a necessidade do resgate do autor marginalizado.
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a necessidade do resgate do autor marginalizado.
OSWALD DE ANDRADE: a necessidade do resgate do autor marginalizado. Pedro Matias* Professor Orientador: Marcia Ivana Lima e Silva RESUMO O Movimento Modernista é um dos movimentos culturais mais expressivos que se tem notícia no Brasil. Oswald, como força motriz do Modernismo, tinha uma visão muito abrangente e social das possibilidades do movimento e suas consequências. No entanto o escritor acabou, como outros, eclipsado pela figura de Mário. É necessário, para um entendimento mais amplo das razões e consequências do Movimento Modernista, um estudo aprofundado sobre os motivos que levaram Oswald de Andrade a ser preterido a Mário de Andrade nos estudos do Modernismo. Transformado em apenas mais um nome entre os “modernos”, a obra de Oswald não é valorizada como merece, o estudo mais aprofundado de seus “romances¹” ajudará a construir uma visão mais ampla das possibilidades sociais e estéticas do Movimento Modernista, cujo estopim foi a Semana de Arte Moderna (1922). PALAVRAS-CHAVE: Oswald de Andrade, Modernismo, Literatura Brasileira. ABSTRACT The Modernist Movement is one of the most considerable cultural movements known in Brazil. Oswald, considered a motive power of Modernism, had a very embracing and social view of the movement’s possibilities and its consequences. However the writer ended, like others, being eclipsed by the image of Mario. It is necessary for a wider understanding about the reasons and consequences of the Modernist Movement an exhaustive study of the reasons that led Oswald de Andrade to be less studied than Mario de Andrade in works of Modernism. Oswald became just a name among the "modernists" and his work is not appreciated as it deserves, thus a further study of his "novels" will help to build a broader vision of social and aesthetic possibilities of the Modernist Movement, in which the trigger was the Week of Modern Art (1922). KEYWORDS: Oswald de Andrade, Modernism, Brazilian Literature. A escolha de Oswald de Andrade para essa análise se explica por dois motivos. Eis o primeiro: Oswald de Andrade representou com seus altos e baixos a ponta de lança do “espírito de 22” a que ficaria sempre vinculado, tanto nos seus aspectos felizes de vanguardismo literário quanto nos seus momentos menos felizes de gratuidade ideológica. É a partir de Oswald que se deve analisar criticamente o legado do Modernismo paulista, pois foi ele quem assimilou com conaturalidade os traços conflitantes de uma inteligência burguesa em crise nos anos que precederam e seguiram de perto os abalos de 1929/30. (BOSI, 1999, p. 356). * Graduado em Letras Licenciatura Plena pela Faculdade Porto-Alegrense – FAPA e Especializando em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS É em Oswald que podemos perceber de uma maneira mais equilibrada os diversos pontos que nortearam o Modernismo. Por meio da valorização de sua obra podemos compreender melhor o que foi esse movimento e suas reais implicações. Neste ensaio esse não é nosso foco maior, no entanto pretendemos, com a valorização da obra de Oswald, ensejar uma reflexão sobre o discurso realmente “moderno” e o que é apenas o “discurso do vencedor” (Mário de Andrade). Essa preocupação social não pode, no entanto, sufocar a análise literária, em nome de uma sociologia ou história da literatura – trabalho antes de um historiador do que de um crítico – como ocorreu durante algum tempo, pós semana de 1922: Das ideias e das contrações estéticas sabe-se muito pouco, ou melhor, a crítica não tem tomado conhecimento em seu aspecto criativo, ou seja, o lado responsável pela “produção” das obras modernas. O que se tem visto, de preferência, é o lado político restrito ou o social envolvendo e tomando conta do modernismo: a participação política ou religiosa de Oswald de Andrade, por exemplo, em detrimento de sua obra, multifária, cheia de desníveis e de grandes qualidades. (BRASIL, 1976, p. 13). O trabalho do crítico deve ser pautado em uma “totalidade”, a busca por favorecer a crítica com todos os mecanismos a sua disposição, sem, em nome de uma ideologia, delimitar as possibilidades interpretativas. É necessária uma ligação entre fatores sociais e a estética: A tentativa de focalizar