Edenair Carvalho Rocha - PPGHIS

Transcrição

Edenair Carvalho Rocha - PPGHIS
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS - DCH - CAMPUS V
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA REGIONAL E
LOCAL
MESTRADO
EDENAIR CARVALHO ROCHA
AS FONTES DOS VESTÍGIOS: MEMÓRIA E FOTOGRAFIA NAS
TRANSFORMAÇÕES URBANAS NA CIDADE DE CONQUISTA
ENTRE 1920 A 1940
SANTO ANTÔNIO DE JESUS - BA
ABRIL DE 2011
0
EDENAIR CARVALHO ROCHA
AS FONTES DOS VESTÍGIOS: MEMÓRIA E FOTOGRAFIA NAS
TRANSFORMAÇÕES URBANAS NA CIDADE DE CONQUISTA
ENTRE 1920 A 1940
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em História Regional e Local da
Universidade do Estado da Bahia – UNEB - Campus
V, Santo Antônio de Jesus, Bahia, sob a orientação
do Professor Gilmário Moreira Brito, como requisito
para obtenção do título de Mestre.
SANTO ANTÔNIO DE JESUS
2011
1
FICHA CATALOGRÁFICA
Sistema de Bibliotecas da UNEB
Rocha, Edenair Carvalho
As fontes dos vestígios: memória e fotografia nas transformações urbanas na cidade
de Conquista entre 1920 a 1940 / Edenair Carvalho Rocha . – Salvador, 2011.
163f.
Orientador: Prof. Dr. Gilmário Moreira Brito.
Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de
Ciências Humanas. Campus V. 2011.
Contém referências.
1. Vitória da Conquista (BA) - Geografia histórica - Fotografias. 2. Planejamento
urbano - Vitória da Conquista (BA). 3. Urbanização -Vitória da Conquista(BA). 4.
Vitória da Conquista (BA) - História. 5. Memória. I. Brito, Gilmário Moreira. II.
Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas.
CDD: 981.32
2
FOLHA DE APROVAÇÃO
EDENAIR CARVALHO ROCHA
AS FONTES DOS VESTÍGIOS: MEMÓRIA E FOTOGRAFIA NAS
TRANSFORMAÇÕES URBANAS NA CIDADE DE CONQUISTA
ENTRE 1920 A 1940
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Universidade do Estado da Bahia – UNEB, como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre
em História Regional e Local, sob orientação do
Prof. Dr. Gilmário Moreira Brito.
Santo Antonio de Jesus, ______/______/2011
___________________________________________
Prof. Dr. Gilmário Moreira Brito
(orientador)
__________________________________________
Profa. Dra. Lysie dos Reis Oliveira
____________________________________________
Prof. Dr. Carlos José Ferreira dos Santos
3
À minha Vó Elça – a mãe que me criou; ao meu avô
Edésio – in memorian - Os grandes heróis da minha
vida.
Às minhas filhas Bárbara e Marina, que são músicas
para os meus ouvidos. Ao meu Neto Guilherme –
que me ensina a viver desde o dia em que nasceu.
4
AGRADECIMENTOS
Primeiro interpretar, em seguida, tornar inteligível: é a dupla função do historiador.
No transcorrer desse processo a intuição me uniu às pessoas certas, junto às quais trabalhei,
compartilhei, discuti e evoluí o pensamento. Outras, já ligadas a mim, foram fontes de
serenidade e leveza, me auxiliando a prosseguir. A elas, tenho todos os sentidos gratos.
Agradeço ao meu querido orientador Gilmário Moreira Brito, que mais que isso, se
transformou ao longo desta trajetória em “ensinador”, educador, e acima de tudo, um amigo
bem humorado e sagaz. Ele soube, magistralmente, determinar as tarefas mais adequadas à
construção da pesquisa, com os sutis e fundamentais “chutes na canela”.
Aos Professores que encontrei no processo de qualificação: Carlos José Ferreira e
Lysie Reis, pessoas incríveis, profissionais dedicados, que com suas críticas sensíveis e
apuradas contribuíram imensamente para a continuidade do trabalho.
Ao Professor Raimundo Nonato Pereira Moreira por acreditar nas releituras e
interpretações que tornaram possível a minha entrada no Museu Regional pelo lugar de
memória.
Àqueles que se tornaram minha família em Santo Antônio de Jesus, Cláudia, Marcílio,
Ícaro, Vitor e Lúcia, pelo aconchego; e a Marilva, Lielva, Priscila e Regina, colegas que
tornaram menos solitária a minha estadia numa outra cidade.
A todos os professores e colegas de mestrado, pelas trocas enriquecedoras nos
encontros em sala de aula e nas saídas fortuitas de conversas e risadas. Agradeço
especialmente à Anne, Consuelo e Wilma pela atenção e presteza no acompanhamento de
todo esse percurso.
Em Vitória da Conquista continuei o percurso, outros parceiros surgiram em instantes
oportunos e a eles sou grata: Ruy Medeiros, pela generosidade, que mesmo com suas
ocupações, esteve sempre acessível às entrevistas e indagações sobre o estudo e a
disponibilidade de sua biblioteca pessoal para a pesquisa em jornais da época, a Roque Felipe,
pelas leituras e sugestões valiosas; e a Elzir Vilas Boas pela força em acreditar ser possível
começar essa história a partir das memórias produzidas no Museu; agradeço a Lucinéia, pelo
apaixonado trabalho com a digitalização das imagens, feito com todo o carinho e maestria.
Agradeço especialmente aos amigos do Museu Regional – Casa Henriqueta Prates:
Irlândia, Celso, Fábio, Marinalva e Geórgia, companheiros solícitos e facilitadores nos aportes
do ofício da pesquisa. E a Vitorinha, que transformou o trabalho na Biblioteca Heleuza
5
Câmara em encontros cheios de bom humor e um ótimo atendimento às necessidades da
pesquisa, sou imensamente grata.
Aos amigos do coração, Lígia, Marieta, Renatinho, Stelinha, Gutemberg, Marion,
Claúdia Celiene, Joandina, Jamilly, e Marco Juca, agradeço. Cada um, em suas peculiaridades
e de diferentes formas, mesmo que apenas compreendendo a ausência, me impulsionaram a ir
em frente.
Agradeço a Dr. Péricles Matos pelas conversas terapêuticas e pelas gotas de
Helleborus Niger receitadas com a intuição afinada pelo profissionalismo, carinho e amizade.
Aos colegas de trabalho, Isabel Padre, Zelma Borges, Marcos Viana e Márcia Vaz,
pela força e por facilitarem os caminhos burocráticos que permitiram a realização deste
estudo.
Ao meu ‘novo’ pai Ezinho que com sua força aprende todos os dias a viver, aos meus
irmãos Eserlane, Eser Júnior, Leinha e a Eserlene, àquela que mora na memória e na saudade;
a Edezir Rocha, sempre uma irmã; a minha Tia Dininha, agradeço pelo carinho e atenção na
vida.
Em especial agradeço as minhas filhas Marina, que na altura dos seus doze anos
empreendeu a grande aventura da mudança e a Bárbara, cuja força, desde criança, me
proporcionou tranquilidade e liberdade para iniciar a jornada que, em parte, concluo com este
trabalho.
A todos, com muita emoção, sou grata.
6
Do Cimo do Morro da Tromba
Não há no mundo, na terra.
Igual a esta, outra vista!
Na falda d’aquela serra...
Está engastada a – Conquista.
No solo em que há sec’lo e meio.
Divagavam em recreio,
O índio, a onça, o tapir, Onde ora a letra e a ventura.
Vão galopando em procura
Do sorridente – porvir!(sic)
Maneca Grosso, escritor e poeta conquistense,
compôs e publicou esse poema no jornal “A
Palavra” da Cidade de Conquista em 25 de janeiro
de 1918.
7
RESUMO
Vitória da Conquista, cidade localizada no Sudoeste da Bahia, a exemplo do modelo de
organização do espaço das cidades de origem colonial, cresceu a partir de um núcleo de
construções e de sociabilidades construídas sobre a égide das vivências cotidianas e
simbólicas, materializadas nas edificações da tríade: igreja, praça e feira. Pretende-se com
essa pesquisa, investigar através das narrativas e refletir sobre as construções de memórias a
partir da coleção fotográfica do Acervo do Museu Regional de Vitória da Conquista. Para
tanto, vamos examinar as imagens fotográficas como fontes cruzando-as com o método
orientado pela história oral, para surpreender, através de entrevistas, lembranças e
esquecimentos de antigos moradores sobre as relações que estabeleceram com essa cidade a
partir desse conjunto imagético. Busca-se, enfim, compreender a construção das relações de
poder através da produção das imagens fotográficas entre as décadas de 1920 e 1940, que
façam suscitar indagações sobre a história desta cidade, que se transformou diante dos ícones
da modernização. Partindo desse pressuposto, o estudo em questão problematiza a cidade
enquanto territórios construídos por relações e tensões materiais e simbólicas, constituídas de
vivências, necessidades e anseios em relações produtoras de significados presentes na
construção arquitetônica que a sustenta. Assim, ao investigarmos a cidade enquanto espaço
construído é importante analisar os projetos e ações de ‘urbanização’ desta cidade, buscar
perceber as relações e lutas políticas entre grupos e sujeitos envolvidos nesse ambiente de
‘transformação’, e as imagens ‘reveladas’ desse processo serão analisadas enquanto ‘lugares
de memória’.
Palavras Chaves: cidade, fotografia, história, lugares de memória.
8
ABSTRACT
Vitória da Conquista, a city in southwestern, Bahia, is an example of the model of space
organization of cities from colonial origin that grew from a nucleus of constructions and
sociability constructed under the aegis of daily and symbolic experiences, embodied in the
buildings of a triad: church, square and fair. We intend with this research, to investigate and
think through the narratives about the construction of memories from the photographic
collection of the Collections of the Regional Museum of Vitoria da Conquista. To do this, we
will examine the images as sources crossing them with the method driven by oral history, to
surprise, through interviews, memories and forgetting about former residents who have
established relations with this city from this set of images. We try, so, to understand the
construction of power relations through the production of photographic images between 1920
and 1940 that can make possible to raise questions about the history of this city, which has
been modified before the icons of modernization. Based on this assumption, this study
discusses the city as built areas on relationships and on material and symbolic tensions,
consisting of experiences, needs and desires in relationships that produce meanings present in
architectural construction that supports it. Thus, while we investigate the city as a constructed
space is important to analyze the projects and actions of 'urbanization' of this city, seeking to
understand the relations and political struggles among groups and individuals involved in this
environment of 'transformation', and the 'revealed' images of this process will be considered
as 'places of memory'.
Key Words: city, photography, history, places of memory.
9
LISTA DE SIGLAS
SMRVC
SERVIÇO DE MUSEU REGIONAL DE VITÓRIA DA CONQUISTA
MRVC
MUSEU REGIONAL DE VITÓRIA DA CONQUISTA
APMVC
ARQUIVO PÚBLICO MUNICIPAL DE VITÓRIA DA CONQUISTA
CPD/PMVC CENTRO DE PROCESSAMENTO DE DADOS / PREFEITURA
MUNICIPAL DE VITÓRIA DA CONQUISTA
10
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 -
Fachada do Museu Regional- Casa Henriqueta Prates (acervo do MRVC) .... 27
Figura 2 -
Interiores do Museu Regional- Casa Henriqueta Prates (acervo MRVC) ....... 38
Figura 3 -
Mapa - Acervo do CPD da PMVC ................................................................... 49
Figura 4-
Mapa - Acervo do CPD da PMVC ................................................................... 61
Figura 5 -
Rua Grande anos 20 (acervo MRVC) .............................................................. 63
Figura 6 -
Rua Grande, anos 30 (acervo MRVC) ............................................................. 70
Figura 7-
Mapa - Acervo CPD/PMVC............................................................................. 75
Figura 8 -
Praça 15 de Novembro, anos 30 (acervo MRVC) ............................................ 77
Figura 9 -
Feira da Praça 15 de Novembro, anos 30 (Acervo MRVC)............................. 83
Figura 10 - Feira Livre da cidade de Conquista, anos 30 (acervo MRVC) ........................ 84
Figura 11 - Mapa - Acervo CPD/PMVC............................................................................. 92
Figura 12 - Praça 15 de Novembro, anos 30 (acervo do MRVC)....................................... 94
Figura 13 - Praça da República anos 40 (acervo MRVC)................................................... 96
Figura 14 - Parte baixa da Rua Grande anos 30 (acervo MRVC)....................................... 97
Figura 15 - Catedral Nossa Senhora da Vitória com a Praça da República anos 40
(Acervo MRVC) ............................................................................................... 100
Figura 16 - Igreja Matriz Nossa Senhora da Vitória, anos 20 (acervo do MRVC) ............ 102
Figura 17 - Mapa - Acervo CPD /PMVC............................................................................ 145
Figura 18 - Fonte Pública Municipal Água de Nossa Senhora, anos 30
(acervo MRVC) ................................................................................................ 148
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................12
CAPÍTULO I - UM LUGAR DE MEMÓRIA PARA VITÓRIA DA CONQUISTA: A
CASA HENRIQUETA PRATES COMO MUSEU REGIONAL.......................................27
1.1 TRAJETÓRIA DA CONSTRUÇÃO DO LUGAR DE MEMÓRIA DO MUSEU
REGIONAL..............................................................................................................................33
1.2 VÁRIAS DIMENSÕES DA MEMÓRIA DE VITÓRIA DA CONQUISTA NO MUSEU
REGIONAL..............................................................................................................................45
CAPÍTULO II - “A FALA DOS PASSOS PERDIDOS”: MEMÓRIAS
FOTOGRÁFICAS, ORAIS E ESCRITAS SOBRE A RUA GRANDE.............................56
2.1 A CIDADE COMO ESPAÇO CONSTRUÍDO..................................................................58
2.2 A RUA GRANDE, UM LUGAR DE MEMÓRIA.............................................................69
2.3 A FEIRA LIVRE DE CONQUISTA: ESPAÇO FUNDADO, DEMARCADO E
ARTICULADO NAS PRÁTICAS E NAS NARRATIVAS....................................................76
2.4 DA RUA GRANDE AOS TEMPOS E ESPAÇOS REPUBLICANOS: PRAÇAS 15 DE
NOVEMBRO, REPÚBLICA E BARÃO DO RIO BRANCO.................................................94
CAPÍTULO III - JORNALISTAS E MEMORIALISTAS: CONSTRUTORES DE UMA
MIMESE DE PROGRESSO PARA A CIDADE DE CONQUISTA...............................105
3.1 ESTRATÉGIAS DA MEMÓRIA E A INTERSEÇÃO DOS CONFLITOS: OS JORNAIS
NO ORDENAMENTO DOS ESPAÇOS DA CIDADE.........................................................121
3.2 UM OLHAR SOBRE A POBREZA: ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIAS NA
CIDADE..................................................................................................................................131
3.3 AS ÁGUAS DE NOSSA SENHORA DA VITÓRIA: CONFLITOS E TENSÕES NAS
REGULAÇÕES DO ESPAÇO URBANO.............................................................................137
3.4 A EMERGÊNCIA DOS SUJEITOS: AGUADEIRAS, LAVADEIRAS E CAROTEIROS
- HOMENS E MULHERES A SERVIÇO DO BEM COMUM............................................141
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................151
ACERVOS, FONTES E BIBLIOGRAFIA .......................................................................154
12
INTRODUÇÃO
O verdadeiro rosto da história afasta-se veloz. Só podemos
reter o passado como uma imagem que num instante em que se
deixa reconhecer lança um clarão que não voltará a ver-se.
[...] Irrecuperável é, com efeito, toda a imagem do passado que
corre o risco de desaparecer com cada instante presente que
nela não se reconheceu.
Walter Benjamin
A história como conhecimento só acontece a partir de perguntas elaboradas no
presente, e do lugar de onde são elaboradas essas perguntas estão justapostas as
temporalidades e materialidades do fazer histórico. O historiador que está no exercício da
pesquisa está necessariamente diante de subjetividades impostas tanto por um passado
imutável e lacunar, quanto por um presente, de onde partem suas interpretações e que
determinam suas próprias subjetividades, em seus enfrentamentos com novas abordagens e
métodos.
O passado está lá imutável, e as questões que apelam por análises e respostas estão
aqui, no tempo de agora. O passado só existe quando o historiador o problematiza no
presente. Histórias de um determinado tempo e lugar que apela por esse ‘devir’ são histórias
que precisam de respostas e, ao serem contadas, vão dar conta de suscitar memórias. Ao
virem à tona, estas memórias provocam outras histórias construídas sobre sujeitos em suas
práticas sociais e culturais, como diz Walter Benjamim, a história é objeto de uma construção
cujo lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de agoras.1
Partindo desse pressuposto, buscamos subsídios para uma produção da história da
Cidade de Vitória da Conquista a partir das memórias sobre os espaços de um território
constituído pelo núcleo original de ocupação da cidade – A Rua Grande. Esse espaço,
posteriormente, ganhou visibilidade com: a) As demolições e construções de novas casas e do
templo religioso da Igreja Matriz, b) Nos deslocamentos de ‘aglomerados’ considerados
indesejáveis’ para alguns, como a feira livre que foi transferida para um local distante da
moradia e do convívio da elite proprietária e c) Nas construções de praças destinadas a abrigar
eventos cívicos, religiosos e de lazer da população.
1
BENJAMIM, Walter. Teses sobre o conceito de história. In: Magia e técnica, arte e política. Obras escolhidas
III. São Paulo: Brasiliense, 1985.
13
Ao elencarmos esse conjunto de transformações como elemento problematizador da
nossa pesquisa, trazemos para o debate a cidade enquanto conjunto de espaços construídos,
forjados pelas experiências de sujeitos que se movimentam e se mobilizam nas suas práticas.
Então, quem são esses sujeitos? Como se forjam nas práticas cotidianas desses logradouros?
Como esses sujeitos interferem nessas transformações? Como se configuram as sociabilidades
nesses novos espaços? E, para estabelecer outras possibilidades da utilização das fontes é
importante indagar como as fotografias podem contribuir para revelar imagens da construção
da história da cidade?
A cidade de Vitória da Conquista, sede do município, localizada no Sudoeste da
Bahia, fisiograficamente denominado de Planalto da Conquista. Durante o movimento de
ocupação, entre o final do século XVIII e XIX, o município estava inserido na região que
ficou conhecida como “Sertão da Ressaca.”
2
Este local, enquanto, espaço construído
socialmente, será objeto do nosso estudo.
Esta investigação parte do contexto histórico de 1920, década em que a cidade passou
por ‘transformações’, noticiadas e observadas nas leituras dos jornais de publicação local: ‘A
Semana’, ‘Avante’ e ‘A Palavra’. Diversas matérias e editoriais registram as reclamações e
solicitações, que partem da população ‘privilegiada’ em conflito com o poder público “sobre a
necessidade de mudanças urgentíssimas na pobre Conquista abandonada”. Por outro lado, as
fotografias nos revelam uma cidade edificada em torno da rua principal – nelas encontramos
imagens da Praça, da Feira e das Igrejas de várias temporalidades que orientaram nossa
reflexão sobre a importância do uso dessa documentação. O estudo desdobra-se até a década
de 1940, quando observamos mudanças significativas, tanto, no desenho urbano, quanto nas
relações sociais, culturais e de trabalho. Os escritos dos memorialistas e cronistas da cidade
remontam também, ao tempo das mudanças, estimadas em seu natural interesse, em preservar
os fatos “notáveis”, registrando, o cotidiano, as transformações urbanas, os acontecimentos
cívicos, culturais e sociais. Na cidade de Vitória da Conquista, a partir de meados do século
XX, os registros e livros de memorialistas, se fazem de forma mais significativa e encontramse com frequência, relatos sobre a cidade. A reflexão sobre essas fontes aponta para vários
movimentos das gentes da cidade, que indicam estratégias na forma de ação de determinados
2
A históriadora Maria Aparecida Silva de Sousa se refere ao texto de Ruy Medeiros, cuja pesquisa conclui que a
origem do nome “Ressaca” é um termo de uso da geografia popular sinonimizado “funda baía de mato baixo
circundada por serra” e que foi aplicado às terras existentes entre os rios pardo e das Contas. Assim, esclarece:
“O viajante que palmilhar o Planalto da Conquista perceberá as fundas baías de campo, algo como um vago
refluxo a desenhar o semicírculo da ressaca, só que não no mar. Uma ressaca de chão.” (MEDEIROS apud
SOUSA, 2001, p. 19).
14
grupos sociais no ensejo de construírem para si uma memória emoldurada nas suas
necessidades e crenças.
Estas questões constituintes da problemática dessa dissertação e a trajetória dos seus
objetivos resultam de uma experiência de trabalho junto a Universidade Estadual do Sudoeste
da Bahia – UESB, quando assumimos, como historiadora, a Coordenação de Acervo e
Documentação do Museu Regional de Vitória da Conquista - Casa Henriqueta Prates -, órgão
suplementar desta Universidade. Para tanto, é importante salientar o envolvimento
profissional com os arquivos fotográficos já existentes no Museu, através dos quais foi
possível visualizar as imagens da cidade entre o final do século XIX e século XX.
Desde logo, as fotografias encontradas neste acervo suscitaram algumas indagações
que se colocaram a frente do nosso trabalho. Por aquelas imagens foi possível perceber o
recorte da cidade em seu núcleo de origem, retratando os limites da Rua Grande em suas
construções, onde se situam os domínios da Praça, da Igreja, do Paço Municipal, do casario da
elite, da feira. A fotografia, neste aspecto, vai cumprir a função de portadora dos vestígios
visuais do que foi a cidade de Conquista nas primeiras décadas do século XX.
Necessariamente precisávamos estudar a forma de organizar aquele material, diante
de uma atuação urgente em buscar o conhecimento para a conservação das fotografias
originais que passavam por um estado de deterioração. Tanto por essa necessidade de
preservar, quanto pela necessidade de organizar a coleção em seus desdobramentos temáticos
e temporais para atender as possibilidades de investigar a coleção imagética através de uma
pesquisa que possibilitaria refletir sobre as imagens e analisar a construção de memórias para
o estudo da história local, propomos a identificação deste material, a partir do tratamento que
deveria ser dado e de como realizar a preservação, divulgação e a comunicação destas
imagens.
Na tentativa de abraçar essas atribuições foi encaminhado à Pro-Reitoria de Extensão
da UESB, o projeto contínuo – “Preservar o Acervo Fotográfico do Museu Regional: uma
contribuição para a construção da memória do Planalto da Conquista”3, que consistia
basicamente em reorganizar e preservar um conjunto de fotografias já existentes no Museu,
adquiridas por meio de doações de pessoas de diferentes setores da comunidade, conforme a
justificativa do projeto que assinala a,
3
Projeto de Extensão continuada, apresentado à Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários da
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, aprovado no ano de 2005, sobre a orientação da
Coordenação de Acervo e Documentação do Museu Regional.
15
Preservação de fotografias no Museu Regional de Vitória da Conquista, refletida na
necessidade de uma ação museológica para a preservação do patrimônio cultural
local, no momento em que consta no acervo do Museu cerca de setecentas
fotografias doadas por diversos setores da sociedade, formando um conjunto
imagético que já conta uma história, a história das possibilidades do uso da
fotografia enquanto recurso de memória para a compreensão do passado
representado e vivido, através do olhar do presente.4
Com o objetivo de proporcionar uma duração museológica e a comunicação dessas
imagens, foi sistematizada no projeto uma metodologia que dividiu o trabalho em seis etapas:
organização por temas, pesquisa através de fontes orais sobre as fotografias que se
encontravam sem registro, catalogação, digitalização, confecção de álbuns e difusão. Essas
etapas foram constituintes do processo do tratamento documental, dadas as suas
especificidades, tanto do ponto de vista da informação visual, quanto do suporte no qual essa
informação encontra-se registrada.
A metodologia utilizada para a organização da coleção partiu da identificação e
avaliação das fotografias já existentes no acervo do Museu Regional, partindo do material já
organizado tematicamente onde foi elaborado um roteiro de pesquisa para a catalogação das
imagens, como forma de acesso as informações. No sentido de conservar e preservar as
imagens, foi adquirido através do projeto, a compra de papel neutro, material adequado para a
confecção dos invólucros para arquivo na mapoteca, a serem manipulados em situações
específicas. Posteriormente, foram digitalizadas trezentas imagens, das setecentas e oitenta
existentes, organizadas em legendas, contendo todas as informações, descrevendo o tamanho
da foto, ano, cidade, condição das imagens, fotógrafo e seu doador.
Assim, graças às possibilidades desse processo de produção do tratamento dado ao
conjunto imagético, podemos engendrar elementos constitutivos para as coleções que
adquiriram um vocabulário de padrões próprios para a sistematização de uma leitura visual. A
análise desses modelos, ou de seus elementos isolados, pode deflagrar o sentido ou vários
sentidos da construção da imagem fotográfica sobre a reconstituição de memórias.
A exemplo da coleção do Museu constatamos a ausência dos nomes relacionados a
autoria das fotografias na maioria das imagens. Esta ausência de determinados elementos
significam o não-dito, isto é, o que queremos falar de um determinado objeto e não
encontramos a fonte. Então, as perguntas se estabelecem: Por que as fotografias são
anônimas? Onde estão as memórias desses fotógrafos? Essas informações são importantes,
4
Ibid.
16
pois possibilitam compreender diversos aspectos das concepções e intenções dos fotógrafos
quando da construção das imagens. 5
O tratamento dado ao conjunto imagético através da indexação temática e da
catalogação analítica permitiu destacar diversos eixos capazes de fornecer informações quanto
aos diversos aspectos da vida social e cotidiana da Cidade de Vitória da Conquista.
Percebemos, neste conjunto imagético, uma consistência de massa documental, que poderia
indicar possibilidades de diversas leituras sobre a fotografia enquanto documento históricosocial constituindo-se em suporte documental que faculta a compreensão do passado.
No entanto, é importante interferir criticamente na relação entre o tratamento que
permite organizar essa ‘massa documental’, o processo de sua veiculação que a partir do
conhecimento formulado sobre o conjunto documental, e dos objetivos, formas de apresentálo aos freqüentadores, de provocar o público leitor das imagens a assumir posicionamentos,
apresentar suas visões de mundo e interferir nesse processo para transformar uma visita em
um produto cultural.
Ulpiano T. Bezerra de Menezes, ao propor a consolidação de uma história visual
aponta a necessidade de um tratamento das fontes visuais como um conjunto de recursos
operacionais para ampliar a consistência da pesquisa histórica percorrendo no trabalho com as
imagens o ciclo completo de sua produção – circulação, consumo e ação. Ele corrobora o
pressuposto que,
As imagens não tem sentido em si, imanentes. Elas contam apenas - já que não
passam de artefatos, coisas materiais ou empíricas – com atributos físico-químicos
intrínsecos. É a interação social que produz sentidos, mobilizando diferencialmente
(no tempo, no espaço, nos lugares e circunstâncias sociais, nos agentes que
intervêm) determinados atributos para dar existência social (sensorial) a sentidos e
valores e fazê-los atuar. Daí não se poder limitar a tarefa à procura do sentido
essencial de uma imagem ou de seus sentidos originais, subordinados às motivações
subjetivas do autor, e assim por diante. É necessário tomar a imagem como um
enunciado, que só se apreende na fala, em situação. Daí a importância de retraçar a
biografia, a carreira, a trajetória das imagens.6
A partir dessa contribuição aos estudos da história e da aproximação desta proposta
com a idéia a cerca da investigação da cidade construída socialmente e o ensejo de buscar
através das imagens fotográficas os vestígios para contar essa história, procuramos
5
SANTOS, Carlos José Ferreira dos. Nem tudo era Italiano: São Paulo e Pobreza: 1890 – 1915. 3ed. São
Paulo: Annablume/Fapesp, 2008.
6
MENESES, Ulpiano T. Bezerra. Fontes Visuais, Cultura Visual, História Visual. Balanço provisório, Propostas
Cautelares. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.23, nº 45, pp. 11-36 – 2003. p. 28.
17
acompanhar a trajetória dos fotógrafos que foram os possíveis autores das imagens
trabalhadas nesse estudo. Assim, não procuramos encontrar na fotografia uma referência de
verdade e fidelidade para contar a história. Entendemos a fotografia como um artefato híbrido,
construído por elementos físico-químicos que passa pela ação humana de sensibilidade,
observação e escolha com um auxílio de uma câmara. Da mesma natureza que a memória, a
fotografia é polissêmica, seletiva e lacunar, portanto para analisar uma imagem procuramos
considerar, no circuito social da fotografia, as condições técnicas disponíveis; as visões de
mundo do fotógrafo – política, cultural e estética do seu lugar social.
Essas fontes serão analisadas a partir dos escritos dos memorialistas da cidade, das
matérias de jornais e das entrevistas realizadas para a investigação desse estudo, que
acabaram por fazer emergir a biografia e o trabalho desses primeiros fotógrafos da cidade de
Conquista. Na produção do memorialista Aníbal Viana7, que publicou em 1982, a Revista
Histórica de Conquista, ampliada, posteriormente, com um segundo volume, onde reuniu
elementos diversos, desde artigos de jornais, transcrições de documentos, relatos e biografias
de homens e mulheres “notáveis” da sociedade de Conquista, onde marcadamente construiu
uma descrição das memórias da cidade. Os relatos desenvolvidos neste trabalho, tendo em
vista a dinâmica das informações, apontam para uma perspectiva que possibilita articular
essas informações na construção da pesquisa histórica. Trataremos mais profundamente sobre
esse memorialista no terceiro capítulo dessa dissertação quando abordaremos esses sujeitos
como construtores de uma mimese de progresso para a cidade.
Segundo Viana, o primeiro fotógrafo de Conquista foi o filho do primeiro intendente,
o Coronel Joaquim Correia de Melo (1892-1895). Manoel Eufrázio dos Santos Melo, nasceu
nesta cidade no dia 12 de agosto de 1883, e aqui cresceu, onde era conhecido pela alcunha de
Neca Correia. O memorialista segue relatando que, Neca Correia se distinguia pela
inteligência e autodidatismo; foi pintor por vocação, músico, fotógrafo e pirotécnico, no
entanto, a sua ocupação principal era a pintura e a fotografia. Ainda de acordo com Viana, as
fotografias e os belos quadros que deixou atestam o seu grau de inteligência e cultura8.
Manoel Eufrázio dos Santos Melo, entretanto não herdou o gosto pela política, herança do pai
que passou ao seu irmão o Cel. Ascendino Melo que governou o município entre 1920 a 1922.
Ao se casar com Virgínia Magalhães formaram a família Magalhães Melo, com nove filhos,
7
VIANA, Aníbal Lopes. Revista Histórica de Conquista (dois volumes). Gráfica do Jornal de Conquista,
1982, Vitória da Conquista – Bahia.
8
Viana, op. cit., p.367.
18
da qual o primeiro filho, Manoelito Magalhães Melo se tornará o seu sucessor como poeta,
músico e fotógrafo. Neca Correia faleceu do dia 1º de agosto de 1949, com 66 anos.
Manoelito Magalhães Melo foi o único herdeiro da vocação de fotógrafo do pai.
Segundo, Viana: ‘Um dos valores intelectuais de nossa terra conquistense. Mavioso poeta,
exímio fotógrafo. Inteligente por tradição. ’9 Manoelito Melo, nasceu em 1912 e cresceu na
cidade de Conquista onde começou a fotografar no ano de 1929 aos 17 anos, trabalhou
também no comércio, abrindo um estúdio de fotografia, chamado - Foto Melo, na Rua 7 de
setembro, no centro da cidade. Manoelito Melo, faleceu em 1983 aos 71 anos de idade, dos
quais 47 anos foram dedicados ao trabalho com a fotografia.
Outro fotógrafo contemporâneo do período do nosso estudo foi Gaudêncio Alves dos
Santos. Vindo de Itaquara - BA, no ano de 1933, quando foi convidado pelo então Prefeito da
cidade de Conquista, O Cel. Deraldo Mendes Ferraz, proprietário de uma charqueada naquela
cidade. Gaudêncio transferiu-se com a família para Conquista, ocupando na época o cargo de
contador da Prefeitura Municipal. Aficionado por fotografia acompanhou e fotografou a
cidade e as obras públicas da gestão de Régis Pacheco (1938-1945).
Nessa bagagem do conhecimento sobre a existência desses fotógrafos podemos inferir
para o nosso estudo elementos essenciais para a leitura das fotografias. No segundo capítulo,
serão abordadas as questões que envolvem a construção das articulações das narrativas orais e
fotográficas que demarcavam os espaços na cidade, por exemplo, as múltiplas territorialidades
na Rua Grande, suas transformações espaciais e sociais e a nova arquitetura que surge a partir
dos novos ditames do progresso e da modernidade.
Ruas, logradouros, praças, edificações, monumentos, bairros e feiras, sem limitar os
exemplos, devem ser observados não só como lócus das variadas formas de produção e ação
social, mas, sobretudo como problema e um campo de reflexão. Devemos estender esse olhar
para uma dimensão, onde a cidade seja problematizada em sua materialidade histórica, ou
seja, compreender a cidade em seu imaginário, lidando com discursos e imagens, impressões
da cidade construída a partir dos seus espaços, mas, sobretudo pelos seus atores e suas
práticas sociais.
Buscamos priorizar nessa pesquisa estudar as relações entre memória, fotografia e
cidade, através do acervo produzido no Museu Regional: fotografias, livros de memorialistas,
jornais da época; atas, projetos e leis municipais, suportes de depoimentos orais, etc. Assim,
pretendemos investigar e refletir sobre as possibilidades de elaboração de narrativas e
9
Viana, op. cit., p.370.
19
construções de memórias examinando estas fontes e cruzando-as com o método orientado
pela história oral, para surpreender, através de entrevistas, lembranças, silêncios e
esquecimentos de antigos moradores, que ainda residem no espaço da antiga Rua Grande,
familiares e pessoas que estabeleceram relação com esta cidade.
Para tentar nos aproximar dessa problemática, nos indagamos a respeito de questões
que envolvem as experiências dos sujeitos sociais que trafegam por essa cidade, então: Como
investigar essas realidades distintas? E, que imagens esses sujeitos buscavam construir para si,
que deveriam ser materializados como “lugares de memória”?
Textualidades, visualidades e oralidades, então podem ser transformadas pela
experiência ou interpretação de quem as emite e de quem as recepciona e reúne em uma
narrativa. Percebemos que a ampliação desse processo de constituição de narrativas instiga
desafios no tratamento com os diversos sentidos de escrever a história, que de certa forma,
sempre nos escapam e que, desta forma podem vir a florescer. A escolha do corpus
documental reflete a problemática suscitada pelo historiador, na prática do seu ofício, como
sugere Regina Beatriz Guimarães Neto:
A prática do historiador se redefine diante da conquista de novos territórios, da
diversidade dos procedimentos metodológicos e das abordagens historiográficas
contemporâneas. Porém, mais do que nunca a qualidade da produção histórica
aparece diretamente relacionada às questões propostas ou ao questionário elaborado
pelo historiador, o qual precede a escolha de um corpus documental, orientando-o na
análise e crítica das fontes, garantindo, por assim dizer, a pertinência e as condições
de uso da documentação.10
Esta relação apontada por Regina Beatriz produz uma oportuna discussão sobre a
relação da pesquisa empírica e os conceitos e métodos utilizados para a construção da história.
Ao estabelecer um diálogo com determinadas fontes, estamos expondo o nosso ponto de vista,
quanto à proposta do fazer histórico. Da mesma forma, ao dialogar com autores produtores
desses conceitos nos aproximamos, ou não, daqueles que trazem à tona os sujeitos que foram
pouco visibilizados pela história. Por esta razão, estamos lançando neste debate a relação da
história com a memória, estabelecendo um diálogo com autores que nos apontam para um
10
Em seu estudo Regina Beatriz contrapõe o que está posto na historiografia sobre o leste do Mato Grosso, e
pensa as características que define a região através das práticas sociais e culturais dos indivíduos que
construíram o espaço no fazer cotidiano, entendendo o lugar como um espaço praticado. Vê: GUIMARAES
NETO, Regina Beatriz. Cidades da Mineração – memórias e práticas culturais – Mato Grosso na primeira
metade do século XX. Cuiabá: EdUFMT, 2006.
20
caminho que trata de colocar o cidadão comum na história, identificado em suas
particularidades e especificidades.
Em que medida, então, o investigador da história, pode estabelecer uma relação com
as memórias? Entendendo que os lugares de memória estão expostos a um campo de força,
que estão sempre criando significados, como dialogar, através destas abordagens? Marc
Bloch, alerta para os cuidados, que segundo ele, podem evitar a destruição e a omissão da
memória:
[...] As sociedades consintam enfim a organizar racionalmente, com sua memória, o
conhecimento de si mesmas. Só conseguirão isso lutando corpo a corpo com os dois
principais responsáveis pelo esquecimento e pela ignorância: a negligência, que
extravia os documentos; e, [mais perigosa ainda,] a paixão pelo sigilo – sigilo
diplomático, sigilo dos negócios, sigilo das famílias que os esconde ou destrói.
Nessa busca da história, Ginzburg, nos propõe o rigor com as fontes. Isto é, produzir
uma crítica as fontes, que nos permita visualizar, o dito, as representações, as lacunas, e o não
dito – que é a inexistência de fontes para responder sobre determinados “silêncios” da
história. “Chamando atenção para o divórcio entre teoria e prática, Ginzburg alerta que, para
dizer algo de significativo sobre o método histórico dever-se-iam analisar não só os resultados
finais, mas também, o caminho que se percorreu para chegar a eles”; caso contrário “surgirá
uma imagem distorcida do trabalho do historiador”11. Nesse sentido, ele apresenta que a
relação de força estabelecia entre a história - com um rigor documental e a literatura (ficção),
deve colocar o historiador num diálogo contínuo e constante com as fontes.
Na tentativa de reconstituir as memórias dos moradores da cidade de Vitória da
Conquista, buscaremos compreender as teias de significados das relações que os diversos
grupos mantiveram entre si, para elucidar esses aspectos que alcançam os sujeitos em suas
resistências na tessitura das suas memórias sobre o espaço urbano.
Consideramos também, significativo a contribuição desse estudo para a compreensão
sobre o conhecimento da história da região. Observamos uma vigorosa produção
historiográfica na cidade de Vitória da Conquista a partir do desenvolvimento de pesquisas
ligadas aos programas de Pós-Graduação em História e outros de caráter interdisciplinar
fomentados pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB. No entanto, a oferta
do Mestrado em História Regional e Local da Universidade do Estado da Bahia – UNEB abre
11
GINZBURG, Carlo. Ekphrasis e citação. In: Micro-história e outros ensaios. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
1989, p. 215-232.
21
certamente, novas possibilidades aos estudos do interior baiano, ainda pouco contemplados
por outros programas.
Objetivamos ainda, através deste estudo, viabilizar subsídios para a produção da
história local em suas potencialidades, como também, integrar uma produção participativa
desse conhecimento para contribuir na percepção dos novos olhares sobre a cidade, ao
procurar descortinar e desmistificar os modos de como grupos dominantes buscam imprimir
uma memória nas representações citadinas a uma urbe emergente e muito arraigada às
especificidades das suas práticas sociais e culturais do seu local de convivências.
Pierre Goubert conceitua como história local aquela que diz respeito a uma ou a
algumas aldeias, pequenas ou médias cidades, [...] ou uma área geográfica não maior que a
unidade provincial comum12 e apesar das dificuldades de aceitação pelos historiadores
franceses que escrevem sobre a história geral, percebe-se significativas contribuições da
história local, quanto à oferta de elementos insubstituíveis para revelar os movimentos subreptícios de sujeitos que transitam pela cidade, através de novas estratégias de pesquisa.
Neste sentido, consideramos que a coleção fotográfica do Museu Regional, faz
suscitar diversos eixos de discussões temáticas, para além daqueles apresentados no recorte do
nosso estudo. Portanto, propomos uma metodologia de pesquisa onde utilizaremos as
fotografias como um texto, mediatizador e provocador de um contexto atualizado pela
memória dos entrevistados, onde a figura do leitor visual, assumido pela pesquisadora vai
procurar reconstituir o texto subjacente dessa coleção imagética, recolhendo elementos para a
produção de uma narrativa histórica, para dar a perceber a maneira como indivíduos de
diferentes grupos socioculturais reagem a esse passado.
Quando lançamos o olhar sobre a imagem em seu recorte bidimensional, ele nos
remete a dois tempos: um cronológico e outro histórico -, e nos transporta também ao tempo
da memória, que é dado à fugas, pois é seletivo e lacunar. Neste percurso levamos também o
tempo presente das subjetividades que vai construir novos significados, transformando a
imagem em texto que, preenhe de lembranças e esquecimentos, faz-se revelar tudo aquilo que
se quer preservar, e o que se pretende esquecer.
No seu ensaio, a Pequena História da Fotografia, Walter Benjamim, afirma que, a
câmara se torna cada vez menor, cada vez mais apta a fixar imagens efêmeras e secretas cujo
efeito de choque paralisa o mecanismo associativo do espectador. Ele sugere que aí deve
intervir a legenda, introduzida pela fotografia para favorecer a literalização de todas as
12
GOUBERT, Pierre. História local. In: História & perspectivas. Nº 6. Uberlândia. Jan.jul. 1992. p.45
22
relações da vida e sem a qual, qualquer construção fotográfica corre o risco de parecer vaga e
aproximativa. [...] É à luz dessas centelhas que as primeiras fotografias, tão belas e
inabordáveis, se destacam da escuridão que envolve os dias em que viveram nossos avós. 13
Entendemos que esta documentação deverá ser lida a partir do lugar e do momento da sua
construção, tanto quanto verificar a relação dos sujeitos que estavam envolvidos nesse
projeto. O refazer dessa memória, pode ainda está na ênfase do acontecimento, do que pensa
determinados grupos que orientam as pesquisas, e pensam essa matéria com a possível noção
do resgate de algo perdido, como nos alerta Eduardo Yázigi:
[...] a essência de uma nação é que todos os indivíduos tenham muitas coisas em
comum, mas que todos tenham, também, esquecido muitas coisas... Dessa forma, a
memória como sustentáculo da identidade, é ideologia, reconstrução permanente, e
não um elenco de valores definitivamente classificados. Daí porque, como diz
Ulpiano T. de Meneses (1990, p.31), “não existe o menor sentido em se buscar o
resgate da memória: resgate é coisa de bombeiro, não de historiador [...]. Não se
pode resgatar o que está sendo sempre refeito.14
O autor acrescentou ao conceito de memória, uma caracterização constituinte da
relação da memória com a oralidade. Os sujeitos que ‘lembram’, ‘lembram’ porque esquecem.
Essa é uma premissa definitiva para o entendimento da oralidade, como fonte histórica. A
memória é sempre seletiva e lacunar, pois ela habita o passado, que possui estas mesmas
reentrâncias. Acrescente-se a essa questão, ‘a relação da memória com a fotografia histórica,
aquela que nos chega às mãos pronta, tendo sida produzida há algum tempo, com relação ao
momento em que é analisada pelo observador’.15
Para refletirmos sobre as memórias desta cidade, pretendemos buscar a história nos
sujeitos, que se interessa por esta história. Lidar com fontes orais através de histórias de vida é
lidar com fontes orais que só existem a partir do momento que chamamos sua existência. Essa
fonte é construída no diálogo entre entrevistador e entrevistado, e ao historiador cabe explorar
as especificidades e as singularidades destas narrativas heterogêneas, pois cada narrador
reelabora o passado a sua maneira, interesse e emoção e essas subjetividades, são relevantes.
Essa memória mediatizada entre o produto fotográfico e os depoentes, enquanto
memória da experiência deixa de ser uma simples lembrança ou recordação do passado, ou até
13
BENJAMIM, Walter. Pequena História da Fotografia. In: Magia e Técnica, Arte e Política. Obras escolhidas
III. São Paulo: Brasiliense, 1985. P. 91-108.
14
YÁZIGI, Eduardo. A alma do lugar: turismo, planejamento e cotidiano em litorais e montanhas. 2ª ed.
São Paulo: Contexto, 2001, p. 47.
15
LEITE, Miriam Moreira Leite. Retratos de família: leitura da fotografia histórica. São Paulo. Editora USP,
2001, p. 15.
23
mesmo um arquivo de situações não vividas. Percebemos neste recurso um despertar para os
tempos em que se contava os casos em torno das sociabilidades e das experiências. O declínio
da narrativa acabou por criar outras formas de comunicação, dentre elas, a fotografia, que se
apresenta como possibilidade de leitura de mundo viabilizada pelo veículo de informação.
Nesse sentido, a imagem fotográfica passou a ser considerada, na modernidade, como um
suporte por excelência da informação confiável que ao ser transmitida para o receptor, o
transforma de ouvinte/interlocutor em leitor visual.
