O Chile araucano constitui sua identidade através do viés poético
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O Chile araucano constitui sua identidade através do viés poético
O Chile araucano constitui sua identidade através do viés poético Isabel Cristina Rissato dos Santos - UFMS Introdução "País de ausência, país estranho”. (Mistral) Se o espaço desterritorializa o sujeito (Castell, 2000), podemos suscitar a possibilidade de que a ausência de sua pátria traz à baila a discussão sobre a possibilidade de uma literatura de Mistral para expressar uma identidade nacional. Se não há espaço para os sinais identitários da vida do autor fora do seu país, a inspiração dele pode ser governada por uma memória transnacional, onde o conceito de "lugar" é substituído pelos "não-lugares" segundo Marc Augé (1995), onde Mistral faria desses países que viveu algo como apenas “um quarto de hotel”, onde da janela poderia ver seu Chile amado através de sua poesia. E esse exílio do país de origem não pode dizer que se extinguem os sinais da vida anterior, pois a separação, a solidão e a ausência de valores culturais arraigados no indivíduo faz do sofrimento um sentimento de pertença. E nessa angústia, os traços que geralmente são responsáveis por um forte sentimento de identidade vão se refazendo. Ser poeta, em país estrangeiro, um "sem pátria", é reconhecer na língua pátria, nos habitantes que contém as suas lembranças, o espaço da mutação e da ausência da memória que faz com que a identidade nacional se defina a partir do reconhecimento das diferenças, ausência que soa como um sinal pertença na sua identidade nacional. Mistral, em seu poema “Araucanos” produz um discurso que não é visto de um ponto de vista estanque e/ou fixo, mas como uma prática discursiva, em constante transformação. Nele é definido o lugar de onde o sujeito enuncia, ou seja, a posição que o sujeito ocupa no exercício da função enunciativa. Nesse sentido, podemos encontrar a problemática da subjetividade, tema recorrente nas pesquisas de Foucault em sua trajetória intelectual, perpassando as diferentes etapas de sua obra: a arqueologia, a genealogia e a ética. Para Foucault (2004), o sujeito não é uma substância, É uma forma, e essa forma nem sempre é, sobretudo, idêntica a si mesma. Você não tem consigo próprio o mesmo tipo de relações quando você se constitui como sujeito político que vai votar ou toma a palavra em uma assembleia, ou quando você busca realizar o seu desejo em uma relação sexual. Há indubitavelmente, relações e interferências entre essas diferentes formas de sujeitos; porém, não estamos na presença do mesmo tipo de sujeito. Portanto, no poema de Mistral, não podemos afirmar que haja uma subjetividade fixa na obra, um eu que se estabeleça nos versos, mas um sujeito histórico no conceito de Foucault, que traz à tona a construção histórica da noção de subjetividade, mostrando como a identidade está em constante transformação e suas relações com os mecanismos de controle e com os jogos de poder, ou seja, o exterior com o qual se relaciona. Assim, reconhecer-se como sujeito de uma nação, dentre outras práticas sociais que definem os Araucanos, significa assumir uma dada identidade como nossa e reproduzi-la. 1. OS ARAUCANOS E O PODER DE PERTENÇA Em 1929, Gabriela Mistral definiu seu projeto poético nos seguintes termos imortais: "Nuestra obligación primogénita Como Escritores es Entregar um los Extraños el paisaje Nativo", ou "é nossa obrigação como escritores para mostrar ao mundo a nossa terra natal." Em seu livro, Poema de Chile, Mistral realiza uma investigação fenomenológica e existencial na essência do Chile e o que significa ser chileno. Também podemos afirmar que Mistral foi muitas vezes uma defensora das seções sub-representadas da sociedade, como os povos indígenas do Chile e este tema é encontrado no poema “Araucanos” que fala sobre a situação dos araucanos ou mapuches, um grande povo indígena do Chile. Os mapuches, nativos do continente sul americano, chamados também araucanos, constituem o grupo indoamericano mais numeroso que habita o território chileno. Com umapopulação aproximada de 600.000 pessoas, segundo dados do censo 2002 (Instituto de Estudios Indígenas, 2003) conseguiram conservar sua língua e sua cultura com base, principalmente, nos vínculos familiares e religiosos. A maior parte dos integrantes da etnia reside em zonas rurais entre os rios Bío-Bío e a ilha de Chiloé, sendo que a maior concentração se encontra, de acordo com o último censo, na região conhecida como Araucanía ou Frontera, no sul do Chile. 