Matemática - Aula 01 e 02 - Integral Paulínia – 8º A

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Matemática - Aula 01 e 02 - Integral Paulínia – 8º A
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DEFINIÇÃO E USOS
CRÔNICA
Você já deve ter encontrado, em jornais diários, textos em que o autor parte de uma
experiência pessoal, quase sempre a observação de um fato cotidiano, a partir do qual elabora uma
reflexão mais geral. Esses textos exemplificam um gênero discursivo chamado CRÔNICA.
Leia o texto a seguir:
Entre quatro paredes
Saí para dar uma volta, outro dia, e notei uma coisa. Fazia um tempo glorioso –
melhor impossível, e com toda probabilidade o último do gênero a se ver por estas bandas
durante muitos meses gelados -, no entanto quase todos os carros que passavam estavam
com os vidros fechados.
Todos aqueles motoristas tinham ajustado o controle de temperatura de seus
veículos hermeticamente fechados para criar um clima interno idêntico ao que já existia no
mundo exterior, e me ocorreu então que, no que se refere a ar fresco, os americanos
perderam de vez a cabeça, ou o senso de proporção, ou alguma outra coisa.
Ah sim, de vez em quando eles saem para experimentar a novidade de estar ao ar
livre – fazem um piquenique, digamos, ou passam o dia na praia, ou num parque de
diversões -, mas esses são acontecimentos excepcionais. De maneira geral, boa parte dos
americanos acostumou-se de tal forma à ideia de passar o grosso da vida numa série de
ambientes com clima controlado que a possibilidade de uma alternativa não lhes passa
mais pela cabeça.
Por isso fazem suas compras em shoppings fechados e vão de carro até esses
shoppings com as janelas do carro fechadas e a ar-condicionado ligado mesmo quando o
tempo está ótimo, como nesse dia. Trabalham em escritórios onde não poderiam abrir as
janelas mesmo que quisessem – não que alguém fosse querer, claro. Quando saem de
férias, em geral viajam numa casa-reboque imensa, que lhes permite saborear a natureza
sem na verdade se expor a ela. Cada vez mais, quando vão a um evento esportivo, o jogo é
realizado num estádio fechado. Dê uma volta a pé por praticamente qualquer bairro
americano, agora no verão, e não verá nenhuma criança andando de bicicleta ou jogando
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bola, porque estão todas dentro de casa. Tudo o que você vai ouvir é o zumbido uniforme
dos aparelhos de ar-condicionado.
Cidades do país inteiro deram ultimamente de construir o que chamam de skywalks
– passarelas fechadas e climatizadas, claro – ligando todos os prédios do centro. Na minha
cidade natal, Des Moines, no estado de Iowa, a primeira “calçada no céu” foi construída uns
25 anos atrás, entre um hotel e uma loja de departamentos, e fez tamanho sucesso que
logo foram surgindo outras. Hoje já é possível andar por quase um quilômetro no centro de
Des Moines, em qualquer direção, sem nunca botar o pé lá fora. Todas as lojas que ficavam
no nível da rua mudaram-se para o primeiro andar, onde agora trafegam os pedestres. Hoje
em dia, as únicas pessoas que se veem nas ruas de Des Moines são os bêbados e os
empregados de escritórios, que saem para fumar um cigarro. A rua tornou-se uma espécie
de purgatório, um lugar para onde você é expulso.
Existem até clubes formados por gente que troca o terno pelo abrigo de ginástica e
passa a hora do almoço fazendo caminhadas rápidas e saudáveis ao longo de uma trilha
com quilometragem marcada nos skywalks. Jamais lhes passaria pela cabeça fazer uma
coisa dessas ao ar livre. Clubes semelhantes, integrados por aposentados, podem ser vistos
em todos os shoppings do país. São pessoas, compreenda, que marcam encontro nos
shoppings não para fazer compras e sim para fazer seus exercícios diários.
Da última vez que estive em Des Moines, encontrei um velho amigo da família. Ele
esta de abrigo de ginástica e me disse que acabara de sair do clube do shopping Valley
West. Estávamos em abril e o tempo era esplêndido. Perguntei-lhe porque o clube não
usava um dos muitos belos e enormes parques da cidade.
“No shopping não tem chuva, não tem frio, não tem morro e não tem
trombadinha”, ele respondeu sem hesitar.