No caso, apresentamos uma proposta de mostrar aos nossos narradores as reproduções
fotográficas das vistas urbanas da cidade de Vitória da Conquista, construídas no acervo do
Museu Regional e no momento das nossas entrevistas, essas fotografias eram postas às vistas,
para juntos observarmos a imagem, que presumivelmente, faz saltar as memórias, impelindo
para um movimento de entrar na cidade e explorar os seus lugares com essas lembranças, para
entender como é construída essa cidade através das memórias dos que vivem nela. Essas
pessoas que falam e silenciam nos dão a certeza que não estamos construindo, sozinhos essa
história, sobre as transformações e mudanças que ocorreram nessa cidade, e, nesse tempo.
Este caminho foi percorrido por Ecléa Bosi, no seu livro, Memória e Sociedade –
lembranças de velhos, cujo tema envolve a história de vidas dos velhos da cidade de São
Paulo. Ela distingue dois tipos de memória, a memória-hábito, que é a memória dos
mecanismos motores e de outro lado, a memória espontânea, onde ocorrem lembranças
independentes de quaisquer hábitos: lembranças isoladas, singulares, que constituíram
autênticas ressurreições do passado. A partir daí a autora sugere que, a conversa evocativa de
um velho é sempre uma experiência profunda: repassada de nostalgia, revolta, resignação pelo
desfiguramento das paisagens caras, pela desaparição de entes amados, é semelhante a uma
obra de arte. Saber ouví-la é não alienar o contraste da riqueza e da potencialidade do homem
criador de cultura com a mísera figura do consumido atual.16
Assim, através da proposta de método, percebemos que texto, imagem, oralidade, são
linguagens, constitutivas dos sujeitos que as produziram e configuradas como fontes. Pensar
criticamente essas fontes, como leituras múltiplas, constitutivas dos sujeitos, dimensiona um
quadro de análises que provoca outra multiplicidade de impressões, quando percebemos que
essas linguagens não são compartimentalizadas, nem entrecortadas, e essa produção é
constituída por um momento dado, pelos sujeitos.
16
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 82 –
83.
24
As linguagens, enquanto elementos constitutivos dos sujeitos apresentam leituras que
provocam múltiplas sensações, no entanto o historiador amplia sua visão criticando as fontes
no exercício da escrita e interpretação da história. A produção historiográfica que propomos
nesse texto compreende a formação do espaço urbano que deu origem a Vitória da Conquista
como um território construído a partir do qual diversos grupos sociais estabelecem relações e
enfrentamentos através das linguagens visuais, orais e textuais constitutivas dos
representantes e presentes em memórias escritas, iconográficas que, problematizada a partir
de questões da historia social, contextualizadas como um campo de força possibilita a
construção de aspectos da historia dessa cidade.
Portanto, no primeiro capítulo da dissertação, sugerimos discutir o Museu Regional de
Vitória da Conquista, enquanto lugar de memória. Uma discussão fomentada na
contemporaneidade de um trabalho a partir do qual formulamos o nosso objeto de estudo.
Propomos dialogar com o lugar que organizou a maioria das fontes, buscando entender quais
as memórias que os grupos sociais produzem sobre sua cidade. Perguntamos e tentamos
responder qual o papel que o museu representa na comunidade de Vitória da Conquista,
tomando como referência a trajetória dos pontos de vista dos fundadores e das diretorias, que
deixam ver diferentes projetos de uma política cultural para o museu: cada gestão impôs sua
marca, apresentando diversas concepções sobre a produção da memória para a cidade de
Vitória da Conquista.
Desta forma, buscamos refletir sobre a cidade de Vitória da Conquista, do contexto de
histórico de 1920 a 1940, surpreendendo essa cidade em suas imagens construídas, tanto pelos
seus moradores que transitam e trabalham em seu cotidiano, quanto pelas entrevistas daqueles
que estão contemplados nos lugares de memória construídos pelas instituições. Essas
memórias, por vezes se entrelaçam, e revelam vestígios, que através de uma lente de aumento,
podemos flagrar, para operacionalizar essa história.
No segundo capítulo tratamos a cidade enquanto espaço construído por moradores,
sujeitos de suas experiências e práticas de viver a cidade. O estudo em questão problematiza a
cidade enquanto espaço de múltiplos territórios e as relações dos que vivem as disputas e os
embates pelos domínios desses territórios criando tensões que envolvem trocas materiais e
simbólicas constituídas de relações humanas produtora de significados e considerando que a
construção arquitetônica que a sustenta não apresenta neutralidade. Nessa perspectiva,
trataremos a cidade no recorte da Rua Grande, com as operações de demarcação, impetradas
nas modificações da Igreja, da Praça e da Feira, elementos que conforme visualizados em
nossa pesquisa são definidores das transformações fundadas em nova transmissão visual da
25
cidade engendradas pelo poder público confrontada com as interferências sobre a vida da
população dos pobres que viviam e circulavam na cidade.
Ainda neste capítulo, trataremos especificamente da proposta metodológica, usando a
fotografia como estímulo para a recordação do depoente, vamos entrevistá-los buscando
registrar as memórias que constroem a partir das imagens fotografias. Entendendo a
fotografia, como uma linguagem fundamental na explicação da nossa problemática de estudo,
e por compreender que a sua leitura não é anexo, nem tão pouco meras ilustrações, optamos
por inserir as imagens na mesma configuração do texto escrito.
Nesta perspectiva, vamos discutir no terceiro capítulo, a relação da cidade com alguns
dos seus construtores trabalhando com a produção dos memorialistas e jornais da época para
lermos
as
memórias
construídas
sobre
essa
cidade.
Nesta
parte,
dialogamos
fundamentalmente com alguns dos jornais fundados em Conquista: A semana (1920-1930), A
Vanguarda (1926), Avante (1931-1933), A Conquista (1944) e o Combate (1929-1964). A
abordagem sobre a escolha desses jornais, entre outros existentes, deu-se fundamentalmente
pela veiculação de matérias, crônicas e notícias produzidas e veiculadas nestes jornais cujo
elemento referencial era a cidade.
A análise das fontes sobre a imprensa escrita foram tratadas a partir da compreensão
do lugar de onde escreveu esse jornalista ao produzir a notícia. Numa abordagem que
contempla o ‘falseamento’ das notícias, as questões político-partidárias, o lugar sócio-cultural
desses escritores procuramos apontar as evidências dos enunciados que denunciavam uma
construção de memórias organizadas em conformidade com o controle solicitado pelo novo
ordenamento que deveria moldar a sociedade para o atendimento do progresso, que marchava
a passos lentos para uns e a passos largos para outros, dependendo de que lado pendia a
opinião no campo de força produzido no interior da imprensa escrita na cidade de Conquista.
Procuramos escrutinar nos vestígios silenciosos dos jornais, o não-dito sobre os pobres
da cidade, especificamente sobre os trabalhadores de serviço de ganho, como dos buscadores
d’água (caroteiros), que transportavam a água para abastecer a cidades em barris de madeira,
denominados de carotes, das aguadeiras que levavam à água em vasilhames apoiados na
cabeça e as lavadeiras que subiam e desciam a Rua Grande com as trouxas na cabeça e
serviam aos moradores as roupas lavadas e engomadas. Esses trabalhadores vão aparecer nos
jornais e nos documentos oficiais das intendências e prefeitura, como constituintes de
significados depreciativos, como causadores de problemas ou mais significativamente
surgiam na escrita, quando eram utilizados como bucha de canhão nos embates políticos entre
os jornais ou nos embates dos jornais com os chefes locais.
26
Buscaremos nas fontes documentais escritas do Arquivo Municipal de Vitória da
Conquista, do Arquivo Público do Estado da Bahia e nos jornais da cidade de Conquista, os
códigos de postura, que legislavam sobre as transformações espaciais, de serviços e sobre a
condução moral dos cidadãos. Os códigos de postura serão analisados com a finalidade de
investigar como essas leis, inscritas na municipalidade buscavam regulamentar a vida social
no âmbito das práticas e usos do solo. Portanto, as posturas municipais serão analisadas para
avaliar as estratégias de intervenção espacial, a exemplo da regulamentação do comércio e da
saúde pública, o ordenamento urbano, as sanções sobre a desobediência às normas vigentes e
a normatização da conduta social. Tais ações fazem parte de um processo de dominação que
se legitima através da ação do poder público, mas que enfrenta resistências diversas para a
operacionalização efetiva.
27
CAPÍTULO I - UM LUGAR DE MEMÓRIA DE VITÓRIA DA
CONQUISTA: A CASA HENRIQUETA PRATES COMO MUSEU
REGIONAL
Figura 1 - Fachada do Museu Regional- Casa Henriqueta Prates (acervo
do MRVC)
“Se habitássemos ainda nossa memória, não
teríamos necessidade de lhe consagrar lugares”.
Pierre Nora
Propomos neste capítulo refletir sobre as memórias de Vitoria da Conquista
organizadas no Museu Regional - Casa Henriqueta Prates, a partir de algumas experiências
pessoais apresentadas no trabalho desenvolvido junto a Coordenação de Acervo e
Documentação desta instituição. Através de entrevistas com os diretores e funcionários sobre
o inventário cultural e abordagens das concepções de preservação e guarda da documentação
existente na casa, trabalhamos o Museu, enquanto lugar que organizou uma memória da
cidade, estabelecendo questionamentos sobre a relação deste ‘lugar’ com a cidade, a partir das
memórias que conseguiu organizar e qual sua atuação para a construção das várias dimensões
da memória.
Recorrendo a Pierre Nora, estudioso da relação “entre memória e história”, que reflete
sobre “a problemática dos lugares”, ele considera que “três dimensões contribuem
simultaneamente e em diferentes graus, para caracterizar um lugar de memória”: a) “A
dimensão material que se refere ao espaço topográfico, monumental, arquitetural, ou à sua
28
condição de objeto concreto (um quadro, uma fotografia, um livro, etc.); b) A dimensão
funcional, à tarefa que ele cumpre de preservar um fato e c) A dimensão simbólica, aos
significados que são construídos em torno dele de acordo com os valores, crenças e
representações das pessoas”. Em tal lugar, investido de intenções e lembranças que remetem a
outras épocas, há uma construção de continuidade e absorção dos acontecimentos passados
que buscavam para si e que deveriam ser materializados como “lugares de memória.” 17
Lugares de memória é uma expressão forjada pelo historiador Pierre Nora para
designar a oposição entre memória e história numa contemporaneidade marcada pela
mediatização entre o local/rural e a metrópole/universal, apontando nesta relação à constante
perda da memória, já que vivemos em um entrecruzamento: respeito ao passado – às tradições
e o sentimento de pertencimento a um dado grupo. Nesse processo, dialogando com Leibniz,
Nora sugere que a memória, que não é mais espontânea, é cooptada pela história conhecimento e transformada numa “memória de papel”. 18
Consideremos, este postulado como uma advertência, pois ao historiador da cultura
que procura nos lugares de memória a sua problemática de estudo deve estabelecer uma
atenção criteriosa que permita construir, através destes vestígios guardados, leituras possíveis
do processo histórico. Ao remontar esse passado guardado no museu, estaremos reinventando
este passado, que está revestido dos significados dos códigos que os monumentalizam e que
para historicizá-lo deveremos ler nas entrelinhas.
Nesse sentido Michel de Certeau, em seus estudos sobre a sociedade francesa, nos
revela que a apropriação da cultura popular pelas elites só ocorre quando ela é neutralizada,
censurada, e, portanto não oferece mais perigo. Atentando para uma leitura mais apurada, a
utilização dessa cultura esconde uma rejeição:
Os estudos desde então consagrados a essa literatura tornaram-se possíveis pelo
gesto que a retira do povo e a reserva aos letrados ou aos amadores. Do mesmo
modo, não surpreende que a julguem ‘em vias de extinção’, que se dediquem agora a
preservar as ruínas, ou que vejam a tranquilidade de um aquém da história, o
horizonte de uma natureza ou de um paraíso perdido. Ao buscar uma literatura ou
uma cultura popular, a curiosidade científica não sabe mais que repete suas origens e
que procura, assim, não reencontrar o povo.19
17
NORA, Pierre. Entre memória e história. A problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n.10,
1993.
18
NORA, Pierre. Entre memória e história. A problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n.10,
1993.
19
CERTEAU, Michel de. A cultura no plural. São Paulo: Papirus, 1995, p. 253.
29
As primeiras referências de preservação organizadas pelo Museu Regional
correspondem ao processo de sua formação sobre o que se deseja projetar como memória para
a cidade: os resíduos dessas memórias são inesgotavelmente explorados através do
cotejamento das experiências dos seus organizadores, em funções exercidas baseadas em
relações de poder, impostas por um saber especializado e dominante.
A esse respeito são interessantes as observações de Humberto Fonseca20, para quem a
revalorização da cultura popular, por exemplo, tinha uma função de trazer para o debate, a
recuperação da memória da região. A tematização da cultura funcionava como uma “porta
entreaberta”, pela qual, entraria uma produção sobre a memória coletiva, cuja apropriação
oficializa saberes populares, transformando-a, numa espécie de espetáculo. Vai adiante
assinalando que,
A perspectiva era que existia uma historiografia na Bahia, que se chamava História
da Bahia, mas que se limitava a salvador e seu entorno, ali a região do recôncavo, a
proposta de Waldenor21 era recuperar essa memória aqui no Sertão da Ressaca,
Vitória da Conquista e a sua região, o Planalto da Conquista. [...] E não era somente
para tratar de história, era para tratar da cultura de um modo geral. Nós fizemos um
processo de retomada de Ternos de Reis, então se fazia o São João, retomou-se as
Rezas de Santo Antônio, as novenas de Santo Antônio, fazia as quadrilhas.22
Observamos que Fonseca propõe que o museu discuta sobre a importância da cultura
popular como um caminho legítimo para se chegar nessa recuperação da memória da região.
Na construção da memória do ‘Sertão da Ressaca, Vitória da Conquista e sua região’, os
saberes populares surgem como elemento unificador dessa região, resultando na Vitória da
Conquista orgulhosa da essência de sua terra e de sua gente. O que regula esse postulado é a
preocupação em não deixar eclipsar conflitos e tensões próprias das condições de
convivências dessas manifestações em outros espaços e tempos de deslocamentos desses
saberes espontâneos.
Enfocando outra temática das relações entre uma memória utilizada e recriada pelos
estudiosos e os confrontos com uma memória espontânea, Luiz Norberto Guarinello trata das
questões da memória e sua relação com a história, sugerindo que:
20
Humberto José Fonseca é atualmente professor titular do Departamento de História da UESB, e durante o ano
de 1998, assumiu a direção do Museu Regional.
21
Waldenor Alves Pereira Filho foi Reitor da UESB no período mencionado.
22
Entrevista do Professor Humberto Fonseca a autora em, 17 de maio de 2010.
30
Os vínculos entre memória coletiva e história científica podem na verdade, ser
pensados em termos opostos. Podem ser vistos, em primeiro lugar, como uma
relação positiva, pois a história produzida por historiadores, por especialistas da
história, enriquece as representações possíveis da memória coletiva, fornece
símbolos, conceitos, instrumentos rigorosos para que a sociedade pense a si mesma
em sua relação com o passado. Mas podem também ser vistos sob um ângulo
negativo, porque a história científica se volta regularmente contra as representações
produzidas pela memória “espontânea da sociedade, destruindo seus suportes,
atacando seus princípios, seus pressupostos, seus símbolos.23
Guarinello traz para esse debate uma contradição polarizada nos efeitos do uso da
memória, referendando, desta forma, o Museu Regional como lugar de memória para a cidade
de Vitória da Conquista, tendo em vista discutir as possíveis “exclusões” imprimidas pela
recusa de representantes de grupos sociais dominantes em perceber que as artes, as
manifestações e referências dos sujeitos produtores dessa memória espontânea, podem ser
absorvidos por uma estética do espetáculo. Essa compreensão pode conceber nas práticas do
lugar a verdadeira razão da sua existência, isto é, como as pessoas que comungam dos espaços
da cidade percebe o Museu e de como se reconhecem nessa miríade de objetos e eventos
realizados pelas diversas concepções que regeram suas ações.
Em meio a essas discussões, oportunamente buscamos refletir sobre outro conceito
que amplia a noção de patrimônio colocando entre outras questões a relevância sobre a
heterogeneidade dos bens que integram o universo dos patrimônios históricos e artísticos,
considerando suas funções em inserir leituras sobre aspectos “esquecidos” pela história oficial
e factual. Sobre essa questão, Maria Cecília Londres Fonseca aponta que,
O universo dos patrimônios históricos e artísticos nacionais se caracteriza pela
heterogeneidade dos bens que o integram, maior ou menor conforme a concepção de
patrimônio e de cultura que se adote: igrejas, palácios, fortes, chafarizes, pontes,
esculturas, pinturas, vestígios arqueológicos, paisagens, produções do chamado
artesanato, coleções etnográficas, equipamentos industriais, para não falar do que a
UNESCO denomina patrimônio não-físico – lendas, cantos, festas populares, e, mais
recentemente, fazeres e saberes os mais diversos.24
23
GUARINELLO, Norberto Luiz. Memória coletiva e memória científica. In: Revista Brasileira de História.
ANPUH. N. 28. São Paulo. Marco Zero, 1995.p.181.
24
Para obtenção de um conhecimento mais amplo sobre as questões do Patrimônio Cultural e sua problemática,
Maria Cecília Londres Fonseca, constrõe um levantamento sobre a questão da preservação cultural no Brasil
através de um estudo histórico da trajetória do IPHAN, organismo oficial responsável pelo patrimônio histórico e
artístico nacional, sua forma de atuação, ressaltando conflitos e tensões, no campo da preservação de acervos
(1997). In: FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em Processo: trajetória da política federal de
preservação no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ: IPHAN, 1997.
31
Observando essas questões conforme as últimas definições e as ampliações do
conceito de bens culturais, que trata de superar como sinônimo a guarda de bens excepcionais,
para serem objetos de contemplação e fonte de conhecimento, consideramos para além desse
recorte anacrônico, ‘a idéia de que o Estado não deve ser o único ator social a se envolver
com a preservação do patrimônio cultural de uma sociedade’, dando lugar às garantias ao
direito dos cidadãos em buscar suas visibilidades também nesses espaços.25
A ampliação dos valores sobre os bens patrimoniais vem a comungar com as idéias
propostas pelos estudos referentes à história cultural que, de acordo com a afirmação de
Ângela de Castro Gomes, se distingue porque recusa fundamentalmente a “expulsão” do
indivíduo da história, abandonando quaisquer modelos de corte estruturalista que não
valorizem as vivências dos próprios atores históricos, postulados como sujeitos de suas
ações.26
Procuramos, por outro lado, balizar essa discussão sobre as atribuições e ampliação do
valor histórico do documento nas novas abordagens sobre o conceito de bem cultural e a
preocupação de uma democratização de sua veiculação através dos esforços das chamadas
instituições-memória. Nesse entendimento, procuramos saber se os critérios que promovem a
seleção de bens culturais e de documentos têm levado em consideração particularidades
locais, a dinâmica social e a valorização da pesquisa voltada para a história local?
A esse respeito Elzir Vilas Boas relata que as pessoas se reconheciam ao rever a sua
cidade do passado, remontando um sentimento de nostalgia ao cruzarem o olhar, observando
as imagens, marcas e símbolos que permanecem nas fotografias e que foram extintos na
cidade e volta a existir no momento que esse olhar se volta para a imagem, em seu registro
estático, monumentalizado por aquele passado imutável, desdobrado das reentrâncias do
tempo e revelado na apreensão de um recorte intencional.
Conseguimos umas fotos doadas pela parte da Esposa de Seu Aníbal Viana, aí fotos
da cidade, de famílias antigas e formadoras do núcleo populacional de Conquista.
Começou com D. Camila Viana, e em seguida algumas pessoas também doaram
fotos antigas que tinham em casa, doaram não, emprestaram para ser reproduzidas e
devolvidas o original. Então as pessoas chegavam lá viam as fotos de festas antigas:
‘Ah! Essa é tal Rua!’ Então na minha rua era assim... A minha também era assim.
Então você via uma relação entre uma rua e outra, as semelhanças, como se
cruzavam.27
25
Ibid.
GOMES, Ângela de Castro. Nas Malhas do Feitiço: o Historiador e os encantos dos arquivos públicos. Rio de
Janeiro/São Paulo: CPDOC-FGV/IEB-USP, 1997.
27
Entrevista com Elzir Vilas Boas em 18 de maio de 2010.
26
32
Segundo Elzir, no momento inicial de funcionamento do Museu, as fotografias não
foram catalogadas e as exposições acima referidas aconteciam de forma bem simples. As
fotografias eram fixadas em cartões de papel e as legendas datilografadas em ofício branco e
coladas na parede com fita colante. No começo da trajetória do Museu o que agregou sentido,
foi menos o formato da exposição, e mais o que se pretendia era veicular essa memória. Nesse
caso, a memória das famílias antigas e fundadoras da cidade.
Então, serão essas as memória que vão ser guardadas e veiculadas pelo Museu
Regional? Através desse relato percebemos que a trajetória das fotografias ao chegar à
instituição percorrem caminhos particularizados, tanto por parte dos doadores, aqueles que
possuem a fotografia e não querem se desfazer de algo tão pessoal e rico em suas relações
interpessoais, quanto pelos leitores visuais que ao visitarem o Museu se reconheceram nessas
fotografias. Esse entrecruzamento de significados em ambas as dimensões refletiram a
importância desse suporte de memória para trazer a tona relatos de historias pessoais que
ficam escondidas, e não se revelaram em outro tipo de texto. Desta forma, podemos indagar:
se a maioria das fotografias recepcionadas pelo Museu foram originadas das famílias
tradicionais da cidade, como poderíamos reconhecer os “esquecidos” neste texto visual?
Como escrutinar esse resultado da exclusão? E, sobre as imagens da cidade, como ler nesse
conjunto, as trilhas, acessos e contornos produzidos pelas picadas da gente que trafegaram
pelos seus espaços e que a transformaram no seu cotidiano?
Refletindo sobre imagens, Ana Maria Mauad considera que a fotografia é um produto
cultural fruto de trabalho social de produção sígnica, sugerindo que do ponto de vista da
memória ela não é apenas documento, mas também, monumento. Nessa perspectiva, a
fotografia pode tanto contribuir para veicular novos comportamentos e representações da
classe que possui o controle de tais meios, quanto atuar como eficiente meio de controle
social, através da educação do olhar.
A respeito dos detalhes de traços do passado que chegaram a nós sem explicação,
Olgária Matos, refletindo sobre a relação entre historia e memória a partir de Benjamin,
aponta que esse autor sugere que há duas formas de memória:
O monumento faz parte da memória oficial celebrativa; o monumento é feito para
durar e significar; quanto ao documento, é aquilo que ficou malgrado ele mesmo, o
que fica aos pedaços, sem sintaxe absolutamente clara para nós. Somos nós que ao
33
construirmos o passado atribuímos um sentido ou vários sentidos para esses
documentos, o que significa escrever a história. 28 (grifo nosso)
Reconhecemos que as atribuições vinculadas a essa função são carregadas de ações
eminentemente políticas, tanto do ponto de vista da recepção, no momento da chegada do
doador de peças e documentos, quanto na função de emissário, isto é, de cumprir a missão da
organização e veiculação desse lastro documental a partir dos padrões temático-visuais
recortados por uma determinada escolha, visão e identificação do projeto elaborado pela
instituição. Esta discussão sobre as diversas concepções do Museu e a sua relação para com a
cidade será tratada no próximo subitem do capítulo.
Um dos propósitos fundamentais do nosso trabalho refere-se às análises do acervo
fotográfico do Museu Regional para o estudo das transformações urbanas sobre a Rua
Grande, na cidade de Vitória da Conquista. Para além da análise da sua espacialidade,
propomos caminhar junto dos sujeitos que a habitavam e mais ainda junto daqueles que a
utilizavam nas suas práticas cotidianas de convivência, trabalho, lazer, ou simples passagem
para o cumprimento de seus ofícios em outras paragens. Desta forma, procurando entender
quais os meandros políticos correspondem ao pensamento buscamos questionar as diversas
concepções das diretorias que geriram o Museu Regional, dessa organização: a que sujeitos
serviam este Museu? E como esses sujeitos foram envolvidos por este ambiente?
1.1 TRAJETÓRIA DA CONSTRUÇÃO DO LUGAR DE MEMÓRIA DO MUSEU
REGIONAL
Em setembro de 1991 foram desenvolvidas as primeiras ações para fundamentar a
implantação do Serviço de Museu Regional de Vitória da Conquista. Ao assumir a
Subgerência de Assuntos Sócio-Culturais, em 1º de junho de 1991 (portaria n. 434/91), a
professora Elzir da Costa Vilas Boas, em uma parceria com o advogado e historiador Ruy
Hermann Araújo Medeiros, apresentaram uma proposta de projeto cultural para a
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, refletindo a preocupação e a necessidade de
28
MATTOS, Olgária. Memória e História em Walter Benjamim. In: São Paulo. Secretaria Municipal de Cultura.
Departamento do Patrimônio Histórico. O direito à cidade memória: patrimônio histórico e cidadania. São
Paulo: DPH, 1992.
34
preservação e estudo da cultura local. Surgiu então, de idéia embrionária da criação de um
Museu Escola:
Então eu imaginei um tipo de museu em que a própria comunidade ajudasse o poder
público a construir. Seria o museu com o espaço da cultura popular, da fotografia,
do som e do objeto. E que gradativamente pudesse ser construído com a
comunidade, por exemplo, na parte que se refere ao artesanato, então, iria se
convidar artesãos, esses artesãos apresentariam seu trabalho e alguns daqueles
trabalhos mais significativos seriam adquiridos para o Museu. Então,
gradativamente, em visitas as feiras, em visita a região, aos povoados e também na
realização de feiras em que o próprio artesão produzisse ali seu objeto iria se fazer o
documentário da produção do objeto, iria se fotografar, gravar entrevistas e comprar
o objeto, adquirir o objeto. Isso seria, na época, umas das dimensões, essa dimensão
de a própria comunidade contribuir doando, contribuir participando, atuando.29
Essa época, da qual fala Rui, é ainda de quando se pensava a criação de um museu
para a cidade vinculado ao poder municipal e sua construção se daria efetivamente com a
participação da comunidade. Essa idéia de um Museu Escola, aonde gradativamente iria se
absorvendo esses saberes das camadas populares, como por exemplo: os artesãos. Esses
sujeitos estariam sendo servidos por este museu, e o seu produto encontraria um local de
escoamento, tanto para a salvaguarda, quanto para a sua transformação em mercadoria. Esta
relação aparentemente salvacionista incorpora uma forte relação de poder, a relação
objeto/símbolo, designada para significar, fica totalmente comprometida, com a noção de
valor mercadológico, que acaba por criar mais um lugar de disputa, pela qualificação dos
objetos.
Ao lado do artesanato, as manifestações culturais e do folclore, como as retomadas da
queima de Judas, dos ternos de Reis, das festas de São João, são outras áreas que recebem
muitas atenções por parte desses sujeitos sociais que pensam na realização de um museu.
Aqui fica claro, então, o modo como a cultura popular é apropriada pelos projetos vinculados
aos órgãos governamentais e a uma cultura oficial: numa visão idealista, como geradora de
rendas para as classes pobres, através do artesanato e em outra dinâmica dessa apropriação: a
espetacularização dos seus saberes.
É passível de discussão os meios como a elite detentora do saber pensa a construção
de espaço de veiculação e disseminação das memórias, quando vimos que a preocupação do
que se deve preservar , é sobre o que está se perdendo, sendo assim, constatamos que os
eventos diretamente relacionados com as manifestações do que se chama de ‘popular’,
29
Entrevista com o Professor Ruy Medeiros em 12 de maio de 2010.
35
guardadas as suas devidas especificidades, estão se diluindo nestes tempos da
contemporaneidade. O que está em jogo, são as relações entre grupos que estão sendo
dominados por essa mediatização e uma elite que, imbuída de seus instrumentais vai trazer a
tona esse conhecimento que não é mais vivo e sim cooptado nos seus saberes por uma
sistematização assistida.
Para Marilena Chauí, existe na concepção de resgatar a memória do ‘popular’
formulada pelas elites letradas uma pretensão de construir o seu lugar na relação que os
distinguem dos primeiros, nesse sentido, o popular é uma construção das referidas elites. A
autora vai adiante avaliando que a relação de conformismo e resistência, deve ser pensada em
suas especificidades, questionando se esses sujeitos e grupos querem realmente ganhar
visibilidade como popular compondo essa polaridade. Segundo a autora essa concepção é,
evidentemente, problemática, já que,
A expressão Cultura Popular, [...] é de difícil definição. Seria a cultura do povo ou
para o povo? A dificuldade, porém, é maior se nos lembrarmos de que os produtores
dessa cultura – as chamadas classes “populares” – não a designam com o adjetivo
“popular”, designação empregada por membros de outras classes sociais para definir
as manifestações culturais das classes ditas “subalternas”. Assim, trata-se de saber
quem, na sociedade, designa uma parte da população como “povo” e de que critérios
lançam mão para determinar o que é e o que não é “popular”.30
Partindo da reflexão de Chauí sobre a problemática do popular é importante trazer
para o debate o relato de Rui Medeiros no qual propõe formulações, explicitando desejo e
aspirações voltadas para a produção, veiculação e recepção de bens culturais no Museu para
Vitória da Conquista, conforme podemos acompanhar,
Quando Elzir assumiu mais tarde a coordenação do Departamento de Ciências
Humanas – O DFCH, quando ela assumiu, ela falou assim: - Rui, eu estou
pretendendo fazer um projeto, um pouco no espírito da cultura popular, da memória,
porque as coisas vão se perdendo, ou vão deixando de existir, porque ninguém dá
importância a isso e eu sou assim muito sedenta de documentar essas coisas, de
realizar atividades nessa área, popular, etc.31
30
CHAUÍ, Marilena. Conformismo e Resistência – Aspectos da Cultura Popular no Brasil. São Paulo:
Brasiliense, 1989, p. 9-10.
31
Depoimento de Rui Medeyros em 12 de maio de 2010.
36
A Professora Elzir ressalta que, o Serviço de Museu, constitui espaço privilegiado de
extensão comunitária, articulando a cultura disponível na sociedade com a sistematização, das
iniciativas e o tratamento teórico, próprio do comportamento acadêmico, conforme
apresentado na justificativa do Projeto de implantação,
Pretende-se, em efeito, a criação de um MUSEU REGIONAL que, ao lado de
preservar a memória regional, sirva como ambiente de produção cultural e de estudo
e difusão do saber, além de proporcionar satisfação estética. O MUSEU
REGIONAL desejado deve ser espaço de guardar objetos, mas deve igualmente
proporcionar a realização de atividades básicas de estudo da cultura, do passado e da
atualidade da região.32
Assim, a produção e divulgação desse saber, nessa primeira fase, eram consideradas,
primordialmente, como assentamento de uma prática voltada para a elaboração de um museu
como espaço de produção de memória, sobretudo da memória popular e da sociedade. 33
Essa questão está presente na entrevista de Ruy Medeiros, quando continua a acender
em suas memórias uma concepção de museu para a cidade de Vitória da Conquista
alimentada pela temática da cultura popular:
Esse Museu seria um Museu em permanente expansão. Então ele necessitaria de ter
uma casa e um terreno muito grande, para abrigar uma casa de farinha rústica lá
dentro, abrigar uma engenhoca de cana, abrigar o forno, o forno de fazer biscoito,
abrigar um pequeno alambique; aquilo que é da região. Tipos, modelos de cerca:
uma cerca viva de quiabento, uma cerca viva de avelós, uma cerca entrelaçada,
estivada; um casebre, um pequeno casebre de barro batido, inclusive os modelos das
casas aqui de Conquista, que era predominante a meágua34 – foi a construção
dominante de Conquista, nas décadas de 20 até início de 1950. Então teria essa
meágua. Na parte do artesanato popular ia colocar o fifó, o fifó de uma casa simples,
35
de uma casa modesta.
Então, esse relato sobre as diversas formas de reificar o que aparentemente está morto,
retoma uma preocupação de guardar e cristalizar a memória, uma preocupação com algo que
está possivelmente perdido. Diante dessa questão, voltamos a questionar: O que é que move
32
Projeto de Implantação do Museu Regional de Vitória da Conquista de dezembro de 1991.
Depoimento do Professor Rui Medeiros de 12 de maio de 2010.
34
Mégua ou meia água, designação popular para um telhado mais simples e barato, cuja caída parte da parede de
fundo para a inclinação da frente da casa. Segundo o dicionário Aurélio, meia água significa o telhado de um só
plano.
35
Idem
33
37
os grupos sociais de Vitória da Conquista para fundar o Museu? Qual o projeto e
expectativas?
O Projeto que foi desenvolvido na Casa Henriqueta Prates já abrigava a Galeria de
Arte Vila Imperial, do setor privado da cidade. Em junho de 1991, foram estabelecidos
importantes contatos com Vivaldo Costa Lima, na época, diretor do Instituto do Patrimônio
Artístico e Cultural e com a Drª Ivone Jucá, procuradora da Fundação Cultural do Estado da
Bahia. Entre outubro e dezembro do mesmo ano, foi elaborado o projeto por uma equipe
interdisciplinar da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, com a assessoria do
museólogo Luiz Alberto Freire, culminando na realização de cursos, oficinas de arte, mostra e
outros eventos de “interesse comunitário”. Para Freire, a existência do Museu, já significava o
seu testemunho da história da Cidade, referendado na formação discursiva, de acordo com seu
relato,
Agora, esta casa que é o testemunho da história de Henriqueta Prates, da história da
cidade, abriga o Serviço de Museu Regional de Vitória da Conquista – UESB, com
os elevados propósitos de manter viva a memória do Planalto da Conquista, de
resgatar suas tradições, os seus traços culturais, a fisionomia da gente. Nesta casa, o
passado e o presente se encontram para a gênesis do futuro.36
Essa pressa, em referendar esse lugar de memória para a cidade, nos coloca frente à
questões eminentemente contraditórias. Entre a criação do museu e a elaboração do texto do
projeto conta menos de um ano, tempo insuficiente para fazer um diagnóstico dessa relação
do Museu para com a cidade, compreendendo que a simples existência do espaço físico da
instituição não significa estabelecer relação com os moradores como ‘testemunho da história
da cidade.
Desta forma, destacamos ainda, que o acervo sob a guarda deste museu, está
organizado diante das várias concepções em que ele foi construído. Sem informar qualquer
traço de neutralidade, devemos observar e compreender esse acervo, enquanto um processo de
organização de registros de memórias, fontes que podem ser destinadas à pesquisa histórica a
partir do lugar da sua construção. Fotografias, jornais, entrevistas gravadas, livros de
memorialistas, etc., são fundamentais para a elaboração desse estudo sobre a cidade e as
transformações ocorridas nas décadas de 1920 e 1940.
36
Texto do museólogo Luiz Alberto Ribeiro Freire, que trabalhou na assessoria do Projeto de Implantação do
Museu Regional, de 11 de julho de 1992, registrado no 1º Caderno do SMRVC – UESB.
38
Nesta casa viveram pessoas de um tempo no qual a memória permanecia viva, nas
conversas em torno do fogão, no forno do quintal, na busca de água para o abastecimento
doméstico na cisterna, nas comemorações em torno da mesa, nas conversas na porta da rua,
constituídas das relações sociais e dinâmicas da cidade que pulsava através de suas memórias.
Memórias que na trajetória do Museu Regional de Vitória da Conquista foram
organizadas a partir do projeto elaborado pela sensibilidade do olhar de Elzir Vilas Boas sobre
a cidade e da persistência do pesquisador Ruy Medeiros, estudioso da história da região, que
entre outros objetivos, enfatizavam a “necessidade de preservação da memória sócio-cultural
e da valorização da arte respaldada na finalidade de oferecer subsídios para pesquisas de
estudiosos dos vários aspectos da cultura regional.”37
Figura 2 - Interiores do Museu Regional - Casa Henriqueta Prates (acervo MRVC)
D. Henriqueta Prates dos Santos Silva, representante de uma das famílias fundadoras
da Cidade de Vitória da Conquista, nasceu em 30 de abril de 1863. Casou-se, aos vinte anos
de idade, no ano de 1883. Ficou viúva aos trinta e cinco anos. A partir de então, a Matriarca
dedicou-se integralmente à família de sete filhos e desempenhou uma liderança na
comunidade de Vitória da Conquista, a partir das dependências dessa casa, que dentre as casas
37
Depoimento da Professora Elzir Vilas Boas para o Jornal Impacto, Vitória da Conquista, 29/09 a 06/10/1991.
39
que perfilavam uma das laterais da Rua Grande, era considerada ‘simples’, uma casa de
meágua, que teimou em resistir à renovação do ecletismo.
Para esboçarmos o perfil de D. Henriqueta Prates, convém apontar algumas marcas
mais relevantes de sua biografia: em sua casa ela abrigou enfermos em tempos da epidemia de
varíola, ajudou famintos em tempos de seca, recebeu em torno da sua mesa políticos em busca
de conselhos; enquanto católica fervorosa guardou as imagens dos principais santos do altar
da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Vitória, no período entre a demolição do edifício e a
Construção da atual Catedral38. A trajetória de D. Henriqueta está intrinsecamente relacionada
com a história da cidade, contemplada na produção historiográfica e literária, a exemplo de
dissertação de mestrado, e de livro publicado.39
O interesse em destacar a trajetória da vida de D. Henriqueta Prates relacionada à casa
em que viveu, aponta para a necessidade de compreender a importância da cultura material
nesse estudo que tem como pressuposto as relações que se entrecruzam nos espaços
construídos dentro da casa, praticados por seus moradores e agregados e a interação com a
rua, cujas vivências se multiplicam em temporalidades carregadas de significados.
A aquisição e a modificação da casa Henriqueta Prates para comunicar ao público
visitante e as suas similitudes e contribuições históricas para a cidade foi efetivada durante a
direção de Heleusa Câmara entre os anos de 1995 e 1997. Ela se reporta a esse momento
demonstrado compreender a importância de adquirir uma casa como um meio para a
manutenção de um patrimônio que estava se perdendo, nessa circunscrição da cidade,
O que é importa é a casa. Luiz Freire deixou a brecha, se não fosse a brecha de Luiz
Freire agente não poderia trabalhar a casa. A brecha é que poderia uma das linhas de
trabalho ser a preservação da casa, a casa como um museu. (...) Ali no corredor
fizemos um recorte na parede para mostrar que era feito de pau-a-pique40. O
pessoal era muito acadêmico, pensava-se em muitas pesquisas, na região, e não
tinham pensado em trabalhar a casa para ser uma mostra de residência aqui em pleno
coração da cidade, então o pessoal achou ali muito pequeno e não quis investir,
quando eu cheguei, logo, eu fiquei doida, eu fui ver todos os cantinhos, todos os
buracos. 41
38
CASSIMIRO, Ana Palmira B. A Casa Henriqueta Prates. Museu Regional de Vitória da Conquista. In:
Memória conquistense, n.3. História e Cotidiano no Planalto da Conquista. Vitória da Conquista: Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, 1998.
39
A exemplo: IGURROLA, Ana Claúdia R.T.. Henriqueta Prates dos Santos Silva: mito, memória e
cotidiano. Dissertação de Mestrado em Memória e documentação social, UNIRIO, Rio de Janeiro, 2001. e
publicação do livro: ORRICO, Israel Araújo de. Mulheres que fizeram história em Conquista, Vitória da
Conquista, Brasil Artes Gráficas, 1992.
40
Construção típica do Sertão e da Caatinga brasileira onde o barro é colocado entre feixes de madeiras, varas ou
taquaras (o mesmo que sopapo ou taipa).
41
Entrevista com Heleusa Câmara, de 21 de maio de 2010.
40
Entendemos que a importância da salvaguarda da casa, enquanto patrimônio histórico
e arquitetônico deva promover um lugar de significados. A casa por si só, não vivifica a
memória, não resignifica a cultura, não contribui para a produção historiográfica. As
perspectivas do Museu são extremamente positivas e promissoras quando amplia suas
possibilidades como entidade que, por meio do apoio informativo e de pesquisas, possam vir a
contribuir para o desenvolvimento do conhecimento no diversos campos de atuação a que se
propunham.
Por outro lado, a decisão da universidade em viabilizar a compra da casa significou o
salvo conduto para a preservação do seu edifício, que se localiza no centro nervoso de Vitória
da Conquista, local de intensa especulação imobiliária, como também significou no processo
de consolidação do Projeto de Museu na casa Henriqueta Prates, que finalmente encontrou a
sua sede permanente, longe de ações de despejo ou similares. O texto do ofício 173/99,
assinado pelo então, Reitor, Waldenor Alves Pereira Filho ao Secretário de Educação, Sr.
Eraldo Tinoco Melo, nos conduz a essa memória,
Com o objetivo de preservar a memória social e cultural da região do sudoeste
baiano, a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia criou, desde 1992, o Museu
Regional de Vitória da Conquista. Através de contrato de locação, a UESB tem
utilizado a Casa Henriqueta Prates, por tratar-se de uma construção antiga que
demonstra ao público visitante aspectos arquitetônicos e culturais das famílias
tradicionais da região.
Reconhecendo a importância de solidificar o Projeto do Museu Regional, a UESB
foi autorizada pelo Excelentíssimo Governador do Estado da Bahia, a adquirir o
imóvel acima mencionado. [...]
Nessa decisão estava embutida intrinsecamente a tendência da Instituição promotora
em se apropriar dos projetos, para daí lançar outras possibilidades que não fossem as
elaboradas pelos criadores do Projeto Inicial. Esse percurso, entre a criação do Museu e a
compra da casa, provocou questionamentos, quanto à intenção e importância desse ato para o
processo de qualificação e vivificação do museu para a cidade. Foi uma aquisição negociada
com a participação da sociedade? Professores, alunos, tanto da comunidade acadêmica,
quanto os professores das outras redes de ensino, profissionais das áreas afins e outras pessoas
da comunidade foram consultadas? Qual, então, a importância desse ato para a comunidade de
Vitória da Conquista?
41
O projeto de criação de um Museu Regional para a cidade de Vitória da Conquista
encontrou respaldo junto a algumas pessoas da comunidade universitária42, que imbuídas
desse anseio de criar um espaço de cultura e arte para a cidade aproximaram-se da proposta de
criação deste Museu Regional. A Professora Elzir Vilas Boas reflete sobre essa condição,
Quando nos convidaram na gestão de Pedro Gusmão, como Reitor, para assumir
uma Sub Gerência de Assuntos Sócio Culturais na UESB, eu disse: só fico se vocês
me derem condições de criarmos o Museu Regional, que a gente comece a realmente
a ter um espaço pra botar essa memória daqui, o plano inicial era até maior do que
Conquista, ia um pouco além, na região (...) Foram assim, dois anos muito intensos,
depois como a Universidade não dava sustentação, quer dizer, tava na cabeça de
alguns, na cabeça de uns, mas, bem pouco na cabeça da instituição. Algumas
pessoas foram pescadas assim, e trouxe de lá pra cá para ajudar agente em alguns
momentos, mas, não tinha um empenho, acho que a instituição não se sentiu mãe de
um projeto de salvaguardar a cultura e arte na comunidade.43
Este período de pensar o Museu Regional de Vitória da Conquista e de buscar a
concretização desse projeto foi uma etapa de enfrentamentos de problemas decorrentes dos
trâmites burocráticos, e da vontade política dos dirigentes da Universidade em promover a sua
efetiva realização. Heleusa Câmara evidencia, ainda, o percurso que levou a concretização do
funcionamento do Museu Regional na casa Henriqueta Prates, ressaltando mais uma vez a
importância do papel da matriarca para a história da cidade de Vitória da Conquista.
Além de preservar a estrutura original das primeiras casas do núcleo urbano, a casa
Henriqueta Prates em grande significado por conta da importância social que essa
matriarca teve em Vitória da Conquista. A casa, construída em taipa e adobão
(característica das construções do século XIX), está localizada no sítio original de
ocupação urbana da Cidade de Vitória da Conquista, no final do século XVIII, na
antiga Rua Grande (hoje, Praça Tancredo Neves, n. 114)
Neste sentido, destacaria uma afirmação de Michel de Certeau, quando diz que os
relatos são carregados de práticas e a descrição desses relatos é um ato culturalmente criador,
que tem uma função, inicialmente de autorização ou, mais exatamente, de fundação,
42
O projeto do Museu teve a participação de alguns professores dos Departamentos de Filosofia e Ciências
Humanas, de História e do departamento de letras, como também recebeu a contribuição de funcionários ligados
à Gerência de Extensão e Assuntos Comunitários da UESB.
43
Entrevista com a Professora Elzir Vilas Boas em 18 de maio de 2010.
