O CONCEITO DE COMPENSAÇÃO EM L.S.VIGOTSKI E SUAS

1 O CONCEITO DE COMPENSAÇÃO EM L.S.VIGOTSKI E SUAS
IMPLICAÇÕES PARA EDUCAÇÃO DE PESSOAS CEGAS
Talitha Priscila Cabral Coelho – UEM/ CAPES 1
[email protected]
Sônia Mari Shima Barroco – UEM 2
[email protected]
Maria Angela Sierra – SEED 3
[email protected] RESUMO
Este trabalho resulta do estudo das obras Fundamentos de Defectologia (1989) e
Transformação Socialista do Homem (2004) de L. S. Vigotski, e objetiva estabelecer a
relação entre o conceito de compensação e a importância da atividade coletiva no
desenvolvimento de pessoas com deficiência. Para Vigotski (1989) a intervenção
pedagógica enfocada na compensação da cegueira via sensibilidade auditiva e tátil, ou
seja, via funções elementares deveria ser revista. Aponta que as conseqüências da
cegueira na integração de uma pessoa na vida em sociedade poderão sinalizar um
desenvolvimento insuficiente das funções psicológicas superiores, portanto, a
participação no coletivo é a fonte principal da compensação das conseqüências da
cegueira. Nisso reside o porque da pedagogia dos cegos dever levar em conta a questão
da participação no trabalho produtivo, na colaboração com os videntes como problema
metodológico e pedagógico fundamental no ensino de cegos. Contudo, ao nos
atentarmos às características contraditórias do modo de produção capitalista, ao mesmo
tempo humanizantes e desumanizantes, percebemos a atualidade de Vigotski quando
denunciou a incapacidade dos seres humanos deficientes ou não, desenvolverem-se
plenamente em uma sociedade de classes. Concluímos parcialmente que, tanto a critica
à educação especial soviética das primeiras décadas do século XX, quanto a denúncia
ao desenvolvimento limitado dos homens na sociedade capitalista mantêm sua
atualidade.
Palavras-chave: educação especial; cegueira, psicologia histórico-cultural; formação
profissional.
Introdução
Este trabalho resulta de revisão bibliográfica, especialmente nas obras
Fundamentos de Defectologia (1989) e Transformação Socialista do Homem (2004) do
1
Aluna do Programa de Pós-Graduação em Psicologia - PPI/UEM.
Docente do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia – UEM.
3
Professora da Secretaria de Estado de Educação do Paraná e ex-aluna do Programa de Pós-Graduação em
Psicologia – UEM.
2
2 psicólogo soviético L. S. Vigotski (1896-1934) e objetiva estabelecer a relação entre o
conceito de compensação e a importância da atividade coletiva no desenvolvimento de
pessoas com deficiência, em especial a pessoa cega.
Para esta pesquisa foram realizados estudos (leituras, elaboração de fichamentos
e discussões) das obras de Vigotski que versam sobre a Educação Especial,
principalmente a obra intitulada “Fundamentos de Defectologia” (1997), enquanto
atividades de ensino vinculadas ao projeto de pesquisa “Psicologia histórico-cultural e
Defectología: estudo das contribuições/implicações teórico-metodológicas soviéticas
para a apropriação da linguagem verbal por alunos com deficiências e para a
constituição das suas subjetividades 4 ” (UEM, 2009-2013). Consideramos que a revisão
desta literatura traz contribuições ao campo da Educação Especial e da Educação
Profissional de pessoas com deficiência.
As demandas recentes, em nossa sociedade, de incluir as pessoas com
deficiência em todos os espaços como expressão prática de consolidação da democracia,
sinalizam a necessidade de um debate fecundo acerca do desenvolvimento psicológico
de pessoas com deficiências, como ele se dá e o que ele requer. Em contribuição com
este debate enfatizamos como se dá o desenvolvimento psíquico de um indivíduo cujas
vias de recepção, expressão e processamento das informações estão comprometidas pela
deficiência física.
Barroco (2007) chama a atenção para os estudos de Vygotski no campo da
Defectología buscando as suas contribuições para a educação e psicologia atuais.