“Mas não existe nenhum trombadinha em Des Moines”, eu respondi.
“Exato”, ele concordou sem pestanejar. “E sabe por quê? Porque não tem ninguém
na rua para roubar.” Balançou a cabeça enfaticamente, como se eu não tivesse pensado
nisso, como de fato não tinha. [...]
Enquanto me achava ali parado, um passarinho derrubou sobre o dedão do meu sapato
esquerdo qualquer tipo de coisa que você em geral não gosta muito que um passarinho
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derrube. Olhei do céu para o sapato e de volta para o céu.
“Muito obrigado”, eu disse, e, creia-me, eu falei de coração.
(BRYSON, Bill. Crônicas de um país bem grande. Trad. De Beth Vieira. São Paulo: Companhia das
Letras, 2001. Fragmento)
ANÁLISE DO TEXTO
Agora que você já leu o texto, responda as questões a seguir:
1. a) Que acontecimento desencadeou o texto de Bill Bryson?
b) Por que o autor julgou tal acontecimento digno de nota?
2. a) Transcreva, do início do texto, as passagens em que o autor deixa claro estar partindo
de uma observação pessoal.
b) Que elementos desses trechos caracterizam como particular a observação feita?
3. a) No 2º parágrafo, podemos identificar um trecho em que o autor começa a refletir
sobre o significado mais geral que o fato observado por ele pode ter. Identifique essa passagem.
b) Podemos afirmar que essa passagem recria, para o leitor do texto, o início de um
raciocínio analítico realizado por Bill Bryson. Explique.
4. a) Em que momento fica evidente que a observação particular torna-se uma reflexão
mais geral sobre os hábitos do povo americano?
b) Que elementos dessa passagem denotam a mudança de perspectiva (de particular para
mais geral) observada no texto?
Releia:
Por isso fazem suas compras em shoppings fechados e vão de carro até esses
shoppings com as janelas do carro fechadas e a ar-condicionado ligado mesmo quando o
tempo está ótimo, como nesse dia. Trabalham em escritórios onde não poderiam abrir as
janelas mesmo que quisessem – não que alguém fosse querer, claro. Quando saem de
férias, em geral viajam numa casa-reboque imensa, que lhes permite saborear a natureza
sem na verdade se expor a ela.
5.a) Que relação de sentido o parágrafo acima estabelece com o trecho final do 3º
parágrafo? Explique.
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b) Em termos formais, que expressão marca o estabelecimento dessa relação de sentido?
c) Que tipo de “orientação de leitura” essa expressão fornece ao leitor do texto?
6. a) No 5º parágrafo, Bill Bryson passa a falar dos skywalks. O que são essas estruturas?
b) De que modo o exemplo dos skywalks se relaciona com a questão tematizada no texto?
Releia:
A rua tornou-se uma espécie de purgatório, um lugar para onde você é expulso.
7. Por que, no contexto da reflexão apresentada, Bill Bryson faz essa afirmação?
8. a) O texto termina com a retomada da perspectiva particular com que havia começado.
Que fatos são relatados pelo autor nesse momento?
b) Podemos afirmar que, apesar de Bill Bryson retomar um tom mais pessoal, o texto não
se desvia da reflexão central. Por quê?
c) Como pode ser entendido o “Muito obrigado” que o autor dirige ao passarinho?
DEFINIÇÃO E USOS
Os grandes jornais, de circulação diária, e as revistas semanais costumam reservar um
espaço fixo para a publicação de CRÔNICAS.
CRÔNICA é um gênero discursivo no qual, a partir da observação e do relato de fatos
cotidianos, o autor manifesta sua perspectiva subjetiva, oferecendo uma interpretação que
revela ao leitor algo que está por trás das aparências ou não é percebido pelo senso comum.
Nesse sentido, é finalidade da crônica revelar as fissuras do real, aquilo que parece invisível
para a maioria das pessoas, ajudando-as a interpretar o que se passa à sua volta.
No texto de Bill Bryson, acompanhamos o processo de exposição de um comportamento
característico do povo americano – a opção por viver em ambientes climatizados, envoltos por uma
falsa “natureza” -, a partir da observação de um fato aparentemente banal: em um dia de verão, o
autor constata que as pessoas dentro dos carros que circulavam pela rua mantinham os vidros
fechados e o ar-condicionado ligado.