42
As “operações de demarcação”, contratos narrativos e compilações de relatos, são
compostos com fragmentos tirados de histórias anteriores e “bricolados” num todo
único. Neste sentido, esclarecem a formação dos mitos, como têm também a função
de fundar e articular espaços. Constituem, conservada nos fundos dos cartórios, uma
imensa literatura de viagens, isto é, de ações organizadoras de áreas sociais e
culturais mais ou menos extensas. Mas essa literatura representa apenas uma parte
ínfima (aquela que se escreve em pontos litigiosos) da narração oral que não cessa,
trabalho interminável, de compor espaços, verificar, confrontar e deslocar
fronteiras.44
A composição do Museu Regional – Casa Henriqueta Prates, construído para abrigar a
memória da cidade de Vitória da Conquista, é um lugar de memória organizado por sujeitos
detentores
de
um
conhecimento
acadêmico,
que
vem
apresentar
propostas
de
encaminhamentos, às vistas das suas trajetórias pessoais.
Em um contexto caracterizado por relações conflitantes entre a necessidade de se
estabelecer uma política de preservação para o Museu e o seu vínculo junto a uma instituição
acadêmica com os seus meandros burocráticos e práticas efetivas, marcaram e configuraram
tensões; desde sua criação, mesmo no âmbito interno, as relações profissionais no trabalho
estavam contaminadas pelas alternâncias das políticas culturais pensadas pelas várias
diretorias que assumiram os trabalhos do Museu. Durante esses anos, de 1992 até o início de
2010, escreveram essa história com a marca indelével das suas aspirações, concepções e ações
do que seria o Museu para a Cidade, a exemplo do relato do Professor Humberto Fonseca:
[...] A gente não falava só de história, da formação do historiador, mas também se
tratava da literatura conquistense, das artes plásticas, exposições de fotografias,
inclusive exposições comparativas, as fotografias da cidade antiga, as fotografias da
cidade moderna, exatamente a partir dessas comparações das fotografias antigas, da
vida provinciana de vitória da Conquista antigamente e a vida moderna de
Conquista, com seu frenesi natural dos tempos modernos, uma cidade que já poderia
ser considerada uma cidade grande e aí a perspectiva de fazer esse trabalho foi
discutir formas de desenvolvimento urbano de Vitória da Conquista, que
aproveitasse esse crescimento acelerado, mas que esse desenvolvimento não
trouxesse só esses aspectos ruins das cidades grandes, que trouxesse também os
equipamentos urbanos responsáveis que melhoria da qualidade de vida dos
cidadãos.45
Ele chama a atenção para a cidade que está inserida nas intertextualidades produzidas
pelo Museu. A cidade aparece em seu ‘frenesi natural’ dos tempos modernos, sendo
relativizada por esse lugar de memória, quanto à percepção da aceleração do tempo e a
44
45
CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano. Artes de fazer. 8 ed., Petrópolis: Editora Vozes, 2002.
Entrevista com o Professor Humberto Fonseca, em 17 de maio de 2010, por Ednair Carvalho Rocha.
43
necessidade de fixar as memórias. Estas memórias revivificadas deveriam atuar numa política
de engendramento de planos para, segundo ele, promover a melhoria da qualidade de vida dos
cidadãos.
Esta perspectiva apresentada na entrevista do professor Humberto Fonseca aponta a
atuação desses vários atores que desenharam a configuração do Museu e construíram seu
espaço carregado de práticas, tanto pessoais, quanto institucionais, e deixaram suas
peculiaridades que vão dar o tom a esse lugar, do que seja o lugar praticado por tramas e
enredos e, que estará agora na sua existência, constantemente aberto a avaliações e
interpretações dando voz e visibilidade aos sujeitos sociais que habitam neste lugar e a
organização desse acervo não apresenta neutralidade.
Rui Medeiros faz uma ressalva quanto à importância do olhar sobre a concepção de
Museu e suas fundamentações frente às questões da produção do conhecimento através da
organização do seu acervo:
A gente não pode ter essa concepção do museu apenas como guardião do passado.
Ele tem que produzir muito, ele tem que ser produtor do conhecimento, ele tem que
envergar pessoas, ele tem pesquisa. Eu lembro que Elzir chegou a ir até batalha
aquela região ali no Riacho dos Gameleiros, fotografar e adquirir panelas e
fotografar o pessoal fazendo panelas. E a tendência dela era realmente isso, essa
visão mais popular, isso burocratizou, ficou como uma coisa. Mas, foi importante,
muito importante Marisa46 promover o curso de artes, criar a Biblioteca, reordenar a
apresentação das exposições permanentes, foi muito correto Marisa ter ido a
comunidade solicitar a doação das fotografais, conseguiu que outras pessoas
levassem fotos pra lá, as publicações da coleção Memória Conquistense47, e tantas
outras ações. Então isso foi uma coisa de grande importância, mas, mesmo fazendo
isso a burocratização foi dominando, foi sendo a lógica dominante. E aí precisa
reverter esse processo.48
Acreditamos fundamentalmente na importância de analisarmos as escolhas e o tipo de
tratamento dado ao conjunto documental do acervo: imagens, entrevistas gravadas,
documentos escritos, livros, está ‘guardada’ essas memórias dos diferentes grupos sociais que
46
Marisa Fernandes Correia foi diretora do Museu Regional entre os anos de 1997 a maio de 2010. Formada em
artes plásticas pela Universidade Federal da Bahia, representante da academia de letras de Vitória da Conquista,
e representante de uma das famílias tradicionais da cidade foi convidada pela Universidade para assumir a
direção do Museu Regional.
47
A Coleção Memória Conquistense é uma das ações da Coordenação de Pesquisa do Museu Regional, com o
objetivo de publicar artigos produzidos por pesquisadores locais, com a temática da Região do Planalto da
Conquista. As publicações passam pelos critérios selecionados por uma comissão composta por professores dos
diversos departamentos da UESB, são editadas em volumes anuais, iniciadas no ano de 1995, com o livro
“RÉGIS PACHECO (1895-1987) Esboços biográficos. As publicações apresentam uma relativa freqüência,
sendo que o último volume foi publicado em 2009.
48
Entrevista com Rui Medeiros, em 17 de maio de 2010, por Ednair Carvalho Rocha.
44
procuram constituir lugares, sentidos e visibilidades em suas lembranças e registros sobre a
cidade. Por outro lado, ressaltamos a relação dos pesquisadores locais e a procura pelo
material do acervo do Museu para a elaboração dos seus estudos. Percebemos a existência de
uma prática de utilização dessa documentação tantos dos estudantes e profissionais da
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB, instituição a qual o museu é vinculado,
como também, a procura de outras universidades existentes na cidade, percebido nas
referências bibliográficas das monografias e dissertações pertencentes ao banco de dados da
Biblioteca Heleusa Figueira Câmara, do Museu Regional.
A trajetória do Museu Regional em quase duas décadas de sua existência confirma a
separação do projeto inicial apresentado por Rui e Elzir, que praticamente se reduz à
preservação arquitetônica, e a exposição de um acervo permanente. Ao analisarmos os
eventos e as realizações surpreendemos que a opção seguida pelo órgão é de uma visão muito
específica de caráter acadêmico: os monumentos vinculados a uma cultura hegemônica
produzida pela população que detém o saber instituído. E devido as especificidades da
produção local, percebemos ainda, que diante das nossas indagações o espaço construído no
Museu Regional faz suscitar muitas leituras sobre a produção do fazer histórico, como sugere
Rui Medeiros,
Ele ficou mais acadêmico. A concepção de Museu expansivo, popular, etc., não foi
totalmente aplicado, foi, aplicado em parte e depois passou a ser acadêmico.
Absorvido pela própria burocracia e pelos interesses da reitoria. Apesar disso, fez
muitas coisas. Só o acervo que conseguiu: jornais, fotos, as coisas de cultura
popular, aquele acervo com artistas conquistenses, a publicação de alguns livros,
livretos, aquilo é importante, mas não é só aquilo.49
A história do Museu, a história da fotografia no Museu se desenrola na trajetória da
história da cidade. O Museu Regional entendido como lugar de memória, tem a pretensão de
contar uma história sobre a cidade em suas transformações: Quais sujeitos foram
privilegiados? Quais os seus lugares e que relações estabeleceram nesta cidade? Quais suas
atuações nas modificações desses espaços revelados nas fotografias que estão expostas nas
paredes do museu e organizadas na sua coleção?
Interessa-nos trabalhar a cidade, que resulta das interações sociais, percebidas no
tecido das relações cotidianas. Assim, o elenco dos marcos simbólicos representativos do
processo histórico local deve passar por rigoroso critério de análise, pois, na seleção desses
49
Entrevista com Rui Medeyros em, 12 de maio de 2010, por Ednair Carvalho Rocha.
45
monumentos investigaremos não só as interferências na paisagem, mas, acima de tudo, a
simbologia dessas imagens que servem tanto a opressão, quanto à liberdade.
O Museu com os seus equipamentos, que está inserido na cidade, e a cidade com todas
as suas confluências que pulsa de histórias, devem ser contadas para não serem esquecidas e
estas histórias estão inscritas, na memória, na fotografia, nos sujeitos, no museu e na própria
cidade, que o historiador em seu ofício e com seu instrumental vai interpretar.
1.2 VÁRIAS DIMENSÕES DA MEMÓRIA DE VITÓRIA DA CONQUISTA NO
MUSEU REGIONAL
Todas as coisas
Precisam de um certo
e determinado cuidado,
de um lugar especial,
mesmo quando elas se perdem
em algum lugar,
é neste instante talvez
que elas estejam
demasiadamente perto,
pois precisamos mesmo
fazer jus
as gavetas,
às garrafas,
às caixas e outros objetos
se não, pra que isso,
pra que a história,
a memória
e o verbo?50
Maxim Malhado
Com o propósito sugerido pelo poema com o qual, apresentamos o relato da
Professora Janilde Mota, moradora da cidade, que convidada a participar de uma mesa
redonda, do Projeto Sábado no Museu51, em 2001, trouxe à tona memórias de um tempo,
‘saturado de agoras’, presentes em sua preocupação com a memória da cidade; tanto
50
Poema de Maxim Malhado, poeta natural da cidade de Catú – Bahia. In: MALHADO, Maxim. Apenas uma
lata. Salvador: edições, 2009. p. 55.
51
O projeto foi implantado no ano de 2001. De acordo com o texto do release de divulgação: O Museu Regional
da UESB, implantou o projeto “Sábado no Museu”, objetivando aproximar a comunidade ao MRVC através da
abordagem de temas relacionados à história/memória regional, proporcionando conhecimento e entretenimento.
No dia 14/04/01, às 15:00 h, estaremos “Relembrando os Carnavais Antigos”. Para isso, realizaremos uma mesa
redonda, quando os participantes contarão como era o carnaval em Conquista e a apresentação musical com
Edmundo Seca Gás e a banda de sopro “sonho de verão”, tocando marchinhas carnavalescas. Ao final, teremos
ainda, o testamento e a queima de Judas, no intuito de reviver uma antiga tradição.
46
relacionada ao desaparecimento nas estruturas do patrimônio cultural, mudanças no processo
de visibilidade de determinados espaços urbanos que está promovendo, em sua opinião, o fim
da memória histórica, quanto a sua premente declaração, alertando que, “Conquista é por
excelência uma cidade que está sem memória”, como podemos perceber em seu depoimento,
Olhe, da primeira vez que eu vim aqui, e eu já tenho vindo muito aqui nesses
sábados! Eu tenho sempre agradecido ao Museu, essa busca de resgatar essa
memória. Por quê?
Porque, eu sou filha de Conquista, eu sou apaixonada por Conquista, mas eu sinto
que o povo de conquista, nesse aspecto, é de uma frieza incrível.
– Gente! As coisas aqui acabam, mudam, e mudam sem ninguém tomar
conhecimento.
Olha até hoje eu sinto uma tristeza enorme... Não que eu ache feio. Acho
maravilhoso esse jardim! Esse jardim é lindíssimo, mas, porque esse jardim não ter
sido feito em outro local e o antigo jardim que era muito bonito, o jardim da minha
infância, que era muito bonito ser restaurado?
Em Conquista não se faz consulta popular. Muda. Simplesmente acaba. A Biblioteca
infantil, que tinha na Praça. [...] Agora tira a Biblioteca e coloca lá embaixo [...] e,
porque não conservar o que a gente tem de memória?
- Então, eu acho que o Museu está assim de parabéns mais uma vez por essa
iniciativa, de trazer pessoas... Então, são coisas assim que eu falo de mim, são coisas
inclusive que eu tenho o cuidado de ir passando para os meus filhos, por que a gente
não vê nem nos livros! Você pega aqueles catálogos telefônicos antigos, hoje eles
nem existem mais, tinham a história de Conquista! A fundação! Hoje não tem mais.
As famílias antigas! Hoje não tem mais... Então você fica assim sem memória.
Conquista é por excelência uma cidade que está sem memória... Está perdendo... e
parece que o povo gosta que perca mesmo a memória.
Através desse relato, podemos inferir um sentimento de retorno ao passado, de uma
infância particularizada, no seu jardim, entre as suas memórias. Portanto, um recorte seletivo
daquelas pessoas de sua convivência, de um lugar de pertencimento de um grupo social
herdeiro dessa tradição. Observamos no seu discurso, duas premissas evocativas e
provocadoras: ‘Por que eu sou filha de Conquista’ e, ‘mas, porque esse jardim não ter sido
feito em outro local e o antigo jardim que era muito bonito, o jardim da minha infância, que
era muito bonito ser restaurado?’, essa crítica contundente, reflete uma disputa desta memória
com o poder público que, apagando as suas referências, afronta esses sujeitos no seu lugar de
pertencimento.
Do lugar de onde fala D. Janilde, professora graduada em sociologia, surpreendemos
diversas pistas, que nos leva a percorrer, através do seu discurso, a relação do Museu para
com a cidade de Vitória da Conquista. Ela trás em si um pensamento recorrente das paisagens
idílicas que foram destruídas. Mas, não só isso, ela fala da biblioteca infantil, do jardim da
47
infância, dos catálogos telefônicos, então, ela fala do lugar do conhecimento, do saber de uma
memória histórica e nos acena com a presença do Museu Regional, como esse lugar, que vai
trazer de volta através do acesso a essa memória, as lembranças desse passado.
Esse relato sobrepuja uma memória vinculada a um segmento social dominante
estimulado pelo lugar competente em elaborar a construção de uma memória social. Deste
lugar de memória projeta-se a construção de uma memória social instituída pelo Museu
Regional articulada na elaboração dos seus projetos que forjam um recorte de memória ao
pretender divulgar e estabelecer os monumentos privilegiados para a composição da imagem
da cidade.
Nesta perspectiva, procuraremos refletir neste capítulo sobre o Museu Regional de
Vitória da Conquista, enquanto lugar de memória, numa abordagem sobre o tratamento de
seleção das fontes que deveriam aproximar e catalisar as dimensões da memória indicando os
mecanismos de enquadramento das memórias dos moradores da cidade, quanto as suas
experiências e as formas de resistência vividas cotidianamente, analisando as estratégias de
manipulação da memória coletiva salvaguardando os ditos e silêncios que pontuam o tecido
da história.
O Museu Regional, situado em frente ao Jardim relembrado no relato D. Janilde, é
uma casa centenária onde viveu D. Henriqueta Prates, está localizado próximo a Catedral
Nossa Senhora da Vitória e circunscrito ao espaço da antiga Rua Grande, identificada por um
conjunto de bens patrimoniais52, carregados de significados e de atribuições de valor,
identificados tanto nas lembranças de alguns moradores do lugar, quanto nas referências dos
gestores públicos, a exemplo do texto da Professora Heleusa Câmara, diretora do Museu no
período correspondente de 1995 a 1997,
52
A Rua Grande, espaço do núcleo de ocupação da cidade é atualmente circunscrito pelas edificações da
Catedral Nossa Senhora da Vitória, Memorial – Casa Régis Pacheco, Casario do final do século XIX e inicio do
século XX que abriga Projetos sociais vinculados à Prefeitura Municipal, Casa de D. Zaza e Prédio da Rádio
Clube.
48
Na Praça da Matriz da Vila Imperial de Nossa Senhora da Vitória foi construído o
casarão onde Henriqueta Prates morou por muitos e muitos anos, até que a vila se
tornasse cidade. Suas paredes de adobão, muito altas, abrigaram o amor e apararam
homens e mulheres que, por quatro gerações, contribuíram para o desenvolvimento
desta terra. Seus ladrilhos de barro sentiram a leveza constante dos passos
cuidadosos de Henriqueta provendo de azeite as candeias, indo de canto a canto a
tecer, com suas mãos construtoras, lavores para os seus e para os que em sua porta
batiam. Seus telhados cobriam costumes, mas deixavam que os raios de sol
descessem iluminando o id de cada um, nos sonhos que se construíam no dia-a-dia.
Casa grande, de tantos quartos e salas, de janelas ora azuis, ora vermelhas, ora
verdes, agora vermelhas novamente, teve preservada a sua forma graças a força de
Henriqueta, mulher viga-mestra a sustentar os princípios do amor e da fraternidade.
[...] Em setembro de 1991, esta casa que sempre esteve viva abriu suas portas para o
Serviço de Museu Regional da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia,
visando o desenvolvimento de ações para a implantação do Museu Regional de
Vitória da Conquista.53
53
A Professora Heleuza Câmara, foi diretora do Museu entre os anos de 1995 e 1997. Elaborou esse texto
quando a casa Henriqueta Prates ainda habitava a Galeria de Arte Vila Imperial e no ano de 1992 esse texto foi
reescrito para o folder de divulgação da inauguração do Museu.
49
Mapa da Rua Grande com a Igreja Matriz.
50
Acompanhando o texto percebemos o interesse da gestora por manter preservado este
edifício. Através de um corpo de imagens sobre a casa nas ‘suas paredes de adobão muito
altas’ e a ‘mulher viga-mestra a sustentar princípios’ ela faz suscitar uma carga simbólica de
termos a referendar um projeto do lugar que deve construir uma memória, dando visibilidade
a esses sujeitos, que na esteira das tradições e costumes referentes às famílias, viriam a dar
sentido na construção das visibilidades, nos registros e lembranças sobre a cidade.
A poética traz uma casa que ‘sempre esteve viva’ pela força da Matriarca Henriqueta e
agora abre suas portas para o Museu Regional, que terá a missão de continuar a manter viva
essa memória atávica, atrelada a suportes de outras memórias que supostamente emergirão
dos mesmos pressupostos determinados pela hereditariedade das famílias tradicionais que
ganharam na história oficial da cidade as atribuições de fundadores e precursores dos planos e
projetos de sustentação dos costumes e valores da sociedade conquistense.
Neste aspecto, refletindo sobre os depoimentos e destacando algumas palavras que se
repetem demarcando os sentidos atribuídos por D. Janilde e Heleusa, quanto a relevância da
memória para o fortalecimento dos saberes sobre: as mudanças, o tempo que passou, as
interferências implantadas nos espaços públicos sem consultar os indivíduos e grupos que os
construíram no cotidiano, e, principalmente, pela consciência de perceber as memórias
enquanto campos de força,54 fundamentais para serem tomados como objeto de análise da
história, nos perguntamos: Qual a cidade desejada por esses depoentes? De que sujeitos
sociais e grupos elas estão falando?
A partir desse viés, de entender a construção da memória enquanto campos de força,
torna-se evidente que, ao tentar condicionar a memória da casa à memória da mulher que a
habitou, procura-se restituir nesta mulher uma carga simbólica de representação da força dos
que fizeram ‘o desenvolvimento desta terra’, dando-lhe o vigor das reminiscências das
lembranças e transformando-a em patrimônio imaterial para esta cidade. Este elemento é
contemplado pela necessidade de trazer as lembranças para reconfigurar um passado,
tornando mais um mecanismo de sustentação deste projeto de manutenção do suporte de uma
hierarquia social.
54
Esse conceito serve a nossa reflexão, no sentido de ajudar a desconstruir a idéia de uma memória hegemônica,
numa crítica contundente a uma visão determinista, que visualiza a idéia dos dois extremos, onde a cultura
dominante é o preceptor (emissor) e a cultura do povo, o receptor passivo. Williams, não vê uma linha divisória
que inclui ou exclui uma cultura ante a outra, nem sobrepõe a idéia marxista de superestrutura e infra-estrutura
em relação à cultura, pois ele percebe que no encontro de culturas existem campos de força, onde as culturas se
interagem, se absorvem, se transformam e se conformam ao meio, sendo esse conceito considerado sobre um
processo positivo e natural que ele chama de mediação.
WILLIAMS, Raymond. Conceitos básicos. In: Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 1979, p.
111.
51
Os relatos nos surpreendem pela riqueza de detalhes e por amplas possibilidades de
suscitar questões importantes para enfrentar aspectos relacionados tanto ao registro de
memórias de diferentes segmentos sociais sobre a cidade quando para tratá-las em seus
contextos, lendo-as em busca de significados que esses sujeitos e grupos sociais buscam
construir como partícipes dos lugares da história da Cidade de Vitória da Conquista.
Os discursos apontam que a circunscrição desse espaço da cidade – A Rua Grande,
guardou na memória desses depoentes as relações com a sua própria história. No jardim,
aquele banco que era reservado para a família e os amigos, era o lugar de pertencimento. Os
seus olhares poderiam se cruzar com a diversidade, mas para esses moradores, a definição
desse quadro foi decodificado nas cores, nas janelas que iluminaram os passos para fora das
casas, nas portas da rua que se abriam para o trânsito das famílias proprietárias, que
dependiam dos serviços de ganho, dos agregados e trabalhadores, que também trafegaram por
esse espaço e no entanto, não comungaram, nem participaram dessa mesma devoção de
tombamento das suas casas, e de seus saberes, nos quais para os detentores das decisões de
tombamento, aí não morou nenhuma tradição.
Do lugar de onde partem esses relatos podemos nos indagar sobre as possíveis leituras
inferidas pelo Museu Regional no trato com a relação que estabelece com a cidade. A cidade
como um espaço construído socialmente, e é sobre esse aspecto que envolve as nossas
indagações: a cidade em sua materialidade, em seu cotidiano, com os seus transeuntes, seus
serviços, suas sociabilidades. Então, a Praça onde as pessoas habitam e trafegam é marcada
por esses movimentos, é o uso que as pessoas fazem dessa rua, mesmo que seja no sentido de
dormir, de namorar, de trabalhar, ou de buscar ver pessoas, enfim essa sedução que inspira no
espaço público, o desejo de ver e conseqüentemente ser visto.
A preocupação da perda dessa memória de um determinado grupo, e do lugar de onde
se fala está o registro de políticas empreendidas para atender a demandas veiculadas por esse
lugar, ou seja, existia uma política no Museu Regional que promovia um diálogo com a
sociedade e é neste lugar de memória que se encontra o registro desses relatos, cuja relevância
é permeada pela dimensão social de suas práticas. O Museu, em suas características deveria
estar aberto ao movimento da sociedade como um todo, no caso, estimulando e fomentando
mecanismos que façam prosperar a consciência de historicidade do presente e, por isso
mesmo, a necessidade de se preservar e recuperar os múltiplos acervos.
52
Nessa perspectiva, são valiosas as reflexões de Ulpiano Bezerra,
55
sobre a crise da
memória e o problema da documentação histórica, quando sugere que,
[...] a fim de evitar dúvidas, conviria deixar claro o entendimento básico de que a
memória deve ser o objeto da História e não o seu objetivo – ainda que, por vezes, a
militância do historiador possa gerar superposições e paralelismos, sobretudo depois
que a História-problema abriu espaço para a História-narrativa, reabilitada e
rejuvenescida.
Tomando a problemática da reconstituição da memória, como um processo
eminentemente político, no sentido do que preservar, nos perguntamos: efetivamente que
sujeitos e grupos são estes que estão sendo lembrados? E, por conseguinte, quais são os
esquecidos neste panorama de especificidades e multiplicidades que compõe os significados e
as materialidades da cidade? Quais as representações guardadas no Museu em seus códigos,
tipos de documentos e política de distribuição do conhecimento coletado? O que significa
então, o Museu Regional para a cidade de Vitória da Conquista?
Para responder a essas questões investigamos os documentos do acervo do Museu
Regional e suas interfaces na trajetória das vivências e experiências da cidade, procurando
estabelecer um diálogo através dos relatos dos partícipes da história do Museu Regional, a
exemplo dos depoimentos dos elaboradores do Projeto inicial do Museu, como também dos
seus diretores e coordenadores, que em suas palavras constroem uma leitura do Museu
constituinte de um espaço onde as suas vozes e outras vozes encontram ecos na reconstituição
dos sons das memórias desta cidade.
À medida que investigamos a memória produzida no Museu Regional – Casa
Henriqueta Prates de Vitória da Conquista percebemos, para além da coleção fotográfica, um
corpo documental que relevamos como objeto para a possibilidade de uma construção
histórica. Neste aspecto, o Museu Regional mantém em seus setores e através de Projetos de
extensão vinculados à Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, uma
documentação produzida na Biblioteca Heleuza Câmara que consta de livros antigos, coleção
de jornais, hemeroteca, transcrições de entrevistas orais, banco de monografias e dissertações
produzidas nas instituições de ensino da cidade; na mapoteca encontra-se poucos documentos
escritos; O corpo documental conta ainda com os documentos da fundação do Museu: Projeto
55
SILVA, Zélia Lopes da. (Org). Arquivos, patrimônio e memória: trajetórias e perspectivas, São Paulo, Ed.
UNESP, 1999. IN: MENESES, Ulpiano T. Bezzera de. A crise da memória, história e documento: reflexões
para um tempo de transformações. P. 11-29.
53
de Implantação, atas de reuniões e livros de assinatura; através da coordenação de pesquisa do
museu existe a edição da coleção Memória Conquistense com nove volumes, o último de
2009.
Intrínseca às diversas formas de narrativa histórica está a condição histórica de cada
museu.56 Podemos afirmar, através das leituras embasadas sobre a construção de memórias
dos espaços do museu, que de um modo geral, tanto os museus regionais, como os grandes
museus nacionais, constituem lugares de memória, são por sua vez instituições dotadas de
poder.
Os Museus, a exemplo, de instituições que tem por missão preservar o patrimônio
cultural, competem-se de estratégias como justificativa para sua viabilização que, passando
pelo efetivo processo dos usos pelos agentes institucionais responsáveis, inscrevem uma regra
do que se deve preservar, estabelecendo uma relação de poder, entre vozes e silêncios;
lembranças e esquecimentos, aspectos que devem ser compreendidos, não apenas como uma
enunciação textual, mas na percepção fundamental de buscar o olhar sobre o lugar de onde
fala, de quem fala e da problemática que faz falar, na mensurada observação de Mário de
Souza Chagas, quando afirma que, Museus são há um só tempo herdeiros de memória e
poder.57
Para avaliar essa relação entre memória e poder no âmbito do Museu Regional,
destacamos na entrevista com Rui Medeiros, um alerta para fazermos uma leitura acurada
sobre as estratégias das quais se competem às instituições nas suas propostas de criação de
espaços que vão lidar com as políticas culturais,
Então o Museu expressa essa questão de classe, mesmo quando não quer expressar,
ele expressa. Depende da forma de prioridade que ele dá. Ora se tem prioridade de
memória de família, e quando você chega à memória de família, aquela que puderam
preservar são as famílias ricas, as famílias tradicionais, porque o pobre não tem
condições de guardar, nem de fazer o registro, isso vai se perdendo. Então se você
bota uma dimensão: O Museu da casa, como tem lá em São Luis, aí você vai lá e
tudo bem!! E aí você pergunta: que casa é aquela? É a casa da aristocracia, da
aristocracia nordestina.58
56
ABREU, Regina e CHAGAS, Mário de Souza. (orgs), SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. Museu Imperial: a
Construção do Império pela República. In: Memória e Patrimônio. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.p.111
57
CHAGAS, Mário de Souza. Memória e poder: focalizando as instituições museais. Interseções – Revista de
Estudos Interdisciplinares. UERJ. RJ. ano 3, n.2, Jul./dez. 2001, p. 5-23.
58
Entrevista com Rui Medeyros, em 12 de maio de 2010.
54
Percebemos através deste relato, que existe no projeto de Museu uma faceta de poder
imbuída nas práticas museológicas. Compreender o processo de atribuição de valores
simbólicos sobre a aquisição da casa, a escolha dos acervos e sua visualização, constituído
pelos discursos que conferem as ações no interior do processo educativo que rege o Museu,
revela-o para o presente.
Desta forma, acrescentamos à fala de Rui Medeiros, uma observação sobre a
constituição do Museu Regional de Vitória da Conquista – Casa Henriqueta Prates, como
revela o nome, representa uma das casas das famílias tradicionais da cidade, bem como, traz
no seu interior, retratos de personalidades da cidade e objetos dos mais variados que não
definem muito bem a temática de suas salas de exposição.
No caso desse estudo, deveremos estar atentos para uma percepção do não dito, por
entender que no tratamento dado a memória, enquanto o recurso de se fazer falar e existir,
ouviremos as vozes dos dominadores, daqueles que detém o poder. No entanto, o que
procuramos nessa história está entre os vestígios e ‘restos’ guardados nesse campo de força,
cujo embate reflete as relações de poder e os sujeitos sociais que trafegam e configuram
nesses espaços com a marca das relações cotidianas de suas práticas e lutas.
Entendemos que a importância da salvaguarda de um acervo múltiplo que no lugar do
Museu veste essa condição de instituição-memória relevante do ponto de vista sócio-cultural,
podendo vir a ser um valioso instrumento de aglutinação de diversos segmentos da
comunidade, estimulando a convivência, o debate e a reflexão em torno de atividades voltadas
para a preservação da memória regional e da produção historiográfica. Nessa direção,
Guarinello, recomenda que,
Não se pode rememorar o que desapareceu por completo, sem deixar traços de si,
mas apenas aquilo que sobrevive, concretamente, no presente. Nosso passado tem
uma existência material, concreta, inscrita nas estruturas do presente. É apenas
através desse passado-presente que podemos refletir sobre a história59
Portanto, diante da afirmação trazida pelo depoimento de Medeiros, e os planos de
projeto de uma política cultural para o museu confere um recorte, que para a cidade de Vitória
da Conquista deixa lacunas expostas na ‘existência material concreta’, dada a convergir nesse
modelo os segmentos sociais que participam de uma hierarquia e esse projeto acaba por
59
GUARINELLO, Norberto Luiz. Memória coletiva e memória e memória científica. In: Revista Brasileira de
História. ANPUH, nº 28, São Paulo. Marco Zero, 1995.
55
deixar à deriva, uma camada da população que, despossuídos de posições hierárquicas não
habitam a memória do museu. ‘Os pobres’, que são trazidos no relato, deixa ver a lacuna,
transparecendo os vestígios da invisibilidade, produzidos pela memória social. E essa
existência silenciada e esquecida é reveladora, e instigante para a produção da história na
compreensão dos mecanismos de manipulação da memória.
Por outro lado, vamos ver a existência da atuação desses sujeitos, que apesar de
desapossados dos serviços destes espaços, não deixam de aparecer e reconhecer os valores
dominantes e a impor a sua cultura e, portanto não respondendo, à sua maneira, a essa
exclusão. Ainda segundo Guarinello, a memória coletiva é deste modo, um meio fundamental
da vida social, uma das dimensões da ação coletiva e um veículo de poder, ele afirma que, o
ato da memória é um ato de poder e o campo da memória, o espaço onde atuam seus lugares,
é um campo de conflitos.60
Entre a criação do Museu e os relatos apresentados contam-se aproximadamente duas
décadas historicamente fundadas nas experiências marcadas, tanto pela preocupação em
retomar e defender as tradições, quanto pela constituição de um lugar de memória – quer seja
comprometido com o trato da problemática da memória em suas várias dimensões.
60
Guarinello, op. cit., 1995, p.19
56
CAPÍTULO II – ‘A FALA DOS PASSOS PERDIDOS’: MEMÓRIAS
FOTOGRÁFICAS, ORAIS E ESCRITAS SOBRE A RUA GRANDE
Essa história começa aos rés do chão, com passos. São eles o
número, mas um número que não constitui uma série. Não se
pode contá-lo, porque cada uma de suas unidades é algo
qualitativo: um estilo de apreensão táctil de apropriação
cinésica. Sua agitação é um inumerável de singularidades. Os
jogos dos passos moldam os espaços. Tecem os lugares.
Michel de Certeau
“CONQUISTA ERA ASSIM...,”
Esse título foi dado a um dos projetos do Museu Regional, cuja ação consistia em
entrevistar pessoas que residiam na cidade e que faziam parte de um tempo em que suas
memórias podiam contar a história de um passado. Através dessas lembranças, vieram à tona
diversos aspectos do conhecimento sobre a vida na cidade, e essas memórias registradas em
cassetes organizaram uma parte do acervo referente a essas memórias.
Essa fonte será de fundamental importância para o nosso trabalho que busca nos
relatos dos moradores substratos para repensar o espaço da cidade de Conquista entre os
períodos de 1920 a 1940. O registro desses depoimentos realizados em sua maioria em 1993
resguarda um suporte material da memória. Ao considerarmos a ação inexorável do tempo
que interfere no refazer dessas memórias ou infelizmente, na perda total dessas memórias que
foram contadas por pessoas que atuaram sobre esse espaço e temporalidades, salvaguardando
assim, uma importante fonte para a escrita da história.
As memórias sugerem que caminhar pela Rua Grande na cidade de Conquista
suscitavam memórias que significavam, nas décadas de 1920 a 1940, participar de múltiplas
trajetórias de sociabiliades. Por esta Rua Grande se movimentavam as gentes da cidade:
Senhores fatiotados, Senhorinhas trajadas em seus ‘vestidos engomados’, mendigos, feirantes,
beatas, as lavadeiras, aguadeiras e caroteiros, crianças pobres e abastadas, por entre essa gente
circulavam os animais soltos na rua (porcos, cabras, cachorros, galinhas, cavalos); os carros
de boi, carroças e poucos automóveis, enfim, os que trafegavam neste espaço de práticas
cotidianas divergentes e conflitantes.
Descontentes com essa dinâmica urbana que experimentava conviver em um mesmo
espaço com o deslocamento de pessoas, animais, viaturas e, principalmente, buscando
construir para os pares, lugares de destaque que assegurasse grande visibilidade observa-se
57
forte apelo para inscrever a cidade em novo ordenamento. Os segmentos dominantes
organizaram um conjunto de Intervenções buscando designar circulações e interdições de
espaços para um programa de urbanização que atendesse as expectativas de progresso. Ao
perscrutar os silêncios e vestígios através dos documentos e aguçando o olhar sobre as
fotografias podemos perceber que as práticas, estratégias e táticas de segmentos pobres da
sociedade foram apagadas pelos pretensiosos idealizadores de uma cidade que se desejava
homogeneizada, definindo assim, mundos, tempos e regras, sobre o que se pretendia construir.
A proposta de estudar o espaço urbano da Rua Grande através da oralidade, da
imagem fotográfica, de jornais e memorialistas, suscita importantes indagações. Uma questão
compreende a maneira como se deu a interdição dos costumes, e as várias formas de proibição
e afastamento daqueles que atrapalhavam os sentidos de civilidade que as elites procuravam
dar a esta nova dinâmica de progresso. Quais as afirmações para a construção de uma
memória que estabelecia novos atributos que não cabiam nos procedimentos trazidos pelos
pobres da cidade?
Outra questão fundamental se aplicava em avaliar os múltiplos tempos e espaços da
construção da memória dos grupos dominantes. Desse viés, importamos a coexistência de
múltiplas territorialidades ambientadas em um só espaço. Essa questão é relevante para a
análise dos significados que cada um percebe do espaço em que convive. Essa memória será
abordada através das ‘falas’ que sobrepujam um universo de valores que foram transmitidos e
agora se atualizam no presente, recondicionando o olhar, e, por conseguinte, oferecendo
possibilidades de emergência de sujeitos e acontecimentos, de forma consciente ou
improvisada, como meio de apreensão dos significados dos lugares de pertencimento.
O espaço da Rua Grande entre 1920 e 1940 era formado por múltiplos territórios que
produziam e intensificavam conflitos e tensões em diferentes momentos – lugar substituído
neste período para a morada da elite, por essa rua transitavam os feirantes, que chegavam na
cidade com seu aparato de trabalho – trazendo costumes, hábitos e comportamentos, próprios
de um lugar e de uma vivência rural – que os segmentos dominantes ocupavam-se em
suprimir; percorriam também os trabalhadores de serviço de ganho – as lavadeiras e as
aguadeiras com as saias molhadas mostrando a transparência e o despojo das vestes; os
mendigos, os ambulantes, enfim, uma gama de indivíduos que através de suas práticas e
comportamentos incomodavam os segmentos dominantes que agiam de forma a suprimir
essas condutas que desabonavam o sentido de civilidade.
Este capítulo vai apresentar e refletir sobre, a trajetória desses sujeitos em suas
práticas. Como se configuraram no espaço da Rua Grande os elementos de transformações
58
urbanas materiais e simbólicas e quais usos desse solo se transformaram em ações e práticas
impetradas pelos diversos segmentos sociais que caminhavam por essa grande rua, deixando
marcas de simples andarilhos, ou de forma indelével imprimindo interferências e estratégias
neste constructo urbano.
Perceber essa diversidade de práticas sociais nos usos do espaço urbano possibilitou o
olhar sobre as peculiaridades das experiências dos habitantes da cidade de Conquista e à
interpretação das memórias lacunares para a construção da história.
2.1 A CIDADE COMO ESPAÇO CONSTRUÍDO
A cidade de Vitória da Conquista está situada no sudoeste baiano, na região
denominada pelo colonizador, de Sertão da Ressaca. Em sua história também contada para a
metrópole o governador da capitania da Bahia, Manuel da Cunha Menezes, informa que no
ano de 1780, João Gonçalves da Costa61 vivia com a sua família, juntamente com índios e
escravos em um rancho que possuía mais de 60 pessoas rodeadas por fazendas de gado. Esta é
a primeira referência que temos sobre a povoação que deu origem a cidade de Vitória da
Conquista.
Em 1840, o arraial atingiu o status de vila e passou a ser denominada de Imperial Vila
da Vitória. Após sua emancipação, a Vila foi ampliando as suas atividades econômicas e, aos
poucos, se consolidou como importante cidade do interior Bahia. Em 1891 seu nome é
modificado para cidade de Conquista e, em 1943, passa a se chamar definitivamente Vitória
da Conquista, nome que duplamente lembra o sucesso das investidas dos colonizadores
brancos sobre os verdadeiros e antigos habitantes desta terra. De acordo com a historiadora
Maria Aparecida Silva de Sousa:
61
Mestre de campo, João Gonçalves da Costa, um dos desbravadores da região, que embalado pela frustração da
corrida em busca de ouro, resolve se fixar, fundando o arraial.
59
João Gonçalves da Costa não agiu sozinho quando realizou as inúmeras atividades
como um fiel súdito do governo metropolitano. Não foi sem o auxílio dos seus
subordinados que conseguiu desintegrar as sociedades indígenas, desequilibrando a
sua superioridade numérica em benefício da dominação portuguesa. Também não
lograria êxito na abertura das vias de comunicação, fundamentais na integração das
regiões sertanejas, se não fosse o trabalho de escravos negros, índios e indivíduos
livres pobres convocados para esses empreendimentos ou ainda não presenciaria o
crescimento do lugar sem a atividade daqueles que labutavam diariamente nas
fazendas. Enfim, todas essas pessoas estiveram presentes na dinâmica de formação
do povoado.62
Aspectos das peculiaridades das relações de trabalho da região do sertão da ressaca e
da formação social de Conquista podem ser percebidos nesta reflexão sobre os grupos e
sujeitos que construíram com o seu trabalho a pujança vivida naquele período, através do
crescimento econômico do lugar. A autora trata de grupos e indivíduos que se viram
obrigados a atuarem com sua mão de obra na construção dessa sociedade devido à
impossibilidade de manter uma sobrevivência mínima nesse espaço que sempre foi referência
de cultura, trabalho e identidade para eles.
No intuito de apresentar a cidade voltamos para a formação do Arraial da Conquista,
cujo núcleo de origem passou a denominar Rua Grande. Encontramos nos relatos do livro
Viagem ao Brasil, do Príncipe Viajante, Maximiliano de Wied Newied,63 uma passagem sobre
o arraial da Conquista, onde ele descreve alguns aspectos físicos do local, como também,
discorre sobre costumes e comportamentos da gente do arraial. O Príncipe visitou o Brasil em
1815 e dois anos depois passou pelo Arraial. No capítulo, Das fronteiras de Minas à
Conquista, ele trata do Arraial como se descreve, a seguir:
Arraial da Conquista, principal localidade do distrito, é quasi tão importante como
qualquer vila do litoral. Contam-se aí umas quarenta casas baixas e uma igreja em
construção. Os moradores são pobres; daí a razão por que os ricos proprietários das
redondezas, as famílias do “coronel” João Gonsalves da Costa”, do capitão mor
Miranda e algumas outras empreenderam a construção da igreja às suas expensas.
[...] Grande parte dos moradores de Arraial compõe-se de trabalhadores e de rapazes
desocupados, que ocasionam muitos distúrbios, pois não há polícia nesta localidade.
A malandrice e uma inclinação imoderada para as bebidas fortes são traços
distintivos do caráter desses homens; daí resultam disputas e excessos freqüentes,
que tornam detestável êsse lugar, de má fama para as pessoas mais sêrias e
62
SOUSA, Maria Aparecida Silva de. A Conquista do Sertão da Ressaca: Povoamento e posse da terra no
interior da Bahia. Vitória da Conquista: UESB, 2001.
63
WIED-NEWIED, Maximiliano (príncipe de). Viagem ao Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1940. p. 409. Este livro faz parte do acervo de obras raras, da Biblioteca Heleusa Câmara, do Museu Regional –
Casa Henriqueta Prates, de Vitória da Conquista. Optamos por manter a grafia original do livro, para manter as
características da escrita da época. Os trechos que se referem ao Arraial da Conquista estão citados nos livros dos
memorialistas, Aníbal Viana e Mozart Tanajura, que serão estudados no capítulo seguinte a este.
60
consideradas, que vivem em suas fazendas espalhadas em torno. [...] trazendo cada
um, como é perigoso costume da terra, um estilete ou um punhal na cintura, êsses
homens grosseiros e imorais, que nenhuma espécie de vigilância contém, cometem
freqüentes assassínios e outras violências. [...] Eis por que nunca será demais
recomendar aos viajantes que procedam com a máxima cautela em Arraial da
Conquista, para evitarem, para si e para seu pessoal, aborrecimentos muito
sérios.64(sic)
Recolhemos essas impressões do naturalista alemão, que chegou até essas paragens, e
acreditamos que esse registro elucida um ponto de vista, passível de leitura e análise, para a
construção da história do lugar. Esse tipo de relato acaba por fundar memórias. Essa
passagem do Príncipe Maximiliano, está registrada nas publicações dos memorialistas da
cidade e, apesar, de suscitar uma leitura crítica, sobre a visão de um sujeito que construiu o
seu relato, baseado na ausência de alteridade, no elitismo e no preconceito pujante sobre a
gente do lugar, vimos atualmente numa Avenida, recentemente inaugurada, a construção do
monumento ao Príncipe. Apesar dos grandes vácuos temporais, entendemos que apresentar
essas referências sobre essas memórias, nos conduz na reconstituição da memória fundada no
período que compreende o nosso estudo.
A cidade de Vitória da Conquista começou a crescer na encosta da Serra do Periperi,
onde hoje se situam as Praças Tancredo Neves e Barão do Rio Branco, a Rua Maximiliano
Fernandes e Zeferino Correia que, na década de 1920, formavam um grande largo, a ‘Rua
Grande’, em sítio elevado e próximo de um curso d’água – o Rio Verruga. A primeira
construção importante, empreendida pela elite local foi a igreja matriz, citada pelo Príncipe
Maximiliano, e que no ano de 1820, ainda estava sendo construída.
64
Wied-Newied, op. cit., p. 409.
61
Mapa da Rua Grande com a Rua Lisboa, antiga Rua do Sissi.
62
Os relatos que circulam em torno da construção da igreja, são orientados pela criação
de um mito fundador, sobre a Vitória do colonizador Português sobre os índios que habitavam
a região e que em promessa, seria erigida a Igreja Nossa Senhora da Vitória. Essa Igreja,
construída no topo da Rua Grande, confirma uma relação de força, entre os detentores das
‘expensas’, e a maioria pobre que habitava esse lugar.
