TRINDADE
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TRINDADE
O invisível torna-se visível. A iconografia de Deus. Imagens da Trindade. A Iconografia de Deus - séc. IV-VIII: é caracterizado pela evocação indireta do mistério trinitário (ex.: quirofanias, prefigurações veterotestamentárias, como a Hospitalidade de Abraão). Não obstante, neste período a Igreja está concentrada em intensos debates trinitários, formulando e conceptualizado o dogma cristão. Outra das questões debatidas é a legitimidade das imagens sagradas. - - séc. IX-XIII: é o período exploratório com a criação dos principais tipos iconográficos da Trindade, como o “Trono da Graça”, a “Paternidade”, a “Trindade triândrica”, a “Trindade tricéfala”, etc. O século XII é o momentochave da história da representação da Trindade na arte do Ocidente, reunindo todo o trabalho exploratório anterior. - Séc. XIII-XV: criação de novas fórmulas iconográficas, especialmente nos séc. XIV-XV. Assiste-se a uma “trinitarização” de certos episódios da vida de Cristo (ex.: Anunciação, Batismo) e criam-se novas tipologias, como a “Compaixão do Pai” e a “Coroação da Virgem pela Trindade”. A ICONOGRAFIA DE DEUS A interdição veterotestamentária de representar Deus e o combate judaico à idolatria: - 10 Mandamentos (Ex 20, 3-6) (2º Mand.): «Não haverá para ti outros deuses na minha presença. Não farás para ti imagem esculpida nem representação alguma do que está em cima, nos céus, do que está em baixo, na terra, e do que está debaixo da terra, nas águas. Não te prostrarás diante dessas coisas e não as servirás». Compaixão do Pai, painel em grisalha de Robert Campin c. 1415 (c.150x60cm) A ICONOGRAFIA DE DEUS: DEUS-PAI No Antigo Testamento Deus nunca se revela in figura sob pena de causar a morte de quem lhe visse o rosto (Ex 33, 20). A este respeito sucedia o mesmo com os deuses gregos: uma das amantes de Zeus, Sémele, desafiada por Hera, exigiu ao amante que se apresentasse em todo o seu esplendor, o choque foi tal que a amante terrena, grávida de Dionísio, sucumbiu (Zeus colocou o embrião na coxa). No entanto, o A. T. relata diversas teofanias (manifestações de Deus): a) Por palavras; b) Por alterações do ambiente físico (nuvens, trovões, fogo, relâmpagos, tremores de terra, etc.); c) Nas chamas da Sarça Ardente; d) Quirofanias. Moisés junto da Sarça Ardente (Êxodo 3, 2), Basílica de S. Marcos (Veneza, séc. XIII) Moisés junto da Sarça Ardente (Êxodo 3, 2), Basílica de S. Vital (Ravena, séc. VI) A ICONOGRAFIA DE DEUS: DEUS-PAI QUIROFANIAS Apesar dos interditos, foi-se representando, a pouco e pouco, a «Mão de Deus» ( Dextra Dei, Manus Domini) na época paleocristã. Mesmo na arte judaica da época romana! «A mão do Senhor desceu sobre mim; então conduziu-me em espírito e colocoume no meio de uma planície que estava cheia de ossos.» Ezequiel 37, 1-14 Visão dos Ossos Ressequidos (Ezequiel), Dura-Europos, c.220-30 A ICONOGRAFIA DE DEUS: DEUS-PAI QUIROFANIAS Na iconografia do A. T. as Q. costumam ser representadas nas seguintes cenas: Criação; Expulsão; Tributo de Caím e Abel; Ordenação para Noé Construir a Arca; Sacrifício de Isaac; Entrega das Tábuas da Lei a Moisés no Sinai; Visão do Profeta Ezequiel. Sacrifício de Isaac, Basílica de S. Vitale (Ravena, 540-547) Abraão em Siquem, atrium da basílica de S. Marcos (Veneza, séc. XIII) A