Grátis - Change Pain Brasil

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Grátis - Change Pain Brasil
Impacto da dor na vida do paciente:
como tratá-la
Dr. Irimar de Paula Posso
Dor e esporte
Dr. André Pedrinelli
Adição e dependência de opioides
Dr. Durval Campos Kraychete
ÍNDICE
04.
Impacto da dor na vida do paciente:
como tratá-la
10.
Dor e esporte
13.
Adição e dependência de opioides
Produção editorial
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Desenho editorial Weverton Candido
Jornalista responsável Pedro S. Erramouspe
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comunidade médica. As informações relacionadas a produto(s) podem
ser divergentes das existentes na Circular aos Médicos (bula). Antes de
prescrever qualquer medicamento eventualmente citado, recomendamos
a leitura da Circular aos Médicos emitida pelo fabricante.
Esses dados foram incluídos apenas para capacitação do médico e
a informação tem finalidade exclusivamente educativa. As opiniões
emitidas nesta publicação não refletem necessariamente as opiniões e
recomendações do Laboratório.
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seguindo a legislação local e as indicações aprovadas no país.
Revisão Holoedro Serviços Editoriais
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destinada exclusivamente à classe médica.
A PERSISTIREM OS SINTOMAS, O MÉDICO DEVERÁ SER CONSULTADO.
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Ano 1 • Número 2 • Fevereiro 2014
Impacto da dor na
vida do paciente:
como tratá-la
Na maioria das faculdades de medicina não
existe durante o curso de graduação uma disciplina específica para ensinar o aluno a fisiopatologia e o tratamento da dor. O estudo da dor
é abordado de modo incompleto nas diferentes
disciplinas, portanto o aprendizado sobre a terapêutica da dor para a maior parte dos médicos
se processa de modo facetado e insuficiente.
Dr. Irimar de Paula Posso
CREMESP 12.934
Professor-associado do Departamento
de Anestesiologia da Faculdade
de Medicina da Universidade de
São Paulo. Professor Titular da
Universidade de Taubaté
Muitas vezes o tratamento da dor se faz de forma inapropriada, o que pode ocasionar graves
consequências na evolução dos pacientes. Atualmente, com os programas de acreditação hospitalar, o tratamento da dor passou a ser feito
de modo mais cuidadoso, com as orientações
das diretrizes da Europe Against Pain (EAP) e da
Joint Comission on Accreditation of Health Care
Organizations (JCAHCO).1
Uma vez que a dor não é adequadamente tratada, um elevado porcentual de pacientes submetidos a cirurgias ambulatoriais são reinternados
por causa dela. Cerca de 50% desses pacientes apresentam dor importante nas primeiras
24 horas, que se estende por até três dias; e
a dor pós-operatória constitui a principal causa
de hospitalização inadvertida após uma cirurgia
ambulatorial.2
4
Em cirurgias ambulatoriais de diferentes especialidades, a incidência de dor pós-operatória é
de 10% na cirurgia plástica, de 11,5% na cirurgia geral, de 13,4% na urologia e de 16,1%
na ortopedia.3 Esses dados são estimativos, pois
os estudos bem delineados mostram incidência
muito maior.
Já a presença de dor pós-operatória intensa na
unidade de recuperação pós-anestésica é maior
nas cirurgias ortopédicas; no entanto, nas unidades de cirurgia ambulatorial, os procedimentos otorrinolaringológicos são responsáveis pela
maior incidência de dor pós-operatória intensa.
Isso ocorre porque as cirurgias de amígdalas são
bastante dolorosas.
A dor não tratada ou tratada de forma inadequada produz efeitos sistêmicos. A dor aguda
gera espasmo muscular, levando à hipoventilação e à hipoxemia. Além disso, a dor aguda
produz lesão da musculatura respiratória, o que
faz com que o indivíduo deixe de respirar adequadamente, e isso pode provocar diminuição
da expansão pulmonar e acúmulo de secreções
nas vias aéreas, em consequência, hipoxemia
ou broncopneumonia. A dor deve, portanto, ser
tratada para evitar problemas respiratórios.4,5
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Ano 1 • Número 2 • Fevereiro 2014
Em nível cardiovascular, a dor aumenta a liberação de adrenalina
produzindo taquicardia, hipertensão e sudorese. Devido ao espasmo vascular, pode ocorrer também isquemia, levando talvez
ao infarto. Por outro lado, a dor aumenta a ansiedade, o que
também aumenta a produção das catecolaminas, e consequentemente contribui para aumentar a frequência cardíaca e a pressão
arterial.4,5
Existem também efeitos musculoesqueléticos: a dor ocasiona vasoconstrição e diminuição da mobilidade, levando à atrofia muscular e à alteração do metabolismo. Na circulação periférica, a
dor causa hipofluxo e estase venosa, o que pode causar trombose
venosa profunda e tromboembolismo pulmonar.4-6
A dor aguda pode ser tratada de modo mais adequado, visto
que seu manejo é fácil, ao contrário da dor crônica, cujo controle é mais difícil. A dor aguda tem uma função fisiológica,
pois ela chama a atenção para o fato de que algo possivelmente nocivo está ocorrendo no organismo. Assim que ela cumprir
seu papel de alerta, ela deve ser tratada para não se tornar
crônica. O estímulo doloroso repetitivo leva à sensibilização
central, cronificando a dor.4 (Quadro 1)
Efeitos da dor nos sistemas de sinalização
Quadro 1
Dor
Nocicepção periférica
Dor prolongada
Excitabilidade neuronal
Hiperalgesia 1º e 2º
Alodinia
Dor crônica
Alteração dos sistemas
medulares da dor
Embora não seja um sinal vital, como é o caso da temperatura,
frequência cardíaca, frequência respiratória e pressão arterial,
a dor passou a ser considerada o quinto sinal vital, primeiramente porque deve ser avaliada sempre que os quatro sinais
vitais forem avaliados, o que geralmente ocorre no mínimo
quatro vezes durante o dia; em segundo lugar, se a intensidade da dor for moderada ou intensa a mesma deve ser imediatamente tratada, como ocorre sempre que um dos sinais vitais
está alterado.