Nesse sentido, confirmamos que, a história da cidade apresenta elementos definidores
para a compreensão de seu espaço. A sua configuração territorial é resultado da ação de vários
sujeitos produtores do espaço urbano, em constante movimento pela conquista de seus
interesses e necessidades, assim como, reflete Michel de Certeau:
Espaço é o efeito produzido pelas operações que o orientam, o circunstancial, o
temporalizam e o levam a funcionar em unidade polivalente de programas
conflituais ou de proximidades contratuais. [...] Em suma, o espaço é um lugar
praticado. Assim, a rua geometricamente definida por um urbanismo é transformada
em espaço pelos pedestres. Do mesmo modo, a leitura é o espaço produzido pela
prática do lugar constituído por um sistema de signos – um escrito.65
O estudo em questão problematiza a cidade enquanto território de trocas simbólicas,
constituída de relações humanas produtora de significados e, procuramos considerar que, a
construção arquitetônica que a sustenta não apresenta neutralidade.
Estudos de historiadores e geógrafos locais confirmam que o principal móvel do
crescimento urbano foi o acesso e a proximidade à água do córrego, uma das nascentes do Rio
Verruga: A necessidade de deixar livre o acesso à água foi preocupação constante e mesmo os
caminhos para a água foram transformados em ruas.
No entanto, segundo Rui Medeiros, o direcionamento do crescimento não é ditado
apenas pelo curso do córrego. As estradas também ajudam no direcionamento da expansão
urbana.66
Outro importante estudo sobre a história da urbanização da cidade de Vitória da
Conquista é originado das análises, da geógrafa Ana Emília de Quadros Ferraz, no livro: O
urbano em construção – Vitória da Conquista: um retrato de duas décadas. Ela produz um
estudo consolidado na análise das relações dos vários sujeitos produtores do espaço urbano,
olhando a cidade em sua diversidade. Ela afirma que, nas relações citadinas, os embates,
65
Certau, op.cit., p. 202
MEDEIROS, Rui Herman de Araújo. Documentação e registro audiovisual da arquitetura e evolução
urbana de Vitória da Conquista: UESB, 1992. (projeto de pesquisa).
66
63
conflitos e lutas (cotidianas), constroem a configuração territorial, sobre a conquista de
interesses e necessidades, assim, o urbano se edifica e produz Vitória da Conquista.
Figura 5 - Rua Grande anos 20 (acervo MRVC)
Ana Emília afirma em seus estudos, sobre as transformações na Praça 15 de
novembro, da década de 1930 que,
A praça feia, esburacada, enorme e irregular sofreu a pressa renovadora da
modernidade. Foi revolvida para ter aspecto geométrico. Nela transformada,
apareceram habitações nobres, elegantes, modernas. [...] A modernização da cidade
não ficou aí, circunscrita a essa praça. Estendeu-se pela cidade toda, dominou-a,
envolveu-a e a cidade se espalha, cresce e surpreende.67
Ao analisar a cidade em sua multiplicidade buscaremos evitar a polarização dos
extremos que relacionam um poder administrativo, que a tudo ver que a tudo impõe e o resto
da população passiva e receptiva às mudanças impostas pelas ações modeladoras desse vetor
de dominação, para sustentar essa afirmação, propomos dialogar com dois autores que
buscam essas referências em seus estudos.
67
MEDEIROS apud FERRAZ, 2001, p.31.
64
De acordo com Michel de Certeau,
A “cidade” instaurada pelo discurso utópico e urbanístico é definida pela
possibilidade de uma tríplice operação: 1.a produção de um espaço próprio [...], 2.
Estabelecer um sistema sincrônico, para substituir as resistências inapreensíveis e
teimosas das tradições e por fim, 3.a criação de um sujeito universal e anônimo que
é a própria cidade. [...] Nesse lugar organizado por operações “especulativas” e
classificatórias, combinam-se gestão e eliminação.68
Além dessa reflexão de Certeau estendemos nosso diálogo também para a elaboração
de Robert Pechman sobre a cidade que a vislumbra lançando outro olhar e outra perspectiva.
Esse autor afirma que a cidade é o ponto de convergência de uma multiplicidade de olhares
que irão fundamentar a constituição de uma nova forma de dominação apoiada no
conhecimento científico, na intervenção espacial e disciplinarização de mentes e corpos, ou de
acordo com suas palavras,
[...] A territorialização da ordem a partir da inscrição na paisagem urbana de uma
geometria, de uma abstração, irá subverter por completo a lógica que estruturava a
vida urbana, comprometendo seriamente o destino daqueles nômades urbanos que
sempre sobreviveram nas dobras do espaço público.69
Destacamos nessa discussão, um dos objetivos principais da nossa reflexão: o grande
nó a ser desatado é saber se essa cidade, então, que se apresenta em suas multiplicidades e
particularidades, remontada em seus significados, que estão inscritos na memória, vai se
delatar e deixar trazer a tona esses sujeitos que provocam uma diversidade de práticas urbanas
que se entrechocam e apresentam movimentos sub-reptícios, muito diferentes e distantes do
ordenamento pretendido pelos grupos dominantes.
A esse respeito vale prestar atenção nas sugestões de Certeau e deixar trazer a tona
esses sujeitos que,
não deixam de proceder em práticas sociais – multiformes, resistentes, astuciosas e
teimosas – que escapam à disciplina sem ficarem mesmo assim fora do campo onde
se exerce, e que deveriam levar a uma teoria das práticas cotidianas, do espaço
vivido e de uma inquietante familiaridade da cidade.
68
Certau, op.cit.
PECHMAN, Robert Moses. Os excluídos da rua: ordem urbana e cultura popular. In: Imagens da cidade –
séculos XIX e XX, São Paulo: ANPUH, 1994, p.32-33.
69
65
No enfrentamento, diante desse campo de força, ou como sugere Certeau, de levar a
uma teoria das práticas cotidianas, encontramos nas fontes orais a possibilidade de dar
visibilidades a esses sujeitos, de tentar perceber as suas singularidades, trazendo à tona, os
seus valores, a cultura e os significados inscritos nas peculiaridades das experiências de vida.
Neste ponto, trazemos para a discussão o relato de duas senhoras, onde as falas se entrelaçam
e deixam revelar, ‘costumes comuns’, que penetram e reconstituem a história da cidade.
Contam-se no relato que,
[...] Chamava Rua do Espinheiro, é... dos pinheiros, aí o pessoal chamava rua do
espinheiro, não sei também porque isso... (aqui uma interferência de D. Maria
Angélica: “Minha Mãe dizia, porque tinha muito Juá, muito espinho, é por isso que
chamava Rua do Espinheiro), agente descia ali, atravessava onde hoje tem aquele
semáforo e alí tinha uma pessoa muito interessante, tinha uma casinha bem velha e
morava uma preta velha chamada Sabina, chamava Sabina do Ouro, (Interferência
de D. Maria Angélica: ‘ Ela foi escrava...’) , ela foi escrava e agente atravessava por
uma ponte, pra chegar lá na Rua Góes Calmon. E eu e meus irmãos, agente morava
por ali e descia com a colega aí deles e outras meninas por aqui , descia aquele
grupo, porque agente tinha medo dessa Sabina, porque dizia que ela pegava menino,
era aquela lenda, (interferência de Maria Angélica: Ela era já velha, sabe?!!! Os
meninos chamavam ela de Sabina do Ouro e ela não gostava, e levantava com sua
meias brancas, já caduca) , agente passava assim em grupo com medo de Sabina,
agente passava em grupo, tanto na ida como na volta, era em grupo, nunca se ia pra
escola sozinha, nè?!70
Nas falas e nos interditos, encontramos os vestígios que revelam os silêncios das
memórias. Precisamos nesse relato uma delação às avessas sobre a relação das crianças da
cidade com formas de convivência de brancos ou não negros com ex-escravos em Vitória da
Conquista e suas interferências no cotidiano. Essas lembranças sobre a passagem diária para a
escola nos levam de volta aos anos de 1930. Esse trajeto diário e constante foi marcado por
um encontro de corpos que se movimentavam em construções de saberes, que fundavam
significados. Para essa juventude citadina e burguesa, a existência de Sabina do Ouro, se
tornava o corpo diferente e estranho ao que estavam acostumados, diante da disciplina e
controle dos comportamentos tradicionais.
A casa de Sabina do Ouro, segundo relato dos moradores locais, ficava numa esquina
a caminho da Escola Primária São José da professora D. Helena Cristália Ferreira. Para
chegar à escola atravessava-se uma ponte que passava sobre um córrego do Rio Verruga e
saia da circuncisão da Rua Grande, para outra rua paralela. Assim, observamos um mapa
70
Entrevista de D. Janilde Mota e D. Maria Angélica, por Elzir Vilas Boas para O Projeto: Conquista era assim...
Do Museu Regional - Casa Henriqueta Prates de Vitória da Conquista em, 19 de outubro de 1993.
66
inscrito nas memórias sobre as relações cotidianas na Rua Grande e adjacências, elas indicam
a existência de uma ex-escrava, que residia na cidade de Vitória da Conquista, na década de
1930, que entre os resquícios das lembranças de suas experiências deixam ver o preconceito
de cor e de lugar social construídos desde a infância como figura temerária e que provocava
medo por que ameaçava os padrões almejados por determinados grupos sociais possivelmente
em ascensão.
Nas memórias de Aníbal Viana, encontramos um pequeno relato sobre esta mulher,
que residia na extensão da Rua Grande, interferindo e marcando com sua presença as
singularidades dos percursos, dos nomes e convívios impetrados nesta Rua:
Sabina Preta. Tinha sua residência na Travessa que liga à Rua 2 de Julho à Rua Góis
Calmon e que ficou com o nome de “Beco de Sabina”. Casa de sua propriedade. Maníaca.
Era boa engomadeira profissional, ocupação que lhe dava rendimento para a sua
manutenção. Trajava-se constantemente de branco, usava bracelete e pescoceira de aljôfar
dourado. Era solteirona e morava sozinha. De compleição alta e magra. Dizia ser
descendente da Rainha de Sabá. E ficava contente que lhe tratasse de “Rainha”. Aos
domingos saia de sua residência rigorosamente trajada em direção à Igreja onde tinha uma
cadeirinha para ajoelhar-se.
Tornava-se pornográfica quando algum malandro “grande ou pequeno” lh’a aborecesse. Aí
saiam os palavrões. Era também conhecida por Sabina Princesa, Princesa Real.71 (sic)
Nessa memória produzida por Viana evidenciam-se significados atribuídos aos valores
aceitos coletivamente. A Negra Sabina rompia com os valores morais prescritos pelos grupos
dominantes. Tratada como a Maníaca, a louca, a negra coberta de ouro transgredia a ordem e
impunha os seus trajes, seus acessórios e seus palavrões, pois apesar de contrariar a relação de
conformidade com os outros membros do grupo, essa mulher solitária ‘de compleição alta e
magra e rigorosamente trajada’ percorria todos os domingos o mesmo trajeto das senhorinhas
e com sua cadeira de ajoelhar-se cumpria o ritual do catolicismo cristão.
Mas o processo de enfrentamento étnico guarda jogadas silenciadas e não ditas, sobre
os estranhamentos inter étnico, na condição de ex-escrava a postura que assumia em sua
velhice para se apresentar à sociedade era enfeitado de ouro, é muito provável que esse gesto
esteja relacionado a tentativa de mostrar a forma com a qual conseguiu a liberdade; e desse
lugar não aceitava um lugar menor na inclusão da cidade e resistia às “atentações dos
meninos”, que jogavam pedra na sua porta e saia gritando: “Sabina do Ouro”.
Situamos esse confronto e outras tensões sociais dessas considerações em um contexto
da história da cidade em que determinados códigos de comportamento, eram permitidos, e até
71
Viana, op. cit., p. 422
67
reforçados, como ‘divertimento’ - o fato de se apedrejar a porta e fazer referências à pessoa
através do que ela possui de ‘diferente’. A falta de alteridade fere uma suposta ordem – que
também era tida como código, isto é – o respeito aos mais velhos. Desta forma, observamos
um deslocamento da condição dessa mulher, velha e solitária, para uma condição de exescrava, enfeitada de ouro, que corria atrás dos moleques, com suas meias brancas levantadas.
E aqui, o seu lugar de pertencimento, poderia ser alterado, pelas ‘brincadeiras’, numa clara
situação de arrogância e violência.
Em outra circunstância referendemos uma aproximação das pessoas da cidade com a
casa de Sabina. Ela sobrepujava essas admoestações e permitia a entrada em seu quintal para
colher frutas, segundo o relato de D. Maria Oliveira,
A gente entrava na casa dela. Ela dava fruta. No quintal dela tinha muita fruta.
Agora ela morava sozinha. Era uma Negra já velha, chamava Sabina do Ouro. Os
meninos jogavam pedra na casa dela e ela saia xingando, agora ela não era louca,
não. Ela só não gostava que atentasse ela. Quem é que gosta?72
Consideramos que os depoimentos apresentados, são construídos em momentos e
projetos diferenciados. O depoimento de D. Janilde e de D. Maria Angélica, é dado no
contexto de recolhimento das memórias, para atender ao projeto do Museu Regional que
compreendia naquela época ser responsabilidade da instituição “reconstituir” a história da
Cidade de Vitória da Conquista através das memórias de antigos moradores - memória, como
já discutimos no 1º capítulo dessa dissertação.
Na entrevista que realizamos com D. Maria Oliveira, encontramos uma Narrativa
diferenciada, no sentido de que, quando se trata de uma fonte oral teremos que fazer a crítica
do documento para referendá-lo como fonte da história. Reelaborar as experiências de vida de
sujeitos significa considerar o processo que se afirma entre os entrevistados e o pesquisador e
nessa relação encontram-se as subjetividades e leituras, que darão nos contornos das
narrativas a interpretação de cada um.
José D’Assunção Barros, citando Kevin Lynch, referindo-se às pessoas que circulam
dentro da cidade sugere que, estas constituem a sua parte humana, não são meros
observadores do espetáculo urbano, mas parte dele.73 Segundo Barros,
72
73
Entrevista de D. Maria Oliveira, em 12 de junho de 2010, por Ednair Carvalho Rocha.
BARROS, José D’Assunção. Cidade e história, Rio de Janeiro: Petrópolis: Vozes, 2007, p. 43.
68
Os pedestres podem ler o texto urbano, mas eles também o reescrevem, e de algum
modo podem ser mesmo considerados como alguns dos personagens ou dos
caracteres móveis que fazem parte da construção deste texto urbano – como leitor,
como escritor, como personagem de sua narrativa ou, o que vem a dar no mesmo,
letra móvel do seu alfabeto infinito – merece ser discutida em pormenor.74
Esta reflexão de Barros sugere que analisamos as narrativas espontâneas
preponderantes naquilo que é permitido contar. O que está exposto nos relatos de Dona Maria
Angélica, D. Janilde e D. Maria Oliveira são as diferenças, os conflitos, as tensões. E este é o
tecido da história. Não existem relatividades, quando chegamos a considerar finalmente, que
na história da cidade de Conquista, os processos de assoreamento de determinados espaços,
são dados não só por efeitos das relações infra-estruturais e do nível da superestrutura, mas
que se nutrem no bojo das relações cotidianas. Através das linguagens, que remetem ao
passado toda a força da memória que está viva no presente nos traz a resistência de Sabina do
Ouro, a “Nêga Velha”, que metia medo, que era uma construção, uma lenda... Porém, sua
leitura a “contrapelo” pode nos mostrar segmentos dessa cidade que produziu uma memória
sobre a “negra velha”, a “ex-escrava” que guarda e pretende perpetuar, revelando a
mentalidade de uma elite excludente, cujo preconceito racial acaba por colocar em confronto
a força dessa resistência, que segundo Walter Benjamim:
Na luta de classes essas coisas espirituais não podem ser representadas como
despojos atribuídos ao vencedor. Elas se manifestam nessa luta sob a forma da
confiança, da coragem, do humor, da astúcia, da firmeza, e agem de longe, do fundo
dos tempos. Elas questionarão sempre cada vitória dos dominadores. Assim como as
flores dirigem sua corola para o sol, o passado, graças a um misterioso
heliotropismo, tenta dirigir-se para o sol que se levanta no céu da história. 75
A cidade de Vitória da Conquista apresenta-se então, como um campo de força, no
qual as lutas entre classes assumiram resistências sub-reptícias que afirmavam e fortaleciam
determinados grupos. Entendemos que, a função social do historiador é certamente
democratizar a história e o ofício de escrever essa história passa pelas formas de dar
visibilidades a esses sujeitos que estão todos os dias na porta, ou janela da sua casa, a oferecer
frutas, lendas e alteridades a essa cidade. Hoje, procuramos descendentes de Sabina, mas
74
75
Ibid.
Benjamin, op. cit. p.224
69
como, suas memórias, sua gente, seu lugar, foi esquecido, foi solapado das relações com a
cidade, não encontramos nada.
2.2 A RUA GRANDE, UM LUGAR DE MEMÓRIA
A organização do Museu Henriqueta Prates para ser lugar de memória reuniu
evidência da cultura material encontrada no seus acervos de fotografias, jornais, documentos e
livros que ampliam e facilitam as possibilidades do fazer histórico. As fotografias que em sua
maioria compõe o acervo fotográfico aporta visibilidades de muitos aspectos da Conquista
antiga; as ruas da cidade, as ruas tradicionais. Este acervo fotográfico possibilita perceber a
cidade através das fotografias, que podem vir a revelar elementos surpreendentes. Por
exemplo, vimos uma grande Praça. De início não havia, portanto duas praças, nem duas ruas.
Nas primeiras décadas do século XX, foi a espontânea Rua Grande no decorrer da década de
1920; foi a Praça 15 de novembro, nos anos de 1930 e as projetadas Praça da República e
Praça Barão do Rio Branco em 1940.
A partir dessa cronologia, apresentamos a primeira narrativa, e a primeira fotografia:
Dona Maria Angélica, que nasceu na cidade de Conquista, foi morar em Salvador, retornando
com dez anos de idade. Quando ‘moça’ fez o curso pedagógico em Salvador, voltou formada
em 1939 e foi nomeada como professora para a ‘escolinha’ na Rua do Sissi, onde ensinou por
trinta anos.
A Rua do Sissi, atual Lisboa é uma Rua perpendicular à Rua Grande, local de morada
de alguns dos nossos entrevistados, e, portanto, suscetível de histórias. D. Maria Angélica
afirma, que tem um conhecimento da Conquista [...] bem antiga, foi em 1929 que nós
chegamos aqui. Fui, estudei, voltei e me casei aqui, e aqui é minha terra. Meus antepassados
são daqui. E Conquista era assim, uma cidade boa, hospitaleira, sempre foi. E ela descreve
essa cidade com as suas lembranças.
70
A cidade. A Praça era uma só. Era da Catedral até lá embaixo no Banco do Brasil,
era uma praça só.
só. A Rua Grande sem calçar. A feira era lá embaixo. Na porta lá de
casa. Agora fazia muita festa. Terno de reis. Quando foi demolida a igreja antiga
para construir essa catedral nova, se fazia muita festa, [...] (como se diz: Ternos,
entendeu?), comédias, assim,
ssim, teatro amador em benefício da Igreja. Festas
dançantes.76
Figura 6 - Rua Grande, anos 30 (acervo MRVC)
76
D. Maria Angélica, entrevistada por Elzir Vilas Boas, através do Projeto do Museu Regional – Conquista era
assim... em, 19 de outubro de 1993.
71
Para enxergarmos melhor os signos impregnados nesta imagem emblemática,
deveremos olhar com uma lupa sobre a imagem, como também sobre a fala, elas relatam, uma
rua, que era uma rua só. E antes, a cidade. A cidade era essa rua? A reza, o comércio, as artes,
as festas, o ensino, os serviços, o convívio. Tudo acontecia ali na Rua Grande!
Quando fomos procurar D. Maria Angélica, no dia 03 de agosto de 2010, em sua casa
para a entrevista relacionada ao nosso estudo, a encontramos disposta a falar de suas
memórias sobre a vida na cidade. Ela ainda reside na mesma casa que foi construída por seu
Avô, em 1889 – ‘A casa da sua infância’, que foi herdada por sua Mãe, D. Zaza. Essa casa é
atualmente conhecida na cidade como: “A casa de D. Zaza”. O imóvel foi tombado pelo
Governo do Estado da Bahia, em 2005. Ela aguarda o processo de aquisição, para o devido
restauro e uso cultural. A casa de D. Zaza, junto ao prédio da Rádio Clube de Conquista,
alinhados na mesma Praça, se configura como um importante patrimônio arquitetônico para a
cidade de Vitória da Conquista.
O interior da casa de D. Zaza permanece com as mesmas características originais da
construção. Os móveis antigos são disponibilizados no espaço da sala, e junto com os objetos
descrevem memórias, percebidas ao olhar sobre o aparador repleto de porta-retratos da
família, pela cristaleira, pelo cabideiro e pelos posters fixados na parede e o olhar se depara
com o pôster da Rua Grande, ampliado e colocado na altura do sofá. D. Maria Angélica tira o
quadro da parede, o coloca à nossa frente e começa a falar da fotografia, a mesma apresentada
acima que compõe o nosso texto. A fotografia aérea da Rua Grande, da década de 1930.
(Figura 5). D. Maria Angélica preenche a fotografia com as suas lembranças:
Foi meu marido quem mandou fazer essa ampliação. Eu também já cedi uma cópia
pro museu. Foi o primeiro avião quando veio aqui. Que fotografou a cidade. Essa
vista. É uma vista aérea. Aqui oh! Aqui é a Rua do Cruzeiro. Aqui já é lá em cima.
Aqui é a mata do córrego. Passava por fora e por dentro do quintal daqui de casa.
Essa mata é fundo de quintais. Aqui. Eram três pinheiros, ‘altão’ que eu lhe mostrei,
que ficava quase em frente a igreja. Esse em frente ao Bradesco e esse em frente a
rádio clube. No meu tempo já tinha o prédio da rádio clube. Tinha o pinheiro. O
daqui morreu, o dali morreu e quando eles dividiram a praça e fizeram esse
quarteirão, cortaram o pinheiro pra fazer ali a Rua Maximiliano Fernandes.77
A antiga Rua Grande da década de 30 é revelada nesta fotografia de uma Vitória da
Conquista desértica, por onde se vê o mapa do passado. Essa fotografia na sua amplitude
vislumbra o poder da rua de morada da elite proprietária e pode ser percorrida com um olhar
77
Entrevista de D. Maria Angélica em, 03 de agosto de 2010, por Ednair Carvalho Rocha.
72
panóptico – que a tudo ver, a tudo esquadrinha. Ela foi feita para isso. A cidade está lá,
receptiva, estática, e recortada em sua totalidade. Esse olhar panóptico abarca uma cidade que
parece acordar em sua narrativa que pretende revelar aproveitando a luz natural para capturar
através do obturador a imagem. Talvez um ou outro nas portas e janelas, de uma cidade ainda
deserta, despertando em seu tempo para mais um dia. A Rua vai ganhando visibilidade à
medida que o olhar percorre a imagem de baixo para cima, e aqui, podemos perceber a
definição de algumas casas com suas portas e janelas, telhados, quintais, a quantidade escassa
de árvores ao centro; e do lado esquerdo o correr da mata ciliar do córrego do Rio Verruga,
que passa por dentro e fora dos quintais; e a cidade vai-se adensando.
Assim, percebemos a cidade, sobre a Rua Grande, em sua extensão. A Rua Grande que
na fala de D. Maria Angélica: Era uma praça só. Uma praça polivalente, múltipla de
significados, era onde tudo acontecia: a reza, a feira, os namoros, o enterro, os serviços, as
brigas, os confrontos, os festejos, as comemorações. Esses elementos eram constitutivos do
uso do espaço físico que a partir das apropriações se transformavam em territórios de
demandas específicas, utilizadas por sujeitos que burlavam, astuciosamente, um projeto
urbanístico totalizador que os poderes públicos buscavam construir.
Zita Possamai, ao refletir sobre as fotografias de vista aérea, constata que, se algumas
imagens isolam o objeto fotografado, subtraindo-o do contexto urbano, em oposição a elas a
vista aérea pretende abraçar considerável contigüidade espacial em uma única tomada.78 Essa
fotografia é emblemática no sentido de ser única. A imagem estática, desacordada, configura
signos constitutivos da história da cidade de Vitória da Conquista que deixaram de existir ao
tempo das transformações que sugerem outras configurações no traçado da urbanização da
cidade que se expande.
A fotografia avista o alto da Serra do Periperi, desce pela Rua do Cruzeiro e serpenteia
pela mata ciliar ao córrego, do Rio Verruga, ao fundo vê-se a Catedral em fase de construção,
e se despeja pelas casas que de um lado e de outro desenha essa rua, até o sobrado Paulino
Santos, na primeira Igreja Batista, o Beco de Sabina do Ouro e chega por fim a Rua da
Várzea, atual Rua Dois de Julho, onde continuava a correr, até chegar ao açude. Essas
descrições são símbolos do passado da cidade, monumentalizados na imagem fotográfica, que
agora os relata e denuncia.
No final da entrevista ela me conduziu até o quintal, passando pela cozinha, pelo
quarto dos biscoitos, pelo forno, pela mangueira e pitangueira de mais de setenta anos –
78
POSSAMAI. Zita Rosane. Fotografia e cidade. Art. Cultura. Uberlândia, v. 10, n.16, p. 65 – 75, jan. – jun.
2008.
73
‘plantadas pelo Avô, até chegar ao fundo do quintal que ‘antigamente’, tinha o portão que
dava pro córrego que descia do Poço Escuro, mais um espaço construído pelas experiências
de sujeitos, que surgem no contar dessas narrativas.
A porta da casa de D. Zaza, abria-se para o movimento da parte baixa da praça. Numa
dialética dos opostos, vimos na fotografia uma cidade árida e desértica, como se fosse acordar
para tudo isso que experimentou D. Maria Angélica, porém, como numa síntese, revela a
cidade em sua confluência. Essa Rua Grande pode ser vista como um ‘lugar de memória?
Vejamos.
Mas voltando a outra entrevista concedida por D. Janilde Mota a Elzir para
acompanhar as memórias de D. Maria Angélica, ela conta sobre essa que era a “Rua da sua
infância”, e a relembra com os detalhes das experiências da sua história de vida: Aqui na Praça
mesmo tinham três escolas. Eu mesma estudei na escola da Professora primária, Maria Leal. Não tinha
Ginásio. Eu fui fazer o curso pedagógico em Salvador. Eu fui em 1939 e voltei depois de formada. Fui
nomeada. Minha escolinha era ali na Rua do Sissi. Escola isolada.79
Eu gostaria de tomar como Angélica falou, a Rua do Sissi, porque foi a Rua que eu
nasci, foi a rua que eu me criei, foi a rua que eu me casei. Então essa rua... Havia
poucas casas, mas era assim de uma alegria muito grande, eram realmente assim
famílias, assim irmãs. E meu Avô foi pioneiro na fundação dessa rua. [...] Era o
caminho do cemitério. Quando aparecia um enterro, embora nós morássemos na rua
que passava todos os enterros, minha Vó, não deixava ver os enterros. Porque tocava
o sino da catedral, que hoje é catedral, tocava o sino. Passava na igreja, todo o
enterro passava primeiro pela Igreja e depois descia aqui essa ladeira e ia pela Rua
do Sissi. Criança não ficava na porta pra ver os enterros. Então a gente ficava no
quintal.80
Essa rua perpendicular no mapa das sociabilidades é uma extensão da Rua Grande,
onde as práticas sociais se entrecruzam e formam um percurso onde trafegam costumes,
códigos e comportamentos que vicejam a vida cotidiana de Vitória da Conquista. Neste relato
do cotidiano, podemos visualizar “feituras de espaço” tecidas pelas memórias de D. Janilde,
que ao narrar desenha um roteiro, prescrevendo ações. No entanto, não podemos
homogeneizar as memórias. Diante dos relatos, dialogamos também, com o não dito. E neste
aspecto, podemos estabelecer que essa memória, é uma memória de um determinado grupo,
79
Entrevista com D. Maria Angélica, para o projeto – Conquista era assim..., em 19 de outubro de 1993, por
Elzir Vilas Boas.
80
Entrevista com D. Janilde Mota, para o projeto - Conquista era assim...em, 19 de outubro de 1993, por Elzir
Vilas Boas.
74
pois dentre todas as casas que ficava no percurso do enterro, nem todas tinham quintais e nem
todas tinham crianças impedidas de acompanharem os mortos.
Por outro lado, essa recordação remonta a um tempo “das alegrias” fundadas nas
lembranças de uma harmonia quase palpável pelo deleite das relações endogâmicas. Ao
descrever essa rua, nossa narradora amplia os significados amparados na criação de seu
imaginário. Refletindo sobre aspectos da organização do espaço urbano Michel de Certeau
aponta que os mapas são construtores de itinerários, sugerindo que um mapa não é estático e
que em sua leitura ele prescreve ações e distingue uma tipologia:
“Mapa”(map) e o outro como “percurso”(tour). O primeiro segue o modelo: “Ao
lado da cozinha fica o quarto das meninas”. O Segundo: “Você dobra a direita e
entra na sala de estar”. [...] Noutras palavras, a descrição oscila entre os termos de
uma alternativa: ou ver (é um conhecimento da ordem dos lugares), ou ir (são ações
espacializantes). Entre essas duas hipóteses, as escolhas feitas pelos narradores
nova-iorquinos privilegiam maciçamente a segunda.81
Ver então, nos conduz à narrativa. Ainda apoiada em Certeau, concordamos que os
relatos cotidianos, são mesmo essa “feitura de espaço”, são construtores de saberes
individualizados, que os historiadores ao interpretar vão transformar em memória coletiva –
“Os relatos cotidianos contam aquilo que, apesar de tudo, se pode aí fabricar e fazer. São
feituras de espaço.”82
81
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. 1. artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 204.
Idem. Michel de Certeau diz que: entre os séculos XV e XVII, o mapa ganha autonomia. Sem dúvida, a
proliferação das figuras “narrativas” que o povoam durante muito tempo (navios, animais e personagens de todo
o tipo) tem ainda por função indicar as operações – de viagem, guerreiras, construtoras, políticas ou comerciais –
que possibilitam a fabricação de um plano geográfico. Bem longe de serem “ilustrações”, glosas icônicas do
texto, essas figurações, como fragmentos de relatos, assinalam no mapa as operações históricas de que resulta. P.
206.
82
75
Mapa da Rua Grande com a casa de Dona Zaza.
76
2.3 A FEIRA LIVRE DE CONQUISTA: ESPAÇO FUNDADO, DEMARCADO E
ARTICULADO NAS PRÁTICAS E NAS NARRATIVAS
Assim, feitas ao ar livre as feiras semanais, sem o menor
abrigo, ficando o povo impiedosamente exposto aos
encômodos do sol ou das chuvas, não pode continuar por muito
tempo, por que isso, além de trazer a todos grandes
aborrecimentos, é prejudicialíssimo à saúde pública.(sic)
Jornal “A Notícia” de 12 de novembro de 1921.
No percurso desenhado neste mapa, encontramos vários relatos sobre a feira e ‘o dia
de feira’. A cidade se movimentava com as pessoas que chegavam das roças e de outros
lugares. As barraquinhas cheias de sedutoras mercadorias; as crianças que se perdiam entre os
adultos, o aglomerado, as misturas. O sábado trazia a feira com todo o burburinho, os cheiros,
a lama, a festa dos encontros entre os que vinham de fora com suas mercadorias e suas
diferentes formas de conviver e ver a cidade.
Sobre esse tempo fala também D. Ornélia, residente na Rua do Sissi desde a infância e
neta do Coronel Guilhermino Novaes, um dos fundadores dessa Rua. Ela diz sobre a
relatividade do tempo e espaço, quando a ida para a feira era ‘uma viagem’. Da Rua do Sissi,
até a parte baixa da Rua Grande, onde se realizava a feira, percorria lembranças da infância,
de uma viagem repleta de emoções, que traziam a baila imagens que se materializam em
elementos da cultura material, que colaboram no contar da história sobre a cidade. Ela faz um
relato poético dessa viagem:
77
Figura 8 – Praça 15 de Novembro, anos 30 (acervo MRVC)
A feira. Ele me levava. Tinha um jumento que fazia a feira. Aí ele me botava dentro
dos Caçuá pra mim ir. Era longe. Longe daqui dessa casa. Então ele me levava
dentro do caçuá pra mim ver a feira. Chegava lá – Oh! Minha Rosa, ele me chamava
de minha Rosa, que eu fiquei sem meu Pai com nove dias de nascida. Eu não
conheci meu pai. Meu Avô quem me criou. Ele chegava lá, comprava doce,
comprava uma coisa e outra. Comprava as bonecas katita. As bonecas katita eram as
bonecas de pano, mas preta, então chamava katita.
katita. Vixe! A gente adorava as
bonequinhas katita. Aí ele fazia a feira toda, botava dentro dos caçuá e me trazia
aqui assim, no cangote. E esse caminho era longe. Isso tudo aí era mato. 83
O testemunho feito por D. Ornélia sobre a feira localizada na Rua
Ru Grande se reforça ao
levar em consideração os inúmeros elementos constitutivos da cultura material e da passagem
para se chegar à feira. São exemplos dos retalhos de memória dessa Senhora, que quando
criança era levada à feira, dentro do caçuá, no lombo do burro amparada pelo avô. A neta do
Coronel se misturava com esse lugar outrora de diversas sociabilidades, das misturas e
afetividades que propiciavam desdobramentos das práticas costumeiras e o comportamento
dos usos do espaço da feira. No entanto fica evidente o lugar social onde se situa D. Ornélia.
83
Entrevista com D. Ornélia Júlia em, 05 de julho de 2010, por Ednair Carvalho Rocha.
78
Os presentes dado pelo avô, que ela suscita em sua memória deixa ver as diferenciações em
relação à outras crianças que estão transitando e pousando nas fotografias. A percepção dessas
diferenciações no uso desse espaço urbano, ou mesmo pelas condições favoráveis em adquirir
doces e brinquedos, possibilitam dar visibilidade às peculiaridades das vivências dos
habitantes da cidade de Conquista e à constituição de memórias seletivas.
As fotografias tiradas da feira davam visibilidades aos habitantes da cidade de
Conquista no período de 1920 a 1940. Essas imagens produzidas provavelmente por
Manoelito Melo, filho de Manoel Eufrázio, no entanto, perenizaram recortes. As referências
que buscamos imprimir para a utilização da imagem como testemunho da história desse
espaço da cidade estão relacionadas à intencionalidade de fotógrafo. Mesmo oferecendo um
manancial de informações deveremos arbitrar sobre os desdobramentos dessa memória focada
numa zona liminar de incompletude e provisoriedade. Nesta perspectiva, consideramos
perscrutar o olhar do fotógrafo e as possibilidades de escolhas sobre o ângulo recortado para
fixar a imagem. Por esse desdobramento, as vistas urbanas se tornam fragmentos do qual são
excluídos diversos aspectos que fizeram parte da realidade e remontaram uma invenção desse
real. Para Walter Benjamim,
Apesar de toda a perícia do fotógrafo e de tudo o que existe de planejado em seu
comportamento, o observador sente a necessidade irresistível de procurar nessa
imagem a pequena centelha do acaso, do aqui e agora, com a qual a realidade
chamuscou a imagem, de procurar o lugar imperceptível em que o futuro se aninha
ainda hoje em minutos únicos, há muito extintos, e com tanta eloqüência que
podemos descobri-lo, olhando para trás. A natureza que fala à câmara não é a
mesma que fala ao olhar; é outra, especialmente porque substitui a um espaço
trabalhado conscientemente pelo homem, um espaço que ele percorre
inconscientemente.84
O suporte dado pela clivagem cultural dos fotógrafos tornam-se quase sempre, uma
referência para a delimitação do viés que vem do passado. Manoel Eufrázio Melo e Manoelito
Melo considerados os primeiros fotógrafos de Conquista, foram químicos e retocadores de
imagens. Os fotógrafos utilizaram a fotografia enquanto invenção científica que nasceu com a
modernidade e construiram essa modernidade no ato de fotografar. Certamente os três
fotógrafos que registraram a cidade de Conquista neste período acompanharam e trabalharam
para capturar a realidade da sociedade a qual viviam a partir das potencialidades da ciência. E
a fotografia, concebida como forma de capturar o real vinha atender a esse anseio de
84
Benjamim, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política. 4 ed. São Paulo. Brasiliense, 1985.
79
objetividade que imprimiam em suas imagens sobre a cidade. Em entrevista concedida por
Elízio Melo, percebemos a relação desses fotógrafos com as experiências surgidas no
compasso das invenções modernas:
Eu lembro que a câmara era portátil, mas, os filmes eram grandes. Eram colocados
numa espécie de chapa, de um clichê que colocavam, tinham que tirar uma e colocar
outra, foto por foto. No tamanho 9x12. Tinha uma câmara do meu pai, com uma
lente alemã muito boa. Foi nessa época que se experimentou o progresso em
conquista. Meu pai, como meu avô eram retocadores fora do comum. A
especialidade do meu pai era retocar chapas. Com um lápis bem fininho, com um
grafite, com um vernizinho bem fininho que ele passava. Ele preparava o verniz. 85
Acompanhando o relato do Sr. Elizio sobre as referências do trabalho de retocar as
imagens percebemos mais uma interferência da clivagem cultural desses profissionais a partir
dos procedimentos técnicos fotográficos operando na construção de memória da modernidade.
Outro avanço da reprodução das imagens, diz respeito à aquisição das máquinas portáteis e
das lentes de boa qualidade que substituíram o tempo de longa exposição e a limitação das
paisagens arquitetônicas da cidade, para a obtenção de imagens de pessoas em movimento,
facilitando ainda mais o trabalho desses fotógrafos.
Na fotografia 7, percebemos o emaranhado de corpos circunscrito no ângulo traçado
pelas casas, barracas, e as cargas de produtos que ao mesmo tempo limitam e expandem a
visibilidade dos sujeitos que freqüentavam a feira. Vimos o ‘aleijado’, as crianças pobres, os
homens em maioria. Dentre os elementos icônicos presentes na imagem as vestimentas – que
mesmo, entre os menos abastados, estão compostos de paletó e chapéu chamam a atenção
entre os fatiotados de branco que circulavam numa atitude de compradores e, ainda tateando
por entre a imagem podemos falar do clima, provavelmente frio pela casaca dos homens e a
criança com a cabeça coberta; o chão de terra batida que provocada o lodaçal quando chovia
que era usado pelos feirantes que não possuíam recursos para pagar as taxas sobre a aquisição
de barracas.
Esse passado que nos assalta através da imagem recompõe uma memória seletiva que
opera na trama do lembrar e do esquecer. Sendo fotografias, estas imagens fazem um
enquadramento sobre o recorte do real e supostamente constroem um registro fiel dos
acontecimentos. A articulação das imagens elaboradas no passado encontra nas narrativas
85
Entrevista com Elízio Melo em 02 de junho de 2010. Por Ednair Carvalho Rocha.
80
orais referências interpretativas fundadas no presente que perscrutamos na demarcação dos
espaço:
Arrumava as barraquinhas, tá vendo? O dia de feira, agora essa feira era aqui na
porta de Casa. E aqui é lá em cima. A gente não vê o genipapeiro. O povo vinha da
roça. Agora no sábado. A feira era sábado. A prefeitura armava as barracas, quem
tinha barraca. Vender doce, carne, como hoje ainda tem. A Rua Zeferino Correia
surgiu depois que dividiram a Praça. A praça era uma só, né? Essa rua é do lado de
lá e a feira vinha até do lado de cá. A feira era grande. Aqui na porta mesmo, botava
as cargas. Aquelas cargas de umbú. Ficava, o povo quando vinha da roça trazia as
cargas de umbú, melancia. É esse é o lado de lá. 86
No fragmento recortado da entrevista transcrita de D. Maria Angélica, suas
lembranças vão traçado o mapa da localização da feira de Vitória da Conquista, entre o
período de 1920 a 1940. Em 1938, a feira foi removida para a Rua da Avenida, distanciandose da Praça 15 de Novembro, que até então não havia sofrido ‘a pressa renovadora do
progresso’. D. Maria Angélica afirma que esse espaço a que nos referimos, era denominado
de Rua Grande, nos anos vinte e em 1930 já se endereçava - Praça 15 de Novembro, e só no
início dos anos 40, que começa as determinações para dividir essa Praça.
Aí começaram a arborizar lá, aí dividiram, deram o nome daqui: Praça Barão do Rio
Branco, por que no passado era Praça 15 de Novembro. Quando se chamava Rua
Grande era como se chamava mais antigamente, não foi do meu tempo. A 15 de
novembro foi pelos anos 30, por que eu me lembro, em 30 a gente morava aqui e o
endereço era Praça 15 de Novembro, número 10, aqui em casa, aqui nesse telhado.87
A memória oral trouxe para o espaço da feira, a questão da divisão da Rua Grande. A
Rua que na década de 1920 era chamada de Rua Grande, e durante as décadas de 1930 e 1940
recebeu outras identificações. Esses nomes oficiais partem geralmente das decisões do poder
instituído através da Câmara Municipal. Na cidade de Conquista estas denominações
acompanharam as transformações impetradas na cidade para cumprir a função de identificar
elementos da nova ordem implantadas pelo projeto republicano. Os nomes de ruas e praças
tiveram nesse processo de rememoração um dos sentidos para legitimar um projeto de
modernidade em andamento. Os grandes vultos e acontecimentos históricos eram fundadores
de nomes das ruas selecionados pela atuação vigorosa de forma a romper com um passado
86
87
Entrevista com D. Maria Angélica em, 03 de agosto de 2010, por Ednair Carvalho Rocha.
Entrevista com D. Maria Angélica, 03 de agosto de 2010.
81
que se queria esquecer. Na cidade de Conquista, em 1930 a Rua Grande passou a chamar
Praça 15 de Novembro e em 1938, no projeto de ordenamento mais radical da cidade, a partir
dos desdobramentos implementados pela política do estado novo – A Praça 15 de Novembro
foi loteada em duas Praças – da República e Barão do Rio Branco.
Tornando relevante a análise sobre a função das novas denominações das Praças
percebemos também, o movimento das mudanças de localização da feira na cidade, no tempo
percorrido pelas lembranças que trafegam por esses anos em que as elites dominantes estão
buscando para a cidade um projeto de urbanização e compreende que esse projeto está
vinculado, à necessidade de transportar essa aglomeração, que já se torna indesejável, pela
‘sujeira’ que produz.
A feira era grande, e muitos percebiam em suas impressões a dimensão deste percurso,
que ia de um lado a outro e cobria a parte de cima e ia até embaixo da Praça. Para esse
período de final de trinta, transcrevemos o relato do Sr. Mário Brito, que ao observar as fotos
7 e 8, se transporta e se instala nesse ambiente que atinge as suas lembranças e, nos afirma
essa amplitude
Essa feira: é bem capaz deu estar aqui nela. Essa feira começava na porta da
igreja e ia até lá embaixo. Pegava a rua todinha, era uma lamaçeiro danado.
Depois a feira mudou para a Praça da Bandeira, depois foi para a Lauro de
Freitas, depois voltou novamente para a Praça da Bandeira.88
O Sr. Luis Prates Rocha, morador da cidade, que viveu esse período, lembra que,
houve essas mudanças da feira e fala por que mudou:
A feira mudou, porque foi melhorando a cidade, então mudaram primeiro para o
Mercadão, pra Praça da Bandeira, ali chama Praça da Bandeira. Depois foi mudando
pra Lauro de Freitas. Porque ia ‘consertano’ as ruas, ia ‘melhorano’, ia ‘mudano’ a
feira. Como melhorou aqui o centro, mudou pra lá. 89
Nos relatos percebemos que esses vários elementos da cultura material, que foi
revelado, nos aponta para uma memória onde os sujeitos estão relacionados, no mesmo
percurso do mapa da cidade. As fotografias, tanto quanto os relatos, são condizentes com a
88
Entrevista com o Sr. Mário Brito, em 16 de agosto de 2010
Entrevista com o Sr. Luiz Prates Rocha, entrevistado para o projeto: Conquista era assim... do Museu Regional
– Casa Henriqueta Prates, em 06 de junho de 2002, entrevistado por Ednalva Pereira Padre.
89
82
homogeneização da sociedade, que surge da vontade de um grupo que suscetível ao controle e
assepsia do ambiente, vislumbram a sua cidade, em suas expressões culturais, mais presentes.
A feira representava neste momento da história, o encontro de diversos saberes e
experiências, que eram trocadas no espaço dessa rua. A saber: as negociações, as trocas
naturais, o remédio para as enfermidades, o alimento, as vestimentas – a economia transitava
por ali, estreitamente, em comunhão com as relações sociais. E percebemos elementos
dialógicos alimentados e potencializados nessas narrativas:
As leituras das fotografias da cidade realizadas por D. Ornélia e D. Maria Angélica
instigam lembranças e, em suas recordações demarcam os espaços, refazem os caminhos de
uma Conquista, dos anos 1930, que longe de ser uma cidade esquadrinhada, era uma cidade
adensada. Através dos relatos e das fotografias, uma cidade se configura, se mostra. E serão
sobre esses vestígios, que buscaremos investigar como se deram as práticas sociais, nesse
espaço. Quais sujeitos circularam nesse percurso? E como se estabeleceram suas relações com
o espaço?
