edição final - IMAG-DF - Instituto dos Magistrados do Distrito Federal

Transcrição

edição final - IMAG-DF - Instituto dos Magistrados do Distrito Federal
2 O Magistrado
O Preço da Justiça,
ou, quanto vale a honra de um homem público?
Montmorency, que o protegia, sobrepujaram as de Garasse. Se na França tivesse sido aprovada a
sábia lei que determina estar o acusador sujeito à mesma pena do
acusado, submetendose à mesma prisão, Garasse e seu confrade
teriam sido mais comedidos”.
“Na França, muitas
vezes foi preciso que o parlamento contivesse a Sorbonne por meio de decisões
judiciais. O douto Ramus,
que era bom geômetra para
o seu tempo e já tinha reputação na época de Francisco
Desembargador Valter Xavier
I, nem desconfiava então
que estava preparando morte pavorosa para si ao defender uma tese contra a lógica de Aristóteles. Foi perseguido por muito tempo, citado até diante de tribunais
seculares por certo Gallandius Torticolis; foi ameaçado de condenação às galés. E o que se discutia? O principal objeto da disputa era a
maneira como se devia pronunciar ‘quisquis’ e ‘quamquam’. (...) Os
zelosos discípulos do Estagirita grego sentiram-se tão encorajados
entre os descendentes dos gauleses que, muito tempo depois de
passadas a embriaguez e a fúria da Noite de São Bartolomeu4,
obtiveram, em 1624, uma sentença que proibia, sob pena
de morte, ter opinião contrária à de Aristóteles.”5
Valendo-nos de tais precedentes coligidos por
Voltaire, permitimo-nos, nesta edição, destacar os eventos que
marcaram o mês de agosto – que, principalmente neste país, se
considera aziago. E, sem enfrentar o mérito das acusações ou das provas eventualmente oferecidas e apresentadas nem avalizar o conteúdo das contestações
relativas a duas destacadas figuras públicas desta Capital (um
membro do Parlamento e outro do Judiciário), ousamos abrir espaço para o contraditório, para a mais ampla defesa, haja vista
que as imputações seriam de domínio público. Assim, facultamos
aos interessados em julgá-los – absolvendo-os ou os condenando com a velocidade que reputarem conveniente –, e aos leitores
em geral, que conheçam, pelo menos, o que teriam referidas
personalidades a dizer.
Footnotes ____________________________________
1
Os grifos não são, necessariamente, do original.
2
op. cit., pg. 89.
3
" Essa enorme e negra máquina/ cujo corpo flexível e negro/
estende os braços até a China”,
cf. op. cit., pg. 55.
4
Quando Ramud teria sido “legalmente” executado!
5
op. cit., pg. 53.
O Magistrado
3
Carlos Tiburcio/O Magistrado
Não! Não se preocupem os vendilhões do templo nem
aqueles que os combatem! Nada pessoal. O título que encima
esta mensagem se refere à obra de Voltaire (1694-1778), conforme editada pela Livraria Martins Fontes Editora Ltda., de São
Paulo, em setembro de 2001. E qualquer semelhança com os
excertos adiante e o que acontece nos dias de hoje não será
mera coincidência. Ou será? Mas, que tal lembrar os apontamentos de Voltaire? Então, vamos à obra1:
“... cabe relatar ainda a incrível porém pública aventura
de La Pivardière. A sra. de Chauvelin, casada em segundas núpcias com ele, foi acusada de mandar matá-lo em seu castelo.
Duas criadas foram testemunhas do crime. A própria filha ouviu
os gritos e as últimas palavras do pai: ‘Meu Deus, tende piedade
de mim!’ Uma das criadas, doente, correndo perigo de vida, invoca Deus, recebendo os sacramentos de sua Igreja, para afirmar
que sua patroa viu quando mataram o patrão. Várias outras
testemunhas viram as roupas manchadas de sangue; muitas ouviram o tiro com que se deu início ao assassinato. Sua morte é
dada como certa. No entanto, nenhum tiro fora dado, não havia
sangue derramado, e ninguém fora assassinado. O resto é ainda
mais extraordinário. La Pivardière volta para casa; apresenta-se
aos juízes da província, que intentavam reparar sua morte. Os
juízes não desejam baldar os procedimentos; afirmamlhe que ele está morto, que é um impostor por dizer que ainda
está vivo, que deve ser punido por mentir daquele modo para a
justiça, que os autos são mais fidedignos que ele. Esse
processo criminal dura dezoito meses antes que o pobre homem
consiga obter a sentença certificando que está vivo.”2
“Não foram poucas as vezes que as inimizades pessoais
recorreram ao braço da justiça, tentando espessar sua venda.
Sabe-se que os jesuítas Cotton e Garasse quiseram atacar no
conselho do rei o sábio e sapiente Pasquier, que os acusara diante do parlamento; mas finalmente, não encontrando meios de
intentar empresa tão ousada, Garasse limitou-se a fazer sua
prédica em público, e (..) o trecho mais eloqüente de seu libelo:
‘Pasquier é um leva-e-traz, enxurro de Paris, almofadinha fanfarrão, farsola, gentinha, vendedor de patacoadas, simples empregadinho, que não merece ser o escudeirete dos lacaios; mendigo,
bandido, que arrota, peida e desengole; forte suspeito de heresia, ou mesmo herege, ou até pior; sátiro imundo e nojento, um
senhor arquibesta por natureza, por bequadro, por bemol, besta
na mais alta escala, besta com três tacões, besta com duas tintas, e tinta carmesim, besta de todos os tipos de bestice.’ Embora não tenha conseguido prevalecer contra um homem tão respeitável quanto Pasquier, conseguiu a perdição do infeliz Teophile, que, não sei em que poesia, enfiara estes três versos um
tanto mordazes sobre os jesuítas: ‘Cette énorme et noire machine/ Dont le souple et le vaste corps/ Étend ses bras jusqu’a à la
Chine etc.’3 Uma injúria tão leve, se é assim que se pode chamar,
não merece a acusação de ateísmo intentada por Garasse. Esse
jesuíta e um de seus confrades, chamados Voisin, aproveitando-se das credenciais da companhia, foram ao mesmo
tempo acusadores e beleguins, mandando encerrar Teophile na masmorra de Ravaillac. Pediram veementemente o seu suplício durante um ano inteiro; mas as credenciais da casa de
Capa (foto Ana Nascimento/ABr - Montagem: André Messias) - O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem um agosto bastante
movimentado. A história recente do Brasil e do mundo
mostra que este é o mês mais tumultuado e marcado por
tragédias, como as bombas atômicas no Japão, o suicídio
de Getúlio Vargas, a morte de JK, entre outras. Será que o
governo conseguirá aprovar as reformas, nesse clima?
Lula faz balanço
do governo
O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva faz um balanço dos primeiros
sete meses de governo. Fala, primeiramente, sobre a aprovação em primeiro turno na Câmara da reforma
da Previdência, afirmando que já foi
dado “um grande passo rumo a garantir o futuro das aposentadorias e
pensões de todos os brasileiros,
além de eliminar altos salários no
serviço público “incompatíveis com
a realidade brasileira”.
12
Em Tempo
Novo desembargador no TJDFT
O juiz de Direito Waldir Leôncio Júnior tomou posse como desembargador do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT),
no último dia 22 de agosto. Leôncio, que já atuava como desembargador convocado desde 1994,
4 O Magistrado
ocupou a vaga deixada pelo desembargador Pedro Aurelio. Ele foi eleito pelo Pleno Administrativo
do TJDFT como o mais indicado para ascender à
condição de desembargador. A promoção foi baseada no critério de merecimento.
Exclusivo
Pedro Aurélio
deixa o TJDF
Depois de 38 anos de
serviço público, dos quais 28
dedicados à magistratura, o
desembargador Pedro Aurélio Rosa de Farias, 57 anos,
despediu-se do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal,
no último dia 11 de agosto,
com o sentimento de missão
cumprida.
48
José Edmar,
enfim, se defende
Depois de passar 29 dias preso na carceragem da Superintendência da Polícia Federal,
em Brasília, sob a acusação de
envolvimento com grilagem de
terras públicas, o deputado distrital José Edmar (PMDB), enfim, começou a se defender.
26
O Cabimento da oposição pela administração, como
proprietária, com base no domínio, em ação possessória
disputada por terceiros sobre bens públicos
Jansen Fialho de Almeida
Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, titular da Vara Cível de
Planaltina - DF e vice-presidente do Instituto dos Magistrados do Distrito Federal – IMAG-DF.
Pág. 40
O Magistrado
5
O noticiário de cada dia documenta a multiplicação dos resultados desse círculo perverso vicioso que aumenta progressivamente a corrosão
do prestígio do Judiciário brasileiro
Não se construirá uma democracia de verdade
sem instituições judiciárias fortes
Rose Brasil/ABr
Divulgação/STF
A credibilidade não resiste à exacerbação da
justa insatisfação popular com a ineficiência, o
custo e a lentidão do funcionamento do serviço
da Justiça
Temos de lembrar do
Collor, que em 1989
foi eleito dizendo que
combateria os marajás. Nós fizemos isso.
Agora, o maior salário
será o do ministro do
STF [Supremo Tribunal Federal], que é de
R$ 17 mil
LUIZ INÁCIO LULA DA
SILVA, PRESIDENTE DA
REPÚBLICA
SEPÚLVEDA PERTENCE
PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL E
MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
O Brasil precisa crescer, o resto é conversa fiada
Photoagência/Isaac Amorim
6 O Magistrado
Jogar uma galinha na prefeita foi uma ofensa.
É como se um homem estivesse falando e
jogassem um veado
MÁRCIO THOMAZ BASTOS, MINISTRO DA JUSTIÇA, AO
COMENTAR SOBRE A GALINHA PRETA QUE UM ESTUDANTE ATIROU NA PREFEITA MARTA SUPLICY DURANTE
A COMEMORAÇÃO DO
11 DE AGOSTO EM SÃO PAULO
Marcelo Jr./ABr
JOSÉ DIRCEU, MINISTRO-CHEFE DA CASA CIVIL, SOBRE
AS DISPUTAS EM TORNO DA REFORMA TRIBUTÁRIA
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O Magistrado
7
Wilson Dias/ABr
O presidente Lula iniciou o mês com ameaças de greves e depredação do Congresso Nacional
Agosto negro é
desafio para Lula
Agosto sempre foi o mês que marcou as maiores tragédias no Brasil e no
mundo. E, neste ano, o Governo tem dias preocupantes pela frente
Agosto sempre
foi um mês que
marcou a história do Brasil e do
m u n d o. Ta m bém, não seria
por menos. Foi em agosto
de 1942 que o Brasil declarou guerra à Alemanha e à
Itália; que os EUA detonaram bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki; que Getúlio Vargas cometeu suicídio;
que Jânio Quadros renunciou
8 O Magistrado
à presidência da República;
que João Goulart, o Jango,
então vice-presidente de Jânio, sofreu pressões para
não ser empossado; q u e
morreu Juscelino Kubistschek
de Oliveira, entre outras tragédias.
Os fatos históricos que
marcaram o mês de agosto
no Brasil começaram em
1942. O país vivia sob o regime ditatorial, quando o então presidente Getúlio Var-
gas, a pedido do presidente
norte-americano Roosevelt,
declarou guerra à Alemanha
e à Itália.
Ainda nos anos 40, o
mundo conheceria a mais
mortífera e letal arma do século: a bomba atômica. Isso
acontece em 1945, quando
os EUA optam por atacar cidades japonesas com o novo
tipo de arma. A primeira, lançada sobre Hiroshima, em 6
de agosto de 1945, mata 100
mil pessoas. Três dias
cional.
depois, uma segunda
No princípio de
bomba caiu sobre Naagosto, o presidente
gasaki, matando mais
anunciou a criação da
de 70 mil. Era o fim
Comissão Nacional de
da 2ª Guerra Mundial.
Planejamento e a preNove anos deparação do Primeiro
pois, em agosto de
Plano Qüinqüenal,
1954, uma tentativa
que viria substituir o
de assassinato contra
Plano de Metas estao jornalista Carlos Labelecido na adminiscerda, no Rio de Jatração de Juscelino
neiro, é atribuída à
Kubitschek.
guarda pessoal do enA política extertão presidente Getúlio
na “independente” imVargas – de volta ao
plementada pelo gopoder graças ao voto
verno indicava a tenpopular. Sob forte
tativa de aproximação
pressão das Forças Arcomercial e cultural
madas, depois de uma
com os diversos blolonga reunião no Palácos do mundo póscio da Guanabara, no
guerra, o que provoRio de Janeiro, Getúlio
cou a desconfiança
aceita afastar-se do
de setores e grupos
cargo e retira-se para
internos que defendiseus aposentos. Hoam o alinhamento auras depois, ouve-se
tomático com os Esum tiro: Getúlio cometados Unidos. Repertera suicídio com um
cutiu negativamente,
tiro contra o peito.
também, a condecoEm 1961, Jânio
ração do ministro da
Getúlio Vargas suicidou-se em agosto de 1954
Quadros foi eleito preEconomia cubano Erplano foi aprovado pelo Funsidente da República, com
nesto Che Guevara com a
do Monetário Internacional
uma esmagadora vitória soordem do Cruzeiro do Sul.
(FMI), credenciando o gobre o marechal Teixeira Lott.
No âmbito interno, o
verno à renegociação da díJânio assumiu a presidência
governo experimentava, ainvida externa brasileira.
de um país com cerca de 72
da, a ausência de uma base
Internamente, essa
milhões de habitantes. Iniciou
política de apoio: no Congrespolítica teve um alto custo,
seu governo lançando um
so Nacional dominavam o
implicando, por exemplo, a
programa antiinflacionário,
PTB e o PSB, ao mesmo
elevação dos preços do pão
que previa a reforma do sistempo em que Jânio Quadros
e dos transportes. Em martema cambial, com a desvaafastara-se da UDN, enfrenço, Jânio encaminhou o prolorização do cruzeiro em
tando a oposição cerrada do
jeto da lei antitruste e de
100% e a redução dos subgovernador do estado da
criação da Comissão Admisídios às importações de proGuanabara, Carlos Lacerda.
nistrativa de Defesa Econôdutos como trigo e gasolina.
Esses são alguns dos princimica, vinculada ao MinistéPretendia incentivar as exporpais fatores que teriam lerio da Justiça, o que foi retações do país, equilibrando
vado à renúncia do presidenjeitado pelo Congresso Naa balança de pagamentos. O
te em 25 de agosto de 1961,
O Magistrado
9
consumada através
acidente automobilístide documento apreco. Com o lema de gosentado ao Congresso
verno “Cinqüenta anos
Nacional.
em cinco”, ele fundou
Com o vice-preBrasília em 21 de abril
sidente João Goulart
de 1960.
em viagem à China,
Mas, afinal de
esse gesto abriu uma
contas, o que tem a
grave crise política, vez
história com o goverque a posse de Gouno Lula? Aparentemenlart era vetada por três
te nada. Porém, o goministros militares. A
verno petista entrou o
solução encontrada
mês sob forte pressão
pelo Congresso, e
de magistrados e proaprovada em 3 de se- João Goulart tomou posse, mas foi impedido de governar curadores de justiça
tembro de 1961, foi a
que, em virtude da Reinstauração do regime parforma da Previdência,
lamentarista, que seria
ameaçaram fazer greve.
submetido a um plebiscito
A Reforma Tributária –
e garantiria o mandato de
cujo relatório foi apresenJoão Goulart até 31 de jatado em julho – também
neiro de 1966. Jango perdeve ser votada sob presmaneceu no cargo até
são. Há ainda outros ele1964, quando foi derrubamentos, como o “espetádo por um golpe militar.
culo” do crescimento ecoOutra tragédia aconnômico, que nos fazem reteceu em 22 de agosto de
lembrar os tempos de JK.
JK
morreu
em
um
acidente
de
carro
em
1976
1976. Foi quando morreu
E agora, o que vai acontecer com o Governo Lula? Só
o ex-presidente Juscelino Kuo tempo pode dizer...
bistschek de Oliveira, em um
Jânio Quadros renunciou em agosto
10 O Magistrado
As bombas atômicas foram despejadas no Japão em agosto de 1945
O Magistrado
11
Lula faz balanço
de seu governo
Em pronunciamento à nação, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez um
balanço dos seus primeiros sete meses
Em pronunciamento feito no dia 14
peitadas. Fui eleito para realizar as mudanças em
de agosto, às 20h, em cadeia nacipaz e não permitirei o confronto nem a ilegalidade”,
onal, o presidente Luiz Inácio Lula
afirmou. O presidente mandou um recado para ruda Silva fez um balanço dos primeiralistas e sem terra, ainda, sobre a reforma agrária
ros sete meses de governo. Falou
que o governo tem seu tempo e seu prazo e que a
sobre a aprovação em primeiro tur“radicalização não traz benefício a ninguém.”
no na Câmara da reforma da PreviCrescimento - Para que o país possa redência, afirmando que já foi dado “um grande
tomar o crescimento e gerar empregos, o presipasso rumo a garantir o futuro das aposentadoridente enfatizou a importância da vitória sobre a
as e pensões de todos os
inflação e a recuperação
brasileiros, além de elimida imagem do Brasil no
nar altos salários no serviexterior. Destacou, tamO Brasil é um país que não foge
ço público “incompatíveis
bém, a continuidade de
dos seus problemas e a
com a realidade brasileira”.
queda dos juros e disse
aprovação, em primeiro turno,
“O Brasil é um país
que “não existe mágica”.
da
reforma
foi
um
exemplo
que não foge dos seus
“O passado já nos
problemas e a aprovação
mostrou que não funcioem primeiro turno da rena agir com sobressaltos
forma foi um exemplo. Algo que só foi possível
porque o resultado ruim quem sente sempre são
graças ao empenho e vontade política de prefeios mais pobres e a classe média”, destacou.
tos, governadores, deputados, senadores, além
Sobre o agronegócio, o presidente destada decisiva participação das centrais sindicais, mas,
cou que já foram investidos R$ 27 bilhões no
principalmente do apoio maciço do povo brasileisetor e R$ 5 bilhões para a agricultura familiar.
ro”, ressaltou.
“Nunca destinamos tanto dinheiro para o pequeO presidente destacou o processo de aprono produtor, que produz a grande maioria dos
vação da reforma como sendo a “clara demonsprodutos brasileiros , além da gerar a maior parte
tração do estilo do governo” que, segundo o predos empregos no campo”, ressaltou.
sidente, é “determinado e não tem medo de ouFuturo - O presidente concluiu, destacanvir”. “Antes de decisões importantes este goverdo a abertura de contas na Caixa Econômica Feno conversa com todos políticos, sejam de direita
deral para milhares de brasileiros, a retomada das
ou de esquerda, empresários, sindicalistas e, prinobras de infra-estrutura. “Ainda temos muita coicipalmente, a população.
sa a fazer. Mas, sempre, seguindo um tranqüilo
Reforma agrária - Sobre o processo de
processo democrático porque foi para respeitar a
reforma agrária, o presidente Lula lembrou que
democracia que fui eleito”, finalizou.
as desigualdades sociais são enormes e antigas,
Este foi o segundo pronunciamento do premas que, assim mesmo, a reforma está camisidente Lula em cadeia de rádio e TV desde que
nhando. Contudo, ratificou o que vem sendo dito
assumiu a Presidência da República. A gravação
pelo governo em outras oportunidades: o cumdo pronunciamento foi coordenada pelo publicitáprimento irrestrito à lei.
rio Duda Mendonça, responsável pela elaboração
“Existem regras e leis que precisam ser resde toda a campanha eleitoral de Lula.
12 O Magistrado
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O Magistrado
13
14 O Magistrado
José Cruz/ABr
“Não briguei
briguei para
para
“Não
ser eleito
eleito e
e não
não
ser
mudar as
as coisas”
coisas”
mudar
No discurso que o
presidente Luiz
Inácio Lula da Silva fez, no último
dia 14 de agosto,
no Palácio do Planalto, ele gabouse por saber de cor o nome
de todos os ministros. Citou um
a um, durante a cerimônia de
apresentação do relatório de
consulta pública do Plano Plurianual de Investimentos para
2004/2007, em Brasília. Por
impedimento visual, esqueceuse de dois, um a sua esquerda, o outro a sua direita. Lula
aproveitou a deixa para lembrar por que tornou-se presidente do Brasil. Disse, em tom
de brincadeira: “não me dirijo
à esquerda, nem à direita. O
meu negócio é o centro”.
Acelerar as reformas tem
custado ao presidente, não raro,
12 horas de trabalho por dia.
Rotina cansativa, mas longe de
ser uma novidade para quem
trabalha desde cedo. Aos sete
anos de idade, Lula começou
vendendo amendoim e tapioca
em Santos. Não parou nunca
mais. “Eu não cheguei à Presidência da República por acaso.
Não fui uma figura inventada.
Eu briguei para ser presidente,
perdi três eleições e não desisti”, garante.
O governo iniciou com
uma tarefa árdua, a aprovação das reformas da Previdência e tributária. Por que
começar com o mais difícil?
Presidente Luiz Inácio
Lula da Silva - É muito importante que o povo brasileiro saiba que, durante a campanha,
nós prometemos que, no primeiro semestre de 2003, iríamos discutir com a sociedade a
proposta de reforma da Previdência e tributária e que, no segundo semestre, iríamos enviála ao Congresso Nacional. Em
função da necessidade de fazer as duas reformas com uma
certa urgência, por conta da falência do sistema previdenciário
do país, especialmente no setor
público, da fragilidade dos Estados na arrecadação e da política tributária que asfixia o setor
empresarial, responsável pelo in-
vestimento na produção, nós
resolvemos antecipar.
Fizemos uma proposta de
reforma discutindo com os 27
governadores. Foi uma inovação na política nacional: pela primeira vez os governadores participaram da elaboração da proposta. O segundo passo foi levar a discussão da proposta ao
Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social, que é uma
representação da sociedade brasileira, com sindicalistas, empresários, banqueiros, sem-terra, intelectuais, organizações não governamentais, Igreja Católica,
igrejas evangélicas. Quando estava pronto o projeto, com a
concordância dos governadores,
do conselho e do governo, nós,
junto com os governadores, o
enviamos ao Congresso, no dia
30 de abril, dois meses antes
do que eu tinha prometido na
campanha.
E, para minha grata surpresa e alegria do povo brasileiro, conseguimos fazer em sete
meses uma reforma que, em
alguns países do mundo, demorou cinco, oito e até dez anos.
O Magistrado
15
Foi um benefício enorme para o
povo brasileiro. Obviamente que
algumas pessoas sempre são
contra - é normal. Mas, a verdade é que é a primeira vez na
história do Brasil que, sem fazer discurso, nós acabamos
com os marajás da vida política
brasileira. Todo mundo lembra
que, em 89, o Collor falou que
ia acabar com os marajás, mas
em 2003 ainda tinha gente ganhando R$ 53 mil,
R$ 45 mil, R$ 30 mil por
mês. A partir de agora,
o maior salário será igual
ao do ministro do STF
(Supremo Tribunal Federal), R$ 17 mil.
Presidente, o senhor sofreu muita resistência para fazer
essa reforma. O senhor acredita que a
população já está se
dando conta dos benefícios dessa reforma
ou é algo que será sentido a médio e longo
prazo?
A resistência não
foi da população, porque
todas as pesquisas mostraram
que 70% dos brasileiros são favoráveis à reforma da Previdência. Mesmo no setor do funcionalismo público, nós tínhamos
uma maioria favorável, sobretudo a grande maioria que ganha os salários mais baixos. Por
quê? Porque na reforma nós tratamos de proteger as pessoas
que ganham menos. Quem ganha até R$ 1,2 mil por mês, se
já estiver aposentado, não vai
contribuir com os 11%. Quem
ganha mais vai contribuir somente sobre o que excede R$ 1,2
mil. Unificamos o teto, com o
regime geral. Todo mundo vai
receber R$ 2,4 mil por mês 16 O Magistrado
esse é o teto. Resolvemos o
problema da pensão. A reforma significa a certeza de que
nossos filhos e netos terão direitos verdadeiramente adquiridos.
Então, a reforma da
Previdência foi um sucesso?
A reforma da Previdência
aprovada até agora foi um sucesso extraordinário. Alguns es-
Alguns especialistas acham
que o que foi aprovado é até
melhor do que o que nós
mandamos para o Congresso
pecialistas acham que o que foi
aprovado é até melhor do que
o que nós mandamos para o
Congresso Nacional. E, passada essa situação, mais alguns
dias, vamos ver a reforma tributária ser votada. Quero ver
se votamos até dezembro, o
mais tardar. Precisamos começar o ano de 2004 pensando
em outras coisas.
Quais serão os próximos passos do governo?
Vamos ver primeiro o que
já foi feito. Quando nós tomamos posse, todo brasileiro sabia que a economia estava
numa situação difícil e que era
preciso recuperar a credibilidade
externa. Vamos só lembrar uma
coisa: em dezembro do ano
passado, a perspectiva de inflação para os próximos 12 meses era de 40%. Hoje a perspectiva é de 7%. Em dezembro do ano passado, o Brasil não
tinha um dólar para financiamento das nossas exportações.
Hoje, temos financiamento outra vez. Nós começamos a reduzir a taxa de juros e
depois que reconquistamos a credibilidade do
Brasil tanto interna como
externamente, resolvemos atacar alguns setores que entendíamos necessários.
Fizemos a mais
importante política agrícola para este país. Liberamos, pela primeira
vez, R$ 5,4 bilhões para
a agricultura familiar. Liberamos dinheiro antes
da época do plantio e,
mais importante, agora
não só o dono da terra,
o homem, vai ter o financiamento. A sua mulher pode ter, o filho pode
ter. Então, em uma mesma propriedade, a família pode fazer
três projetos e pegar dinheiro,
com uma vantagem: o Banco
do Brasil efetivamente se desburocratizou, as pessoas agora
vão ao banco e vão pegar o
seu dinheiro. E na agricultura
empresarial, que está indo muito bem no Brasil, vamos fazer
tudo o que for possível para aumentar a nossa produção, as
nossas exportações e para que
aumentemos superávit comercial. Depois, discutimos outras
coisas importantes para o Brasil: a questão do microcrédito.
O problema é com o povo pobre deste país, que quer com-
prar um eletrodoméstico qualquer. Se for a uma financeira,
vai pagar mais de 300% de juros ao ano. Se for a um banco, vai pagar 116% ao ano.
Nós então criamos, na Caixa
Econômica Federal e no Banco
do Brasil, políticas de microcrédito, para que a pessoa possa
pegar dinheiro a 2% ao mês. É
um ganho extraordinário para
essas pessoas que jamais conseguiram ter
acesso ao crédito. E nós
vamos criar mais. A única coisa que eu peço é
compreensão. Não dá
para fazer tudo de uma
vez.
O brasileiro se
orgulha por ver uma figura como o senhor,
uma pessoa vinda das
camadas mais populares, sobretudo do Nordeste, chegando à Presidência. O que mudou
na sua vida depois do
dia 1º de janeiro?
Aumentou a minha
responsabilidade. Eu tenho trabalhado mais do
que quando trabalhava na Villares e fazia duas horas extras
todo dia para ajudar nas despesas de casa.
Como é o dia do presidente da República? O senhor mudou para Brasília,
sua família veio? Já se acostumou com a cidade? O senhor tem tempo de fazer
exercícios, natação? Como
está seu dia-a-dia?
Primeiro, eu não vejo Brasília. O que eu vejo é o caminho
do Alvorada para o Palácio do
Planalto. Demora 8 minutos de
carro. Eu levanto todo santo dia,
de domingo a domingo, às 6
horas da manhã. Ando todo dia
uma hora, eu e a minha mulher
(Marisa Letícia). Quando Palocci
(o ministro da Fazenda, Antonio
Palocci) pode, ele vem aqui para
andar um pouco comigo. Depois, faço mais um pouco de
exercício. Quando são 9 horas,
o Gilberto Carvalho (chefe do gabinete pessoal da Presidência e
amigo pessoal de Lula) já agendou alguma tarefa para mim.