Esse procedimento ilustra o princípio desencadeador da crônica:

a observação do real com olhos investigativos, que desejam não só “registrar” uma
cena (corriqueira ou surpreendente, não importa), mas sempre ir além do que tal
cena ilustra, para buscar seu significado mais geral em relação ao comportamento
humano.
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UM POUCO DE HISTÓRIA...
Como gênero, a crônica tem raízes na história e na literatura. Durante o período das grandes
descobertas, quando as pessoas ainda descobriam territórios misteriosos nos quatro cantos do
mundo e se aventuravam nas explorações marítimas, era comum haver sempre um cronista que
acompanhava essas expedições. Sua função era clara: narrar os acontecimentos de modo
cronologicamente organizado. Naquele momento, portanto, fazer uma crônica significava registrar,
de modo fiel, uma série de fatos ordenados no tempo. A finalidade da crônica, nesse caso, era
preservar a memória dos acontecimentos e, por isso, aproximava-se da história.
Até o século XIX, era comum encontrar crônicas que apresentavam essa estrutura básica. Não
se tratava mais, é claro, de registrar os acontecimentos de uma expedição, mas sim os fatos
cotidianos. Grandes escritores brasileiros, como José de Alencar e Machado de Assis, celebrizaramse como cronistas de seu tempo. Como os cronistas eram muitas vezes romancistas ou poetas, o
parentesco da crônica com a literatura se estreitou.
Aos poucos, porém, as crônicas foram sofrendo
A crônica e o estilo individual
A
crônica
discursivo
que
algumas modificações significativas. Em lugar, por exemplo,
de registrarem vários acontecimentos típicos de uma
sociedade, os cronistas passaram a relatar um único fato (ou
vários fatos que ilustrassem uma tendência comum) e, a
é
um
gênero
permite
a
manifestação de estilos individuais,
por ser um texto inspirado em um
olhar subjetivo para acontecimentos
partir desse relato, a tecer comentários mais gerais sobre
cotidianos. No Brasil, houve um
como o acontecimento apresentado podia ser interpretado.
crescimento na produção de crônicas
Quando essa transformação se consolidou, a crônica
a partir da década de 1950.
Autores
assumiu a estrutura e a finalidade que ainda hoje apresenta.
Escrito para ser publicado em jornais, esse gênero discursivo
Drummond
Braga,
de
Paulo
como
Carlos
Andrade,
Rubem
Mendes
Campos,
se define por ser claramente opinativo. Em meio a notícias e
Fernando Sabino, Rachel de Queiroz,
reportagens, em que deve prevalecer uma perspectiva
Carlos
imparcial, a crônica oferece um contraponto para o leitor.
Resende, além de promoverem a
Torna-se uma espécie de avesso da notícia: em lugar da
popularização do gênero, também
objetividade e da imparcialidade que caracterizam aquele
gênero, a crônica se define como subjetiva, opinativa,
Heitor
Cony,
Otto
Lara
estabeleceram seus estilos de modo
claro e, com isso, conquistaram
leitores fiéis.
pessoal.
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CONTEXTO DE CIRCULAÇÃO
As crônicas circulam, em sua maior parte, no espaço jornalístico. Dessa forma, há crônicas
em jornais diários que, geralmente, contam com espaço e autor fixo.
Também é possível encontrá-las em revistas. Quando isso acontece, elas costumam aparecer
no início, como uma “introdução” às notícias da semana; ou no fim da revista, como uma
“conclusão”, um espaço para o leitor refletir sobre algum dos muitos acontecimentos que viraram
notícia naquele período.
Muitas publicações especializadas, como revistas para adolescentes, público feminino, dentre
outras, também reservam um espaço para os cronistas.
O que se costuma observar é que, quanto mais geral for a abordagem jornalística do veículo
no qual a crônica se insere, maior tende a ser a liberdade dos escritores na hora de decidirem o que
irão tematizar em suas crônicas.
Os livros também são um meio de circulação bastante comum para as crônicas. Geralmente
os autores reúnem um conjunto de textos que julgam mais representativos da sua obra e dos
tempos em que vivemos e os publicam sob a forma de livro.