Defende que apesar deste autor ter escrito em uma sociedade em tempos de implantação
do comunismo, portanto não-capitalista, e de costumes e valores afetos à Rússia e aos
países que compuseram a ex-União Soviética, importa aos estudiosos do século XXI
saber o que criticou e o que propôs.
Essa empresa, segundo Barroco (2007), não deve pretender a reedição da
aplicação da teoria vygotskiana, tal como se deu naqueles anos e sociedade, mas ela tem
o propósito de inspirar os homens de hoje a olhar para além das aparências, para além
daquilo que se apresenta à primeira vista. Defende ainda que uma melhor compreensão
da teoria vygotskiana sobre a aprendizagem e o desenvolvimento humanos impõe que
4
Que por sua vez está vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade
Estadual de Maringá (PPI/UEM).
3 se estude o que escreveu no campo da Defectologia, ao pleitear uma educação
especializada que movimentasse o desenvolvimento.
Vygotski e o desenvolvimento da pessoa com e sem deficiência
Nessa direção apontada, importa-nos destacar que a abordagem HistóricoCultural, a qual Vigotski representa, concebe o desenvolvimento psíquico da pessoa
com ou sem deficiência como resultado do processo dialético de constituição do
intrapsiquico intrinsecamente relacionado ao que está posto no âmbito extrapsiquico.
Em outras palavras, concebe o psiquismo humano como síntese de múltiplas
determinações. Portanto, é na concretude das relações entre a pessoa e o seu entorno
que se dá a formação do que é propriamente humano. Assim, não é possível
compreendemos essa constituição e manifestação de suas capacidades e limitações,
desconsiderando a realidade histórica e social.
Para Vygotski (1997), qualquer deficiência, física ou mental, modifica a relação
do homem com o mundo e influencia as relações com as pessoas, ou seja, a limitação
orgânica se mostra como uma “anormalidade social da conduta”. Contudo, não é a
diferença biológica o principal fator que implica em desenvolvimento limitado ou em
não desenvolvimento da pessoa com deficiência, afinal esta é tida sob diferentes modos
e valoração em conformidade com as especificidades de cada sociedade. O
impedimento que pode se apresentar é em primeiro lugar de ordem social, ou seja,
depende de como dada sociedade concebe a pessoa sob tal condição. O exposto pelo
autor nos idos dos anos de 1920 e 1930 ainda permanece muito vivo e atual. Embora
nem sempre se referencie esta coletânea de seus textos, nela encontramos um autor vivo,
tentando explicar vida humana em suas inúmeras possibilidades.
Vygotski nesta obra em tela, e no conjunto de suas outras produções, deixa
evidente a sua perspectiva de que o homem é um ser essencialmente social. Embora
toda a saga da formação humana ontogenética se paute num equipamento biológico
inicial, a direção do desenvolvimento é a superação deste pelo reequipamento cultural.
No caso da pessoa com deficiência, o percurso segue a mesma direção, isto é, os seus
olhos, as suas cordas vocais, as suas mãos, enfim, todo o seu corpo deve ser formado
socialmente. Em outras palavras, os olhos e todos os demais órgãos devem se tornar
órgãos sociais, que extrapolam a compleição orgânica inicial e assumem características
4 e funções sociais. Eles devem ser, portanto, órgãos característicos da vida em sociedade.
Isso tem importância tão notória que a limitação de um órgão, por exemplo, provoca
uma conseqüência social – a relação estabelecida com os pares sofre influências. Por
isso, para este autor, a cegueira, assim como outras deficiências, “é um estado normal e
não patológico para a criança cega, e ele só percebe indiretamente, secundariamente,
como resultado do reflexo social nele (1997, p.79).”
Vygotski e a cegueira como impulso ao desenvolvimento
Para Vigotski a cegueira não é apenas a falta da visão, mas uma reorganização
de todas as forças da personalidade que cria uma formação peculiar provocando uma
formação criadora e orgânica. “Portanto, a cegueira não é somente um defeito, uma
debilidade, senão também, em certo sentido, uma fonte de manifestação das
capacidades, uma força (por estranho e paradoxal que seja!)” (VIGOTSKI, 1989, p. 74).