É possível garantir que as
pessoas tenham a
possibilidade de ter uma
casinha para morar
Chego ao Palácio do Planalto às
9 horas da manhã. Tem dia que
tenho audiência até as 9 horas
da noite, aí eu volto para casa
já um bagaço para dormir, acordar no dia seguinte e levantar.
Não consigo ver Brasília, só esse
trajeto. Mas eu estou fazendo
isso como uma profissão de fé.
Nós já vimos um expresidente afirmar que é fácil governar o Brasil. Governar o Brasil é fácil?
Não é difícil não. Tem muitos problemas, mas, se tudo
estivesse resolvido, eu não teria ganho. Ganhei exatamente
porque tem muito problema. As
pessoas acreditaram ao meu
partido. Eu não cheguei à Presidência da República por acaso.
Não fui uma figura inventada,
“ah, vamos escolher fulano para
ser presidente”. Não, eu briguei
para ser presidente da República, perdi três eleições e não
desisti. Eu queria provar que é
possível melhorar a vida desse
povo, é possível garantir que as
pessoas tomem café da manhã, almocem e jantem
todo o dia. É possível garantir que as pessoas
tenham a possibilidade
de ter uma casinha para
morar.
É possível fazer
uma reforma agrária
tranqüila e pacífica neste
País. Ninguém vai fazer
ela na marra. Quem vai
fazer é o governo. E vai
fazer de acordo com as
suas possibilidades. A reforma agrária é muito importante para nós, mas
ela não pode ser feita
como era até então, jogando os trabalhadores
pobres no meio do mato
e deixando por conta de
Deus. É preciso dar terra, infraestrutura, ter estrada para escoar a produção, ter financiamento, formar agroindústria,
agrovila. Não um morador a dez
quilômetros do outro. Constrói
uma agrovila, ali você coloca
uma escola, um posto médico,
faz uma praça para as crianças
brincarem. Você transforma
essa reforma agrária numa coisa civilizada, humana.
Temos que pensar em
um outro jeito de fazer as coisas neste País. E vamos fazer,
porque eu acredito nisso, o governo é todo de gente comprometida com isso. Sabemos que
temos que fazer.
O Magistrado
17
“O Governo não
aprovaria a reforma”
ACM Neto diz que o apoio não será “moeda de troca” com o governo, mas que
espera do presidente Luiz Inácio Lula da Silva “atenção” ao Estado da Bahia
Neto do senador
Antonio Carlos
Magalhães (PFLBA) e terceiro deputado federal
mais jovem do
país, Antonio Carlos Peixoto
Magalhães Neto (PFL-BA), 24,
é categórico ao dizer que,
sem o seu partido, o governo
não aprovaria a reforma da
Previdência.
No mês passado, 33 dos
69 integrantes da bancada votaram com o governo. Na polêmica questão dos inativos, 31.
Depois, após acordo, 64 deram aval à emenda que alterou novamente o texto. “Se o
governo não tivesse nos dois
dias [de votação da reforma]
a garantia dos nossos votos,
não colocaria sequer a proposta em votação. Sabia que,
sem o apoio do PFL, não aprovaria a reforma, principalmente a cobrança dos inativos”,
afirma o filho do ex-senador
Antonio Carlos Magalhães Júnior e sobrinho do ex-presidente
da Câmara Luís Eduardo Magalhães (morto em 1998).
Formado em Direito pela
UFBA (Universidade Federal da
Bahia), solteiro, torcedor do
Bahia e apreciador de “toda a
culinária baiana”, ACM Neto foi
o deputado federal mais votado da história do PFL e do Nordeste, com 400.275 votos
18 O Magistrado
ACM Neto diz que o apoio não será “moeda de troca”
(6,72% dos votos válidos). ACM
Neto diz que o apoio não será
“moeda de troca” com o governo, mas que espera do presidente Luiz Inácio Lula da Silva
“atenção ao Estado da Bahia,
onde teve mais de 80% dos
votos válidos”. Criticou a atuação do líder do PFL na Câmara, José Carlos Aleluia (BA), por
encaminhar voto contra o governo “sem ouvir a bancada”,
e disse que irá se realizar “como
político se governar a Bahia”.
O Magistrado - Durante a votação dos destaques da reforma da Previdência o sr. disse que o
PFL daria entre 26 e 28
votos e o PFL acabou dando um pouco mais...
Antonio Carlos Magalhães Neto - No primeiro dia,
disse que o PFL daria de 28 a
30, sendo 19 da Bahia. Deu 33
votos e 19 da Bahia. No destaque dos inativos, disse que o
PFL daria de 28 a 30 e 18 seriam baianos. O PFL deu 31 votos e 18 foram baianos. É uma
capacidade enorme de adivinhação? Não, mantivemos contato
permanente com os deputados,
conversamos durante toda a semana, a reforma interessa ao
Estado da Bahia e ao governador Paulo Souto (PFL).
Esse número foi exatamente o que o governo
precisava em alguns pontos, como a taxação dos
inativos. O sr. diria que foi
fundamental ao governo?
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GDF
O Magistrado
19
Diria mais. Se o governo não tivesse, nos dois dias,
a garantia dos nossos votos,
não colocaria sequer a proposta em votação. Sabia que sem
o apoio do PFL não aprovaria
a reforma, principalmente a
cobrança dos inativos. A matemática era muito clara, as
contas do governo estavam
muito precisas.
Na política isso é difícil de acontecer. Em
algum momento a fatura será cobrada...
Em
Qualquer relacionaem
mento político tem de ser
marcado pela decência. Não
houve nenhum pedido ao
governo de nossa parte.
Mas você me pergunta “deputado, enquanto cidadão, o que
o sr. espera?” Que o presidente
da República tenha atenção ao
meu Estado. Ele teve mais de
80% dos votos válidos na Bahia.
Mesmo com essa garantia de votos, o PFL se
dividiu. O próprio líder do
partido na Câmara, José
Carlos Aleluia (BA), votou
contra o governo. Como
fica essa divisão dentro
do partido?
O líder cometeu um
erro, precisava ter ouvido a
bancada e não ouviu. Seguiu
à risca a determinação da
Executiva Nacional, que recomendou encaminhamento
contrário à reforma, o que não
quer dizer que sua posição,
sua autoridade, esteja comprometida. A reforma da Previdência não é alvo de consenso no partido.
O PFL do sr. e do senador ACM é governo ou
oposição?
Oposição. Em momento algum pensamos em ade20 O Magistrado
de vida. Vim com humildade,
procurando aprender, escutando os mais experientes, estudando o regimento. Hoje acho
que estou em um ritmo bom
para quem começou agora.
Claro que não quero imprimir
uma velocidade a mais, não
gosto jamais de dar passo em
falso. Se pudesse fazer uma
avaliação geral, diria que estou muito satisfeito e a própria Casa já reconhece
meu trabalho e tem respeito pelo mandato que esmomento algum pensamos
tou exercendo.
aderir ao governo. O PFL é
Por que começar a
oposição
carreira política concorrendo a uma vaga à
Câmara?
Primeiro, tive experiência
lhor aos pensionistas, temo
pregressa de atividade política
que algumas injustiças sejam
dentro do meu partido. Seguncometidas, porque além de
do, minha candidatura fez paraplicarmos um redutor de
te de uma estratégia de meu
50% [ponto que foi reduzido
grupo político na Bahia, precipara 30% em votação] ainda
sávamos ocupar o espaço da
vamos taxar em 11% o que
oposição e para isto precisáexceder os R$ 2.400. Discutivamos de candidatos jovens
ria melhor agora os fundos
com propostas novas. Terceicomplementares, que serão
ro, havia um sentimento geral
discutidos nas leis infraconstide que eu já estava preparatucionais. Talvez melhorasse
do para vir à Câmara, já tinha
um pouco as regras de trancondições de realizar um trasição, para evitar que haja
balho em uma esfera mais eleuma corrida por aposentadovada de discussões, participanrias. E pensar na inclusão de
do dos debates nacionais.
milhares de trabalhadores,
O sr. vem de uma faque, quando contribuírem, semília com figuras de destarão decisivos para o equilíbrio
que na política nacional e
atuarial do sistema, e em um
perfis bem diferentes. Qual
mecanismo de punição efetidelas é a sua maior inspiva dos sonegadores.
ração: o seu avô, senador
Como está sendo a
Antonio Carlos Magalhães
experiência de primeiro
(PFL-BA), seu tio, ex-presimandato?
dente da Câmara Luís
Considero que esteja
Eduardo Magalhães, ou seu
sendo a melhor possível, porpai, ex-senador Antonio
que sempre tive vontade de
Carlos Magalhães Júnior?
exercer mandato de parlaNa verdade, procuro me
mentar. Aqui é a Casa não só
espelhar nos exemplos do sede ensinamento político, mas
rir ao governo.
A reforma da Previdência como um todo é do
seu agrado? O que o sr.
mudaria?
A reforma refletiu o que
era possível dentro de uma
Casa bastante diversa. Não
havia reforma ideal, seria impossível. O governo apresentou a reforma possível. Eu talvez desse um tratamento me-
nador Antonio Carlos e do deputado Luís Eduardo Magalhães. O senador é e o deputado foi figura pública respeitadíssima no nosso país. O deputado se foi, mas seus exemplos ficaram para essa nova
geração de políticos que está
surgindo. O senador continua
sendo um grande orientador
meu em especial.
Seu principal conselheiro político, seu avô
Antonio Carlos Magalhães, é muito admirado na Bahia, mas também tem muitos desafetos. Essas críticas e ressalvas interferem na
sua carreira política?
São quase oito meses de
Congresso Nacional. Durante
esse tempo só fiz amigos, as
pessoas que se aproximaram
de mim sempre o fizeram guardando um carinho e respeito
muito grande pelo senador Antonio Carlos, inclusive muita
gente que hoje é do governo e
anteriormente era oposição.
Acho que houve no início curiosidade muito grande das pes-
soas em saber se eu vim para
cá só por ser neto de ACM ou
se tinha valor próprio.
Mas como lidar com o
lado negativo da figura de
seu avô?
Digo sempre que tenho
uma balança com dois pesos:
o do bônus e o do ônus. Ninguém pode apenas ter o bônus. Só que nessa balança,
os bônus pesam muito mais
Se eu dissesse que não tenho
o sonho de governar a Bahia
estaria mentindo
que os ônus e sempre foram
o que me abriram as portas e
me permitiram aos 24 anos
estar aqui.
O sr. tem pela frente
uma longa carreira política. Qual seu projeto de
maior ambição?
Sonhar, todos nós sonhamos. Se eu dissesse que
não tenho o sonho de governar a Bahia estaria mentindo,
mas o meu momento é de
exercer o mandato como deputado federal. O próximo
passo vai ser dado no momento certo, mas vou me realizar como político se governar meu Estado.
Qual a nota para o
governo Lula nesses oito
primeiros meses?
Tenho cuidado ao avaliar
o governo. Acho que, por enquanto, não está bem. A
máquina pública não está
funcionando, existem recursos que não estão sendo aplicados, o que mostra
ineficiência por parte dos
gestores.
Qual a nota para a
oposição?
Não dou nota máxima
para a oposição, porque acho
que ela foi alcançada pelo problema da necessidade de se
acomodar nessa nova veste.
Está havendo alguns excessos e isso não pode acontecer. Dou nota oito, porque a
oposição está sendo bem
mais competente que o governo.
O Magistrado
21
Ana Nascimento/ABr
22 O Magistrado
Genoino acredita
em acordo
Genoino critica a tentativa de greve no judiciário e diz que a reforma da
Previdência tem que ser para todos, com piso e teto, com uma única regra
O presidente nacional do PT, José
Genoino, diz que
está confiante na
possibilidade de
um entendimento
entre governo federal e governadores sobre a reforma Tributária. Em entrevista, Genoino criticou a tentativa de uma
greve no judiciário e disse que
um teto de R$ 17 mil para as
aposentadorias do Poder Judiciário é mais do que razoável
num país com as condições de
vida como as do Brasil.
É possível um acordo
com os governadores sobre
a reforma tributária?
A coisa está caminhando
para um acordo. Reformas são
difíceis. Se fossem fáceis, já
teriam sido feitas há muito tempo, principalmente a da Previdência e a Tributária. Estou confiante. Negociação é isso: cada
um cede um pouco. Até porque, no caso da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), é razoável
que vá um pouco para os Estados. No caso da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), já está
indo uma parcela, com as verbas para a Saúde.
Dá para atender as
várias reivindicações de
Estados e Municípios na reforma tributária?
O país está vivendo um
momento de reformas. Tem
reclamação, tem crítica, mas
temos de chegar a um bom
senso. As reivindicações são
legítimas, mas temos de pensar no país. Se cada ente federado esticar a corda, ela pode
arrebentar.
O Judiciário tem de
ter um tratamento especial?
Não. A reforma da Previdência tem que ser para todos, com piso e teto, tem que
ser para todos os servidores
públicos, com uma única regra.
Tem de ter a integralidade, com
60 anos de idade para homens,
55 anos para mulheres, 35 anos
de contribuição para os homens
e 30 para mulheres, 20 anos
de serviço público e 10 na mesma função. Esses são critérios
para todos os servidores. Para
o futuro, temos de garantir
para os trabalhadores um regime único de aposentadoria. A
tentativa de greve do Judiciário
era inconstitucional. Quando
servidor do Judiciário faz greve, é uma coisa. Mas a greve
do Judiciário seria uma afronta
à democracia e à Constituição.
As reivindicações do Judiciário
são exageradas. Um teto de
R$ 17 mil garante aos juízes
condições mais do que razoáveis. E o subteto de R$ 13 mil,
para os juízes estaduais, para
um país como o Brasil, é mais
do que razoável. A greve dos
servidores, apesar do direito de
greve, tem um objetivo incorreto, que é de inviabilizar a reforma da Previdência.
Os ruralistas são uma
ameaça quando estão armados?
A reforma agrária tem de
ser feita de maneira pacífica,
ampla e tem que viabilizar a produção dos assentados, melhorar a situação dos acampados
e viabilizar as pequenas e as
médias propriedades. No Brasil,
é possível a convivência entre
as grandes, as médias e as pequenas propriedades. Mas
ações armadas são inaceitáveis,
sejam de ruralistas, sejam de
trabalhadores sem terra.
Fernando Henrique
Cardoso disse que a figura
do ex-presidente precisa
ser mais valorizada. É preciso criar uma função específica para o presidente que
deixa o cargo?
O ex-presidente tem que
ser mais cauteloso, tem de ser
mais humilde. FHC está entendendo mal a conjuntura. Espero que ele tenha mais cautela
e que suas intervenções sejam
mais de estadista do que de
oposicionista. Sempre respeitarei a opinião de FHC, mas o
ex-presidente ainda não entendeu seu novo papel.
O Magistrado
23
José Genoino
A aprovação da reforma da Previdência, em primeiro turno de votação na Câmara, traduziu-se numa
importante vitória do governo, que
consolidou sua credibilidade política,
fator que será essencial para a retomada do desenvolvimento, para o crescimento
da economia e do emprego. Sua base parlamentar, apesar de algumas defecções, mostrou-se
sólida e capaz de garantir a sustentabilidade política. É preciso reconhecer também que parcela da
oposição portou-se como parceira, consignando
votos importantes para aprovar a reforma.
A sociedade ganhou, segundo especialistas, porque os três objetivos fundamentais da
reforma foram preservados: a justiça social, o
equilíbrio orçamentário e a moralização relativa
aos privilégios dos altos salários. No terreno da
justiça social, a maior conquista foi o estabelecimento de uma aposentadoria pública universal,
igualando o funcionalismo público com os trabalhadores da iniciativa privada. Como se sabe, a
Previdência seria responsável pelo maior déficit
estrutural. A aprovação da reforma reduziria significativamente esse déficit e diminuiria a trans24 O Magistrado
ferência de recursos tributários advindos dos trabalhadores do setor privado para cobrir as aposentadorias do setor público.
E na medida em que o texto aprovado
define o teto de vencimentos para o funcionalismo federal e subtetos para os Estados, a reforma introduz um elemento moralizador acabando com as altas aposentadorias dos servidores
atuais. Mesmo que nos Estados o subteto do
Judiciário seje 90,25% dos vencimentos dos
membros do Supremo Tribunal Federal, a redução das altas aposentadorias será significativa.
Os excessos na atribuição de adicionais aos funcionários públicos serão eliminados.
Outro aspecto relevante da vitória consiste na rapidez com que a reforma foi aprovada.
Aprovar reformas da Previdência é algo difícil para
os governos de qualquer país. Protelações, confrontos e desgastes políticos têm sido a regra
nesses processos. Desde o envio da reforma
ao Congresso pelo presidente Lula até a sua
aprovação em primeiro turno na Câmara, passaram-se apenas quatro meses. Agora será preciso manter o rumo certo e o pulso firme para
aprová-la em segundo turno na Câmara e, depois, no Senado.
O governo do PT e os partidos aliados fo-
Marcello Casal Junior/ABr
A vitória na reforma
da previdência
ram decisivo na defesa dos aspectos essenciais
da reforma, mas ao mesmo tempo souberam negociar para melhorar a proposta ou para atender
demandas legítimas. O PT, ao contrário do que se
vaticinava, não recuou ante a pressão de setores
contrariados pela reforma. As bancadas do PT e
da base aliada cumpriram um papel importante
para aumentar a proteção dos setores do funcionalismo que recebem salários mais baixos.
No caso das pensões, por exemplo, aqueles que recebem até R$ 2.400 seriam isentos de
descontos. Os que recebem acima desse valor
teriam desconto de 50% na parte que exceder
o teto. O piso de cobrança de contribuição sobre os vencimentos dos inativos subiu de R$
1.058 para R$ 1.200. Neste caso, cabe lembrar
que, até agora, muitos Estados e municípios cobravam contribuições dos inativos sem nenhum
piso. Emendas parlamentares melhoraram também o sistema de transição dos atuais funcionários, permitindo a integralidade dos vencimentos
em troca de um tempo maior de permanência
no serviço. Ressalte-se, também, que a reforma estabelece que lei complementar definirá me-
canismos para que as pessoas ingressem nele a
partir de uma contribuição mais baixa. Essa lei
beneficiará cerca de 20 milhões de trabalhadores, hoje na informalidade.
A sociedade apoiaria a reforma da Previdência porque as distorções contidas no sistema
impõem sacrifícios a todos pela transferência de
impostos e impedem que o Estado defina melhor suas prioridades, por ter que cobrir pesados
déficits orçamentários. A continuidade do apoio
da opinião pública seria fundamental para que a
Câmara e o Senado concluíssem com êxito a
tarefa que lhes está confiada. A reforma da Previdência não acaba com todos os males. Inclusive, essa reforma deverá ser aperfeiçoada no
futuro. Nenhum país conseguiu realizar uma reforma da Previdência em um só ato. Mas da
atual reforma da Previdência emergirá, esperase, um Brasil melhor e um pouco mais justo. A
aprovação definitiva da reforma abrirá caminhos
para que outras mudanças necessárias ao país
e à sociedade se consolidem.
José Genoino é presidente nacional do PT
O Magistrado
25
Carlos Tiburcio/O Magistrado
26 O Magistrado
Deputado sai da
prisão e pede justiça
Parlamentar diz que sua prisão foi ilegal e que vai provar sua inocência nos
tribunais. Ele prometeu, ainda, denunciar outros deputados
D
epois de passar 29 dias preso na carceragem da Superintendência da Polícia Federal, em Brasília, sob a acusação
de envolvimento com grilagem
de terras públicas, o deputado
distrital José Edmar (PMDB), enfim, começou a se defender.
“Desde o dia 10 de junho, quando fui privado da liberdade, passei dias que jamais esquecerei.
Foram dias e mais dias esperando acordar de um terrível pesadelo, que durou quase um mês”,
discursou o parlamentar, na tribuna da Câmara Legislativa do
Distrito Federal, no último dia 13
de agosto, quando voltou às suas
atividades parlamentares.
O deputado começou seu
pronunciamento afirmando que
era sua primeira oportunidade
de esclarecer os parlamentares
sobre as acusações imputadas
a ele e passou a relatar os 29
dias em que esteve na carceragem da Polícia Federal.
O deputado chamou a
prisão de “pesadelo” que não
acabava nunca e confessou
que ficou mais tempo na prisão
do que o esperado. “Não se
deve temer a justiça, mas comecei a temer a injustiça”, afirmou José Edmar, que chegou a
pensar que seria usado como
bode expiatório para dar uma
satisfação à sociedade.
José Edmar passou a usar
seu tempo para responder às
acusações de formação de qua-
drilha, parcelamento irregular do
solo e lavagem de dinheiro, e acusou a Polícia Federal de haver esperado pelo recesso parlamentar
e pela viagem do presidente da
Casa para proceder à sua prisão,
nove dias depois de o mandado
ter sido expedido.
“Além de ser um equívoco, minha prisão foi ilegal, irregular e uma fraude”, protestou
José Edmar, referindo-se à inconstitucionalidade de sua prisão
preventiva, que segundo ele,
inexiste na Constituição Federal
para parlamentares. Edmar
também refutou a figura da prisão em flagrante, dizendo que
foi preso às 7h da manhã, em
sua fazenda, logo após acordar,
sem configurar prática de ato
criminoso.
Edmar contestou todas
as acusações: “Que quadrilha
é essa, se eu só conheço um
dos oito que foram presos junto comigo?”, reclamou. Em seguida falou sobre o parcelamento do condomínio Porto Rico e
voltou a afirmar inocência, dizendo que se limitou a propor
sua legalização na Câmara em
2002, em prol da moradia para
os mais humildes. “Isso não
tem nada a ver com grilagem
de terras, que é feita com objetivo de lucro”, adiantou Edmar. O deputado se prontificou
a autorizar a Corregedoria da
Câmara a investigar todas as
suas contas, quando classificou
a denúncia de lavagem de dinheiro como “ridícula”.
José Edmar surpreendeu a
todos quando disse que trazia um
presente “muito carinhoso” para
os deputados Chico Vigilante (PT),
Paulo Tadeu (PT), Chico Leite
(PCdoB), e Augusto Carvalho
(PPS): eram quatro garrafas de
detergente, segundo ele, para
“limpar as bocas mentirosas e as
línguas ferinas que o atacavam e
condenavam sem provas”.
José Edmar cobrou dos
colegas que se aproveitaram
politicamente de sua situação e
agradeceu a “grandeza” da atitude do deputado Benício Tavares, que se comportou com isenção, como “um verdadeiro presidente”. O deputado finalizou seu
discurso afirmando que confia plenamente na justiça e na oportunidade de provar sua inocência.
Denúncia – Edmar informou que tem provas de irregularidades cometidas por três
deputados da oposição e que,
se for convidado, comparecerá
à Comissão de Ética e Decoro
Parlamentar, para confirmar as
denúncias.
No final de seu pronunciamento, o deputado anunciou
que entraria de licença médica
para realizar tratamento de saúde em São Paulo. “Mas, estarei
de volta e pronto para apresentar as provas contra os deputados de oposição em breve”,
concluiu.
O Magistrado
27
Conflitos agrários
merecem atenção
Presidente completou a narrativa de suas preocupações mandando um recado
às autoridades do Poder Executivo
O
28 O Magistrado
Divulgação/STF
presidente do Supremo
Tribunal Federal, ministro
Maurício Corrêa, foi agraciado
com o título de Acadêmico
Honoris Causa da Academia
Paulista de Magistrados. A
solenidade de entrega da honraria, que ocorreu no Salão
Branco do STF, antecedeu ao
lançamento da cartilha intitulada “Ao Encontro da Lei - o
novo Código Civil ao alcance
de todos”, apresentada pelo
ator Lima Duarte e ilustrada
pelo cartunista Paulo Caruso.
Maurício Corrêa dedicou
boa parte de seu discurso
para abordar os conflitos no
campo e as lutas contra as
imperfeições das propostas
feitas às reforma do Judiciário e da Previdência. Sobre
esta, afirmou que “injustiças
que até agora foram praticadas, foram corrigidas. Espero
até que no Senado Federal
consigamos ainda outros aperfeiçoamentos”.
Sobre os conflitos no
campo, Maurício Corrêa afirmou: “O que tem me preocupado ultimamente, e espero que isto seja corrigido devidamente, é aquilo que poderá, em face de alguma tolerância, redobrar em conflitos
sociais, provocados exatamente pela necessidade de se
fazer reforma agrária de um
lado, e resistências que são
Maurício Corrêa recebe condecoração na Academia Paulista de Magistrados
postas de outro, e ao mesmo tempo, atuações que são
desenvolvidas em excessos,
tanto de um lado quanto do
outro”.
O presidente completou
a narrativa de suas preocupações mandando um recado às autoridades do Poder
Executivo: “Impõe-se, pois,
que o Poder competente,
contenha, o mais rápido possível, aquilo que um dia poderá se transformar em algo in-
controlável. Por isso esperamos, sinceramente, das autoridades, do Executivo, que
haja essa tranqüilidade para
o povo brasileiro, que haja
uma pacificação e que isso
não seja nada mais e nada
menos do que uma simples
preocupação de nossa parte”.
Em seu discurso de
agradecimento ao título “Honoris Causa”, o presidente do
Supremo disse: “Procurarei
honrar esse galardão que aca-
bo de receber”. Ele lembrou
da importância do Judiciário
como Poder de Estado e fez
referências à Justiça como
mediadora de conflitos: “O
Poder Judiciário é convocado,
atua e devolve a prestação
jurisdicional ao povo. Pouco
importa se, de um lado, esteja o Estado e, de outro, estejam apenas partes do povo
(A brigando com B). O que
importa dizer é que o juiz, ao
exercitar esta atuação jurisdicional, ele é o Estado personificado”.
Corrêa lembrou que a
cartilha traduz exatamente a
importância da magistratura e
fez elogios à iniciativa e acabamento da publicação. A obra,
para o presidente do Supremo,
“leva ao povo brasileiro minúcias do que o cidadão tem direito, tendo em vista o novo
Código Civil. É como a própria
cartilha intitula: ‘Código Civil ao
alcance de todos’”, Maurício
Corrêa salientou que qualquer
cidadão do povo pode ter acesso à sua leitura fácil.
DEPOIMENTOS
Durante a solenidade de
lançamento da cartilha, o advogado-Geral da União, Álvaro Ribeiro da Costa, considerou o livro “uma iniciativa que
deveria ser seguida em muitas outras leis fundamentais
de interesse imediato do cidadão”. Para o presidente da
Academia Paulista de Magistrados - entidade que produziu a publicação-, Carlos Renato de Azevedo Ferreira, “a
cartilha é importante porque
cumpre um preceito constitucional de perfeito acesso da
cidadania à Justiça”.
“Eu fiz a criação de personagens fictícios. Nesta cartilha, contamos a história de
uma família que ensina, aos
brasileiros, mais sobre o novo
Código Civil por meio de situações cotidianas”, explicou o
cartunista Paulo Caruso, responsável pelas ilustrações da
cartilha.
O ator Lima Duarte também teve participação no processo de publicação do livro
tendo gravado vídeos de curta duração com explicações
dos possíveis casos em que
se pode utilizar o Novo Código Civil. “A importância é intrínseca é necessário fazer
com que essas mudanças
cheguem ao povo que é o
destinatário. O povo precisa
aprender a admirar essa verdadeira novela que é o Código Civil”, afirmou.
O Magistrado
29
Celso de Mello eleito para
novo mandato no TSE
E
Celso de Mello: mais dois anos no TSE
TV Justiça completa um ano
com nova programação
Desde o último dia 11
de agosto, quando a TV Justiça comemorou um ano de
existência, está no ar a sua
nova programação, estreando o Jornal da Justiça 1ª edição. De segunda a sexta-feira, a jornalista Teresa Carneiro apresenta o telejornal, com
meia hora de duração. Matérias de serviço, utilidade pública, curiosidades, comportamento e a agenda do Poder
Judiciário são algumas novidades do novo telejornal.
No quadro “Direto da
Redação”, ainda dentro do
Jornal da Justiça, a jornalista
Geórgia de Oliveira mostra no30 O Magistrado
tícias dos tribunais em todo o
país. A consultora Odete Rocha, em uma coluna às sextas-feiras, esclarece dúvidas
de telespectadores. Cleusa
Vasconcelos faz um breve resumo da programação do dia
na TV Justiça.