Há várias maneiras de avaliar a dor, algumas mais simples e outras
mais complexas. Entre as mais simples estão as escalas unidimensionais, como a escala visual numérica (EVN), que pontua a dor
de 0 (sem dor) a 10 (dor mais intensa), a escala visual analógica
(EVA), muito utilizada em pesquisa, a escala de descritores verbais
e a escala de faces.
Em relação ao tratamento da dor, deve ser usada a denominada
analgesia multimodal, que consiste no manejo da dor por meio
de vários fármacos pela mesma via ou por vias diferentes de administração, para possibilitar o uso de doses menores de medicamentos, consequentemente com menos efeitos adversos embora
com a mesma eficácia analgésica. Para a analgesia farmacológica,
utilizam-se anti-inflamatórios não esteroides, opioides, anestésicos locais e adjuvantes (agentes não farmacologicamente classificados como analgésicos, mas que tem atividade analgésica
como os antidepressivos e os anticonvulsivantes). Na analgesia
não farmacológica, citam-se a acupuntura, a terapia física e a
terapia complementar.
O uso racional de combinações de medicações analgésicas pode
favorecer o alívio da dor, reduzir eventos adversos pós-operatórios e melhorar a recuperação pós-operatória funcional.
Adaptado de: Cousins, M; Power, I. Acute and postoperative pain. In: Wall, P.D.; Melzack, R. (Eds.). Textbook of Pain. 4. ed. Edinburgh, UK: Churchill Livingstone, 1999. p. 447-491.
Quanto aos efeitos psicológicos, a dor produz ansiedade, depressão e insônia. Entre os efeitos socioeconômicos, constitui um fator de afastamento das pessoas do trabalho e também um mecanismo usado pelos pacientes para ser afastados do trabalho. Outros efeitos da dor abrangem a redução da função imunológica
e alterações gastrointestinais, como diminuição do esvaziamento
gástrico e da peristalse, com retenção de gases e distensão abdominal. A obstipação intestinal ocorre porque o paciente não se
movimenta, diminui a motilidade intestinal causando, portanto,
dificuldade para evacuar.4
A analgesia multimodal pode ser aplicada seguindo as orientações da escada analgésica, desenvolvida pela Organização Mundial da Saúde, que tem três degraus: o primeiro se refere à dor de
baixa intensidade (EVN de 1 a 3) e utiliza analgésicos não opioides como os AINEs, a dipirona, o paracetamol e os adjuvantes;
o segundo se refere à dor moderada (EVN de 4 a 6) e associa
opioides fracos, como codeína e cloridrato de tramadol, aos medicamentos usados no primeiro degrau; o terceiro se refere à dor
intensa (EVN de 7 a 10) e substitui opioides fracos por opioides
fortes, como morfina, oxicodona e hidromorfona, mantendo os
medicamentos usados no primeiro degrau. (Quadro 2)
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Analgesia segundo a OMS
Quadro 2
Analgesia multimodal
Dor
leve
Dor
moderada
Dor
intensa
Analgésicos não
opioides + adjuvantes
Opioides fracos
cloridrato de tramadol
codeina
Opioides fortes
morfina
oxicodona
hidromorfona
1a3
4a6
7 a 10
Elaborado pelo autor.
Opioide fraco é aquele que tem efeito teto, nível no qual o aumento da dose proporciona discreta elevação do efeito analgésico, mas
também o aumento, em maior proporção, dos eventos adversos.
Com os opioides fortes, o nível do efeito teto existe porém é muito
alto, geralmente atingido com doses muitíssimo maiores do que as
usadas habitualmente.
É também importante destacar o fato de que as dores crônicas
sobem a escada analgésica, ou seja, começam com intensidade leve e aumentam gradativamente, enquanto as dores agudas
descem essa escada, portanto o tratamento da dor aguda deve se
iniciar com os fármacos do segundo ou terceiro degrau, dependendo de sua intensidade.
A analgesia sistêmica ideal é obtida com uma concentração sérica
dos analgésicos que fica entre dois parâmetros – a concentração
mínima adequada para produzir o alívio da dor e a concentração
máxima, acima da qual aumenta muito a intensidade dos eventos
adversos. Essa faixa de analgesia é obtida com o uso de doses
e de intervalos adequados. Cada fármaco tem duração de ação
diferente. A morfina e a codeína, por exemplo, têm duração de
ação de cerca de 3 horas. Já a duração de ação do cloridrato de
tramadol é de 6 horas.
adição, dependência e tolerância. A incidência de náuseas, vômitos
e sonolência depende do opioide, da dose, da via de administração
e da sensibilidade de cada paciente, além da presença de tolerância, o que significa que a intensidade desses sintomas diminui à
medida que o paciente vai se adaptando ao seu uso. Já a incidência
de constipação intestinal depende do opioide, da dose e da sensibilidade de cada paciente, porém é importante destacar que para
a constipação intestinal não ocorre a tolerância.
