande e
vidros surgem associadas, e com razão. Efectivamente, pode dizer-se que no plano histórico, com a excepção da garrafaria14, toda a indústria vidreira portuguesa de hoje é tributária
de uma tradição que não tendo tido origem na Marinha Grande, aí se desenvolveu e daí se
difundiu. A Margem Sul do Tejo, ou Oliveira de Azeméis, por exemplo, enquanto regiões
ou locais de produção vidreira, são referências restritas aos especialistas e aos mais conhe11 Custódio, Jorge: "A Real Fábrica de Vidros de Coina e as origens da Indústria Vidreira na Marinha Grande (1719 - 1826)", in Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial, Iº Encontro Nacional Sobre o Património Industrial, Actas e Comunicações, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1989.
12 Este preciosismo só tem importância por razões de rigor histórico ou de natureza comemorativista. Quanto
ao mais, a fixação do ano de 1748 como o do início da produção na Marinha Grande, parece basear-se exclusivamente no que vem escrito no Diccionário Geográfico ... de 1758, onde se refere ter a fábrica sido instalada à dez anos.
13 Cfr. Joaquim Correia, A Fábrica dos Vidros de João Beare na Marinha Grande, ed. Câmara Municipal da
Marinha Grande, Marinha Grande, 1999.
14 Que, em termos industriais, terá tido o verdadeiro arranque na Amora (Cfr. Barosa, José Pedro: As Fábricas de Garrafas da Amora:1888-1926, Iª Parte, Uma Empresa e Uma Fábrica: 1888 - 1904, Museu Santos
Barosa da Fabricação do Vidro, Estudos e Documentos, nº 2, Novembro de 1996, Marinha Grande, 1996)
após duas tentativas com sucesso duvidoso, em Lisboa, no Bom Sucesso, em 1838, e no Cabo Mondego, em
1875.
11
cedores15.
Pouco tempo depois da sua transferência para a Marinha Grande, a fábrica de
vidros viu o seu estatuto ser diminuído, ao perder o epíteto de "Real"16, assim como todos
os privilégios que a tal poderiam estar associados, nomeadamente em termos de facilidade
de acesso ao poder da coroa e, por essa via, de protecção face à concorrência externa17.
Transformou-se, então, numa fábrica de simples iniciativa particular, do seu director, João
Beare, só ou com outros sócios, o que ainda não é suficientemente conhecido18.
Na escala do tempo histórico, foi uma fábrica com vida relativamente efémera, ao
manter-se activa durante menos de 20 anos19, mas foi uma fábrica cuja existência também
esteve presente na decisão de Stephens de escolher a Marinha Grande como local para
implantar a "sua", nova, Real Fábrica de Vidros. É que Beare tinha trazido para a Marinha
Grande a tradição vidreira: a técnica, os mestres, os operários e, até, a gama de produtos.
Com Stephens, como é sabido, tudo passou para um plano maior, ainda que haja
razões para se pensar que, com Beare, trabalharam, também, já na Marinha Grande, vários
mestres do vidro europeus20. Ruiz Alcón (1988), historiando a Real Fábrica de Cristales
de La Granja de San Ildefonso, inclui uma menção interessante a este propósito:
"En el año de 1750 vino um equipo de hanoverianos al mando del maestro Herder,
procedentes de Portugal, donde habian trabajado en la fábrica de vidrio de Marina Grande"21.
15 Ainda que, recentemente, a Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis pareça estar interessada na recuperação deste património histórico que é a antiguidade da instalação no concelho da produção vidreira.
16 O que, aliás, só por si, em Portugal, não tinha grande significado prático.
17 Cfr. Branco Cabral, "A Arte de Fabricar Vidro: Sua História em Portugal", in Indústria Portuguesa,
A.I.P., Lisboa, outubro de 1930, que refere que a proibição da importação de vidros imposta por provisão de
10 de Maio de 1734 foi revogada em 1749.
18 Refira-se que Jenifer Roberts, na investigação conducente ao seu trabalho "Made in Portugal: The LyneStephens Fortune", incluido nos números 12 e 13 dos Estudos e Documentos editados em 1999 pelo Museu
Santos Barosa, dá várias informações sobre o Duarte Campião, aliás Edward Campion, a que já aludira Vasco Valente, em O Vidro em Portugal, Portucalense Editora, Porto, 1950. Na página 25 da primeira parte do
trabalho referido (Estudos e Documentos nº 12), Jenifer Roberts diz que Edward Campion era o sócio de João
Beare encarregado da venda do vidro.
19 Duração, porém, nada despicienda para um empreendimento industrial de meados do século XVIII.
20 Cfr. Gomes, Saul, Nótula Documental Sobre as origens da Indústria Vidreira na Marinha Grande (17471768), Revista Portuguesa de História, Tomo XXV, Coimbra, 1990, onde se inclui documentação reveladora
da presença na Marinha Grande, no tempo de João Beare, respectivamente em 1755 e antes de 1768, dos
mestres vidreiros alemães João Miguel, que assina Johan Michael, e João Galo, que assina de cruz. O livro
citado de Joaquim Correia também revela a presença na Marinha Grande, na fábrica de João Beare, de vidreiros com nomes estrangeiros, nomeadamente germânicos, mas não permite ir mais longe do que isto. Manuel
Ferreira Rodrigues informou-me de que não tinha encontrado qualquer destes nomes nas pesquisas que fez
em Coina.
21 Ruiz Alcón, María Teresa: "La Documentación de la Fábrica de La Granja en el Archivo General del
Palácio Real y Su Producción Reflejada en el Mismo", in Vidrio de La Granja, Real Fábrica de Cristales de
La Granja de San Ildefonso, Ministerio de Cultura / Mondadori España, S.A., Madrid, 1988. Infelizmente,
esta autora não esclarece em que se baseia a parte da informação de que os referidos vidreiros eram "hanove12
O que pode se significativo, precisamente, da perda do estatuto de fábrica real, e
consequente diminuição de perspectivas, pela fábrica de vidros recentemente instalada na
Marinha Grande. Quando esta fábrica entrou em conflito com a Mata Nacional, essa perda
de estatuto poderá explicar, mesmo, a decisão de a mandar encerrar, o que, felizmente, não
terá sucedido.
Cerca de 20 anos depois da vinda de Beare, foi a vez dos Stephens, bem estribados
no poder político de então, que deram um contributo fundamental para a afirmação da
Marinha Grande na economia e na indústria do país. Com a interrupção causada pelas
invasões francesas, este período constitui uma fase de acentuado desenvolvimento da
Marinha Grande. E, curiosamente, terão sido, também, as invasões francesas que ao provocar miséria na Marinha Grande22 e ao induzir a fuga de alguns vidreiros, estiveram na origem de uma certa dispersão geográfica da indústria do vidro. Para Lisboa, nomeadamente,
para a fábrica da Rua de São Bento, de que se queixa repetidamente João Diogo Stephens,
e para a fábrica da Rua das Gaivotas que foi fundada pelo marinhense Silvério Taibner,
com recurso ao capital humano vidreiro da Marinha Grande23.
Mas, antes mesmo de traçar, muito sumariamente, o percurso mais do que bisecular da vidraria marinhense, pendente, em larga medida, das actividades dos Stephens, é
importante acentuar que Stephens não "aterrou no deserto", tendo antes construído sobre o
legado de Beare.
Após os Stephens, a produção vidreira marinhense vem a conhecer uma fase desfavorável, sobretudo nos vinte anos em que a fábrica esteve arrendada a uma empresa liderada pelo conde de Farrobo, que teve largos prejuízos24. De facto, a alta finança não se deu
rianos", nem os seus nomes. Já Paloma Pastor Rey de Viñas, Historia de la Real Fabrica de San Ildefonso
Durante la Epoca de la Ilustracion (1727-1810), ed. Fundación Centro Nacional del Vidrio; Consejo Superior de Investigaciones Científicas e Patrimonio Nacional, s.l. [Espanha], 1994, na nota 496, p. 774, diz que o
mestre Eder chegara a Espanha depois de se ter tentado estabelecer em Portugal, junto com outros vidreiros
alemães, mas que esse projecto fracassara ao cabo de sete meses, pelo que o referido Eder, João, tivera que
regressar à Alemanha, donde veio para Espanha em 1750. Ter-se-á isto passado ainda em Coina e não na
Marinha Grande ?
Sobre esta família, ver, também o que se diz no apontamento Na montra da Bertrand, neste volume.
22 É especialmente interessante, a este propósito, a IIª parte do estudo citado de Jenifer Roberts, incluido no
nº 13 dos Estudos e Documentos do Museu Santos Barosa.
23 E será nesta fábrica da Rua das Gaivotas que obterá a sua formação, portanto, pela mão dos mestres da
Marinha Grande, João da Cruz e Costa, que virá a dirigir por várias décadas o fabrico de vidro na fábrica da
Vista Alegre que, assim, também deve ser considerada tributária da vidraria marinhense. Cfr., também,
Manuel Ferreira Rodrigues, Vidro e Vidreiros na Vista Alegre: Documentos para a História da Fábrica
Fundada por José Ferreira Pinto Basto, 1824-1839, Museu Santos Barosa da Fabricação do Vidro, Estudos
e Documentos nº 9, Janeiro de 1998, Marinha Grande, 1998.
24 No estado actual do conhecimento não é, ainda, possível compreender suficientemente bem as razões para
estes prejuízos, diferentemente do que se passa com o "período Burnay" que já foi objecto de estudo (Cfr.
Barosa, José Pedro: Os Burnay no Vidro ou Um Monopólio que Não Chegou a Existir, in Análise Social, vol.
XXXI (136-137), 1996, pp. 487-525, ICS - Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Lisboa,
1996), mas pode admitir-se, como hipótese, que esses prejuízos tenham a ver com os enormes stocks de vidro
manufacturado que João Diogo Stephens legou ao seu herdeiro Charles Lyne enquanto deixava a fábrica ao
Estado português. Sobre este aspecto pode ver-se Emília Margarida Marques, O Período Stephens na Real
Fábrica de Vidros da Marinha Grande. Algumas Fontes Escritas, Museu Santos Barosa da Fabricação do
13
bem com a vidraria. Nem desta vez, nem cerca de meio século depois, com os condes Burnay, que também abandonaram a indústria do vidro, desiludidos e com grandes perdas.
Já no período do arrendamento a Manuel Joaquim Afonso, sobretudo no início da
década de 50 do século passado, a produção de cristalaria na fábrica da Marinha Grande
parece ter atingido qualidade digna de nota, tendo sido premiada na Exposição Universal
de Londres25, quando a atribuição de prémios e medalhas aos expositores ainda não se
tinha banalizado, como virá a suceder nas exposições seguintes.
Entre 1864 e 1894, com os viscondes da Graça e da Azarujinha, a vidraria marinhense voltou a conhecer tempos de prosperidade. Mais uma vez, com base na fábrica erigida por Stephens sobre os escombros da fábrica de Beare.
Desta vez, porém, muita coisa seria diferente. Enquanto antes, à fábrica Velha
sucedia a fábrica Velha, ainda que com novos arrendatários ou administradores, agora são
várias as novas fábricas que surgem. Na cristalaria e na vidraça, que a indústria garrafeira,
como se referiu acima, nasceu à volta de Lisboa, na Amora, principalmente.
E, já no século actual, a vidraria marinhense foi a que se mostrou mais capaz de
enfrentar as dificuldades com que se ia deparando, derivadas da Guerra, e outras. Para o
que se revelaram decisivos os factores comunidade e meio, que transmitiam a técnica, o
saber e a tradição, sempre que qualquer iniciativa não vingava. Era na Marinha Grande que
estava o capital humano, o factor decisivo.
É claro que, tal como a produção vidreira não nasceu na Marinha Grande, também
se veio a dispersar pelo país. A par da continuidade do Covo, em Oliveira de Azeméis,
houve a época dos "fornos de vidro", sobretudo localizados na margem sul do Tejo, anteriores à Marinha Grande e, mais tarde, a fábrica de Coina que deu o estatuto industrial à
vidraria portuguesa, legado por Beare à Marinha Grande. Depois, bem, depois, foram Lisboa, Figueira da Foz, Porto, etc..
Mas foi sempre a Marinha Grande a referência. Como o é, ainda hoje, apesar de se
produzir vidro em vários outros locais.
Paralelamente, a cidade foi-se formando e desenvolvendo, pelas atracções e dispersões induzidas pela actividade vidreira.
Vidro, Estudos e Documentos, nº 11, Março de 1999, Marinha Grande, 1999, e o estudo referido de Jenifer
Roberts.
25 Sobre este período deste arrendamento e sobre os anos imediatamente subsequentes, pode ver-se José
Pedro Barosa, A Nacional Fábrica de Vidros da Marinha Grande, Manuel Joaquim Afonso e o Inquérito de
1859, Museu Santos Barosa da Fabricação do Vidro, Estudos e Documentos, nº 8, Marinha Grande, 1997.
14
Na Montra
da
Bertrand
15
16
Na Montra da Bertrand
Será mais uma curiosidade do que outra coisa, mas é certamente uma curiosidade
não só interessante como, possivelmente, importante.
Quem entre numa livraria de Lisboa com o objectivo de procurar livros sobre "o
vidro" corre um sério risco de sair de lá com uma grande desilusão no lugar do desejado
embrulho de livros. Mas nem sempre foi assim, nomeadamente nos tempos idos das vésperas do terramoto de 1755.
Tinha eu já concluído e publicado o prefácio que escrevi para a edição d' O "Arcanum" de João Augusto de Castro e Augusto de Oliveira Guerra26, quando inaugurou a 28
de Abril de 2000, na Biblioteca Nacional de Lisboa, uma mostra de livros intitulada "Visita
à Livraria Bertrand Antes do Terramoto". Na mostra de livros propriamente dita nada me
chamaria a atenção em conexão com o tema vidro, por muito interessante que seja ver
exemplares dos livros que estavam à venda na Livraria Bertrand nas vésperas do terramoto
de 1755 mas, em apoio à referida mostra, a Biblioteca Nacional editou um pequeno folheto, com o mesmo título da mostra, onde se inclui um Itinerário da Exposição, da autoria de
Ana Isabel Líbano Monteiro e Luís Farinha Franco, onde se apresenta o Catálogo da Livraria Bertrand de 1755 que serve de base à mostra.
Neste Itinerário refere-se constarem do referido Catálogo duas entradas sob o título
L' Art de Verrerie, o que naturalmente me despertou a atenção. Pedi mais informações, se
possível, sobre que livros seriam estes.27.
Atendendo às datas envolvidas, ao facto dos títulos estarem em francês, e aos poucos livros então impressos sobre o vidro, fiz imediatamente ideia de quais poderiam ser. De
um, que tem como título principal L' Art de la Verrerie, o Catálogo indica também o autor,
Haudicquer de Blancourt, o ano de edição, 1718; e ser uma edição em dois volumes impressos in 12º.
É mais do que suficiente para confirmar que se trata da segunda edição28 do tratado
26 Museu Santos Barosa da Fabricação do Vidro, Estudos e Documentos nº 15, Marinha Grande, 2000.
27 Agradeço a colaboração da equipa responsável por esta mostra, por me ter dado acesso à página relevante
do Catálogo.
28 A primeira edição foi publicada em 1697, cfr. George Sang Duncan (compiler), Bibliography of Glass
(From the earliest records to 1940), ed. Dawsons of Pall Mall for the Society of Glass Technology, Sheffield,
17
daquele autor que, além do referido título principal, tem como sub-títulos:
Où l'on apprend à faire le Verre, le Cristal, & l'Email.
La maniere de faire les Perles, les Pierres précieuses, la Porcelaine, & les Miroirs.
La Méthode de peindre sur le Verre & en Email. De tirer la couleur des Métaux,
Mineraux, Herbes & Fleurs.
Esclarecendo-se, seguidamente, que se trata de uma:
Nouvelle édition augmentée d'un Traité des Pierres Précieuses.
O autor é o já indicado, tendo o livro sido editado " A Paris Rue S. Jacques Chez
Claude Jombert, au coin de la rue des Mathurins à l'Image Notre-Dame M. DCC. XVIII.".
Quanto ao outro livro que com este partilha o título principal, o Catálogo da Livraria Bertrand é menos esclarecedor. Não indica o autor, mas apenas o tratar-se de uma obra
traduzida do alemão, impressa in 4º, publicado em Paris, em 1752, contendo figuras.
Não é muito, mas chega para saber de que livro se trata, que é do Art de la Verrerie29 cujo tradutor-organizador preferiu guardar um semi-anonimato, apresentando-se,
apenas como " M. D***. ". Este livro, porém, viria a ser de tal forma importante e famoso
que o seu autor foi identificado como sendo o enciclopedista Paul Henri Tiry, barão d'Holbach.
O descritivo completo do conteúdo do livro, segundo o título e subtítulos apresentados na folha de rosto, é o seguinte:
Art de la Verrerie de Neri, Merret et Kunckel
auquel on a ajouté Le Sol Sine Veste D' Orschall; L' Helioscopum vivendi sine veste solem Chymicum; Le Sol Non Sine Veste; Le Chapitre XI. du Flora Saturnizans de
Henckel, Sur la Vitrification des Végétaux; Un Mémoire sur la maniere de faire le Saffre;
Le Secret des vrais Porcelaines de la Chine & de Saxe.
U.K., 1960.
29 Efectivamente sem o artigo " L' ". Este livro existe na Biblioteca Nacional, onde tem a cota SA3897A, que
se deixa registada para os leitores eventualmente interessados.
18
A que se segue a explicitação:
" Ouvrages ou l'on trouvera la maniere de faire le Verre & le Crystal, d'y porter des
Couleurs, d'imiter les Pierres Prétieuses, de préparer & colorer les Emaux, de faire la
Potasse, de Peidre sur le Verre, de préparer des Vernis, de composer des Couvettes pour les
Fayances & Poteries, d'extraire la Couleur Pourpre de l'Or, de contrefaire les Rubis, de
faire le Saffre, de faire & peindre les Porcelaines, &c."
E, em seguida:
Traduits de l'Allemand, par M. D***.
A Paris, Chez Durand, rue St. Jacques, au Griffon; Chez Pissot, Quai des Augustins, à la Sagesse.
M. DCC. LII.
Mas que livros são estes, e porquê estar a atribuir-lhes tanta importância?
Sobre ambos estes livros, e sua importância para a história do vidro e da difusão da
tecnologia vidreira, ainda recentemente tive oportunidade de escrever e remeto o leitor
deste "apontamento" para o prefácio a O "Arcanum" ... (op. cit.) e para as referências aí
indicadas.
Sobre encontrarem-se à venda, em Portugal, em 1755, é que importa reflectir um
pouco mais, até porque esse é que é o "facto" novo.
Se estavam à venda é porque para eles havia mercado, real ou presumido. Dentre os
potenciais interessados temos as "empresas" vidreiras e os seus técnicos, assim como a
intelectualidade universitária, académica ou curiosa que se começava a interessar por este
tipo de temas, característicos do espírito enciclopedista.
A realidade é que não é possível saber quem terá comprado os livros, se é que chegaram a ser vendidos e não se perderam com o terramoto. Mas deixando de lado a referida
intelectualidade, pense-se um pouco na verosimilhança dos Bertrand terem encontrado um
cliente na comunidade vidreira.
A produção de vidro, em Portugal, em meados do século XVIII, não vivia os seus
dias mais felizes, resumindo-se à actividade das fábricas do Covo e da Marinha Grande,
para além, eventualmente, dos resquícios de um ou outro forno disperso, que se mantivesse
a produzir os vidros utilitários, esverdeados e de má qualidade, a que a sua produção tinha
19
ficado condicionada pelos privilégios anteriormente concedidos à Real Fábrica de Vidros
de Coina.
Acresce que esta fábrica passou a ter o estatuto de uma simples manufactura particular, pertencente a João Beare e seus sócios, com perspectivas produtivas certamente diminuídas, na sequência da sua transferência para a Marinha Grande, em 1747-8, a que se
seguiu, em 1749, a perda dos privilégios que lhe tinham sido concedidos enquanto fábrica
"real" e quando passaram, novamente, a ser livres as importações de vidros.
Note-se que, por esta altura a fábrica chegou a ser mandada encerrar, ainda que
depois se venha a dizer que a decisão se referia apenas à fábrica enquanto detentora de
privilégios. Ainda bem, porque, nessa altura, não chegou a ser encerrada30.
Mas, do que se vem a dizer, poderá ser sintomático o que diz Ruiz Alcón (1988)31 a
propósito da chegada à fábrica de La Granja de San Ildefonso, em 1750, de um mestre
"Herder"32, alemão.