Com novo formato e
mais inserções na programação da TV, os boletins “Justiça Agora” vão ao ar de hora
em hora também pela manhã,
com início às 9h.
A duração do programa
“Justiça em Ação” aumenta
de 2 horas para 4 horas. Às
quartas e quintas-feiras vai ao
ar, ao vivo, a íntegra dos jul-
gamentos do Plenário do Supremo Tribunal Federal.
Ainda na nova grade, o
“Programa Fórum” terá edições diárias. Mais flexível, entrevistas e debates se misturarão durante o programa - e
nos fins de semana ocorre a
reprise dos programas de
maior repercussão.
Segundo a editora-chefe da TV Justiça, jornalista
Ana Tereza Senna, “as modificações da grade têm por objetivo ampliar a cobertura jornalística a fim de oferecer aos
telespectadores maior agilidade e imediatismo da notícia”.
Divulgação/STF
m votação realizada na
sessão plenária, no último
dia 13 de agosto, os ministros
do Supremo Tribunal Federal,
atendendo aos ofícios encaminhados pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
ministro Sepúlveda Pertence,
decidiram, por unanimidade,
reconduzir o ministro Celso de
Mello a mais um mandato de
dois anos como ministro-substituto do TSE.
Também ficou acertado,
em outra votação, que Luiz
Carlos Lopes Madeira, Carlos
Eduardo Caputo Bastos e José
Gerardo Grossi serão os candidatos que comporão a lista
tríplice dirigida ao TSE.
O Magistrado
31
Jorge Campos/AIP STJ
32 O Magistrado
STJ se despede de
Ruy Rosado
Ministro Ari Pargendler destaca a serenidade e o brilhantismo de Ruy Rosado
e afirma que o Judiciário brasileiro empobrece com a sua saída
O
ministro Ruy Rosado de
Aguiar participou, no último dia 6 de agosto, pela última vez de sessão de julgamentos do Superior Tribunal de
Justiça. Na homenagem prestada pela Corte Especial, foram destacadas a criação dos
Juizados Especiais Federais e
a utilização de videoconferência em sessões da Turma de
Uniformização como grandes
contribuições do ministro para
o aperfeiçoamento do aparelho judiciário nacional. “A videoconferência é um marco na
prestação jurisdicional”, salientou o ministro Ari Pargendler,
ao discursar.
Escolhido para falar também pelos colegas, Ari Pargendler destacou a serenidade e
o brilhantismo de Ruy Rosado,
afirmando que o Judiciário brasileiro empobrece com a sua
saída. “É um grande amigo e
um grande juiz que se despede do STJ, com o pesar de
todos nós”, asseverou, ao ressaltar os “certeiros votos, principalmente em matéria penal”.
O último gesto de Ruy Rosado
como coordenador-geral da
Justiça Federal foi encaminhar
ofício ao Colegiado do Conselho da Justiça Federal (CJF),
propondo a ampliação da atual estrutura das corregedorias
nos cinco Tribunais Regionais
Federais (TRFs).
O subprocurador-geral
da República Edinaldo de Holanda Borges lembrou a relevância dos serviços prestados
pelo ministro à nação. “Quem
distribui Justiça cumpre a mais
alta função do Estado. Um
homem que julga outro homem torna-se um ser superior”, afirmou. Apesar de dizer
que não era hora para despedidas, mas para exaltações, o
discurso terminou em tom
emocionado. “Receba de seus
pares e de toda a sociedade
as honras que brotam de seu
próprio trabalho edificante”, finalizou.
Ao discursar pela classe,
o advogado Eduardo Ferrão
agradeceu a honra de ter sido
agraciado pela escolha de seu
nome. Lembrou a origem simples em comum com a do ministro. “Se a elegância não me
conhece, trago aqui a franqueza dos rudes e a sinceridade
atávica dos ousados”, afirmou
ao falar da postura ereta, serena e altiva de Ruy Rosado e
da vastidão da sua cultura.
“Sempre semeou, transformou
e desbravou horizontes, como
promotor, juiz, professor e assim tem sido como ministro.
Onde estiver, senhor ministro
Ruy Rosado, será sempre um
homem imprescindível”, enfatizou. “Num mundo de homens
de espíritos farisaicos, Vossa
Excelência estará sempre compondo a Resistência”, finalizou.
Além de promotor, juiz,
desembargador e professor, o
ministro exerceu, ainda, os cargos de Diretor da Escola Superior da Magistratura - RS, 1986/
1987 e da Escola Nacional da
Magistratura, 1988/1989. Foi,
também, presidente do Conselho Estadual dos Juizados Especiais e de Pequenas Causas
- RS, 1989/1992, CorregedorGeral da Justiça-RS, 1992/
1993, 2º Vice-Presidente do
Tribunal de Justiça (RS), em
1994. No STJ, presidiu a Quarta Turma Turma do STJ no biênio 1998/1999. Por último,
exerceu o cargo de coordenador-geral da Justiça Federal, diretor do Centro de Estudos Jurídicos do Conselho da Justiça
Federal, além de presidir a Turma de Uniformização dos Juizados Especiais Federais.
O ministro agradeceu a
homenagem de modo modesto, pedindo que todos fixassem
a memória apenas no que ele
fez de bom. “Recebi mais do
que mereci: a honra de integrar um Tribunal com a importância do STJ “, ressaltou.
Apesar de não serem
comuns manifestações do público nas sessões de julgamento, o ministro foi bastante
aplaudido ao encerrar o discurso de agradecimento.
O Magistrado
33
Carlos Tiburcio/O Magistrado
O universo notarial
e registral
Luiz Gustavo Leão Ribeiro
Q
uando se nasce, registra-se em cartório.
O último suspiro também perpetua-se nos
livros e registros do cartório. Entre eles, a autenticação do diploma para matrícula na faculdade, o contrato de financiamento do primeiro
carro, o casamento, a compra da casa própria, o registro dos filhos, a separação, o divórcio, o novo casamento, os novos filhos, a casa
nova, o testamento para evitar a briga dos
herdeiros; em suma, as grandes conquistas da
vida se fazem diante de um notário ou regis-
34 O Magistrado
trador. É o cartório o palco para o grande teatro da vida civil.
O curioso é que passamos nossa vida inteira nos relacionando diretamente com a atividade notarial e registral e, ainda assim, permanece esta sendo um mundo quase que totalmente desconhecido da população, até mesmo das pessoas mais informadas.
Quando se pensa em cartório hoje no Brasil, fala-se de um universo de cerca de 20.000
serviços notariais e de registro, espalhados por
todos os municípios nacionais. Universo habitado por centenas de milhares de empregados
diretos, e outras centenas de milhares de inditabeliães ainda se tornam, nesta atividade, deveretos. Pode-se afirmar, com segurança, que mais
dores solidários dos tributos que porventura deide um milhão de pessoas se sustentam da atixarem de fiscalizar o devido recolhimento. Além
vidade notarial e de registro, dos cartórios.
de contar com o serviço gratuito destes “Fiscais”,
Os cartórios são hoje a mais extraordináas Fazendas Públicas ainda multiplicam sua caparia e eficiente máquina de fiscalização tributária
cidade de arrecadação, com fundamento na RESdo país. Ninguém compra ou vende um imóvel
PONSABILIDADE do notário ou registrador.
sem que esta transação seja imediatamente
A responsabilidade é um dos pilares do
informada à Receita Federal, seja pelo Notário
sistema registral brasileiro, que é exemplo e
ou pelo Registramodelo para o
dor, para se verimundo. Os notáficar a compatibirios e registradoEsta
responsabilidade,
que
garante
lidade das declares, além de resrações de renda efetivamente a segurança jurídica e econômica ponderem pessocom o patrimônio. dos atos praticados em cartório, é decorrência
almente e solidaNenhuma escrituriamente pelos tridireta e imediata da autonomia e
ra é lavrada se
butos que têm
independência dos notários e registradores
não for apresenobrigação de fistada a certidão de
calizar, são resregularidade com
ponsáveis diretos
o IPTU, além do pagamento do imposto de
por todos os atos praticados no cartório. Quantransmissão – ITBI. Se for feito por instrumendo se reconhece uma firma, autentica-se um
to particular, este não será registrado sem esdocumento, lavra-se uma escritura, registra-se
tas comprovações. Nenhuma construção é
um imóvel, notifica-se uma pessoa, protestaaverbada sem a comprovação do recolhimento
se um título, outorga-se uma procuração públidas contribuições previdenciárias dos operários
ca, em todos estes atos, muito além do carimque trabalharam na respectiva obra, com a
bo do cartório, agrega-se a este documento
apresentação no Registro de Imóveis da CND
uma espécie de seguro, baseado na responsa– Certidão Negativa de Débitos do INSS.
bilidade e fé pública do Tabelião.
Graças aos Registradores Civis, que inforE esta responsabilidade, que garante efemam gratuitamente ao INSS todos os óbitos
tivamente a segurança jurídica e econômica dos
ocorridos no mês, o sistema previdenciário braatos praticados em cartório, é decorrência diresileiro economiza milhões de reais com a susta e imediata da autonomia e independência
pensão imediata do pagamento de benefícios
dos notários e registradores, que exercem a
que, sem esta informação, continuariam a ser
atividade em caráter privado, por delegação do
pagos indevidamente.
Poder Público. Somente a manutenção do moQual o custo para o Estado deste exércidelo atual, do exercício privado da atividade,
to de fiscalização? Absolutamente nenhum.
garante a eficiência dos serviços e a garantia
Quanto custaria trocar esta eficientíssima esda responsabilidade do Tabelião. Além do mais,
trutura por contigentes de milhares de fiscais
assegura ao Estado a mais eficiente e segura
tributários – vale acrescentar que para cada
estrutura de fiscalização, sem nenhum custo
Tabelião seriam necessários, no mínimo, 1 fispara os cofres públicos. Por estes motivos, pacal da Receita Federal, 1 fiscal da Fazenda Esíses como Portugal querem seguir o modelo bratadual, 1 fiscal da Fazenda Municipal e 1 fiscal
sileiro, espanhol e chileno, entre outros, e por
da Previdência Social, além dos técnicos e de
isto é cada vez mais forte o movimento de
todo o corpo administrativo necessário para
privatização dos cartórios portugueses.
movimentar a máquina estatal.
Luiz Gustavo Leão Ribeiro é presidente da AsAcrescente-se que além de funcionarem
sociação dos Notários e Registradores do DF
como fiscais gratuitos para o Poder Público, os
O Magistrado
35
Celulares com câmaras
ameaçam a privacidade
Demócrito Reinaldo Filho
U
36 O Magistrado
Arquivo
m informe publicitário tem
sido repetido na televisão
brasileira nos últimos dias, fazendo propaganda do mais
novo modelo de telefone celular da Siemens equipado com
câmera digital. O anúncio não
tem o pudor de esconder que
o equipamento pode ser usado como ferramenta para perturbar a privacidade alheia; ao
contrário, faz apologia disso.
Nele, um “paparazzi” consegue adentrar numa festa privada portando esse tipo de
celular, depois de revistado
pelos seguranças. Permanece
durante a festa fingindo estar
falando ao celular e, assim,
consegue fotografar o beijo de
um casal de celebridades que
se pretendia anônimo. Ao ser
despertado pelo sinal do flash,
o casal aciona os seguranças,
que correm para tomar o aparelho, sem sucesso, pois o “paparazzi” já havia conseguido
enviar a foto através de uma
conexão com a Internet – o
celular também tem esta função. A foto do casal se beijando é estampada na edição de
uma revista logo em seguida.
Essa propaganda pode
parecer uma simples brincadeira, mas na verdade é o que
vai acontecer daqui por diante. A questão da privacidade
individual sempre esteve atrelada dramaticamente aos
avanços tecnológicos. Semelhantes fenômenos aconteceram com o aparecimento das
câmeras fotográficas, depois
com os equipamentos de gravação, com as câmeras de vídeo, passando pelos computadores e, finalmente, com as
redes de computadores (que
tornaram a informação pessoal
disponível através do mundo).
Todos esses foram inventos
que permitiram observar momentos pessoais, coletar informações armazenar fatos. Em
razão da funcionalidade que
permitem, existe uma domi-
nante tendência da tecnologia
ser utilizada para eliminar a privacidade individual.
Mas na verdade, não é
a tecnologia em si que ameaça a privacidade. São as pessoas que se utilizam da tecnologia e as condutas que elas
adotam que criam as violações
à nossa privacidade. O caso
da propaganda do celular da
Siemens é exemplar. O celular
com câmera pode ser utilizado para inúmeros outros fins,
que trazem comodidade para
o usuário sem interferir com a
privacidade de terceiros. Mas
também pode ser utilizado para
espreitar a privacidade alheia,
como a própria publicidade fez
questão de propagar (não se
preocupando com a etiqueta
do politicamente correto). Portanto, é o uso irrestrito da tecnologia que elimina a privaci-
dade. Em sendo assim, a
questão resume-se a identificar que condutas são permitidas em relação ao uso desses
novos aparelhos. E nisso os governos têm um papel decisivo.
O Ministro da Informação e Comunicação (MOIC) do
Japão já manifestou sua intenção de regular o uso de telefones celulares que têm câmeras instaladas (“câmeraphones”). Pretende enviar em breve à Assembléia Nacional uma
lei restringindo o uso desse tipo
de telefone. O plano é submeter uma lei determinando que
os “câmeraphones” funcionem
emitindo um som toda vez que
uma foto é tirada. O barulho
do sinal sonoro serve como
alerta às pessoas nos locais
públicos onde a foto for tirada. A lei imporá essa obriga-
ção aos fabricantes desses
celulares, de forma a prevenir
“violações a direitos humanos”
e espionagem empresarial, diz
um deputado do partido democrático. O Governo Koreano também está ponderando
proibir o uso de celulares com
câmera em alguns lugares,
como piscinas públicas, pois a
preocupação com a privacidade tem aumentado nos últimos
dias (segundo comunicado oficial publicado no site do Ministério da Informação e Comunicação).
O uso de tais telefones
também parece ameaçar o sigilo industrial.
Para se resguardar contra furto de tecnologia, a Samsung Eletronics, a gigante koreana fabricante de equipamentos eletrônicos e possivelmente o maior fabricante de
O Magistrado
37
chips do mundo, proibiu, desde o dia 14 deste mês, seus
empregados de usar telefones
celulares equipados com câmeras no interior das suas fábricas. Os empregados serão
autorizados a portar exclusivamente os telefones que declararem para registro nos locais de trabalho e, mesmo
assim, terão que cobrir as lentes dos aparelhos enquanto
estiverem no interior das fábricas. A retirada dos adesivos antes de deixar o local do
trabalho será considerada infração trabalhista.
Ironicamente, a Samsung é um dos líderes mundiais na fabricação de telefones celulares com câmeras. A proibição foi adotada
pelo simples motivo de que
a Samsung quer proteger
sua tecnologia de ponta contra espionagem industrial. Alguns dos seus
executivos
expressaram preocupação
quanto ao impacto que essa
medida possa trazer
nas vendas de telefones equipados com câmeras digitais. Mas ela parece não ter escolha, pois a
disseminação de celulares
cada vez mais potentes e
aperfeiçoados constitui uma
ameaça ao vazamento de informações corporativas e
know-how industrial. Outras
empresas koreanas como
LG Eletronics, a Hyundai e a
Kia Motors também planejam fazer o mesmo (segundo reportagem publicada no
Chusun.com)
38 O Magistrado
O Ministro da Informação e Comunicação da Korea
disse que a proibição não infringe nenhum direito individual, desde que se dê conhecimento ao proprietário da câmera. A tendência é esse tipo
de restrição se espalhar por
todas as indústrias.
A tensão não acaba por aí.
Os donos de livrarias no
Japão anunciaram que vão
lançar uma campanha
contra uma nova modalidade de shoplifters – pessoas
que visitam
as lojas
para
fotografar páginas de revistas e livros
sem comprá-los,
valendo-se dos tais
telefones celulares. A
partir de hoje, os donos de
livrarias irão colocar avisos em
seus estabelecimentos advertindo os leitores para a proibição do uso de telefones celulares equipados com câmeras.
O shoplifting, como é
conhecido o tipo de crime em
que uma pessoa furta alguma coisa de uma loja fingindo ser um consumidor, sempre foi um grande problema
para os livreiros. O shoplifting digital está se tornando
uma dor de cabeça ainda
maior, na medida em que os
telefones celulares equipados
com câmera estão se massificando e sua qualidade
também está aumentando.
Um complicador para
conter esse tipo de conduta
está na falta de previsão expressa nas leis de proteção autoral. Existe dúvida se o ato
de fotografar páginas
dos livros expostos
constitui um crime
semelhante
aos nelas
previstos, pois
em geral
c o í b e m
apenas a reprodução de uma
obra com fins comerciais. Além do
mais, a prática do “digital
shoplifter” é difícil de coibir,
pois os empregados da loja
não podem distinguir se o cliente está tirando uma foto ou
simplesmente fazendo uma ligação.
O uso de aparelhos celulares com função fotográfica está disseminado no Japão,
país líder nesse tipo de tecnologia. Esses aparelhos portáteis englobam também a função de acesso à Internet,
com a possibilidade de a pessoa enviar e receber e-mails
com as fotos nele tiradas. Os
provedores dos serviços de telecomunicações estão atentos
a esse problema, e já advogam a necessidade de reorientar a conduta dos proprietários desses aparelhos.
Demócrito Reinaldo Filho é membro
do IBDI - Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática
O Magistrado
39
40 O Magistrado
Carlos Tiburcio/O Magistrado
Jansen Fialho de Almeida
O cabimento da oposição pela
administração como proprietária,
com base no domínio, em ação possessória
disputada por terceiros sobre bens públicos
T
ema relevante que ainda
vem encontrando certa resistência na jurisprudência e
parte da doutrina, diz respeito ao cabimento da denominada oposição, modalidade
de intervenção de terceiros,
prevista no art. 56 do Código
de Processo Civil, no que tange ao proprietário, ente da
Administração Pública, com
fundamento no domínio,
adentrar na lide em que particulares disputam a posse de
bem público.
Nesse descortino, a jurisprudência admite que esses
particulares discutam a posse
sobre área pública, sem a intervenção da Administração,
no caso, o proprietário, mesmo que não exista qualquer
autorização dessa ocupação,
fundamentando-se no entendimento de que posse e domínio são institutos diversos .
Outra corrente respeitável entende que os bens públicos dominicais podem ser
objeto de posse e conseqüentemente usucapião, por serem
afetos à desafetação, integrando o patrimônio disponível do Estado, submetido, por
isso, às regras do direito privado .
A jurisprudência dominante, contudo, tem entendimento pela impossibilidade jurídica de pedido possessório
em área pública, quando deduzido por particular sobre
bem público contra o órgão de-
tentor da propriedade, pois
não podendo ser objeto de
usucapião, a ocupação é mera
detenção, tolerada ou permitida, portanto à precariedade
.
Os Tribunais têm entendido também que nas ações
possessórias disputadas entre
particulares, o ente público
não pode adentrar na lide sequer como opoente, porque
estaria intervindo como proprietário (reivindicante) e não
como possuidor.
Sendo institutos diversos, calcam-se ainda no que
dispõem o art. 923 do CPC e
o §2º do art. 1.210 do Código
Civil que vedam, na pendência de processo possessório ao
autor ou réu, estendendo-se
ao terceiro, intentar ação de
reconhecimento do domínio,
porquanto a oposição teria em
verdade esse objetivo.
Outro fundamento dessa corrente defende que a
sentença nenhum efeito teria
contra o ente público, porque
não sendo parte lhe é ineficaz, podendo oportunamente ajuizar a competente ação
reivindicatória, que tutela especificadamente o domínio.
Esse modo de pensar
que atualmente ainda tem
prevalecido e já adotei em
outras decisões de minha lavra, advém de decisões do
extinto TFR, quando a questão fundiária no Distrito Federal não tinha os contornos de
hoje, e vem sendo seguida
pelo eg. TRF - 1ª Região e
pelo eg. TJDFT, na grande
parte de seus julgados .
Data venia, essa respeitável argumentação sobreleva o direito processual, meramente instrumental, em relação ao que realmente interessa, ou seja, a correta aplicação do direito material, com
plena efetividade e celeridade.
Entendemos, ao reverso, que quando se trate de
um bem público é perfeitamente possível o ingresso do ente
representativo, como terceiro,
opoente, proprietário, fundado na alegação do domínio,
para buscar a coisa ou o direito sobre que controvertem
autor e réu.
Cabe registrar de plano,
que nas ações possessórias,
em regra, apesar de não se
perquirir sobre a dominialidade do bem , a discussão em
relevo ressalta os limites das
regras previstas pelas normas
de direito privado, haja vista
que se trata de posse sobre
área pública, diferenciando-se
da posse civil.
Por conseqüência, o tratamento jurídico não pode ser
o mesmo, merecendo ponderações, em razão de várias
peculiaridades que passo a demonstrar.
De conhecimento geral
que no Distrito Federal a situação das terras públicas,
quanto à propriedade, posse,
O Magistrado
41
uso, é de extrema complexidade. Muitas áreas são ditas
como desapropriadas, mas
não são discriminadas, outras,
sequer foram pagas aos legítimos proprietários, ainda, não
se sabe ao certo quais áreas
foram efetivamente transferidas pela União a TERRACAP
ou fazem parte do próprio Distrito Federal.
Muitas outras têm escrituras fraudulentas. E por aí
vai. O certo é que, ao se rejeitar o interesse jurídico na
demanda, seja da União, do
Distrito Federal, da TERRACAP, ou de seus órgãos da
Administração, nas ações possessórias, no Distrito Federal,
poderá ocasionar sérios riscos
à sociedade.
E porque? Simplesmente porque numa área onde a
União, o DF ou a TERRACAP
diz ter o domínio, será o Juiz
praticamente obrigado a deferir a posse (cuja ação tem
natureza dúplice) da área, manifestamente pública, a terceiros que poderão, munidos de
uma sentença judicial, alienar
livremente tal direito (art. 42
do CPC) e até, clandestinamente fracionar, nascendo
mais um condomínio irregular,
fruto da “grilagem”, disfarçado sob o manto da JUSTIÇA.
Assim, corre-se o risco
de consubstanciar-se em situações irreversíveis, resultando na prevalência da manutenção da situação de fato,
mesmo manifestamente contrária à situação de direito.
Não se olvide da possibilidade
de as partes entabularem em
conluio para obter esse fim.
Note-se, insisto, por
exemplo, se numa ação de
reintegração de posse o ma42 O Magistrado
gistrado julgar improcedente o
pedido, estará, regra geral,
mantendo e reconhecendo a
licitude da posse do réu, com
julgamento do mérito, perfazendo-se a coisa julgada material e formal, em virtude,
cumpre repetir, da natureza
dúplice das possessórias.
Mesmo que se opere
somente entre as partes os
efeitos e limites subjetivos da
coisa julgada, nos termos do
art. 472 do CPC, sabemos que
na prática, os incautos, ou até
talvez não mais tão incautos
como antigamente, poderão
fazer disso uma moeda de
compra e venda.
Outro ponto que merece destaque se refere do ônus
ao erário se for concedido o
direito possessório a particulares em área pública, sem a
intervenção de seus órgãos na
própria ação.
Pode gerar, mesmo que
se ajuíze a ação reivindicatória a posteriori, o direito a indenização por benfeitorias ao
possuidor, munido legalmente
de um título judicial, quiçá se
não já transformado em condomínio irreversível, como os
inúmeros existentes no DF .
Raciocínio diverso se aplica na posse civil, afeta a particulares, relação jurídica de direito disponível, onde pode gerar o usucapião, forma de
prescrição aquisitiva de um
bem, resultando no título de
propriedade, mas inaplicável
aos bens públicos, onde é vedado constitucionalmente
(arts. 183 §3° e 191, parágrafo único da Constituição Federal).
Mesmo na vigência do
Código Civil anterior o STF já
havia editado a Súmula 340,
verbis: “Desde a vigência do
Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens
públicos, não podem ser adquiridos por usucapião”.
Acresça-se por oportuno, que o novo Código Civil
no art. 102, proibiu genericamente o usucapião dos bens
públicos, repetindo o texto
constitucional. E se não é possível o usucapião, não podemos aceitar ou interpretar,
mesmo por via reflexa, a viabilidade da posse sobre esses
bens, salvo previamente autorizada pelo Poder Público,
nos termos e limites da lei
autorizativa.
No mais é mera tolerância, detenção, em realidade invasão, pois se revela precária (art. 1.208 do Código Civil). E se não há posse sobre
os bens públicos, como proibir o ente representativo de
intervir na lide onde litigam
particulares, que aliás, estariam no uso, gozo e fruição de
um bem coletivo, sem ao
menos ressarcir ao erário?
Como se depreende, ao
interpretarmos as regras de
direito público frente ao direito privado, penso eu, jamais
devemos chegar a ponto de
viabilizar qualquer prejuízo,
mesmo em tese, para a sociedade.
Uma coisa é interpretarmos, por exemplo, regras de
direito bancário em que o Estado participa efetivamente da
atividade financeira, sujeitando-se ao regime próprio das
empresas privadas, não podendo gozar de quaisquer privilégios, por determinação
constitucional expressa, sendo de fato, uma atividade exploradora, de risco, embora
vise a política social (art. 173
da CF).
No tema em apreço,
nada disso ocorre e o legislador não fez ressalvas, simplesmente proibiu o usucapião em
todos os bens públicos, por
conseqüência a posse, indistintamente, e não podemos
estender essa interpretação
concernente a direito indisponível, pena de se quebrar toda
a harmonia de um sistema jurídico adotado.
Acrescente-se que segundo a jurisprudência supracitada, além do ente público
estar obstado de como terceiro, intervir como opoente,
sequer poderá ajuizar a ação
reivindicatória porque pendente a possessória, mesmo ainda que não seja parte nesta,
o que definitivamente obstaculiza o seu próprio direito de
ação, defesa do patrimônio
público.
E se a demanda possessória entre esses particulares
perdurar por dez, vinte ou trinta anos, como de costume
em ações desse naipe, decorrente também dos inúmeros
recursos processuais cabíveis?
Não me parece lógico
que a interpretação moderna
do direito público em face das
regras pertinentes ao instituto da posse, tenha o condão
de manter esse raciocínio jurídico, mormente diante da peculiaridade das terras que
compõem o quadrilátero do
Distrito Federal .
Mas tudo isso pode ser
obstado se os operadores do
direito mudarem, ao menos
adequarem a interpretação
sobre as normas de direito público, analisando-as sistematicamente, concernente às
ações possessórias em áreas
públicas, especialmente no DF,
repito, onde a “grilagem” se
faz presente, no propósito de
que acolham a intervenção do
ente público nessas ações,
como opoente, pois ao mesmo tempo em que negar a
posse aos outros dois litigantes, o reintegrará no imóvel,
seja pelo cunho possessório
ou mesmo petitório.
No julgado do eg.
TJDFT, na APC39736/96, da
3ª Turma Cível, o culto Desembargador NÍVIO GONÇALVES, proferiu voto que trago
a conhecimento pelo brilhantismo e lucidez do assunto, “in
verbis”:
“(...) Por oposição, entende-se o instituto pelo qual
a pessoa que pretender, no
todo ou em parte, a coisa ou
direito sobre que pende demanda entre outras pessoas,
vem propor sua ação contra
elas, para fazer valer o direito
próprio incompatível com o direito das partes ou uma delas, na lição de CELSO AGRÍCOLA BARBI (Comentários ao
CPC, Forense, 3ª ed., vol. I,
pág. 307).
ARRUDA ALVIM preceitua que ‘o instituto da oposição, disciplinado nos arts. 56
e 61, regula o ingresso de terceiro, em processo pendente
entre outras partes, no caso
em que a esfera jurídica deste terceiro seja afetada, precisamente no mesmo direito
ou coisa, objeto do litígio’ (Código de Processo Civil Comentado, vol. III, pág. 107 e 107
v).