A intoxicação por opioide tem incidência muito baixa e associa-se
aos seguintes eventos: depressão respiratória, arreflexia, hipotensão, taquicardia, apneia, cianose e óbito. Essa intoxicação ocorre
com doses elevadas de opioide e geralmente não é observada
nos tratamentos clínicos habituais.
Em relação à adição aos opioides, observa-se que os fatores de
risco associados incluem a genética, história familiar de alcoolismo e uso de drogas, e os antecedentes pessoais de adição, de
doenças psiquiátricas e de abuso sexual. Os sinais indicativos de
adição incluem:
• O paciente usa o opioide de forma compulsiva para solução de
conflitos pessoais, e não para alívio da dor.
• Aumenta a dose por conta própria.
• Não aceita a prescrição ou pede mais medicação.
• Solicita receita de vários médicos.
• Não aceita mudanças no tratamento.
• Apresenta alteração de comportamento.
• Perde o controle em relação à prescrição, usando cada vez
mais opioide.
• Abusa do opioide apesar dos efeitos colaterais provocados por
doses excessivas e é incapaz de atender às próprias responsabilidades e obrigações.
Em relação aos opioides, há dados indicativos de que a utilização
desses medicamentos é baixa no Brasil em comparação a outros países, como os Estados Unidos e vários países da Europa. Isso significa
que em nosso país os pacientes tem sua dor subtratada. Uma das razões do pouco uso dos opioides é a falta de confiança ou o medo de
desencadear eventos adversos que esses medicamentos suscitam.
Há também a dependência do opioide, e quando a pessoa dependente não recebe o opioide desenvolve a síndrome de abstinência,
caracterizada por um conjunto de sinais e sintomas associados à
falta do medicamento. Os fatores desencadeantes dessa síndrome
são a interrupção abrupta, a rápida redução da dose, a administração de um antagonista e a diminuição da concentração sanguínea
da droga. Os sinais e sintomas da síndrome de abstinência incluem
rinorreia, piloereção (pele arrepiada) e midríase.7
Os possíveis eventos adversos associados aos opioides incluem
náuseas, vômitos, constipação, prurido, sonolência, intoxicação,
Tanto a dependência física quanto a adição podem ou não estar
presentes simultaneamente, pois são condições diferentes. A de-
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pendência física é um fenômeno neurofarmacológico, enquanto a
adição é um fenômeno comportamental.
Ainda se faz necessário comentar a tolerância e a pseudotolerância. A tolerância é a necessidade de aumentar a dose do opioide
para atingir ou manter o efeito desejado. O desenvolvimento da
tolerância está relacionado a mecanismos moleculares e celulares.
A tolerância se desenvolve com o uso contínuo do opioide. Já a
pseudotolerância é a necessidade do aumento da dose por outros fatores, como progressão da doença, aparecimento de nova
doença ou aumento da atividade física.
Nos Estados Unidos, em 1970 foi publicada a Lei Pública sobre a
Escala de Substâncias Controladas, que divide as substâncias nos
grupos A, B e C, e cada grupo é dividido em cinco sub-grupos
(I, II, III, IV e V). O grupo A se refere ao potencial de abuso das
substâncias, de forma que as substâncias pertencentes aos sub-grupos I e II se classificam como drogas ou outras substâncias
que têm alto potencial de abuso. As do sub-grupo III, têm potencial de abuso menor que as dos grupos I e II. As do sub-grupo
IV têm baixo potencial de abuso em relação às pertencentes ao
sub-grupo III, e as do sub-grupo V têm potencial de abuso menor
que as do sub-grupo IV.8
Pertencem ao sub-grupo II o citrato de fentanila, o hidrocloreto
de hidromorfona, a oxicodona, a oxicodona associada ao paracetamol e a morfina. São exemplos de medicamentos do sub-grupo
III a hidrocodona associada ao paracetamol e a codeína associada
ao paracetamol.
O cloridrato de tramadol é um fármaco de baixo potencial de
abuso. A prevalência de abuso desse medicamento é igual à dos
anti-inflamatórios não esteroides e inferior à da hidrocodona. Dados coletados ao longo de 14 anos na Alemanha demonstraram
que o abuso ao cloridrato de tramadol foi menos comum que o
da di-hidrocodeína ou o da codeína.9,10
Os opioides atuam via receptores, entre eles o µ (mi), com ação
supraespinhal e de sedação. Os diferentes opioides e sua ação
sobre os receptores são mostrados no quadro 3.
Os opioides devem ser usados de modo racional, pois são substâncias que devem ser administradas em intervalos regulares,
mantendo-se o esquema de prescrição obedecendo o tempo de
duração da ação de cada opioide. A analgesia de demanda, ou
seja S/N (se necessário), deve ser evitada, e o opioide deve ser administrado antes do desencadeamento da dor. Além disso, deve-se prescrever a dose adequada, em intervalos adequados, utilizar
a via de administração mais rápida e menos dolorosa e empregar
a analgesia multimodal.