30 Cfr. o Documento nº XIII do Apêndice Documental in Pe. M. Pereira da Costa: "Subsídios para a História
da Indústria Vidreira no Concelho de Oliveira de Azeméis, Arquivo do Distrito de Aveiro, vols. XX e XXI,
Aveiro, 1955.
31 Cfr. María Teresa Ruiz Alcón: "La Documentación de la Fábrica de La Granja en el Archivo General del
Palácio Real y Su Producción Reflejada en el Mismo", in Vidrio de La Granja, Real Fábrica de Cristales de
La Granja de San Ildefonso, Ministerio de Cultura / Mondadori España, S.A., Madrid, 1988.
32 Paloma Pastor Rey de Viñas, Historia de la Real Fabrica de San Ildefonso Durante la Epoca de la Ilustracion (1727-1810), ed. Fundación Centro Nacional del Vidrio; Consejo Superior de Investigaciones Científicas e Patrimonio Nacional, s.l. [Espanha], 1994, no corpo do texto e na nota 496, p. 774, grafa o nome deste
mestre alemão, e dos seus filhos, como "Eder", a grafia usada nos registos paroquiais dos óbitos destes vidreiros alemães (Cfr., por exemplo, Libro de Difuntos nº 2, fl. 78, Parroquia de la Santisima Trinidad, San
Ildefonso, Segovia, Espanha. Uma referência que agradeço aos srs. José Filipe Reinoite e Luís Abreu e Sousa) e que é a mesma que aparece na Alemanha, com referência à Baviera, em data compatível com tratar-se,
eventualmente, do mesmo João Eder, em 1738, o mestre vidreiro mais novo da fábrica de Vogelsang, próximo de Bergreichenstein [Kasperske Hory], pertencente ao convento dominicano de Klattau [Klatovy] (Cfr.
Joseph Blau, Die Glasmacher im Bömer- und Bayerwald, II Band: Familienkunde, Reprint Verlag Morsak
Grafenau, Grafenau, 1984, pp. 42-43). Estas localidades mostram que a família Eder, em finais do século
XVII e primeira metade do século XVIII residia, e trabalhava no vidro, no sul da Boémia, próximo das
actuais fronteiras da Boémia e da Austria.
Em Portugal, as grafias que aparecem para este nome são Hedra, em Coina, em 1740, e Hedre, na
Martingança, em 1750, informações que agradeço ao dr, Manuel Ferreira Rodrigues, aos srs. José Filipe
Reinoite e Luís Abreu e Sousa, e ao dr. Augusto Ferreira do Amaral que me transcreveu alguns dos registos
paroquiais em causa.
Diz a autora referida, que o mestre João Eder chegou à fábrica de La Granja de San Ildefonso a 22
de Setembro de 1750, acompanhado dos filhos José e Lourenço, vindo da Alemanha, para onde se teria retirado após ter trabalhado em Portugal junto a uma equipa de 32 vidreiros alemães, mas que esse projecto tinha
fracassado ao cabo de 7 meses, razão por que teriam regressado à Alemanha. Ruiz Alcón (op. cit) refere,
ainda, que estes vidreiros seriam "hanoverianos", sem, contudo, dar mais informações ou referências.
Era interessante ler os documentos em que se baseiam estas informações com "olhos portugueses" e,
sobretudo, cotejar os pormenores com o que já se sabe sobre a vidraria em Portugal no século XVIII.
Tratar-se de um grupo de 32 vidreiros alemães não é credível face ao que se sabe. Quando muito
seriam 32 vidreiros, mas ao todo, dentre os quais um número incerto de alemães.
Por outro lado, seria importante esclarecer melhor se no documento se refere apenas que tinham
estado em Portugal ou se o que e diz é mesmo na Marinha Grande. Este aparente preciosismo pode ser
importante para o esclarecimento de alguns aspectos desta fase da história da indústria vidreira portuguesa.
Face à proximidade das datas, duas interpretações, sobre as quais importaria discriminar, são possí20
Este, acompanhado de dois filhos, teria antes trabalhado na fábrica da Marinha
Grande, que teria deixado ao cabo de sete meses, por o projecto ter falhado. Tudo isto
sugere que o dito "Herder" pertenceria à família dos Eder, que, presumivelmente, encontramos também em Coina e na Marinha Grande, em datas relativamente próximas, anteriores e posteriores a 1750, a trabalhar para João Beare, alguns dos quais teriam regressado à
Alemanha, por iniciativa própria, ou de João Beare, quando foi retirado à fábrica o estatuto
de "real", com a inerente perda de privilégios. Efectivamente, na altura, era fácil pensar
que o projecto tinha fracassado:
-
A fábrica perdera o estatuto que a protegia e que lhe concedia privilégios.
-
Tinha sido proibida de se abastecer de lenhas na Mata Nacional, razão pela
qual, presume-se, tinha sido transferida para a Marinha Grande.
-
Foi mandada encerrar, e
-
As importações de vidro voltaram a ser permitidas.
Ainda que João Beare pretendesse continuar a lutar pela sua fábrica, e com sucesso,
como se sabe, é compreensível que vidreiros do nível de João Eder sentissem o seu futuro
profissional ameaçado e decidissem regressar.
A Real Fabrica de Cristales estava organizada em fábricas semi-autónomas e João
Eder foi contratado para mestre-director de uma destas, posição em que se manteve até à
sua morte, quando foi substituído pelo filho José33. O que também nos dá uma indicação
sobre o nível, pelo menos de alguns, dos mestres vidreiros germânicos que passaram por
Portugal em meados do século XVIII.
Mas o facto é que estes Eder se foram embora e que as perspectivas de desenvolvimento da fábrica de João Beare na Marinha Grande não eram as mais risonhas. E não parece provável, portanto, que, nesta fase, daqui surgisse grande procura para os manuais vidreiros à venda na Bertrand. Quanto a João Beare e aos seus sócios, se pretendessem literatura sobre o vidro, poderiam sempre aceder à tradução do tratado de Antonio Neri, ampliada por Christopher Merret, e publicada em inglês em 1662.
Isto, admitindo que o conteúdo dos livros à venda na Bertand não era já conhecido
dos mestres germânicos que tinham estado, ou estavam presentes. Recorde-se que a priveis. Numa primeira hipótese, estes Eder tinham sido contratados para trabalhar em Coina e quando João
Beare decide transferir a manufactura para a Marinha Grande não o quiseram acompanhar, regressando então
à Alemanha. Numa segunda hipótese, João Beare contratou-os já para trabalharem na Marinha Grande, tendo-os dispensado, ou tendo eles decidido regressar, quando a fábrica perdeu o estatuto de "real", e foi mesmo
mandada encerrar, o que seria interpretado como o fracasso do projecto.
Apesar da interpretação não ser inteiramente segura, no seguinte do texto, adopta-se, provisoriamente, a segunda das hipóteses referidas.
33 Cfr. Pastor Rey de Viñas (op. cit.).
21
meira edição do livro de Haudicquer de Blancourt era de 169734 e que a grande obra
vidreira traduzida por d' Holbach, precisamente do alemão, era a edição preparada por
Kunckel do tratado de Antonio Neri, primeiro ampliada com os comentários e acrescentos
de Cristopher Merret e, depois, com os seus próprios, que foi publicada em 167935 como:
Johannis Kunckelii [Johan Kunckel von Löwenstern]
Ars Vitraria Experimentalis, Oder vollkommene Glassmacher Kunst ...
Mas há, efectivamente, razões para pensar que o conteúdo deste livro tinha chegado
aos mestres vidreiros, pelo menos nas partes que mais directamente respeitavam ao seu
labor, como descobriu em Espanha o tradutor do livro de d' Holbach quando foi à fábrica
conferir com os mestres estrangeiros os termos técnicos que tinha traduzido36.
Os livros à venda na Bertrand não fariam, portanto, muita falta, na Marinha Grande,
no contexto específico de meados do século XVIII.
Uma eventual procura destes mesmos livros com origem em alguém ligado a algum
dos fornos, estabelecido em algum local, a produzir algum vidro, que pudesse subsistir,
ainda parece menos provável.
Quanto à fábrica do Covo, a história pode ser um tanto diferente.
No passado, tinha sido uma fábrica sem incentivos, meios ou vontade de se aprefeiçoar, nunca tendo ultrapassado verdadeiramente um estádio relativamente incipiente. Longe da corte, não há qualquer notícia, por exemplo, de ter chamado vidreiros capazes de
trabalhar à maneira de Veneza. E quando, em finais do século XVII, procurou produzir
vidro branco "cristalino" não o conseguiu. Por causa do forno, ao que diz37, mas, com
maior probabilidade, por não ter sido capaz de identificar e controlar a composição do vidro, o que é equivalente a dizer que por falta dos necessários conhecimentos técnicos.
Nisto, até o livro de Blancourt teria ajudado, mas, no Covo, parece que se preferiu
desistir.
Com referência ao norte do país, as produções desta fábrica estavam protegidas
34 Este, curiosamente, tamém foi traduzido para inglês, em 1699, apesar de se basear na versão de Merret do
tratado de Neri. O que se passou foi que Blancourt procurou apresentar o seu livro como uma obra original e
a apetência por novos conhecimentos era tal que conseguiu ver o seu livro traduzido.
35 A primeira edição, de autor, a que se seguiu uma segunda edição, em 1689, publicada em Frankfurt e
Leipzig por Christoph Riegels, e uma terceira, no mesmo local, em 1743. Uma das razões para a importância
destas sucessivas edições comentadas e ampliadas do tratado de Neri estava na necessidade de adaptar as
definições das matérias primas e dos processos às práticas e conhecimentos locais.
36 Cfr. Pastor Rey de Viñas (op. cit.).
37 Cfr. Costa (op. cit.), pág. 54.
22
pelos privilégios que lhe foram sendo confirmados desde o século XVI e, quando se verificou uma tentativa de estabelecer uma outra fábrica de vidros, eventualmente mais sofisticada, na sua zona de privilégio, cuidou mais de levar os tribunais a mandar demolir a concorrente, antes mesmo que pudesse iniciar a laboração38.
Já no século XVIII, quando a Coroa se empenha na criação de uma verdadeira
manufactura de vidros no país, parece nem se lembrar do forno do Covo. A partir daqui, e
quanto aos produtos mais sofisticados, a produção passou a estar-lhe vedada porque se
pretendia favorecer a fábrica de Coina.
Em 1749, porém, quando todos os privilégios foram retirados a esta fábrica, que
entretanto já tinha sido transferida para a Marinha Grande, onde estava a laborar, o senhor
do Covo viu uma oportunidade para fazer progredir a sua fábrica, para o que solicitou autorização, manifestando mesmo a intenção de mandar vir mestres estrangeiros. Apesar deste
projecto não ter ido em frente nota-se aqui um interesse que podia motivar a compra ou a
encomenda de livros como os que constam do Catálogo da livraria Bertrand.
Não podendo aceder à tecnologia vidreira por observação directa, pode-se pensar
que, nesta altura, Sebastião de Castro e Lemos, o senhor do Covo, se tivesse interessado
em saber algo mais sobre aquilo em que se ia meter e fizesse uma visita à Bertrand.
Importa, contudo, notar, que em Portugal, sempre que se pretendia produzir vidro
com maior sofisticação havia, também, que promover a imigração de mestres estrangeiros,
pelo que um canal para a entrada no país dos manuais e tratados técnicos sobre o vidro,
porventura o canal privilegiado, até à entrada em cena dos académicos, coleccionadores e
outros curiosos, era precisamente através desses técnicos, eventualmente, até, as únicas
pessoas com os conhecimentos necessários para os compreenderem verdadeiramente.
38 Cfr. Costa (op. cit.), Documento nº XII, Apêndice Documental, pág. 91.
23
17 de Outubro
de
1786
25
Já tinha escrito as primeiras notas para este apontamento, quando soube que Jenifer Roberts dispunha de mais algumas informações sobre as visitas reais à Fábrica de Vidros da Marinha Grande no tempo dos
Stephens e que as iria incluir no livro que está a escrever sobre os Stephens de que larguíssimos estratos
incorporaram os números 12 e 13 da série Estudos e Documentos do Museu Santos Barosa. Num primeiro
momento, pensei que as minhas notas tinham perdido toda a relevância, até por que, bem vistas as coisas, não
se referiam a mais do que uns faits divers.
Quando vi que para os efeitos que interessavam à referida autora nem todos os detalhes eram pertinentes, optei por lhe solicitar as informações de que ela dispunha e mais algumas outras que poderia obter em
Inglaterra, e que completavam aquilo de que eu dispunha, e incluí-las mas minhas notas.
O texto resultante é o que aqui se apresenta que, obviamente, está longe de esclarecer todos os
aspectos, mas que sintetiza o que hoje se pode saber sobre o assunto. Outras informações ainda poderão surgir, quer porque delas disponham pessoas não alertadas para o tema, quer por via da documentação inexplorada existente nos arquivos.
26
17 de Outubro de 1786
O fabrico do vidro na Marinha Grande há muito tempo que vem atraindo a
atenção de muita gente, o que não admira face à beleza, espectacularidade e, mesmo,
violência dos processos de fusão e laboração do vidro.
Naturalmente, em Portugal, como noutros países, também os mais altos dignitários
do Estado, por diversas vezes, se terão sentido atraídos pela possibilidade de visitarem
uma fábrica de vidros em actividade, tendo ficado registo dessas visitas, algumas vezes,
inclusivé, sob a forma de belíssimas e interessantes gravuras, por causa do destaque social
e político desses ou dessas visitantes.
Não se trata, evidentemente, de visitas frequentes, até porque as fábricas de vidro,
sobretudo as de maior envergadura, em geral, não estavam localizadas nas grandes cidades,
por causa das maiores dificuldades logísticas, e de custos, para proceder aos volumosos
abastecimentos de matérias-primas e combustível e por causa do natural receio dos incêndios que, uma vez declarados, eram de controle extremamente difícil. Em contrapartida,
evidentemente, a proximidade dos mercados seria um factor atractivo.
A existência de fornos de vidro em Salvaterra de Magos, em período coincidente
com a presença da realeza naquela localidade, porém, permite-nos pensar ao menos na
possibilidade de ter tido lugar alguma destas visitas.
No entanto, e ao que se sabe actualmente, a produção vidreira portuguesa nunca
atingiu grande destaque até ao século XVIII, quando se estabeleceu efectivamente a primeira fábrica de vidros com o estatuto de "real"; e a única personalidade real de quem se
conhece um apreço especial pela vidraria, o rei D. Manuel I, ter-se-á provavelmente interessado mais pelas peças produzidas em Veneza, cuja importação reservou para si, do que
pela exígua vidraria nacional.
Com referência a Portugal, desconhece-se a existência de qualquer gravura do tipo
anteriormente referido e a primeira visita real, de que há notícia, a uma fábrica de vidros
foi a que efectuou a rainha D. Mariana de Austria, mulher de D. João V, acompanhada
pelo filho, o então príncipe D. José, à fábrica de vidros de Coina em 172739.
Com a transferência da fábrica de vidros de Coina para a Marinha Grande pela
39 Cfr. Vasco Valente, O Vidro em Portugal, Portucalense Editora, Porto, 1950.
27
mão de João Beare, em 1747-1748, seria de esperar que este tipo de atenções se virasse
para esta cidade. Assim terá sido e, efectivamente, várias visitas reais, ou de presidentes
da república, foram efectuadas à Marinha Grande e à sua fábrica de vidros desde a famosa visita de D. Maria II, em 1852, como o documenta, por exemplo, Joaquim Barosa nas
suas Memórias da Marinha Grande40.
Mais estranho seria pensar-se que nos 125 anos que medeiam entre 1727 e 1852
nunca a realeza tivesse encontrado a oportunidade para ver fabricar o vidro. Talvez que
os registos de outras visitas se tivessem perdido nas memórias do tempo.
Colocado numa pista41 por uma referência que agradeço a Jenifer Roberts, pude
encontrar na Gazeta de Lisboa, o jornal oficial de então, no nº 43, publicado na terça-feira
24 de Outubro de 1786, na página 4, uma notícia originária de Lisboa que dá conta do
seguinte:
"Das Caldas [da Rainha] se tem recebido agradaveis noticias sobre as interessantes
saudes da Rainha N. S. [Nossa Senhora], e mais Pessoas Reais. S.M. e A.A. [Sua Majestade e Altezas] fizeram hum pequeno giro, em que visitarão os Mosteiros d'Alcobaça e
Batalha: forão a Leiria para ver a Fabrica de vidros alli estabelecida, e voltarão para as
Caldas com tenção de se demorar ainda alguns dias antes de tornar para esta Capital".
Estava confirmada uma visita real à Marinha Grande e à sua fábrica de vidros, em
vida de Guilherme Stephens, mais de sessenta anos antes da visita de 1852, e que parece
ser a primeira visita real à Marinha Grande, pelo menos motivada pela fábrica de vidros.
Mas, sobre esta visita, em 1786, a Gazeta de Lisboa, dá-nos mais pormenores. No sábado seguinte, no 2º Supplemento, datado de 29 de Outubro, sob a epígrafe
LISBOA e com o título "Relação da Jornada que S.M. e A.A. fizeram a Alcobaça, Batalha & C." inclui-se o seguinte:
..."A 17 forão S.M. e Altezas jantar á Fábrica do Vidro estabelecida na
Marinha grande, e voltarão de tarde ao Mosteiro d'Alcobaça, dando claros indicios de
gosto pela perfeição e regularidade que examinarão naquella utillissima Fabrica." ...
Evidentemente, outras visitas, posteriores, puderam também ter tido lugar, mas
40 Cfr. Joaquim Barosa, Memórias da Marinha Grande, 3ª ed. ampliada, introdução, notas, fixação e revisão
do texto por José M. Amado Mendes, Câmara Municipal da Marinha Grande, Marinha Grande, 1993.
41 Já depois de escrita esta nota, encontrei referência a esta visita em João Rosa Azambuja, Cidade da Marinha Grande: Subsídios para a sua história, fixação e organização do texto, introdução e notas de Emília
Margarida Marques, Câmara Municipal da Marinha Grande, Marinha Grande, 1998, embora este autor não
desenvolva a notícia, limitando-se a mencionar um registo paroquial que a mencionava.
28
dessas ainda não encontrei prova ou notícia mais desenvolvida. Uma, logo em 1788:
Diz Arala Pinto (1938) que a 16 de Maio de 178842, quando discursava para agradecer a homenagem que os operários da fábrica de vidro lhe fizeram no seu aniversário,
Guilherme Stephens mostrava a sua ansiedade por conseguir que a Rainha voltasse a visitar a sua fábrica. Também nessa altura D. Maria I se encontrava nas Caldas da Rainha,
para onde partira de Lisboa, a 5 de Maio.
Também sobre esta outra visita da rainha D. Maria I, Jenifer Roberts me deu indicações. Num livro43, encontrou mesmo referência directa à visita real, com o registo de
alguns episódios pitorescos. O livro em causa consiste num conjunto de escritos de e sobre
o médico William Withering, compilados pelo seu filho e publicados em 1822.
Um dos apontamentos memorialistas registados refere-se à estadia do dito William
Withering em Portugal em 1792-3. Terá passado grande parte do tempo em Lisboa mas,
em 1793, foi visitar as Caldas da Rainha e daí seguiu para uma estadia na Marinha Grande
em casa de Guilherme Stephens, tendo escrito uma memória desta visita que o seu filho
incorporou no livro a que se vem fazendo referência.
Nesta memória, William Withering, para além de comentar favoravelmente a actividade de Guilherme Stephens e a sua personalidade, refere-se às anteriores visitas à fábrica por parte da rainha e demais família real. Refere a já mencionada visita de 1786 e refere
também uma visita em 1788, que se teria prolongado por três dias.
Apesar de ter procurado notícia desta visita, nomeadamente na Gazeta de Lisboa,
sem a ter encontrado44, o relato do dr. Withering confere-lhe uma verosimilhança de que é
difícil duvidar, apesar de algum, eventual, exagero derivado da raridade da observação do
espavento de uma prolongada visita real.
A visita envolvera a corte e, portanto, um grande número de dignitários, para além
do corropio popular que se deslocara à Marinha Grande para ver o espectáculo. Textualmente, Withering refere que entre o cortejo de Sua Majestade e o vasto influxo de pessoas
vindas das redondezas se teria reunido uma assembleia de "muitos milhares" de pessoas.
Para assistir o cortejo real teriam vindo 32 cozinheiros, sem contar com os ajudantes,
enquanto que nos estábulos então organizados teriam estado 853 cavalos e mulas.