A lição de ADROALDO
FURTADO sobre a possessória é a seguinte:
Vimos que, se o domí-
nio subjaz à querela possessória, a exceptio proprietatis
é admissível. E exatamente
por ser admissível ampliar-se
o objeto lógico do processo,
a controvérsia travada já não
se limita ao fato da posse,
mas aprofunda-se à investigação do domínio, ainda que
só para se poder decidir da
posse. Certo, essa ocorrência não subtrai à ação seu
caráter possessório, porque a
sentença vista em seu conteúdo autorizativo só poderá
decidir sobre posse; a resolução sobre domínio necessária
a concluir sobre a posse é resolução “incidenter tantum”.
Contudo, ainda sem integrar
o “thema judicandum”, mas
entrando no processo como
objeto necessário do exame
judicial sob o ponto de vista
lógico, a questão de domínio
fica submetida, nos próprios
autos da ação possessória à
“cognitio”, embora não ao “judicium”. Em tais condições, seria desnecessária e perturbadora a propositura paralela da
ação petitória, em que se agitaria, ao fim e ao cabo, a mesma questão’ (Comentários ao
Código de Processo Civil, vol.
VIII, págs. 512 e 513, n°
345, ao art. 923).
Como é sabido, existem
dois fundamentos para que alguém proponha ação possessória contra outrem: a posse
ou o domínio. O fato posse
ou “jus possessionis” decorre
do exercício de um dos elementos da propriedade, sua
parte visível ou sensível, material, defluente da exploração
da coisa, auferindo-lhe as vantagens que a sua destinação
propicia.
Ao lado da posse como
O Magistrado
43
fato, existe o direito à posse
que decorre do jus iure, da
propriedade sobre a coisa.
Esse é o jus possidendi que
emana do domínio.
É o caso da TERRACAP.
Em tese, portanto, sendo as terras disputadas do domínio público, a posse dos particulares se apresentaria como
simples poder de fato revelado pelo exercício aparente de
algum poder inerente ao domínio, não menos exato e que
não induzem posse os atos de
mera permissão ou tolerância,
como textualmente ressalva o
art. 497 do Código Civil .
Assim, fica claro não
constituir a oposição providência vedada pelo art. 923 do
Código de Processo Civil, que
destina a coibir a propositura
da reivindicação. A oposição
é admitida nas ações possessórias (Comentários ao Código de Processo Civil, de CELSO AGRIÍCOLA BARBI, vol. I,
pág. 315, tomo II).
Diante do exposto, dou
provimento ao apelo para
afastar a carência da ação,
devendo a oposição ter regular tramitação (...)” . frisei
Corroborando, o saudoso mestre J.M. DE CARVALHO
SANTOS, ao comentar o art.
504 do antigo Código Civil, reproduzido na primeira parte
pelo novo estatuto (art.
1.210, §2°), no tocante à alegação de domínio enquanto
pendente ação possessória,
vedada pelo dispositivo legal,
ensina que esse regramento
comporta exceções, a meu
ver, perfeitamente aplicável na
espécie, “ipsis litteris”:
“... O que é preciso ter
presente por outro lado, é que
o temor de confundir no mes44 O Magistrado
mo juízo petitório o possessório não deve impedir o juiz
de pesquisar a índole da posse, da qual se reclama a manutenção ou a reintegração.
Ele tem, pois, o dever de averiguar, se na posse concorrem
os requisitos que a lei requer
para que o autor possa nela
ser manutenido ou reintegrado. Com tal escopo lhe será
lícito examinar os títulos produzidos, não para decidir sobre o direito, mas para ‘colaborare’, como dizem os práticos, a posse: vale dizer, para
conhecer dos caracteres da
mesma e deduzir se ela se
ajusta ao espírito da lei, se é
ou não manutenível ou reintegrável (...) Nem outra interpretação se pode dar ao texto legal, desde que é uma
verdade que o Código nele
nada mais fez do que reproduzir o assento de fevereiro
de 1876, que visava evitar o
absurdo de se julgar, em casos tais, a posse àquele mesmo a que, pelo processo e
evidência notória dos autos,
se depreende não lhe deve
ser julgada a propriedade. O
que o assento julgava absurdo, e com ele julgará toda
pessoa de bom senso, é ver
o juiz mandar entregar a uma
pessoa, que não é dono, uma
coisa que o outro provou exuberante e satisfatoriamente
que lhe pertence de fato e de
direito, a ponto de convencer
o juiz, e este por motivos inexplicáveis, decidir que sabe que
aquilo não é do que se diz possuidor, mas ainda assim manda lhe entregar. Obrigando o
réu, que perdeu a ação possessória, a vir depois, armado dos mesmos documentos,
perante o mesmo juiz por
meio da ação de reivindicação
pedir aquilo justamente que o
juiz então lhe negou, mas que
noutra sentença vai lhe dar,
somente porque agora o pedido veio por meio de outra
ação, que não a possessória.
Ora, isso é inconcebível, é absurdo, como bem se qualificou no referido assento, não
mais podendo ser tolerado em
face das normas processuais
modernas, que tendem a simplificar todas essas formalidades e sutilezas inúteis, que,
sem significação, só servem
para protelar a distribuição da
justiça.”( Código Civil Brasileiro Interpretado, 16ª Ed., Livraria Freitas Bastos, vol. VII,
1984, pp. 159/160) o destaque é meu
Observe-se que o reconhecido doutrinador civilista,
que em sua obra comentou
exaustivamente todos os artigos do Código Civil, faleceu
em 1956 e já tinha esse posicionamento moderno. Naquela
época, Brasília sequer existia
no mapa. Imagine-se hoje o
que escreveria o mestre sobre o tema “sub judice”.
A jurisprudência recente do eg. TJDFT, entretanto,
já começa a admitir a oposição em ação possessória, debatendo-se a propriedade:
“PROCESSO
CIVIL.
OPOSIÇÃO. DEBATE SOBRE
PROPRIEDADE. CABIMENTO.
CONDIÇÕES DA AÇÃO. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. 1. SENDO A POSSE A
VISIBILIDADE DO DOMÍNIO,
NADA IMPEDE QUE SE DISCUTA PROPRIEDADE EM FEITO DE OPOSIÇÃO ASSENTADO EM AÇÃO POSSESSÓRIA.
2. ANALISAM-SE AS CONDIÇÕES DA AÇÃO PELOS FATOS
NARRADOS, NÃO PELOS
PROVADOS. A IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO,
AUTORIZADORA DA EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM EXAME DO MÉRITO, CORRESPONDE À VEDAÇÃO ABSOLUTA, PELA ORDEM JURÍDICA,
DE ACOLHIMENTO AO PLEITEADO PELO AUTOR. A
EVENTUAL INVIABILIDADE
DE ACATAR-SE O PLEITO,
MERCÊ DE FALHA DE PRESSUPOSTOS DE NATUREZA FÁTICA E ISOLADA, IMPLICA
IMPROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO. APELO PROVIDO.
UNÂNIME”. (TJDFT, 1ª TURMA
CÍVEL,
APC20020110627654, RELATOR DES. VALTER XAVIER,
PUBLICADO NO DJ 3 DE
04.06.2003)
Transcrevo o voto do
percuciente relator do v. Acórdão, Desembargador VALTER
XAVIER, o qual foi acompanhado pelos seus eminentes pares, sem discrepância:
“(...) Dentre os pedidos
elencados, analiso o seguinte:
‘c) que, ao final, julgar
procedente a presente Oposição e reconhecer à Opoente
a posse e o domínio de que é
titular sobre o imóvel, dignando-se, ainda, determinar a restituição da gleba à dita Opoente;’ (fls. 10).
O pleito em destaque
não afronta ordenação jurídica vigente, tampouco traduz
fato impróprio à apreciação jurisdicional. Se procedente ou
não, cuida-se de questão a ser
apreciada no mérito, não analisado até o momento (...).
(...) Merece o tema breve incursão.
O estudo da posse, conquanto intrigante, comparece
como um dos mais árduos de
todo o Direito Civil. Como bem
observa Washington de Barros
Monteiro, citando Clóvis Beviláqua, ‘dificilmente se encontrará tema que mais tenha cativado a imaginação dos juristas. Em compensação, dificilmente se encontrará outro
que mais haja resistido à penetração da análise e às elucidações da doutrina’.
Inúmeras teorias surgiram com o escopo de formular um conceito para posse. Todavia, prevaleceram duas:
uma subjetiva, outra, objetiva.
Conduzindo a primeira
delas, encontra-se Savigny,
que afirma ser a posse ‘o poder que tem a pessoa de dispor fisicamente de uma coisa,
com intenção de tê-la para si
e de defendê-la contra a intervenção de outrem. São dois,
portanto, no seu entender, os
elementos constitutivos da
posse: o poder físico sobre a
coisa, o fato material de ter
esta à sua disposição, numa
palavra, a detenção da coisa
(corpus) e a intenção de tê-la
como sua, a intenção de exercer sobre ela o direito de propriedade (animus).’
À frente da segunda teoria, tem-se Ihering, cuja concepção de posse assim se explica: ‘(...) corpus é a relação
exterior que há normalmente
entre o proprietário e a coisa,
ou a aparência da propriedade. O elemento material da
posse é a conduta externa da
pessoa, que se apresenta
numa relação semelhante ao
procedimento normal de proprietário. Não há necessidade
de que exerça a pessoa o poder físico sobre a coisa, pois
que nem sempre este poder
é presente sem que com isto
se destrua a posse. O elemento psíquico, animus, na teoria
objetivista de Ihering não se
situa na intenção do dono,
mas tão-somente na vontade de proceder como procede habitualmente o proprietário - “affectio tenendi” - independentemente de querer ser
dono.’
Adotou o Código Civil
Brasileiro a teoria objetiva, na
medida em que considera
posse a visibilidade do domínio.
Neste momento, pertinente recordarmos o conceito do instituto da oposição:
‘Segundo o art. 56 do
Código de Processo Civil,
‘quem pretender, no todo ou
em parte, a coisa ou o direito
sobre que controvertem autor e réu poderá, até ser proferida a sentença, oferecer
oposição contra ambos.’ Consiste a oposição, portanto, na
‘ação de terceiro para excluir
tanto o autor como o réu.’
Com essa intervenção no processo alheio, o terceiro visa a
defender o que é seu e está
sendo disputado em juízo por
outrem. É medida de livre iniciativa do terceiro, simples faculdade sua, visto que nenhum
prejuízo jurídico pode lhe causar a sentença a ser proferida num processo em que não
figura como parte. Mas, sem
dúvida, pode o processo alheio
acarretar-lhe dano de fato,
que exigirá, mais tarde, uma
outra ação para obter a respectiva reparação’.
Compulsando a peça
vestibular da presente oposição, infere-se objetivar a Companhia Imobiliária de Brasília o
O Magistrado
45
reconhecimento da propriedade do imóvel disputado no feito de manutenção de posse
(...) Confira-se:
‘c) que, ao final, julgar
procedente a presente Oposição e reconhecer à Opoente
a posse e o domínio de que é
titular sobre o imóvel, dignando-se, ainda, determinar a restituição da gleba à dita Opoente;” (fls. 10).
(...) Constato, ainda, a
juntada de certidão de registro de imóveis (fls.12), comparecendo prematuro descartar-se, de plano, a possibilidade de a aludida Companhia ser
a titular do direito invocado.
Forçoso concluir que, indubitavelmente, pode a citada manutenção acarretar à Opoente, ora Apelante, efetivo dano,
que exigirá, mais tarde, uma
outra demanda para obter o
respectivo ressarcimento.
Ademais, não se olvide
que a posse é a visibilidade do
domínio, nada impedindo que,
a meu aviso, por meio de oposição, a TERRACAP persiga,
desde já, o reconhecimento da
propriedade do imóvel em litígio,
antes de um suposto prejuízo a
demandar reparação, homenageando-se, inclusive, o princípio
da celeridade processual.
Essas as razões por que
DOU PROVIMENTO ao recurso, a fim de que o feito retorne ao juízo monocrático, para
regular prosseguimento.
É o meu voto (...)”. negritei. Os fundamentos doutrinários contrários a esse entendimento, outrossim, repousam
nas lides em que as áreas são
privadas e bens disponíveis que
podem ser objeto de usucapião. Assim preleciona HUMBERTO THEODORO JÚNIOR,
46 O Magistrado
ao afirmar que “(...) como tutela de mero fato, o interdito
possessório representa prestação jurisdicional provisória, destinada apenas a manter a paz
social, através da preservação
de um estado fático, enquanto se aguarda, no processo e
tempo adequados, a eventual
composição, definitiva e de direito, a respeito do direito real
envolvido no dissídio (...)” .
Como se vê, ao preponderar tais reflexões em se cuidando de bens públicos, ao
contrário, estaríamos colaborando para a quebra da paz
social, citando-se como exemplo as recentes invasões em
áreas rurais e urbanas – públicas e privadas – por membros
de movimentos de pessoas intituladas como “SEM TERRA”
e “SEM TETO”.
THEOTÔNIO NEGRÃO,
ao comentar o art. 923 do
CPC, lembre-se, o dispositivo
que veda na pendência do processo possessório intentar
ação reivindicatória, pondera:
“(...) A conseqüência
prática desta disposição será
que o possuidor não proprietário, desde que ajuíze ação possessória, poderá impedir a recuperação da coisa pelo seu legítimo dono; ficará este impedido de recorrer à reivindicação,
enquanto a possessória não
estiver definitivamente julgada.
Como essa conclusão parece absurda, embora fundada
na letra clara da lei, a doutrina e
jurisprudência têm reagido contra ela (...)”. o destaque é meu
E quando estará definitivamente julgada a ação possessória? Ficará o proprietário
à espera, sofrendo não somente a indisponibilidade de
seu patrimônio, mas a própria
indisponibilidade do direito de
ação, de oposição, condicionado a resolução de demanda,
envolvendo somente terceiros,
já que não é parte?
A análise jurídica e o bom
senso nos levam à teratologia
da interpretação a ser dada,
máxime em sede de direito público, sobre bem imprescritível,
indisponível, inalienável, insuscetível de posse e vedado o
usucapião. Mais: se não induzem posse os atos de mera
permissão ou tolerância, nos
exatos termos do art. 1.208
do Código Civil, como obstar
ao ente público o direito de
ação, condicionando-o, a um
evento futuro e incerto?
Este dispositivo, assim interpretado nesta seara, fere
frontalmente o direito de ação
previsto no art. 5°, XXXV e os
arts. 183 §3° e 191, parágrafo único que vedam o usucapião em bens públicos, todos
da CF.
A questão ao que parece, transcende as normas de
direito privado puro, e ainda
não foi apreciada pelos Tribunais diante da nova ordem
constitucional e mudanças do
Código Civil, somados ao fator social.
Em conclusão, perfeitamente cabível e admissível o
ente público intervir como opoente em ação possessória
onde litigam particulares, desautorizados, com fundamento no domínio, quando se tratar de bem público.
Jansen Fialho de Almeida é juiz de
Direito do Tribunal de Justiça do
Distrito Federal e Territórios, titular
da Vara Cível de Planaltina - DF e
vice-presidente do Instituto dos Magistrados do Distrito Federal –
IMAG-DF.
O Magistrado
47
48 O Magistrado
Carlos Tiburcio/O Magistrado
Pedro Aurelio
deixa o TJDF
Desembargador continua dando aulas e pretende voltar a estudar francês,
inglês e aprender tocar violão e cavaquinho
D
epois de 38 anos de serviço público, dos quais 28
dedicados à magistratura, o
desembargador Pedro Aurélio Rosa de Farias, 57 anos,
se despediu do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal, no
último dia 11 de agosto, com
o sentimento de missão cumprida. “Quem assumir o meu
lugar, não encontrará nenhum
processo ou acórdão”. Ele sai
decepcionado com alguns
membros do Judiciário local e
com saudades de outros.
Agora, Pedro Aurélio pretende advogar nos tribunais superiores e em outros estados,
dar aulas e se dedicar mais à
família. “Agora vou viver minha vida com tranqüilidade”,
afirma.
Acusado de vender habeas corpus ao traficante Alexandre de Lima e Silva, conhecido como Chaves, Pedro
Aurélio está decepcionado
com o TJDF por causa dos
procedimentos que envolvem
o seu nome. “Há colegas que
preferiram acreditar em um
bandido e isso não me deixou muito confortável. Além
disso, não permitiram que eu
fizesse minha defesa. Esse
foi um dos principais motivos
para que eu pedisse minha
aposentadoria, apesar de já
estar pensando nessa hipótese há alguns anos”, esclarece o desembargador.
Outro ponto que pesou
na decisão foi a Reforma da
Previdência, em votação na
Câmara dos Deputados, que
pode até reduzir os vencimentos dos magistrados.
“Quando ingressei na magistratura, eu sabia dos meus
direitos. Tinha a segurança.
Hoje, as regras não estão
definidas, o que prejudica
muito quem pensa em ingressar no serviço público. O cortador de cana, aquele bóiafria, até que tem mais direitos que um juiz. Ele tem tempo de usufruir de sua família,
de seu lar, da sua vida. O juiz
não, pois o Estado pode convocá-lo a qualquer momento
e ele tem que estar pronto.
A situação está tão grave
que os juízes, pela primeira
vez na história, cogitaram
uma greve. Isso é um absurdo”, exemplifica.
Agora, afastado temporariamente dos tribunais –
“Pretendo pedir meu registro
na OAB para advogar nos tribunais superiores e em outros estados, principalmente
no meu Rio de Janeiro” – o
desembargador quer continuar sua vida acadêmica. “Toda
minha família é formada por
professores. Está no DNA”,
explica o mestre, formado
pela antiga Universidade do
Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), que é diretor nas Faculdades Planalto e professor
no UniCeub.
Além disso, Pedro Aurélio vai realizar um antigo sonho: aprender a tocar violão
e cavaquinho. “Já fiz minha
inscrição no Clube do Choro”,
revela. “Também quero voltar a estudar francês, inglês,
jogar tênis, ir ao teatro, ao
cinema... Enfim, vou voltar a
viver como qualquer pessoa.
Quero viver sossegado”. O
desembargador lembra ainda
que deixa amigos de longa
data no TJDF.
Sobre as denúncias de
vendas de habeas corpus, Pedro Aurélio diz que vai provar
sua inocência, que nunca perseguiu ninguém e que não
guarda mágoas dos colegas
que o investigam. “Fui um
bom juiz. Só deixei preso
quem merecia. Quem não
merecia e cumpria os preceitos da lei, ficava em liberdade, que é a coisa mais valiosa para o homem. Só quero
dizer que o ódio leva ao câncer e as pessoas que quiseram me crucificar, não vão
colocar a cabeça no travesseiro e dormir com a consciência tranqüila, como eu, que
saiu com o dever cumprido”.
Com relação à Reforma
da Previdência, o desembargador teme que os políticos
prejudiquem o Poder Judiciário, inclusive o Ministério Público. “Os políticos já desmontaram as Forças Armadas,
querem acabar com o Banco
do Brasil e assim por diante.
Pensei que o governo Lula
mudaria isso. Porém, o que
vemos, é o Brasil se tornar
uma colônia dos Estados Unidos, como quer o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Temo que a Reforma da Previdência torne a carreira de
juiz sem atrativos. Assim sendo, só ingressará na carreira
os maus profissionais do Direito. Será melhor ser advogado”, conclui.
O Magistrado
49
Carlos Tiburcio/O Magistrado
O desembargador Pedro Aurélio pediu aposentadoria do TJDF, mas continua lecionando Direito
A defesa do
desembargador
O Magistrado em Revista publica, com exclusividade, a defesa do
desembargador Pedro Aurelio
E
XMO. SENHOR DESEMBARGADOR
ASDRÚBAL NASCIMENTO LIMA
DD. RELATOR DO PAD. 1219/2003
PEDRO AURELIO ROSA DE FARIAS,
brasileiro, casado, Desembargador do Tribunal
de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios,
residente e domiciliado nesta capital, portador da
Carteira de Identidade nº 046/TJDF e do CPF nº
060.807.747/04, nos autos do processo em
epígrafe, por seu advogado devidamente
constituído, vem à presença de V. Excia., em
atendimento ao respeitável despacho de fls.,
para ofertar sua
50 O Magistrado
DEFESA
Aduzindo os fatos e razões de direito que passa
a expor e elucidar devidamente:
1. É imperativo que inicialmente a defesa externe
a sua inconformidade pela maneira com que o
defendente foi exposto à execração pública pela mídia
enodoando sua vida de juiz probo que sempre procurou
pautar sua judicatura por uma célere e criteriosa
prestação jurisdicional, despontando como um dos
mais operosos juizes da Corte que, por não temer
qualquer tipo de investigação, não pode concordar com
a forma que está sendo conduzido este processo
administrativo. Em última análise o açodamento com
que a mídia está a impelir o andamento do procedimento
procura, sem dúvida alguma, atingir em cheio a
dignidade da própria justiça desmoralizando os seus
juízes de forma inclemente sem que lhes seja dado o
direito sequer de verem atendidos os seus direitos
constitucionais mais elementares como se
demonstrará.
2. A democracia não pode sobreviver sem a
independência dos seus juízes e nem pode ela abstrairse do princípio basilar do estado de direito democrático
segundo o qual devem os juízes julgar baseando suas
decisões fundamentadas unicamente no seu livre
convencimento e nos rigores da lei. Se a lei está errada
que se as mudem. Não compete aos juízes discutir as
leis, mas sim lhes dar a garantia do seu efetivo
cumprimento, como membros que são de um dos mais
nobres e fundamentais Poderes do Estado.
3. Apesar de reconhecer-se que as
investigações levadas a efeito pelo Ministério Público
do Distrito Federal não têm qualquer valor jurídico,
conforme recentíssima decisão da e. 2a. Turma do
Excelso Pretório, o que é absolutamente estranhável
é o notório interesse do Parquet em querer, a qualquer
custo, ingressar no Procedimento Administrativo a
ponto de impetrar dois Mandados de Segurança contra
o Relator do presente; um para ter vista dos autos, e
outro para fazer com que o defendente seja levado
açodadamente a julgamento, apesar do Ministério
Público local não ter qualquer legitimidade para
ingressar no presente processo como custos legis,
dominus litis, ou mesmo como interessado (docs. 1 e
2).
4. A se admitir - ad argumentandum tantum - o
exercício do interesse do Parquet no caso, quem
poderia ingressar no feito, ainda assim com reservas
nessa fase incipiente seria o Ministério Público Federal
qualificado para funcionar junto ao Superior Tribunal
de Justiça, único foro competente para o julgamento
do defendente quanto à parte criminal.
5. Aliás, contra decisão liminar concedida
indevidamente no Mandado de Segurança nº
2003.00.2.004377-0 manejou o ora defendente
igualmente o Mandado de Segurança nº
2003.00.2.004895-4 do qual é Relator o eminente
Desembargador Valter Xavier, que concedeu medida
liminar que possibilitou o acesso da defesa aos
presentes autos, bem como a retomada da condução
do processo a V. Excia. conforme determina a lei
vigente (docs. 3 e 4).
Inconformado com a concessão da medida
liminar concedida no writ pelo MM. Desembargador
Valter Xavier, o Ministério Público do Distrito Federal
requereu suspensão da segurança perante o colendo
Supremo Tribunal Federal e teve o seu pleito rechaçado
ex abrupto pelo Exmo. Sr. Presidente da Suprema
Corte (doc. 5).
6. Por outro lado, é estranho que diante de
indícios tão tênues e levando-se em conta que nas
conversações telefônicas gravadas que constam dos
autos, nas quais nenhuma pessoa se refere
nominalmente ao ora defendente, limitando-se a afirmar
por ouvir dizer que ocorrera pagamento em seu favor
para que fosse concedida uma liminar em pedido de
habeas corpus, se possa dar crédito à palavra de
pessoas inidôneas que, mesmo assim, não tiveram
condições de afirmar o envolvimento direto do
defendente com nenhuma das pessoas que foram
ouvidas pela Comissão.
7. Embora seja absolutamente estranha a
conclusão da Comissão Sindicante no sentido de
concluir pela ocorrência de crime em tese contra o
defendente, muito embora não tenham sido esgotadas
as oitivas de pessoas envolvidas ou a análise da prova
que poderia ter sido produzida pelo defendente se lhe
tivesse sido permitido o acesso aos autos na fase
inquisitorial, a defesa vai procurar contrapor aos
depoimentos produzidos - em homenagem à busca da
verdade real - os fatos que devem ser elucidados de
maneira isenta, esclarecendo que a ninguém interessa
mais a elucidação dos fatos do que ao ora defendente
que está com a sua honra conspurcada de forma tão
vil e a carreira decepada pela incúria de alguns e a
desonestidade de outros.
RESUMO DOS FATOS E DAS PEÇAS DOS
AUTOS
DEPOIMENTO DO MM. JUIZ GILMAR TADEU
SORIANO
8. Constam das declarações prestadas pelo MM.
Juiz Gilmar Tadeu Soriano às fls. 12:
" ( ... ) que na semana do recebimento da
denúncia e decretação da prisão preventiva, bem como
nos outros dias seguintes, recebeu a procura de alguns
Magistrados; que além da procura do Desembargador
Wellington também recebeu algumas ligações do
Gabinete do Desembargador Pedro Aurelio, mas em
virtude do acúmulo de serviços e do atendimento a
partes interessadas do feito em questão não teve
oportunidade de atender ... que os telefonemas vinham
do Gabinete do Desembargador Pedro Aurelio, mas
não do próprio Desembargador Pedro Aurelio; que quer
esclarecer que tais telefonemas foram contemporâneos
aos do Desembargador Wellington; que não teve
contato nenhum com o Desembargador Pedro Aurelio,
não sabendo qual a razão dos telefonemas .... " (os
destaques são nossos).
9. Posteriormente, perante V. Excia., eminente
Relator do presente, esclareceu o MM. Juiz Gilmar
Tadeu Soriano (fls. 334/5):
"( ... ) que, inicialmente, confirma integralmente
suas declarações de fls. 12/4, as quais teve
oportunidade de fazer uma releitura neste ato; que se
recorda que na oportunidade informou que não chegou
a ter contato com o Desembargador Pedro Aurelio,
que nem mesmo se as ligações, que foram do gabinete
do Desembargador Pedro Aurelio, foram produzidas
pelo próprio Desembargador ou por qualquer outro
funcionário; que realmente no mês de janeiro ou
fevereiro desse ano foi procurado através do telefone
pelo Desembargador Pedro Aurelio, que pretendia que
o Declarante o substituísse em algumas Turmas, na
regência de aula, no CEUB, na disciplina de processo
civil; que informou ao Desembargador que estava muito
ocupado e não poderia atender o seu pedido, pois está
realizando obras em casa; que pode afirmar que nos
idos de setembro de 2.002, por ocasião dos
O Magistrado
51
procedimentos de interceptação telefônica não teve
qualquer contato com o Desembargador Pedro Aurelio;
que somente mantiveram contato nos meses de janeiro
ou fevereiro de 2003; que em data que não se recorda,
encontrou-se com o Desembargador Pedro Aurelio,
casualmente, na garagem do Tribunal, quando ele
comentou que pretendia lhe fazer um convite, não
chegando a entrar em detalhes ... ".
10. É necessário que se esclareça que o MM.
Juiz Gilmar Tadeu Soriano foi adjunto do defendente
por dois ou três semestres, na cadeira de Processo
Civil II, e como este havia sido convidado para assumir
a Chefia do Departamento de Direito do IESPLAN, era
necessário arranjar um substituto para as duas turmas
do curso matutino. Como o Dr. Gilmar havia
demonstrado grande aptidão para o magistério superior,
foram efetuadas ligações para o seu gabinete em
meados de dezembro de 2002 para convidá-lo a
assumir as duas turmas do curso matutino.
Calhou que esses telefonemas se deram no
mesmo período em que o Juiz da 1a. Vara Criminal
estava recebendo a denúncia e decidindo o pedido de
prisão preventiva dos irmãos Passos, algo que o
defendente desconhecia por absoluto. Talvez por esse
motivo o MM. Juiz Gilmar Tadeu Soriano ter falado que
os telefonemas originados do Gabinete do ora
defendente foram contemporâneos com os do
Desembargador Wellington Medeiros.