Todavia, pelo que vimos expondo anteriormente, podemos dizer que para
Vygotski essas características não são o problema em si, ou ainda, a cegueira não é uma
deficiência em si. As conseqüências da cegueira na integração de uma pessoa a vida em
sociedade é que poderão sinalizar um conseqüente desenvolvimento incompleto das
funções psicológicas especificamente humanas. E tais conseqüências se apresentam
como um importante enfoque no preparo profissional de um educador especial:
A cegueira ou a surdez como fatos psicológicos não existem para o
próprio cego e surdo. [...] Gostaria de demonstrar para o pedagogo,
quer dizer, para a pessoa que se aproxima da pessoa cega com a
intenção de educá-lo, que existe não tanto a cegueira como um fato
diretamente biológico, quanto às conseqüências sociais deste fato, as
quais há que se levar em conta. [...]
Quando temos diante de nós um cego, como objeto da educação,
temos que ver não tanto com a cegueira por si mesma, como com os
conflitos que se tornam presentes a criança cega ao entrar na vida,
quando tem lugar a substituição dos sistemas que determinam todas as
funções da conduta social da criança. E por isso me parece que, do
ponto de vista pedagógico, a educação da criança se limita a retificar
totalmente estes desajustes sociais. [...] A tarefa da educação consiste
em incorporar na criança a vida e criar a compensação do seu defeito
físico. A tarefa se reduz a que a alteração do laço social com a vida
seja feito por alguma outra via (VYGOTSKI, 1997, p. 43-44).
Notadamente, Vigotski orientou suas pesquisas no campo da educação e da
psicologia de modo a contribuir com o projeto revolucionário de sua nação, o projeto de
5 uma sociedade comunista, revisando a Educação Especial de até em tão (herdada do
período Czarista). Em seus escritos, não raro encontramos uma explícita menção deste
seu compromisso com a coletividade, com a formação do novo homem (com ou sem
deficiência) através da educação política e social, defendendo que uma educação
atrelada à transformação social teria papel fundamental na consolidação de uma
sociedade sem classes antagônicas.
A reformulação das práticas da Educação Especial de seu tempo, objetivando a
superação das deficiências humanas era indispensável ao propósito da coletivização ou
socialização das riquezas, princípio de uma sociedade emancipada e meta perseguida
por Vigotski e pelos demais revolucionários na Rússia do início do século XX. Diz ele:
O cego seguirá sendo cego, e o surdo, seguirá sendo surdo, mas
deixarão de ser deficientes, porque a deficiência é um conceito social
(...). A cegueira em si não faz a criança deficiente, não é um defeito,
uma deficiência, uma carência, uma enfermidade. Chega a ser só em
certas condições sociais de existência do cego. É um signo da
diferença entre sua conduta e a conduta dos outros. A educação social
vencerá a deficiência (VYGOTSKI, 1997, p. 82).
Em sua critica a Defectologia (entendida como campo semelhante à atual
Educação Especial), Vygotski denunciou que os conteúdos ensinados conduziam a
miséria, e que a estrutura do trabalho era preparada de uma forma artificial por fazer
uma ruptura do contato com o ambiente normal, adaptando artificialmente o mundo da
criança ao defeito, assim a escola educava para anti-sociabilidade.
Apesar de todos os méritos, nossa escola especial se distingue pelo
defeito fundamental de que ela limita seu educando (ao cego, ao
surdomudo, e ao deficiente mental), em um estreito círculo do coletivo
escolar; cria um mundo pequeno, separado e isolado, no que tudo está
adaptado e acomodado ao defeito da criança, tudo fixa sua atenção na
deficiência corporal e não incorpora a verdadeira vida. Nossa escola,
em lugar de retirar a criança do mundo isolado, desenvolve
geralmente na criança hábitos que o levam a um isolamento ainda
maior e intensifica sua separação. Devido a estes defeitos não só se
paralisa a educação geral da criança, senão que também sua
aprendizagem especial às vezes se reduz a zero (VYGOTSKI, 1997,
p.41).