Os opioides e sua ação sobre os receptores
Quadro 3
μ
κ
σ
δ
morfina
+++
+
++
-
codeina
+++
+
++
-
+++
+
+
-
metadona
+++
-
+
-
meperidina
++
+
++
-
+++
-
oxicodona
fentanil
sufentanil
alfentanil
+
+
+
-
-
-
-
-
-
-
buprenorfina
Parcial+
++
-
-
nalbufina
Parcial
Parcial+++
+
+
naloxona
Antagonista+++
Antagonista++
Antagonista+
Antagonista
+
-
-
-
cloridrato de
tramadol
Adaptado de: • Barash, P.G.; Cullen, B.F.; Stoelting, R. K. Clinical Anesthesia. 2001. cap.54. • Miranda, J.J.F.; Melich, M.T. Adiciones. In: Monografía Opiáceos. Edita Socidrogalcohol,
v.17, parte 2, 2005. • Rang, H.P.; Dale, M.M.; Ritter, J.M.; Moore, P.K. Farmacologia. 2004. cap. 40
A associação de codeína e paracetamol é bastante comum. A codeína é uma pró-droga e precisa ser biotransformada em morfina
para exercer seu efeito analgésico. Essa biotransformação é feita
pelo citocromo P450 2D6, portanto a eficácia e a segurança do
fármaco dependem dessa reação. Cerca de 10% dos pacientes
não são capazes de biotransformar a codeína, portanto para eles a
codeína não tem nenhum efeito analgésico.11,12
Uma porcentagem menor é constituída por metabolizadores pobres, ou seja, que transformam pouco a codeína, com consequente efeito terapêutico muito pequeno. Por outro lado, existem os
metabolizadores ultrarrápidos, que apresentam risco elevado de
toxicidade pela morfina, pois a quantidade de morfina produzida
pela biotransformação da codeína é muito grande.11,12
Por outro lado a codeína tem baixa afinidade com os receptores de opioides, motivo pelo qual a sua atividade analgésica é
pequena, aliada ao fato de que geralmente apenas 10% dela é
biotransformada em morfina. Os eventos adversos associados à
codeína incluem constipação, sonolência, tontura, náuseas, vômitos, dependência e tolerância.13
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O paracetamol, ou acetaminofeno, é utilizado amplamente como
analgésico e antitérmico sendo comumente indicado no controle
da dor de intensidade leve a moderada, de caráter agudo ou crônico e também considerado um dos principais causadores (cerca
de 46% dos casos) de insuficiência hepática aguda nos Estados
Unidos. O paracetamol é usado associado a diversos outros medicamentos, inclusive os opioides, no tratamento da dor aguda ou
crônica. Nessas associações, são utilizadas doses mais altas de paracetamol e doses subanalgésicas do opioide, como as doses do
opioide são baixas o paciente usa a associação paracetamol com
opioide em intervalos curtos ou em doses maiores que a dose
recomendada, de modo que a dose do paracetamol se aproxima
ou ultrapassa a dose tóxica, o que aumenta o risco de superdose
e de intoxicação pelo paracetamol.14
Nos casos de pacientes que desenvolveram insuficiência hepática
aguda, 38% deles tomavam simultaneamente mais de uma preparação com paracetamol e 62% deles tomavam uma associação
de paracetamol com opioides, como por exemplo, hidrocodona
mais paracetamol.14
O cloridrato de tramadol é um analgésico com mecanismo de
ação dual, pois atua sobre o receptor µ e também inibe a recaptação de serotonina e de noradrenalina além de aumentar a
liberação de serotonina por estimulação pré-sináptica, portanto,
aumenta a ação das vias inibitórias sobre a modulação da dor,
diminuindo sua intensidade.15-17 (Quadro 4)
Mecanismo de ação do cloridrato de tramadol
Quadro 4
Analgésico com mecanismo de ação dual
Agonistas com moderada
afinidade com receptores
opioides μ centrais e periféricos
Inibe a recaptação de
serotonina e noradrenalina+
Aumenta a liberação de
serotonina por estimulação
pré-sináptica
Analgesia
Aumento de função
das vias inibitórias
Adaptado de: • Stoelting, R.K.; Hillier, S.C. Pharmacology & Physiology in Anesthetic Practice. 4.ed., 2006. cap.3, p.115. • Budd, K.; Langford, R. Tramadol revisited. Br J Anaesth., v.
82, n. 4, p. 493-495, 1999. • Katz, K.D. Tramadol is an opioid. J Med Toxicol., v. 4, n. 2, p. 145, 2008.
O cloridrato de tramadol apresenta baixa incidência de eventos adversos, particularmente depressão respiratória, constipação e potencial de abuso. Além disso, tem eficácia e boa tolerabilidade no
controle da dor em pacientes com traumatismo, cólica renal e biliar,
dor crônica oncológica e não oncológica e dor neuropática. Quan-
8
do administrado por via intravenosa ou intramuscular, tem 1/10 da
potência da morfina, ou seja, 100 mg de cloridrato de tramadol exibem eficácia analgésica equivalente a 10 mg de morfina, porém sem
apresentar a mesma intensidade de alguns dos efeitos adversos da
morfina como a sonolência, depressão respiratória, prurido e constipação intestinal. Ademais o tempo de duração da ação do cloridrato
de tramadol é o dobro da duração da ação da morfina.10,18
O cloridrato de tramadol é especialmente recomendado nas diretrizes de tratamento da dor neuropática e musculoesquelética devido
a sua eficácia, segurança e tolerabilidade. Ele apresenta melhor perfil
em relação a eventos adversos em comparação aos opioides tradicionais. O cloridrato de tramadol está disponível há 30 anos, e a experiência clínica acumulada se estende a mais de 5 bilhões de dias de
tratamento, o que torna os dados clínicos extremamente robustos.