A importância de contar esta história a partir das perspectivas dos sujeitos envolvidos
pode propiciar meios de visibilidades na percepção da cidade como espaço construído
socialmente, nas experiências desses sujeitos, nas suas práticas cotidianas de convívio e
enfrentamentos, entendendo que, do olhar sobre as relações desse cotidiano podem ser
encontradas revelações permeadas das práticas urbanas diferenciadas dos costumes e valores
apontados por outros segmentos burgueses na forma de comercialização de produtos.
A feira livre de sábado na cidade de Conquista era assentada sobre o chão da terra,
onde todas as madrugadas e todas as manhãs eram erguidas ‘as barraquinhas’ com as diversos
mercadorias produzidas em sua maioria nas roças e povoados circunvizinhos. Muitos dos
produtos agrícolas eram específicos do ‘tempo de dá o fruto’ – maxixe, abóbora, milho,
quiabo, entre outros, são frutos da época, e a feira se diversifica por essas temporadas.
A diversificação dos produtos desenha o cenário proporcionando um espetáculo de
cores e movimento. Entre as barracas de carnes, toucinho, queijo, biscoito, manteiga de
garrafa, doces, brinquedos e roupas, dentre outros elementos, que abastecia a população local
e de povoados adjacentes. Nesse dia o ritmo da cidade se transforma, movimentando fluxos e
atividades sócio-econômicas e culturais. Desse modo, situada na Rua Grande, a feira ocupava
a maior parte da Rua.
Para a cidade de Conquista, no dia de sábado, essa Praça tinha a função de abrigar a
feira livre, formando uma circunferência comercial, por onde circulavam “feireiros”,
vendedores, compradores, visitantes, transportadores, enfim uma gama de sujeitos que
83
transitando nas transversais, esquinas, corredores e calçadas, estabeleciam suas sociabilidades
e territorialidades, descortinando nos espaços da praça, seus lugares de parada e
pertencimento. Feirantes, comerciantes, fregueses se apropriavam do espaço da Rua Grande,
erguendo-se um cenário de compra, venda e trocas simbólicas desse emaranhado de gente e
produtos.
Figura 9 – Feira da Praça 15 de Novembro, anos 30 (Acervo MRVC)
Era no dia de feira que pessoas vindas de outras regiões, das roças, da cidade se
encontravam, estabelecendo vias de territorialidades, de trocas econômicas e, em comum
teciam múltiplas sociabilidades. Sobre essas territorialidades construídas na feira livre da
cidade de Conquista, percebe-se que estas são vivências simbolizadas por múltiplos
movimentos, dizeres, saberes ordenados pelos sujeitos que freqüentavam e transitavam pelos
corredores da feira. Concomitantemente, as teias de sociabilidades imbricadas nessas
territorialidades são visualizadas como um acervo de apropriações sobre esses pequenos
84
espaços que se formam como territórios pelo uso atribuído por diversos grupos sociais. Desta
forma, ao olhar as fotografias da feira e vicejar seus labirintos, vê-se revelada uma realidade
social que percorre um caminho entre o rural e o urbano – fragmentando ainda mais as
fronteiras entre o campo e a cidade.
Desse mesmo espaço construído socialmente pelas práticas dos seus partícipes:
homens, mulheres e crianças, provenientes da zona rural também, se mobilizavam para viver
mais esse dia de feira. As crianças eram levadas para visitar os padrinhos e madrinhas que se
avizinhavam na cidade. As famílias da roça aproveitavam a feira para visitar filhos e parentes
que viviam na cidade - essas experiências se estabeleciam pela cultura de agregação nas
famílias abastadas. Muitos possuíam agregados que eram filhos de roceiros que residiam nas
casas, geralmente instalados nos quartinhos construídos no quintal, cumpriam a função de
atender aos serviços da casa.
Figura 10 - Feira Livre da cidade de Conquista, anos 30 (acervo MRVC)
Os partícipes da feira pousaram para a realização desta fotografia onde a cena foi
descrita através do jogo de sentidos possibilitados pela chegada da máquina fotográfica. Ficou
evidente na expressão dos olhares a aparição de uma coisa única, uma pose para o novo, para
o desconhecido. A fotografia que recolheu da feira homens e crianças revelou uma forma de
ação, uma ação representativa de um grupo que estava distanciado das inovações tecnológicas
85
e demonstravam isso nas suas impressões, registradas nesta imagem, através do
posicionamento dos corpos, da fixidez dos olhares e da jocosidade das crianças. A imagem
remontou uma memória da coletividade que freqüentava a feira e vai até a casa ao fundo,
onde duas meninas estão na porta, talvez sem a permissão de sair para se misturar ao
aglomerado. Esse grupo que participou desta fotografia talvez não tenha visto o produto
revelado, no entanto, o fotógrafo buscou a participação de todos para fixar a imagem desse
grupo que transitava pela feira e viabilizar sua intenção de registrar essas pessoas que não
participavam de uma vida na cidade.
Os feirantes vindos das roças vizinhas trafegavam por caminhos e veredas, em lombo
de jegue, em carroças, ou carros de boi, atravessando fronteiras que se movimentavam diante
das necessidades impostas - astuciosamente construídas por picadas, atalhos e mata-burros; as
cercas eram atravessadas para chegar ainda ao amanhecer na cidade e encontrar o seu pedaço
de chão para depositar seus víveres. Outros que chegavam de lugares mais longínquos
dormiam na cidade e para tanto, faziam-se hóspedes do barracão instalado na Praça.
No registro do projeto orçamentário do município de Conquista para o exercício de
1924 consta que a receita do município é orçada em reis 93:460$ 000, e se constitui com o
produto que for arrecadado pelas rendas, impostos e taxas especificadas em uma tabela, que
no caso dos feireiros incidiam sobre o item: impostos sobre indústria e profissão, artes e
ofícios, arrecadados de acordo com os valores cobrados na Tabela 03 – Comércio e Indústria
ambulante:
§ 8º 1$000, por barraca armada nas feiras do município, sendo cobertas de pannos e
movediças, § 9º 5$000, por barraca armada nas feiras do município, sendo fincada
no solo. § 11, 1$000, para expor á venda fumo de corda ou folha nas feiras do
município. § 12, 400 reis, por meio de sola ou vaqueta vendidos nas feiras do
município.
A incidência das taxas e impostos pesavam sobre as condições de trabalho dos
feireiros deixando ver uma condição hierárquica dentro desse espaço. Nem todos os roceiros
tinham condições de assumir o pagamento das taxas impostas sobre a aquisição de barracas e
acabavam deitando seus víveres em lonas no chão. Desta forma, surgia a necessidade de
chegar cedo ao local para enfrentar a disputa pelo melhor lugar de passagem dos fregueses.
Muitos desses roceiros dormiam na cidade para montar seu lugar de venda e para tanto
utilizavam o barracão administrado pela Intendência.
86
A existência deste barracão remonta um período anterior do abordado para este estudo.
No entanto, este edifício antevê importantes referências para os feirantes do período de 1920 a
1940 na cidade de Conquista. Nos registros de memória de Aníbal Viana (1982) esse barracão
foi demolido na gestão do Intendente Coronel José Fernandes de Oliveira Gugé (1912 –
1915), entretanto, acompanhando relatos de memória para a nossa investigação – encontramos
várias referências à existência de um barracão – abrigo de tropeiros e roceiros, situado na
Praça.
Ainda segundo Viana, a demolição do barracão suscitou o enfrentamento do Coronel
Gugé com alguns conselheiros que possuíam lojas comerciais próximo ao edifício. Viana
relata que:
O velho barracão foi por terra e para não contrariar o sincero correligionário, o Cel.
Gugé adquiriu uma grande casa, com amplo quintal, ao lado da ‘Loja Estrela’ do
Cel. Costa, que ficou por muitos anos servindo de arrancharia de tropeiros e
feirantes, permanecendo ali até a mudança da feira-livre para a Avenida Municipal,
(atual Lauro de Freitas), no governo municipal do Dr. Régis Pacheco.90
Para esses segmentos sociais envolvidos no projeto de urbanização da cidade, era
muito estreita as relações de compadrio e de proteção aos correligionários. Mesmo atuando
administrativamente na demolição do barracão, o Coronel Gugé tratou de providenciar outra
instalação próxima ao comércio dos conselheiros / comerciantes. Estas estratégias do poder
em manter o apoio de seus correligionários, através de favoritismos desdobravam-se nas
necessidades impostas pelas atividades dos comerciantes, como também reforçava, os
mecanismos de poder que legitimavam os significados dos usos do solo urbano. Assim,
caberia aos sertanejos pobres desses rincões continuar a fazer hospedaria no local agenciado
pelos poderosos locais.
Acompanhando os jornais que noticiavam sobre a feira percorremos denúncias feitas a
respeito das condições de trabalho estabelecidas na feira de Conquista onde não se descartou a
jocosidade. As referências a um passado idílico, o incômodo dos feirantes ocupando as lojas
em dia de chuva e, de forma a concretizar o elemento da denúncia, o jornal militava em defesa
dos feirantes sugerindo a necessidade de um abrigo. O Major Deoclides Novais é o jornalista
que escreve a matéria e que também é negociante da Praça e mantém uma posição
diferenciada sendo a favor da construção de um mercado municipal. Nas entrelinhas, ele
90
Viana, op cit., p. 656
87
aborda uma urgente necessidade da construção do mercado para a cidade de Conquista. Ele
escreve para o jornal A Semana:
Pobre povo!
O lamaçal da Praça “15 de novembro” nos dias de feira – é uma triste nota para a
Conquista.
As feiras semanais da mui futurosa ex-imperial Villa da Victoria e que hoje acode
pelo nome mais resumido e menos pomposo de – cidade de Conquista – é um
espetáculo que desafia a penna humorística de um jornalista que tinha o fígado
desopilado!
Antigamente existia ali um velho barracão construído nos bons tempos que se foram
para não mais voltarem, que um illustre intendente mandara demolir, com a intenção
de dotar a cidade de coisa melhor.
O resultado, porém é o que se vê – nem o velho barracão, nem cousa nenhuma e nos
sábados chuvosos é uma lástima se ir á feira.
Se chove a cântaros verifica-se uma confusão medonha pois os feireiros, a fim de se
livrar do aguaceiro deixam os gêneros expostos a chuva para procurarem abrigo nas
casas commerciais e se apenas neblina o lamaçal que se forma é tal que
impossibilita inteiramente o trânsito.
Nos bons tempos da Villa da Victoria, a coisa era melhor – ao menos os feireiros
tinham um grande barracão em que se abrigavam das chuvas e hoje?91
Para destacar a função do barracão e seu significado para os feirantes, o jornalista
remontou um passado idealizado da ‘mui futurosa ex-imperial Villa da Victoria’ e contrapõe o
que se realizava no governo ‘de hoje’. Mas o fato de um jornalista ter recorrido aos valores de
outros tempos para que se registrasse na memória social, indica uma mudança do significado
que os setores dominantes passaram a atribuir neste espaço uma necessidade urgente e
inadiável, de construir-se um mercado, que promovesse o projeto de modernidade, higiene e
civilidade.
As fontes apontam para um embate existente entre os intendentes e alguns
conselheiros municipais resultado das relações que ambos mantinham neste espaço mediante
as condições materiais impostas pela necessidade dos seus interesses comerciais e de trabalho.
Durante as décadas de vinte, trinta e quarenta, esse embate impediu a construção do mercado
público que já vinha sendo reivindicado desde período anterior à demarcação temporal desse
estudo.
No entanto, o Conselho Municipal de 11 de junho de 1924 reservou uma sessão
ordinária para tratar do projeto de construção do mercado, cujo resultado foi a designação de
uma comissão formada por cidadãos conquistenses para definir o lugar do assentamento do
mercado. Tomou parte desta comissão: Doutor Nicanor José Ferreira, Doutor Sinfredo Pedral
91
POBRE POVO!: Jornal A Semana de 14 de abril de 1927.
88
Sampaio, Cel. Francisco Soares de Andrade, Cel. José Maximiliano Fernandes de Oliveira e
Major Leôncio Satyro dos Santos Silva, “a fim de escolherem dois logares appontados para o
mercado, o lugar que oferece melhores vantagens em higiene e terreno” (sic) 92.
Essa comissão dispunha de homens diretamente vinculados aos interesses dos grupos
dominantes, identificados numa condição privilegiada, como aceitos pelos outros segmentos
sociais, que também primavam pela permanência de situações que lhes dessem prioridades
ajustadas aos interesses comuns. Dessa forma, mais um passo à frente para o progresso da
cidade de Conquista foi interrompido reafirmando os ditames impostos pelas práticas da elite
da cidade que estabelecesse o seu domínio e poder.
Quatro anos depois, o jornal A Semana ainda se dirigia ao poder público denunciando
a permanência do estado precário da ‘armação’ da feira na cidade de Conquista e a situação
dos feirantes aparecia como pano de fundo, apontando mais um problema para a cidade com a
sua presença, escrito em editorial, também assinado por Deoclides Novais.
(...) Trata-se da necessidade urgentíssima innadiável, de construir-se um mercado
nesta cidade.
Alem de triste, alem de vergonhoso, além de deponente, é clamoroso attentado
contra a saúde publica, o modo por que fazem as feiras em Conquista. (...) Outro
mal, não menos triste que perigoso, é consentir o poder público que se amarrem os
animais dos fereiros na mesma praça da feira. “Urge a construção do curral em que
se prendam esses animais.” (...)93
No compasso de espera do projeto modernizador da cidade de Conquista, os governos
municipais buscaram efetivar uma série de novos ordenamentos urbanos, tendo em vista
antecipar medidas que pudessem antever proposta de uma cidade civilizada, ordenada e livre
dos miasmas que julgavam disseminados pelos pobres da cidade, mas que não apontavam
ainda para a construção de um mercado público. Os governantes operavam para conservar
privilégios recomendavam intervenções de caráter paliativo e tomavam medidas para ajustar
os novos hábitos dos pobres da cidade que “enfeiavam a rua, mas era provisório”,
A cancela que foi colocada no muro do ‘barracão’, foi causa de murmúrios e críticas
dos que supunham, que ela fosse ficar ali eternamente. Mas (...) ali fora colocada,
por cinco ou seis dias, apenas para coibir o abuso dos que se valiam d’aquelle muro
para práticas pouco limpas e pouco próprias de cidade civilizada. 94
92
Livro de atas do Conselho Municipal de 11 de junho de 1924. Acervo do Arquivo Municipal de Vitória da
Conquista. Livro 12.2.22
93
Jornal A Semana de 19 de agosto de 1928.
94
Jornal O Combate de 4 de junho de 1939. Ano X, Número 9.
89
A Cidade insurge aqui aberta ao progresso, neste sentido pressupunha um novo
ordenamento de condutas e para esta finalidade são interditados os espaços de uso pelos
trabalhadores da feira e pelos pobres da cidade.
O controle do poder público sobre a ordenação de uma civilidade que suprimisse os
usos do espaço evidencia-se nos decretos municipais. O decreto apresentado a seguir tratava
das proibições que o município impunha para manter o ordenamento e assepsia da Praça 15 de
Novembro:
Fica expressamente proibido, a partir do dia 20 do corrente mês, aos senhores
barraqueiros e feireiros armarem suas barracas ou depositarem cargas para dentro
das bordas do calçamento à Praça 15 de Novembro. Fica também expressamente
proibido a partir da data acima estipulada, o facto de deixarem que os animaes
trazidos para as feiras semanais pisarem os passeios ou passarem das bordas do
calçamento para dentro. Os infratores serão punidos com a multa de 20$000 (vinte
mil reis)95
O decreto imposto aos barraqueiros e feirantes direcionado para disciplinarizar a
cidade buscando atender aos reclames de um progresso tão desejado, promovia o cerceamento
das práticas dos moradores das roças e fazendas circunvizinhas que para aquela concepção
criava obstáculo ao avanço da modernidade. Durante a realização das feiras aos sábados, os
animais eram amarrados nas argolas presas nas árvores da Praça e ali passavam o dia a
depositar ‘a esterqueira’, outros eram soltos em ‘mangueiros’ próximos da Praça para a
pastagem. Para impedir que os animais destruíssem o calçamento e o ajardinamento,
causassem prejuízos para a administração, o poder local resolveu proibir a circulação desses
animais e proibiu a “armação” de barracas e depósito de cargas “nas bordas do calçamento”,
afirmando mais a importância física e urbanizada da Praça do que as condições de trabalho
dos feirantes. Percebe-se um campo de força a necessidade de vender mercadorias
indispensáveis para a subsistência e ao consumo de moradores da cidade, isto é, dos
conquistenses que ofereciam para isso o espaço da feira e atender e seguir aos desígnios dos
poderes municipais que ao impedir a construção do mercado, joga sobre os feirantes a
responsabilidade e o ônus de estabelecer uma ordem que seguia na contramão dos seus
costumes e estratégias de condução do trabalho.
Alguns anos depois, em 1944 o jornal ‘A Conquista em sua coluna: “Comentários da
Semana” denunciava a ausência de um prédio para o funcionamento do mercado municipal
95
Livro de registro de decretos e leis..., 13 de junho de 1942. Arquivo Municipal de Vitória da Conquista. Cód.
18.2.40-1
90
(...) Esperávamos com razão, ter este ano o prédio do nosso mercado. (...) Mas
estamos no segundo semestre e não foi batida sequer a sua primeira pedra. A
localização é o cavalo de batalha, cada qual tem sua opinião quanto a ela. Opinião de
convergência e divergência da prefeitura.96
Os termos desta denúncia colocaram em evidencia o problema da construção do
Mercado, que era justificado pela prefeitura como dificuldade na aquisição do terreno. Além
disso, aquela comissão indicada na reunião do Conselho Municipal de 1924, exatamente vinte
anos antes, recorrente a esta denúncia, prenunciava a importância da construção do mercado e
afiançava a escolha do lugar para atender o melhoramento que prescindia na cidade. A
comissão relata que:
Em obediência á vossa determinação para que examinássemos os dous logares
seguintes a estrada de S. Bernardo nas proximidades da casa da Srnª Maria Victoria
e o alto das ‘sete casas’, para num deles, ser edificado o mercado publico, isto o
fizemos hontem a tarde, como determinastes. Sem que a comuna possua uma planta
cadastral difficel se nos afigura dizer para onde futuramente se estenderá esta cidade,
mais attendendo as ultimas construções que se tem feito vê-se claramente que ellas
procuram a região de malta e com especialidade o planalto em que se acha à estrada
de S. Bernardo. (...)97
O Relatório da comissão correspondia, assim, às mudanças requisitadas por um
conceito que interpretava um crescimento desordenado e espontâneo da cidade e dos espaços
construídos por segmentos da sociedade conquistense, em sua maioria coronéis, comerciantes,
profissionais liberais que construíam sem uma planta cadastral ordenada pelo município. O
Relatório admite que,
já que não possue esta planta, somos levados a que, com maior imparcialidade e
attendendo aos interesses collectivos da população darmos o nosso parecer sobr5e
este grande melhoramento que é o mercado municipal, melhoramento que tanto se
resente esta cidade, e aproveitando as boas intenções do digno intendente deste
municipio, somos de opinião que o referido mercado seja construído no primeiro
local, isto é, na estrada do S. Bernardo. (sic.)
Então o relatório de 1924 definiu o terreno e se encarregou de apontar uma relação de
motivos que levaram a tal escolha:
96
COLUNA COMENTÁRIOS DA SEMANA: Jornal A Conquista, 16 de julho de 1944.
Livro de Ata do Conselho Municipal do dia 18 de junho de 1924. Acervo do Arquivo Municipal de Vitória da
Conquista. Livro nº 12.2.22.
97
91
a)Por estar mais no centro do atual perímetro urbano; b) ser mais fácil accquisição
de terrenos para a construção; c) os terrenos se prestarem melhor para construção
attendendo a sua natureza argilosa; d) desenvolvimento mais rápido de construção
neste trecho; e) fácil acesso da população ao mercado, pois varias ruas não ter ao
referido local; f) dar-se – há com pouco dispêndio por parte do municipio, o
aformoseamneto de uma praça e duas ruas; g) ficar mais perto da casa de detenção
para o caso de algum distúrbio poder a força publica agir mais rapidamente; i) ser o
local mais alto e o ar mais puro; j) mais hygienico, se bem que isto depende sempre
do critério de quem desempenha os serviços de hygiene.(sic)
Muito embora os motivos listados pela comissão de 1924 fossem considerados
relevantes do ponto de vista propiciado pelas necessidades de ordenamento, civilidade e
modernidade que se queria dar ao desenho urbano viu-se que a construção do mercado
público não se concretizou. Esse empreendimento transformou-se em mais uma ferramenta de
poder no âmbito de desacordos entre o poder legislativo e executivo com o impedimento
dessa obra que dificultava a vida dos feireiros. A falta de um mercado municipal causava
‘lástima’ e ‘vergonha’ na realização das feiras dos sábados,
e entre nós mormente nos dias invernosos, o local da feira transforma-se então num
repugnante e perigoso lamaçal, notando-se asquerosa mistura de detritos vegetais
como diversos gêneros alimentícios; enfim ali se contempla uma verdadeira
imundície, que depõe muitíssimo contra o nosso nome de povo civilizado. (...) Vem
a pelo dirigirmo-nos mais uma vez aos distintos membros do Concelho
Municipal, o qual está funcionando, no sentido de solicitar dos ilustres edis uma
emenda no projeto de lei, referente à edificação do mercado, indicando outro
lugar (contanto que não seja na “Praça 15 de Novembro”) que se preste bem à
construção do aludido edifício.98 (grifo meu)
Portanto, como se pode perceber em ambas as matérias, o controle sobre os espaços
urbanos foi regido pelos desígnios políticos influenciando diretamente a vida dos habitantes
que passavam a se tornar intolerantes porque colocavam em risco a saúde e o bem estar dos
moradores da Praça. Segundo o memorialista Mozart Tanajura que publicou o livro História
de Conquista – Crônica de uma Cidade, foi no governo do Prefeito Régis Pacheco, em 1938,
que a feira foi transferida para a Rua da Avenida atual Lauro de Freitas.99
98
99
Matéria do Jornal A Notícia de 12 de novembro de 1921 apud Aníbal Viana.
TANAJURA, Mozart. História de Conquista – Crônica de uma Cidade. Vitória da Conquista, 1992.
92
Mapa dos locais de mudança do espaço da feira livre.
(...) Embora sem edifício para o Mercado Público, permaneceu aí por muito tempo.
(...) Na gestão do Prefeito Antonino Pedreira (1946-1950), a feira foi transferida
para a Praça da Bandeira, onde se construiu o Mercado. 100
A transferência da feira livre em 1938 para outra rua não foi aleatória. O Médico Régis
Pacheco que veio para Conquista com a missão de debelar uma epidemia de varíola que
100
Tanajura, op. cit, 1992.
93
grassava a cidade nos anos de 1919 e 1920, e aqui se envolveu com a vida política, desenhou
na sua trajetória um novo tabuleiro nas correlações de forças políticas no município. Quando
assumiu o governo municipal Régis (1938 – 1945), empreendeu diversas interferências na
reconfiguração da planificação urbana da cidade. Ele podia, de fato, concretizar essas
mudanças, mas também, havia motivos políticos relevantes neste processo.
No município de Conquista esse novo xadrez nas correlações de forças políticas
definidas no âmbito da conjuntura nacional definidas pelas articulações que sustentaram o
golpe e a implantação do Estado Novo em 1937, que vai desestabilizar definitivamente o
poder das velhas oligarquias locais. Ao investigar a história política do município referente a
este período, Ruy Medeiros afirma que:
O “tenente” (Juraci Magalhães) caiu e sua queda foi também a queda do Coronel
Deraldo Mendes em Conquista. Em 20 de novembro de 1937, o Interventor Federal
na Bahia, General Antônio Dantas, nomeou Joaquim Fróis de Caíres Castro, pessoa
vinculada à Igreja Católica e líder integralista, prefeito do município, cargo que esse
ocuparia por pouco tempo, pois em maio do ano seguinte, o novo interventor –
Landulfo Alves de Almeida resolveu nomear Régis Pacheco Pereira para o cargo de
Prefeito Municipal. Surpreendentemente, um expoente do autonomismo torna-se
prefeito do Estado Novo. A política muito polarizada não permitiu outra solução.
Landulfo Alves não podia manter as forças locais que apoiaram o deposto tenente
Juracy Magalhães. Não havia liderança local expressiva que pudesse assumir a
difícil tarefa de consensualmente administrar o município e, além disso, havia laços
de amizade entre parentes do novo interventor e Régis. Este ficaria no governo até a
década seguinte. Ampliou as bases de seu grupo com adesão de descontentes com o
grupo de Deraldo Mendes e de outros conquistados por sua sagacidade política. 101
Acerca do acompanhamento político sobre as medidas de urbanização da cidade de
Conquista revelavam as astúcias do poder, na medida em que concebiam as determinações
sobre o controle dos usos urbanos e sobre as suas transformações não se apresentavam
neutralidades. A recorrência às necessidades do remodelamento da urbes vem inscritas nos
comportamentos citadinos que tornavam os atributos dos equipamentos da população pobre
ou aqueles vindos da zona rural incompatíveis ao progresso da cidade. Surgia então, uma
memória que proferia determinados comportamentos logrados hegemonicamente e
impugnava as ações dos segmentos marginais a essa classe dominante. O capítulo
subseqüente vai tratar dessa extensão das transformações urbanas compreendida nas práticas
sobre a Rua Grande em seus elementos referencias de Praça e Igreja.
101
MEDEIROS, Rui. Realistas e Idealistas. Texto publicado no site <http://www.blogdopaulonunes.com>
Pesquisado em 23/11/2010.
94
2.4 DA RUA GRANDE AOS TEMPOS E ESPAÇOS REPUBLICANOS: PRAÇAS 15
DE NOVEMBRO, DA REPÚBLICA E BARÃO DO RIO BRANCO.
Vim para essa cidade com um objetivo único em mira: ensinar. Era março de
1939.(...) Naquela noite, logo após o jantar, antes de qualquer acomodação, eu quis
ver de perto a praça enorme, que então, se estendia do Hotel à Igreja, limite da sua
outra distante extremidade.(...) Achei esquisita a praça daquele tamanho, sem
calçamento, sem árvore, sem jardim, como esquisitos considerei, ainda, as casas de
frente grande, com muitas janelas e uma porta no centro da construção. O contraste
teria que aparecer. É que eu era de Caetité, uma cidade arrumadinha, com sua Rua
Barão, calçada de pedra e iluminada a luz elétrica.102
Everardo Públio de Castro
(...) Eu estava na expectativa. Na manhã friorenta; todas as formas foram tomando
um sentido real, preciso, exato. As casas incrustadas, na encosta meio íngreme, as
árvores que dão um aspecto especial às ruas. Eu via a Praça 15 de Novembro, até os
seus limites – meio tortuosa, porém ampla. Ninguém. O ar da madrugada, fino,
vivificador e fresco. Lembrei-me dos campos do Rio Grande do Sul, das savanas da
Argentina, do charco desolado. Mas essas coisas se repetem. O mundo já se torna
bastante vulgar pelas suas semelhanças e relações 103
Autor desconhecido
Figura 12 - Praça 15 de Novembro, anos 30 (acervo do MRVC)
102
Esse fragmento compõe uma crônica escrita pelo professor Everardo Públio de Castro e foi publicado no
Jornal O Fifó, Vitória da Conquista, 9 de novembro de 1977.
103
Esse fragmento compõe um texto escrito por um visitante (não foi registrado o nome do autor) e foi publicado
na primeira página do Jornal O Combate de 31 de março de 1941, Ano XII, número 26.
95
Os contrastes e evidências apresentados nos textos das epígrafes são memórias,
experiências vividas expressas em prosa, verso e imagem sobre o universo da Rua Grande.
Rua que se transforma em texto e imagem sob o “olhar estrangeiro” que compartilha visões,
imagens e percepções sobre os espaços da cidade nas quais seus habitantes regulares não
conseguem capturar aquele imaginário. Esse distanciamento forma imagens sem uma
interpretação cuidadosa sobre o cunho social e político, o espaço se configura como
idealizado e arrevesado por definições comparativas como as realizadas pelo Professor
Everardo que expõe seu estranhamento; sobre outra narrativa quase poética, emerge como
“vulgar em suas semelhanças” sugerida pelo autor desconhecido e, sobre a linguagem
fotográfica, um olhar que se materializa no jogo de luz e sombra fazendo surgir a praça
bordada pela arquitetura das casas e a promessa de crescimento da cidade.
A fotografia acima, provavelmente enquadrada a partir da torre da Catedral Nossa
Senhora da Vitória por Manoelito Melo (1912-1983), de aproximadamente 25 anos de idade.
A datação desta fotografia foi rastreada a partir de confluências e referenciais das construções
da cidade. Por exemplo, ao examinar o ângulo que pressupõe uma imagem focada de cima
para baixo e examinando o conjunto de casas e o formato arquitetônico é possível deduzir que
muito provavelmente esta imagem foi enquadrada na torre da catedral, única construção com
altura suficiente para possibilitar essa moldura; o acontecimento corresponde ao final da
construção do templo em 1937 quando a torre já estava erigida e, portanto, é maior a
possibilidade de Manoelito ter subido para registrar essa memória imagética da rua do que seu
pai Manoel Eufrázio, Neca Correia, que já contava 54 anos, e portanto, com uma idade
avançada para subir por uma torre em construção. No entanto, o pai ainda poderia estar
atuando, e empreendido junto com o filho a produção da fotografia, pois se sabe que a maioria
das fotos datadas dos anos de 1920 são de autoria de Manoel Eufrázio.
As relações dos fotógrafos com a cidade diz muito sobre os ângulos que foram
construídos as imagens e neste caso, como apontamos na apresentação dessa dissertação, os
fotógrafos da família Melo descendiam do primeiro Intendente da Cidade de Conquista – Cel.
Joaquim Correia de Melo é muito provável que seus olhares para a cidade pudessem estar
contaminados de forma significava pela perspectiva de manter a hierarquia, respeito e
obediência a valores impressos na tradição conservadora da família. Por conseguinte, esses
fotógrafos atuavam nessas referências, em que a cidade se mostrava através da imagem
desdobrada nos seus significados mais nobres, como o embelezamento, a assepsia e as
possibilidades de crescimento e progresso vistos do ponto mais alto construído na cidade.
96
Em todo o caso, interpretar o ‘olhar estrangeiro’ potencializa as surpresas e o
assombro do que lhes é diferente e nos remete a indagações que por vezes podem parecer
corriqueiras e sem historicidade. Partindo dessa premissa, ousaremos neste capítulo percorrer
a Praça 15 de Novembro em seus vestígios, tendo como principal caminho, além da
documentação da administração municipal, os jornais, as entrevistas orais e as fotografias
tomadas da cidade em seu circuito de produção, circulação e consumo. Consideramos a
problematização do espaço construído por sujeitos envolvidos que remetem desdobramentos
nas suas relações de sociabilidades, trabalho, convivências e os significados que propiciam
uma visão da cidade sobre a arquitetura que a sustenta é referência obrigatória para essa
interpretação.
Figura 13 - Praça da República anos 40 (acervo MRVC)
Encontramos no arquivo municipal de Vitória da Conquista um registro do projeto de
lei nº 146, de 27 de fevereiro de 1926, aprovado em última redação pelo Conselho Municipal
que decretava uma proibição sobre as construções ou reconstruções de prédios nas principais
ruas e praças da cidade pelo sistema ‘archaico e rotineiro’ usado desde a fundação da urbs até
hoje’, estabelecendo regras de remodelação no desenho das habitações. O primeiro artigo
deste projeto incidiu em determinações específicas sobre a Praça 15 de Novembro:
97
Nenhum prédio nas referidas ruas e praças, poderá ter a frente inferior a quatro
metros e 44 centímetros de altura; é indispensável que o mesmo seja com platibanda
na Praça 15 de Novembro e tenha cornija com ou sem platibanda nas demais ruas e
praças, de acordo com o estilo moderno.104
Vimos nesta imagem o desenho das reformulações exigidas pela legislação. Na década
de 1940 a arquitetura da praça já se delineava conforme o projeto de remodelamento para a
cidade. A despeito das reformulações impostas pelas leis municipais, não era extraordinário
que para a Praça 15 de Novembro integrassem elementos à arquitetura das casas diferenciadas
das outras ruas, dando-lhes aspecto moderno mediante a intervenção do estilo eclético que
viria a substituir o modelo colonial rústico, considerado arcaico diante dos valores
importados. Esta Rua que era a rua de morada da elite conquistense surgia aprimorada pelo
neoclassicismo que vigorava no Brasil a partir do início do século 20, firmando um estilo que
suprimisse a idéia do colonialismo. Essas fachadas mantinham uma característica peculiar, ou
seja, a inclusão da cornija e da platibanda, que construídas nas bordas do telhado cria um
estilo e surge também como um incremento tecnológico que vai funcionar para não deixar a
água que escoe dos telhados inundarem e elamaçarem as ruas. Essas soluções carregadas de
diversos elementos arquitetônicos desdobra-se em um ecletismo próprio dessa condição de
importação de valores para a afirmação de uma modernidade e progresso.
Figura 14 - Parte baixa da Rua Grande anos 30 (acervo MRVC)
104
Livro de projetos de leis do Conselho Municipal. Acervo do Arquivo Municipal de Vitória da Conquista.
Livro nº 18.2.23 de 27 de fevereiro de 1926.
98
Essa diferenciação denuncia as referências sócio-culturais que o poder legislativo
propugnava para a efetiva remodelação da Rua Grande de forma a justificar o projeto de
modernização. Outro fator preponderante de ordenamento dessa rua passou pelo alinhamento
da altura das casas, cujo ‘pé direito’105 não poderia ser ‘inferior a 4 metros e 44 centímetros de
altura’, formando um traçado que consequetemente daria alinhamento à Praça. Tais elementos
são detratores das condições de uma vida social livre do desmazelo e ordenada conforme uma
construção harmônica e feliz, conforme os desejos de moradia da elite conquistense.
Vimos esse processo de remodelação da Praça 15 de Novembro se intensificar no
governo municipal de Régis Pacheco (1938-1945) através de diversas ações que conduziam
para a afirmação de uma cidade construída estrategicamente para obedecer às normas vigentes
instituídas pelos segmentos dominantes, visto que, as forças do poder municipal se aliavam a
essa elite moradora da praça. Constituindo as iniciativas de remodelação do espaço urbano
para a cidade de Conquista, Régis Pacheco acionou a aprovação de um novo código de
posturas (1938), promoveu a realização da planta cadastral da cidade, transferiu a feira livre
para uma rua distante da Praça 15 de Novembro, e por fim, divide e desmembra a Praça 15 de
Novembro, logrando na parte superior em Praça da República e na parte inferior em Praça
Barão do Rio Branco, permitindo intervenções no centro e meio da praça suprimindo
definitivamente aquela Rua Grande, sem ‘aformoseamento’; estranha, desértica e vulgar como
concebe os visitantes.
Uma atuação mais efetiva do poder público no processo de homogeneizar e no
conseqüente projeto de modernização dos espaços urbanos pode ser percebida no decreto-lei
nº 75 de 29 de agosto de 1938 que criou o código de posturas do município baseado em
considerações pertinentes às práticas autoritárias do governo municipal, que excluía os setores
populares do processo de decisão política. O código de 1938 deveria legislar a organização da
cidade dentro de ‘um novo surto de progresso’, “considerando que a municipalidade, dentro
do Estado Novo, está sujeita a novos direitos e deveres, bem como os munícipes.”106
As mudanças impostas pelo código de posturas foram fundamentais na atuação da
administração pública sobre a necessidade de promover um novo ordenamento e desenho na
cidade conforme os ditames da modernidade. O parágrafo 71 que trata do ‘Ponto e do Estilo
do Prédio, que se referia às construções e reconstruções do perímetro urbano diz que:
105
Pé direito significa a medida do piso ao teto de um edifício.
Decreto-lei n. 75 de 29 de agosto de 1938 que cria o Código de Posturas do Município de Conquista. Acervo
da Biblioteca do Arquivo Público do Estado da Bahia.
106
99
São banidas do perímetro urbano as meias águas e as construções em forma de
chalet ou casa de campo; todo o edifício a se construir, em qualquer estilo
arctetonico comum, deve o constructor apresentar o projeto, com planos e
detalhes.107 (sic.)
Essa homogeneização dos espaços urbanos era determinante não somente como uma
tentativa de regular o uso das edificações, mas servia fundamentalmente como instrumento
para impor os valores modernizantes sobre as construções na cidade. Os artigos 53 e 56 do
código de postura que trata do alinhamento e nivelamento das construções do espaço urbano
foi mais enfático ao inferir proibições e multas sobre qualquer construção de fachadas e
muros fora do alinhamento concedido na medição da prefeitura. As posturas citadas
demonstram a intenção dos poderes públicos com o novo desenho que se pretendia para a
nova urbanização,
Art. 53 Ninguém poderá construir, reconstruir, modificar ou consertar prédios e
muros, fazer abertura de covas para alicerces de qualquer construção, sem alvará de
alinhamento dada pela prefeitura.
Art. 56 Não será permitida a construção e reconstrução de prédios para dentro do
alinhamento sem que fique uma faixa de 4 metros, pelo menos, entre a fachada e o
alinhamento cuja área só poderá ser utilisada por ajardinamento.108(sic)
As penalidades sobre as infrações eram cobradas equatitativamente sobre os
moradores. O valor dessa multa sobre o alinhamento e nivelamento de qualquer dos artigos a
punição incidia com a multa de 30$000 (trinta mil reis) e o dobro nas reincidências. Para
estimular o ordenamento das construções a prefeitura gerava uma bonificação de dez por
cento (10%) sobre o total do imposto a pagar. O projeto de remodelamento da cidade fazia-se
sentir intensificada pela legislação vigente. Entre as penalidades e as bonificações o espaço da
Praça 15 de Novembro na cidade de Conquista foi-se transformando ao imprimir novos
espaços nessa Praça, que era uma só.
A transformação na arquitetura da Praça 15 de Novembro seria definitivamente
modificada a partir das intervenções, com a construção da Praça da República na parte
superior e a Barão do Rio Branco na parte inferior da Praça. O Decreto-lei nº 17 de 7 de
107
108
Código de postura, op. cit, p.15
Idem, p.13
100
dezembro de 1943 ‘dá o nome de Praça “Barão do Rio Branco” á parte desmembrada da
“Praça 15 de Novembro” pelo Plano Cadastral da Cidade.
Esses desdobramentos das modificações dos espaços que se realizaram através das
novas reconfigurações ocasionaram mudanças de sentidos que os sujeitos imprimiram em
suas ações cotidianas. A Praça que era uma só e atendia aos movimentos do comércio da
feira, da subida para a igreja, dos passeios, do transito dos trabalhadores, agora deveria ser
atravessada por recortes e obstáculos marcando um passo diferente daqueles passavam em
cumprimento de suas múltiplas tarefas.
Figura 15 - Catedral Nossa Senhora da Vitória com a Praça da República anos 40 (Acervo MRVC)
Pelo olhar do fotógrafo pode-se vislumbrar as transformações do lugar, revelado na
arquitetura da Catedral e no terreno sobre o qual crescia as primeiras árvores da Praça da
República bordeada pelo casario de estilo eclético caracterizado pelas cornijas e platibandas,
excetuando duas casas que ainda resistiam ao ordenamento da modernidade e ainda
preservavam o estilo colonial rústico com seus telhados à mostra. Estas reentrâncias da
memória se distinguiam através das múltiplas experiências que escondem seus habitantes da
imagem. Por esta escolha do fotógrafo a Praça insurge solene e talvez até ‘vulgar em suas
semelhanças’, como atentou o visitante desconhecido da nossa epígrafe. A imagem não
101
consegue recompor a recognoscibilidade das práticas atuantes do passado e como tal se
apresenta incólume de contradições. Onde se situa a memória dos feirantes ou dos
trabalhadores de ganho, para quem caminhou nos anos de 1940 pelas Praças da República e
Barão do Rio Branco?
A respeito desses desdobramentos essa memória tende a se perder nas arbitrariedades
do poder municipal que conduziram novas seleções para a padronização do progresso atual.
Para Marcel Roncayolo, tratando sobre a urbanização da cidade de Paris, analisa o modelo
haussmanniano como inicialmente um espaço público. No espaço planejado pelo Prefeito
Haussmann, ‘tudo se ordena em torno da rua, do boulevard, das praças, a partir do desenho
desses. Em uma economia liberal em plena expansão, é inicialmente o lugar privilegiado da
intervenção pública, do interesse público.’109 Essa experiência é exportável para outros
projetos urbanos que objetiva a constituir cenários urbanos nas áreas centrais das cidades de
forma a adequar um padrão urbanístico consagrado no ideário do espaço público disciplinador
e homogeneizador das condutas sociais.
As atuações referendadas pelo poder municipal nas intervenções do espaço público, no
entanto, não se realizou sem conflitos. A Igreja como proprietária de grande parte das terras
da cidade tinha o poder de “aforar” terrenos para construções, esta conduta sofreu uma
intervenção legal, através da portaria nº 141 de 23 de setembro de 1941, tendo em vista “a
perfeita execução do Plano de arruamento aprovado pelo Departamento das Municipalidades”
que resolve anular,
qualquer ato de aforamento feito pela Igreja Matriz desta cidade quando se verificar
vir o mesmo de encontro ao estabelecido pelo plano de arruamento aprovado pelo
Departamento das Municipalidades, podendo, neste caso, o Prefeito embargar ou
proibir qualquer construção ou movimento nocivo ao plano cadastral da cidade, sem
nenhum ônus para a Prefeitura ou direito de indenização por parte dos foreiros ou
aforadores.
Qualquer requerimento de aforamento no perímetro urbano, deverá ser enviado pela
Igreja Matriz, proprietária dos terrenos, á Prefeitura, que o apreciará e mandará fazer
da respectiva locação, dentro do plano estabelecido.110
A forma desordenada de ocupação territorial e de utilização dos edifícios públicos por
favorecimentos a determinados grupos da elite local foram aos poucos dando lugar a um
projeto maior – que era remodelar e civilizar a cidade, e esse projeto apesar de colocar em
109
RONCAYOLO, Marcel. Mutações do espaço urbano: a nova estrutura da Paris haussmanniana. In: Projeto
História, nº 18. São Paulo: Educ, 1999. p. 91-96.
110
Livro de atos e decretos da Prefeitura de Conquista. 18.2.40.1. Arquivo Municipal de Vitória da Conquista.
102
xeque o poder da Igreja Católica mostrava por outro lado que, esta tinha todo interesse em
atuar conforme as determinações deste projeto de progresso para a cidade.
Figura 16 - Igreja Matriz Nossa Senhora da Vitória, anos 20 (acervo do MRVC)
Retornando aos anos de 1930 vimos que a atuação da Igreja competia em decidir pela
demolição do primeiro templo da Igreja Matriz construída pelo colonizador no início do
século XIX. O edifício que guardava o templo dos católicos da cidade de Conquista
circunscrito à Praça ‘estava velho’, em péssimo estado de conservação e em vias de desabar
atestando um perigo para a população.
Nenhum grupo locado no poder queria assumir a demolição do edifício, dado o
significado do prédio diante da religiosidade, que ‘por mais de um século serviu a Nossa
Senhora da Vitória’. A esse respeito o Jornal Avante publicou na coluna Factos e Notícias de
01 de agosto de 1931:
Está em começo de demolição a igreja velha. Depois de meticulosas vistorias de
competentes engenheiros, e diante do respectivo laudo attestando a ameaça do seu
desmoronamento, em vista das suas paredes fora do nível, o velho templo foi
condenado ao desaparecimento. E a obra começou ferindo profundamente o coração
do povo acostumado a um velho templo, o símbolo glorioso do seu passado e da fé
viva dos ousados donatários das terras da Victoria. Com o desaparecimento da velha
103
igreja, desaparecerá o marco grandioso das nossas mais bellas tradições. Mais, o
perigo estava emminente, e o desmoronamento inesperado do velho templo, traria
inevitavelmente, grandes perigos e maiores prejuízos. Quase todas as paredes
estavam fora do nível, afirmava o laudo dos peritos nomeados, e, por isso urgia
quanto antes providências para a demolição do templo, a fim de aproveitar alguma
coisa, algum material...111 (sic.)