Outra critica feita por Vygotski à escola especial era quanto ao erro de achar que
a essência do trabalho educativo consistia em desenvolver os órgãos restantes de
6 percepção – idéia esta ligada a compensação biológica do defeito físico. Retomando o
posicionamento hegemônico da pedagogia especial de sua época, criticou o
direcionamento dos esforços desta pedagogia tradicional em tentar fazer o cego ver
pelos outros sentidos. Segundo ele, a intervenção pedagógica enfocada na compensação
da cegueira via sensibilidade auditiva e tátil, ou seja, via funções elementares deveria
ser revista. Para ele, esta compensação deve ser substituída pela compensação social do
defeito. “O importante é aprender a ler e não simplesmente ver as letras. O importante é
reconhecer as pessoas, e compreender seu estado, e não só vê-las” (VYGOTSKI, 1997,
p. 83).
Compensação e supercompensação como alternativa metodológica
O problema metodológico e pedagógico fundamental apontado pelo autor ao
tratar da educação de pessoas com deficiência reside na utilização de recursos técnicometodológicos especiais que permitam a pessoa compensar (superar) sua limitação
criando outras vias que garantam a sua inserção na vida produtiva em plena colaboração
com os não deficientes.
Assim, coerente com o pensamento dialético, Vygotski salienta na deficiência a
tendência ao seu contrário, a potência. Percebe que a limitação traz consigo a
possibilidade contraditória da superação como uma tendência, mas não como uma
conseqüência mecânica direta. Aqui encontramos conceitos centrais nos estudos de
Vigotski acerca da educação de pessoas deficientes: a compensação e a
supercompensação.
Partindo dos estudos existentes sobre o processo de compensação em A. Adler
(1870-1937), Vygotski discorre acerca dos avanços e limitações presentes nestas
teorizações em termos de compensação das deficiências. Destacou que a reação da
criança de compensar a insuficiência frente ao sentimento chamado por Adler de
“menos-valia” e o próprio surgimento deste sentimento, não podem ser universalizados,
já que agindo assim desconsideraríamos as condições matérias que os tornam ou não
possíveis. Assim, sua compreensão do processo compensatório à luz do método
materialista historio dialético pode ser resumido assim:
7 A educação de crianças com diferentes deficiências deve basear-se em
que, simultaneamente com a deficiência também estão dadas as
tendências psicológicas de orientação oposta, estão dadas as
potencialidades compensatórias para superar a deficiência e que
precisamente são estas as que saem em primeiro plano no
desenvolvimento da criança e devem ser incluídas no processo
educativo como sua força motriz.
[...] Crer que qualquer deficiência se compensará é tão ingênuo como
pensar que qualquer enfermidade termina indubitavelmente na
recuperação. Principalmente necessitamos de critério e realismo na
valorização, sabemos que as tarefas da supercompensação de tais
deficiências como a cegueira e a surdez são enormes, enquanto que o
fluxo compensatório é pobre e escasso; o caminho do
desenvolvimento é extraordinariamente difícil mas, por isso, é tão
mais importante conhecer a direção correta (VYGOTSKI, 1997, p.
47).
A
compensação
refere-se
ao
processo
substitutivo
que
garante
o
desenvolvimento, ou seja, quando uma ou mais vias de apreensão do mundo e de
expressão não estão íntegras ou não podem ser formadas, o indivíduo pode eleger outras
que estejam íntegras. Isto lhe permite estar no mundo e com ele se relacionar. Acontece,
no entanto, que em alguns casos o indivíduo não apenas compensa o que lhe falta, mas
vai além. Ele pode supercompensar, isto é apresentar um grau de adaptação na área em
que tinha limites biológicos a um nível acima da média esperada para a sociedade na
qual está inserido e na qual se humaniza.
Ante o exposto, evidencia-se que estamos diante de uma teoria que não valoriza
e se conforma com o sofrimento e com os limites biológicos, e sim com a superação
destes, impulsionando para o estabelecimento de novos posicionamentos a respeito de
velhas questões, como a de que deficiência seja fator de impedimento ao
desenvolvimento. Essa concepção, de que a deficiência não é somente uma debilidade,
mas também potencialidade, resulta em uma importante referencia em favor das
possibilidades para o pedagogo, o psicólogo e a outros profissionais em seus trabalhos
junto à educação.