simultaneamente a obra como realidade própria e o contexto como sistema de obras parecerá ambiciosa a alguns, dada a força com que se arraigou o preconceito do divórcio entre história e estética, forma e conteúdo, erudição e gosto, objetividade e apreciação. Uma crítica equilibrada não pode, todavia, aceitar estas falsas incompatibilidades, procurando, ao contrário, mostrar que são partes de uma explicação tanto quanto possível total, que é o ideal do crítico, embora nunca atingido em virtude das limitações individuais e metodológicas. (CANDIDO, 2007, p. 31). Oswald de Andrade é um autor diferenciado. Foi um dos modernistas da primeira época, sendo força motriz do movimento, enquanto Mário de Andrade, o arquiteto intelectual e o “político” sagaz: “Mas além das afinidades notórias e das coincidências, é provável que a influência de Oswald (mais ousado, mais viajado, mais aberto) haja sido decisiva para levar Mário, tímido e provinciano, ao mergulho no Modernismo” (CANDIDO, 2004b, p. 41). É na figura de Oswald que o movimento toma forma. Diferente dos outros jovens que se reuniam nos encontros nos vários salões modernistas, Oswald era um homem cosmopolita, separado da visão provinciana de alguns de seus companheiros. Ele é a força e movimento daquilo que se tornaria o Modernismo: Parece-nos que foi Mário de Andrade o pensador-catalisador do movimento modernista, embora às vezes nos possa parecer Oswald de Andrade mais “inteligente”, mais participante dos problemas – principalmente sociais – de sua época [...] (BRASIL, 1979, p. 27). É interessante perceber que aquele que provavelmente deu fôlego para Mário de Andrade entrar no movimento e apresentou o poeta Mário, em um artigo chamado “Meu poeta futurista1”, fosse – depois de uma briga dos, até então, amigos – eclipsado por este: Naquela altura havia uma espécie de soberania intelectual exercida em São Paulo por Mário de Andrade, instalado diariamente na mesa de chope do Bar Franciscano, à rua Líbero Badaró; e depois de sua morte, em parte por Sérgio Milliet. À volta deles juntava-se o grosso da vida literária e Oswald ficava meio à margem; mesmo porque seu sarcasmo destruía de um lado o que seu enorme encanto pessoal tinha construído de outro. (CANDIDO, 2004b, p. 36 – 37). Essa pode ser uma das razões que levou Oswald a ser preterido. O tamanho que a figura de Mário de Andrade tomou, seu consequente poder político e influência cultural, podem ser uma explicação dessa vantagem que o Macunaíma, de Mário, tem como escolha de obra para índice de estudo do período. Romances polêmicos e fascinantes, seja pela estrutura inovadora, como pelo conteúdo, Miramar e Serafim levaram mais de quatro décadas para serem reeditados e reconhecidos como os dois maiores romances de Oswald de Andrade. Junto a Macunaíma (1928), de Mário de Andrade, eles representam a tríade mais importante da prosa modernista brasileira. (SCHWARTZ, 1980, p. 99). Se as três obras, duas de Oswald e uma de Mário, são a tríade mais importante, como coloca Jorge Schwartz, porque essa predileção pela obra de Mário de Andrade? Será que o rompimento da expectativa do público, quanto à estrutura telegráfica, foi tão grande que o público não conseguiu entender? Pois, como esclarece Zilberman, segundo a Estética da Recepção: Jauss não acredita que o significado de uma criação artística possa ser alcançado, sem ter sido vivenciado esteticamente: não há conhecimento sem prazer, nem a recíproca, levando-o a formular num par de conceitos que acompanham suas reflexões posteriores: os de fruição compreensiva [verstehendes Geniessen] e compreensão fruidora [geniessendes Verstehen], processos que ocorrem simultaneamente e indicam como só se pode gostar do que se entende e compreender o que se aprecia. (ZILBERMAN, 2009, p. 53). Essa ruptura foi suficiente para evitar que o público brasileiro fosse capaz de experienciar prazer e, portanto, não conseguisse compreender a obra? Mas dizer isso não é um exagero? Ainda sobre o tema, retomando Jauss, Zilberman (2009, p. 34) esclarece que mesmo 1 – Há uma pequena discrepância de informações, apesar de mais de uma fonte indicar que o nome do artigo é o citado no projeto, há alguns registros de que o nome do artigo seria “Meu poeta modernista”. Pela coerência das fontes optou-se pelo nome registrado. quando a obra é extremamente “renovadora” ela não será totalmente