ESTRUTURA
A estrutura da crônica não segue um padrão fixo, mas apresenta algumas linhas gerais que
costumam ser seguidas pela maior parte dos autores. Vamos analisá-la a partir do exemplo seguinte:
Gente boa
Li outro dia um artigo sobre monges budistas,
freiras de clausura e essa gente toda que medita com
frequência. Estudos provaram que eles têm mais
desenvolvida a parte do cérebro que percebe o
aspecto luminoso das coisas. Enxergam mínimas
virtudes, têm mais compaixão e sabem amar com
desprendimento.
O ponto de partida para
a crônica é uma observação de
caráter mais pessoal: no caso, a
autora começa a falar sobre um
artigo que leu sobre pessoas
que meditam com frequência.
As conclusões apresentadas no
texto evocaram uma outra
experiência
pessoal:
uma
viagem feita há 7 anos para
Myanmar.
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Há sete anos passei um mês em Myanmar, a
antiga Birmânia, e lembro-me de sentir nitidamente
que aquela gente era melhor do que eu. Havia
harmonia e benevolência na expressão das pessoas.
Eu acordava predisposta para o bem, não porque seja
de fato boa, mas porque era o que se esperava de
mim. Ninguém na rua imaginava que eu pudesse dar
um golpezinho, enganar ou pensar algo crítico
enquanto sorria gentilmente. A delicadeza ali está
por toda parte e aponta para o que há de mais puro
na gente, umas belezas emboloradas foram brotando
feito susto de dentro dos meus egoísmos. Por lá não
há, ou não havia na época, o hábito de televisão a
qualquer hora, nem sequer existia TV por satélite, e a
cultura mantinha-se, assim, preservada de costumes
ocidentais. Não vi uma pessoa vestindo calça jeans,
nem eu mesma, que rapidamente aprendi a amarrar
panos na cintura para fazer saia igual à das moças de
lá – se amarrar diferente vira saia de homem. A única
infiltração de hábito ocidental que se percebe é um
pouco de cinema e, mesmo assim, os filmes são quase
sempre indianos. Quem chega ali vindo de um mundo
em que tudo se consegue por força, fica perplexo
diante dos meninos e meninas que escolhem passar,
às vezes, três anos de sua adolescência burilando o
espírito em monastérios budistas, no preparo para a
vida adulta. Saem sabendo tudo de abnegação,
generosidade, da importância do silêncio, do não
julgamento... Sabem pouco ou nada de sexo, drogas
e rock’n roll. E conseguem viver sem isso, rindo! Não
pretendo fazer o relato sentimentaloide da pureza de
um povo simples e isolado do mundo, mas é que a
virtude precisa mesmo de exercício para se manter
espontânea, e aquele povo, sei lá por quê, parece
O exemplo das pessoas
citadas no artigo e também das
muitas outras observadas na
viagem à Myanmar é o ponto de
partida para o desenvolvimento
da reflexão pessoal que a autora
deseja fazer.
A conclusão apresentada
no texto lido, aliás, já antecipa o
que será o ponto central da
crônica de Maitê Proença:
pessoas que se dedicam à
meditação, em sofrer a
influência da cultura ocidental
que estimula a competição e o
consumo,
são
pessoas
melhores, que vivem em
harmonia.
O desenvolvimento do
tema da crônica continua sendo
atravessado pela experiência
particular, pessoal da autora.
Da observação do povo
de Myanmar, Maitê conclui algo
muito importante sobre os seres
humanos em geral: a virtude
precisa mesmo de exercício
para manter-se espontânea. Ou
seja, bondade exige prática. E só
existe ação continuada da
generosidade, da aceitação do
outro faz com que as pessoas
realmente aprendam a viver em
harmonia.
achar essa prática importante. [...]
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Tenho consciência de que um dia fui melhor
do que hoje – quando eu era mais simples. A vida foi
se sofisticando, me deixando esperta e mais apta
No penúltimo parágrafo,
a autora mais uma vez assume o
seu
comportamento
como
para o jogo social. Tive ganhos com isso mas perdi
“modelo” para refletir sobre o
algo de genuíno que me diferenciava. Fui perdendo,
que aprendeu com a experiência
no corre-corre do “fiz, faço, aconteço”, o que me
de viver um mês em Myanmar.
aproximava de uma experiência particular e única – e
Conclui, então, que o exercício
melhor eu acho. Felizmente nada é irreversível e não
preciso ir morar em Myanmar pra resgatar minhas
das virtudes pode ocorrer em
qualquer
lugar
Myanmar
ou
virtudes distantes. Posso fazer isso do meu
Basta
apartamento em Copacabana – não é mais poderoso
vontade.
que
onde
viva:
Copacabana.
tenha
força
de
que a firmeza de uma intenção.
