Revista Cient fica EXPRESS O - UNIFEG, Guaxup

Transcrição

Revista Cient fica EXPRESS O - UNIFEG, Guaxup
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Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
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Ficha Catalográfica
Expressão : Revista Científica da Fundação Educacional
Guaxupé. – Guaxupé, MG, v.1, n.1 (2000).
n.22, junho de 2015
Semestral
Resumo em Português e Inglês
ISSN 1519-7069
1. Ciências sociais, aplicadas e humanas - Periódicos,
2. Ciências exatas, 3. Ciências biológicas.
I. Fundação Educacional Guaxupé. Centro Universitário
da Fundação Educacional Guaxupé.
CDD 21 – 050
- 056.9
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
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UNIFEG – Centro Universitário da
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EDITORES:
Prof. Aurélio Miguel
Profª Ana Cláudia Pinto Corrêa
EXPRESSÃO
REVISTA CIENTÍFICA DO
CENTRO UNIVERSITÁRIO DA
FUNDAÇÃO EDUCACIONAL
GUAXUPÉ - UNIFEG
ISSN 1519-7069
EXPRESSÃO, Guaxupé/MG
Ano XVII. nº 22 - pág. 01 a 188
Junho de 2015
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APRESENTAÇÃO
A Revista Expressão, coletânea de artigos científicos elaborados pelos
professores do Centro Universitário da Fundação Educacional Guaxupé e também de profissionais liberais ou professores de outras instituições, publica a sua
edição de número 21, neste décimo quinto ano consecutivo. Esta edição traz
11 artigos. Por ser multidisciplinar, sua publicação aborda diversas temáticas.
No primeiro artigo, alunos e professores de fisioterapia avaliam a qualidade de vida e funcionalidade em pacientes assistidos pela clínica do UNIFEG;
O perfil do idoso freqüentador do programa FATI – Faculdade da Terceira Idade, também do UNIFEG é tema de estudo do grupo de enfermagem; a área de
engenharia civil preocupou-se com a qualidade ao medir a condição acústica do
laboratório de materiais do UNIFEG. Num outro artigo – também de engenharia - avaliou-se a segurança no canteiro de obras aos trabalhadores da construção civil.
Utilizando o método de janela parzen, um estudo de física mediu o
comportamento do preço de ações em bolsa de valores. Também em física, estudou-se o fator-g em pontos quânticos esféricos e a capacidade de manipulação
dos parâmetros capaz de controlar o sinal fator-g. Ainda em física, outro artigo
trata da força das marés sob influência do sol e da lua.
Sob tema das ciências jurídicas foram apresentados dois trabalhos: sobre crime de lavagem de dinheiro e sobre a decidibilidade com relação ao artigo
1829 do código civil.
Na temática de educação e filosofia, dois interessantes artigos. Um deles tratando da importância da neurociência como forma de conhecer as limitações apresentadas por certos estudantes. Outro artigo de cunho crítico denuncia
a ainda baixíssima presença da mulher na história da filosofia.
Esperamos sempre que os leitores desfrutem de um espaço de reflexão
do pensamento produzido neste UNIFEG e que sempre possamos seguir produzindo relevantes trabalhos à comunidade acadêmica.
Desejamos a todos uma boa leitura!
Aurélio Miguel
Editor
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SUMÁRIO
A ditadura da beleza no comportamento do consumidor:
nicho de mercado para a moda Plus Size ..................................................
pág.9
José Amélio de Miranda; Juliana Aparecida Pedretti Furlan
Análise da qualidade de vida e funcionalidade de
pacientes pós AVE em reabilitação............................................................... pág.23
Eliene Maria da Silva; Priscila Lopes Santamarina da Silva; Talita Andrea Bordini Malaman
Anotações sobre a imputabilidade penal de crianças
e adolescentes no Brasil........................................................................................ pág.35
Poliana Alves Campos; Lúcia Alves Campos; André de Paiva Bonillo Fernandes
Avaliação dos efeitos da corrente russa na reabilitação da
musculatura respiratória em idosos portadores de doença
pulmonar obstrutiva crônica............................................................................ pág.51
Pâmela de Rezende Santos ; Miriangrei Letieri; Isabela Scali Lourenço Simon
Avaliação pré e pós-operatória de pacientes portadores de
osteoartrose de quadril submetidos à artroplastia............................
pág.61
Priscila Souza Batista; Luís Henrique Sales Oliveira; Luiz Henrique Gomes Santos
Disciplina de Educação ambiental?.............................................................
pág.73
Cássio Murilo Monteiro
Execução do mandado de prisão nas hipóteses de violação
domiciliar....................................................................................................................... pág.83
Felipe Vittig Ghiraldelli
Filosofia na EJA: formação da consciência cidadã...........................
pág.99
Juliano Vasconcelos; Nilza Franchi
Impacto da implantação do protocolo assistencial na diminuição
de ocorrência de úlceras por pressão em uma unidade de terapia
intensiva........................................................................................................................ pág.113
Maria Helena Silva Macedo; Wanderci Marys Oliveira Abrão
O acolhimento do pai na assistência ao pré-natal e parto.......... pág.121
Marília Aparecida dos Santos; Daniela Aparecida Salgado Targino
O milagre no contexto da “religião” em Kant.................................... pág.131
José Caetano Minus; Luisa Emília Lima de Moraes Minus
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Prevenção de erros e fraudes e a credibilidade das informações –
um estudo teórico sobre a eficiência do controle interno........... pág.143
Aline de Fátima Coelho; Ana Cristina Campos Prado Teixeira; Thaís Aparecida da Silva
Remoção de metais pesados utilizando resíduos da
casca de laranja como biossorvente........................................................... pág.153
Antonio Vilas Boas Quintiliano Junior; Denise Osiro
Responsabilidade civil subjetiva e responsabilidade civil objetiva
............................................................................................................................................. pág.163
Laura Charallo Grisolia Elias; Maurício Martins
Sumarização da cognição e efetividade do direito
fundamental à saúde, na distribuição de medicamentos
no âmbito da dimensão restritiva da reserva do possível........... pág.173
Humberto Luíz Versola
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A ditadura da beleza no comportamento do
consumidor: nicho de mercado para a moda Plus Size
José Amélio de Miranda1
[email protected]
Juliana Aparecida Pedretti Furlan2
[email protected]
RESUMO
Diante do que se pode observar, este artigo buscou trazer ao conhecimento da comunidade acadêmica um tema, que cresce vertiginosamente no
mercado brasileiro e no mundo da moda, quer pela importância de entender o
comportamento desse público consumidor, quer pela importância em relação
aos produtores de moda, ao comércio da moda e à produção da moda. Por
parte das consumidoras tamanho GG (Plus Size), há um reconhecido benefício, bem como para a produção, divulgação e comercialização desses produtos, levando para um lado a satisfação e a segurança de “não estar na moda”
e para o outro lado uma diversificação de nichos de mercado a serem altamente explorados trazendo consequentemente a satisfação para as consumidoras GG (Plus Size).
Palavras-chave
Nicho de Mercado. Plus Size. Comportamento do Consumidor. Mercado.
ABSTRACT
At what can be seen, this article sought to bring to the attention of the
academic community a topic that grows sharply in the Brazilian market and
in the fashion world, either by the importance of understanding the behavior of this consumer audience, either by importance for producers of fashion,
fashion trade and production of fashion. By the consumer size XL (Plus Size),
there is a recognized benefit as well as for the production, distribution and
marketing of these products, leading to one side the satisfaction and security
“not be fashionable” and across a diversification of market niches to be highly exploited consequently bringing satisfaction to the consumers GG (Plus
Size).
1 José Amélio Miranda. Especialização em Administração Contábil e Financeira pela Faculdade de Ciências Econômicas, Administrativas e Contábeis de Guaxupé (FACEG). Docente dos cursos de Administração e Ciências Contábeis do UNIFEG.
2 Juliana Aparecida Pedretti Furlan - Mestrado em Linguística pela Universidade de Franca (UNIFRAN). Docente do curso de
Administração do UNIFEG.
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A ditadura da beleza no comportamento do consumidor:
nicho de mercado para a moda Plus Size
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1. INTRODUÇÃO
O Brasil está mais gordo, o mercado da moda está cada vez mais se preparando para essa nova realidade, surgindo o conceito de Plus Size, nova modalidade da moda voltada para o público tamanho GG. Uma pesquisa realizada
pelo IBGE em 2013 revelou que o Brasil é um país em que a população está engordando. Entre o público feminino a “lógica” da moda, não é tarefa fácil de tentar entender, principalmente por que ela conta com dois fatores constantemente
mutantes: a velocidade e a renovação.
Considerando que os meios de comunicação são fortes propagadores
da moda, verifica-se o surgimento de um novo conceito de beleza, a categoria
Plus Size. O presente estudo tem como objetivo investigar o comportamento
do consumidor feminino, como as mulheres se tornam reféns da “beleza social”, porque a ditadura da beleza é tão dura com elas que estão acima do seu
peso ideal e como a moda Plus Size está ganhando mercado entre as mulheres
brasileiras.
Cada mulher, ou melhor, cada grupo de consumidoras, se identifica com
um segmento existente hoje no mercado. Cada grupo de potenciais consumidoras escolhe um segmento dito por elas como o padrão da moda, essa escolha se
faz por meio da relação de beleza e culto ao corpo, portanto, agora as consumidoras que estão acima do seu peso ideal podem se beneficiar da exploração do
mercado atual: a moda Plus Size.
A metodologia adotada foi a revisão bibliográfica, baseada em autores
que tratam sobre os assuntos: beleza, moda, culto ao corpo e também autores
que falam sobre consumo, a fim de cruzar informações para responder as questões acima propostas. Foi levantado também uma análise composta por relatos
das campanhas publicitárias da renomada marca Dove.
2. A CONSTRUÇÃO DO CORPO: DA HISTÓRIA À
BUSCA PELA BELEZA
Foi na pré-história que surgiram os primeiros sinais de vaidade. O homem passou a se reunir em grupos e se fixou em um local, surgindo assim a diferenciação hierárquica. Os chefes, em geral os mais fortes do grupo, enfeitavam-se com as garras e dentes dos animais ferozes que caçavam. Surgiram também
as primeiras pinturas de guerra que dariam mais força ao guerreiro, além de intimidarem, assustarem o adversário.
Para compreender o que é tido como corpo desejável, aceitável, bonito é
necessário mergulhar no passado, procurar mediações entre passado e presente,
identificar tendências, identificar os diferentes discursos que foram moldados
em diferentes épocas. Vivemos numa época em que a tendência, a ditadura da
moda passa ser um significado cultural. No livro A Sociedade Contra o Estado
de 1986, o autor deixa claro que o corpo para diversos povos é um aparelho de
comunicação, uma vez que para determinados povos é muito importante o culto do corpo.
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A busca pela beleza tornou-se um fenômeno nos dias de hoje, uma relação direta entre natureza – sociedade. Para entender melhor esta visão deste fenômeno natureza – sociedade pegar-se-á o exemplo da atriz hollywoodiana Marilyn Monroe: na década de 50/60 ela era tida a musa do cinema, considerada a
mulher mais sexy do século XX, seus cabelos loiros viraram febre ente todas as
mulheres, sua sensualidade marcada nos estilos de suas vestimentas, com cavas
e decotes generosos e ousados para a época, o seu corpo era tido como o ideal
sendo seu manequim de número 42, sua cintura de 72/74 centímetros e seu quadril em torno de 98 centímetros. Hoje as mulheres não querem mais se espelhar
na atriz Marilyn Monroe, hoje elas se inspiram e se espelham nas top model, que
possuem geralmente manequim de número 36, cintura com50/60 centímetros e
quadril em torno de 80 centímetros, travando uma guerra ainda maior com os
fatores físicos e psicológicos, que em muitas vezes ocasionam sérios distúrbios
tais como anorexia e bulimia. Outro exemplo que podemos destacar é a Afrodite
de Botticelli. Na Renascença, as mulheres volumosas e avantajadas eram o paradigma do que era belo e feminino.
Todas as pessoas que fogem do conceito de ser uma pessoa magra, encontram dificuldades na hora de compor até mesmo seu guarda roupas, pois
os modelos das roupas, os cortes, os tecidos, os tons e as cores em geral são
pensados e produzidos para atender quase que exclusivamente o mercado de
pessoas magras. A cobrança social em estabelecer um tipo físico perfeito começa desde cedo, no ambiente familiar, quando se afirma que ser gordo é ser
feio. Esse conceito em que ser gordo é ser feio não é geral nem muito menos
definitivo, sabemos que grande parte da população não se encontra adequada
aos padrões de beleza tidos como atuais. Existe um público fora do manequim
36 e esse público fora do padrão estabelecido quer e necessita se vestir bem
(VALENÇA, 2009).
Muitas vezes, as pessoas com sobrepeso são julgadas como desleixadas e
culpadas por sua condição. E com isso, os aspectos genéticos e fisiológicos que
podem caracterizar o sobrepeso não são levados em consideração. Os estigmas
e preconceitos atribuídos à aparência física da pessoa muito gorda são revelados
através de olhares que constrangem, de insultos e agressões. Uma grande parte da população com sobrepeso (obesidade) tem algum tipo de distúrbio com a
sua autoimagem, porém, muitas delas são psicologicamente influenciadas pelo
já citado fato de que a mídia e a sociedade são as maiores incentivadoras dos padrões de beleza perfeitos.
2.1 A construção do corpo: na globalização
A sociedade contemporânea tem sido testemunha de um crescente interesse em torno do culto ao corpo, com destaque para a exposição do que antes
era escondido e, aparentemente, controlado (GOLDENBERG; RAMOS, 2002).
A fotografia passou a ser apenas mais um instrumento influenciador decorrente
dos meios de comunicação. Jogos de luzes, maquiagens, programas de computador vieram para facilitar a “correção” do corpo, buscando uma exposição melhorada do corpo real a ser exibido.
A imagem do indivíduo é capaz de revelar a personalidade, o estilo
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de vida atribuído a essa pessoa, o corpo é tido como um objeto personalizado, estilizado, um “cenário” individual. A pessoa em muitas vezes atribui
a responsabilidade de redesenhar seu próprio corpo, acredita que com este
ato irá definir uma identidade. Os indivíduos ajustam de algum modo tanto
a aparência como o comportamento de acordo com as exigências do cenário em causa.
Na panóplia do consumo, o mais belo, precioso e resplandecente de todos os objetos – ainda mais carregado de conotações que o automóvel que, no entanto, os resume a
todos é o CORPO. A sua “redescoberta”, após um milênio
de puritanismo, sob o signo da libertação física e sexual,
a sua onipresença (em especial do corpo feminino...) na
publicidade, na moda e na cultura das massas – o culto
higiênico, dietético e terapêutico com que se rodeia, a obsessão pela juventude, elegância, virilidade/feminilidade,
cuidados, regimes, práticas sacrificiais que com ele se conectam, o Mito do Prazer que o circunda – tudo hoje testemunha que o corpo se tornou objeto de salvação. Substitui literalmente a alma, nesta função moral e ideológica.
(BAUDRILLARD, 2005, p. 136).
A globalização ou modernidade afeta diversas esferas socioculturais que
constroem o indivíduo, interfere, por exemplo, na vida urbana, social, cultural,
política e até mesmo histórica. Podemos dizer que a moda no sentido de vestimenta só se realiza depois do culto ao corpo.
Beleza e moda não são um par tão constante quanto moda e status, razão
pela qual as discussões acerca de padrões de beleza na moda são assombradas
pelo gosto duvidoso, o grotesco e o sublime.
O tipo físico em geral de hoje é diferente do de trinta anos atrás, assim
como o de cem anos antes, a alimentação e a forma de vida eram responsáveis
por criar as formas anatômicas consideradas padrões para cada época. As roupas, e o conceito do belo também sofreram mudanças, no século XVII o peso
significava status, corpos volumosos indicavam que seu dono possuía mais do
que precisava para alimentar o corpo, eram vistos com mais simpatia e prestigio aqueles que tivessem formas mais avantajadas. Foi no século XX que surge a lipofobia. As formas redondas deixam de ser associadas à prosperidade. A
magreza adentra o século XX como fator crucial nas relações sociais. Hoje, a
sociedade adotou que o padrão de magreza é o que significa status, sendo almejada e idealizada por muitas das pessoas e os que não aderem ao padrão de beleza são humilhados.
Para Novaes (2006), o corpo expressa a busca pela felicidade, em compensação, o mesmo quer ser único. É através das roupas que se cria uma extensão corporal moldadas nos anseios e desejos de cada pessoa.
2.2 Moda e beleza
A palavra moda vem do latim modus, que significa modo, maneira,
em Inglês o termo equivalente é Fashion que do francês façon também sigRevista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
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nifica modo, maneira. (PALOMINO, 2003). Segundo o autor, moda é um
sistema que acompanha o vestuário e o tempo, que integra o simples uso
das roupas no dia-a-dia a um contexto maior, chegando ao cenário político,
social ou sociológico. É bom traçar a diferença entre moda e roupa, o primeiro é um fenômeno moderno e a roupa existe desde o homem primitivo.
Sant’Anna nos diz que:
Mais que uma nuança da sociedade global, a Moda é entendida como a própria dinâmica de construção da sociabilidade moderna e, como tal, a aparência pode ser entendida
como a própria essência desse universo. Na dinâmica da
Moda, o sujeito moderno adquiriu a legitimidade de viver
na aparência, de abandonar a religião, os ideais revolucionários e políticos, de buscar mais o prazer de viver do que
sua compreensão. É na aparência que o sujeito moderno
encontra o porquê de viver. (SANT’ANNA, 2007, p. 88).
A moda se desenvolve sempre em busca de inovação, novidade, é capaz
de desenvolver ritmos na produção para o consumo, construindo assim uma das
estratégias mais bem sucedidas da sociedade de consumo. “Por meio de um processo de difusão de um conceito, a Moda estimula o consumo e interpõe um incentivo oculto para levar as pessoas a comprar. Compreender por que isso ocorre é fundamental para a gestão do negócio da moda” (COBRA, 2007, p. 12).
As roupas ou qualquer outro objeto de consumo tem valor não apenas
pelas suas funcionalidades, mas principalmente pelo que elas representam para
o usuário. “A roupa integra o físico, que é o corpo, e o sentimento, que é o espírito. As pessoas gostam de ser notadas e admiradas, em um misto de orgulho e
vaidade” (COBRA, 2007, p. 71).
Sem o corpo, a roupa que passa a ser um produto da moda, perderia o
sentido da sua existência, podemos assim dizer que o corpo é atualmente um veículo repleto de sentido, narrando à individualidade do sujeito. A roupa carrega
consigo necessidades muitas além do simples ato de vestir, elas devem satisfazer
o usuário em todas as suas necessidades anatômicas, fisiológicas e emocionais.
A imagem corporal para o ser humano desempenha um papel importante
na consciência da autoimagem; se a percepção do seu corpo for positiva a autoimagem será positiva, por isso se faz tão importante a aceitação em relação ao
seu próprio corpo. A pessoa consegue manter uma autoimagem positiva em relação ao corpo mesmo estando obesa, a moda contribui com essa aceitação no
sentido de criar roupas que promovam o bem estar e prazer de quem as veste. É
perfeitamente possível buscar esta linha de conforto mesmo estando fora dos padrões impostos pela sociedade. “A roupa desempenha um papel importante na
mudança desses mapas, complementando os sentimentos de autoestima e admiração e direcionando a sexualidade para a busca de afeto e atenção” (COBRA,
2007, p.72). As roupas seguem tendências da moda, porém devem estar atentas
ao estilo de vida do consumidor e ao seu perfil corporal.
A moda neste estudo deve ser entendida como uma importante dimensão
de estilo de vida, um fator que compõe o comportamento de compra do consumidor e não somente como roupas, sapatos ou qualquer outro tipo de adereços
que uma pessoa é capaz de usar.
Outro ponto importante de se destacar é o de que a exposição pública
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nicho de mercado para a moda Plus Size
do corpo vem ganhando cada vez mais espaço nas ruas, nas mídias e em outras
formas de demonstrações. Seguindo este pensamento, a velocidade destas mudanças foi aumentando. Na sociedade democrática do século XIX, apareceram
necessidades mais profundas de diferenciação. Assim a moda passou a ser mais
utilizada, passou a ter poder de afirmação pessoal, passou a expressar ideias e
sentimentos (PALOMINO, 2003).
Podemos dizer ainda que a moda é uma imagem refletida do sistema social. Dinamiza-se por receber forte influência do contexto em que se insere, modificam-se a partir do momento em que a cultura, a política, a economia e a sociedade sofrem as suas transformações. Miranda (2008, p.67) afirma que a moda
é uma “forma de comportamento, temporariamente adotada por alguma proporção perceptível de membros do grupo social, porque essa mudança de comportamento é percebida como apropriada socialmente para o tempo e a situação”.
Desta maneira podemos definir ainda a moda como sendo uma forma de expressão pessoal e individual, o indivíduo fazendo suas escolhas não apenas por seus
gostos, mas também pela realidade na qual está inserida e vivenciando, tornando assim a moda um elemento dinâmico, já que sempre que surgem novidades e
modificações vai deixando alguma coisa para trás.
2.3 Obesidade e moda plus size
Obesidade é um termo utilizado para designar uma pessoa que está acima
do seu peso ideal. Em uma pesquisa, desenvolvida pela Organização Mundial da
Saúde (OMS) em 1997, revela que uma pessoa é julgada obesa, quando apresenta índice de massa corporal igual ou superior a 30 kg/m².
Para Almeida (2005, p.28) a obesidade “tem sido considerada uma condição estigmatizada pela sociedade e associada a características negativas, favorecendo discriminações e sentimentos de insatisfação”.
Historicamente houve mudanças na noção do corpo perfeito, houve um
tempo em que as modelos que estampam as capas de revistas na atualidade não
serviam de moldes de beleza. A moda sempre foi construída baseada diretamente na construção do corpo, sendo redefinida de acordo com a estética de cada
época, como se fosse um espelho do seu tempo e da cultura que a produziu.
No Brasil, a proporção de adultos com índices de obesidade é superior a
50,5% (Organização Mundial da Saúde, 1997), o país ocupa 88° lugar entre os
mais obesos do mundo. Cenário este promissor para a moda Plus Size, já que os
pretensos compradores representam uma grande fatia de mercado. No mundo,
esse índice alcança 10% da população adulta, que é obesa. Esses Números corresponde a 500 milhões de pessoas.
Hoje há uma discriminação social contra as pessoas obesas. O assunto desenvolve-se em várias áreas, desde a produção e comercialização de produtos alimentícios como para a definição de padrões estéticos corporais. Um ramo que vem
se destacando, e justamente é o foco do trabalho proposto, é a visibilidade crescente
na indústria de confecções, que cada vez mais vem se destacando pela presença de
modelos tidas pela sociedade como “gordinhas”, e profissionalmente chamadas de
modelos Plus Size, que se beneficiam do corpo fora dos tidos como “padrões” para
emplacar um novo conceito de comunicação e consequentemente alavancar as venRevista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
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das em um “novo” segmento de mercado: produtos em tamanhos especiais.
Atualmente o universo feminino das mulheres mais cheinhas, ou seja, acima do seu peso dito como ideal, contam com muito mais opções de roupas e acessórios do que há alguns anos. O segmento chamado de Plus Size tem se especializado e vem ganhando cada vez mais espaço no mercado concorrido da moda.
As grifes Plus Size pensaram nesse obstáculo e ganham força a cada dia,
mostrando e oferecendo coleções cheias de charme e estilo para todas as mulheres cheinhas. Conseguem atingir os mais variados estilos, tais como: as clássicas, as modernas, as sofisticadas e as básicas. As marcas priorizam além da beleza das peças o caimento do tecido, para que suas consumidoras e seguidoras
se sintam cada vez melhor com seu corpo. As peças são elaboradas estrategicamente para o corpo gordinho.
As coleções das marcas Plus Size de algum tempo atrás
era compostas por roupas que não tinham um perfil muito
jovem. Fato observado também por Thatiany Garcia, proprietária da marca Bem Ditta, e que foi um dos motivos
pelos quais ela resolveu criar uma grife Plus Size voltado
ao público jovem. (BORGES, on line).
No entanto, podemos observar que algumas mudanças começam a acontecer, pois algumas confecções – renomeadas ou não – e algumas campanhas
publicitárias voltadas para moda já estão solicitando modelos com formas mais
curvilíneas para representar sua marca. São atitudes come estas que começam a
mudar aos poucos o conceito de toda uma população, sinalizam que é perfeitamente possível existir beleza fora do atual padrão estabelecido.
2.4 Padrão de beleza para o universo feminino
Um fator propagador que interferiu diretamente ditando algumas regras
de beleza, sem dúvida nenhuma, foram às revistas que abordam assuntos femininos e veem nesse público o seu potencial de mercado. O fato de elas explorarem modelos tidas como “perfeitas” com seus corpos esculturais, cabelos e rostos sempre bonitos e bem preparados para uma exposição fotográfica, ajuda na
propagação e disseminação das novas regras que vão ditar o padrão de beleza
da atualidade.
Para Wolf (1992) a questão da beleza, ou melhor, da busca incansável
pela beleza – pela autora até chamada de ditadura da beleza – é uma ideologia
feminina que detém o poder de controlar as mulheres e até mesmo de desviá-las de algumas questões sociais importantes. Para a autora, a busca para atingir a perfeição humana acontece como que um ritual, as pessoas utilizam-se de
técnicas de lavagem cerebral e “cultos” para cuidar da idade e do peso. Quase
que “de imediato, as indústrias da dieta e dos cosméticos tornaram-se os novos
censores culturais do espaço intelectual das mulheres” (WOLF, 1992, p. 13). A
busca da beleza, até mesmo o “mito da beleza simplesmente assumiu as funções
da religião” (WOLF, 1992, p. 87).
A sociedade atualmente supervaloriza a magreza, o corpo tido como
“belo”, com “ideal” produzido nas academias, ou ainda “confeccionado”, “esRevista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
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A ditadura da beleza no comportamento do consumidor:
nicho de mercado para a moda Plus Size
truturado”, “produzido” pela modelagem terapêutica, através de implantes de
silicone, cirurgias plásticas, entre tantos outros processos, revelando o culto ao
corpo belo (GOLDENBERG; RAMOS, 2002). Ao mesmo tempo, promove julgamentos sociais negativos em relação ao corpo obeso. Adjetivos pejorativos,
grotescos como “feio”, “relaxado”, “preguiçoso” e “incompetente”, são direcionados à pessoa obesa deste a infância, sugerindo a ideia de que a pessoa obesa é
a única responsável por seu estado devido à falta de vontade de se exercitar ou
de se disciplinar no que diz respeito seus hábitos alimentares.
Na França em 1974, foi feita uma pesquisa em que 40% das mulheres e
24% dos homens se achavam gordos, desta forma 1/4 e 1/5 da população estava
de regime. Desde os anos 70 até a atualidade, nos países desenvolvidos, a maior
parte da população sonha em ser magra, utilizando de cirurgias estéticas, remédios, e mesmo assim vive com o excesso de peso e aparentemente sofre com
essa contradição.
A moda é um fator que desfavorece a pessoa obesa em suas tendências e
conceitos, tendo como salvação algumas marcas e estilistas que arriscam a fazer
roupas para este público, visando um nicho com grande mercado e com grande
carência, nessa busca pela moda, os obesos buscam moda e ficam dispostos até
a pagar valores altos por peças que a façam se sentir bem. (VALENÇA, 2009).
Para o autor:
(...) uma vez que, de posse desses produtos e consequentemente, com seu uso, permeado de conceito e tendência
de moda, estas consumidoras podem estar inseridas, em
iguais condições, tanto no mercado de trabalho, quanto na
vida social. (VALENÇA, 2009, p. 48).
3. MODA, MÍDIA E REALIDADE DO TAMANHO
GRANDE
Valença (2009) afirma que alguns estilistas do mundo da moda atual, já
estão cada vez mais, fazendo suas coleções e desfiles com mulheres “reais”. A
estilista italiana Elena Miró no ano de 2005, mostrou suas coleções em Milão,
com modelos que vestem tamanhos maiores que o nº 44, outra estilista que teve
grande ousadia foi Cássia Bufolin, que vestindo o manequim 48, e tendo grande dificuldade em achar lingeries para seu corpo, resolveu montar sua própria
marca de lingerie sexy especializada em tamanhos grandes e assim vem obtendo grande aceitação no seu público-alvo, que além dos produtos personalizados, recebem também personalização no atendimento, os provadores da loja são
adaptados para o seu público alvo (VALENÇA, 2009). Com o mesmo intuito,
algumas marcas estão surgindo com a proposta de atender esse novo mercado
em crescimento.
A marca Dove que fabrica produtos de higiene pessoal lançou no ano de
2005 a campanha intitulada “Real Beleza”. As peças publicitárias foram veiculadas em revistas femininas, mídia eletrônica e na televisão através do making
off da campanha. Esta campanha mostrou mulheres felizes, diferentes do padrão
de beleza atual, e satisfeitas com o próprio corpo. A campanha e a marca foram
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A ditadura da beleza no comportamento do consumidor:
nicho de mercado para a moda Plus Size
17
muito bem quistas pela sociedade, e desde o sucesso da campanha a marca Dove
que foi pioneira no Brasil em quebrar a ditadura da beleza, até hoje utiliza como
slogan a “Real Beleza” (ARAÚJO; SANFELICE, 2005).
A Dove quis mostrar as brasileiras que elas podem ser bonitas mesmo
não estando nos padrões de beleza tão glorificados pela mídia, que cada corpo,
cada identidade é diferente, sem padronização de estilos e corpos. A campanha
da marca Dove foi vinculada em outros 10 países. Após essa campanha a Dove
continuou lançando campanhas nesse mesmo estilo, como “Minhas Curvas”,
“Minha História”, mostrando corpos e mulheres reais (ARAÚJO; SANFELICE, 2005).
Após a ideia propagada, algumas revistas partiram para trabalhos semelhantes, como fotografar famosos e não utilizar o tão chamado programa
para corrigir imperfeições Photoshop. Tivemos celebridades como o ator
Brad Pitt na revista W Internacional seguindo esta nova tendência. Com este
mesmo conceito de naturalidade, ser real, a revista Glamour resolveu partir
para a divulgação de modelos Plus Size, inclusive uma delas foi fotografada
nua, detectou o sucesso no processo e na edição seguinte ousou ainda mais
colocando sete (7) modelos da modalidade Plus Size nuas. O autor ainda traz
como destaque a Revista Visionare, que quando em janeiro de 2012 contemplou em toda a sua edição somente modelos tamanho grande. As fotos foram
feitas por fotógrafos de moda conceituados como Bruce Weber e Karl Langarfeld, as modelos utilizavam nos looks marcas conceituadas como Guess
e Dolce&Gabana.
Dentro deste contexto, entre as modelos Plus Size, que são as mulheres
que têm proporções maiores se comparadas às modelos tradicionais, pois busto,
cintura e quadril exigem medições mínimas, regras essas que são básicas também para as modelos magras, as modelos Plus Size também devem ter a pele
bem cuidada, uma boa estrutura óssea e um corpo harmônico. A modelo desta categoria Carla Manso, em uma entrevista para o site IG, revela que existem
modelos Plus Size de manequim que varia do 44 ao 52. Conforme a mesma, o
IMC e o peso acusado na balança não são os principais pré-requisitos na seleção
de uma modelo para tamanhos grandes, e observa que o essencial é ter um rosto
bonito, ser vaidosa, fotogênica e medir no mínimo 1,60m. É importante ter cintura marcada ou o corpo mais redondo. Contudo, na maioria das vezes, eventos
de moda e revistas optam pelos manequins 44, 46 e 48, com altura mínima de
1,70m, enquanto as lojas especializadas preferem manequins 50 e 52 para criar
catálogos e peças de divulgação.
3.1 Mídia e corpo
A mídia sempre foi tendenciosa. Fato constatado já há algum tempo é a
insatisfação da mulher com as representações na televisão, nos outdoors e revistas. Na sociedade contemporânea existe cada vez mais uma midiatização da
cultura moderna, uma produção de significados, modos de vida, de pensamento
e comportamento pelos meios de comunicação de massa modificando, de forma
significativa, a base das inter-relações das sociedades modernas, tornando a mídia a principal fonte de coleta de dados sociais, econômicos, políticos e culturais
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
18
A ditadura da beleza no comportamento do consumidor:
nicho de mercado para a moda Plus Size
de várias sociedades, inclusive na que estão inseridas. Desta forma, é correto dizer que a mídia pode ser sim a responsável pela imagem de homens e mulheres
que passa, influenciando escolhas, comportamentos, opiniões e pensamentos.
O corpo na mídia aparece como sendo um objeto perfeito, como sendo
algo fundamental para uma nova vida, a mídia adquiriu um forte poder de influência, evidenciou a paixão pela moda retratando a aparência como um fator imprescindível na sociedade. O tema corpo ganhou mais importância a partir dos
anos 80, quando surgiram as primeiras revistas sobre a questão.
Devido aos padrões de beleza impostos pela nossa sociedade, as campanhas publicitárias destinadas ao universo da moda são voltadas, principalmente, para aquelas pessoas com peso considerado adequado, dentro dos padrões,
e assim causando frustração e vergonha nas demais pessoas. Apenas 1% da população brasileira, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística), se encaixa nesse padrão tido como o “normal”. Com esta diferença
percebe-se que a ditadura da beleza e da moda incomoda a quem não se encaixa
nesses padrões pré-determinados pela sociedade.
A ditadura da beleza é tida um fenômeno social e comercial – com a promessa da beleza perfeita - o mercado estético junto com a indústria da beleza, acabam
movimentando milhões de reais por ano. Essa movimentação gira em torno das academias de ginástica, clínicas estéticas e indústria de cosméticos e isto tudo é reforçado pela mídia. “[...] este corpo magro vem da mídia, de toda a indústria cultural, que
determina padrões de comportamento e estéticos [...]” (NOVAES, 2006).
4. PLUS SIZE E O MERCADO
Mercado segundo a fala de Viceconti e Neves (2002) é um local onde há
a atuação de vendedores e compradores de determinados bens ou serviços. Com
o advento da globalização e os sucintos avanços tecnológicos este local não está
mais limitado a uma composição física e/ou territorial. A facilidade negociação
seja por telefone, internet ou presença física na loja estão sempre em busca de
novos mercados a ser explorados.
Esta busca por novos mercados vem da natureza humana, Viceconti e
Neves (2002) destacam que o sistema econômico sempre está preocupado de
que forma a sociedade está organizada a fim de alcançar determinados objetivos
a fim de atender uma determinada atividade econômica. Dentre essa conjuntura da atividade economia as atividades de produção, circulação, distribuição e
consumo de bens e de serviço são os pontos a ser pensados e discutidos estando
intrinsecamente ligados à oferta e a demanda de um bem e/ou produto. Existe
uma divisão na moda entre duas linhas: normal e Plus Size. Essa divisão coloca
dois lados opostos, as pessoas fora do peso, não seriam normais e esse conceito
errôneo, colocaria a moda plus size fora do normal.
Considerando basicamente que demanda pode ser exemplificada como procura, mas não necessariamente como consumo, uma vez que é possível querer e não
consumir um bem ou serviço, por diversos motivos e oferta sendo a quantidade de
produção que se consegue colocar no mercado. (VICECONTI; NEVES, 2002)
Mediante de tais conceitos econômicos temos subsídios teóricos básicos para melhor analisar a presença crescente do Plus Size no mercado. Uma
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A ditadura da beleza no comportamento do consumidor:
nicho de mercado para a moda Plus Size
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vez que a atividade econômica esta atenta a sociedade em geral, a indústria da
moda fica sempre atenta a dados relacionados à qualidade de vida e mudanças
no comportamento social.
Contrariando todo o pensamento, o site Terra em sua coluna de comportamento trouxe uma notícia (baseada em dados de uma pesquisa britânica – realizada em 2013 – da empresa da área de inteligência de mercado Mintel), relatando que:
44% das mulheres não gostam de sair para comprar roupas
[...]O problema que faz com que temam o momento é a
dificuldade de encontrar peças modernas e adequadas ao
seu tipo físico e idade. Quase metade das entrevistadas não
gosta de provar os modelitos e acredita que as lojas têm
como alvo apenas as clientes jovens. Mais de um quarto
(27%) reclama da dificuldade de encontrar estabelecimentos que vendam looks da moda para sua faixa etária. As
novas mães também não ficam contentes com o passeio.
Até 47% das com crianças menores de 5 anos disseram
que lutam para achar algo moderno e que caia bem. Segundo o levantamento divulgado pelo jornal Daily Mail, houve um aumento significativo de pessoas do sexo feminino
que adquirem peças de qualidade, representando 23% em
2011, em comparação com 13% no ano anterior. Compras
on-line podem impulsionar um crescimento no setor de
moda feminina, já que 17% das consumidoras comparam
preços pela internet antes de ir à loja. (TERRA, 2013).
Com isso é possível ver o amplo mercado a ser explorada uma vez que há
muitos tipos físicos que ficam a margem do padrão de beleza ditado pela moda
e obcecadamente seguido por nossa sociedade. Uma forma de cativar esse novo
mercado é através do maciço investimento em propaganda, como a da campanha da Dove já citada, por isso principalmente na mídia impressa, estão realizando uma grande difusão do Plus Size.
Acima de tudo, não há apenas uma inversão cultural mas também econômica. O mercado cada vez mais investe nesse segmento. Segatto et al (2012)
destacam que grandes empresas como a C&A apostaram em coleção para esse
público assim como o mundo do design vem apostando em artefatos como cadeiras de escritório nas versões P, M e G, mouses de computador e anéis e alianças. Não só no mercado brasileiro o puls size vem ganhando importância. No
mundo, marcas famosas como Vogue Curvy e Saks investem em roupa de grife
plus size. Nesse cenário, vemos uma quebra de paradigma imposto pela mídia e
vemos a realidade cada vez presente desse segmento. Mas Segatto et al. (2012)
apontou outro comportamento que vem se alterando ao longo dos anos, a convicção que existe beleza gorda. Para exemplo os autores estacam a Miss Brasil
Plus Size, Cleo Fernandes que pesa 98 quilos. Dessa maneira vemos que:
As brasileiras aprenderam a valorizar o padrão de beleza
da mulher real. Essa tendência foi captada pelo Instituto
Data Popular, especializado em pesquisa e consultoria em
estratégias de negócio. [...] Foram entrevistadas 15 mil
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
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A ditadura da beleza no comportamento do consumidor:
nicho de mercado para a moda Plus Size
mulheres acima de 16 anos, de todas as classes sociais.
As voluntárias receberam fotos de três mulheres famosas
(sem identificação do rosto), vestidas apenas de lingerie.
Na página de ÉPOCA no Facebook e no Google+, você
pode ver essas fotos e também opinar: qual o corpo mais
atraente? Qual o deles você gostaria de ter? Para 72%, o
corpo mais atraente era o mais curvilíneo. A maioria (59%)
gostaria de ter aquela silhueta. “O padrão de beleza deixou
de ser o das passarelas. Ele é considerado pelas mulheres, e até pelos homens, pouco atraente, nada sensual e até
feio”, diz Renato Meirelles, sócio diretor do Instituto Data
Popular. (SEGATTO et al, 2012).
Toda essa ascensão gera um círculo onde atraído pelo poder aquisitivo
desse novo grupo de consumidores há uma abertura tanto para novos empregos quanto para novos produtos relacionados aos adeptos do tamanho plus size.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após o término deste estudo, percebe-se que o corpo possui destaque na sociedade, pois, além de ser um elemento de autoafirmação, ele ainda expressa diferentes questões, como poder e status na vida cotidiana. Apesar disso, o excesso de
peso das mulheres vem aumentando gradativamente no mundo todo, fazendo com
que os padrões de beleza, estabelecidos pela mídia, já não seja tão popular e aceito.
Isso faz com que o comportamento humano siga outras direções que não são aquelas
impostas pela mídia, pois as pessoas precisam se adaptar aos novos tempos de tecnologia, em que as informações são rápidas demais e também efêmeras.
Ficou claro, que moda e corpo nunca estiveram tão ligados, fazendo com
que a roupa se unificasse ao corpo de tal forma que se resumisse numa espécie
de segunda pele. O corpo sofre as influências da moda, essas chegam ao indivíduo de várias formas, mas a forma visual influência diretamente no estereótipo
do mesmo. E a moda, por consequência, é estruturada em valores estéticos. Em
contrapartida, a cultura exerce relação com a moda através de valores morais,
assim influenciando nos padrões que a sociedade impõe.
Analisando o estudo do comportamento do consumidor, ou seja, das consumidoras tamanho GG, ficou evidente que, apesar de ser pouco divulgado, o
universo Plus Size tem um público muito promissor e que só tende a crescer.
Verificou-se inclusive, que as mulheres com sobrepeso estão muito insatisfeitas
com o que lhes é oferecido no mercado do vestuário, visto que, inclusive a mídia
plus size ainda é bem pouco divulgada, ou ainda, quando divulgada, é feita de
uma maneira feia ou ruim. Apesar da deficiência de divulgação para o público
Plus Size existe sim um nicho de mercado que começou a ser explorado através
principalmente da fotografia, mostrando a ascensão econômica crescente desse
grupo de consumidoras na indústria da moda.
O aumento de peso das pessoas do mundo inteiro fez com que o padrão
de beleza e a sociedade tivessem algumas mudanças diante do comportamento
das pessoas, conforme abordado durante a revisão bibliográfica. Esta característica presente nestes novos tempos fez com que a população mudasse o modo
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
A ditadura da beleza no comportamento do consumidor:
nicho de mercado para a moda Plus Size
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de consumir. Com o aumento de peso surgiu a insatisfação do público plus size
com as marcas de vestuário, que na sua maioria, trabalham somente com tamanhos pequenos.
As empresas brasileiras de moda deveriam inspirar-se nas marcas internacionais, por exemplo, as mundialmente conhecidas H&M, GUESS, ZARA,
que trabalham com tamanhos maiores em todas as suas coleções. Aumentando a
abrangência das suas grades, bem como criando uma marca própria que contemple a mesma cartela de cores, tendência e estilo das coleções principais.
Este estudo auxiliou na construção do conhecimento sobre o assunto proposto: o plus size no mercado, através dele, pode-se afirmar que o mercado da
moda deveria estar mais atento às necessidades geradas pela mudança de corpo, podendo proporcionar roupa com tendência e estilo de moda, gerando uma
plena satisfação das mulheres com excesso de peso. Sempre existiram e sempre
existirão pessoas gordas, felizes, satisfeitas com seu peso e esse segmento de
moda tamanho grande – Plus Size - esta atendo a desbravadora oportunidade de
crescimento de mercado.
6. REFERÊNCIAS
ALMEIDA, et al. Percepção de tamanho e forma corporal de mulheres: estudo exploratório. Psicologia em Estudo, v. 10, n. 1, Maringá. 2005. Disponível em: <http://www.
scielo.br/pdf/pe/v10n1/v10n1a04.pdf>. Acesso em: 15 de abril de 2015.
ARAÚJO, Denise Castilhos; SANFELICE, Gustavo Roese. Real Beleza Dove. Disponível em: <http://vsites.unb.br/fef/midia/downloads/real_beleza_dove.pdf>. Acessado em:
2 de maio de 2015.
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 2005.
BORGES, Cláudia. Conheça mais sobre as grifes Plus Size. Disponível em:
<http//:www.todaela.uol.com.br/moda/conheça-mais-sobre-as-grifes-plus-size>. Acessado em: 07 de março de 2015.
CASTILHO, K. Galvão, D. A moda do corpo, o corpo da moda. São Paulo: Esfera, 2002.
COBRA, Marcos Henrique Nogueira. Marketing e moda. São Paulo: SENAC São Paulo, 2007.
GOLDENBERG, M; RAMOS, M. S. A civilização das formas: o corpo como valor. Rio
de Janeiro: Record, 2002.
MIRANDA, Ana Paula. Consumo de moda: a relação pessoa-objeto. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2008.
NOVAES, Joana de Vilhena. O intolerável peso da feiúra. Sobre as mulheres e seus corpos. Rio de Janeiro: Editora PUC/Rio, 2006.
PALOMINO, Erika. A moda. São Paulo: Publifolha, 2003.
SANT’ANNA. Denise B. (Org.). Políticas do corpo. 2. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2007.
SEGATTO et al (2012) O triunfo dos gordinhos: eles já são maioria em várias capitais.
De discriminados, passaram a valorizados – pelo mercado e pela cultura pop. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/vida/noticia/2012/06/o-triunfo-dos-gordinhos.
html>. Acessado em: 12 de fevereiro de 2015.
TERRA. Quase metade das mulheres odeia comprar roupa, diz pesquisa. DisponíRevista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
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vel em: <http://mulher.terra.com.br/comportamento/quase-metade-das-mulheres-odeia-comprar-roupadiz-pesquisa,bf496ee9f9e27310VgnCLD100000bbcceb0aRCRD.html>.
Acessado em: junho de 2013.
VALENÇA, Lívia do Amaral. Gordo, sim! Fora de moda, jamais! Pernambuco, 2009.
VICECONTI, Paulo E. V.; NEVES, Silvério. Introdução à economia. 5. ed. São Paulo: 2002.
WOLF, Naomi. O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
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Análise da qualidade de vida e funcionalidade
de pacientes pós AVE em reabilitação
Eliene Maria da Silva1
[email protected]
Priscila Lopes Santamarina da Silva2
[email protected]
Talita Andrea Bordini Malaman3
[email protected]
RESUMO
Introdução: O Acidente Vascular Encefálico (AVE) é síndrome neurológica complexa envolvendo anormalidade do funcionamento cerebral devido ao
comprometimento vascular. Objetivo: Analisar e correlacionar a qualidade de
vida e o nível de independência e funcionalidade dos pacientes com diagnóstico
de AVE em reabilitação em uma clínica escola de fisioterapia. Métodos. Foram
selecionados 12 pacientes com o diagnóstico de AVE que aceitaram participar
da pesquisa, e que não apresentavam déficit cognitivo, e se encontravam em tratamento de reabilitação. As variáveis utilizadas foram: sexo, raça, idade, tipo
de AVE, estado civil, escolaridade e ocupação. A escala EQVE-AVE, foi aplicada para avaliar a qualidade de vida dos pacientes e o Índice de Barthel foi
utilizado com o intuito de avaliar a funcionalidade destes pacientes. Resultados: 83,33% dos pacientes acometidos por AVE são independentes, 16,66% dos
mesmos necessitavam de supervisão ou assistência para desenvolver suas atividades de vida diária. Com um valor médio de 112±26,65 em relação à pontuação total pela EQVE-AVE, considerando todos os domínios, com uma maioria
(90%) apresentando escore total < 147, o nível da qualidade de vida da amostra apresentada é baixo, mostrando como principais pontos afetados: a energia,
a memória, a vida social e as condições para o trabalho. Conclusão: Concluímos com este estudo que a grande maioria dos pacientes pós-AVE, em processo de reabilitação, é independente em suas atividades cotidianas, possuem um
comprometimento maior em sua qualidade de vida e que a reabilitação deve ser
estimulada para obter uma maior funcionalidade e melhor qualidade de vida
destes pacientes.
Palavras-chave
Acidente Vascular encefálico, Qualidade de vida, Reabilitação.
1 Eliene Maria da Silva – Discente do curso de Fisioterapia do UNIFEG.
2 Priscila Lopes Santamarina da Silva – Especialização em Fisioterapia Aplicada à Neurologia Infantil pela
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Docente do curso de Fisioterapia do UNIFEG.
3 Talita Andréa Bordini Malaman - Mestrado em Bioengenharia pela Universidade de São Paulo (USP). Docente do curso de Fisioterapia do UNIFEG.
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Análise da qualidade de vida e funcionalidade de pacientes pós AVE em reabilitação
ABSTRACT
Introduction: Stroke is a complex neurological syndrome involving abnormality brain function due to vascular impairment. Objective: To analyze and
correlate the quality of life and level of independence and function of patients
with stroke in rehabilitation in a clinical school of physiotherapy. Methods. We
selected 12 patients with a diagnosis of stroke who agreed to participate, and
who had no cognitive impairment, and were in rehabilitation treatment. The variables used were sex, race, age, type of stroke, marital status, education and
occupation. The EQVE-stroke scale was applied to assess the quality of life of
patients and the Barthel Index was used in order to assess the functionality of
these patients. Results: 83.33% of patients affected by stroke are independent,
16.66% of them needed supervision or assistance to develop their activities of
daily living. With a mean value of 112 ± 26.65 in the total score by EQVE-stroke
considering all areas, with a majority (90%) presenting a complete <147 scores,
the level of the quality of life of the sample is present below, showing how main
points affected: energy, memory, social life and conditions for the job. Conclusion: We conclude from this study that the vast majority of post-stroke patients
in the rehabilitation process, is independent in their daily activities, have greater impairment in their quality of life and rehabilitation should be encouraged to
achieve greater functionality and better quality of life for these patients.
Keywords
Stroke, Quality of life, Rehabilitation.
1. INTRODUÇÃO
O Acidente Vascular Encefálico (AVE) pode ser definido como déficit
neurológico focal súbito, devido ao extravasamento (AVE hemorrágico) ou obstrução (AVE isquêmico) do fluxo sanguíneo arterial em alguma região encefálica com mais de 24 horas de duração (AMERICAN STROKE ASSOCIATION,
2012).
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) 15 milhões de
pessoas são acometidas por esta síndrome neurológica complexa a cada ano,
sendo que destas 5 milhões exibirão deficiências neurológicas e incapacidades
permanentes (ANDRÉ, 2006; MONTAGNA et al., 2014), levando a necessidade de reabilitação contínua para amenizar as sequelas desta patologia (CAPPELARI, GRAVE, 2012).
Esta patologia de origem multifatorial é um importante problema de saúde pública, sendo atualmente, uma das causas mais comuns de disfunções neurológicas na população adulta de meia idade e idosos (ROWLAND, 2007; HAMZA et al., 2014). É a segunda principal causa de morte no mundo (ENWEREJI
et al., 2014) e primeira causa de incapacidade funcional, gerando grande impacto econômico, familiar e social (MONTAGNA et al., 2014), interferindo diretamente na qualidade de vida (QV) do indivíduo afetado (DOI, TURCHIARI,
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
Análise da qualidade de vida e funcionalidade de pacientes pós AVE em reabilitação
25
STOPIGLIA, 2007).
Dependendo da localização da artéria acometida, da extensão da lesão
encefálica, assim como a presença de irrigação colateral, diversas deficiências
neurológicas e incapacidades funcionais podem ser geradas por esta condição
como: comprometimento motor - hemiplegia ou quadriplegia, hemiparesia,
comprometimento sensorial unilateral ou bilateral, afasia/disfasia, alterações
práxicas, viso-espaciais (hemianopsia); deficiências mentais, perceptivas e da
linguagem (ANDRÉ, 2006; LEWIS, 2002).
Diante do exposto é fundamental o desenvolvimento de estudos que busquem caracterizar os fatores que interferem na qualidade de vida e funcionalidade dos sujeitos com comprometimentos neurológicos, especificamente pós-acidente vascular encefálico (pós-AVE), já que esses necessitam de tratamentos
fisioterapêuticos e cuidados a longo prazo. As avaliações de funcionalidade e
qualidade de vida pode auxiliar no tratamento fisioterapêutico dando subsídios
para evolução do programa terapêutico.
Portanto, o objetivo deste estudo será avaliar e correlacionar a qualidade
de vida e o desenvolvimento funcional de pacientes pós AVE em reabilitação na
Clínica de Fisioterapia Maria Almeida Santos, no município de Guaxupé MG.
2. METODOLOGIA
Trata-se de um estudo exploratório-descritivo transversal onde serão
aplicados testes para verificar a qualidade de vida e a funcionalidade de pacientes com diagnóstico clínico de AVE em reabilitação na Clínica de Fisioterapia
Maria de Almeida Santos, situada na cidade de Guaxupé/MG, no período de setembro à novembro de 2014.
O projeto em questão foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética
e Pesquisa (CEP) do Centro Universitário da Fundação Educacional Guaxupé
(UNIFEG), protocolo n° 391/14. Cada participante assinou um termo de consentimento livre e esclarecido conforme determinado na lei 196/96 do CNS/MS,
em seu artigo IV parágrafo 3.
Participaram da pesquisa 12 pacientes, de ambos os sexos, com idade
média de 50 a 70 anos, que não apresentassem alterações cognitivas ou verbais
que impedissem a aplicação dos testes propostos no estudo.
Inicialmente foi realizado um questionário sócio-demográfico destes pacientes por meio de uma ficha de avaliação contendo: dados pessoais (nome,
sexo, idade, escolaridade, estado civil e dado sobre a patologia em questão).
Logo após foi aplicado o teste EQVE-AVE, versão brasileira do teste strokeSpecific Quality of Life Scale (SSQOL) composta por 49 itens, subdividida em
energia, papel familiar, linguagem, mobilidade, humor, personalidade, auto-cuidado, papéis sociais, memória, função de membro superior, visão, trabalho. Três
possibilidades de respostas foram desenvolvidas em uma escala LIKERT com
escore de um a cinco: (1) grau de concordância com afirmações sobre sua funcionalidade; (2) dificuldade na realização de uma tarefa; (3) quantidade de ajuda necessária para realizar tarefas específicas (LIMA, 2008). Neste formato, a
EQVE-AVE apresenta como possibilidade de resultado o escore máximo de 245
pontos e o escore mínimo de 49 pontos, sendo que quanto menor o escore, maior
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
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Análise da qualidade de vida e funcionalidade de pacientes pós AVE em reabilitação
a dependência e a dificuldade para a realização de tarefas.