ICONOGRAFIA DE DEUS: DEUS-PAI QUIROFANIAS Inicial do Génesis, Bíblia de Santa Cruz de Coimbra, 2ª met. séc. XII Criação, Missal de Stammheim, c. 1100 (470x365 cm) QUIROFANIAS Moisés recebe as Tábuas da Lei Evangeliário da Biblioteca Laurenziana, fols. 7v (séc. XII) A ICONOGRAFIA DE DEUS: DEUS-PAI QUIROFANIAS Na iconografia do N. T. as Q. costumam ser representadas nas seguintes cenas: Baptismo de Cristo; Agonia no Horto; Calvário; Ascensão de Cristo; Lapidação de Stº Estêvão; etc. Três Marias no Túmulo e Ascensão, c.400 A ICONOGRAFIA DE DEUS Prefigurações no Ant. Test.: “Abraão e os 3 anjos” ou “Hospitalidade de Abraão” Catacumbas sob a Via Latina, Roma, (sécs.III-IV) Ig. S. Vitale, Ravena (c.540-547) TRINDADE Catacumbas sob a Via Latina, Roma, (sécs.III-IV) Hospitalidade de Abraão, basílica de S. Marcos (Veneza, séc. XIII) A ICONOGRAFIA DE DEUS TRINDADE Águia como imagem da Trindade, Mosteiro de Bawit (Egito) (séc.VI). Notar: alfa e ómega em 3 coroas de louros; 3 medalhões.. A ICONOGRAFIA DE DEUS TRINDADE O trono é símbolo do poder, é o atributo principal do soberano (relação com Deus Pai). O trono com as insígnias de Cristo, como o livro ou rolo, a cruz e o manto triunfal (relação com Deus Filho). A pomba (símbolo do Espírito Santo). Catedral de Monreal (Sicília), séc. XIII A ICONOGRAFIA DE DEUS A TRINDADE NA FÉ DA IGREJA - Os cristãos (como os judeus e os muçulmanos) acreditam na existência de um Deus único, criador de tudo, providente, omnisciente e infinitamente bom. Mas a fé na Encarnação do Verbo de Deus em Jesus de Nazaré conduziu o cristianismo a definir-se como um «monoteísmo trinitário», e a afirmar que Deus é Um em Três. - A Trindade é o mistério de um só Deus em três pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, reconhecidas como distintas na unidade de uma só natureza, essência ou substância. A complexidade do conceito deu azo a enormes discussões, e cisões, dentro da Igreja, sobretudo no primeiro milénio. A ICONOGRAFIA DE DEUS A TRINDADE NA FÉ DA IGREJA Durante a Alta Idade Média e até ao IV Concílio de Latrão, em 1215, a questão da Santíssima Trindade foi objeto de animada discussão teológica. É uma época também marcada pela discussão em torno credo do Filioque (“e do Filho”), acrescentado ao Credo de Niceia (325). Os latinos consideram que o Espírito Santo procede do Pai ao mesmo tempo que procede do Filho. Os ortodoxos consideram que o E. S. procede do Pai pelo Filho, “per Filium”. Esta diferença ajudou a criar o cisma de 1054 (dividindo os latinos dos ortodoxos). É neste ambiente que é criada uma nova devoção à Trindade, com instituição de missa, ofício e festa próprias, surgindo novos modelos iconográficos para a Trindade. Credo in unum Deum, Patrem omnipoténtem, Factórem cæli et terræ, Visibílium ómnium et invisibílium. Et in unum Dóminum Iesum Christum, Fílium Dei Unigénitum, Et ex Patre natum ante ómnia sæcula. Deum de Deo, lumen de lúmine, Deum verum de Deo vero, Génitum, non factum, consubstantiálem Patri: Per quem ómnia facta sunt. Qui propter nos hómines et propter nostram salútem Descéndit de cælis. Et incarnátus est de Spíritu Sancto Ex María Vírgine, et homo factus est. Crucifíxus étiam pro nobis sub Póntio Piláto; Passus, et sepúltus est, Et resurréxit tértia die, secúndum Scriptúras, Et ascéndit in cælum, sedet ad