Withering comenta também o carácter dos portugueses referindo que das sessenta
dúzias de colheres de prata utilizadas apenas se teriam perdido duas e de apesar de terem
sido colocadas "pipas" de vinho nos aposentos arranjados para os serviçais ninguém tinha
42 Cfr. A. Arala Pinto, O Pinhal do Rei, Vol. I, Alcobaça, 1938, págs. 216-217. O ano indicado por este
autor apresenta-se obviamente gralhado, estando escrito 1778 em vez de 1788.
43 Cfr. The Miscellaneous Tracts of the late William Withering, MD, FRS ... to which is prefixed a Memoir
of his Life, Character and Writings, 2vols., 1822, que se pode consultar na British Library, Shelf Mark
1172.k.1.2, que foi escrito pelo filho do biografado. Agradeço a Jenifer Roberts ter-me fornecido a transcrição dos parágrafos relevantes.
44 O que não deixa de ser estranho, sobretudo se a visita se prolongou por três dias.
29
sido visto "intoxicado".
Como reforço deste relato, Jenifer Roberts também me referiu ter visto no livro de
contas da fábrica relativo a Julho / Agosto de 1788, que estava exposto quando da inauguração do Museu do Vidro, duas entradas de despesa relativas à compra de vinho para a
visita da rainha. Uma destas despesas refere-se à compra de 12 almudes de vinho branco e
a outra a uma pipa de vinho tinto. Efectivamente, sendo conhecido o valor que Guilherme
Stephens atribuía à temperança, a compra de tão grande quantidade de vinho só podia ter
por razão uma grande festividade. Que tivesse ocorrido, ou que se pensasse que viria a
ocorrer.
Como já se referiu, a Gazeta de Lisboa não dá notícia desta visita, pelo que se fica
sem conhecer a sua data exacta. Porém, dado que em 16 de Maio de 1788, aquando do aniversário de Guilherme Stephens, a visita ainda não passava de uma expectativa e dado que
a rainha regressou das Caldas da Rainha para Lisboa a 4 de Julho seguinte, temos um
período provável bastante curto.
Mais tarde, já após o período dos Stephens, a 9 de Agosto de 1830, quando eram
arrendatários da fábrica o conde de Farrobo e António Esteves Costa, terá sido o Infante D.
Miguel, que então reinava, a visitar a fábrica de vidros da Marinha Grande, quando se
deslocava da Batalha para a Nazaré45. Curiosamente, também não encontrei na Gazeta de
Lisboa qualquer menção a esta visita.
Depois destas, a visita seguinte de que há notícia é a de D. Maria II, em 1852, à
qual se refere Joaquim Barosa (op. cit.) e que, portanto, é bem mais conhecida, quando
Manuel Joaquim Afonso era o arrendatário da Fábrica de Vidros da Marinha Grande.
Posteriormente, com a maior facilidade dos transportes, foram-se repetindo as visitas dos "chefes de Estado", reais ou republicanos, mas, a partir do século corrente, o caracter dessas visitas passou a ser menos o de visitar "a" fábrica de vidros e mais o de visitar a
Marinha Grande, eventualmente envolvendo-se nessa visita a observação do fabrico de
vidro.
45 Cfr. José da Cunha Saraiva, A Viagem do rei D. Miguel I ao Mosteiro da Batalha em 1830, separata da
Nação Portuguesa, 6ª série, nos. 11-12, Lisboa, 1931, onde vem transcrito o documento manuscrito Relação
da Vinda de El Rey o Sr. D. Miguel 1º a este Real Mosteiro de Alcobaça, então na Biblioteca Nacional de
Lisboa, Secção de Manuscritos do Fundo Geral, códice 1841, fls. 181 e ss., e onde se diz, pág. 15, " ... e
sahio p.ª o Engenho dos Vidros na Marinha aonde se demoraria hora e meia ... ", e João António Godinho
Granada, Nazareth, Pederneira, Sítio, Praia: para a história da terra e da gente, ed. do autor, depositária
Livraria Suzy, Nazaré, 1996. Agradeço ambas as referências ao sr. Luís Abreu e Sousa.
30
A Indústria Vidreira
Portuguesa
Circa
1870
31
Em 1871, Pedro Wenceslau de Brito Aranha (1833-1914) publicou o livro Memórias HistoricoEstatísticas de Algumas Villas e Povoações de Portugal (Com Documentos ineditos), tratando uma dessas
"memórias", precisamente da Marinha Grande. Nessa "memória" dedicada à Marinha Grande incluiu, por sua
vez, um outro texto sobre a "Fábrica de Vidros da Marinha Grande" que já antes, em 1868, tinha publicado
no Archivo Pittoresco.
Trata-se de uma interessante monografia sobre a então vila da Marinha Grande, que o Museu Santos Barosa reeditou em 1996, pelo seu interesse evidente para o melhor conhecimento da evolução histórica
da Marinha Grande, das suas actividades económicas e, naturalmente, da indústria do vidro. Esta, como se
pode ver no texto de Brito Aranha, então, como hoje, passados mais de 125 anos, marcava fortemente a realidade local.
Brito Aranha foi um jornalista e intelectual dos mais distintos, cuja biografia e bibliografia, detalhadas, se podem ver, por exemplo, em "Portugal: Dicionário Histórico, Chorográfico,...", de Esteves Pereira e
Guilherme Rodrigues, editado por João Romano Torres, em 1904, em Lisboa. Conheceu a Marinha Grande,
tendo vivido em Leiria, de cujo jornal Distrito de Leiria foi correspondente.
Na monografia sobre a vila da Marinha Grande, Brito Aranha faz um ponto de situação da Real
Fábrica de Vidros, recentemente tomada de arrendamento por Jorge Croft e António Augusto Dias de Freitas,
inserindo-o no enquadramento local, económico e social, em que se desenvolviam as suas actividades.
Porém, Brito Aranha não inseriu a actividade da Real Fábrica de Vidros no contexto nacional da
indústria vidreira, o que me levou a escrever, e incluir na reedição, uma nota introdutória contendo uma resenha sintética sobre o que era, em 1870, e como tinha evoluído recentemente, a indústria vidreira portuguesa,
propiciando-se, desta forma, uma melhor apreciação da dimensão e importância que tinha a Marinha Grande,
em finais da década de sessenta do século passado, em termos desta indústria.
Agora, para este "caderno de apontamentos", desenvolve-se e actualiza-se a referida nota introdutória, face às várias informações novas que surgiram nos últimos três anos, sinal evidente da vitalidade
demonstrada pelo estudo histórico da indústria vidreira portuguesa.
32
A Indústria Vidreira Portuguesa:
Circa 1870
Na monografia sobre a Marinha Grande incluída nas suas Memórias HistoricoEstatísticas ( ... ), Pedro Wenceslau de Brito Aranha foca a atenção, ainda que não exclusivamente, sobre a Real Fábrica de Vidros, certamente por causa do lugar de destaque que
esta ocupava no quadro das actividades económicas locais.
Para uma melhor compreensão da importância desta fábrica, na indústria vidreira
portuguesa de então, apresenta-se, em seguida, uma resenha sintética da situação em 1870,
e da evolução, no passado recente, desta mesma indústria.
No triénio que antecedeu a escrita da referida monografia de Brito Aranha, o clima
económico geral, no país, era relativamente favorável. Já não era assim, certamente por
razões específicas, no que se referia à indústria vidreira portuguesa, entretanto reduzida, a
uma expressão muito simples, com a excepção da Real (Nacional) Fábrica de Vidros da
Marinha Grande, que mais uma vez beneficiava da falta de concorrência efectiva46,.
No que respeita à concorrência com origem interna, o texto que se segue poderá ser
suficientemente elucidativo e com referência à concorrência externa podem ver-se várias
declarações contidas no Inquérito Industria de 1865, Actas das Sessões da Comissão de
Inquérito..
Em 1870, em termos geográficos, os centros portugueses de produção vidreira eram
Vila Nova de Gaia, Covo, Vista Alegre, Buarcos, Marinha Grande e Lisboa. Destes,
porém, nem o Covo, nem Buarcos, estariam momentaneamente activos.
Em actividade, estavam a fábrica do francês André Michon, em Vila Nova de Gaia,
no lugar do Cavaco, que, eventualmente, apenas produzia vidraça, numa quantidade anual
que se pode estimar em 245 toneladas, com 45 operários47. Era uma fábrica que tinha sido
fundada em 185848, conforme declarações dos próprios fundadores, incluídas nas Actas ...
46 Sobre a importância da situação de monopólio efectivo, ou quase, em que viveu (ou não), em diferentes
períodos, a fábrica fundada por Guilherme Stephens, podem ver-se Roberts (1999 - 1 e 2) e Barosa (1996 e
1997). Importa aqui referir que a concorrência relevante tanto pode ser de origem nacional como internacional, encontrando-se inúmeras referências na literatura a ambos os casos e situações.
47Cfr. Inquérito Industrial de 1865: Actas das Sessões da Comissão de Inquérito (op. cit.).
48 E não em 1853 como é frequentemente indicado dando curso a um erro que persiste com grande frequên33
(op. cit.), pelos franceses André Michon e Casimir Pierre, ambos especialistas de minas,
anteriormente ligados à empresa que explorava as minas de carvão do Cabo Mondego, em
Buarcos, e de S. Pedro da Cova49. Admite-se, como uma forte possibilidade, que a lógica
da construção desta fábrica estivesse ligada, precisamente, ao aproveitamento do carvão da
mina de S. Pedro da Cova, que lhe ficava relativamente próxima, tal como, em Dezembro
do ano anterior, tinha iniciado a laboração uma outra fábrica de vidraça, em Buarcos, construída com a participação, se não por iniciativa, deste André Michon50.
No distrito de Aveiro, no lugar do Covo, próximo de Oliveira de Azeméis, estava
cia e que, presumo, terá tido início com uma gralha no Inquérito Industrial de 1881, que transformou o 8 em
3. Agradeço ao dr. José Manuel Lopes Cordeiro a chamada de atenção para este erro.
49 Sobre a vinda para Portugal destes dois técnicos de minas franceses, pode ver-se a "Consulta do Conselho
de Obras Públicas e Minas, acerca das minas de carvão do Cabo Mondego e S. Pedro da Cova", incluída no
Boletim do Ministério das Obras Públicas, Commercio e Indústria, nº 6, de Dezembro de 1853. Aí se diz ,
pág. 7, "Appareceram neste anno de 1846 em Lisboa Michon e Casimir Pièrre, mineiros franceses, que visitaram as minas de combustivel, e dirigiram à Companhia propostas para a sua lavra; a companhia contratou
com Michon a lavra da de Buarcos." e, na pág. 12, "Em 1847 contratou a companhia a lavra da mina de S.
Pedro da Cova com Casimir Pièrre, mineiro de Rive de Gier, encarregando-o da direcção immediata dos
trabalhos". A conexão com Rive de Gier é especialmente interessante dado tratar-se de um importante centro
vidreiro francês que se desenvolveu, precisamente, por causa do interesse em localizar as fábricas de vidro
nas proximidades das minas de carvão. Sobre a importância do acesso às fontes energéticas para a escolha da
localização das fábricas de vidro veja-se a nota seguinte.
Cfr., também, Santos (1982).
50 Cfr. Cascão (1998). Esta outra foi a primeira fábrica de vidros construída em Buarcos, em 1855, por
André Michon e António Lodi, cunhado do conde de Farrobo, que detinha então a concessão da mina do
Cabo Mondego. A prática de construir fábricas de vidro nas proximidades imediatas das minas de carvão era
muito comum nos países ou regiões onde estas existiam e, sobretudo, quando as redes de transportes eram
menos desenvolvidas e, portanto, os correspondentes custos mais elevados.
A fusão do vidro é extremamente exigente em energia e, desde sempre, a localização dos fornos de
vidro esteve dependente da facilidade de acesso e disponibilidade da fonte de energia. São, aliás, bem conhecidas, até porque documentadas, cfr. Philippe (1998), as situações verificadas nos finais da Idade Média e
durante a Idade Moderna, em que a instalação de fornos de vidro foi usada como instrumento de gestão da
floresta pelos respectivos proprietários.
A situação mais frequente, porém, e que também se verificou em Portugal, era a de serem os proprietários das fábricas de vidro a escolherem o local da instalação em função da disponibilidade energética.
No caso em apreço, porém, a relação de causa e efeito é a inversa, sendo a fabricação do vidro resultado da
iniciativa dos detentores da fonte energética, no caso uma mina de carvão, que tinham por objectivo valorizar
no local o seu produto, como forma de diminuir a importância relativa dos custos de transporte.
Exemplos internacionais do mesmo tipo de situações podem encontrar-se nos mais diversos países,
nomeadamente em França, donde vinha o referido Michon.
Visavam reduzir os custos de transporte do carvão, localizando junto às minas indústrias grandes
consumidoras de energia, que podiam aproveitar o carvão acrescentando-lhe valor e reduzindo, em consequência, o peso relativo, senão absoluto, do custo de transporte. Um caso notável, por outras razões, foi o da
mina de carvão de Carmaux, e das fábricas de vidro localizadas nesta cidade, como se pode ver em Scott
(1974) e Brive (1980), mas outros exemplos abundam. Mais próximo de Portugal há os casos da fábrica de
vidros localizada em Gijón, nas Asturias, ainda na primeira metade do século passado, sobre a qual se pode
ver Cuesta (1991).
O caso da relação entre a exploração carbonífera em Buarcos / Cabo Mondego e a indústria vidreira
já vinha de trás e tem a particularidade da construção da fábrica de vidros na proximidade da mina se ter
seguido a uma tentativa de exploração concertada das duas indústrias, mas em que a fábrica de vidros, garrafaria, no caso, estava localizada em Lisboa, quando a exploração mineira foi entregue a Jacinto Dias Damázio em 1838, como se pode ver em Saraiva (1960) e Azevedo (1862), que diz, com referência a esta mina,
"Em 1839 apresentou-se em campo um novo productor, com o auxílio de um novo consumidor, que era a
fabrica de garrafas do Bom Sucesso ...".
34
aquele que era o mais antigo dos centros de fabrico de vidro portugueses em actividade51,
com origens no século XVI, mas a fábrica estaria parada desde 1867 e só viria a retomar a
produção em 1880. Em 1865, com 33 empregados, fabricava vidraça, garrafas e cristalaria,
mas em muito pequena quantidade52.
Ainda no mesmo distrito, na Vista Alegre, na fábrica do mesmo nome, produzia-se
vidro, mas já só de baixa qualidade, isto é, vidro para uso comum e sem preocupações
artísticas53. Esta fábrica que, aliás, iniciou a sua actividade, em 1824, produzindo vidro, e
que neste ramo chegou a atingir a primazia nacional em termos de qualidade, sobretudo no
que se refere à obra lapidada54, relegara o ramo vidreiro da sua actividade para uma importância menos do que secundária, face à porcelana. Segundo dados do Inquérito Industrial
de 1865 contidos em Rodrigues (op. cit.), a produção vidreira desta fábrica era ainda
menor do que a do Covo. Entretanto, tinha perdido os seus melhores operários e artistas
vidreiros para a Marinha Grande, quando a Real Fábrica esteve arrendada a Manuel Joaquim Afonso, entre 1848 e 1859.
Na região da Figueira da Foz, em 1870, já devia ter cessado a produção na fábrica
de Buarcos. Esta fábrica fora construída em 1854-5, por gente ligada à empresa concessionária da exploração das minas de carvão do Cabo Mondego, onde pontificava o conde de
Farrobo55.
Quando arrancou, esta fábrica de vidraça, dirigida por Joseph Gaillard, veio fazer
concorrência assinalável à fábrica da Marinha Grande56, provocando uma descida dos preços, mas tal como a exploração da mina foi acidentada, também o terá sido a actividade
desta fábrica57, entrecortada por períodos de paralisação, talvez ditados por falta de combustível para os fornos, derivada precisamente das interrupções na exploração do carvão da
51Sobre a produção vidreira na zona de Oliveira de Azeméis, cfr. Costa (1955) e Guerra (1997).
52Cfr. Rodrigues (1994).
53 Merece referência adicional o facto de na fábrica da Vista Alegre, mesmo depois de ter cessado a produção de vidro artístico, se ter continuado a aproveitar a sua "escola" artística para pintar vidraças, actividade
cujos méritos foram reconhecidos internacionalmente, por exemplo, através da atribuição de uma menção
honrosa pelo júri da exposição universal de Londres em 1851. Cfr. Diário do Governo de 3 de Maio de 1852.
54 Ao que parece, em 1848, a Vista Alegre decidiu parar a produção de vidros de qualidade, tendo pouco
depois o seu mestre de lapidação, António de Magalhães, vindo para a fábrica da Marinha Grande que, entretanto tinha sido arrendada a Manuel Joaquim Afonso. Este, possivelmente tinha relações pessoais, directas ou
por intermédio de Silvério Taibner, com as famílias Ferreira Pinto / Pinto Basto, proprietárias da fábrica da
Vista Alegre. Cfr., também, Barosa (1993).
55Ver a notícia da inauguração desta fábrica em O Conimbricense, nº 415, de 16 de Janeiro de 1858, e Santos (op. cit.). Note-se que um outro dos fundadores, e principais sócios, desta empresa, em 1838, era o marinhense Silvério Taibner, de quem se dirá mais em seguida. Ver, também a nota 37 acima.
56Ver as declarações de Severiano de Oliveira, no Relatório sobre a Fábrica Nacional de Vidros da Marinha
Grande, de Sebastião Betâmio de Almeida, reproduzido em Barosa (1997).
57Ver Exposição distrital de indústria ... (1869), e a transcrição de partes do relatório de Adolpho Loureiro,
apresentado em 28 de Fevereiro de 1878 ao governador civil do distrito de Coimbra, incluída nos Extractos
da Análises Scientíficas e Práticas do Carvão de Pedra das Minas do Cabo Mondego, que acompanharam o
relatório apresentado à assembleia geral da Companhia Mineira e industrial do Cabo Mondego em sessão de
31 de Agosto de 1880.
35
mina.
Em 1869, a fábrica pertencia a João Pedro Luizello, um comerciante do Porto, em
sociedade com Celestino Bel, sendo dirigida pelo francês Maximilien Frantz. A sua participação na exposição de Coimbra, em 1869, foi considerada um sucesso, produzindo a
fábrica, mensalmente, cerca de 50 toneladas de vidraça, com 50 operários. Propunha-se,
mesmo, alargar a gama dos seus produtos á cristalaria e à garrafaria. Porém, do relatório
citado de Adolpho Loureiro, em conjunto com outras informações58, depreende-se que esta
fábrica, entretanto comprada por André Michon, teria parado, mais uma vez, em princípios
de 1870.
A exploração da mina, entretanto, tinha sido arrendada a uma empresa que, em
1871, face ao encerramento da fábrica de vidraça de Buarcos, que lhe consumia parte
importante do carvão, viria a construir uma outra fábrica de vidros, também em Buarcos,
mas mais perto da mina, no Cabo Mondego.
Em Lisboa, conforme as informações actualmente disponíveis, estaria activa, apenas, a fábrica situada na Rua das Gaivotas. É particularmente interessante referir, ainda que
se reporte a uma época bem mais antiga, que esta fábrica fora fundada, em 181159, por um
marinhense, Silvério Taibner60. Este, que nasceu na Marinha Grande em 1774, era filho de
António Taibner, cidadão do "Reino da Alemanha", que fora o primeiro mestre de lapidação e floristagem da Real Fábrica de Vidros, no tempo de Guilherme Stephens, como consta das relações do pessoal desta fábrica61, de 1773 e 1774. Para além desta ligação, mas
por via dela, o arranque da fábrica das Gaivotas foi largamente tributário da vidraria marinhense. A direcção técnica da fábrica das Gaivotas foi entregue a Tomás Miguel Pereira,
tio materno de Silvério Taibner, e a maioria dos oficiais vidreiros com que iniciou a actividade já o eram anteriormente na fábrica da Marinha Grande.
A partir de 1863, a fábrica das Gaivotas ficou a pertencer a Francisco Alberto dos
Santos, que a comprou na sequência do processo de falência do já referido Manuel Joa-
58Ver a biografia de João Artur Pereira Caldas no Comércio e Indústria, nº 50, de 1885.
59 Uma data referida por toda a parte, mas cuja origem se perdeu, e que a documentação existente nos fundos
da Junta do Comércio no Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas permite questionar. A este
assunto, assim como às origens "marinhenses" desta fábrica espero proximamente dedicar um outro "apontamento".