Em seguida foi aplicado o teste Índice de Barthel que avalia o grau de
assistência exigido por um indivíduo em 10 itens de AVD’s, envolvendo desde funcionalidade e mobilidade aos cuidados pessoais. São eles: alimentação,
banho, higiene pessoal, vestimenta, controle esfincteriano intestinal, controle miccional, transferências na cama e banheiro, deambulação e subir escadas
(MAHONEY, BARTHEL, 1965). A pontuação global varia de 0 a 100 (somatória dos itens classificados em 5, 10 e 15 pontos, conforme independência ou
necessidade de ajuda para executar a atividade). Quando o paciente tem escore
menor que 60 ele é considerado dependente, e quando é maior que 80 pontos,
ele é independente. Isto é, de modo que zero equivale à completa dependência
em todas as 10 AVDs, e 100, equivale à completa independência em todas as atividades (PAIXÃO, RECHENHEIM, 2005).
Para a análise estatística, será utilizado o programa GraphPadInStat®,
sendo os dados tabulados e transformados em planilhas para melhor visualização e entendimento dos resultados.
3. RESULTADOS
O presente estudo avaliou uma amostra de 12 (doze) pacientes que sofreram AVE, sendo que 10 (83,33%) sofreram AVE isquêmico e 02 (16,66%) AVE
hemorrágico. Com relação ao padrão patológico, 09 (75%) tiveram como sequela neurológica hipotonia, 02 (16,66%) espasticidade e 01 (8,33%) não apresentou nenhum padrão patológico após o AVE.
Quanto ao diagnóstico funcional 11 (91,66%) dos pacientes avaliados
apresentaram hemiparesia, no qual 11(91, 66%) o acometimento foi unilateral e
6 (50%) tiveram a dominância do lado direito e 05 do lado esquerdo.
Em relação ao perfil demográfico, os pacientes selecionados para o estudo, os quais já se encontravam em tratamento na clínica a no mínimo 1 (um)
mês, são 75% do sexo masculino e 25% feminino. Em relação à faixa etária:
41,67% correspondem à faixa etária de 50 a 60 anos e 58,33% têm entre 61 e 70
anos. Quanto ao estado civil, 75% dos pacientes referiram ser casados, 16,66%
solteiros e 8,33% divorciados. Em relação à raça, 83,33% são da raça branca,
8,33% da raça parda e 8,33% da raça negra. Quanto à escolaridade observou-se
que 41,67% eram analfabetos e 58,33% estudaram até o ensino fundamental. E,
58,33% eram aposentados, 16,66% desempregados, 8,33% doméstica, e 8,33%
estavam afastados do trabalho devido à atual condição patológica.
Tabela 01. Perfil demográfico da população avaliada
CARACTERÍSTICA
NÚMERO
% (PERCENTUAL)
9
75
3
25
Gênero:
- Masculino
- Feminino
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Análise da qualidade de vida e funcionalidade de pacientes pós AVE em reabilitação
Raça:
- Branca
- Negra
- Parda
10
83,33
1
8,33
1
8,33
5
41,67
7
58,33
2
16,66
Faixa Etária:
- 50 a 60 anos
- 61 a 70 anos
Estado Civil:
- Solteiro
- Casado
- Divorciado
9
75
1
8,33
5
41,67
7
58,33
8
58,33
2
16,66
1
8,33
1
8,33
Escolaridade:
- Analfabetos
- Ensino Fundamental
Ocupação:
- Aposentados
- Desempregados
- Afastados do trabalho
- Doméstica
Fonte: elaboração própria
Os acidentes vasculares encefálicos prevaleceram em maior incidência
com o sexo masculino, em pessoas da raça branca, cuja idade de maior incidência foi entre 61 e 70 anos e a maior parte dos indivíduos eram casados, possuíam
em maioria o Ensino Fundamental e a maior parte já se encontrava aposentada,
sendo que os que estavam em fase laboral ou estavam desempregados ou precisaram se afastar do trabalho devido ao AVE.
A escala EQVEAVE foi aplicada para avaliar a qualidade de vida dos pacientes da amostra. Os pacientes foram pontuados pelos testes de energia, papéis
familiares, fala, mobilidade, humor, personalidade, autocuidado, papel social,
memória, função dos membros superiores, visão e trabalho. (Tabela 02)
Tabela 02 – Pontuação Média da QV pela Escala EQVEAVE
Teste
Média
DP
Mín-Máx.
EQVEAVE total (245)
112
26,65
73-171
EQVE AVE energia (15)
7,08
5,10
3-15
EQVE AVE papéis familiares (15)
5,58
4,05
3-15
EQVE AVE fala (25)
14,33
7,87
5-25
EQVE AVE mobilidade (30)
12,5
5,94
6-22
EQVE AVE humor (25)
12,5
5,14
5-21
EQVE AVE personalidade (15)
6,83
4,21
3-15
EQVE AVE autocuidado (25)
9,16
7,54
5-25
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
28
Análise da qualidade de vida e funcionalidade de pacientes pós AVE em reabilitação
EQVE AVE papel social (25)
6,16
2,44
5-13
EQVE AVE memória (15)
8,66
3,93
4-15
EQVE AVE função MS (25)
10,66
6,70
5-25
EQVE AVE visão (15)
13,16
3,83
3-15
6
3,30
3-13
EQVE AVE trabalho (15)
DP = Desvio Padrão
EQVEAVE= Escala de Qualidade de Vida do AVE;
MS=membro superior
Fonte: elaboração própria
A avaliação da QV (EQVE-AVE) apresentou um valor médio de
112±26,65 em relação à pontuação total considerando todos os domínios, sendo
caracterizado como baixa a QV, já que a maioria (90%) apresentou um escore
total < 147. O que é possível identificar é que o AVE sofrido afetou significativamente a energia, os papéis familiares dos pacientes, a personalidade, o papel
junto à sociedade, a memória e o trabalho.
Posteriormente, o Índice de Barthel foi aplicado aos 12 pacientes para avaliar o nível de dependência dos mesmos, considerando que a amostra já fora selecionada de pacientes que não apresentaram comprometimento da fala, para que fosse
possível obter as respostas necessárias na constituição deste estudo. A identidade dos
pacientes é preservada, razão pela qual eles são numerados de 1 a 12. (Tabela 03)
Tabela 03 – Resultado dos pontos obtidos pela aplicação do Índice de Barthel
PONTUAÇÃO ÍNDICE DE BARTHEL
1.Refeições
2.Banho
3.Vestir-se
4.Asseios
5.Evacuação
Continentes
Independente
Semi-independente
6 (50 %)
9(75%)
9(75%)
10 (83,33%)
11 (91,66%)
4 (33,33%)
0
2 (16,66%)
0
-Incontinente
Dependente
2 (16,66%)
6.Micção
3(25%)
1 (8,33%)
2 (16,66%)
1 (8,33%)
7.Banheiro 8.Transferência 9.Deambulação
10.Escadas
10 (83,33%)
10 (83,33%)
10 (83,33%)
10 (83,33%)
2 (16,66%)
0
2 (16,66%)
2 (16,66%)
2 (16,66%)
8 (66,66%)
0
0
Continentes
Independente
Semi-independente
Incontinentes
Dependente
2 (16,66%)
0
2 (16,66%)
Fonte: elaboração própria
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
Análise da qualidade de vida e funcionalidade de pacientes pós AVE em reabilitação
29
Nota-se que a dependência dos pacientes analisados é relativamente
baixa nos itens classificados. Pelos dados obtidos na amostra pelo Índice de
Barthel em relação a cada um dos itens (Tabelas 1 e 4), 50% dos pacientes dão
independentes para suas refeições, 33,33% semi-independentes e 16,66% são
dependentes. No Banho, 75% são independentes e 25% dependentes, na hora
de vestirem-se 75% são independentes, 16,66% semi-independentes e 8,33%
dependentes.
Nos asseios, 83,33% são independentes e 16,66% são dependentes.
91,66% são continentes na evacuação e somente 8,33% é incontinente, na micção, 83,33% são continentes e 16,66% incontinentes. 83,33% são independentes
no uso do banheiro enquanto 16,66% são semi-independente. Nas transferências, 83,33% são independentes e 16,66% semi-independentes, na deambulação,
83,33% são independentes e 16,66% semi-independentes.
A utilização de escadas é o único item que apresentou maio nível de dependência, sendo que somente 16,66% deles são independentes, 66,66% são semi-independentes, ou seja, depende de algum apoio para subir e descer escadas
e 16,66% são totalmente dependentes neste item. Este resultado pode ser visualizado com maior clareza no Gráfico 01:
Gráfico 01 – Comportamento da amostra pelo Índice de Barthel
Fonte: elaboração própria
Aplicando-se a pontuação de Barthel, considerando 5 para a dependência, 10 para a semi-dependência e 15 para a independência, os resultados totais
de cada paciente são apresentados na tabela 4, onde os pacientes são numerados
de 1 a 12 para preservar suas identidades.
Tabela 04 – Total pontuação de cada paciente pelo Índice de Barthel
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
30
Análise da qualidade de vida e funcionalidade de pacientes pós AVE em reabilitação
PACIENTE
SEXO
IDADE
PONTOS
1
Feminino
64
25
2
Feminino
70
90
3
Masculino
62
90
4
Masculino
51
95
5
Masculino
65
95
6
Masculino
60
95
7
Masculino
60
95
8
Masculino
64
95
9
Masculino
63
80
10
Masculino
61
100
11
Feminino
54
85
12
Masculino
51
55
Fonte: elaboração própria
Somente os pacientes 1 e 12, sendo um do sexo masculino e um feminino, representando 16,66% da amostra, apresentaram escore inferior a 60, cuja
dependência é então considerada significativa, aos demais, ou seja, 83,33% dos
pacientes analisados possuem um bom nível de independência com escores variando de 80 a 100 pontos pelo índice de Barthel.
Ao correlacionarmos o índice de Barthel com a escala EQVE-AVE obtivemos uma correlação negativa e fraca (r = -0.1231, não significativo), com relação a qualidade de vida e a funcionalidade dos pacientes.
4. DISCUSSÃO
Participaram da pesquisa 12 pacientes pós AVE com idade de 60,5± 5,77
anos, sendo 75% do sexo masculino e 25% do sexo feminino, indo de encontro
com os achados epidemiológicos que mostram que há uma predominância deste
acometimento em pacientes do sexo masculino (ANDRÉ,2006; RODRIGUES
et al., 2004) e com faixa etária entre 50 a 70 anos (SAPONISK, DEL BRUTTO, 2003; PITTELLA, DUARTE, 2002). Verificou-se neste estudo uma precocidade do primeiro episódio de AVE, já que 5 pacientes têm menos de 60 anos.
Considerando o objetivo da pesquisa, de avaliar e correlacionar a qualidade de vida e o desenvolvimento funcional de pacientes após o AVE, que se
encontram em reabilitação na Clínica de Fisioterapia Maria Almeida Santos, no
município de Guaxupé-MG, pelo resultado da QV (EQVEAVE) e do Índice de
Barthel é possível afirmar que a maior parte dos pacientes avaliados possuem
bom nível de independência, porém, uma baixa qualidade de vida e que, portanto, a qualidade de vida não está necessariamente relacionada ao nível de independência mas sim a outros fatores importantes do cotidiano do paciente, como
sua disposição (energia), sua vida social, suas condições para trabalhar, sua memória, etc. Enquanto que a dependência ou independência está relacionada às
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
Análise da qualidade de vida e funcionalidade de pacientes pós AVE em reabilitação
31
condições de vida básica, no atendimento de suas necessidades básicas.
Dentre estes pacientes avaliados, pode-se observar que 75% deles eram
casados, tais dados seguem os resultados de estudo já existentes (FALCÃO,
2004) relatando que o estado civil prevalente em casos de AVE é o casado.
Com relação à raça, 83,33% da amostra se caracterizaram por pacientes
de raça branca, se opondo aos dados demonstrados na literatura, os quais citam
uma maior incidência de AVE na raça afrodescendente (O’SULLIVAN, SCHIMITZ, 2005). Esta divergência do resultado deste estudo, em relação à literatura, pode ser explicada pela maior representatividade da raça branca (70 para
19%) na cidade de Guaxupé (INFORMAÇÕES DO BRASIL, 2014).
O nível de escolaridade da amostra é baixo, a maioria, 58,33% são analfabetos e os demais 41,67% cursaram somente até o Ensino Fundamental, evidenciando uma correlação da baixa escolaridade com a incidência do AVE, possivelmente em razão de faltas de informação e constituição de hábitos de vida
não saudáveis, por falta de acesso à educação e informação (CHAGAS, MONTEIRO, 2004).
Considerando as características profissionais, 58,33% dos pacientes
avaliados eram aposentados, 16,66% desempregados, 8,33% era doméstica, e
8,33% estava afastado pelo trabalho devido a condição patológica, indo de encontro com estudos que identificam que o AVE interfere nas condições de desenvolver as atividades profissionais, o que pode acarretar diversas preocupações e prejuízos no âmbito familiar dos pacientes (ANDRADE et al., 2009).
A aplicação da Escala EQVE-AVE (LIMA, 2008), em sua versão brasileira, para avaliar a qualidade de vida dos pacientes apresentou um valor médio de 112±26,65 em relação à pontuação total considerando todos os domínios,
sendo, portanto, caracterizada como baixa a QV, já que a maioria (90%) apresentou um escore total < 147, tendo o AVE afetado significativamente a energia,
os papéis familiares dos pacientes, a personalidade, o papel junto à sociedade, a
memória e o trabalho (MONTEIRO et al., 2013; RANGEL, BELASCO, DICCINI, 2013).
O Índice de Barthel, utilizado para mensurar a dependência dos pacientes com incapacidades crônicas durante atividades diárias, após sofrerem AVE
(SHAH, VANCLAY, COOPER, 1989), identificou um valor médio total do
índice de 83,33± 21,88 pontos, demonstrando que os pacientes avaliados podem
ser considerados independentes (POLESE et al., 2008), uma vez que apresentaram escore superior a 60 (ARAÚJO et al., 2007) pontos, somente dois, um do
sexo masculino e outro feminino tiveram, respectivamente, 55 e 25 pontos, considerados então dependentes. O estudo corrobora com a literatura SHAH, VANCLAY, COOPER, 1989; ARAÚJO et al., 2007, POLESE et al., 2008; SEDREZ,
FARIAS, BRAIDA, 2012) onde há estudos concluindo que os indivíduos acometidos por AVE, em sua maioria são independentes na realização de suas atividades diárias.
Portanto, embora os pacientes após o AVE apresentem boas condições de
independência em suas atividades básicas do cotidiano, eles têm consideravelmente afetada a sua qualidade de vida.
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32
Análise da qualidade de vida e funcionalidade de pacientes pós AVE em reabilitação
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo demonstrou que o Acidente Vascular Encefálico vem
acometendo não somente pessoas idosas, mas já aparece com predominância
em adultos de menos idade, comum na faixa etária de 50 a 70 anos, e que tanto
na Escala EQVE-AVE, quanto no teste Índice de Barthel, foi possível observar
em que aspecto mais foi afetado entre os pacientes no que se diz qualidade de
vida e funcionalidade.
Portanto, este estudo sugere que para se obter um o processo de reabilitação fisioterapêutico com boas evoluções, deve-se realizar teste específicos, uma
vez que, as avaliações de qualidade de vida e funcionalidade podem auxiliar no
direcionamento do tratamento fisioterapêutico, dando subsídios para a evolução
do programa terapêutico. Como o estudo demonstrou, a qualidade de vida é consideravelmente afetada e a fisioterapia contribui para melhorar a independência
e a qualidade de vida dos pacientes após o AVE.
6. REFERÊNCIAS
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Análise da qualidade de vida e funcionalidade de pacientes pós AVE em reabilitação
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Anotações sobre a imputabilidade penal
de crianças e adolescentes no Brasil
Poliana Alves Campos1
[email protected]
Lúcia Alves Campos2
[email protected]
André de Paiva Bonillo Fernandes3
[email protected]
RESUMO
A atual disciplina jurídica sobre crianças e adolescentes tem experimentado uma série de questionamentos nos meios políticos e sociais, especialmente quando é noticiado o envolvimento de jovens em crimes bárbaros. Soma-se
a isso uma sensação generalizada, que não se restringe a esse campo, de total
falência e ineficácia das instituições sociais e estatais incumbidas, de um lado,
da implementação de políticas públicas e, de outro, da repressão/reeducação.
Nesse cenário, diversas propostas são levantadas na tentativa de resolver tais
problemas, indo desde cobranças para a efetiva implementação das medidas já
previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, passando por aumentar a
proteção dos jovens, considerados vítimas da negligência estatal, culminando, e
estas têm mais atenção pelo apelo retribucionista imediato, no recrudescimento
do tratamento, geralmente materializadas na diminuição da maioridade penal,
buscando tutelá-los não mais pela legislação especial, mas pelo Direito Penal.
Grande parte dessas propostas, porém, em especial estas últimas, se abstêm da
análise histórica do tratamento jurídico de crianças e adolescentes no Brasil. O
próprio apontamento histórico já contribui para fornecer subsídios a uma melhor decisão sobre o tema. Para tanto, serão feitos comentários gerais sobre os
primórdios de um tratamento jurídico diferenciado de crianças e adolescentes
e, em seguida, alguns apontamentos sobre as legislações brasileiras, incluindo
as Ordenações do Reino, os Códigos Criminais do Império e da República, o
Código Penal de 1940 e o projeto do Código Penal de 1969, além da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do adolescente, sugerindo a
leitura de que a definição constitucional da imputabilidade penal é direito fundamental, no sentido das denominadas liberdades negativas, proteção do indivíduo frente a atuação do Estado em sua vida e liberdade.
1 Poliana Alves Campos – Especialização em Direito Penal e Processual Penal. Advogada.
2 Lúcia Alves Campos – Especialização em Direito Penal e Processual Penal. Advogada.
3 André de Paiva Bonillo Fernandes - Mestrado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP). Docente do curso de Direito do UNIFEG.
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
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Anotações sobre a imputabilidade penal de
crianças e adolescentes no Brasil
Palavras-chave
Criança e adolescente; Maioridade penal; Desenvolvimento
histórico; legislação brasileira.
ABSTRACT
The current juridical discipline about children and teenagers have experienced a series of questionings in the social and political milieu, especially when
there are news about juvenile participation in barbaric crimes. Adds to it a general feeling, not restricted to this field, of total failure and inefficacy of the social and government institutions responsible, on the one hand, for public policy
implementations and, on the other hand, for the repression/reeducation. In this
set, several propositions are made in the attempt to solve these problems, such as
the effective implementation of the already prescribed measures in the Child and
Teenage Statute, an increase in the youth’s protection, regarded as victims of the
State’s negligence, and, with more immediate attention due to the retribucionist
appeal, hardening their treatment, usually materialized in lowering the age for
criminal responsibility, submitting them not to the special legislation, but to Criminal Law in general. A great part of these propositions, especially the latter, abstains from a historical analysis about children and adolescents juridical treatment
in Brazil. The very historical investigation already contribute with subsidies to a
better decision on the subject. With this in mind, it shall be made some general
commentaries about the first occurrences of a differentiated juridical treatment
for child and adolescents and, next, a few appointments on the Brazilian legislation, including the Kingdom’s Ordinances, the Empire and the Republic Criminal
Codes, the Criminal Code of 1940 and Criminal Code’s 1969 project, without forgetting the Federal Constitution of 1988 and the Child and Teenage Statute, suggesting a reading that understands the constitutional definition of the criminal
responsibility is a fundamental right, in the sense of the so called negative liberties, the individual’s protection against the State’s acts on life and liberty.
1. O TRATAMENTO JURÍDICO ESPECIAL
À CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Em um determinado período da história já se permitiu a disposição de filhos que fossem considerados aberrantes e débeis, bem como se aceitou que se
asfixiasse recém-nascido do sexo feminino. No Velho Testamento pode-se encontrar várias práticas contra os filhos, independentemente de sua idade. Por
exemplo, “aquele que ferir seu pai ou sua mãe, será morto” (Ex 21:15), “quem
amaldiçoar seu pai ou sua mãe, será punido de morte” (Ex 21:17) e:
Se um homem tiver um filho indócil e rebelde, que não
atenda às ordens de seu pai nem de sua mãe, permanecendo insensível às suas correções, seu pai e sua mãe tomá-lo-ão e o levarão aos anciãos da cidade à porta da localidade
onde habitam, e lhes dirão: este nosso filho é indócil e rebelde; não nos ouve, e vive na embriaguez e na dissolução.
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
Anotações sobre a imputabilidade penal de
crianças e adolescentes no Brasil
37
Então, todos os homens da cidade o apedrejarão até que
ele morra. Assim, tirarás o mal do meio de ti, e de todo o
Israel, ao sabê-lo, será possuído de temor” (Dt 21:18-21).
O Código de Manu4, nos artigos 698 e 699, também continha previsões
especiais quanto às crianças. Tais artigos tratam do ilícito de fazer suas dejeções
na estrada real, impondo-se-lhes multa e obrigação de limpar o local, ficando
desobrigados da multa o doente, o ancião, a mulher grávida e a criança:
Art. 698. Aquele que faz suas dejeções na estrada real, sem
uma necessidade urgente, deve pagar dois karshapanas e
limpar imediatamente o local que ele emporcalhou.
Art. 699. Um doente, um ancião, uma mulher grávida e
uma criança devem somente ser repreendidos e limpar o
local; tal é a ordem5.
O primeiro registro de tratamento expressamente diferenciado sobre a imputabilidade de crianças e adolescentes está em Roma, na Lei das XII Tábuas, em
que se distinguiam infantes, púberes e impúberes. Conforme Goulart (1983, p. 230):
A Lei das XII Tábuas já fazia distinção entre os púberes e
impúberes, fixando-se, posteriormente, três categorias de
menores: os infantes, até 7 anos, período em que se considerava a criança completamente irresponsável; e os próximos
à infância, até 10 anos e meio para os meninos, e 9 anos e
meio para as meninas. A partir daí até a fase da puberdade, fixando-se as idades e m 14 e 12 anos, respectivamente,
entendia-se que a incapacidade decorrente da idade podia
ser suprida ou avivada pela malícia e, por isso, a irresponsabilidade só podia ser declarada provando-se a ausência do
discernimento de acordo com o arbítrio do juiz.
Assim, a idade era um fator a ser computado para a fixação das penas,
que deveriam guardar, no entanto, certa proporcionalidade entre esta e aquela.
O Direito Canônico procurou seguir, até certo ponto, os critérios estabelecidos pelo direito romano, mas buscando um maior aprofundamento no tema
do discernimento, conforme o diz Muccilo (apud GOULART, 1983, p. 230):
O Direito Canônico, por sua vez, procurou estabelecer com
maior exatidão o critério da responsabilidade dos menores,
aprofundando, segundo JORGE MUCCILO, a questão do
discernimento: irresponsáveis eram os menores até 7 anos,
período em que não se poderia falar em malícia; dos 7 aos
14 anos, ficavam sujeitos à investigação do discernimento,
aceitando-se o critério de que a malícia supre a idade, com
aplicação, conforme o caso, de pena diminuída; a partir da
puberdade, ou 14 anos, entravam para a fase da responsabilidade penal.
4 Segundo Pierangeli e Zaffaroni (2011, p. 165), “as leis, livro ou código de Manu é o texto penal mais elaborado da Índia, de idade
sumamente controvertida, sendo por alguns situado no século XIII a.C. e por outros no século V a.C”.
5 Disponível em http://www.ufra.edu.br/legislacao/CODIGO%20DE%20MANU.pdf. Acesso em 11 jun 2015.
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Anotações sobre a imputabilidade penal de
crianças e adolescentes no Brasil
Nos séculos XVI a XVIII pode-se destacar uma alternância no tratamento dos jovens infratores, ora havendo disposições mais benéficas, na medida do
possível, ora disposições que demonstravam certa crueldade.
Nos estudos criminológicos, a denominada escola clássica procurou fundamentar a imputabilidade penal do jovem de acordo com o seu desenvolvimento físico e mental, em que a pena deveria ser proporcional a sua idade, desde que
ele soubesse discernir o bom do mau, o justo do injusto. Com isso, o grau de
imputabilidade deveria corresponder ao seu desenvolvimento físico-psíquico:
Período de irresponsabilidade absoluta, até os 12 anos;
a adolescência, de responsabilidade condicional, de 12 a
18 anos, devendo o juiz examinar se o menor agiu ou não
com discernimento; a maior idade, a partir dos 18 anos,
de responsabilidade plena; e a velhice, de responsabilidade
modificável em seus resultados, devendo-se considerar a
imputabilidade atenuada (GOULART, 1983, p. 231).
Portanto, a escola clássica procurou fundamentar que a responsabilidade
do jovem deveria estar subordinada ao seu discernimento. Contudo, considerava que as crianças não o possuíam, ao contrário dos adolescentes. Com isso, as
legislações que a tomaram por base passaram, então, a fixar um período de irresponsabilidade absoluta e outro condicionado ao discernimento.
2. A MAIORIDADE PENAL NO BRASIL-COLÔNIA
A fixação da idade penal na legislação brasileira sofreu variações ao longo do tempo, e a idade limite de 18 anos nem sempre foi adotada.
Quando da chegada dos portugueses no Brasil, em 1500, os indígenas
que aqui estavam não apresentavam, aparentemente, um grau de desenvolvimento cultural parecido com incas, maias e astecas, mas ainda assim havia alguma noção de imputabilidade e responsabilidade, encontradas nas tradições e
costumes indígenas, ainda que não positivadas (PIERANGELI, 2004, p. 42).
Não há, entretanto, notícia de uma relação mais profunda entre a punição e a
idade.
Estabelecidos os lusíadas nas terras recém aportadas, implantaram o seu
Direito Nacional, consolidado nas Ordenações do Reino. Primeiramente as Ordenações Afonsinas e, em seguida, as Ordenações Manuelinas, mas que não tiveram grande aplicação no Brasil, pois aquelas vigeram até 1521 e não se havia
nenhum núcleo colonizador no Brasil, sendo revogadas por estas, que perduraram até 1603, vigendo conjuntamente com as determinações régias e as Cartas
de Doação. O resultado foi que o direito empregado estava mais subordinado ao
arbítrio dos donatários das capitanias hereditárias do que à própria ordenação6
(PIERANGELI, 2004, p. 60-61).
6 Um exemplo disso, como cita Magalhães Noronha (apud PIERANGELI, 2004, p. 61), fundado na narrativa de Taunay: “Para
se ter uma ideia de como iam as coisas referentes à justiça naquela época, basta lembrar o episódio ocorrido em Piratininga, em 13
de junho de 1587, de que o almotacel (magistrado de categoria inferior ao juiz ordinário) João Maciel pediu aos vereadores que lhe
dessem as Ordenações, pois não podia, sem elas, exercer suas funções. Taunay, que nos narra esse episódio, acrescenta não se ter
encontrado um só exemplar!”
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
Anotações sobre a imputabilidade penal de
crianças e adolescentes no Brasil
39
De 1603 até 1830 vigoraram as Ordenações Filipinas que, mesmo com o
advento da Proclamação da Independência do Brasil em 1822, “foram elas que,
por mais de dois séculos, quanto à parte criminal, vigeram em nosso país, e cuja
vigência apenas se encerrou com o advento do Código Criminal do Império de
1830” (PIERANGELI, 2004, p. 55).
Nesse período das Ordenações Filipinas, “o menor de 17 anos, tendo praticado ato cuja pena era a de morte, ficava ao arbítrio do julgador, que poderia
impor-lhe pena menos grave, enquanto para outros delitos seguia-se a disposição do direito comum” (GOULART, 1983, p. 245).
Assim é o teor do Livro V das Ordenações do Reino – Código Filipino,
Título CXXXV – “Quando os menores serão punidos por os delictos, que fizerem”:
Quando algum homem, ou mulher, que passar de vinte
annos, commetter qualquer delicto, dar-se-lhe-há a pena
total, que lhe seria dada, se vinte e cinco annos passasse.
E se for de idade de dezasete annos até vinte, ficará em arbítrio dos julgadores dar-lhe a pena total, ou diminuir-lha.
E em este caso olhará o julgador o modo, com que o delicto foi commettido, e as circunstâncias delle, e a pessôa do
menor; e se achar em tanta malícia, que lhe pareça que merece total pena, dar-lhe-há, posto que seja de morte natural.
E parecendo-lhe que a não merece, poder-lha-há diminuir,
segundo a qualidade, ou simpleza, com que achar, que o
delicto foi commettido.
E quando o delinquente fôr menor de dezasete annos
cumpridos, posto que o delicto mereça morte natural, em
nenhum caso lhe será dada, mas ficará em arbítrio do julgador dar-lhe outra menor pena (PIERANGELI, 2004, p.
208-209).
Vê-se então que àquele que tivesse mais de 20 anos seria aplicada a pena
total imposta, como se 25 anos tivesse, e se o indivíduo tivesse entre 17 e 20
anos, ficaria o julgador livre para determinar a pena total ou sua redução. Aos
menores de 17 anos não poderia ser aplicada a pena de morte, podendo o julgador substitui-la por outra sanção.
De acordo com Maciel (2011, p. 3-4), nesse período a responsabilidade
penal era alcançada aos 7 anos de idade. Isto porque o Estado era fortemente influenciado pela doutrina da Igreja Católica, que pregava que o homem atingia
sua razão nessa idade. Assim, dos 7 aos 17 anos de idade o tratamento era similar ao do adulto, não se aplicando apenas a pena de morte. Dos 17 aos 21 anos de
idade, o chamado jovem adulto, os infratores já eram passíveis de sofrer a pena
de morte por enforcamento. Havia ainda a exceção do delito de falsificação de
moeda, para o qual se permitia a pena de morte natural para maiores de 14 anos.
É possível observar que praticamente não houve medidas de proteção às
crianças e adolescentes nesse período e, não obstante o regramento diferenciado, a finalidade fundamental da pena era apenas a retribuição do mal cometido
que, modernamente, será conhecida como função retributiva da pena.
No campo não infracional, a primeira norma específica a proteger o meRevista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
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Anotações sobre a imputabilidade penal de
crianças e adolescentes no Brasil
nor de 18 anos foi criada em 12 de dezembro de 1693, com a chamada Carta Régia, em que, conforme Goulart (1983, p. 245), “[...] o rei determinava ao governador da capitania do Rio de Janeiro que as crianças enjeitadas ou desamparadas
ficassem aos cuidados da Câmara e à conta dos bens do Conselho. Somente em
1738 foram fundadas a Roda e a Casa dos Expostos”.
Além disso, tem-se notícia que antes desse período o Estado agia em favor desse menor através da Igreja Católica, tanto que em 1551 foi fundada a primeira casa de recolhimento de crianças do Brasil, na qual os jesuítas pretendiam
proteger as crianças indígenas e negras da barbárie de seus pais retirando-as de
seu convívio e isolando-as (MACIEL, 2011 p. 4).
3. O CÓDIGO PENAL DO IMPÉRIO DE 1830
Alguns anos após a Independência do Brasil foi criado, em 16 de dezembro de 1830, o primeiro código penal brasileiro, sancionado pelo Imperador D.
Pedro I, de nome Código Criminal do Império, que introduziu a capacidade de
discernimento para aplicação da pena.
Os menores de 14 anos eram inimputáveis, mas, se tivessem discernimento, eram encaminhados para as denominadas casas de correção e lá poderiam ficar até os 17 anos de idade. Eis o que diziam os arts. 10, 13 e 18, §10, todos do Código Criminal do Império:
Art. 10. Também não se julgarão criminosos:
1º Os menores de quatorze annos;
Art. 13. Se se provar que os menores de quatorze annos,
que tiverem commettido crimes, obrarão com discernimento, deverão ser recolhidos às casas de correcção, pelo
tempo que ao Juiz parecer, com tanto que o recolhimento
não exceda a idade de dezasete anos;
Art. 18. São circumstancias attenuantes dos crimes:
§10. Ser o delinquente menor de 21 annos. Quando
o réo fôr menor de dezasete annos, e maior de quatorze,
poderá o Juiz, parecendo-lhe justo, impor-lhe as penas da
cumplicidade (PIERANGELI, 2004, p. 238-240).
Carvalho (1977, p. 312) complementa que:
O nosso Código Criminal de 1830 distinguia os menores
em quatro classes, quanto a responsabilidade criminal: a)
os menores de 14 anos seriam presumidamente irresponsáveis, salvo se se provasse terem agido com discernimento;
b) os menores de 14 anos que tivessem agido com discernimento seriam recolhidos a casas de correção pelo tempo
que o juiz parecesse, contanto que o recolhimento não excedesse a idade de 17 anos; c) os maiores de 14 e menores
de 17 anos estariam sujeitos às penas de cumplicidade (isto
é, caberia dois terços da que caberia ao adulto) e se ao juiz
parecesse justo; d) o maior de 17 e menor de 21 anos gozaria da atenuante da menoridade.
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
Anotações sobre a imputabilidade penal de
crianças e adolescentes no Brasil
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A fixação do limite de 14 anos, no artigo 10, §1º, demonstrou que até
essa idade, a princípio, não existiria consciência ou maturidade para a prática de
um ato delituoso, mas, ao analisá-lo em conjunto com o artigo 13, nota-se que
esse limite poderia ser combatido por uma prova em contrário, a prova do discernimento. Nesse sentido criticou Barreto (1926, p. 14): “É, porém, para lastimar que, [...] no artigo 13, consagrada a singular theoria do discernimento, que
póde abrir caminho a muito abuso e dar lugar a mais um espectaculo doloroso”.
O próprio autor continua dizendo que é vaga a questão do discernimento, já que
pode, “na falta de restricção legal, ser descoberto pelo juiz até em uma criança
de cinco annos” (BARRETO, 1926, p. 21).
Assim, nesse período foi adotada uma presunção iuris tantum de que os
menores de 14 anos seriam inimputáveis, deixando o legislador ao magistrado
a responsabilidade de decidir sobre o discernimento, assim como no caso dos
maiores de 14 e menores de 17 anos, que não tinham tratamento especial, a de
aplicar 2/3 da pena que caberia a um adulto.
4. O CÓDIGO PENAL REPUBLICANO DE 1890
O primeiro código da república, o Código Penal dos Estados Unidos do
Brasil7, manteve praticamente a linha do Código do Império, com poucas modificações. Os menores de 9 anos eram considerados inimputáveis. Entre os 9 e
14 anos era necessária a verificação do discernimento. Dos 14 até os 17 anos, os
infratores eram apenados com aplicação de 2/3 da pena dos adultos, o que significa dizer que se tornara obrigatória a aplicação da pena da cumplicidade, e não
mais facultativa, como o era no código anterior.
Eis a redação dos dispositivos do código republicano acerca do tema:
Art. 27. Não são criminosos:
§ 1º Os menores de 9 annos completos;
§ 2º Os maiores de 9 e menores de 14, que obrarem sem
discernimento.
Art. 30. Os maiores de 9 anos e menores de 14, que tiverem obrado com discernimento, serão recolhidos a estabelecimentos disciplinares industriais, pelo tempo que
ao juiz parecer, contanto que o recolhimento não exceda
à idade de 17 anos.
Art. 42. São circumstancias attenuantes:
§ 11. Ser o delinquente menor de 21 annos.
Art. 65. Quando o delinquente fôr maior de 14 e menor de
17 annos, o juiz lhe applicará as penas da cumplicidade
(PIERANGELI, 2004, p. 275-279).
Fora adotado, assim, como critério para determinação da imputabilidade
7 Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890.
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Anotações sobre a imputabilidade penal de
crianças e adolescentes no Brasil
penal o biopsicológico8 para os maiores de 9 e menores de 14 anos de idade, e o
critério biológico para os menores de 9 anos.
Apesar de ter abolido a pena de morte, fato lembrado por Noronha (1999,
p. 59), perante a crítica este código foi considerado “o pior de todos os Códigos
conhecidos”, conforme o afirmava João Monteiro (apud PIERANGELI e ZAFFARONI, 2011, p. 197). Isto porque teria sido feito às pressas e, como se vê,
manteve ainda uma concepção bastante rigorosa nessa questão, além de ter nascido da inspiração da escola clássica, que via na pena somente o aspecto retribucionista da vingança. Para Bruno (1978, p. 180):
O primeiro Código Penal da República foi menos feliz
do que o seu antecessor. A pressa com que foi concluído
prejudicou-o em mais de um ponto, e nele a crítica pode
assinalar, fundadamente, graves defeitos, embora muitas
vezes com excesso de severidade. Não tardou a impor-se
a ideia da sua reforma, e menos de três anos depois da sua
entrada em vigor já aparecia o primeiro projeto de Código
para substituí-lo.
Assim, mesmo com décadas de diferença de um código para outro, não
parece que foi razoável a responsabilidade penal vigorar a partir dos tão poucos
9 anos de idade e ainda persistir a subjetiva questão da capacidade de discernimento, justamente os motivos pelos quais fora tão criticado.
No ponto específico da necessidade de verificação de discernimento dos
maiores de 9 e menores de 14 anos, tal regramento “vigorou até 1921, quando
foi derrogado pela Lei 4.242, de 5 de janeiro, ao dispor que o menor de 14 anos
não seria submetido a processo algum, impondo ainda procedimento especial
para os menores entre 14 e 18 anos” (GOULART, 1983 p. 247). Com isso, a imputabilidade penal começaria aos 14 anos de idade e estaria afastado o critério
biopsicológico de aferição da responsabilidade nesse período de idade.
No campo não infracional, em 1926 foi publicado o Decreto nº 5.083, conhecido como o primeiro código de menores, que cuidava dos infantes expostos
e menores abandonados. Disciplinou também, no capítulo V, art. 45, acerca dos
menores delinquentes, sendo que o menor de 14 anos não poderia ser preso mas,
sim, colocado em asilo, casa de educação, escola de preservação ou confiado a
pessoa idônea até que completasse 18 anos.
Após um ano, em 12 de outubro de 1927, veio a ser substituído pelo De8 A doutrina costuma apontar três critérios que buscam definir a imputabilidade penal: o biológico, o psicológico e o biopsicológico.
O critério biológico, sob o fundamento cronológico, ocorre pela simples verificação da idade do autor na data do fato. A menoridade,
assim, constitui-se um caso de desenvolvimento mental incompleto presumido (MIRABETE e FABBRINI, 2013, p. 196), pois o menor de 18 anos ainda não teria alcançado um estágio de maturidade psicológica coerente, não tendo condição intelectual para avaliar
os seus atos adequadamente, uma vez que também lhe falta a necessária vivência no meio social. Pelo critério biológico, analisado
enquanto inimputabilidade sob a chave de uma patologia mental, “aquele que apresenta uma anomalia psíquica é sempre inimputável,
não se indagando se essa anomalia causou qualquer perturbação que retirou do agente a inteligência e a vontade do momento do fato”
(MIRABETE e FABBRINI, 2013, p. 196). Ao contrário do critério biológico, no psicológico a verificação da inimputabilidade não se
determina pela deficiência mental ou distúrbio psíquico que o indivíduo apresenta, não importando o seu estado de saúde habitual. De
acordo com Damásio (2005, p. 500), “o que importa é o efeito e não à causa. Leva em conta se o sujeito, no momento da prática do
fato, tinha condição de compreender o seu caráter ilícito e de determinar-se de acordo com essa compreensão ou não”. Já pelo critério
biopsicológico “só é inimputável o sujeito que, em consequência da anomalia mental, não possui capacidade de compreender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com essa compreensão” (DAMÁSIO, 2005, p. 500). Por esse critério analisa-se
se o agente apresenta higidez mental combinada com a capacidade de compreender a ilicitude do fato ou determinar-se de acordo
com esse entendimento, sendo possível dizer, em verdade, que se trata de uma junção dos critérios biológico e psicológico, sendo
também chamado, com certa frequência, de critério misto ou “biopsicológico normativo” (MIRABETE e FABBRINI, 2013, p. 196).
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Anotações sobre a imputabilidade penal de
crianças e adolescentes no Brasil
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creto nº 17.943-A, conhecido por Código Mello Mattos, que tinha como alvo específico os abandonados e os delinquentes, utilizando-se do termo “menor” não
para toda e qualquer criança, mas apenas a abandonada, a delinquente, aquela
em situação de rua.
Por esse motivo, o próprio vocábulo “menor” adquiriu um significado
pejorativo ao longo do tempo. Nos dias atuais, inclusive, é considerado atécnico,
e as normas brasileiras pós-Constituição de 1988, que se refiram à criança e ao
adolescente, procuram não utilizá-lo. Apesar disso, subsistem algumas com essa
nomenclatura inadequada como, por exemplo, o Código Civil que, a despeito de
ter sido promulgado em 2002, tem como base o Código Civil de 1977, sem ter
dado muita atenção à atualização da terminologia. Também o Código Penal passou por algumas alterações, mas é oriundo de 1940, sofrendo de problemas ainda mais graves. Mais impressionante, porém, são as menções ao termo em algumas decisões do Supremo Tribunal Federal, como este exemplo:
HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE. PRÁTICA DE ATO INFRACIONAIL
EQUIPARADO AO TRÁFICO DE DROGAS. REITERAÇÃO NO COMETIMENTO DE ATOS INFRACIONAIS GRAVES. IMPOSIÇÃO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO. MOTIVAÇÃO
IDÔNEA. ORDEM DENEGADA.
[...] II – Hipótese na qual a medida de internação está devidamente lastreada no art. 122, II, do ECA e mostra-se a
mais adequada, uma vez que, como consignado, o menor
vem reiteradamente praticando atos infracionais de natureza grave e as medidas socioeducativas até então aplicadas
não foram eficazes em possibilitar a sua ressocialização
[...]. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus
nº 113.758/MG) (grifo nosso)
A melhor técnica legislativa e teórica, hoje, no Brasil, determina que,
quando se referir a criança e adolescente, não se utilize esse termo. Nesse sentido dizem Rossato, Lépore e Cunha (2013, p. 92):
Apesar de adotado pelo Código Civil e Código Penal, e
ser largamente utilizado pela doutrina, o termo “menor” é
considerado pejorativo, pois remete ao antigo Código de
Menores, que tratava crianças e adolescentes como pessoas em situação irregular, e as fazia carregar o estigma de
marginalização, delinquência e abandono, o que não se coaduna com os novos paradigmas invocados e trabalhados
pelo Estatuto, que prima pela proteção constante e integral
das pessoas em desenvolvimento.
No campo infracional do Código Mello Mattos as crianças e adolescentes até os 14 anos eram objeto de medidas punitivas com finalidade educacional,
enquanto os de idade entre 14 e 18 anos eram punidos, porém com responsabilização atenuada. Foi instituído pelo Estado tribunais e juízes especializados na
menoridade. Havia, no código, um grande foco de assistencialismo, manifestado
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Anotações sobre a imputabilidade penal de
crianças e adolescentes no Brasil
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no fato de que a infância pobre, considerada potencialmente perigosa, era controlada e criminalizada por meio da assistência e da justiça, o que acarretou a designação desse viés como doutrina da situação irregular (MACIEL, 2011, p. 5).
Entretanto, foi somente a partir desse código que se despertou a necessidade de romper com o tratamento eminentemente penal, sendo que os magistrados passaram a decidir com vistas à assistência dos menores, desempenhando
uma função voltada mais para o aspecto social das disposições.
Após, com a Constituição da República do Brasil de 1937, permeada pelas
lutas de direitos sociais, além do aspecto jurídico, ampliou-se o aspecto social da
infância e juventude com a integração do Serviço Social como programa de bem-estar. A tutela da infância passou a se caracterizar pelo regime de internações com
a quebra dos vínculos familiares, substituídos pelos institucionais, cuja finalidade
era recuperar o menor, adequando-o ao comportamento considerado correto pelo
Estado, mesmo que isso implicasse o afastamento de sua família. Para Maciel
(2013, p. 6), a preocupação era, primariamente, correcional e não afetiva.
5. O CÓDIGO PENAL DE 1940
O Código Penal de 19409, que se encontra vigente até os dias atuais, com
algumas reformas em sua parte geral10, em sua redação original estipulava no
art. 23 que “os menores de dezoito anos são penalmente irresponsáveis, ficando
sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial” (PIERANGELI, 2004,
p. 444). Com a alteração legislativa, por meio do art. 27 da Lei nº 7.209/84, a
terminologia foi modificada para dispor que “os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”. Antes, era chamado de “irresponsável” o infrator menor de 18 anos e,
após, inimputável.
Portanto, o critério adotado pelo código para determinação da imputabilidade penal do menor de 18 anos foi o puramente biológico, já que considerou
somente a idade, excluindo a prova do discernimento e, dessa forma, o menor
de 18 anos seria irresponsável por absoluta presunção legal. Mirabete e Fabbrini
(2013, p. 196) discorrem que:
Adotando um critério puramente biológico, de idade do
autor do fato, dispõe a lei que os menores de 18 anos são
penalmente inimputáveis. Não se leva em conta o desenvolvimento mental do menor que, embora possa ser penalmente capaz de entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento, não poderá ser
responsabilizado penalmente por suas ações. Trata-se de
um caso de presunção absoluta de inimputabilidade.
Terra (2004, p. 37), por sua vez, não considera que a estipulação da inimputabilidade aos 18 anos de idade possa ser considerada um critério puramente
biológico:
9 Decreto Lei nº 2.848, de 7 de setembro.
10 Por exemplo, Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984.
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Anotações sobre a imputabilidade penal de
crianças e adolescentes no Brasil
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Também não se pode falar na adoção, pelo Constituinte, de
um critério puramente biológico. A decisão foi no sentido
de valorização da dignidade humana de todas as pessoas
menores de dezoito anos, de acordo com a tendência internacional de reconhecimento jurídico da doutrina da proteção integral, que acabou consubstanciada na Convenção
Internacional dos Direitos da Criança. Em outras palavras,
sendo o Estado Democrático de Direito presidido, entre
outros, pelo princípio da dignidade da pessoa humana, a fixação da imputabilidade penal aos dezoito anos representa
o seu compromisso com a valorização da adolescência,
por reconhecer tratar-se de uma fase especial do desenvolvimento do ser humano.
Além do mais, também não seria justificável o tratamento do menor pelo
Direito Penal, pois já estava em vigor o Código Mello Mattos. Por isso, o Código Penal de 1940 apenas declarou no art. 23 que seriam os menores de 18 anos
penalmente irresponsáveis, sujeitando-se à legislação especial (GOULART,
1983, p. 250).
6. O PROJETO DO CÓDIGO PENAL DE 1969
Em 1969 houve a tentativa de substituição do Código Penal de 1940. Em
1961 Nelson Hungria elaborou um novo projeto de Código Penal. Depois dos
trâmites legais, chegara-se a um novo Código Penal, que fora sancionado em 21
de outubro de 1969 por meio do Decreto-Lei nº 1.004/6911, pelo então governo militar, em que as penas eram mais graves e se alterava a inimputabilidade
pela idade.
Dizia o art. 33 que o menor de 18 anos seria inimputável, salvo se já tivesse completado 16 anos e revelasse suficiente desenvolvimento psíquico para
entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com este entendimento. Nesse caso, a pena aplicável seria diminuída de um terço até a metade
(PIERANGELI, 2004, p. 543).
Além das inúmeras críticas geradas por esse dispositivo acerca de que
quem teria a responsabilidade de aferir o nível da capacidade de discernimento,
já que seria necessário um exame criminológico do maior de 16 e menor de 18
anos, ele acabou por diminuir a idade da imputabilidade penal, inserindo novamente a prova do discernimento como possibilidade para criminalização.
Segundo Pierangeli (2004, p. 200), felizmente a entrada em vigor desse
Código de 1969 foi sucessivamente prorrogada até que, sem ter estado vigente,
foi derrogado. E como resposta mínima a um clamor generalizado da opinião
jurídica do país, materializou-se a Lei 6.416, de 24 de maio de 1977. A opinião
de Goulart (1983, p. 253) também é nesse sentido:
A Lei 6.016, de 31 de Dezembro de 1973, modificando
numerosos artigos daquele Código, voltou à linha do Es11 Disponível em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1960-1969/decreto-lei-1004-21-outubro-1969-351762-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em 10 maio 2015.
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Anotações sobre a imputabilidade penal de
crianças e adolescentes no Brasil
tatuto de 1940, que até hoje permanece em vigor, pois as
críticas, intensas e contínuas, a numerosas disposições do
Código de 1969 fizeram com que sua vigência fosse sendo
adiada para novos estudos até hoje sem solução. Por fim, a
Lei n° 6.416, de 24 de Maio de 1977 trouxe ao Código de
1940 as modificações mais necessárias quanto ao cumprimento das penas, especialmente em meio aberto, proporcionando ao condenado novas oportunidades de contato
social e de profissionalização, o que vem, sem dúvida, em
benefício dos jovens adultos delinquentes.
Assim, continuaram sendo inimputáveis os menores de 18 anos, ficando
sem respaldo a questão do discernimento, e se voltou, então, à linha do Código
de 1940.
Em novembro de 1980 foi instituída uma comissão para a reforma da
parte geral do Código Penal, integrada, dentre outros, por Francisco de Assis Toledo, Miguel Reale Júnior e René Ariel Dotti. Após os trâmites legais, foi aprovada em 11 de julho de 1984 a Lei nº 7.209, que alterava a parte geral do Código de 1940 (PIERANGELI, 2004, p. 201), conforme já citado anteriormente.
Dispõe o item 23 da exposição de motivos da Lei nº 7.209/84:
Manteve o Projeto a inimputabilidade penal ao menor de
18 (dezoito) anos. Trata-se de opção apoiada em critérios
de Política Criminal. Os que preconizavam a redução do
limite sob a justificativa da criminalidade crescente, que
a cada dia recruta maior número de menores, não consideram a circunstância de que o menor, ser ainda incompleto, é naturalmente antissocial na medida em que não é
socializado ou instruído. O reajustamento do processo de
formação do caráter deve ser cometido à educação, não à
pena criminal. De resto, com a legislação de menores recentemente editada, dispõe o Estado dos instrumentos necessários ao afastamento do jovem delinquente, menor de
18 (dezoito) anos, do convívio social, sem sua necessária
submissão ao tratamento do delinquente adulto, expondo-o à contaminação carcerária (BRASIL, Código Penal,
2010, p. 236).
Assim, também conforme o art. 27 da Lei nº 7.209/84, serão penalmente
imputáveis apenas os que possuírem, no mínimo, 18 anos. Além disso, segundo
esse item da exposição de motivos, o fundamento da inimputabilidade até os 18
anos incompletos é a condição de maturidade do indivíduo, ou seja, há a presunção jure et de jure de sua imaturidade, ficando sujeito à legislação especial que,
à época, era o Código de Menores publicado pela Lei nº 6.697 de 1979.
Este Código de Menores de 1979 teve por escopo principal o estabelecimento de normas visando a assistência, a proteção e a vigilância de menores
compreendidos em situação irregular12 e instituiu rol de medidas a serem apli12 Art. 2º da Lei nº 6.697/79: Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o menor: I – privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de: a) falta, ação ou omissão dos pais ou
responsável; b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las; II – vítima de maus tratos ou castigos imoderados
impostos pelos pais ou responsável; III – em perigo moral, devido a: a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
Anotações sobre a imputabilidade penal de
crianças e adolescentes no Brasil
47
cadas pelo juiz por meio de procedimento específico: pedido de providência,
advertência, colocação em lar substituto e internação em estabelecimento educacional, ocupacional, psicopedagógico, hospitalar, psiquiátrico ou outro adequado.
7. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Com o passar dos anos, a intensa mobilização de organizações populares no Brasil, acrescida da pressão de organismos internacionais, como o UNICEF, foram fundamentais para que o legislador constituinte abraçasse uma
causa reconhecida por vários documentos internacionais, como a Declaração
de Genebra de 1924, a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, de 1948, a Convenção Americana Sobre os Direitos Humanos
(Pacto de São José da Costa Rica), de 1969, e as Regras Mínimas das Nações
Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude – Regras
Mínimas de Beijing, de 1985, rompendo com o já consolidado modelo da situação irregular e adotando a doutrina da proteção integral (MACIEL, 2011,
p. 7-8).
O empenho foi recompensado com a aprovação dos arts. 227 e 228 na
Constituição Federal. Este último estabeleceu que são penalmente inimputáveis
os menores de 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial, ou seja, não
são punidos no âmbito do Código Penal, mas, sim, no âmbito das sanções previstas, atualmente, no Estatuto da Criança e Adolescente13. Assim, ao adolescente são aplicadas as medidas protetivas e/ou socioeducativas e às crianças as
medidas protetivas, medidas estas que tem natureza diferente daquelas aplicadas aos adultos. Além disso, a idade da imputabilidade penal foi elevada a nível
constitucional e, pela primeira vez, pode, não sem controvérsias, ser computada
dentre as garantias e direitos fundamentais.
Já o outro dispositivo constitucional consolidou os direitos e garantias
da criança e do adolescente, adotando a absoluta prioridade na proteção de seus
interesses, que corresponde ao sistema de garantias da doutrina da proteção integral.