déxteram Patris. Et íterum ventúrus est cum glória, Iudicáre vivos et mórtuos, Cuius regni non erit finis. Et in Spíritum Sanctum, Dóminum et vivificántem: Qui ex Patre Filióque procédit. Qui cum Patre et Fílio simul adorátur et conglorificátur: Qui locútus est per prophétas. Et unam, sanctam, cathólicam et apostólicam Ecclésiam. Confíteor unum baptísma in remissiónem peccatorum. Et expecto resurrectionem mortuorum, Et vitam ventúri sæculi. Amen Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso, Criador do Céu e da Terra, De todas as coisas visíveis e invisíveis. Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigénito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos: Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro; gerado, não criado, consubstancial ao Pai. Por Ele todas as coisas foram feitas. E por nós, homens, e para nossa salvação desceu dos Céus. E encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria. e se fez homem. Também por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos; padeceu e foi sepultado. Ressuscitou ao terceiro dia, conforme as Escrituras; e subiu aos Céus, onde está sentado à direita do Pai. De novo há-de vir em sua glória para julgar os vivos e os mortos; e o seu Reino não terá fim. Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida, e procede do Pai e do Filho; e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado: Ele que falou pelos Profetas. Creio na Igreja una, santa, católica e apostólica. Professo um só baptismo para a remissão dos pecados. E espero a ressurreição dos mortos e vida do mundo que há-de vir. Amen A ICONOGRAFIA DE DEUS A TRINDADE NA FÉ DA IGREJA A criação das novas imagens da Trindade dá-se por duas vias (séc. XII): 1) Progressiva explicitação das imagens da Maiestas Domini, onde surgem progressivamente símbolos das outras pessoas da Trindade (uma pomba, uma mão, o Cordeiro, o Crucifixo) 2) Como ilustrações do Salmo 109, no qual se diz que o Messias se sentará à direita de Deus. Imagens progressivamente dogmatizadas (com acrescento do Espírito Santo). A TRINDADE É comum representar-se a Trindade através da imagem do Filho (“cristomorfismo da representação de Deus”). No caso desta imagem, uma iluminura inglesa do séc. X, a legenda refere-se à Trindade embora a imagem pareça ser a da Maiestas de Cristo: Omnipotens Trinitas, unus et verus Deus, Pater, filius et Spiritus Sanctus. Como explica Boespflug, «este cristomorfismo da representação de Deus é expressão de uma posição teológica que não perde de vista o sentido cristológico da noção de imagem e não concebe a salvação fora da sua manifestação na revelação bíblica». meados séc. XII Meados séc. XI. Beatus de Saint Sever. Os 24 Velhos do Apocalipse e os anjos aclamam o Senhor, rodeado pelo Tetramorfo último quartel séc. XII 2º quartel séc. XII séc. XI c.1023 c.1023 A ICONOGRAFIA DE DEUS PATERNIDADE Saltério, MS Harley 603, finais séc. X «A Deus jamais alguém o viu. O Filho Unigénito, que é Deus e está no seio do Pai, foi Ele quem o deu a conhecer» (Evangelho de S. João, 1,18) Este tipo iconográfico é atestado no Ocidente e no Oriente. Apresenta o Pai sedente, com o Filho no seu «seio» ou sentado nos seus joelhos, como sucede com as representações da Virgem com o Menino. A ICONOGRAFIA DE DEUS 1130-40 Com clipeus no seio, segue modelo