60Silvério Taibner foi um importante comerciante e financeiro da praça de Lisboa, um negociante de grosso
trato, como então se dizia. Para além da fundação da fábrica das Gaivotas, destacou-se por ter sido um dos
fundadores do Banco de Lisboa, o precursor do Banco de Portugal, do qual foi director (administrador)
durante cinco anos; por ter participado em várias companhias financeiras; por ter feito parte da empresa liderada pelo conde de Farrobo que arrendou a Real Fábrica de Vidros da Marinha Grande após o falecimento de
João Diogo Stephens, em 1827; por ter sido um sócio destacado da empresa que explorou as minas de carvão
do Cabo Mondego e S. Pedro da Cova, e por ter sido sócio e caixa (director) do Contrato do Tabaco, com
João Paulo Cordeiro. Para alguns apontamentos biográficos, sucintos, sobre Silvério Taibner, pode ver-se o
respectivo necrológio, de Sebastião Ribeiro de Sá, publicado na Revista Universal Lisbonense, em 25 de
Julho de 1850, e n' A Revolução de Setembro, de 27 de Julho do mesmo ano.
61Cfr. Marques (1999) e Almeida (1980).
36
quim Afonso62, dedicando-se à "cristalaria ordinária", situação que se pode presumir que
se mantinha, ainda em 1870.
É possível que na época que aqui interessa houvesse, em Lisboa, mais alguma
fábrica activa, nomeadamente, uma fábrica em Xabregas, chamada da Samaritana, certamente por se localizar junto à fonte com o mesmo nome, que tinha sido comprada em 1866
pela Companhia Vitrificação Portuguesa63. Porém, não existe confirmação de que esta
companhia tivesse reposto a fábrica em funcionamento, apesar de ter nomeado como director técnico a Casimiro José de Oliveira, que tinha arrendado a Real Fábrica de Vidros da
Marinha Grande entre 1860 e 186264, e que já dirigira uma outra fábrica de vidros, em
Lisboa, na Praia de Santos, entre 1848 e 1850.
Não é difícil antever, neste panorama, o destaque que teria a Real Fábrica de Vidros
da Marinha Grande, em 1870. Sem entrar na apreciação da situação da fábrica, que isso
compete a Brito Aranha, podem ter interesse algumas referências complementares ao seu
passado recente. O anterior ponto de situação está no relatório, já citado, de Betâmio de
Almeida, escrito em 1859, após o arrendamento a Manuel Joaquim Afonso, cuja principal
conclusão, a par de algumas críticas à administração concreta da fábrica, é a de que esta se
encontrava, então, em "excelentes condições industriais"65.
Após o arrendamento a Manuel Joaquim Afonso, a fábrica viveu um período relativamente atribulado. Esteve encerrada, foi arrendada a Casimiro José de Almeida, e viu ser
retirado este arrendamento.. Esteve encerrada mais uma vez, até que, finalmente, em Fevereiro de 1864, foi arrendada a Jorge Croft e a António Augusto Dias de Freitas, que constituíram, com outros sócios, a "Empreza da Real Fábrica de Vidros da Marinha Grande",
uma sociedade em comandita, para explorar a fábrica. Passado cerca de um ano e meio
desta empresa ter iniciado a exploração da fábrica, a nova empresa participou na Exposição
Internacional do Porto, de 1865, e ao Inquérito Industrial desse ano foram prestadas informações interessantes.
As mais importantes destas são as de que a fábrica, então com 450 trabalhadores,
incluindo os carreiros da lenha, estaria a produzir, anualmente, cerca de 850 toneladas de
vidro: 400 de vidraça, 100 de vidro branco, 50 de vidro branco ordinário para garrafas e
62 Cfr. Barosa (1997).
63Constituída por escritura de 21 de Agosto de 1866, no Notário de Lisboa, Pedro Ricardo Cosmelli, livro nº
680, fls. 40.
64 Cfr. Barosa (1997).
65Merece, também, registo especial, o facto de ter sido neste arrendamento que se deu grande desenvolvimento à lapidação, tendo mesmo a fábrica sido distinguida com uma Menção Honrosa na Exposição Universal de Londres de 1851, como se pode ver no Diário do Governo de 3 de Maio de 1852. Esta empresa veio,
também, a participar na Exposição Universal de Paris, de 1855, dizendo a Comissão de estudo, nomeada para
acompanhar esta exposição, no seu Relatório Sobre A Exposição Universal de Paris, Artes Chímicas, Parte
II, s.l., s.d. (1856), na página 265, que "Na Exposição de Portugal todos faziam justiça aos crystaes lapidados
da fábrica da Marinha Grande, que na realidade eram bem escolhidos e não envergonhavam a indústria portugueza. ... [porém] eram puramente imitações dos artigos similares francezes e inglezes.".
37
300 de cristal branco e de cores.
É clara, dos números apresentados para 1865, a extraordinária importância que
tinha, no quadro da indústria vidreira portuguesa, a fábrica da Marinha Grande. De facto, a
empresa que a tomou de exploração em 1864 procedeu a várias inovações importantes,
importando novas tecnologias, nomeadamente, de França. Segundo as informações contidas no já citado Inquérito Industrial de 1865, a fábrica dispunha de dois fornos para cristal
e vidro branco e outros dois (um dos quais em construção), para vidraça. Não tinha sido
esta empresa a introduzir o calor como fonte de energia mecânica, na fábrica, que essa importante inovação pertencera a Manuel Joaquim Afonso, mas renovara este equipamento, a
par da introdução de vários outros, como a prensa, o novo sistema de recozimento em
vagonetas móveis e a estenderia à francesa.
Quanto à prensa, esta informação é indiciadora da introdução em Portugal de um
novo processo técnico no fabrico de objectos de vidro que teve importantíssimas consequências. revolucionou
Entre 1865 e 1870, quando Brito Aranha escreve a sua monografia, a fábrica foi
progredindo e crescendo; participou, ainda, na Exposição Universal de Paris, de 1867. Em
1870, referindo já o texto que agora se reedita, a fábrica teria 572 empregados, incluindo os
carreiros da lenha, para uma população, na freguesia, da ordem das 4.000 pessoas.
Compreende-se, assim, porque é que o jornalista deu tanto destaque à fábrica de
vidros.
38
Referências
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Archivo Pittoresco, 2ª Série, Vol. V, 1868, págs. 44-46, 52-63, 87-88, 111-112.
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39
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Scott , Joan Wallach: The Glassblowers of Carmaux, French Craftsmen and Political Action in a NineteenthCentury City, Harvard University Press, Cambridge, Massachusetts, 1974.
40
Fábrica de Vidro
na
Maceira
41
Numa interessante conversa que tive há algum tempo com a dra. Alda Mourão Filipe apercebi-me de
ter existido, em tempos, uma fábrica de vidros localizada na freguesia da Maceira. Perante o meu interesse
em conhecer o que fosse possível sobre mais uma fábrica de vidros cuja existência até então desconhecia, a
dra. Alda Mourão Filipe disponibilizou-me gentilmente as referências que tinha recolhido e, dessa forma,
permitiu-me, "puxando o fio à meada" encontrar mais algumas coisas. Tenho, portanto, que deixar registado
o meu agradecimento quanto aos elementos e informações que então me deu e que são a base desta breve
nota em que procuro explorar toda a informação de que disponho. Como se verá, essa informação é exígua
em extremo, consistindo, na parte documental, apenas, num pequeno conjunto de escrituras e numa referência, aliás indirecta, de Joaquim Barosa.
A origem da escrita deste apontamento, porém, deve-se ao desejo de responder ao pedido que me fez
o sr. José Filipe Reinoite de lhe dar alguma informação sobre a fábrica de vidros que houve na Maceira e de,
ao procurar sistematizar os elementos de que dispunha, ter concluído, para mim próprio, pela necessidade da
ajuda do papel e do lápis.
Solicitei, então, a busca de alguns elementos adicionais, que permitissem completar o apontamento
que me propunha escrever. Uns destes, de natureza genealógica, poderiam permitir um melhor entendimento
das condições em que a primeira sociedade foi constituída e até, se possível, da sua vida futura; outra solicitação foi a da tentativa de, no local, encontrar alguns restos de vidro que permitissem a análise química da
composição utilizada, o que se prendia com o meu interesse em iniciar o estudo químico das composições do
vidro utilizadas no passado66, em Portugal.
A estas solicitações corresponderam os srs. José Filipe Reinoite e Luís de Abreu e Sousa, deixandose registado o competente agradecimento. Vários bocados de vidro foram efectivamente encontrados, o que
tornou possível, com o apoio do laboratório de análises químicas de Santos Barosa, do eng. Leonel Almeida
Pinto e da sra. D. Regina Ferreira, efectuar várias análises cujos resultados aqui se apresentam, deixando-se,
também, registado o devido agradecimento institucional.
66 A propósito deste tema, chamo a atenção dos leitores para o nº 15 desta série de Estudos e Documentos do
Museu Santos Barosa, intitulado O "Arcanum" de João Augusto de Castro e Augusto de Oliveira Guerra.
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A Fábrica de Vidraça da Maceira
1. A Primeira Sociedade: 1879
Como se verá, a fábrica de vidros ( ao que parece, sempre vidraça67) da Maceira
não terá trabalhado mais de dez anos e, possivelmente, de forma intermitente. A empresa
não deverá ter ultrapassado a pequena dimensão e as sociedades que a suportaram revelaram-se muito instáveis. No entanto, são as próprias primeiras escrituras que revelam razões
bem interessantes e, parece-me, muito pouco comuns68, subjacentes à criação da nova organização produtiva a que a sociedade se propunha. Para além, ou talvez antes, das razões
produtivas e comerciais, parece estar uma motivação ideológica, ou pelo menos assim o
dizem os próprios sócios fundadores. A ser assim, o interesse do estudo desta fábrica e da
primeira das sociedades que a dirigiram extravasa largamente o âmbito da história da indústria vidreira portuguesa.
Não se tratava de uma sociedade cooperativa, apesar de alguns elementos igualitaristas característicos deste tipo de sociedades, de que chegou a haver um exemplo em Portugal, na indústria vidreira, com a sociedade cooperativa A Vitrificadora, constituída em
189969 com o objectivo de se dedicar à produção vidreira, tomando de arrendamento a
67 O que não deve ser entendido como excluindo necessariamente a produção de outro tipo de objectos,
nomeadamente os utilitários domésticos e, mesmo, algumas garrafas. O sentido da afirmação acima é o de
que estas eventuais produções terão tido sempre um carácter acessório.
68 Ou então, nos casos semelhantes, os proponentes das sociedades organizadas com uma motivação ideológica não se davam ao trabalho de deixar registadas essas suas motivações. O que não parece razoável é
admitir que os diversos autores que notaram, pelo mundo fora, a criação de pequenas unidades vidreiras, da
iniciativa de grupos de operários - artífices, tivessem todos deixado escapar uma motivação ideológica tão
clara, se essa tivesse sido enunciada explicitamente, como neste caso.
69 Cfr. Diário do Governo, nº. 163, de 24 de Julho.
43
Nacional Fábrica de Vidros da Marinha Grande, o que não chegou a acontecer.
No caso da empresa da Maceira, com toda clareza, havia sócios e havia não-sócios,
estando-se ainda para saber como se promoveriam, nestas condições, os objectivos ideológicos enunciados. Este tipo de problema foi, aliás, comum à generalidade das empresas
"operárias" de então. A construção de uma fábrica de vidros, com as tecnologias e escala
de produção características da segunda metade do século passado não era muito exigente
em capital e estava ao alcance de um grupo determinado de oficiais-vidreiros, membros de
uma aristocracia operária70, se outras condições se verificassem.
Efectivamente, na segunda metade do século passado, por quase todo o lado, na
Europa e E. U. A., constituíram-se inúmeras sociedades que construíram ou exploraram
fábricas de vidro, geralmente de pequena dimensão e pouca duração71. Nem sempre, nem
por todo o lado, a principal forma societária destas empresas foi a cooperativa mas, mesmo
destas, os exemplos abundam72. Até em Portugal se pode notar este movimento de criação
de empresas vidreiras, quer na Marinha Grande, quer em Oliveira de Azeméis, que se prolongou até à década de 20 do século corrente, quando se iniciou a generalização do uso do
forno a tanque, ainda que sem assumir a forma cooperativa.
Diferente, em muitos aspectos, foi o caso da francesa, e Jaurèsiana, Verrerie
Ouvrière d'Albi, cujas origens e história foram estudadas, nomeadamente, por Brive (1980)
e Scott (1974), e que foi uma emanação do sindicalismo a nível nacional.
70 Veja-se, sobre este aspecto, Mónica (1981) para Portugal, Scott (1974) e Brive (1980) para a França, e
Matsumura (1983) para a Inglaterra, entre outros..
71 Pelo menos no último século e meio, a evolução geral da tecnologia do vidro tem sido tendencialmente no
sentido de um aumento da escala óptima de produção superior ao crescimento tendencial da procura, o que
determina uma diminuição do número de unidades produtivas e alguma concentração de empresas. No entanto, esta evolução tem sido marcada por algumas descontinuidades. O que tem perturbado profundamente a
estrutura empresarial da indústria são as grandes inovações tecnológicas, a que por vezes, infrequentemente,
se assiste. Desde meados do século passado assistiu-se a duas destas grandes perturbações, a introdução da
laboração contínua inerente ao forno a tanque e a mecanização em larga escala da produção. Para os propósitos deste texto, na sua cronologia específica, o caso que pode interessar é o da generalização do uso do forno
a tanque que, por todo o lado, determinou um aumento enorme da escala óptima de produção para cada unidade produtiva e um aumento violento das necessidades de capital dessas mesmas unidades produtivas. Por
um lado, passou a ser muito mais difícil a construção de uma fábrica de vidro e, por outro lado, assistiu-se a
um processo acelerado de concentração de empresas e fábricas. Este fenómeno não se verificou simultaneamente, nem teve exactamente os mesmos resultados, por todo o lado. Para quem deseje obter mais informações sobre este aspecto fundamental da história da indústria vidreira deixam-se como referências, entre muitas outras, para Portugal, Barosa (1996 - 1 e 2); para a França, Damien (1911); para a Bélgica, Delaet (1989);
para os EUA, Davis (1949); etc..
72 Embora se possa pensar, sobretudo a partir do exemplo português, da criação da A Vitrificadora que estas
sociedades cooperativas foram criadas com objectivos essencialmente defensivos, de protecção face à ameaça de desemprego em períodos de crise, nem sempre assim terá sido, referindo, por exemplo, Davis (1949),
pág. 179, que no início do nosso século, nos E.U.A., este tipo de sociedades se "multiplicara rapidamente
para beneficiar dos preços elevados" (nossa tradução). Ainda com referência a Portugal, são multiplos os
exemplos conhecidos de fábricas de vidro criadas nos períodos em que as empresas maiores, ou préexistentes, organizavam cartéis, induzindo aumentos de preços e criando incentivos para a construção ou
reactivação de fábricas. Veja-se, neste volume, o meu "apontamento" sobre a fábrica da Guia, que ilustra bem
esta questão a que já Barosa (1993) se referia na página 71.
44
No caso da empresa da Maceira, tratava-se de uma sociedade que reunia um
pequeníssimo número de sócios, dividido entre igual número de membros da aristocracia
operária e pequenos proprietários locais, com a presença intelectual de um farmacêutico e
de um professor primário, apresentando algumas ligações familiares entre si73, que se propunham objectivos complexos, senão contraditórios, e certamente ideológicos, inseríveis
nos quadros conceptuais do socialismo utópico.
Como é que o socialismo utópico, com esta ou aquela raíz intelectual, mais de
acordo com o pensamento de Proudhon, ou de Fourrier ou de Owen, ou de todos eles nalguma forma de síntese, chega à constituição de uma sociedade que pretende construir, e
constrói, uma fábrica de vidraça nos arredores da Maceira é tema para os especialistas que
por isso se interessem. Para os propósitos deste texto chegará, porventura, reconhecer que
os debates entre os intelectuais portugueses sobre as várias correntes do socialismo utópico
e entre estas e a corrente marxista, eram veiculados por homens como Oliveira Martins,
Eça ou Antero e que chegavam aos jornais nacionais, com difusão fora da capital, podendo
neste ponto assumir um papel importante a presença no grupo de um professor primário.
Ainda neste contexto, é importante notar que a generalidade das pequenas empresas
operárias, sobretudo as cooperativas, tinham para os seus membros uma lógica defensiva,
aparecendo, sobretudo nos períodos de crise de desemprego quando constituíam a forma
possível de preservação e valorização do capital humano vidreiro, enquanto que a generalidade das outras empresas criadas sob outras formas societárias, mesmo quando nasciam
pequenas, geralmente, evidenciavam outra ambição. E no caso da Verrerie Ouvrière d' Albi, que nasceu grande, e com grandes desígnios, também a origem foi em parte defensiva,
para além de demonstrativa.
Ora, no caso da Empresa Fabril da Maceira, em 1879, não parece verificarem-se as
referidas condições de crise. A Nacional Fábrica de Vidros da Marinha Grande e a empresa
que a explorava pareciam, senão pujantes, pelo menos seguras na sua actividade, como se
vê no Inquérito Industrial de 1881, e o resto da produção vidreira portuguesa não tinha
grande significado. O mercado nacional, com os apêndices coloniais, parecia suficientemente protegido face às importações; no Porto - Vila Nova de Gaia vicejava a pequena
fábrica de André Michon74, em Buarcos ia indo a fábrica anexa à exploração mineira, em
Lisboa a fábrica da Rua das Gaivotas não teria muito espaço para se dedicar à vidraça e na
Marinha Grande a Nacional ainda se dava ao luxo de matar a concorrência no ovo, como
foi no caso da fábrica de vidraça à Guarda Nova75, que Barosa (1993) refere ter sido comprada para encerrar, em 1876, e da fábrica de Adolfo Burnay, construída neste mesmo
73 O que mostra, mais uma vez, a importância deste canal de ligações entre as pessoas.
74 Em relação à qual Vasconcelos ( 1883) destilava alguma raiva quando se queixava das consequências da
Vista Alegre ter abandonado o fabrico de vidro e dizia, pág. 46, que "A prova está na prosperidade de certa
indústria bastarda de vidro liso, que depois nasceu no Porto, ganhando avultadissimas sommas, que foram
para o bolso de um estrangeiro ...".
75 Cujos sócios, como se verá, coincidiam parcialmente com os da empresa da Maceira.
45
ano76 e que segundo o mesmo autor também terá durado apenas uns dois anos, durante os
quais terá sido atacada pela Nacional, como o refere uma carta de João Augusto de Castro,
o seu director técnico, para José dos Santos Barosa.
De tudo isto, concluo pela existência de alguma razão positiva, senão a decorrente
de um mercado favorável, eventualmente, a razão ideológica apresentada pelos fundadores,
como fundamento da constituição da sociedade e da construção da fábrica na Maceira.
Mas veja-se como se passaram as coisas na Maceira.
De início, pelo menos, tudo se revelou complicado. O próprio acto constitutivo da
primeira sociedade terá sido atribulado, envolvendo três escrituras, respectivamente, de 10
de Março, 4 de Abril e 15 de Agosto de 1879, como se os fundadores da empresa não
tivessem ideias claras sobre como pôr em prática as suas intenções. A primeira destas
escrituras será, portanto, o acto constitutivo da primeira sociedade organizada com o objectivo de lançar a produção de vidraça na Maceira, enquanto a segunda se assume como
"regulamentar" e a terceira como "adicional". No que não se contrariem77, a organização
básica da sociedade é regulada por texto contido em três escrituras e não numa só, como
habitualmente. Mesmo com referência a estas três escrituras, em que a segunda e a terceira
são entendidas como correcções ou adicionais à primeira, nem sequer o conjunto dos
sócios coincide totalmente, apesar de terem mediado apenas cinco meses entre a primeira e
a última, tempo insuficiente, muito provavelmente, para a construção da própria fábrica.
Nesta relativa desordem, permita-se-me, também, não seguir a ordem cronológica
das escrituras em causa para começar por destacar, da segunda, o que os sócios, ou, pelo
menos, os signatários entenderam revelar sobre os propósitos da sociedade. Ipsis verbis,
diz-se nesta escritura, relativamente à sociedade, que "o seu fim principal é promover o
desenvolvimento material por via do trabalho, resolver do melhor modo possível o
grave problema da divisão da riqueza e procurar estabelecer a igualdade das classes
sociais". Muito ideológico e muito pouco típico, de facto, no que concerne a objectivos
subjacentes à constituição daquilo que, ao fim e ao cabo, são as sociedades comerciais,
ainda que, neste caso, se possa considerar que a actividade comercial não é mais do que um
meio para atingir outros objectivos. Esse meio, que constitui o habitual objecto da sociedade, e é repetidamente reafirmado, aparece sob a forma de a sociedade ser "destinada a fundar uma ou mais oficinas para a fabricação de vidraça e tratar de todos os serviços inerentes a esta indústria".