Pela doutrina da proteção integral significa dizer que as crianças e adolescentes são titulares de direitos, sujeitos, e não objetos, de direitos e, mais
que isso, caracterizam-se pela condição peculiar de pessoa em desenvolvimento,
pela absoluta prioridade com que devem ser tratados em face aos demais e em
todas as áreas de atuação do Estado. Maciel (2011, p. 396) salienta que “crianças e adolescentes possuem o status de sujeitos de direitos, dignos de proteção
especial, em razão da sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, independentemente de sua situação socioeconômica”, ao contrário de outras normas que se destinavam quase que exclusivamente à camada mais pobre da população. Para Rossato (2013, p. 74):
bons costumes; b) exploração em atividade contrária aos bons costumes; IV – privado de representação ou assistência legal, pela falta
eventual dos pais ou responsável; V – com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; VI – autor de
infração penal. Parágrafo único. Entende-se por responsável aquele que, não sendo pai ou mãe, exerce, a qualquer título, vigilância,
direção ou educação de menor, ou voluntariamente o traz em seu poder ou companhia, independentemente de ato judicial.
13 Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990.
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
48
Anotações sobre a imputabilidade penal de
crianças e adolescentes no Brasil
Em verdade, o art. 227 representa o metaprincípio da prioridade absoluta dos direitos da criança e do adolescente,
tendo como destinatários da norma a família, a sociedade
e o Estado pelo constante incentivo à criação de políticas
públicas. Trata-se de uma responsabilidade que, para ser
realizada, necessita de uma integração, de um conjunto
devidamente articulado de políticas públicas. Essa competência difusa, que responsabiliza uma diversidade de
agentes pela promoção da política de atendimento à criança e ao adolescente, tem por objetivo ampliar a próprio
alcance da proteção dos direitos infanto-juvenis. Note-se
que a fundamentalidade desses dispositivos é tamanha que
contou com reprodução praticamente integral no art. 4º do
ECA.
Desse modo, a doutrina da proteção integral busca garantir direitos às
crianças e adolescentes, indivíduos em estágio de desenvolvimento e, em contrapartida, estabelecer deveres para a família, a sociedade e o Estado, responsáveis pela implementação das condições necessárias ao seu saudável crescimento.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nos textos e períodos selecionados durante o estudo, é possível
notar um movimento progressivo, apesar de alguns retrocessos, no sentido de se
aumentar a idade limite da imputabilidade, bem como uma mudança do regime
jurídico de crianças e adolescentes, com o abandono do sistema penal, passando por uma política assistencialista e culminando em um conjunto de doutrinas
e princípios protetivos que garantam as condições adequadas para o desenvolvimento de crianças e adolescentes, respeitando sua condição peculiar.
Tanto é que nas Ordenações Filipinas o menor de 17 anos poderia ser
condenado à morte, no Código Criminal do Império o menor de 14 anos, apesar de inimputável, poderia ser encaminhado às casas de correção, no Código
Penal Republicano o menor de 9 anos era considerado inimputável, dos 9 aos
14 anos havia a análise do discernimento e dos 14 aos 17 anos aplicava-se uma
pena atenuada.
No Código Mello Mattos, destinado aos menores abandonados e delinquentes, com ênfase assistencialista e na quebra dos vínculos familiares, o menor entre os 14 e 18 anos era punido com pena atenuada e, finalmente, no ainda
vigente Código Penal de 1940, a imputabilidade é adquirida aos 18 anos completos, não se olvidando que o Código de Menores se destinava aos menores em
situação irregular.
Foi lembrada ainda a tentativa frustrada de um novo Código Penal, em
1969, que previa uma análise de discernimento do maior de 16 anos.
Por fim, a Constituição Federal de 1988, ao ser promulgada, textualmente afirmou a inimputabilidade dos menores de 18 anos, o que pode ser considerado um direito fundamental, no sentido das denominadas liberdades negativas,
que limitam a atuação estatal nos âmbitos da vida e liberdade do cidadão, ainda
que crianças e adolescentes, e determinou também um sistema de proteção esRevista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
Anotações sobre a imputabilidade penal de
crianças e adolescentes no Brasil
49
pecial consubstanciado no Estatuto da Criança e do Adolescente, que adotou a
doutrina da proteção integral, consistindo em um conjunto de princípios destinados à proteger toda as dimensões peculiares que envolvem a infância e a juventude, assinalando à família, à sociedade e ao Estado o dever de garantir-lhes
o sadio desenvolvimento.
9. REFERÊNCIAS
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pela Lei n. 7.209, de 11 de julho de 1984. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
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______. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 08 de outubro
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Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
______.; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de Direito Penal Brasileiro: Volume I –
Parte Geral. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo; CUNHA, Rogério Sanches. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado artigo por artigo. 5. ed. rev., atual. e
ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
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Disponível em: <http://jij.tjrs.jus.br/paginas/material-de-apoio/edicao-02.pdf>. Acesso
em 18 dez. 2014.
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Avaliação dos efeitos da corrente russa na
reabilitação da musculatura respiratória em idosos
portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica
Pâmela de Rezende Santos1
[email protected]
Miriangrei Letieri2
[email protected]
Isabela Scali Lourenço Simon3
[email protected]
RESUMO
A Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica é uma doença irreversível e
progressiva. A maioria dos pacientes apresentam fraqueza na musculatura respiratória e diminuição na qualidade de vida. A EENM com corrente
Russa tem grande resultado no fortalecimento muscular. O objetivo desse
estudo foi avaliar os efeitos da corrente Russa na musculatura respiratória,
na sintomatologia e na qualidade de vida dos pacientes com DPOC. Participaram 4 pacientes com idades entre 65 e 86 anos, que foram submetidos
ao tratamento com corrente Russa, três vezes por semana, totalizando 15
sessões. Obtiveram-se resultados positivos nos valores de Pimáx, PEmáx,
melhora na qualidade de vida e diminuição da dispneia. Conclui-se que o
uso da corrente Russa no tratamento da DPOC é eficaz, propiciando maior
independência para os pacientes em suas AVD’s e fortalecendo a musculatura respiratória.
Palavras-chave
Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica, Reabilitação Pulmonar, Corrente
Russa, Fortalecimento da Musculatura Respiratória, Fisioterapia.1
ABSTRACT
The Chronic Obstructive Pulmonary Disease is an irreversible and
progressive disease. Most patients have respiratory muscle weakness and decreased quality of life . NMES with Russian current has great result in muscle strengthening. The aim of this study was to evaluate the effects of Russian
1 Pâmela de Rezende Santos – Bacharel em Fisioterapia pelo UNIFEG.
2 Miriangrei Letieri - Especialização em Reabilitação Aplicada à Neurologia Infantil pela Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP). Docente do curso de Fisioterapia do UNIFEG.
3 Isabela Scali Lourenço Simon – Mestrado em Morfologia e Medicina Experimental pela Universidade de São Paulo (USP). Docente do curso de Fisioterapia do UNIFEG.
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Avaliação dos efeitos da corrente russa na reabilitação da musculatura
respiratória em idosos portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica
current in respiratory muscles in symptoms and quality of life of patients with
COPD. Participated in 4 patients aged 65 to 86 years , who underwent treatment with Russian current , three times a week , totaling 15 sessions . Positive
results were obtained in MIP values ,​​ MEP , improved quality of life and decreased dyspnea . We conclude that the use of Russian current in the treatment
of COPD is effective , providing greater independence for patients in their
ADLs and strengthening the respiratory muscles.
1. INTRODUÇÃO
A Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) é uma doença irreversível e progressiva, que acomete os pulmões. As principais características são
a destruição de vários alvéolos e o comprometimento do sistema respiratório
Ocorre também um processo inflamatório que produz alterações nos brônquios,
bronquíolos e parênquima pulmonar. Os sinais e sintomas mais frequentes são:
a limitação do fluxo das trocas dos gases, hiperinsuflação dinâmica que encurta
as fibras musculares do diafragma, a fadiga muscular e a insuficiência respiratória (SBPT, 2004).
Caracteriza-se como DPOC a Bronquite Crônica, que é caracterizada
pela excessiva produção de muco na árvore brônquica e o Enfisema Pulmonar,
que tem como característica a dilatação anormal dos espaços aéreos distais aos
bronquíolos terminais, acompanhada pela destruição de suas paredes (CARVALHO, 2005).
A DPOC é uma das principais causas de mortalidade e morbidade no
mundo. No Brasil estima-se que cerca de 5,5 milhões de pessoas tenham DPOC,
ocupando entre a 4ª e a 7ª posição entre as principais causas de morte no país e
é a principal causa de internações por problemas respiratórios,essa é uma taxa
sempre crescente (JEZLER et al, 2007). Seu diagnóstico é feito a partir dos sintomas, como tosse, secreção, dispneia e sibilos, exposição aos fatores de risco,
espirometria (pré e pós-broncodilatador) e outros exames, como radiografia de
tórax e gasometria (SBPT, 2004). De acordo com SBPT/ II Consenso Brasileiro de DPOC os principais fatores de risco para a patologia são: tabagismo, poeira ocupacional, irritantes químicos, fumaça de lenha, infecções respiratórias
graves na infância e condição socioeconômica (fatores externos), deficiência de
alfa- 1 antitripsina e de glutatinona transferase e hiperresponsividade brônquica.
Hoje em dia há várias terapias para o tratamento da doença. Algumas são
a oxigenoterapia, fisioterapia respiratória (exercícios de tosse, drenagem postural, desobstrução da árvore brônquica, entre outros), os exercícios resistidos
para musculatura respiratória, a suplementação de esteroides anabolizantes, creatina e a Estimulação Elétrica Neuromuscular (EENM) (VASCONCELOS et al,
2005). Com essas intervenções haverá uma melhora da sobrevida do paciente, um aumento da capacidade de ventilação/perfusão, reeducação postural e da
musculatura inspiratória e expiratória e maior independência do paciente.
A Corrente Russa é um aparelho de EENM muito utilizado na fisioterapia, que demonstra grande resultado para o crescente ganho de força muscular,
podendo produzir ganho de força 30 a 40% maiores que a máxima contração voRevista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
Avaliação dos efeitos da corrente russa na reabilitação da musculatura
respiratória em idosos portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica
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luntária, mesmo em pessoas sadias, pois atua no ventre muscular fortalecendo
e aumentando o volume da musculatura. É uma corrente de média frequência
portadora 2.500 a 5.000Hz, com uma modulação para produzir 50 bursts por segundo (bps) (OLIVEIRA et al, 2009).
Esse estudo teve como objetivo avaliar os efeitos da eletroestimulação
com Corrente Russa na musculatura respiratória, que se torna comprometida em
pacientes com DPOC, através da avaliação dos valores de Pressão Inspiratória
máxima (PImáx), Pressão Expiratória máxima (PEmáx), dos sintomas da patologia e da análise da qualidade de vida dos participantes da pesquisa.
2. MATERIAIS E MÉTODOS
Esse estudo caracterizou-se como uma pesquisa clínica experimental, realizado nas dependências da Clínica de Fisioterapia Maria de Almeida Santos
do Centro Universitário da Fundação Educacional Guaxupé (UNIFEG), no setor
Cardiopulmonar e Metabólicos. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob protocolo nº 365/14, e os participantes manifestaram-se de
acordo, por meio de assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Participaram da pesquisa idosos portadores de DPOC com idades entre
65 e 86 anos e os critérios de exclusão foram: ter realizado cirurgias recentes,
ter déficit cognitivo, usar marca-passo, apresentar tumor, estar em tratamento fisioterápico para a patologia e possuir algum outro tipo de contraindicação para
eletroterapia.
Primeiramente foram selecionados 4 pacientes (3 do sexo feminino e 1
do sexo masculino) portadores de DPOC e foi realizado a avaliação respiratória,
mensurando a Pressão Inspiratória máxima (PImáx) e Pressão Expiratória máxima (PEmáx) com manovacuômetro analógico da marca Comercial Médica. Foi
também mensurada a cirtometria de tórax e abdômen, com uma fita métrica, e
a ausculta pulmonar com estetoscópio da marca Littman. Verificou-se os sinais
vitais, como pressão arterial (PA), com esfigmomanômetro da marca Bic, frequência cardíaca (FC) por meio da contagem do pulso radial esquerdo durante
1 minutos, saturação periférica de oxigênio (SpO2), com oxímetro de pulso da
marca IMFTec e aplicada a escala de BORG. Os pacientes também responderam
ao Questionário de Vias Aéreas 20 (“Airways questionnaire 20”) e ao Perfil do
Estilo de Vida Individual (PEVI).
O tratamento proposto foi a EENM com Corrente Russa, da marca Ibramed, para fortalecer a musculatura abdominal, que auxilia na respiração. Os
eletrodos foram colocados em região do diafragma e reto abdominal, com a utilização de gel clínica (para uma maior condutibilidade) e fixada com fita adesiva, por 15 minutos (fig.1). Quando a corrente ligava, os pacientes realizavam a
respiração diafragmática, contraindo a musculatura abdominal. Os parâmetros
utilizados na corrente foram: Sync, frequência de 50Hz, 3 rise, 20 on, 3 decay e
10 off. Foram realizadas três sessões semanais intervaladas de um dia, durante
cinco semanas, totalizando 15 sessões.
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Avaliação dos efeitos da corrente russa na reabilitação da musculatura
respiratória em idosos portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica
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FIGURA 1- Posicionamento dos eletrodos
Fonte: Arquivo do próprio autor, out/2014.
Ao final do tratamento a avaliação respiratória foi novamente mensurada
e os pacientes responderam aos mesmos questionários.
Para análise da estatística foi utilizado o programa GraphPad InStat®,
sendo realizada a análise de dados de forma descritiva.
3. RESULTADOS
A análise dos resultados demonstra que houve mudanças em todos os dados mensurados, conforme tabela 1. Porém, estatisticamente, não houve uma diferença significativa nas comparações iniciais e finais dos dados nos pacientes,
abaixo demonstrados.
INÍCIO
DADOS AVALIADOS
FINAL
MÉDIA
±
DP
MÉDIA
±
DP
PRESSÃO ARTERIAL SISTÓLICA
132,5
±
34,03
122,5
±
17,08
PRESSÃO ARTERIAL DIASTÓLICA
77,5
±
15
77,7
±
17,08
FREQUÊNCIA CARDÍACA
71,25
±
7,5
68,25
±
6,4
BORG
4,25
±
3,5
4,25
±
2,06
SpO2
95,25
±
3,77
96,25
±
1,5
TABELA 1: Análise estatística descritiva dos dados avaliados nos pacientes no início e no final do tratamento.
*p>0,05 – diferença não significativa nas comparações inicias e finais.
Os dados de PImáx e PEmáx também obtiveram diferença pré e pós tratamento. Os valores de PImáx inicial atingiram uma média de -27,5 cmH20 com
desvio padrão (DP) de ± 18,11cmH20 e os valores finais foram média de -56,25
cmH20 com DP ± 11,09, com um p=0,05, ou seja, houve diferença significativa
entre as avaliações iniciais e finais. A figura 2, mostra o aumento dos valores de
PImáx de cada participante do estudo.
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Avaliação dos efeitos da corrente russa na reabilitação da musculatura
respiratória em idosos portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica
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FIGURA 2: Valores de PImáx pré e pós em cada paciente.
Já os dados de PEmáx inicial obteve média de 33,75cmH20 ± 20,56 e os
de PEmáx final média de 52,5 cmH20 ± 5. O valor de p foi de 0,1, constando, assim, que as avaliações iniciais e finais não apresentaram diferença estaticamente
significativa, ainda que seja possível observar mudança nos valores de PEmáx
em cada paciente, conforme está descrito na figura 3.
FIGURA 3: Valores de PEmáx pré e pós em cada paciente.
No questionário aplicado PEVI, houve uma mudança da média de 33,25
pontos ±7,41 para média de 43 pontos ±10,07, de um total de 60 pontos, com
valor p=0,05. Os resultados do questionário Aéreas 20 estão descrito na tabela 2. Obteve-se uma média de respostas “SIM” de 9 ±3,83 no início e de 11,25
±4,35 no final do tratamento, com um resultado de p=0,44. A média de respostas
“NÃO” foi de 9,5 ±3,11 no início e de 8,25 ±3,30 no final, com valor de p=0,56.
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Avaliação dos efeitos da corrente russa na reabilitação da musculatura
respiratória em idosos portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica
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PARTICIPANTES
INÍCIO
FINAL SIM
NÃO
N/A
SIM
NÃO
1
4
13
2
12
8
2
12
8
0
17
4
3
8
11
1
7
12
4
12
6
2
9
9
TABELA 2: Descrição dos resultados do questionário Aéreas 20.
SIM: o sintoma da doença pulmonar causa efeito na sua vida diária.
NÃO: o sintoma da doença não causa efeito na sua vida diária.
N/A: não se aplica.
4. DISCUSSÃO
A DPOC, geralmente, é uma doença progressiva nos seus sintomas, principalmente a dispneia, que vai interferir em vários aspectos na vida dos pacientes, sejam eles profissionais, sociais, familiares e nas atividades de vida diária
(AVD’s). Outro fator que causa prejuízo na qualidade de vida desses pacientes
é a fraqueza da musculatura periférica e respiratória e a deterioração da função
pulmonar, que irá acarretar a piora da dispneia e intolerância aos esforços. Esses
fatores podem proporcionar o aparecimento de quadros de ansiedade e depressão (KOENIG, DINIZ, NASCIMENTO, 2010).
Antes de iniciar o tratamento proposto nesse estudo, os pacientes apresentavam-se muito dispneicos e com a qualidade de vida diminuída, avaliados
pelos questionários PEVI, Aéreas 20 e pela escala de BORG modificada. Observou-se que essas alterações ocorreram devido à interferência da doença na
vida desses pacientes, conforme descrito por KOENIG, DINIZ e NASCIMENTO (2010). Após o tratamento, os pacientes relataram uma melhora na dispneia,
avaliada pela escala de BORG modificada, e uma maior independência para realizar suas AVD’s, avaliada pelos questionários. Esses fatos podem ser justificados pelo aumento da PImáx e PEmáx que estão diretamente relacionadas com o
aumento da força e da resistência da musculatura respiratória.
A PImáx é um índice da força dos músculos inspiratórios (diafragma e
intercostais) e é denominada pela maior pressão possível de ser gerada durante a
inspiração forçada contra uma via aérea ocluída, enquanto a PEmáx mede a força dos músculos expiratórios (abdominais e intercostais), que é a maior pressão
gerada numa expiração forçada contra uma via aérea ocluída (RIBEIRO, 2007).
A avaliação da força muscular respiratória (FMR) pelas pressões respiratórias
máximas (PImáx e PEmáx) é muito utilizada por ter importante papel no diagnóstico e prognóstico de doenças neuromusculares, pulmonares e cardiovasculares, sendo um método simples, com baixo custo, prático e não invasivo, além
de estar associada ao estado de saúde de um indivíduo. Essas pressões são avaliadas pela boca e refletem a pressão que é produzida nos alvéolos pela ação dos
músculos da respiração (FOLIO et al, 1994).
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Avaliação dos efeitos da corrente russa na reabilitação da musculatura
respiratória em idosos portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica
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Participaram do estudo proposto 3 mulheres (pacientes 1, 3 e 4) e 1 homem (paciente 2) e pode-se observar que as mulheres apresentaram valores de
pressões respiratórias inferiores ao do homem participante do estudo, como observado por outros investigadores (SARMENTO, 2009).
Outro fator importante que se observou foram as idades dos pacientes,
todos acima de 68 anos, sendo dessa forma, considerados indivíduos idosos em
países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, conforme descrição da Organização Mundial de Saúde ( INAGAKI et al). Alguns estudos comprovam que
há diferença na FMR entre jovens e idosos, como descreve KIM e SAPIENZA
(2005) onde relatam que uma das principais modificações no sistema respiratório com o avançar da idade é a diminuição do recolhimento elástico dos pulmões
e da complacência da caixa torácica.
A própria fisiopatologia da DPOC vem também justificar a diminuição da força da musculatura respiratória desses pacientes. Portadores de DPOC
apresentam efeitos sistêmicos, com ênfase na disfunção muscular esquelética,
que inclui perda progressiva da massa muscular esquelética e presença de anomalias bioenergéticas. Esses efeitos resultam em consequências clínicas importantes, contribuindo para a limitação da capacidade física e acarretando em um
declínio da condição de saúde desses pacientes (KUNIKOSHITA et al, 2006)
Todos esses fatores citados acima (idade e sexo dos pacientes e a própria
patologia) justificam os sinais e sintomas apresentados pelos participantes desse
presente estudo antes do tratamento proposto, onde apresentaram diminuição da
FMR, com baixos valores da PImáx e da PEmáx, e a importância de se fortalecer os músculos da respiração nos pacientes portadores da patologia em questão.
A corrente Russa foi contemplada nesse estudo por ser uma corrente de
média frequência (2.500 Hz) com alta tolerabilidade, porque além de não promover fadiga muscular, é mais agradável quando comparada a corrente de baixa
frequência, e capacidade de recrutamento gerando força e hipertrofia muscular
(OLIVEIRA et al, 2009). Foi escolhido a frequência de 50Hz pelas características das fibras (mistas) dos músculos diafragma e reto abdominal (MEIRELES et
al, 2012). Em relação ao tempo de aplicação da corrente, foi escolhido 15 minutos porque se ultrapassar 20 minutos, a corrente se torna desagradável e poderá
ocorrer fadiga da musculatura (OLIVEIRA et al, 2009).
BAFILLE e ANDRADE realizaram um estudo de recrutamento do diafragma com estimulação elétrica transcutânea em pacientes com bronquite e enfisema pulmonar. No estudo participaram três pacientes com idades entre 21 e
70 anos, onde foram submetidos à EE transcutânea com o ECOR (aparelho que
produz corrente excitomotoras) três vezes por semana durante 30 minutos, por
45 dias. Em seus resultados, os participantes demonstraram um aumento em sua
capacidade expiratória máxima e uma diferença significativa na qualidade de
vida.
O único estudo encontrado de fortalecimento da musculatura respiratória
com corrente russa foi um relato de caso com um paciente do sexo masculino,
66 anos, ex-fumante, diagnosticado com DPOC grave. O programa de tratamento constou de três sessões semanais durante 15 minutos, totalizando 30 aplicações. Foi utilizada a corrente de média frequência (2.500 Hz modulada 50 Hz)
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
58
Avaliação dos efeitos da corrente russa na reabilitação da musculatura
respiratória em idosos portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica
em região de transverso do abdômen e reto abdominal com quatro canais. Os resultados da pesquisa foram satisfatórios, havendo incremento de 33% na PImáx
e de 39% na PEmáx (OLIVEIRA et al, 2009).
Assim como nos estudos acima citados, foram encontrados resultados satisfatórios nas forças das musculaturas inspiratória e expiratória dos pacientes.
Houve um incremento de 23,9% na PImáx, demonstrando assim uma diferença
significativa pré e pós tratamento (p<0,05), e de 15,6% na PEmáx, não demonstrando uma diferença significativa, mas evidenciando um aumento na força da
musculatura expiratória. Esses resultados são justificados pela hipertrofia causada pelas contrações da corrente Russa, como demonstra um estudo realizado
em São José dos Campos por SANTOS; NICOLAU; PACHECO (2006), onde
comparou o antes e depois de um tratamento com o fortalecimento do músculo reto abdominal com corrente Russa em nove mulheres que tenham tido duas
gestações completas. Eles utilizaram oito canais da corrente no abdômen, sendo
apenas dois canais colocados em região de reto abdominal. Como resultado, obtiveram um fortalecimento da musculatura reto abdominal (p<0,001) e aumento
de 13,6% na espessura transversal da musculatura, mensurada por meio de ultrassonografia, o que resultou numa hipertrofia muscular.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse estudo demonstrou ser eficaz a EENM com corrente Russa em pacientes diagnosticados com DPOC, havendo um incremento nos valores de PImáx, com diferença estatisticamente significativa, e PEmáx, não apresentando
diferença estatisticamente significativa, e apresentando uma melhora na qualidade de vida desses pacientes.
Embora tendo resultados benéficos, outros estudos devem ser realizados,
pois essa é uma área bem escassa de pesquisas, e estudos com números maiores de pacientes e sessões podem evidenciar melhor os benefícios do tratamento
com a eletroestimulação diafragmática em pacientes com DPOC.
6. REFERÊNCIAS
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respiratória em idosos portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica
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Avaliação pré e pós-operatória de
pacientes portadores de osteoartrose de
quadril submetidos à artroplastia
Priscila Souza Batista1
Luís Henrique Sales Oliveira2
Luiz Henrique Gomes Santos3
RESUMO
A artroplastia do quadril tem sido a saída que os cirurgiões ortopédicos
tem encontrado para a melhora dos padrões de funcionalidade em pacientes
com osteoartrite de quadril, mesmo antes de avaliar a eficácia de um tratamento conservador. Para isso, o presente trabalho, verificou os efeitos desta intervenção na qualidade de vida e funcionalidade (por meio de escalas de avaliação (SF36 e Hip Harris Score) de pacientes pós operatórios de Artroplastia e
posteriormente submetidos ao programa de Fisioterapia. No período pré-operatório, 4 pacientes apresentaram muita dor e claudicação moderada, 3 incapacidade de amarrar os sapatos e permanecerem sentados por muito tempo. No
pós-operatório 5 pacientes apresentaram ausência de dor, capazes de amarrar
os sapatos permanecerem sentados por muito tempo e claudicação moderada.
3 deles realizaram hidroterapia após a fisioterapia e tiveram uma melhora considerável. Conclui-se que, artroplastia total de quadril proporciona melhora na
amplitude de movimento articular, ausência de dor e agilidade para realizar as
atividades funcionais diárias, porém o programa de Fisioterapia se torna recurso primordial para acelerar o retorno.
Palavras-Chave
Quadril, Osteoartrose, Artroplastia, Reabilitação.
ABSTRACT
The hip arthroplasty has been output to orthopedic surgeons have found
for the improvement of functionality patterns in patients with osteoarthritis of
the hip even before assessing the efficacy of a conservative treatment. For this,
the present study examined the effects of this intervention on quality of life and
functionality of postoperative patients arthroplasty and subsequently submitted to Physical Therapy program. In the preoperative period, 4 patients experienced much pain and moderate lameness, 3 inability to tie his shoes and re1 Priscila Souza Batista. Bacharel em Fisioterapia pelo UNIFEG.
2 Luiz Henrique Sales de Oliveira. Doutorado em Ciências da Saúde (Cirurgia Plástica) pela UNIFESP.
3 Luiz Henrique Gomes Santos. Mestrado em Biotecnologia pela Universidade de Ribeirão Preto. Docente e Coordenador do curso
de Fisioterapia do UNIFEG.
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
Avaliação pré e pós-operatória de pacientes portadores
de osteoartrose de quadril submetidos á artroplastia
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main seated for long. Postoperatively 5 patients had no pain, able to tie your
shoes remain seated for long and moderate claudication. 3 of them underwent
hydrotherapy after physiotherapy and had a considerable improvement. In conclusion, total hip arthroplasty provides improved joint range of motion, no pain
and agility to perform daily functional activities, but physical therapy program
becomes paramount feature to speed up the return.
1. INTRODUÇÃO
A Osteoartrose é uma doença de origem reumática, caracterizada pela
degeneração das articulações sinoviais, apresentando alterações na cartilagem
articular, microfraturas no osso subcondral e formação de osteófitos nas bordas
articulares1,2. Está relativamente associada com rigidez articular, dor, perda progressiva da função e deformidade, podendo causar diminuição da qualidade de
vida do indivíduo e aumento progressivo da doença 3.
Sendo assim, Buckwalter e Martin, afirma que o tratamento da doença
na fase inicial contribui na qualidade de vida reduzindo a progressão da doença4. Portanto, o tratamento visa à melhora clínica, mecânica e funcional do indivíduo.
A fisioterapia desempenha um grande papel no que se refere à melhora
dos sintomas, Contribuindo para a reabilitação, facilitando a melhora da função,
coordenação, relaxamento muscular, postura e autoestima do mesmo5.
A hidroterapia é usada como um complemento da fisioterapia, a relação
entre as duas modalidades é perfeita desde que possa ser tolerada pelo paciente,
tem como objetivo a progressão de exercícios para manter e melhorar a capacidade física e as atividades de intervenção de vida diária dos pacientes6.
O tratamento farmacológico inclui antiinflamatórios e analgésicos, já
o não farmacológico incluem exercícios terapêuticos e programas educativos,
além de outros recursos como o uso de órteses e a hidroterapia5,7. Quando a
osteoartrose se mostra em uma fase avançada, apresentando perda da função,
deformidade física, ou até mesmo quando o tratamento conservador se torna
ineficiente, existem os tratamentos cirúrgicos que incluem desbridamentos artroscópicos, osteotomias e artroplastias, tendo como objetivo melhorar a função
e a qualidade de vida do indivíduo2,8. No progresso das novas técnicas cirúrgicas está relacionada com a substituição da articulação do quadril, melhorando a
função e a qualidade de vida9.
O objetivo do presente estudo é avaliar a funcionalidade e a qualidade de
vida dos indivíduos sujeitos á artroplastia total de quadril.
2. METODOLOGIA
O estudo foi realizado com seis pacientes de ambos os sexos, portadores
de osteoartrose sujeitos á artroplastia total de quadril, com exame radiográfico e
diagnóstico médico com indicação cirúrgica. Foram excluídos do estudo os que
não apresentam o diagnóstico médico com a indicação cirúrgica.
A Tabela 1 apresenta o número de pacientes em relação ao sexo, idade e
o lado operado, sendo três do sexo masculino e três do sexo feminino. Dos seis,
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Avaliação pré e pós-operatória de pacientes portadores
de osteoartrose de quadril submetidos á artroplastia
63
quatro apresentaram osteoartrose idiopática do lado direito e os outros dois apresentam necrose asséptica da cabeça femoral do lado esquerdo. A idade é entre 42
e 80 anos, com idade média de 66,33 anos.
Tabela 1
Dados dos seis indivíduos submetidos á artroplastia total de quadril.
(M) Masculino; (F) Feminino; (D) Direito; (E) Esquerdo.
N
Sexo
Idade
Lado
1
F
68
D
2
M
42
D
3
M
71
D
4
F
80
E
5
M
72
E
6
F
65
D
Os pacientes foram submetidos aos questionários e escalas específicos da
patologia, no período pré-operatório e pós-operatório.
O questionário sobre dor e atividade de intervenção de vida diária
(AIVD) - Harris Hip Score (1969) modificado, que constitui em uma escala que
avalia os parâmetros de dor, função, amplitude de movimento articular e deformidades. A pontuação varia de 0 á 100, sendo que a menor pontuação indica
maior comprometimento da doença9. ANEXO 01
O questionário de Índice de Woman para osteoartose construiu em um
questionário que avalia a intensidade da dor, intensidade da rigidez, e atividade
de vida diária, sabendo que a maior pontuação indica maior comprometimento
da doença10, 11,12. ANEXO 02
O questionário Algofuncional Lequesne, constitui em um questionário
que avalia a dor ou desconforto, a máxima distância percorrida com dor e atividades de vida diária, sendo que a maior pontuação indica maior grau de acometimento da doença13,14,15. ANEXO 03
Após o período de pós-operatório, foram realizadas trinta e seis sessões de
fisioterapia com os seis pacientes, sendo três vezes por semana durante três meses.
Tabela 2 – Protocolo de atendimento fisioterapêutico proposto
Semana
1º, 2º e 3º
Fisioterapia
Eletroestimulação em glúteo médio por 10’;
Alongamento de isquiotibiais, quadríceps e glúteo médio;
Fortalecimento de quadríceps, isquiotibiais, abdutores de quadril, com 0,5kg em 3x10 repetições;
Miniagachamento em 3x10.
Treino de Marcha.
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Avaliação pré e pós-operatória de pacientes portadores
de osteoartrose de quadril submetidos á artroplastia
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4º, 5º e 6º
7º, 8º e 9º
10º, 11º e
12º
Eletroestimulação por 10’ associado ao fortalecimento de glúteo médio (fibras posteriores), com 1kg;
Alongamento de isquiotibiais, quadríceps e glúteo médio;
Fortalecimento de quadríceps, isquiotibiais, abdutores de quadril, com 1kg em 3x15 repetições;
Agachamento em 3x10;
Esteira por 12’ (velocidade 3)
Eletroestimulação por 10’ associado ao fortalecimento de glúteo médio (fibras posteriores),com 1kg;
Alongamento de isquiotibiais, quadríceps e glúteo médio;
Fortalecimento de quadríceps, isquiotibiais, abdutores de quadril, com 1kg em 3x20 repetições;
Agachamento em 3x10 com 1kg.
Esteira por 15’ (velocidade 4)
Eletroestimulação por 10’ associado ao fortalecimento de glúteo médio (fibras posteriores), com 1kg;
Alongamento de isquiotibiais, quadríceps e glúteo médio;
Fortalecimento de quadríceps, isquiotibiais, abdutores de quadril, com 1,5kg em 3x20 repetições;
Agachamento em 3x10 com 1kg.
Esteira por 20’ (velocidade 4)
Três deles realizavam fisioterapia e também a hidroterapia duas vezes
por semana durante os três meses. Tabela 3.
Tabela 3 – Protocolo de intervenção na Hidroterapia
Semana
Hidroterapia
1º, 2º e 3º
Caminhada multidirecional por 10’;
Alongamento de isquiotibias e quadríceps;
Fortalecimento de abdutores de quadril, quadríceps, com caneleira flutuadora em 3x15;
Subir e descer do step em 3x15.
4º, 5º e 6º
7º, 8º e 9º
Caminhada multidirecional por 10’;
Alongamento de isquiotibias e quadríceps;
Fortalecimento de abdutores de quadril, quadríceps, com caneleira flutuadora em 3x20;
Subir e descer do step em 3x20;
Exercício de bicicleta com espaguete.
Caminhada multidirecional por 10’;
Alongamento de isquiotibias e quadríceps;
Fortalecimento de abdutores de quadril, quadríceps, com caneleira flutuadora em 3x15;
Subir e descer do step em 3x20;
Exercício de bicicleta com espaguete.
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Avaliação pré e pós-operatória de pacientes portadores
de osteoartrose de quadril submetidos á artroplastia
10º, 11º e
12º
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Caminhada multidirecional por 10’;
Alongamento de isquiotibias e quadríceps;
Fortalecimento de abdutores de quadril, quadríceps, com caneleira flutuadora em 3x15;
Subir e descer do step em 3x20;
Pular na cama elástica por 5’;
Propriocepção na cama elástica com apoio unipodal;
Exercício de bicicleta com espaguete.
3. RESULTADOS
Foi observado que na fase pré-operatória, 4 pacientes apresentaram dores consideravelmente fortes, incapacidade para subir escadas, realizar caminhadas, rigidez e desconforto noturno. Na avaliação realizada no período pós-operatório 5 pacientes declararam ausência de dor e desconforto noturno, além
de apresentar melhora na capacidade funcional a ponto de subir escadas e fazer
caminhada. Foi observado também que 1 paciente apresentava dificuldade em
subir escadas tanto no pré como no pós-operatório, e a limitação psicológica foi
um fato relacionado a esta, como a informação encontrada no relato de ter medo
de cair, portanto refere ausência de dor.
Foi observado que na fase pré-operatória, 3 pacientes relataram ser incapazes de amarrar os sapatos, e permanecer sentados por uma hora em uma cadeira qualquer. Fato este, que não foi encontrado na fase pós-operatória, pois 5
pacientes conseguiram realizar essas atividades e apenas um 1 paciente relatou
apresentar maior dificuldade.
Em relação ao uso de dispositivos auxiliares, foi observado que na fase
pré-operatória, 3 pacientes apresentavam claudicação grave, e faziam uso de
dispositivos de marcha (bengala) e os outros 3 pacientes, apresentavam padrão
de claudicação moderada. Na avaliação destes na fase pós-operatória, 5 apresentaram claudicação discreta e apenas 1 paciente necessita de dispositivo de auxilio á marcha.
Os pacientes que foram submetidos à intervenções com recursos aquáticos, todos relataram melhoras excelentes no ponto de vista funcional, fato que
aumentaram os índices de qualidade de vida.
4. DISCUSSÃO
Uma vez que se trata de uma doença crônica, que causa dor, incapacidade
articular e comprometimento da qualidade de vida, diversos estudos são realizados com o intuito de proporcionar a melhor qualidade de vida para os pacientes
que apresentam osteoartrose de quadril.
Segundo Cecin, Galati e Ribeiro16 o tratamento de osteoartrose é baseado
em diminuir sintomas e prevenir sua evolução.
De acordo com Greve17 no que diz respeito á melhora da função e dos
sintomas, o tratamento fisioterapêutico aliado á hidroterapia são importantes recursos para a qualidade de vida e consequente melhora da expectativa de vida
dos pacientes.
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de osteoartrose de quadril submetidos á artroplastia
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Marques e Kondo18 concluíram que a fisioterapia é de ação benéfica e
auxilia no controle de sintomas, quanto á melhora da qualidade de vida, sendo
assim, para o paciente com osteoartrose grave, é de grande importância à substituição da área lesada. Para isso, o tratamento cirúrgico se torna um dos principais recursos, servindo para proporcionar principalmente, ausência de dor e consequentemente, maior mobilidade.
Coimbra et al19 informa que a atuação da fisioterapia no período de pré-operatório e pós-operatório é de grande importância, proporcionando melhorias
quanto á recuperação e qualidade de vida do paciente.
Conclui-se então que o paciente portador de osteoartrose submetido à
artroplastia total de quadril tem melhora na amplitude de movimento articular,
ausência de dor e agilidade para realizar as atividades, e que se submetido à programas de recuperação funcional com Fisioterapia e hidroterapia terá melhora
nas expectativas de vida diária.
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ANEXO 01
HARRIS HIP SCORE
DOR:
( ) Não tem , ou é ignorada. (44)
( ) Discreta, ocasionalmente (40)
( ) Ligeira. (30)
( ) Moderada, tolerável.(20)
( ) Marcada. (10)
( ) Incapacitante.(0)
TOTAL:_______
FUNÇÃO
MARCHA – CLAUDICAÇÃO:
( ) Não tem. (11)
( ) Ligeira. (8)
( ) Moderada.(5)
( ) Severa ou com incapacidade de marcha.(0)
AUXILIARES DE MARCHA:
( ) Nenhum.(11)
( ) 1 Bengala em caminhadas longas.(7)
( ) 1 Bengala a maior parte do tempo.(5)
( ) 1 Canadense.(3)
( ) 2 Bengalas.(2)
( ) 2 Canadenses ou incapacidade de marcha. (0)
PERÍMETRO DE MARCHA:
( ) Limitado.(11)
( ) 1.000 metros.(8)
( ) 250-500 metros. (5)
( ) Deambula só em casa.(2)
( ) Só cama e cadeira.(0)
TOTAL:_______
ATIVIDADE FUNCIONAL – ESCADAS:
( ) Normalmente sem corrimão.(4)
( ) Normalmente, mas apoiado no corrimão.(2)
( ) Com grande dificuldade.(1)
( ) Incapaz de usar escadas.(0)
ATAR OS SAPATOS/ CALÇAR MEIAS:
( ) Facilmente.(4)
( ) Com dificuldade.(2)
( ) Incapaz.(0)
SENTAR-SE:
( ) Em cadeira normal (1hr ou mais).(5)
( ) Cadeira alta (ate 30 min).(3)
( ) Incapaz de sentar-se em cadeira (30 min).(0)
TRANSPORTES PÚBLICOS/AUTOCARRO:
( ) Pode utilizar.(1)
( ) Não consegue utilizar.(0)
MOBILIDADE:
( ) Flexão (0-140)._______ se somatório >210 (5)
( ) Abdução (0-50)._______ se somatório >160 e <209 (4)
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Avaliação pré e pós-operatória de pacientes portadores
de osteoartrose de quadril submetidos á artroplastia
70
( ) Adução (0-50)._______ se somatório >100 e <159 (3)
( ) Rot. Externa (0-50)._______ se somatório >60 e <99 (2)
( ) Rot. Interna(0-50)._______ se somatório >30 e<59 (1)
Somatório: _______se somatório >0 e <29 (1)
TOTAL:_______
DEFORMIDADE:
Contratura em flexão <30º ou ausente
( ) Sim
( ) Não
Contratura em adução,<10º ou ausente
( ) Sim ( ) Não
Contratura em rot. Interna( em extensão) <10º ou ausente
( ) Sim ( ) Não
Dismetria <3cm ou ausente
( ) Sim ( ) Não
(se 4x sim +4; Qualquer outra combinação=0)
TOTAL:_______
Assinale um só valor em cada uma das questões. Faça o somatório dos valores totais de dor e
função. Em mobilidade, faça o somatório das mobilidades e assinale a pontuação no intervalo
correspondente. Em deformidade marque sim ou não nas varias opções. Assinale o total de 4 só se
houver 4 respostas SIM, ou assinale 0 em todas as outras combinações. Calcule o score de harris
total, com a soma dos valores totais de dor, função,mobilidade e deformidade.
ANEXO 02
WOMAC PARA OSTEOARTROSE
Qual a intensidade da sua dor?
Caminhando em um lugar plano:
( ) Nenhuma. ( ) Pouca ( ) Moderada. (
Subindo e descendo escadas:
( ) Nenhuma. ( ) Pouca ( ) Moderada. (
A noite deitado na cama:
( ) Nenhuma. ( ) Pouca ( ) Moderada. (
Sentando-se ou deitando-se:
( ) Nenhuma. ( ) Pouca ( ) Moderada. (
Ficando em pé;
( ) Nenhuma. ( ) Pouca ( ) Moderada. (
TOTAL:_________
) Intensa. ( ) Muito intensa.
) Intensa. ( ) Muito intensa.
) Intensa. ( ) Muito intensa.
) Intensa. ( ) Muito intensa.
) Intensa. ( ) Muito intensa.
Qual a intensidade da rigidez?
Qual é a intensidade da sua rigidez logo após ao acordar de manha?
( ) Nenhuma. ( ) Pouca ( ) Moderada. ( ) Intensa. ( ) Muito intensa.
Qual é a intensidade da sua rigidez após se sentar, se deitar ou repousar no decorrer do dia?
( ) Nenhuma. ( ) Pouca ( ) Moderada. ( ) Intensa. ( ) Muito intensa.
TOTAL:_________
Qual é o grau de dificuldade que vc tem ao:
Descer escadas:
( ) Nenhuma. ( ) Pouca ( ) Moderada. ( ) Intensa. (
Subir escadas:
( ) Nenhuma. ( ) Pouca ( ) Moderada. ( ) Intensa. (
Levantar-se estando sentada:
( ) Nenhuma. ( ) Pouca ( ) Moderada. ( ) Intensa. (
Ficar em pé:
( ) Nenhuma. ( ) Pouca ( ) Moderada. ( ) Intensa. (
) Muito intensa.
) Muito intensa.
) Muito intensa.
) Muito intensa.
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
Avaliação pré e pós-operatória de pacientes portadores
de osteoartrose de quadril submetidos á artroplastia
Abaixar-se para pegar algo:
( ) Nenhuma. ( ) Pouca ( ) Moderada. (
Andar no plano:
( ) Nenhuma. ( ) Pouca ( ) Moderada. (
Entrar e sair do carro:
( ) Nenhuma. ( ) Pouca ( ) Moderada. (
Ir fazer compras:
( ) Nenhuma. ( ) Pouca ( ) Moderada. (
Colocar meias:
( ) Nenhuma. ( ) Pouca ( ) Moderada. (
Levanta-se da cama:
( ) Nenhuma. ( ) Pouca ( ) Moderada. (
Tirar as meias:
( ) Nenhuma. ( ) Pouca ( ) Moderada. (
Ficar deitado na cama:
( ) Nenhuma. ( ) Pouca ( ) Moderada. (
Entrar e sair do banho:
( ) Nenhuma. ( ) Pouca ( ) Moderada. (
Se sentar:
( ) Nenhuma. ( ) Pouca ( ) Moderada. (
Sentar e levantar do vaso sanitário:
( ) Nenhuma. ( ) Pouca ( ) Moderada. (
Fazer tarefas domésticas leves:
( ) Nenhuma. ( ) Pouca ( ) Moderada. (
TOTAL:_______
ANEXO 03
) Intensa. ( ) Muito intensa.
) Intensa. ( ) Muito intensa.
) Intensa. ( ) Muito intensa.
) Intensa. ( ) Muito intensa.
) Intensa. ( ) Muito intensa.
) Intensa. ( ) Muito intensa.
) Intensa. ( ) Muito intensa.
) Intensa. ( ) Muito intensa.
) Intensa. ( ) Muito intensa.
) Intensa. ( ) Muito intensa.
) Intensa. ( ) Muito intensa.
) Intensa. ( ) Muito intensa.
QUESTIONÁRIO DE LEQUESNE
DOR OU DESCONFORTO
Durante o descanso noturno:
( ) Nenhum ou insignificante. (0)
( ) Somente em movimento ou em certas posições. (1)
( ) Mesmo sem movimentos. (2)
Rigidez matinal ou dor que diminui após se levantar:
( ) 1 minuto ou menos. (0)
( ) Mais de 1 minuto porem menos de 15 minutos. (1)
( ) Mais de 15 minutos. (2)
Depois de andar por 30 minutos: (0-1)
Enquanto anda.
( )Nenhuma. (0)
( ) Somente depois de andar alguma distancia. (1)
( ) Logo depois de começar a andar aumenta se continuar a andar. (2)
( ) Depois de começar a andar, não aumentando. (1)
Ao ficar sentado por muito tempo (2 horas). (0-1)
MÁXIMA DISTÂNCIA CAMINHADA/ANDADA (PODE CAMINHAR COM DOR)
( )Sem limite. (0)
( )Mais de 1 km, porem com alguma dificuldade. (1)
( )Aproximadamente 1 km (em + ou_ 15 minutos). (2)
( ) De 500 a 900 metros (aprox.. 8 a 15 minutos). (3)
( ) De 300 a 500 metros. (4)
( ) De 100 a 300 metros..(5)
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
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72
( ) Menos de 100 metros. (6)
( ) Com uma bengala ou muleta. (1)
( ) Com 2 muletas ou 2 bengalas. (2)
ATIVIDADES DO DIA-A-DIA/VIDA DIÁRIA
( ) Colocar as meias inclinando-se para frente. (0-2)
( ) Pegar um objeto no chão. (0-2)
( ) Subir e descer um andar de escadas. (0-2)
( ) Pode entrar e sair de um carro. (0-2)
Sem dificuldade: 0
Com pouca dificuldade: 0,5
Com dificuldade:1
Com muita dificuldade: 1,5
Incapaz:2
Soma da pontuação:
Extremamamente grave: igual ou maior que 14 pontos
Muito grave: 11 a 13 pontos.
Grave: 8 a 10 pontos.
Moderada: 5 a 7 pontos.
Pouco acometimento: 1 a 4 pontos.
TOTAL:_______
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
73
Disciplina de Educação Ambiental?
Cássio Murilo Monteiro1
[email protected]
RESUMO
Muito se tem escrito e falado sobre os grandes problemas da humanidade, causados pela superpopulação e por prejuízos advindos de uma era industrial muito desenvolvida, mas cada indivíduo tem uma visão diferente do que
acontece com o ambiente. Este artigo se propôs a estudar a “educação ambiental na escola. Constatou-se que educação ambiental na escola é hoje o instrumento muito eficaz para se conseguir criar e aplicar formas sustentáveis de interação sociedade-natureza. Este é o caminho para que cada indivíduo mude
de hábitos e assuma novas atitudes que levem à diminuição da degradação ambiental, promovam a melhoria da qualidade de vida e reduzam a pressão sobre
os recursos ambientais.
Palavras-chave
Educação Ambiental; Degradação ambiental; Interdisciplinaridade.
ABSTRACT
Much has been written and said about the big problems of humanity, caused by overpopulation and arising losses from a developed industrial era, but
each individual has a different view of what happens to the environment. This
article proposed to study the “environmental education at school”. It was found
that nowadays the environmental education at school is very effective tool to
be able to create and apply sustainable forms of society and nature interaction.
This is the way for each one changes they habits and take new attitudes to decreased environmental degradation , promote improvements in the quality of life
and reduce the pressure on environmental resources.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo tem como temática a Educação Ambiental na escola e sua
conscientização. A escola educa e por sua vez também é responsável pela sociedade. A educação ambiental é uma forma abarcante de educação, através de
um processo pedagógico participativo que procura infiltrar no aluno uma consciência crítica sobre os problemas do ambiente. É indiscutível a necessidade de
conservação e defesa do meio ambiente. Para tanto, os indivíduos precisam ser
1 Cássio Murilo Monteiro. Mestrado em Educação pelo Centro Universitário Moura Lacerda. Docente do curso de Administração
do UNIFEG.
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
74
Disciplina de educação ambiental?
conscientizados e, para que esta tomada de consciência se alastre entre presentes e futuras gerações, é importante que se trabalhe a educação ambiental dentro
e fora da escola, incluindo projetos e conteúdos que envolvam os alunos e todas
as disciplinas.
A humanidade evoluiu. A população humana cresceu. A natureza já não
tem mais pontos de referência na sociedade atual. As pessoas são arrastadas pelas novas tecnologias e cenários urbanos, e existe pouco da relação natural que
havia com a cultura da terra. Para que a situação não piore, é preciso agir, proteger o ambiente. Uma das formas que pode ser utilizada para o estudo dos problemas relacionados ao meio ambiente é através de uma disciplina específica a
ser introduzida nos currículos das Escolas, podendo assim alcançar a mudança
de comportamento de um grande número de alunos, tornando-os influentes na
defesa do meio ambiente para que se tornem ecologicamente equilibrados e saudáveis.
Porém, estes projetos precisam ter uma proposta de aplicação, tratando
de um tema específico de interesse dos alunos, e não longe da proposta pedagógica da escola. A ação direta do professor na sala de aula é uma das formas de
levar a Educação Ambiental à comunidade, pois um dos elementos fundamentais no processo de conscientização da sociedade dos problemas ambientais é o
educador.
2. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL
Conforme VARINE (2000), “a natureza é um grande patrimônio da sociedade. Conseqüentemente, a Educação Ambiental se torna uma prática social,
com a preocupação da preservação dessa sua riqueza”. Para o autor, se o meio
ambiente está sendo atacado, agredido, violentado, devendo-se isso ao veloz
crescimento da população humana, que provoca decadência de sua qualidade e
de sua capacidade para sustentar a vida, não basta apenas denunciar os estragos
feitos pelo homem na natureza, é necessário um processo educativo, com atitudes pró-ambientais e sociais. De acordo com a Lei 9.795/99:
Entende-se por educação ambiental os processos por
meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem
valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e
competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia
qualidade de vida e sua sustentabilidade (LEI 9.795,
1999, art. 1º).
A Humanidade irmana-se perante o universo, então deve lutar unida e
sensível à conservação do meio ambiente. Para BRANDÃO (1995), “a sensibilidade traz esperanças de novas relações com afetos de responsabilidade para
com o presente e o futuro, não só das gerações humanas, mas de outras gerações
de seres vivos”.
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
Disciplina de educação ambiental?
75
3. EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO DISCIPLINA
A Educação Ambiental como disciplina, além de ser um processo educacional das questões ambientais, alcança também os problemas socioeconômicos, políticos, culturais e históricos pela interação de uma forma ou de outra
destes campos com o meio ambiente. Sua aplicação tem a extensão de auxiliar
na formação da cidadania, de maneira que extrapola o aprendizado tradicional,
fomentando o crescimento do cidadão e conseqüentemente da Nação, daí a sua
importância. Pela sua plenitude e abrangência, a Educação Ambiental como disciplina incrementa a participação comunitária, conscientizando todos os participantes, professores, alunos e a comunidade estudada, ante a interação necessária
para o seu desenvolvimento.
A natureza já não tem mais pontos de referência na sociedade atual. As
pessoas são arrastadas pelas novas tecnologias e cenários urbanos, e existe pouco da relação natural que havia com a cultura da terra. Para que a situação não
piore, é preciso agir, proteger o ambiente. Certamente, a aprendizagem será
mais eficaz se a atividade envolver as situações da vida real, do meio em que vivem os alunos, sempre com o objetivo de demonstrar que, se bem aproveitados
e preservados, os recursos do meio ambiente só trazem benefícios para todos.
Uma das formas que pode ser utilizada para o estudo dos problemas do
meio ambiente é através de uma disciplina específica, podendo alcançar a mudança de comportamento de inúmeros alunos, tornando-os influentes na defesa
do meio ambiente para que se tornem ecologicamente equilibrados e saudáveis.
Porém, essa disciplina precisa ter uma proposta de aplicação, tratando de temas
específicos de interesse dos alunos, e não dissociada da proposta pedagógica da
escola.
A Educação Ambiental é um processo educacional criado ao longo dos
anos através de estudos de especialistas, com visão das necessidades do homem
e da natureza entrelaçadas em um objetivo comum que é a manutenção da qualidade de vida de todos os seres do planeta. Em vista da existência de problemas
ambientais em quase todas as regiões do país, torna-se importantíssimo o desenvolvimento e implantação de programas educacionais ambientais, os quais são
de suma importância na tentativa de se reverter ou minimizar os danos ambientais (DIAS, 2006)
A lei 9.795/99, em seu art. 10, § 1o diz que “A educação ambiental não
deve ser implantada como disciplina específica no currículo de ensino”. Porém,
a educação é sempre mais efetiva se começada pela criança. A mente humana
em formação é mais receptiva aos ensinamentos, razão da importância de um livro didático e os conceitos que ele descortina aos seus leitores e da importância
do professor bem formado, passando mensagens irrepreensivelmente corretas.