Mas aí... Cadê a firmeza?
(PROENÇA, Maitê. Entre ossos e a escrita. Rio de Janeiro:
Ediouro, 2004. p. 99-100. (Fragmento).
De modo geral, o princípio organizador da crônica é o movimento reflexivo que parte de
uma experiência única, particular, pontual e vai ampliando a abrangência do que foi vivido ou
observado para alcançar um significado mais geral, que ecoe a experiência de diferentes pessoas.
A reação frequente dos leitores aos textos de seus cronistas preferidos é uma prova de que,
de fato, há muito a ser aprendido sobre o comportamento humano a partir da observação e análise
dos fatos cotidianos.
LINGUAGEM
A linguagem utilizada na crônica é marcada por certa informalidade. Como se trata de um
texto para publicação, espera-se que as regras do português escrito culto sejam seguidas, mas
admite-se a presença de algumas marcas de oralidade.
Essa aparente contradição é facilmente explicada: por trazer sempre uma perspectiva
fortemente subjetiva, a crônica configura-se como um gênero discursivo no qual se espera a
presença de um “eu”. É essa perspectiva mais pessoal que introduz algumas notas de informalidade
ao texto.
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CRÔNICA
PROPOSTA DE PRODUÇÃO I
É bastante comum que as crônicas publicadas nos jornais tenham como ponto de partida a
leitura de uma notícia exibida anteriormente no próprio meio e lida pelo cronista. O autor da crônica
demonstra interesse em escrever a respeito de determinado assunto a fim de extrapolar o campo da
mera exposição de um acontecimento e revela um caráter de questionamento e indagação acerca
da vida cotidiana.
Veja, abaixo, dois textos: o primeiro, uma crônica escrita por Fernando Sabino; o segundo, a
notícia que deu origem a ela.
Notícia de jornal
(Crônica de Fernando Sabino)
Leio no jornal a notícia de que um homem morreu de fome. Um homem de cor branca,
30 anos presumíveis, pobremente vestido, morreu de fome, sem socorros, em pleno centro da
cidade, permanecendo deitado na calçada durante 72 horas, para finalmente morrer de fome.
Morreu de fome. Depois de insistentes pedidos e comentários, uma ambulância do
Pronto Socorro e uma radiopatrulha foram ao local, mas regressaram sem prestar auxílio ao
homem, que acabou morrendo de fome.
Um homem que morreu de fome. O comissário de plantão (um homem) afirmou que o
caso (morrer de fome) era da alçada da Delegacia de Mendicância, especialista em homens
que morrem de fome. E o homem morreu de fome.
O corpo do homem que morreu de fome foi recolhido ao Instituto Anatômico sem ser
identificado. Nada se sabe dele, senão que morreu de fome.
Um homem morre de fome em plena rua, entre centenas de passantes. Um homem
caído na rua. Um bêbado. Um vagabundo. Um mendigo, um anormal, um tarado, um pária,
um marginal, um proscrito, um bicho, uma coisa - não é um homem.
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E os outros homens cumprem seu destino de passantes, que é o de passar. Durante
setenta e duas horas todos passam, ao lado do homem que morre de fome, com um olhar de
nojo, desdém, inquietação e até mesmo piedade, ou sem olhar nenhum.
Passam, e o homem continua morrendo de fome, sozinho, isolado, perdido entre os
homens, sem socorro e sem perdão.
Não é da alçada do comissário, nem do hospital, nem da radiopatrulha, por que haveria
de ser da minha alçada? Que é que eu tenho com isso? Deixa o homem morrer de fome.
E o homem morre de fome. De trinta anos presumíveis. Pobremente vestido. Morreu
de fome, diz o jornal. Louve-se a insistência dos comerciantes, que jamais morrerão de fome,
pedindo providências às autoridades.
As autoridades nada mais puderam fazer senão remover o corpo do homem. Deviam
deixar que apodrecesse, para escarmento dos outros homens. Nada mais puderam fazer
senão esperar que morresse de fome.