Mas então quem eram os sócios que acalentavam tais propósitos. Conforme a primeira das escrituras referidas, foram sócios fundadores:
76 Porque Barosa (1993), que se vem a citar, neste particular, apresenta a data gralhada, refere-se que a
sociedade Burnay, Mousinho & Cª. foi constituída por escritura de 13 de Agosto de 1877, e que o início da
sociedade era aí reportado a 1876.
77 A terceira escritura esclarece que é a que prevalece em caso de divergência.
46
Joaquim Gomes Birne, proprietário78, do Arnal.
Augusto das Neves e Sousa79, farmacêutico, da Batalha.
José Francisco Salgueiro80, fornalista, da Marinha Grande. *
José Ricardo Galo81, oficial de vidraça, da Marinha Grande. *
Joaquim das Neves e Sousa, oficial de vidraça, da Marinha Grande. *
Joaquim Neto Henriques, oficial de vidraça, da Marinha Grande.
João de Sousa Sonso, proprietário, do Arnal.
Manuel da Silva, dado como "marítimo" de profissão, do Carrascal, freguesia
do Arrabalde, concelho de Leiria.
( * Pessoas ligadas à anterior fábrica de vidraça à Guarda Nova conforme os nomes indicados em Barosa
(1993), na página 93)
Temos, portanto, quatro oficiais do vidro, da Marinha Grande, um pedreirofornalista e três vidraceiros, e outros quatro sócios sem aparente ligação ao vidro. É evidente o que os próprios sócios indicaram na escritura de constituição, que visavam uma
sociedade de capital e indústria.
Já na segunda escritura, como sócios, deixam de figurar João de Sousa Sonso e
Manuel da Silva, aparecendo, de novo, um Simão Marques das Neves, da Marinha Grande,
também oficial de vidraça. Este último, tal como José Francisco Salgueiro, José Ricardo
Galo e Joaquim das Neves e Sousa, já tinham sido sócios, ou trabalhado, para outra
"Empreza Fabril", dessa vez na Marinha Grande, de que Barosa (1993)82 nos dá conta sob
o sub-título "Fábrica de Vidraça à Guarda Nova", sendo sócios os dois primeiros e operários os dois últimos. Quanto a estes, aliás, a própria escritura de 10 de Março garante as
suas remunerações anteriores na Empreza Fabril da Marinha Grande, com a excepção de
78 A 4 de Agosto de 1868 é padrinho de baptismo de Maria Custódia, filha de José da Silva Galo, e no registo respectivo aparece como carpinteiro. Cfr. Mendes (1999), apêndice - Genealogia dos Gallo em Portugal.
Seria interessante dispor de listas do pessoal da fábrica Nacional nesta época, para ver se esta profissão de
carpinteiro aí teria sido desempenhada e em que funções.
79 Este, conforme informação do sr. Luís Abreu e Sousa, era irmão de outro sócio, o oficial vidraceiro Joaquim das Neves e Sousa.
80 Este, que também é referido como pedreiro, veio a ser sogro de Ricardo dos Santos Galo Jr.. Cfr. Mendes
(op. cit.).
81 Irmão de Ricardo dos Santos Galo, Jr.. Cfr. Mendes (op. cit.). O registo do casamento de Ricardo dos
Santos Galo, Jr., 20 de Outubro de 1880, dá conta deste ser então residente no Vale do Salgueiro, freguesia
da Maceira, permitindo a conclusão de que então exerceria a profissão de vidraceiro nesta fábrica. Agradeço
esta informação aos srs. José Filipe Reinoite e Luís de Abreu e Sousa.
82 Efectivamente Barosa (Op. Cit.), pág. 93, não diz que esta fábrica tivesse por detrás uma "Empresa
Fabril", ainda que confirme a coincidência parcial dos sócios. Esta ligação depreendo-a de um outro passo da
escritura onde se garantem remunerações a dois dos sócios operários.
47
uma gratificação por bom desempenho.
Curiosamente, é também nesta primeira escritura que é fixada a remuneração do
fornalista José Francisco Salgueiro: 6 mil reis por semana, quando estiver a trabalhar, e 3
mil reis por semana se adoecer. Porém, se a doença se prolongar, é sua a responsabilidade
de se fazer substituir por pessoa capaz.
Logo na terceira das escrituras a que se vem fazendo referência acaba-se com
alguns dos purismos igualitaristas que vinham na escritura de Março e admitem-se diferenças entre os sócios, enquanto sócios. A igualdade entre as classes, na versão mais radical,
implicando a igualdade entre os indivíduos, pelo menos em termos absolutos, para este
grupo, pouco mais durou do que cinco meses. É, por isto, especialmente interessante ver o
que esta escritura veraniega tem a registar quanto aos sócios, até porque agora se fixa o
capital social, ainda que indirectamente. Ficam, agora, como sócios, com o número de
acções indicado, os seguintes:
Joaquim Gomes Birne, que vinha da primeira escritura, com 12 acções.
Augusto das Neves e Sousa, que vinha da primeira escritura, com 12 acções.
José Francisco Salgueiro, que vinha da primeira escritura, com 12 acções.
José Ricardo Galo, que vinha da primeira escritura, com 12 acções.
Joaquim das Neves e Sousa, que vinha da primeira escritura, com 12 acções.
Joaquim Neto Henriques, que também vinha da primeira escritura, e que estava,
portanto, em igualdade com os outros sócios, mas que acaba por ficar só com 6 acções.
João de Sousa Sonso, que figurava na primeira escritura, mas desaparecera na
segunda, com 12 acções, mas com um estatuto especial. Os seus poderes de sócio pleno só
são reconhecidos em atenção ao volume do capital com que entra.
Joaquim de Sousa Rodrigues, professor primário em Pataias, entra e fica com 8
acções.
Temos, portanto, um Manuel da Silva que figurava na primeira escritura e que
depois desaparece, um João de Sousa Sonso que sendo sócio pleno na primeira escritura,
não figura de todo na segunda, mas que reaparece, ainda que com estatuto diminuído, na
terceira , um Simão Marques das Neves83 que entra aquando da segunda escritura mas que
já não figura como sócio na terceira escritura que, contudo lhe faz referência ao deixá-lo
exonerar-se de sócio mas permanecer ligado à empresa, apenas como "artista"84, um Joa83 Tio de Joaquim das Neves e Sousa e de Augusto das Neves e Sousa, conforme informação do sr. Luís de
Abreu e Sousa, que agradeço.
84 Mais rigorosamente, o que a escritura diz é que ele ficará "só ... como sócio artista", por ter cedido as
suas acções a João de Sousa Sonso e a Joaquim de Sousa Rodrigues. Antes, porém, ao mencionar-se que o
dito Simão Marques das Neves "ficava exonerado da sociedade", esclarece-se que isso significa a perda de
48
quim de Sousa Rodrigues que entra como sócio mas, apenas como "sócio accionista", isto
é, apenas com direito aos lucros e perdas e excluindo-se de quaisquer eventuais poderes de
gerência, o mesmo se aplicando a João de Sousa Sonso. Porém, quanto a este, logo em
seguida, e atendendo ao número de acções que detém, restabelecem-se os plenos direitos
de sócio. Tudo isto na mesma escritura.
Nesta escritura ainda surge uma outra referência a Simão Marques das Neves em
como este passaria a ter direito a lucros e perdas, mas apenas a partir de 15 de Setembro,
na proporção do seu capital. Antes, porém, tinha sido declarado que este se exonerava de
sócio, perdendo os correspondentes direitos ... Nisto nem o notário parece ter conseguido
meter ordem ... Afinal, era sócio ou não?85 E com que estatuto?
Com a atribuição do número de acções que cabiam a cada um dos sócios, pode ficar
a conhecer-se o capital social da empresa pois, já anteriormente, na segunda escritura, tinha
sido fixado em 50 mil reis o valor de cada acção. Ás 86 acções corresponde, portanto, um
capital de 4 contos e 300 mil reis.
Uma outra característica da nova sociedade, que de resto já tinha sido estabelecida
na primeira escritura, era a da sua duração ser por prazo ilimitado, sendo necessária uma
decisão unânime dos sócios para a dissolução da sociedade. Mais, durante os primeiros
quatro anos qualquer sócio necessitava do consentimento de todos os outros para se desvincular da sociedade, sob pena de perda total dos seus direitos na sociedade86. No caso
dos sócios operários o seu compromisso ainda é mais forte, pois o acordo impõe-lhes que
trabalhem para a empresa durante estes quatro anos e que recusem qualquer outro emprego
da mesma natureza. O que não se vê é em que é que a penalidade por incumprimento, que
sobre estes pudesse recair, era diferente da aplicável ao conjunto dos sócios. A menos de
uma penalidade moral ...
A designação adoptada no pacto de sociedade é, simplesmente, a de "Empreza
Fabril" e a sede ficou estabelecida no sítio de Cabeça Gorda, limite do Vale Salgueiro, freguesia de Maceira, onde viria a ser construída a fábrica. A localização em mapa desta
fábrica, que ficava junto à antiga "estrada dos Guilhermes", é apresentada na figura seguinte87.
todos os direitos que tinha na sociedade, nos termos das duas escrituras anteriores.
85 No meio desta confusão, algumas interpretações são possíveis. Pendente de melhor informação que permita esclarecer um pouco mais este assunto, penso que o Simão Marques das Neves terá apalavrado poder vir a
realizar algum capital após o início da laboração, o que poderia ocorrer a partir de 15 de Setembro, pelo que
se lhe reservava, desde já um lugar de sócio e se esclarecia que a sua parte nos lucros e perdas seria proporcional ao capital que viesse a realizar. Como se deixa registado na escritura em causa, Simão Marques das
Neves declarou só ter sociedade nos lucros e perdas a partir de 15 de Setembro p. f., e com o capital entrado
(?), ficando entretanto exonerado do quinhão que tinha, por ter cedido as suas acções a João de Sousa Sonso
e a Joaquim de Sousa Rodrigues.
86 Será que se estavam a fixar aqui os bloqueios estatutários actualmente tão na moda em certas sociedades
cotadas em bolsa? A experiência do que tinha sucedido com a ex - Fábrica de Vidraça à Guarda Nova, que
vem descrita em Barosa (1993) poderá ter servido de vacina.
87 O que se deve, e agradeço, ao sr. José Filipe Reinoite. A "Estrada do Guilherme" é o nome local dado à
estrada mandada abrir na década de 90 do século XVIII por Guilherme Stephens para ligar a Marinha Grande
à nova estrada nacional entre Lisboa e Coimbra, facilitando as comunicações com Lisboa.
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Localização da fábrica de vidros da Maceira88
88 Agradeço aos srs. Luís Abreu e Sousa e José Filipe Reinoite a indicação da localização desta fábrica no
mapa. O mapa de base é uma composição das cartas 296 e 297 do Serviço Cartográfico do Exército, à escala
1:25.000. A traço cheio indica-se a localização da antiga "Estrada do Guilherme", que servia para o escoamento dos artigos de vidro produzidos na Real Fábrica de Vidros da Marinha Grande, e com um asterisco
dentro de uma circunferência, assinala-se a localização da fábrica, ligada à referida estrada pelo caminho
assinalado a tracejado. Já fora do mapa, uma seta poderá facilitar a identificação do local da fábrica.
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A sociedade foi logo criada como uma sociedade de capital e indústria e isso mesmo se dizia na escritura, que tinha por objectivo a construção de "uma ou mais oficinas de
fabricação de vidraça". Na segunda escritura, a regulamentar, definiam-se também os cargos sociais e quem os desempenharia. Naturalmente sujeito ao controle de todos os sócios,
ficava um gerente, cargo para que foi designado o farmacêutico Augusto das Neves e Sousa, um tesoureiro, para o que foi nomeado Joaquim Gomes Birne, e um secretário a nomear
posteriormente. Um poder que o conjunto dos sócios não delega é o da contratação e demissão de empregados, questão curiosa, que reaparecerá outras vezes como, por exemplo,
na primeira sociedade constituída para a construção de uma fábrica de vidros na Guia, em
1903, como se pode ver na competente escritura.
2. A Vida da Sociedade e da Fábrica.
Pouco depois do inicio da laboração da fábrica, que se presume possa ter ocorrido
ainda em finais de 1879, verifica-se o óbito89 de José Ricardo Galo, um dos sócios fundadores. Por escritura de 29 de Maio de 1881, Valentina dos Reis Galo, viúva do referido
José Ricardo Galo, vende metade das 12 acções que foram do seu marido a um António
Gonçalves Curado, da Marinha Grande mas residente no sítio da Cabeça Gorda, que também era empregado na fábrica de vidraça da Maceira. No contrato diz-se que o acordo desta venda já tinha tido lugar em 1 de Julho do ano anterior, pelo que, para efeitos de repartição de lucros e perdas, a venda se reportava àquela data. A forma como se processa esta
venda é a da constituição de uma sociedade entre os dois.
Pouco depois, a 26 de Outubro de 1881, uma outra escritura dá conta da exoneração
de sócio de Augusto das Neves e Sousa, o farmacêutico que tinha sido gerente da empresa.
Os outros sócios são os que vinham do antecedente, apenas com a diferença da Valentina
ter tomado o lugar do seu defunto marido90. O António Gonçalves Curado não figura
como sócio, ainda que esteja presente a assinar por Valentina, que o não sabia fazer, possivelmente por causa das restrições e poderes consignados aos sócios fundadores nas primeiras escrituras.
89 Ocorrido a 5 de Junho de 1880, segundo informação do sr. Luís de Abreu e Sousa.
90 Apesar de, no contrato de sociedade que fez com o António Gonçalves Curado, ter transferido para este
todos os poderes de representação.
51
A partir daqui assistir-se-á, porém, a alterações profundas da sociedade. Menos de
um ano depois da saída da sociedade de Augusto das Neves e Sousa, em 3 de Agosto de
1882, uma outra escritura dá conta da transformação total da sociedade. Nesta data, Joaquim Gomes Birne, João de Sousa Sonso, Joaquim de Sousa Rodrigues e um António
Ribeiro da Silva e Sousa, comerciante estabelecido em Lisboa, aparecem como únicos proprietários da fábrica de vidraça da Maceira, a constituir uma parceria mercantil, sob a denominação de Empreza Fabril Maceirense, com um capital de 2 contos e 800 mil reis, para
a explorar e produzir vidraça e outros artigos anexos. Os lucros serão distribuídos em partes iguais pelo que iguais deverão ser as quotas.
Depois, a 24 de Janeiro de 1884, uma outra escritura contrata a saída da parceria de
Joaquim Gomes Birne e de Joaquim de Sousa Rodrigues, que desta forma transferem todos
os seus direitos para João de Sousa Sonso e António Ribeiro da Silva e Sousa91 que ficam,
portanto, como os únicos parceiros.
Finalmente, o último documento que conheço relativo a este centro de fabrico de
vidraça é uma outra escritura, datada de 2 de Setembro de 1888, onde João de Sousa Sonso, Luís Francisco Coelho e António Ribeiro da Silva e Sousa se declaram sócios maioritários e se refere como sócio-gerente, ausente no acto, António dos Santos Barosa.
Outro tipo de informação que, de alguma forma, se pode retirar destas escrituras é a
do andamento dos lucros da empresa e isto através da comparação entre os valores nominais das quotas e dos valores das vendas. Quando do contrato de sociedade efectuado entre
Valentina dos Reis Galo e António Gonçalves Curado, aquela declarou ter cedido a este 6
acções, com um valor nominal de 300 mil reis. Na altura, em 1 de Julho de 1880, recebeu
por essas acções 300 mil reis, mas na escritura declara dar quitação por um valor de 800
mil reis. A ser assim, teve uma mais-valia substancial. Já quando da exoneração de sócio
de Augusto das Neves e Sousa, na escritura de 26 de Outubro de 1881, este declara receber
380 mil reis por um capital nominal de 600 mil reis, uma proporção de 63 %. Depois, em 3
de Agosto de 1882, quando é constituída a "parceria mercantil", com os activos reais da
anterior "Empreza", já o capital social é fixado em 2 contos e 400 mil reis, 52 % do capital
social inicial92, proporção muito maior de redução do capital. Quando da exoneração de
dois "parceiros", em 24 de Janeiro de 1884, a metade do capital que a estes correspondia,
1conto e 200 mil reis nominais, a quota destes é transaccionada por 478 mil réis, uma proporção de, apenas, 39 %, ou de 11 %, sobre o capital inicial.
Como transparece com grande clareza, a Empreza Fabril Maceirense viveu num
plano fortemente inclinado que em cerca de cinco anos lhe delapidou, quase integralmente,
o capital. O que destoa, aqui, é a operação financeira da viúva Galo, mas essa poderá,
eventualmente, ser explicada por ter ocorrido suficientemente cedo para que o início da
91 Segundo informação recolhida pelo sr. José Filipe Reinoite, que gentilmente ma transmitiu, este sócio era
cunhado de um dos proprietários dos armazéns do Chiado, em Lisboa, o que sugere uma tentativa de organizar um novo canal de escoamento comercial da produção da fábrica.
92 No caso de Simão Marques das Neves não ter chegado a contribuir para o capital social.
52
laboração da fábrica tenha, sobretudo, significado a aurora das expectativas quanto ao futuro da nova sociedade.
O fim da Empreza Fabril Maceirense e, também, da fábrica de vidraça, poderá ter
estado numa operação relatada numa outra escritura de 2 de Setembro de 1888, onde a
maioria dos parceiros, os já conhecidos João de Sousa Sonso e António Ribeiro da Silva e
Sousa, e Luís Francisco Coelho, proprietário, do Vale Salgueiro, dão uma quitação de
527.395 reis a um Manuel Monteiro, proprietário, de Leiria. De notar que do tom desta
escritura se pode admitir que António dos Santos Barosa, que era o sócio gerente, estivesse
em dissidência com os outros parceiros, possivelmente por não desejar esta venda. Esta
minha interpretação de que se tratava da venda da fábrica resulta do facto dos parceiros
maioritários se comprometerem a entregar a António dos Santos Barosa a parte que lhe
competia no montante recebido e deste ter estado ausente da escritura, apesar de repetidamente instado a comparecer.
Aceitando, mesmo provisoriamente, que esta operação foi o fim da fábrica de
vidraça da Maceira, vale a pena vê-la em maior detalhe. Conforme a escritura citada, os
três sócios referidos, representando a maioria do capital da parceria, dão quitação ao
Manuel Monteiro do dinheiro que dele tinham recebido, mas que resultava de um saque
que anteriormente haviam feito sobre Tomáz José de Oliveira, o proprietário da fábrica de
vidros das Gaivotas, em Lisboa, a favor do Manuel Monteiro. Será que este Manuel Monteiro estava a agir como agente local de Tomáz José de Oliveira?
O saque sobre Tomáz José de Oliveira significa que este era devedor aos sócios e,
no entanto, a quitação do pagamento é dada a Manuel Monteiro. Possivelmente, Tomás
José de Oliveira, que vinha a desenvolver a sua fábrica da Rua das Gaivotas e aí não produzia vidraça, viu na compra desta fábrica em dificuldades um meio de ampliar a sua produção, o que não chegou a acontecer por entretanto ter morrido num naufrágio no Tejo93 a
15 de Setembro de 1889.
Noutro plano, são igualmente parcas as informações disponíveis quanto ao pessoal
que terá trabalhado nesta fábrica. É mais do que natural que o tenham feito os sócios operários, a que já se fez referência, assim como terá trabalhado nesta fábrica Ricardo dos
Santos Galo, Jr., que posteriormente viria a ser sócio fundador da Santos Barosa e a construir a sua própria fábrica de vidros, que deu origem à agora centenária Ricardo Gallo Vidro de Embalagem, S.A..
Efectivamente, Ricardo dos Santos Galo vivia no sítio da Cabeça Gorda quando se
casou com Adelina da Encarnação, filha do fornalista José Francisco Salgueiro, e foi na
Maceira que em 1881 tiveram o primeiro filho, Carlos. Já o segundo filho, nascido em
93 Veja-se, sobre o trabalho de Tomáz José de Oliveira à frente da fábrica das Gaivotas e sobre o naufrágio
que o vitimou, o Commercio e Indústria nº 127.
53
1884, e tal como os seguintes, nasceu na Marinha Grande94.
Um outro, António de Sousa Suzano, foi o poteiro desta fábrica95, tendo ido trabalhar para a Fábrica Nacional de Vidros Aveirense96 quando encerrou definitivamente a
fábrica de vidro da Maceira.