O cloridrato de tramadol apresenta em comparação aos opioides
tradicionais, analgesia efetiva na dor neuropática, com potencial
de abuso pequeno e eventos adversos menores. Em comparação à
morfina, o cloridrato de tramadol apresentou resposta analgésica
melhor na dor pós-traumática, em atendimento pré-hospitalar. A
satisfação dos pacientes e dos médicos também foi maior com cloridrato de tramadol em comparação à morfina.19
A vigilância pós-comercialização do cloridrato de tramadol mostrou baixa incidência de eventos adversos tanto na administração
de curta quanto de longa duração: náuseas, 4,2% e 4,8% respectivamente; e tontura, 4,4% e 4,6% respectivamente. A incidência de cansaço, sonolência, sudorese, vômitos e boca seca foi
ainda menor. (Quadro 5)
A incidência de náuseas e vômitos com cloridrato de tramadol é
similar à dos opioides tradicionais e depende da dose, da formulação e da via de administração. A probabilidade de ocorrência
de náusea é maior no início do tratamento com cloridrato de
tramadol, entretanto é habitualmente transitória e controlável.
O cloridrato de tramadol, em comparação à morfina em pacientes oncológicos, apresentou redução significativa da gravidade
das náuseas durante o tratamento.20
A otimização do uso de cloridrato de tramadol em analgesia pré-operatória recomenda administração antes ou durante o procedimento, de maneira lenta, em gotejamento durante 15 a 20 minutos, pois isso reduz a incidência de náuseas e vômitos e melhora a
qualidade do controle da dor.
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Eventos adversos com cloridrato de tramadol:
vigilância pós-comercialização
Quadro 5
Percentual de pacientes (%)
Evento adverso
Administração de curta
duração (n=3.536)
Administração de longa
duração (n=13.129)
Náusea
4,2
4,8
Tontura
4,4
4,6
Sonolência
-
1,1
Cansaço
1,9
2,1
Sudorese
0,8
0,8
Vômitos
0,5
1,0
0,7
1,5
Boca seca
Adaptado de: Grond S, Sablotzki A. Clinical pharmacology of tramadol. Clin. Pharmacokinetics. , v. 43, n.13, p.879-923, 2004.
O uso de cloridrato de tramadol de liberação prolongada é
mais cômodo para o paciente. Apresenta duração do efeito
durante 12 horas, eficácia e tolerabilidade similares às da formulação de liberação imediata e menor incidência de eventos
adversos.10,21 Seu uso é recomendado apenas para pacientes
com mais de 16 anos de idade.
Conclusões
• No tratamento da dor deve ser utilizada, sempre que possível,
a analgesia multimodal.
• A dor deve, sempre que possível, ser tratada segundo a escala
analgésica.
Referências:
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Dr. André Pedrinelli
CREMESP 51.776
Professor do Departamento
de Ortopedia e Traumatologia
da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo.
Existem situações no esporte que provocam dor,
mas não constituem a rotina da prática esportiva. A dor foi definida pela Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) como “uma
experiência sensorial e emocional desagradável
que é associada a lesões reais ou potenciais ou
descrita em termos de tais lesões. A dor é sempre subjetiva, e cada indivíduo aprende a utilizar
esse termo por meio de suas experiências”. A
dor faz parte da vida do atleta, e atualmente
muitos deles trabalham no limite, que é muito
difícil de encontrar. Embora o principal motivo
de abandono do esporte sejam as lesões, hoje
em dia também há indivíduos que prosseguem
na prática esportiva por mais tempo.
mais de 80% das pessoas submetidas a cirurgias
referem dor pós-operatória. A dor é o sintoma
mais temível relacionado à doença e ao sofrimento mesmo em comparação com a expectativa de morte.
Um estudo que utilizou um questionário espontâneo feito entre pessoas que treinavam mostrou
que 76% dos atletas brasileiros apresentam dor
durante a atividade física. Tanto o treinamento
intenso quanto a inatividade são fatores predisponentes para a presença de dor durante a atividade
física. Quando há a presença de uma lesão anatômica estabelecida, isto é praticamente certo.
Em relação à prevalência da dor, no Brasil existem
poucos estudos sobre esses números. Entretanto,
70% das pessoas que procuram os médicos o fazem em decorrência de uma queixa dolorosa. Oitenta por cento dos pacientes com câncer disseminado expressam dor em uma ou mais regiões do
corpo. Em ortopedia, além da dor referida pelos
pacientes, ainda existem procedimentos cirúrgicos
complexos e dolorosos.
Scott Dye desenvolveu, em 1996, a teoria do
envelope fisiológico, que diz que cada pessoa
é diferente e deve ser tratada dessa maneira.
Quando o exercício fica dentro do envelope fisiológico de cada pessoa, não há lesão anatômica estabelecida. Por outro lado, toda vez que
o exercício ultrapassa esse envelope fisiológico,
há um dano que pode ser reversível ou não.1 A
maioria dos esportes tradicionais caminha para
essa individualização.
Nos Estados Unidos há muitos estudos publicados
e segmentados por tipo de dor que mostram que
A dor é dividida em fases: I, leve (<24 horas); II, posterior ao exercício (>24 horas, me-
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lhora com o aquecimento); III, durante o exercício, sem alterar
a função; IV, durante o exercício, com alteração da função; V,
durante atividades da vida diária; VI, durante atividades da vida
diária, leve e eventualmente em repouso; e VII, constante, em
repouso, atrapalhando o sono. A dor no esporte tem também
características psicológicas. Muitas avaliações feitas pelo psicólogo permitem saber se o atleta está entrando em estado de
supertreinamento, em fadiga. Quando o rendimento do atleta
começa a cair sem que exista motivo técnico estabelecido, é
possível tirá-lo do treino antes que sofra lesões.