O periódico assinalava os motivos para justificar a demolição do prédio, mas apontava
uma preocupação em afirmar as ‘meticulosas’ vistorias feitas por profissionais competentes e,
portanto, isentando qualquer dúvida a respeito da necessidade urgente em demolir o templo
cristão. Então os engenheiros atestaram a demolição do templo numa decisão referendada
conforme as propriedades de um conhecimento científico atribuindo significados que
legitimasse tal decisão dos segmentos dominantes da cidade sobre a demolição de um
‘símbolo glorioso de fé viva’. Esse trabalho acabou ficando a cargo dos presos da cadeia
pública que no mesmo ano, 1931, puseram abaixo todo o prédio. Em 1932 teve início a
construção da Matriz, localizada na mesma praça, mas, num local mais acima, acompanhando
o alinhamento das casas. Em 16 de maio de 1938 é colocada a cruz de cimento no alto da
torre da Igreja e no dia 31, do mesmo mês, é inaugurada a nova Matriz.
A imagem da Igreja Matriz agora registrada na fotografia traz nos meandros da
memória, aquilo que existia e não deveria ser esquecido. Esta fotografia provavelmente feita
por Manoel Eufrázio – o Neca Correia, mas uma vez consolidava a cidade. A Igreja Matriz foi
o foco, o enquadramento sobre um pedaço do real (memória), que olhando agora, no presente,
confunde-se com o próprio passado. O que está neste enquadramento ficou concebido como
uma lembrança, sempre levada em conta. O fotógrafo na sua intencionalidade recompõe o
templo católico para sempre nas lembranças dos habitantes da cidade. Ele fotografava para a
posteridade? Não se sabe. No entanto, o templo não mais desaparecerá. Pois, como reflete
Jean-Claude Lemagny, sobre os fotógrafos de temas urbanos:
Ninguém saberia decidir, mas é forçoso constatar que quando o fotógrafo
contemporâneo toma a cidade é, frequentemente, para se enternecer sobre o que
tende a nela desaparecer, ou para denunciar seus aspectos mais desumanos.112
111
FACTO E NOTÍCIAS: Jornal Avante, 01 de agosto de 1931.
LEMAGNY, Jean-Claude. Metamorfoses dos olhares fotográficos sobre a cidade. In: Projeto história. Nº18,
São Paulo: Educ, 1999, p. 115-120.
112
104
Essa contemporaneidade das décadas de 1920 a 1940 na cidade de Conquista foi
marcada por intensas transformações nesse espaço circunscrito a Rua Grande por sofrer ações
mais efetivas do poder público. Percebemos também, que apesar, desse espaço ter sido o
centro condensador das atividades administrativas, comercial, recreativo, entre outras, esses
fotógrafos da cidade de Conquista oportunizaram construções visuais que, mesmo carregadas
de uma tendência homogeneizadora, alheia as dimensões sociais, essa produção conduz a
problematizações fundamentais para construção da história.
105
CAPÍTULO
III
–
JORNALISTAS
E
MEMORIALISTAS:
CONSTRUTORES DE UMA MIMESE DE PROGRESSO PARA A
CIDADE DE CONQUISTA
A publicação do jornal impresso foi um elemento integrante da cidade de Conquista
no início do século XX. No alvorecer dos anos de 1920 a cidade já contava com a existência
de três jornais: A Conquista (1910–1916), O Conquistense (1916–1920) e a Palavra (1917–
1920). Significativamente, foram veículos que, utilizados pelos detentores do poder local,
fizeram circular notícias fomentadas nas práticas de disputas políticas travadas por indivíduos
ou grupos interessados na manutenção do poder diante da municipalidade.113
Essa atuação da imprensa continua a prosperar e durante o período do recorte deste
estudo, que compreende os anos de 1920 a 1945, a cidade de Conquista conta com a
existência de cinco importantes jornais, que serão relevantes para a viabilização da leitura de
imagens sobre a cidade. Desta forma, destacamos o jornal, A semana (1920-1930), A
Vanguarda (1926), Avante (1931-1933), A Conquista (1944) e o Combate (1929-1964). Estes
jornais surgidos na perspectiva da notícia, enquanto um produto de divulgação e mercado
traziam matérias variadas, que iam desde editais públicos até propagandas comerciais,
divulgação de eventos sociais, política local, regional, nacional e, por vezes internacional. A
imprensa não ficava alheia à cidade: palco das transformações que girava em torno das
atividades do comércio, da política, nas lides da administração pública, nos meandros da
urbanização e, fundamentalmente nas disputas pela manutenção do poder local.
Partindo do entendimento de que as fontes recolhidas nos jornais e pelos escritos de
memorialistas possuíam mecanismos próprios de produção e de interpretação , buscamos para
a construção deste capítulo esses sujeitos que escreviam sobre a cidade de Conquista. Desta
forma, indagamos sobre qual a cidade que estava sendo construída por esses sujeitos no
entrelaçamento entre os diretores-proprietários desses jornais e os intelectuais que se
responsabilizavam por engendrar uma construção de memória. Como então, estabelecer
diferenças, posições e contraposições entre essa narrativa memorialística e a narrativa
histórica? E, fundamentalmente, como fazer emergir a história desse espaço produzido pelos
113
A Palavra defendia os interesses políticos do Cel. José Fernandes de Oliveira Gugé, integrante do Partido
Republicano Democrata da Bahia, este jornal publicou artigos polêmicos do escritor e poeta Manoel Fernandes
de Oliveira, O Maneca Grosso, sobrinho do Cel Gugé. O Conquistense, segundo historiadores e memorialistas
locais era um jornal político, que sustentava fortes polêmicas com o jornal A Palavra.
106
novos ditames do progresso e da civilidade que se pretendia construir nessa nova cidade a
partir de um discurso memorialista?
No decorrer dos anos de 1920 a 1945, demarcação temporal para esse estudo, a cidade
de Conquista, contou com uma forte inserção da imprensa escrita. Essa perspectiva da notícia
foi incorporada por diversos grupos que estavam no poder e congratulavam-se nas metas de
construir uma dinâmica de progresso, civilidade e modernidade para esta cidade.114 O
arcabouço dessa dinâmica era constituído por uma intensa relação dos chefes locais com os
intelectuais, que ordenavam as características do modelo de cidade, imprimindo um desenho,
cujas linhas conduziam às novidades exigidas por uma nova modernidade. A cidade
‘sonolenta’ e ‘apática’, necessitava acordar para o progresso, que chegava a passos lentos, nas
brenhas do interior da Bahia, conforme atualizamos na matéria do Jornal Avante:
Conquista, pouco a pouco vae se urbanizando em moldes mais modernos.
O anachronismo pouco a pouco também vae se finando, e o espírito do nosso povo
também vae se elevando de dia para dia, e se apurando no cadinho do bom gosto e
da esthética, dahi este sopro feliz de reconstruções e construções novas que se
verifica constantemente na nossa terra. Os velhos prédios estão sendo
desmoronados, e casinhas mimosas, modernisadas, estão sendo construídas em todas
ás ruas da antiga Villa Imperial da Victória.
É o povo mesmo, de vontade e gosto, que assim faz, que assim quer, mau grado,
talvez, o desamor da fiscalisação pública que ainda consente certos defeitos
existentes nas nossas antigas construções, por falta de uma medida rigorosa e
possível.
Num período curtíssimo, como exemplo, podemos citar nesta cidade várias
reconstruções e construções novas que muito embellezaram as artérias onde foram
construídas.
Na Travessa Lima Guerra, vemos os prédios reformados pelos coronéis Paulino
Fonseca e Manoel Caetano dos Santos; na Rua 24 de Outubro, vemos a construção
do Sr. Geminiano Vianna, na Rua Dr. João Pessoa, dois lindos prédios estão sendo
construídos pelos Srs. Coriolano Nunes e Demócrito Faria, e assim por diante, em
quasi todas as ruas da nossa cidade. ( sic)115
A matéria, provavelmente escrita pelo Diretor do Jornal Avante, o jornalista Bruno
Bacelar, dá a perceber que não existe ainda uma política de urbanização para a cidade. Como
fica claro no texto, ele não esconde sua indignação quanto ao desserviço do poder público,
que ‘consente certos defeitos nas nossas antigas construções’. No entanto, suas críticas não
revelam a defesa de um projeto de urbanização para a cidade, ao contrário elas contemplam e
distinguem as construções dos coronéis e dos senhores abastados que se empenharam em
114
Ver anexo: Relação de jornais surgidos na Cidade de Conquista no período estudado, produzida pelas fontes
referentes ao registro de memorialistas e historiadores locais.
115
CIDADE NOVA. Jornal Avante! , coluna Fatos e Notícias, 2 de junho de 1931, p.2.
107
construir uma nova visibilidade própria na cidade que crescia investindo no potencial para
‘embelezar as artérias’, ou seja, ligar sua imagem a pulsação de um corpo belo e forte que
deveria se afastar do ‘anacronismo’ de um núcleo urbano que abrigava eventualmente
moradores das fazendas e roças. Além disso, as práticas de intervenção nas grandes
edificações vão se intensificar em um processo de valorização material e simbólica
destacando o lugar do proprietário no espaço físico. Assim, percebe-se o adensamento das
ruas 24 de Outubro, Dr. João Pessoa e Travessa Lima Guerra, ‘artérias’ da Praça 15 de
Novembro e que se constituíam a parte principal do núcleo urbano do qual participavam
múltiplos universos socioculturais em convivência.
Acompanhando as matérias dos jornais sobre a cidade, observamos que os autores
falam das necessidades de transformação para atender a ordem do progresso e, independente
da facção política que estavam inseridos, surpreendemos vozes que defendem o movimento
de constituição de uma cidade, na qual o novo deve suprimir o velho, os ricos devem angariar
os melhores terrenos e os pobres serem afastados para várzeas e periferias. Esse movimento
que delimita uma nova geografia social, imposta pela idéia de progresso, chega devagar, mas
já carrega os contornos da desigualdade, e esta cidade não consegue escapar do forte apelo do
mandonismo e do protecionismo, que impera sobre as transformações, ditadas ao toque dos
interesses privados, reforçando um movimento de redefinição do espaço urbano.
À medida que esses jornais fazem críticas aos serviços públicos prestados no processo
de urbanização e usos do solo urbano, observa-se o surgimento de uma memória cuja
narrativa surpreende pela urgência com que remontam os antagonismos entre os diversos
setores da sociedade. A cidade como um corpo deve estar saudável para receber essa nova
dinâmica, essa nova disciplinarização que viria a atender aos ditames da modernidade. De um
lado encontramos uma camada da população que falava através dos jornais, clamando por
melhorias para a cidade e para outras camadas o silêncio daqueles grupos cujas vozes eram
secundarizadas nesses veículos de comunicação impressa. Diante desta perspectiva,
consideramos a importância de indagar: Para quem, então, chegaria esse progresso? Quais
grupos sociais seriam atendidos por essa modernização?
As críticas incidiam sobre o poder local em forma de colunas cujos textos
acessivelmente curtos e carregados de ironias ganhavam força e acertavam o alvo do
levantamento de necessidades que abarcavam os espaços da cidade em que se desenvolvia na
narrativa, conforme veiculada na coluna do Jornal A Semana, intitulada: Fala-se por ahi...
108
“(...) que a estiva do hygienico corrego na travessa do commercio, continua
ameaçando as pernas de qualquer transeunte (...)
(...) que só nas estradas de rodagem é que existem os taes matta burros, entretanto o
governo municipal consente taes ameaças em uma cidade como Conquista,
infelismente abandonada...
(...) que os buracos existentes são innumeros dentre os quaes os da Praça 15 de
Novembro entre o Sobrado do Cel. Justino Gusmão e o Bazar 17...
(...) que os fifós vão gozar de bom preço, devido a falta de luz nesta cidade tão digna
de melhor sorte...” (sic)116
H. Pito
Partindo da análise das fontes vimos que a publicação da coluna “Fala-se por ahi,” fez
parte da composição do Jornal ‘A Semana’, no período de 1923 a 1929, com artigos assinados
pelo seu fundador que usava o pseudônimo de H. Pito. O Fundador do Jornal vai-se esconder
atrás de um pseudônimo para denunciar os descaminhos da administração do chefe local que
neste período estava representado pelo Coronel Paulino Santos (1926-1927). Por outro lado,
na matéria do jornal Avante de 1931, percorremos no vicejar do progresso, um projeto de
remodelação que mesmo com o ‘desamor da fiscalização pública’ já é citada as várias
‘construções e reconstruções’ na cidade.
O Jornal ‘A Semana’ de circulação semanal foi fundado por Deoclides Pereira Novais
e teve em seu primeiro Diretor, o Coronel Deraldo Mendes Ferraz, uma representação de
apoio político ao coronel Justino da Silva Gusmão. Essa liderança fazia oposição à política
situacionista das famílias, Santos e Fernandes, remanescentes da política do coronel Gugé,
que no momento da existência desse jornal estava representado pelo Dr. Régis Pacheco.
As informações e noticias que circularam nas crônicas de jornalistas e memorialistas,
possibilitam visualizar a teia das relações da Cidade de Conquista articuladas pelas elites
letradas e políticas que gravitavam em torno da composição coronelista, acrescida de outros
grupos advindos de famílias das Terras do Sertão da Ressaca que compuseram durante várias
décadas um poder endogâmico chefiando o poder local. Em seu estudo “Arreios, Currais e
Porteiras – Uma Leitura da Vida Política em Conquista na Primeira República”, sobre a
história local, Belarmino de Jesus Souza considera que o poder político do município de
Conquista nesse período,
116
COLUNA FALA-SE POR AHI....: Jornal A Semana, Ano IV, nº 9, 20 de janeiro de 1927, p.2
109
tinha um nítido caráter oligárquico. Ter o controle do Colegiado Municipal da
Imperial Vila da Vitória, ou ser Intendente, ou Conselheiro Municipal em Conquista
(após a implantação do regime republicano), era ter o poder de colocar o público a
serviço dos interesses privados das parentelas. As disputas políticas entre facções,
já no período republicano, representavam interesses e vaidades individuais, na
busca pelo controle da municipalidade e das possibilidades oriundas de vínculos
com os grupos hegemônicos na política estadual. 117
Tomando por base essa análise para a compreensão da leitura dos jornais e sua
inserção na construção de imagens para a cidade de Conquista percebemos que a utilização
dos jornais como porta vozes dos diversos interesses já vinham auto-intitulados e anunciavase como exemplares. Em seus cabeçalhos apresentavam-se como: ‘Orgão Defensor do Povo, e
de Todos os Interesses Sertanejos’, cotejado pelo jornal Avante; ‘Direito e Justiça Sobre
Tudo’ – órgão independente e de publicação bi mensal – Jornal A Vanguarda; Jornal
Independente e Noticioso – O Combate; Órgão Político e Noticioso – A Semana; e,
cabalmente, o Jornal A Conquista, de propriedade e direção do Padre Palmeira, denominavase ‘Tribuna Democrática e Púlpito Cristão – Eis a Conquista.’
Essa tentativa de classificação vai anunciando a necessidade de situar esses órgãos
noticiosos na sociedade conquistense. Seja pelo título, seja pela auto-intitulação, e a produção
de notícias, os jornais da cidade de Conquista possuíam um forte apelo político submetido a
interesses particularizados nas práticas dominantes dos chefes locais, a maioria proprietários
desses jornais que, no entanto, ao se oporem redimensionavam a notícia e polemizavam
situações que retratavam configurações e deixavam aparecer embates e disputas sobre a vida
dos habitantes da cidade.
Apesar da problemática deste estudo, não tratar, de forma específica, sobre as relações
de poder estabelecidas pelos coronéis, é importante compreender e descortinar os contextos
nos quais foram organizados os espaços dessa cidade, procurando desvendar as relações
constituídas pelos diferentes grupos políticos – chefes locais, em suas atuações e interesses
em angariar forças para manutenção do poder diante de outros grupos que compõem a
municipalidade de Vitória da Conquista. Esse enfoque ganha maior importância ao se
identificar que neste período os referidos coronéis eram os proprietários da maioria dos
jornais que circularam na cidade e os utilizavam para construir visibilidades políticas que os
asseguravam na manutenção no poder.
117
SOUZA, Belarmino de Jesus. Arreios, Currais e Porteiras – Uma Leitura da Vida Política em Conquista na
Primeira República. Dissertação. São Paulo: PUC-SP, 1990, p. 91-92.
110
Diretores, redatores, colaboradores e integrantes da composição desses jornais, são
sujeitos sociais que situamos no âmbito de uma vivência urbana, cujo conhecimento vem
refletido no contexto de uma cidade situada no interior da Bahia, onde a distância da capital
configurava os elementos materiais da transformação urbana em um percurso limitado pela
ausência de estradas, transportes e comunicação.
Procuramos demonstrar, no entanto, que apesar das dificuldades impostas pela
ausência de tecnologias que encurtasse as distâncias em relação aos grandes centros e aos
vetores de desenvolvimento mais extensos é interessante relativizar essa condição de
isolamento do Sertão da Bahia corroborada por uma historiografia que atribui a uma realidade
nacional, interpretada como homogênea do Centro Sul e dos grandes centros urbanos como
únicos produtores da história nacional.
Voltando o olhar sobre as especificidades da organização dos espaços urbanos em
Conquista consideramos os vetores de desenvolvimento direcionados por articulações que
eram engendradas por esses proprietários, jornalistas e escritores, que encontravam nos
aparatos disponíveis, a possibilidade de trazer para a cidade de Conquista os beneficiamentos
e melhoramentos que eram transitados na esteira do progresso, relativo às invenções
tecnológicas.
Segundo notícias dos jornais, em 1926 foi inaugurado o telégrafo, numa iniciativa
particular do Intendente - Coronel Paulino Santos. Esse acontecimento mereceu destaque
especial do Jornal ‘A Vanguarda’, e, uma leitura atenta permitia visualizar de forma ampliada
a necessidade de adquirir tecnologias para encurtar as distâncias e promover as trocas de
conhecimento necessárias para recepcionar o progresso.
Conforme podemos acompanhar na matéria intitulada, UMA GRANDE ASPIRAÇÃO
DO POVO QUE SE REALIZA, como se apresenta a seguir:
De duas dezenas de annos a esta parte vínhamos solicitando dos altos poderes
públicos a installação de uma estação telegraphica nesta cidade, melhoramento este
de que muito necessitávamos.
Longe, como vivemos, dos centros adiantados, o telegrafo seria, para nós de grandes
vantagens, de grandes proveitos, porem já estavamos quasi convictos que o governo
debalde se lembraria de nós, quando uma nova alviçareira veio por freio em nosso
pessimismo: o Ministerio da Viação mandara atacar o serviço de Fortaleza a esta
cidade.
De fato o serviço, sob a competente direção do illustre engenheiro Agenor Miranda,
foi iniciado em meiado do anno atrazado e concluído, até esta cidade, no dia 5 deste,
quando foi inaugurada a estação. (sic) 118
118
UMA GRANDE aspiração do povo que se realiza: Jornal A Vanguarda, 21 de dezembro de 1926, p.2
111
O título desta matéria contempla uma reivindicação feita por representantes do poder
local há mais de duas décadas e que foi atendida no ano de 1926 ao capitanear junto ao
governo federal e estadual a necessidade de um telégrafo para a cidade. Esse elemento de
progresso viria atender a uma ‘aspiração do povo’ já quase esquecida, isto é, durante este
período, esses sujeitos continuaram buscando diminuir essas distâncias através das suas
atuações. Conferimos que, através dessa busca por elementos definidores dos anseios de
progresso a sociedade aparecia com seus nomes e mostravam os grupos que faziam emergir o
progresso para a cidade de Conquista.
Esta matéria revela a mentalidade do seu diretor e deixa ver o ‘povo’ que se realizaria
neste projeto de modernidade. Assim, ao inferir no texto do jornalista uma preocupação com a
coletividade, buscamos ver a quem foi dado recepcionar esse projeto. Incluímos então, a
matéria da festa de inauguração da estação telegráfica, publicada pelo mesmo jornal, para
descortinarmos a presença do ‘povo’ que participou de tal evento.
A festa da inauguração da estação telegraphica foi iniciada pela manha do dia 5 com
missa celebrada na matriz pelo Revmo. Pe. João Ramos Marinho após a qual o povo
desceu da matriz, acompanhado pela philarmônica “Santa Cecília” até o prédio em
que está localizada a estação, à Rua “2 de Julho”.
Ahi chegando o Pe. Marinho benzeu o apparelho fazendo após uma saudação dos
engenheiros: Agenor Miranda e Luiz Weeis.
Seguiram-se outros oradores: - o distinto viajante Snr. Joaquim Hortélio, em
nome da classe caxeiral da Bahia; o Snr. João Lopes, em nome do commercio
d’esta cidade; Snr. Newton Lima, em nome da Companhia Rodoviária
Conquistense; o Dr. Pamphilo Luiz de Souza, integro Juiz de Direito da
Comarca e Cel. Paulino Santos, Intendente Municipal, não tendo havido,
porém, orador oficial. (grifo meu)
Em agradecimento ás Saudações que lhes foram feitas e do seu companheiro Eng.
Luiz Weeis, construtores da linha telegraphica, o Dr. Agenor Miranda pronunciou
um bello discurso se externando sobre a história do telegrapho nacional e concluiu
declarando inaugurada a nossa estação.
Serviu-se champagne? e bebidas outras aos assistentes.119 (sic.)
Nessa matéria, o Jornal a Vanguarda cumprimenta com os ‘efusivos votos’ e
parabeniza a cidade de Conquista que hoje desperta de sua “profunda lethargia”, e parece
‘encetar uma nova mareba accelerada pelas conquistas incessantes dos verdes loiros do
progresso’.
120
(sic) O Jornal A Vanguarda de propriedade do escritor e poeta Yolando
Fonseca, que intitulava-se como órgão independente e de publicação bimensal promovia uma
campanha aberta em nome do progresso e da modernidade para a cidade de Conquista. Este
119
120
Jornal A Vanguarda, de 21 de dezembro de 1926.
Jornal A Vanguarda, de 30 de dezembro de 1926.
112
diretor-proprietário do jornal A Vanguarda possuía relações estreitas com os comerciantes e
profissionais liberais da cidade e para eles eram cedidos os espaços do jornal.
A matéria sobre a inauguração da estação telegráfica faz emergir as relações sociais da
cidade de Conquista. No contraponto da notícia encontramos a presença da Igreja cumprindo
a função de ‘benzer’ e ‘celebrar’, isto é, de referendar, mas também, participar desse
equipamento que viria a atender aos seus interesses de mobilizadora e mantenedora do poder
eclesiástico para com a comunidade de fiéis; descia também pela Rua Grande até à Rua 2 de
julho, a Filarmônica Santa Cecília, fundada pelo Dr. Nicanor José Ferreira, e através da
relação de nomes e suas representações grifadas na matéria, podemos verificar a presença
daqueles que realmente seriam atendidos pelo novo serviço inaugurado por essa imagem
trazida pela matéria que lembra uma procissão de escolhidos, aos quais foram oferecido o
champagne e outras bebidas no prédio que agora atenderia às possibilidades de comunicação.
Simultaneamente à necessidade de trafegar e transportar culminou na criação de uma
sociedade de particulares. A ‘Empreza Rodoviária Conquistense’, que no ano de 1927
construiu a primeira estrada desta região, com o percurso de Conquista à cidade de Jequié121,
completando mais um avanço, ‘numa perfeita comprehenção do futuro ridente de
Conquista122’. Segundo Israel Orrico no livro, Mulheres que fizeram história em Conquista
relata que: Conquista não tinha estradas carroçáveis. Era servida apenas por velhas estradas
coloniais ou picadas indígenas por onde passavam as tropas ou as boiadas. Por isso, um grupo
de homens de recursos financeiros se uniu e fundou a Companhia Rodoviária Conquistense,
que possuía dez sócios: Maximiliano Fernandes, Zeferino Correia, Galdêncio, Marcelino
Aguiar, Antônio Fernandes, Cassiano Santos e outros. E nesse mesmo ano a Companhia
construiu a estrada de Conquista a Jequié. Os jornais que publicaram o fato são unânimes
quanto à produção de matérias nas quais a ‘Empreza’ é construída em prol do progresso,
independente dos desejos de lucros de seus proprietários. O Jornal ‘A Semana’, cobre uma
matéria que aponta o futuro de Conquista a ‘alguns espíritos atilados, movidos mais pelo
elogiável interesse pela prosperidade desta terra de que por esse natural desejo de lucros
compensadores que faz os homens meterem-se em aventurosas emprezas’ (grifo meu) 123.
Embora longe da possibilidade desses construtores da estrada abrirem mão dos lucros,
vimos isso através da cobrança de pedágios, o Jornal A Semana, vinculado à facção política
121
Segundo Orrico, a estrada Conquista/Jequié tinha oito metros de largura, cento e sessenta e dois quilômetros
de extensão aproximadamente e muitos pontilhões e mata-burros. Correntes assinalavam os postos de pedágio
assim distribuídos: Conquista – Poções – Boa Nova – Curral Novo.
122
Jornal A Semana, 9 de fevereiro de 1927.
123
Jornal A Semana, 9 de fevereiro de 1927
113
do Coronel Justino da Silva Gusmão, através dos seus redatores escreve do lugar da imprensa
que faz voz contrária ao atual governo do Coronel Paulino Santos (1927-1927). Percebemos
aqui, um campo de forças, onde as tensões se posicionam entre aqueles que ‘por amor à
cidade’ constrõem uma ‘empreza’ em detrimento das atuações do poder local, que atilado de
uma inércia deixava de construir os ensejos do progresso para essa cidade.
Da mesma forma, encontramos no Jornal A Vanguarda a publicação de um editorial
intitulado: ABRAMOS CAMINHO PARA O PROGRESSO, onde reforça a relação de autorepresentação – de como essa cidade deve se ver, no entanto, submetida a uma visão que
detém e articula um saber dominante, corroborando as relações de poder:
Edital:
(...) Abramos caminho! O brado unisono que repercute por todos os rincões do
Brasil, e repetido de quebrada em quebrada, de montanha em montanha qual se fora
um grito de guerra. (...)
A “Empreza Rodoviária Conquistense” é, por todos os motivos, bem digna do
apreço dos filhos do pedaço do sertão bahiano a que ella vae beneficiar. Sem nutrir
pretensões a grandes lucros a “Empreza” quer apenas trazer-nos o progresso,
abrindo-lhe caminho, franqueando-lhe passagem até nós.
Em breve as legoas interminaveis que nos separam do ponto terminal da Estrada de
Ferro Nazareth estarão reduzidas a algumas horas de viagem cômoda e barata, o que
quer dizer que iremos, dentro de alguns mezes a mais, assistir em nossa terra, o
fluxo e refluxo de elementos novos, capazes de produzir e de nos ensinar a
produzir também. 124 (sic.) (grifos meus)
Os respectivos jornais insistem em reforçar uma defesa envergonhada do lucro para
justificar a empresa. Talvez diante da magnitude e da novidade do empreendimento os jornais
despontam como veículos dispostos a preparar o espírito do leitor para a nova experiência. A
estrada antes inexistente agora com a materialização da ‘Empresa Rodoviária Conquistense’
participaria da vida pública, com o “fluxo e refluxo de elementos novos”, proporcionando
viabilidades de ir e vir no encontro com as expectativas de aproximação com a capital do
estado, transformando definitivamente as experiências cotidianas.
A partir dessa perspectiva apresentada pela notícia veiculada pelo jornal, ouvimos o
eco do progresso chegar à cidade de Conquista. Ainda na abordagem da matéria percebemos
uma recorrência atribuída à reprodução de uma realidade que almeja o encurtamento do
isolamento, da letargia e se põe nos trilhos do desenvolvimento e do progresso. Não é difícil
perceber nas categorias estabelecidas por “A Vanguarda” esse eco daquela mística
desenvolvimentista da década de 20, com o recrudescimento do ideário republicano
124
EDITAL: Jornal A Vanguarda, de 15 de abril de 1927
114
caracterizado no forte federalismo onde as regiões procuravam se fortalecer para concorrer
aos beneficiamentos do governo estadual e federal. Uma cidade deveria se preparar para o
progresso, pois só assim estaria pronta para se diferenciar do restante, isto é, das outras
cidades que não se desenvolviam nos passos desse progresso.
O Jornal ‘A Semana’ no ano de 1927, publicou diversos artigos do intelectual e poeta
conquistense, Laudionor de Andrade Brasil. Este escritor foi colaborador deste jornal,
publicando uma série de artigos que segundo ele: ‘E’ isto, agora, o que, exclusivamente por
amor á Conquista, tão digna de melhor sorte, eu pretendo fazer na série de artigos que
tenciono ir publicando, com o título geral VERDADES AMARGAS e subtítulos
diversos.”(sic) Nesses artigos ele faz críticas acirradas aos desmandos do governo municipal,
trazendo várias questões de ordenamento da cidade, como a necessidade de uma planta
cadastral, a construção de um mercado público, a idéia de remodelação da ‘urbs’, etc. No
Jornal A Semana de 15 de março de 1927, ele escreve com o subtítulo: POR QUE NÃO
FALAR? no qual, faz uma crítica ao governo do Intendente Paulino Santos, sobre a ausência
de prosperidade para Conquista em relação à outras cidades da Bahia, que segundo ele, se
desenvolvem a ‘olhos vistos’:
(...) a Conquista é que perdeu muito, é apenas uma expectadora do progresso alheio.
Enquanto as suas irmãs prosperam a olhos vistos, ella contempla Ilheos, Itabuna,
Feira de Santana e uma porção de outras cidades bahianas se elevam, se
engrandecem, progridem... e ella contempla. Contempla e espera. Espera o que?
Espera porque? Espera por quem?
A ultima pergunta achamos esta resposta:
- Por alguém que, comprehendendo lhe a grandiosidade do futuro, a frente do seu
governo, cumpra o seu dever e, assim, a arranque desta estagnação que a estiola e
mata. (sic.)
Estes artigos de Laudionor Brasil parece ser um meio de retratar esse período, cheio de
angústias e desacertos. Ele o faz de uma formar a revelar as relações com outras cidades do
mesmo porte que estavam em processo de crescimento e, no caso, utilizava a fórmula de
alcançar o leitor através da provocação. Neste sentido, a cidade surge como um sujeito que
está abandonado e, por outro lado, suas irmãs estão progredindo e avançando em direção ao
progresso.
A cidade de Conquista, portanto, é posta na direção do desenvolvimento comparada
com outras cidades do estado, que segundo o jornalista cresciam e se desenvolviam ‘a olhos
115
vistos’. A cidade é desta forma, para Laudionor Brasil, um lugar da urbanidade e do
progresso.
Buscando referências para a contextualização da cidade de Conquista frente a outras
cidades ‘irmãs’ do estado, encontramos no estudo do geógrafo Milton Santos para a
compreensão da urbanização da sociedade brasileira tomando como referência as capitais do
país, ele considera que:
(...) O caso de Salvador, cuja população praticamente não cresce entre 1920 e 1940,
deve-se à abertura de uma frente pioneira interna, com o desenvolvimento e a
conquista da zona do cacau, que atrai grande número de pessoas deslocadas pelas
secas e por uma estrutura agrária extremamente inigualitária, deixando, por
conseguinte, de engrossar as correntes do êxodo rural para a capital baiana.125
Para este estudo ele apresenta uma tabela das ‘Capitais de Estados Escolhidas:
Evolução Demográfica 1872 – 1940, na qual a cidade de Salvador conhecia um crescimento
relativamente lento com uma população em 1920 de 283 422 mil habitantes e apenas 290 443
mil habitantes em 1940. Ele afirma ainda que,
O Brasil foi, durante muitos séculos, um grande arquipélago, formado por
subespaços que evoluíam segundo lógicas próprias, ditadas em grande parte por suas
relações com o mundo exterior. Havia, sem dúvida, para cada um desses subespaços,
pólos dinâmicos internos. Estes, porém, tinham entre si escassa relação, não sendo
interdependentes. 126
As dificuldades ocasionadas pelas condições geográficas e seus equipamentos
associativos conferem uma contraposição aos suportes que faziam transitar o conhecimento e
as novidades produzidas nos aportes educacionais e informativos vindos, por exemplo, da
capital do estado, contribuindo para a formação de uma cultura letrada e profissional de uma
camada abastada da população da cidade de Conquista. A história da imprensa na cidade faz
ver que, desde os primeiros anos do século XX, Conquista já contava com equipamentos, que
mesmo de forma incipiente, já fomentava um mecanismo de circulação de idéias.
Tal pressuposto é corroborado pelo memorialista Aníbal Lopes Viana que em sua
produção literária relatou a participação da imprensa na cidade de Conquista.
125
126
SANTOS, Milton. A Urbanização Brasileira, Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
Santos, op. cit., p.29
116
Aníbal Lopes Viana, natural de Condeúba-Bahia, cidade que faz parte da região do
Planalto da Conquista, mudou-se com a família para a cidade de Conquista aos 12 anos,
quando o seu pai aqui fundou uma escola. Viveu e trabalhou nesta cidade, quando em 1958
fundou e dirigiu o periódico denominado: “O Jornal”, semanário inaugurado no dia 15 de
agosto, dia da Padroeira da Cidade, e publicou seu último número em 13 de maio de 1988,
numa edição histórica sobre o centenário da emancipação dos escravos no Brasil. O Jornalista
publicou no ano de 1982, a Revista Histórica de Conquista, ampliada, posteriormente, com
um segundo volume. Nesta obra, o autor reuniu diversos relatos sobre o cotidiano, as
transformações urbanas, os acontecimentos políticos, cívicos, culturais e sociais, e discorre
sobre homens e mulheres “notáveis”, construindo um enredo da memória desta cidade
Nos relatos de Viana127, sobre a Imprensa em Vitória da Conquista, e a fundação do
primeiro jornal da cidade, encontramos as seguintes informações:
A idéia da fundação de um jornal nesta cidade, impresso em máquina, cresceu e
frutificou tornando-se realidade graças a clarividência dos audaciosos vultos que
passaram para a nossa história: Drs. Bráulio de Assis Cordeiro Borges e José
Desouza Dantas (assinava “DESOUZA”), ambos bacharéis em Direito e de
comprovada cultura, que instalaram a “Tipografia Minerva” situada na Rua
Município de São Vicente, e enfrentaram as maiores dificuldades da época,
transpondo todas as barreiras encontradas na obstinada luta e imprimiram o primeiro
jornal que circulou nesta querida Terra no memorável dia 14 de maio de 1910, que
em homenagem à cidade, recebeu o nome de “A Conquista”.
Desta forma, destacamos as relações procedentes de um veículo que de forma
incipiente, correspondia aos anseios de progresso, que se davam nas trocas intelectuais. O
primeiro jornal impresso da cidade de Conquista, fundado em 1910 para fazer frente a uma
facção política, representada por uma dessas tantas parentelas que vociferavam em prol do
domínio público.128
A maioria dos jornais impressos na cidade de Conquista ecoava as vozes de domínio
das camadas da população que tinha os seus interesses atendidos pelas viabilidades
fomentadas na tecnologia ao alcance de uma mentalidade que já antevia a importância da
notícia para fundamentar suas crenças, valores e determinações frente a uma população.
127
VIANA, Aníbal Lopes. Revista Histórica de Conquista (dois volumes). Gráfica do Jornal de Conquista,
Vitória da Conquista – Bahia, p. 727.
128
Segundo historiadores e memorialistas locais, o primeiro jornal impresso que circulou em Conquista, saiu das
instalações da Tipografia Minerva no dia 14 de maio de 1910. Segundo esses estudiosos, O jornal “A
Conquista”, da sua fundação até novembro de 1916 – último ano de circulação, foi um semanário independente,
cujos redatores Euclides de Souza Dantas e Manoel Dantas Barbosa, filho de Ernesto Dantas Barbosa escreviam
como porta-vozes do poder local, chefiado pelo então, Cel. José Fernandes de Oliveira Gugé.
117
Acompanhando esses jornais existentes nos arquivos da cidade de Vitória da Conquista,
percebemos nitidamente a ausência da fala dos homens afastados dos ciclos de poder e da
elite dominante, da gente da cidade, que em sua maioria, também participava da construção
do ‘progresso’, através dos seus serviços, resistências e cooperações.
Ainda nas memórias de Aníbal Viana, encontramos relatos sobre outros jornais
produzidos na cidade:
O jornal “A Semana” foi em Conquista, órgão de imprensa, política e noticioso e
bastante independente e dava cobertura política, na época, ao Sr. Justino da Silva
Gusmão129. [...] Este hebdomedário circulou pela primeira vez em Conquista no dia
22 de junho de 1923. [...] O primeiro redator [...] de “A Semana”, foi Adalberto da
Silva Portelada, bravo jornalista trazido de Salvador por Demósthenes Alves da
Rocha (Demósthenes foi fundador do jornal “A Palavra que circulou nesta cidade de
1917 a 1920). Deoclides Novais tinha o pseudônimo de H. Pito. Laudionor Brasil,
Newton Lima, Bruno Bacelar, Euclides Dantas, foram luminares de “A Semana”
como colaboradores. Este semanário sustentou fortes polêmicas com o outro Jornal
de nome “A Notícia” que dava cobertura política a facção dominante. Circulou até
novembro de 1930.130 (sic.)
Esses “luminares” apresentados por Viana foram na história da Imprensa da Cidade de
Conquista, responsáveis pela fundação de outros jornais que atuaram no período de 1920 a
1940, a exemplo do Jornal “O Combate”, fundado em 1929 pelo poeta e escritor Laudionor de
Andrade Brasil, que postulava no cabeçalho de “O Combate” porta-voz do liberalismo,
defendia a manutenção do poder local liderado pelo Cel. da Guarda Nacional Deraldo Mendes
Ferraz. Entre os intelectuais que compunham o “corpo” editorial do jornal destacavam-se,
além do seu fundador, Euclides Dantas, Camillo de Jesus Lima, Padre Nestor Passos e
Erathóstenes Menezes 131.
Este jornal encontrou a oposição do Avante! Que ainda segundo Viana,
Foi um dos mais vibrantes jornais que circulou nesta cidade. Deixou de existir na
sinistra noite de 3 de novembro de 1933, quando foi incendiado criminosamente.
[...]. Naquele tempo de nossa história o seu fundador e diretor Bruno Bacelar,
defendia a posição política (local) do Dr. Régis Pacheco, em oposição, ao
interventor Juracy Magalhães. 132
129
O Cel. Justino da Silva Gusmão assumiu a Intendência da cidade de Conquista no período de 1924 e 1925.
Este relato está registrado em folha datilografada e colada na contra capa em cartolina do caderno que integra
a coleção de jornais reunidos pelo Jornalista Aníbal Viana com data de novembro de 1966. Recentemente essas
encadernações foram doadas pela família do Jornalista ao acervo do Historiador Rui Medeyros. Fazem parte
desta coleção os cadernos dos jornais: A Palavra, A Notícia, A Semana, Avante!, O Combate.
131
Escritores e intelectuais de Vitória da Conquista
132
Aníbal Viana, op. cit. p.473.
130
118
Bruno Bacelar nasceu na cidade de Conquista em 21 de dezembro de 1899. Cursou
apenas a escola primária, no entanto, foi autodidata em diversas áreas, atuando como
jornalista, historiador, escritor e poeta. Em 1929, juntamente com Laudionor Brasil editou o
livro: De Lenço Vermelho, no qual fizeram uma homenagem ao ‘Cavalheiro da Esperança –
Luis Carlos Prestes; ainda neste mesmo ano ingressaram no Partido Liberal Republicano
Conquistense, onde Bacelar ocupa o cargo de 2º Secretário.
A vida deste escritor estava entrelaçada às condições da vida política da cidade de
Conquista. Com a deposição de Otávio Santos (1928 – 1930) do cargo de Intendente por
designações locais advindas das decisões do golpe de 1930, Bruno Bacelar assumiu a
intendência por alguns dias. Com o rumo tomado pelo golpe de 30 sobre o continuísmo com
os grupos oligárquicos, Bacelar rompe com o partido e em maio de 1931 fundou o jornal
Avante, em enfrentamento com a política intervencionista de Juracy Magalhães, que na
cidade de Conquista integrou-se ao grupo político do Coronel Deraldo Mendes Ferraz. Em
1932, Bacelar é preso e levado para a capital do estado, onde permaneceu detido na Secretaria
de Segurança Pública acusado de levantar forças na cidade de Conquista para lutar a favor da
Revolução Constitucionalista. Livre das acusações volta a cidade de Conquista e logo depois
exilou-se em Minas Gerais, retornando à cidade continuou a publicação do Avante, que não
resistiu à ditadura e conforme o relato de Aníbal Viana, foi incendiado ‘na sinistra noite de 3
de novembro de 1933.’
Essa conjuntura repousava diante de uma população eminentemente rural, analfabeta e
desvinculada das decisões políticas, a veiculação desses jornais eram recepcionadas pelas
camadas privilegiadas da população, quanto ao acesso a uma educação formal e a saberes
institucionalizados mas também, num movimento sub-reptício aqueles que liam a notícia
poderiam vir a propagá-la. Afinal, mesmo diante das condições seculares de mando, o ideário
e as práticas republicanas surgiam com necessidades de propaganda, quando se começava a
perceber que a coerção não podia ser conduzida apenas pelo tacão dos chefes locais. Essas
relações vão se dissipando e o veículo de propaganda cresce em detrimento da força. A forma
de oitiva funcionou muito bem, nessas pequenas cidades, onde as esquinas, determinados
pontos comerciais e calçadas serviam do ponto de encontro para a fofoca e o disse-me-disse.
A partir do estudo de Julia O’Donnel sobre uma antropologia da urbanidade da cidade
do Rio de Janeiro através do olhar etnográfico do cronista João do Rio, ela aponta essa
condição da necessidade do homem em angariar cooperações através das conversas informais,
contemplando o conceito de opinião pública:
119
Robert Park, com seu interesse sobre o ambiente urbano no início do século XX, não
por acaso debruçou-se sobre o estudo da imprensa, num reconhecimento da relação
simbiótica entre a cidade a as auto-representações que ela circula. (...) A esse espaço
comunitário de circulação de idéias e registro auto-representativo, chamamos
“opinião pública”, tão cara à abertura de portas às ruas, tal qual como queria o
projeto republicano. Numa comparação com a vida nas vilas, nas quais esse espaço
era dinamizado e produzido na fofoca, Park lembra o papel fundamental da “opinião
pública” no estabelecimento de parâmetros que, em todos os tipos de comunidade, é
essencial à manutenção da coesão grupal.
Esses locais de produção da vida cotidiana numa análise de visão antropológica
confirmam a necessidade de coesão de grupo, implantadas pelas novas referências dadas pela
conjuntura de uma república que chegava trôpega, sem grandes rupturas a essas cidades, mas
que conduziam uma nova visão que precisava ser exposta para o mundo “extra-elite”, que não
poderia ser feito por meio de matérias inacessível a um público com baixo nível de educação
formal. Ele teria de ser feito mediante sinais mais universais, de leitura mais fácil, como as
imagens, as alegorias, os símbolos e os mitos. 133
Visando atender as necessidades de divulgação da notícia entre os grupos analfabetos
ou aqueles que não tinham acesso à leitura por outros motivos, os jornais produziam colunas
que conduziam o fato de forma a atingir os leitores de oitiva no seu imaginário. Os títulos das
colunas da maioria dos jornais pesquisados refletem essa necessidade de ‘chegar’ ao ouvido
do povo, com os reclames: “Eis ahi...”, “Fatos e Notícias”, “Echos e Notícias”, “Comentários
da Semana”, “Língua do Povo”. De alguma forma, a notícia que interessava ser veiculada,
chegava aos ouvidos, inclusive como uma forma de propagar benfeitorias, posturas e leis
concernentes à nova ordem. Como se percebe, na coluna “Língua do Povo”... do jornal “A
Semana”:
Dizia-se hontem, na esquina da pharmácia, que:
(...) que foi um encanto a festa das creanças pobres, realizadas pelo Grêmio “Castro
Alves”
(...) que distinto negociante da nossa praça, em conversa com um membro do
Grêmio, affirmara que na Festa das creanças pobres, no próximo anno, dará roupas
precisas para cincoenta petizes...
(...) que illustre fasendeiro do nosso município, commovido com o espetáculo visto
na porta do Grêmio, garantiu uma dádiva de duzentos ou trezentos mil reis, para o
referido fim do anno vindouro...
133
CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas - O Imaginário da República no Brasil, Cia das
Letras, São Paulo, 1990.
120
(...) que estas acções são dignas de ser imitadas pelo comércio e pelos capitalistas da
nossa terra... 134 (sic)
É inegável a importância da imprensa escrita nos primeiros anos da República na
cidade de Conquista. No período conturbado dos anos 1920, havia uma emergência em atingir
o público, como instrumento de articulação política, característica própria da república e das
necessidades de regular as tensões e embates locais. Essa necessidade de construir um ideário
já se fazia ecoar nas paragens do sertão, quanto à necessidade de incorporar novos
mecanismos para a manutenção no poder. No plano concreto das realizações da primazia do
público sobre o privado, ocorria neste espaço / tempo, disputas e tensões que fomentavam
novos códigos na relação com o governo do estado, onde o forte federalismo impunha a
necessidade de acordos para o fortalecimento político de ambos os lados.