2. O DISCURSO DE MISTRAL NO POEMA “ARAUCANOS” Realizada uma rápida explanação do corpus, pretende-se focalizar no poema “Araucanos” de Mistral questionamentos ligados ao eixo identidade/subjetividade, observando como determinados procedimentos de construção linguística e posições que o sujeito adota pode criar efeitos identitários específicos. Tentamos fazer uma reflexão, por meio do poema apresentado, em torno de elementos questão constitutivos de uma dada concepção de subjetividade e identidade, em suas variações e efeitos de sentido possíveis. Para tanto, faremos uma breve apresentação da obra “Poemas de Chile” da autora e, em seguida, procederemos à análise do poema selecionado. Gabriela Mistral faz ressoar “a voz da terra” em seu Poema de Chile, em que assume um compromisso com o seu país através da educação e da conscientização veiculadas por meio da viagem de aventura e a experiência empreendida por uma mulher-guia, acompanhada de um menino. O caráter espacial dos Cantos (Araucanía, Patagônia, Aconcagua) amplia-se no sentido de apresentar a geografia física, humana e mítica do Chile ao menino-cervo, representante do povo, com quem a mulher troca experiências e aprendizagens. No texto de Gabriela Mistral a aventura tem um sujeito feminino, que rompe o círculo fechado da tradição épica caracterizado pela centralização de todo heroísmo na virilidade, na força bélica e na destreza masculinas. Araucanos Estamos passando, passando a antiga terra dos araucanos, quem ver nem de nome. Estamos atravessando sem sabê-lo um reino dos esquecidos, quem descontar como mestiços, ou meras lendas, embora nossos rostos continuar Sem palavras proclamando-los. O que está vindo, se aproximando como uma palavra rápida, não é um veado em fuga , mas uma mulher indiana com medo. Ela carrega seu bebê de costas e voa diante. Panic! Diga-me por que ela fugiu, escondendo o rosto de nós? Executar, chamá-la, trazê-la de volta para ela se parece com a minha mãe. -Ela não vai voltar, pequena, ela se foi agora como um fantasma, correndo tão rápido que ninguém pode pará-la. Ela fugiu porque ela viu estrangeiros, pessoas brancas. -Pequena, ouvir: eram senhores da floresta e montanha, de todos os olhos podem ver e todo o olho não pode alcançar, de ervas, de frutas dos ventos e luzes de Arauco, até que algumas pessoas chegaram aqui com rifles e cavalos. -Não falar sobre isso agora, chamar, apito, trazê-la de volta! -Ela já está perdido, se foi meu filho, engolido pela Mãe-Forest. Porque você está chorando? Você só vê-la, agora mesmo suas costas desapareceu. -Diga o que eles são chamados, diga-me. -Mesmo o seu nome está perdido. Eles são chamados de "araucanos" e tudo que eles querem de nós não é para nos ver, ouvir-nos falar. Eles foram despojados, mas eles são a Terra Velha, nosso primeiro nascimento grito e a primeira palavra falamos. Eles são um amplo coro ancicent que já não ri ou canta. Nomeie-los comigo: . bravos-araucanos pessoasVá em:. Eles foram mortos Diga mais: Eles vão voltar amanhã. Que seja; um dia você vai vê-la mudada e transfigurado descendo Quechuan terra à terra araucana, para contemplar e reconhecer e abraçar sem falar. Eles nunca se encontraram para olhar nos olhos uns dos outros, amar uns aos outros, e para traçar suas almas em seu enfrenta. A tradução de "poemas selecionados de Gabriela Mistral" por Ursula Le Guin. Nos versos do poema Araucanos, visualizado acima, publicado no livro Poemas de Chile, tem como eixo temático o binômio identidade/subjetividade. Nele encontramos uma série de enunciados que procuram descrever através de expressões linguísticas (fusão de palavras, deslocamentos lexicais, quebra de palavras etc.) que surgem do experimentalismo com a linguagem para apresentar a identidade/subjetividade do povo mapuche. Sendo assim, o poema, através desses recursos desencadeia efeitos de sentido diversos. A partir dessa estratégia discursiva nos possibilita reflexões sobre a condição do sujeito no contexto do passado; quer seja pelas relações entre sujeito e espaço natural, bem como, as construções identitárias pelas quais os sujeitos se reconhecem. Estes questionamentos remetem-nos às discussões foucaultinas sobre o “enunciado” e, como desdobramento, as questões do discurso e do sujeito. Para Foucault (1995), o enunciado, diferentemente de uma frase ou um ato de fala, caracteriza-se por ser produzido por um sujeito (função enunciativa), que fala de um dado lugar e é determinado “por regras sócio-históricas que definem e possibilitam que ele seja enunciado”. Analisando os versos abaixo: Estamos passando, passando a antiga terra dos araucanos, quem ver nem de nome. Estamos atravessando sem sabê-lo um reino dos esquecidos, quem descontar como mestiços, ou meras lendas, embora nossos rostos continuar Sem palavras proclamando-los. Nota-se a adoção de um ponto de vista social, marcado pelas relações de poder, uma posição, que pode ser observada pelas imagens do povo mapuche metaforizada no poema, também pela temática e tessitura do mesmo. Trata-se de uma prosa poética, porém, sema preocupação de marcar os elementos específicos de narratividade. Há uma suave descrição de alguns aspectos do ambiente chileno, do nativo, vistos sob uma perspectiva entram numa outra esfera de enunciação: a poética. UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. Página próximos de uma descrição geográfica