Juridicamente, no Brasil, o parágrafo 1º, VI, do art. 255 da Constituição
Federal, determina ao Poder Público a promoção da Educação Ambiental em todos os níveis de ensino. Mas, apesar desta previsão constitucional, bem como
o fato da Educação Ambiental já ser reconhecida mundialmente como ciência
educacional e também recomendada pela UNESCO e a Agenda 21, pouco foi
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
76
Disciplina de educação ambiental?
feito no Brasil para a sua implantação concreta no ensino. O que existia era fruto
dos esforços de alguns abnegados professores e educadores, não havendo a atenção que merece o tema pelo Poder Público e as entidades particulares de ensino.
Porém, com a publicação da Lei 9.795, de 27/4/99, que dispõe sobre a
educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá
outras providências, a questão tomou força, pois a implantação e aplicação da
Educação Ambiental como disciplina passou a ser obrigatória. A citada lei define juridicamente Educação Ambiental como “o processo por meio do qual o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades,
atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de
uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade” (art.1º).
O surgimento e desenvolvimento da Educação Ambiental como método
de ensino está diretamente relacionado ao movimento ambientalista, pois é fruto
da conscientização da problemática ambiental. A ecologia, como ciência global,
trouxe a preocupação com os problemas ambientais, surgindo a necessidade de
se educar no sentido de preservar o meio ambiente.
Na questão da educação ambiental para crianças, segundo PORTUGAL
(1997), existem três vertentes de opiniões visando afirmar as melhores formas
de se proceder essa educação, no caso específico voltada aos alunos do primeiro grau. A primeira vertente defende que deve haver uma disciplina específica
para tratar do assunto, a ser incluída no currículo escolar, tal qual a Matemática,
o Português etc. Há, nesta vertente, aqueles que defendem extensões diferenciadas nos assuntos e no tempo de duração da disciplina. A segunda vertente defende que a educação ambiental deva fazer parte do conteúdo programático da
disciplina de Ciências. Já a terceira vertente defende que a educação ambiental
deva ser passada aos alunos sem pré estabelecimentos de disciplinas e de professores específicos, isto é, a educação ambiental deve ser ministrada por todos os
professores indistintamente, de forma natural e em doses homeopáticas, encaixando o assunto, onde puder caber em suas disciplinas, no desenrolar das aulas,
como pílulas de informações.
Para PORTUGAL (1997), a desvantagem na adoção do critério defendido pela primeira vertente é que uma disciplina fixada num espaço-tempo poderá
acarretar esquecimento, os ensinamentos transmitidos, e a educação ambiental é
algo para ser reciclada. A desvantagem na adoção do critério defendido pela segunda vertente é a exclusividade que se daria ao professor de Ciências de ensinar, ao seu modo, as ciências ambientais tão multifacetadas, além do que a educação viria como uma obrigação, podendo levar alguns alunos a se desgostarem
do assunto para o resto da vida. A desvantagem na adoção do critério defendido
pela terceira vertente (disciplina livre) é que muitos professores rejeitariam intimamente a idéia ou não iriam se esforçar para buscar encaixes apropriados dos
tópicos das ciências ambientais em suas disciplinas.
A própria Lei 9.795/99, que institui a Política Nacional de Educação Ambiental, diz que a Educação Ambiental “deve estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal
e não formal” (art. 2º). Cabe às instituições educativas, portanto, “promover a
educação ambiental de maneira integrada aos programas educacionais que deRevista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
Disciplina de educação ambiental?
77
senvolvem” (Lei 9.795/99, art. 3º).
Conforme FREIRE (1975), muito se discute em torno de uma melhor definição para a introdução da dimensão ambiental na educação escolar. Propõem-se objetivos, princípios, estratégias e recomendações acerca do desenvolvimento da Educação Ambiental, considerando aspectos sociais, culturais, históricos e
políticos que conduzem à destruição do meio ambiente em que vivemos e fazemos parte. A educação, sendo trabalhada a partir da realidade concreta dos alunos envolvidos, viabiliza e resgata a dimensão contextualizada dos conteúdos,
pois os alunos são desafiados a superarem situações cotidianas problematizadas
ao se perceberem como ser do mundo e como mundo, uma vez que “só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que
os homens fazem no mundo, como mundo e com os outros” (p. 93).
A Carta da Terra (2000, princípio 14) indica que se deve “integrar na
educação formal e aprendizagem ao longo da vida, os conhecimentos, valores
e habilidades necessárias para um modo de vida sustentável”, oferecendo a todos, especialmente crianças e jovens, oportunidades educativas que possibilitem
contribuir ativamente para o desenvolvimento sustentável.
Se trabalhadas em uma disciplina específica, ações educativas junto aos
alunos, sobre os problemas ambientais, podem representar além de uma conscientização, uma multiplicação de informações a respeito do tema, onde as próprias crianças envolvidas podem agir como multiplicadores.
Ao divulgar os resultados do último Censo Escolar, o INEP
deu destaque ao fato de que 65% das escolas de ensino
fundamental inseriram a questão ambiental em suas práticas pedagógicas. Cumprem sua obrigação, já que se trata
de um dos temas transversais ao currículo obrigatório. [...]
No entanto, sabemos que, devido à precariedade da infra-estrutura de nossos estabelecimentos, torna-se difícil para
os professores abordar a questão de maneira adequada e
com conhecimento de causa. Por isso temos que aplaudir
aquelas escolas que se empenham em formar cidadãos e
futuros profissionais segundo a ótica do desenvolvimento
sustentável. É pouco e os poderes públicos precisam não
só fornecer mais recursos humanos e financeiros a fim de
que essas ações sejam multiplicadas, mas avaliar sua eficácia (MARANHÃO, 2005).
A ação direta do professor na sala de aula é uma das formas de levar a
Educação Ambiental à comunidade, pois um dos elementos fundamentais no
processo de conscientização da sociedade dos problemas ambientais é o educador, porque este pode buscar desenvolver, em seus alunos, hábitos e atitudes sadias de conservação ambiental e respeito à natureza, transformando-os em cidadãos conscientes e comprometidos com o futuro do país.
Através da Educação Ambiental na escola, os alunos podem entender,
por exemplo, que produtos químicos consomem o ozônio e são ameaças presentes e futuras à camada que protege a Terra dos raios ultravioleta. Essa preocupação ambiental também é de extrema importância para toda a sociedade, que
pode buscar alternativas que não comprometam ainda mais a saúde do planeta.
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
78
Disciplina de educação ambiental?
O disposto no art. 225 da Constituição Federal Brasileira deve ser cumprido, onde diz, em poucas palavras, que o meio ambiente sadio é um direito de todos.
4. PROBLEMAS AMBIENTAIS
De acordo com MARANHÃO (2005), a natureza desconhece as fronteiras que criamos e afirma:
As conseqüências de sua destruição atingem todas as nações e é preciso que todas assumam o compromisso de
combater o problema em seus territórios. Entretanto, após
séculos de agressão, uso e abuso dos recursos naturais, não
vem sendo fácil convencer os indivíduos (e seus governos) de que são apenas partes de um sistema com o qual
devem viver em harmonia,sob pena de sofrerem os efeitos
que tornarão sua estadia no planeta cada vez mais penosa:
entre eles o aquecimento global, gerado pela concentração
dos gases de efeito estufa na atmosfera, acompanhado por
mudanças violentas nos fenômenos climáticos; a escassez
de água; a desertificação que torna os solos estéreis a atividades agrícolas (p. 7).
Segundo o autor, no Brasil, tiveram-se algumas vitórias com a promulgação da Lei 9.795/97, que institui a Política Nacional de Educação Ambiental, e
da Lei de Crimes Ambientais (13/02/98). Lei que, infelizmente, não é cumprida
com a severidade requerida. Um exemplo está na Amazônia, cuja área desmatada, segundo o Fundo Mundial para a Natureza, cresceu 44% na década de 90
(15% só entre 1999 e 2000). A extração de 80% da madeira da floresta é ilegal.
Já o tráfico de animais chegou ao terceiro lugar no ranking das atividades criminosas mais lucrativas do país, depois do tráfico de armas e de drogas: 12 milhões
de animais são capturados todos os anos (MARANHÃO, 2005).
Ainda conforme MARANHÃO (2005), nos problemas ambientais tem-se, ainda, a desertificação, que atinge 55% do semi-árido do Nordeste e é causada pela exploração inadequada do solo. Apenas 3% da água da Terra são próprios para consumo. O Brasil possui 8% deste tesouro na bacia amazônica e em
lençóis freáticos que, no entanto, são ininterruptamente contaminados pelo lixo:
63% do lixo brasileiro vão parar em cursos de água doce devido à coleta ineficiente.
Os dramas que hoje a natureza enfrenta foram causados por gerações e
gerações que desconheciam o delicado equilíbrio homem/ambiente e construíram um modelo de desenvolvimento predatório. A solução está em preparar as
novas gerações para um modelo de desenvolvimento alternativo.
Segundo BATESON (1987), foi com a Revolução Industrial que o homem começou realmente a transformar a face do planeta, a natureza de sua atmosfera e a qualidade de sua água. O impacto da espécie humana sobre o meio
ambiente tem sido comparado, por alguns cientistas, às grandes catástrofes do
passado geológico da Terra. A humanidade deve reconhecer que agredir o meio
ambiente põe em perigo a sobrevivência de sua própria espécie. É a vida que
está em jogo. Com o rápido crescimento da população, criou-se uma demanda
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
Disciplina de educação ambiental?
79
sem precedentes, que o desenvolvimento tecnológico pretende satisfazer, submetendo o meio ambiente a uma agressão que está provocando o declínio cada
vez mais acelerado de sua qualidade e de sua capacidade para sustentar a vida.
O autor revela que um dos impactos que o uso de combustíveis fósseis
tem produzido sobre o meio ambiente terrestre é o aumento da concentração de
dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, dando lugar a um aumento da temperatura global da Terra. Outros males importantes causados pelo ser humano ao
meio ambiente são o uso de agrotóxicos que contaminam regiões agrícolas e interferem no metabolismo do cálcio das aves; a erosão do solo; o
crescente problema mundial do abastecimento de água, como conseqüência do esgotamento dos aqüíferos subterrâneos, assim como pela queda na
qualidade e disponibilidade da água e a destruição da camada de ozônio.
Portanto, hoje os problemas vividos no mundo são, realmente, em decorrência da intervenção humana no planeta e nos ecossistemas. A título de exemplo, o autor cita: destruição da biodiversidade ou a extinção de espécies; destruição progressiva da camada de ozônio por gases; efeito estufa ou aquecimento
global; crescimento da população mundial; poluição e indisponibilidade de água
potável.
A questão do lixo é das mais preocupantes e diz respeito a cada ser humano. Abordar a problemática da produção e destinação do lixo no processo de
educação é um desafio, cuja solução passa pela compreensão do indivíduo como
parte atuante no meio em que vive. Atualmente a luta pela preservação do meio
ambiente, e a própria sobrevivência do homem no planeta, está diretamente relacionada com a questão do lixo urbano.
A sociedade de consumo em que vivemos tem como hábito extrair da natureza a matéria-prima e, depois de utilizada, descartá-la em lixões, caracterizando uma relação
depredatória com o seu habitat. Assim, grande quantidade
de produtos recicláveis que poderiam ser reaproveitados a
partir dos resíduos, é inutilizada na sua forma de destino
final. Isso implica em uma grande perda ambiental, devido ao potencial altamente poluidor do mau gerenciamento
dos resíduos gerados, comprometendo a qualidade do ar,
solo e, principalmente as águas superficiais e subterrâneas, além do desperdício de recursos, especialmente os não
recicláveis, inviabilizando sua obtenção no futuro (AZEVEDO, 1996).
Segundo OLIVEIRA (1973), a problemática do lixo vem sendo agravada, entre outros fatores, pelo acentuado crescimento demográfico, especialmente nos centros urbanos, resultantes do êxodo rural e da falta de um planejamento familiar. O conhecimento do problema passou a incluir no seu universo de
análise, preocupações, por exemplo, com a velocidade do processo de produção
de resíduos sólidos nas cidades e com os fatores que influenciam esse processo que é superior à velocidade natural dos processos de degradação. A questão
dos resíduos sólidos, no meio urbano, representa impactos ambientais relevantes
que afetam e degradam a qualidade de vida urbana.
No entanto, conforme CORREA (2001), procura-se desenvolver atitudes
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
80
Disciplina de educação ambiental?
e ações de conservação e preservação do ambiente natural, na comunidade, demonstrando que a utilização de práticas de proteção ao meio ambiente resulta
no proveito próprio e comunitário, ajudando a desenvolver uma postura social
e política preocupada e comprometida com a questão da vida na Terra. Assim,
fica mais fácil reconhecer os prejuízos e benefícios que causa o lixo acumulado
na saúde pública e a importância da redução, da reutilização e da reciclagem do
lixo para a natureza.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente artigo, defende-se a disciplina específica (Ensinos Fundamental e Médio) por entender-se que recebendo as informações na escola, com professor capacitado e comprometido somente em preparar ações educativas sobre os
problemas ambientais, os alunos terão mais oportunidades para desenvolver hábitos de defesa e conservação do meio ambiente. Não descuidando do processo
interdisciplinar que muitas vezes o conteúdo de Educação ambiental necessita.
A ação do professor é fundamental, porque é ele quem vai proporcionar
aos alunos as condições necessárias à mudança de comportamento que se espera deles para que se tornem cidadãos conscientes da importância das suas atitudes em relação à preservação da natureza e de atuarem como multiplicadores no
ambiente em que vivem.
O fato de uma escola manter uma disciplina específica não quer dizer que
a educação ambiental será desenvolvida apenas dentro da disciplina, pois, como
diz na sua definição, ela é um processo e, portanto, deve ser trabalhada por todos, em todas as etapas do desenvolvimento do ser humano. Essa é uma realidade trazida pela preocupação com os problemas ambientais que, devido à sua
gravidade não podem mais ser ignorados.
Ao longo das últimas décadas, as pressões sobre o ambiente global tornaram-se auto-evidentes, fazendo erguer uma voz comum pelo desenvolvimento sustentável. Essa estratégia requer um novo enquadramento mental e novo conjunto de
valores. A educação é essencial à promoção de tais valores e para aumentar a capacidade das pessoas de enfrentar as questões ambientais e de desenvolvimento.
A educação em todos os níveis, especialmente a educação universitária
para a formação de gestores e professores, deve ser orientada para o desenvolvimento sustentável e para forjar atitudes, padrões de capacidade e comportamentos ambientalmente conscientes, tal como um sentido de responsabilidade ética.
A Educação Ambiental é hoje o instrumento mais eficaz para se conseguir criar e aplicar formas sustentáveis de interação sociedade-natureza. Este é o
caminho para que cada indivíduo mude de hábitos e assuma novas atitudes que
levem à diminuição da degradação ambiental, promovam a melhoria da qualidade de vida e reduzam a pressão sobre os recursos ambientais.
Estudando na escola, os alunos estarão recebendo os conteúdos de uma
maneira ampla, baseados em promover a sensibilização do educando e do educador, visando a compreensão dos componentes e dos mecanismos que regem
o sistema natural; com conhecimentos científicos e tecnológicos, bem como as
qualidades morais necessárias, que permitam o desempenho de um papel efetivo
na preparação e manejo de processos de desenvolvimento, que sejam compatíRevista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
Disciplina de educação ambiental?
81
veis com a preservação dos processos produtivos e estéticos do meio ambiente;
e se capacitando a avaliar e agir efetivamente no sistema, atuando na construção
de uma nova realidade desejada.
A Educação Ambiental torna-se um caminho para um ensino novo em que
o intuitivo é somado ao racional e a criatividade é estimulada para aumentar a auto-estima. Somente quando as pessoas despertam para o seu valor individual podem
passar a acreditar em seu potencial transformador. Valores como respeito, solidariedade, empatia e muitos outros passam a fazer parte desse novo pensar. Amplia-se o
valor à vida, não só humana, mas de todos os seres. Esse senso de reverência à vida
pode estimular o entusiasmo de se assumir responsabilidades novas.
A Educação Ambiental torna-se chave na medida em que cada um desperte seu potencial de contribuir para um mundo mais ético e sua responsabilidade de se engajar em processos que visem a um bem maior que priorize o respeito à vida. Nesse sentido, a defesa do meio ambiente, é fundamentalmente
uma defesa da qualidade de vida, da sobrevivência da humanidade.
6. REFERÊNCIAS
A Carta da Terra. Última versão em português. Um programa da UNESCO. Maio 2000.
Disponível em <boasaude.uol.com.br/lib/ShowDoc> Acesso em: 13 out. 2005.
AZEVEDO, Cleide Jussara Cardoso de. Concepção e prática da população em relação
ao lixo domiciliar na área central da cidade de Uruguaiana- RS.
Uruguaiana, PUCRS- Campus II. Monografia de pós-graduação. Educação ambiental.
1996, 68p.
BATESON, G. Natureza e espírito. Lisboa: Dom Quixote, 1987.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. “Outros afetos, outros olhares, outras idéias, outras
relações”. A Questão Ambiental: Cenários de Pesquisa. Textos NEPAM, Campinas: Ed.
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Execução do mandado de prisão nas
hipóteses de violação domiciliar
Felipe Vittig Ghiraldelli1
[email protected]
RESUMO
O artigo em apreço tem por objetivo geral apresentar diretrizes doutrinárias acerca do cumprimento do mandado de prisão em situações que ensejam a
invasão domiciliar para realizar a efetiva captura de quem possui em seu desfavor o título judicial de determinação de cárcere. A regra apresentada pelo direito é que a casa é asilo inviolável, porém, isto não quer dizer que ela seja refúgio
para prática ilícita ou local para se ocultar da justiça, o Estado titular da persecução penal, através do Poder Judiciário pode em determinadas situações emitir
mandados de prisão que devem ser cumpridos por oficiais de justiça e policiais
que utilizam todos os recursos humanos e logísticos colocados a sua disposição.
Para adentrar ao domicílio os agentes públicos podem se valer instrumento de
medida acautelatória de provas denominado mandado de busca e apreensão que
é emitido por autoridade judiciária. O Código de Processo Penal apresenta de
forma determinada as hipóteses que justificam o mandado de busca e apreensão
e dentre eles encontra-se a possibilidade de prender pessoas. Entretanto, ocorre
divergência doutrinária sobre a necessidade ou não da duplicidade de mandados
para que ocorra a prisão de indivíduos homiziados no interior da sua própria residência ou de terceiros. O que se apresenta neste artigo são diretrizes doutrinárias sobre a necessidade ou não dos respectivos mandados.
Palavras-chave
Mandado de prisão; Mandado de busca e apreensão; Violação domiciliar.
ABSTRACT
This article in question has an objective to introduce the doutrine guidelines around fulfillment of arrest warrant in position that refer home invasion to
accomplish the apprehension of who possess in its disfavor the juridicual title of
determination of prison. The law showed by right is that the home is inviolable
asylum, but, this does not mean that it can not be refuge of unlawful practises or
a place to hide from justice, the State holder of prosecution through the Judiciary can determinate the position of issue arrest warrants that must be fullfilled
by officers of justice using all human and logistic resources placed at your disposal. To enter to the home public officials can take advantage cautionary measuring instrument evidences called search warrant and seizure which is issued
1 Felipe Vittig Ghiraldelli. Especialização em Direito Penal, Processo Penal pela Escola Superior Verbo Jurídico. Docente do curso
de Direito do UNIFEG.
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by judicial authority The Criminal Procedure Code provides a certain way the
assumptions that justify the warrant of search and seizure and among them is
the ability to arrest people. Therefore, there is doctrinal disagreement regarding
whether or not the warrants duplication to occur hidden in their own homes or
outsider’s homes. What is presented in this article are doctrinal guidelines on
whether or not the respective warrants.
1. INTRODUÇÃO
Em linhas gerais devemos afirmar que existe uma contraposição ao direito de liberdade que se denomina: “prisão”, situações que não podem coexistir
no mesmo lapso temporal e pessoal, ou seja, ou o indivíduo encontra-se preso
ou encontra-se solto.
A regra no nosso ordenamento jurídico e na maioria dos Estados soberanos é a liberdade dos cidadãos. A nossa lei suprema apresenta de forma inquestionável este direito como regra, e consequentemente, também, apresenta possibilidades de cerceamento da liberdade o que pode ser aferido com a leitura da
Constituição Federal2.
Na lei pátria, isto quer dizer que em casos extremos e desde que indivíduos
estejam em conflito com normas específicas do ordenamento jurídico poderá ser
aplicada a prisão para tutelar o processo ou a prisão como forma de pena. Aquela
com regras mais rigorosas quanto aos pressupostos e hipóteses de admissibilidade, diferentemente desta denominada prisão pena que somente existirá se houver
o trânsito em julgado da sentença penal condenatória e se não puder ser substituída por pena restritiva de direitos ou pela eventual suspensão condicional da pena.
Cabe ressaltar que quanto as modalidades de prisão provisória a doutrina
admite a prisão preventiva e a temporária, e por outro lado há divergência quanto a prisão em flagrante, que após a reforma da lei 12.403/11 passou a ser considerada como prisão precautelar de acordo com muitos doutrinadores dentre
eles Aury Lopes Júnior, Luiz Flávio Gomes, Renato Brasileiro, Nestor Távora,
Rosmar Rodrigues Alencar dentre outros, em contraponto ao entendimento de
Fernando da Costa Tourinho Filho que entende que a prisão em flagrante ainda
possui natureza cautelar. Independentemente da corrente adotada como teoria
apontada para definição da natureza jurídica, sabe-se que esta encontra limites
constitucionais e legais bem delineados pela Constituição Federal3 e pelo Código de Processo Penal4.
De acordo com Paulo Rangel, podemos entender a prisão em flagrante
no sentido jurídico:
Como o delito no momento do seu cometimento, no instante em que o sujeito percorre os elementos objetivos
(descritivos e normativos) e subjetivos do tipo penal. É o
2 Art. 5º, LXVI da Constituição Federal: ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória,
com ou sem fiança.
3 Art. 5º, LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.
4 Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária
competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude
de prisão temporária ou prisão preventiva.
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delito patente, visível, irrecusável do ponto de vista de sua
ocorrência. A prisão em flagrante delito dá-se no momento em que o indivíduo é surpreendido no cometimento da
infração penal, sendo ela tentada ou consumada (RANGEL,2014, p.771-772).
O mesmo autor com brilhantismo ainda apresenta dois elementos essenciais, o primeiro seria imprescindível como a atualidade e visibilidade, aquela é
expressa pela própria situação flagrancial, é algo que está acontecendo ou acabou de acontecer e esta é a ocorrência externa ao ato, é a situação de alguém
atestar a ocorrência do fato ligando-o ao sujeito que o pratica. Portanto, somada
a atualidade e a visibilidade, tem-se o flagrante delito (RANGEL,2014, p. 771).
A prisão em flagrante não precisa de mandado para seu respectivo cumprimento e pode ser executada de forma facultativa por qualquer pessoa do povo
ou de forma obrigatória pelos agentes policiais de acordo com o artigo 301 do
Código de Processo Penal.
Não há dúvidas que as prisões podem ser livremente executadas quando
houver a devida justificativa amparada no ordenamento jurídico, mas, muitas
vezes, aqueles que devem ser presos não encontram-se em locais públicos acessíveis a qualquer pessoa, em muitos casos estes indivíduos estão acobertados
pelo manto de locais que em regra são invioláveis, como o próprio domicílio ou
aquele de terceira pessoa, é neste momento que ocorre conflito entre a possibilidade ou não de se realizar a devida prisão, a Constituição Federal apresentou
formas permissivas de violabilidade domiciliar, enfrentando inclusive a hipótese da prisão em flagrante, nos termos do art. 5º, XI: “a casa é asilo inviolável do
indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante
o dia, por determinação judicial”; Apesar do esforço da Assembleia Constituinte não ocorreu a devida delineação quanto a prisão que é cumprida através de mandado expedido por autoridade judiciária competente, na situação em que o “procurado pela justiça”
encontra-se no interior da sua residência, afirmando tão somente que pode haver
ingresso na residência durante o dia por autorização judicial. Vamos delinear no
momento oportuno que esta autorização judicial refere-se ao popularmente conhecido mandado de busca e apreensão que pode ser utilizada para prender pessoas, buscar objetos e etc...
Mas, será que uma autorização genérica pode ser utilizada para cercear
a liberdade de indivíduos, sem que seja observado um mandado específico de
busca e apreensão designando o domicílio a ser violado?
Pode ocorrer que em determinados casos as autoridades policiais e seus
agentes estejam cumprindo mandado de busca e apreensão para localização de
objetos ilícitos e durante a realização das averiguações se depararem com um
individuo foragido da justiça no interior da residência, seria possível a sua captura?
Não é objetivo deste artigo cientifico aprofundar estudos sobre as prisões
processuais ou penais, cabe neste momento, apenas delinear as situações que
permitem o cumprimento do mandado de prisão e como este deve ser cumprido
no caso de ser necessário adentrar em alguma residência ou local equiparado.
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2. APONTAMENTOS SOBRE A FINALIDADE E
REQUISITOS DO MANDADO DE PRISÃO
O mandado de prisão é instrumento que materializa a ordem de prisão escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente (LIMA,2014, p.111).
Cabe fazer a seguinte observação, a autoridade que pode emitir o título denominado mandado de prisão é única e somente a autoridade judicial que possui
competência para o ato, autoridade policial não pode emitir mandados de prisão,
pode apenas cumpri-los por exercer função de polícia judiciária.
Por ser medida necessária para cerceamento da liberdade em hipóteses diversas da prisão em flagrante, o artigo 285 do Código de Processo Penal
apresenta formalidades indispensáveis para que ocorra o devido cumprimento,
como: a) lavratura pelo escrivão e assinatura da autoridade competente, é verdadeiro pressuposto de validade que determina sua autenticidade;
b) designação da pessoa que deve ser presa por nome, alcunha ou sinais
característicos, esta deve ser feita de forma clara e precisa, porém, muitas vezes
não há possibilidade da autoridade judiciária dispor do nome e outros dados específicos, por este motivo ocorre permissivo legal para a prisão com a descrição
de alcunha ou apelido e sinais característicos como a estatura e peculiaridades
como cicatrizes e tatuagens;
c) mencionar a infração penal que motivar a prisão;
d) se for possível a fiança de acordo com o crime imputado, este valor
deve estar descrito, permitindo que o indivíduo não permaneça no cárcere nas
hipóteses permissivas da liberdade provisória com fiança, cabe ressaltar que em
regra os crimes são afiançáveis, só não será admitida fiança nos crimes descritos no artigo 323 e 324 do Código de Processo Penal, aquele reproduz mandado
constitucional descrito nos artigos 5º XLII, XLIII, XLIV da Constituição Federal e este hipóteses especiais aos que quebraram a fiança, prisão civil e militar;
e) direcionamento a quem deve cumprir é feita ao oficial de justiça, autoridade policial ou seus agentes, somente estas autoridades podem cumprir
mandado de prisão, em regra, o mandado é cumprido pelos agentes policiais.
Guilherme de Souza Nucci apresenta outros dados utilizados na praxe: f)
colocação da Comarca, Vara e Ofício de onde é originário; g)número do processo
e/ou do inquérito, onde foi proferida a decisão decretando a prisão; h) nome
da vítima do crime; i) teor da decisão que deu origem à ordem de prisão
(preventiva, temporária, sentença condenatória); data da decisão; k) data do
transito em julgado e pena aplicada (prisão-pena); l) prazo da validade do
mandado, que equivale ao lapso prescricional. (NUCCI,2013, p.625).
Em observância ao artigo 5º, LXIV da Constituição Federal, que determina o conhecimento do executor da prisão ao preso, o Código de Processo Penal5 balizou a aplicabilidade deste dispositivo constitucional.
5 Art. 286 do Código de Processo Penal: O mandado será passado em duplicata, e o executor entregará ao preso, logo depois da prisão, um dos exemplares com declaração do dia, hora e lugar da diligência. Da entrega deverá o preso passar recibo no outro exemplar;
se recusar, não souber ou não puder escrever, o fato será mencionado em declaração, assinada por duas testemunhas.
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O preso tem direito a obter uma cópia do mandado de prisão que o submeteu ao cárcere, para que disponha de meios legais para eventuais impugnações, quanto a legalidade da medida ou autoridade que tenha emitido e cumprido
o título judicial, que poderá ser expedido em quantas cópias forem necessárias,
inclusive para diversas localidades diferentes.
Importante modificação legislativa da lei 12.403/11 ocorreu com a inserção do art. 289-A no Código de Processo Penal que determina inserção dos dados relativos ao mandado de prisão no banco de dados do Conselho Nacional de
Justiça. É uma forma de se ter acesso utilizando sistemas virtuais ligados a rede
mundial de computadores, faz com que seja ultrapassado os limites físicos da
informação, expandido o acesso de dados através de computadores, celulares e
similares. Não há dúvida foi um avanço para se aferir de forma eficaz a validade do mandado e para que autoridades de qualquer localidade tivessem acesso
aos registros de pessoas que encontram-se com mandado de prisão válidos. O
Banco Nacional de Mandados de Prisão pode ser acessado por qualquer pessoa
através do sitio da internet: “http://www.cnj.jus.br/sistemas/sistema-carcerario-e-execucao-penal/banco-nacional-de-mandados-de-prisao-bnmp”.
Apesar da descrição das formalidades do título de mandado de prisão,
cabe ressaltar que a captura pode ser realizada sem a exibição imediata do mandado, ou até mesmo, da apresentação virtual do mandado consultado em sistema digital, ressalta-se que o preso terá direito constitucional a obter uma cópia o
mais breve possível. Esta forma de cumprimento pode ser utilizada para os mandados de prisão relativos aos crimes afiançáveis e inafiançáveis, Renato Brasileiro de Lima apresenta a seguinte lição sobre o tema:
O novo art. 299 do CPP não restringiu sua aplicação às
infrações inafiançáveis, daí porque também pode ser aplicado aos crimes afiançáveis. Diante dessa nova redação do
art. 299 do CPP, autorizando a captura sem exibição imediata do mandado de prisão, independentemente da natureza da infração penal (afiançável ou inafiançável), forçoso
é concluir que o art. 287 do CPP foi objeto de revogação
parcial tácita, devendo doravante ser lido nos seguintes
termos: “A falta de exibição do mandado não obstará a
prisão, e o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o mandado”. Evidentemente, na hipótese de infração afiançável, uma vez efetuada
a captura e recolhido valor da fiança, deverão agente ser
colocado em liberdade provisória. (LIMA,2014, p. 113).
No entanto, esta regra não pode ser utilizada para o cometimento de arbitrariedade ou abusos, devendo ser utilizada única e exclusivamente para o bem
da coletividade atendendo a supremacia do interesse público para fazer cumprir
a lei e evitar que indivíduos que apresentam fundamentada determinação de prisão emanada por autoridade competente não possam circular livremente como
cidadãos que não possuem nenhuma “dívida com a justiça”.
O magistério de Eugênio Pacelli enfatiza que é necessário e requisito constitucional a apresentação do mandado de prisão, sob pena de eventual nulidade que será
aferida no caso concreto e desde que exista ilegalidade na atuação da autoridade:
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Dizia (e diz, porquanto não revogado expressamente) o art.
287, CPP, que, tratando-se de crime inafiançável, a falta de
exibição do mandado não obstará a prisão, e o preso, em
tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que tiver
expedido o mandado. Reputamos encontrar-se tacitamente
revogado semelhante dispositivo, não só pela exigência
constitucional de ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária, mas por manifesta incompatibilidade com
todo o sistema de garantias constitutivo do devido processo legal, cuja violação poderá alimentar abusos e atuações
contrárias aos direitos por parte das autoridades policiais.
A exibição do mandado é para nós, requisito essencial para
a prática do ato. Observe-se, porém, que o exame de cada
caso concreto poderá, eventualmente, afastar a ilegalidade
e a nulidade da atuação, na hipótese em a perseguição for
evidentemente pública e notória. (PACELLI, 2014, p. 575)
No caso de ser o réu foragido da justiça poderá ser feito a devida prisão sem
a exibição imediata do mandado de prisão e sem prévia ordem judicial e ainda sem
obrigatoriedade do executor da prisão ser autoridade, há permissivo para o cumprimento de qualquer pessoa nos termos do artigo 684 do Código de Processo Penal.
O Código de Processo Penal6 ainda traz a possibilidade do cumprimento
do mandado de prisão por precatória no caso do acusado estar fora da jurisdição
da autoridade que o expediu, como por exemplo: o individuo que está em jurisdição alheia, independentemente do Estado da Federação, admitindo-se inclusive em casos de urgência qualquer tipo de comunicação desde que hábil para
a exequibilidade do instrumento, como, por exemplo, a utilização de e-mail. A
autoridade que receber o mandado deve cientificar-se da autenticidade do conteúdo. Lima (2014, p.119) Apresenta a seguinte peculiaridade:
Se houver mandado de prisão, a apresentação à autoridade
policial do local é tida como válida, comunicando-se a autoridade judiciária local em seguida. Caso não se tenha o
mandado em mãos (art. 299), o preso deve ser apresentado
à autoridade judiciária local, a fim de que esta certifique a
origem da ordem, conseguindo a cópia do mandado e/ou
telegrama como motivo da prisão de modo a verificar a
legalidade da prisão.
Ainda sobre o tema cabe ressaltar que ocorre verdadeiro acordo de cooperação onde o magistrado deprecante requer ao magistrado que atua no local onde
o ato deve ser cumprido que faça acontecer à diligência de prisão, não há impedimento legal para que o magistrado federal depreque ao estadual à realização da
medida, neste sentido as lições de Alencar e Távora (2014, p. 706-107).
Assim que efetivada a prisão fora da comarca do juiz processante, este
deve providenciar a remoção do preso que encontra-se acautelado dentro do pra6 Art. 289. Quando o acusado estiver no território nacional, fora da jurisdição do juiz processante, será deprecada a sua prisão,
devendo constar da precatória o inteiro teor do mandado. (...) § 1o Havendo urgência, o juiz poderá requisitar a prisão por qualquer
meio de comunicação, do qual deverá constar o motivo da prisão, bem como o valor da fiança se arbitrada.
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zo máximo de trinta dias nos termos do Código de Processo Penal7. Para exemplificar, determinado acusado está respondendo pelo crime de roubo qualificado
na cidade de Guaxupé/MG e contra este existe um mandado de prisão em aberto
expedido pelo juiz da vara criminal desta cidade, durante operação de policial
de rotina este individuo é abordado na cidade de Salvador/BA e verifica-se em
desfavor dele mandado de prisão, imediatamente os agentes policiais conduzem
o preso para a vara criminal da cidade de Salvador/BA, neste momento o magistrado local, verifica-se a autenticidade do mandado e encaminha o individuo ao
cárcere e imediatamente comunica a autoridade judicial de Guaxupé/MG. Em
decorrência deste fato abstratamente criado cabe a esta autoridade utilizar todas
as providências possíveis para a remoção do preso para sua comarca.
Não podemos esquecer que as autoridades cumpridoras do mandado de prisão devem priorizar o cumprimento desta sem a utilização de nenhum tipo de força
ou algemas, a verbalização é a regra e deve ser priorizada com a atitude e postura de
respeito a legalidade restringindo-se apenas a fazer cumprir a ordem judicial minimizando qualquer trauma em relação a prisão. O Código de Processo Penal Militar8
expressa a excepcionalidade do uso da força de forma bem delineada, afirmando
que esta só é indispensável no caso de desobediência, resistência ou caso de fuga.
Lima (2014, p. 118) afirma que o Código de Processo Penal9 define de forma precisa o momento em que o capturando por mandado deve ser tido como preso, que
é aquele pelo qual o executor apresenta-se ao réu e o intima para acompanha-lo é a
partir deste momento que pode ocorrer outros crimes a depender da conduta deste.
Com a ajuda pertinente dos ensinamentos de balizada doutrina penal escrita por Rogério Greco, faz-se necessários apontamentos sobre crimes que podem ser praticados contra a autoridade que tenta ou executa a ordem de prisão
advinda de mandado. Caso o preso resista utilizando violência ou ameaça contra o executor ou eventual auxiliar ocorrerá o crime de Resistência10, que consuma-se com a simples oposição à execução do ato legal, valendo-se o agente do
emprego de violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou
quem lhe esteja prestando auxílio (GRECO, 2011, p.483);
Pode ocorrer a intervenção de terceiro que facilita ou promove a fuga do
capturando assim ocorrerá o crime de Fuga de pessoa presa ou submetida a medida
de segurança11, consumando-se quando o preso efetivamente fugir (GRECO, 2011,
p.638); situação semelhante ocorre quando o terceiro pretende arrebatar o preso para
maltratá-lo ocasionando o crime de arrebatamento de preso12, este delito se consuma
com o efetivo arrebatamento, ou seja, com a retirada do preso do poder de quem o
tenha sob custódia ou guarda, independentemente do fato de ter o agente conseguido maltratá-lo, uma vez que se cuida de um crime formal (GRECO, 2011, p.648);
Por fim se o preso tente ou consiga evadir utilizando violência ou grave
7 Art. 289, § 3o O juiz processante deverá providenciar a remoção do preso no prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados da
efetivação da medida.
8 Art. 234. O emprego de força só é permitido quando indispensável, no caso de desobediência, resistência ou tentativa de fuga. Se
houver resistência da parte de terceiros, poderão ser usados os meios necessários para vencê-la ou para defesa do executor e auxiliares
seus, inclusive a prisão do ofensor. De tudo se lavrará auto subscrito pelo executor e por duas testemunhas.
9 Art. 291. A prisão em virtude de mandado entender-se-á feita desde que o executor, fazendo-se conhecer do réu, Ihe apresente o
mandado e o intime a acompanhá-lo.
10 Art. 329 - Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem
lhe esteja prestando auxílio.
11 Art. 351 - Promover ou facilitar a fuga de pessoa legalmente presa ou submetida a medida de segurança detentiva.
12 Art. 353 - Arrebatar preso, a fim de maltratá-lo, do poder de quem o tenha sob custódia ou guarda.
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ameaça contra a pessoa ocorrerá o crime de evasão mediante violência contra a
pessoa13, o fato somente passa a ter relevo para o direito penal quando, para fugir, o agente utiliza violência contra a pessoa (GRECO, p. 643), todos os crimes
estão previstos no Código Penal.
Dúvidas podem ocorrer em relação à diferença dos crimes de Resistência
e Evasão mediante violência contra a pessoa, Rogério Sanches Cunha apresenta
em sua obra este questionamento e traz os seguinte apontamentos: “Para Hungria, o recolhimento do custodiado a estabelecimento próprio deve ser encarado
como pressuposto necessário. Sem a clausura, haveria crime de resistência (art.
329 do CP)”. (HUNGRIA, 1959 apud CUNHA, 2014, p. 904). O autor rebate as
observações do saudoso Nelson Hungria com os seguintes argumentos:
A uma, porque, como já vimos, para a caracterização do
delito de resistência (art. 329 do CP) há que se observar
que os atos de violência ou ameaça devem ser usados para
resistir o cumprimento da ordem (durante sua execução).
Se empregados antes ou após, estaremos diante de outro
crime (arts. 129, 147 ou 352, todos do CP). A duas, porque
na situação de tr ansporte do preso, por exemplo, além do
ato desenvolvido pela autoridade estar em curso, estará o
detido submetido à sua custódia, sendo perfeitamente possível sua evasão mediante a prática de violência, configurando-se, pois, o crime de evasão violenta (art. 352 do CP).
(CUNHA, 2014, p. 904).
O debate na esfera do direito material é pertinente tanto para o meio acadêmico como para a o cotidiano dos agentes encarregados da aplicação da lei,
pois, muitas vezes as fugas ocorrem com a utilização de violência contra as autoridades que cumprem seu mister funcional.
Sobre a utilização de algemas é oportuno lembrar que estas apenas
poderão ser utilizadas de forma excepcional e quando realmente houver risco
de fuga ou perigo a integridade física própria ou alheia, por parte de terceira
pessoa ou do próprio preso e caso ocorra esta excepcionalidade esta deve ser
justificada por escrito, sob pena responsabilidade civil, administrativa e penal
da autoridade e eventual nulidade da prisão a que se refere, estes elementos
podem ser aferidos da Súmula Vinculante n. 11, ressalta-se que anteriormente
a Súmula já havia dispositivo com tratativa semelhante no Código de Processo
Penal Militar14.
3. APONTAMENTOS SOBRE O MANDADO DE
BUSCA E APREENSÃO
Legalmente o procedimento de busca e apreensão encontra-se catalogado no Título VII e Capítulo XI do Código de Processo Penal que trata Das provas e de forma específica Da Busca e Apreensão. O primeiro elemento a ser tra13 Art. 352 - Evadir-se ou tentar evadir-se o preso ou o indivíduo submetido a medida de segurança detentiva, usando de violência
contra a pessoa.
14 Art. 234, §1º O emprego de algemas deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou de agressão da parte do preso, e de
modo algum será permitido, nos presos a que se refere o art. 242.
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tado é o conceito que reflete a distinção entre as expressões busca e apreensão,
que são muito bem delineadas por Aury Lopes Júnior:
Não se pode deixar de lado que a apreensão (decorra ela da
busca ou não) pode ainda atender a interesse assecuratório, ou seja, indisponibilizar o bem para posteriormente ser
restituído. São institutos diversos, mas que foram tratados
de forma unificada. Nem sempre a busca gera a apreensão
(pois pode ocorrer que nada seja encontrado) e nem sempre a apreensão decorre da busca (pode haver a entrega
voluntária do bem). (LOPES JR, 2013, p.708-709).
Assunto tormentoso na doutrina é a natureza jurídica desta medida, é
oportuno apresentar a compilação realizada pelos membros do Ministério Público Paulista que atestam a variedade desta natureza:
a) meio de prova: quando a localização de coisa ou pessoa
em determinado lugar ou em poder de alguém faz prova
do fato criminoso ou de circunstâncias, tal como ocorre na
hipótese de apreensão da arma do crime na posse do investigado; b) meio de obtenção de prova: na hipótese em que
a diligência, por si, não permite formar convicção acerca
do fato probando, mas propicia o encontro de elemento útil
a demonstração da infração; c) meio de assegurar direito:
acaso o objeto da diligência relacione-se ao interesse reparatório do ofendido, como a busca por bens passíveis de
arresto. (REIS e GONÇALVES, 2013, p. 312).
A restrição domiciliar pode ser relativizada pelo consentimento válido do
morador; por circunstância de flagrante delito ou desastre para prestar socorro e
por fim por determinação judicial, desde que durante o período diurno, considerado o compreendido entre às 06:00h às 18:00h, neste sentido Alencar e Távora (2014, p. 602); Outros, Marcão (2014, p. 574) e Rangel (2014, p.162) fazem
analogia ao Código de Processo Civil e afirmam que o período deve ser entre às
06:00h às 20:00h; Cabe ressaltar que diversos doutrinadores entendem o critério
físico-astronômico seria o mais adequado afirmando que o dia pode ser compreendido do alvorecer ao anoitecer Nucci (2013 p. 421) e finalmente aqueles que
entendem como o melhor critério a conciliação dos apresentados anteriormente
como Moraes (2008, p. 56).
Não há dúvidas de que existe um conflito de direitos, por um lado o direito da intimidade e vida privada que encontra-se na circunscrição domiciliar e por
outro lado o direito do Estado de tutelar o interesse da sociedade na efetiva persecução criminal para buscar e eventualmente apreender/ prender, pessoas, objetos
ilícitos ou aqueles que constituam meio de prova de crimes cometidos por pessoas que utilizam o domicílio para se ocultar ou esconder estes objetos, o Código de
Processo Penal15 apresenta um rol com os elementos que podem sofrer eventual
15 Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal. § 1o Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:
a) prender criminosos; b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos; c) apreender instrumentos de falsificação ou
de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos; d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou
destinados a fim delituoso; e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu; f) apreender cartas, abertas ou
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Execução do mandado de prisão nas hipóteses de violação domiciliar
busca. Em decorrência da importância do assunto e da devida ponderação entre os
valores suscitados a Constituição Federal apresentou regras a serem observadas
pelas autoridades que cumpram o mandado de busca e apreensão.
Ocorre mesma tratativa entre o mandado de prisão e o mandado de busca e apreensão em relação a clausula de reserva jurisdicional podendo ser determinado única e exclusivamente por autoridade judiciária, jamais por qualquer
autoridade administrativa, como policial, ou membros do Ministério Público.
Alerta-se sobre a revogação tácita do dispositivo do Código de Processo Penal16
que prevê a possibilidade da medida ser realizada por autoridade policial sem
mandado judicial por nítida afronta a Constituição Federal.
Será abordado o procedimento do cumprimento do mandado de busca e
apreensão de forma contundente valendo-se da preciosa lição dos professores
Alencar e Távora (2014, p. 603-604): I- A diligência é executada por oficiais de
justiça ou policiais (civis, federais, rodoviários federais ou militares), pode ser
cumprida diretamente pelo Juiz, porém, não é recomendado sob pena de ferir a
sua imparcialidade; II- Antes de adentrarem na residência, os executores mostrarão e lerão o mandado ao morador, ou representante, intimando-o na sequencia
a abrir a porta, nesse caso não seja cumprido será arrombada a porta e forçada
a entrada e possível enquadramento no delito de Desobediência daquele que se
recusou; III- Pode haver o emprego da força contra objetos e coisas para vencer a resistência para o cumprimento do mandado; IV- Caso o morador não esteja presente à diligência será realizada na presença de testemunhas e poderá ser
utilizada a força para desobstruir obstáculos; V- Descoberta a pessoa ou a coisa
procurada, esta será imediatamente aprendida e ficará sob a custódia da autoridade e seus agentes, se tratar de infratores, devem ser encaminhados ao estabelecimento prisional; VI- encerra-se a diligência com a lavratura pormenorizada do
auto circunstanciado, assinado pelos executores e duas testemunhas presenciais.
4. MANDADO DE PRISÃO E O CONFLITO COM O
DIREITO DE INVIOLABILIDADE DOMICILIAR
Os capítulos apresentados anteriormente apresentaram diretrizes relacionadas ao cumprimento de mandado de prisão e mandado de busca e apreensão,
porém, faço o alerta sobre o que expressa dois dispositivos de forma bem específica no próprio Código de Processo Penal de um lado está o artigo 240, §1º,
“a” com a seguinte redação: “A busca será domiciliar ou pessoal. § 1o Procederse-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para: a) prender
criminosos.
Esta regra é complementada pela redação do artigo 243, §1º do Código de Processo Penal: “O mandado de busca deverá: § 1o Se houver ordem de
prisão, constará do próprio texto do mandado de busca”. Verifica-se que caso
exista necessidade de ser realizada a prisão por mandado de qualquer pessoa
que esteja protegida por seu domicílio haverá necessidade de consta-la no mannão, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação
do fato; g) apreender pessoas vítimas de crimes; h) colher qualquer elemento de convicção.
16 Art. 241: Quando a própria autoridade policial ou judiciária não a realizar pessoalmente, a busca domiciliar deverá ser precedida
da expedição de mandado.
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Execução do mandado de prisão nas hipóteses de violação domiciliar
93
dado de busca. Diferente é a redação do artigo 293 do Código de Processo Penal afirmando que:
Se o executor do mandado verificar, com segurança, que o
réu entrou ou se encontra em alguma casa, o morador será
intimado a entregá-lo, à vista da ordem de prisão. Se não
for obedecido imediatamente, o executor convocará duas
testemunhas e, sendo dia, entrará à força na casa, arrombando as portas, se preciso; sendo noite, o executor, depois
da intimação ao morador, se não for atendido, fará guardar
todas as saídas, tornando a casa incomunicável, e, logo que
amanheça, arrombará as portas e efetuará a prisão.
Esta hipótese não fala em mandado de busca específico, apresenta apenas
a solução que deve ser tomada pela autoridade quando houver necessidade de
cumprir o mandado de prisão de pessoa que se alberga em domicílio, sem especificar que é necessário qualquer mandado de busca, ou seja, basta o mando de
prisão e as cautelas apresentadas.
As autoridades encarregadas de executar o mandado de prisão deparam-se constantemente com foragidos que percebem a perseguição das autoridades
e ocultam-se em casa própria ou alheia acobertando-se pelo manto da restrição
domiciliar. Em decorrência deste fato, aventa-se três possibilidades distintas que
serão abordadas com as seguintes considerações:
1) Se o foragido estiver na própria casa durante o dia ou se perceber que o executor está em seu encalço e resolver adentrar na própria residência: A autoridade deve utilizar boas maneiras e solicitar que o foragido
se apresente para que possa ser realizada a respectiva prisão, caso exista recalcitrância, o executor tomará as medidas necessárias para cercar a casa de
modo a impedir eventual fuga. Sendo a noite não será possível adentrar a
residência, cabe apenas aguardar o inicio do período diurno e logo que possível o executor munido do competente mandado convocará duas testemunhas e desobstruirá qualquer obstáculo utilizando a força necessária para se
chegar ao capturando e assim concluir a diligência com êxito. Neste caso a
doutrina diverge quanto a necessidade da simples apresentação do mandado de prisão, como o artigo 293 prescreve ou se é necessário apresentar em
conjunto o mandado de prisão e o mandado específico nos termos dos artigos 243,§1º e 240, §1º. Alencar e Távora, 2014, p.600-601, afirmam que
quando for necessário mandado de busca para prender criminosos se faz necessário à expedição de documento separado. Em seguida concluem de forma enfática, rechaçando a possibilidade de se descartar o mandado específico: “não bastaria a mera ordem prisional para que o domicílio pudesse
ser invadido” ainda em crítica discorrem: “o mandado de prisão acabaria se
transformando em algo vago, impreciso, sendo um cheque em branco autorizando o ingresso em qualquer domicílio, na suposição de que o infrator lá
esteja homiziado”.
Oportunamente e de forma contundente o professor Tourinho Filho,
(2007, p. 720) manifesta-se sobre o cumprimento desta eventual prisão da seguinte forma:
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Execução do mandado de prisão nas hipóteses de violação domiciliar
Há entendimento de que o simples mandado de prisão é
o quantum satis para que os executores possam adentrar
o domicílio, pressupondo ele “a autorização judicial para
a entrada na casa durante o dia” (apud Mirabete, Código
de Processo Interpretado, cit., 4.ed., Atlas, p. 342). Sem
embargo, como o mandado de prisão não contém essa autorização, que é específica, somos de parecer deva ela ser
expedida também. Do contrário a entrada é ilegal, configura crime de violação a domicílio e ainda sujeita o executor
às penas do art. 4º da Lei n. 4.898/65
Com todo respeito ao brilhantismo do magistério de Tourinho, data vênia, não seria possível entender que o executor do mandado seria responsável
pelo crime de abuso de autoridade, pois, os executores possuem determinação
judicial em mãos para cumprir ordem legal emanada de autoridade competente
a interpretação de necessidade ou não da duplicidade de mandado afasta a interpretação que eventualmente os agentes estejam atuando de forma deliberada com a intenção de cometer o crime de abuso de autoridade, portanto o fato
é atípico.
Cabe ressaltar que o mandado de prisão autoriza apenas a efetivação
da captura. Caso este se esconda em sua residência: “sua captura não mais
poderá ser efetuada sem mandado judicial de busca específico, que deverá trazer expressa autorização para a entrada no domicílio (LIMA,2014, p.
114)”
Pacelli, 2014, p. 574, estabelece parâmetros a serem observados para o
efetivo cumprimento do mandado de prisão e diz que a prisão, por e com mandado judicial, somente poderá ser realizada durante o dia, isto é, até às 18 horas. À noite, o executor deve guardar todas às saídas do local, e, tão logo amanheça o dia, o que se pode considerar a partir das 6 horas, arrombar as portas
da casa, na presença de duas testemunhas, se, intimado o morador (seja ele
ou não a pessoa a ser aprisionada), este não autorizar o seu ingresso. De forma semelhante Reis e Gonçalves (2013, p.400) afirmam as mesmas cautelas
já mencionadas por Pacelli e respectiva efetuação da prisão. Os doutrinadores em nenhum momento sugerem exigência da apresentação de mandado de
busca específico.
Por outro lado Nucci, 2013, p. 632, afirma que: “Não há necessidade de
autorização judicial (mandado de busca) para o arrombamento das portas e ingresso forçado no ambiente, que guarda o procurado, pois, o mando de prisão e
a própria lei dão legitimidade a tal atitude”. A opinião do doutrinador ajusta-se
de forma acertada aos anseios dos executores que se deparam com esta situação
e não dispõe de tempo hábil para solicitar autorização judicial, sob pena, de frustrar a diligência e o efetivo cumprimento da lei.
2) Pode ser que o foragido adentre a residência de terceira pessoa
com consentimento desta, neste caso o debate relativo ao cumprimento do
mandado de prisão se aplica de forma integral quanto a possibilidade de
cumprimento durante o dia ou noite e eventual uso da força, pois, o morador será intimado a apresentar o procurado e neste caso poderá haver a
recusa, porém, se entregar àquele que adentrou em seu domicílio as autoRevista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
Execução do mandado de prisão nas hipóteses de violação domiciliar
95
ridades estas não poderão tomar nenhuma providência em seu desfavor.