E ontem, depois de setenta e duas horas de inanição, tombado em plena rua, no centro
mais movimentado da cidade do Rio de Janeiro, Estado da Guanabara, um homem morreu de
fome.
Agora, leia a notícia que deu origem a essa crônica:
Homem morre de fome no centro da cidade
Um homem de cor branca, 30 anos presumíveis, pobremente vestido, morreu de fome
ontem, no centro da cidade, depois de ter permanecido por setenta e duas horas deitado na
calçada. Uma ambulância do Pronto Socorro e uma radiopatrulha, chamadas insistentemente
por comerciantes instalados nas proximidades, nada fizeram, alegando que o caso fugia às
suas atribuições, era da alçada da Delegacia de Mendicância. O corpo foi recolhido ao Instituto
Médico Legal, onde aguarda identificação.
(Notícia retirada do livro: Português: uma proposta para o Letramento. Livro 7. Autora: Magda Soares)
Observe que a notícia restringe-se a expor ao leitor qual foi o acontecimento, não há
qualquer tipo de subjetividade, ou seja, de reflexão do autor. Ao contrário do que acontece na
crônica, um texto permeado pelas impressões, ou subjetividades, do cronista Fernando Sabino, que,
ao repetir a frase “um homem morreu de fome”, demonstra sua indignação diante do fato.
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AGORA É A SUA VEZ...
Leia a notícia abaixo e, a partir dela, escreva uma crônica em que você apresente ao leitor
suas impressões e opiniões a respeito do tema abordado por ela.
Anunciado no Facebook, tênis da Adidas é considerado racista
Com correntes de borracha, calçado teve a venda suspensa
No mês de junho, a fabricante de materiais esportivos Adidas anunciou em sua página
do Facebook o lançamento de um novo tênis na linha outono-inverno 2012, segundo informou
o jornal “Le Monde”. Desenhado pelo estilista Jeremy Scott Roundhouse, o calçado traz
pulseiras de borracha simulando correntes, que muitos internautas viram como uma
referência à escravidão.
Segundo a CNN, a empresa rapidamente removeu a postagem na página do Facebook,
mas o assunto já havia rodado o globo gerando revolta entre internautas.
“Aparentemente não havia pessoas de cor no departamento de marketing que o
aprovou”, brinca Rodwell em comentário no site “Nice Kicks”, portal destinado aos
lançamentos de tênis.
A empresa, inicialmente, defendeu o designer, descrevendo seu estilo como “original”
e alegre, mas o fabricante alemão emitiu um comunicado onde pede desculpas aos ofendidos
com o caso e afirma que o modelo não será comercializado.
Fonte: (http://ocadernodarose.blogspot.com.br/2012/09/escreva-uma-cronica-com-base-nesta.html)
ORIENTAÇÕES

Organize suas ideias. Procure anotar que tipo de emoção, sentimento, reação ou reflexão o
assunto da notícia desencadeou em você.

A estrutura da crônica prevê como ponto de partida para o texto a apresentação de um breve
relato que situe o leitor em relação ao fato/ imagem/ comportamento que desencadeou o
processo analítico. Como você fará essa introdução?

A linguagem da crônica admite uma certa informalidade, mas evite exageros nas marcas de
oralidade. Se você julgar interessante, lembre-se de que é possível estabelecer uma
interlocução com o leitor do texto.
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DIFERENTES TEMAS, DIFERENTES CRÔNICAS...
A possibilidade de abordar um sem-número de temas faz com que os cronistas escrevam
sobre os mais variados tópicos. É possível, porém, identificar algumas grandes tendências no interior
desse gênero discursivo. Por essa razão, alguns teóricos propõem uma “classificação” das crônicas, a
depender dos assuntos nelas abordados.
Vejamos algumas delas:

Crônica mundana: trata de fatos ou acontecimentos característicos de uma
sociedade. É o caso do primeiro texto lido no começo deste material, a crônica Entre
quatro paredes, de Bill Bryson;

Crônica reflexiva: registra a expressão de um estado de espírito do cronista. Veja um
exemplo:
Vitória nossa
O que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia?
Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque
não queremos ser tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos, nem aos
outros. Não temos nenhuma alegria que tenha sido catalogada. Temos construído catedrais e
ficado do lado de fora, pois as catedrais que nós mesmos construímos tememos que sejam
armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga
e talvez sem consolo. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro que por amor diga: teu
medo. Temos organizado associações de pavor sorridente, onde se serve a bebida com soda.