No processo que articula as lutas e tensões dos anos 1920 ao contexto dos anos 1930 o
jornalista Bruno Bacelar ao fundar o jornal ‘Avante’ no ano de 1931, não deixa de reproduzir
um modelo de jornal que se “faccionava” em um grupo de ‘ilustrados’, partícipes de uma elite
letrada e possuidora do saber, que são elementos de poder. Porém, acompanhando outros
jornais da época, vimos que este periódico contemporiza as relações sociais, e deixa aparecer
alguns sujeitos invisibilizados por outros jornais citados. Este semanário ao delatar mesmo
circunstancialmente, as mazelas, o abandono e o descaso, cria tensões e abre brechas,
deixando aparecer os movimentos sub-reptícios da sociedade. A esse respeito, discutimos com
este jornal, no sub-capítulo que trata dos sujeitos sociais que vivem dos serviços de ganho na
cidade. Isto é, buscaremos ver as atuações desses sujeitos que se configuravam e se
projetavam num ambiente de tensões e disputas representadas por uma camada da população
que também traçava nos espaços, suas práticas cotidianas, nos seus movimentos, um desenho
particular às aspirações de suas necessidades, trabalho e conviviabilidades.
Desta forma, os grupos no poder ao fazerem suas solicitações que envolviam reformas
urbanas, tributárias e sociais, entre outras, buscavam cada vez mais, angariar o apoio dos seus
correligionários para suprimir e combater os opositores. Nesse sentido, o papel da imprensa
foi fundamental, no momento que construiu a mimese, do que poderia ser o contorno dessa
nova cidade que surgia, não em menor medida, mas aquela que vislumbrava um
desenvolvimento. O que foi dado a crer pelas circulações das auto-imagens onde autores,
134
COLUNA LÍNGUA DO POVO: Jornal A Semana, 28 de dezembro de 1923.
121
texto e leitor participavam de uma produção de matérias alentadas no princípio da circulação,
tanto direta ou de oitiva, sobrevivendo aos vazios da invisibilidade.
3.1 ESTRATÉGIAS DA MEMÓRIA E A INTERSEÇÃO DOS CONFLITOS: OS
JORNAIS NO ORDENAMENTO DOS ESPAÇOS DA CIDADE
Ao talento dos jovens luctadores
Bruno Bacelar e Laudionor Brasil
Não se compreende a vida sem a lucta, sem as campanhas, sem os revezes, sob todos
os prismas e o jornalista, luctador impar, é o thermometro que mede, e até prevê, o
calor das grandes campanhas, e das grandes crises por que passa o povo. (todo esse
grifo é muito interessante para ser trabalhado, não pode deixar de dialogar com um
suejeito que está lhe dando dicas preciosas¿ )
A sociedade culta, educada segundo o espírito de Zenon, sugeita, todavia a lei
natural que domina todas as cousas, uma sociedade assim, porem sem o jornalista, è
uma flor de papel de parafina, rica de perfeição, de collorido e sem perfume.
Ao contrario d’aquelle que escreve para a imprensa, moralisando, ensinando,
cauterisando as feridas virulentas do meio social, o jornalista tem o dever de
combater com denodo, luctar com veemência, dizer com hombridade, sobre as
pragas que campeiam, o vírus que corrompe, a grangrena que mata. 135(sic)
Newton Lima
Conquista, 25 de junho de 1926
Buscando uma inter-relação entre a escrita jornalística e a construção dos espaços
construídos na cidade de Conquista, o registro do Jornal ‘A Semana’ citado na epígrafe
anuncia uma discussão na qual o autor procura distingui-la de outras matérias ao referendar a
figura do jornalista e a sua missão de esterilizar as feridas sociais. Para levar adiante a
discussão deste capítulo sobre a necessidade de um ordenamento para a cidade perscrutamos
essa voz que proporciona indicadores dos enfrentamentos e tensões de uma nova
disciplinarização porque passa a cidade de Conquista no decorrer dos anos de 1920 a 1940.
A cidade de Conquista, neste período, foi marcada por conflitos e tensões de
problemas intrínsecos originados tanto por questões de ordem política, que gestava um
confronto direto e constante pela posse do poder municipal, mediante as práticas
convencionadas pelos chefes da oligarquia local, quanto por questões de ordem externa
trazidas pelas epidemias, secas, aumento abusivo dos preços dos gêneros alimentícios e,
deficiência de um mercado de trabalho. Somando a estes problemas a cidade ainda
135
AO TALENTO dos Jovens Luctadores Bruno Bacelar e Laudionor Brasil: Jornal A Semana, 22 de junho de
1926. Anno IIII, n.1
122
necessitava de verbas consideráveis para organizar sua defesa contra os ‘revoltosos’; sanar
epidemias, viabilizar construções e reconstruções da infra-estrutura social como: matadouro,
mercado municipal, reconstrução da igreja matriz, praças e feira.
Acompanhando as atas do Conselho Municipal no período compreendido entre os
anos de 1922 a 1927, encontramos o registro de projetos de lei abrindo créditos para
desapropriação da igreja matriz; para auxílio à Biblioteca do Grêmio Castro Alves; Em 13 de
junho de 1924, o Conselho Municipal na presidência do Dr. Agrippino Borges, abre o crédito
de 20:000$000 (vinte contos de reis) ‘para o aludido matadouro’. Dentre as designações da
receita orçamentária liberada pelo conselho, deixa aparecer às condições arbitrárias do
descaso dos mandatários locais frente aos problemas vivenciados pelos pobres da cidade,
como se segue:
O Concelho Municipal de Conquista, usando das atribuições que lhes são conferidas
por lei, decreta: Art. 1º Fica criada uma verba de vinte contos de reis (20:000$000)
subsidiaria á verba de “Despesas eventuais” Parágrafo único – Desta verba, dezoito
contos (18:000$00) se destinam a satisfazer ás despesas ordenadas pelo Senhor
Intendente Municipal em prol da defesa da cidade, quando ameaçada pela
aproximação dos revoltózos, dois contos de reis (2:000$000) para o custeio das
necessidades eventuais, no corrente exercício orçamentário e quinhentos mil reis
(500$ 000) para aquisição do retrato do Coronel Paulino Fonseca, ex-intendente
deste município, a fim de figurar na galeria dos Intendentes, no Paço Municipal.136
(sic)
Através da leitura do documento percebemos que a distribuição do orçamento do
município se dava em torno de referências provenientes das condições impostas
hierarquicamente. Invocando necessidades abstratas pela conferência de poderes que iam
desde a captura de verbas para sanar problemas que estavam em um universo imaginário de
situações proeminentemente desvinculadas dos problemas reais por que passava a sociedade.
Defesa pela ameaça dos revoltosos, despesas eventuais, aquisição de retrato de Coronel, são
decisões impostas por uma necessidade de afirmação de poder político, que deixavam
expostas as debilidades do governo frente a um contingente de pobres que existia na cidade.
No entrecruzamento das fontes consubstancia-se a configuração dos espaços
atribuídos pelas necessidades básicas de organização e de modelamento impresso sobre a
cidade. Não podemos especificar ao certo sobre a campanha da qual fala o jornalista Newton
Lima, nem tão pouco, sobre ‘o custeios das necessidades eventuais’ ditadas pelo Conselho, no
136
Ata da sessão ordinária do Conselho Municipal do dia 27 de maio de 1926. Arquivo Público Municipal de
Vitória da Conquista – BA, livro: 12.2.22.
123
entanto, sua colocação como observador reelabora um sentido de sociedade onde a cura dos
males serão sanadas pelo jornalista que é o ‘lutador impar’ e o‘termômetro que mede’,
trazendo à tona as tensões ocasionadas sobre as condições de vida e de trabalho impostas na
legislação que deixa ver como estava sendo organizada a distribuição de renda para fundar
essa cidade. Diante de uma conjuntura, na qual as armadilhas estavam expostas e o jogo
político estava aberto nas matérias, artigos e notícias dadas pelos jornais que interferiam e
provocavam esses embates, o jornalista surgia nesse campo para deflagrar a luta contra a ‘lei
natural que domina todas as coisas’ e esse jornalista que é o ‘lutador impar’ vai atuar contra a
ignorância e o obscurantismo dos administradores públicos.
Conforme já foi anunciado no capítulo anterior sobre as memórias de Aníbal Viana, O
jornalista Newton Álvares de Lima, juntamente com Laudionor Brasil, Professor Euclides
Dantas e Bruno Bacelar foram colaboradores do jornal ‘A Semana’. Este jornal marcou
fortemente reivindicações pelo progresso e modernização de Conquista, vinculado ao combate
político137 especialmente no que diz respeito à educação, instalação de vias de comunicação e
especialmente, utilizava-se da denúncia e aproveitava-se das condições de vida impostas aos
pobres da cidade para estabelecer neste campo as relações de forças necessárias ao ganho
partidário. Na edição de 23 de agosto de 1924 este jornal publica o edital “A carestia da vida’,
que denuncia os preços abusivos: um “kilo de assucar por 3$00, um kilo de café por igual
custo, ninguém acreditaria, si ouvisse contar! De tudo porem, o que mais horrorisa é o preço
da carne, em Conquista. Dois mil reis por um kilo de carne parece mentira”. 138 (sic)
Este edital é um apelo ao ‘dígno’, ‘prestigioso’ e ‘honrado’ Intendente Justino
Gusmão, propondo que este faça gerir vantagens legais aos que propuserem vender carne,
pelo menor preço possível, “sendo até dispensados os impostos aos concorrentes, aliviando-se
assim um pouquinho a situação ‘afflictiva’ do povo”. Ora, ao que tudo indica, quem realmente
consumia carne era uma camada da população abastada e apesar do apelo estar direcionado ao
“pobre horrorisado cheio da mais angustiosa afllicção”, esse enfrentamento se dá em meio a
questões consensuais entre o jornalista, o jornal e o coronel, corroborando no impacto do
texto, a contemplação de atenuar a crise que aumenta a cada dia que passa e que precisa ser
137
O Jornal A Semana surgiu para viabilizar a candidatura do Coronel Justino Gusmão no biênio de 1924-1925
para o cargo de intendente da facção do Partido Republicano Democrata Conquistense e defender seus
interesses, com esta intenção passou a desqualificar Regis Pacheco, político em ascenção que chegou à cidade de
Conquista contratado pelo governo estadual para debelar uma epidemia de varíola que grassava a cidade nos
anos de 1919 – 1920. Este Jornal de caráter conservador trazia em seu escopo reivindicações por Conquista, no
sentido de intensificar o desenvolvimento da cidade em relação aos serviços de telégrafo e iluminação,
construção de estradas e educação.
138
Jornal A Semana 23 de agosto de 1924. Ano II, n. 5.
124
sanada, não para os pobres, mas para atender aos eleitores, isto é, conseguir aceitação e
granjear apoio, contra os candidatos a governo advindos da família Santos.
Acompanhando ainda as notícias referentes do Jornal “A Semana” encontramos na
colaboração do Professor Euclides Dantas, o poema intitulado “O flagelo”, no qual relata as
condições de saúde pública no governo do Intendente Otávio Santos (1928-1930) associado a
uma crítica sobre a política nacional.
O Flagelo.
No dizer de pessoas entendidas/ Essa peste origina-se do rato;/Guerra, pois, quer em
casa, quer no mato,/ Ao bichinho que roi às escondidas...// E logo por benéficas
medidas,/ sem matinada, sem espalhafato,/Sejamos cada qual um forte gato,/
Salvando desse modo humanas vidas.// Mas, pergunto em segredo, meus senhores:/
Matando-se esses mínimos roedores, /Extingue-se o flagelo? – Acho que não!...// Só
se armassem grandíssima ratoeira/ À porta da Fazenda Brasileira,/ Para pegar os
ratos da nação...139 (sic.)
Este poema carregado de forte crítica política trata da conjuntura de 1928 e está
relacionada à ascensão política do Dr. Régis Pacheco. Este médico chegou à cidade de
Conquista em 1920, nomeado para a função de debelar uma epidemia de varíola. No controle
de tal empreendimento ganha notoriedade e acaba se casando em 1921 com D. Enerina Santos
(Santinha), filha do pecuarista Coronel João Santos. O curioso é que o professor Euclides
Dantas foi responsável por escrever a biografia de Régis Pacheco em tom memorialístico,
publicado pela primeira vez em 1940, nas oficinas de ‘O Combate’ e, na qual se que reporta a
Régis com um homem “de um espírito verdadeiramente devotado ao bem”.
Esta biografia simples e incompleta vai ser um testemunho de que em Conquista, no
longínquo e ainda ignorado pedaço de terra brasileira, também existe um homem
que sabe fazer o bem, que sabe honrar não somente o seu diploma de médico, mas,
também, a comissão espinhosa e sublime de guieiro do povo, de benfeitor do
140
povo . (sic.)
Desta forma, Régis Pacheco traçou seu percurso político na cidade de Conquista, e no
decorrer dos anos 1920 foi ganhando notoriedade política. Em 1927 em plena ascensão o
139
O FLAGELO: Jornal A Semana 19 de agosto de 1928.
DANTAS, Euclides; FONSÊCA, Humberto; MEDEIROS, Ruy H. A. RÉGIS PACHECO, 1895-1987:
Esboços Biográficos. Museu Regional da Universidade estadual do Sudoeste da Bahia, Série Memória
Conquistense, Vitória da Conquista, 1995.
140
125
jornal A Semana empreende uma campanha contra Régis, atingindo até mesmo o seu trabalho
como médico sanitarista, no qual foi publicado o irônico poema do Professor Euclides Dantas.
O Jornal “A Semana” resistiu até o ano de 1930. Quando estourou o golpe em outubro
de 1930, o Intendente Otávio Santos foi deposto por partidários locais da Aliança Liberal, que
organizaram a “Guarda Branca”, para defender a denominada “revolução de 1930”. Esses
partidários conseguiram levar Bruno Bacelar ao cargo de executivo municipal provisório,
onde ocupou o cargo de intendente por poucos dias, sendo substituído pelo Cel. Deraldo
Mendes Ferraz que empreendia um projeto pessoal de chegar ao poder municipal, utilizandose do jornal ‘A Semana’ para veicular tal projeto. Deraldo Mendes foi Prefeito da cidade de
Conquista entre 1930 a 1932 e continuou elegendo os seus partidários até o ano de 1937,
quando foi deposto pelo golpe do Estado Novo.
Diante desta conjuntura política os jornais continuavam atuando no esforço de
angariar correligionários e a cidade continuava a ser convocada para arbitrar os embates entre
os detentores de poder. Destacamos uma matéria do jornal “A Semana” que divulga às
realizações do governo municipal procurando aproximá-las da solicitação do povo, ao tempo
em que veicula a imagem do Intendente através das atitudes e providências que tomou para
debelar uma crise de saúde pública provocada por uma epidemia de peste bubônica em 1927.
Segundo podemos observar nesta matéria intitulada: o Dia está apagado,
hoje, porém, temos o prazer de registrar nas columnas do nosso órgão um elogio dos
mais merecidos ao Sr. Dr. Intendente Municipal, pela atitude assumida em face da
situação sanitária da cidade, assolada pela epidemia terrível que é a peste bubônica.
(...)
Resta agora ao povo em geral sem destinção de classe e de partidos, hypotecar ao
illustre dirigente da communa, apoio franco e decidido em todas as suas attitudes em
prol da saude publica, cercando-o do prestígio indissolúvel e indispensável em tal
emergencia, para levar a fim empreitada tão grandiosa e tão difícil, qual a do
saneamento da cidade. (sic)141
Os cidadãos eram convocados então, a olhar para os benefícios e a votar nas atuações
dos intendentes. Então existia a expectativa de uma nova cidade que precisava de assepsia, de
moralização, de civilidade. Aquela Conquista onde os animais soltos nas ruas, os velhos
edifícios em decadência, as ruas sem calçamento e iluminação precária precisava ser
destituída para surgir uma nova cidade que desse conta em atender a essa onda de novas
contingências.
141
Jornal A Semana, outubro de 1927, Anno IV, nº 5
126
Os jornais publicados em Conquista, neste período, através dos seus jornalistas ao
publicar matérias sobre a dinâmica político/administrativa, econômica e social, sobre o
cotidiano da cidade construíam uma visibilidade para esta cidade que revelava uma
conjuntura de disputas políticas trazidas pelo jornal em um meio intensificado por conflitos e
enfrentamentos, no qual a parcela da sociedade que vivia as dificuldades impostas pela
ausência dos serviços públicos tornava-se refém da oscilação partidária e de um conjunto de
atuações, cuja obra de salvação seria destinada a esses ‘lutadores’ - homens de cultura e
letramento que sanariam as ‘feridas virulentas da sociedade’.
No entanto, nos ditames das novas concepções de progresso, os espaços dados aos
jornais, equacionavam determinações que chegavam com impactos diferenciados sobre os
pobres, mas o discurso era também direcionado a eles. Fazendo uma leitura da interlocução
dos jornais, percebemos a divulgação da exclusão. Vimos esse dado na publicação de um
edital de 12 de junho de 1924 sobre as determinações da legislação local sobre as
transformações urbanas:
Justino Gusmão, Intendente Municipal, faz saber aos que o presente virem, ou dele
tiverem conhecimento que, fica assignado o prazo de noventa dias (90) aos
proprietários desta cidade para substituírem as cercas de frente, lados e fundos, em
muros ou gradiados, limparem as frentes das casas e fazerem calçadas, sob as penas
dos códigos de posturas que diz: art. 51 – conservar tapumes ou cercas de qualquer
natureza, no alinhamento da cidade - pena de 20$000 de multa, ou seis dias de
prisão – Art. 75 – Todo o proprietário é obrigado na cidade e povoados, a fazerem
uma calçada, ou passeio de dez palmos na frente de sua casa, muro ou gradiados.
(sic)142
Organizar a cidade e torná-la condizente para receber os novos moradores era uma
meta que se fazia a partir da saída cada vez mais intensa dos moradores das fazendas para
habitar a cidade. Essas famílias abastadas começavam a mobilizar um contingente de
necessidades advindas das novas condições de vida projetadas no meio urbano. Desta forma
os serviços de educação, saúde, moradia, diversão e cultura, eram elementos da nova
conviabilidade para os habitantes de Conquista nas primeiras décadas do século XX. Neste
período começa a se reconfigurar os espaços da cidade para atender a essa nova demanda
imposta por uma mobilização de habitantes, que nos anos de 1920 de forma mesmo que
incipiente começava a se interpor aos movimentos da cidade.
142
EDITAL: Jornal A Semana, Ano 1, n. 31 . 19 de Junho de 1924.
127
Essas reflexões produzidas no discurso disciplinador e excludente, trazidas pelas
necessidades de mudanças, colocavam no mesmo intermezo cidadãos dos diversos segmentos
da sociedade que através de suas ações particulares e cotidianas pudessem contribuir nas
transformações necessárias a um novo modelo de urbanidade.
As obrigações fixadas no edital deixam ver a carga das taxas e penalidades incidirem
sobre os pobres da cidade e povoados, ao fazerem referências as suas construções de ‘tapumes
e cercas’, e penalizar com prisão os desobedientes de tal lei. Por outro lado, o prazo dado para
as substituições são muito curtos para serem atendidos pelos habitantes que não são abastados
financeiramente, desta forma consideramos esse o primeiro movimento de segregação da Rua
Grande. A ocorrência do processo de exclusão dos velhos padrões e portanto, dos moradores
da rua que não atendia a essas prerrogativas eram indenizados e convocados a habitar outras
ruas da cidade, e essas modificações surgirão exatamente com as leis que determinam o novo
desenho urbano da cidade e vão promover uma obrigatoriedade no afastamento dos
indesejáveis.
É necessário neste contexto dar uma nova ordem a esta cidade. Para tanto, os espaços
de circulação da notícia eram utilizados pelos arautos do mandonismo, que antes faziam
divulgar os decretos que correspondiam a uma nova urbanização em detrimento das condições
de vida. Por trabalharem, sobre uma conjuntura associada ao desenvolvimento urbano, quanto
às necessidades de civilizar, ordenar e projetar a cidade para o progresso feito da “força do
povo” e da “boa vontade do poder público”, esses ‘luminares’ trazidos na memória de Aníbal
Viana, baseavam seus escritos num painel no qual a cidade se apresentava como uma síntese
por onde circulava a vida de um espaço praticado que se materializava, delimitando um
esquadrinhamento apto a compartimentalizar os lugares, por onde iria avançar o progresso.
O conhecimento estatístico do crescimento demográfico na cidade de Conquista, como
na maioria das cidades dos sertões baianos, nos anos de 1920 e 1930 foram comprometidos
pela generalização dos recenseamentos que não distinguiam a população urbana e rural. Tanto
que, encontramos referências nos jornais de 1924 e 1926, imputando à cidade a existência de
“quase cem mil habitantes que constituem a população de Conquista”; em outro periódico
esse dado aparece como indagação, “porque não levam a sério a idéia de remodelação da
nossa ‘urbs”? já que é “sede de um dos maiores e mais ricos municípios do estado, cidade
bastante populosa”. Diante destas informações fica claro que a visão do contingente
populacional da cidade era somado à população rural; tomando como prerrogativa os dados
128
do recenseamento de 1940 que organiza uma distinção entre as populações urbana e rural, e
conta a população citadina em Conquista com 8.644 habitantes em 1940.143
Maria Stella Bresciani pesquisando sobre a modernidade no século XIX, percebe a
cidade como um espaço de tensões empíricas e conceituais, concepção que perdura na
formulação do paradigma que orienta o conhecimento e a vivência contemporâneas. São
decisões conformadas nas questões problematizadas pela abertura da porta da ‘questão
técnica’, que segundo ela,
(...) impõe a necessidade de avaliar a materialidade da teia urbana, projetando
soluções para uma cidade ideal no espaço utópico (não contaminado) do papel em
branco. Trata-se de uma forma de apreender a cidade a partir de dados sensíveis: a
descrição literária e científica e a representação iconográfica fixam o crescimento
em extensão, o aumento demográfico, as atividades produtivas, a circulação das
mercadorias e sua troca no mercado, as questões de salubridade e de controle do
movimento.144
As reflexões de Bresciani nos oferecem pistas importantes para investigar o contexto
da cidade de Conquista. Ainda nas décadas de 1920 e 1930, esta cidade estruturava-se com
base em uma economia agrária, cujos núcleos familiares proprietários de terras, projetava-se
política e socialmente sobre o município. Nessas condições a cidade em estreita relação com
essas fazendas vivenciava a experiência do monopólio da terra, a disparidade entre homens
disponíveis ao trabalho e a inexistência de um mercado de trabalho.
O Historiador Rui Medeiros, no ano de 1970 escreveu diversos artigos, intitulados
‘Ensaios Conquistenses’, através do jornal ‘O Fifó’, nos quais publica estudos sobre diversos
aspectos da história da Cidade de Vitória da Conquista. No artigo intitulado: O Processo
histórico conquistense – Traços gerais, ele afirma que, a partir do final do século XIX,
exatamente em 1891, quando a Imperial Vila da Vitória adquire status de cidade esse “núcleo
urbano já está bem maior e os chefes das famílias importantes aí edificam suas moradas.”145
Ainda, segundo Medeiros, em seu estudo sobre a “Diversificação econômica, fator
demográfico e participação política em vitória da conquista”, a população urbana era
diminuta, os pobres viviam de serviços de ganho e o homem do campo disputava os trabalhos
143
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Recenseamento do Brasil em 1940. Disponível em
http:/biblioteca.ibge.gov.br. Acesso em 6 dez. 2010.
144
BRESCIANI, Stela Maria. Permanência e Ruptura no Estudo das Cidades. In: FERNANDES, Ana e
GOMES, Marco Aurélio A. de Filgueiras. (orgs.). Cidade & História: modernização das cidades brasileiras nos
Séculos XIX e XX. Salvador. Ufbª – Faculdade de Arquitetura. Mestrado em Arquitetura e Urbanismo: Anpur,
1992. P. 11 -26. ( levar para bibliografia )
145
Jornal O Fifó, 9 de novembro de 1977, p. 9.
129
da pecuária, estabelecendo uma relação de brutal dependência com fazendeiros e fazendas, já
que a “pecuária”, atividade dominante absorve pouquíssima mão-de-obra.146 A partir das
referências apontadas por Medeiros, podemos inferir que na correlação de forças existentes
entre a cidade e o campo referente a leitura e recepção das propostas formuladas pelos
“luminares” para modernização e o progresso de Conquista era apropriada diretamente por
um grupo restrito. A maioria dos leitores dos jornais se restringia aos poucos alfabetizados
que tiveram acesso a educação e se limitavam a alguns coronéis, seus familiares, profissionais
liberais, poucos comerciantes e por pessoas que emergiam dessas condições de letramento
através de uma realidade educacional incipiente.
Em estudos realizados pelo grupo vinculado ao Museu Pedagógico Padre Palmeira147,
foram considerados dados estatísticos que desenharam o perfil da educação no meio da
população da cidade de Conquista. Pesquisando através de dados fornecidos pelo Relatório da
Assembléia Legislativa do Estado da Bahia de 1933 (Arquivo Público do Estado da Bahia,
1936), este estudo apresenta a seguinte conjuntura, em termos de nível educacional na cidade.
Na área da educação contava com o ensino pré-primário e primário público estadual.
Possuía duas escolas masculinas, quatro femininas e duas mistas. Um total de oito
professores lecionavam nessas instituições. Dos 384 alunos matriculados em 1933,
133 eram homens e 251 eram mulheres. Destes, respectivamente, 77 e 111
obtiveram frequência regular. Mesmo faltando dados de duas escolas de Conquista,
segundo o Relatório concluíram o curso primário naquele ano apenas seis homens e
quatro mulheres. 148 (Arquivo Público do Estado da Bahia, 1936, p. 122-128)
Segundo o estudo de ALVES e SILVA (2008), referente ao ano de 1933 o município
de Conquista possuía um total de 2.333 eleitores, significando 2,6% de um total de 90.383
eleitores baianos. Tomando como base os eleitores podemos inferir uma dimensão dos
leitores, sendo que só os alfabetizados podiam votar. Embora, saber escrever fosse uma
imposição para o voto, muitos eleitores não eram necessariamente leitores. Isso significa um
universo ainda mais restrito de leitores neste período. Desta forma compreendemos que a elite
letrada compunha um quadro restrito no município de Conquista.
146
MEDEIROS, Ruy. Diversificação econômica, fator demográfico e participação política em Vitória da
Conquista. Jornal O Fifó, 25 de outubro de 1977.
147
Segundo texto de divulgação encontrado no site da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, o Museu
Pedagógico vinculado a esta Universidade – agrega grupos de pesquisa e extensão interdepartamentais e
interinstitucionais que discutem a investigação da educação, da cultura e das ciências à luz da história e das
ciências sociais.
148
ALVES, Ana Elizabeth Santos e SILVA, Lígia Maria Portela da. Ensino Profissional em Conquista nas
Décadas de 1930 e 1940: O Curso de Datilografia. Publ. UEPG Ci. Hum. , Ling. , Letras e Artes, Ponta Grossa,
16 (1) 21-26, jun. 2008.
130
Ainda perscrutando as pesquisas realizadas por estudiosos da história da educação na
cidade de Vitória da Conquista, encontramos referências sobre dados importantes para
contemporizar as relações dos letrados e a interlocução com as possibilidades de recepção de
leitura dos jornais, quanto aos suportes de veiculação e disseminação atingidas pelas notícias
e as suas repercussões. Neste sentido, citamos o estudo realizado por Casimiro e Magalhães
(2006) que pesquisam sobre os primeiros sujeitos e as primeiras instituições escolares da
cidade de Vitória da Conquista a partir da década de 1930 por meio dos depoentes que
viveram no período como alunos, recorrendo a este estudo as professoras Maria Cristina
Nunes Cabral e Lívia Diana Rocha Magalhães, no artigo: O Ideal Modernizador da Educação
em Vitória da Conquista – Ba, entre as décadas de 1930 a 1950, demonstra um quadro dessa
realidade educacional, no qual encontra-se,
categorias como: escola particular e pública, professor leigo, escola isolada,
primário, que denotam aspectos ligados às políticas públicas do estado. Bem como
categorias como: escola mais humilde, mais afastada, uma sala com duas portinhas
de venda, escola que funcionou no sótão, que denotam expansão do ensino para
camadas mais pobres da população. Porém, (...) embora tenham aparecido escolas
públicas, o destaque era dado às instituições privadas, algumas de vida efêmera, e
outras, mais longevas. (...) O estudo demonstra que a escola em Vitória da
Conquista, como na maioria dos municípios brasileiros, era incipiente e direcionada
para uma determinada camada da população – os que possuíam melhores condições
financeiras – uma vez que as poucas instituições existentes eram privadas.149
O fomento dado à educação formal é outro fator importante que vai influenciar e
determinar essas condições impostas pelas relações de força, que nesta realidade, se contrapõe
ao ingresso de grande parte da população na escola pública e a coloca em uma situação de
imobilidade a respeito das suas condições de trabalho.
Deste modo, os jornais surgiam no meio dessas disputas decorrentes das lutas pelo
poder e controle da municipalidade. Muitos desses jornais surgiram vinculados a esses
interesses, para chegar ao conhecimento de uma pequena parcela da população que já
possuíam o letramento e determinados saberes, acabando por conjugar imagens que da cidade
produzidas no interior de uma memória pretensamente hegemônica, a qual pode ser delatada a
partir dessas leituras feitas na interseção dos conflitos.
149
CABRAL, M.C.N ; MAGALHÃES, L. D. R. . O IDEAL MODERNIZADOR DA EDUCAÇÃO EM
VITÓRIA DA CONQUISTA-BA ENTRE AS DÉCADAS DE 1930 A 1950. In: VIII Seminário Nacional de
estudos e Pesquisas Histedbr, 2009, Campinas. Anais do VIII Seminário Nacional de estudos e Pesquisas
Histedbr. Campinas: Editora da UNICAMP, 2009.
131
3.2 UM OLHAR SOBRE A POBREZA: ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIAS NA
CIDADE
Como investigar os pobres na cidade? A problematização referente à pobreza é
geralmente dada historicamente no enfrentamento com os não pobres, produtores de reflexões
históricas logicamente determinadas pela existência de uma documentação que os redime do
exílio e do ostracismo. Os pobres na cidade são refletores das incongruentes mazelas da
sociedade e eles insurgem para a história neste arcabouço de mediações no levantamento das
diferenças. Isto é, os pobres da cidade, essa camada lúpem característica do resultado das
relações de poder, são confrontadas pela complacência necessária para caber no mundo do
trabalho, e também de incomodar a ponto de cairem num perverso esquecimento histórico.
Percebemos a importância de investigar esta história a partir das perspectivas dos
sujeitos envolvidos para propiciar meios de visibilidade na percepção da cidade como espaço
construído socialmente, nas experiências desses sujeitos, nas suas práticas cotidianas de
convívio e enfrentamento, entendendo que, do olhar sobre as relações desse cotidiano podem
ser encontradas revelações importantes sobre essa gente que percorre producentemente a
cidade.
A pesquisadora Claúdia Maria Ribeiro Viscardi em seu estudo sobre o mutualismo na
cidade do Rio de Janeiro republicano entende que,
em geral, quando se aborda o tema da pobreza, as preocupações se voltam para os não pobres,
que lutam por dirimi-la. Pouca atenção é conferida para as estratégias que os próprios pobres
engendraram, em sua luta cotidiana pela sobrevivência. (...) Mesmo vitimados por mazelas
comuns, encontravam meio de expandir laços de solidariedade entre si, responsáveis pelo
fortalecimento de elos comunitários, sem os quais dificilmente de manteriam vivos.150
A esse entendimento ela acrescenta ainda que,
os pobres possuem à sua disposição algumas estratégias de superação da pobreza.
Mas elas podem ser agrupadas em duas modalidades de escolha, raramente
excludentes: o apelo por proteção de alguém que dispõe de bens disponíveis a serem
doados, e o recurso à ajuda mútua, na qual o próprio grupo se apóia, estabelecendo
redes de colaboração entre seus membros.151
150
VISCARDI, Claúdia Maria Ribeiro. Estratégias populares de sobrevivência: o mutualismo no Rio de
Janeiro republicano. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 29, nº 58, p. 291-315 – 2009.
151
Viscardi, op cit., p. 293
132
Seguindo essa trajetória apontada por Viscardi e entrando nos espaços da Rua Grande,
territórios dos pobres da cidade de Conquista, foi possível perceber que o levantamento
extraído dos jornais no contexto das relações estabelecidas com a camada pobre da sociedade
conquistense, foram mensuradas com o propósito de descortinar a atuação de grupos
abastados da sociedade que privilegiada politicamente o tratamento dado aos pobres tendo em
vista desencadear um projeto de organização, proteção e assepsia de um espaço urbano
requerido e disputado pelas elites para configurá-lo como símbolo da cidade de Conquista.
A disponibilidade em proteger e doar bens disponíveis partia dos aparatos da
filantropia e da indulgência dos serviços socializados, entre outros, pela igreja católica. Esses
dados estão contemplados nos jornais e confere a descrição de uma ordem burguesa fazendose titular de um projeto de legitimação de valores subtraídos das contradições dos recursos
surgidos do advento dessas relações sociais que surgia com essa modernidade.
No período compreendido entre 1920 e 1945 acompanhamos através dos jornais
algumas notícias que faziam referências aos pobres de Conquista na intermediação da
memória que incluía a pobreza nos parâmetros das notáveis ações “da boa vontade da família
conquistense”.
O Jornal “A Semana” se encarregava da campanha à Festa de Natal das Crianças
Pobres, organizada pelo Grêmio Castro Alves,152 elaborando conjuntamente com a direção do
clube numa concepção assistencialista para tratar com os pobres da cidade como desvalidos
que a culpa cristã pretendia aliviar, conforme podemos observar a partir das notícias
veiculadas na época,
Excedeu a nossa expectativa, pelo brilhantismo com que foi adornada, a
comemoração do natal de Jesus, nesta cidade.
(...)
Foi uma scena encantadora, nunca assistida pela população conquistense, e que
deixou na memória de todos, uma suave recordação, uma doce impressão, que até
agora, como que por uma nuvem doirada e transparente da nossa imaginação, vemos
aquelle espetáculo commovente, na porta do “Castro Alves” em que sete formosas
virgens, como imagens de Santa, cercadas por uma multidão de creançinhas pobres
distribuíram, em nome de Jesus, as dádivas do Grêmio Dramático “Castro Alves.”153
(sic.)
152
O Grêmio Castro Alves foi fundado em setembro de 1919 por intelectuais, jornalistas e professores de
Conquista. Entre os seus fundadores estão Newton Álvares de Lima, Bruno Bacelar, Laudionor Brasil,
Demósthenes Alves da Rocha, José Lopes Viana, Abílio Rosa, Euclides Dantas e José do Carmo. Segundo os
memorialistas Aníbal Viana e Mozart Tanajura, através do desempenho deste grupo a linguagem artística
começou a fazer parte da vida intelectual da cidade. Em pouco tempo, o Grêmio Castro Alves já dispunha de
uma biblioteca e a publicação de uma revista chamada Ribalta e recebia companhias teatrais em excursão. O
Castro Alves durou até 1928.
153
Jornal A Semana, Anno I, num.20 de 28 de dezembro de 1923.
133
As ‘sete formosas virgens’ eram as filhas dos proeminentes senhores que aquinhoados
em seus burrões, cumpriam o despreendimento de dar a esmola às “pobres criançinhas”, que
vinham se juntar às ‘santas’ senhorinhas sob a “nuvem doirada e transparente da nossa
imaginação”. No texto está nitidamente vinculado o significado da esmola, à idéia da riqueza
e por conseqüência, ao sentimento da culpa cristã. Ou seja, ainda permanece a idéia medieva
da indulgência, que impregna na alma a necessidade do perdão pelo acúmulo da riqueza.
E não é só isto, a matéria escrita e veiculada dissemina a popularização da esmola
reforçando o crédito aos atenuados cidadãos que “comovem” e produz uma ‘doce impressão’
ao ‘distribuir dádivas’ cuja efetivação se dá num processo de legitimar a pobreza a favor das
permanências das relações paternalistas tradicionais, que se configuravam no painel cultural
brasileiro desde o período colonial.
E a matéria continua a relatar que:
No dia 25 [...]houve a festa das creanças pobres, [...] comparecendo a esta
solemnidade, [...] um número superior a 300 meninos pobres, sendo a todos
distribuídos roupas, doces e brinquedos.
Antes porem, de começar a distribuição dos mimos pelas senhorinhas Áurea Pereira
da Silva, Dilcia Costa, Maria Victoria Bacelar de Oliveira, Leonor Governo, Arlinda
Pereira da Silva e Alzira Augusta Costa, em nome do Grêmio “Castro Alves” em
ligeiras palavras, falou o seu orador que externou modestamente o agradecimento do
Grêmio à família conquistense, que, com a maior boa vontade, soube attender ao
appello desta sociedade em benefício das creanças pobres desta terra. (sic.)
Essa memória produzida pela matéria do jornal “A Semana” de 28 de dezembro de
1923 na verdade, coincide com a memória trazida pelo “Conquista” de 23 de julho de 1944,
jornal dirigido pelo Padre Luiz Soares Palmeira cuja mensagem se dirige a um público
católico. O jornal ‘A Conquista’ fundado pelo Padre Palmeira comprou uma tipografia para
garantir sua impressão que iniciou a circulação em junho de 1944. Segundo Viana, ‘A
Conquista’ foi um dos valorosos jornais de Vitória da Conquista, cujos redatores foram
primeiro Dr. Orlando Spínola substituído pelo advogado Aderbal Tanajura, mas, infelizmente,
teve pouco tempo de circulação.
As memórias construídas pelas matérias destes jornais revelavam que a maior parte da
população da cidade, vivia à margem das comemorações promovidas em datas festivas anuais
nas quais a imprensa conquistense compartilhava do mesmo ideário assistencialista aos
devotados. A Coluna ‘Comentários da Semana’ do jornal “Conquista” contém uma campanha
que surpreende pela força de um poder secular de dominação de ‘almas’, aqui reproduzida em
134
seu particular periódico, que avisa sobre aqueles que ‘infestam a cidade’ e alerta aos ricos
para fecharem suas portas, às ‘falsas mendicâncias’:
Falsa Mendicância – Nada mais natural aos nossos sentimentos cristãos que dar
esmola. Mas devemos acautelar-nos contra os falsos mendigos que infestam a
cidade. São sempre pessoas válidas, que podem e devem trabalhar. E que,
consequentemente, não precisam pedir.
Isso não obstante, são os que mais pedem.
Servem-se, para tanto, de troças de toda a sorte. Exercem a falsa mendicância
preferentemente à noite, como meio mais seguro de iludir a boa fé pública.
Acautelemo-nos contra essa fauna de exploradores.
E vejamos que, se é crime negarmos a esmola a quem dela necessita, crime é
também e maior darmo-la a quem não precisa.
A falsa mendicância é um caso de polícia e mais nada. (sic.) 154
Dentre essas proeminentes ironias que nos proporcionam as fontes, oferecendo
material suficiente para analisar sobre o viés da memória, uma problematização histórica,
encontramos nas duas matérias expostas acima, um importante referencial de abordagem da
conjuntura da cidade de Conquista. Do número de ‘300 meninos pobres matematicamente
calculado’, em 1923 vimos saltar uma ‘falsa mendicância’ em 1944, interpretada e veiculada
pela igreja católica sobre a condição de vida e trabalho na cidade de Conquista.
Esse comportamento proveniente do Jornal ‘A Conquista’ que interpreta os mendigos
como uma ‘fauna de exploradores’, aproximando-os da condição de animais, permite
estabelecer uma relação de forças descoberta na apresentação do primeiro número deste jornal
para a sociedade. O edital confirma que: ‘Informar e comentar – eis a missão do jornal que se
preza. Informar e comentar, o que vale dizer esclarecer. O jornal forma a opinião pública, que
condiciona tudo. De que tudo depende.’ 155 Partindo deste entendimento imputado pelo jornal,
podemos fazer uma leitura, na qual o esforço em preservar ‘a boa fé pública’ converge para
uma atuação associada uma gente que não se deixava amparar pelas doações e
assistencialismos criando suas estratégias de sobrevivência inacessíveis a atuação dessa igreja
e, portanto passíveis de estarem fora de qualquer convivência social sendo amputados dos
sentimentos cristãos de dar esmolas.
Interpelamos ao recrudescimento dos conturbados anos de 1920, que entre epidemias,
secas, alta dos preços dos gêneros de primeira necessidade, incipientes serviços de saúde e
educação, além do molestamento das próprias condições políticas, econômicas e sociais,
154
155
FALSA MENDICÂNCIA: Jornal A Conquista, 23 de julho de 1944.
Jornal A Conquista , Ano I, Num. 1 de 2 de julho de 1944.
135
discutidas ao longo do capítulo anterior, Conquista comporta no decorrer desta década a
permanência de problemas sociais que não se resolvem.
Compreendendo as transformações políticas que se estabeleceram na cidade na
passagem para o “estado novo”, que ficaram marcadas pelas agruras passadas pela força das
intervenções estaduais e observando a postura política e executiva dos mandatários avaliamos
que deixaram de fazer as reformas sociais necessárias para transformar esse quadro.
Acrescenta-se a este cenário, as conseqüências trazidas pela Segunda Guerra Mundial,
que cortava fronteiras e chegava às pequenas cidades do sertão, trazendo os rastros das
dificuldades, obliterando a ausência de gêneros, que eram exportados para atender às
necessidades dos grandes centros mais que, no entanto, esse desenvolvimento que vinha na
esteira das exportações, atendia somente aos grandes produtores, arrefecendo as
desigualdades e trazendo para a cidade, uma grande massa de indigentes, mendigos e
trabalhadores de ganho. Rui Medeiros, reflete sobre as relações da cidade e da região diante
dessa conjuntura:
O Município de Vitória da Conquista e região integraram-se naquele quadro e
beneficiaram-se da conjuntura patrocinada em nosso país pela Segunda Guerra
Mundial. Este conflito colocara na ordem do dia uma demanda maior de produtos
agrários para abastecimento dos grandes centros.” 156
Não propomos discutir aqui as conseqüências das relações econômicas trazidas por
essa conjuntura, nos interessa, entretanto, saber em que medida essa economia baseada em
valores humanos intercedeu no olhar desses observadores participantes e suas percepções
sobre “as gentes pobres” da cidade, que transitavam nessa circunferência do espaço
construído por essa sociedade, que vislumbrava sempre o progresso.
Considerando o papel dos nossos “luminares”, e, entre eles agora, estabelece-se a
figura do Padre Palmeira, a quem a cidade se apresentava como materialidade, mas também
os surpreendiam numa teia de relações sociais. Os jornais e seus editores produziam um
arcabouço de regras de conduta, normas e valores de uma moral cristã que pretendia ser
tomada como referência pela sociedade conquistense. Esse grupo de construtores de
memórias imbuídos do conhecimento, potencializado no poder de atender a grupos políticos
que militavam na cidade, evidenciavam o caráter de uma mimese que era gestada por um
ideário que alia à projeção no futuro como expectativa de construir um enredo, de uma
156
Artigo que compõe a série ‘ensaios conquistenses’ do Jornal O Fifó, do dia 3 janeiro de 1978.
136
memória social, para cuja efetivação se faziam necessárias promover marcos simbólico e
material claramente determinadas.
Diante dessa preocupação, nos ocuparemos ainda com um texto da coluna do Jornal
‘A Conquista’:
Surto de Progresso
É inegável o surto de progresso por que está passando a nossa cidade. Apesar de
primitivamente sem plano, horrivelmente desarrumada, Conquista hoje obedece a
uma planta que a vai corrigindo. Força é dizer que tal correção nunca poderá ser
completa. É que se cuidou disso muito tarde e as rendas municipais não oferecem
margem às desapropriações em massa.
Temos, por isso, de tolerar muita coisa que está, como se diz, na casa do sem
jeito.157
Nesta ordem estabelecida de ‘paz’ e ‘trabalho’, elaboradas no texto, traz elementos
referenciais do progresso e sublinha uma dialética que se alimenta de condições contraditórias
e anti-referenciais, indicando a existência de um grupo que, através da sua força de trabalho,
‘acentuar-se-á com a paz’, o vislumbre do progresso. A fonte conduz para uma diferenciação
social existente entre o trabalhador e o povo, resultado das condições materiais do progresso.
Pois o que está escondido aqui são as relações de trabalho extraídas dos impasses desse
projeto de crescimento para a cidade, que coloca à frente do poder municipal a
responsabilidade de equacionar: ‘o trabalho esclarecido em seus habitantes’ e o ‘não trair a
confiança do povo’.