O impacto das defesas vygotskianas apresentadas pode ser notado, por exemplo,
no que se refere à formação humana: apresenta-se como mais difícil o ensino de uma
criança surdocega do que o de uma “normal”, pelo grau de inadaptação daquela à
sociedade. Contudo, a possibilidade de êxito de sua supercompensação, por vias
colaterais de desenvolvimento, que conta com formas diferenciadas de se apropriar das
8 elaborações humanas e de se expressar/objetivar, assinala o caminho de uma forma de
educação.
Em outro texto, em co-autoria com Luria, Vygotsky aponta para a importância
desses conceitos. Vai além ao dizer que onde há o limite biológico, a compensação e a
supercompensação deve alcançar um nível tal de formação do talento cultural
(VYGOTSKY, LURIA, 1996). Isso, certamente, dá um direcionamento par ao trabalho
especializado para os dias atuais!
Podemos concluir que, para Vigotski, a sociedade pode criar a suficiência e
eliminar o limite que a deficiência tem imposto, especialmente pela via de uma
Educação Especial comprometida com a formação para integração em atividades, de
fato, produtivas.
A esse respeito, vale lembrar que Vygotski repudiava a vinculação das pessoas
deficientes com ações de caridade, insistindo que se devesse nortear pela educação
social, em implantação naqueles anos pós-revolucionários.
A educação social era aquela destinada à formação do novo homem, sob a
mentalidade comunista, e que tinha na coletividade o seu referencial, seu propósito
maior. Ela se pautava no e para o trabalho, e, pleiteia que se voltasse a Defectologia
para esse norte, constituindo-se, portanto, em educação em favor dos processos
compensatórios, ou seja, que pudesse ir ao encontro das demandas reais de
sociabilidade humana em sua real complexidade. Dialogando com os educadores a
respeito disso, ele afirma:
“Se vocês ensinam um surdomudo a trabalhar, se ele aprende a fazer
bonecos negros de trapo e a vender-los, se ele confecciona diferentes
artigos e depois os leva a vender aos restaurantes e se os oferece aos
clientes, isto não é educação laboral, senão educação da mendicidade,
porque é mais cômodo pedir esmolas com algo nas mãos. [...] Mas se
a vida tivera ditado a necessidade da linguagem oral, se se tivesse
proposto sempre de um modo natural a questão do ensino laboral,
então se poderia estar seguro de que a assimilação da linguagem oral
na escola dos surdomudos não apresentaria dificuldade”
(VYGOTSKI, 1997, p. 46).
Compreendemos a atividade produtiva como central na idéia de Vygotski (1989,
p. 51) quando afirmativa que “[...] é possível vencer o defeito com a incorporação total
dos cegos a vida laboral”. Com base nesta idéia, julgamos importante tecer algumas
9 considerações acerca da incorporação à vida laboral como propiciador de compensação
da deficiência e desenvolvimento das funções psicológicas superiores.
É justamente por ser a anormalidade biológica um obstáculo que dificulta o
desenvolvimento e altera o equilíbrio do psiquismo – tendo como base os padrões
hegemônicos de formação cultural em um dado momento histórico – que temos a
tendência à compensação da insuficiência. Esta dupla influencia do defeito impulsiona a
força em superar que se expressa na capacidade da criança para utilizar meios auxiliares
que lhe são disponibilizados. Assim, no processo de desenvolvimento cultural da
criança, novas mediações favorecem o desenvolvimento de funções mais complexas
(superiores) que, por sua vez, substituem outras mais elementares (inferiores). Temos
aqui, a compensação de uma limitação orgânica através do desenvolvimento cultural
das chamadas vias colaterais que, em seu conjunto, oferecem possibilidades
completamente
novas
para
o
desenvolvimento
da
criança
deficiente.
“O
desenvolvimento cultural é a esfera mais importante de onde é possível compensar a
insuficiência. Ali onde o desenvolvimento orgânico resulta impossível, existem infinitas
possibilidades para o desenvolvimento cultural” (VYGOTSKI, 1997, p. 313).