3. As Composições
As composições do vidro fabricado em Portugal, em termos históricos, são ainda
muito pouco conhecidas e só a acumulação de dados químicos quanto a estas composições
poderá vir a permitir obter conclusões. Importa, portanto, começar a recolher elementos
quanto a este aspecto da história vidreira portuguesa. No plano documental importa recuperar os arcana dos compositores de vidro e iniciar o estudo das composições aí compiladas, assim como importa identificar e estudar as composições químicas dos vidros produzidos pelas diversas fábricas em diversos momentos do tempo, tomando em atenção a necessidade do mais extremo rigor na classificação das amostras de vidro.
No caso da fábrica de vidraça da Maceira reúne-se um conjunto de circunstâncias
favoráveis a este estudo97, que se procurou aproveitar: em primeiro lugar, foi possível
encontrar no local da fábrica, que é isolado, alguns restos de pote de fusão do vidro, e de
vidro; em segundo lugar, é conhecido que, com elevadíssima probabilidade, esta fábrica
apenas laborou durante um curto espaço de tempo, inferior a dez anos, entre 1880 e 1888; e
em terceiro lugar, a fábrica apenas terá produzido vidro de vidraça. Este conjunto de circunstâncias permite uma identificação e datação muito precisas das "amostras" de vidro
recolhidas, conhecendo-se a origem, o material e o período, o que permite exprimir os
resultados analíticos obtidos como uma composição de vidro de vidraça da fábrica da
Maceira na década de 80 do século passado.
A partir dos restos de vidro encontrados no local da fábrica da Maceira foi, então,
94 Para todas estas informações, cfr. Mendes (1999).
95 Informação do sr. José Filipe Reinoite.
96 Sobre a história desta fábrica, construída em 1888, veja-se Rodrigues (1994).
97 O mesmo conjunto de circunstâncias também estão reunidas no caso de vidros fabricados na fábrica de
Manuel Joaquim Afonso, na Vieira de Leiria, que laborou entre 1843 e 1849, apenas produzindo vidro de
vidraça, e na Fábrica Nacional de Vidros Aveirense, que também apenas produziu vidraça, entre 1888 e
1891. Também me foi possível reunir restos de vidro produzido nestas fábricas e noutro "apontamento",
54
possível efectuar um conjunto de análises, pelo método da espectro-fotometria de absorção
atómica, para a generalidade dos óxidos, e da gravimetria, para a sílica, que conduziram ao
conhecimento de composições usadas no fabrico do vidro desta fábrica.
Não pode, porém, nem deve, atribuir-se a estes resultados um significado que, de
facto, não se sabe se eles têm. Efectivamente, embora tal se possa admitir como provável,
não é possível saber, com certeza, se as composições determinadas são, ou não, as mais
significativas em termos das produções da fábrica. Apesar dos conhecimentos já atingidos
pela química analítica, no último quartel do século passado, a composição do vidro nas
fábricas ainda era um assunto eminentemente empírico com os resultados atingidos a
dependerem crucialmente das matérias-primas concretas utilizadas e das suas impurezas.
Os resultados encontrados, e seguidamente apresentados, devem, principalmente, ser
entendidos como um contributo para o estudo da história da química dos vidros em Portugal, que ainda se encontra na "primeira infância", carecendo de muita investigação.
Mais exactamente, as análises cujos resultados são apresentados no quadro seguinte
incidiram num bocado de pote de fusão, numa escória de vidro, isto é num resto de vidro
que teria ficado agarrado ao fundo de um pote, depois da vida útil deste, e em três bocados
de vidro que a inspecção visual permitia admitir tratar-se de vidro aceite para fabricação.
Estes três bocados de vidro apresentavam tonalidades distintas que aqui se usam para os
distinguir: um apresenta uma tonalidade levemente azulada, um outro apresenta uma cor
esverdeada98 e um terceiro apresenta-se branco. A razão da aceitação para análise dos dois
primeiros bocados de vidro referidos decorre das referidas colorações99 não parecerem
suficientemente intensas para impedirem que esse vidro fosse utilizado para o fabrico de
vidraças, diferentemente do que ocorreria, sobretudo no caso do vidro esverdeado, se as
produções fossem de artigos utilitários domésticos. A utilização deste vidro para garrafas
também não pode excluir-se face a inúmeros exemplos conhecidos100.
Começando por referir a amostra que à vista parecia evidenciar melhor qualidade, a
do que se chamou vidro branco, deixa-se registado tratar-se, globalmente, de uma composição muito desequilibrada e com problemas.
neste volume, dou conta dos resultados das correspondentes análises químicas.
98 Mais exactamente, este bocado de vidro apresenta uma tonalidade conhecida internacionalmente como
"Georgia Green", um verde muito claro ou "branco" fortemente esverdeado. Face à pequena dimensão desta
amostra não foi possível determinar as coordenadas cromáticas exactas da sua cor.
99 Infelizmente as pequenas dimensões destes restos de vidro não permitiram a determinação rigorosa das
suas colorações no espectro correspondente.
100 Até às primeiras décadas do século XX era corrente classificar as cores do vidro para os usos mais
comuns, vidraça, garrafaria e doméstico corrente, em vidro preto, um vidro escuro de base âmbar ou verde,
apenas usado para garrafas e frascos; vidro verde, que melhor seria chamado de esverdeado, pelo menos para
um observador actual pois a coloração era ténue e, geralmente, não propositada, mas antes resultante da contaminação das matérias primas com óxidos de ferro e de crómio, usado quer para fazer garrafas, alternadamente designadas por brancas ou verdes, e vidraça; e o vidro designado de branco, usado para a fabricação de
artigos utilitários domésticos. Para além destas, naturalmente, havia o espectro infindável de cores e tons
usados na cristalaria, quer de base sódica, potássica (chamada de vidro ou cristal da Boémia) ou de chumbo.
55
Dos resultados obtidos, e seguidamente apresentados, conclui-se por que se trata de
um vidro muito frágil, quer em termos de resistência mecânica, ao impacto, por exemplo,
quer em termos de resistência química. Quer a percentagem de magnésio, um modificador
da estrutura molecular do vidro puro (silicato duplo de sódio e cálcio), e componente
introduzida com o objectivo de melhorar a resistência mecânica do vidro, é extremamente
baixa, como é extremamente baixa percentagem de óxido de cálcio, o estabilizante101
químico do vidro. Correspondentemente, a percentagem de sílica é demasiado elevada, o
que induz à utilização na composição de uma percentagem de fundentes também excessiva, que se aproxima dos 16 por cento, dado que a sílica é o componente cuja temperatura
de fusão é a mais elevada e dado que o óxido de cálcio, que aqui falta, também é um auxiliar da fusão da sílica.
Se este fosse o vidro fornecido ao mercado por esta empresa, não seriam de estranhar dificuldades: por um lado a vidraça era extremamente frágil, quebrando-se com a
maior facilidade, como, com o passar do tempo, os vidros perderiam transparência por
desvitrificação e formação de pequenas formações cristalinas102.
As razões para isto podem ser várias, mas certamente assentam num insuficiente
conhecimento, mesmo empírico, da composição do vidro e / ou da composição química
das matérias primas utilizadas, sendo de assinalar, a propósito, que nenhum dos sócios
fundadores parece ter experiência específica de composição do vidro. A importância do
cálcio era de conhecimento generalizado e a insuficiência deste elemento surge difícil de
explicar, até por se verificar, também, no vidro azulado. Quanto ao magnésio, que não era
propositadamente adicionado, já é mais fácil entender a sua falta por insuficiente conhecimento das matérias-primas utilizadas.
O vidro azulado veio a revelar-se fortemente contaminado pela migração de componentes da composição do próprio pote, pelo que se prefere considerar que se trata de
uma escória, ainda que não apresente uma percentagem de óxido de alumínio tão elevada
quanto a do material imediata e visualmente classificado como escória de vidro, nem apresente indicações evidentes da desvitrificação provocada por ter estado demasiado tempo
sujeito às temperaturas de fusão, ao permanecer colado às paredes do pote em sucessivas
fornadas.
Particularmente digna de nota é a presença de óxido de alumínio, que sendo extremamente elevada no pote contamina o vidro e especialmente as escórias, um material exposto ao contacto com o pote durante mais tempo. Este foi, aliás, um dos elementos que
permitiu classificar o "vidro" azulado como uma escória, o mesmo se passando com o conteúdo de sódio, neste caso demasiado baixo, por perdas.
101 Atente-se que a ausência total deste elemento torna o vidro solúvel na água.
102 Este fenómeno, que não tem solução correctiva, é bem conhecido nos vidros antigos onde dá origem a
formas de irisação, por desvitrificação em meio húmido, mesmo quando se trata de composições relativamente equilibradas. Mas nesses casos o intervalo de tempo envolvido é muito maior.
56
No caso do vidro esverdeado, nota-se a presença de percentagens relativamente
elevadas de óxidos de ferro e de crómio, corantes verdes do vidro, mas sem atingir as percentagens suficientes para levar a admitir que tivessem sido adicionadas propositadamente
para provocar a coloração verde. Abstraindo do aspecto deste vidro apresentar uma tonalidade demasiado corada, trata-se da amostra em que a composição se apresenta mais equilibrada, com a percentagem de magnésio, ainda que muito baixa em termos modernos, a ser
20 vezes superior à da amostra classificada como vidro branco, e a percentagem de óxido
de cálcio a aproximar-se dos 10 por cento. A percentagem de fundentes, ultrapassando os
15 por cento é exagerada, mas dado o seu relativo equilíbrio com a percentagem de cálcio,
poderá decorrer de considerações que se prendem com os métodos de trabalho e / ou alguma ineficiência do forno. O principal defeito deste vidro, para além de um custo de composição elevado, é o de apresentar uma coloração excessiva.
Nos quadro seguinte apresentam-se os resultados (expressos em percentagem, para
os vários componentes) das análises efectuadas e do qual se sugere a conclusão, que pelas
razões já aduzidas não pode ser definitiva, de que esta fábrica praticava uma composição
cara e à qual não correspondia um vidro de grande qualidade, mas que era relativamente
fácil de trabalhar.
QUADRO
COMPOSIÇÃO
POTE
ESCÓRIA
AZULADO
ESVERDEADO
BRANCO
SÍLICA
SiO2
60.740
68.270
74.970
68.350
76.500
CALCIO
CaO
1.350
9.959
5.741
9.960
3.399
SÓDIO
Na2O
5.123
6.360
10.940
14.710
15.078
POTÁSSIO
K2O
1.350
2.988
1.350
0.490
0.832
FERRO
Fe2O3
1.202
0.559
0.536
0.903
0.188
CRÓMIO
Cr2O3
0.016
0.000
0.002
0.064
0.000
ALUMÍNIO
Al2O3
25.420
6.720
4.280
1.520
1.742
CHUMBO
PbO
0.002
0.000
0.001
0.017
0.000
MAGNÉSIO
MgO
0.434
2.920
0.460
1.650
0.077
4.363
2.224
1.720
2.336
2.784
OUTROS
(valores expressos em percentagem)
57
Referências
Commercio e Industria, nº 127, Lisboa, 1889.
Diário do Governo, nº. 163, Lisboa, 24 de Julho de 1899.
Carta de João Augusto de Castro para José dos Santos Barosa.
Escritura de constituição da Empreza Fabril [da Maceira] lavrada em 10 de Março de 1879 no notário de
Leiria, José Rodrigues de Macedo. Arquivo Distrital de Leiria (ADL).
Escritura regulamentar, datada de 4 de Abril de 1879, do notário de Alcobaça, João Lopes de Carvalho.
ADL, livro 5I - 78.
Escritura adicional, datada de 15 de Agosto de 1879, do notário de Alcobaça, João Lopes de Carvalho.
ADL, livro 5I - 79.
Escritura de contrato entre Valentina dos Reis Gallo e António Gonçalves Curado, lavrada no notário António Maria dos Santos. ADL, livro 5I - 86.
Escritura de declaração de saída de sócio da Companhia Fabril Maceirense, lavrada em 26 de Outubro de
1881 no notário de Leiria, José Rodrigues de Macedo. ADL, livro 10H - 26.
Escritura de constituição de parceria mercantil, lavrada em 3 de Agosto de 1882 no notário de Leiria, José
Rodrigues de Macedo. ADL, livro 10H - 27.
Escritura de alteração de sócios, lavrada em 24 de Janeiro de 1884 no notário interino Francisco augusto
serra e Moura. ADL, livro 10H - 28.
Escritura de declaração de quitação, lavrada a 2 de Setembro de 1888 no notário de Leiria, Carlos rufino
Coelho do Valle. ADL, livro 10B - 27.
Escritura de constituição da sociedade Leal, Duarte & Cª, exarada a fls. 30 do livro para escrituras diversas,
nº 99, do notário da Figueira da Foz, Augusto de Oliveira, em 1 de Setembro de 1903. Arquivo da
Universidade de Coimbra.
Barosa, Joaquim: Memórias da Marinha Grande, 3ª ed. ampliada, introdução, notas, fixação e revisão do
texto por José M. Amado Mendes, Câmara Municipal da Marinha Grande, Marinha Grande, 1993.
Barosa, José Pedro: Os Burnay no Vidro ou Um Monopólio que Não Chegou a Existir, in Análise Social,
vol. XXXI (136-137), 1996, pp. 487-525, ICS - Instituto de Ciências Sociais da Universidade de
Lisboa, Lisboa, 1996. (1).
Barosa, José Pedro: As Fábricas de Garrafas da Amora: 1888 - 1926, Iª Parte, Uma Empresa e Uma Fábrica: 1888 - 1904, Museu Santos Barosa da Fabricação do Vidro, Estudos e Documentos Nº 2, Novembro de 1996, Marinha Grande, 1996. (2)
Brive, Marie-France: La Verrerie Ouvrière d'Albi, Étude Historique (1895-1931), Thèse de Troisième Cycle
Présenté à l' Université de Toulouse le Mirail, não publicada, Université de Toulouse le Mirail, Toulouse, 1980.
58
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le Doctorat (Sciences Politiques et Économiques), Faculté de Droit, Université de Lille, E. Dufrénoy, Éditeur, Lille, 1911.
Delaet, J. L.: Époque Contemporaine, Le Contexte Économique et Social, in Engen, Luc (dir.): Le Verre en
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Davies, Pearce: The Development of the American Glass Industry, Harvard University Press, Cambridge,
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Matsumura, Takao: The Labour Aristocracy Revisited; The Victorian Flint Glass Makers, 1850-80, Manchester University Press, Manchester, 1983.
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Scott , Joan Wallach: The Glassblowers of Carmaux, French Craftsmen and Political Action in a NineteenthCentury City, Harvard University Press, Cambridge, Massachusetts, 1974.
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1882, Relíquias da Arte Nacional, Grémio Moderno, Aveiro, 1883. [BN: BA 2874 V].
59
60
Fábrica de Vidro
na
GUIA - OESTE
61
Do texto que se segue, escrevi a primeira versão logo que recebi a notícia da incorporação no Arquivo Distrital de Leiria do espólio constituído pelo fundo arquivístico (existente) da antiga fábrica de vidros da
Guia, sob a designação de Companhia Industrial de Vidros, o que se deveu , também, aos esforços do sr.
Hermínio Nunes e do dr. Acácio de Sousa. O meu objectivo era, então, o de apoiar o tratamento arquivístico
do referido espólio.
A Companhia Industrial de Vidros não foi, porém, senão uma das empresas que naquela localidade
se dedicaram ao fabrico do vidro. Já antes, efectivamente, no mesmo local, se produzira vidro e, apesar das
informações ainda serem parcas, é esta uma oportunidade para coligir e organizar as informações de que
disponho, na expectativa de que o “novo” fundo arquivístico venha a permitir melhorar significativamente o
conhecimento da vida desta fábrica e das empresas que a exploraram.
Como se poderá ver no texto seguinte, as empresas vidreiras e a exploração da fábrica da Guia
foram como que "filhas" dos vários cartéis que marcaram a indústria portuguesa da vidraça desde o princípio
do século actual e até ao pleno funcionamento da Covina, pelo que conhecimento relativo aos trinta primeiros
anos de actividade vidreira na Guia, ainda que intermitente, deverá propiciar melhor informação sobre toda
esta época conturbada vivida pela indústria vidreira portuguesa.
Quando a fábrica da Guia foi adquirida pela Companhia Industrial de Vidros, veio a assumir um
papel extremamente importante no processo que levou à constituição da Covina, tendo sido o meio pelo qual
o grupo Lúcio Tomé Feteira - Artur Cupertino de Miranda - Banco Português do Atlântico, se envolveram na
indústria vidreira.
A importância potencial do espólio agora incorporado no Arquivo Distrital de Leiria é a de permitir
um melhor esclarecimento de todos estes aspectos.
62
A Fábrica de Vidros da Guia
1. Primeiros Tempos
Esta fábrica de vidros começou por ser construída por uma sociedade denominada
Leal, Duarte & Cª., constituída por escritura de 1 de Setembro de 1903 efectuada no notário Augusto Oliveira, da Figueira da Foz, cujo objecto social ficou definido como a “exploração do fabrico de vidros e venda destes”.
A sociedade comercial em nome colectivo, de responsabilidade ilimitada, com o
capital fixado em 13 contos, foi estabelecida pelo prazo de nove anos e reunia quatro
sócios:
- João Leal, comerciante de madeiras em Lisboa, com uma quota de 4 contos.
- João Gomes Leal, proprietário, também com uma quota de 4 contos.
- José Tiago Duarte, proprietário, ainda com uma quota de 4 contos e,
- José d’Oliveira, da Marinha Grande, apresentado como industrial, com uma quota
de 1 conto.
A forma da realização destas quotas também é interessante. João Leal entrava com
2 contos em dinheiro e realizaria o resto da sua quota através da retenção de metade dos
lucros líquidos que lhe viessem a caber. João Gomes Leal e José Tiago Duarte, realizariam
apenas 1 conto em dinheiro e realizariam um outro conto, cada um, em fornecimento de
madeira103, quer para a construção dos edifícios, quer para combustível do forno. O resto
seria também realizado pela retenção de metade dos lucros líquidos que lhes viessem a
caber. Quanto à quota de José d’Oliveira, esta seria realizada sem entrada inicial de dinheiro mas apenas com a retenção de 25 % do seu ordenado e igual parte dos lucros líquidos
correspondentes à sua quota.
103 Avaliada ao preço corrente no mercado, mas com os custos de transporte inerentes a serem suportados
pela empresa.
63
Note-se que a entrada de dinheiro na realização do capital social era, portanto, de
apenas 4 contos, a que se somavam 2 contos em madeira. O desenvolvimento da fábrica
dependia inteiramente de uma rápida realização de lucros.
Como responsabilidades especiais, o contrato de sociedade atribuía a gerência aos
três sócios que não João Leal, competindo ainda a João Gomes Leal e José Tiago Duarte
garantirem o regular abastecimento de madeiras e lenhas para a construção e laboração da
fábrica, mesmo para além da realização das suas quotas. A José d’Oliveira, com o título de
“administrador geral da fábrica”, competia especialmente a direcção dos trabalhos da construção da fábrica e anexos e, a partir do início da laboração, ficaria a seu cargo “não só a
direcção de todos os trabalhos e serviços da fábrica, mas [também] das transacções da
sociedade e escrituração”, pelo que receberia um ordenado diário – desde que a fábrica
principie a funcionar e a produzir vidro – de 1.500 reis, no primeiro mês, e de 2.000 reis,
nos meses seguintes. Porém, se a fabricação do vidro desse, ou viesse a dar, prejuízo, o
ordenado de José d’Oliveira seria reduzido aos 1.500 reis, até se inverter a situação. Ainda
competia a José d’Oliveira a admissão e despedimento do pessoal, nomeadamente, dos
“serviçais, jornaleiros, operários e vidraceiros”, mas com a exclusão do despedimento dos
“empregados da sociedade”, para o que necessitava do acordo dos dois outros gerentes. A
tudo isto se comprometia José d’Oliveira, pelo prazo de três anos, e a não se envolverem
por conta própria no negócio dos artigos produzidos por esta sociedade se comprometiam
todos os sócios.
Pode-se, portanto, pensar que se trata de uma sociedade de capital e indústria. A
José d’Oliveira seria interessante encontrar as origens vidreiras na Marinha Grande. Que
conhecimentos técnicos traria, para além da capacidade de recrutamento do pessoal especializado? O que lhe terá conferido o estatuto de "industrial" como o designa já104 a escritura referida de 1903?
Sabe-se, através de uma carta que José d’Oliveira escreveu ao jornal Leiria Ilustrada e que este publicou na edição de 4 de Fevereiro de 1912, que a construção da fábrica se
iniciou mesmo antes da escritura de constituição da sociedade e que a laboração teve início
em Maio de 1904.