que, não são encontrados nos atlas geográficos, 5 intimista; ou seja, algo que não pode ser tocado, só observado e sentido. São enunciados Além de todas as possibilidades de descrição intimista do vale como algo místico, Mistral insere outro elemento, a subjetividade. A natureza não é somente a somatória das partes que o compõem o território mapuche, mas, apresenta o elemento subjetivo que o complementa e confere uma singularidade. Todo mestiço, anatomicamente, tem uma série de componentes e atributos físicos, porém, singular no tocante à subjetividade. O uso da expressão “ou meras lendas” remete-nos a uma noção de subjetividade não concluída, muito menos delimitadas pelas categorias de alma ou espírito, ou de uma interioridade transcendental. Tal como o poema, a subjetividade é fragmentada, indefinida e se constrói historicamente, em um movimento de exterioridade que a define (subjetivação). Adentremos mais nessa análise, agora nos versos seguintes: O que está vindo, se aproximando como uma palavra rápida, não é um veado em fuga , mas uma mulher indiana com medo. Ela carrega seu bebê de costas e voa diante. Panic! Diga-me por que ela fugiu, escondendo o rosto de nós? Executar, chamá-la, trazê-la de volta para ela se parece com a minha mãe. Ao adotar uma posição de sujeito histórico, na passagem ”mas uma mulher indiana com medo” propõe uma leitura desse nativo e da sua subjetividade de forma desautomatizada, criando efeitos de sentido que, para além de uma visão simplista do ser, beira a estranheza e o poético. Tais recursos mobilizam sentidos que, para serem apreendidos, necessitam de um rompimento com modos cristalizados de ler/perceber o mundo, a linguagem e, sobretudo, a poesia. Não há necessidade de ir muito longe para constatar o teor crítico esboçado no poema. A dualidade poder/ ser expressa nos versos acima se caracteriza por embates, sobretudo, na exploração da primeira sobre a segunda. A exterminação/desocupação do nativo é marcada por conflitos, onde Mistral traz a articulação de diferentes discursos (do político, do religioso e do mítico), associados ao experimentalismo linguístico do poema, permite ao poeta efetuar uma leitura crítica da sociedade naquele momento. Nesses UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. Página interdiscurso, pois o dizer: Diga-me por que ela fugiu, escondendo o rosto de nós? Já foi 6 versos, o sentido desliza para outra formação discursiva, entende-se que há um expressa antes essa ideia, pois tal discurso já foi dito em outro lugar, é o já-dito, de acordo com Pêcheux (2012), é o pré-construído. Segundo Orlandi (2001), as palavras não são dos enunciadores, por meio da língua e da história elas vão significando, perpassando os discursos, fazendo pensar que o sujeito sabe o que diz. No entanto, o que ele discursa já foi dito antes, em outra época, porém ele não tem a consciência disso. E ainda, nos últimos versos, Mistral traz a alegoria utópica do sentimento de pertencer e ser pertencido na confirmação de sua identidade mapuche. Nesse sentido, nos versos “Eles nunca se encontraram, para olhar nos olhos uns dos outros, amar uns aos outros, e para traçar suas almas em seu enfrenta.”, amemória discursiva, além de consolidar e mover sentidos, também provoca o reaparecimento ou esquecimento dos mesmos. Por exemplo, alguns sentidos que em uma determinada época podiam ser produzidos em uma formação discursiva, não podem mais ser mencionados, lembrados, por conta das mudanças sociais e ideológicas, fato que Mistral tenta marcar no medo de expor a identidade nativa, sofre opressão dos conquistadores e, é melhor se ocultar a impor sua identidade. Considerações finais O poema de Mistral foi marcado pelas condições de produção da época e a análise do poema “Araucanos” sob a teoria da Análise do Discurso Francesa, tentou constatar a presença do interdiscurso nos versos do poema, ratificando que todo e qualquer discurso é formado a partir de outro já dito antes, em outro lugar. Também, tentamos apresentar a existência da relação identidade/subjetividade no poema, mas intender a subjetividade como um processo em curso, que se constitui em uma multiplicidade de práticas sociais e políticas, ou seja, com a exterioridade, revelando, nos sujeitos mapuches, que se constituem, no poema, sujeitos de uma identidade oprimida, destituída, onde podemos encontrar os procedimentos discursivos de constituição histórica dos sujeitos, cujos efeitos identitários, assumidos e reproduzidos trazem-nos a reflexão de que a subjetividade e a identidade retratam uma abordagem capaz de apreender através desse sujeito migrante, no constitutiva da subjetividade implicam efeitos de sentido na construção da identidade desse Página povo. 7 seu meio sociocultural, que a sua relação com as manifestações de uma exterioridade UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. 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UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>.