Temos procurado salvar-nos, mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de
ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura
de amor e de ódio. Temos mantido em segredo a nossa morte. Temos feito arte por não
sabermos como é a outra coisa. Temos disfarçado com amor nossa indiferença, disfarçado
nossa indiferença com a angústia, disfarçando com o pequeno medo o grande medo maior. Não
temos adorado, por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos
deuses. Não temos sido ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia
possamos dizer “pelo menos não fui tolo”, e assim não chorarmos antes de apagar a luz. Temos
tido a certeza de que eu também e vocês todos também, e por isso todos sem saber se amam.
Temos sorrido em público do que não sorrimos quando ficamos sozinhos. Temos chamado de
fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso temos
considerado a vitória nossa de cada dia...
(Clarice Lispector)
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
Crônica humorística: apresenta uma visão irônica ou cômica dos fatos relatados; Veja
um exemplo:
Desabafos de um bom marido
Minha esposa e eu temos o segredo pra fazer um casamento durar: duas vezes por
semana, vamos a um ótimo restaurante, com uma comida gostosa, uma boa bebida, e um bom
companheirismo. Ela vai às terças-feiras, e eu às quintas.
Nós também dormimos em camas separadas. A dela é em Fortaleza e a minha em São
Paulo. Eu levo minha esposa a todos os lugares, mas ela sempre acha o caminho de volta.
Perguntei a ela onde ela gostaria de ir no nosso aniversário de casamento. "Em algum lugar que
eu não tenha ido há muito tempo!" ela disse. Então eu sugeri a cozinha.
Nós sempre andamos de mãos dadas. Se eu soltar, ela vai às compras. Ela tem um
liquidificador elétrico, uma torradeira elétrica, e uma máquina de fazer pão elétrica. Então ela
disse: "Nós temos muitos aparelhos, mas não temos lugar pra sentar". Daí, comprei pra ela uma
cadeira elétrica.
Lembrem-se, o casamento é a causa número um para o divórcio. Estatisticamente, 100
% dos divórcios começam com o casamento. Eu me casei com a "Sra. Certa". Só não sabia que o
primeiro nome dela era "Sempre".
Já faz 18 meses que não falo com minha esposa. É que não gosto de interrompê-la. Mas
tenho que admitir, a nossa última briga foi culpa minha. Ela perguntou: "O que tem na TV?" E
eu disse "Poeira".
No começo Deus criou o mundo e descansou. Então, Ele criou o homem e descansou.
Depois, criou a mulher.
Desde então, nem Deus, nem o homem, nem Mundo tiveram mais descanso.
"Quando o nosso cortador de grama quebrou, minha mulher ficava sempre me dando a
entender que eu deveria consertá-lo. Mas eu sempre acabava tendo outra coisa para cuidar
antes: o caminhão, o carro, a pesca, sempre alguma coisa mais importante para mim.
Finalmente ela pensou num jeito esperto de me convencer. Certo dia, ao chegar em
casa, encontrei-a sentada na grama alta, ocupada em podá-la com uma tesourinha de costura.
Eu
olhei
em
silêncio
por
um
tempo, me emocionei bastante e depois entrei em casa.
Em alguns minutos eu voltei com uma escova de dentes e lhe entreguei."
- Quando você terminar de cortar a grama," eu disse, "você pode também varrer a calçada."
Depois disso não me lembro de mais nada. Os médicos dizem que eu voltarei a andar,
mas mancarei pelo resto da vida. "O casamento é uma relação entre duas pessoas na qual uma
está sempre certa e a outra é o marido..."
(Luis Fernando Veríssimo)
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
Crônica jornalística: trata periodicamente de aspectos particulares de notícias ou
fatos; pode ser policial, esportiva, política, etc. Trata-se do exemplo dado na página 8
deste material, a crônica Notícia de jornal.
Existem várias outras classificações para as crônicas. É claro que essa é apenas uma
referência e, em muitos casos, uma mesma crônica pode apresentar características associadas a
mais de um dos tipos identificados acima.
CRÔNICA
PROPOSTA DE PRODUÇÃO II
Veja o texto abaixo, trata-se de uma crônica de Carlos Drummond de Andrade, que
fala da situação da cidade do Rio de Janeiro após fortes chuvas.