Foi pura coincidência os telefonemas se
realizarem na mesma época. Mas de qualquer forma
restou consignado pelo próprio Juiz que os telefonemas
em verdade se referiam apenas a um convite que lhe
foi feito para assumir as suas duas turmas do curso
matutino no UniCEUB. Em nenhum momento foi
mencionado pelo MM. Juiz depoente que qualquer
pedido lhe tenha sido dirigido pelo ora defendente e,
portanto, nada havendo relativamente a tráfico de
influência.
DEPOIMENTO DO MM. JUIZ PEDRO DE
ARAÚJO YUNG-TAI NETO
11. O MM. Juiz Pedro de Araújo Yung-Tai Neto,
às fls. 15 afirmou:
"(...) que o MM. Juiz de Direito Substituto, Dr.
Carlos Eduardo Batista dos Santos também chegou a
comentar com o depoente que teria sido chamado pelo
Desembargador Pedro Aurelio Rosa de Farias para
comparecer até o gabinete deste, o qual teria
conversado acerca do processo de parcelamento
irregular de solo urbano em trâmite da 1a. Vara Criminal
de Brasília/DF, não sabendo maiores detalhes do
encontro ..."
12. Necessário se faz que se confira a declaração
acima com o que foi afirmado pelo próprio MM. Juiz
Carlos Eduardo Batista dos Santos às fls. 17/9:
" (...) - que, salvo engano, na véspera da sessão
do julgamento que concedeu Habeas Corpus a Pedro
Passos, o Depoente atendeu a um telefonema que lhe
foi dirigido pela Assessoria do Desembargador Pedro
Aurelio Rosa de Farias, pedindo ao Depoente que
comparecesse ao seu Gabinete; que aproximadamente
às 18h30min daquele mesmo dia o Depoente se dirigiu
ao Gabinete do referido Desembargador; que em
52 O Magistrado
conversa reservada no interior do Gabinete, apenas na
presença do Desembargador Pedro Aurelio, este
externou sua preocupação em ver o Poder Judiciário
freqüentemente lançado nos jornais como pivô de uma
questão política; que externou ao Depoente o seu
entendimento sobre a (des)necessidade da
manutenção da prisão preventiva dos denunciados; que
as razões invocadas pelo Desembargador Pedro Aurelio
foram as mesmas declinadas em seu voto proferido no
dia seguinte; que a conversa durou aproximadamente
40 minutos, mas em nenhum momento foi solicitado
ou, no entendimento do Depoente, insinuado qualquer
decisão do Depoente em face dos incontáveis pedidos
de revogação que continuaram sendo distribuídos
àquela Vara; que ao ouvir as considerações tecidas
pelo Des. Pedro Aurelio, o depoente disse: "Apesar
de entender inicialmente de modo diverso, gostaria de
assumir um compromisso com V. Excia. O único
compromisso que eu posso assumir é o de analisar
com toda atenção os pedidos que chegaram ao meu
conhecimento, decidindo de forma bastante fundamen
tada, seja em um sentido, seja em outro"; que como
já esclareceu anteriormente, o Desembargador Pedro
Aurelio antecipou o seu voto no Habeas Corpus,
acrescentando que provavelmente seria voto vencido;
que o depoente em contato com o Dr. Gilmar recebeu
dele a informação de que estava preocupado com
possíveis tentativas de influência em relação ao referido
processo ... " (Os destaques não são do original).
13. O próprio Juiz Carlos Eduardo afirma
categoricamente que "em nenhum momento foi
solicitado ou, no entendimento do Depoente, insinuado
qualquer decisão do Depoente" pelo ora defendente,
portanto não se podendo vislumbrar a ocorrência de
tráfico de influência.
O contato feito com o MM. Juiz Carlos Eduardo
teve um único objetivo para que o ora defendente
pudesse tomar conhecimento dos fatos com o colega
e assim sedimentar o seu entendimento da
desnecessidade da preventiva contra Pedro Passos e
seus irmãos, pois foi o ora defendente quem buscou
com o Juiz informações sobre o que estava ocorrendo
no processo, e não o contrário . O próprio Juiz afirmou
que nada lhe foi pedido - o que é a mais absoluta
verdade.
Havia necessidade de que fossem obtidas
informações dele sobre o que estava acontecendo nos
autos em função da decisão que teria que ser proferida
no dia seguinte, dado que o processo não parava no
Cartório, tantos eram os Promotores ali intervindo e
requerendo providências, o mesmo ocorrendo com os
advogados das partes.
Mais uma vez é fundamental que se destaque
que em nenhum momento nada foi pedido ao juiz. Não
houve tráfico de influência.
DEPOIMENTO DO MM. JUIZ CARLOS PIRES
SOARES NETO
14. Foi afirmado às fls. 22/3 pelo MM. Juiz Carlos
Pires Soares Neto:
(...) que no mês de fevereiro deste ano,
precisamente no dia 15, (... NOTA DO AUTOR - uma
sexta-feira ) ... recebeu um telefonema no Gabinete do
colega da 1a. Vara de Entorpecentes e Contravenções
Penais, de nome Vilmar Barreto, pedindo que fosse
atendido o seu irmão Advogado Manoel Barreto; que
foi dito pelo Depoente que não costumava atender
advogados naquelas circunstâncias e que se o pedido
fosse para analisar qualquer postulação quanto à
liberdade de algum réu que fosse formulado por escrito,
pois seria apreciado pelo Depoente o mais breve
possível; que na terça feira seguinte (... NOTA DO
AUTOR - DIA 19 DE FEVEREIRO ... ) o depoente
recebeu um telefonema em sua residência na parte da
manhã do Desembargador Pedro Aurelio, no qual ele
fazia um pedido para que uma determinada pessoa
fosse colocada em liberdade pelo fato de que o
flagrante poderia ter sido forjado diante da prisão
efetuada por uma equipe de repressão a roubos,
segundo o Desembargador a pessoa havia sido presa
era filho de um motorista do TJDF e que conhecia a
família; que o Desembargador dizia que estranhava o
fato da prisão ter sido realizada pela Delegacia de
Repressão a Roubos e a pessoa ter sido indiciada por
tráfico; que o Desembargador ponderou que a pessoa
poderia aguardar julgamento em liberdade e caso
viesse a ser condenado seria recolhido; que o Depoente
indagou o nome da pessoa e por ele foi respondido
Alexandre, dizendo o nome completo; que no mesmo
dia o depoente examinou então ao chegar no Fórum o
flagrante quando percebeu que já havia uma denúncia
oferecida contra Alexandre, vulgo Chaves, e demais
acusados, tendo então recebido a peça acusatória e
designado data para os interrogatórios para a terçafeira seguinte; que na sexta-feira (... NOTA DO AUTOR
- DIA 22 DE FEVEREIRO...) no período da manhã o
Depoente telefonou na residência do Desembargador
e informou-lhe que o flagrante estava perfeito sob o
aspecto material e formal e que já havia recebido a
denúncia e designado data dos interrogatórios; que o
Desembargador então insistiu se o fragrante estava
"redondo" e se não dava mesmo para liberar o acusado;
que no dia 26 de fevereiro, data designada para os
interrogatórios, o Depoente constatou que o acusado
Alexandre, vulgo Chaves, foi o único que não foi
apresentado pela polícia, oportunidade em que o
Depoente tomou conhecimento que o referido acusado
havia sido colocado em liberdade por força de
concessão de uma liminar pelo Des. Pedro Aurelio,
na noite de 22 de fevereiro;... que um dos advogados
do co-réu Ney Silva, que se encontrava preso, fazia-se
presente por ocasião daquele ato; que se tratava do
advogado Mário de Almeida, que ao depoente foi
revelado por intermédio do Diretor do Cartório Marcelo
Bianchini que o citado Advogado declarou por várias
vezes que o que valia era a "Lei do Real "; que
posteriormente, o delegado da 12a. DP de Taguatinga
procurou pelo depoente e representou por várias
interceptações telefônicas que foram deferidas pelo
Depoente, dando ensejo a uma nova ação penal da
qual também constava a pessoa de Alexandre, vulgo
Chaves, como o líder de uma organização criminosa
de tráfico de entorpecentes, com base de atuação
principalmente nas cidades-satélites de Taguatinga e
Ceilândia; que nas degravações verificava-se a
existência de um esquema no Tribunal de Justiça para
favorecer os membros da organização criminosa
mediante o pagamento de certas quantias; que nas
degravações foi citado o valor de duzentos mil reais;
que também nas degravações o advogado Manoel
Barreto dava total garantia ao próprio Chaves e até
mesmo para os seus familiares de que mantinha contato
com o Desembargador e que tudo daria certo; que em
outro diálogo de Chaves com terceiro comparsa, Chaves
esclarecia que o seu esquema é que era bom; que
segundo as degravações, o esquema consistia em
procurar o Desembargador em horário noturno, após o
expediente normal ...que desde que ingressou na
magistratura, cerca de 8 anos, nunca recebeu outro
chamado de qualquer Desembargador; que no primeiro
diálogo o Des. Pedro Aurelio afirmou que havia orientado
os familiares do acusado Alexandre, vulgo Chaves, a
requererem relaxamento de prisão e não liberdade
provisória ... que o depoente deseja esclarecer que o
Advogado Manoel Barreto acompanhava em segundo
grau o andamento dos processos referentes ao
acusado Alexandre. Vulgo Chaves, nesta Corte,
retirando-os da Secretaria sem procuração nos autos
e devolvendo-os sem petição ... " (Os destaques não
são do original).
15. É muito estranho o relato dos fatos pelo Juiz
Carlos Pires Soares Neto, que certamente equivocouse em muito ao insinuar que lhe fora feita qualquer
espécie de pressão para que o acusado Alexandre
fosse solto, pois não foi assim que a conversa entre
ele e o ora defendente transcorreu.
16. Primeiro porque não é hábito profissional ou
pessoal do ora defendente interferir em trabalho de
qualquer colega, principalmente quando este não é
pessoa amiga e ou próxima. O Juiz Carlos Pires é
pessoa de trato difícil e ferrenho adversário político do
ora defendente, ligado intimamente ao grupo do
Desembargador Mário Machado, outro seu desafeto
no Tribunal, contra o qual, aliás, foi interposto Incidente
de Suspeição.
17. A se admitir que houve o pedido "para que
uma determinada pessoa fosse colocada em liberdade"
nos termos colocados pelo Juiz, o que se admite
apenas a título de argumentação, não tendo o ora
defendente a menor intimidade com o citado Juiz, é no
mínimo muito estranho que lhe fosse dirigir pedido de
tal natureza, coisa que nunca fez mesmo em relação
aos juízes com os quais mantém relacionamento de
amizade.
18. Por outro lado, não é sequer compreensível
que um Desembargador, hierarquicamente na condição
de rever e ou modificar decisões de primeiro grau, fosse
se dirigir a um Juiz com o qual não tem qualquer
intimidade e ou relacionamento cordial, sendo mesmo
seu desafeto, para lhe solicitar que colocasse alguém
em liberdade, o que poderia fazer sem nenhuma
dificuldade e dentro das normas regimentais.
19. Realmente houve o contato do ora defendente
com o citado Juiz na data mencionada, e isto foi feito
de forma indignada e constrangida, porque ao ora
defendente fora comunicado que o mesmo se recusava
terminantemente a receber um advogado para
despachar um simples pedido de relaxamento de
prisão.
O Magistrado
53
Como é fato público e notório que citado Juiz é
daqueles que não recebe partes ou advogados em seu
Gabinete, o ora defendente aquiesceu a atender a uma
queixa formulada por um advogado, de que o mesmo
não estava lhe recebendo para simples despacho
(atestado pelo documento anexo - doc. 6).
20. A Lei Orgânica da Magistratura Nacional,
Lei Complementar n° 35/79, prevê em seu art. 35, IV,
que o Juiz deve:
"tratar com urbanidade as partes e membros do
Ministério Público, os advogados, as testemunhas, os
funcionários e auxiliares da Justiça, e atender aos que
o procurarem, a qualquer momento, quando se trate
de providência que reclame e possibilite solução de
urgência ... ",
21. Deste modo, o ora defendente realmente
telefonou ao Juiz solicitando-lhe tão somente que
recebesse o advogado reclamante, que portava um
pedido fundamentado de relaxamento de prisão de um
acusado, que teria sido preso em situação anormal
em uma diligência de policiais da Delegacia de
Repressão a Roubos. Só isso! Em nenhum momento
foi feita qualquer solicitação para que o pedido fosse
deferido, ou em "flagrante redondo" ou qualquer outro
termo nesse sentido.
22. Ao receber posteriormente, em retorno, a
ligação do Juiz, que foi igualmente breve, oportunidade
em que o mesmo afirmou que o relaxamento havia sido
negado porque a denúncia fora por ele recebida, o ora
defendente agradeceu a "gentileza" de haver atendido
ao advogado e ao familiar do interessado, desligando
o telefone. Repele-se com energia a assertiva de que
tenha havido qualquer pressão sobre o Juiz para que
soltasse o acusado Alexandre, tendo-lhe sido apenas
solicitado que atendesse com urbanidade ao advogado
e ao interessado pois o mesmo reconhecidamente não
gosta de receber partes e advogados em seu gabinete,
o que por sinal é um dever do juiz.
23. Ao contrário do que o juiz afirma em seu
depoimento perante a Comissão de Investigação, o
defendente não poderia nunca ter aconselhado a família
do acusado a fazer algo, simplesmente porque não são
pessoas do seu relacionamento e com eles nunca
manteve qualquer contato para tratar de qualquer espécie
de assunto, o que pode ser apurado e colhido nos
depoimentos prestados pelo próprio traficante e de seus
familiares, como se pode constatar nas peças em apenso.
Em nenhuma passagem os familiares do traficante, ou
mesmo o próprio, afirmam que tiveram algum contato
com o ora defendente ou que tenham recebido deste
qualquer orientação jurídica, pois já seria um completo
absurdo o simples fato de se admitir tal hipótese.
24. O que é absolutamente censurável e que se
depreende de depoimentos prestados perante a douta
Comissão de Sindicância é que membros do Ministério
Público (sempre os mesmos da Promotoria de
Acompanhamento de Parcelamento Ilegal de Solo
Urbano) prometeram ao traficante Alexandre e a seus
pais todos os benefícios que a lei permite, caso
envolvessem o nome do ora defendente em seus
depoimentos.
25. Deve ser ainda considerado, a título de
argumento e desqualificação de seu testemunho, que
54 O Magistrado
este depoimento prestado pelo juiz contradiz as
declarações feitas pelo próprio delegado que conduziu
a interceptação dos telefones da quadrilha. Enquanto
o delegado afirma que em nenhum momento falou-se
no nome do juiz ou do desembargador Pedro Aurelio,
o juiz em seu depoimento fala sempre "no
desembargador", como se já estivesse certo e definido
que este seria o juiz envolvido com a quadrilha.
26. Deve ainda ser levado em consideração que
na cabeça do juiz o ora defendente já está respondendo
a um procedimento por desvio de conduta, como se
pode ver dos ofícios por ele remetidos ao
Desembargador Corregedor e ao Presidente do Tribunal
de Justiça, que estão às fls. 119 e 120.
Quando o juiz prestou depoimento à Comissão
de Sindicância já estava claramente impregnado pela
certeza de que o ora defendente era realmente o juiz
ou desembargador envolvido com o crime, convicção
formada pelo íntimo contato e pela profunda amizade
que mantém com o Promotor de sua Vara, e com os
demais membros do Ministério Público que atuam na
área de repressão ao parcelamento irregular do solo
urbano, grupo esse que chega mesmo a reunir-se
semanalmente no Bar Carpe Diem da 104 Sul, tanto
que em um ato falho referiu-se em seu ofício a um
procedimento aberto contra o ora defendente para
apuração de desvio de conduta, procedimento esse
absolutamente inexistente no Tribunal de Justiça.
27. O juiz adiantou-se a uma decisão, dando
claramente a entender que na época do seu
depoimento o mesmo já estava convicto de que o ora
defendente houvera praticado um ato de desvio de
conduta.
O mais estranhável e, por absurdo que pareça,
foi a atitude da douta Comissão Sindicante que
desprezou inteiramente prova contundente contida nos
autos contra "um juiz" que teria ordenado a prisão da
quadrilha por pura vingança conforme se constata das
gravações de fls. 1.887 (apenso nº 10) quando um
homem não identificado, possivelmente um policial,
conversa com uma mulher , também não identificada,
afirmando, verbis:
"Homem - Só que ele pagou o dinheiro e alguém
deram o balão e deram o restante do dinheiro para
alguém, ai ficou o juiz mais não sei quem sem receber
e ai o juiz aloprou e mandou recolher o Chaves com
tudo que tinha de companhia dele ta ele e todos aqui.
Só a neném que foi liberada, o restante das mulher ta
tudo aqui, ... (sic). (Os destaques não estão no original).
Mais abaixo, no 13º apenso, às fls. 2.599/2.600,
em um diálogo gravado entre alguém chamado Rubens
e uma mulher, identificada por Maria, reitera-se a
acusação acima literalmente, com o seguinte teor,
verbis:
"Rubens - Fala pra ela ... o problema foi o
seguinte: é porque o negócio ... aquele negócio do
Chaves, o Chaves pagou aquele dinheiro, né?
Maria - Sei.
Rubens - Pra sair. Só que ele pagou o dinheiro e
alguém deram o balão e num deu o restante do dinheiro
alguém, tá entendendo?
Maria - Hunrum.
Rubens - Ficou faltando um juiz mais num sei
quem sem receber. Aí, o juiz aloprou e mandou recolher
todo mundo. Recolheu o Chaves com tudo que tiver de
companhia dele. (Os destaques não são do original).
Maria - Hã?
Rubens - Então pegaram todo mundo. Ta todo
mundo aqui, Tem quarenta e poucos aqui. Entendeu?
"... (sic).
Aqui sim está contida uma denúncia séria,
peremptória, indício comprometedor de envolvimento
de um juiz, mencionado por duas vezes pelo menos e
teria sido, segundo se depreende pela prova dos autos,
o MM. Juiz Carlos Pires, o que não se acredita,
entretanto, não poderia a douta Comissão Sindicante,
tão zelosa se mostrara, abandonar ex abrupto essa
linha de investigação e voltar-se unicamente contra a
figura de um Desembargador que em nenhum momento
foi identificado nominalmente de forma direta nas
conversas gravadas. Ao contrário, a sua única
participação concreta nos fatos foi conceder uma
liminar anulando um fragrante ilegal, e após, manter a
prisão do traficante por duas vezes consecutivas.
As declarações do MM. Juiz Carlos Pires, ao
invés de servirem para informar à Comissão dados que
pudessem propiciar a formação de sua livre convicção
sobre os fatos, serviram tão somente para transferir
aos membros da Comissão de Sindicância sua
convicção íntima já formada e sedimentada, a partir de
um processo de cognição viciado pela anterior
intimidade mantida com os acusadores, deturpada
assim pela amizade com os promotores que estão à
frente do caso dos irmãos Passos, que nada tem a ver
com o ora defendente, ou que poderia conduzir à ilação
de que pretende com isso desviar de si o foco
investigativo.
28. Nunca deve ser esquecido que o juiz Carlos
Pires é membro atuante da facção política contrária à
do ora defendente na AMAGIS, fazendo parte integrante
do grupo político comandado pelo Desembargador
Mário Machado, seu colega de "peladas" naquela
associação, e notório inimigo do ora defendente, contra
o qual, aliás, já foi interposta exceção de suspeição
(docs. 7 e 8).
Suas declarações mais parecem uma retaliação
pela vitória obtida nas últimas eleições pela chapa de
oposição, encabeçada pelo MM. Juiz George Lopes
Leite, que foi Vice-presidente na última gestão da
AMAGIS quando a presidia o ora defendente.
DEPOIMENTO DA MÃE DE ALEXANDRE
PRESTADO À COMISSÃO DE INVESTIGAÇÃO DO
PARCELAMENTO DO SOLO URBANO NO DISTRITO
FEDERAL
29. À simples leitura deste depoimento ao qual
se reporta a defesa apenas a título de ilustração dado
que não foram obtidos à luz do devido processo legal
sendo, portanto, nulo, verifica-se que a depoente não
faz qualquer espécie de referência concreta à pessoa
do ora defendente. Faz apenas menção ao seu nome
por conta das insinuações mentirosas feitas pelo
advogado Manoel Barreto, que afirmava, para tirar
proveito próprio, ter relações de negócio com o ora
defendente.
30. Com efeito, afirmou a depoente perante a
COMISSÃO
DE
INVESTIGAÇÃO
DO
PARCELAMENTO DO SOLO URBANO NO DISTRITO
FEDERAL sem que o defendente tivesse acesso,
verbis:
"...que o advogado Manoel Barreto afirmou que
havia "um pessoal no tribunal que soltava", informando
que seria o desembargador Pedro Aurelio; que do valor
total de R$ 200.000,00 o advogado afirmou que a
declarante teria que entregar-lhe R$ 40.000,00 em
dinheiro o qual seria destinado "ao pessoal do Tribunal";
que não importaria o que fosse feito na primeira
instância, pois ele resolveria na segunda instância; que
na ocasião em que esteve na casa do advogado Manoel
Barreto pela primeira vez, o advogado afirmou que sua
esposa era juíza aposentada e que seu irmão era juiz
da primeira vara de Entorpecentes, Vilmar Barreto,
sendo que se o processo tivesse sido distribuído para
tal vara o caso "seria mais fácil ... que na terça feira
seguinte, por volta das 19h a declarante foi novamente
a casa do advogado Manoel Barreto, acompanhado de
seu esposo Vicente, entregou-lhe ao advogado toda a
importância de R$ 40.000,00 em dinheiro, momento
em que o advogado saiu levando tal importância que
seria entregue ao desembargador Pedro Aurelio para
que seu filho fosse solto; que o advogado explicou à
declarante que necessitaria de dois votos favoráveis
no Tribunal para que seu filho fosse solto, sendo que
os desembargadores Pedro Aurelio e Lecir seriam
favoráveis enquanto o desembargador Smanioto seria
contra; que na visita da quinta-feira seguinte a
declarante disse ao seu filho que tinha vendido a casa
e tomado dinheiro emprestado para que conseguisse
a sua liberdade e que quando seu filho fosse solto teria
que vender a casa dela para pagar o restante de R$
160.000,00 porque se não pagasse o advogado disse
que o pessoal mandava voltar para a cadeia; que na
sexta-feira da mesma semana seu filho telefonou-lhe
dizendo que havia sido solto .... que o filho da
declarante contou-lhe que por volta das 19hs do mesmo
dia o Dr. Barreto e o Dr. Assis, advogado que
subscreveu a petição de Habeas Corpus, estavam no
Fórum resolvendo a situação do filho da declarante ...
que chegou a indagar do Dr. Barreto a razão pela qual
era o Dr. Assis quem assinava o Habeas Corpus, sendolhe dito que vários advogados assinavam pelo Dr.
Barreto, sem maiores explicações ... que o filho da
depoente deveria apresentar-se toda semana ao Fórum
e que o advogado Manoel Barreto havia contratado a
advogada Dinalva para acompanhar o filho da depoente
nas audiências ... que a declarante não sabe como foi
feito o pagamento do restante do valor mais tem certeza
que o valor de R$ 200.000,00 foi totalmente pago ...
que o advogado Manoel Barreto pediu também R$
20.000,00 além do valor inicial por ter soltado os demais
colegas do filho da declarante ... que melhor
esclarecendo afirma que os três cheques foram
entregues ao advogado Manoel Barreto como garantia
mas que seu filho iria obter o dinheiro em espécie e
fazer a troca de tais cheques; que no dia 20/05/02 o
filho da declarante passou na residência da mesma
O Magistrado
55
dizendo que havia obtido a importância de R$ 15.000,00
e que iria na residência do advogado Manoel Barreto
"pagar os cheques", só que o cheque não foi entregue
ao seu filho porque faltava R$ 1.500,00; que ao retornar
da casa do advogado Manoel Barreto o filho da
declarante percebeu a presença de policiais próximos
ao portão da garagem do apartamento de seu filho e
resolveu não entrar na garagem .... que neste exato
momento o filho da declarante foi preso por policiais
que possuíam mandado de prisão ... que após tomar
ciência da prisão de seu filho a declarante ligou para o
advogado Manoel Barreto contando-lhe o ocorrido,
ocasião em que o advogado disse-lhe para arrumar
dinheiro e que era para ficar tranqüila e que seu filho e
companheiros, Doca e Robinho seriam soltos no
mesmo esquema da primeira vez, e que "juiz nenhum
de merda"... iria mantê-los presos; que a irmã de Doca
levou a importância de R$ 18.000,00 em dinheiro,
faltando apenas R$ 2.000,00, que a irmã de Robinho,
Neide, levou a importância de R$ 40.000,00, também
em dinheiro, e entregou para o advogado Manoel Barreto
... que apesar da promessa do advogado Manoel
Barreto em soltar os quatro envolvidos o tempo ia
passando e os mesmos continuavam presos, sendo
que a declarante ao indagar ao advogado o motivo da
demora, o mesmo informou que a mídia estava muito
em cima do caso e que o pessoal, a equipe que soltava
estava retrancada; que a declarante afirma que somente
não estavam sendo soltos os nomes das pessoas que
estavam na mídia, mas que outros como Chico de tal,
preso no Gama, também, por tráfico de drogas, havia
conseguido a liberdade; que ficou sabendo que Chico
de Tal havia sido solto porque estava preso com seu
filho e o próprio advogado Manoel Barreto foi quem o
soltou no mesmo esquema narrado no início do
depoimento ... que não teve contato com o
desembargador Pedro Aurelio; que ao que sabe seu
marido Vicente chegou a ouvir a conversa mantida entre
o advogado e o "pessoal que soltava"; que sabe que
seu filho em uma oportunidade revelou que levou
dinheiro ao advogado Manoel Barreto e que este último
passou o dinheiro a uma terceira pessoa que estava
em um carro esperando; que ficou combinando desde
o início, que o serviço do Dr. Manoel Barreto era
garantido, ou seja, que se não fosse obtida a absolvição
o dinheiro pago seria integralmente devolvido à
declarante, razão pela qual seu filho passou a exigir
de Manoel Barreto e devolução do dinheiro já que seu
filho ainda se encontra preso e foi condenado; que o
advogado Manoel Barreto passou a dizer que
conseguiria a redução da pena, fato que a declarante
não aceitou porque o combinado era a absolvição ...
que em certa ocasião o advogado Manoel Barreto
chegou a ameaçá-los de morte, dizendo que se Vicente
o importunasse "encheria o peito dele de balas " ... e
que se o Alexandre achava que estava se dando bem
ele fez foi se afundar, porque o pessoal era muito grande
e forte e que Pedro Aurelio tinha até primo no Supremo
... "
31. Vê-se que em verdade estamos diante de
um perfeito caso de "venda de fumaça" - famoso jargão
policial - que teria sido praticado pelo advogado Manoel
Barreto Pinheiro que, desejando cobrar honorários mais
56 O Magistrado
altos, alardeou prestígio que não tinha e jactou-se de
influências as quais não detinha na realidade, fato que,
sem dúvida alguma, está enquadrado na alçada
profissional da OAB e de seu Código de Ética.
32. A prova de que o advogado Manoel Barreto
Pinheiro era useiro e vezeiro na prática de atribuir-se
grande conhecimento com pessoas da justiça está no
próprio depoimento da mãe do traficante, quando ela
afirma que o Dr. Barreto chegou a dizer-lhe que sua
esposa era juíza aposentada, quando em verdade ela
nunca foi membro da magistratura.
33. Por outro lado é de fato público e notório na
família judiciária que o Dr. Manoel Barreto Pinheiro
sempre se utilizou em seus relacionamentos
profissionais do fato de que seu irmão é Juiz de Direito,
o que, aliás, foi confirmado pela depoente, que ressalta
esse procedimento comum do citado advogado.
34. Do mesmo modo é inverossímil a afirmação
da depoente de que seu filho em certo dia saiu da
casa do advogado para que o mesmo entregasse
dinheiro ao Desembargador Pedro Aurelio, pois em
nenhum momento o traficante afirmou em seu
depoimento que o Dr. Manoel Barreto tenha saído para
entregar qualquer valor para o ora defendente, pois se
assim tivesse efetivamente procedido teria sido
imediatamente preso por este.