Existem dois tipos de lesão no esporte – as fortuitas e as típicas. Vomitar após uma maratona, por exemplo, é extremamente comum.
Já vomitar após um jogo de futebol não é comum. É preciso entender que cada esporte tem uma dinâmica e cada dinâmica tem uma
posição nos esportes coletivos.
A dor também pode ser aguda ou crônica, traumática ou causada
por sobrecarga. A maioria das lesões no esporte não é traumática, mas ocorre durante o treinamento. Um atleta funcional, porém, tem muito menos chance de lesão do que um atleta de fim
de semana porque, embora o risco do atleta funcional seja maior,
quando se faz a estimativa pelo número de horas ele acaba por
ter menor chance de sofrer danos. Mesmo assim, há risco 2,36
vezes maior de lesão em cada partida de futebol oficial.
A dor depende de fatores intrínsecos e extrínsecos. Os fatores intrínsecos estão relacionados com o atleta em si e com a idade. Já os
fatores extrínsecos se relacionam com os fatores coletivos. O conhecimento profundo da anatomia do corpo humano possibilita entender por que uma pessoa tem dor, assim como prever o local em que
essa dor se manifesta. A dor pode ocorrer em qualquer estrutura
do organismo, e no esporte os focos principais são ossos, cápsulas
articulares, cartilagens, músculos, tendões, meniscos e ligamentos.
Os tecidos corporais têm comportamento biomecânico muito parecido. Na fase inicial se observa a elasticidade do sistema, mas, a
partir de 4% de alongamento da unidade motora, já se começa
a ter plasticidade. Com cerca de 8% de alongamento, já existe
falência do sistema. (Quadro 1)
Quando se aplica uma carga e esta é retirada do sistema, ocorre
a defasagem entre a carga e a descarga. Quanto mais bem treinado o atleta, menor esse delta. Quanto maior o delta, maior a
dissipação de energia.
Comportamento biomecânico dos tecidos
Quadro 1
Plasticidade
Elasticidade
Deformação
2%
Falência total
4%
6%
8%
Elaborado pelo autor.
A tendinose é uma lesão biomecânica caracterizada por degeneração intratendínea por atrofia, degeneração intratendínea não
inflamatória com desorientação de fibras, hiperplasia angiofibroblástica, ausência de edema local, nódulos tendíneos geralmente
palpáveis, aumento de glutamato, aumento de lactato e neovascularização.
Alguns pontos são importantes na discussão sobre classificação
da dor. São eles o gênero, a idade, o nível de esporte, o volume
de treino, o estilo de prática esportiva, o tipo de piso e o equipamento.
Há dores também causadas por fadiga. Existem basicamente dois
tipos de fadiga: a central, mais comum, na qual ocorrem diminuição da ativação do sistema nervoso central e acúmulo de ácido láctico, e a periférica, na qual ocorrem alterações musculares
locais pelo acúmulo de fósforo. Quando existe fadiga central, o
risco de lesão é maior.
As causas da dor abrangem: treino inadequado, retração muscular, desidratação, má nutrição, temperatura baixa, circulação
diminuida e baixa oxigenação local. A maior parte dessas causas
é eliminada pelo bom planejamento de treinos.
A força, o alongamento, a coordenação e o condicionamento
aeróbico são fatores de proteção em todas as atividades físicas.
Há atualmente o conceito de core, que é a correlação entre a
estrutura que suporta a coluna e a pelve. O treino de core tem o
objetivo de fornecer equilíbrio e coordenação.
O mecanismo do trauma pode ser direto ou indireto. O trauma
direto está relacionado ao tipo de piso.
A dor muscular tardia é muito importante e ocorre com muitas
pessoas. É a dor que se segue a um exercício vigoroso anormal
11
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e geralmente ocorre no início ou na retomada de treinos. Ela se
inicia algumas horas após o término dos exercícios, mas pode
ocorrer em até dois dias. A transição miotendínea e as fáscias são
os locais mais frequentes de dor associada a exercícios rítmicos de
alta intensidade e pouca fadiga (excêntricos). Está provavelmente
associada a microrrupturas e a espasmo muscular, que produz
isquemia, e não se relaciona a acúmulo de lactato, mioglobinúria
e hidroxiprolina.
O exercício excêntrico é o agente principal da dor muscular tardia
porque demanda seis vezes mais força que o exercício concêntrico habitual.