Os dias escuros
Amanheceu um dia sem luz – mais um – e há um grande silêncio na rua. Chego à janela e
não vejo as figuras habituais dos primeiros trabalhadores. A cidade, ensopada de chuva, parece
que desistiu de viver. Só a chuva mantém constante seu movimento entre monótono e nervoso.
É hora de escrever, e não sinto a menor vontade de fazê-lo. Não que falte assunto. O assunto aí
está, molhando, ensopando os morros, as casas, as pistas, as pessoas, a alma de todos nós.
Barracos que se desmancham como armações de baralho e, por baixo de seus restos, mortos,
mortos, mortos. Sobreviventes mariscando na lama, à pesquisa de mortos e de pobres objetos
amassados. Depósito de gente no chão das escolas, e toda essa gente precisando de colchão,
roupa de corpo, comida, medicamento. O calhau solto que fez parar a adutora. Ruas que
deixam de ser ruas, porque não dão mais passagem. Carros submersos, aviões e ônibus
interestaduais paralisados, corrida a mercearias e supermercados como em dia de revolução. O
desabamento que acaba de acontecer e os desabamentos programados para daqui a poucos
instantes.
Este, o Rio que tenho diante dos olhos, e, se não saio à rua, nem por isso a imagem é
menos ostensiva, pois a televisão traz para dentro de casa a variada pungência de seus
horrores.
Sim, é admirável o esforço de todo mundo para enfrentar a calamidade e socorrer as
vítimas, esforço que chega a ser perturbador pelo excesso de devotamento desprovido de
técnica. Mas se não fosse essa mobilização espontânea do povo, determinada pelo sentimento
humano, à revelia do governo incitando-o à ação, que seria desta cidade, tão rica de galas e
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bens supérfluos, e tão miserável em sua infraestrutura de submoradia, de subalimentação e de
condições primitivas de trabalho? Mobilização que de certo modo supre o eterno despreparo, a
clássica desarrumação das agências oficiais, fazendo surgir de improviso, entre a dor, o espanto
e a surpresa, uma corrente de afeto solidário, participante, que procura abarcar todos os
flagelados.
Chuva e remorso juntam-se nestas horas de pesadelo, a chuva matando e destruindo
por um lado, e, por outro, denunciando velhos erros sociais e omissões urbanísticas; e remorso,
por que escondê-lo? Pois deve existir um sentimento geral de culpa diante de cidade tão
desprotegida de armadura assistencial, tão vazia de meios de defesa da existência humana, que
temos o dever de implantar e, entretanto, não implantamos, enquanto a chuva cai e o bueiro
entope e o rio enche e o barraco desaba e a morte se instala, abatendo-se de preferência sobre
a mão de obra que dorme nos morros sob a ameaça contínua da natureza; a mão de obra de
hoje, esses trabalhadores entregues a si mesmos, e suas crianças que nem tiveram tempo de
crescer para cumprimento de um destino anônimo.
No dia escuro, de más notícias esvoaçando, com a esperança de milhões de seres posta
num raio de sol que teima em não romper, não há alegria para a crônica, nem lhe resta outro
sentido senão o triste registro da fragilidade imensa da rica, poderosa e martirizada cidade do
Rio de Janeiro.
(Carlos Drummond de Andrade)
Agora, você terá a oportunidade de escrever a respeito de alguma situação vivenciada por
você na cidade onde mora ou a respeito de alguma notícia a respeito de uma cidade que sofreu com
alguma forma de desastre natural. Para tanto, reflita sobre os seguintes aspectos:

Qual foi o fato que motivou seu texto?

De que maneira esse desastre natural influenciou (alterou positiva ou
negativamente) a vida das pessoas que moravam na cidade?

Como essas pessoas se comportaram depois do ocorrido, houve alguma
mudança de comportamento da parte delas?
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ORIENTAÇÕES

Lembre-se: a crônica começa com uma observação pessoal, particular e, depois, passa para uma
visão mais ampla;

Escreva sua crônica na primeira pessoa do singular (eu) e empregue a variedade padrão;

Sua redação deve ter no mínimo 20 linhas.

Faça um rascunho e, depois, passe-o a limpo – à tinta. Não se esqueça de lhe dar um título
adequado (de acordo com o texto produzido).
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