35. Em verdade não existem nos depoimentos
alusões diretas à pessoa do ora defendente. Ao
contrário, existem unicamente puras especulações a
respeito do dinheiro que teria sido entregue a não se
sabe quem, pois o Dr. Manoel Barreto para cobrar seus
honorários os quais não teve coragem ou condição de
exigir no montante pretendido, sem qualquer pudor,
afirmara que o dinheiro seria para "seu pessoal" no
Tribunal, o que provavelmente levou a douta Comissão
a tirar ilações equivocadas a respeito do ora defendente
que, repita-se não teve o seu nome diretamente
envolvido por nenhum dos depoentes, exceto o MM.
Juiz Carlos Pires Soares Neto que por razões de ordem
pessoal fê-lo de maneira incorreta.
36. A "venda de fumaça" que praticou o advogado
Manoel Barreto fica tão evidente que, em certo
momento a mãe do traficante Alexandre chega a afirmar
que o causídico lhe dissera que necessitava de mais
dinheiro porque o "pessoal" a que se referira seriam os
Desembargadores Pedro Aurelio e Lecir Manoel da
Luz, o que é verdadeiramente mentiroso e
inconseqüente.
37. O próprio advogado Manoel Barreto, em seu
interrogatório prestado perante o MM. Juiz da 3ª Vara
de Entorpecentes (doc. 9), afirma expressamente que
nunca teve qualquer relacionamento espúrio com o ora
defendente, que nunca lhe deu dinheiro algum e que
nunca lhe foi solicitado nada acerca desses fatos pelo
ora defendente, afirma tão somente que este foi seu
professor na Faculdade e na escola da Magistratura,
mas que nunca teve qualquer intimidade maior com o
ora defendente.
38. Deve ainda ser ressaltado que o traficante
Alexandre de Lima Silva em favor de quem foi impetrado
o Habeas Corpus de nº 2002.00.2.000805-8 pelo
advogado JOSÉ LEOPOLDO DE ASSIS PEREIRA, e
não por MANOEL BARRETO PINHEIRO, e no qual o
ora defendente concedeu liminar (doc. 10), e para a
qual teria recebido uma importância em dinheiro, que,
aliás, nem se apurou o quanto, não teve sequer a
participação do advogado Manoel Barreto, conforme
se constata pelo próprio processo anexo.
39. Por outro lado, posteriormente, em períodos
de tempo inferiores a cinqüenta dias aproximadamente,
duas outras ordens de Habeas Corpus foram negadas
à unanimidade pela e. 1ª Turma Criminal com o voto
do ora defendente, o que demonstra sua isenção em
relação aos fatos e que não existiu qualquer acordo
para favorecer o referido traficante (docs. 11 e 12).
Curiosamente, por ocasião do julgamento de um
desses Habeas Corpus pela e. 1ª Turma Criminal, o
de nº 2002.00.2.004046-8, no qual foi denegada a
ordem, participou o eminente Desembargador Lecir
Manoel da Luz, que foi injustamente envolvido no
depoimento da mãe do bandido.
40. No primeiro Habeas Corpus o defendente
concedeu a ordem porque o flagrante era absolutamente
nulo, por ter sido visivelmente montado, o que
posteriormente ficou esclarecido pelos depoimentos
colhidos dos policiais Anaeno dos Santos Xavier (fls.
336/8) e Carlos Alberto Fortuna Lourenço (fls. 339/41)
que participaram daquela diligência, que confirmaram
a V. Excia., eminente relator deste PA, que montaram
aquela estória de perseguição a um veículo furtado
apenas para proteger um informante que mantinham
na quadrilha e que poderia ser morto caso descoberto.
41. É cediço que o auto de prisão em flagrante
deve conter com exatidão todos os fatos do momento
da sua ocorrência, nos exatos termos do que dispõe o
artigo 304 do Código de Processo Penal. Qualquer
alteração da realidade dos fatos detectada na lavratura
do flagrante acarreta a sua nulidade.
42. Nas entrelinhas de seu depoimento a mãe
do traficante, Maria Gorete de Lima Silva (fls. 261/66),
demonstra claramente que foi enganada pelo advogado
Manoel Barreto Pinheiro, e que o seu interesse na
questão cinge-se apenas na devolução dos honorários
indevidamente pagos, pois referido advogado sequer
impetrou o Habeas Corpus em favor do seu filho, mas
sim o advogado José Leopoldo de Assis Pereira,
conforme demonstrado pela documentação ora
acostada aos autos.
43. Afinal, seria no mínimo risível, não fora a
crueldade das maldosas insinuações, que a pessoa
que segundo a mãe do traficante, o advogado Manoel
Barreto afirmou haver pago, fosse o mesmo
Desembargador que acabou por mandar seu filho para
a prisão por duas outras vezes.
DEPOIMENTO DO PAI DE ALEXANDRE
PRESTADO À COMISSÃO DE INVESTIGAÇÃO DO
PARCELAMENTO DO SOLO URBANO NO DISTRITO
FEDERAL
44. Também deste depoimento se vale a defesa
apenas a título de referência dado que o mesmo está
eivado de nulidade, pois foi obtido fora do devido
processo legal, sendo, portanto, nulo de pleno direito,
dado que o ora defendente sequer teve acesso ao seu
depoimento colhido pela douta Comissão de
Sindicância.
45. Afirmou o pai do traficante perante a
Comissão de Investigação do Solo Urbano no Distrito
Federal (fls. 267/70), verbis:
"... que o declarante e sua esposa foram à
residência do advogado Manoel Barreto e o mesmo
ofereceu seus serviços profissionais dando-lhes
garantia de 99% de que seu filho seria solto, sendo
que para tanto deveria ser paga a importância de R$
200.000,00 ... que durante a negociação o declarante
chegou a presenciar e ouvir o telefonema entre o
advogado Manoel Barreto e a pessoa que aquele dizia
ser o desembargador Pedro Aurelio; que após o
pagamento de R$ 40.000,00 seu filho foi solto em uma
sexta-feira à noite, não sabendo quem decidiu pela
liberdade de Alexandre ... que após a liberdade de
Alexandre, seu filho passou a ser pressionado pelo
advogado Manoel Barreto para que pagasse o restante
da importância contratada; que o declarante se recorda
que certa vez Manoel Barreto exigiu a importância de
R$ 50.000,00 para que fosse depositado na conta do
desembargador Pedro Aurelio que estava saindo de
viagem para o Rio de Janeiro; que se recorda também
que Alexandre disse-lhe que chegou a ir juntamente
com o advogado Manoel Barreto à casa de Pedro
Aurelio entregar a este parte do dinheiro devido, que
no entanto Manoel Barreto não teria permitido que
Alexandre descesse do carro ... que conforme era
afirmado pelo advogado Manoel Barreto o dinheiro se
destinava ao pessoal do Tribunal que iria garantir a
liberdade do filho do declarante, sendo que a favor de
seu filho teriam os votos dos desembargadores Lecir
e Pedro Aurelio, enquanto o desembargador Smaniotto
o voto seria contra; que segundo o advogado o dinheiro
destinado ao pessoal do Tribunal era entregue ao
desembargador Pedro Aurelio e que não chegou a ficar
sabendo o que o mesmo faria com tal importância;
que o filho do depoente chegou a ser preso novamente
junto com outros indivíduos, ocasião em que em contato
com Manoel Barreto, o advogado garantiu que todos
poderiam ser soltos através do mesmo esquema, ou
seja, o mesmo pessoal dele, pela importância também
de R$ 200.000,00; que familiares de tais pessoas
juntamente com o depoente e sua esposa foram à
residência de Manoel Barreto e entregaram a
importância em espécie de R$ 65.000,00; que dessa
segunda vez nenhuma das pessoas presas obteve
liberdade, razão pela qual Manoel Barreto chegou a
devolver R$ 40.000,00 à irmã de Robinho, Neide, dandolhe uma casa nesse valor; que como justificativa pela
não obtenção da liberdade, o advogado Manoel Barreto
apenas ficava enrolando e dizendo para esperar chegar
no Tribunal na turma dele ... que o advogado Manoel
Barreto chegou a afirmar ao declarante que o
desembargador Pedro Aurelio era sócio do advogado
na fazenda ...".
46. Esse depoimento do pai do traficante
Alexandre também não traz qualquer elemento de prova
contra o ora defendente, apenas repete o anterior, da
mãe do bandido, afirmando por ouvir dizer, as estripulias
do advogado Manoel Barreto Pinheiro, que para auferir
bons honorários de seus clientes afirmava que tinha
um esquema no Tribunal, e que parte do dinheiro
arrecadado seria a ele destinado, sendo que o próprio
O Magistrado
57
advogado em seu depoimento prestado ao MM. Juiz
da 3ª Vara de Entorpecentes afirma inexistir, e que
seria fruto de "pura bazófia", praticada com o intuito
de demonstrar a seus potenciais clientes que era um
homem poderoso, conhecido e com muitos amigos na
justiça, e, portanto, capaz de fazer o que outros
advogados não conseguiriam.
47. Também as afirmações do pai do traficante
são visivelmente plantadas no procedimento com o intuito
claro de incriminar o ora defendente e de tentar obter
vantagens e benefícios para seu filho, estando em
flagrante contradição com o próprio depoimento do
traficante Alexandre que nunca afirmou ter acompanhado
o advogado Manoel Barreto à casa do ora defendente,
tal como erroneamente afirmado por seu pai perante a
Comissão do acompanhamento do solo urbano.
48. Do mesmo modo é gratuita e sem fundamento
a referência de que algum valor supostamente deveria
ser entregue ao advogado Manoel Barreto a fim de que
fosse depositada na conta bancária do ora defendente.
Outra afirmação por ouvir dizer que nada tem de
verdadeiro e que faz parte de uma trama urdida pelo
advogado Manoel Barreto para valorizar honorários que
pretendia receber. Pura "venda de fumaça"!
49. O pai do traficante fala que depois que recebeu
o dinheiro o advogado ficou enrolando por conta da
manutenção da prisão de seu filho. Desconhece o
depoente, por certo, que o Desembargador Pedro Aurelio,
ora defendente, conforme documentos ora acostados
aos autos, em outras duas oportunidades, participando
do quorum de julgamento de seu filho, denegou também
as ordens, conforme se constata dos Habeas Corpus
nºs 4.046-8 e 7.238-7 em anexo.
50. A estória contada pelo pai do traficante foi
visivelmente orientada para incriminar o ora defendente
com o objetivo de obter facilidades para seu filho e
para tentar reaver o dinheiro pago ao advogado, porque
o pai do traficante nunca teve qualquer contato com o
ora defendente e ao menos sabe onde este reside e
muito menos os números de seus telefones.
DEPOIMENTO DE SÉRGIO HENRIQUE DE
ARAÚJO MORAES - DELEGADO DA 12a.
DELEGACIA DE POLÍCIA.
51. O Delegado Sérgio Henrique de Araújo
Moraes, lotado na 12ª Delegacia de Polícia, afirmou
perante a douta Comissão de Sindicância (fls. 67/8):
"... que existe entre os agentes um comentário
de que o referido Chaves teria obtido sua liberdade por
meios escusos; que por ocasião da interceptação de
ligações telefônicas houve referências à existência de
um esquema na 2a. instância do Tribunal de Justiça;
que inclusive referido advogado, em tom de zombaria,
dizia que não havia necessidade de se preocuparem
com juizinhos e promotorezinhos, porque havia um
esquema em 2a. instância; que não houve a citação
de nenhum nome especificadamente, mas houve a
citação do cargo de Desembargador ... sabendo por
ouvir dizer que essa petição de Habeas Corpus teria
sido apresentada ao Desembargador em um sextafeira à noite ...."
52. A demonstração mais visível da trama urdida
pelos Promotores do Meio Ambiente contra o ora
58 O Magistrado
defendente está no presente depoimento colhido da
autoridade da 12ª DP, que procedeu à interceptação
telefônica, ao que se afirma, com autorização judicial,
quando ressalta que nas fitas colhidas não há uma
única menção ao nome do ora defendente, mas apenas
em uma única oportunidade a menção a um
desembargador que, segundo o depoimento prestado
pelo advogado Manoel Barreto em seu interrogatório
prestado ao MM. Juiz da 3ª Vara de Entorpecentes
(cópia anexa), seria o juiz aposentado Ronaldo Pinheiro
Rocha, seu colega de escritório e que assim agia para
demonstrar prestígio para com os clientes.
53. O advogado Manoel Barreto apresentava
indevidamente aos seus clientes em potencial pessoas
de seu relacionamento, como o fez com o seu colega
de escritório o ex-juiz Ronaldo Pinheiro Rocha como
sendo desembargador, tudo com o objetivo de mostrarse bem relacionado e poderoso no Tribunal, conforme
confessa em seu interrogatório citado acima, com o
objetivo claro de captar clientela e de cobrar honorários
mais elevados, em alguns casos valendo-se até mesmo
de decisões corretas calcadas em nulidades ocorridas
em peças policiais, como neste caso presente, surgido
com uma decisão correta que reconheceu a completa
inutilidade de um flagrante visivelmente montado pela
autoridade com o intuito de proteger um informante,
conforme se deflui dos depoimentos dos policiais
Anaeno dos Santos Xavier e Carlos Alberto Fortuna
Lourenço colhidos frente a V. Excia. Eminente Relator
do presente PA, já citados.
DEPOIMENTO DE MARCELO BIANCHINI,
ESCRIVÃO DA 4A. VARA DE ENTORPECENTES.
54. Afirmou o Dr. Marcelo Bianchini às fls. 69/
70 perante a douta Comissão de Sindicância, verbis:
"... que no mês de fevereiro deste ano na data
designada para interrogatório, os réus em processo
crime perante a 4a. Vara de Entorpecentes o acusado
de nome Alexandre de Lima Silva, vulgo Chaves, deixou
de comparecer ao ato processual, sendo que este fato
provocou certa indignação dos outros réus e
especialmente do adv. Dr. Mário Almeida Costa Filho,
patrono do réu Ney Silva no mesmo processo, tendo
esse causídico se manifestado para o declarante nos
seguintes termos: em tom de deboche disse que a
leizinha do depoente não valia nada, o que valia era a
"lei do real"; que o referido adv . disse essas palavras
sem qualquer comedimento na voz "em alto e bom
som" para quem quisesse ouvir; que com essas
palavras o adv. insinuava que a concessão do Habeas
Corpus teria tido suporte na "lei do real"; que uma
semana antes da data designada para o interrogatório
houve um pedido de relaxamento de prisão do referido
acusado Alexandre; que o depoente se recorda de que
o Dr. Carlos, Juiz da Vara, comentou com ele ter
recebido um telefonema do desembargador Pedro
Aurelio a respeito desse relaxamento, intercedendo e
pedindo que analisasse o flagrante .... que o
desembargador Pedro Aurelio concedeu liminar para o
referido Habeas Corpus, na sexta feira; que quer
acrescentar que o referido Habeas Corpus só foi
distribuído na 2a. feira; que inclusive não pôde identificar
o número do Habeas Corpus, primeiramente junto ao
Núcleo de Custódia ... que ... os policiais que
compareciam ao Cartório ... comentavam que teria
havido um pagamento para a soltura do acusado
Chaves, ora se referindo a duzentos mil reais, ora
falando em quatrocentos mil reais ... que se recorda
que na oportunidade em que foi pedido o relaxamento
de prisão do acusado Chaves para o Juiz da 4a. Vara
de Entorpecentes, o adv. Manoel Barreto esteve no
balcão interessado no mesmo processo de Chaves;
que na época o Dr. Barreto sempre andava na
companhia do adv. Mário de Almeida ... que no início
os advs. Mário e Barreto atuavam de comum acordo,
sendo que o Dr. Barreto não tinha procuração de
ninguém ... que o depoente tomou conhecimento de
que houve um desentendimento a certa altura entre os
advs. Mário de Almeida e Barreto, que Mário dizia "que
não atuava daquele modo" ... que tomou conhecimento
por ouvir dizer, que em um processo em trâmite na
circunscrição judiciária do Gama houve a concessão
de liminar em Habeas Corpus nas mesmas condições
em que ocorreu com o réu Chaves; que segundo veio a
saber, o nome do beneficiário dessa liminar referida
seria Wescley, por alcunha Chico; que a liberação teria
sido conseguida pelo adv. Barreto e deferida pelo
desembargador Pedro Aurelio ... que em outro processo
que corre na mesma Vara sob o no. 40.704-3 de 2002
também há referência à existência de um esquema
para soltura de acusados mediante Habeas Corpus
com pedido liminar em dia de sexta feira, depois do
encerramento do expediente...".
54. Esse depoimento, prestado para atender a
interesses desconhecidos do ora defendente, parece
fazer parte da estratégia montada pelo MM. Juiz Carlos
Pires, chefe do depoente e pelo Ministério Público, para
lançar dúvidas sobre a jurisdição do ora defendente, pois
não têm qualquer sustentação em provas ou dados
materiais, já que para justificar sua convicção perante a
douta Comissão de Sindicância apenas se refere a "ouvi
dizer", "escutei falar", "comentaram", e "não sei quem
falou". Nenhuma afirmação direta ao ora defendente foi
feita pelo depoente.
55. E o que é pior, o depoente afirma que ouviu
dizer, mas sabe indicar com precisão até mesmo o
número do processo e o nome das partes, chegando
mesmo a falar que no processo indicado ocorreu o
mesmo esquema de obter liminar depois do
expediente, sendo que o ora defendente somente
despachou o processo do traficante Alexandre, vulgo
Chaves, depois da hora porque sendo o único
Desembargador criminal presente àquela hora no
Tribunal o processo lhe foi levado em caráter de
urgência. Por outro lado, o flagrante era tão
veementemente nulo à primeira vista, fato confirmado
posteriormente pelos policiais Carlos Alberto Fortuna
Lourenço e Anaeno dos Santos Xavier, ouvidos por V.
Excia., que era forçoso declarar sua nulidade de pronto
para evitar que uma pessoa, aparentemente inocente,
ficasse mais um fim de semana no cárcere.
56. Tanto isso é verdadeiro que, conforme
determinou o ora defendente em seu despacho
concessório da liminar (documento nos autos), o
Relator
natural
do
Habeas
Corpus
nº
2002.00.2.000.805-8, Desembargador Natanael
Caetano, reapreciando o pedido confirmou a liminar
concedida, pois não a revogou, por certo também
convencido das irregularidades contidas no flagrante.
57. O advogado Mário de Almeida, mencionado
neste depoimento do Chefe de Secretaria, tomando
conhecimento das declarações prestadas pelo Escrivão
Bianchini procurou o Cartório do 1º Ofício de Notas e
Protesto e, na presença do escrevente Carlos Roberto
Martins esclareceu devidamente a afirmação que havia
feito quanto "à força do Real" dando a entender com ela
que "a seu entender significa a possibilidade do cliente
ter bastante dinheiro para pagar excelentes advogados".
Negou peremptoriamente as insinuações maldosas que
foram feitas nas ilações tiradas pelo Escrivão a respeito
do seu depoimento. Esta prova está sendo juntada agora
porque não haverá possibilidade da defesa trazer o seu
depoimento pessoal nesta fase processual (doc. 13).
58. A prova mais evidente das mentirosas
referências feitas pelo Escrivão Bianchini diz respeito
às suas afirmações quanto ao final do seu depoimento
quando este afirma, verbis:
"que tomou conhecimento por ouvir dizer, que
em um processo em trâmite na circunscrição judiciária
do Gama houve a concessão de liminar em Habeas
Corpus nas mesmas condições em que ocorreu com
o réu Chaves; que segundo veio a saber, o nome do
beneficiário dessa liminar referida seria Wesley, por
alcunha Chico; que a liberação teria sido conseguida
pelo adv. Barreto e deferida pelo desembargador Pedro
Aurelio ... que em outro processo que corre na mesma
Vara sob o no. 40.704-3 de 2002 também há referência
a existência de um esquema para soltura de acusados
mediante Habeas Corpus com pedido liminar em dia
de sexta feira, depois do encerramento do expediente
...." (Os destaques não estão no original).
Consoante se depreende das certidões anexas o
primeiro processo a que se refere o Escrivão Bianchini é
a Apelação Criminal nº 46.355-4/01 na qual é apelante
Wesley Pinto Fonseca, da qual foi Relator o
Desembargador ora defendente, sendo o recurso, por seu
voto, conhecido e improvido à unanimidade (doc. 14);
quanto ao segundo processo, a Apelação Criminal de
número 40.704-3, na qual afirma o depoente que "há
referência a existência de um esquema para soltura de
acusados mediante Habeas Corpus com pedido liminar
em dia de sexta feira, depois do encerramento do
expediente", em verdade trata-se de processo oriundo
da 4ª Vara de Entorpecentes e distribuído à 1ª Turma
Criminal, sendo seu Relator o eminente Desembargador
Edson Smaniotto e após o parecer do Ministério Público
está concluso ao Relator desde 09 de abril do corrente
ano, portanto ainda não julgado (doc. 15).
Está, portanto evidente, que o Escrivão
Bianchini, cria situações e faz referências indevidas
sobre fatos inexistentes procurando envolver
indevidamente o ora defendente, parecendo até,
concessa maxima venia, dada a sua condição de Chefe
da Secretaria do MM. Juiz Carlos Pires, que suas
declarações visam obnublar a elucidação real dos fatos.
59. Esse serventuário afirma sempre que ouviu
dizer coisas contra o ora defendente, mas o interessante
é que ele informa com precisão os nomes das partes,
particularidades íntimas do processo, e até mesmo os
O Magistrado
59
seus números e origem, dando a nítida impressão que
ele próprio é quem divulgava essas versões envolvendo
o ora defendente, ou até quem sabe divulgava as versões
montadas no gabinete de seu chefe, o juiz Carlos Pires,
inimigo do defendente, que somente recebe em seu
gabinete policiais e membros do Ministério Público.
Curiosamente, esse personagem foi o mesmo que
expediu a certidão na qual afirma que o juiz Carlos Pires
não recebe partes e advogados em seu gabinete,
esquecendo-se todavia de lançar que o juiz recebe apenas
em seu gabinete policiais e promotores de justiça.
DEPOIMENTO DO POLICIAL WELLINGTON
TORRES ANTUNES
60. Às fls. 83/4 o policial Wellington Torres
Antunes afirmou, verbis:
"... antes das interceptações telefônicas serem
utilizadas, já havia comentários dentro da comunidade
em que era freqüentada por Chaves de que o mesmo
havia sido liberado mediante pagamento de uma quantia
entre duzentos e sessenta mil reais a trezentos mil
reais; que tais comentários eram veiculados na
localidade chamada de Chaparral; que inclusive o
comentário era que pessoa de nome Robinho, integrante
da quadrilha de Chaves e também Cirlan, outro
integrante, tinham sido as pessoas que começaram a
fazer a colheita do numerário para liberar Chaves; que
não sabe informar se quando houve o movimento para
arrecadar o numerário, Chaves estava preso ou já havia
sido liberado; que nesta altura já havia o comentário
do envolvimento de um advogado e de um juiz, a quem
se destinaria o dinheiro ... que este comentário se
estendeu pela cidade, chegando inclusive aos
corredores da Polícia Civil; que neste período Chaves
já havia sido liberado ... que o nome do juiz não
apareceu em nenhum momento nas interceptações,
mas o adv. Barreto dizia a Chaves em alguns diálogos
gravados que o esquema através do qual Chaves havia
sido liberado contava com o apoio de um
Desembargador ... que nesta conversa Chaves dá a
entender que estava intermediando a liberação de outro
traficante por nome Chico, utilizando o mesmo
esquema que o liberou, ou seja, através do adv. Barreto
... que o indivíduo por apelido Chico tem o nome de
Wesley de tal ... que nessa conversa eles chegavam a
fazer referência à pessoa do adv. Barreto e somente
se referiam a um cargo de juiz que o cargo de
desembargador só veio à tona por ocasião da
interceptação telefônica .. que Cirlan também
esclareceu que o dinheiro arrecadado foi entregue à
mãe de Chaves e compareceu uma pessoa na
residência dela, trajando terno, a quem foi repassado
o dinheiro ...".
61. Embora excessivamente genéricas as
afirmações do policial Wellington trazem uma notícia
séria, a de que em nenhum momento antes das
interceptações telefônicas os meliantes falaram na
existência de um desembargador. A menção a um
desembargador somente passou a circular na
comunidade do crime e na polícia após a interceptação
das ligações telefônicas, quando o advogado Barreto
menciona a figura de um desembargador, sem detalhar
a qual desembargador se refere e, segundo sua própria
60 O Magistrado
confissão perante o MM. Juiz da 3ª Vara de
Entorpecentes já mencionada trata-se de um seu colega
de escritório e ex-juiz ao qual chama de desembargador
para demonstrar prestígio junto aos outros marginais.
Por outro lado, é gritante a omissão da douta
Comissão Sindicante, quando deixa de levar em
consideração trechos da gravação efetuada na qual se
verifica que Wellington Torres Antunes tem relações
de intimidade com a quadrilha e segundo consta teria
cobrado até a importância de R$ 25.000,00 (vinte e
cinco mil reais) para fazer desaparecer a gravação que
teria sido feita por ele próprio, verbis:
"Apenso nº 10 - pag. 1889:
Dr. - Aquela prisão não tem como prosperar não,
a prisão ali, foi só uma resposta porque o Alexandre
interpelou um policialzinho, que falou que ele tinha 20
imóvel. Ele pode prender ele, esfolar, ele não vai provar
que ele tem 20 imóvel, ele mentiu.
M - Ele foi lá em casa.
Dr. - Quem?
M - Este.
Dr. - Fazer o que?
M - Nos dias que prenderam ele, ele foi lá com
Mandato de Busca.
Dr. - Ferraz né?
M - Ferraz e Wellington.
Dr. - Wellington e Ferraz queria dinheiro, e esse
Wellington é bandido, esse Wellington é bandido, nos
já tamos com o nome dele la com desembargadores e
com alta cúpula do judiciário, inclusive do Procurador
Geral né?
M - Hum! Hum!
Dr. - Eles estão. com os promotores da 1ª
Instância, eles não resolvem nada, quem dá a última
palavra é a 2ª Instância, já tá no nome das autoridades
judiciárias que ele queria dinheiro para fazer acordo e
o pessoal não quis dar o dinheiro, então o pessoal tá
se vingando ... agora ele fez o relatório falso dizendo
que o Alexandre tinha não sei quantas casas, eles
não podem prender o Alexandre então eles estão
tentando cavar prova que fizeram flagrante, fizeram isso,
fizeram aquilo, eles não vão provar, eles não vão provar...
(sic) (Os destaques não são do original).
Apenso 13º - fls. 2596:
Rubens - Mandado de Prisão, aliás. Num é de
busca. De busca tá tudo certo. Aí, aqui a gente vai ver
o que pode fazer aqui ... O advogado tá aqui tá aqui
pra gente ver o que é. Agora, tem que esperar né?
Porque ... (foi preso) todo mundo. Tá todo mundo.
Caiu todo mundo!
Maria - Hã?
Rubens - Entendeu? Aí, o problema que tem uma
fita aqui ... os cara gravaram aqui, essa Polícia Civil gravou
... ainda falei pra ele ... tem uns quinze dia que eu falei
pra ele. Os cara tavam gravando. É ... aí, o cara tá
cobrando vinte e cinco mil reais para quebrar essa fita.
Apenso 14º - fls. 2660:
Débora - Nos dia que prenderam ele, ele foi lá
mandato de busca.
Barreto - O Ferraz, né?
Débora - O Ferraz e o Wellinton.
Barreto - Pois é. O Welington e o Ferraz são
dois ... O Wellington queria dinheiro ... É bandido sabe?
Débora - Hunrum.
Barreto - E ... E eles tão macumunado com
uns promotorezinho ai 1ª Instância. Eles não resolvem
nada porque na primeira instância ... quem dá a palavra
... a última ... quem dá a última palavra é segunda
instância. Nós já levamos esse ... já ta o nome do ...
do ... das autoridades judiciárias que ele queria dinheiro
... o Mário inclusive é testemunha que ele queria dinheiro
para fazer um acordo e o pessoal quis dar dinheiro pra
ele, então eles tão se vingando.