Há vários tipos de tratamento da dor, como o medicamentoso, o físico, o cirúrgico, o preventivo e o curativo. Os motivos da adoção de
medicamentos para atletas profissionais abrangem o uso terapêutico
legítimo, a continuidade da performance, o ganho de performance
e os aspectos psicológicos. A grande maioria dos atletas é saudável,
porém eles usam muita medicação. Observa-se que a taxa de uso
de anti-inflamatórios entre os atletas de futebol vem aumentando.2
Outro estudo mostrou que 20,1% dos atletas utilizam anti-inflamatórios. Esse medicamento foi 8,5 vezes mais usado que os analgésicos. Mais de 10% dos atletas tomam anti-inflamatórios antes
de cada partida e 30,8% já tomaram esses fármacos antes de pelo
menos uma partida. Entre os jogadores de futebol internacional,
86% são usuários frequentes de anti-inflamatórios não esteroides.3
12
Outro dado importante mostra que 71,2% dos atletas amadores
e profissionais de corrida do Brasil já trataram de alguma dor decorrente de sua atividade sem procurar o médico.4
As superstições e os rituais são frequentes no esporte, mas algumas práticas se mostram inofensivas e ajudam a reduzir a ansiedade. Entretanto, um ritual preocupante é o uso profilático de
anti-inflamatórios não esteroides nos esportes.5
Quem faz uso de medicamentos sem apresentar dor toma uma
atitude errada. Já existem atualmente documentos do Comitê
Olímpico e da Fifa que indicam a medicação que pode ser usada
e não entra no controle de doping.
Em resumo, as dores são às vezes mal diagnosticadas, mal avaliadas ou maltratadas, principalmente do ponto de vista medicamentoso. Em consequência, as causas da dor são relegadas a
segundo plano.
Referências:
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drugs by athletes. Br J Sports Med. 2009;43(8):548-9.
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Adição e
dependência
de opioides
Muitos pacientes, em todo o mundo, deixam de
receber a analgesia adequada em razão da existência de restrições regulatórias excessivas sobre
a disponibilidade de analgésicos opioides. Existe
uma barreira à prescrição de opioides relacionada a conceitos incorretos sobre a hiperalgesia
induzida por esses agentes, além de recomendações sem base em evidências científicas sobre
o potencial de efeitos adversos, inclusive sobredose, desenvolvimento de tolerância, adição,
dependência e abuso.1 (Tabela 1)
Conceitos utilizados na prática clínica
Dr. Durval Campos Kraychete
CREMEB 10.486
Professor Adjunto de Anestesiologia da
Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Coordenador do Ambulatório de Dor
Um trabalho recente demonstrou que a prevalência de dependência pode variar de 0%
a 31% (média de 4,5%).2 Entretanto parece
maior que o esperado e pode oscilar de 0%
a 50%.3,4 Essa variação de prevalência talvez
esteja relacionada a diferenças de método e fatores de risco na avaliação de dependência, de
tempo de tratamento e de observação do estudo. Houve de fato aumento da prescrição de
opioides entre 2002 e 2007 (de 4,1% a 4,6%)
entre adultos jovens, principalmente do sexo
masculino (15,9% vs. 11,2%).
Tabela 1
Tolerância
Estado de adaptação em que a exposição a uma droga induz a alterações que
resultam na redução do efeito de um ou mais opioides ao longo do tempo
Dependência física
Estado de adaptação caracterizado por síndrome de abstinência, que pode
resultar de retirada abrupta, de rápida redução da dose ou da concentração
sanguínea de um fármaco ou da administração de antagonista específico
Adição
Doença neurobiológica crônica e primária cujo desenvolvimento e cuja
manifestação se associam a componentes genéticos, psicossociais e ambientais.
Caracteriza-se por comportamentos que abrangem falta de controle sobre o
uso da droga, uso compulsivo, fissura e uso contínuo a despeito do mal que
a droga produz
Comportamento
aberrante
Comportamentos que vão além dos limites acordados no plano de tratamento
entre o médico e o paciente
Mau uso
Uso de medicação sem indicação médica ou por outras razões além das
prescritas. Abrange também o emprego de substâncias (intencional ou não)
de modo incompatível com as recomendações médicas. Pode haver alteração
de doses ou quebra de medicamentos com consequências prejudiciais
aos indivíduos
Abuso
É o mau uso, com consequências, para modificar ou controlar o comportamento
ou o estado mental de maneira ilegal ou prejudicial a si mesmo ou aos outros.
Isso inclui acidentes, insultos, problemas legais e comportamento sexual que
aumenta o risco de contrair doenças sexualmente transmissíveis
Diversão
Trata-se da transferência intencional de substâncias de uma distribuição
legítima para canais ilegais ou da obtenção de drogas por métodos ilícitos
Adaptado de: Juurlink DN, et al . J Med Toxicol. 2012;8(4):393-9.
13
Deve-se lembrar que os americanos consomem
80% do suprimento global de opioides, 99%
do suprimento de hidrocodona e dois terços
das drogas ilegais existentes no mundo. Além
disso, 20% deles reportaram a utilização de
opioides sem prescrição médica, o que favorece o mau uso. Quanto aos fármacos, a oxicodona e a hidrocodona são os mais procurados (75% dos casos), em maior proporção que
morfina, fentanil e hidromorfona. Por outro
lado, entre os usuários de rua, a metadona é a
mais utilizada e vendida.4,5
Os fatores de risco de dependência e abuso
de opioides incluem idade (de 18 a 24 anos),
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sexo masculino, queixa subjetiva de dor em vários locais do
corpo, dor lombar, história anterior de abuso de álcool, Cannabis ou drogas ilícitas, presença de transtorno psiquiátrico
(ansiedade ou depressão) ou de estresse psicossocial, uso de
psicotrópicos, aumento do grau de tolerância à dor, fissura
pela obtenção do fármaco, antecedente criminal, tabagismo,
raça branca (pelo recebimento de mais analgésicos nas unidades de emergência), presença de limitação funcional relacionada à dor, história de estresse pós-traumático, desemprego e
hepatite C. (Tabela 2).4,6,7
Dependência de opioides: bandeira vermelha para memorizar
Tabela 2
Há suspeita de dependência de opioides nos paciente que:
1. Descrevem dor nas costas ou resultante de lesões ortopédicas sem documentação
correta nem imagem.