novidade, dentro de um “vazio informativo”. Sobre esse ponto de vista, D’Onofrio (2007, p. 514) levanta algumas questões interessantes sobre o teatro oswaldiano: Mas seu teatro de crítica e de insurreição não foi apreciado na sua época, tanto que o espectador brasileiro precisou esperar até o ano de 1968 para ver encenada uma peça de Oswald de Andrade. Talvez porque o radicalismo da intelectualidade modernista não considerasse a dramaturgia oswaldiana muito inovadora ou talvez porque não havia mesmo no Brasil uma tradição teatral relevante. Esta, realmente, só começou a existir na década de 1960, com o surgimento do Teatro Oficina, em São Paulo. Foi esta companhia que representou, pela primeira vez, O rei da vela, com enorme sucesso aqui e no exterior. Há uma dialética expressa no texto de Salvatore. Apesar de ser voltado para o teatro, suas hipóteses que contrapõem inaptidão do meio (por falta da tradição teatral) e a visão do radicalismo da intelectualidade são interessantes. Esse ponto de vista poderia ser dilatado e abranger a situação da narrativa de ficção de Oswald? Essas são algumas questões passíveis de serem aprofundadas futuramente. O segundo motivo que nos leva à escolha de Oswald de Andrade é o mesmo que orienta a escolha do corpus de análise. Faz-se necessário esclarecer um fato, o porquê seria importante a escolha das narrativas de ficção Memórias Sentimentais de João Miramar e Serafim Ponte Grande para um exame da obra de Oswald. Para esclarecer os motivos da escolha do recorte, introduziremos o que Schwartz (1980, p. 33) diz sobre João Miramar: Estamos perante um texto que transgride todas as normas do romance convencional, já que mistura continuamente a prosa com a poesia, abolindo os limites entre uma e outra. As personagens, alvo da ironia caricatural do autor, estão desprovidas de profundidade psicológica; satirizam os diferentes tipos sociais de uma São Paulo de início de século [...] (Grifo do autor). Se os limites entre prosa e poesia são abolidos, como indica o autor, e essa estruturação se repete em Serafim, nos parece que, por meio da análise profunda dessas duas obras, podemos ter uma visão geral da literatura oswaldiana. Antonio Candido (2004a, p. 41) ainda detalha, quando parte para a análise da obra narrativa, sua opinião sobre o conjunto da obra de Oswald: “ele é quase sempre excelente na poesia, no teatro e no debate de idéias”. O mesmo Candido (2006, p. 130) reforça a ideia de Schwartz: “Prosa telegráfica e sintética de Oswald de Andrade, nas Memórias sentimentais de João Miramar, que avança a cada instante rumo à poesia [...]”, mostrando que a análise dessas obras se mostra pertinente na construção de uma ideia de “todo” da obra oswaldiana. Outro motivo para a escolha do recorte nos dois romances citados é a necessidade de demonstrar as possibilidades da obra de Oswald ser parte de “[...] um sistema articulado e (que), ao influir sobre a elaboração de outras (obras), formando (forma), no tempo, uma tradição”. (CANDIDO, 2007, p. 26) – parênteses nossos. Essa possibilidade de tradição parece mais evidente nos romances por suas características inovadoras: Assim, as Memórias Sentimentais de João Miramar e Serafim Ponte Grande, seriam a cristalização de um projeto literário, que veio abrir amplas perspectivas para a renovação do romance brasileiro. É nestes romances onde Oswald de Andrade tenta a síntese criativa mais audaz, chegando ao “corte” cinematográfico e à “montagem”, técnicas que iriam enriquecer e influenciar os melhores romancistas. (BRASIL, 1976, p. 46). Assis Brasil, crítico do Modernismo brasileiro, já indica que há grandes romancistas influenciados por Oswald. Encontrar essa influência é ainda algo por ser feito na crítica do autor, apesar dos problemas inerentes aos métodos possíveis: Isso conduz ao problema das influencias, que vinculam os escritores uns aos outros contribuindo para formar a continuidade no tempo e definir a fisionomia própria de cada momento. Embora a tenha utilizado largamente e sem dogmatismo, como técnica auxiliar, é preciso reconhecer que talvez seja o instrumento mais delicado, falível e perigoso de toda a crítica, pela dificuldade em distinguir coincidência, influência e plágio, bem como a impossibilidade de averiguar a parte da deliberação e do inconsciente. (CANDIDO, 2007, p. 38). Como Antonio Candido