Débora - Certo.
Barreto - Agora, esse Ferraz, ele fez um relatório
falso ...
15º Apenso - fls. 2944:
Robinho - Com'é que o cara era?
Cocó - Tipo assim ... o cara é ... tipo de ... de
barbicha, entendeu? Cavanhaque assim, e bigode.
Robinho - Num é Wellington, não. Ele usa barba,
(é um) cara ... ele parece com tu, pó, o cara!
15º Apenso - fls. 2964:
Robinho - Hum?
H12 - Porque o Noberto é advogado dele.
Robinho - Daquele Wellington, né?
H12 - Daquele pilantra. É. Daquele (...)
Robinho - Que ele ... ele num tava impindurado,
doutor/
H12 - Tava. O Norberto que é o advogado dele.
..."
E é esse bandido, Wellington Torres Antunes,
que vem ao Tribunal, chamado pela douta Comissão
de Sindicância, com toda a sua "idoneidade"
reconhecida pelo mundo do crime, sem a presença do
ora defendente ou de seu advogado, fazer acusações,
com foro de credibilidade, contra um "Desembargador"
sem, contudo, identificá-lo. Pior agiu a douta Comissão
quando entendeu que o marginal se referia ao ora
defendente cujo nome nunca foi mencionado por ele
nem por nenhum outro depoente, exceto o seu
reconhecido inimigo pessoal e político o MM. Juiz
Carlos Pires, citado por via transversa como suspeito
nos mesmos depoimentos.
DEPOIMENTO DO TRAFICANTE ALEXANDRE
DE LIMA SILVA
62. Embora sem a presença do ora defendente
e de seus advogados de então, Alexandre de Lima
Silva prestou perante a douta Comissão de Sindicância,
às fls. 110/3 depoimento do seguinte teor, verbis:
" ( ... ) que conheceu o adv. Dr. Barreto, o qual
disse que poderia tirar o depoente da prisão, mas que
cobraria caro e teria que primeiro conversar com o
"pessoal dele"; que o Dr. Barreto só declarou o valor
que teria de ser pago, ou seja, trezentos mil reais,
após conversar com "o pessoal dele"; que o Dr. Barreto
disse para o depoente que após receber o sinal
(cinqüenta mil reais ), tiraria o depoente em 15 dias;
que a essa altura o Dr. Barreto já havia negociado o
preço final, que foi ajustado em duzentos mil reais ...
que o pagamento de cinqüenta mil reais foi feito ao Dr.
Barreto ...que embora tenha dado a procuração, sabe
que o Habeas Corpus foi impetrado por outro advogado;
que o pagamento foi numa Segunda feira e a outorga
da procuração no dia seguinte; que na mesma semana,
Sexta-feira, sem muita certeza dia 22 de fevereiro, à
noite, cerca de onze horas, o depoente foi realmente
libertado; que então o depoente, no Sábado e Domingo
seguinte à sua liberação, foi atrás de conseguir os
cinqüenta mil que o Dr. Barreto lhe disse que não podia
falhar porque não era para ele; que efetivamente na
Segunda feira, à noite, o depoente levou os cinqüenta
mil reais combinados num pacote até a casa do Dr.
Barreto, no Lago Norte, lá o dinheiro foi conferido e
após o Dr. Barreto ter recebido um telefonema, ou feito
uma ligação, dirigiram-se a um comércio próximo e,
nesse local, o Dr. Barreto passou o pacote com os
cinqüenta mil reais para uma outra pessoa que chegara
ao local num Mercedes de cor prata, mas novo, com
faróis ovais; esclarece melhor o depoente que o pacote
estava no console da Pajero, e Barreto se dirigiu a
essa pessoa e quando o depoente voltou o pacote já
não estava mais no local em que se encontrava, e
quando voltou o Dr. Barreto disse: agora está tudo certo;
que o depoente tudo presenciou, mas de uma banca
de jornal próxima; que a pessoa a quem o Dr. Barreto
se dirigiu era uma pessoa moreno claro, de cabelos
grisalhos, do sexo masculino e vestindo terno escuro;
que o Dr. Barreto não disse o nome da pessoa; que
um dia, na casa do depoente, o Dr. Barreto mostrou a
foto de uma pessoa, num jornal, disse que era um
desembargador, e disse que tinha ajudado a gente;
que o depoente acha que, se vir a foto dessa pessoa
outra vez, poderá reconhecer; que o jornal que foi
mostrado ao depoente no mês de março; que melhor
dizendo, a expressão ajudou a gente foi dita no sentido
de que contribuiu para a liberdade do depoente e para
o benefício do advogado; que a matéria no jornal dizia
respeito ao Desembargador Pedro Aurelio; ...que quer
acrescentar que o Dr. Barreto dizia que esses cheques
ia trocar em agiota para fazer o pagamento ao "pessoal
dele"; que dos três cheques, dois foram descontados
e o último não foi descontado porque o depoente foi
preso; que os cheques eram de familiares do depoente;
que o depoente não se lembra do banco em que foram
descontados os cheques, mas isso pode ser verificado,
se for necessário; que o cheque apresentado e devolvido
pelo banco encontra-se em poder de familiares do
depoente ... que o Dr. Barreto disse para o depoente
que precisava de mais quarenta mil reais, porque só
tinha um voto favorável para o julgamento do mérito, e
então o depoente pagou mais dezoito mil, que foi o
valor que conseguiu arrumar; que no julgamento de
mérito o resultado foi favorável para o depoente e para
os outros rapazes; que não tem certeza se os rapazes
que foram beneficiados pelo mérito juntamente com o
depoente pagaram os vinte e dois mil reais restantes;
que após a segunda prisão do depoente, a família deste
procurou o Dr. Barreto e o Dr. Barreto disse que tornaria
a tirar o depoente e mais quatro rapazes, mas pelo
preço de mais duzentos mil reais; que dos sessenta e
cinco mil reais entregues desta feita ao Dr. Barreto,
vinte e cinco mil reais foram por este devolvidos aos
familiares dos quatro rapazes que também estavam
O Magistrado
61
presos, já que o Dr. Barreto chegou a ser pressionado;
que o Dr. Barreto tem dado a seguinte explicação para
o não êxito da soltura do depoente; que é necessário
esperar a "poeira abaixar", dizendo: você não está
vendo o que está acontecendo na mídia?; que o Dr.
Barreto se referia a essa bagunça do Judiciário, dando
a entender que o pessoal dele sabia que o momento
não era oportuno; que o depoente sabe que esse
esquema existente na Justiça beneficiou outras
pessoas, em outros casos, mas o depoente não quer
informar sobre isso por temer pela sua segurança
pessoal, porque vários beneficiados pertencem ao
"mundo do crime" ... que o Dr. Barreto disse que o
"pessoal dele" era do Tribunal, e que, portanto, em
primeira instância podia deixar o juiz fazer o que
quisesse; que o Dr. Barreto acrescentava que fora do
horário de expediente normal era melhor para as
pretensões do depoente ...que quer acrescentar que
do começo ao fim desse depoimento corresponde a
verdade do que aconteceu ...".
63. Conquanto nenhuma referência direta tenha
sido feita à pessoa do ora defendente, limitando-se o
depoente a afirmar que o advogado Manoel Barreto se
referia ao desembargador, há que se esclarecer alguns
pontos que ficaram obscuros e ou incompletos e que
necessitam melhor elucidação.
64. Com efeito, o traficante afirma que entregou
certa importância na casa do advogado Manoel Barreto
e, posteriormente presenciou a entrega do pacote a
uma pessoa morena, de cabelos grisalhos, que estava
em uma Mercedes prata, nova, com os faróis redondos.
65. A douta Comissão de Sindicância ao analisar
os fatos, concluiu que essa "pessoa" referida pelo
traficante seria o ora defendente que, sendo moreno,
tem os cabelos grisalhos marcados pelo tempo. Por
outro lado, possui um veículo de marca Mercedes Benz,
ano 1999 e que tem faróis redondos.
66. Mas acontece que apesar de ser moreno,
de cabelos grisalhos, o defendente esclarece que o
veículo Mercedes Benz que possui, embora novo e com
faróis redondos, é da cor negra esmeralda (doc. 16 e
fotos às fls. 311/17), quando o traficante afirma que o
veículo que viu era de cor prata.
67. Ademais, no horário e dia referidos pelo
traficante Alexandre, consoante provam as pautas de
chamada e declaração da Faculdade (docs. 17 a 26),
o ora defendente estava em sala de aula na Faculdade
de Direito do UniCEUB, ministrando aulas de Processo
Civil II, na turma B, do curso noturno, das 19:00 às
21:00 horas.
Como não tem o dom da ubiqüidade para estar
em vários locais ao mesmo tempo, pela análise das
provas colhidas e juntadas aos autos só se pode
concluir que não era o ora defendente a pessoa
observada pelo traficante como sendo o receptor do
dinheiro que teria sido entregue pelo advogado Manoel
Barreto, pois além da evidente diferença das cores dos
veículos, no horário indicado o ora defendente estava
em plena sala de aula.
68. Por outro lado, como o mencionado advogado
Manoel Barreto é conhecido no meio jurídico de Brasília
como sendo um verdadeiro "boquirroto", pode-se
facilmente concluir que o falastrão utilizou-se
62 O Magistrado
indevidamente do fato de haver sido aluno em duas
oportunidades do ora defendente, para vender aos
marginais uma imagem de quem tem prestígio e
condições de influir junto a juízes, tudo para melhorar
as suas propostas de polpudos honorários.
Por sinal referido advogado já fizera a mesma
coisa envolvendo o seu próprio irmão, o MM. Juiz Vilmar
Barreto, que, inclusive, respondeu a um procedimento
administrativo por idênticos fatos, o que por certo é do
conhecimento de V. Excia. e dos demais colegas
Desembargadores.
69. Pessoas ligadas ao mundo do crime, no
presente processo, afirmaram em seus depoimentos
que um cliente do advogado Manoel Barreto, de nome
Geraldo Vaz da Silva, fora beneficiado anteriormente
pelo mesmo esquema, e isso é repetido até pelo
Ministério Público.
Ocorre que nesse processo mencionado, o de
nº 3.307-8, cuja cópia vai em anexo (doc. 27), a ordem
foi concedida, por maioria, votando favoralmente à
concessão da ordem, como vogal, o Des. Edson
Smaniotto, insigne membro da douta Comissão de
Sindicância, inclusive com parecer favorável do
Ministério Público, da lavra do eminente Procurador
Dr. José de Oliveira.
70. Acresça-se ainda que, no julgamento da
Apelação Criminal de nº 3.031-5 (doc. 28), cujo
apelante foi o mesmo Geraldo Vaz da Silva, o recurso
foi julgado parcialmente procedente pela Egrégia Turma,
à unanimidade, com mais um parecer favorável da
sempre zelosa Procuradoria de Justiça, da lavra do
eminente Procurador Petrônio Calmon Mendes, que
opinou pelo provimento parcial do recurso.
DEPOIMENTO DO POLICIAL ANAENO DOS
SANTOS XAVIER
71. O policial Anaeno dos Santos Xavier que
participou da farsa da montagem do flagrante para a
prisão do agora conhecido Alexandre, confirmando
todas as suspeitas que levaram o ora defendente a
conceder a medida liminar em caráter de urgência,
afirmou perante V. Excia., às fls.336, verbis:
"... que participou como testemunha da prisão
de Alexandre de tal, conhecido pelo vulgo de Chaves;
que estavam investigando o roubo ocorrido na agência
do BRB ... que receberam informações que Chaves
teria dado apoio logístico ao pessoal que vem de fora
para a prática da atividade criminosa ... que através de
informantes ficou sabendo que Chaves estaria
"mexendo com laboratório de drogas na Ceilândia; que
como a atividade policial depende muito da participação
de informantes, o que impulsiona todo um cuidado para
que se possa proteger o informante, não só contra o
sigilo, mas quanto à sua segurança de vida, sempre
tem-se o cuidado de evitar deixar que as partes
percebam que a polícia chegou em determinado lugar
em que está ocorrendo uma prática criminosa em
decorrência de uma informação privilegiada; que
receberam a notícia do informante que Chaves tinha
recebido uma certa quantia de pasta de base de
cocaína numa casa que alugava para fazer um
laboratório na Ceilândia, e que, também, a droga teria
chegado num Gol vermelho e, no interior, teria um
Vectra branco, com placa do Rio de Janeiro; que
procurando preservar o informante, aproveitaram a
notícia do CEPOL, através de rádio, que tinha um carro
de cor branca, com as características de placas
clonadas, que teria sido roubado no Rio de Janeiro;
que, com essa informação da CEPOL, chegaram no
local dizendo que estavam atrás de um automóvel
roubado, mas na realidade, a intenção maior era dar o
flagrante na empreitada criminosa envolvendo
entorpecentes naquela localidade; que apresentaram
a ocorrência da delegacia dizendo ao delegado que,
quando procediam uma apuração de carro roubado,
encontraram um tráfico envolvendo Alexandre (Chaves);
que tinha esperança de encontrar naquele local
assaltantes de outros estados; que o indivíduo oriundo
de outro estado, encontrado no local, era envolvido em
tráfico de drogas; que foi uma questão de honra que
motivou o declarante a se interessar por interromper a
atividade criminosa de Alexandre (Chaves), pois o
mesmo, quando ouvido na Delegacia procurou se gabar
que, apesar de ter agência de automóveis, o seu
negócio era drogas; que exatamente por isso
procuraram aprofundar as investigações para acabar
com a atividade criminosa de Chaves, inclusive
passando informações para a Delegacia de
Entorpecentes; ... que Alexandre, depois de preso,
chegou a indagar para o declarante de quem seria a
informação que levou à sua prisão, pois não acreditava
naquela estória que estavam perseguindo um carro
roubado; que o informante também comentou que
Chaves, mesmo preso, estava disposto a recompensar
a qualquer um que lhe dissesse quem era o informante,
pois ele pretendia matá-lo ... ".
DEPOIMENTO DO POLICIAL CARLOS
ALBERTO FORTUNA LOURENÇO
72. Do mesmo modo, às fls. 339, o policial Carlos
Alberto Fortuna Lourenço esclarece e confirma os fatos
relacionados à montagem do flagrante contra o
traficante Alexandre, chegando mesmo a destacar a
sua condição de criminoso primário e de bons
antecedentes, fato que impressionava a própria
marginalidade, verbis:
" ... que ocorreu um grande roubo no BRB de Brasília
no ed. Trade Center; que através dos informantes, ficaram
sabendo que Chaves teria dado apoio logístico aos
assaltantes que teriam vindo de outro Estado ... que os
informantes noticiaram que Chaves estava montando um
laboratório de merla no Setor O; que o informante contou
que Chaves fabricava merla no entorno e que, para atender
uma grande entrega de merla, ele estava montando um
laboratório no Setor O; que se a polícia não chegar a tempo
não consegue dar flagrante porque a fabricação da pasta
base para merla é muito rápida e logo a seguir eles
abandonam o local, levando as latinhas cheias; que logo
que Chaves chegou ao local, o informante avisou aos
policiais que para ali se deslocaram de imediato; que
sabiam que Chaves estava em um Vectra de cor branca
que era do Beredê, outro traficante de sua quadrilha; que,
por coincidência, nesse mesmo dia, chegaram (sic) uma
mensagem de rádio comunicando que estava transitando
na área de Ceilândia um Vectra de cor branca de placa de
outro Estado, possivelmente Rio ou São Paulo, e que o
veículo era produto de furto ou roubo; que logo que
chegaram ao lote, sentiram forte odor da droga; que
olharam pela janela e viram um indivíduo manuseando a
droga em um balde grande; que invadiram o local dando
voz de prisão para todos; que pediram apoio policial, sendo
o local periciado ... que tinha também no local um Gol de
cor vermelha pertencente a Ney Silva, que informou que
era ele quem trazia pasta de cocaína de Mato Grosso ...
que não contaram a origem das informações que levaram
à prisão de Chaves, quando chegaram à delegacia, pois
certamente Chaves iria procurar matar quem tivesse feito
o papel de delator; que, no flagrante, procuraram proteger
o informante dizendo que receberam a mensagem de rádio
sobre o carro roubado, e logo que o encontraram se
aproximaram da residência com o intuito de falar com o
motorista do veículo, contudo, como sentiram forte cheiro
de tóxico, resolveram invadir a residência para efetuar o
flagrante; que esclarece que o portão que dá acesso à
residência se encontrava aberto; que também procuraram
fazer crer que o flagrante se deu por acaso; que, na
Delegacia, Chaves chegou a perguntar ao Declarante qual
era a pessoa que o teria delatado para a polícia; que Chaves
disse para o declarante que não acreditou na estória de
carro roubado; que depois que Chaves foi solto, saiu um
forte comentário na Ceilândia que ele estava procurando
saber quem o denunciara à polícia, acreditando que, até
hoje, se ele souber, ele mata ou mesmo qualquer outro
componente de sua quadrilha; que, no flagrante, não
comentaram que Chaves já era bastante conhecido no
meio da criminalidade em que também chamava atenção
que era réu primário, não tinha nenhuma passagem pela
polícia ..."
73. Está claro que os policiais para protegerem
seu informante simplesmente montaram uma farsa, que
por não ter sido comunicada ao ora defendente, levouo ao entendimento de que o flagrante era absolutamente
nulo porque eivado de vícios, tais como a invasão de
uma residência em horário noturno, a não justificativa
de que o traficante Alexandre, embora não tivesse
qualquer passagem anterior pela polícia, era uma
pessoa de há muito investigada pelo tráfico de drogas,
sua atuação criminosa, etc.
74. Tivessem esses dados sido esclarecidos,
na peça policial, certamente o ora defendente, bem
como o Relator natural do Habeas Corpus, o Eminente
Desembargador Natanael Caetano Fernandes não
teriam sido levados ao equívoco em que foram
lançados, o primeiro porque impressionado com os
vícios da medida acabou por considerar inocente um
verdadeiro bandido, e o segundo quando instado a se
pronunciar sobre a manutenção da liminar ou não, não
a modificou, concordando portanto.
75. É cediço que o flagrante necessariamente
deve conter materialmente todos os elementos que
fazem parte do contexto em que o ato fora praticado,
isso porque, como se diz em doutrina, é a primeira
demonstração efetiva de que no processo penal sempre
se busca de modo incessante a verdade real.
76. O processo penal não pode ter início, no
estrito respeito à legalidade, com uma mentira, uma
bem urdida farsa, mesmo que tenha sido com boa
intenção como no caso presente, onde os policiais
O Magistrado
63
interromperam a vida criminosa de um traficante, mas
escoraram-se em uma fantasiosa versão de que a sua
prisão ocorreu por puro acaso, quando em verdade os
agentes da lei já sabiam que o traficante estaria naquele
cenário, no carro indicado previamente com placas do
Rio de Janeiro, e que naquele endereço ele faria a
destilação de tal quantidade de merla com o objetivo
de pagar uma remessa de cocaína que estava para
chegar pela fronteira.
77. Ao preferir preservar a figura de um informante
optaram erroneamente por adulterar a verdade dos fatos
e mascarar um flagrante que, em razão disso ficou
desfigurado e eivado de ilegalidade o que obrigou o ora
defendente a quebrá-lo para cumprir a lei. De qualquer
forma os policiais ao assim agirem validaram a decisão
do ora defendente que naquela oportunidade não teve
outra alternativa senão a de combater a odiosa
ilegalidade dado que o flagrante, por não corresponder
com a verdade, era nulo.
78. Ora, pela prova precariamente colhida nesta
fase instrutória, constata-se que o advogado Manoel
Barreto até então não sabia que o flagrante seria
anulado pelo ora defendente e fez então um verdadeiro
contrato de risco com o traficante e seus familiares,
como provam os autos, recebendo um valor a título de
honorários advocatícios na lavratura do contrato e o
restante condicionado a que ele fosse solto. Tendo o
ora defendente concedido a ordem, o desonesto
advogado passou a exigir o restante de seus honorários
a pretexto de entregar a parte do "desembargador",
conforme se constata pela simples oitiva das fitas
gravadas.
79. Como o traficante, após o julgamento do
mérito do pedido voltou a ser preso posteriormente, e
mantido na prisão agora, inclusive com o voto do ora
defendente, a família passou a exigir do advogado a
devolução do que havia sido pago, e como não
conseguiram o pretendido passaram para o escândalo
que acabou por desaguar no presente.
DO DIREITO
80. O presente procedimento, desde o seu início,
tem sido incompreensivelmente conturbado com
indevidas interferências tanto do Ministério Público do
Distrito Federal já considerado como parte ilegítima
para figurar no feito pelo e. Conselho Especial do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal, entretanto
inconformado, tudo tenta fazer para subverter o devido
processo legal fazendo crer que tem amparo legislativo
para sua inconformidade, sem, contudo, atentar para
a legislação que deve incidir na espécie.
81. Com efeito, o ora defendente, por não poder
se conformar com o teor da decisão do eminente Relator
do Mandado de Segurança impetrado pelo Ministério
Público do Distrito Federal, Desembargador Edson
Smaniotto, que foi no sentido de conceder parcialmente
o pedido de liminar requerido pelo autor, foi obrigado a
impetrar Mandado de Segurança, dado que não poderia
ser o mesmo atacado por via do Agravo Regimental,
embora estivesse configurada agressão a direito líquido
e certo do ora impetrante a uma jurisdição isenta e
imparcial, e aos seus mais legítimos direitos garantidos
pelo inciso LV, do art. 5°, da Constituição Federal.
64 O Magistrado
82. Por outro lado, como se tratava de decisão
judicial¸ concessa maxima venia, teratológica a única
via admitida pela jurisprudência pátria, seria, portanto,
a via do mandado de segurança, que, aliás, foi
inteiramente admitida pelo MM. Sr. Desembargador
Valter Xavier, digno Relator da medida interposta, que,
concedeu a liminar requerida para devolver o processo
administrativo para a relatoria do seu relator natural
que é V. Excia.
83. Com efeito, o zeloso órgão ministerial, em
trabalho da lavra do ilustre Promotor de Justiça Dr.
Andrelino Bento Santos Filho, da Assessoria Criminal
do Exmo. Sr. Procurador-Geral de Justiça do Distrito
Federal e dos Territórios, adotado pelo Doutor José
Eduardo Sabo Paes, embora não seja parte legítima
para intervir em procedimentos administrativos interna
corporis da alçada do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal conforme decisão já tomada pelo e. Conselho
Especial, a pretexto de ser o fiscal da lei e defensor da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis, procura intervir de
modo direto - e agora transverso - em procedimento para
apuração de possível falta administrativa praticada pelo
magistrado litisconsorte naquela medida, ora impetrante.
84. Por ocasião da impetração do Mandado de
Segurança n° 4.076-2, o zeloso órgão ministerial
requeria a V. Excia. lhe fosse deferida a vista dos
autos administrativos, face a notícias de que V. Excia.
estava a permitir a produção de provas sem que o
Ministério Público atuasse como custos legis.
85. Apreciando o pedido V. Excia. indeferiu a
liminar pleiteada à seguinte fundamentação:
"... Com a devida vênia, não vejo, por ora, neste
instante liminar, a plausibilidade do pedido deduzido
na via mandamental, consistente na exigência do
Ministério Público intervir, ainda como custos legis,
na fase preambular, incipiente, da sindicância que
tramita neste Tribunal para a apuração de falta
administrativa, em tese cometida pelo em.
Desembargador Pedro Aurelio Rosa de Farias.
O disposto no § 4°, do art. 27, da LOMAN, não
permite interpretação diversa: O MP somente será
chamado a intervir, para o desempenho do seu
relevantíssimo mister, após a instauração do processo
disciplinar. ...
Acrescente-se o disposto no art. 5°, inciso LV,
da Constituição Federal, que assegura o contraditório
nos processos judiciais e administrativos, não em
procedimentos preparatórios de sindicância, tal como
se dá no caso em julgamento.
É compreensível a apreensão do Órgão
Ministerial, quando o tema sindicado parece ter caído
no domínio público. O fato administrativo investigado é
sabidamente por demais relevante. Todavia, antes que
o Tribunal delibere a respeito da instauração do
processo administrativo disciplinar, a quaestio ainda
se situa no ambiente interna corporis, com os
resguardos necessários para a tutela do prestígio do
magistrado investigado, seja ele quem for, não
importando, ainda, a gravidade das imputações que
pesem sobre ele.
Competirá ao Relator do processo administrativo
que eventualmente vier a ser inaugurado por ordem do
Tribunal, permitir a produção de provas cabais e
definitivas para o eventual julgamento, colhidas, aí sim,
com a imprescindível interveniência do MP.
Por ora, qualquer açodamento se mostra
desaconselhável e certamente não suficiente para a
entrega da prestação jurisdicional que se busca sob o
argumento de direito líquido e certo. Falta, ao pedido,
o fumus boni juris.
Indefiro a liminar. ..."
86. Não satisfeito com a decisão proferida, o
zeloso órgão ministerial ajuizou Agravo Regimental que
foi julgado e não provido pelo e. Conselho Especial,
por unanimidade.
87. De outra feita, volta-se o zeloso órgão
ministerial contra a respeitável decisão de V. Excia.,
eminente Relator do Processo Administrativo n° 1.219/
2003, de permitir à defesa fazer uma mínima prova
acerca da existência ou não do fato imputado ao ora
impetrante, aos seguintes e irrespondíveis argumentos,
todos voltados para a formação do seu livre
convencimento de julgador, como se constata das
próprias informações que foram prestadas por V. Excia.
no writ às fls. 27/7.:
"... Notando o interesse manifestado pelo
magistrado requerido de aduzir suas declarações,
singular na busca da verdade real e na formação da
convicção acerca da admissibilidade do processo
administrativo disciplinar, bem como, o singelo fato de
que a nobre Comissão de Sindicância não havia colhido
tal declaração, não vi qualquer prejuízo, senão uma
óbvia necessidade, nos limites do normativo interno,
oportunizá-las, assim como de algumas outras
pessoas que também não foram, anteriormente,
ouvidas em moldes a complementar o que fora colhido
na Sindicância e assim arregimentar os mínimos
elementos, como peça de informação, que entendi
indispensáveis para a formação de meu convencimento
acerca da instauração ou não, o que será amadurecido
após a última providência solicitada, que foi abrir ao
Requerido, no prazo de 5 dias, para que caso queira,
adite sua manifestação anterior. ..."
88. Para buscar um imediato e ilegal desfecho,
argumenta o zeloso órgão ministerial que a LOMAN, em
seu art. 27, § 1° e § 2º não permite, nessa fase incipiente
de admissibilidade ou não da abertura do procedimento,
qualquer dilação probatória, ao estipular que:
"§ 1º - Em qualquer hipótese, a instauração do
processo preceder-se-á da defesa prévia do
magistrado, no prazo de quinze dias, contado da
entrega da cópia do teor da acusação e das provas
existentes, que lhe remeterá o Presidente do Tribunal,
mediante ofício, nas quarenta e oito horas
imediatamente seguintes à apresentação da acusação".
"§ 2º - Findo o prazo da defesa prévia, haja ou
não sido apresentada, o Presidente, no dia útil imediato,
convocará o Tribunal ou o seu Órgão Especial para
que, em sessão secreta, decida sobre a instauração
do processo, e, caso determinada esta, no mesmo
dia distribuirá o feito e fará entregá-lo ao relator".
89. Como justificativa para a sua injustificada
pretensão, alega ainda o zeloso órgão ministerial que
o Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e dos Territórios não poderia de modo algum
contrariar a regra inserta na Lei Complementar n° 35,
de 14 de março de 1979, que, segundo suas palavras:
"... assegurou um procedimento uniforme como
garantia a todo magistrado acusado de falta
administrativa, para ter vigência uniforme em todo o
território nacional".