Nos casos de perseguição para cumprimento do mandado de prisão: “adentrando o perseguido numa residência, dele ou de terceiro, em sendo dia, o
mandado deve conter respectivamente a autorização para ingresso domiciliar, como já ressaltado anteriormente. Caso contrário, a omissão deve ser
suprida pela autoridade judicial para efetivação da invasão” (ALENCAR e
TAVORA, 2014, p. 706).
Em casos de recusa encontramos alguns pontos a serem abordados, enfrentando a problemática de forma persuasória Lopes Junior, 2013, p.713, na
sua obra aborda a finalidade de busca domiciliar e dentre elas está à hipótese de
prender criminosos, afirmando que: “trata-se aqui de buscar, não para apreender, mas sim para prender pessoas cuja prisão tenha sido previamente decretada.
O mando de prisão, por si só, não autoriza o ingresso na casa de terceiros onde
eventualmente o agente se esconda, sendo necessária a duplicidade de mandados (de prisão e busca)”.
O nobre advogado e doutrinador apresenta ponto de vista a fim de ajustar
os ditames dos dispositivos do Código de Processo Penal assegurando de forma garantista o respeito à violabilidade domiciliar, ao tratar da casa de terceiros.
Se a autoridade possuir em mãos o mandado de prisão e o de busca específica, o morador recusar-se a entregar o capturando este deverá ser conduzido e
apresentado à autoridade policial para ser tomadas as providências previstas no
Código de Processo Penal17. Lima, (2014, p.121) apresenta as medidas que serão
tomadas pela autoridade contra o morador, se for durante o dia, ao morador deve
ser dada voz de prisão em flagrante pelo crime de favorecimento pessoal previsto no Código Penal18, mas se for durante a noite o morador não será preso, pois,
se encontra no exercício regular de direito. Perfilham do mesmo entendimento
Alencar e Távora (2014, p. 705).
3) Por fim, se o foragido adentrar na residência de terceiro sem o consentimento do morador haverá possibilidade de prisão em flagrante, independentemente de ser durante o dia ou noite, pois a partir do momento que
ocorre o ingresso clandestino em casa alheia ou suas dependências sem consentimento de quem de direito ocorre o crime de violação a domicilio previsto no Código Penal19 e o foragido neste caso torna-se autor do delito em
situação que permite o flagrante próprio nos termos do Código de Processo
Penal20.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo foram abordados direitos constitucionais inerentes a natureza humana como a liberdade e a intimidade domiciliar que não podem ser tratados como direitos absolutos e, portanto, necessitam de relativização devidamente prevista na Constituição Federal e no Código de Processo Penal, pois, o
17 Art. 293, Parágrafo único. O morador que se recusar a entregar o réu oculto em sua casa será levado à presença da autoridade,
para que se proceda contra ele como for de direito.
18 Art. 348: Auxiliar a subtrair-se à ação de autoridade pública autor de crime a que é cominada pena de reclusão.
19 Art. 150: Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em
casa alheia ou em suas dependências.
20 Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem: I - está cometendo a infração penal.
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Execução do mandado de prisão nas hipóteses de violação domiciliar
Estado assegura de forma universal e indiscriminada a segurança de seus administrados e para este ônus é necessário possuir diplomas legais aptos para a execução da persecução criminal.
O mandado de prisão é necessário para a efetiva realização da justiça que
se faz através do Estado-juiz que por sua vez determina os executores, oficiais
de justiça e policiais o seu cumprimento, neste momento os executores são tratados como longa manus do Estado.
Para cumprir de forma efetiva esta função essencial, muitas vezes, ocorrerá à necessidade de violação domiciliar permitida pela Constituição e muitas
vezes as autoridades que estão em perseguição do foragido da justiça não possuem mandado de busca e apreensão específico para adentrar em determinada
residência, pois, nem sempre é possível prever qual a residência que o foragido pretende ingressar, como tratamos anteriormente, caso este ingresse em residência sem o consentimento do morador ocorre hipótese de flagrante delito por
crime de violação de domicílio o que autoriza aos executores ingressarem em
qualquer lugar e momento utilizando inclusive todo aparato que estiver a sua
disposição e efetuar a prisão.
Mas, a questão é tormentosa no momento em que há o ingresso do foragido na própria casa ou de terceiro com o consentimento deste, foram apresentadas divergências doutrinárias quanto a necessidade de duplicidade de mandados: um de prisão e outro de busca e apreensão específico. Quanto ao primeiro
mandado não há dúvidas que ele seja necessário em qualquer circunstância,
como também não há dúvidas que o domicílio só deve ser violado durante o dia
e nunca durante a noite, quanto ao segundo mandado entendo que é necessário
verificar a situação em concreto.
Se os executores estão no encalço de pessoa foragida que encontra-se
em via pública e este percebe que está sendo perseguido e busca meios de evadir e adentra a domicílio de alguém que consente com a sua fuga, as autoridades de imediato podem utilizar o mandado de prisão para adentrar ao domicílio e efetuar a prisão do indivíduo sob pena de não ser cumprida esta medida
no momento adequado e assim frustrar a diligência, assegurando-se de todos
os cuidados e solicitando a entrega do foragido de forma consensual e pacífica, antes de efetivamente entrar no domicílio, utilizando a força apenas se for
indispensável.
Por outro lado, o ideal é prever antecipadamente o local em que o foragido encontra-se domiciliado ou hospedado e assim de forma estratégica
assegurar o devido monitoramento da localidade e mediações utilizando todos recursos tecnológicos possíveis e assim que houver certeza a autoridade
policial poderá fazer uma representação para o Magistrado local com fulcro
na necessidade de se violar do domicilio para prender pessoa foragida conforme a previsão legal do Código de Processo Penal e consequentemente,
com a posse dos dois mandados cumprir a diligência com a devida segurança e eficiência.
Assim, somente se for possível e caso ocorram circunstâncias ideais se
faz necessário mandado específico em conjunto com mandado de prisão para
efetuar a prisão de capturando, o que em muitos casos concretos não será possível, nestes casos se a prisão no interior de domicilio ocorrer apenas com a exibiRevista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
Execução do mandado de prisão nas hipóteses de violação domiciliar
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ção do mandado de prisão está será considerada válida e legítima, não havendo
nenhuma nulidade contra o ato.
6. REFERÊNCIAS
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal Parte Especial. bª Ed. Salvador:
Juspodivm, 2014.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Especial. 6ª Ed. Niterói/RJ: Impetus,
2011, v 4.
LIMA, Renato Brasileiro de. Nova Prisão Cautelar. 3ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2014.
LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 10ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
MARCÃO, Renato. Curso de Processo Penal. 1ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 23ª Ed. São Paulo: Atlas, 2008.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 12ª Ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2013.
PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 18ª Ed. São Paulo: Atlas, 2014.
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 22ª Ed. São Paulo: Atlas, 2014.
REIS, Alexandre Cebrian Araújo e GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Processual Penal Esquematizado. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal.
9ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2014.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado. 10ª Ed.
São Paulo: Saraiva, 2007.
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Filosofia na EJA: formação da consciência cidadã
Juliano Vasconcelos1
[email protected]
Nilza Franchi2
[email protected]
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo discutir a importância e as
contribuições da filosofia aos educandos das etapas do Ensino Fundamental e Médio, sobretudo aos jovens e adultos que não tiveram acesso aos estudos no tempo oportuno. Neste intuito, visa a apresentar a possibilidade de
uma neorreinserção dos conteúdos filosóficos na educação, bem como seus
efeitos. Traz o conceito de Educação de Adultos (EJA), seus amparos legais, destaca conhecimentos sobre os modos de ser do aluno adulto, de agir,
como ocorre seu processo de aprendizagem e os conceitos de autoestima. A
educação é primordial na vida do indivíduo. Por isso, considera-se que a
EJA deixou de ser uma compensação e passou a ser um direito ao longo da
existência, efetivando-se como uma educação permanente a serviço do pleno desenvolvimento do educando. Com isto, observa-se que a filosofia possui os instrumentos necessários à desafiante proposta da referida pesquisa
por mediação do ato de filosofar. Do mesmo modo, a EJA por meio da filosofia, poderá efetivamente levar o jovem e o adulto a exercer plenamente a
cidadania.
Palavras-chave
Filosofia. Educação de Jovens e Adultos. Cidadania.
ABSTRACT
The present assignment has as objective to discuss the importance
and contributions of philosophy to students of the stages of primary and
secondary education especially to the young and adults who have not had
acess to studies in a timely manner.To his end, it aims to provide the possibility of a neo-reinsertion of the philosophical content in education as well
as their effects. Brings the concept of adult education (EJA), their legal protections, highlights knowledge about models to be the adult learner, to act
as their learning process and concepts occurs self-esteem. Education is paramount in one”s life. Therefore, it is considered that the EJA cease to be
clearing and became a right over the existence became as a continuing edu1 Juliano Vasconcelos. Discente do curso de Filosofia (Licenciatura) do UNIFEG.
2 Nilza Franchi. Especialista em Metodologia e Didática do Ensino Superior; Especialista em Orientação em Orientação Educacional.
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cation service to the full development of the learner. Therefore we observe
that philosophy has the necessary instruments to challenging proposal of
this research by mediation of the act of philosophinzing.Similarly, by EJA
philosophy, can effectively lead the yçoung and the aduly to fully exercise
their citizenship .
1. INTRODUÇÃO
A Educação é o caminho pelo qual o ser humano busca a sua realização
ao longo da existência. Por sua vez, a escolarização é um direito previsto por
lei, mas muitas vezes não exercido por muitos cidadãos. São jovens e adultos,
senhores e senhoras que foram excluídos, privados desse direito em algum momento da sua vida, muitas vezes por motivos alheios à vontade.
A Educação de Jovens e Adultos - EJA – visa a oferecer uma nova oportunidade para iniciar ou dar continuidade ao processo de escolarização dos indivíduos que pretendem inserir-se no mercado de trabalho ou ingressar em uma
universidade. Assim, esses poderão exercer os seus direitos e cumprir os seus
deveres de cidadãos em igualdade com os demais.
A problemática do texto gira em torno de como reinserir os conteúdos filosóficos na Educação de Jovens e Adultos, não somente do ponto de vista legal,
conceitual, mas procedimental e atitudinal.
Mesmo se considerando que a disciplina de Filosofia seja relevante
no processo ensino-aprendizagem, essa ainda não recebe suficiente atenção
nas outras modalidades de ensino, ou seja, na Educação Infantil e nos Ensinos Fundamental e Médio, sendo que, neste último, tornou-se obrigatória novamente, a partir de 2008, depois de se ausentar por mais de quarenta
anos.
Pretende-se neste estudo apresentar a modalidade Educação de Jovens
e Adultos inserida na Educação Básica, conhecer a importância da Filosofia
como disciplina que instiga o ato de pensar e analisar sua aplicação no Ensino Médio, especialmente na modalidade EJA, com vistas a uma aprendizagem
consciente.
Esta pesquisa bibliográfica se justifica pela necessidade de questionar o
pensamento, o ato de ensinar a pensar e o ato de filosofar, mesmo que na idade adulta, pois se acredita que este seja fundamental na formação da consciência cidadã.
A revisão de literatura será embasada em autores como Bastos (2003),
Chauí (2000), Cotrim (2002), Di Pierro (2005), Lipmam (1990), RCR (2013),
dentre outros.
Na primeira parte será apresentada a modalidade EJA, sua caracterização, legislação atual e concepção metodológica; na segunda, salientada a disciplina de Filosofia como fator primordial na construção do pensamento reflexivo
do jovem e adulto. Será finalizada com a discussão sobre o desafio de se trabalhar os conteúdos filosóficos na EJA em busca da formação da consciência crítica do cidadão.
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Filosofia na EJA: formação da consciência cidadã
2. CARACTERIZAÇÃO, LEGISLAÇÃO ATUAL E
CONCEPÇÃO METODOLÓGICA DA EJA
101
No currículo escolar nacional de ensino, ao considerar o Referencial Curricular de Rondônia – RCR (2013), a Educação de Jovens e Adultos - EJA - caracteriza-se como uma modalidade inserida na Educação Básica, tendo como
fases, o Ensino Fundamental e Médio, respectivamente. Ainda pode ser caracterizada como educação pública para pessoas com experiências diferenciadas de
vida e de trabalho. Sendo esta uma modalidade da Educação Básica, garante a
jovens e adultos (a partir de 15 anos) o direito à formação na especificidade de
seu tempo humano e assegura-lhes a permanência e a continuidade dos estudos
ao longo da vida.
Assim sendo, a EJA tende a oferecer oportunidade estudantil às pessoas que não ingressaram e até mesmo às que não tenham concluído esses níveis
de ensino no tempo oportuno. Ademais, a Educação de Jovens e Adultos busca
também preparar as pessoas para que tenham acesso ao mercado de trabalho e
possam exercer sua cidadania de modo íntegro. Busca, ainda, proporcionar aos
jovens e adultos um aprendizado educacional apropriado, considerando os interesses, as características e a realidade existencial dos educandos.
Porém, para que haja um resultado satisfatório nesse processo, deve-se
observar que:
A EJA orienta-se pelos princípios éticos da autonomia, da
responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem
comum; princípios políticos dos direitos e deveres da cidadania; do exercício da criticidade e do respeito à ordem
democrática; princípios estéticos da sensibilidade, da criatividade e da diversidade de manifestações artísticas e culturais (RCR, 2013, p.13).
A Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional, LDB 9.394/96, oferece a garantia de uma Educação Básica aos Jovens e Adultos que desejam usufruir o seu direito de cidadãos ao ocuparem o seu espaço na sociedade.
Neste sentido, a legislação explicita
Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada
àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria.
§ 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos
jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos
na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas,
consideradas as características do alunado, seus interesses,
condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.
§ 2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e
a permanência do trabalhador na escola, mediante ações
integradas e complementares entre si.
§ 3o A educação de jovens e adultos deverá articular-se,
preferencialmente, com a educação profissional, na forma
do regulamento. (Incluído pela Lei nº 11.741, de 2008)
Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames
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Filosofia na EJA: formação da consciência cidadã
supletivos, que compreenderão a base nacional comum do
currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em
caráter regular.
§ 1º Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão:
I - no nível de conclusão do ensino fundamental, para os
maiores de quinze anos;
II - no nível de conclusão do ensino médio, para os maiores de dezoito anos.
§ 2º Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos por meios informais serão aferidos e reconhecidos
mediante exames (BRASIL, LDB 9.394/96, online).
Ressalta-se que, no ano de 1997, realizou-se na Alemanha, na cidade de
Hamburgo, a V Conferência Internacional de Educação de Adultos – CONFINTEA - com a presença de 170 países, totalizando 1.500 representantes. Nessa
conferência foram assumidos compromissos relevantes considerando-se o direito de todos os cidadãos no que concerne
à aprendizagem ao longo da vida, concebida para além da
escolarização ou da educação formal, incluindo as situações informais de aprendizagem presentes nas sociedades
contemporâneas, marcadas pela forte presença da escrita,
dos meios de informação e comunicação (DI PIERRO in
UNESCO, MEC, RAAAB, 2005, p.17).
No tocante à orientação da aprendizagem de adultos, Knowles, em RCR
(2013) faz uma alusão à Andragogia (termo ainda não consensual) alegando ser
esta a arte ou ciência que faz estudos das melhores práticas; que avalia a experiência como uma fonte rica que leva os adultos a aprender. Há uma motivação
maior para que os mesmos sejam conduzidos à aprendizagem, isto é, partindo
de suas próprias experiências de vida, bem como suas necessidades e interesses.
Deste modo, esse percurso educacional busca compreender o adulto, norteando-o no processo de ensino-aprendizagem (RCR, 2013).
Percebe-se que os adultos possuem sensibilidade a estímulos de natureza externa, mas constata-se que são os fatores intrínsecos como, por exemplo, a
autoestima, que proporcionam a motivação para que cheguem à devida aprendizagem. O educador Paulo Freire defende que o adulto deve ser ensinado de
tal maneira que aprenda a ler a realidade, para então, poder transformá-la (RCR,
2013).
Imergida na contemporaneidade, a educação tem passado por diversas
transformações no decorrer do tempo, isto é, sofreu mudanças em todos os seus
níveis frente a um mundo marcado pelo avanço científico-tecnológico. Por isso,
observa-se que: “Nessa perspectiva, a educação é um desafio constante, na qual
a luta contra o insucesso escolar, as novas metodologias e técnicas de ensino, a
qualificação dos professores, a integração escola- família são requisitos fundamentais no processo de educar para a vida” (RCR, 2013, p.21).
No que diz respeito à formação de seres autônomos, Philippe Perrenoud,
no RCR (2013), identificou algumas categorias que dão suporte para tal finalidade. Contudo, ele utiliza uma palavra-chave que enfatiza suas categorias; “saRevista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
Filosofia na EJA: formação da consciência cidadã
103
ber”. Não se trata aqui de um simples saber, mas daquele que carrega consigo
uma diferença transparente em meio à realidade, ou seja, que identifica, avalia,
constrói, transforma, analisa e sabe conviver com regras. Assim, parte-se do
pressuposto de que o indivíduo terá um maior desenvolvimento de sua criatividade e potencial; capacitando-se para enfrentar a vida em suas mais variadas situações (RCR, 2013).
Nesta linha de pensamento, principalmente o educador Paulo Freire contribuiu muito para a Educação de Jovens e Adultos, inspirando os principais programas de alfabetização e educação popular no Brasil. Idealizou uma proposta
de educação que visava a explorar os conhecimentos intrínsecos de cada um, ou
seja, os conhecimentos e experiências de vida que podem ser fonte de auxílio do
professor no processo de alfabetização, principalmente dos adultos (BASTOS
et al., 2003).
Paulo Freire também criticou o sistema tradicional que utilizava cartilhas como ferramentas centrais da didática para o ensino da leitura e da escrita,
pois ele valorizava muito a mediação do professor, o que não acontecia na aplicação do método tradicional. Para Freire, o diálogo deveria ser construído por
meio de ideias entre educador e educando, para atingir a educação básica, isto
é, a aquisição dos conhecimentos necessários ao exercício da cidadania (BASTOS et al., 2003).
“Diferentemente dos moldes da pedagogia conservadora, o ensino da
educação de Jovens e Adultos está intimamente ligado a alguns pressupostos
da Andragogia de modelos pedagógicos transformadores” (RCR, 2013, p.13).
Sendo assim, deve-se considerar o conceito de aprendente – responsável
por sua aprendizagem, estabelecendo e delimitando o seu percurso educacional;
necessidade do conhecimento – o adulto conhece a necessidade da aquisição do
conhecimento; motivação para aprender – motivações externas, trabalho, salário; motivações internas; crescimento, autoestima, reconhecimento, atualização
e outras; papel da experiência – experiências bastante diversas e é a partir delas que o adulto se dispõe a participar ou não de algum programa educacional;
prontidão para o aprendizado – o adulto tem orientação pragmática, aprende o
que decide aprender, seleção de aprendizagem é natural e realista, retenção tende a decrescer quando percebe que o conhecimento não pode ser aplicado imediatamente, experiências de aprendizagem de acordo com unidades temáticas
(GIL, 2006).
Ao analisar os pressupostos abordados pela Andragogia e compará-los
ao modelo transformador de Paulo Freire, verificam-se pontos coincidentes,
sendo que o aprendiz é a principal referência.
Há, ainda, a teoria desenvolvida pelo psicólogo Vygotsky, o socioconstrutivismo ou sociointeracionismo, em comunhão com a teoria construtivista de
Piaget, desenvolvida vinte e cinco anos outrora; ambas defendem a construção
da inteligência do homem a partir de sua relação com o meio (BASTOS et al.,
2003).
Vygotsky “enfatiza que o meio influencia o homem e o homem influencia, forma e transforma o meio” (apud BASTOS et al., 2003, p.6). Portanto, o
professor tem que ser um mediador em sua relação com o aluno, auxiliando-o
em suas aprendizagens individuais, isto é, o desenvolvimento do sujeito é conRevista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
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Filosofia na EJA: formação da consciência cidadã
quistado a partir de sua aprendizagem, na zona de desenvolvimento proximal.
Piaget “considera que o conhecimento se dá a partir da ação do sujeito
sobre a realidade (sendo o sujeito considerado ativo), e que a aprendizagem depende do estágio de desenvolvimento atingido pelo sujeito” (apud BASTOS et
al. 2003, p.6).
Ao tomar a concepção metodológica de Vygotsky e compará-la à teoria
construtivista de Piaget verificam-se pontos comuns. Ambos acreditam que todo
aluno traz para a escola um grau de conhecimento adquirido em suas vivências.
Enfim, pode-se considerar, por meio dos teóricos abordados, que a EJA
possui metodologias diferenciadas, mas a relevância encontra-se no fato de que
estas devem adequar-se à realidade existencial do jovem e adulto para que estes
possam exercer plenamente a sua cidadania.
3. CONCEITUAÇÃO DA FILOSOFIA E DA
IMPORTÂNCIA DO ATO DE FILOSOFAR (PENSAR)
O cotidiano apresenta ao ser humano inúmeras evidências e estas o colocam frente a uma gama de afirmações, negações, desejos, aceitações ou recusas
de coisas; até mesmo de pessoas e situações. Por isso, o homem se vê cercado
por questionamentos que o levam a pensar o próprio pensamento, na ânsia de
conhecer a existência de todas as coisas mais de perto. No entanto, as perguntas: “o quê”, “como” e “por quê”, são referências à capacidade de conhecer e de
pensar do ser humano (CHAUÍ, 2000).
Nesta perspectiva, as indagações e crenças silenciosas fazem parte da
vida social e cultural de uma sociedade que vive na busca incessante de respostas imediatas e satisfatórias. Mas a atitude filosófica deve vir em primeira instância, para que a busca do real sentido para a vida seja coerente e promissora.
Com vistas a uma compreensão mais elaborada, Chauí assim se expressa
sobre a origem da Filosofia, “Os historiadores da Filosofia dizem que ela possui data e local de nascimento: final do século VII e início do século VI antes de
Cristo, nas colônias gregas da Ásia Menor [...], na cidade de Mileto. E o primeiro filósofo foi Tales de Mileto” (2000, p.28).
Juntamente com Tales de Mileto, filósofos como Anaximandro, Anaxímenes, entre outros, formam o grupo dos pré-socráticos; representantes como
primeiros filósofos gregos. Estes foram partícipes do alvorecer da filosofia naquele momento histórico da Grécia Antiga nos séculos aqui aludidos (COTRIM,
2002, p.73-79).
Afirma ainda que a filosofia, ao nascer, é também uma cosmologia, palavra formada por dois radicais: cosmos, que significa mundo ordenado e organizado; e logia, que vem de outra palavra chamada logos, que traz como significado pensamento racional, discurso racional, conhecimento. Constata-se,
deste modo, que a Filosofia nasce como conhecimento racional da ordem do
mundo ou da Natureza, confirmando a cosmologia como o lugar de sua origem
(CHAUÍ, 2000).
Salienta que a palavra filosofia é de origem grega, composta por radicais,
Philo e Sophia. A primeira significa amizade, amor fraterno, enquanto a segunda
quer dizer sabedoria, sábio. Conclui-se que filosofia é ser amigo da sabedoria,
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ter amor e respeito pelo saber. Assim, a pessoa sente uma forte aspiração para se
achegar ao conhecimento, emanado de um estado de espírito que ama e deseja o
conhecimento (CHAUÍ, 2000).
Ainda conforme Chauí, a invenção da palavra Filosofia é atribuída a Pitágoras, filósofo grego que viveu antes de Cristo. Ele teria afirmado que, apesar
da sabedoria plena e completa pertencer aos deuses, os homens podem chegar
a se tornarem filósofos exercitando o desejo e o amor a tal sabedoria (2000).
Em outras palavras, o que seria então Filosofia? Para que serve? No decorrer dos séculos, questões como estas eram tidas por enigmas a serem desvendados e, atualmente, são até desprezadas pela maioria das pessoas. Neste momento, entra em cena a postura filosófica, sendo capaz de instigar a consciência
humana. Isto porque se faz necessária a transição da consciência mítica para a
racional. Não obstante, como já se pode observar em relação à Filosofia, Aranha
e Martins salientam que,
O trabalho filosófico é essencialmente teórico. Mas isso
não significa que a filosofia esteja à margem do mundo,
nem que ela constitua um corpo de doutrina ou um saber
acabado, com determinado conteúdo, ou que seja um conjunto de conhecimentos estabelecidos de uma vez por todas (1993, p.85).
Ao voltar o olhar para os filósofos que deixaram rastros na história, percebe-se que cada um tem a sua concepção do ato de filosofar. Para Platão a virtude do filósofo parte da admiração. Esta o condiciona para a problematização
do objeto em questão, abalizando a Filosofia como busca da verdade e não como
sua possuidora. Para Kant, não se aprende Filosofia, mas sim a filosofar. Outro
filósofo, Merleau-Ponty, articulou que a verdadeira Filosofia é reaprender a ver
o mundo (ARANHA e MARTINS, 1993).
Nesta perspectiva, reitera-se que a Filosofia é uma atitude, um pensar
permanente, o qual questiona até mesmo o saber instituído. A partir daí, verifica-se que o filósofo tece o seu pensamento com os acontecimentos do cotidiano, revelando que a filosofia se faz presença real na própria história. Por isso,
há um paradoxo que movimenta o eixo da filosofia, fazendo com que ela esteja
imersa no mundo, mas também se mantém fora. É esta distância que o filósofo
deve tomar para que compreenda com mais precisão os problemas existenciais
da vida e do mundo em busca de possíveis transformações (ARANHA e MARTINS, 1993).
Em relação à exigência filosófica, Cotrim (2002) relata que esta se arraiga
na transição do senso comum para o crítico. O primeiro possui opiniões precárias
e insatisfatórias. Já o senso crítico mostra um raciocínio coerente, criativo e lógico.
Algo inerente à filosofia é que a mesma compreende todas as fases da
vida humana, desde a idade infantil à senilidade. Houve divergências entre alguns filósofos com afinidade à questão anterior. Enquanto Cálicles diz que a filosofia é somente para crianças, Platão afirma que é somente para adultos. Mas
a relevância encontra-se em Lipman, ao discorrer sobre a filosofia no processo
educacional do homem. Nesse intuito ele diz que
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[...] há muito se desconfiava que a filosofia, apesar de sua
carapaça exterior, carregava dentro de si tesouros pedagógicos de grande generosidade e que esses tesouros poderiam
algum dia, seguir o “método Socrático” e dar sua valiosa
contribuição para a educação [...] (LIPMAN, 1990, p.19).
Ademais, conforme Lipman (1990), a filosofia é uma sobrevivente em
meio a tantas turbulências e, com o passar do tempo, acabou permanecendo
como uma disciplina acadêmica, com acesso restrito somente aos estudantes ingressos em universidades.
Nesse panorama, observa-se que aplicar filosofia é diferente de fazer filosofia. E é exatamente nesta última que se pautava o grande filósofo Sócrates.
Este dizia que a filosofia não é uma profissão, mas sim um modo de vida. Contudo, se torna desafiante reconhecer que, como forma de vida, qualquer ser humano pode dedicar-se à filosofia (LIPMAN, 1990).
Provavelmente você já deve ter ouvido alguém dizer a expressão “filosofia de vida”. Mas, afinal, o que ela significa? Vejamos: o ser humano em seu itinerário está sempre dando sentido às coisas e neste viés podemos verificar que
há um filosofar por detrás dessa ação que o “homem comum” nem se dá conta.
No entanto, ele está filosofando de maneira espontânea; ao que chamamos de filosofia de vida (ARANHA E MARTINS, 1993).
Ao realizar a análise contextual de vida do homem, depara-se com diferentes filosofias de vida. Neste emaranhado de situações, sabe-se que o ser humano é naturalmente racional, um ser pensante; porque pensar é próprio dele,
segundo Gramsci. Por isso, o homem há de tomar variadas decisões, porém, é
preciso um reconhecimento de tais decisões. Deste modo, ele deve encontrar-se
numa incessante busca para que haja abertura às possibilidades de autoconhecimento (ARANHA E MARTINS, 1993).
A partir do exposto, o filósofo e teólogo Buzzi assegura que
O exercício de pensar por si mesmo é a arte das artes, porque exige sensibilidade, treino intelectual, disciplina corporal. Na arte de pensar encontramos o real, achegamo-nos ao seu íntimo. Assim voltamos a habitar a terra como
árvores vivas da floresta, bem enraizados, no sabor de sua
profundidade (1991, p.16).
Assim sendo, no próximo momento deste texto, busca-se estabelecer
uma intrínseca relação entre os princípios básicos da educação frente a uma filosofia que ofereça condições ao jovem e ao adulto de exercer socialmente os
seus direitos e deveres com dignidade.
4. A APLICAÇÃO DOS CONCEITOS FILOSÓFICOS
NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
É impressionante àquele que num determinado momento da vida para e
observa a organização que a natureza demonstra ao mundo e que, não poucas
vezes, passa despercebida pelo homem. Por isso, insetos como formigas e abeRevista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
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lhas possuem um comportamento avançado na busca de sobrevivência e ao mesmo tempo vão transformando a natureza à sua volta. Pode-se, assim, comparar
esse fato que parece ser insignificante com o processo de educação que, por sua
vez, tende a ser útil para o progresso humano (COTRIM e PARISI, 1981).
Por que se iniciou esta parte do texto com esse fato? Porque há milhares
de anos o homem sempre tem buscado melhores condições para sobreviver. Por
isso, desde aquela época ele fazia uso do pensamento, o que fez com que perpetuasse o seu objetivo fundamental, isto é, a sua sobrevivência. Ademais, quando
se faz alusão ao ato de ensinar a pensar, de forma específica aos jovens e adultos, pretende-se explicitar que o pensamento humano deva ser desafiado à medida que os problemas surgem, na busca de solucioná-los (RATHS et al., 1977).
Neste intuito, vê-se a necessidade de estimular o pensamento dos alunos,
isto é, levá-los a perguntar, examinar, analisar, desafiar. Porém, não pode ocorrer o pressuposto de que em todas as circunstâncias é possível ensinar a pensar.
A partir desta afirmação, aponta Raths, “é importante reconhecer oportunidades
para ensinar a pensar, mas é igualmente importante reconhecer quando ensinar
a pensar seria inadequado” (RATHS et al., 1977, p.318).
Por conseguinte, constata-se que a filosofia é necessária à vida humana,
pois, eis que ela busca outra dimensão da realidade com vistas a uma reflexão
consciente e favorável. Sendo assim, com relação à educação, de maneira peculiar na educação escolar dos jovens e adultos, os conceitos filosóficos fundamentam-se numa ação educativa capaz de influenciar na maneira de ser da existência
humana. E, ainda, por meio da filosofia cada pessoa deve aprender a filosofar e a
compreender que aquela é mais que um saber; é uma atitude diante da vida.
Com base no que vimos, salienta-se, brevemente, que o PROEJA (Programa Nacional de Integração da Educação Básica com a Educação Profissional na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos), iniciou-se com o Decreto
5.478, de 24 de junho de 2005, cuja finalidade é a universalização da educação
básica de qualidade, tendo em vista ainda que o que gira em torno do PROEJA
é a observação do desenvolvimento da cidadania. Em conjunto ao decreto aqui
aludido, a Lei de nº 11.684, de 2008, tornou obrigatório o ensino das disciplinas de Filosofia e Sociologia em todas as escolas de Ensino Médio (SANTOS e
CHAGAS, 2011). Deste modo, busca-se uma formação humana não somente no
âmbito profissional, mas enquanto sujeito ativo que constrói a sua própria vida,
mergulhado nas incertezas do mundo.
Cidadania é a participação na vida pública de maneira ativa e participativa. A partir desta afirmação, Santos e Chagas esclarecem que
a forma pela qual os conteúdos de Filosofia ganham relevo, inseridos na formação de indivíduos, principalmente
daqueles que são marcados por trajetórias descontínuas,
como no caso dos alunos da EJA, é levar ao desenvolvimento amplo do acesso à cidadania (2011, p. 194).
Neste prisma, Cotrim e Fernandes apresentam o papel da Filosofia nas
escolas brasileiras por meio da interpretação do artigo 35, da LDB, que estipula
as quatro finalidades do ensino médio, a saber:
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Filosofia na EJA: formação da consciência cidadã
I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos
adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;
II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do
educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz
de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
III - o aprimoramento do educando como pessoa humana,
incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;
IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com
a prática, no ensino de cada disciplina (apud BRASIL,
1996, p.14).
Há uma proposta que visa a uma educação consistente e madura, isto
é, que torne possível a estruturação de uma nova filosofia da educação e, que
esta realmente possa manter um relacionamento íntegro desde o espaço-escola, passando pelos professores e alunos até chegar a seus conteúdos e métodos
bem como recursos mais sofisticados. Não obstante, isto só se tornará realidade
quando houver uma adoção efetiva do parecer mencionado anteriormente; tanto por parte dos poderes públicos como também dos educadores e educandos.
Inserem-se ainda neste contexto os diversos segmentos sociais (PILETTI; PILETTI, 1988).
O Brasil tem enfrentado graves desafios com relação à educação. Por
isso, a educação não pode ser vista como um atributo que desempenhe o papel
de modelar a personalidade da criança e do jovem ou até mesmo do adulto, levando-se em conta que, atuando assim, seria acomodar-se passivamente e submeter-se à ordem vigente (PILETTI; PILETTI, 1988).
Qual seria então o papel fundamental da Educação Básica e, mais especificamente, da EJA? Claudino Piletti e Nelson Piletti respondem a esta questão
assegurando que
[...] segundo a legislação vigente, é proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas
potencialidades. Se é verdade que tal desenvolvimento
deve levar à preparação para o trabalho, é também verdade
que deve propiciar a preparação para o exercício consciente da cidadania e a auto-realização (1988, p. 256).
Como já aludimos, ao invés de uma modelagem da personalidade, deve-se dar um auxílio ao estudante para que seja capaz de conscientizar-se por si
próprio acerca de sua real situação. Sendo assim, o estudante poderá exercer de
tal forma a sua autonomia que terá condições, ainda que mínimas, para que haja
a transformação da realidade que o cerca. Ademais, para que o pressuposto possa se processar, entram em cena também o desejo de aprender e a curiosidade;
os quais, por sua vez, não devem ser impostos ao aluno por meio da escola. Porém, aqueles são, por sua vez, naturais e universais nos seres humanos (PILETTI e PILETTI, 1988).
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No entanto, a partir do momento em que a escola busca descobrir caminhos para a realização desse desejo em conformidade com a curiosidade, “acreditamos que nela os alunos encontrem uma fonte de prazer, de satisfação, de realização pessoal. Se isso não acontece é porque algo deve estar errado” (PILETTI
e PILETTI, 1988, p. 257).
É notável que o ensino de Filosofia, inserido em qualquer modalidade de
ensino, possui uma intrínseca relação com tudo aquilo que diz respeito ao social. A filosofia possibilita uma mudança na sociedade, envolvendo os contextos
econômicos, políticos e ideológicos, por proporcionar uma melhor compreensão
da transformação social do meio em que os indivíduos marcam presença. Entretanto, nessa circunstância, o aluno é motivado a passar de um estado meramente
passivo para o estado do ser ativo, sendo membro integrante de uma sociedade.
Considera-se que tal aluno tenha acesso aos valores e crenças em que o próprio
docente venha a ministrar. Agindo, assim, “que se estabeleça um contato pleno,
em que ele possa contribuir para a construção de uma cidadania eficaz e com os
mesmos direitos para todos” (MOTA, 2013, p.21).
Atualmente, o ensino de Filosofia tem-se deparado com grandes dificuldades em relação aos alunos da EJA. Uma dentre as várias, e que é considerada de maior grau, aponta para o desenvolvimento de uma metodologia capaz de
atender o fato pelo qual essa modalidade de ensino esteja passando. Por isso, é
constatada, tanto no aluno quanto no professor, uma deficiência que não poucas
vezes acaba defasando a educação e, talvez por este motivo, não chegue a uma
autêntica prática social (MOTA, 2013). Nesse sentido, Claudino Piletti e Nelson
Piletti afirmam que “o conhecimento é tanto mais eficiente quanto se fizer na
prática e levar a uma prática coerente e consciente” (1988, p. 257).
Não obstante, se faz necessária uma preparação metodológica, para que
ocorra a facilitação da aprendizagem dos conteúdos oferecidos ao alunado da
EJA. Apesar disso, é preciso que se crie um plano de ensino que estimule a desenvoltura inerente ao aluno, para que o mesmo, ao assimilar as questões indicadas, possa derrubar os empecilhos contraídos ao longo do processo descontínuo
dos estudos (MOTA, 2013).
Porque o aluno da EJA tem dificuldades, é preciso que se realize um estudo mais profundo para que haja uma maior compreensão das expectativas do
referido alunado. No entanto, Mota levanta um questionamento:
Será um desafio para o professor de Filosofia, que leciona
na modalidade EJA, fazer com que seu alunado absorva
um conteúdo reflexivo, que o estimule não só ao pensamento crítico, mas à formação de sujeitos na consumação
de sua cidadania (2013, p. 22).
Alicerçado no exposto até o momento, é evidente a importância da Filosofia como auxílio no processo da formação cidadã. Uma vez que se tomarem os
artigos 35 e 36 da LDB (Lei 9.394/96) observar-se-á que eles vêm reafirmar esta
declaração. A Filosofia ainda tem como intenção a busca de uma totalidade por
meio de uma interdisciplinaridade. Mas, por que interdisciplinaridade? Porque
deve haver uma interação de outras disciplinas com a Filosofia dentro da grade
curricular do Ensino Médio. A partir daí, pode-se proporcionar aos alunos, e de
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Filosofia na EJA: formação da consciência cidadã
modo particular aos jovens e adultos, uma formação ampla e com aquisição de
conhecimentos pertinentes e eficazes (AMORIM, 2009).
Compreende-se que o processo de ensino é infinito, sendo ele um conjunto de ponderações e reflexões que despertam e levam a uma melhor compreensão dos acontecimentos que imergem o ser humano na dinâmica da vida.
Logo, esse processo educacional necessita de elementos de influências, tanto de
condições internas como externas. Isto implica a mediação do professor ao trabalhar determinado conteúdo ao aluno. A despeito disso, o filósofo existencialista francês Jean Paul Sartre, citado por Amorim, expõe em sua conferência O
existencialismo é um humanismo que
[...] preparando o aluno para ‘ser humano’ (ser ‘humano’
no estrito sentido antropofilosófico), preparando o aluno a
‘encarar a vida’; a ter a plena consciência de que mesmo
‘excluído’ do sistema, deve buscar meios de sobrevivência. Deve-se preparar o ser humano a ter consciência de
sua existência, a ter consciência de suas potencialidades e
de que realmente é responsável por suas decisões ao referendar ou não determinado tipo de vida (AMORIM, 2009,
p.139).
Existe ainda outro ponto de vista para se aplicar o ensino de Filosofia na
EJA. De que maneira vem até nós tal exigência? Trata-se de uma relação essencial entre educação, cidadania, somando forças com a democracia. Neste sentido, os alunos da EJA serão motivados a construir suas vidas históricas tanto no
âmbito intelectual quanto no social. Por isso, se faz necessário questionar como
a educação pode de forma efetiva colaborar na edificação de uma cidadania,
bem como de uma democracia; donde o alunado da referida modalidade se torne
pessoas suscetíveis à transformação de si e do meio (MOTA, 2013).
No assunto aqui explanado, constata-se uma necessária aplicação da cidadania e da democracia, nas aulas de Filosofia na EJA, em forma de temas que
façam uma reflexão sobre a realidade. Apesar de haver as diferenças em vários
aspectos dentre os homens, se estes estão inseridos numa sociedade onde exista a democracia de maneira efetiva, será possível a igualdade para uma convivência comum de cidadãos. Ademais, é preciso reconhecer a identidade desses jovens e adultos para compreendê-los mais profundamente. Desse modo,
Mota afirma que “[...] busca-se, assim, construir práticas reflexivas, partindo
para uma ressignificação, para entender essa modalidade e suas práticas pedagógicas no âmbito do ensino de filosofia” (2013, p. 23).
Portanto, acreditamos em uma educação melhor para os jovens e adultos,
pois a inclusão dos conteúdos filosóficos nessa modalidade poderá viabilizar
uma vida mais digna e humana para todos.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acreditamos ser evidente considerar que existem perspectivas fundamentais para o ensino. Podemos tomar, como exemplo, o desenvolvimento das
habilidades do ato de ensinar a pensar, tanto no jovem como o adulto, de maRevista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
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neira que possa exercer uma leitura de mundo, capaz de atingir outras pessoas.
Por isso, além de assumir a perspectiva de pensar, a filosofia traz ainda a arte
de vencer a aversão à leitura, bem como da escrita, a partir de reflexões interessantes, buscando-se, assim, um senso crítico e autonomia constante ante a vida.
Assim sendo, procuramos realizar alguns apontamentos acerca das possibilidades de se trabalhar a filosofia na educação de jovens e adultos. Porém,
compreende-se que apenas trazer indicativos para a escolha de conteúdos apropriados ou elevar um conceito de filosofia e de educação que podem até mesmo
orientar o desenvolvimento dos trabalhos é insuficiente. Não obstante, arriscamos demonstrar a necessidade de se pensar o ensino de filosofia além dos modelos do Ensino Fundamental e Médio. Queremos com este trabalho chamar a
atenção dos professores, principalmente daqueles que lecionam na modalidade
EJA. Apesar desta se encontrar ainda sombria e não ter recebido uma atenção
merecida e significativa, não pretendemos limitar o ensino ou prestígio da filosofia na Educação de Jovens e Adultos. Entretanto, aspiramos lançar ideias capazes de transformações nesse horizonte de possibilidades, uma vez que a filosofia é necessária na vida humana. Tendo em vista que, por meio daquele “olhar
de estranheza”, a filosofia possibilita outra dimensão da realidade além das necessidades de ordem prática, nas quais o ser humano encontra-se mergulhado.
Constata-se que, assim como em todo processo educacional, a EJA tem o
compromisso com a formação de cidadãos, haja vista que a educação e a cidadania são direitos fundamentais inerentes à condição humana. Contudo, por meio
da formação para a cidadania, os indivíduos podem compreender e exercitar a
participação social, comprometidos com os acontecimentos que influenciam seu
modo de vida e da sua comunidade.
Portanto, além do que delineamos, é perceptível que cada pessoa deve
aprender a filosofar, ter o direito de refletir por si próprio. Todavia, a partir do
momento em que o indivíduo torna-se capaz de superar a situação dada e repensar o pensamento e as ações que ele mesmo desencadeia, abre-se para a
mudança. Assim, pretende-se afirmar que o ensino de Filosofia não deve ter a
pretensão de se transmitir conteúdo filosófico, mas sim de, nesta aula, disponibilizar-se um espaço para reflexões que não devem se encerrar quando a aula
acaba. Logo, trabalhar a filosofia na EJA suscita a experiência de um pensar
permanente, pois, eis que a filosofia é e sempre será uma atitude diante da vida.
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COTRIM, Gilberto. Fundamentos da filosofia: história e grandes temas. 15. ed. São
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Impacto da implantação do protocolo assistencial
na diminuição de ocorrência de úlceras por
pressão em uma unidade de terapia intensiva
Maria Helena Silva Macedo1
[email protected]
Wanderci Marys Oliveira Abrão2
[email protected]
RESUMO
As úlceras por pressão representam um grande problema de saúde
determinando perda significativa na qualidade de vida nos doentes acometidos e acarretando altos custos com o tratamento e o aumento da morbidade e mortalidade. De acordo com a Literatura internacional a incidência de úlceras por pressão é de 3 a 14% e são as pessoas hospitalizadas as
mais acometidas, independente da faixa etária por ser a imobilidade um
fator predisponente ao surgimento da lesão. Avaliar o risco para o desenvolvimento de lesões na pele tem sido uma pratica cotidiana da enfermagem aos pacientes internados em UTI. O estudo teve como objetivo descrever a aplicabilidade do protocolo assistencial na prevenção de úlcera
por pressão no gerenciamento do cuidado em pacientes internados na unidade de terapia intensiva. Trata-se de um estudo transversal, desenvolvido na UTI da Santa Casa de Misericórdia de Guaxupé, situada no sul do
estado de Minas Gerais. Considerando-se como população alvo todos os
pacientes internados na UTI no referido período que desenvolveram UPP
durante o período de internação. O número de UPP apresenta queda significante, nos anos 2011 e 2012, após a introdução da educação continuada. Implantar protocolo assistencial em UTI é ferramenta fundamental e
de impacto no controle de incidência de UPP devendo ser bem articulado
para identificar e atender as reais necessidades do paciente, o que exige
conhecimento teórico e prático com planejamento de ações direcionadas
ao alcance das metas preestabelecidas.
Palavras-chave
Unidade de terapia intensiva; úlceras por pressão;
prevenção de úlceras por pressão.
1 Maria Helena Silva Macedo. Especialização em Gestão de Serviços de Saúde Pública pelo Centro Universitário da Fundação
Educacional Guaxupé (UNIFEG). Docente do curso de Enfermagem do UNIFEG.
2 Wanderci Marys Oliveira Abrão. Mestrado em Saúde na Comunidade pela Faculdade Medicina Ribeirão Preto (USP).
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
114
Impacto da implantação do protocolo assistencial na diminuição de ocorrência
de úlceras por pressão em uma unidade de terapia intensiva
ABSTRACT
Pressure ulcers represent a major health problem by determining significant loss in quality of life in affected patients and resulting high treatment costs
and increased morbidity and mortality. According to the international literature the incidence of pressure ulcers is 3-14% and are the most affected people
hospitalized, regardless of age to be immobility a predisposing factor to the onset of the injury. Assess the risk for the development of skin lesions has been an
everyday practice of nursing to patient in the ICU. The study aimed to describe
the applicability of the protocol in pressure ulcer prevention in care management in patients admitted to the intensive care unit. It is a cross-sectional study,
conducted in the ICU of Santa Guaxupé of Mercy House, located in the southern
state of Minas Gerais. Considering target population all ICU patients in that
period UPP developed during the hospital stay. The number of UPP has significant fall in the years 2011 and 2012, following the introduction of continuing
education. Implementing clinical protocol in the ICU is a fundamental tool and
impact on the control incidence of UPP must be well articulated to identify and
meet the real needs of the patient, which requires theoretical and practical knowledge to plan actions directed to the achievement of pre-established goals .
1. INTRODUÇÃO
As úlceras por pressão representam um grande problema de saúde para
sociedade na medida em que provocam uma redução significativa na qualidade
de vida nos doentes acometidos, pois podem causar dor, desconforto e deformidades acarretando altos custos com o tratamento e o aumento da morbidade e
mortalidade. (SILVA 2013). De acordo com a Literatura internacional a incidência de Úlceras por Pressão (UPP) é de 3 a 14% e são as pessoas hospitalizadas
as mais acometidas, independente da faixa etária por ser a imobilidade um fator
predisponente ao surgimento da lesão (MENEGON ET AL; 2007). Rodrigues et
al (2008), aponta que as úlceras por pressão são lesões resultantes de uma pressão contínua na pele,e tecidos moles, principalmente em áreas de proeminências
ósseas, por tempo prolongado afetando a integridade e resistência da pele causando área de necrose tissular. Somados á intensidade e duração da pressão, outros determinantes que merecem destaque são os fatores intrínsecos e extrínsecos desencadeadores das lesões como: fricção, cisalhamento, umidade, redução
e ou perda da sensibilidade e força muscular e imobilidade.
Menegon et al (2007) aborda a importância do trabalho de uma equipe
multidisciplinar e destaca o papel dos profissionais da enfermagem que assistem diretamente os pacientes e mostram se essenciais na identificação e prevenção de riscos para lesões e apoio emocional junto aos doentes e familiares.
Para Silva et al (2013) Cabe a estes profissionais a responsabilidade da
sistematização da assistência de enfermagem baseado em métodos científicos e
da educação continuada com elaboração de planos e medidas interventivas para
o controle e redução do número de incidência de úlceras por pressão.
A UTI é o local destinado ao tratamento de pacientes críticos com alteraRevista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
Impacto da implantação do protocolo assistencial na diminuição de ocorrência
de úlceras por pressão em uma unidade de terapia intensiva
115
ções em órgãos vitais, instabilidade hemodinâmica que demanda monitorização
continua e realização de procedimentos invasivos e alto índice de dependência
relacionado a condição clinica ( Dantas el al 2013).
Nesta unidade de terapia intensiva vários fatores de risco como: alterações ou déficits nutricionais, umidade, ventilação mecânica, alterações circulatórias, mobilidade, com aumento da exposição a pressão, idade, sepses, doenças
crônicas, bem como período longo de hospitalização predispõe os pacientes a
ulcera de pressão ( SERPA et al 2011).
A avaliação do risco para o desenvolvimento de lesões na pele tem sido uma
prática cotidiana da enfermagem aos pacientes internados em UTI, por estarem em
condições mórbidas e propensos ao aparecimento de lesões (MOREIRA et al. 2009).
As intervenções de enfermagem relacionadas com a prevenção devem
estar interligadas com os fatores de risco e abordar aspectos como: cuidados higiênicos, posicionamento no leito, avaliação nutricional, cuidados com a integridade da pele assim como a sistematização do cuidado com a implementação
de protocolos enfatizando a educação em saúde e a uniformidade na prestação
da assistência (DANTAS et al. 2013).
O estudo tem como objetivo descrever à aplicabilidade do protocolo assistencial na prevenção de úlcera por pressão no gerenciamento do cuidado, em
pacientes internados na unidade de terapia intensiva.
2. METODOLOGIA
Trata-se de um estudo transversal, desenvolvido na UTI da Santa Casa
de Misericórdia de Guaxupé, situada no sul do estado de Minas Gerais. A coleta
de dados das hospitalizações realizada a partir do levantamento das notificações
em formulário da unidade o qual é composto de identificação do paciente, descrição do evento adverso e da região afetada e grau de intensidade das lesões,
ocorridas durante a internação no período compreendido entre os anos de 2011 e
2014, na Santa Casa de Misericórdia de Guaxupé. Considerando-se como população alvo todos os pacientes internados na UTI no referido período que desenvolveram UPP durante o período de internação.
Caracterização da unidade de terapia intensiva
A Santa Casa de Misericórdia de Guaxupé é um hospital do tipo geral,
público, médio porte dispõe de 101 leitos e de natureza filantrópico que atende
a microrregião composta por nove municípios, atende diversas especialidades
médica, cirúrgica, obstétrica, neonatal e pediátrica, abriga unidade de terapia intensiva para adultos, que possui oito leitos atendendo às clinicas anteriormente citadas. A equipe é formada por equipe médica, cinco enfermeiros, dezesseis
técnicos de enfermagem, uma psicóloga, uma assistente social, duas fisioterapeutas e uma nutricionista.
Considerações éticas
Autorizado o uso dos dados da instituição bem como citar sua razão soRevista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
116
Impacto da implantação do protocolo assistencial na diminuição de ocorrência
de úlceras por pressão em uma unidade de terapia intensiva
cial pelo médico coordenador da unidade de terapia intensiva da instituição.
3. RESULTADOS
O estudo realizado comparou o índice de ocorrência de úlcera por pressão antes a após a introdução do protocolo de assistência na unidade de terapia
intensiva na Santa Casa de Misericórdia de Guaxupé.
Gráfico 1 – Número de internações x Úlcera por pressão
O gráfico 1 demonstra que o número absoluto de internações é crescente
na unidade de terapia intensiva da Santa Casa de Guaxupé, no entanto o numero
de UPP apresenta queda significante, nos anos 2011 e 2012 apresentaram cerca
de 10% de acometidos, após a introdução da educação continuada cai para 1%
de pacientes que desenvolveram UPP.
Gráfico 2: Internações por faixa etária.
Distribuição número absoluto de internações na UTI da Santa Casa de
Guaxupé que desenvolveram UPP por faixa etária no período de 2011 a 2014.
A faixa etária mais acometida é de 90 anos, Wada et al. (2010) relata
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Impacto da implantação do protocolo assistencial na diminuição de ocorrência
de úlceras por pressão em uma unidade de terapia intensiva
117
que devido ao aumento da expectativa de vida da população , houve também um
grande aumento da incidência de úlceras por pressão, porém, diante da evolução técnica científica na área da saúde, é possível detectar os fatores de risco de
acordo com o grau de comprometimento da saúde do paciente e tomar medidas
preventivas a fim de garantir uma assistência qualificada .
Gráfico 3: Internações por patologias na UTI da Santa Casa de Guaxupé.
O Gráfico acima demonstra as patologias que mais levaram à internação
de pacientes na unidade de terapia intensiva e que desenvolveram UPP, no período de 2011 a 2014. Podemos constatar que a pneumonia é a patologia de maior
índice de ocorrência, seguida pelo acidente vascular cerebral e as cardiopatias.
4. DISCUSSÃO
Neste estudo procedeu-se à comparação dos índices de úlceras por pressão nas internações da UTI entre os anos de 2011 e 2014, na Santa Casa de Guaxupé, cidade do interior de Minas Gerais. A comparação pretendeu avaliar variantes que ocorreram no período que compreende a fase pré e pós-introdução
do protocolo de prevenção de Ulcera por pressão e conscientização da equipe pela educação continuada. Observou-se que no período pós-introdução das
ações houve redução de aproximadamente 9%.
