Bamboozled - Direitos Humanos e Cinema
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Bamboozled - Direitos Humanos e Cinema
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS ACIEPE – DIREITOS HUMANOS PELO CINEMA Resenha do filme: “A Hora do Show” Amanda dos Santos 409707 Em 2000 o ousado diretor norte-americano Spike Lee fez de seu filme “A Hora do Show” (Bambloozed – Show Time) um fenômeno para a crítica quanto aos estereótipos dos negros no cinema e programas de televisão. Com um orçamento baixo para os padrões hollywoodianos de menos de 10 milhões e equipamentos de filmagem de qualidade inferior o diretor conseguiu ir e voltar em suas críticas e deixar os espectadores desconfortáveis por 135 minutos. Não é uma comédia, não é um drama, não é um filme que faz rir, nem chorar. Uma espécie de indignação, certa revolta e questionamento passam pelo público do show de Mantan apenas no início das apresentações e passam pelo público do filme durante todo o tempo. Pierre Delacroix (Damon Wayans) é um roteirista negro muito culto e criativo que sofre pressão do diretor executivo (Michael Rapaport) para que produza um grande show para o canal, já que o ibope tem sido embaraçoso. O diretor executivo é o clássico wigger (branco que gostaria de ser negro e acha que é mais “negro” do que os negros), e em seu escritório repleto de estátuas, quadros e fotos de negros ele diz a Pierre que o material que ele está escrevendo é fraco, dessa bobagem de “gente branca em caras pretas”. Ele não se interessa pela classe média negra e acusa Pierre de trair uma espécie de essência nigger, que seria referida às tendência que o negros lançam no entretenimento. Farto desse tipo de obrigação com o entretenimento de “alimentar a caixa idiota”, Pierre e sua assistente Sloan (Jada Pinkett-Smith) bolam um plano para ele ser demitido da emissora, já que não pode romper com seu contrato. Um show de “caras pretas” (black faces) inspirado nos comuns shows do início do século, em que atores pintariam a pele de preto, mesmo sendo negros para com isso reforçar a cor, e pintariam também grandes beiços em vermelho. O conteúdo seria de “macaquices” de dança sapateada e diálogos que explicitavam o racismo e se passaria numa plantação de melancias no Sul dos EUA, onde o racismo é tão forte. Para estrelar o show Pierre chama dois caras negros que dançavam e pediam trocados enfrente ao prédio da emissora. Inesperadamente o programa piloto faz imenso sucesso e a emissora confirma mais 12 episódios do show. “Mantan: O Show do Trovador do Novo Milênio” não esconde nenhum marco racista e pejorativo da imagem dos negros nos EUA e se esconde, como uma grande parte das pequenas mentes do humor, atrás de que se está saturado do que é politicamente correto. O filme então muda para o elenco e para o público (“bamboozle” pode ser traduzido como bagunça, confusão) e Pierre passa a defender Mantan mesmo com tantos protestos de grupos anti-racismo e um grupo de rappers radicais se expondo contra toda aquela barbaridade. Spike Lee mostrou que a idéia de seu filme tem inspiração direta do trabalho do historiador Donald Boogle. Por volta de 1990, ele publicou um estudo, intitulado “Toms, Coons, Mulattoes, Mammies & Bucks – An Interpretative History of Blacks in Americans Films” (“Uma História Interpretativa dos Negros nos Filmes Americanos”), que alegava que Hollywood era racista tanto quanto no início do século XX. Nesse caso Mantan não tem nada de novo no novo milênio, continua apenas um trovador estereotipado. Boogle diz que os negros só têm vez na indústria do entretenimento se estiverem encaixados em um dos “padrões” tradicionais. E o politicamente correto apenas tenta esconder isso, mas de forma muito ineficaz. No Brasil em pleno 2013 nós vemos, por exemplo, que só houve uma protagonista negra em novelas que os núcleos principais dessas novelas é todo constituído por brancos, não apenas por uma questão de classe. Vemos até mesmo a prática do black face no programa Zorra Total e suas atitudes racistas, machistas, homofóbicas e ainda sim protegidas por frases como “é só humor”. Em a Hora do Show também está expressa a crítica aos negros contribuem muito com a perpetuação do preconceito e que os negros que aceitam os papéis secundários no cinema são responsáveis também pelo resultado dessa indústria racista. O filme traz uma reflexão contínua da posição, disposição e mudança dos indivíduos nesse sistema de desmerecimento étnico-racial. Pierre, que na verdade se chama Peerless e escolheu o outro nome como uma elucidação mais culta – e branca – encontra seu pai que é um humorista de stand up falido que serve tanto para a imagem de um futuro que Pierre não aceitará para si quanto para o conselho de “sempre fazê-los rir”. Esse momento é decisivo para o resto da trama do filme. Embora o conflito que há nesse momento em que Come e Dorme abandona Mantan por ele ter se tornado um homem que não se lembrava de suas raízes pobres, entre o grupo radical de rappers que raptam o ator que interpretava Mantan para assassiná-lo, da polícia que alveja o grupo de rappers (exceto o único integrante branco) e entre Pierre e Sloan, que decide matá-lo por ele nunca ter valorizado o trabalho dela e ainda ser o pivô da morte de Mantan, nada disso se compara à beleza com que Mantan mostra sua verdade no palco. Mantan percebe que não quer continuar fazendo tudo aquilo, então entra no palco sem sua black face, apenas com sua cara lavada, e faz exatamente a mesma performance que fez no grande episódio de abertura do show em que ele diz que gritará pela janela que cansou de ser negro, caía para traz e depois levantava sapateando. Antes o público gargalhava, mas ali naquela cena só houve constrangimento e Mantan foi retirado do palco para sempre.