Atento às características contraditórias do modo de produção capitalista, ao
mesmo tempo humanizantes e desumanizantes, Vigotski (2004) também denunciou a
incapacidade dos seres humanos deficientes ou não, desenvolverem-se plenamente em
atividades laborativas de uma sociedade de classes, “este desenvolvimento unilateral e
distorcido das suas várias capacidades [...] está crescendo a uma enorme velocidade
devido à influência da divisão tecnológica de trabalho”, diz ele. Concluímos
parcialmente que, tanto a critica à educação especial soviética das primeiras décadas do
século XX, quanto a denúncia ao desenvolvimento limitado dos homens na sociedade
capitalista mantêm sua atualidade, e pode ser ilustrada nesta pergunta:
Que resultado pode haver quando o aluno é só um executor, outros
realizam por ele o trabalho de organização, não está acostumado a
cooperação no trabalho e depois que sai da escola resulta ser um
inválido? Se existir uma escola que introduza na vida do cego o
trabalho profissional e de produção, do qual não estiver eliminado o
momento socialmente organizativo mais valioso no aspecto educativo,
teríamos um efeito totalmente distinto na preparação laboral do cego.
Por isso me parece que a orientação mais ampla para as crianças
normais deva servir de ponto de partida de nossa revisão da pedagogia
especial. Todo o problema é sumamente sensível e claro. Nada tem a
idéia de negar a necessidade da pedagogia especial. Não se pode dizer
10 que não há conhecimentos especiais para os cegos, os surdos e os
deficientes mentais. Porém estes conhecimentos e sua preparação é
necessária subordiná-las a educação geral, a preparação geral.
Pedagogia especial deve ser ‘dissolvida’ na atividade geral da criança
(VYGOTSKI, 1997, p. 47).
Considerações Finais: a compensação para a formação humana
Se considerarmos que toda a limitação pode gerar compensação, a escola tem
um projeto pedagógico que provoque compensações oferecendo estratégias e recursos
que não poderiam ser feito sem esta mediação. Se quando o equipamento biológico está
diferenciado por uma má formação ou lesão o sujeito pode desenvolver talentos
culturais também é papel da escola é desenvolver o talento cultura com o emprego
deliberado, intencional, de substituir este déficit, reequipando culturalmente as pessoas
com ou sem deficiência.
O ensino da linguagem é um empoderamento, qualifica no mundo dos humanos,
possibilita o ser genérico, organiza o mundo caótico de simpraxico (prática) ao
sinsemântico (da representação). Com destaque para o trabalho voltado a emancipação
do homem, que não o tira de suas responsabilidades sociais, e o matem atrelado a um
projeto societário.
Consideramos que, investigarmos no presente momento a possibilidade da
formação da pessoa cega e/ou vidente vinculada ao projeto coletivo de constituição de
um sujeito pleno e em consonância com o fim maior de emancipação humana, é de
grande valia. O enfrentamento da realidade da educação especial e profissional na
sociedade regida pelo capital, demanda do profissional psicólogo a compreensão das
sutilezas da luta no campo ideológico, além de um profundo conhecimento de como se
constitui a consciência humana, inseparável deste contexto sócio-histórico.
Referências
BARROCO, Sonia Mari Shima (2007). A Educação Especial do novo homem
soviético e a Psicologia de L. S. Vigotski: implicações e contribuições para a
Psicologia e a Educação atuais (UNESP-Araraquara, 2007).
11 VYGOTSKI, L S. (1989) Obras Completas – Tomo V. Fundamentos de Defectologia,
Ciudade de La Habana: Editorial Pueblo Educación.
VYGOTSKY, L.; LURIA A. R. (1996) Estudos sobre a história do comportamento:
símios, homem primitivo e criança. Porto Alegre: Artes Médicas.
VYGOTSKI, L. S. (1997) Obras Escogidas. V – Fundamentos de defectología. Trad.
Julio Guillermo Blank. Madrid: Visor.
VYGOTSKY, L. S. (2004) A transformação socialista do homem. URSS: Varnitso,
1930. Tradução Marxists Internet Archive, english version, Nilson Dória, julho 2004.
Disponível em: http//:www.marxistts.org/. Acesso em fevereiro 2007.