104 Mais tarde, conforme a escritura de constituição da sociedade Santos Pedrosa & Cª. de 17 de Junho de
1911, para o "fabrico e venda de vidro", com sede na Vieira de Leiria, sociedade que viria a ser mais conhecida pelo primeiro nome do sócio Dâmaso Luís dos Santos, José d' Oliveira entra como sócio, é apresentado
como industrial, e fica com a incumbência de ser o director técnico da nova fábrica. Ainda mais tarde, em 14
de Maio de 1917, é lavrada a escritura de constituição da sociedade Oliveira & Gomes Marques & Cª. Lda.,
para a qual José de Oliveira entra, juntamente com a mulher, com a fábrica de vidros e seus pertences que
ambos tinham na Marinha Grande e que girava sob o seu nome individual. Barosa (1993), pág. 140, refere-se
a esta fábrica que em Abril de 1917 terá passado a produzir garrafas e garrafões, sem contudo indicar quando
teria iniciado a laboração e com que produtos. Azambuja (1998), págs. 194-5, também se lhe refere, indicando erradamente como data de fundação 20 de Novembro de 1916, quando essa é a data de constituição da
sócia Gomes Marques & Cª., e portanto sem indicar uma data para o início da actividade da fábrica de José d'
Oliveira. Este autor indica-nos, porém, que a fábrica estava situada no lugar dos Outeirinhos e que trabalhou
regularmente até 1924, tendo sido declarada em estado de falência por ter sido rescindida, por incumprimento, a concordata de credores sob a qual se encontrava, conforme Aviso do Tribunal de Comércio de Leiria,
64
Da marcha desta fábrica não sei quase nada. Admito que se trate de uma das novas
fábricas a que José dos Santos Barosa se refere como estando em construção105 quando a
Companhia da Nacional e Nova Fábricas de Vidros da Marinha Grande, no quadro do
acordo de cartel da produção de vidraça, lhe sugere uma maior redução da produção visando o aumento dos preços e considero, neste contexto, que esta empresa e esta fábrica são,
por assim dizer, "filhas" desse mesmo cartel106 que ao conduzir à redução da produção e
ao propiciar um aumento dos preços da vidraça no mercado criou espaço e incentivou o
aparecimento de novas capacidades produtivas independentes dos produtores cartelizados.
A fábrica, nesta fase, seria relativamente pequena e pouco sofisticada, mesmo considerando os padrões portugueses da época. A identificação dos vidraceiros, sem outra referência a vidreiros, no próprio contrato de sociedade e as considerações acima sobre as
origens da sociedade e da fábrica, sugerem-me que apenas se tenha dedicado à produção de
vidraça, embora seja sabido que nesta época se produziam garrafas107 com vidro de vidraça e como sub-produto desta produção.
Ainda que sejam praticamente desconhecidas referências directas às produções desta fábrica, alguma informação pode obter-se por via indirecta, nomeadamente na documentação existente no arquivo de Santos Barosa. Efectivamente, um pouco mais tarde, uma
carta datada de 30 de Agosto de 1907, dirigida por José dos Santos Barosa para Paulino
Amâncio, que pretende ser seu agente em Lisboa, justifica que os preços mais elevados que
Santos Barosa pratica se devem à melhor qualidade da sua vidraça, cujo vidro era fundido
em forno a gás, em contraposição, precisamente, à fábrica da Guia108 que ainda usaria o
forno a fogo directo. Diz-se, textualmente, nesta carta, "A vidraça é de forno a gaz e por
isso completamente differente da do Gallo e da da Guia".
Mas lá que produzia, produzia. E estava preocupada com as manobras monopolizadoras da Companhia da Nacional e Nova Fábricas de Vidros da Marinha Grande na segunda metade da primeira década do século. Em tom de resposta a uma pergunta ansiosa, por
carta datada de 14 de Abril de 1908, José dos Santos Barosa dirige-se a João Leal explicando-lhe o seu sentimento quanto à falta de resposta da Companhia aos convites dos "pequenos" produtores para que todos se associassem num cartel. A Companhia, finalmente,
acabara de construir o seu tanque na fábrica de Lisboa e, como diz José dos Santos Barosa
na carta em referência "A Companhia tem o forno de Braço de Prata em ensaios, por cujos
datado de 19 de Fevereiro de 1925, e correspondente anúncio, publicado no Diário do Governo.
105 Cfr. Carta de José dos Santos Barosa para a Cª da Nacional e Nova Fábricas de Vidros da Marinha Grande, de 29 de Junho de 1902. O contexto em que é escrita esta carta e os objectivos visados com a mesma,
permitem dar uma interpretação lata ao termo usado de "construção", podendo igualmente referir-se a novas
intenções de produção, não necessariamente, ainda, na fase de construção.
106 Veja-se, sobre a indústria vidreira em Portugal, neste período, Barosa (1996-1).
107 Este era um vidro de cor branco-esverdeado, por vezes, mesmo, chamado de verde, por contraposição ao
vidro verde escuro ou ambar, chamado de vidro preto, e ao branco-branco destinado à cristalaria ou vidro
doméstico sódico.
108 E tal como sucederia na fábrica de Ricardo Gallo.
65
resultados espera para decidir se participa ou não num cartel". Todo este episódio, como
toda esta fase da história da indústria vidreira portuguesa, está desenvolvidamente analisada em Barosa (1996-1), no que se refere aos aspectos económicos e empresariais, e em
Filipe (1999), no que se refere a importantes aspectos da crise social vivida na indústria,
sobretudo, em torno das fábricas Nacional e Nova, da Marinha Grande.
Como se virá a verificar, a Companhia da Nacional e Nova Fábricas de Vidros da
Marinha Grande não participou no dito cartel, com o resultado de uma devastadora guerra
de preços que veio a terminar só em Maio de 1911, com a formação de um outro cartel,
como referem Barosa (1993) e Sousa (1930), mas já tarde de mais para a sobrevivência da
empresa da Guia.
A partir daqui, o que conheço, são dificuldades para esta fábrica e empresa. Uma
notícia publicada na edição de 30 de Setembro de 1911 do Leiria Ilustrada dá conta de que
“está-se montando na Guia uma nova fábrica de vidraça, com toda a pressa, por ampliação
da antiga de Leal e Cª., com capitalistas de Lisboa, que conta aniquilar as outras que a querem aniquilar”. Ainda se acrescenta, nesta mesma notícia “O preço que devido ao monopólio quasi duplicou”.
Outra vez cartel, outra vez produção na Guia. Mas deve ter sido sol de pouca dura.
É neste contexto que surge a já referida carta de José d’Oliveira publicada em 4 de Fevereiro de 1912, em que este refere, refutando acusações de que seria por culpa sua que a anterior empresa vidreira da Guia tinha sossobrado. Explicitamente, diz que tinha abandonado
a direcção da fábrica e liquidado os negócios com a Leal, Duarte & Cª., perdendo “tudo o
que tinha”. Não diz é quando é que isto ocorreu.
Mas nova sociedade terá havido efectivamente. No Diário do Governo de 16 de
Janeiro de 1915 vem transcrita uma escritura de 30 de Dezembro de 1914 no notário António Tavares de Carvalho, de Lisboa, onde se refere já uma extinta Sociedade Vidreira da
Guia que girava sob a firma Leal, Gomes & Cª. de cujo activo líquido ficaram responsáveis
João Leal, João Gomes Leal e José Tiago Duarte nas proporções, respectivamente, de 20,
40 e 40 por cento. Isto corresponderá, possivelmente, ao afastamento de José d’Oliveira da
sociedade anterior, tal como este dissera na carta citada. Só não vêm aqui os nomes dos tais
“capitalistas de Lisboa”, também mencionados.
Esta escritura, a que se está fazendo referência, é a da constituição de mais uma
sociedade por quotas, desta vez de responsabilidade limitada, “para a continuação da
indústria da fábrica, sita no lugar da Guia”, para o que adopta a designação de Empresa
Vidreira da Guia, Lda., e fixa sede em Lisboa. Desta vez, o objecto, explicitamente assumido, é o da “fabricação de vidraça e artigos similares”109. O capital social é fixado em
17.500$00, considerados representativos do valor do activo líquido da sociedade dissolvida, repartido em quotas representativas das proporções anteriormente mencionadas.
109 Mais frequentemente, redomas e telhas de canudo.
66
Já neste novo contrato de sociedade, porém, se faz referência ao facto destes sócios
ficarem autorizados a ceder as suas quotas, no todo ou em parte, a José das Neves Leal e a
João da Costa. José das Neves Leal é mesmo nomeado gerente com a retribuição mensal de
20$00 e, por razões que se dirão seguidamente, João da Costa terá como função dar
escoamento comercial ao produto da fábrica.
Logo no dia seguinte, ainda antes do envio para publicação desta escritura, o que
teve lugar no dia 5 de Janeiro seguinte, é feita uma outra escritura, que vem transcrita no
mesmo número do Diário do Governo, em que entram para a sociedade os referidos José
das Neves Leal e João da Costa, saindo João Leal. A sociedade, neste 31 de Dezembro
redenominada Neves Leal, Lda., passa, portanto, a ter quatro sócios, mas só o gerente pode
usar da firma social.
Sobre quem era este João da Costa pode saber-se mais. Ainda uma outra carta de
José dos Santos Barosa, desta vez para James Gilman, datada de 11 de Outubro de 1916,
revela que este João da Costa era um comerciante de representações110 e, possivelmente,
um grossista de vidro, de Lisboa.
Anos mais tarde, como se depreende da acta de 7 de Março de 1920111 da Associação de Classe dos Garrafeiros a fábrica estaria activa e produziria garrafas, o que não implica, pelas razões anteriormente aduzidas, que a sua principal produção não continuasse a
ser a da vidraça. Este período, correspondente ao final da I Guerra Mundial e imediato pósguerra, assistiu à paralisação da fábrica da Amora e a um surto de produção de garrafaria
na região da Marinha Grande.
Seguem-se os anos da década de 20, marcados por gravíssimas crises no que se
refere à indústria vidreira portuguesa e a vida desta fábrica continuará certamente a ter sido
atribulada.
A 19 de Dezembro de 1927, no notário Adelino Ferreira de Mesquita, da Figueira
da Foz, é efectuada uma outra escritura112 de alteração do contrato de sociedade. Mais
uma vez, altera-se a designação social, que passa a ser a de Empresa Vidreira do Oeste,
Lda., admitem-se novos sócios, aumenta-se o capital social, muda-se a sede de Lisboa para
a Guia, etc. O objecto social, porém, continua a ser o da “fabricação e venda de vidraça e
artigos similares”. O capital social é fixado em 665 contos, 60 por cento do qual está já
110 E, aliás, neste preciso contexto que a carta referênciada se lhe refere. José dos Santos Barosa vivia, ao
tempo, o drama de tentar prosseguir na construção do seu primeiro forno a tanque em condições de guerra na
Europa, donde deveriam vir muitas das peças refractárias, "louças", para a construção do referido forno e
descobriu que João da Costa era o agente em Portugal de uma empresa inglesa à qual ele tinha passado
encomendas através de James Gilman. José dos Santos Barosa suspeita que João da Costa se estaria a aproveitar da situação para atrasar ainda mais a vinda dos tais refractários porque a conclusão da construção do
forno a tanque traria mais concorrência para a "sua" fábrica da Guia. De facto, o forno a tanque de Santos
Barosa só viria a estar concluído em Janeiro de 1918, como refere Mendes (1992) e, sobre estas e outras
dificuldades decorrentes da situação de guerra, para Santos Barosa e para outras vidreiras, pode ver-se Barosa
(1996-1).
111 Cfr. Mónica (s.d.)
67
realizado e os outros 40 por cento deverão ser realizados à medida das necessidades. Os
sócios, agora, são 29.
A fábrica estava parada e no contrato social nomeiam-se gerentes, até uma assembleia geral a realizar dentro de 15 dias após o reinicio da laboração, a Joaquim Manuel
Filipe Nogueira e a Jorge Martins, ambos titulares de quotas de apenas 10.000$00, cada, os
quais exercerão as suas funções gratuitamente. Ao primeiro destes fica cometida a escrituração da sociedade. Também é nomeado um conselho fiscal que integra, como membro
substituto, José das Neves Leal.
Mais interessante, sobretudo num contexto em que, mais uma vez, o contrato de
sociedade veda a todos os sócios, sem prévio consentimento da assembleia geral, fazer
parte, directa ou indirectamente, de qualquer outra sociedade com objecto idêntico, é a
nomeação do sócio Pierre Duran[d] 113 para o cargo de gerente técnico, competindo-lhe
superintender “em todos os assuntos da sua especialidade, tais como a composição do
vidro e de produtos cerâmicos, refractários e outros”.
Note-se que este Pierre Duran[d] era um técnico bem conhecido na indústria vidreira portuguesa, aparecendo o seu nome, por vezes, traduzido para Pedro Durão. O sr. José
Luís d’Orey, teve a gentileza de me fazer chegar a informação de que este Pierre Durand
tinha vindo para Portugal trazido pelo seu avô Guilherme d’Orey, que fora o director técnico da Nacional Fábrica de Vidros, da Marinha Grande, no princípio do século, a que Barosa (1993) se refere elogiosamente. Deverá ter vindo para Portugal por finais do século passado, possivelmente na sequência da R. d’Orey & Cª. ter tomado o controlo da Empresa
Vidreira Lisbonense em 1897114 e foi ele quem dirigiu a construção do primeiro forno a
tanque na Nacional, em 1901. Depois, na sequência dos d’Orey terem deixado a indústria
vidreira, por volta de 1904115, passou para a Almeida, Morais & Cª., Lda.116 e terá colaborado, como fornalista, com várias empresas vidreiras portuguesas, nomeadamente, com a
Santos Barosa e a Ricardo Gallo, para quem dirigiu a construção dos primeiros fornos a
tanque durante ou no imediato pós I Grande Guerra, como informa Barosa (1993). Em
1920 será ele quem dirige a construção do forno a tanque da A. Morais & Cª., que é inaugurando com grande festa em 12 de Dezembro desse ano como dá conta o Marinhense do
dia 18 p.f..
A fábrica e o forno deverão ter sido reconstruídos / construídos em grande. O forno,
provavelmente seria a tanque, para a laboração contínua, como se pode depreender do fac112 Transcrita e publicada no jornal O Imparcial, de Pombal.
113 Este Pierre Durand ou Duran ou, ainda, Pedro Durão, era natural de Bordéus, conforme consta de registo
de baptismo de um seu filho, na Marinha Grande, em 1905, que o sr. Luís Abreu e Sousa teve a gentileza de
me fazer chegar.
114 Veja-se Barosa (1996-2), pág. 27, nota 23.
115 Veja-se Barosa (1996-1). O forno a tanque que a Companhia construiu, seguidamente, na fábrica de
Braço de Prata foi dirigido por William Guilman.
116 Cfr. Mendes (1999).
68
to desta fábrica ter ficado com a maior capacidade produtiva instalada para vidraça dentre
todas as fábricas portuguesas da modalidade, como se verá seguidamente.
Porém, nem desta vez, a vida da sociedade, da empresa e da fábrica, foi mais fácil.
2. Dos Cartéis à Covina.
Em 19 de Maio de 1933 o Diário do Governo transcreve e publica mais uma escritura, lavrada no notário Pedro Soares Gomes, datada de 22 de Abril p.p., com mais uma
escritura de alteração do contrato de sociedade. Desta vez mantém-se a designação social,
assim como o objecto, ao qual, contudo, é acrescentada a formula geral “ou qualquer outro
em que os sócios acordem”.
Mas o que se passou entretanto?
Como acontecera repetidamente ao longo de toda a década, o final dos anos 20 é
mais um período de grave crise vidreira, afectando todas as modalidades, como vem reflectido, por exemplo, em Pinto (1931) e Duarte (1932). Logo nos princípios de 1929, concertadamente, a Ricardo Galo, a Dâmaso Luís dos Santos e a Empresa Industrial do Mondego117 decidiram paralisar as suas produções de vidraça, como forma de escoarem os stocks
excessivos. Um pouco depois, a 25 de Junho de 1929, como é referido num requerimento118, é também Santos Barosa que decide parar com a produção de vidraça119. Também a
fábrica da Guia estaria parada ou, pelo menos, não produziria vidraça como se depreende
das afirmações de que toda a produção de vidraça do país estaria parada. Evidentemente,
nesta situação os stocks reduziam-se rapidamente e os preços aumentavam o que levou a
que, simultâneamente com a retoma da produção das três vidreiras que estavam a actuar
concertadamente, também a Empresa Vidreira do Oeste tivesse rearrancado com a sua
fábrica da Guia em Outubro de 1929.
117 Que tinha fábrica na Murraceira, próximo de Lavos.
118 Cfr. A.S.B., Requerimento de 20 de Junho de 1931 em que Santos Barosa solicita autorização para a
construção de uma unidade automática de produção de vidraça a instalar nos arredores de Lisboa.
119 Antes, porém, ainda tentou obter da Associação de Classe dos Vidraceiros o acordo para uma redução
nas tabelas salariais que viabilizasse a manutenção da produção por via da redução de custos.
69
Por esta altura e, portanto, possivelmente, em resultado das alterações subsequentes
à transformação social de 1927, a fábrica da Guia seria aquela, das portuguesas, que teria
maior capacidade produtiva em vidraça, 1.500 toneladas anuais, contra umas 1.200 para a
fábrica da Murraceira e para a fábrica Santos Barosa120. Mesmo considerando que esta
última fábrica tinha resolvido manter parada a produção de vidraça, a tonelagem que estes
produtores pretendiam vender no mercado excedia largamente um consumo nacional que
José dos Santos Barosa Jr.121 estimava ser da ordem das 3.000 toneladas anuais. O resultado foi o óbvio: nova crise de sobreprodução, com a consequência, nomeadamente, de em
30 de Abril de 1931 a Empresa Vidreira do Oeste desistido, decidindo parar a produção,
encerar a fábrica e despedir todo o pessoal, como é referido no "relatório industrial" citado.
Desta falência efectiva resultaram dívidas de salários122, o que virá a ter consequências
quando se pretendeu retomar a actividade nesta fábrica, como se verá.
A Empresa estava, portanto, falida e a transformação social seguinte é fruto, precisamente, dessa falência e do acordo de credores que se lhe seguiu.
Entretanto, muita coisa estava em mudança na indústria portuguesa da vidraça.
Aproveitando o encerramento da fábrica da Guia e a continuação da paralização da produção de vidraça na fábrica de Santos Barosa, as três outras empresas que já do antecedente
vinham a actuar concertadamente, a Empresa Industrial do Mondego, a Dâmaso Luís dos
Santos e a Ricardo Galo, logo em 29 de Maio de 1931, fazem uma escritura de acordo de
cartel, repartindo entre si as vendas a fazer através de uma organização comercial comum
designada por Agência das Fábricas de Vidraça. Santos Barosa, também naquele mês de
Maio, dá início a um processo visando obter autorização123 para a construção de uma nova
fábrica de vidraça que queria instalar nos arredores de Lisboa124, e na qual pretendia introduzir o processo Foucault, tal como viria a suceder com a Covina.
As autoridades ficaram obviamente perturbadas, começaram por procurar atrasar a
resposta para, finalmente, sugerirem a Santos Barosa que associasse ao seu projecto as
120 Durante esta fase produtiva, e a taxa anual, as produções de vidraça das fábricas activas nesta modalidade foram de 1.500 toneladas para a fábrica da Guia, 1.200 para a fábrica da Murraceira, 500 para a fábrica de
Dâmaso Luís dos Santos e 350 para a fábrica de Ricardo Galo.
121 Cfr. A.S.B., José dos Santos Barosa Jr., Relatório Industrial dirigido à Associação Industrial Portuguesa,
datado de 27 de Julho de 1931.
122 Como se pode ver em correspondência oficial incluída no espólio do Governo Civil de Leiria, nomeadamente na resposta do Administrador do Concelho da Marinha Grande ao ofício nº 179, de 27 de Janeiro de
1932, do Governo Civil de Leiria. Agradeço ao sr. Hermínio Nunes as informações e referências destes ofícios e cartas do arquivo do Governo Civil de Leiria.
123 Que a nova legislação de condicionamento industrial passou a exigir. O requerimento citado em que
Santos Barosa solicita autorização para a instalação da nova fábrica é feito, como aí se diz, de harmonia com
o decreto Nº 19.354, de 3 de Janeiro de 1931, sobre o condicionamento das indústrias, referido em Cruz
(1945), pág. 155, como exigindo prévia autorização do Governo para a instalação de um novo estabelecimento industrial desde que se tratasse de uma actividade industrial condicionada. Veja-se, também, Confraria
(1990).