Em relação à variável idade temos que a faixa etária entre 90 anos e mais
são os que mais desenvolvem UPP, conforme o estudo de Rogenski e Kurcgant
(2012), pesquisas apontam que até 2030 o índice da população idosa, que é a
população mais vulnerável irá crescer gradualmente, requerendo a intervenção
de profissionais qualificados para a elaboração e aplicação de métodos de prevenção e promoção à saúde.
Para Rodrigues et al (2008) outro determinante que merece destaque são
os fatores intrínsecos aqueles inerentes as condições de saúde do próprio indivíduo, e incluem situações locais e sistêmicas de risco para úlceras como: pessoas
com presença de morbidades como hipertensão arterial, diabetes, inconsciência, redução e ou perda da sensibilidade e força muscular, imobilidade, incontinência urinária ou fecal, deficiências nutricionais, anemias, índice de massa corporal muito alto ou muito baixo e doenças circulatórias.
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Impacto da implantação do protocolo assistencial na diminuição de ocorrência
de úlceras por pressão em uma unidade de terapia intensiva
A patologia que mais levou a internações nesta unidade é a pneumonia.
De acordo com o ministério da saúde pessoas idosas, hospitalizadas, ou que sofrem com algum tipo de doença crônica ou degenerativa são mais susceptíveis
ao surgimento ou agravo do problema, devido à longa permanência no leito,
como a pneumonia. (BRASIL, 2013)
Segundo Wada et al (2010), prevenir este tipo de lesão constitui um desafio para o cuidado de saúde e o estabelecimento das medidas preventivas além
de melhorar a qualidade de vida do paciente colabora com a redução de custos
para a instituição quanto para os familiares e ao próprio sistema de saúde ,considerando que os gastos com o tratamento das úlceras por pressão são maiores
do que os gastos com medidas preventivas em torno do agravo.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A implementação de protocolo assistencial em UTI é ferramenta fundamental e de impacto no controle de incidência de UPP devendo ser bem articulado para identificar e atender as reais necessidades do paciente, o que exige
conhecimento teórico e prático com planejamento de ações direcionadas ao alcance das metas pré-estabelecidas.
A prevenção de doenças e a promoção da saúde têm sido e deve ser sempre uma busca constante. A enfermagem é uma ciência humana cuja essência é
o cuidar, onde as ações são exercidas de forma holística por profissionais que
atuam no campo da prevenção, promoção e recuperação da saúde do indivíduo,
família e comunidade.
6. REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Anexo 02: Protocolo para Prevenção de Úlcera por Pressão. Ministério da Saúde/ Anvisa/ Fiocruz. 09/07/2013. Disponível
em: <http://www.anvisa.gov.br/hotsite/segurancadopaciente/documentos/julho/
PROTOCOLO%20ULCERA%20POR%20PRESS%C3%83O.pdf>.
Acesso
em: 5 março 2015.
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mar., 2013.
MENEGON, Dóris Baratz et al. Implantação do Protocolo Assistencial de Prevenção e Tratamento de Úlcera de Pressão no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Revista do HCPA. v. 27, n. 2. Disponível em:< http://www.seer.ufrgs.br/
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MOREIRA, R. A. N., et al. Condutas de enfermeiros no tratamento de feridas numa
unidade de terapia intensiva. Revista Rene v.10, n.3 p 83 -89 Fortaleza, 2009.
RODRIGUES, Michele Mendes; SOUZA, Michele de Souza e; SILVA, Jorge
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<http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index. php/cogitare/article/view/13117/8875>. Acesso em: 12 março 2015.
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Impacto da implantação do protocolo assistencial na diminuição de ocorrência
de úlceras por pressão em uma unidade de terapia intensiva
119
ROGENSKI, Noemi Marisa Brunet; KURCGANT, Paulina. Avaliação da
concordância na aplicação da Escala de Braden interobservadores. Acta Paul
Enferm. V. 25, n. 1, p. 24-28. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.
php?pid=S0103-21002012000100005&script=sci_arttext>.Acesso em: 10 março 2015.
SERPA, Letícia Faria, et al. Validade preditiva da Escala de Braden para o risco
de desenvolvimento de úlcera por pressão em pacientes críticos. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 19(1):[08 telas]. jan-fev 2011. www.eerp.usp.br/rlae. Acesso em 02/04/2015.
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uma abordagem teórica. Revista da Escola de Enfermagem da USP, Brasil, v.
47, n. 4, p. 971-976. Revista Brasileira de Enfermagem Disponível em:<http://
www.revistas.usp.br/reeusp/article/view/78050/82078>. Acesso em: 21 março
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WADA, Alexandre; TEIXEIRA NETO, Nuberto; FERREIRA, Marcus Castro. Úlceras por pressão. Rev Med. v.89, n.3/4, p.170-7. Disponível em: <http://
www.revistas.usp.br/revistadc/article/download/46293/49949>. Acesso em: 10
março 2015.
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O acolhimento do pai na assistência
ao pré-natal e parto
Marília Aparecida dos Santos1
[email protected]
Daniela Aparecida Salgado Targino2
[email protected]
RESUMO
O período gestacional implica transformações no cotidiano de uma relação entre homem e mulher, no entanto, concerne a futura mãe a maior parte
das responsabilidades deste processo, desde o período gravídico ao nascimento
da criança, no entanto, a sociedade atual cobra mudanças no papel do pai, tornando-os participativos em todo o processo relacionado ao nascimento e educação dos filhos. Este estudo objetivou identificar como ocorre na atualidade
a participação do pai na atenção ao pré-natal e na sala de parto. Embora haja
legislação que possibilita e resguarda o direito participativo do pai no pré-natal
e inclusive na sala de parto, ainda não é uma situação que aconteça com frequencia no dia-a-dia da assistência em saúde no período gravídico. Assim, este
artigo conclui pela necessidade de difusão da nova realidade de pai e marido
que a sociedade requer, e de se estabelecer medidas que visem trazer o pai para
perto das questões que consernem sua vida e de sua família com a chegada de
um filho ou de mais filhos.
Palavras-chave
Acolhimento; Enfermagem; Pré-Natal; Parto; Paternidade.
ABSTRACT
This article aims to identify as occurs at present, the participation of the
father in prenatal care and birthing room. The method of research is the literature review. Although there is legislation that enables and safeguards the right
of the father in the prenatal and participatory inclusive in the delivery room, it’s
not a situation that happens frequently in day-to-day health care during pregnancy. For historical and cultural factors, neither the man nor the woman are
not yet educated to this insertion, not even the medical class demonstrates the
preparation necessary for the of the father in the current context. Thus, this article is concluded by the need of diffusion of the new reality of father and husband that society requires, and to establish measures aimed at bringing the pa1 Marília Aparecida dos Santos. Discente do curso de Enfermagem do UNIFEG.
2 Daniela Aparecida Salgado Targino. Mestrado em Enfermagem pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
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O acolhimento do pai na assistência ao pré-natal e parto
rent to close the issues that his life and his family with the arrival of a child or
more children. To identify factors of both the importance of paternal making for
all family members, as well as the difficulties encountered in order to effect such
participation, the study also gives suggestions for how to establish activities that
include more access and monitoring possibilities and fatherly welcome, putting
time flexibility, offering alternate days, direct attention in the community and
community agents visitations as differentials that can give greater openness to
paternal participation.
1. INTRODUÇÃO
A chegada de um filho, de um modo geral ainda dirige a maior parte das
responsabilidades à mãe, especialmente no que diz respeito ao período gestacional e ao nascimento da criança, no entanto, o modelo de paternidade ainda está
preso a conceitos e preconceitos antigos sobre os papeis de pai e de mãe e sobre
como o pai deve participar da gravidez e do parto de seus filhos (GABRIEL;
DIAS, 2011).
Ocorre na atualidade um forte clamor da sociedade para que as mudanças e o acolhimento do pai no período gravídico ocorram de forma efetiva, mas
na prática os passos para que o pai esteja mais presente no pré-natal e no parto
ainda tem características bem iniciais, exigindo maior atenção por parte da área
de saúde para que propicie o acolhimento do pai nesse período tão importante
da vida do casal (FREITAS et al., 2007).
Segundo Silva et al (2012) a participação paterna nas questões de saúde
reprodutiva ainda é muito pouco expressiva e sua necessidade no contexto dos
padrões atuais de sociedade e necessidade da mulher torna-se urgente a reflexão
e a tomada de medidas para oportunizar e estabelecer um maior envolvimento
do pai no pré-natal, no nascimento e no pós-parto.
É importante considerar que os posicionamentos assumidos pelos pais
acerca da paternidade variaram em grau, natureza e intensidade. Alguns sentem
a paternidade logo que recebe a notícia da gravidez, outros sentem em estágios
mais avançados quando os movimentos fetais se tornam perceptíveis, e há os
que só sentem a paternidade com o nascimento da criança (FREITAS et al,
2007).
O sentir-se pai pode ser vivenciado como um direito e um dever. Enquanto direito, o homem pode expressar sentimentos, participar dos cuidados com a
esposa e os filhos, e enquanto dever, ele deve suprir a necessidade do filho de
ter um pai participativo, que também cuida afetivamente do filho, que divida tarefas com a mãe. Por meio da vivência, superando contradições e vivenciando
as experiências afetivas mais profundas, este homem contemporâneo vivencia o
ser pai (FREITAS et al, 2007).
Este estudo objetivou identificar como ocorre, na atualidade, a participação do pai na atenção pré-natal e na sala de parto.
Apesar da intensa discussão quanto à humanização do parto, na prática
o acolhimento do pai durante o pré-natal e parto mostra-se ainda muito pouco
humanizado, ficando o pai à margem deste processo, estudos acerca desse assunto são significativos uma vez que há um caminho necessário e urgente a ser
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O acolhimento do pai na assistência ao pré-natal e parto
123
percorrido pelos enfermeiros e trabalhadores de saúde no sentido de buscarem
programas, projetos e atividades que contemplem maior participação paterna no
pré-natal, por ser de grande importância para a mulher e para o estabelecimento
da saúde integral da família.
Trata se de uma pesquisa exploratório-descritiva, com abordagem qualitativa, utilizando como instrumento a Revisão de Literatura.
2. REVISÃO DA LITERATURA
DIFERENÇA DE SEXO E GÊNERO: PAI E MÃE
Fabbro; Montrone (2013) conceituam que o sexo é definido pelas características físicas e biológicas, que diferenciam o masculino do feminino, ou seja, os
indivíduos sexuados, dentre os quais, os seres humanos, já nascem de um sexo ou
de outro. Por outro lado, o gênero é um conceito que distingue o que é biológico
do que é construído socialmente, e revela o que é ser homem ou mulher. Estas definições são baseadas em diferenças sexuais consideradas pela própria sociedade.
Sexo é o que define as características físicas, biológicas, anatômicas e
fisiológicas dos seres humanos, caracterizando o sexo masculino e o feminino.
É natural, já que nascemos com ele. Gênero é um conceito das Ciências Sociais
para distinguir o que é biológico do que construído socialmente. É como aprendemos, pela educação (formal e informal), o que é ser homem e como é ser mulher na sociedade. Nesse aspecto, os meios de comunicação são grandes difusores do que seria “ser um homem” ou “ser uma mulher”, criando estereótipos
para ambos (FABBRO; MONTRONE, 2013)
Freitas et al. (2007) explicam que a gravidez é um momento de intensas
mudanças para um casal e ela também é vivenciada por cada um de acordo com
as diferenças tanto de sexo como de gênero. O casal grávido passa por etapas e
mudanças que exigem adaptações, dentre as quais, as transformações na rotina
e as responsabilidades a serem assumidas com o novo papel de pai e mãe. Este
processo, segundo os autores, representa um novo desafio e pode gerar alegrias
e tristezas. Alguns homens adquirem o sentimento paterno desde a notícia da
gravidez e outros somente após o nascimento do bebê, já as mulheres, em sua
maioria, com a notícia já adquirem o sentimento materno. Os homens tem uma
forte tendência a se preocuparem primeiramente com a responsabilidade econômica, baseada no conceito de família patriarcal. O homem sofre o impacto da
mudança de papéis, sente medo diante da responsabilidade sobre aquele bebê
que está sendo gerado no ventre de sua companheira, sente-se perdido diante das
alterações no comportamento da mulher. Assim, o homem também vive nesse
momento uma fase conflituosa.
Para a mulher, a gravidez tem todo um significado mais emocional, ela
passa pelas transformações do corpo, além das transformações que ocorrem na
vida cotidiana. Já quanto ao homem, ele tende sempre a ser mais racional com
a gestação e o nascimento de um filho para o homem são permeados por diferentes significados, mudanças e responsabilidades que antes não existiam (GABRIEL; DIAS, 2011).
Ocorre que o conceito de desigualdade entre os gêneros feminino e masculino gera um sentimento de inferioridade na mulher em relação ao homem, e
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
124
O acolhimento do pai na assistência ao pré-natal e parto
isto, no período gravídico acaba evidenciando em uma participação menor dos
homens nas questões da gestão e do parto. O homem ainda é visto neste contexto como mero provedor dos recursos materiais, detentor de força e virilidade e
que por isto não precisa participar do pré- natal, ficando esta responsabilidade
relegada somente às mães. Na verdade, isto é um preconceito inerente à nossa
cultura, que muitas vezes causa à mulher um sentimento de tristeza e solidão
nas questões de sua gestação e ao homem falta de oportunidade de estar junto e
acompanhar bem de perto todo o processo que envolve a chegada do filho (FABBRO E MONTRONE, 2013).
Neste contexto, o papel do pai na sociedade encontra-se em ampla transformação, é notável a exigência de uma nova postura por parte do homem, enquanto
pai, não só pela etapa do ciclo vital no qual ele está ingressando, mas também, devido às novas funções que são esperadas pela sociedade. Segundo os autores, através da mídia, é possível visualizar uma cobrança para que o homem seja um pai
mais próximo e envolvido com as questões da família e do filho. A mudança no
exercício do papel de pai não depende unicamente do desejo intrínseco do homem
em ser um “novo pai” ou um “pai contemporâneo”, é preciso considerar que as
responsabilidades que a sociedade impõe ao pai como provedor também lhes trazem prejuízos no campo da subjetividade. Apesar de o homem ter mais possibilidades de ação especialmente no campo das relações familiares, estas são exercidas
na sobre rígidos parâmetros. Nesse contexto, a questão da paternidade ultrapassa
os limites da família, tornando-se um campo concreto de discussão no âmbito da
saúde sexual e reprodutiva e da saúde coletiva (FREITAS et al.,2007).
Nos dias atuais, embora haja ainda pouca participação do pai, especialmente no período da gestação e do nascimento, já não é mais aceito pela
sociedade que o pai apenas pague as despesas do filho, já se percebe uma
cobrança muito grande para que o homem despenda parte de seu tempo com a
criança, atuando ativamente na educação e nos cuidados e estando disponível
emocionalmente para as necessidades dos seus filhos.
3. ASSISTÊNCIA PRÉ-NATAL E A IMPORTÂNCIA
DA PARTICIPAÇÃO PATERNA
De acordo com Reberte; Hoga (2010) a questão da participação paterna durante o pré-natal requer bastante atenção porque os pais vivenciam
a ansiedade, o nervosismo, a preocupação e os sentimentos de insegurança
durante a gestação de seus filhos e no parto e pós-parto emergindo então a
necessidade de se promover programas educativos voltados à construção de
uma vivência mais participativa do homem enquanto marido e pai. O envolvimento ativo do pai na gravidez pode ser desenvolvido com sua participação em grupo educativo, onde seja possibilitado receber orientações que o
levem ao entendimento das alterações que ocorrem durante o ciclo gravídico
e puerperal, isto por si, produz reflexos positivos sobre a relação marital e
na dinâmica familiar. Esta proximidade orientada faz com que ocorram diálogos a respeito das questões que afetam o casal nesta fase da vida, de forma
natural e frequente.
Segundo Freitas et al (2007), a percepção precoce da paternidade gera
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
O acolhimento do pai na assistência ao pré-natal e parto
125
um maior envolvimento emocional e comportamental do pai desde os primeiros estágios da gestação e isto favorece tanto a ele, quanto à mulher que se sente mais segura e amparada, além de o filho que é recebido por ambos de forma
totalmente acolhedora.
Reberte; Hoga (2010) explicam que a participação efetiva do pai no
acompanhamento pré-natal contribui para fortalecer as relações familiares e torna seus membros mais capacitados para cuidarem juntos de suas questões, porém, ainda há muito a se fazer para que isto se torne uma realidade comum, uma
das maiores dificuldades citadas pelos autores, identificadas através de pesquisa
com mulheres durante o tratamento pré-natal é a falta de disponibilidade e de
interesse por parte dos homens.
Para que o homem sinta-se pai antes do nascimento do filho é importante
a aceitação da gravidez, a proximidade física com a gestante, um envolvimento afetivo e a construção de sua imagem como pai que deve vir de um projeto
passado, ainda que tal projeto fosse para um outro momento, é importante que o
considere no desenvolvimento do sentimento da paternidade, em conjunto com
sua parceira (FREITAS et al., 2007).
Geralmente as rotinas de saúde num pré-natal é voltada para a mulher, por
isso há tanta dificuldade na inclusão dos homens-pais nos serviços e para que isso
mude as instituições de saúde tem que encarar esse novo desafio para que haja a
inserção desse pai nas rotinas assistenciais a gestante.A presença do pai no acompanhamento da gestação é de suma importância para sua parceira trazendo a ela
mais segurança, e para que isso aconteça a equipe de profissionais de saúde (enfermeiros) tem que ter uma visão ampla sobre esse pai reconhecendo o impacto
benéfico do envolvimento paterno na saúde tanto da mulher quanto da criança.
Para que essa inserção do pai realmente aconteça é preciso que enfermeiros responsáveis pela sua unidade apresente sugestões para que o trabalho com
sua equipe se desenvolva trazendo benefícios para o casal grávido tais como
oportunidades de encontro para que os profissionais passem a esses pais uma
reflexão de quanto seu papel é importante para sua companheira, incluir os pais
nas rotinas do serviço da unidade e deixar claro que sua presença é bem vinda a
essa unidade, incluir o pai na visita domiciliar, tentar fazer com que o pai participe dos exames de ultrassonografia porque nesse momento o pai visualiza o bebê
mostrando para ele essa nova vida que esta a caminho trazendo sentimentos de
alegria e amor para esse pai, incluir o pai na enfermaria pois ele não é visita e
sim cuidador (BRANCO et al, 2009).
A Portaria 569/2000 (BRASIL, 2002) instituiu o Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento, sendo sua proposta melhorar a qualidade da
assistência e diminuir a morbimortalidade materna e perinatal, porém apesar do
empenho na humanização da assistência no período gravídico-puerperal, o que
se observa é que pouco se concretizou quanto a um dos objetivos da Portaria
que é a participação do pai na arena da saúde reprodutiva. A portaria estabelece
princípios e diretrizes para o programa de humanização no pré-natal e nascimento dentre eles toda gestante tem direito a um atendimento digno e de qualidade,
toda gestante tem direito a um acompanhamento de pré-natal adequado,e para
a realização de um assistência adequada a essa gestante o município devera por
meio das unidades desenvolver esta modalidade.
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
126
O acolhimento do pai na assistência ao pré-natal e parto
4. O ACOLHIMENTO DO PAI NO PARTO E
SUA PARTICIPAÇÃO NO PÓS-PARTO
O Ministério da Saúde/Brasil lançou o Programa de Humanização do
Pré-Natal e Nascimento, cuja finalidade é assegurar a melhoria do acesso,
da cobertura e da qualidade do acompanhamento pré-natal, da assistência ao
parto e puerpério das gestantes e ao recém-nascido, na perspectiva de direitos de cidadania. O programa surgiu da necessidade de se mudar a postura
dos profissionais de saúde com as gestantes e parturientes, os atendimentos
antes mecanizados onde a mulher era um agente passivo das decisões médicas e de enfermagem, passam então a adotar um novo modelo que pressupõe que a mulher é um ser único, complexo, com sentimentos e autonomia,
assim, os profissionais de saúde devem participá-las dos processos e dividir
com elas as decisões e responsabilidades que concernem ao tratamento e o
parto.
O processo de humanização pode ser considerado um ponto de equilíbrio entre a técnica e o humanismo, abertos a outras práticas e voltado à prevenção. O programa nada mais é do que uma estratégia das políticas públicas de
saúde para sensibilizar gestores e profissionais para tentar melhorar a assistência obstétrica no país.
O objetivo do Programa é fazer uma rediscussão quanto à atenção pré-natal na assistência básica. É fundamental remeter às questões da participação
paterna em um contexto de direitos e resultados, propondo um novo modelo
que contemple a realidade das famílias. Partindo de um ponto de vista conceitual, com estratégias que contemplem um olhar de gênero atrelado às questões
da humanização, compreendendo a assistência em sua complexidade, que não
pode separar estas instâncias. Para que a assistência possa efetivamente melhorar, não se pode operar com ações separadas, a ideia do todo não pode ser perdida (BRASIL, 2002).
A participação paterna no parto é uma das importantes ações que visam
implementar o Programa de Humanização, porém, o programa requer uma ampla articulação interna que permita fortalecer as iniciativas e eliminar etapas burocráticas, além de outros passos realizados em cada município para a implantação de cada um dos programas, inclusive, combater a resistência de uma parcela
significativa dos profissionais de saúde, e isto leva tempo e requer um processo
educativo de todos os atores envolvidos.
Ao participar do processo gravídico, o homem pode sentir-se parte do
processo, o que refletirá positivamente na qualidade da relação do casal, eliminando e amenizando conflitos entre o homem e a mulher no desempenho de seus
papeis de pai e mãe. Os pais mais conectados emocionalmente no período da
gestação ficam mais propensos a reagirem adequadamente às necessidades de
apoio e compreensão que suas esposas apresentam. O laço, o vínculo e a parceria se reforçam na fase mais importante da vida dos dois quando o pai está junto
no processo da gestação e do parto, fortalecendo ainda sua participação no pós-parto (FREITAS et al, 2007).
Perdomini; Bonilha (2011) enfatizam que a legislação no Brasil contemRevista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
O acolhimento do pai na assistência ao pré-natal e parto
127
pla o acolhimento do pai no parto, quando a Lei 11.108 de 2005 estabelece à mulher, o direito de escolher um acompanhante durante o processo de nascimento.
Porém, segundo as autoras, muito embora o pai possa ser considerado o acompanhante ideal para a mulher no processo de parturição, na prática ainda se vê
mais mulheres sozinhas ou acompanhadas de outros familiares, preterivelmente
as avós maternas.
O pai do bebê pode ser considerado o acompanhante ideal na hora do
parto, isto porque a formação de vínculo e a representação de laços de família
favorecem sua presença. Ao acompanhar o nascimento de um filho o homem
afirma sua paternidade e tem seu papel de pai mais valorizado. São muitos
os estudos que comprovam os benefícios da presença paterna durante o parto, inclusive pelo nível de segurança que suas mulheres sentem, o que ajuda
a eliminar sentimentos negativos. As mulheres que foram acompanhadas pelo
companheiro durante o processo de nascimento, em maioria, relatam o quanto
foi importante ter uma pessoa conhecida para proporcionar carinho, cuidado
e atenção nesse momento de suas vidas, poder dividir com o pai o momento
do nascimento do filho tornam o processo menos tenso (PERDOMINI; BONILHA, 2011).
Neste contexto, o grande desafio ainda é fazer com que este acompanhante seja sempre que possível, o pai, isto, porque ao acompanhar o
parto o homem afirma sua paternidade, se sente valorizado e valoriza mais
o seu papel, reforçando os laços e vínculos de representatividade da família, ao comungar com sua esposa de um momento tão intenso e único em
suas vidas.
Mesmo com o rearranjo nas relações homem/mulher e de família trazido pelo movimento feminista, ainda é muito pouca a participação dos homens nos cuidados cotidianos com os filhos, durante a gravidez, no parto e
pós-parto, esta participação deve ser mais incentivada no ambiente familiar
e pelos profissionais de saúde, para que então se concretize (CAIRES; VARGENS, 2012).
Assim, no pós-parto a participação do pai também é essencial, os números encontrados na literatura mostram que a mulher, de um modo geral,
gostaria de ter seus parceiros mais participativos, e que esta participação é
importante para elas até mesmo no aleitamento materno. Silva et al (2012)
cita alguns estudos que comprovaram que de 80 a 93,3% das mulheres nas
pesquisas que gostariam de receber ajuda do parceiro até mesmo no período
do aleitamento materno onde se sentem muitas vezes sozinhas e inseguras
com seus bebês enquanto o homem se mostra alheio e passivo ao momento em que estão vivendo, ficando a cargo da mulher o sucesso e o insucesso
do processo.
Portanto, para que a participação do pai seja uma realidade durante o período gravídico, parto e pós-parto, há que trabalhar a preparação das equipes
de assistência médica e de enfermagem para o acolhimento do pai, inclusive,
ao cumprimento da legislação em vigor, porém, falta também preparação e
cobrança das próprias pacientes e seus companheiros, em exigir seus direitos
(CAIRES; VARGENS, 2012).
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
128
O acolhimento do pai na assistência ao pré-natal e parto
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O homem e a mulher vêm passando por um processo de mudança continua em seus papéis ao longo da história, contudo, ainda hoje, ocorre muita influência de uma cultura patriarcal, onde homem é o provedor, aquele que sai e traz
o sustento à família e a mulher aquela figura passiva que se incumbe dos cuidados domésticos e com os filhos.
O fato é que novos rearranjos familiares ocorrem cotidianamente, a mulher está inserida no mercado de trabalho e também contribui com as dívidas da
casa, dividindo com o homem o sustento da família, e este, por sua vez, também contribui com os afazeres domésticos, os cuidados e a educação dos filhos.
Porém, o homem ainda encontra-se em pleno desenvolvimento para o
perfil de pai que se busca transformar. Muitos ainda presos aos conceitos patriarcais delegam somente à mulher a atenção com a saúde da família, inclusive
e especialmente no período gravídico, se eximindo de seu direito de participar
nesse processo.
Neste sentido, a questão da participação do homem no período gravídico requer ainda muita atenção e adaptação para que possa se adequar a realidade atual. As necessidades de amparo e acolhimento na assistência a saúde nesse
momento tão importante na vida do casal são diferentes em função de gênero,
porém necessárias para ambos e devem ser consideradas para que haja uma assistência integral à saúde da família.
O presente estudo mostra, através da literatura apresentada, que as dificuldades para que a inserção do pai no acompanhamento pré-natal, parto e pós-parto ocorra de forma efetiva ainda são muito significativas e requerem maior
atenção por parte das gestões de saúde no Brasil, para que se chegue a uma realidade de Parto Humanizado que considere os aspectos familiares conforme preconiza a Organização Mundial de Saúde, onde o pai é participativo em todo o
processo, e isto contribua para o fortalecimento dos laços familiares, há que se
promover e implementar programas e atividades educativas que preparem o homem para esse novo papel e porque não dizer, prepare também as mulheres para
receber este novo homem que a sociedade hoje requer no seio familiar.
A reeducação dos profissionais de saúde, os programas de orientação e
acompanhamento às famílias são os caminhos mais propícios para que ocorra
a efetivação de um perfil de pai transformado e adequado à realidade atual da
sociedade.
Neste contexto, priorizar o tema paternidade é uma real necessidade para
preencher a lacuna que ainda há nas políticas de saúde pública. Envolver o pai
nas ações de cuidado com a mulher e seus filhos, desde a gravidez, é um dos
recursos mais importantes no processo de humanização da saúde e que não vem
sendo bem aproveitados para a promoção da saúde e estabelecimento de maiores
vínculos familiares, que favoreça a todos os envolvidos, isto, porque os próprios
serviços de saúde, ainda contribuem para afastar o pai durante a assistência, reforçando uma concepção errônea de que as ações de cuidado sejam de responsabilidade exclusiva das mulheres.
Ademais, é preciso também, que sejam determinadas fiscalizações mais
rigorosas quanto ao cumprimento das leis, portarias que visam efetivar essa parRevista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
O acolhimento do pai na assistência ao pré-natal e parto
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ticipação do homem desde o pré-natal até o pós-parto nas instituições de assistência à saúde, para que se vençam as resistências de uma parcela de profissionais de saúde mais tradicionalistas e haja então abertura de acesso em conjunto
com a reeducação da sociedade e assim possa tornar realidade o que até então é
apenas necessidade.
6. REFERÊNCIAS
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O milagre no contexto da “religião” em Kant
José Caetano Minus1
[email protected]
Luisa Emília Lima de Moraes Minus2
[email protected]
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo abordar a abrangência do milagre na
perspectiva do uso da razão kantiana. O foco recai sobre a dificuldade em conciliar fé e razão, uma vez que o tema transcende a categoria espaço-temporal.
Inserido no contexto do interesse da razão (tanto especulativo quanto prático),
o milagre torna-se objeto de reflexão da motivadora indagação do que, ao ser
humano é permitido esperar. O tema é tratado, ainda, considerando a integral
arquitetonicidade em vista de que o fim último, do qual tende a especulação da
razão, no seu uso transcendental, refere-se especificamente à abordagem acerca da existência de Deus.
Palavras-chave
Milagre; razão pura; razão prática; fé; religião
ABSTRACT
This article aims to address the scope of the miracle in perspective of the
use of Kantian reason. The focus is on the difficulty reconciling faith and reason, since the issue transcends category space-time. Inserted into the reason for
the interest of the context (both speculative and practical), the miracle reflection object becomes the motivating the inquiry that the human being is allowed
to wait. The theme is treated also considering the full architectural conjuncture
in view of the ultimate end, which tends to speculation of reason in its use transcendental refers specifically to approach about the existence of God.
1. INTRODUÇÃO
A concepção do milagre, como fenômeno sobrenatural, parece fugir ao
domínio da razão, ou, pelos menos em partes. A constatação da limitação em tornar o milagre cognoscível numa perspectiva clara e distinta, coloca em dificuldade o poder da razão, uma vez que sua natureza reside na busca de investigar e
compreender a realidade na sua totalidade.
1 José Caetano Minus. Mestrado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Gregoriana (Itália). Docente do curso de Filosofia do UNIFEG.
2 Luísa Emília Lima de Moraes Minus. Doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Docente
do curso de Pedagogia e Coordenadora Pedagógica do EaD do UNIFEG.
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132
O milagre no contexto da “religião” em Kant
Cônscio da clareza do objetivo proposto, o artigo é dividido em quatro
partes, tendo como escopo formar um todo unificado pela particularidade de
cada momento da reflexão.
Na primeira parte, assume relevo a importância do contexto no qual foi
redigida a Religião nos limites da simples razão, obra na qual Kant trata do
tema. Na segunda parte, a preocupação está voltada para a conceituação e divisão no modo de conceber o milagre. O terceiro momento reflete, mais especificamente, a concepção kantiana sobre esse assunto. Na última parte, na tentativa
de sublinhar a contribuição de outros autores que discutem a temática em questão, confronta-se a concepção kantiana com expoentes importantes, como Agostinho e Hume dentre outros.
A conclusão delineia alguns pontos relevantes frente ao tema proposto,
como contributo pessoal, na tentativa de suscitar posteriores reflexões.
2. IMPOSTAÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA
A religião é parte integrante da vida do humano que há no ser. A busca
de uma relação sadia com um ser Absoluto que o transcende, é condição de possibilidade de realização do homem como ente livre e aberto ao “ser”. Nas várias culturas e épocas se observa a presença e prática da religião. O homem não
se considera um “ser em si”. Almeja algo para além dos seus limites físicos; na
verdade, busca a causa do seu existir. É impossível negar o fenômeno religioso,
mas, ao mesmo tempo, corre-se o sério risco de fazer dele um álibi, que pode
camuflar muitos elementos contundentes, presentes no humano, enquanto indivíduo e ser social. No sentido original, a religião deveria ser o liame entre o
criador e a criatura, que, por meio da razão, busca a causa primeira do seu “ser”.
A filosofia da religião é uma tentativa de refletir, com seriedade, acerca do fenômeno da religião, que pode transformar-se em fonte de alienação e
opressão. O sinal irrefutável da verdadeira religião está no seu caráter libertador,
caso contrário, não passará de uma ideologia escravizadora. Nesta perspectiva,
insere-se a filosofia da religião como ciência crítica da teologia nos seus aspectos de palavra, evento, comunidade e mandamento, dimensão na qual se dá a
manifestação mais eficaz de um Deus que se revela, que quer se comunicar com
sua criatura e ser reconhecido na sua dimensão transcendental3.
É no ambiente religioso, presente em todos os povos como expressão da sua
própria existência, que o milagre surge, constitutivo da relação homem-transcendente. Assim sendo, é inegável a constatação de que toda interpretação filosófica
da religião se encontra confrontada com a questão do milagre; esse que assume dimensões variadas de acordo com cada cultura e época. Ao considerar o milagre no
contexto de uma reflexão mais em nível filosófico, deparamos com a dificuldade de
Kant em tratar com autonomia o assunto, principalmente, tendo em vista o contexto
do séc. XVIII. No bojo desse contexto polêmico, constata-se o cuidado do filósofo
da “razão prática” de não criar maiores problemas com a ortodoxia do seu tempo4.
3 Para se ter acesso a uma reflexão mais aprofundada da questão abordada Cf. I. Mancini, Kant e la teologia, p. 5.
4 “Si l’on y ajoute l’incompatibilité du miracle avec les données propres du criticisme spéculatif, la position de Kant paraît sur ce
point extrêmement dangereuse, et il n’est pas surprenant que ses embarras, ses silences et ses contradictions aient conduit certains
de ses interprètes à l’accuser de mauvaise foi ou de flatterie vis-à-vis du pouvoir, lorsqu’il s’efforce dans la Religion d’éviter une
réfutation pure et simple de la possibilité de tout miracle”. J. L. Bruch, La philosophie religieuse, p. 145-146. Cf. I. Kant, La religione
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
O milagre no contexto da “religião” em Kant
133
De fato, o pensamento de Kant sobre o milagre não remonta a servidão
imposta pela censura de um governo prusiano reacionário e ligado diretamente
à defesa da ortodoxia religiosa. Esta servidão intervém certamente na redação
dos textos da Religião, como confirma indiretamente a carta de Kant endereçada a Fichte em 02 de fevereiro de 1792, mas não constitui, nada mais do que um
motivo subsidiário das posições defendidas na própria Religião5.
Segundo Kant, quanto aos milagres em geral, existem homens decididos
que não renunciam sua fé. Ou seja,
(...) eles crêem, em teoria, na existência dos milagres, mas
na prática é tudo diferente, pois, na realidade não reconhecem nenhum milagre; o fazem meramente em vista de
interesse, ou melhor, de simples conveniência. Por isso governos sábios das várias épocas, acolheram legalmente as
opiniões segundo as quais se afirmavam que antigamente
aconteciam muitos milagres, mas que não admitiam novos milagres. Esta máxima relativa aos novos milagres foi
também adotada por aqueles mestres de religião que conformavam, os seus artigos de fé às posições da autoridade
governativa (KANT, 1996, p. 215).
Os milagres antigos, gradualmente, definidos e oficializados pelas autoridades públicas, não causavam nenhuma espécie de desordem à comunidade
seriam, ao invés, necessários para os governos preocuparem-se com os novos
taumaturgos, considerando os efeitos que a sua ação poderia exercer sobre a população e sobre a ordem constituída.
3. CONCEITO E DIVISÃO
Mas qual é o interesse de Kant frente ao milagre?
Na Religião nos limites da simples razão, ele justifica o porquê do interesse autêntico sobre o milagre e o define em base a um uso racional prático;
“Os milagres são acontecimentos do mundo produzidos por causas eficientes
às quais as leis são por nós - e não podem não ser - absolutamente ignoradas”
(KANT, 1996, p. 215).
Segundo a divisão proposta por Kant, é possível falar de milagres “teísticos”, ou então de milagres “demoníacos”, pois esses últimos se diferenciam em
“angélicos” (agatodemoniaco) e em “diabólicos” (cacodemoniacos).
Quanto aos milagres “teísticos” é, sem dúvida, possível formar um conceito das leis que regulam a sua causa eficiente (um “Ser” onipotente). Pode-se
tratar somente de um conceito geral: de fato, se pensamos Deus como criador e
sustentador da ordem física e moral do mundo. Isto acontece porque podemos
ter cognição imediata da qual a razão depois pode servir-se para seu próprio uso.
Mas se admitimos que Deus consente à natureza também de afastar-se destas
leis, então podemos perder a esperança de formar o mínimo conceito da lei, senei limiti, p. 216.
5 No que diz respeito a esta questão Cf. I. Kant, La religione nei limiti, p. 213. Cf. M. J. P. Ceboleiro, Natureza em Kant, p. 590. Ver
também J. L. Bruch, La philosophie religieuse, p. 146.
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O milagre no contexto da “religião” em Kant
gundo a qual Deus operou a produção de um tal acontecimento6.
Desse modo, a razão fica paralisada, enquanto aquela adesão a impede de
operar, pautado em leis por ela notadas. E portanto, não procura nenhuma nova
lei que a instrua, ou que a faça esperar de ser instruída neste mundo. Em relação
aos milagres “teísticos”, a razão pode empregar um critério negativo:
Se uma imediata manifestação divina contém alguma coisa que, bem apresentada como comando de Deus contrasta todavia diretamente com a moralidade, então não pode
tratar-se de um milagre divino, não obstante a aparência
(por exemplo: se se pedisse a um pai para matar seu próprio filho inocente) (KANT, 1996, p. 217).
Para um milagre tido como demoníaco, falta também esse critério. Nem
a razão pode empregar o critério oposto, aquele positivo, segundo o qual não
pode ser obra de um espírito maligno, o convite milagroso de cumprir uma boa
ação tida por nós como um dever. Também neste caso, poderia se cometer um
equívoco porque como é de costume dizer; “Satanás se veste frequentemente de
anjo de luz”. Assim é quase impossível confiar nos milagres, ou considerá-los
no prisma do uso da razão.
Quanto aos milagres no sentido bom, eles são produzidos simplesmente
como modo de dizer das pessoas, ou força de expressão, aplicada em uma determinada atividade, ou situação. Por exemplo, quando o médico, tendo consciência de que o paciente não tem mais cura e lhe diz não poder fazer mais nada, a
menos que aconteça um milagre; isto implica dizer: “sua morte é certa”, e constitui uma força de expressão.
4. A CONCEPÇÃO DO MILAGRE EM KANT
Para Kant, entre as atividades humanas existe a do cientista, este indaga as
causas dos acontecimentos, de acordo com as leis naturais, possíveis atestar por
meio da experiência. Mas o cientista, por sua vez, seria obrigado a renunciar a conhecer a coisa em si mesma, de acordo com as leis, ou então, o que poderia ser
para nós estas mesmas leis se fóssemos dotados de um outro orgão de sentido7.
Na Critica da razão pura, refletindo a respeito da lei natural, Kant afirma:
Por natureza (em sentido empírico) entendemos o encadeamento dos fenômenos, quanto à sua existência segundo
regras necessárias, isto é, segundo leis. Há pois certas leis
e precisamente leis a priori, que antes de mais tornam possível uma natureza; as leis empíricas só podem acontecer
e encontrar-se mediante a experiência e em consequência
dessas leis originárias, pelas quais se torna possível a própria experiência (KANT, 1996, p. 236).
6 Cf. J. L. Bruch, La philosophie religieuse, p. 147.
7 Cf. Ibidem.
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O milagre no contexto da “religião” em Kant
135
As leis empíricas e particulares têm características comuns, pois estão
de acordo com leis originárias, sem as quais a própria experiência seria impossível. As leis empíricas as quais lhe serviram para aceitar essas leis originárias
do pensamento são, por exemplo, as leis de Newton. Ora, a sua teoria permitiu
identificar um cometa registado em 1066 pelos Saxões com o cometa observado
por Halley em 1682; além disso ele prevê, em 1695,a volta do cometa em 1758,
e a previsão se cumpre.
Ao contrário dos sacerdotes egípcios que sabem de um cometa por revelação divina, agora há leis escritas diferentes
das leis positivas das sociedades que admitem transgressão
e das leis divinas que se opõem à graça, dom gratuito e
harmônico. São leis naturais, não prescritivas, mas constativas, universais e necessárias (CEBOLEIRO, 1993, p.
590).
Analogamente acontece em relação à evolução moral do homem, porque
se trata de uma atividade para ele obrigatória. De fato, porquanto a influência
celeste auxilia no cumprimento desta obrigação, o homem não tem condições de
distinguir, com clareza, os influxos naturais. Por não saber utilizar diretamente estes influxos celestes, o homem não estabelece nenhum milagre e escuta as
prescrições da razão; comporta-se como se cada conversão e aperfeiçoamento
moral dependessem exclusivamente do seu compromisso pessoal:
Um expediente comum daqueles que com artes mágicas
presuadem os fiéis, consiste em buscar a causa do fato
que os cientistas da natureza confessam a própria ignorância quando afirmam não conhecer a causa da gravidade, da força magnética. Todavia eles conhecem bem
as leis, rigorosamente limitadas às condições que determinados efeitos se realizam: e isto é suficiente, seja pelo
uso racional destas forças, seja pela explicação dos relativos fenômenos secundum quid, regressivamente (KANT,
1996, p. 221).
Basicamente em duas reflexões da época pré-crítica8, Kant examina se existe
uma direção extraordinária e se é possível reconhecê-la. Só a insuficiência demonstrada pela ordem da natureza referente à vontade divina pode justificar a priori uma
direção extraordinária. Por exemplo, o fato da virtude não ser suficientemente recompensada pelos seus seguimentos naturais e inversamente pelo vício9.
Na medida em que se admite que as ações livres não são inteiramente
concatenadas com suas causas, segundo a ordem da natureza, o seu acordo com
a vontade divina não é inteiramente possível, conforme a mesma ordem. Por
isso, deve-se admitir a existência de uma direção extraordinária: “Esta direção
extraordinária que precisa Kant é sempre um milagre, depende da vontade perfeita de Deus” (BRUCH, 1968, p. 147).
8 Infelizmente não foi possível obter todos os dados bibliográficos necessário, dos referidos textos, mas é possível afirmar que foram
publicados em 1760 e 1763 respectivamente.
9 Cf. J. L. Bruch, La philosophie religieuse, p. 146.
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O milagre no contexto da “religião” em Kant
Estas reflexões kantianas não se constituem numa apresentação explícita da doutrina oficial dos milagres. Porém, é possível constatar que, antes de ter
constituído a teoria crítica do conhecimento da natureza e fora de cada pressão
de instância político-religiosa, Kant tinha posto o problema do milagre e admitido a sua possibilidade.
Em outro texto datado de 1788-1790, Kant afronta o problema das
“aporias” de ordem física que suscitam o milagre. Um movimento não pode
ocorrer no mundo nem como um milagre, nem por um ser espiritual, sem
produzir o mesmo movimento na direção de acordo com as leis da ação e da
reação da matéria, “(...) porque no caso contrário um movimento do universo surgiria num espaço vazio. Nenhuma modificação pode surgir no mundo
sem ser determinada por causas, segundo as leis naturais (BRUCH, 1968, p.
148).
Todas as modificações espaciais são movimentos. Um movimento ocorrido com um milagre teria uma causa a qual deveria ser buscada fora do fenômeno. Mas sob a ótica da lei da ação e da reação, a ação e a sua causa pertencem
ao mundo sensível. Um movimento provocado por um milagre não estaria sob
a lei da ação e reação, aquilo que modificaria o centro de gravidade do mundo;
este se moveria num espaço vazio. Portanto, um movimento num espaço vazio
seria uma contradição10.
Esta argumentação coloca em evidência uma contradição, um absurdo lógico. É precisamente neste ponto que reside a originalidade kantiana, pois
(...) formula em termos lógicos uma impossibilidade geralmente reconhecida sobre um plano metafisico (a perfeição
da legislação divina exclui cada exceção ou derrogação às
regras gerais), ou sobre um plano epistemológico o determinismo natural, pretendido pela ciência é universal e exclui cada exceção (BRUCH, 1968, p. 149).
Como já foi mencionado anteriormente, partindo da possibilidade do milagre, para Kant este pode ser rigorosum, quando tem o seu fundamento numa
coisa fora do mundo, ou comparativum, quando tem o seu fundamento numa
natureza, no qual não se conhecem as leis. No primeiro caso, ele pode ser material, quando a força mesma que o produz está fora do mundo, ou formal, quando
esta força estando no mundo, a sua fixação só é fora do mundo11. Neste prisma,
é conveniente comparar o modo de conceber o milagre, na visão kantiana, em
relação a outros filósofos estudiosos do tema.
10 “On prouve de la même façon qu’il ne peut y avoir de miracle en ce qui concerne les phénomènes temporels. Un phénomène
temporel est un miracle quand sa cause ne peut être donnée dans le temps, et n’appartient pas au monde phénoménal. Un événement
surnaturel nést donc pas déterminé dans le temps relatif, mais dans un temps absolu ou vide, ce qui est une contradiction”. Ibidem.
Cf. M. J. P. Ceboleiro, “Natureza em Kant”, p. 593.
11 “Miracle matériel si l’assèchement de la mer Rouge est une action immédiate de la divinité, mais seulement formel si Dieu la
fait assécher par un vent qu’il envoie. Kant ne précise d’ailleurs pas dans cette seconde hypothèse comment ce vent se rattacherait à
l’enchaînement des causes. Mais il ajoute ce qui éclaire dans une certaine mesure ce dernier point, que le miracle est occasionale si
la divinité entre en jeu immédiatement, et praestabilitum si elle produit l’événement par une série de causes et d’effets qui sont là en
vue de cet unique événement. Dans ce dernier cas, le miracle ne contredirait pas plus le déterminisme que la finalité telle que Kant
précisément la conçoit à la même époque” BRUCH, 1968, p. 148.
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5. PARALELO ENTRE A CONCEPÇÃO KANTIANA E
OUTROS PENSADORES
Segundo Spinoza, o homem simples chama milagres ou obras de Deus os
eventos extraordinários da natureza. Parte por zelo religioso, por mania de desprezar aqueles que cultivam a ciência da natureza, desejando ignorar as causas
naturais das coisas e mostrando-se atentos em escutar somente o que lhe é de
tudo obscuro e, consequentemente, provoca a sua máxima admiração.
A multidão dos incultos pode adorar Deus e reconduzir cada coisa ao
seu domínio e ao seu querer, assim não se admira jamais tanto a potência divina
como o quanto se imagina que a potência da natureza seja dele derivada.
Para Spinoza e Kant, a ordem da natureza não sofre nenhuma exceção:
em primeiro lugar, para a ordem natural se confundir com a ordem divina, em
segundo, para uma violação da ordem natural entre em contradição com a estrutura espaço-temporal dos fenômenos, portanto, impossível a Deus mesmo:
Por meio do milagre não se pode atingir nem a essência e
nem a existência e, por conseguinte, nem mesmo a providência divina; pelo contrário, tudo isso pode ser bem melhor percebido por meio da base da ordem estável e imutável da natureza (SPINOZA, 1972, p. 488).
Esta concepção do milagre conciliado à ordem natural já tem suas raízes fundamentadas em Santo Agostinho; este não intencionava polemizar sua doutrina no
confronto com a Sagrada Escritura. Em Agostinho, a motivação é puramente metafísica: o milagre não pode ser uma derrogação às leis da natureza, porque uma legislação que teria a Deus por autor, não saberia comportar nenhuma exceção:
Acrescentamos de fato, a esta luz inextinguível todos aqueles milagres que são fruto de artes humanas e mágicas, isto
é, fruto de artes diabólicas, elaboradas indiretamente por
meio dos homens, ou diretamente através dos mesmos demônios, se quisermos negar, nos encontraremos em desacordo com aquela mesma verdade das Sagradas Escrituras
na qual acreditamos (AGOSTINO, 1997, p. 1072).
O milagre não pode, portanto, resultar senão do intervento das leis recônditas. Neste ponto, Agostinho chega à mesma conclusão de Kant, porém fundamenta sua argumentação sobre o respeito da ordem divina, identificada à vontade de Deus, enquanto Kant baseia-se nas exigências intrínsecas da estrutura
espaço-temporal do mundo fenomenal.
Ele, de fato, criou estas virtudes próprias das pedras e dos
outros corpos, criou o engenho dos homens, que é útil de
modo maravilhoso, criou a natureza angelical, mais potente de todos os outros seres animados da terra, superando
com a sua maravilhosa virtude e com a sabedoria que ordena, concede todas as maravilhas, servindo-se de toda a
criação (AGOSTINO, 1997, p. 1074).
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Santo Agostinho reagiu rigorosamente contra uma concepção mágica e
desordenada da potência divina. Identificando a ordem à vontade divina, ele
contradiz brutalmente a concepção primitiva da religiosidade antiga, mas não
submetia Deus ao determinismo das ciências da natureza que não são ainda definitivas.
Por outro lado, na concepção de Hume, um milagre é uma violação às
leis da natureza, e por ser uma experiência fixa e inalterável, estabeleceu estas
leis. A prova contra um milagre trata-se da mesma natureza do fato; é tão completa quanto se possa imaginar um argumento derivado da experiência. Nada
deve ser considerado um milagre, se é verificado com uma certa frequência no
curso comum da natureza. Não é um milagre um homem, aparentemente em boa
saúde, morrer improvisadamente. Mas é um milagre um homem morto voltar a
viver, porque isto jamais foi constatado. Existe uma experiência uniforme contra cada acontecimento miraculoso; do contrário, o acontecimento não mereceria ser chamado milagre. Hume afirma ainda que:
(...) não existe testemunha suficiente para estabelecer um
milagre, a menos que a testemunha seja de tal gênero que
a sua falsidade seria mais miraculosa do fato mesmo que
ela se esforça de estabelecer; e também neste caso há uma
recíproca destruição de argumentos e somente a parte superior dá uma segurança conforme aquele grau de força
que permanece, uma vez que tenha sido deduzida a força
da parte superior (HUME, 1992, p. 122).
De acordo com Hume, uma pessoa diz que viu um homem morto restituído à vida, deve-se considerar imediatamente qual das duas coisas são prováveis:
talvez esta pessoa não esteja dizendo a verdade, ou então o fato tenha realmente
acontecido. Deve-se pensar num milagre contra o outro e, segundo a superioridade descoberta, pronuncia-se a decisão e rechaça sempre o milagre maior. Se a
falsidade do testemunho fosse mais miraculosa que o acontecimento pela pessoa
em questão, então ela poderia pretender impor-se à crença, ou opinião12.
Na época de Kant, o problema do milagre assumia um tom de controvérsia, pois uma contradição aguda era ressentida entre as exigências da ciência e
as narrações da Sagrada Escritura. A ortodoxia religiosa, tanto protestante quanto católica, unia-se tanto mais a uma teoria rígida do milagre, uma tentativa de
defesa da religião contra os líderes de uma concepção científica do universo. As
posições tornaram-se passionais e a ortodoxia dava a credibilidade aos milagres
do significado de um critério de fé que ela não tinha tido jamais, sem se dar conta de que colocava, assim, o contraste da ciência e da religião sobre o terreno
mais desfavorável possível13.
Na época, o milagre não estava ainda maduro na concepção teológica e
filosófica. A estrutura propriamente religiosa, sensível somente à fé de um dado,
como a ressurreição de Jesus, não estava ainda elaborada. Não tinha sido supe12 Cf. HUME, 1992, p. 123.
13 “Il faut être attentif à cette situation historique et à ce contexte passionnel pour comprendre les méandres et les silences de la
théorie du miracle exposée dans la Religion”. J. L. Bruch, La philosophie religieuse, p. 150. Cf. M. J. P. Ceboleiro, “Natureza em
Kant”, p. 590.
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rada a alternativa de um fisicismo incompatível com o determinismo científico.
Por este motivo, precisamente o problema do milagre estava fortemente presente na discórdia entre a ortodoxia e a “razão prática”. Dando conta desse contexto, era justo e prudente da parte de Kant colocar entre parênteses o ponto de vista
físico para tentar liberar o significado moral da ideia de milagre14.
No início da segunda parte da obra em análise, Kant sublinha a relação
entre a razão e o milagre. Procura explicar paralelamente a ideia evangélica, segundo a qual o milagre repousa sobre a fé e não vice-versa. Para eles a razão
intervém para dar a sua garantia aos milagres, então a fé intervém nos escritos
evangélicos como condição de possibilidade. Todavia a analogia permanece no
sentido de que os milagres são, em ambos os casos, fundados sobre a fé.
Nesse sentido, Kant se cobre da autoridade da Sagrada Escritura, citando
o Evangelho de João15, mostrando assim que é muito mais um fazer prova da incredulidade moral do que querer fundar a sua fé sobre os milagres. Esta se constituía numa séria crítica em relação a uma ortodoxia com o intuito de fundar a fé
sobre a crença no milagre.
Os milagres narrados nos evangelhos tratam de cura e ressurreição, ilustrando e simbolizando mais ou menos, expressamente, o poder redentor de Jesus. Mas justamente a exclusão de cada remédio à remissão dos pecados, caracterizando a teoria kantiana da justificação deveria desviar desta elucidação
moral dos escritos de milagres.
Precisando assim renunciar a uma interpretação do significado moral dos
milagres evangélicos que o teria levado a uma soteriologia, Kant recorre a uma
argumentação histórica, usada na “razão prática”: “(...)a introdução da fé cristã
exigia temporaneamente acontecimentos miraculosos” (BRUCH, 1968, p. 154).