bizantino da Virgem Platytera Saltério, 2ª met. séc. XII PATERNIDADE A ICONOGRAFIA DE DEUS NAS IMAGENS DA TRINDADE TIPOS DE TRINDADE a) Trindade tricéfala ou trifacial; b) Trindade «Horizontal»: 1. Três pessoas iguais ou diferentes (Trindade triândrica) 2. Pai e Filho iguais + Pomba Esp. Santo c) Trindade «Vertical»: 1. Trono de Graça 2. Compaixão do Pai Calvário-Trindade com orantes, Masaccio (Florença, 1427) TRINDADE TRICÉFALA Saltério, séc. XIII Igr. de S. Maria, Armeno (Itália), séc. XII TRINDADE TRIFACIAL Jerónimo Cosida, finais do séc. XVI, Mosteiro de Tulebras, Espanha TRINDADE TRICÉFALA E TRINDADE TRIFACIAL Desde o século XV encontramos críticas no ambiente eclesiástico a estas imagens, consideradas monstruosas e heréticas. Mais tarde, os protestante ridicularizam os católicos por causa destas imagens, que designam como o “Cérbero católico”. O papa Urbano VIII condenou estas imagens em 1628, e Bento XIV renovou a condenação na bula de 1745. TRINDADE HORIZONTAL (TRIÂNDRICA) Lecionário, Bourges, 1410 Corte Celeste ou Adoração da Trindade, il. Horas de Estêvão Chevalier (Jean Fouquet, c.1452-60) TRINDADE HORIZONTAL (2+1) Coroação da Virgem pela Trindade, Michel Sittow, c. 1470 Museu do Louvre TRINDADE HORIZONTAL (2+1) Retábulo de Boulbon, c.1460. Museu do Louvre TRINDADE “TRONO DA GRAÇA” OU TRINDADE VERTICAL Esta imagem da Trindade surge nos finais do século XII. Caracteriza a arte cristã do Ocidente, mas é pouco conhecida no Oriente. O título, “Trono da Graça”, associado à imagem, aparece pela 1ª vez numa medalha de meados do século XVI e torna-se corrente entre os historiadores de arte desde finais do século XIX. Trono de Graça com orantes, Wurzburg (c.1350) O termo “Trono da Graça” tem uma origem bíblica: aparece na Carta aos Hebreus (Hb 4,16). É uma iconografia que sublinha a ideia da Redenção, com o Pai mostrando aos homens o sacrifício realizado pelo Filho, através do qual oferece a salvação a todos os homens. Séc. XIII Séc. XIII TRINDADE TRONO DA GRAÇA É um tema de ampla projeção. É uma das fórmulas trinitárias plenamente aceite pela Igreja, sendo aconselhada na Idade Moderna como a mais idónea para a representação deste dogma. Assim o estabelece a bula do papa Bento XIV (1745): «As imagens da Santíssima Trindade que são aprovadas e permitidas são aquelas que representam a Deus Pai sob o aspeto de ancião, seguindo Daniel 7,9; o Filho unigénito, Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem; e entre ambos o Espírito Santo sob o aspeto de pomba». COMPAIXÃO DO PAI Colijn de Coter, 1510-1515, Museu do Louvre Jean Malouel, c. 1400, Museu do Louvre A ICONOGRAFIA DE DEUS: DEUS COMO ANCIÃO «Continuava eu a olhar até que foram colocados tronos e um ancião se sentou. Branco como a neve era o vestuário dele, e os cabelos da cabeça eram como de lã pura (...)» Daniel 7, 9 DEUS COMO ANCIÃO F. Holanda, De Aetatibus Mundi Imagines, c. 1550 Antigo dos Dias (Paléos ton Himerôn), Ohrid (Macedónia), Igreja de S. Clemente, 1295 DEUS COMO IMPERADOR E PAPA Nos finais do século XIV e começos do século XV, a arte do Ocidente conhece uma nova fase criativa para a representação de Deus, apresentando um novo tipo iconográfico: Deus-Pai como Imperador e como Papa. DEUS COMO PAPA Criação de Eva e Pecado Original, Livro de Horas, c.1526-28 (Simão Bening) Missal de Paris, 1481, BnF