124 Em anexo ao "relatório industrial" que se vem citando especifica-se que o local a eleger será "nas proximidades de Lisboa junto á margem direita do Tejo. Localidade ainda não determinada". A justificação para a
70
outras fábricas manuais. A abordagem de Santos Barosa teria sido mal recebida, procurando antes as outras empresas inviabilizar o processo e tendo mesmo chegado a solicitar o
seu simples indeferimento, como veio a suceder. José dos Santos Barosa, Jr. decidiu então
retomar a produção manual de vidraça e aderir à Agência das Fábricas de Vidraça, o que
veio a suceder em Dezembro desse mesmo ano de 1931.
Em Janeiro seguinte é, também, a Empresa Vidreira da Fontela que retoma a produção e adere ao cartel. E o mesmo pretendiam fazer os comerciantes de vidro Oliveira,
Cardoso & Cª., Sucessor, promovendo a reactivação da fábrica da Guia. Já em 27 de Janeiro de 1932, o ofício nº 179 do Governo Civil de Leiria, dirigido aos administradores dos
concelhos de Pombal e Marinha Grande, esclarecia que "a firma Oliveira Cardoso & Cª.,
Sucs., com sede em Lisboa, devidamente autorizada pela Empresa Vidreira do Oeste, pretende pôr em laboração a fábrica de vidraça da Guia", o que não está a conseguir por falta
de operários vidraceiros, apesar de ter contactado a Associação de Classe e de ter posto
anúncios nos jornais, possivelmente por causa das já referidas dívidas de salários, quando
da paralisação de Abril p.p.. Solicita mesmo autorização para contratar vidraceiros no
estrangeiro.
Tal como sucedera tantas vezes, também agora se pode dizer que, mais uma vez
cartel, mais uma vez produção na Guia. Efectivamente o cartel estava a ser bem sucedido e
os preços aumentavam pelo que havia interesse em reactivar a fábrica da Guia, o que não
terá sido conseguido então. Numa abordagem diferente, mais profunda, a própria sociedade
foi remodelada.
Por alteração do pacto social, objecto de escritura efectuada a 22 de Abril de 1933
no notário de Lisboa Pedro Santos Gomes, publicada no Diário do Governo de 19 de Maio
p.f.. o capital social foi reduzido para apenas 90 contos, dos 665 anteriores, realizado através da percentagem de cada credor no activo líquido da anterior sociedade e de 41.260$52,
em dinheiro, com que um António Carloto de Castro se obriga a entrar para a nova sociedade, a fim de se fazer face às custas do processo. Os sócios são agora 85, entre pessoas
singulares e outras entidades.
A gerência da nova sociedade foi entregue aos comerciantes de vidro Oliveira Cardoso & Cª., Sucessor, que a podia delegar em quem entendesse. A quota destes na sociedade era de 41.207$05.
Evidentemente uma sociedade com estas características não é para durar muito.
Trata-se, claramente, de um modo dos credores limitarem as suas perdas resultantes da
referida falência.
Isto mesmo se irá ver em seguida. Num processo que terá em vista a nova realidade
que é o condicionamento industrial, com novos jogadores, novas estratégias e novos pode-
escolha desta localização está na necessidade de conveniente acesso portuário para a recepção de carvão.
71
res125, nascerá a Companhia Industrial de Vidros, Lda. que desempenhará um papel importante na futura criação da Covina e à qual se refere o espólio documental agora entrado no
Arquivo Distrital de Leiria.
No Diário do Governo de 22 de Julho de 1933 transcreve-se e publica-se uma escritura efectuada no notário Pedro Augusto dos Santos Gomes, de Lisboa, datada de 20 de
Julho de 1933. Trata-se de três alterações do pacto de sociedade, todas conducentes à passagem de poderes do conjunto dos sócios para o gerente Oliveira Cardoso & Cª., Sucessor,
José Antunes de Oliveira. Em primeiro lugar, altera-se o art. 5º, mantendo a obrigação da
autorização da sociedade para a cessão de quotas mas acrescentando o esclarecimento que
para essa autorização a sociedade será “tão somente” representada pela gerência. As alterações dos artigos 7º e 11º vão no mesmo sentido.
Logo no dia seguinte, mas noutro notário, Eugénio de Carvalho e Silva, também de
Lisboa, efectua-se uma outra escritura de constituição de sociedade que, curiosamente, só
virá a ser publicada no Diário do Governo de 25 de Janeiro de 1934, mais de 6 meses passados, mantendo-se esta nova sociedade, para todos os efeitos práticos, secreta durante este
período.
Tratou-se da constituição de uma Companhia Industrial de Vidros, Lda., com um
capital de 1.000 contos, o que era muito, na época, e cujo objecto social era “a indústria
vidreira e o respectivo comércio ...”. Os sócios, individuais ou colectivos, têm nomes bem
conhecidos:
Cupertino de Miranda & Cª., a casa bancária que está na origem do Banco Português do Atlântico126, que era a entidade financiadora, com a sua quota de 600 contos, e
que prescindia dos normais poderes de gerência que ficavam entregues a todos os outros
sócios e, em particular aos gerentes delegados. Oliveira Cardoso & Cª., Sucessor, José
Antunes de Oliveira e Francisco Brito das Vinhas, Jr., com 75 contos cada; Francisco de
Paulo Pacheco, Américo Duarte, José Carvalho da Silva e Jacinto Bimbo [dos Santos],
com 50 contos cada; e outros 50 contos para a família Tomé Feteira, repartidos em 20, 20 e
10, respectivamente, para Albano, João e Raúl. Como gerentes delegados, nomeados no
pacto, e até novas nomeações, ficam Américo Duarte, Raúl Tomé Feteira e Lucio Tomé
Feteira, este último que não consta da lista dos sócios.
Não se conhece produção ou comércio vidreiro a esta sociedade, entre a data da
escritura de constituição e a data de publicação dessa mesma escritura. O que é natural
dado tratar-se de aprontar as condições necessárias a negócios que ainda estavam por concretizar. No entanto, era necessário andar depressa, por razões que se verão adiante e que
125 Veja-se Confraria (1990) sobre vários aspectos do condicionamento industrial pertinentes à industria da
vidraça.
126 Veja-se Luís (1969).
72
se prendiam com o próprio condicionamento industrial127. Por isso se aprontou esta sociedade.
O jogo e a estratégia, contudo, começam a entender-se pouco depois. Em 12 de
Janeiro de 1934, no notário Eugénio Carvalho da Silva, de Lisboa, é lavrada nova escritura
de alteração do pacto social da Empresa Vidreira do Oeste, Lda.. O novo contrato de
sociedade é quase igual ao da Companhia Industrial de Vidros, Lda., a que se fez referência. O capital social também é fixado em 1.000 contos.
A designação da sociedade passa a ser o de ... Companhia Industrial de Vidros,
Lda. o que faz existirem suas sociedades com a mesma designação, dado a outra não ter
sido extinta. Só que "ninguém" sabe já que a escritura por que fora constituída a primeira
das Companhias Industriais de Vidros ainda não tinha sido publicada , nem tinha passado
o prazo para registo na conservatória do registo comercial. Dera-se uma fusão encapotada,
já que esta alteração estatutária foi publicada no Diário do Governo de 20 de Janeiro de
1934, e a constituição da primeira das Companhias Industriais de Vidros só será publicada
a 25 de Janeiro p. f..
Seja como for está-se agora perante a verdadeira Companhia Industrial de Vidros,
Lda., com o capital social de mil contos, da qual são sócios (com as quotas indicadas, em
contos):
Lúcio Tomé Feteira
400
Cupertino de Miranda & Cª.
100
Francisco Brito das Vinhas Jr.
75
Oliveira Cardoso & Cª., Sucessor José Antunes de Oliveira
50
Francisco de Paula Pacheco
50
José Carvalho da Silva
50
Jacinto Bimbo dos Santos
50
Belmiro Guerra dos Santos
50
Manuel da Cunha Feteira
50
Américo Duarte
45
Albano Tomé Feteira
20
Raúl Tomé Feteira
20
127 O já referido decreto Nº 19.354 de 3 de Janeiro de 1931 também exigia autorização para a reabertura dos
estabelecimentos industriais que tivessem parado a sua produção durante mais de dois anos. Cfr. Cruz (Op.
Cit.), pág. 156.
73
Luís de Oliveira Franco
20
Como se vê, a família Tomé Feteira assume a maioria do capital e o comando da
fábrica da Guia sob o pontificado de Lúcio Tomé Feteira.
Mas a questão interessante é a perceber o porquê de toda esta manobra e a resposta
está no condicionamento industrial da indústria da vidraça, já em marcha. Para entrar no
jogo, como se viu, era preciso ter estado a produzir à menos de dois anos. Era a preciso,
portanto, comprar uma empresa que tivesse estado a produzir vidraça há menos de dois
anos, como era o caso da a fábrica da Guia, que tinha parado a produção apenas em 30 de
Abril de 1931. Mas, então, porque não terem-se limitado a comprar a Empresa Vidreira do
Oeste? Possivelmente, porque a escolha desta ainda não tinha sido feita quando da decisão
de entrar neste mercado ou, então, para não fazer subir o preço a pagar pela compra.
Mas prossiga-se agora o discurso no plano da actividade produtiva. O requerimento
da Companhia Industrial de Vidros para retomar a produção de vidraça na, agora sua,
fábrica da Guia, foi despachado favoravelmente mas foi-lhe imposta a condição adicional
desta empresa aderir ao cartel que era a Agência das Fábricas de Vidraça. Claramente, o
Governo preocupava-se já em prevenir a nova crise de sobreprodução que, como dizia José
dos Santos Barosa Jr. no "relatório industrial" citado, ocorria a intervalos de cerca de três
anos.
E assim sucedeu, tendo-se estabelecido, em 22 de Setembro de 1933, por contrato
entre os industriais integrantes do cartel e a Companhia Industrial de Vidros, que a venda
total da vidraça no Continente e Ilhas Adjacentes, seria dividida em seis128 partes iguais,
tantas quantos os integrantes do cartel.
O sucesso do cartel, avaliado pela subida dos preços, devia ser total, a ponto dos
industriais de construção terem começado a queixar-se, incluindo publicamente, através de
escritos na revista da sua associação. Isto levou o Governo, anteriormente preocupado mais
com a prevenção de novas crises de sobreprodução a virar a sua atenção para os preços. A
solução estava, naturalmente, em aumentar a concorrência e é agora o próprio Governo
quem irá incitar a Companhia Industrial Portuguesa, proprietária da fábrica Nova, na Marinha Grande, a retomar a produção de vidraça mas em concorrência e oposição ao cartel.
Efectivamente, esta empresa reentrou no mercado activando a produção de vidraça
na sua fábrica da Marinha Grande, o que veio a provocar o fim do próprio cartel.
128 Cfr. A.S.B., Contrato Provisório da adesão da Companhia Industrial de Vidros à Agência das Fábricas de
Vidraça. Note-se que, entretanto, também a Empresa Vidreira da Fontela tinha retomado a produção de
vidraça e aderido ao cartel. Porém, a Companhia Industrial de Vidros, assim como a Empresa Industrial do
Mondego, ainda virão a receber um pequeno reforço da sua quota, de 80 toneladas por ano, para cada, a troco
de se comprometerem a não produzir garrafas e garrafões em vidro branco, artigos cujos produtores também
tinham constituído um cartel, como se vê na acta da reunião de 4 de Outubro de 1933 da Direcção da Agên-
74
Depois disto, claramente, o Governo convenceu-se de que precisaria de uma intervenção muito mais forte para controlar os produtores da vidraça, iniciando-se o processo
que conduziria à criação da Covina, que se pode ver, por exemplo, em Confraria (1990).
Evidentemente, a Companhia Industrial de Vidros esteve envolvida neste processo
e a fábrica da Guia apenas trabalhava quando a Covina, ainda sem fábrica, lhe distribuía,
rotativamente com as outras fábricas, uma campanha de produção manual. Provavelmente,
continuou a produzir algumas garrafas, assim como telhas e tijolos de vidro mas, seguramente, em pequena quantidade. Por exemplo, para a produção de garrafas, apenas lhe é
autorizado que trabalhe com duas praças, do que a empresa se queixa, em 1940, dizendo
que já antes trabalhara nesta modalidade com seis praças. Em 1941 pede autorização para
reduzir as dimensões do seu forno.
Mais tarde, em 1944, em plena II Guerra Mundial, havia grande falta de garrafas no
mercado e um grupo de engarrafadores, entre os quais estava a firma Barros & Almeida,
do vinho do Porto, vêm a pedir autorização para reabrir a fábrica da Guia, a título precário,
para produzir garrafas, um pedido que veio a ser recusado. Em 1945, é a Covina que solicita autorização para instalar na fábrica da Guia -que estava parada- mais uma máquina Foucault, o que também vem a ser recusado.
Aquela que parece ter sido a última actividade produtiva vidreira na fábrica da Guia
terá sido a preparação de casco de vidro129 para a Covina, enquanto o correspondente forno desta não estava operacional, em Santa Iria da Azóia, actividade que se extinguiu no
final do ano de 1946, assim como a "fábrica de vidros" da Guia. A Companhia Industrial
de Vidros continuou a sua existência mas mais como sociedade gestora de participações
sociais.
cia das Fábricas de Vidraça.
129 Certamente para funcionar como frita.
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R u í n a s d a F á b r i c a d e V i d r o s n a G u i a - O e s t e 130
130 Agradeço ao sr. Hermínio Nunes a cedência das fotografias aqui reproduzidas.
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Referências:
Manuscritos:
Acta da reunião de 4 de Outubro de 1933 da Direcção da Agência das Fábricas de Vidraça. ASB, avulsos.
Assento de Baptismo de Leon Durand, em 23 de Abril de 1905, assento nº 76, livro de baptismos nº 21, fls. 25, Marinha
Grande.
Carta de José dos Santos Barosa para a Companhia da Nacional e Nova Fábricas de Vidros da Marinha Grande, em 29
de Junho de 1902. ASB, copiador de cartas sem número, Fevereiro de 1901 a Março de 1907, págs. 13 -14.
Carta de José dos Santos Barosa para Paulino Amâncio, em 30 de Agosto de 1907. ASB, copiador de cartas sem número, Agosto de 1907 a Abril de 1908, pág. 21.
Carta de José dos Santos Barosa para João Leal, em 14 de Abril de 1908. ASB, copiador de cartas sem número, Agosto
de 1907 a Abril de 1908, págs. 493 - 494.
Carta de José dos Santos Barosa para James Gilman, em 11 de Outubro de 1916. ASB, copiador de cartas sem número,
Maio a Dezembro de 1916, pág. 391.
Carta do Administrador do Concelho da Marinha Grande ao Governador Civil de Leiria em resposta ao ofício deste, nº
179, de 27 de Janeiro de 1932. Fundo do Governo Civil de Leiria, Arquivo Distrital de Leiria, ANTT.
Contrato para produção e venda de vidraça e telha mourisca entre as empresas Ricardo dos Santos Galo, Filho, Lda.,
Dâmaso Luís dos Santos e Empresa Industrial do Mondego, Lda., efectuado por escritura de 29 de Maio de
1931, lavrada no livro de actos e contratos nº 1322, a fls. 79v, do notário de Lisboa, Mariano da Maia e Vasconcelos de Castro e Mendes.
Contrato Provisório (pendente de escritura notarial) entre a Agência das Fábricas de Vidraça e a Companhia Industrial
de Vidros, Lda., pelo qual esta adere ao cartel que era a Agência das Fábricas de Vidraça, datado de 22 de
Setembro de 1933. ASB, avulsos.
Escritura de constituição da sociedade Leal, Duarte & Cª, exarada a fls. 30 do livro para escrituras diversas, nº 99, do
notário da Figueira da Foz, Augusto de Oliveira, em 1 de Setembro de 1903. Arquivo da Universidade de
Coimbra.
Escritura de constituição da sociedade em nome colectivo Santos, Pedrosa & Cª. em 17 de Junho de 1911 no notário de
Leiria José Pedro Dias Junior.
Escritura de constituição da sociedade por quotas Oliveira & Comes Marques & Cª. Limitada em 14 de Maio de 1917 no
notário de Leiria José Pedro Dias Junior.
Escritura de alteração do pacto social e admissão de novos sócios da sociedade Neves Leal, Lda. (que também substituiu
esta firma por Empresa Vidreira do Oeste, Lda.), lavrada no notário da Figueira da Foz, Adelino Ferreira de
Mesquita, em 19 de Dezembro de 1927, posteriormente publicada no jornal O Imparcial, de Pombal.
Ofício nº 179, de 27 de Janeiro de 1932, do Governador Civil de Leiria, dirigido aos administradores dos concelhos de
Pombal e Marinha Grande. Fundo do Governo Civil de Leiria, Arquivo Distrital de Leiria, ANTT.
Requerimento de José dos Santos Barosa Jr., de 20 de Junho de 1931, dirigido ao Ministro do Comércio e Comunicações, solicitando autorização para instalar nos arredores de Lisboa uma fábrica automática de vidraça.
Relatório Industrial, dirigido por José dos Santos Barosa Jr. à Associação Industrial Portuguesa, sobre a nova fábrica
automática de vidraça a instalar nos arredores de Lisboa, em 27 de Julho de 1931. ASB, avulsos.
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Publicações Periódicas:
Diário do Governo, de 16 de Janeiro de 1916, 19 de Maio e 22 de Julho de 1933 e de 25 de Janeiro de 1934.
Leiria Ilustrada, de 30 de Setembro de 1911 e de 4 de Fevereiro de 1912.
Outras Publicações:
Azambuja, João Rosa: Cidade da Marinha Grande, Subsídios para a sua História, fixação e organização do texto, introdução e notas de Emília Margarida Marques, colecção Pinhal do Rei - Documentos Concelhios, Câmara Municipal da Marinha Grande, Marinha Grande, 1998.
Barosa, Joaquim: Memórias da Marinha Grande, 3ª ed. ampliada, introdução, notas, fixação e revisão do texto por José
M. Amado Mendes, Câmara Municipal da Marinha Grande, Marinha Grande, 1993.
Barosa, José Pedro: Os Burnay no Vidro ou Um Monopólio que Não Chegou a Existir, in Análise Social, vol. XXXI
(136-137), 1996, pp. 487-525, ICS - Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Lisboa, 1996
(1).
Barosa, José Pedro: As Fábricas de Garrafas da Amora: 1888 - 1926, Iª Parte, Uma Empresa e Uma Fábrica: 1888 1904, Museu Santos Barosa da Fabricação do Vidro, Estudos e Documentos Nº 2, Novembro de 1996, Marinha Grande, 1996. (2)
Confraria, João: Contribuições para o Estudo da Estrutura dos Mercados Industriais em Portugal. Uma Análise Económica do Condicionamento das Indústrias. Dissertação para Doutoramento apresentada à Universidade
Católica Portuguesa, Lisboa, 1990. Policopiado.
Cruz, Justino: Legislação Industrial, Livraria Cruz - Editora, 2ª Edição, Braga, 1945.
Duarte, Acácio de Calazans: A Crise Vidreira. Resposta ao sr. A. Arala Pinto, Ed. do Autor, Tipografia Popular, Figueira da Foz, 1932.
Filipe, Alda Mourão: A Real Fábrica de Vidros da Marinha Grande, Uma Fase da Sua História: 1896-1907. Museu
Santos Barosa da Fabricação do Vidro, Estudos e Documentos Nº 14, Marinha Grande, 1999.
Luís, Agustina Bessa: Uma Vida, Uma Obra. Banco Português do Atlântico, 1919 / 1969, ed. Banco Português do Atlântico, Porto, 1969.
Mendes, José M. Amado e Rodrigues, Manuel Ferreira: A Ricardo Gallo, Um Século de Tradição e Inovação no Vidro,
1899 - 1999, Ed. Ricardo Gallo - Vidro de Embalagem, S.A., Lisboa, 1999. (No prelo).
Mónica, Maria Filomena (Prefácio e Notas): Os Vidreiros da Marinha Grande, Actas Sindicais (1919-1945), Estudos e
Documentos ICS, nº 5, Série "Arquivo Histórico das Classes Trabalhadoras", ICS - Instituto de Ciências
Sociais da Universidade de Lisboa, Lisboa, s.d..
Pinto, António Arala: A Crise Vidreira, Ed. do Autor, Tipografia Alcobacense, Alcobaça, 1931.
Sousa, Albano: Aspectos da Vida Industrial Portuguesa, colectânea de artigos publicados no Diário de Notícias, Associação Industrial Portuguesa, Lisboa, 1930.
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