A religião cristã pode hoje manter-se por argumentos racionais, mas ela precisou, no seu tempo, introduzir-se com uma revelação sobrenatural, com a presença de milagres.
Cada narração miraculosa deve ser submissa ao critério universalmente
dirimente do acordo com as exigências da lei moral. Por exemplo, o sacrifício de
Abrão, narrado por Kierkegaard16, é citado por Kant como o caso escandaloso de
um falso mandamento e de um falso milagre. Nessa linha de raciocínio, percebe-se uma grande divergência entre os dois pensadores, um define a categoria do
religioso, do seu conflito com a ética, e o outro fecha o religioso em uma ética já
penetrada pela exigência religiosa absoluta, que exprime a santidade.
Kant, enfim repele o milagre num passado legendário, sublinhando a sua
incompatibilidade com as exigências da vida ativa. Por exemplo, o juiz não admite milagre diabólico no seu interrogatório, e o médico espera milagre só se
tenha renunciado ao agir. Acontece o mesmo para a vida moral; o homem é responsável pelo seu progresso moral, e não deve esperar a influência celeste miraculosa, independente da sua possibilidade e necessidade. Portanto, a espera
do milagre seria uma atitude aniquiladora tanto para a vida moral como para as
ações em geral.
14 Cf. I. Kant, La religione nei limiti, p. 219.
15 “Gesù gli disse: ‘Se non vedete segni e prodigi, voi non credete’”. Gv 4,48.
16 Conferir esta reflexão feita por Kierkgaard na sua obra: Timore e tremore, onde a questão é amplamente explicitada e desenvolvida.
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O juiz de um tribunal não tem noção da defesa pretensiosa
de um delinquente que se diz vítima de uma tentação diabólica. Se o juíz julgasse possível essa circunstância, então
o fato que um homem comum e ignorante tenha sido vítima da astúcia satânica consistiria num atenuante. O juíz
não pode citar Satanás e confrontá-lo com o acusado, pois
não seria possível extrair nada de racional desse confronto
(KANT, 1996, p. 219).
Nas suas reflexões, Kant nem sempre distingue com clareza o problema do milagre daquele da graça, esta é à primeira vista, uma espécie particular
de milagre. Ele insiste sobre o problema do milagre, apresentado na sua época
como atual. Mas no horizonte dos debates relativos aos milagres, é a pergunta
muito mais fundamental da graça que reaparece. Em ambos os casos, constata-se em Kant certos embaraços diplomáticos, pois procedem de exigências efetivas e divergentes de seu pensamento. E dão à sua filosofia da religião uma
tensão e um estilo que não satisfazem completamente nem os cristãos, nem os
defensores da “razão prática”.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A tentativa de Kant em elaborar um sistema filosófico tem como foco e
se concentra, sobremaneira, em três perguntas, consideradas imprescindíveis no
seu esquema filosófico: o que posso saber? O que devo fazer? O que me é permitido esperar?
A primeira trata-se de uma pergunta teorética sobre o saber; a segunda
prática sobre o fazer, prática e teorética juntas consistem a terceira acerca do esperar. Porém, todas remetem ao desejo mais profundo da alma e do coração humano: a busca da felicidade.
A obra Religião nos limites da simples razão surge como elemento integrante desta tentativa, buscando uma resposta adequada à terceira questão. Tem
como mérito refletir seriamente sobre a religião na sua relação direta com a razão. Nesse contexto surge a tentativa de abordagem do milagre enquanto proposta complexa e, por que não dizer, contundente.
Em alguns escritos pré-críticos, em especial no livro em questão, percebe-se a intenção de Kant em valorizar o curso normal que assumem as leis
da natureza e respeitá-las em todos os níveis. O tema do milagre é encarado na
perspectiva do que vai contra a ordem da natureza e que desvia completamente
o percurso das coisas. Daí decorre a dificuldade em aceitá-lo, principalmente no
tocante à verificabilidade elaborada em âmbito racional.
Segundo Kant, a relação a posteriori com a natureza demonstra, com
clareza, a existência de leis que regulam o itinerário natural da realidade cosmológica. As leis na sua totalidade são universais e verificáveis. Ora, o milagre
desestrutura a constatação da razão, pois vai contra as leis que regulamentam a
natureza. É como se fosse uma exceção, paradoxo difícil de ser concebido e assimilado pela razão, a qual na busca de uma certa ordem das coisas, principalmente em nível cosmológico, não admite exceção.
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Para Kant, o milagre repousa sobre a fé e não vice-versa. Assim, a fé não
é conquistada pelo fato da pessoa participar dos milagres, mas acreditando, pode-se chegar à constatação desta que é uma intervenção de Deus na ordem da natureza. Nas narrações evangélicas, quando Jesus realizava algum milagre, deixava clara a condição: “a tua fé te curou”. Ao admitir o fenômeno dos milagres,
é possível afirmar que, para Kant, é realizado apenas em âmbito da fé. Reconhecê-lo no nível puramente racional, prescindindo da fé, ou invertendo o processo,
é cometer um considerável equívoco na pespectiva hermenêutica e, ao mesmo
tempo, afrontar uma “aporia” de extrema contundência.
Por outro lado, não se pode esquecer, mesmo em contexto de religião e
milagre, que a doutrina kantiana é portadora de uma forte conotação ética, diga-se de passagem a amplitude do imperativo categórico. Assim sendo, o pensador de Konigsberg contextualiza a reflexão sobre os milagres em âmbito moral.
Toda ação, inserida no contexto da liberdade como condição de possibilidade,
parte do homem na relação com a realidade e deve promover uma autenticidade na esfera do agir.
A passiva espera pelo milagre como intervenção divina, pode provocar
consequências negativas, pois enquanto o indivíduo aguarda o milagre se acomoda quanto ao agir frente a sua natureza relacional. Então sob o ponto de vista moral, o milagre se constitui num prejuízo, especialmente, no tocante ao ato
volitivo, pois o indivíduo deve ser sujeito dos seus próprios atos e consciente do
seu papel na sociedade.
Considerando o contexto vital kantiano, é possível perceber a sua intenção de conciliar o fenômeno do milagre com a força da razão. Procura aplicar
a dimensão prática da razão na reflexão acerca do milagre, presente em muitas
culturas enquanto interferência extraordinária de um “Ser”, capaz de alterar o
andamento da ordem da natureza.
7. REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, N., Opere filosofiche di Baruch Spinoza. Torino: UTET, 1972.
AGOSTINO, La città di Dio. Milano: Rusconi, 1997.
BRUCH, J. L., La philosophie religieuse de Kant. Mayenne: Aubier, 1968.
CEBOLEIRO, M. J., Natureza em Kant. Revista portuguesa de filosofia, 49 (1993) 587-599.
DINIS, A., A religião nos limites da simples razão. Revista portuguesa de filosofia, 49
(1993) 497-509.
HUME, D., Opere filosofiche. Roma: Laterza, 1992.
KANT, Critica della ragion pura. Roma: Laterza, 1996.
——, La religione nei limiti della ragione. Milano: Rusconi, 1996.
KIERKEGAARD, S., Timore e tremore. Firenze: Rizzoli, 1994.
MANCINI, I., Kant e la teologia. Assisi: Cittadella, 1975.
SALA, G. B., A questão de Deus nos escritos de Kant. Revista portuguesa de filosofia,
49 (1993) 537-569.
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Prevenção de erros e fraudes e a credibilidade
das informações – um estudo teórico sobre
a eficiência do controle interno.
Aline de Fátima Coelho1
[email protected]
Ana Cristina Campos Prado Teixeira2
[email protected]
Thaís Aparecida da Silva3
[email protected]
RESUMO
As organizações estão sujeitas a atos errôneos e fraudulentos, que podem comprometer sua eficácia e credibilidade, existem conceitos e métodos de
controles que visam organizar e proteger as empresas em seus controles internos como a controladoria, a auditoria interna e externa, que são componentes
de boas práticas administrativas e de controle, ou seja de boa Governança Corporativa. O controle interno somente é capaz de evitar fraudes e erros através
da criação de procedimentos precisos e com o comprometimento de seus membros, desse modo, este artigo teve como objetivo evidenciar a importância do
controle interno eficiente, e de utilizar métodos de trabalho para garantir a
segurança e a credibilidade das organizações.
Palavras-chave
Controle interno; fraude; controladoria;, Auditoria.
ABSTRACT
Organizations are subject to erroneous and fraudulent acts that could
jeopardize its effectiveness and credibility, there are concepts and methods of
controls that aim to organize and protect businesses in their internal controls
as controlling, internal and external audit, that are components of good administrative practices and control, ie good corporate governance. Internal control
is only able to prevent fraud and errors by establishing precise procedures and
the commitment of its members, this way, this article aims to highlight the importance of internal control and using working methods to ensure the safety of
company and shareholders.
1 Aline de Fátima Coelho. Discente do curso de Ciências Contábeis do UNIFEG.
2 Ana Cristina Campos Prado Teixeira. Mestrado em Ciências Contábeis e Atuariais pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC). Docente do curso de Ciências Contábeis do UNIFEG.
3 Thaís Aparecida da Silva. Discente do curso de Ciências Contábeis do UNIFEG.
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1. INTRODUÇÃO
A busca pelas empresas em diminuir seus riscos nas tomadas de decisões
propõe uma reflexão sobre a importância de um controle interno eficiente a fim
de evitar atos fraudulentos ou errôneos que possam ocorrer dentro das empresas,
consequentemente, gerando maior credibilidade.
Para organizar este controle uma das metodologias utilizada pelas empresas é a controladoria, que foca seus esforços na otimização da empresa com um
controle interno que envolva todas as áreas, gerando qualidade e transparência
nas informações e gerando informações boas a tempo hábil para a tomada de decisão, esta boa organização e transparência são requisitos para a boa Governança
Corporativa, quanto mais alto o grau de Governança melhor a empresa é aceita no
mercado por clientes, fornecedores e acionistas, refletindo em melhores negócios.
Estes controles devem ser comprovados, medidos e avaliados, isto é feito através da auditoria interna que é uma área dentro da empresa que tem como
objetivo validar as informações geradas pelos seus próprios controles, fazendo
com que esses controles fiquem cada vez mais eficientes, outra ferramenta é a auditoria externa é uma verificação de informações feitas por empresas externas e
independentes que geram informações para usuários externos com credibilidade.
A metodologia utilizada é a revisão de literatura através da apresentação
de um referencial teórico contando com a opinião de autores consagrados na
área contábil e administrativa.
O objetivo é evidenciar a importância do controle interno eficiente na
prevenção de erros e fraudes, o que assegura que a contabilidade gere informações confiáveis que possibilite a real avaliação da empresa por usuários internos como gerentes e tomadores de decisão e externos como acionistas, clientes,
fornecedores, bancos.
Esse trabalho se justifica na importância e atualidade do tema, uma organização com bons controles é bem vista pelo mercado, e confiança é condição
para mais e melhores negócios.
2. O RISCO DE FRAUDES E ERROS E A CRIAÇÃO
DA LEI SOX
Existem casos recentes de fraudes milionárias que levaram muitas empresas multinacionais e grandes bancos a falência grande parte dessas fraudes foram realizada através de falsidade de dados internos e externos através de alterações de informações contábeis e muitas vezes por informações privilegiadas.
Segundo Ferreira (1999) a palavra fraude significa “más artes que causam dolo,
má-fé, candonga, contrabando, pia fraude: mentira ou engano para fim piedoso ou
caritativo” defini-se portanto que fraude é algo malicioso, ocorre quando já se tem
a intenção de dar o golpe em alguém, modificando resultados, documentos. Para
Parodi (2008, p. 359) “a fraude interna entende-se como um conjunto muito amplo
de atos ilícitos sofridos pelas empresas e perpetrados por funcionários, clientes ou
fornecedores da mesma, ou seja, por pessoas que já mantém um relacionamento
estável e normalmente de confiança com a empresa”. Crepaldi(2010, p. 377) enRevista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
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fatiza que a fraude é “decorrente do enfraquecimento dos valores éticos, morais e
sociais principalmente da ineficácia dos sistemas de controle interno”.
É importante identificar a diferença entre erro e fraude, sendo fraude
ação intencional e erro ação involuntária gerada por imperícia ou engano, é importante que o sistema de controle interno seja capaz de identificar as fraudes e
erros e criar mecanismos de proteção.
Na elaboração de projetos de combate as fraudes, Sá nos demonstra a realidade da situação em que se encontra o país, dizendo que:
É errôneo admitir que controles sofisticados e muita
burocracia sejam competentes para evitar fraude. Se assim
fosse, a maquina publica tão burocrática e complicada,
não seria um celeiro tão vasto de escândalos que tanto tem
abalado esta nação. As fraudes são frutos de oportunidades, que por excesso de comando e por lacunas de fiscalização. (SÁ, 2008,p.27).
Um dos escândalos de fraude mais conhecido no mundo é o caso a empresa Enron (KINDLEBERGER, 2009), ela era a sétima maior empresa de energia
dos Estados Unidos onde suas principais atividades era comercialização de eletricidade e gás natural, suas receitas no ano 2000 ultrapassaram os US$ 60 bilhões.
Pressionada em gerar lucro rápido e crescente, (SAMUELSON, 2012) a Enron
contabilizou-se seus ganhos como receita corrente, ainda que as projeções estivessem baseadas em pressupostos altamente duvidosos levando a sua falência durante o ano de 2001, as ações da Enron caíram de US$ 86 para US$ 0,30.
Tanto em empresas públicas quanto nas empresas privadas as fraudes e
erros são evidentes demonstrando a fragilidade de seus controles internos e seus
governantes. Escândalos corporativos derivaram-se da fragilidade do ambiente de
controle, decorrente do baixo nível de comprometimento da média gerência com a
qualidade dos controles internos contábeis utilizados na gestão de processos e dos
riscos que ocasionam para a empresa, algumas leis foram criadas para extinguir
esses atos ilícitos, uma das leis, mas conhecida segundo Leal (2002) é a lei SOX,
sendo divisor de águas do que existia antes e depois de encarar a necessidade da
excelência do controle interno, que passou de meros procedimentos de formalização a processos de exigência legal, Barbieri escreve como foi criada a lei Sox
A lei SOX (Sarbanes – Oxley) é uma lei norte americana assinada em Julho de 2002, proposta pelo senador Paul Sarbanes (democrata Maryland) e pelo deputado Michael Oxley
(republicano de Ohio) motivados por escândalos financeiros
corporativos, dentre eles o da Enron, MCI, etc. Por afetarem
drasticamente algumas empresas de auditoria e indiretamente
a sociedade americana,que investia em empresas aparentemente sólidas, porém com uma fragilidade escondida através
de seus controles. (BARBIERI, 2011, p.18).
A lei SOX, oferece para a empresa maior confiabilidade, acarretando
maior responsabilidade para o executante. Segundo Borinell (2012), a Lei Sox
foca na responsabilidade corporativa no que se refere á veracidade do conteúRevista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
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do dos informes contábeis produzidas e no gerenciamento e avaliação dos controles internos, a punição se dá por penas de multa ou prisão aos executivos da
companhia caso sejam detectados divulgações de informações incorretas ou imprecisas.
3. CONTROLADORIA METODOLOGIA DE
ORGANIZAÇÃO QUE POSSIBILITA A
SEGURANÇA E QUALIDADE DAS INFORMAÇÕES
Dentre as formas de organização de empresas uma que se destaca é a
controladoria, esta desenvolve um papel importante ao medir a eficácia da empresa, auxiliando os gestores no processo de decisão, em busca da obtenção de
excelência e organização.
Cabe a controladoria organizar um eficiente controle interno e manter
um constante processo de avaliação, com o objetivo de garantir a fidedignidade
das informações para o processo decisório. Catelli (2001) complementa que o
controle interno visa estruturar a empresa de modo que facilmente sejam identificados os pontos fortes e fracos, para que esse processo flua de forma fidedigna,
sendo fundamental que as informações contidas em seus relatórios sejam transparentes e confiáveis. O controle tem objetivo de garantir que os resultados das
ações planejadas, organizadas e dirigidas se adequem aos objetivos traçados, o
controle é essencial para guiar um processo previamente estabelecido. (CHIAVENATO, 2003).
Catelli (2001, p.61) enfatiza que o “controle visa assegurar por meio da
correção de rumos que os resultados planejados sejam efetivamente realizados
apoiando na avaliação dos resultados e desempenho”. Cada empresa adapta seu
controle interno com seu ramo de atividade e o objetivos que a mesma deseja
alcançar.
Duas empresas não têm e não deveriam ter o mesmo sistema de controle interno, as necessidades das empresas e
dos seus controles internos variam de um ramo de atividade para outro, e de acordo com o suporte da empresa sua
cultura interna e sua filosofia gerencial, ou seja, controle
interno sempre será diferente de uma empresa para outra
(D`ÁVILLA, 2002. p, 25).
O controle interno é monitorado pela Controladoria, através de um
conjunto de investigações sobre as principais atividades da entidade, objetivando assim, o constante entendimento do fluxo das atividades, direcionando sua atenção para as possibilidades de ocorrência de fraudes causadas por falhas, o sistema de controle interno deve permitir detectar todas as
irregularidades. Para eficácia desejada é necessário maior conscientização
dos gestores das empresas sobre a importância do controle, conforme afirma Catelli:
Somente os controles internos, constantes, adequados e
eficazes podem tornar difíceis as ocorrências de fraudes
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nas empresas. O fraudador sempre testa os controles internos antes de cometer a fraude programada. Um bom
sistema de controle visa salvaguardar o ativo – proteger os
ativos de eventuais roubos, perdas, uso indiscriminado ou
danos morais. (CATELLI, 2001).
Para que todas essas informações sejam analisadas sobre a sua real fidedignidade é necessário um profissional apto e treinado para que a confiabilidade das informações sejam autenticadas. Oliveira (2005) demonstra para que a
controladoria flua bem dentro das empresas e necessário o auxílio de um líder
para direcionar e solucionar fatos ocorridos na empresa, esta função pertence
ao controller. Catelli (2001) enfatiza que o controller precisa ser um profissional altamente qualificado, que direciona todo fluxo de informações da organização, garantindo que as informações cheguem aos interessados de forma correta
e confiável dentro dos prazos combinados.
Um bom sistema de controle interno deve ser um conjunto de dados fornecidos através de documentos e registros contábeis.O foco é à geração de informações para a gerencia, os relatórios em vez de mostrar as transações ocorridas, passa a apontar, por meio de resumos e filtragens, indicadores-chaves para
o monitoramento e análise das informações.
Um modelo de informação não significa apenas possuir
sistema que coordenem as atividades operacionais de uma
empresa. Na verdade, possuir um modelo de informação
requer adequação dos diversos sistemas existente em uma
organização, os quais muitas vezes atuam de maneira isolada de modo de dar suporte ao processo decisório. Esta
informação deve ser tanto de dados realizados quanto de
tendências, visando proporcionar decisões para ao melhor
resultado empresarial. (YOSHIKUMI, 2013, p.27)
Dessa forma, entende-se que o sistema de informações gerenciais proporciona ao gestor condições de controlar as diversas rotinas administrativas e é fonte
orientadora para o processo decisório, “os sistemas de informações nas empresas,
exercem impactos na estrutura organizacional, influenciando a cultura, a filosofia, a política, os processos e os seus modelos de gestão”(REZENDE, 2008, p.90).
Após todas as informações necessárias e confiáveis em mãos os resultados devem ser apresentados a presidência, juntamente com as alternativas de
crescimento e resoluções de possíveis problemas que possam ocorrer internamente e externamente na empresa.
4. GOVERNANÇA CORPORATIVA BOAS PRÁTICAS
DE GESTÃO
De acordo com Cordeiro (2012) a governança corporativa é uma das ferramentas que auxilia, na concretização de maior credibilidade para as empresa que usufruem deste método e esta interligados com os métodos de controle.
Segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) governança corporativa é Governança Corporativa é o sistema pelo qual as organizações
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são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo as práticas e os relacionamentos entre proprietários, conselho de administração, diretoria e órgãos de
controle. As boas práticas de Governança Corporativa convertem princípios em
recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e
aperfeiçoar o valor da organização, facilitando seu acesso ao capital e contribuindo para a sua longevidade.
Diante da definição sobre governança corporativa a adoção de métodos
que contribua para o crescimento da empresa é indispensável. As empresas que
escolhem por implantar a governança em seu dia a dia, também contam com diversos benefícios que podem auxiliar no crescimento da empresa, desde que sejam
seguidos com certa disciplina. O benefício que a governança corporativa proporciona às organizações está relacionado à melhoria dos negócios, transformando
princípios em ações, visando preservar e aperfeiçoar o desempenho organizacional (LEAL, 2002). Adoção de boas práticas de governança tornou-se um dos requisitos básicos exigidos pelos investidores e pelas instituições do mercado.
Todos estes métodos de controle interno enfatizam a importância nas informações geradas pelo controle interno.
O autor Yoshitake (2009) complementa como que para transmitir mais
confiabilidade no trabalho do controle interno os procedimentos devem receber
um parecer da auditoria. Podendo assim demonstrar que o controle interno esta
sendo eficiente em seu trabalho.
5. NECESSIDADE DE CONFERÊNCIA E
COMPROVAÇÃO DE INFORMAÇÕES
De acordo NBC TA 315(Normas Brasileira Contabilidade Técnica Auditoria) aprovada em 27 de novembro de 2009 pela resolução 1.212/2009 do Conselho Federal de Contabilidade - CFC item três o objetivo da auditoria é:
É identificar e avaliar os riscos e distorções relevantes independente de ser causados por fraude ou erro, nos níveis da
demonstração contábil e das afirmações, por meio do entendimento da entidade e do seu ambiente, inclusive do controle interno da entidade, proporcionando assim uma base para
o planejamento e a implementação das respostas aos riscos
identificá-los e distorções relevantes.(NBC TA 315).
Por força da competitividade no mundo dos negócios, é imprescindível a
utilização de métodos eficazes de controle interno para a avaliação de todas as
informações e uteis utilizados a fim de reduzir e, se possível, eliminar a probabilidade de erros e fraudes, nesse sentido se faz necessária a auditoria, para que
possa validar os resultados do controle interno.
Por ser um campo muito abrangente, Hernandez (2004) divide a auditoria em duas partes: auditoria interna, o trabalho é executado por um funcionário da empresa o profissional responde pelos seus atos na forma trabalhista, já a
Auditoria externa o trabalho é executado por um profissional sem vinculo com a
empresa, o profissional responde pelos seus atos civil e criminalmente.
Segundo (TOSTE, 2007)a auditoria interna é a ferramenta que avalia se
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149
as normas e procedimentos criados pelo controle interno estão sendo eficientes
e fidedignas, pois analisa documentos, livros e registros.
Almeida demonstra a importância de se ter uma auditoria interna constantemente:
Auditoria interna surgiu como uma ramificação da profissão de auditor externo e, consequentemente, do contador.
O auditor interno é um empregado da empresa, e dentro
de uma organização ele não deve ser subordinado aqueles cujo trabalho examina. Além disso, o auditor interno
não deve desenvolver atividades que ele possa vir algum
dia examinar, para que não interfira em sua independência
(ALMEIDA, 2003, p. 29).
A auditoria interna procura melhorar o desempenho da empresa em relação a os pareceres dados anteriormente por autores externos assegurando assim
a eficácia do controle interno analisando se os objetivos foram alcançados e erros corrigidos. O objetivo geral da auditoria interna e assessorar a administração
no desempenho eficiente de suas funções.
Para Almeida (2003) uma das formas de garantir a confiabilidade das
demonstrações contábeis seria se as mesmas fossem examinadas por um profissional independente da empresa e de reconhecida capacidade técnica, chamado
auditor externo ou independente.
A auditoria independente analisa as demonstrações financeiras de uma empresa, com a finalidade de expressar uma
opinião sobre os resultados apresentados. A examinação
deve ser feita de acordo com as normas de auditoria, fazendo um levantamento do que foi feito no sistema contábil da empresa e o controle interno, estabelecendo assim a
profundidade do seu trabalho. (ATTIE, 1998)
Pagliato (2007, p. 5) aponta que tipo de empresas tem a obrigatoriedade da
contratação de auditores independentes para auditar as demonstrações contábeis são
as “empresas pertencentes ao Mercado Financeiro e de Capitais, como bolsa de valores, associação de poupança, bancos de investimento/ capitais e múltiplos e etc.”
Diante da função de cada uma das auditorias Attie em sua obra faz uma
relação entre a auditoria independente e auditoria interna:
A auditoria independente se preocupa com o controle interno, quanto aos possíveis efeitos que ele pode acarretar
as demonstrações financeiras, base para a emissão de seu
parecer, o auditor interno tem sua ótica voltada para que
ele represente a sua organização, de forma a possibilitar o
desenvolvimento harmônico, seguro e adequado de todas
as ações e permitir o reflexo aos setores e pessoal interessado nas informações (ATTIE, 1998, p. 208).
O fato principal da auditoria não é a detecção da fraude, mas sim o de emitir uma opinião quanto à veracidade das demonstrações contábeis “no entanto, na
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execução do trabalho poderão ser detectados erros ou fraudes, cabendo ao auditor
o dever de comunicar á administração da empresa, bem como seus reflexos nas demonstrações contábeis, incluindo também sugestões de correções” (ATTIE, 1998).
“Com a abertura da economia brasileira e a privatização, vem atraindo
cada vez mais novos investidores externos, no país consequentemente o aumento da procura de auditoria esta cada vez maior” (PAGLIATO, 2007, p. 6), com
isso surge à necessidade de um controle interno eficiente dentro da empresa,
pois ele proporciona segurança de que erros e irregularidades possam ser descobertos com mais rapidez, avaliando se a empresa é confiável ou não através de
resultados examinados (ATTIE, 1998).
Hernandez (1998) afirma que a auditoria, quando exercida com competência e seriedade, estará contribuindo para uma boa gestão empresarial, sendo
fundamental que o auditor cumpra com sua obrigação e metas que deseja cumprir com extrema ética e zelo profissional.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao término deste artigo podemos verificar que considerando um ambiente suscetível a fraudes e erros, um eficiente controle interno se faz necessário, a medida que a empresa aumenta a sua estrutura, percebe-se a necessidade
de um controle eficiente capaz de gerar dados confiáveis para seus usuários internos e externos de forma fidedigna, onde as metas e objetivos somente serão
alcançadas quando o controle interno estruturar as informações de acordo com
as suas necessidades.
De acordo com o exposto por diferentes autores concluí-se que um controle interno organizado, bem planejado, eficiente e que envolva toda a organização traz benefícios as empresas, alem de diminuir os riscos de fraudes e erros,
aumenta a confiança dos usuários internos e externos na organização, o que gera
maior vantagem competitiva á empresa.
Na busca obter resultados mais confiáveis, motivados por eventos reais,
a criação da Lei Sarbanes Oxley, foi de extrema importância para que as empresas evoluíssem em termos de controles e organização, tornando os resultados das empresas mais confiáveis.
É importante ressaltar que de nada vale possuir um controle interno sem
manter os colaboradores envolvidos e comprometidos com objetivo e a finalidade da empresa executando suas funções de forma ética e respeitando os processos criados, de forma que as informações errôneas ou fraudulentas sejam
descobertas durante o processo e que as informações geradas tenham credibilidades para que sirvam de base para a tomada de decisão.
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Remoção de metais pesados utilizando resíduos
da casca de laranja como biossorvente
Antonio Vilas Boas Quintiliano Junior1
[email protected]
Denise Osiro2
[email protected]
RESUMO
Neste trabalho foi feito um estudo da remoção de Cu2+ em solução utilizando como biossorvente resíduos de casca de laranja. O cobre é um elemento
tóxico para os seres vivos quando em altas concentrações e contamina muitos
efluentes por ser a base de muitos agrotóxicos utilizados em grande quantidade na agricultura. Biossorvente casca de laranja foi preparado da seguinte
forma: secagem, trituração e classificação de acordo com a granulometria.
Foram feitos ensaios que verificaram que o biossorvente com melhor adsorção de Cu2+ foi com granulometria maior que 1mm. Nos ensaios de adsorção,
sempre realizadas em triplicatas, foram deixadas sob agitação constante 3,0g
de biossorvente (casca de laranja com diâmetro maior que 1mm) em 25 mL
de sulfato de cobre 0,1 mol/L a pH 3,5; sendo monitorada de hora em hora
por 24 horas a absorbância da solução no comprimento de onda de 815nm.
Os estudos de adsorção mostraram que a maior eficiência do processo ocorre nas primeiras 12 horas quando quase 80% do cobre em solução foram adsorvidos, após 24 horas a adsorção de cobre quase não alterou. Os resultados comprovam que a casca de laranja tem grande eficiência na remoção de
cobre em solução.
Palavras-chave
Biossorvente, metal pesado, casca de laranja
ABSTRACT
In this work was made a study of the removal of Cu2+ in solution using
as biosorbent rests of orange skin. In high concentrations the copper is a toxic
element for the living beings and pollute many effluents to be used a lot in agriculture. The biosorbent orange skin was made in this way: drying, crunch and
classification according to the particle size. Trials were made verifying that the
biosorbent with best Cu2+ adsorption was with particle size greater than 1mm.
1 Antônio Vilas Boas Quintiliano Júnior. Discente do curso de Química Industrial do UNIFEG.
2 Denise Osiro. Doutorado em Química (Química Analítica) pela Universidade de São Paulo (USP). Docente do curso de Química
Industrial e Engenharia Química do UNIFEG.
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da casca de laranja como biossorvente
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In the adsorption trials, always done in triples, were left under constant agitation 3,0g of biosorbent (orange skins with diameter greater than 1mm) in 25ml
of copper sulfate 0,1 mol/L in pH 3,5; being monitorated the solution absorbance in the wavelength of 815 nm hourly for 24 hours. The adsorption studies show
that the greater efficiency of the process occurred on the first 12 hours when almost 80% of the copper in solution was adsorbed, after 24 hours the adsorption
of copper not changed. The results prove that the orange skin has high efficiency
on the removal of copper in solution.
1. INTRODUÇÃO
A escassez crescente dos recursos hídricos tem motivado pesquisas que
colaborem na preservação e descontaminação de efluentes industriais e urbanos. Dentre os diversos contaminantes químicos gerados pelo setor industrial e
agroindustrial destaca-se a contaminação por metais pesados, como cobre, cádmio, mercúrio, chumbo, entre outros.
Na literatura, encontram-se estudos sobre a utilização de resíduos provenientes da agroindústria como biossorventes de metais pesados, como casca de
arroz e bagaço de cana de açúcar.
O presente trabalho tem como objetivo propor um tratamento alternativo para a adsorção de metal pesado em efluentes contaminados. Este estudo foi
motivado pela importância de utilizar a casca de laranja, que é uma biomassa na
maioria das vezes desprezadas no setor agroindustrial, como adsorventes para a
remoção do metal pesado (cobre II).
2. RECURSOS HÍDRICOS E CONTAMINAÇÃO
A água é crucial a vida, porém, sua qualidade e disponibilidade têm sido
afetadas pela decorrente necessidade de aumento na produção de alimentos e na
industrialização, exigindo um crescente consumo para os mais diversos fins. A
água, que através do ciclo hidrológico poderia ser considerado um recurso mineral renovável, não pode ser mais considerado assim. O despejo de dejetos nos
cursos de água tem sido enorme, degradando os ecossistemas aquáticos (SCHNEIDER, 2003).
Segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), responsável pela regulação e gestão das águas no Brasil, nosso país possui 13% dos recursos hídricos
superficiais de água doce disponíveis no planeta. No entanto, esse sistema é bastante frágil. São vários os poluentes descartados em nossos rios, incluindo óleos, pesticidas, tensoativos, corantes, metais pesados entre outros (SCHNEIDER,
2003). Os resíduos sólidos geralmente são amontoados e enterrados; os líquidos
são despejados em rios e mares; os gases são lançados no ar. Assim, a saúde do
ambiente, e consequentemente dos seres que nele vivem, torna-se ameaçada. O
consumo habitual de água e alimentos - como peixes de água doce ou salgada contaminados com metais pesados coloca em risco a saúde, passando a um problema social (BARROS, 2010)l.
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da casca de laranja como biossorvente
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2.1 Contaminação por metais pesados
Os metais pesados são elementos químicos que possuem numero atômico de 22 a 92 encontrados na tabela periódica nos grupos de 3 a 7 (FRANCISCHETTI, 2004). Eles recebem essa denominação por possuírem densidade
superior a 5 g/cm3, embora essa denominação não seja apropriada do ponto de
vista químico, sendo também conhecidos como metais traço (elementos traço)
em função da baixa concentração em meios ambientais (BAIRD, 2002).
Os metais pesados são geralmente tóxicos ao organismo por reagir com
ligantes presentes em membranas, com macromoléculas e com ligantes difusores, sendo biocumulativos na cadeia alimentar, no meio ambiente e no processo
metabólico de diversos seres vivos (BAIRD, 2002).
A poluição por metais pesados resulta de diferentes atividades econômicas, a maioria delas industriais, mas também contribui as atividades agrícolas
e rejeitos domésticos. Efluentes contendo metais como cádmio, cobre, chumbo
e cromo exibem elevada biotoxicidade, em geral com efeitos acumulativos no
bioma (BARROS, 2010). A remediação de efluentes contaminados pode ser feita por vários processos de tratamento alternativos, porém, as fontes de contaminação são extensas e variadas.
2.1.1. Cobre
O cobre é um metal amplamente encontrado na natureza nas formas
mono e bivalente, podendo ser encontrado na forma pura, porém na maioria das
vezes se apresenta como mineral (FRANCISCHETTI, 2004).
O cobre é utilizado em diversas aplicações industriais como manufatura
de fios condutores, tubulações residuais, produção de inseticidas, baterias; em
função da sua maleabilidade, ductibilidade, condutibilidade elétrica e térmica
(CAMPAGNA, 2005).
Apesar de ser considerado um elemento traço essencial (nos processos
fisiológicos e bioquímicos) para todos os seres vivos por participar da formação
de hemácias e leucócitos (componentes de muitas enzimas), pode se tornar tóxico para os seres vivos quando em altas concentrações por contato direto ou indireto em períodos prolongados de exposição (FRANCISCHETTI, 2004).
De um modo geral, o contato com o cobre é ocasionado por fontes antropogênicas, na maioria das vezes provenientes de descartes industriais (FRANCISCHETTI, 2004). Assim, a concentração máxima de cobre estabelecida
para águas destinadas ao abastecimento público é de 2mg/L segundo a portaria
2914/2011 do Ministério da Saúde (CETESB, 2012).
Quando dissolvido em meio aquático pode conter íons livres, estar complexado por ligantes orgânicos ou inorgânicos, formar complexos com bases
duras (nitratos, sulfatos, carbonatos, cloretos, amônia e hidróxidos) (CAMPAGNA, 2005).
Quando depositado em sedimentos pode se associar com a matéria orgânica (se adsorve com hidróxidos, óxidos de ferro ou manganês), podendo ainda
precipitar na forma de sulfatos, carbonatos ou hidróxidos (CAMPAGNA, 2005).
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3. O PROCESSO DE ADSORÇÃO
Entende-se por adsorção o processo que envolve a transferência de um
constituinte de um fluído (gás ou líquido) para uma superfície de uma fase sólida (CASTELLAN, 1986).
O método de adsorção pode ser empregado como uma forma alternativa
para a remoção de metais tóxicos presentes em efluentes, no qual duas espécies
coexistem: o adsorvente e o adsorbato. Sendo o primeiro, o material sólido sobre
o qual ocorre a adsorção, e o último a substância fluída adsorvida (SOUZA et.
al., 2012). Nesse fenômeno físico-químico de tratamento, a massa da fase fluida é transferida para a superfície sólida, acumulando-se sobre a superfície (KIELING, MORAES, BREHM, 2009).
A palavra adsorção provém do termo geral sorção que também inclui
a palavra absorção. A adsorção refere-se ao processo de concentração de uma
substância em uma superfície ou interface, por outro lado, a absorção refere-se
ao processo de acumulação pela interpenetração de uma substância em outra
fase (COSTA, SCHNEIDER, RUBIO, 1999).
Para que o processo de adsorção produza o efeito desejado, alguns critérios básicos devem ser obedecidos, como: estar disponível em grandes quantidades, apresentar baixo custo, alta capacidade e alta seletividade (SOUZA et. al.,
2012). Assim, a busca por materiais que proporcionem um desempenho eficaz,
agregado a um baixo custo tem se tornado uma alternativa potencialmente atrativa, direcionando-se o foco para as biomassas constituídas de restos de substancias naturais (COSTA, SCHNEIDER, RUBIO, 1999).
Diversos são os materiais que podem atuar como adsorventes, entre esses
materiais estão: os micro-organismos (fungos, bactérias e microalgas), vegetais
macroscópicos (plantas aquáticas, algas e gramíneas), tecidos específicos de vegetais (casca, bagaço e semente), materiais de origem mineral (zeólitas, bentonitas e diatomita) e ainda subprodutos de origem mineral (argilas, dolomita, pirita,
etc.) (COSTA, SCHNEIDER, RUBIO, 1999).
3.1 Biossorventes
Os biossorventes são materiais de origem biológica que possuem a capacidade de absorver e/ou adsorver íons metálicos dissolvidos. Essa biomassa
pode atuar de forma ativa (com atividade metabólica) ou inativa (sem atividade
metabólica) (CARVALHO, 2013).
A biossorção resulta de interações eletrostáticas e também da formação
de complexos entre os íons metálicos e os grupos funcionais presentes na superfície celular, quando estes exibem alguma afinidade físico-química pelo metal.
Os grupos funcionais como cetonas, aldeídos, carboxilas, presentes na parede
celular desses biossorventes, são responsáveis pela captação de metais tóxicos
(RODRIGUES, 2006).
Diversas pesquisas apresentaram resultados satisfatórios envolvendo uso
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de biomassas para a remoção de metais e também para a remoção de outros
poluentes aquosos, como por exemplo: resíduo sólido de mamona (CARVALHO, 2013), plantas aquáticas (SCHNIDER, 2003; COSSICH, 2000), argilas
(MARQUES, SAN GIL, 2003), serragem (RODRIGUES, 2006), hidroxiapatita (MAVROPOULOS, 1999), cascas de diversas frutas (MONTANHER, 2009;
SOUZA et. al., 2012; BATISTA, 2014), cascas de arroz (KIELING, MORAES,
BREHM, 2009).
3.2 Biossorvente casca de laranja
A citricultura brasileira segundo a Revista Científica Eletrônica de Agronomia (2011) lidera o ranking mundial na produção de citros, sendo o estado de
São Paulo o responsável por 85% da produção do país; seguido dos estados de
Rio de Janeiro, Minas Gerais, Sergipe, Rio Grande do Sul e Paraná (REZZADORI & BENEDETTI, 2009).
Mesmo sabendo que o suco é o principal produto da laranja, outros subprodutos também são obtidos da polpa, casca e sementes durante o seu processo
de fabricação, dentre eles: óleos essenciais, terpenos, d-limoneno, farelo de polpa cítrica e líquidos aromáticos (MARTINI, 2009). Esses subprodutos apresentam diversas funções em diferentes tipos de mercados, incluindo a produção de
insumos na indústria de bebidas, cosméticos e perfumes, fabricação de tintas e
solventes, complemento para a ração animal (principalmente na pecuária) entre
outros (MARTINI, 2009).
A casca da laranja é constituída principalmente de carboidratos, sendo
aproximadamente 16,9% de açúcares solúveis (glicose frutose e sacarose) e polissacarídeos insolúveis contidos na parede celular da casca de laranja: 9,21%
de celulose, 10,5% de hemicelulose, e 42,5% de pectina (REZZADORI & BENEDETTI, 2009).
Na literatura podem-se encontrar diversos estudos de adsorção utilizando como biomassa adsorvente os resíduos de laranja devido a sua “grande produção renovável”, “baixo custo” e a “grande capacidade desse material em reter íons metálicos“ (MONTANHER, 2009; SOUZA et. al., 2012;
BATISTA, 2014).
4. PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL
4.1 Determinação da concentração de metal por UV-Visível
Para determinação da concentração de Cu2+ foi utilizado à técnica de espectroscopia de Uv-Visível. A medida foi feita em um espectrofotômetro UV/
Vis de marca Femto modelo 700 plus operando no comprimento de onda de 815
nm. A curva analítica padrão para determinação da concentração de Cu2+ das
amostras analisadas é mostrada na figura 1.
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Absorbância
1,2
1
y = 10,561x + 0,0098
R² = 0,998
0,8
0,6
Absorbância
0,4
Linear (Absorbância)
0,2
0
0
0,02
0,04
0,06
0,08
0,1
0,12
Concentração (mol/L)
Figura 1: Curva analítica padrão da solução de sulfato de cobre 0,1 mol/L obtida no
comprimento de onda de 815nm.
4.2 Obtenção do biossorvente casca de laranja
As amostras de cascas de laranja (biossorvente) foram inicialmente secas em estufas por 48 horas a 60°C, depois foram trituradas em um liquidificador. A amostra triturada foi separada e classificada em um agitador eletromagnético de peneiras redondas para análises granulométricas de marca Bertel
(Indústria Metalúrgica Ltda.). Foram obtidas cinco frações de acordo com as
peneiras utilizadas: partículas de tamanhos maiores que 1mm; entre 1mm e
0,6mm; entre 0,6mm e 0,125mm; entre 0,125 e 0,063mm; ente 0,063 e 0,045
mm.
Foram realizados testes de adsorção utilizando as 5 frações de tamanhos
diferentes de biossorvente, sendo essas análises realizadas em triplicatas para
cada fração. Amostras de 0,25g do biossorvente foram adicionadas em erlenmeyers de 250 mL contendo 25 mL de sulfato de cobre 0,1 mol/L a pH 3,5 e ficaram por 4 horas sob agitação, sendo em seguida as soluções filtradas e analisadas por Uv-Visível.
Em todas as análises de Uv-Visível para testar a adsorção do Cu2+ pelas
amostras de casca de laranja teve-se o cuidado no preparo do branco para calibração do zero de absorção pelo espectrofotômetro. As soluções utilizadas como
branco nas análises foram preparadas agitando massa equivalente de biossorvente em água deionizada a pH 3,5 por 4 horas e depois filtradas. Ou seja, para
cada ensaio de adsorção em solução de Cu2+ foi preparado um branco utilizando
a mesma amostra de biossorvente em água deionizada.
Nas análises testando as diferentes granulometrias da casca de laranja
observou-se que a fração que melhor adsorveu Cu2+ foi a com diâmetro maior
que 1mm.
As análises de Uv-Visível foram obtidas no comprimento de onda de
815nm. Os cálculos de adsorção de Cu2+ foram feitos a partir da curva de analítica padrão mostrada na figura 1 e seguindo a Lei de Lambert-Beer:
A = ε ⋅l ⋅C
Onde: A= Absorbância, ε= Absorvidade Molar (L/ mol.cm), l= caminho óptico (cm), C= Concentração (mol/L).
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Com as concentrações obtidas, calculou-se a porcentagem de adsorção
por meio do seguinte cálculo matemático:
Onde: %Ads= porcentagem de adsorção, Ci= concentração inicial da
solução, Cf = concentração final da solução.
Nos ensaios seguintes utilizando apenas a fração de casca de laranja com
granulometria maior que 1mm determinou-se qual a concentração de biossorvente (massa de biossorvente/mL de solução de sulfato de cobre 0,1 mol/L)
possuía melhor capacidade de adsorção de Cu2+. Todos os testes foram realizados sempre em triplicata. Assim para este teste, amostras de 0,25g; 1,0g; 1,5g;
2,0g; 2,5g; 3,0g; 3,5g e 4,0g de biossorvente, foram adicionadas em erlenmeyers
de 250 mL contendo 25 mL de sulfato de cobre 0,1 mol/L a pH 3,5 e mantidas
sob agitação por 4 horas, sendo em seguida filtradas e analisadas por Uv-Visível
a 815nm. Após as medições em Uv-Visível, observou-se que a quantidade em
massa de biossorvente que adsorveu a maior quantidade de Cu2+ foi a de 3g de
casca de laranja/25 mL de sulfato de cobre 0,1 mol/L.
Em seguida obteve-se a curva de adsorção do Cu2+ pelo biossorvente em
função do tempo de contanto com a solução de Cu2+. Para este teste, amostras de
3,0g da fração com diâmetro acima de 1mm, foram adicionadas em erlenmeyers
de 250 mL contendo 25 mL de sulfato de cobre 0,1 mol/L a pH 3,5 e ficaram por
até 24 horas sob agitação. As medições de Uv-Visível foram feitas de hora em
hora até as 12 horas e depois após 24 horas.
5. RESULTADOS E DISCUSSÕES
A fração de casca de laranja com diâmetros maiores que 1mm foi a que
apresentou melhor resultado nos testes de adsorção de Cu2+, portanto o melhor
resultado foi obtido com a maior granulometria testada, isso deve ser justificado considerando as frações com menor granulometria, nas quais observou-se a
formação de aglomerados. Segundo Montanher (2009), “a quantidade de adsorvente aumenta de forma exagerada tornado-se uma aglomeração que resulta na
redução da superfície de contato diminuindo a interação dos íons com os grupos presentes nos sítios ativos”.
Nas análises para determinar a melhor concentração de massa de casca
de laranja nos testes de adsorção de Cu2+, também foi possível observar a formação de aglomerados em concentrações maiores de 3,0g de biossorvente/25 mL
de sulfato de cobre 0,1 mol/L.
A figura 2 (a) mostra a variação da concentração de Cu2+ em função do
tempo, onde se pode observar a maior diminuição da concentração de cobre nas
primeiras 12 horas. A figura 2 (b) mostra a porcentagem de adsorção de Cu2+ em
função do tempo, pela casca de laranja com diâmetro maior que 1mm. Esses resultados foram obtidos monitorando a concentração de Cu2+ através das análises
de UV/visível a 815nm.
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da casca de laranja como biossorvente
Figura 2: (a) Gráfico da concentração do sulfato de cobre em função do tempo. (b)
Gráfico da porcentagem de adsorção de Cu2+ vs tempo (horas).
No gráfico de porcentagem de adsorção em função do tempo nota-se que,
após 12h, 79% do sulfato de cobre na solução tinha sido adsorvido e, após 24h, a
adsorção era de 81,82%. Portanto, após 12h houve pouca variação na adsorção.
Durante o contato do biossorvente com a solução de sulfato de cobre, ocorreu-se principalmente o chamado fenômeno de sorção física (fissorção), onde interações entre as moléculas de cobre e os grupos funcionais (grupos carboxílicos) dos
sítios ativos da amostra se deram por meio de forças de Van der Waals que apesar de
serem interações de longo alcance, são relativamente fracas (CASTELLAN, 1986).
No intervalo entre 12 e 24 horas, não houve variação na adsorção, isso pode
ser explicado pelo fato dos sítios ativos, que apresentam grupos com carga ou densidade de carga negativa (como COOH, C=O e NH) estar saturados com Cu2+.
Uma forma de aperfeiçoar o trabalho para obter resultados mais satisfatórios em menor quantidade de tempo seria modificando o biossorvente como
descrito no trabalho de doutorado de Montanher (2009), em que se alterou o pH
do material por meio de tratamento com NaOH, fazendo com que os grupos carboxílicos presentes nos sítios ativos ficassem desprotonados atraindo os íons cobre (Cu2+). Assim, ocorrendo o chamado fenômeno de sorção química (quimiossorção), em que os íons unem-se por ligações químicas acoplando-se aos grupos
dos sítios ativos. Neste trabalho não foi realizado este ajuste para pH neutro visto que o sulfato de cobre precipita em pH maior que 4,5 (CASTELLAN, 1986).
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das análises foi possível observar que o biossorvente casca de laranja apresentou-se como um removedor eficiente de cobre (Cu2+), sendo que o
melhor resultado de adsorção foi obtido em 12h com quase 80% de adsorção do
cátion. No entanto, através do tratamento do material, como a alteração de pH, é
possível chegar a resultados extremamente satisfatórios com um tempo de contato mais efetivo entre o biossorvente e o metal em menor quantidade de tempo.
Com base nos resultados obtidos e em outros estudos descritos na literatura, pode-se concluir que o método de remoção de metais pesados de efluentes
líquidos por adsorção utilizando a casca de laranja é uma técnica eficaz, prática, de baixo custo.
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Remoção de metais pesados utilizando resíduos
da casca de laranja como biossorvente
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Responsabilidade civil subjetiva e
responsabilidade civil objetiva
Laura Charallo Grisolia Elias1
[email protected]
Maurício Martins2
[email protected]
RESUMO
O presente artigo é fruto do resultado de pesquisa realizada pelos autores, sobre a responsabilidade civil e seus pressupostos. Alguns defendem a
responsabilidade civil exclusivamente subjetiva, fundada em culpa do agente.
Outros defendem a tese da responsabilidade civil alicerçada na teoria do risco,
que substitui a culpa. Uma terceira corrente abraça uma posição mais eclética,
em que subsistiria a convivência das duas teorias. Pretendemos com o presente
trabalho conhecer um pouco mais das principais teorias que determinam a responsabilidade civil, bem como procurar definir qual corrente, hodiernamente,
é tida como a mais aceita não só pela doutrina, mas também pela legislação e
pela jurisprudência atual. A questão é de grande relevância acadêmica, social
e profissional. Em que pese o atual estágio da discussão em torno da questão da
responsabilidade objetiva, alguns juristas ainda resistem a admitir a responsabilidade sem culpa. Não resta dúvida de que a necessidade de demonstrar culpa do agente é tarefa difícil em determinados casos, o que provoca repercussão
iminente na esfera social, pois é determinante na efetiva reparação do dano.
Para os profissionais do direito a questão é de suma importância, na medida
em que orienta e define as provas que deverão ser produzidas e aquelas que não
são essenciais para o êxito da demanda. Iniciaremos a pesquisa pela análise
das doutrinas acerca da responsabilidade subjetiva e da responsabilidade objetiva, quais os pressupostos da primeira e quando se torna possível a aplicação
da segunda, que está estreitamente relacionada com as disposições legais e com
as atividades de risco. Em seguida, faremos um estudo de casos, analisando a
jurisprudência atual e a definição de responsabilidade pelos nossos tribunais.
Palavras-chave
Responsabilidade civil; pressupostos; teoria
1 Laura Charallo Grisolia Elias. Advogada. Graduada no curso de Direito do UNIFEG.
2 Maurício Martins. Mestrado em Direito pela Universidade de Franca (UNIFRAN). Docente do curso de Direito e Administração
do UNIFEG.
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1. CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
O vocábulo “responsabilidade” tem origem no verbo latim respondere,
que significa a obrigação que as pessoas tem de arcar com as consequências jurídicas provocadas por seus atos ou por sua atividade.
Segundo Maria Helena Diniz3, são grandes as dificuldades que a doutrina tem enfrentado para conceituar a responsabilidade civil. Alguns a definem na
culpa, ou seja, no dever de reparar os danos causados pelas consequências de
suas ações. Outros vão além, e a definem como obrigação de reparar o dano causado por ação própria ou ainda de pessoas ou coisas que dele dependam. E, por
fim, ainda há aqueles, com entendimento de aspecto mais amplo, para quem a
responsabilidade não tem sua origem na culpa, mas na teoria do risco.
Silvio Rodrigues4, citando SAVATIER, conceitua responsabilidade civil
como “a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado
a outra, por fato próprio ou por fato de pessoas ou coisas que dele dependam”.
Para Maria Helena Diniz5, a responsabilidade civil é:
“a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em
razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem
ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de
simples imposição legal”.
Para simplificar, se assim podemos dizer, a responsabilidade civil é o dever de reparar o dano causado em razão de conduta própria ou de terceiro, ou
ainda em razão de dever legal.
2. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E OS
PRESSUPOSTOS NECESSÁRIOS À SUA
CONFIGURAÇÃO
A doutrina não é unânime quando apresenta os elementos indispensáveis à
caracterização da responsabilidade civil. Para alguns juristas, a caracterização da
responsabilidade depende da existência da culpa, e a imputabilidade; outros, ainda
exigem a ocorrência do fato danoso, o dano e a antijuridicidade ou culpabilidade.
Para Wladimir Valler6 e também Rui Stoco7, os requisitos essenciais que
integram a responsabilidade civil são: a) o ato ou omissão violadora do direito
de outrem; b) o dano produzido por esse ato ou omissão; c) a relação de causalidade entre o ato ou omissão e o dano e d) a culpa.
Maria Helena Diniz8 lista três pressupostos caracterizadores da responsabilidade civil: a) existência de uma ação (comissiva ou omissiva); b) ocorrência
3 4 5 6 7 8 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 33.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 6.
DINIZ, op. Cit., p. 34.
VALLER, Wladimir. Responsabilidade civil e criminal nos acidentes automobilísticos. 4. Ed. São Paulo: Julex, 1993. p. 14.
STOCO, op. Cit., p. 131.
DINIZ, op. Cit., p. 35.
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de um dano; c) nexo de causalidade entre o dano e a ação.
Necessário se faz, para a compreensão do tema, o estudo pormenorizado
de cada um dos pressupostos, o que passaremos a verificar.
2.1 Ação
A ação é o elemento primário constitutivo da responsabilidade. Caracteriza-se pela conduta humana omissiva, aquele que deixa de praticar o ato ao qual
estava obrigado; ou comissiva, que se caracteriza pela prática de ato que não deveria ser praticado. Pode ser voluntária ou não, lícita ou ilícita, própria do agente
ou de terceiro que dele dependa, ou ainda o fato de animais ou coisa inanimada,
que cause dano moral ou patrimonial a determinada pessoa.