2. Solicitam um tipo de opioide específico para alívio da dor.
3. Demonstram pouco interesse na realização de exames físicos, testes diagnósticos e
tratamentos não farmacológicos.
4. Conversam sobre mudanças no trabalho ou situações relacionadas.
5. Deixam de participar de atividades que anteriormente ocupavam boa parte de seu
tempo. Esse pode ser um sinal de isolamento social ou de necessidade de tempo para
procurar opioides.
Adaptado de: Schultz D. Minn Med. 2013;96(3):42-4.
Em relação aos fatores genéticos, variações nas regiões de codificação 118 A > G e 17 C > T SNP do gene para o receptor opioide
µ (OPRM1) e 36 G>T SNP do gene para o receptor OPRK1 e 80
G>T e 921 C> T para o receptor OPRD1 podem aumentar o risco
de abuso.
Outro polimorfismo da pré-proencefalina (PENK) e do receptor tipo
2 de melanocortina (MC2R) está associado à dependência de opioides em múltiplos estudos.8
A utilização de testes de identificação do potencial de dependência e de abuso de opioides deve estar de acordo com a
estratificação de risco: 1) risco baixo, ausência de história de
abuso de substâncias ou de comorbidade psiquiátrica (DSM4);
2) risco médio, história de abuso de substâncias ou de comorbidade psiquiátrica (DSM4); 3) risco alto, história de dependência
e comportamento aberrante (roubo de prescrição, falsificação
de prescrição, uso injetável de formulações orais, abuso de
álcool, solicitação de prescrição de forma agressiva, escalonamento não racional de doses, obtenção de prescrições por vias
14
ilegais, perda de prescrições, múltiplas entradas em postos de
emergência, perda de posição no trabalho, na família e na vida
social.4,9,10,11
A chance de desenvolver abuso de opioides aumenta à medida
que o indivíduo apresenta mais de um fator de risco, assim
como se eleva a frequência de testes toxicológicos positivos
de urina.12
Existem vários instrumentos de avaliação do risco de
dependência e de abuso, entre eles: Prescription abuse check
list, Prescription Drug Use Questionnaire (PDUQ), Screening
Tool for Addiction Risk (STAR), Screening Tool for Abuse,
Pain Assessment and Documentation Tool (PADT), Screener
and Opioid Assessment for Patients with Pain (SOAPP), Pain
Medication Questionnaire (PMQ), Revised Screener and Opioid
Assessment for Patients with Pain (SOAPP-R), Opioid Risk Tool
(ORT), Scoring System to Predict Outcome (DIRE), Addiction
Behavior Checklist (ABC), Current Opioid Misuse Measure
(COMM), Prescription Opioid Misuse Index (POMI) e Prescribed
Opioid Difficulties Scale (PODS).
Esses questionários ainda não foram validados no Brasil, apresentam propriedades psicométricas fracas e não foram reprodutíveis,
o que implica em limitações metodológicas sem base na boa prática clínica.
Além disso, alguns são complexos, extensos e pouco compreendidos pelos pacientes. Desse modo, na escolha do instrumento, deve-se pensar na facilidade e no tempo de aplicação,
na habilidade do médico em lidar com o questionário e nas
características clínicas do paciente. Os instrumentos de autorrelato falham na identificação de comportamentos aberrantes.4,13
Os testes urinários podem detectar a presença de drogas ilícitas,
como heroína e cocaína, ou de outras substâncias controladas
não prescritas pelo médico.
Deve-se lembrar que um entre cinco pacientes que utilizaram
opioides apresenta teste urinário positivo em relação a uma droga ilícita. Os testes urinários ajudam a detectar adição e abuso
de substâncias em 19,6% dos pacientes. No entanto, podem
ser falso-positivos, e seu uso não é rotineiro.14 O tratamento da
dependência é multidisciplinar, focado no apoio psicológico
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especializado. A terapia medicamentosa inclui o uso de agonistas (buprenorfina ou metadona) ou de um antagonista (naltrexona).
O objetivo é prevenir ou reduzir a dependência física, a fissura
e a recaída e restituir ao estado normal todas as funções fisiológicas (como o sono e os movimentos intestinais).
Deve-se estar atento ao risco de interação medicamentosa,
de diversão e de potencial de sobredose. A buprenorfina, ao
contrário da metadona, não provoca alterações eletrocardiográficas, tampouco disfunção erétil, cognitiva ou psicomotora.
No entanto, apresenta custo aproximado de 12 dólares/dia e
efeito teto.
A metadona deve ser iniciada com doses inferiores a 40 mg e é
a primeira escolha para pacientes grávidas. Apresenta, contudo,
maior risco de arritmia cardíaca, sobredose, aumento de peso,
sedação e recaída após 12 meses de tratamento.
A naltrexona deve ser iniciada sete dias após a retirada do opioide, tratando-se a síndrome de abstinência com clonidina.6
Conclusão
Dessa forma, podemos concluir que emprego de opioides a
longo prazo deve ser feito baseado em estratificação de risco,
evitando complicações como adição e dependência física. Uma
vez iniciado a terapia é importante monitorar os efeitos adversos
e iniciar tratamento adequado facilitando a compreensão de que
o uso de opioides ainda é uma grande arma no tratamento da
dor crônica, desde que bem indicado.
Referências:
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