90. Com essas toscas alegações de mérito o zeloso
órgão ministerial requereu, em sede de liminar, que:
"a) cesse imediatamente qualquer atividade
probatória levada a efeito no procedimento
administrativo instaurado para apurar eventual falta
administrativa praticada pelo Senhor Desembargador
PEDRO AURELIO ROSA DE FARIAS;
b) conclua, imediatamente, o procedimento
administrativo e peça dia para que o Tribunal delibere
sobre a instauração do processo disciplinar;
c) e, definitivamente, que se conceda a ordem,
mantendo-se a liminar deferida nos termos acima
propostos, como também para declarar nulos todos
os atos instrutórios realizados na primeira fase do
procedimento, como oitiva de testemunhas. ..."
91. O eminente Desembargador Edson
Smaniotto apontado como autoridade coatora naquele
writ ao conceder o pedido, inaudita altera pars,
formulado pelo zeloso órgão ministerial,
equivocadamente, partiu do pressuposto de que o ora
impetrante já teria apresentado sua defesa no âmbito
da AVERIGUAÇÃO PRELIMINAR o que teria que dar
como concluída a instrução do feito para que fosse
levado a julgamento pelo Colendo Pleno Administrativo
acerca da ocorrência ou não dos fatos que, se
positivos, em conseqüência, provocariam o afastamento
imediato e compulsório do Magistrado investigado.
92. Ocorre que o procedimento administrativo,
desde o seu início, está maculado pelo vício de nulidade
insanável motivada pelo descumprimento frontal, tanto
no tocante à discutível Lei Complementar nº 35 (artigo
nº 27, § 1º, já citado), como no particular ao que
prescreve o Regimento Interno do Tribunal (artigo 329,
§ 1º e 2º), além de haver sido iniciado sem a competente
Representação de quem quer que seja, o que
igualmente viola o que dispõe o artigo 329 caput do
Regimento Interno.
93. Por outro lado, continua a gama de erros do
procedimento
administrativo,
em
frontal
descumprimento ao Regimento Interno no seu artigo
329 § 2º que, literalmente estabelece:
"Acompanhará a notificação cópia integral da
Representação e dos documentos que a instruírem."
94. Outro não é o comando contido na própria
Lei Complementar nº 35:
"§ 1º Em qualquer hipótese, a instauração do
processo preceder-se-á da defesa prévia do
magistrado, no prazo de quinze dias, contado da
entrega da cópia do teor da acusação e das provas
existentes, que lhe remeterá o Presidente do Tribunal,
mediante ofício, nas quarenta e oito horas
imediatamente seguintes à apresentação da acusação."
(Os destaques não são do original)
95. Pela singela leitura dos dois dispositivos
acima citados verifica-se que acompanhando a
notificação para a apresentação de defesa devem vir
primeiro a cópia do inteiro teor da acusação,
O Magistrado
65
acompanhada da cópia dos documentos que a
instruírem. Ocorre que com a notificação apresentada
ao ora impetrante não foi encaminhada cópia de
nenhum documento que tenha sido acostado aos autos
pela douta Comissão, o que provocava uma absoluta
impossibilidade de que o impetrante pudesse, pelo
menos, entender o teor exato da acusação e formular
a defesa, fato que foi parcialmente contornado pela
concessão da liminar pleiteada pelo ora defendente
pelo eminente Desembargador Valter Xavier.
96. Prova da estreita colaboração da defesa para
com o devido processo legal, bem como para com a
celeridade do andamento do processo administrativo
foi que esta deu-se por notificada do respeitável
despacho de V. Excia., eminente relator, requerendo
vista dos autos para elaboração da defesa, o que não
pode ser atendido, por despacho indeferitório, por certo
cheio de constrangimento, no qual V. Excia. afirma
não poder atender ao requerimento de forma taxativa:
"Quanto à pretensão formulada, de vista dos
autos e seus apensos para o oferecimento da defesa,
tal pleito, em face da ordem judicial exarada no
Mandado de Segurança 2003.00.2.004377-0, fica este
Relator impedido de acolher o requerimento, conforme
liminar concedida pelo Exmo. Des. Edson Smaniotto
..." (Os destaques não são do original).
97. Consoante se depreende da simples leitura
do respeitável despacho acima V. Excia., visivelmente
constrangido, sentia-se manietado em sua digna função
judicante dada a irregular usurpação da sua
competência decisória que seguramente agride a lei e
a Carta Magna.
98. Também a defesa, anteriormente, não pôde
em nenhum momento apresentar suas razões porque
sequer conhecia o inteiro teor da acusação, bem como
ignorava inteiramente em quais provas se baseou a
douta Comissão para concluir os seus trabalhos, pois
ela mesma no seu Relatório Complementar havia
sugerido a oitiva de outras testemunhas e agora nos
autos originais nem se encontra a página na qual
constava essa indicação conforme se pode conferir às
fls. 114/5 dos autos nas quais, percebe-se, no relatório
complementar falta a segunda folha, de nº 113
desaparecida na renumeração que foi efetuada pela
Secretaria (doc. 29).
99. Ninguém ignora que na fase preliminar do
procedimento instaurado para apurar fato delituoso
imputado a Magistrado, segundo a jurisprudência pátria,
pode-se colher prova sem a participação do acusado,
desde que seja esta submetida ao crivo do contraditório
- jurisdicionalizada - quando esta possa vir a produzir
qualquer efeito prejudicial ao envolvido. Estão claras as
demonstrações do prejuízo que impingem ao ora
impetrante visando o seu afastamento compulsório com
o açodamento e a precipitação impostas ao
procedimento de forma absolutamente irregular.
100. Ocorrera equívoco lamentável no despacho
proferido pelo eminente Desembargador Edson
Smaniotto, pois a digna autoridade estava entendendo
que o ora defendente já apresentara sua defesa e que
nenhuma outra prova seria necessária para a formação
da convicção de V. Excia., digno Relator, tanto que
negava acesso da defesa aos autos, o que
66 O Magistrado
impossibilitava o requerimento de provas e, em
conseqüência ocorrendo sérios prejuízos à sua defesa
em razão do cerceamento que vinha continuadamente
sofrendo.
101. Com efeito, entendia o digno
Desembargador Edson Smaniotto que ocorrera
apresentação da defesa visto que o patrono anterior
do defendente, em 19 de fevereiro de 2003, apresentara
uma petição que foi por ele equivocadamente intitulada
de ALEGAÇÕES PRELIMINARES e que consta dos
autos, sendo que nesta, nem por negativa geral os
fatos foram analisados pelo defensor, que limitou-se a
protestar pela produção de prova testemunhal e ofertou
o ROL DE TESTEMUNHAS cuja oitiva requeria, "em
homenagem ao princípio da verdade real". Poder-seia, no máximo, afirmar que a defesa teria apresentado
a defesa prévia nos moldes estabelecidos pelo artigo
395 do Código de Processo Penal, o que seria, no
mínimo, uma aberração de ordem jurídica e não
atenderia aos ditames constitucionais e regimentais.
102. Entender-se que ocorrera a apresentação de
defesa é acreditar que é possível alguém ser processado
sem o direito de ser ouvido e de poder exercer o
contraditório o que viola frontalmente a Constituição
Federal, além de ferir de morte os direitos do advogado
conferidos por lei de ter acesso aos autos e às provas
para que possa formular a competente defesa.
103. O equívoco cometido pelo Desembargador
que concedera a ordem liminar traz irreparáveis prejuízos
à defesa e agridem direitos inalienáveis assegurados,
tanto ao ora defendente, como ao seu advogado, que
no seu exercício profissional, não pode sofrer coação e
violências de tal ordem, muito menos o constrangimento
a que foi irregularmente submetido V. Excia., eminente
relator do procedimento administrativo pelo Exmo. Sr.
Desembargador Edson Smaniotto, com a usurpação da
sua competência, com visíveis e inalienáveis prejuízos
aos interesses do ora defendente.
104. Torna-se necessário um pequeno escorço
histórico acerca dos instrumentos legais em análise:
a Lei Complementar n° 35, de 14 de março de 1979 e
o Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal, que está atualizado de acordo com a
Constituição Federal de 1988.
Enquanto a citada Lei Complementar foi editada
em 14 de março de 1979, o Regimento Interno deste
Tribunal foi elaborado de modo a assimilar os novos
instrumentos democráticos trazidos pela Constituinte
da Carta de 1988 ao curso de memorável jornada cívica
que até hoje está em nossas lembranças e memória.
105. A regra adotada por V. Excia., eminente
Desembargador
Relator
do
procedimento
administrativo, está inteiramente acorde com o que
estabelece o Regimento Interno em vigor atinente ao
caso em debate, obediente ao que está disciplinado
no inciso LV, do art. 5°, da Carta Magna, que prevê:
"aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os
meios e recursos a ela inerentes;"
107. Portanto, o § 1°, do art. 329, do Regimento
Interno, ao possibilitar nesta fase incipiente de
admissibilidade a produção de provas, apenas se
amoldou à regra geral estatuída pelo inciso LV, do art.
5°, da Constituição Federal, que impõe a todo devido
processo legal, judicial ou mesmo administrativo, os
democráticos e inafastáveis princípios do contraditório
e a ampla defesa, que constituem-se como direitos
inalienáveis do cidadão em um estado democrático de
direito, a ponto de Canotilho tê-los incluído entre as
cláusulas pétreas da Constituição.
108. Sendo o direito ao contraditório e à ampla
defesa consagrados na Carta Magna e admitidos pela
boa doutrina como sendo cláusulas pétreas da
Constituição de 1988, portanto em pleno vigor entre
nós, não é compreensível a tentativa de voltar-se à
época do regime militar e aplicar um instrumento, que
no Pacote de Abril, baixado pelo Presidente Geisel,
era conhecido como o Código Penal da Magistratura,
e negar ao ora defendente o mínimo direito à defesa.
Obviamente, a nova ordem constitucional surgida após
1988 não foi inspirada por tais princípios.
109. Efetivamente, tem V. Excia. o direito
inalienável de conduzir o processo de forma a realizar
todo o indispensável para a formação do seu livre
convencimento, que foi sendo visivelmente restringido
na formação de sua livre convicção de Juiz, não pela
fúria escandalosa e condenatória exigida e imposta
por um jornal local, mas exatamente pelo órgão que
deveria zelar pelo respeito à lei, defensor da ordem
jurídica que é, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis.
110. Na busca de uma punição sumária para um
Magistrado que nada fez de errado ao deferir uma liminar
em Habeas Corpus, que desfez um auto de prisão em
flagrante posteriormente confirmado como sendo
montado pelos próprios policiais que participaram da
diligência, portanto nulo de pleno direito, pretende o
zeloso órgão ministerial imprimir um ritmo frenético de
julgamento ao presente feito, nem que para isso seja
necessário rasgar e violar princípios basilares do estado
democrático de direito estabelecidos pela Constituição
Cidadã, como a denominava o Deputado Ulysses
Guimarães, para tanto exigindo que no caso em análise
se aplique a Lei Complementar n° 35, que em 14 de
março de 1979 regulamentou a Emenda n° 1, da
Constituição Federal de 1945 e sequer foi recepcionada
no particular pela atual Constituição Federal.
111. Ora, vigente o princípio do contraditório em
nosso ordenamento jurídico, não pode ser tolhido o
exercício da Defesa, pois, agindo em contrário
estaríamos subvertendo o devido processo legal
estabelecido pela Constituição Federal. Se à acusação
foi permitido tudo, pois presos foram requisitados para
audiências perante a Comissão, no Presídio e na Corre
gedoria; se os pais do traficante foram ouvidos por mais
de uma vez na Corregedoria e na Comissão de
Investigação do Parcelamento Ilegal do Solo Urbano;
se Juízes foram ouvidos na Corregedoria na calada da
noite; se documentos necessários à acusação foram
acostados aos autos, que se avolumam em mais de
20 (vinte) volumes, porque não permitir ao menos que
o Magistrado indiciado seja minimamente ouvido, já
que a Comissão de Sindicância não se dignou a fazêlo em nome de um inquisitorial sigilo? Não permitir
que ele peça a re-inquirição de testemunhas já ouvidas
pela Comissão? Por que não permitir a juntada de
documentos que comprovem a mais completa
inexistência do fato a ele imputado? Por que não
permitir a juntada de fotos e de provas que desmancham
por completo esse simulacro de escândalo forjado nos
corredores do Ministério Publico, interessado em
alcançar pessoas outras que estão inclusive fora da
relação processual?
112. Pois bem, Sr. Desembargador Relator, o
Ministério Público que, reconhecidamente, não foi
admitido nesta relação processual administrativa por
decisão do eminente Relator Edson Smaniotto mantida pelo Egrégio Conselho Especial - com o v.
despacho que parcialmente concedeu a liminar
conseguiu, por incrível que pareça, ao mesmo tempo
não só imprimir um ritmo inconstitucional ao julgamento
do Processo Administrativo sub examen, ferindo de
morte o devido processo legal que deve ser amoldado
à espessura ínfima do procedimento nessa fase, tal
qual ocorre com o procedimento sumário ou
sumaríssimo no campo do Direito Processual Civil,
como ainda limitar de modo insuportável o legítimo
direito à ampla defesa do impetrante.
113.
Perceba
excelência,
eminente
Desembargador Relator, o absurdo do procedimento
que pretende o Ministério Público indevidamente
imprimir ao processo em exame, pois conforme o
respeitável despacho de fls. foi anteriormente concedido
o prazo de cinco dias para que o ora defendente
complementasse sua Defesa, em face do seu anterior
advogado, Dr. Raul Livino, ter sido obrigado por dever
de consciência a sair da causa, e o fez porque, como
presidente da Comissão de Ética do Conselho Secional
da Ordem dos Advogados do Brasil, teria que abrir
procedimento administrativo contra o advogado Manoel
Barreto, conforme foi noticiado pelo próprio órgão
impetrante da inicial do MS n° 4.076-2. Contra isso se
insurgiu o Ministério Público. É no mínimo razoável?
114. Ora, modificada a representação judicial do
impetrante, é evidente que ao não se conceder ao novo
patrono da defesa um prazo razoável para que o mesmo
tome conhecimento da causa e de sua completa
extensão, está-se limitando de forma insuportável o
legítimo direito do acusado, ou indiciado, de se defender
com os meios adequados, produzindo prova do que alega.
115. A tese da defesa é justamente a da
inexistência absoluta do fato apontado como violador da
norma administrativa, pois tudo o que se pretende agora
demonstrar é que o fato mencionado - o de que o traficante
Alexandre obteve mediante paga sua liberdade - inexiste
por completo, pois o mesmo após ter sido colocado em
liberdade pela Egrégia 1a. Turma Criminal, em decisão
por maioria, sendo relator o Desembargador João Timóteo,
teve a sua prisão confirmada posteriormente pela Egrégia
1a. Turma Criminal por unanimidade, portanto com o voto
do ora recorrente, em face da denegação de dois pedidos
de Habeas Corpus por ele impetrados (cópias em anexo).
116. A decisão, felizmente contornada pela
concessão da liminar pelo eminente Desembargador
Valter Xavier, inquestionavelmente limitava drasticamente
o direito do ora defendente em se ver defendido por seu
novo advogado, subscritor da presente, que nunca tivera
acesso aos autos e ao que nele contém.
O Magistrado
67
117. O referido despacho, incomum e arbitrário,
além de inconstitucional, data venia, pois
simplesmente foi determinado a V. Excia., Relator
natural do processo, que parasse de produzir novas
provas no procedimento, acatando tese do Ministério
Público que não tem legitimidade para ingressar e
participar da relação processual administrativa por
enquanto, conforme julgado pelo e. Conselho Especial.
118. Não foi levado em conta que tais provas
pudessem ser indispensáveis à formação do livre
convencimento do juiz natural da causa, sendo-lhe
determinado que levasse o feito imediatamente a
julgamento, mais parecendo, data venia, que pouco
importava o abalizado voto e convencimento de V.
Excia., pois o resultado condenatório já estaria
previamente tomado.
119. Felizmente, a lúcida, coerente e abalizada
decisão do eminente Desembargador Valter Xavier,
restabeleceu o devido processo legal e pôde V. Excia.
em acertado despacho, abrir vista à defesa do ora
defendente para que esta pudesse ser apresentada e
apreciada por V. Excia., no prazo de dez dias, o que
é usual em procedimentos que tais.
DO PEDIDO
120. Por todo o exposto e oportuno, requer a
V. Excia. se digne de determinar, em correição, a
oitiva das testemunhas já arroladas pela defesa do
ora defendente, bem como a oitiva de todas as
testemunhas que foram ouvidas durante o
procedimento administrativo apuratório sem a
presença do ora defendente e ou do seu defensor.
121. Por outro lado, embora reconheça que o
artigo 330 do Regimento Interno determine que o
processo em exame terá caráter confidencial, para
garantia exclusiva do sigilo em relação ao magistrado
investigado, abrindo mão desse caráter sigiloso do
procedimento e levando-se em conta que a
Constituição Federal estabelece no seu artigo 93, IX,
verbis:
"todos os julgamentos dos órgãos do Poder
Judiciário serão públicos, e, fundamentadas todas as
suas decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei,
se o interesse público o exigir, limitar a presença, em
determinados atos, às próprias partes e a seus
advogados, ou somente a estes;" (Os destaques não
são do original).
Vem requerer, para maior transparência e
satisfação à opinião pública, bem como para que não
se alegue amanhã qualquer nulidade frente à não
observância da letra expressa da Constituição
Federal, se entender V. Excia. não seja o caso do
arquivamento sumário, o que se admite apenas a título
de argumentação, após findar a instrução com a oitiva
das testemunhas já arroladas e o que foi requerido
na presente, que seja convocada sessão pública do
Tribunal Pleno Administrativo, nos termos do que
estabelece o artigo 330, § 3º para decidir sobre a
instauração do processo disciplinar.
122. Restabelecido o devido processo legal e
restaurado o procedimento correto ao presente feito
e expostas as razões que demonstram
inequivocamente que os fatos não se deram conforme
68 O Magistrado
pretendeu a douta Comissão de Sindicância e que
foram exaustivamente esclarecidos, requer,
liminarmente, que proceda V. Excia. segundo o que
preceitua o artigo 329, § 4º do Regimento Interno do
Tribunal, determinando liminarmente o arquivamento
do feito, tendo em vista que existem precedentes no
Tribunal. Confira-se o julgamento do processo
administrativo instaurado a pedido do Ministério
Público contra o MM. Juiz Sebastião Coelho da Silva,
arquivado sumariamente pelo Desembargador Paulo
Guilherme Vaz de Melo.
" Art. 329 - ...
§ 4º - Caberá ao Relator, se convencido, propor
o arquivamento do processo".
123. Requer ainda, se digne V. Excia. de
determinar seja instaurado procedimento investigatório
para apuração das denúncias e insinuações contidas
nas gravações descritas no item 27 da presente, em
relação ao MM. Juiz da 3ª Vara de Entorpecentes e
Contravenções Penais, Doutor Carlos Pires Soares
Neto.
124. Requer mais que se digne V. Excia. de
determinar sejam remetidas peças ao Ministério
Público do Distrito Federal para apurar as
responsabilidades criminais e administrativas dos
policiais Wellington e Ferraz conforme gravações
mencionadas no item 61 da presente.
125. Requer, outrossim, se digne V. Excia. de
determinar sejam remetidas peças ao Ministério
Público do Distrito Federal e à e. Corregedoria do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios
para que sejam apuradas as responsabilidades
criminais e administrativas do Sr. Chefe de Secretaria
da 3ª Vara de Entorpecentes e Contravenções Penais,
Dr. Marcelo Bianchini face às inverdades contidas no
seu depoimento e o seu procedimento em relação ao
ora defendente.
Antes de encerrar e em respeito à Justiça à
qual, ininterruptamente, vem servindo durante os
últimos vinte e oito anos, manifesta sua
inconformidade com a atual fase negra que atravessa
o Poder Judiciário local, acreditando firmemente que,
V. Excia. como relator, enfrentando tão
constrangedora situação criada por parte da mídia
sensacionalista desta cidade e pelo Ministério
Público do Distrito Federal, determine o arquivamento
do feito pela total inexistência de provas e ou mesmo
indícios da materialidade do fato, restabelecendo a
verdade das denúncias infundadas que vêm
enodoando a honra e a judicatura de um magistrado
que por ter se portado com a independência e
dignidade que lhe exige a Constituição Federal, foi
enchovalhado e colocado aos olhos da opinião
pública como um marginal, entretanto tem absoluta
consciência que somente agiu nos limites da lei e
de acordo com o juramento que prestou perante a
Corte quando da sua posse, de respeito à lei, à
Constituição e à sua consciência.
Pede Deferimento.
Brasília, 26 de junho de 2003.
AMAURI SERRALVO
OAB/DF 760
Diretoria
Presidente - Desembargador Valter Ferreira Xavier Filho (TJDF)
Vice-Presidente - Juiz de Direito Jansen Fialho de Almeida (TJDF)
Diretor Cultural - Juiz de Direito Roberval Casemiro Belinatti (TJDF)
Tesoureiro - Juiz de Direito Jesuíno Aparecido Rissato (TJDF)
Secretário-Geral - Juiz de Direito Paulo Rogério Santos Giordano (TJDF)
Conselho Fiscal
Presidente - Juíza Federal Adverci Rates Mendes de Abreu (TRF)
Conselheiros
Juiz Federal Antônio Corrêa (TRF);
Juiz de Direito Evandro Neiva Amorim (TJDF);
Juiz de Direito João Egmont Leôncio Lopes (TJDF);
Juiz de Direito Jonas Modesto da Cruz (TJDF)
Diretoria Adjunta
Secretário Geral Adjunto - Juiz Federal Francisco Neves da Cunha (TRF)
Tesoureiro Adjunto - Juiz de Direito Mário Motoyama (TJDF)
Diretor Cultural Adjunto - Juiz de Direito Arnoldo Camanho de Assis (TJDF)
Assessoria da Presidência
Juiz de Direito Agnaldo Siqueira Lima (TJDF); Juiz de Direito Antoninho Lopes (TJDF); Juiz de Direito Carlos
Bismarck Piske de Azevedo Barbosa (TJDF); Juiz de Direito Clóvis Moura de Souza (TJDF); Juiz de Direito
Gilberto de Souza Sá (TJDF); Juiz de Direito Irineu de Oliveira Filho (TJDF); Desembargador José Wellington
Medeiros de Araújo (TJDF); Juiz de Direito Leandro Borges de Figueiredo (TJDF); Juiz de Direito Manoel
Franklin Fonseca Carneiro (TJDF); Juíza de Direito Maria Leonor Leiko Aguena (TJDF); Desembargador Pedro
Aurelio Rosa de Farias (TJDF); Juiz de Direito Ronan Acácio Jacó (TJDF)
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O Magistrado
69
Castigo
Eu tinha onze ou doze anos quando o conheci: era
um moreno alto e forte, com cerca de vinte e cinco anos e,
se cheguei a saber algo mais a seu respeito, é que se chamava Orlando e era filho de uma viúva, com quem morava,
numa ladeira nas proximidades da Venda das Mulatas, no
bairro do Cubango. Eu estava no bonde, com um de meus
tios, quando ele subiu e ficou no estribo, no rumo de nosso
banco. Os dois conversaram e eu apenas o cumprimentei.
Voltei a vê-lo várias vezes e nunca fomos além de uma saudação formal. Viajava sempre no estribo, mesmo que houvesse lugares à vontade.
Alguns anos depois, na década dos quarenta, Niterói
pouco tinha mudado e era ainda uma cidade relativamente
pacata, em que quase todo o transporte de passageiros se
fazia sobre trilhos. Mal terminei o ginásio, vim a saber do
grave acidente que ele acabara de sofrer: escorregara do
estribo com o bonde em movimento e tivera as pernas esmagadas acima dos joelhos. Esteve hospitalizado e não houve como evitar a amputação. Eu nunca soube em que circunstâncias se deu a queda, mas ele teve ganho de causa na
ação movida contra a velha Cantareira, concessionária do
serviço dos bondes, que acabou condenada a indenizá-lo.
Vi-o diversas vezes em cadeira de rodas, e era penoso admitir que aquele homem forte e saudável estivesse irremediavelmente reduzido a tal situação.
Uma tarde, tomei o bonde para o Cubango, a fim de
visitar uma de minhas tias, que morava naquele bairro. Encontrei-a tratando um serviço de carpintaria com um senhor a
quem chamava de seu Manduca, que tomava medidas e fazia
anotações. Depois, sentamos os três na varanda à espera de
um café e — conversa vai, conversa vem — falou-se de um
acidente a que os jornais estavam dando destaque, porque
envolvia pessoas importantes da cidade. Depois, minha tia
comentou com o carpinteiro o caso de Orlando e arriscou:
— O senhor talvez o conheça; é filho de dona Sebastiana, da Venda das Mulatas.
O homem se benzeu, como se o assunto lhe causasse assombro:
— Conheço muito, minha Senhora. Fui vizinho da família durante nove anos. Ele foi amigo de meu filho mais
velho, mas eu desgostei daquela amizade, quando soube de
certas coisas. Creia que não gosto de falar nisso. Até hoje
me dá uma sensação esquisita.
E ficando de pé:
— A Senhora acredita em castigo do céu?
Ante a resposta afirmativa, prosseguiu:
— Eu também acredito, com a Graça Divina. Não digo
que toda pessoa tenha de ser santa. A gente erra demais,
faz coisas que não deve, e eu tenho cá comigo que Deus
perdoa muita falta de seus filhos. Mas a perversidade que o
homem faz, e volta a fazer, sem mostrar arrependimento,
isso talvez não tenha perdão, não Senhora! Aqui se faz, aqui
se paga! Se não for nesta vida, será na próxima, ou em
70 O Magistrado
outra mais adiante, isso eu aprendi e acho que está muito
certo! O inferno é aqui mesmo!
E voltando-se para mim:
— O amigo crê na volta do espírito, para acertar as
contas atrasadas, que não foram saldadas em outra vida, e
para habitar em seres humanos cada vez mais evoluídos?
Eu creio e penso que é uma demonstração da justiça de
Deus: em vez de mandar muita gente para o fogo de Satanás, como os padres e pastores ensinam, determina que o
espírito volte, para se redimir. O amigo crê?
Eu respondi afirmativamente, embora sem saber onde
o homem queria chegar, e ele continuou:
— Desde o tempo em que Orlando tinha vinte anos,
ou talvez um pouco mais, eu sabia que ele pegava passarinhos e até aves maiores, para vender. Armava arapucas
pelos matos para os sabiás, nhambus e juritis; fazia esparrelas para os pássaros comedores de frutas, e não faltava
sanhaço e tiê-sangue que naquilo se envolvesse; e quando o
capim se cobria de sementes, ia atrás dos coleiros e outros
passarinhos miúdos, que apanhava em varas de visgo colocadas perto das gaiolas dos chamarizes, usados para atrair
os bandos com seu canto.
Minha tia quis saber que relação havia entre os passarinhos e o acidente.
— A Senhora já vai entender. Orlando costumava deixar
dois ou três pássaros no botequim de um amigo seu, que
fica perto de casa, porque era um bom ponto para atrair os
interessados. Numa tarde de sábado, depois de acertar a
venda de um sabiá-laranjeira, ele se retirou, e os fregueses
que bebiam cerveja na mesa que dava para a esquina, inclusive eu, ficamos comentando sua habilidade de pegador de
pássaros. Foi quando um rapaz alto, que acabava de deixar
a mesa de sinuca, entrou na conversa para dizer que não
aprovava os métodos empregados por ele.
— Por que não aprova?
— Porque ele faz muita perversidade com os bichos.
Ai dos passarinhos que não lhe interessem e caiam em suas
armadilhas ou varas de visgo! Só leva para casa os machos,
que são cantadores e podem dar um bom dinheiro depois de
mansos. O resto, quer dizer, as fêmeas e os tipos que ninguém compra, inutiliza, para não lhe darem mais trabalho,
conforme ele mesmo diz.
— Inutiliza como?
— Cortando as pernas, com uma tesoura que carrega só para isso.
E seu Manduca, voltando-se para mim:
— Eu, que na hora pensei que era coisa inventada,
fiquei sabendo depois que aquilo era a mais pura verdade! E
agora lhe pergunto se o que aconteceu com ele não parece
castigo do céu?
José Geraldo Pires de Mello é poeta, cronista, contista e
ensaísta
O Magistrado
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