Essas atribuições desapropriam os silêncios e deixam ecoar nos não-ditos da memória
uma ressonância das vozes dos pobres que ainda conviviam e supriam com os seus serviços as
necessidades básicas cotidianas da elite residente na Grande Praça. O que estava na ‘casa do
sem jeito’ contrariava o ‘surto de progresso’ e a administração pública não possuía numerário
suficiente para ‘oferecer as desapropriações em massa’. No que diz respeito ao espaço da Rua
Grande, não tiveram como ‘tanger’ a tempo a massa e desapropriá-los da convivência da Rua.
Essas atribuições desapropriam os silêncios e deixam ecoar nos não-ditos da memória
uma ressonância das vozes dos pobres que supriam com os seus serviços as necessidades
básicas cotidianas da elite residente na Grande Praça. O que estava na ‘casa do sem jeito’
contrariava o ‘surto de progresso’ e a administração pública não possuía numerário suficiente
157
Jornal A Conquista de 2 de julho de 1944.
137
para ‘oferecer as desapropriações em massa’. No que diz respeito ao espaço da Rua Grande,
não tiveram como ‘tanger’ a tempo a massa e desapropriá-los da convivência da Rua.
Essa transação correspondia ao tráfego de diversos serviços de ganho impostos pela
manutenção da limpeza, e pelo abastecimento de água potável nas casas. Não existia uma
regulação legal sobre os serviços de ganho, tanto que, sobre esses serviços não incidiam
cobranças de taxas e impostos e não estavam registrados na relação de ofícios e profissões do
recenseamento geral do Brasil de 1920.
3.3 AS ÁGUAS DE NOSSA SENHORA DA VITÓRIA: CONFLITOS E TENSÕES NAS
REGULAÇÕES DO ESPAÇO URBANO
Os problemas com o abastecimento de água na cidade de Conquista e, mais
especificamente, no entorno da Rua Grande, tornaram-se agudos e de forma mais provocada a
partir do crescimento demográfico, apontado no segundo capítulo dessa dissertação, entre as
décadas de 1920 a 1940, quando a cidade se expande, cresce o número de moradores, e os
fazendeiros que já residiam na Grande Praça cuidavam de manter suas casas da cidade e, essa
atitude acarretava a necessidade de contratar novos serviços.
Desde a primeira década do século XX, os poderes municipais (executivo e
legislativo) passaram a realizar interferências para controle do abastecimento de água para a
cidade. No governo municipal do Coronel Maximiliano Fernandes de Oliveira entre 1908 a
1911 foi construído um depósito d’água que ficou conhecido como ‘caixa d’água’. Durante
todo o período dos anos de 1920, os jornais veiculavam diversas matérias solicitando ao poder
publico municipal a construção de chafariz que atendesse ao abastecimento d’água de outros
pontos da cidade. Tais solicitações vieram a ser atendidas com a construção de dois chafarizes
nas ruas que constituíam naquele período o centro da cidade, ou seja, um em frente à
prefeitura e outro na Praça de residência da elite. Porém, tal medida foi paliativa, na gestão do
prefeito Arlindo Mendes Rodrigues entre 1933 a 1936, o problema do abastecimento de água
na cidade ainda não estava solucionado.
A nascente do Poço Escuro abasteceu de água potável a cidade de Vitória da
Conquista da sua origem até o ínicio da década de 1970. Segundo uma matéria publicada no
Jornal Hoje do dia 09 de Novembro de 2000, numa edição especial do aniversário de 160 anos
da cidade, documenta que,
138
(...)
A solução do problema só começou a surgir no ano de 1965, no Governo Municipal
de Orlando Leite. Através da resolução nº 72/65 autorizou o prefeito “firmar
convênio com o Departamento de Engenharia Sanitária do Estado da Bahia –
DESEB, para executar a exploração do serviço de água e esgoto sanitário do
município de Vitória da Conquista.”158
Acompanhando os jornais que compreende ao recorte temporal desse estudo,
percebemos que a preocupação com abastecimento de água, instalação da iluminação pública,
limpeza urbana, retirada de animais das ruas, construção de um matadouro e de um mercado
público para a feira foram solicitações recorrentes em todos os jornais da época. Dentre as
solicitações dos equipamentos que viriam a atender aos princípios de civilidade e progresso,
às condições de assepsia e controle dos corpos, estavam justapostas aos elementos materiais
de atendimento as necessidades vitais.
Em momentos diversos da nossa investigação constituída por memórias trazidas da
oralidade, imagens e leituras dos jornais, observamos que as relações com os equipamentos
construídos na cidade revelavam sentidos simbólicos de apropriação da Caixa d’água. Para
além de servir para abastecer a cidade com o seu ‘líquido puríssimo’, também possibilitava
momentos de encontro de sociabilidades de alguns grupos que transitavam por esse espaço.
As memórias elaboradas sobre a Caixa d’água retroagem aos tempos da Vila Imperial, quando
este equipamento público é lembrado como uma ‘época de ouro’ porque gozava de cuidado e
zelo da intendência, “O tempo, entretanto, consumidor inveterado de tudo e de todos, levou
nas suas ondas o período de utilidade e benefício público da fonte”.
Encontramos uma matéria da coluna ‘Factos e Notícias’ do Jornal “Avante”, que
revela o descaso do poder municipal em relação ao espaço da Caixa d’água em sua
importância sobre diversos aspectos para a cidade em 1931, cuja simplicidade do título
reforça a importância do evento dado pelo jornal,
“A CAIXA D’AGUA”:
(...)
Construída ha annos na administração do Snr. Coronel José Maximiliano Fernandes
de Oliveira, a caixa d’agua veio naquella ocasião beneficiar ao povo, que ressentiase de uma fonte pública.
(...)
O abandono das administrações condemnou este próprio do município a quase
desapparecer. E a caixa d’água foi se estragando, a ponto do povo quase interno da
cidade, preferir as águas das cisternas ás águas de Nossa Senhora da Vitória, da
158
Jornal Hoje de 09 de novembro de 2000. Ano 10, nº 109. Acervo pessoal do Sr. Mário Brito.
139
fonte publica, isto devido a immundicie que se notava mormente no córrego que, do
poço escuro conduz a água para ás torneiras da caixa.
E assim continua.
E porque não surge uma providência energica de quem de direito? E porque
consentir na continuação de um mal tão grande para o povo e para a cidade?
Não seria tempo de uma vez por todas acabar com taes abusos? Não seria útil
também aos olhos dos senhores administradores voltarem-se para o abandono da
caixa d’agua? 159 (sic.)
A existência desse espaço compartilhado pelo uso da água compreendia uma
complexidade de elementos provenientes dos interesses de diversos grupos sociais. Essa
relação intrínseca da transformação da natureza em espaço de cultura promovia
deslocamentos de sujeitos, valores e sensibilidades para uma arena constituída por relações de
força equacionadas entre os sujeitos que necessitavam da água puríssima para o seu ganho e
‘o povo quase interno da cidade’ que já preferiam a água de salobro das cisternas cavadas nos
quintais. Por entre este espaço vital, segundo o discurso do jornal, são destruídos os ícones
sacros da ‘água de Nossa Senhora da Vitória’; são destituídos os momentos idílicos dos
passeios e da visitação, e por fim o lamento pela morte de uma poética, que representava o
desaparecimento desse espaço na cidade para a divagação. Quer dizer, desse espaço emerge
problemas da cidade, tomada pelo descaso e abandono.
Esta elaboração, no entanto, não se aprofunda quanto ao problema da utilidade da água
e deixa de dizer que este local é também e, principalmente, o lugar primordial para as
atividades dos trabalhadores de ganho da cidade, e que por meio desses serviços eram
abastecidas as casas e estabelecimentos, e que, pelas mãos das lavadeiras as classes abastadas,
recebiam roupas limpas, promovendo o conforto das elites proprietárias.
Desta forma cabe interrogar, por que o único local de água potável que abastecia a cidade,
foi abandonado pela administração do município? A maioria dos jornais delatava
invariavelmente o mesmo problema, que constava do abandono da Caixa d’água e dos abusos
da população pobre que habitavam o local e ali depositavam os seus dejetos.
No percurso da nossa investigação, retornamos ao ano de 1922 onde encontramos na
Ata da Sessão Ordinária do Conselho Municipal do dia 26 de maio deste, um expediente que
tratava de uma solicitação do Conselheiro Agrippino Borges, que trazia à baila o problema
com as condições insalubres da cidade, especificando os problemas com a nascente do Poço
Escuro:
159
A CAIXA D’ÁGUA: Jornal Avante de 6 de junho de 1931, Anno I, nº 12.
140
Em tempo, o Conselheiro Doutor Agrippino Borges relembrou aos seus
companheiros de comarca a necessidade de se officiar ao Intendente municipal a fim
de que este dê cumprimento a lei nº 132 de 22 de novembro de 1913, com falta da
qual a população deste município sobretudo a desta cidade, se acha exposta a
toda sorte de moléstias provenientes de rezes abatidas para seu consumo, haja
vista uma rez abatida no lugar, podre atacada de carbúnculo, cuja carne foi
vendida nesta cidade, morrendo quatro pessoas e dessas tendo ficado doente do
mesmo mal; providenciar uma fiscalização do poço escuro, maltas adjacentes,
onde nasce o riacho que abastesse esta cidade, as quaes se acha no mais
completo abandono; obrigão aos proprietários a reveçar as estradas que passam por
seus terrenos; mandar apreender a grande quantidade de porcos e cães soltos pelas
ruas da cidade, obrigando seus donos as multas impostas pelas posturas ou
mandando a lista pública para o resultado das quantias apuradas serem recolhidas
aos cofres como lei. Providenciar sobre o asseio da cidade que está verdadeiramente
porca. Submetida a apreciação do concelho esta sua reclamação foi unanimemente
approvada e deliberado que se oficiasse ao senhor Intendente semelhando uma cópia
da presente reclamação.160 (sic) (grifo meu)
Este documento do ano de 1922 revela-nos que, o olhar sobre o espaço construído pelo
discurso jornalístico em 1932, encobre por uma década um problema que já vinha sendo
fermentado por uma tradição de descompromisso do poder municipal, para com esse espaço
da cidade. Da mesma forma, deixa ver a imagem construída pelas atitudes dos conselheiros,
que ao reclamarem as melhorias dentro do conselho, convocam um compromisso ao
Intendente, o que não foi atendido politicamente, ficando este espaço refém dos jogos de
interesses dos mandatários locais, que não possuíam condições políticas de financiar a
privatização da água e continuavam a conviver com as condições impostas pelo mercado de
água dos caroteiros e aguadeiras, conforme os documentos dos anos de 1930, que
frequentemente noticiavam sobre as condições do local.
Estabelecer a relação com o abastecimento de água, transportados nos serviços de
ganho das aguadeiras, lavadeiras e caroteiros é interessante, por que criava superposições que
deixavam ver as diferenças e os embates, entre aqueles que buscavam e necessitavam desses
serviços e por outro lado, àqueles que estavam alijados desse projeto de desenvolvimento e se
apresentavam em uma relação tensa e conflituosa com o espaço, no qual às suas práticas eram
delatadas e criticadas nos jornais, quando afirmavam que essas práticas interferiam e
comprometiam a salubridade e o embelezamento dos espaços da cidade.
160
Livro de Atas do Conselho Municipal da Cidade de Conquista. Código ? , Arquivo Municipal de Vitória da
Conquista. Ata da Sessão Ordinária do Conselho Municipal do dia 26 de maio de 1922
141
3.4 A EMERGÊNCIA DOS SUJEITOS: AGUADEIRAS, LAVADEIRAS
CAROTEIROS – HOMENS E MULHERES A SERVIÇO DO BEM COMUM
E
As práticas dos grupos ligados aos serviços de ganho eram também reconhecidas na
suas relações com o espaço da cidade onde se localizava uma das nascentes do Rio Verruga –
conhecido como Poço Escuro.161 Esse espaço era construído por relações estreitas com a vida
cotidiana dos moradores da Rua Grande e os sujeitos envolvidos veiculavam nas suas
práticas, os embates, lutas e tensões vivenciados num processo contínuo de produção desse
espaço urbano, que influenciava significativamente a vida da comunidade.
A leitura atenta dos jornais produzidos na cidade de Conquista entre as décadas de
1920 e 1940 possibilitou visualizar em matérias que tratavam sobre os problemas urbanos, a
presença de pobres na cidade, deixou ver nas ausências de notícias sobre os problemas
relacionados às suas condições sociais e, fundamentalmente, as relações de trabalho
escondidas também nos silêncios dos documentos escritos, orais e imagéticos.
Identificamos algumas trajetórias, valores, costumes, sensibilidades de homens e
mulheres que prestavam serviços de ganho, subtraindo das entrelinhas diretamente dos
documentos encontrados, os embates de grupos que disputavam um espaço político para o
legislativo e executivo e utilizavam os problemas vinculados aos espaços urbanos para
denunciar algum deslize da gestão municipal. Dentre os periódicos selecionados que tratavam
diretamente da problemática de nosso estudo encontramos na leitura do jornal “Avante”
notícias relacionadas às lavadeiras e aguadeiras, profissões que engendravam uma concepção
peculiar do espaço urbano de Conquista, cujas experiências cotidianas estavam relacionadas a
tensões, embates e lutas pela sobrevivência.
UMA LAVADEIRA COM FEBRE! A ÁGUA LODOSA DO AÇUDE ESTÁ
ADOECENDO AS INFELIZES PERSEGUIDAS. Este título foi dado a matéria escrita pelo
jornalista Bruno Bacelar que compôs a primeira página do Jornal Avante em 7 de fevereiro de
1932. Este período foi marcado pelo forte acirramento dos confrontos políticos entre esse
jornalista e o Coronel Deraldo Mendes Ferraz, este último foi indicado pelo Interventor Juraci
Magalhães para ocupar a prefeitura da cidade de Conquista. Esse jornalista, militante político,
integrante do Partido Liberal Conquistense, criado para apoiar a campanha da Aliança Liberal
e simultaneamente organizar-se para os embates políticos locais, criou uma dissidência com o
161
O crescimento urbano, nas primeiras décadas do século XX, acompanhou o leito do córrego do Rio Verruga
no sentido norte/sul, cuja nascente localiza-se na Serra do Periperi, no atual Poço Escuro, que atualmente
compõe uma Reserva Municipal. Esse córrego passava pelos quintais das casas que circundavam o leito do Rio.
142
grupo do Coronel Deraldo Mendes após os caminhos tomados pelo Golpe de 1930, com as
permanências do controle oligárquico marcado por um forte clientelismo, agora amparado
pela interventoria de Juracy Magalhães. Em 1932, Bacelar foi acusado de participar de um
grupo que apoiava a revolução constitucionalista e foi levado à Salvador onde ficou detido e
depois retornou à cidade, onde continuou a produzir matérias para o Jornal Avante, mantendo
uma postura de enfrentamento que, como registramos anteriormente, culminou, em 1933, com
o incêndio que interrompeu a circulação do referido jornal.
Apesar de longa, apresentamos a matéria na íntegra por entender que qualquer corte no
texto possa vir a comprometer a força da matéria escrita e divulgada em um jornal de
circulação na cidade e que, finalmente trás esses sujeitos silenciados pela história, dando-lhes
nome, mostrando as suas estratégias na superação dos seus problemas, nos seus
enfrentamentos insurgindo um movimento do grupo para interferir nas questões urbanas;
acrescenta-se ainda que, o caminho da Caixa d’água até o açude atravessa todo o percurso da
Rua Grande, espaço construído na análise desse estudo. Diante de tantas evidências propomos
a integridade para dimensionar a situação dos trabalhadores do serviço de ganho na cidade de
Conquista. Portanto, recomendamos a leitura:
Conquista é uma cidade que em higiene todos sabem, todos vêem.
Terra de bom clima e água excelente, dois fatores importantes para a prosperidade
local, Conquista no entanto, devido a falta de higiene sofre constantemente ameaças
epidemicas.
O paratifo então, tomou amor a nossa terra e quase é que, daqui não sai.
[...]
Um caso interessante é o do nosso relato de hoje.
Todos sabem da imundície da caixa dagua, setina dos desclassificados. Sabem todos
disto, e sabem todos ainda do desleixo clamoroso da Prefeitura com aquele próprio
municipal. Tudo alli vive em decadência, em legitimo abandono, tudo, tudo!
As nossas constantes locais tangeram a Prefeitura proibir as lavadeiras de lavarem
roupas nas torneiras da fonte pública. Estas, sem recursos, recorreram a um meio
mais rústico e mais prático, com risco da própria saúde e da vida. Na parte baixa da
fonte existe um lamaçal imundo e pôdre, fonte legitima do paratifo. Pois bem:
depois de um dia de penósos sacrificios e muitos trabalhos, as lavadeiras
conseguiram fazer uma represa insuficiente de agua barrenta e imprestável. Alli
estavam num esforço titânico uma obra inútil e perigosa para a saúde: - uma represa
de água suja e barrenta. Convencidas da insuficiência e perigo da barragem
improvisada, (O MONUMENTO MAIOR DO RIDICULO DA PREFEITURA), as
lavadeiras tomaram a deliberação de fazerem um calçamento na parte do lamaçal e
assim desfeita a tapagem a água imunda se esgotaria e alli naquele palco paratífico,
uma calçada de pedras largas e bem feitas substituiria a podridão que ainda alli se
ver.
Podia então, as pobres lavadeiras fazer o seu trabalho mais higienicamente sobre as
calçadas referidas, por onde a água correria límpida e clara.
A idéa pois, não era de todo má, para as pobres infelizes mourejadoras, desde
quando a prefeitura nada fazia e cruzava os braços... Sem recursos e dispostas, as
lavadeiras levantaram uma subscrição popular para o referido fim.
143
Descobrimos o fato e o eco do AVANTE! Foi vibrante em auxílio das pobres e
incansáveis mulheres...
A prefeitura, sem dúvida envergonhada e ridicularisada com o caso, numa vingança
minuscula com as pobres lavadeiras, proibiu terminantemente os serviços de
lavagem de roupas na caixa d’agua, proibindo também, o calçamento sanitário que
as pobres mulheres tencionavam fazer a custo do povo, no charco pôdre que alli se
vê, ainda agora.
A proibição e vingança do Prefeito tem trazido ás pobres lavadeiras mil sacrifícios.
Muitas, a maioria, pobresinhas, buscam água em pequenos pòtes para lavarem roupa
em casa; outras coitadas, rumam para o grande açude imundo, com grandes trouxas
e dentre estas uma pobre Clemência de tal com seu filhinho, ambos doentes, agora
de febre, vítimas infelizes da água perigósa do referido açude cheio de lôdo e plantas
aquaticas pôdres. Morre esta pobre mulher ou esta criança inocente, qual o único
responsável?
O Prefeito, sò o prefeito, unicamente o prefeito, que vingativo e colerico tange para
um açude de água inutil para o povo as pobres mãis de família lavadeiras de roupas.
Pobres mulheres, pobres creaturas!
A prefeitura alem de nada fazer condena agora ao sacrifício e á morte as pobres mãis
de família.
Onde está o povo conquistense? Onde está nossa gente que não protesta, um ato
assim desnaturado e cruel?
O povo confia, bem sabemos, no AVANTE! E AVANTE! Por isso mesmo lança às
faces dos responsáveis o seu protesto altivo de representante do povo.
Não, as pobres lavadeiras precisam de trabalhar e queira ou não queira, a prefeitura
tem o dever de mandar calçar a parte baixa da fonte, o local imundo e podre, fonte
legittima de miasmas perigósos.
Tem o dever a prefeitura de higienizar o referido local que o esfôrço das lavadeiras e
a caridade do povo conquistense queria melhorar de sorte e de estado.
Em maior ridículo não cairia a prefeitura não fazendo e não consentindo que se
fizesse um serviço de urgente e extrema necessidade.
O calçamento do lamaçal pôdre, a que nos referimos, se faz mister como um dever
de honra da prefeitura.162 (sic.)
Nesta matéria de primeira página Bacelar tratou de enfrentar o governo do Coronel
Deraldo Mendes, ao denunciar as condições de trabalho das lavadeiras do córrego do Rio
Verruga. Na contra mão da notícia que trata de tensões entre uma elite letrada que utilizava do
jornal para construir seu lugar nas relações de poder, é revelada a existência de conflitos e as
agruras que desafiavam as trabalhadoras responsáveis por manter a higiene pessoal, aparência
do vestuário, da fatiota e da visibilidade física da elite conquistense, e que acabam por
participar da disputa de um espaço urbano constituído de contradições, confrontações, lutas e
embates.
O jornalista inicia o seu texto fazendo um elogio à cidade. Esta que é a terra onde a
qualidade do clima e da água favorecem à prosperidade. No entanto, a crítica direcionada a
administração pública sobre a falta de higiene desse espaço: ‘Setina dos desclassificados’,
‘fonte legítima de miasmas perigosos’ corrobora a necessidade de um programa de
162
UMA LAVADEIRA COM FEBRE! A ÁGUA LODOSA DO AÇUDE ESTÁ ADOECENDO AS
INFELIZES PERSEGUIDAS: Jornal Avante de 7 de fevereiro de 1932.
144
higienismo sanitário já utilizado nos principais centros urbanos do país. A cidade de
Conquista foi grassada por uma epidemia de tifo que atingiu dezenas de pessoas no ano de
1927, trazendo para esta cidade uma comissão de sanitaristas que adotaram medidas de
prevenção contra o tifo. Em Conquista, ainda segundo O Avante, a autoridade municipal
esperava que o mal se instalasse, através das epidemias, para tomar providências sobre o seu
controle. A prefeitura deveria, assim, passar a adotar os métodos sanitaristas para debelar o
paratifo que ‘tomou amor a nossa terra’, no entanto debita procedimentos excludentes ao
retirar as lavadeiras da fonte pública atendendo ‘as nossas constantes locais’, proibindo as
lavadeiras de trabalharem neste local.
Segundo Paulo Henrique Duque Santos, em seu estudo sobre as dimensões da vida
urbana para a cidade de Caetité na Bahia entre 1940 a 1960, considera que,
a preocupação com o controle sanitário, justificado por um discurso que dizia
proteger o “bem comum” (a coletividade), articulava-se essencialmente a uma
estratégia de manutenção da ordem. Para as elites dominantes, o modo de vida dos
segmentos pobres representava uma ameaça constante aos ideais de sanitarismo
exigidos a uma sociedade que se pretendia civilizada. Um surto epidêmico de
proporções incontroláveis pelo serviço de saúde pública podia tornar-se mais um
ingrediente de acentuação das práticas que fugiam às prescrições de salubridade
regidas pelos valores modernos, de desestabilização da ordem urbana. 163
Esta relação entre o controle sanitário e a manutenção da ordem na cidade de
Conquista insurgia neste espaço da fonte pública, no qual transitava sujeitos que
intensificavam através das suas práticas, as prescrições de salubridade regidas pelos valores
modernos, de desestabilização da ordem urbana.164
Proibindo as lavadeiras de utilizar a fonte pública – sem lhes oferecer outras alternativas de
trabalho –, a administração municipal tangeu esse grupo de trabalhadoras para o açude na Rua
da Várzea, local de acúmulo de água empossada pela precipitação de chuvas periódicas e o
açude se transformava em um canteiro de lama e lodo. A mensuração do espaço nas políticas
públicas de urbanização impunha deslocamentos da população pobre para áreas de várzea,
lugares destituídos dos equipamentos urbanos essenciais para a manutenção do trabalho.
163
SANTOS, Paulo Henrique Duque. Cidade e Memória: dimensões da vida urbana – Caetité – 1940-1960.
Rio de Janeiro, UNIRIO, 201. 203 p. Dissertação de Mestrado para obtenção do grau de Mestre em Memória
Social e Documento. P. 90-91.
164
Op.Cit. Duque, p.91
145
146
Esse deslocamento provocado pela interdição elimina ainda as atividades costumeiras
dessas mulheres pobres, que residiam nas proximidades da Caixa d’água que lhes
possibilitavam usufruir outros benefícios concernentes aos fatores de sociabilidades, ajuda
mútua e subsistência. Dentre os problemas advindos do deslocamento das lavanderias
executarem suas tarefas, talvez o mais agudo fosse a distância percorrida com trouxas de
roupa, a necessidade de transportar água em grande quantidade, conduzindo vasilhas, quase
sempre, nas cabeças. No início das matérias em 1931, na quais chamava atenção da população
e das autoridades sobre as péssimas condições de trabalho das lavadeiras que receberam um
tom de verdadeira campanha, Bacelar denuncia que,
A água do açude é verdadeiramente imprestável, lodosa, toldada por animais que ali
fazem bebedouro, além de distante da cidade, meia légua, para os moradores da
parte alta. A distância seria o menos, se a podriqueira e imundície da água não
obstassem o serviço. E sofrem as coitadinhas!... Uma na Rua dos Fonsecas,
conduziu à Caixa d’água, 30 latas d’água para lavar roupa em casa, apurando sabem
quanto? Dois mil e quinhentos reis.165 (sic.)
No “palco paratífico” da rua da Várzea as lavadeiras buscaram uma resolução para os
problemas enfrentados na subtração do espaço da Caixa d’água. No relato do jornal “Avante”
de 1932, vimos um movimento de enfrentamento político desse grupo de mulheres, que
alijadas do seu local de trabalho organizaram um documento de “subscrição popular” para a
construção de uma calçada de pedras para impedir o acúmulo de dejetos e lama, que, segundo
o jornal, levou ao acirramento das determinações do poder municipal que proibia
terminantemente os serviços de lavagem de roupas na Caixa d’água, impedindo também o
calçamento sanitário que as mulheres tencionavam fazer.
O Jornal “Avante”, com a contribuição de Bacelar deflagrou uma campanha aberta
contra o executivo municipal, na composição de um clamoroso embate denunciando a
situação dos trabalhadores dos serviços de ganho frente à postura de um poder público
incapaz e refratário às transformações em prol do bem comum. Considerando aqui, o sentido
de bem comum referente a um grupo específico, que era atendido em suas necessidades, por
esses trabalhadores.
Continuando a campanha, um mês depois da denúncia feita na matéria sobre “uma
lavadeira com febre”, em outra matéria tornava a fazer novos protestos sobre os ‘descasos’
165
Jornal Avante de 20 de dezembro de 1931.
147
cometidos no “Poço Escuro” que abastecia a população de água doce, desta vez envolvendo
também as aguadeiras:
E agora? Vai-se na caixa d’agua, penetra-se mais alem um pouco, no Poço
Escuro, e o que se vê é lastimável.
Fezes humanas de um lado e de outro do pequeno rêgo de tijolos, agora sem duvida
lavadas pelas chuvas torrenciais da semana e trazidas para ás torneiras da caixa
d’agua e bebidas (que miséria!) pela população!
É inacreditável tanto descaso publico, tanta imundície!
Vimos o que registramos e conosco todos que ali foram antes das ultimas chuvas.
Aliás o ser esse local uma setina pública dos desclassificados é cousa já sabida.
Muito e inumerosas aguadeiras têm verificado nos seus vasilhames a existência
de fezes humanas e de animais, e mais outras incontáveis imundícies. 166 (sic.)
No confronto percebido nas duas matérias, vimos que os usos da água eram bastante
variados. Lavadeiras, aguadeiras e os caroteiros comungavam do mesmo espaço pelo uso da
água. Dentre essas atividades a que se tornou intolerante às vistas do poder público foi a
lavagem de roupa, talvez por concentrar características próprias de enfrentamento, já que as
lavadeiras utilizavam o espaço de forma diferenciada: Elas passavam mais tempo no local,
entre a lavagem, coarar e as vezes secar as roupas; geralmente levavam os filhos – Como
‘Clemência de tal com seu filhinho, ambos doentes, agora de febre, vítimas infelizes da água
perigosa do referido açude’; essas mulheres também faziam as refeições no local e
consequentemente utilização o espaço também como sanitário para atender as suas
necessidades fisiológicas.
As interferências das lavadeiras potencializavam os problemas ocorridos no espaço da
Caixa d’água, mais do que o uso do local feito pelas aguadeiras e caroteiros, que chegavam
carregavam seus vasilhames e desciam para o abastecimento das casas, determinando talvez
um enfrentamento também, no interior desses grupos. Já que ‘muito e inumerosas aguadeiras
têm verificado nos seus vasilhames a existência de fezes humanas e de animais, e mais outras
incontáveis imundícies’, essa categoria de trabalhadoras foram ouvidas pelo jornalista que não
tratou de publicar um conflito interno entre elas, quando a sua campanha era contra a
prefeitura.
166
Jornal Avante de 27 de março de 1932.
148
Figura 18 - Fonte Pública Municipal Água de Nossa Senhora, anos 30 (acervo MRVC)
Detalhe da Figura 18- Caroteiro em serviço
Detalhe da Figura 18 - Carote e mula
Como lugar de uso coletivo, o espaço da fonte pública, fazia emergir esses sujeitos
que, através da sua força de trabalho atendia a uma necessidade básica e intransferível, que é
o saneamento e a distribuição da água para a população, como também os serviços das
lavadeiras de roupas. No entanto, segundo o jornal, até as ‘lavadeiras que, gratuitamente se
encarregavam do asseio das águas da fonte, foram expulsas como serviço higiênico’. Aqui
cabe considerar que a intenção do jornalista privilegia as lavadeiras – utilizadas na sua
campanha contra a administração municipal e não interessava, no momento, fazer eclodir um
conflito entre esses grupos de trabalhadores: ‘ não nos cansamos de protestar o ato
desnaturado do prefeito, proibindo as lavadeiras do ganha-pão.’167 Ainda se tratando do
serviço de água e especificamente do abastecimento das casas, as aguadeiras e caroteiros,
167
Jornal Avante de 27 de março de 1932
149
talvez angariasse uma atenção diferenciada, por parte da prefeitura, devido a condição de
preservar a limpeza da água para o consumo da população.
No entanto, esses trabalhadores apareciam mediante a necessidade dos seus serviços
para atender a população privilegiada na aquisição da água e, desta forma, eram considerados
em seus papéis sociais, conforme os desígnios dos mandatários, que assim ofereciam atenção
legal, nos seus trajetos:
Pelo Conselheiro Alziro Prates, foi requerido ao Senhor Intendente informações a
respeito de um muro que se construiu no caminho da Caixa d’água, junto ao quintal
ou melhor Chacara da Senhora Dona Vicência de Tal, muro este que está
prejudicando aos transeuntes e aguadeiros; requerimento que foi unanimemente
approvado.168 (sic.) (grifo meu)
Ao refletir sobre as condições determinantes para a confecção do espaço, Milton
Santos, considera que,
No lugar – um cotidiano compartido entre as mais diversas pessoas, formas e
instituições – cooperação e conflito são a base da vida em comum. Porque cada qual
exerce uma ação própria, a vida social se individualiza; e porque a contigüidade é
criadora de comunhão, a política se territorializa, com o confronto entre organização
e espontaneidade. O lugar é o quadro de uma referência pragmática ao mundo, do
qual lhe vêm solicitações e ordens precisas de ações condicionadas, mas é também o
teatro insubstituível das paixões humanas, responsáveis, através de ações
comunicativa, pelas mais diversas manifestações de espontaneidade e da
criatividade.169
Sendo assim, é importante destacar que a fonte pública, como um espaço construído
por serviços e sociabilidades comporta uma diversidade de territórios. Ao estabelecer funções
diferenciadas para o mesmo espaço, cada um desses grupos de trabalhadores vivenciavam e
atuavam singularmente nesse espaço. A proximidade entre as estratégias de superação levou
esses sujeitos a compor nesse mesmo espaço compartilhado de enfrentamentos e lutas a
garantia da sua sobrevivência.
Quando as lavadeiras, apresentadas no jornal “Avante”, através do texto e da postura
política de Bacelar, elas não se contentaram em esperar a solução do poder publico, tomaram
168
Livro de Atas do Conselho Municipal. (1926). Ata da Sessão ordinária do Conselho Municipal, do dia 16 de
fevereiro de 1926. Código: 12.2.22. Arquivo Municipal de Vitória da Conquista.
169
SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço – Técnica e Tempo. Razão e Emoção. Editora Hucitec, São
Paulo, 1996.
150
uma atitude, construíram uma represa e um calçamento que serviam para retirar ‘a podridão’ e
as substituíam por uma “calçada de pedras largas e bem feitas”, e, desta forma, acabaram
interferindo no espaço urbano. Esse grupo de trabalhadoras - lavadeiras de roupa da cidade de
Conquista construíam, dessa forma, os seus próprios espaços e deles se apropriavam de forma
inteiramente diversa, indo na direção contrária do poder público. São práticas urbanas, que se
desenvolviam à revelia dos mecanismos de controle de compartimentar a urbe, que marcaram
tantas reentrâncias nos lugares da cidade, ao tempo que também construíam e transformavam,
revelando, portanto, a materialidade de diversos usos do espaço urbano e uma relatividade
impressa na ordenação pretendida pelas elites locais.
151
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao buscar perceber e reconstituir as memórias dos sujeitos que habitaram o espaço da
Rua Grande na cidade de Vitória da Conquista entre as décadas de 1920 e 1940, na
perspectiva de encontrar a presença das práticas de todos os segmentos que circularam neste
espaço, pensei em construir as dimensões dessas experiências e ações pelas quais esses
sujeitos imprimiram suas marcas na trajetória das transformações deste núcleo de ocupação
urbana.
Na tentativa de incorporar mudanças no espaço urbano, as elites dominantes da cidade
de Conquista imbuídas de valores predominantemente universais excluem do projeto de
modernidade as particularidades e subjetividades das experiências sociais. Buscando construir
um espaço ordenado, de formas harmônicas para homogeneizar e controlar as condutas
sociais consideradas inadequadas a expectativa de construir um projeto de cidade racional,
elaborada por uma legislação que estabelecia normas autoritárias e excludentes. Porém, para
além dessa legislação vigente vimos que os usos dos solos urbanos foram apropriados por
sujeitos que improvisaram suas práticas cotidianas e de trabalho, deixando aparecer conflitos
e embates, imprimindo as marcas da sua trajetória em múltiplas territorialidades.
Realizamos grande esforço para deixar evidente que as leis municipais, o código de
posturas e os jornais de circulação local, elaboraram um projeto de ordenamento e regulação
dos usos dos equipamentos e espaços urbanos, cujo propósito era buscar implementar regras e
disciplinas que pudessem legitimar um ideário de civilidade e progresso, cuja intenção era
demonstrar o lugar social assumido por esse grupo na cidade que o diferenciava dos outros e
cujo patrimônio material e simbólico estimulasse as lembranças apenas sobre sua existência
como elite dirigente. No entanto, esse projeto e as memórias que pretendiam trazer à baila
encontraram resistências e enfrentamentos de segmentos pobres, roceiros e comerciantes que
vendiam a produção agropecuária na feira-livre, trabalhadores que prestavam serviços básicos
– abastecimento de água doce, lavagem de roupas -, que sobreviviam através dos ganhos
dessas práticas, utilizando os equipamentos oferecidos neste espaço.
Como esses sujeitos encontravam-se invisibilizados pela documentação, debitamos
nossas indagações nas construções narrativas direcionando o olhar sobre as imagens
fotográficas reveladas no período e os desdobramentos das narrativas orais dos moradores que
ainda habitam e vivem nesse espaço na cidade. Para tanto, fez-se necessário buscar no Museu
152
Regional da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, da Cidade de Vitória da Conquista,
a atualização dessas memórias, tendo em vista discutir as “exclusões” impressas nas
atribuições dos valores simbólicos e materiais sobre o acervo e nos recortes inscritos no
delineamento das escolhas dos sujeitos que estão representados neste lugar para a cidade,
procuramos investigar a constituição das políticas culturais do Museu através dos seus
projetos elaborados pelas diversas diretorias que circularam, neste espaço, que consideramos
nessa pesquisa como ‘lugar de memória’.
A construção de uma memória social instituída pelo Museu Regional articulada na
elaboração dos seus acervos significa um recorte de uma classificação exercida por relações
de poder no interior da instituição.
O estudo em questão buscou problematizar o espaço da cidade enquanto território de
trocas simbólicas e materiais, constituídas de relações humanas produtoras de valores,
normas, sentidos e significados e procuramos considerar que, a construção arquitetônica que a
sustenta não apresenta neutralidade. Vimos através das fotografias do acervo do Museu que as
transformações promovidas na Rua Grande objetivavam criar uma visibilidade modernizadora
sobre esse espaço, conferindo um ideário de ‘aformoseamento’ que viria atender a um projeto
civilizador, harmonizado para o conforto e deleite de uma elite proprietária que almejava
privatizar a Rua Grande. A produção fotográfica marcada por olhares, enquadramentos e
posturas dos fotógrafos através dos tempos nos provoca indagar, avaliar com atenção e
desafia interpretá-las como um esforço desse grupo para transformá-la em lugar de memória
que através da coleção fotográfica, chegou até a nós como luz que nos acena interessada em
abrir uma porta de acesso para o passado.
Procuramos neste estudo investigar campos de força marcados por interesses, valores e
normas de diferentes grupos que atuam e disputam de várias formas o mesmo espaço, fazendo
emergir os confrontos de segmentos sociais, com suas vivências e práticas que imprimiram
com suas intervenções marcas indeléveis sobre esse espaço da Rua Grande. Neste sentido,
refletimos sobre as memórias produzidas na instituição do Museu Regional e indagamos sobre
os enquadramentos que elaboram para conformá-las na contemporaneidade, percebendo uma
contraposição que iluminando com lembranças alguns grupos de maior visibilidade, tratou de
jogar no esquecimento e na escuridão do silêncio outros segmentos importantes que
independente da avaliação se mantiveram presentes com suas atuações neste espaço da
cidade.
Na produção dessa história sobre “memórias e fotografias nas transformações urbanas
de Conquista entre 1920 e 1940 buscamos refletir sobre os conflitos, embates e lutas dos
153
sujeitos que estavam excluídos das “fugas” de uma memória seletiva e lacunar que foi
percebida em cuidadosas leituras “a contrapelo” sobre as linguagens visuais, orais e textuais.
Considerando com Raymond Williams que “a linguagem é constitutiva do sujeito” ao
contextualizar memórias orais e escritas, narrativas de jornalistas, poetas, fotógrafos,
prestando atenção nos procedimentos e método para construção da operacionalização da
prática histórica, percebemos a emergência desses sujeitos que mantiveram com trabalho e
sociabilidades, as singularidades de uma cultura de pouca visibilidade à construção do espaço.
Ao procurar compreender como os espaços da cidade foram construídos a partir das
experiências dos sujeitos em suas diversas temporalidades e múltiplas sociabilidades,
esperamos ter contribuído para ampliar o debate sobre aspectos das relações e tensões
culturais construídas na história de Vitória da Conquista, como uma proposta de ampliação do
conjunto de significados partilhados e construídos pelos homens para explicar o seu mundo.
154
ACERVOS, FONTES E BIBLIOGRAFIA
ACERVOS
Públicos
Biblioteca Heleuza Câmara do Museu Regional – Casa Henriqueta Prates de Vitória da
Conquista – Bahia.
Arquivo Público Municipal de Vitória da Conquista.
Arquivo Público do Estado da Bahia – Setor da biblioteca – Salvador - BA.
Particulares
Biblioteca particular do Professor Ruy Hermann de Araújo Medeiros.
Acervo Particular do Sr. Mário Brito.
FONTES
Iconográficas
Fotografias do Acervo do Museu Regional – Casa Henriqueta Prates de Vitória da Conquista Bahia.
Manuscritas
Arquivo Público Municipal de Vitória da Conquista – Bahia.
Livro de registro de atas do Conselho Municipal da cidade de Conquista – 1922- 1927.
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Livro de registro de atos do Prefeito Municipal – 1939-1940.
Livro de Decretos e Portarias da Prefeitura Municipal – 1943-1945.
Impressas
Biblioteca do Arquivo Público do Estado da Bahia – Salvador - BA.
Decreto-lei n.75 de 29 de agosto de 1938 que cria o Código de Posturas do Município de
Conquista.
Biblioteca Particular do Prof. Ruy Hermann de Araújo Medeiros.
JORNAIS
A Semana. Vitória da Conquista – Bahia, 1923-1929.
A Vanguarda. Vitória da Conquista - Bahia, 1926.
Avante. Vitória da Conquista –Bahia, 1931 – 1933.
A Conquista. Vitória da Conquista- Bahia, 1944.
O Combate. Vitória da Conquista – Bahia, 1930 – 1940.
BIBLIOTECA HELEUZA CÂMARA DO MUSEU REGIONAL – CASA
HENRIQUETA PRATES DO MUSEU REGIONAL DE VITÓRIA DA CONQUISTA –
BAHIA.
Jornais
O Fifó. Vitória da Conquista – Bahia, 1977 – 1978.
156
Diário do Sudoeste. Vitória da Conquista – Bahia, Edições especiais, 2000.
Publicações
Revista Memória Conquistense. Vitória da Conquista – Bahia. Publicação da Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB. Diversos artigos, vários números, 1995 – 2009.
Revista Histórica de Conquista (dois volumes). Vitória da Conquista - Bahia. Publicação da
Gráfica do Jornal de Conquista. Diversos artigos, 1982.
ACERVO PARTICULAR DO SR. MÁRIO BRITO.
Jornal
Jornal Hoje. Vitória da Conquista – Bahia, diversos artigos, vários números, 2000.
FONTES ORAIS
Relação de Entrevistados
BRITO, Mário, 84 anos, trabalhou por muito tempo no comércio de Conquista, em 1962
montou uma lavanderia, trabalhou como garçom no clube social durante 25 anos onde afirma
que conheceu muita gente da cidade, atualmente possui uma lavanderia junto a sua residência
em uma rua próxima a feira livre da cidade. Entrevista em 16/08/2010. 30min., 2010.
CÂMARA, Heleuza Figueira, 67 anos, Diretora do Museu Regional de Vitória da Conquista
em 1995 e 1996, Professora aposentada do Departamento de Letras da Universidade Estadual
do Sudoeste da Bahia – UESB. Entrevista em 21/05/2010, Vitória da Conquista – BA, 120
min., 2010.
FONSECA, Humberto José, 55 anos, Diretor do Museu Regional de Vitória da Conquista em
1998, é atualmente professor titular do Departamento de História – DH da Universidade
estadual do Sudoeste da Bahia – UESB. Entrevista em 17/05/2010, Vitória da Conquista –
BA, 80 min., 2010.
MEDEIROS, Ruy Hermann de Araújo, 64 anos, como historiador elaborou juntamente com a
Profª Elzir o Projeto de Criação do Museu Regional de Vitória da Conquista, é atualmente
157
professor titular do Departamento de Ciências Sociais Aplicadas – DCSA da Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB. Entrevista em 17/05/2010, 145 min., 2010.
MELO, Elízio, 66 anos, filho de Manoelito Melo, neto de Manoel Eufrázio dos Santos Melo e
Gaudêncio Alves dos Santos, os primeiros fotógrafos da cidade de Conquista. Entrevista em
02/06/2010, 40 min., 2010.
MOTA, Janilde, 67 anos, Professora do magistério e formada em sociologia, teve sua vida
entrelaçada às práticas da Igreja Católica e atualmente aposentada do ensino estadual, mantém
um interesse nos assuntos da cidade. Entrevista em 04/07/2010, 120 min., 2010.
NOVAES, Ornélia Júlia, 81 anos, Reside atualmente na Rua Lisboa, antiga Rua do Sissi,
perpendicular à Rua Grande, sua história de vida é contada no transitar dessas ruas que vive
desde a infância. Entrevista em 05/07/2010, 70 min., 2010.
OLIVEIRA, Maria, 73 anos, moradora da rua dois de julho freqüentava o espaço da rua para
ir à igreja, a feira e passear na praça. Entrevista em 12/06/2010. 30min.,(2010).
ROSA, Maria Angélica, 92 anos, Filha de D. Zaza e neta do Coronel Gugé, vive ainda hoje na
casa tombada pelo governo do estado da Bahia, construída pelo Avô na Praça Barão do Rio
Branco. Entrevista em 03/08/2010, 100 min., 2010.
VILAS BÔAS, Elzir da Costa, 68 anos, Diretora do Museu regional de Vitória da Conquista
no período de 1992 a 1994, é atualmente professora aposentada do Departamento de Filosofia
e Ciências Humanas – DFCH da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB.
Entrevista em 18/052010, Vitória da Conquista – Bahia, 115 min., 2010.
Relação dos Entrevistados do Projeto: Conquista Era assim... do Museu Regional – Casa
Henriqueta Prates.
MOTA, Janilde e ROSA, Maria Angélica. Entrevista em 19/10/1993. 120 min. Entrevistadas
por Elzir da Costa Vilas Bôas.
ROCHA, Luiz Prates. Entrevista em 06/06/2002. 100min. Entrevistado por Ednalva Pereira
Padre.
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