deixa claro: é impossível definir com certeza se há uma influência direta entre um autor e outro. No entanto, usando todo o “aparelho crítico” à nossa disposição, é possível mostrar elementos inovados por Oswald e repetidos por romancistas da geração de 45 e outros que começaram a escrever entre as décadas de 1960 e 1980. Os autores do “Romance de 30” seriam propositalmente excluídos dessa análise, por se tratarem de autores contemporâneos de Oswald e já estarem com sua “formação” literária bem constituída na altura do lançamento do Par (nomenclatura de Antonio Candido). É interessante citar que Antonio Candido introduz sua visão analítica social da literatura, baseada em seu sistema tricotômico e dinâmico de autor-obra-público, como tradição em seu livro Formação da Literatura Brasileira: momentos decisivos (2007). Apesar do livro tratar apenas de dois “períodos” da Literatura Brasileira (Arcadismo e Romantismo), ele projeta os elementos que serão retomados mais tarde, anunciando em que momento, e por quais autores, esses elementos serão “revisitados”. Mário de Andrade é citado (segundo o Índice de Nomes, p. 779) quatorze (14) vezes, Oswald (segundo o mesmo índice) nenhuma. Baseado no sistema literário de Antonio Candido, essa visão de Oswald de Andrade abre um precedente curioso: se ele não retoma nada da tradição literária e não cria tradição (é um dos nossos objetivos provar que ele cria), ele poderia, apesar de parecer uma forma de “forçar o sistema” de Candido, ser relegado do patamar de literatura para o patamar de manifestação literária2 (termos de Antonio Candido). Isso é, no mínimo, uma situação inusitada na literatura brasileira moderna. Não é nosso objetivo elevar o escritor a um “altar” idolátrico, mas sim resgatá-lo da margem, encontrar seu lugar no cânone, ressaltando os aspectos positivos e sua contribuição para a construção do romance nacional: A ironia, o humor e a dimensão paródica representam uma interpretação carnavalesca da vida, que pode ter sido inspirada nessa descoberta inicial e que teria gerado a possibilidade de entender o mundo através do gesto circense. É desta maneira que Oswald de Andrade consegue atingir uma profunda visão crítica da sociedade em que viveu, incorporada numa das personalidades e numa das linguagens mais ricas, mais instigantes e, acima de tudo, mais modernas de nossa literatura. (SCHWARTZ, 1980, p. 6). Se sua obra tem um valor, a que diversos críticos fazem alusão, devemos ressaltá-lo com análise e demonstrar a função dessa obra dentro do sistema literário, para definir sua posição dentro da história da Literatura Brasileira. Não pretendemos ser definitivos sobre o assunto, apenas discutir o tema e ensejar um momento de reflexão. REFERÊNCIAS ANDRADE, Oswald. Obras Completas. São Paulo: Globo. BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. 36ª edição. São Paulo: Cultrix, 1999. BRASIL, Assis. História Crítica da Literatura Brasileira: o modernismo. Rio de Janeiro: Pallas S.A., 1976. BRITO, Mário da Silva. História do Modernismo Brasileiro: antecedentes da semana de arte moderna. 3ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971. CAMPOS, Haroldo. Oswald de Andrade: trechos escolhidos. Rio de Janeiro: Agir, 1967. CANDIDO, Antonio. Formação da Literatura Brasileira: momentos decisivos. 11ª edição. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2007. CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. 9ª edição. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006. CANDIDO, Antonio. Recortes. 3ª edição. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2004a. 2 “Manifestação literária” é compreendida, em uma interpretação da teoria do sistema literário, como uma obra com valor estético, mas fora desse sistema. (CANDIDO, 2007, p. 25). CANDIDO, Antonio. Vários Escritos. 4ª edição. São Paulo: Duas Cidades/Ouro sobre Azul, 2004b. D’ONOFRIO, Salvatore. Literatura Ocidental: autores e obras fundamentais. 2ª edição. São Paulo: Ática, 2007. EAGLETON, Terry. Teoria da Literatura: uma introdução. 6ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2006. FONSECA, Maria Augusta. Oswald de Andrade: biografia. 2ª edição. São Paulo: Globo, 2007. SCHWARTZ, Jorge. Literatura Comentada: Oswald de Andrade. São Paulo: Abril Educação, 1980. ZILBERMAN, Regina. Estética da Recepção e História da Literatura. São Paulo: Ática, 2009.