Como pressuposto da responsabilidade subjetiva, somente o ato ilícito,
contrário à ordem legal, enseja a obrigação de indenizar. O exercício regular de
direito, a priori, não obriga ao ressarcimento do prejuízo causado. Evidente que
essa questão será novamente abordada quando do estudo da responsabilidade
objetiva, cuja teoria está associada à responsabilidade sem culpa.
Por hora somente nos interessa a responsabilidade decorrente de ato ilícito.
Essa responsabilidade está prevista no caput do artigo 927 do Código
Civil Brasileiro, que assim dispõe: “Art. 927. Aquele que por ato ilícito causar
dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Por ato ilícito devemos entender aquele praticado em desacordo com
nosso ordenamento jurídico ou aquele ato que deveria ser praticado e não o foi
em razão da omissão do agente. O artigo 186 do CCB conceitua ato ilícito como
“aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito”.
Desta forma, fácil concluir que o ato ilícito está estreitamente relacionado ao comportamento culposo ou doloso do agente. Vale ressaltar que existe
culpa mesmo que a conduta do agente seja praticada sem que este tenha conhecimento da ilicitude de seu ato: o simples dano causado pela conduta culposa,
ainda que inconsciente, enseja a obrigação de ressarcimento do prejuízo.
2.2
Dano
O dano é elemento essencial e um dos pressupostos indispensáveis para
a caracterização da responsabilidade civil. Assim o é porque não se há que falar
em ressarcimento sem a existência de um prejuízo.
Maria Helena Diniz9 ensina que para que haja dano indenizável, será imprescindível a ocorrência, dentre outros, dos seguintes requisitos: a) diminuição
ou destruição de um bem jurídico, patrimonial ou moral, pertencente a uma pessoa; b) efetividade ou certeza do dano.
Indubitavelmente o dano pode ser patrimonial ou moral. O primeiro caracteriza-se em razão da ocorrência de uma lesão concreta ao patrimônio da ví9 DINIZ, op. Cit., p. 58.
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tima, que pode ser objeto de avaliação pecuniária e ressarcimento em seu exato
valor. Já o dano moral não é passível de aferição, pois não se pode atribuir um
preço à dor sofrida pela vítima, mas tem a indenização o efeito de amenizar um
pouco o sofrimento causado pelo ilícito praticado.
O dano patrimonial comporta diversas variantes. Dentre outros, podemos citar como os mais comuns: o dano emergente (o prejuízo efetivamente sofrido); lucro cessante (aquilo que o lesado deixou de lucrar em razão do dano);
dano ao corpo (caracterizado por uma lesão passível de cura e cuja indenização
seria o valor do tratamento); e o dano estético (constituído pelo aleijão que deforma a vítima).
Por outro lado, o dano moral seria a lesão de interesses não patrimoniais
causada em razão do evento danoso. A integridade moral e a inviolabilidade dos
bens inerentes à personalidade estão protegidas pela Carta Magna (artigo 5º, incisos V e X) e exigem plena reparação quando violadas.
A efetividade do dano é essencial, pois não pode ser hipotética. O dano
deve ser real e efetivo, dependendo de demonstração.
2.3 Nexo de causalidade
O terceiro pressuposto para a caracterização de responsabilidade civil
subjetiva é o nexo de causalidade entre a ação e o dano provocado.
Um ato ilícito, provocado em razão de um erro na conduta do agente, por
si só não é merecedor de indenização. Também a simples existência de um dano
não enseja direito a ressarcimento, senão quando ligados um ao outro.
Rui Stoco10 assim preleciona:
“Não basta que o agente haja procedido contra jus, isto
é, não se define a responsabilidade pelo fato de cometer
um erro de conduta. Não basta, ainda, que a vítima sofra
um dano, que é o elemento objetivo do dever de indenizar., pois se não houver um prejuízo a conduta antijurídica
não gera obrigação de indenizar (...) É necessário, além da
ocorrência dos dois elementos precedentes, que se estabeleça uma relação de causalidade entre a injuricidade da
ação e o mal causado, ou, na feliz expressão de Demogue,
‘é preciso esteja certo que sem este fato o dano não teria
acontecido’. Assim, não basta que uma pessoa tenha contravindo a certas regras, é preciso que sem esta contravenção, o dano não ocorreria”.
Não podemos ainda nos olvidar que alguns motivos excluem ou amenizam a responsabilidade, tais como: a culpa exclusiva da vítima, a culpa concorrente, a culpa comum, a culpa de terceiro, a ocorrência de força maior ou caso
fortuito.
Portanto, vimos que a responsabilidade civil subjetiva é caracterizada
pela ação culposa imputável ao agente, e que seus pressupostos são a ação, o
dano e o nexo de causalidade.
10 STOCO, op. Cit., p. 89.
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No entanto, nosso ordenamento jurídico brasileiro prevê uma outra espécie de responsabilidade civil, que independe de culpa para a sua caracterização. Basta que a pessoa exerça certa atividade de risco ou então que a legislação
determine a responsabilidade de indenizar. É a responsabilidade civil objetiva.
3. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA
Conforme já mencionamos, a responsabilidade civil é determinada pela
ocorrência de três pressupostos: ação culposa, dano e nexo de causalidade entre
os dois primeiros.
Contudo, com o desenvolvimento dos povos, a teoria subjetiva, calcada
na demonstração de culpa do agente, tornou-se insuficiente para cobrir todos os
casos de danos ocorridos hodiernamente. Verificou-se que nem sempre o lesado
conseguia demonstrar a culpa do agente, ficando constantemente sem a devida
e merecida reparação.
Indignados com essa situação, grandes juristas contestaram o sistema subjetivo, e se empenharam em buscar outras técnicas hábeis a desempenhar a devida cobertura para a reparação do dano. Foi assim que surgiu a doutrina objetiva.
Parte deste processo de evolução foi desempenhado pela teoria da culpa
presumida, que, de certa forma, já relegava à culpa do agente uma importância
secundária na reparação do dano.
Maria Helena Diniz11, em seus ensinamentos, assim preleciona:
“A corrente objetivista desvinculou o dever de reparação
do dano da ideia de culpa, baseando-o no risco com o intuito de permitir ao lesado, ante a dificuldade da prova da
culpa, a obtenção de meios para reparar os danos experimentados”.
Desta forma, o dever indenizatório estabelecido por lei ocorre sempre que presente o evento danoso, independentemente da existência de infração a norma legal.
Rui Stoco12, com a maestria que lhe é peculiar, esclarece os meandros da
teoria objetiva:
“A doutrina objetiva, ao invés de exigir que a responsabilidade civil seja a resultante dos elementos tradicionais
(culpa, dano, vínculo de causalidade entre uma e outro)
assenta-se na equação binária cujos polos são o dano e a
autoria do evento danoso. Sem cogitar da imputabilidade ou investigar a antijuridicidade do fato danoso, o que
importa para assegurar o ressarcimento é a verificação se
ocorreu o evento e se dele emanou o prejuízo”.
Fácil observar que essa teoria tem como fundamento a atividade exercida pelo agente, pelo perigo que pode causar a terceiro, expondo ao risco a vida,
a saúde ou outros bens.
11 DINIZ, op. Cit., p. 48.
12 STOCO, op. Cit., p. 151.
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Para Caio Mário13, o conceito de risco que melhor se adapta às condições
da vida social é:
“o que se fixa no fato de que, se alguém põe em funcionamento uma qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos, independentemente de determinar se em cada caso, isoladamente,
o dano é devido à imprudência, à negligência, a um erro de
conduta, e assim se configura a ‘teoria do risco criado’”.
Nosso ordenamento jurídico, em que pese adotar o princípio geral da responsabilidade civil alicerçada em culpa, prevê também, em várias passagens, a
teoria do risco, conforme se verifica na legislação sobre acidentes de trabalho;
legislação sobre transportes; na legislação de proteção aos consumidores; em relação à responsabilidade do Estado e outras mais.
O Código Civil de 2002 inovou, e expressamente determinou a responsabilidade independentemente de culpa.
No caput do artigo 927, que inaugura o Título da Responsabilidade Civil,
o legislador estabeleceu a responsabilidade decorrente do ato ilícito. Porém, no
parágrafo único14 do mencionado artigo, o legislador determinou que também
existe obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, quando a lei
assim o determinar ou ainda quando o agente exerce atividade de risco.
Realmente várias são as situações em que a lei determina a responsabilidade objetiva, conforme já mencionamos alhures. Por outro lado, o próprio estatuto civil prevê várias hipóteses que contemplam a teoria do risco, como é o
caso dos artigos 931, 932, 933, 936 e 938.
Lado outro, pode-se dizer que uma das virtudes do atual Código Civil
está no fato de adotar e recepcionar o que a doutrina e a jurisprudência já havia
consagrado, no tocante ao exercício de atividade perigosa.
Essa teoria não é nova e já havia sido adotada em vários países, como,
por exemplo, na Itália, onde vige desde 1865.
A adoção dessa teoria pelo nosso ordenamento jurídico modificou consideravelmente a importância da culpa para a responsabilidade civil. Consequentemente, restringiu as causas de exclusão da responsabilidade em razão de quebra do nexo causal previstas no item 3.3 deste trabalho. O caso fortuito, a força
maior e até mesmo o fato de terceiro deixam de ser causa excludente da responsabilidade de indenizar.
Rui Stoco15 adverte que:
“Como se verifica, o parágrafo único do artigo 927 do
Código Civil de 2002 ampliou o campo de ilicitude e redimensionou o conceito de culpa e, ainda, estabeleceu,
desenganadamente, mesmo que por exceção, verdadeira
hipótese de responsabilidade objetiva, mitigando e restringindo, dessa forma, as definições de caso fortuito, força
13 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 268.
14 Artigo 927, parágrafo único: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei,
ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem”.
15 STOCO, op. Cit., p. 167.
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maior e do chamado fato de terceiro, como excludentes da
responsabilidade por rompimento do nexo causal, que tem
por tarefa ligar a ação ou omissão voluntária do agente ao
resultado lesivo”.
No entanto, com a adoção dessa teoria, uma questão muito importante se
faz presente: quais são as atividades perigosas?
O legislador não especificou quais são as consideradas atividades perigosas. Deixou essa definição por conta do Poder Judiciário, que deverá analisar
caso a caso, e decidir aquele que deve ser assim considerado.
Agiu bem o legislador, mesmo porque com o avanço tecnológico, modificações ocorrem diariamente, e uma atividade considerada perigosa hoje pode
não o ser amanhã, e vice versa.
Por outro lado, não podemos desconsiderar a preocupação manifestada por Silvio de Salvo Venosa16 que, em razão da existência da norma aberta,
que permite à jurisprudência traçar seus limites, vislumbra uma possibilidade de
alargamento das hipóteses de aplicação da teoria do risco, o que poderia ser inviável e extremamente perigoso.
Porém, o julgador é que, decidindo se a atividade é ou não perigosa, aplicará a teoria subjetiva ou a teoria objetiva, dispensando, neste caso, a comprovação da culpa do agente.
Carlos Alberto Bittar17 aponta como atividades perigosas: a fabricação de
explosivos e de produtos químicos e a produção de energia nuclear, seja pelos
meios empregados ou pelo modo de utilização.
Rui Stoco18 também relaciona algumas, afirmando:
“Algumas atividades são notoriamente perigosas, como
as das empresas de segurança, o serviço de carro-forte no
transporte de bens e valores, a geração e distribuição de
energia, a exploração de minas (subsolo), a extração mineral com uso de explosivos. Também a fabricação de armas,
bombas, explosivos; as empresas de demolição e outros”.
Vale ressaltar que a teoria objetiva não tem aplicação nos casos de acidente de trabalho, pois, neste caso, deve ser obedecida lei especial, que disciplina a questão e determina a obrigatoriedade da existência de seguro contra acidentes de trabalho.
A indenização por parte do empregador somente será devida quando o
empregador incorrer em dolo ou culpa.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo estudo realizado, podemos concluir que no ordenamento jurídico
brasileiro atual coexistem duas teorias que regulam e fundamentam a responsabilidade civil por danos causados a terceiros.
16 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. v. 04. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 56.
17 BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade Civil nas atividades perigosas. Revista dos Tribunais. V. 590. p. 25.
18 STOCO, op. Cit., p. 168.
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A primeira, denominada teoria subjetiva, é estruturada na existência da
culpa do agente. Assim, diante da ocorrência de um ato ilícito, ou mesmo ante
a inexistência de ilícito, mas quando pudermos afirmar que o agente não agiu
de forma adequada, surge o dever de indenizar a vítima. Nesta teoria, a culpa é
fundamental, e sem a sua existência não há que se falar em indenização. Além
da culpa, evidentemente, também se faz necessária a existência do dano e do
nexo causal.
A segunda teoria, denominada objetiva, independe da existência de culpa
do agente, e é determinada em razão de disposição legal ou do exercício de atividade perigosa. Neste caso, não podem ser alegadas como defesa as excludentes
de caso fortuito, força maior ou fato de terceiro. O agente é responsável pela indenização do dano, simplesmente porque assumiu o risco de desenvolver a atividade tida como perigosa. A culpa exclusiva da vítima exclui a responsabilidade.
Concluímos também que nosso ordenamento não estabeleceu ou relacionou quais atividades devem ser consideradas perigosas. Desta forma, esta função ficou a cargo da doutrina e da jurisprudência. Se por um lado essa opção
é motivo de elogios em razão das constantes mudanças causadas pelo avanço
tecnológico, que transformam atividade perigosa em não perigosa e vice-versa,
também é motivo de preocupação, pois se corre o risco de ampliação indevida
da aplicação da teoria objetiva.
Essa condição impõe cuidados, pois a generalização da responsabilidade
objetiva poderia provocar distorções e prejuízos tão nefastos quanto os provocados pela impossibilidade de reparação de danos sofridos.
A responsabilidade sem culpa deve ficar restrita aos casos de exercício
da atividade perigosa, entendendo como tal a atividade que expõe os demais cidadãos ao risco de morte e de prejuízos à sua saúde.
Talvez o melhor seria que o legislador ao menos tivesse fixado os critérios e parâmetros essenciais para determinar a periculosidade da atividade. Assim, os magistrados teriam limites para pautar sua atuação, impedindo decisões
díspares e, consequentemente, a generalização da responsabilidade objetiva.
Apesar das preocupações mencionadas, não restam dúvidas de que a adoção da teoria objetiva pelo Código Civil brasileiro de 2002 consolidou o entendimento doutrinário e jurisprudencial já existente, e representa grande avanço
em nosso ordenamento jurídico.
Tal disposição, contida no parágrafo único do artigo 927, amplia o raio
de ação da responsabilidade civil, uma vez que em muitos casos a legislação
existente antes da sua vigência não permitia a necessária indenização, em razão
da dificuldade de produzir a prova de culpa do agente.
A nova legislação atende com maior precisão os anseios da sociedade, na
medida em que torna mais justa a reparação dos danos provocados a terceiros.
5. REFERÊNCIAS
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Tribunais. V. 590.
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Sumarização da cognição e efetividade do
direito fundamental à saúde, na distribuição
de medicamentos no âmbito da dimensão
restritiva da reserva do possível
Humberto Luís Versola1
[email protected]
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo geral realizar um breve estudo do
ponto de vista jurídico sobre o alcance da dignidade da pessoa humana através
da integração gradativa dos direitos sociais ao núcleo dos direitos fundamentais, exigindo do Estado uma atuação efetiva na realização de atividades típicas de fomento da igualdade e promoção dos serviços necessários àqueles que
encontram-se excluídos do acesso ao direito fundamental de saúde. O tema será
examinado sob a ótica da atuação do Poder Judiciário na prestação da tutela
jurisdicional do direito à saúde na simplificação do rito processual, mediante
concentração, supressão ou simplificação de atos processuais na distribuição
de medicamentos perante a concepção da limitação da reserva do possível, uma
vez que os recursos públicos condicionam, determinam e limitam a aplicação de
comando normativo do respectivo direito fundamental social.
Palavras-chave
Direito à Saúde. Reserva do Possível. Mínimo Existencial. Antecipação de Tutela.
ABSTRACT
The overall aim of this paper is to carry out a brief study from the legal
point of view about the achievement of human dignity through the gradual integration of social rights into the fundamental rights core, demanding an effective act of the Estate in order to perform typical activities that boost equality and
promotion of necessary services to those who are left out of the access to the
fundamental right of health. The theme will be examined under the perspective
of the Judiciary performance on the judicial protection delivery of the right to
health, on the simplification of the procedural rite by means of concentration,
suppression or simplification of procedural acts concerning drugs distribution
beneath the conception of limitation from the reserve of possibility, since that
the public resources influence, control and restrict the application of normative
command from the respective social fundamental right.
1 Humberto Luís Versola. Mestrado em Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Docente do
curso de Direito do UNIFEG.
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
174
Sumarização da cognição e efetividade do direito fundamental à saúde na distribuição de medicamentos no âmbito da dimensão restritiva da reserva do possível
1. INTRODUÇÃO
Um dos grandes desafios do Estado contemporâneo é alcançar a aplicabilidade efetiva dos direitos sociais prestacionais estabelecidos no texto constitucional, uma
vez que, por um lado, os mesmos encontram-se desprovidos de eficácia plena e autoexecutoriedade e por outro lado, constituem-se em verdadeiros direitos subjetivos.
A questão da saúde apresenta-se como essencial à realização da dignidade humana, uma vez que a falta de acesso a serviços básicos de saúde limita o
pleno desenvolvimento da pessoa e da cidadania. Portanto, a Administração Pública deve implementar uma política prestacional na área da saúde que proporcione condições mínimas de existência, através da infraestrutura de saneamento
básico; adotando medidas preventivas e curativas de manutenção de uma vida
saudável, mediante programas de vacinação e mecanismos eficientes de acesso
a procedimentos médicos e medicamentos.
Neste contexto, surge, no Brasil, a discussão a respeito da reserva do possível como argumento limitador e legitimador da não realização de direitos fundamentais sociais prestacionais, especialmente o direito à saúde, uma vez que as
prestações positivas referentes a tratamentos e fornecimento de medicamentos
implica em despesa pública. Todavia, os direitos sociais, especialmente o direito à saúde, devem gozar de plena garantia em sua concretização, uma vez que
trata-se do mínimo existencial e representa a realização da dignidade da pessoa
humana e garantidor das liberdades fundamentais, não permitindo assim, qualquer restrição na materialização da norma fundamental.
Assim sendo, o Poder Judiciário emerge como um veículo de efetivação
do direito social à saúde garantido constitucionalmente e cada dia mais distante do
cidadão, atuando através de uma intervenção equilibrada sobre decisões políticas
em matéria de saúde pública, amparando suas decisões na teoria da sumarização
formal desde que fundamentada em evidências e rejeitando a tutela jurisdicional
em pretensões por distribuição de medicamentos sem eficácia comprovada.
2. CONCEPÇÃO FORMAL E MATERIAL DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS
Sociedades marcadas por situações de injustiça institucionalizada, através de conflitos e desigualdades estruturais, a efetividade dos direitos fundamentais torna-se urgente na construção de democracias autênticas.
Por isso, a busca por uma efetiva realização da justiça social através da
consagração dos direitos econômicos, sociais e culturais altera substancialmente, a partir do século XX, o paradigma de constitucionalização do Estado, onde o
mesmo adota uma postura predominantemente ativa na tutela dos respectivos direitos e intervém na consolidação da igualdade material para todos os membros
da sociedade, expressando os valores essenciais da sociedade. Nesse contexto,
surge o Estado social de direito sob o fundamento de assegurar a realização da
dignidade humana principalmente em relação aos direitos sociais, tais como a
educação, saúde, moradia, trabalho, entre outros voltados para a proteção de um
Revista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
Sumarização da cognição e efetividade do direito fundamental à saúde na distribuição de medicamentos no âmbito da dimensão restritiva da reserva do possível
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mínimo existencial, daí sua caracterização como direito fundamental .
Houve assim, um reconhecimento de direitos e uma garantia da própria
liberdade do homem, através da integração gradativa dos direitos sociais ao núcleo dos direitos fundamentais, exigindo do Estado uma atuação efetiva na realização de atividades típicas de fomento da igualdade e promoção dos serviços
necessários àqueles que encontram-se excluídos do acesso aos direitos fundamentais frente às políticas públicas instituídas. Visto por esse ângulo, a plenitude da realização dos direitos fundamentais exige que o Estado adote e implemente ações e políticas públicas para que o beneficiário desses direitos esteja em
condições de recorrer a estes procedimentos de forma que o mínimo existencial
possa ser usufruído por todos.
Do ponto de vista formal, o Estado passa a relacionar em sua ordem jurídico- constitucional os direitos fundamentais para a sobrevivência e a realização
da pessoa humana em sociedade. Portanto, a positivação jurídico-constitucional
dos direitos sociais está inserida na categoria de direitos fundamentais
na medida em que constituem o conjunto de direitos e
liberdades institucionalmente reconhecidos e garantidos
pelo direito positivo de determinado Estado, tratando-se,
portanto, de direitos delimitados espacial e temporalmente, cuja denominação se deve ao seu caráter básico e
fundamentador do sistema jurídico do Estado de Direito
(SARLET, 2005, p. 37).
Além de especificamente nomeados no texto constitucional, deve-se
agregar-lhes critérios de maior proteção pelo legislador constituinte, conferindo-lhes procedimentos mais complexos para sua abolição e alteração. Nesse diapasão, classificam-se como direitos fundamentais na Constituição de 1988 todos
aqueles denominados “Direitos e Garantias Fundamentais”, relacionados no Título II, incluindo-se, portanto, os direitos sociais previstos no Capítulo II, bem
como aqueles estampados no art. 60, § 4º, IV, classificados como cláusulas pétreas, as quais apresentam limitações materiais na atuação do poder constituinte
reformador, ou seja, não submetem-se à deliberação pelo processo de emendas
tendentes à modificação e supressão das respectivas matérias.
Todavia, critérios exclusivamente formais apresentam-se insuficientes
para a consolidação dos direitos fundamentais sociais, exigindo-se uma concepção material dos mesmos, informando o intérprete responsável pela aplicação da tutela jurisdicional a respeito de quais valores sociais foram utilizados pelo constituinte originário para a inclusão constitucional destes direitos.
Nesse prisma, o critério material dos direitos fundamentais sociais presentes na atualidade devem ser contextualizados em um processo dialético de
construção de valores e posturas políticas e jurídico-constitucional de cada país,
resultado dos valores e direitos básicos da sociedade eleitos pelo constituinte na
construção da base jurídica fundamentada na dignidade humana. Com efeito, na
elaboração do critério material dos direitos fundamentais sociais torna-se imprescindível a conexão com a dignidade da pessoa humana.
Portanto, a dignidade humana assume na Constituição brasileira o caráter
de princípio fundamental, balizador das políticas públicas do Estado, uma vez
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176
Sumarização da cognição e efetividade do direito fundamental à saúde na distribuição de medicamentos no âmbito da dimensão restritiva da reserva do possível
que adentra no âmbito normativo, assumindo o caráter de norma jurídica com
função primordial de embasar os demais princípios e normas constitucionais e
infraconstitucionais.
Nesse sentido, o entendimento esposado por Edilsom Pereira de Farias
O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana
cumpre um relevante papel na arquitetura constitucional:
ele constitui a fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais. Aquele princípio é o valor que dá unidade e coerência ao conjunto dos direitos fundamentais. Dessarte, o
extenso rol de direitos e garantias fundamentais consagrados no Título II da Constituição Federal de 1988 traduz
uma especificação e densificação do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) (FARIAS,
2000, p. 66).
Depreende-se que a fundamentalidade dos direitos sociais evolue em
busca da proteção e consolidação da dignidade humana, tornando-se o critério
essencial para a elaboração de um conceito material de direitos fundamentais
sociais, uma vez que o homem é o valor-fonte do ordenamento jurídico e, consequentemente, merecedor de tutela no exercício dos valores fundamentais da
liberdade e igualdade na luta pelos seus interesses.
3. CLASSIFICAÇÃO FUNCIONAL DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS SOCIAIS
No que tange à consolidação dos direitos fundamentais sociais como
condições mínimas para que o homem participe do processo social e alcance
o bem estar social de acordo com os padrões que prevalecem em determinada
sociedade, exige-se uma abordagem jurídico-constitucional progressiva, implicando em coexistência dos direitos conquistados ao longo do processo histórico. Logo, os direitos fundamentais sociais facultam aos cidadãos diferentes posições jurídicas em seu exercício perante o Estado.
Cumpre observar, que os direitos fundamentais de segunda geração, dentre os quais situam-se os direitos sociais, enquadram-se na categoria de direito
de defesa, correspondente a uma abstenção do Estado, ou de direito prestacional, correspondente a uma ação positiva do Estado.
Os primeiros referem-se à capacidade dos titulares do direito exigirem
do Estado que este não impossibilite o exercício de direitos sociais protegidos
juridicamente, como por exemplo, o direito de greve (art. 9º CF), o direito de liberdade de associação sindical (art. 8º CF); ou mesmo, não crie circunstâncias
impeditivas à realização desses direitos, nesse caso, revogando normas constitutivas de direitos trabalhistas, como por exemplo, o direito às férias após o
período aquisitivo. Assim sendo, as posições jurídicas relacionadas, permitem
classificá-los como direitos de defesa ou direitos sociais negativos (OLSEN,
2012, p. 53 - 54).
Ao tratar dos direitos fundamentais sociais que impõem uma ação positiva
do Estado, pode-se subdividí-los em dois grupos, de um lado, aqueles que demanRevista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
Sumarização da cognição e efetividade do direito fundamental à saúde na distribuição de medicamentos no âmbito da dimensão restritiva da reserva do possível
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dam do Estado uma prestação concreta, denominando-se direitos sociais em sentido
estrito, cuja efetividade se verifica quando o Estado estabelece mecanismos a fim
de prover ao titular do direito o bem jurídico tutelado pela norma constitucional.
Nessa toada, Ingo Sarlet
...de colocar à disposição os meios materiais e implementar
as condições fáticas que possibilitem o efetivo exercício das
liberdades fundamentais, os direitos fundamentais a prestações objetivam, em última análise, a garantia não apenas da
liberdade-autonomia (liberdade perante o Estado), mas também da liberdade por intermédio do Estado, partindo da premissa que o indivíduo, no que concerne à conquista e manutenção de sua liberdade, depende em muito de uma postura
ativa dos poderes públicos (SARLET, 2005, p. 205).
Destaque-se, por outro lado, os direitos fundamentais positivos que exigem uma ação normativa, denominando-se direitos sociais em sentido amplo,
exigindo do Estado a edição de regras infraconstitucionais de organização e procedimento que garantam a efetivação dos direitos fundamentais sociais.
Frequentemente os direitos fundamentais sociais positivos em sentido
estrito e em sentido amplo são contemplados em uma única norma jurídica, capacitando seu titular na exigência de prestações dos bens jurídicos fundamentais ao mínimo existencial, bem como na prestação normativa e regulamentar
no cumprimento do mandamento constitucional (OLSEN, 2012, p. 57). Assim,
cumpre esclarecer que o direito fundamental à saúde, no âmbito constitucional,
estabelece um diálogo entre os direitos sociais em sentido estrito e os direitos
sociais em sentido amplo, onde aqueles se consolidam através do direito ao tratamento em hospitais e acesso a medicamentos e, os últimos com a edição de
leis que regulamentam o Sistema Único de Saúde2.
4. DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE
Os direitos fundamentais situam o ser humano como o elemento central
na realização de uma justiça distributiva e social, obrigando a Administração
Pública a adotar e implementar políticas públicas que promovam o desenvolvimento do indivíduo e sobretudo, preservem a dignidade humana, através da
satisfação das necessidades mais elementares do homem, nomeadamente pela
consagração e implementação dos direitos sociais. Para que isso se concretize é
imprescindível a democratização dos direitos sociais, viabilizando a igualdade
material entre as pessoas e consequentemente, a erradicação da pobreza e construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Desse modo, os direitos sociais emergem como um dos pilares das formulações jurídico-constitucionais no alcance da igualdade material, exigindo do
Poder Público uma política prestacional efetiva em educação, saúde, alimentação, trabalho e moradia, assegurando a todos condições socioeconômicas mínimas de participar satisfatoriamente do processo político.
2 Lei nº 8.080, de 19.09.1990 e Lei nº 8.142, de 28.12.1990.
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Sumarização da cognição e efetividade do direito fundamental à saúde na distribuição de medicamentos no âmbito da dimensão restritiva da reserva do possível
Esta realidade é exposta por Carlos Alexandre Amorim Leite, visto que
...a evolução do conceito de direitos fundamentais com a
aglutinação dos direitos sociais, conforme uma teoria unitária, mostra que a simples declaração de direitos não traz
a felicidade do homem, pois o ideal de justiça, de acordo
com a lógica do equilíbrio entre liberdade e igualdade,
somente é atingido por meio da máxima realização dos
direitos fundamentais, ao suprir o homem de todas as condições e meios necessários ao seu desenvolvimento individual e social (LEITE, 2014, p. 106).
Juntamente com educação, moradia e alimentação, o direito à saúde apresenta-se como essencial ao mínimo existencial, uma vez que a falta de acesso a
serviços básicos de saúde limita o pleno desenvolvimento da pessoa e da cidadania. Portanto, a Administração Pública deve implementar uma política prestacional na área da saúde que proporcione condições elementares de salubridade,
através da infraestrutura de saneamento básico; adotando medidas preventivas e
curativas de manutenção de uma vida saudável, mediante programas de vacinação e mecanismos eficientes de acesso a procedimentos médicos e medicamentos.
Com efeito, a saúde é um típico direito de cidadania, uma vez que envolve
um conceito com dupla dimensão, de um lado, a dimensão negativa, amparada em
ausência de patologias, através da prevenção e tratamento das mesmas, de outro, a
dimensão positiva, caracterizada pela busca de uma vida saudável através da plenitude física, mental e social (FIGUEIREDO, 2007, p. 81-82). Destaque-se, todavia, que a fragilização da saúde encontra-se associada à precariedade na prestação
de outros direitos fundamentais elementares, como por exemplo, à falta de alimentação adequada, às condições precárias de habitação e saneamento.
Assim entende Carlos Alexandre Amorim Leite
De fato, não se pode falar em garantia e preservação da
saúde sem que outros direitos fundamentais não sejam
minimamente efetivados, pois o direito à saúde é desrespeitado quando não se oferece a alimentação básica para
o estabelecimento de uma vida digna, porque não há salubridade na fome. Da mesma forma, os outros direitos
sociais antes nominados, interferem na questão da saúde,
a exemplo do direito à moradia digna que garante ao indivíduo e sua família um local protegido de intempéries e
agentes biológicos potencialmente causadores de doenças,
principalmente quando possui ligação à rede de esgotos e
água encanada. Já a educação proporciona uma noção de
saúde básica e de higiene necessária para evitar doenças ou
sua proliferação, bem como garante ao ser humano o conhecimento elementar para poder exigir a implementação
de certas políticas públicas aptas à prevenção e ao combate
de doenças, dentro do salutar exercício da cidadania (LEITE, 2014, p. 119).
Nesse contexto, a densificação constitucional do direito social à saúde é
fundamental em sua efetivação, uma vez que declara a saúde como direito funRevista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
Sumarização da cognição e efetividade do direito fundamental à saúde na distribuição de medicamentos no âmbito da dimensão restritiva da reserva do possível
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damental ao mínimo existencial, bem como por estabelecer diretrizes a serem
implementadas através das políticas públicas em sua efetivação, além de parâmetros dos valores mínimos a serem aplicados na saúde pública no Brasil.
Depreende-se, portanto, que o sistema jurídico-constitucional nesta área fundamenta-se em princípios e mecanismos de aplicabilidade imediata para melhor
atingirem os objetivos do Estado, no intuito de preservar a dignidade da pessoa
humana.
Por conseguinte, esses valores fundamentais vinculam o Estado na plenitude do desempenho de suas funções, uma vez que o Poder Executivo deverá
adotar políticas públicas necessárias à satisfação dos direitos prestacionais. No
âmbito do Poder Legislativo, a vinculação dar-se-á à medida em que o legislador
deverá atuar na preservação e proteção dos direitos fundamentais, assim como,
eventualmente, fiscalizando a atuação dos demais Poderes. E, por fim, o Poder
Judiciário, que na prestação da tutela jurisdicional, deverá prolatar suas decisões
pautadas em valores constitucionais que permitam plena realização dos direitos
fundamentais, realizando, assim, a eficácia social da norma.
Nesse momento, importa examinar a perspectiva objetiva assumida pelos direitos fundamentais sociais, a qual exige políticas públicas de materialização dos direitos fundamentais sociais prestacionais através do aparelhamento
estrutural do Estado, bem como de procedimentos necessários direcionados à
sua efetivação, minimizando os riscos de redução na aplicabilidade de seu conteúdo normativo.
Sob o ângulo da perspectiva subjetiva, compreende-se os direitos sociais como autênticos direitos fundamentais subjetivos ao mínimo existencial
do cidadão, especialmente os direitos à saúde, habitação, educação, dentre outros. Portanto, tratando-se de um modelo constitucional que estabelece o dever
da Administração Pública em adotar políticas públicas que efetivem o exercício
dos respectivos direitos e a possibilidade do cidadão exigir a tutela dos mesmos
no âmbito judicial, assumem, os direitos sociais, caráter subjetivo.
A vertente do Estado Social somente se concretizará se os direitos fundamentais sociais estiverem colimados como direitos subjetivos, vinculando a
Administração Pública à efetivação da dimensão prestacional positiva correspondente ao respectivo objeto. Em tempo presente, defende-se a teoria da efetividade constitucional pautada no conceito de direito subjetivo (BARROSO,
2001, p. 83).
Os direitos fundamentais sociais tornam-se direitos subjetivos visto que
assumem uma natureza obrigacional, através de uma correlação entre o cumprimento de uma pretensão pelo titular do direito garantido pela norma jurídica
e o dever prestacional daquele que é competente pelo serviço público, conferindo ao cidadão poder de exigir em relação à Administração Pública, deveres de
respeito, promoção e proteção. Desse modo, os direitos sociais apresentam-se
como serviços sociais para a satisfação do indivíduo, os quais assumem natureza prestacional.
Nestas condições, Ricardo Lobo Torres destaca a qualificação dos direitos fundamentais sociais como direitos subjetivos
A jusfundamentalidade dos direitos sociais se reduz ao míRevista Científica EXPRESSÃO - UNIFEG, Guaxupé - nº 22 - Junho de 2015
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Sumarização da cognição e efetividade do direito fundamental à saúde na distribuição de medicamentos no âmbito da dimensão restritiva da reserva do possível
nimo existencial, em seu duplo aspecto de proteção negativa contra a incidência de tributos sobre os direitos sociais
mínimos de toda as pessoas e de proteção positiva consubstanciada na entrega de prestações estatais materiais
em favor dos pobres. Os direitos sociais máximos devem
ser obtidos na via do exercício da cidadania reivindicatória
e da prática orçamentária, a partir do processo democrático... (TORRES, 2003, p. 1 - 2)
Com efeito, o direito social à saúde, apresenta conexão com a vida digna,
conferindo-lhe um parâmetro subjetivo, permitindo ao cidadão a faculdade de
exigir diretamente da Administração Pública a realização da prestação material
que atenda as necessidades existenciais mínimas, uma vez que existe uma certa
evidência em favor do direito prestacional, o qual se relacionado à própria sobrevivência do ser humano, inviabilizando os argumentos de escassez de recursos orçamentários em detrimento da efetiva tutela do bem jurídico fundamental
do direito à vida.
Neste contexto, torna-se necessário o enfrentamento das restrições impostas pela reserva do possível na realização do direito fundamental social à
saúde nos casos concretos, visto que a saúde é um bem jurídico legitimador do
bem comum, permitindo a sobrevivência de uma sociedade livre e democrática.
5. DIMENSÃO RESTRITIVA DA RESERVA DO
POSSÍVEL NA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS SOCIAIS PRESTACIONAIS
A realização dos direitos fundamentais sociais prestacionais submete-se
à discricionariedade política da disponibilidade financeira do Estado para a sua
implementação, uma vez que esses direitos dependem da possibilidade e adequação do dinheiro público, exigindo do gestor público a busca pelo equilíbrio
econômico na realização de todas as suas tarefas de acordo com as opções orçamentárias, acarretando a não concretização de algumas políticas públicas em
detrimento de outras.
A partir deste cenário, percebe-se que a limitação dos recursos públicos
para a realização dos direitos fundamentais sociais emerge como uma condição
da realidade com reflexos na aplicação daqueles direitos, o qual denomina-se
“reserva do possível”, uma vez que condiciona, determina e limita a aplicação
de comando normativo do direito fundamental social.
Nesse sentido pondera, Ana Carolina Lopes Olsen
A reserva do possível corresponde a um dado de realidade,
um elemento do mundo dos fatos que influencia na aplicação do Direito. O Direito é um fenômeno prescritivo, ou
seja, as normas jurídicas têm por fundamento uma determinada realidade fática, a partir da qual prescrevem condutas (OLSEN, 2012, p. 201).
Destaque-se, todavia, que a reserva do possível tem-se apresentado como
um forte argumento contra a efetividade dos direitos fundamentais sociais, uma
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Sumarização da cognição e efetividade do direito fundamental à saúde na distribuição de medicamentos no âmbito da dimensão restritiva da reserva do possível
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vez que nenhuma ação poderá ser desenvolvida, mesmo que haja vontade política, como resultado da ausência de recursos. Depreende-se portanto, que a gestão discricionária de recursos públicos na realização dos direitos fundamentais
do homem deve ser enfrentada sob a dimensão fática e jurídica.
O aspecto fático situa-se na exigência de uma atuação efetiva do Estado
no fornecimento de bens materiais e serviços, emergindo a questão da disponibilidade dos recursos financeiros necessários à realização dos respectivos direitos. Portanto, resume-se à exaustão orçamentária, denominando-se reserva do
possível fática.
A dimensão jurídica da reserva do possível envolve a discricionariedade
na alocação dos recursos estatais para a manutenção do aparelhamento administrativo na concretização de políticas públicas capazes de efetivar os direitos
fundamentais. Assim, a definição das políticas públicas restringem-se, inicialmente, às ações integradas dos Poderes Legislativo e Executivo, visto que a obtenção da receita tributária e aprovação do orçamento no âmbito das diretrizes
propostas pelo Executivo dependem de manutenção do diálogo junto ao Legislativo.
Desse modo, as dimensões da reserva do possível representam obstáculos
e limitações à norma constitucional dos direitos sociais prestacionais, obrigando-se o Estado a implementar as prestações sociais se houver verbas orçamentárias
alocadas e disponíveis, suficientes para a concretização da demanda pública, ou
seja, o indivíduo não possuirá direito subjetivo à prestação social (LEITE, 2014, p.
36). Como exemplo, na área da saúde pública, a inexistência de previsão orçamentária para o fornecimento de medicamento produzido no exterior e não pertencente à relação do SUS, não estaria assegurada a prestação social prevista na norma
constitucional, vedando-se seu pleito através do Judiciário, permitindo-se assim,
deduzir a inexistência de direito subjetivo à saúde quando não houver alocação de
recursos orçamentários para a sua implementação.
Todavia, os direitos sociais, especialmente o direito à saúde, devem gozar de plena garantia em sua concretização, uma vez que trata-se do mínimo
existencial e representa a realização da dignidade da pessoa humana e garantidor
das liberdades fundamentais, não permitindo assim, qualquer restrição na materialização da norma fundamental.
6. CONSTITUCIONALIDADE DA SUMARIZAÇÃO
DA COGNIÇÃO NO CUMPRIMENTO DO DIREITO
FUNDAMENTAL À SAÚDE NA POLÍTICA DE
DISTRIBUIÇÃO DE MEDICAMENTOS
A Constituição Federal prevê vários direitos fundamentais, enraizados no
devido processo legal, a quem litiga em juízo, destacando-se no âmbito do estudo da antecipação da tutela e efetividade da jurisdição.
Acerca do direito à efetividade da jurisdição, compete mencionar uma
serie de direitos e garantias que são atribuídos ao indivíduo pela constituição,
indivíduo esse que, impedido de fazer justiça com as próprias mãos, deve provocar a ação jurisdicional a fim de reivindicar bem ou direito do qual se considera
titular, e a esse indivíduo são assegurados meios eficazes e céleres de exame da
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demanda apresentada à apreciação do Estado.
São eficazes, pois, são obrigados a proporcionar ao litigante vencedor a
entrega de fato da sua vitória e, ao Estado, que é monopolizador do poder jurisdicional, compete a utilização de mecanismos processuais adequados a fim de
impulsionar o feito e evitar que o dever imposto ao individuo de se submeter
obrigatoriamente à jurisdição estatal represente um castigo, tal dever conta com
a contrapartida necessária por parte do Estado de garantir a utilidade da sentença na materialização da tutela.
Por outro lado, não basta apenas que a tutela seja eficaz, é necessário
também que ela seja célere, pois é essencial no princípio da efetividade da jurisdição que o julgamento da demanda se dê em tempo hábil e razoável, a fim de
evitar dilações indevidas.
O direito fundamental à efetividade da jurisdição compreende o direito
de provocar a atuação do Estado, mas principalmente que essa ação estatal resulte, dentro do prazo adequado, em uma decisão justa e capaz de interferir diretamente no plano dos fatos.
No âmbito da concessão da tutela antecipatória, especificadamente, é necessário estarem presentes duas condições, a primeira é a prova inequívoca, de
forma a convencer o juiz da verossimilhança da alegação, ou “fumus boni juris”; para preencher tal requisito não é necessário que da prova apresentada surja a certeza das alegações, basta apenas que no momento da apresentação todos
os elementos convirjam no sentido de que as alegações aparentem ser verdadeiras, tratando-se de juízo provisório, e é irrelevante se com o decorrer do processo, no julgamento final, após ser exposto ao contraditório a decisão for outra.
Marcus Vinicius Rios Gonçalves elucida acerca da prova inequívoca
O Exame do fumus boni juris não exige uma avaliação
aprofundada dos fatos, nem da relação juridica discutida. A
concessão da tutela cautelar não pode constituir um prognóstico do que irá ocorrer no processo principal. É possível
que o juiz a conceda, ainda que esteja pouco convencido
de que o requerente possa sair vitorioso no processo principal, quando verificar que o não-deferimento inviabilizara a
efetivação do direito, caso, apesar de tudo, ele venha a ser
reconhecido (GONÇALVES, 2009. v.1. p. 270).
Assim sendo, a antecipação da tutela precipita os efeitos da decisão de
mérito, portanto, é indispensável que seja analisada a verossimilhança, ou seja,
necessita apresentar aparência de verdade do pedido apresentado.
O segundo requisito especifico para tornar possível a antecipação da tutela
é dividido em duas partes, sendo que a primeira fundamenta-se no receio de dano
irreparável ou de difícil reparação, conhecido como “periculum in mora”; fica caracterizado quando existe fundado receio de que uma parte, antes do julgamento
da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação. A segunda parte do último requisito para a concessão da tutela antecipada é o abuso de direito
de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, o qual ocorre quando o réu,
sem necessidade, requer a produção de provas ou diligências com único intuito de
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atrasar o andamento natural do processo, causando assim prejuízo à outra parte.
Destaque-se, portanto, a existência de dois requisitos para a concessão
da antecipação da tutela no fornecimento de medicamentos, e conseqüente sumarização da cognição, primeiramente, a prova inequívoca que conduza a verossimilhança, sendo esse indispensável, e o fundado receio de dano irreparável
ou de difícil reparação.
É atribuição do Estado o bem-estar social e a apresentação de solução
adequada às necessidades vitais do cidadão, atuando de maneira eficiente e célere na tutela do direito à vida, uma vez que determinadas patologias que acometem o cidadão desperta angústia para toda a família, preocupando-se com a
respectiva patologia e a necessidade de remédios de elevado custo, não podendo
o Estado simplesmente abandoná-la à própria sorte.
A Constituição Federal elegeu como um dos fundamentos a serem alcançados pelo Estado Democrático a preservação da dignidade da pessoa humana,
bem como a proteção ao consumidor e aos direitos sociais, dentre eles está incluído, de forma expressa, a saúde. Com efeito, torna-se, destarte, clarividente
a obrigação do Estado, através das pessoas jurídicas de direito público interno
(União, Estados, Distrito Federal e Municípios) no cumprimento do respectivo
direito fundamental, proporcionar e garantir os medicamentos necessários ao
tratamento de saúde do cidadão. Desse modo, todo ato negativo do ente público
ao fornecimento de medicamentos à pessoa desprovida de recursos, necessário
para restabelecer a saúde e evitar a morte, atentam contra a dignidade da pessoa
humana e incidirá em afronta à Constituição Federal.
Nestas circunstâncias, a efetividade do acesso universal à saúde com a
mais ampla proteção somente será conquistada se a favor do titular do direito
forem dirimidas todas as dúvidas, de tal sorte que o indeferimento pelo Poder
Público no fornecimento de medicamentos aos hipossuficientes não levando
em consideração a necessidade de restabelecimento completo da saúde, deve
ser combatido energicamente pelo Poder Judiciário. Assim, o Poder Judiciário
vem consolidando o entendimento favorável aos pacientes, reafirmando e concretizando o dever do Poder Público de fornecer atendimentos e medicamentos
de saúde gratuitos aos necessitados.
No âmbito constitucional, as normas relativas ao direito à saúde têm sede
na Seção II, do Capítulo II, do Título VIII, (“Da Ordem Social”), dispondo o artigo 196 que
“a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”.
Merece destaque ainda, o art. 194, inciso I, da Constituição Federal, impõe a universalidade da cobertura no âmbito de saúde pública, além do art. 198,
inciso II, o qual garante o atendimento integral ao usuário como diretriz das
ações do serviço público de saúde.
Assim sendo, a Administração Pública Direta deve garantir o fornecimento dos medicamentos pleiteados, na medida em que os entes federativos são
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Sumarização da cognição e efetividade do direito fundamental à saúde na distribuição de medicamentos no âmbito da dimensão restritiva da reserva do possível
irremediavelmente obrigados a amparar a população no que tange à plena garantia de sua saúde, uma vez que participam do Sistema Único de Saúde, o qual
encontra-se estruturado pela Lei n. 8.080/90 – (Lei Orgânica das Saúde) dispondo sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondente3, além dos dispositivos
insertos nas Constituições da República e Estaduais.
É o que se depreende dos ensinamentos de Regina Maria Macedo Neri
Ferrari, ao considerar o direito à saúde como um legítimo direito subjetivo.
Tal entendimento não foge à reserva do possível, da efetiva
disponibilidade de recursos na hora da prestação, entretanto, mesmo dentro dela, é necessário evitar que a autoridade
se furte ao dever que lhe é imposto pelo comando constitucional. O que não é aceitável é que, em nome da reserva
do possível, isto é, sob o argumento da impossibilidade de
realizá-lo por questões financeiras, materiais ou políticas,
o comando constitucional acabe destituído, completamente, de eficácia (FERRARI, 2001, p. 235).
Ressalte-se que, além da ofensa à saúde e à vida, há também o dispêndio do dinheiro público em outras áreas, posto que os pacientes são obrigados
a mobilizar outros serviços públicos para terem seus direitos resguardados, notadamente os prestados pelo Poder Judiciário, implicando em desnecessários e
pesados gastos para o Poder Público, o que configura conduta incompatível com
a moralidade e a probidade administrativas.
Deve-se atentar que, sob certas condições, é plenamente possível a realização, pelo Poder Judiciário, do controle da discricionariedade política na
materialização dos direitos fundamentais sociais, possibilitando a redução das
consequências advindas da reserva do possível nas escolhas orçamentárias
quanto ao emprego de verbas públicas para a realocação de verbas públicas
para o cumprimento por decisões judiciais “ex ofício” no fornecimento de medicamentos.
Nessa perspectiva, Luciano Benetti Timm
Assim, os efeitos da reserva do possível são enfraquecidos através do
controle das opções políticas na distribuição das receitas do Estado, inclusive tal
sindicalização pode ser realizada pelo Poder Judiciário e, também, por representantes jurídicos da sociedade, em especial o Ministério Público e a Defensoria
3 Art. 2º. A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno
exercício.
§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução
de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e
aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de
Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos
seguintes princípios:
I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;
II - integralidade de assistência, entendida como um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos,
individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;
(...)
IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie.
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Pública, sempre em busca da transparência das decisões políticas e da possibilidade do controle jurídico-social do processo político (TIMM, 2010, p. 33-34).
Desta forma, merece destaque o entendimento do Supremo Tribunal Federal, sobre as normas da Constituição da República e leis federais que asseguram o direito à saúde e, no caso de pacientes carentes, a garantia da total cobertura assistencial à saúde, afirmando que não se tratam de normas programáticas,
mas sim de norma fundamental de eficácia direta e aplicabilidade imediata, concretizadora do princípio da dignidade humana, estampado no inciso III do artigo
3º do texto constitucional.
Exemplificativamente, a lei federal nº 11.347/06, que dispõe sobre a distribuição gratuita de medicamentos e materiais necessários à sua aplicação e
à monitoração da glicemia aos portadores de diabéticos, estabelece através do
artigo 1º que “Os portadores de diabetes receberão gratuitamente, do Sistema
Único de Saúde - SUS, os medicamentos necessários para o tratamento de sua
condição e os materiais necessários à sua aplicação e à monitoração da glicemia capilar”. A cognição sumária como forma de acesso à plenitude do direito à saúde
permite a antecipação dos efeitos da sentença antes de haver certeza do mérito
da demanda, satisfazendo-se a pretensão do autor apoiada na verossimilhança,
a qual não deixa de relacionar-se com o mérito da ação proposta.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O propósito do presente artigo resumiu-se na demonstração do cabimento da antecipação de tutela “ex ofício” na efetivação dos direitos fundamentais
sociais prestacionais, especificamente no fornecimento de medicamentos.
Verificou-se preliminarmente, que os direitos fundamentais sociais presentes na atualidade devem ser contextualizados em um processo dialético de
construção de valores e posturas políticas e jurídico-constitucional de cada país,
resultado dos valores e direitos básicos da sociedade eleitos pelo constituinte na
construção da base jurídica fundamentada na dignidade humana.
Desse modo, os direitos sociais emergem como um dos pilares das formulações jurídico-constitucionais no alcance da igualdade material, exigindo do
Poder Público uma política prestacional efetiva em educação, saúde, alimentação, trabalho e moradia, assegurando a todos condições socioeconômicas mínimas de participar satisfatoriamente do processo político.
Em seguida, apresentou-se o conflito existente entre a realização do direito subjetivo à saúde e a reserva do possível como obstáculo real à implementação do respectivo direito, seja na dimensão fática, como uma restrição propriamente aos gastos estatais, seja na dimensão jurídica, por meio do respeito à
discricionariedade política das decisões orçamentárias e de políticas públicas.
Finalmente, em resposta à questão proposta, chegou-se à apreciação da
tutela dos direitos fundamentais prestacionais pelo Poder Judiciário, uma vez
que é impossível não reconhecer o fenômeno da judicialização dos direitos fundamentais prestacionais no Brasil, tornando indeclinável o dever de julgar da
magistratura, tendo em vista a garantia do mínimo existencial e realização da
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dignidade da pessoa humana. Com efeito, autoriza-se a sindicância jurídica sobre a discricionariedade nas decisões políticas do orçamento público na efetivação do direito à saúde no fornecimento de medicamentos, porque combate a ineficiência, o desperdício e o desvio de verbas públicas, desde que aja nos limites
das diretrizes constitucionais e legais deferindo tratamentos médicos e fornecimentos de medicamentos enquadrados nos protocolos clínicos do Sistema Único de Saúde ou mesmo, tratamentos alternativos relacionados nos procedimentos do sistema público com resultados positivos.
Todavia, para se alcançar uma tutela jurisdicional eficiente no âmbito
dos direitos fundamentais sociais da saúde na distribuição de medicamentos, os
juízes integrantes dos órgãos do Poder Judiciário devem buscar o diálogo com
especialistas em saúde e com a sociedade por meio de audiências públicas promovidas com a finalidade de melhor motivar seus julgados, reduzindo, assim, os
efeitos negativos do deferimento “ex ofício” de antecipação de tutela nas ações
cujo objeto sejam o fornecimento de medicamentos, uma vez que para se assegurar o pleno direito à saúde, um processo demasiadamente demorado não pode
ser considerado efetivo. Uma prestação jurisdicional adequada cujo objeto seja
o fornecimento de medicamentos frente à reserva do possível, que está inserta
no princípio constitucional do acesso à justiça, deve ser entregue em tempo hábil, de forma a garantir que a tutela não perca seu significado. Para tanto, deve-se pautar a cognição na roupagem da verossimilhança, visto ser inegável que
o modelo clássico de tutela jurisdicional mostra-se inadequado às necessidades
sociais no século XXI.
8. REFERÊNCIAS
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FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
2000.
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FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito Fundamental à Saúde: parâmetros para
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LEITE, Carlos Alexandre Amorim. Direito fundamental à saúde: efetividade, reserva
do possível e mínimo existencial. Curitiba: Juruá, 2014.
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SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 5.ed. rev. atual. e
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ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
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SARLET, Ingo Wolfgang (Org.) Direitos Fundamentais Sociais: Estudos de Direito
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